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Automação de ensino de condução de procedimentos de ensino relacionados ao Transtorno do Espectro do Autismo View project
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ORGANIZADORES
COMPORTAMENTO
EM FOCO
Vol. 13
Ciências do comportamento:
teoria, método e aplicação
Catalogação na publicação
Fernanda Emanoéla Nogueira – CRB 9ª/1607
129 p.
CDD – 150.1943
II
Organização deste volume
Amilcar Rodrigues Fonseca Júnior (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Luziane de Fátima Kirchner (Universidade Católica Dom Bosco)
César Antonio Alves da Rocha (Universidade de São Paulo)
Diagramação
Carlos Rafael Fernandes Picanço (Contato)
Instituição Organizadora
Associação Brasileira de Ciências do Comportamento
Pareceristas
Ana Carmen Oliveira
Universidade Presbiteriana Mackenzie e Núcleo Paradigma
Ana Carolina Trousdell Franceschini
Financial Services Culture Board (FSCB)
Claudia Daiane Batista Bettio
Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto (USP-RP)
Fabiane da Silva Pereira
Centro Universitário Maurício de Nassau (UNINASSAU) e A Comportamental - Ciência & Comportamento
Felipe Pereira Gomes
Centro Universitário de Votuporanga (UNIFEV)
Jaume Ferran Aran Cebria
UNIFACIMED
Pedro Bordini Faleiros
Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP)
Priscila Ferreira de Carvalho Kanamota
Clínica Particular
Renata Penna Borges Nunes Cambraia
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC) e Faculdade Anhanguera de Brasília (FAB)
Vinicius Pereira de Sousa
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Universidade Presbiteriana Mackenzie
III
Sobre a ABPMC
IV
Diretoria da ABPMC 2021-2022
Presidente Giovana Veloso Munhoz da Rocha
Vice-Presidente Sulliane Teixeira Freitas
Primeira Secretária Angela de Loyola Silva Runnacles
Segunda Secretária Tatiany Honório Porto Aoki
Primeira Tesoureira Fernanda Chaves Pacheco Sorgatto Machado
Segunda Tesoureira Kátia Daniele Biscouto de Souza
V
Sobre a coleção Comportamento em Foco
www.abpmc.org.br
VI
Sobre os autores deste volume
André Luiz
Professor Adjunto na Universidade Positivo (Londrina). Psicólogo (CRP 08/30867) gradu-
ado pela Universidade Positivo - Curitiba (2015). Mestre em Análise do Comportamento
(2018) pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e Doutorando em Análise do
Comportamento pela mesma instituição. Pesquisador colaborador no Laboratório
de Análise Experimental do Comportamento Humano da UEL. Contemplado com
bolsa CAPES-DS, nível Mestrado, entre os anos de 2016 e 2018. Membro da Rede de
Colaboração Interinstitucional para Pesquisa e o Desenvolvimento das Terapias
Analítico-Comportamentais (REDETAC). Desenvolve pesquisas nas áreas de Resistência
do Comportamento à Mudança (Momentum Comportamental) e Custo da Resposta.
E-mail: andre.luiz@up.edu.br
VII
Ariela Oliveira Holanda
Professora do Ensino Básico Técnico e Tecnológico no Instituto Federal do Paraná, campus
Londrina. Doutorado e Mestrado em Ciências do Comportamento pela Universidade de
Brasília. Especialista em Análise do Comportamento Aplicada ao Transtorno do Espectro
do Autismo pelo Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento.
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará. Atua nas áreas de Economia
Comportamental, Transtorno do Espectro do Autismo, Jogos de Tabuleiro e Educação.
E-mail: ariela.holanda@gmail.com
VIII
Carlos Eduardo Costa
Graduado em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina (1994). Mestrado
(1997) e Doutorado (2004) em Psicologia Experimental pela Universidade
de São Paulo. Realizou estágio de Pós-Doutorado (2015) junto ao Programa e
Mestrado Profissional em Análise do Comportamento Aplicada, no Paradigma:
Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento (SP). Professor Associado da
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente permanente do Programa de
Pós-Graduação em Análise do Comportamento na UEL. http://www.caecosta.com.br.
E-mail: caecosta@uel.br
Joshua Jessel
Analista do Comportamento Certificado pelo BACB - Nível Doutorado (BCBA-D). Analista
do comportamento licenciado do Estado de Nova York. PhD pela Western New England
University. Mestre pela University of Maryland, Baltimore County. Atualmente é pro-
fessor assistente no Queens College CUNY e dirige um ambulatório universitário para
crianças diagnosticadas com autismo que apresentam comportamento problema.
E-mail: joshua.jessel@qc.cuny.edu
IX
Lucas Ferraz Córdova
Psicólogo, Doutor em Ciência do Comportamento pela Universidade de Brasília, Mestre em
Psicologia pela Universidade de Brasília. Atua como professor associado na Universidade
Federal do Mato Grosso do Sul. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia na UFMS. Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Behaviorismo
Radical e Análise do Comportamento – GEPEBRAC. Atualmente desenvolve pesquisas em
comportamento verbal, independência funcional e comportamento verbal do cientista.
E-mail: cordovalf@gmail.com
X
Patrícia Luque
Doutora em Ciências do Comportamento e Mestre em Psicologia pela Universidade de
Brasília (UnB). Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (CRP 01/10087)
e em Administração de Empresas pela UnB. Supervisora de estágio no Instituto Brasiliense
de Análise do Comportamento (IBAC). Psicóloga clínica desde 2004. Atualmente, desen-
volve pesquisas sobre comportamento do consumidor e economia comportamental.
E-mail: patricialuque@hotmail.com
XI
Apresentação
As ciências do comportamento agrupam um conjunto de ideias que lhes con-
ferem um modo apropriado, coeso e organizado de responder a perguntas como:
“Como as pessoas se comportam?”, “Por que elas fazem o que fazem?”, “O que as move
e o que as governa?”. Essas perguntas podem ser respondidas de várias maneiras, a
partir de diferentes visões sobre o ser humano e suas relações com o mundo natural
e social. Para o Behaviorismo Radical, filosofia que alicerça um sistema psicológico
particular – a Análise do Comportamento –, um dos objetivos da ciência deve ser o de
prover resultados práticos a partir de uma tentativa de apresentar ordenadamente os
acontecimentos do mundo, dado o suposto de que esses acontecimentos se encontram
relacionados entre si.
XII
que a RFT permite explicar o uso de intervenções sobre o comportamento verbal como
ferramenta para a atuação clínica.
O Capítulo 4 foi escrito por André Luiz, Julia R. Santos, Guilherme C. Cabeças,
Carlos E. Costa, Ariela O. Holanda, Patrícia Luque e Myenne M. A. Tsutsumi. Nele, é
apresentada uma proposta metodológica para o estudo de variáveis relacionadas a
comportamentos de prevenção durante pandemia de COVID-19, fundamentada na
Economia Comportamental Operante. A proposta, baseada no uso de questionários
online, focaliza duas principais variáveis: sunk-time e framing. De sua aplicação, es-
pera-se avanços na compreensão de como as pessoas se comportariam em situações
hipotéticas envolvendo medidas de prevenção.
XIII
O Capítulo 7, escrito por Felipe M. Lemos e Joshua Jessel tem por objetivo apre-
sentar a proposta de Análise de Contingência Sintetizada por Entrevista (IISCA), seguin-
do como tópicos principais a sua definição, fundamentação teórica, objetivos, formas
de avaliação, análise de efetividade e eficiência. De modo geral, os autores pontuam
que a IISCA é um tipo de análise funcional guiada por uma entrevista semiaberta
realizada com pessoas relevantes na vida do paciente, com aplicabilidade em diversos
contextos, e que pode ser conduzida por analistas do comportamento ou até mesmo
por professores ou cuidadores. Os objetivos da IISCA são demonstrar o controle sobre
o comportamento-problema, obter linha de base para avaliar efeitos do tratamento,
e identificar condições motivacionais e reforços que historicamente fortaleceram o
comportamento-problema. Trata-se de uma tecnologia relativamente nova e que tem
apresentado resultados positivos pela sua utilidade prática, bem como pela sua eficácia
em informar o tratamento e aceitabilidade social. Os autores destacam o caráter de
flexibilidade do procedimento, que pode ser ajustado para atender às necessidades
individuais de cada caso.
Por fim, de autoria de Ana Claudia M. A. Verdu, o Capítulo 8 tem como objetivo
sistematizar dados sobre precisão de fala em crianças com deficiência auditiva e im-
plante coclear apresentados em estudos sobre equivalência de estímulos. A análise
proposta contemplou 17 estudos referenciados em documentos do Instituto Nacional
de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). A
caracterização proposta abarca as autorias dos trabalhos, as universidades envolvi-
das, os tipos de estudos, os participantes, os materiais e procedimentos adotados, os
delineamentos de pesquisa e os principais resultados derivados das intervenções.
Dá-se destaque à importância de que estudos futuros busquem intervir em contextos
clínicos e educacionais, e que seja mantida uma comunicação frutífera entre a Análise
do Comportamento e a Fonoaudiologia.
Os organizadores
XIV
Sumário
Comportamento verbal:
desafios conceituais da proposta de Skinner
Capítulo 1 Carlos Augusto de Medeiros 17
Márcio Borges Moreira
Lucas Ferraz Córdova
O que é comportamento
governado por regras para a
Capítulo 2 Teoria das Molduras Relacionais 32
Augusto Cézar de Souza Neto
Angelo Augusto Silva Sampaio
Contribuições da
Economia Comportamental Operante
para situações de pandemia:
uma breve introdução
André Luiz
Capítulo 4 Julia Röcker dos Santos 59
Guilherme Corrêa Cabeças
Carlos Eduardo Costa
Ariela Oliveira Holanda
Patrícia Luque
Myenne Mieko Ayres Tsutsumi
XV
Tecnologias comportamentais
para intervenção e prevenção:
Capítulo 5 contribuições da Análise do Comportamento 71
Verônica Bender Haydu
Raquel Neves Balan
Acurácia da fala
em crianças com deficiência auditiva
Capítulo 8 e implante coclear via tecnologias 113
de ensino baseada em equivalência
Ana Claudia Moreira Almeida Verdu
XVI
COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 13 pp. 17—31
Resumo Abstract
Os objetivos deste capítulo são apresentar, The objectives of this chapter are to present,
exemplificar e problematizar conceitos e exemplify and problematize concepts and
discussões teóricas pertinentes à proposta theoretical discussions pertinent to Skinner's
de Skinner acerca do comportamento verbal. proposal about verbal behavior. Initially, the
Incialmente, a própria definição de compor- very definition of verbal behavior as an ope-
tamento verbal como operante mantido por rant maintained by mediational reinforce-
reforço mediacional provido por um ouvinte ment provided by a listener specially trained
especialmente treinado em uma comunidade in a verbal community was debated. Special
verbal foi debatida. Deu-se ênfase especial emphasis was placed on the concepts of me-
aos conceitos de reforço mediacional e comu- diation reinforcement and verbal community.
nidade verbal. A definição de comportamento The definition of verbal behavior will also be
verbal também será aplicada a instâncias li- applied to borderline instances, such as when
mítrofes, como na comunicação com animais communicating with non-human animals
não humanos e máquinas. As definições de and machines. The definitions of stimuli and
estímulos e respostas verbais em diferentes verbal responses in different functional cate-
categorias funcionais serão avaliadas quanto gories will be evaluated regarding the role of
ao papel da topografia e da função. Por fim, topography and function. Finally, the notion
a noção de independência funcional será of functional independence will be discus-
discutida com base em usos reificados dos sed based on reified uses of verbal operants,
operantes verbais, quando, na realidade, são when, in reality, they are mere descriptive
meras categorias descritivas de instâncias categories of verbal instances. As conclusions,
verbais. Como conclusões, o presente capítulo this chapter suggests the complexity of the
sugere a complexidade do tema e como a sua topic and how its approach could benefit
abordagem poderia se beneficiar de exames from more careful conceptual examinations.
conceituais mais cuidadosos.
Palavras-chave Keywords
1 O presente capítulo é derivado de uma mesa redonda apresentada no XXIX Encontro Brasileiro de Psicologia e Medicina Comportamental
e VI Encontro Sul-Americano, realizada no dia 04 de setembro de 2020, sob o título: Comportamento verbal: desafios conceituais da proposta
de Skinner.
17
Comportamento verbal
Carlos Augusto de Medeiros, Márcio Borges Moreira & Lucas Ferraz Córdova
parece apropriado dizer que o comportamen- diferencial, todavia, nesse caso, estamos diante
to verbal não produz mudanças no ambiente de um reforçamento diferencial social. Caso
físico (Passos, 2003). Em primeiro lugar, para o o violonista erre algum acorde ou toque um
Behaviorismo Radical, não há dicotomia entre repertório não apreciado pela audiência, as
ambiente físico e ambiente de outra natureza consequências reforçadoras não serão apre-
(Skinner, 1953; 1974). Ou seja, só existe ambien- sentadas. Desse modo, certas respostas no ins-
te físico. Além disso, parece-nos que não seja trumento serão reforçadas e outras não.
apropriado dizer que o comportamento não Nesse paralelo com o comportamento
muda diretamente o ambiente, na medida em verbal, apenas o segundo tipo de consequência
que deixa marcas no papel na escrita ou produz exerceria controle sobre a sua probabilidade
ondas sonoras na fala, por exemplo (Catania, de ocorrência, ainda que, as respostas verbais
1998/1999). Mas não são essas modificações também alterem o ambiente de forma mecâ-
que estabelecem e mantém o comportamento nica, como no caso do primeiro tipo de refor-
verbal e sim, os efeitos que produzem nos com- çamento do comportamento de tocar violão.
portamentos de ouvintes (Passos, 2003). Em outras palavras, mesmo que as respostas
Um exemplo pode ajudar a esclarecer verbais produzam alterações mecânicas, como
esse ponto. Uma pessoa tocando violão pode tocar violão, apenas as consequências sociais
ter seu comportamento controlado por dois são responsáveis pela sua probabilidade de
tipos de consequências: 1) Os sons que o con- ocorrência futura.
tato de seus dedos com as cordas produz que, Se contrapormos a definição de compor-
nesse caso, são produtos de relações mecâni- tamento verbal, em termos de mediação por
cas; 2) A atenção, os elogios e os aplausos de outra pessoa, há exemplos de comportamento
outras pessoas presentes enquanto ela toca. verbal como alguém pedindo um copo d'água
Poderíamos classificar o primeiro tipo como (e.g., Abreu & Hübner, 2012; Passos, 2003) em
reforçadores não sociais, ou seja, aquelas mo- que o papel da mediação fica claro: o estímulo
dificações no ambiente capazes de afetar a reforçador é a água e a água chega até quem
probabilidade futura de um comportamento a pede pela mediação de outra pessoa. Em
sem a intervenção de outras pessoas. Caso o última análise, a modificação no ambiente que
violonista erre o posicionamento de um dos mantém o comportamento de pedir um copo
dedos, provavelmente o som produzido não d'água é produzida por quem pega e entrega
reforçará essa resposta, ou mesmo, exercerá o copo, e não pelas palavras de quem pede o
funções punitivas sobre ela. Estaremos diante copo d’água (esse é um exemplo do operan-
de um reforçamento diferencial não social, da te verbal chamado de mando). No entanto, se
mesma forma que ocorre quando aprendemos considerarmos situações que envolvem outros
a abrir uma torneira moderna cujo mecanis- tipos de operantes verbais com, por exemplo,
mo de funcionamento não consiste meramente um diálogo em um consultório clínico (e.g.,
girar algo no sentido anti-horário. Medeiros, 2002a; 2002b), ou qualquer conversa
Por outro lado, a atenção, os elogios e cotidiana, o que observaremos serão apenas
os aplausos são consequências sociais (Baum, pessoas conversando, sem que alguma delas
2005/2006), ou seja, são efeitos de respostas nos altere o ambiente inanimado ao seu redor (e.g.,
comportamentos de outras pessoas. Podemos pegar um copo com água, acender uma lâmpa-
novamente nos deparar com um reforçamento da ou ligar um ar-condicionado). Nesse caso, a
mudança ambiental que funciona como evento e é mantido por reforçamento mediacional é
selecionador para os comportamentos de uma improcedente. Ainda que se argumente que as
pessoa são mudanças no comportamento de mudanças nos comportamentos dos alunos que
outra pessoa. Nesse sentido, o comportamento caracterizariam a sua aprendizagem seria um
de outra pessoa não é mediador de uma conse- reforço social às respostas verbais do professor,
quência, ele é a própria consequência, ou seja, não faz sentido afirmar que os alunos estejam
a própria alteração no ambiente. Pesquisas alterando o ambiente espacial, mecânica e ge-
que avaliaram o efeito reforçador da atenção ometricamente pelo professor.
sobre o comportamento (olhar, falar, tocar etc.) As evidências científicas disponíveis de-
constituem um conjunto de exemplos da pro- monstram que vocalizações e contato do olhar,
posição de que o comportamento do outro não por exemplo, são eventos reforçadores para os
é mediador das consequências reforçadoras comportamentos, verbais ou não, que os pre-
(pelo menos não em todos os casos), mas é a cedem (e.g., Piazza et al., 1999). Ecóicos, tatos e
própria consequência reforçadora (e.g., Piazza intraverbais, portanto, não seriam comporta-
et al., 1999; van der Mars, 2016). mentos cujas consequências são mediadas por
Se contrapormos a definição de comporta- outras pessoas. A rigor, tais comportamentos
mento verbal, com base na mediação por outra não poderiam ser classificados como compor-
pessoa, às definições de algumas categorias de tamentos verbais, tendo como base para defi-
comportamento verbal, encontraremos algu- nição de comportamento verbal a mediação
mas incongruências. Os comportamentos ca- por outra pessoa. Obviamente, complexas in-
tegorizados como ecóicos, tatos e intraverbais, terações entre membros de uma comunidade
por definição, são comportamentos controla- verbal são responsáveis pelo estabelecimen-
dos, em termos dos estímulos consequentes, to da função dos reforçadores condicionados
por consequências reforçadoras condicio- generalizados. Não restam dúvidas de que os
nadas generalizadas (Barros, 2003; Skinner, reforçadores generalizados têm o potencial de
1957/1978). Tais consequências, basicamente, estabelecer e manter respostas verbais.
são comportamentos de outras pessoas (e.g., A definição de comportamento verbal com
dizer "Isso!", "Concordo", "Muito bem!"). Por base na mediação por outra pessoa parece não
exemplo, quando um professor leciona conte- englobar também situações nas quais o falante
údos à sua turma de forma expositiva, alguns é o ouvinte de seu próprio comportamento (e.g.,
alunos apenas mantêm o olhar em direção ao solilóquio). De acordo com Skinner (1957/1978,
professor; muitos fazem anotações; outros me- p. 88), ao se referir ao comportamento ecóico,
neiam a cabeça; outros fazem "hum-hum"; e, desde que "um falante usualmente se ouve a si
ocasionalmente, alguém faz um comentário ou próprio e, assim, se estimula verbalmente, ele
uma pergunta. Que mudanças os alunos fazem também pode fazer eco a si próprio. Tal com-
no ambiente pelo professor? Não faz sentido fa- portamento é potencialmente auto-reforçador
larmos de reforço mediacional ou de uma ação se fortalecer a estimulação usada no controle
indireta no ambiente como no mando. Sendo do comportamento verbal próprio da pessoa"
assim, na maioria dos operantes verbais (i.e., (Skinner chamou esse comportamento de auto-
tatos, intraverbais, ecóicos, transcrições, textu- ecóico). Nesse caso, o estímulo discriminativo,
ais) a definição de comportamento verbal como a resposta e a consequência reforçadora são
aquele que age de maneira indireta no ambiente todos, em termos não técnicos, comportamentos
da mesma pessoa. Não há, na descrição dessa mas do físico, parecem ser irrelevantes para
relação entre eventos, referência a um ambien- esta análise. Parece-nos razoável supor que, a
te físico inanimado (ambiente não-pessoa) ou rigor, tais princípios geométricos e mecânicos
um ambiente mecânico. Vale ressaltar que o constituem a busca de uma "causalidade mecâ-
conceito de ambiente, neste caso, é usado em nica" para o comportamento. Para a análise das
oposição ao conceito de organismo. variáveis que controlam um determinado com-
Considerando-se que o raciocínio apre- portamento, conforme apontado por Skinner
sentado até aqui esteja correto, pelo menos par- (1953), importa a relação funcional, importa
cialmente, parece ser necessária uma revisão da a regularidade entre as ocorrências dos dois
definição de comportamento verbal para pro- eventos em questão, e não como a natureza
mover maior aderências da mesma aos eventos os produz. Além dos princípios geométricos e
tipicamente denominados em textos científi- mecânicos, parece-nos também ser irrelevante
cos como comportamento verbal, incluindo as para a análise identificar o agente que produziu
próprias categorias formais de comportamento a alteração (o acender da luz, por exemplo), o
verbal. Nos parece que tal definição poderia agente/ente que dispõem tais eventos no mundo
prescindir do uso do termo "mediação". Nesse – se foi, por exemplo, outra pessoa que ligou
sentido, parece razoável dizer que, para dife- outro interruptor, se foi o Operador Nacional
renciar comportamento verbal de não verbal, do Sistema ou mesmo se foi um software.
tal definição talvez devesse fazer referência a Digamos que alguém reze para chover e
mudanças no comportamento de um organis- que tal comportamento seja seguido da chuva.
mo como sendo a mudança no ambiente rela- A chuva, de alguma maneira, altera a probabili-
cionada à manutenção desse comportamento: dade do rezar, sendo que os eventos relevantes
o comportamento verbal é um comportamento são o rezar e o chover. Dizer que não há rela-
operante cujas consequências mantenedoras ções causais (princípios geométricos e mecâ-
são alterações no comportamento de um (outro) nicos) envolvidos nessa relação é, em última
organismo. análise, uma afirmação baseada na correlação
estatística/observada/inferida entre a ocorrên-
Princípios Geométricos e Mecânicos cia desses dois eventos. Nesse sentido, parece
ser irrelevante falar dos princípios geométri-
O efeito que o comportamento produz cos e mecânicos que produzem o chover. Para
sobre o ambiente, sua consequência, é, via de efeitos da análise funcional do comportamento
regra, definido em termos de suas propriedades de rezar, nesse exemplo, parece ser irrelevan-
físicas (forma, intensidade etc.). A análise do te também identificar o "agente causador da
efeito das alterações ambientais sobre o com- chuva". No entanto, do ponto de vista de quem
portamento prescinde do agente que produziu se comporta, rezando, teríamos um exemplo
aquela alteração no ambiente (Passos, 2007). Se de comportamento verbal tal qual definido por
alguém pressiona um botão e uma luz é acesa, Skinner, pois a chuva foi mediada por outro ser.
o pressionar o botão e o acender da luz são Se Maria diz para João "Acenda a luz, por
os eventos relevantes para uma análise fun- favor", e João acende a luz, temos um exemplo
cional – os princípios geométricos e mecânicos com 100% de aderência à definição de compor-
envolvidos nessa relação, que, inclusive, não tamento verbal proposta por Skinner. É impro-
são da alçada do analista do comportamento, vável que algum analista do comportamento
diga que esse não é um exemplo de comporta- resultados impressionantes de interações entre
mento verbal. No entanto, se Maria disser para primatas que, se ocorressem em humanos, não
um assistente virtual (Siri, Google Assistente, teríamos dúvida em classificá-las como verbais.
Alexa, entre outros) "Acenda a luz, por favor", Os sujeitos dessas pesquisas emitiram respos-
e o assistente virtual acender a luz, é possível tas que atendem aos critérios da definição de
que tenhamos divergências entre analistas do comportamento verbal e exemplificam tatos,
comportamento se esse é ou não um exemplo mandos e comportamentos de ouvinte. Com
de comportamento verbal: o assistente não é relação a um vocabulário rudimentar, é possí-
uma pessoa. Sendo assim, parece-nos incorreto vel afirmar que os sujeitos compuseram uma
dizer que o assistente virtual seria um ouvinte comunidade verbal.
discriminado ou mesmo que faça parte de uma Existem ressalvas, todavia, quanto à ca-
comunidade verbal. tegorização de tais resultados como evidência
A introdução do papel do ouvinte talvez de interações verbais entre não humanos. A
seja umas das principais contribuições de primeira delas é a de que não foi um grupo
Skinner (1957/1978) em relação ao estudo da de primatas que criou a relação entre as topo-
linguagem. No entanto, parece-nos que o papel grafias de respostas ou símbolos selecionados
do ouvinte seja importante para caracterizar o e as variáveis de controle. Assim como não foi
comportamento verbal como comportamen- esse grupo de primatas que estabeleceu quais
to operante, no sentido de que é controlado comportamentos de ouvinte seriam reforçados
por suas consequências. A ênfase, portanto, diante dos estímulos verbais. Essas relações
deveria ser na seleção por consequências, e foram criadas artificialmente pelos experi-
não no agente que dispõe as consequências. mentadores. É possível questionar a ocorrência
Especificar organismo/pessoa/ouvinte na de- de comportamento verbal em não humanos
finição do comportamento verbal parece-nos justamente pela ausência de espontaneidade
ser desnecessário e anacrônico, vis-à-vis casos da criação de uma comunidade verbal, assim
dos assistentes virtuais, entre outros. É possível como, da inserção de novos membros nessa
fazer perguntas e ligar aparelhos falando com comunidade verbal. Todavia, não há, na defini-
assistentes virtuais. Fazer distinções entre seres ção de comunidade verbal, nada que restrinja
humanos e Inteligências Artificiais para definir a existência de comunidades verbais artificiais
comportamento verbal parece-nos ser, cada ou a inserção de novos membros em tal comu-
vez mais, contraproducente – assim como pa- nidade por meio de ensino formal. Se houvesse,
rece-nos ser o caso para interações entre seres de fato, tais restrições, não poderíamos conside-
humanos e animais ou quaisquer outros entes. rar pessoas fluentes em esperanto ou klingon
Em suma, não seria relevante o que ou quem como membros de uma mesma comunidade
diz "são cinco horas" após uma pessoa dizer verbal.
"que horas são" – importaria, simplesmente, a Além disso, como observa Michael (1984),
consequência "são cinco horas". o fenômeno da "explosão da linguagem", comu-
O estudo de Savage-Rumbaugh (1984) fez mente reportado em crianças por psicólogos do
uma análise com base nos conceitos propostos desenvolvimento, não foi observado em não
por Skinner (1957/1978) de diversos estudos humanos. Mesmo com extensos programas de
que pretenderam ensinar linguagem a ani- treinamento, as respostas verbais observadas
mais não humanos. Esses estudos reportaram em não humanos eram equivalentes às de
crianças pequenas. Ainda assim, isso não muda Comportamento, o que sempre foi desaconse-
o fato de que as respostas emitidas nesses estu- lhado por Skinner (1945; 1953; 1974).
dos por não humanos estão de acordo com as Uma definição promissora de comuni-
definições de comportamento verbal. dade verbal deveria dar ênfase às práticas de
reforçamento administradas por grupos de
Comunidade Verbal indivíduos. Tais práticas de reforçamento es-
tabelecem as condições nas quais as respostas
Os debates acima ilustram a fragilidade verbais têm probabilidade de serem reforçadas
do conceito de comunidade verbal, que é um (e.g., estímulos verbais ou não; reforçadores
aspecto central da definição de comportamento generalizados ou específicos) e quais com-
verbal. Skinner (1957/1978; 1974) não define portamentos de ouvinte seriam reforçados na
comunidade verbal diretamente, fazendo men- presença de determinados estímulos verbais.
ções a ela. Outros autores como Perterson (1978) Como as comunidades verbais, com exceção
e Baum (2005/2006) a definem como um grupo dos idiomas inventados, se estabelecem de
de pessoas que ocupam papéis de falantes e modo não planejado, as práticas de reforça-
ouvintes. Já Passos (2003), faz menção aos com- mento não possuem uma consistência absoluta,
portamentos de falante estabelecidos por con- de modo que observaremos, com certa regula-
tingências semelhantes. Barros (2003) e Skinner ridade, comportamentos de falantes e ouvintes
(1957/1978) também mencionam a comunida- idiossincráticos.
de verbal como estabelecedoras contingências
que modelam comportamentos de falante e Estímulo Verbal e Resposta Verbal:
ouvinte. Vargas (2003), assim como Skinner Definições Topográficas?
(1957/1978) e Baum (2005/2006), relaciona
comunidade verbal à cultura. Praticamente Considerando-se que a definição de com-
todos os autores discutem a identidade entre portamento verbal poderia prescindir dos
a comunidade verbal e os grupos de pessoas conceitos de mediação e de organismo, essa
que falam a mesma língua. Em resumo, as di- distinção de um operante verbal, em oposição
ferentes definições de comunidade verbal se operantes não verbais, pareceria cada vez mais
referem a pessoas (não a animais não humanos caminhar para uma definição em termos mera-
ou a máquinas); a falantes e ouvintes; à cultura; mente topográficos, o que, ao nosso ver, estaria
às práticas de reforçamento e aos idiomas. mais próximo dos usos dos conceitos relacio-
Do ponto de vista de definições funcionais, nados ao comportamento verbal encontrados
não parece compatível com o Behaviorismo na literatura científica, notadamente estímulo
Radical restringir comunidades verbais às verbal e resposta verbal. Abaixo, seguem alguns
pessoas, uma vez que, com base em critérios exemplos que visam sustentar esse argumen-
exclusivamente funcionais, outros organismos to: 1) "Note que há um discriminativo não-
ou mesmo máquinas exibem instâncias que -verbal presente em ambos os exemplos (um
poderiam ser consideradas verbais se emiti- objeto e um evento privado)" (Borloti, 2004);
das por humanos. A relação da comunidade 2) "Se a situação antecedente for um estímulo
verbal com a cultura e com os idiomas também discriminativo verbal (palavra escrita, falada,
é problemática porque lança mão de concei- gestualizada)" (Borloti, 2004 p. 255); 3) "Entre
tos muito complexos e externos à Análise do o estímulo discriminativo verbal auditivo (o
som da palavra ouvida pela criança) e a res- Skinner (1957/1978, p. 108) como "um operante
posta verbal da criança (sua reprodução vocal verbal, no qual uma resposta de certa forma
do que ouviu), deve haver correspondência é evocada (ou pelo menos reforçada²) por um
formal, exigência que fazemos para reforçá-la" objeto particular ou um acontecimento ou pro-
(Passos, 2003, p. 203); 4) "Regra para Skinner priedade de objeto ou acontecimento". Tempos
(1969) é um estímulo discriminativo verbal que depois, Barros (2003, p. 77) definiu o tato como
descreve uma contingência" (Scala & Kerbauy, "respostas verbais, vocais ou motoras controla-
2005); e 4) "O principal estímulo discriminati- das por estímulos discriminativos não-verbais
vo verbal usado na pesquisa, após tomarem e mantidas por consequências sociais quando
conhecimento dos objetivos da pesquisa, foi existe correspondência, ou seja, identidade fun-
a seguinte frase ‘Falem as primeiras idéias ou cional (arbitrária e culturalmente estabelecida),
frases que lhe ocorrem quando escutam a frase entre o estímulo discriminativo e a resposta".
Estudar e trabalhar na universidade’" (Teixeira Skinner (1957/1978) utilizou os termos
et al., 2008, p. 184). "acontecimento" ou "propriedade de objeto
Note que, nos exemplos acima, o termo ou acontecimento" para se referir aos eventos
"verbal" é seguido de termos como "palavras", antecedentes que exercem controle discrimina-
"frases", "ouviu", "falou", ou seja, o qualificador tivo sobre um comportamento que, por conta
"verbal" não remete à função ou a qualquer desse tipo de controle, é chamado de tato. Tais
outro aspecto explicitamente indicado na defi- eventos, conforme apresentado na definição
nição de comportamento verbal. Cabe ressaltar de tato apresentada por Barros (2003), são de-
aqui que atrelar a distinção de verbal e não nominados estímulos discriminativos não-ver-
verbal à topografia dos estímulos e das respos- bais. Exemplos de estímulos discriminativos
tas não é incongruente com o apelo maior da não-verbais geralmente são descritos como
proposta de Skinner de comportamento verbal, aspectos do ambiente que não sejam repostas
que é a de apresentar uma proposta de análise verbais de outra pessoa ou do próprio falante
funcional de fenômenos relacionados à lingua- (um copo, a temperatura, um objetivo em mo-
gem. A despeito de quais características distin- vimento, precipitações atmosféricas etc.). Uma
guiram um comportamento operante verbal pessoa comendo uma fruta poderia, de acordo
de um comportamento operante não verbal, com a definição, ter a função de estímulo dis-
o mesmo continua sendo um comportamento criminativo não verbal para a resposta verbal
operante e esse, ao nosso ver, é o grande dife- de dizer "A pessoa está comendo uma fruta".
rencial da proposta de Skinner. Um primeiro ponto a ser destacado é que,
A definição do operante verbal "tato" no exemplo acima, tanto a qualificação do es-
parece ser particularmente interessante para tímulo "pessoa comendo fruta" como estímulo
analisarmos a distinção entre verbal e não-ver- discriminativo não verbal, quanto a classifica-
bal, especialmente porque essa distinção não se ção da resposta de dizer "A pessoa está comendo
aplica somente ao conceito de comportamento, uma fruta" como verbal foram meramente topo-
mas também aos conceitos de estímulo (verbal) gráficas e esse parece ser o uso comum desses
e resposta (verbal). O tato foi definido por termos na literatura científica. Um segundo
2 Na tradução para o português do livro "Verbal Behavior", encontra-se a palavra "reforçada". Todavia, uma tradução mais precisa seria
"fortalecida", no sentido de que teria a sua probabilidade de ocorrência aumentada "por um objeto particular ou um acontecimento ou
propriedade de objeto ou acontecimento".
ponto a ser destacado é que insistir em uma a partir da relação funcional da mesma com va-
distinção entre verbal e não verbal, pelo menos riáveis ambientais históricas e presentes. Uma
com relação aos eventos antecedentes, parece das implicações no proposto por Skinner no
ser desnecessário e/ou contraproducente. Não livro Verbal Behavior é a de que o que se apren-
teríamos problema em definir uma fruta ou de ao se aprender uma resposta verbal não é
uma "pessoa comendo fruta" como um estímulo um significado (no sentido símbolo/referente)
discriminativo não verbal (pelo simples fato de intrínseco à topografia, mas sim a emissão de
não ser uma pessoa falando ou gesticulando). uma dada resposta diante de uma determinada
Por outro lado, é provável que os exemplos relação contingencial. Nas palavras do próprio
abaixo gerem divergências ou dificuldades de Skinner (1977, p. 8) "Uma resposta verbal sig-
análises para ser definir se são ou não casos de nifica algo no sentido de que o falante está sob
tato (para efeito de exemplo, considere que as controle de circunstâncias particulares".
consequências reforçadoras em todos os exem- Skinner (1957/1978) afirma que o signi-
plos são comentários que expressam concor- ficado não é propriedade da variável depen-
dância como "Isso mesmo!"): 1) Na presença de dente, isto é, da resposta verbal, mas sim da
alguém falando sobre conceitos comportamen- variável independente, ou seja, das condições
tais, dizer "Que assunto legal"; 2) Após ler um sob as quais o comportamento ocorre. Com
poema, dizer "Que poema bonito"; 3) Após ser isso, enfatiza-se a busca por relações funcionais
xingado, dizer "Que palavrão horroroso"; 4) Na tanto da aquisição quanto da manutenção da
presença de uma placa com o sinal de proibido resposta verbal em detrimento da busca por
fumar, dizer "É proibido fumar aqui". significados concretos como propriedades da
Nos exemplos acima, temos estímulos que, palavra (Córdova, 2008; Moxley, 1997).
topograficamente, se parecem com aquilo que Tal noção leva a suposição de indepen-
chamamos de estímulos verbais e as respos- dência funcional entre operantes verbais.
tas são topograficamente similares àquilo que Skinner (1957), ao observar regularidades no
chamamos de respostas verbais – especifica- comportamento, categorizou diferentes tipos
mente, se parecem com tatos. Restringir o tato de comportamentos verbais, tais categorias ele
a controle por estímulos não verbais, sendo que denominou de operantes verbais. Essas catego-
tais definições parecem ser necessariamente rizações são feitas levando em consideração o
topográficas, parece deixar de fora do concei- tipo de variável controladora, o tipo de resposta,
to eventos que deveriam/poderiam ser casos o tipo de consequência, o tipo de relação exis-
de tato. Caso tal proposta se mostre profícua, tente entre a variável antecedente e a resposta.
a distinção entre tatos e intraverbais ou entre A categorização feita por Skinner leva em conta
tatos e ecóicos, por exemplo, seria topográfica a topografia da resposta, mas primordialmente
e em relação ao estímulo antecedente. enfatiza a relação funcional da resposta com as
variáveis ambientais. Skinner apresenta oito
Operantes Verbais e Independência Funcional categorias funcionais, ou operantes verbais (i.e.,
ecóico, cópia, textual, tomar ditado, intraverbal,
Como já dito, ao definir comportamento autoclítico, mando e tato).
verbal como passível de ser descrito em um A partir da concepção funcionalista de
enquadre operante está sendo enfatizado que a significado, uma mesma topografia de resposta
ocorrência de uma dada resposta se explicaria verbal emitida em momentos distintos pode ser
função de diferentes variáveis independentes. mesma topografia uma vez que respostas com
Uma mesma resposta verbal teria diferentes tal topografia não foram treinadas em função
significados quando sob o controle de diferen- dessas novas variáveis.
tes variáveis ambientais. Para Skinner, "Dizer Como apontado inicialmente, apesar de
que comportamentos têm significados distintos uma lacuna temporal significativa entre a pu-
é apenas outra maneira de dizer que são con- blicação do livro Verbal Behavior e estudos que
trolados por variáveis distintas." (Skinner, 1969, investigaram a proposta apresentada, estudos
p., 156). Uma criança pode emitir a resposta sobre comportamento verbal passaram a ser
verbal "água" sob o controle de um estímulo cada vez mais frequentes entre as publicações
discriminativo não verbal, sendo a resposta analíticas comportamentais. No que diz respei-
definida como um tato, ou pode essa mesma to aos estudos sobre independência funcional,
resposta estar sob o controle de uma operação observa-se um surgimento mais expressivo na
estabelecedora. Já nesse caso, a resposta seria literatura a partir do fim da década de 1960
definida como um mando. Os operantes verbais (Guess, 1969). Na grande maioria (Lamarre &
mando e tato diferenciam-se por constituírem Holland, 1985; Hall & Sundberg, 1987; Twyman,
relações funcionais distintas, e nesse sentido, 1996; Mousinho, 2004; Córdova, Lage & Ribeiro,
sendo relações de significados também distin- 2007), os estudos com o foco na independência
tas, mesmo apresentando respostas topografi- funcional entre operantes verbais caracteri-
camente semelhantes. zam-se por inicialmente estabelecer respostas
A suposição da independência funcional, com uma determinada topografia com uma
defendida por Skinner (1957), é extremamen- função específica (e.g. mando, tato, intraverbal)
te importante para compreensão do desen- e testar se esse treino inicial levaria colateral-
volvimento do repertório verbal. Isso porque, mente (sem treino específico) a emissão dessas
a partir do momento em que duas respostas respostas verbais sob o controle de variáveis
verbais, topograficamente semelhantes, pos- características de outros operantes verbais.
suem variáveis controladoras distintas, essas Com base nesses estudos, buscou-se apoio em-
seriam funcionalmente independentes entre pírico à proposta feita por Skinner (1957/1978).
si. Isso quer dizer que o treino responsável Os estudos sobre independência funcio-
pelo estabelecimento regular da emissão de nal entre os operantes verbais tato e mando têm
uma resposta de dada topografia sob contro- encontrado dados que corroboram parcialmen-
le funcional definidor de um dado operante te a proposta de Skinner (1957/1978). Contudo,
verbal não resultaria na emissão de respostas em todos os estudos aqui apresentados, houve
de mesma topografia sob o controle funcional o surgimento de algum operante colateral em
característico de outros operantes verbais. O alguma fase do experimento (Gamba, Goyos &
que é aprendido ao se adquirir uma resposta Petursdottir, 2014). Na grande maioria, esses
verbal, não é a emissão de uma determinada resultados são normalmente explicados pela
palavra ou o significado intrínseco a ela, e sim idade avançada dos participantes enquanto
uma função comportamental ou seja, a emissão fator preditivo de maior repertório verbal. Tal
de uma dada resposta na presença das variáveis explicação, apesar de coerente, é especulativa
ambientais necessárias. É de se supor então, já que esses estudos não apresentaram um con-
que quando defrontada com variáveis ambien- trole rigoroso sobre a história de reforçamen-
tais outras, a criança não emita respostas com a to dos seus participantes. Gamba et al. (2014)
apontam ainda que questões procedimentais comportamentais sendo unidas por algumas
(e.g., falha em criar eventos que se caracterizam similaridades funcionais. Os elementos com-
plenamente como operações estabelecedoras) ponentes das definições dos operantes verbais
podem ter sido responsáveis pelas falhas dos não devem ser entendidos como exaustivos
participantes nos testes dos operantes verbais das fontes de controle sobre as emissões dis-
não treinados. cretas, mas como forma de categorização de
Para além de questões puramente meto- diferentes comportamentos verbais. Operações
dológicas, talvez um segundo fator, de ordem estabelecedoras e reforço específico definem
conceitual (Harzem & Milles, 1978), pode con- a categoria mando, mas não a totalidade da
tribuir com a diversidade de dados da área. fonte de controle das respostas submetidas a
Tradicionalmente, operantes verbais são en- essa categoria.
tendidos como comportamentos aprendidos, Assumir que o controle sobre as respostas
selecionados e mantidos no mesmo sentido de verbais se restringe àquelas variáveis aponta-
respostas discretas. É comum encontrar obser- das na definição dos operantes verbais leva a
vações como "O mando foi treinado" ou "O tato uma expectativa de uniformidade nos dados de
foi emitido". Contudo, como dito pelo próprio pesquisa sobre independência funcional não
Skinner (1957/1978)" (...) relações funcionais são demonstrados pelos estudos da área. Parece
úteis, primeiramente apenas como um esque- claro, a partir de um entendimento de relação
ma classificatório, funcionando nesse sentido de contingência (Skinner, 1969), que se em
um pouco como os esquemas classificatórios da duas contingências distintas, mando e tato, por
gramática." (p. 178). As definições dos operantes exemplo, os elementos componentes diferem
verbais (por exemplo o tato como o operan- drasticamente, as respostas não apresentaram
te verbal que tem como controle antecedente inter-relação funcional. Contudo, numa visão
estímulo discriminativo não-verbal e reforço multideterminada os parâmetros definidores de
generalizado) não abarcam a totalidade da in- cada operante compõem apenas parte da fonte
tricada rede de relações funcionais as quais a de controle. No interior dessa rede de deter-
emissão de uma dada resposta verbal se insere. minações, é possível/provável que os mesmos
A resposta verbal "biscoito", definida como eventos componham a organização funcional
mando, tem maior probabilidade de reforça- de diferentes respostas, inclusive aquelas clas-
mento específico quando diante de um ouvinte sificadas em diferentes operantes. No exemplo
que possui o objeto biscoito em mãos, fazendo anterior do mando "biscoito" onde o ouvinte se
com esse adquira função discriminativa. Essa encontra com um pacote de biscoito em mãos
é uma característica não presente na definição aproxima o controle funcional daquele defini-
conceitual do operante mando (i.e., operante dor do tato em função da presença de estímulo
verbal controlado por operação estabelecedora discriminativo não verbal.
e reforço específico) apesar de exercer controle A mudança de entendimento do papel do
funcional para essa resposta específica, e assim conceito de operantes verbais não muda a su-
compor como já dito o significado da resposta posição inicial de independência funcional, res-
verbal "biscoito". postas submetidas a controle funcional distinto
Operantes verbais devem ser entendi- exige treino específico. A principal implicação
dos como categorias de padrões de contin- de tal mudança é o de levar a uma alteração no
gências, que englobam diferentes relações foco de análise para além das grandes variáveis
Resumo Abstract
Uma característica peculiar e extremamente A peculiar and extremely important charac-
importante dos humanos é sua capacidade de teristic of humans is their ability to quickly
adquirir novos comportamentos rapidamente acquire new behavior through exposure to
através da exposição a estímulos verbais, sem verbal stimuli, without direct contact with the
contato direto com as consequências referi- related consequences. In behavior analysis,
das. Na análise do comportamento, esse fenô- this phenomenon was first treated more than
meno foi primeiro tratado há mais de meio half a century ago by Skinner, who defined it
século por Skinner, que o definiu como com- as rule-governed behavior (RGB). Relational
portamento governado por regras (CGR). A Frame Theory (RFT) emerged 40 years later
Teoria das Molduras Relacionais (RFT) surgiu and, although there is a growing number
40 anos depois e, embora haja um crescente of empirical research on the topic, there is
número de pesquisas empíricas sobre o tema, still no objective and consensual definition
ainda não fica em evidência uma definição of rules or RGB. This text contextualizes the
consensual e objetiva de regras ou do CGR. emergence of RFT and offers a basic, clear
Este texto contextualiza o surgimento da RFT and objective definition of RGB from a RFT
e oferece uma definição básica, clara e obje- standpoint, describing the current scenario of
tiva de CGR a partir da RFT, descrevendo o basic and applied research and exemplifying
cenário atual da pesquisa básica e aplicada e its contribution to the clinical context.
exemplificando sua contribuição para o con-
texto clínico.
Palavras-chave Keywords
Regras; Molduras Relacionais; comportamento Rules; Relational Frames; rule-governed
governado por regras. behavior.
1 O presente capítulo é derivado de uma palestra de Primeiros Passos apresentada no XXIX Encontro Brasileiro de Psicologia e Medicina
Comportamental, no dia 05 de setembro de 2020.
32
O que é Comportamento Governado por Regras para a Teoria das Molduras Relacionais?
Augusto Cézar de Souza Neto & Angelo Augusto Silva Sampaio
Se um pai brasileiro fala ao seu filho tratado. Assim, esse texto apresentará de modo
“depois de trinta minutos, então desligue o simples e didático como o CGR pode ser definido
forno”, o filho provavelmente aguardará o pon- a partir de uma perspectiva comportamental
teiro dos minutos de um relógio se mover 180 relativamente recente chamada de Teoria das
graus para emitir respostas como levantar, ir Molduras Relacionais (Relational Frame Theory,
até o forno e girar a chave do acendedor. Nesse RFT; Hayes, Barnes-Holmes & Roche, 2001;
caso, um analista do comportamento diria que Zettle, Barnes-Holmes & Biglan, 2016). Para
o filho emitiu um comportamento governado por isso, apresentaremos brevemente a história do
regras (CGR)2 (Figura 1). Porém, se o pai falasse conceito de CGR, trazendo algumas definições
“A maeʻa le tolusefulu minute, tape le ogaumu”, behavioristas radicais de CGR; contextualizare-
o filho apenas falaria “o quê!?” ou algo seme- mos o surgimento da RFT; descreveremos uma
lhante. Ao contrário de um falante da língua definição de CGR segundo a RFT; e concluire-
samoana, o filho não desligaria o forno após 30 mos com implicações de pesquisa e clínicas,
min – e um analista do comportamento não de- incluindo exemplos.
nominaria as ações do filho de CGR. Mesmo na
presença de estímulos em português, como por
exemplo “Após o almoço, arrume seu quarto”,
o filho poderia não seguir a regra. Por que as
respostas do filho ficam sob controle do que
foi dito em algumas situações e não em outras?
Por que seguimos algumas instruções, leis, di-
tados etc., mas não outras? Quais processos
comportamentais básicos estão na base desse
repertório? Qual história de interações com o
ambiente é necessária para instalar e manter
esse repertório?
Essas questões são essenciais para enten-
der a singularidade e as principais realizações da
espécie humana. Nossa interação com o mundo Figura 1. Um exemplo de comportamento go-
é alterada de modo importante pela capacidade vernado por regras. A resposta verbal do pai
de responder a conjuntos de estímulos arbitrá- (falante) produz um antecedente para a cadeia
rios produzidos por outra pessoa de um modo de respostas do filho (ouvinte). As consequên-
coerente com as práticas de uma determinada cias para o filho são comer o bolo após estar
comunidade. E essa capacidade torna-se ainda pronto e evitar uma bronca.
mais poderosa quando envolve o responder na
presença de uma combinação completamente A História do Conceito de Comportamento
nova daqueles estímulos – em nosso exemplo, Governado por Regras
o filho poderia nunca ter sido pedido a retirar
um bolo do forno. Esses temas estão no cerne O termo CGR foi usado pela primeira vez
da literatura sobre CGR e o primeiro passo para em um artigo sobre resolução de problemas de
tratar deles é definir claramente o fenômeno Skinner (1966/1969), que definiu regra como
2 Os termos controle instrucional e comportamento governado verbalmente também têm sido utilizados na literatura.
um estímulo antecedente que especifica uma e Joyce (1988) e desde então é possível encon-
relação de contingência. No nosso exemplo ini- trar trabalhos empregando o termo persistên-
cial, a frase do pai especifica um antecedente cia em seguir regras (Harte et al., 2017), dando
(30 min), uma resposta (desligar o forno) e deixa evidência ao fato do CGR se manter a despeito
implícita uma consequência (evitar bronca e/ do contato com consequências aversivas ou
ou comer o bolo). Assim, os estímulos produ- com a perda de reforçadores, mas sem impli-
zidos pelo comportamento verbal do falante car uma ausência de sensibilidade a qualquer
controlariam (ou governariam) o responder do contingência.
ouvinte de modo a que este se conformasse à A própria definição de regras para Skinner
contingência especificada na regra. No mesmo (1966/1969) não ficou livre de questionamen-
texto, Skinner diferenciou o CGR do compor- tos (Catania, 1989; Glenn, 1987, 1989; Hayes &
tamento aprendido por contato direto com as Rosenfarb, 1989; Mallot, 1989; Michael, 1982;
contingências de reforço, o comportamento Schlinger & Blakely, 1987). Uma das críticas que
modelado por contingências (CMC). No exemplo ela recebeu foi não considerar o comportamen-
anterior, caso o filho tivesse aprendido a des- to do ouvinte como sendo verbal, privilegiando
ligar o forno após 30 min tendo queimado ou consequências que consistem no contato do ou-
solado outros bolos até emitir a resposta dentro vinte com aspectos do ambiente físico. Porém
do tempo determinado, este comportamento há de se considerar que as consequências mais
teria sido modelado por contingências. O CGR relevantes para a construção do repertório de
tem como antecedente um estímulo especifica- ouvinte são aquelas mediadas por outros falan-
dor de contingência enquanto o CMC envolve tes (Dahás, Goulart & de Souza, 2008).
diretamente a própria contingência em si. Ademais, até a década de 1980 outras ques-
Os primeiros estudos empíricos relaciona- tões sobre o CGR continuavam em aberto. Uma
dos ao CGR apareceram já na mesma década delas era a explicação de situações nas quais o
(e.g., Leander, Lippman & Meyer, 1968; Lippman ouvinte emite uma resposta sob controle de estí-
& Meyer, 1967), investigando principalmente a mulos verbais apenas após muito tempo. Outra
interferência do CGR nos efeitos de esquemas questão seria como explicar alguém seguir uma
de reforço sobre o responder de humanos, os regra à qual nunca havia sido exposto antes.
quais diferiam daqueles encontrados nos estu- Por exemplo, alguém viajar pela primeira vez
dos com outros animais. Anos depois, algumas para Salvador e seguir a regra “você precisa ir
pesquisas (e.g., Bentall & Lowe, 1987; Bentall, no Museu de Arte Sacra”, quando a regra foi
Lowe, & Beasty, 1985; Lowe, Beasty, & Bentall, apresentada por um amigo antes da viagem e
1983) observaram que crianças mais novas era inédita para o viajante. Por último, ainda
respondiam aos esquemas com desempenho faltava explicar qual a história responsável por
próximo dos animais não-humanos e diferen- aprendermos não só a entender e seguir regras
te dos de crianças verbalmente competentes. emitidas pelos outros, mas a ficar sob controle
Estudos como esses levaram alguns autores a de regras formuladas por nós mesmos (Barnes-
considerar que o CGR produziria uma insensibi- Holmes et al., 2002; Hayes et al., 1989; Matos,
lidade a contingências (Galizio, 1979; Matthews, 2001).
Shimoff, Catania, & Sagvolden, 1977; Shimoff, Paralelamente a isso, as pesquisas de
Catania, & Matthews, 1981). O uso do termo foi Sidman e colaboradores sobre relações de equi-
questionado por autores como Madden, Chase valência (e.g., Sidman, 1971, 1990; Sidman &
Talby, 1987) mostraram como ensinar novas chamado de responder relacional arbitrariamen-
respostas (e.g., falar “bola” na presença da te aplicável (RRAA), sendo capaz de estabelecer
palavra escrita “b-o-l-a”) sem reforço direto, a (e ficar sob controle de) relações arbitrárias
partir do ensino de outras relações (e.g., falar entre estímulos que não apenas a de equiva-
“bola” na presença de uma figura de uma bola lência. O termo responder relacional refere-se
e escolher a palavra escrita “b-o-l-a” na presen- ao responder (verbal ou não) sob controle de
ça da figura da bola). Quando as condições de relações entre estímulos. Tal padrão de respos-
reflexividade, simetria e transitividade eram tas não é exclusividade de humanos. Quando
satisfeitas3, dizia-se que houve o estabeleci- o bicar de um disco com um quadrado por
mento de uma classe de equivalência entre um pombo é reforçado, o quadrado adquire
os estímulos, tornando possível a emergência função discriminativa. Quando o pombo emite
de uma relação nunca treinada. O termo de- a mesma resposta diante de um losango, que
rivado tem sido utilizado para descrever um se assemelha fisicamente com um quadrado,
responder que emerge sem a necessidade de ocorre generalização de estímulos. Entretanto,
treino direto (Barnes-Holmes, Barnes-Holmes, também é possível reforçar respostas na pre-
& Cullinan, 2000; Hayes, Barnes-Holmes, & sença de relações entre estímulos, por exem-
Roche, 2001). Nesse caso, o processo envolvido plo com base em um estímulo ser “maior do
não é a generalização de estímulos, haja vista que” outro ou estar “à direita” de outro (Keller
que os estímulos não compartilham proprieda- & Schoenfeld, 1950; Lashley, 1938; Millenson,
des físicas. O próprio Sidman sugeriu que suas 1967), sendo possível assim observar que tal
descobertas se relacionariam com a questão do padrão de respostas é amplamente dissemina-
significado e da compreensão da linguagem, su- do entre as espécies.
gerindo implicações para o CGR. Começava-se Um indivíduo pode responder sob con-
aí a ampliar as possibilidades para o estudo do trole de relações arbitrárias ou não-arbitrárias
comportamento simbólico, o que foi explorado entre estímulos. Uma relação não-arbitrária é
a seguir pela RFT. aquela entre estímulos que compartilham ou se
distinguem em termos de propriedades físicas.
A Teoria das Molduras Relacionais (RFT) Uma pessoa que fala “meu pai é maior do que
minha mãe” sob controle de um pai que mede
A partir da década de 1980, Hayes e co- 1,80 m e uma mãe que mede 1,70 m tem sua
laboradores buscaram responder a estas la- resposta verbal controlada por uma relação
cunas sobre o CGR desenvolvendo o que pos- não-arbitrária. Respostas não verbais também
teriormente, especialmente com os trabalhos podem ficar sob controle de relações não-arbi-
de Barnes-Holmes, viria a ser a RFT (Hayes, trárias. Uma criança pequena pode entregar a
1987; Hayes, Strosha & Barnes-Homes, 2001). bola de basquete para o pai e não para a mãe,
Para estes autores, o ser humano se distingue sob controle da diferença de altura entre eles.
de outros animais por apresentar um operante No exemplo do pombo, poderíamos treiná-lo
3 Reflexividade é comprovada quando o estímulo é escolhido com ele mesmo como modelo (A=A, B=B, C=C), simetria quando há a bidi-
recionalidade da relação entre dois estímulos (treina-se A=B e a relação B=A emerge em situação de teste) e transitividade quando uma
nova relação envolvendo um terceiro estímulo emerge após o treino (treina-se A=B e B=C, e emerge A=C sem reforço). Como decorrência
da formação de uma relação de equivalência ocorre transferência de função de estímulos: algumas funções (discriminativa, eliciadora,
reforçadora ou punidora) de um dos estímulos da classe de equivalência também passam a ser observadas (i.e., são transferidas) para
outros membros da classe.
para bicar sempre no triângulo de maior ta- utilizado pela RFT para tratar de funções con-
manho dentre três opções e ele se comportar textuais como essa: a expressão moldura rela-
da mesma forma quando substituímos por três cional4 (Hayes et al., 2001).
quadrados. Como explicado por Blackledge (2003),
Outro tipo de relação entre estímulos que uma moldura relacional seria composta por
pode controlar o responder é a relação arbi- uma dica contextual relacional (termo “maior
trária, aquela que não envolve propriedades que”) e pelas dicas contextuais funcionais (Cfunc)
físicas compartilhadas entre eles. Por exemplo, que compõem o restante da frase (e.g., “pai” e
um pombo pode bicar um disco com um triân- “mãe”) – a primeira indicaria a qual “família”
gulo apenas na presença do quadrado e não na de molduras a relação em questão pertence. A
presença de um hexágono; ou um filho pode expressão moldura foi adotada por represen-
emitir um tato “meu pai é maior do que minha tar uma estrutura que pode ser colocada ao
mãe” sem referir-se à diferença de altura, mas redor de qualquer fotografia ou pintura, de-
à habilidade culinária. Uma questão a ser res- limitando-as. Metaforicamente, as fotografias
pondida é qual a história necessária para o ou pinturas são como conjuntos de estímulos.
desenvolvimento deste operante. Uma criança Peguemos como exemplo o conjunto de quatro
aprendendo a falar é exposta a uma série de estímulos: Amor, Paixão, Pai e Mãe. O falante
exemplares de relações não-arbitrárias como pode afirmar que “amor é MAIOR QUE paixão”,
“Seu pai é mais alto do que sua mãe”, “uma assim como que “o pai é MAIOR QUE a mãe”,
carreta é maior do que um carro” e também aplicando a mesma moldura de comparação
a relações arbitrárias como “Bahia é maior do “maior que”. Pode também afirmar que “paixão
que Vitória”. Tal história pode produzir a de- ocorre ANTES DO amor” ou que “a mãe nasceu
rivação de uma série de relações arbitrárias ANTES DO pai”. A moldura aplicada pelo falan-
aplicadas a uma infinidade de eventos à sua te é definida pelas dicas contextuais treinadas
volta. na comunidade verbal do ouvinte, do contrário
A expressão arbitrariamente aplicável em não exerce tal função. Na comunidade falan-
RRAA retrata a possibilidade de uma mesma te de português termos como MAIOR QUE ou
relação (e.g., comparação) ser aplicada a uma MENOR QUE delimitam relações de compara-
variedade de estímulos que vão desde objetos ção, bem como os termos ANTES DE e DEPOIS
físicos até estímulos de natureza arbitrária ou DE determinam relações de temporalidade.
convencional como os conceitos abstratos de Uma mesma moldura pode ser aplicada para
amor, felicidade e fama. O termo “maior que” é uma quantidade infinita de estímulos, bem
aquele em comum dentre todos os exemplares como um mesmo estímulo pode fazer parte de
e assim adquire uma função bem específica no uma quantidade grande de molduras, como no
controle do comportamento, chamada de função exemplo inicial (“depois de 30 minutos, então
contextual de estímulo (Hayes et al., 2001), sendo desligue o forno”). Uma relação de equivalên-
especificamente uma “dica” para uma relação cia é uma relação de igualdade (Sidman, 1990),
entre estímulos que a RFT chama de compara- ou uma moldura de coordenação para a RFT.
ção – daí falar-se de dica contextual relacional A RFT descreve ainda outros tipos de relações
(Crel). Um construto metafórico-científico é arbitrárias que podem fazer parte do repertório
4 A partir de agora, os termos “moldura”, “contexto funcional” e “relação do tipo” serão usados como sinônimos.
5 O termo transferência tem sido usado na literatura quando a relação entre estímulos é de coordenação ou de equivalência. Já o termo
transformação tem sido usado para tratar de outras relações arbitrárias (temporal, hierárquicas, de comparação etc.).
relacionais com outros eventos, transformando generalização de estímulo). Após o teste dessas
as funções dos mesmos. Levando em conta esta relações, os participantes passaram por um
definição, uma regra pode assumir múltiplas treino discriminativo apenas com um dos estí-
funções de estímulos, tornando possível que mulos (B) para o comportamento de pressionar
outros controles de estímulos passem a ou em frequência moderada as teclas de um com-
deixem de ocorrer (como já preconizado por putador. Após estabelecida a função discrimi-
Schlinger & Blakely, 1987). nativa para o estímulo B, os experimentadores
Para explicar como uma regra provo- testaram a apresentação dos outros dois estí-
ca um efeito no controle do comportamento mulos que faziam parte do treino de relações
humano, é necessário explicar as proprieda- arbitrárias. Os resultados demonstraram que
des do RRAA (Hayes et al., 2001). Em estudos o estímulo A ganhou função discriminativa
empíricos, o estudo do RRAA envolve três pro- para o comportamento de pressionar as teclas
priedades: (1) implicação mútua, que descreve a lentamente e o estímulo C, função discrimi-
bidirecionalidade entre os estímulos, incluindo nativa para pressionar mais rapidamente. No
dentro dela (mas não exclusivamente) a sime- mesmo estudo, os experimentadores testaram
tria, termo usado na equivalência de estímu- a transformação de função eliciadora entre os
los para relações de igualdade (Se A=B, B=A); estímulos pareando o estímulo B com choques
(B) implicação mútua combinatória, que envolve elétricos leves. O estímulo A eliciou respostas
também relações de transitividade (se A é maior galvânicas da pele de menor magnitude e o es-
que B e B é maior que C, então A é maior que tímulo C eliciou respostas de maior magnitude.
C), indicando assim relações que emergem sem Hayes et al. (2001, pp. 115-116) discuti-
treino direto (também chamado na literatura ram a participação dessas três propriedades no
de derivação), estabelecendo o que é chamado estudo do CGR, destacando ser possível produ-
de rede relacional (conjunto de relações arbi- zi-lo sem treino direto. Esses autores citaram
trárias entre estímulos); e (3) transformação de experimentos com um procedimento chamado
função de estímulo, onde as funções de estímu- de avaliação relacional (Relational Evaluation
los (discriminativa, eliciadora, reforçadora e Procedure), o qual permite estabelecer dicas
punidora) são transformadas de acordo com a contextuais relacionais de molduras tempo-
relação subjacente estabelecida pela moldura rais (Antes e Depois) e de coordenação (Igual
relacional aplicada. e Diferente) para estímulos arbitrários (sem
Um experimento que buscou demonstrar função contextual prévia). A seguir, os parti-
a transformação de função de estímulo foi o de cipantes desses experimentos realizaram uma
Dougher, Hamilton, Fink e Harrington (2007). tarefa nova, sem consequenciação, na qual
Os universitários participantes deste estudo tinham sido orientados a clicar em uma sequ-
foram treinados a estabelecer funções relacio- ência de botões coloridos sob controle de um
nais para três estímulos visuais arbitrários: A conjunto de estímulos na tela do computador
como indicando a escolha do estímulo menor, - uma rede relacional estabelecendo relações de
B como indicando a escolha do estímulo médio coordenação entre cores e outros estímulos (e.g.,
e C indicando a escolha do maior. Os estímulos Classe A) do tipo Verde igual a A1, Azul igual a
A, B e C eram do mesmo tamanho (do contrário A2 etc.; e relações temporais entre estímulos da
a relação seria não-arbitrária) e não tinham classe A, como A2 antes de A4, A4 antes de A1
similaridade física (para não ser considerado etc. Do ponto de vista da RFT, essas sequências
de respostas não treinadas deveriam ser con- sofrimento humano com a linguagem. O con-
sideradas seguimento de regras porque foram ceito de regras para a RFT também possibilita
produzidas pela transformação de funções de explicar o uso do comportamento verbal como
estímulos de acordo com uma rede relacional ferramenta de intervenção do psicólogo clínico.
composta de múltiplas relações de estímulos. Como já foi dito anteriormente, uma pessoa
Estes estudos comprovam a capacidade que pode seguir uma regra sem necessidade desta
um humano adulto tem de seguir uma regra ter sido ouvida ou lida anteriormente. Assim
sem ser treinado diretamente para tal e que como a pessoa pode formular novas regras,
este CGR pode ser fortalecido ou enfraquecido pode passar a segui-las de maneira derivada
a posteriori, através de reforço e punição (ver (O’Hora et al., 2014). Um exemplo é quando um
também O’Hora et al., 2014). cliente relata para sua terapeuta que está há
Estes achados explicam como um conjun- dois anos sem ir a um encontro amoroso. Ao
to de estímulos verbais pode ocasionar trans- ser perguntado sobre suas razões, ele mostra
formações de função de estímulos em nosso sinais de estar seguindo uma regra diretamente
cotidiano, como quando um lançamento de um aprendida ou derivada do tipo “se você sentir
aparelho celular reduz a função reforçadora de medo, então se afaste”. Esta regra contém dicas
um celular lançado anteriormente. Os estudos contextuais relacionais (“se..., então...”) que es-
sobre esta propriedade são capazes de expli- tabelecem uma relação de causalidade entre
car como as regras funcionam como operações sentir medo (que entra em coordenação com
motivadoras (cf. Michael, 1982) ou estímulos determinados eventos privados) e o ato de afas-
alteradores de função (Schlinger, 1993). Além tar-se (que entra em coordenação com respostas
disto, a transformação de função pode ajudar de esquiva). Então, esta regra produz uma série
a explicar como o controle por regras pode de transformações de funções no repertório do
também sobrepujar o controle exercido pelas cliente podendo reduzir drasticamente as chan-
contingências (quando há um conflito entre os ces de ele aceitar ou propor um convite para
dois) a ponto de reduzir o efeito das consequ- ir a um encontro com uma pessoa. Processos
ências – fenômeno chamado na literatura de como este são interpretados pela Terapia de
insensibilidade a contingência (Catania, Cerutti, Aceitação e Compromisso 6 (Acceptance and
1989; Shimoff, & Matthews, 1989; Shimoff et al, Commitment Therapy, ACT) como uma esquiva
1981) ou persistência em seguir regras (Harte et experiencial, definida como uma classe de res-
al, 2017; Harte et al, 2020). postas de evitação de sentimentos e emoções
reforçadas negativamente (Hayes, Strosahl &
Considerações Finais Wilson, 1999).
A terapeuta pode, como ferramenta de in-
A RFT enfatiza processos que controlam tervenção, inserir um novo contexto funcional
o comportamento do ouvinte sem apelar para para os mesmos estímulos por meio, por exem-
“teorias do significado” ou constructos men- plo, da regra “sentir medo significa que é impor-
talistas, amplia as possibilidades de pesquisa tante; aceite-o para ser feliz”. A primeira parte
básica sobre CGR e sugere a ligação de parte do da frase utiliza uma dica contextual relacional
6 Hayes (2004) se refere à RFT como uma análise empírica abrangente da cognição humana, ramo assim da pesquisa básica. Para o autor,
a ACT por sua vez seria uma proposta de aplicação clínica que abarca tais pressupostos da RFT mas também outros, como provenientes por
exemplo de técnicas orientais, espiritualidade, valores e self.
(“significa que é”) que coordena o sentimento Skinner’s verbal behavior: a possible syn-
de medo com potenciais reforçadores – “ser thesis. The Behavior Analyst, 23, 69–84.
importante”. A segunda parte estabelece um https://doi.org/10.1007/BF03392000
contexto de causalidade entre aceitação (já pre- Barnes-Holmes, D., Barnes-Holmes, Y., &
viamente coordenada com ações de exposição McEnteggart, C. (2020). Updating RFT (More
ao invés de esquiva) e ser feliz (coordenado Field than Frame) and its Implications for
com contingências de reforço positivo). Caso Process-based Therapy. The Psychological
esta nova regra cause uma série de transfor- Record, 70, 605–624. https://doi.
mações de função fazendo com que agora o org/10.1007/s40732-019-00372-3
encontro amoroso ganhe função reforçadora, Barnes-Holmes, D., Hayes, S.C., & Dymond,
aumentam-se as chances de o paciente aceitar S. (2002). Self and Self-directed rules.
um convite ou propor um. Caso isto aconteça, Em Hayes, S.C., Barnes-Holmes, D,
o terapeuta obteve êxito no que os autores da Roche, B (Eds.), Relacional Frame Theory.
ACT chamam de recontextualização verbal (De Springer. Boston, MA. https://doi.
Souza Neto & Ferreira, 2020; Hayes, Strosahl, org/10.1007/0-306-47638-X_7
& Wilson, 1999, p. 12), podendo gerar uma Bentall, R. P., & Lowe, C. F. (1987). The role of
espécie de afrouxamento do seguimento de verbal behavior in human learning: III.
certas regras (ou redução da insensibilidade a Instructional effects in children. Journal
contingências, de acordo com Shimoff, Catania of the Experimental Analysis of Behavior,
& Matthews, 1981), o que é chamado pela tera- 47(2), 177–190 . https://doi.org/10.1901/
pia de aceitação e compromisso de flexibilidade jeab.1987.47-177
psicológica (Hayes, Strosahl, & Wilson, 1999). Bentall, R. P., Lowe, C. F., & Beasty, A. (1985).
O conceito de CGR aqui descrito é uma The role of verbal behavior in human
formulação dos trabalhos de Dermot Barnes- learning: II Developmental differen-
Holmes e colaboradores (Barnes-Holmes et al., ces. Journal of the experimental Analysis
2002; Barnes-Holmes et al., 2020; Harte et al., of Behavior, 43(2), 165–181. https://doi.
2020) e se aproxima dos resultados de pesqui- org/10.1901/jeab.1985.43-165
sas empíricas (O’Hora et al., 2004, 2014), muito Blackledge, J.T. (2003). An introduction to
embora tenha sido pouco explorado na litera- Relational Frame Theory: Basics and
tura clássica sobre a RFT. Tal conceito pode Applications. The Behavior Analyst Today,
facilitar a aplicação de achados da RFT para 3(4), 421–432. https://doi.org/10.1037/
a realidade clínica, a favor da redução do so- h0099997
frimento humano. Espera-se que este trabalho Catania, A.C. (1989). Rules as classes of verbal
funcione como incentivo para que seja dada behavior: A reply to Glenn. The Analysis
uma maior atenção para o assunto e que esti- of Verbal Behavior, 7, 49–50. https://doi.
mule o seu crescimento em termos de pesquisa org/10.1007/bf03392835
básica e aplicada. Catania, A. C., Shimoff. E., & Matthews, B. A.
(1989). An experimental analysis of rule-
Referências -governed behavior. Em S. C. Hayes (Ed.),
Rulegoverned behavior: Cognition. contin-
Barnes-Holmes, D., Barnes-Holmes, Y., & Cullinan gencies. and instructional control (pp. 119-
V. (2000). Relational Frame Theory and 150). New York: Plenum Press.
Resumo Abstract
O objetivo deste capítulo é discutir as relações The purpose of this chapter is to discuss the
entre preconceito e controle de estímulos a relationship between prejudice and stimulus
partir do referencial teórico da análise do control based on the theoretical framework
comportamento, caracterizando o preconcei- of behavior analysis, characterizing prejudice
to como um comportamento operante discri- as a discriminated operant behavior, that is,
minado, ou seja, sob controle de diferentes under the control of different stimulus pro-
propriedades dos estímulos. Pesquisas ana- perties. Analytical-behavioral research will
lítico-comportamentais exemplificam como exemplify how different stimulus controls
diferentes controles de estímulos podem can affect what we call prejudice, widely
afetar o que chamamos de preconceito, en- understood as a negative attitude towards
tendido de maneira ampla como uma atitude certain groups or people, drawing attention
negativa em relação a determinados grupos to the difficulties encountered in studies that
ou pessoas, chamando a atenção para as di- attempted to demonstrate the transfer of
ficuldades encontradas em estudos que ten- function or reversal of equivalence classes
taram demonstrar transferência de função with socially relevant stimuli, which would be
ou reversão de classes de equivalência com explained, at least in part, by characteristics
estímulos socialmente relevantes, o que seria of stimuli whose control over behavior may
explicado, ao menos em parte, por caracterís- have occurred differently from that predicted
ticas de estímulos cujo controle sobre o com- by the researchers. We argue that the fields of
portamento pode ter ocorrido de maneira social psychology and behavior analysis can
diferente daquela prevista pelos pesquisado- mutually benefit from their efforts to unders-
res. Defendemos que os campos da psicologia tand social attitudes and prejudice.
social e da análise do comportamento podem
se beneficiar mutuamente dos seus esforços
de compreensão das atitudes sociais e do
preconceito.
Palavras-chave Keywords
preconceito; controle de estímulos; atitudes; prejudice; stimulus control; attitudes; behavior
análise do comportamento; psicologia social. analysis; social psychology.
1 O presente capítulo é derivado de um minicurso ministrado no XXIX Encontro Brasileiro de Psicologia e Medicina Comportamental e VI
Encontro Sul- Americano realizado no dia 04 de setembro de 2020, sob o título: Preconceito e controle de estímulos.
44
Preconceito e controle de estímulos
Márcio Borges Moreira, Bárbara de Sousa Ribeiro dos Santos & Michelli Carrijo Cameoka
historicamente orientou as classificações raciais verificou que apesar do controle dessas variá-
(Guimarães, 2012) e já se verificou que aqui, veis, a raça e a cor da pele continuavam cor-
assim como em outros países latinoamericanos, relacionadas com o tamanho da sentença. O
tons mais escuros de pele são consistentemente autor concluiu, portanto, que a raça e a cor da
associados a menores níveis de escolaridade, pele tiveram grande relevância ao se proferir
o que por sua vez é uma variável que capta o uma sentença e também destacou a hierarquia
status socioeconômico dos indivíduos (Telles, racial ainda existente no sistema de justiça
Flores, & Urrea-Giraldo, 2015). estadunidense.
Outra expressão das consequências do Resultados como os apresentados por
colorismo é apresentada por Burch (2015), que Burch (2015) ilustram, ao nosso ver, um aspecto
realizou uma análise de sentenças que foram importante em estudos sobre o preconceito: va-
proferidas em relação a homens Brancos e riações do comportamento preconceituoso que
Negros, réus primários, no estado da Georgia, ocorrem em função de variações em aspectos
nos Estados Unidos. Nessa pesquisa, foram relevantes dos estímulos relacionados ao pre-
resgatados os dados referentes ao outono de conceito, nesse caso, a cor da pele. Em outras
2003 e, a partir do que constava nos arquivos palavras, os resultados de Burch remetem ao
acerca da raça e da cor da pele, comparou-se campo de estudos analítico-comportamentais
essas características com a duração da sentença chamado de controle de estímulos, do qual tra-
condenatória. taremos neste capítulo (Catania, 1999; Hübner,
No que diz respeito à cor da pele, foram 2006).
comparados os indivíduos Brancos e Negros. Mas antes de abordarmos o conceito de
Burch (2015) fez uma classificação da cor da controle de estímulos, consideramos pertinente
pele negra, considerando-a pele negra clara apontar que ao longo dos anos, voltando uma
(light-skinned black), pele negra média (medium- vez mais às contribuições da psicologia social,
-skinned black) e pele negra escura (dark-skinned diversos estudos experimentais têm demons-
black). Como resultado, verificou-se diferença trado como diferentes características podem
significativa entre o tamanho das sentenças de influenciar na percepção que se tem de um
Brancos e Negros, sendo as dos primeiros em estímulo e no julgamento feito acerca dele. Por
média 270 dias menores. Além disso, entre os exemplo, em uma série de artigos, Stepanova e
diferentes tons da pele negra, foram constata- Strube (2009, 2012a, 2012b, 2017; Stepanova,
das as seguintes diferenças: indivíduos com Strube, Clote, & Limes, 2016) apontaram que in-
pele negra clara tiveram sentenças, em média, terações entre diferentes características de um
20 dias menores que as dos Brancos; indivíduos estímulo (e.g., cor da pele e traços do rosto) que
de pele negra média tiveram condenações, em pesquisadores usam para representar grupos
média, 200 dias maiores do que as condenações étnicos e raciais, particularmente em estudos
dos Brancos; e aqueles de pele negra escura sobre preconceito, podem ajudar a explicar a
receberam sentenças, em média, 400 dias maio- variabilidade dos resultados encontrados em
res que as atribuídas aos Brancos. pesquisas desse tipo.
Burch (2015), ao considerar a possibilida- Em um estudo (Stepanova & Strube,
de de influência de outras variáveis nos resul- 2012a) que teve como objetivo determinar
tados como, por exemplo, gravidade do crime como certas características faciais – tom da
cometido, idade e variáveis socioeconômicas, pele e fisionomia – manipuladas de forma
independente influenciavam em uma tarefa de que, a fim de evitar vieses, os estudos sobre
de avaliação afetiva, os resultados encontrados preconceito e estereótipos raciais deveriam se-
sugeriram que tanto o tom de pele quanto a lecionar criteriosamente os estímulos usados,
fisionomia influenciaram em avaliações raciais além de controlar outras variáveis com poten-
implícitas. Essa influência se mostrou indepen- cial de influência.
dente para as duas variáveis, mas na mesma Stepanova e Strube (2017) expandiram o
direção; ou seja, um tom de pele mais claro, escopo de seus estudos anteriores por meio de
assim como uma fisionomia mais eurocêntri- dois experimentos cujo objetivo foi avaliar e
ca, se relacionaram com avaliações implícitas comparar percepções de atratividade e de tipi-
mais positivas (e menos negativas) do que tom cidade em relação a fenótipos raciais brancos,
de pele mais escuro e fisionomia afrocêntrica. negros e mestiços, a partir de manipulações de
Os autores concluíram que nesse tipo de ava- tom de pele e de características faciais. Os resul-
liação é provável que as faces humanas não tados indicaram que rostos de fenótipos raciais
sejam processadas de maneira global, como mistos (tom de pele médio-escuro e feições que
um todo, mas sim a partir de características misturavam uniformemente traços afrocêntri-
particulares e independentemente, o que não cos e eurocêntricos) foram percebidos como os
impede que algumas dessas características mais atraentes, seguidos pelos fenótipos negros.
sejam mais salientes do que outras em dado Já os fenótipos brancos foram percebidos como
contexto (Stepanova & Strube, 2012a). os menos atraentes (Stepanova & Strube, 2017).
Em outro estudo, Stepanova e Strube É interessante observar que, nesse estudo, a
(2012b) investigaram o peso relativo da varia- avaliação de atratividade e a categorização
bilidade dessas mesmas características ––cor da racial se mostraram independentes uma da
pele e fisionomia–– nos julgamentos a respeito outra, sugerindo que as diversas característi-
da tipicidade racial, ou seja, se determinada cas faciais podem exercer influência própria,
face era considerada caucasiana ou afro-ame- a depender do tipo de julgamento realizado.
ricana. Os autores também buscaram averiguar Alguns estudos apontaram que, além da
se atitudes raciais prévias dos respondentes, cor da pele e da fisionomia, as expressões de
bem como o tempo disponível para a tarefa de emoção também estão entre as características
avaliação, atuavam como moderadores desses faciais com potencial para exercer contro-
julgamentos. Os resultados indicaram que: (a) le sobre comportamentos avaliativos. Song,
a cor da pele foi um forte preditor das classi- Vonasch, Meier e Bargh (2012), por exemplo,
ficações de tipicidade racial; (b) a fisionomia examinaram se as pessoas julgam rostos sorri-
facial ganhava peso na classificação quanto dentes como mais claros do que rostos carran-
mais clara a cor da pele; (c) sem restrição de cudos. Essa hipótese foi demonstrada por meio
tempo, a cor da pele era uma dica mais impor- de quatro estudos, que diferiam em termos do
tante do que a fisionomia, mas essa importân- tipo de tarefa (escolha binária ou julgamento
cia diminuía conforme o tempo para decidir absoluto), dos estímulos utilizados (faces esque-
ficava mais escasso; e (d) os respondentes com máticas ou faces realistas) e da escolha de pala-
atitudes raciais implícitas mais negativas apre- vras (claro [bright] ou alvo [light]). Com base nos
sentaram uma relação mais forte entre cor da resultados obtidos, os autores sugeriram que
pele e classificações de tipicidade racial. Os re- as expressões emocionais podem enviesar os
sultados encontrados fortaleceram a suposição julgamentos sobre a luminosidade (percepção
de tonalidade mais clara) da face e, por conse- caracterizando o preconceito como um com-
quência, afetar outros julgamentos associados portamento operante e, portanto, aprendido.
à tonalidade da pele (Song et al., 2012). Em seguida, o preconceito será descrito como
Em estudo que ilustra outra linha de in- um comportamento operante discriminado e,
vestigação da psicologia social que contribui também, como classes de equivalência de estí-
para a compreensão da gama de atributos que mulos. Por fim, apresentaremos relatos de pes-
pode servir de pista na avaliação de rostos hu- quisas analítico-comportamentais que exempli-
manos, Keating, Randall, Kendrick e Gutshall ficam como diferentes controles de estímulos
(2003) testaram a hipótese de que feições “in- podem afetar o que chamamos de preconceito.
fantis” (babysh-looking) em adultos evocariam
comportamento de ajuda por parte de outros Preconceito: Um Comportamento Aprendido
adultos. Para isso, utilizaram imagens digitali-
zadas de rostos de homens e mulheres adultos O comportamento é o objeto de estudo da
afro-americanos e europeus-americanos, nas análise do comportamento. Embora defini-lo
quais os olhos e lábios originais foram substitu- não seja uma tarefa fácil, para este capítulo será
ídos por outros mais dilatados, a fim de fazê-las utilizada a definição de comportamento, espe-
parecer infantis. Por outro lado, olhos e lábios cificamente comportamento humano, apresen-
foram reduzidos para fazer os rostos parecerem tada por Cooper, Heron e Heward (2014):
mais maduros. A conclusão geral desses autores
Comportamento é a atividade dos orga-
foi favorável à hipótese inicial, sugerindo que
nismos vivos. Comportamento humano
características faciais de aparência submissa
é tudo o que as pessoas fazem, incluin-
sinalizam aproximação social e evocam ajuda,
do como elas se movem e o que elas
enquanto traços faciais maduros, com aparên-
dizem, pensam e sentem. Abrir um saco
cia dominante, são pistas para comportamentos
de amendoins é comportamento, assim
de esquiva (Keating et al., 2003).
como o é pensar o quão bom será o gosto
Os estudos da psicologia social apresenta-
do amendoim uma vez que o saco esteja
dos até o momento apontam para a diversida-
aberto. Ler esta frase é comportamento,
de de características de um rosto, – como, por
e se você está segurando o livro, também
exemplo, a fisionomia, o tom da pele e a pre-
o é sentir o peso e a forma do livro nas
sença ou ausência de sorriso –, que podem ter
suas mãos. (p. 45)
influência no julgamento a respeito desse tipo
de estímulo. Entendemos que essa literatura Se o comportamento é o objeto de estudo
pode dialogar com a psicologia comportamen- da análise do comportamento, isso é equiva-
tal no sentido de destacar a importância de um lente a dizer que analistas do comportamento
olhar mais detido sobre a seleção de estímulos estudam quais variáveis produzem efeitos, e
em pesquisas experimentais e as possíveis con- quais efeitos, sobre o comportamento. Grosso
sequências dessa seleção nos resultados alcan- modo, há dois grandes conjuntos de variáveis
çados. A fim de desenvolver esse tema, neste que afetam o comportamento: (a) eventos que
capítulo utilizaremos as ferramentas teóricas ocorrem imediatamente antes da ocorrência
da análise do comportamento para abordar em de um dado comportamento; e (b) eventos que
mais detalhes as relações entre preconceito e ocorrem imediatamente após a ocorrência de
controle de estímulos. Para tanto, iniciaremos um dado comportamento. A especificação de
Por outro lado, em um exemplo no qual uma comportamentos podem ficar sob controle de
pessoa geralmente recite frases do tipo “índios múltiplos estímulos (ou múltiplas característi-
são preguiçosos” quando alguém fala sobre cas de um mesmo estímulo; Moreira, Oliveira,
índios, estaríamos falando em um comporta- & Hanna, 2017; Reynolds, 1961). Pesquisas
mento intraverbal. Trata-se de um intraverbal oriundas da psicologia social têm nos mostrado
porque o controle discriminativo é exercido por que esse é um aspecto relevante para se com-
um estímulo verbal (e.g., a palavra “índio”). preender comportamentos preconceituosos. Os
A probabilidade do comportamento pre- resultados da pesquisa realizada por Stepanova
conceituoso ocorrer aumenta na presença do e Strube (2012b), cuja descrição foi apresentada
estímulo discriminativo inicialmente correla- anteriormente, constituem uma boa ilustração
cionado com o reforçamento, assim como na de como comportamentos relacionados ao ra-
presença de estímulos fisicamente semelhantes cismo podem estar sob controle de múltiplos
ao correlacionado com o reforçamento inicial. estímulos. Stepanova e Strube demonstraram
Esse fenômeno é chamado de generalização que o comportamento de uma pessoa julgar
de estímulos. Dizemos que há generalização outra como sendo afro-americana ou cauca-
quando estímulos que compartilham certas ca- siana é função de uma interação de variáveis
racterísticas físicas passam a exercer controle (múltiplos estímulos), como cor da pele e fisio-
discriminativo sobre um determinado com- nomia, assim como do tempo disponível para
portamento sem que tenha havido um treino realizar esse julgamento.
direto (Moreira & Medeiros, 2019). Para além dos aspectos relacionados à
Tatos como o descrito acima, cuja topogra- generalização e controle por múltiplos estí-
fia de resposta é classificada em nossa cultura mulos, pesquisas analítico-comportamentais
como preconceito, podem passar a ocorrer na têm demonstrado que parte do fenômeno que
presença de pessoas obesas diferentes daquela chamamos de preconceito está relacionada à
que a criança do exemplo passou a chamar de formação de classes de equivalência de estímu-
bolo fofo. Esse seria um exemplo de generaliza- los (Sidman, 1971; Sidman & Tailby, 1982). Para
ção de estímulos e passaríamos a falar de uma que os estímulos possam ser caracterizados
criança que chama pessoas obesas em geral de como equivalentes, eles devem ser substituíveis
“bolo fofo”. Sabemos que a generalização de entre si no controle do comportamento sem a
estímulos é descrita por gradientes de genera- necessidade de que compartilhem característi-
lização, isto é, variações nas características fí- cas físicas comuns. Por exemplo, quando diante
sicas dos estímulos alteram a probabilidade do de uma palavra falada, palavra impressa e da
comportamento ocorrer (Moreira & Medeiros, figura condizente, a mesma resposta é observa-
2019). Um exemplo prático, e dramático, de tal da (de Rose, Souza, Rossito, & Rose, 1989). Uma
gradiente foi aquele que vimos na descrição classe de equivalência de estímulos consiste
da pesquisa de Burch (2015). Nela, o compor- em um conjunto finito de estímulos que não
tamento de sentenciar dos juízes variou em têm atributos físicos semelhantes, mas para os
função de variações na cor da pele dos indiví- quais, após o estabelecimento de discrimina-
duos que receberam as sentenças. ções condicionais entre um subconjunto desses
Além da generalização de estímulos, estímulos, todos os estímulos do conjunto tor-
outro aspecto importante relacionado ao con- nam-se substituíveis uns pelos outros (Arntzen
trole de estímulos é o fato de que determinados & Nartey, 2018; Sidman & Tailby, 1982).
de Almeida et al., 2016; Rosendo & Melo, 2018). a compreensão científica do preconceito. Em
Os estímulos utilizados nessas pesquisas refe- alguns deles, no entanto, têm sido reportadas
riam-se a grupos ou indivíduos alvos de algum variabilidade no desempenho de participantes
tipo de preconceito. ou mesmo a ausência da reversão ou da trans-
Em conjunto, os resultados dessas pes- ferência de função (e.g., de Carvalho & de Rose,
quisas têm demonstrado que procedimentos 2014; Haydu, Camargo, & Bayer, 2015; Portela,
de emparelhamento de acordo com o modelo 2014; Rosendo & Melo, 2018).
(MTS) podem produzir a formação de classes Alguns dos estudos que reportaram resul-
de equivalência com estímulos com e sem tados inconclusivos ou negativos propuseram
significado social, bem como promover reor- que parte desses resultados pode ser explicada
ganização dessas classes e, em alguns casos, pelas características dos estímulos, que podem
reversão ou diminuição de certas atitudes pre- exercer controle sobre o comportamento dos
conceituosas em contexto experimental (Dixon participantes de maneira não especificada
& Lemke, 2007; Mizael, de Almeida et al., 2016). pelos pesquisadores, conforme apontado por
A seguir, apresentaremos algumas dessas pes- de Carvalho e de Rose (2014). Nessa pesquisa,
quisas, relacionando seus resultados a questões de Carvalho e de Rose buscaram modificar re-
de controle de estímulos. lações de equivalência verificadas com quatro
crianças em um pré-teste no qual relacionaram
Controle de Estímulos, Formação e Reversão de faces de pessoas Negras com símbolos conside-
Classes de Equivalência rados de valor negativo.
As crianças passaram por treinos que ob-
Considerando-se que preconceito é com- jetivaram estabelecer, inicialmente, a relação
portamento operante, ele pode ser medido como AB, de símbolos positivos (A) com símbolos
qualquer outro operante. Partindo da definição abstratos (B), e posteriormente a relação BC,
de comportamento operante discriminado, é entre símbolos abstratos (B) e faces de Negros
possível a realização de uma análise do pre- (C). Por fim, foi feito um treino misto, unindo
conceito, ou melhor, de comportamentos que AB e BC, e um pós-teste, no qual, assim como
podem ser caracterizados como exemplares de haviam feito no pré-teste, as crianças deveriam
preconceito, levando em consideração nessa relacionar os símbolos positivos e negativos (A)
análise as variáveis de controle presentes e o com as faces (C). Ou seja, os autores buscaram
processo de aprendizagem envolvido. fazer com que, por meio dos treinos da relação
A partir dessa premissa, diversos estudos de símbolos positivos com imagens abstratas
têm procurado demonstrar transferência de (AB) e das imagens com as faces (BC), emer-
função ou reversão de classes de equivalência gisse a relação entre os símbolos positivos e as
com estímulos socialmente relevantes. Em prin- imagens de Negros (AC), revertendo a associa-
cípio, tais pesquisas podem contribuir para uma ção negativa verificada no início do estudo (de
compreensão mais aprofundada dos processos Carvalho & de Rose, 2014).
envolvidos no surgimento e na manutenção Segundo de Carvalho e de Rose (2014),
do preconceito. Mais ainda, haveria potencial apenas uma das quatro crianças demonstrou
para o desenvolvimento de estratégias compor- reversão das classes de equivalência, isto é,
tamentais para sua superação. Tais estudos têm mudou de atitude. Os autores argumenta-
apresentado contribuições inestimáveis para ram que o histórico pré-experimental dos
participantes pode ter exercido maior controle com um círculo, ou somente com a cor verde,
sobre seu comportamento do que as relações ou apenas com a cor vermelha, e nenhuma
treinadas no experimento. Além disso, apon- resposta era reforçada.
taram que as faces utilizadas como estímulos Após os treinos, o autor identificou que o
podem ter exercido controle sobre as respostas triângulo no fundo vermelho passou a exercer
dos participantes devido às emoções expressas controle discriminativo sobre a resposta de bi-
e sugeriram, portanto, que estudos futuros bus- cadas de ambos os pombos, tendo em vista que
cassem uma metodologia mais formal para a eles passaram a bicar o disco quase que apenas
seleção das faces. diante desse estímulo. Por outro lado, ao apre-
Nessa mesma direção, de Carvalho (2010), sentar os estímulos decompostos, a frequência
na dissertação que deu origem ao trabalho de de respostas do pombo 105 foi maior diante
de Carvalho e de Rose (2014), após não ter ob- do triângulo e menor diante da cor vermelha,
servado a reversão da relação entre faces de mesmo com a condição sendo apresentada em
Negros e atributos negativos, argumentou que extinção, ou seja, sem a presença de reforço.
alguns participantes possivelmente estivessem Já para o pombo 107, a maior quantidade de
“respondendo não apenas à cor dos homens respostas aconteceu diante da cor vermelha
das fotos, mas também aos olhos, à boca e ao (Reynolds, 1961). O autor apontou que, mesmo
cabelo” (de Carvalho, 2010, p. 72), destacando que a resposta de ambos os pombos tenha
assim algumas características, para além da ex- sido reforçada diante do estímulo composto,
pressão de emoção, que podem ter prejudicado triângulo com o fundo vermelho, as respostas
a discriminação controlada pela característica estavam sob controle de apenas uma das pro-
de interesse na pesquisa. priedades do estímulo.
De fato, estudos sobre controle de estímu- Com relação ao preconceito, Cameoka e
los têm demonstrado que partes específicas dos Moreira (2021) realizaram três estudos com o
estímulos podem exercer controle sobre o com- objetivo de verificar como diferentes caracte-
portamento (e.g., Moreira et al., 2017; Reynolds, rísticas de faces de homens Negros e Brancos
1961). Reynolds (1961), por exemplo, buscou poderiam afetar o comportamento de avaliação
variar características físicas dos estímulos e dos participantes acerca dessas faces e busca-
observar o comportamento de dois pombos (de- ram, também, observar se haveria a criação de
nominados 105 e 107) diante dessas variações. vieses nessa avaliação, a depender da seleção
Um disco foi iluminado com dois estímulos dos estímulos. As avaliações foram realizadas
compostos, ora sendo um triângulo branco em utilizando-se uma escala tipo Likert ancorada
um fundo vermelho, ora um círculo branco em nos adjetivos mau (1) e bom (10).
um fundo verde. Cada um desses estímulos era As fotografias utilizadas variaram no que
apresentado por três minutos e, dentro desse diz respeito aos tons de pele branca e negra,
período, a resposta de bicar o triângulo com cabelo e fisionomia, mas todas estavam cen-
fundo vermelho, era reforçada com alimento, tralizadas do ombro para cima e os homens
mas se essa resposta ocorresse diante do círculo estavam olhando para frente, sem camisa e sem
com fundo verde, nenhuma consequência era adereços. No Estudo 1, os homens apresenta-
fornecida. No teste subsequente, os estímulos vam expressões neutras e no Estudo 2 sorrisos
foram decompostos, de modo que o disco foi discretos. Já no Estudo 3, foram utilizadas as
iluminado ora só com o triângulo, ou apenas fotografias que nos estudos anteriores haviam
obtido as mais altas avaliações para os Brancos do que nas classes que continham rostos irrita-
e as mais baixas para os Negros. Dessa forma, dos (Bortoloti & de Rose, 2009, 2011). Cameoka
no terceiro estudo, buscou-se observar a pos- e Moreira destacaram que os resultados suge-
sibilidade de viés das avaliações a partir de rem ainda ser necessário investigar em mais
um critério arbitrário de seleção de estímulos detalhe a influência de diferentes característi-
(Cameoka & Moreira, 2021). cas de faces humanas sobre comportamento de
No Estudo 1, das 10 faces de Negros e avaliar no contexto de pesquisas sobre atitudes
das 10 faces de Brancos utilizadas, seis e duas, raciais, particularmente em estudos baseados
respectivamente, tiveram avaliações positi- no paradigma de equivalência de estímulos.
vas, observando-se variações nas avaliações
de faces dentro de um mesmo grupo racial. Considerações finais
No que tange ao Estudo 2, os autores obser-
varam que a avaliação de todas as faces, para Neste capítulo, relações entre preconceito
ambos os grupos, foi positiva, com aumento e controle de estímulos foram discutidas a partir
estatisticamente significativo das médias ao se do referencial teórico da análise do comporta-
comparar com o primeiro estudo. Por fim, no mento, por meio de uma caracterização do pre-
Estudo 3, as avaliações se mantiveram entre conceito como um comportamento operante
neutras ou positivas, sendo que neste estudo e, principalmente, como um comportamento
a diferença entre a média das avaliações das operante discriminado, ou seja, sob controle
faces de Negros e de Brancos não foi estatisti- de diferentes propriedades ou dimensões dos
camente significativa, contrastando com o que estímulos.
ocorreu nos estudos anteriores e sugerindo que Foram apresentadas pesquisas analíti-
a seleção das fotografias com base nas avalia- co-comportamentais que exemplificam como
ções nos Estudos 1 e 2 produziu viés avaliativo diferentes controles de estímulos podem afetar
(Cameoka & Moreira, 2021). o que chamamos de preconceito, entendido de
Cameoka e Moreira (2021) discutiram que maneira ampla como uma atitude negativa em
as diferenças de avaliação observadas dentro relação a determinados grupos ou pessoas. Ao
de um mesmo grupo de estímulos fortalecem mesmo tempo, chamou-se a atenção para as
a proposição de que diversas variáveis, dentre dificuldades encontradas em estudos que ten-
as quais a cor da pele e traços fisionômicos, taram demonstrar transferência de função ou
poderiam estar controlando o comportamento reversão de classes de equivalência com estí-
de avaliar dos participantes. Além disso, o au- mulos socialmente relevantes, nos quais têm
mento da frequência de avaliações positivas do sido reportados resultados inconclusivos ou
Estudos 1 para o Estudo 2 apontou para uma in- mesmo a ausência da reversão ou da transfe-
terferência da expressão de emoção como algo rência pretendidas.
que pode refletir no controle experimental, o Propomos que os resultados incongruen-
que converge com outros achados na literatura tes podem ser explicados, ao menos em parte,
da análise do comportamento em estudos com pelas características dos estímulos utilizados
classes de equivalência compostas por estímu- nesses estudos, cujo controle sobre o compor-
los arbitrários e imagens de rostos expressan- tamento dos participantes pode ter ocorrido
do emoções, os quais relataram relações mais de maneira diferente daquela prevista pelos
fortes nas classes que continham rostos felizes pesquisadores. Essa proposição foi fortalecida
pelos resultados relatados por Cameoka e The Psychological Record, 59, 563–590.
Moreira (2021), que apontaram que a presen- https://doi.org/10.1007/BF03395682
ça de um discreto sorriso nas faces utilizadas Bortoloti, R., & de Rose, J. C. C. (2011). An
como estímulos alterou significativamente as “Orwellian” account of stimulus equiva-
avaliações dos respondentes em relação a essas lence: Are some stimuli “more equivalent”
faces, tanto de Negros quanto de Brancos. than others? European Journal of Behavior
Por fim, argumentamos que os campos da Analysis, 12, 121–134. https://doi.org/10.1
psicologia social e da análise do comportamen- 080/15021149.2011.11434359
to podem se beneficiar mutuamente dos seus Burch, T. (2015). Skin color and the criminal
esforços de compreensão das atitudes sociais justice system: Beyond black-white dis-
e do preconceito. A psicologia social tem uma parities in sentencing. Journal of Empirical
trajetória longa e profícua de estudo desses Legal Studies, 12, 395–420. https://doi.
temas, da qual destacamos as investigações org/10.1111/jels.12077
sobre priming com faces humanas em pesquisas Cameoka, M. C., & Moreira, M. B. (2021).
de preconceito racial e estereótipos (Stepanova Preconceito racial: Viés na mensuração
et al., 2016), que demonstram a necessidade de de atitudes produzido por controle de
controle meticuloso dos estímulos utilizados. estímulos. Acta Comportamentalia, 29(1),
De sua parte, a perspectiva da análise do com- 93–112.
portamento oferece um modelo empiricamente Catania, A. C. (1999). Aprendizagem:
consistente que contribui para explicar como Comportamento, linguagem e cognição.
o preconceito surge, se mantém e, espera-se, Porto Alegre: Artmed.
poderá ser mudado por meio da manipulação Crandall, C. S., D’Anello, S., Sakalli, N., Lazarus, E.,
de variáveis relevantes que controlam compor- Nejtardt, G. W., & Feather, N. T. (2001). An
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Resumo Abstract
Desde o início de 2020, o mundo enfrenta a Since the beginning of 2020, the world is dea-
pandemia da COVID-19 e seus impactos so- ling with the Coronavirus 2019-nCoV (COVID-
ciais, econômicos e políticos. Estudos têm sido 19) pandemic and its social, economic, and
desenvolvidos para entender e predizer como political impacts. Several studies have been
as pessoas se comportam durante a pande- developed to understand and predict how
mia e quais variáveis podem influenciar people behave under this circumstance and
comportamentos de prevenção. Conceitos which variables can affect the occurrence of
da Economia Comportamental Operante preventive behaviors. Focusing on undergra-
podem ajudar nessa tarefa. Descreve-se bre- duate students, we discussed how sunk-time
vemente o que é a Economia Comportamental and framing, two groups of events used by
Operante e como utilizá-la para analisar o Operant Behavior Economics to examine
comportamento humano durante contextos choice behaviors, can affect human beha-
de pandemia. Em seguida, é apresentado um vior under pandemic situations. Further, we
método de pesquisa baseado em questioná- described a research method based on online
rios online para examinar os efeitos de duas questionnaires that can be used to exami-
variáveis principais (i.e., sunk-time e framing) ne the effects of sunk-time and framing on
sobre como as pessoas descrevem que se how people describe they would behave in
comportam em situações hipotéticas envol- hypothetical situations involving preventive
vendo medidas de prevenção. Esperamos measures. We hope this work sets the stage
que o presente trabalho possa servir como for future research about human behavior
mecanismo de estudos e fundamentação de during pandemic situations and, especially,
projetos de iniciação científica e de trabalhos serves as a theoretical basis for undergradua-
de conclusão de curso (TCC) para estudantes tes interested in Operant Behavior Economics.
de graduação interessados neste campo do
conhecimento.
Palavras-chave Keywords
Economia Comportamental; Análise do Behavioral economics; behavioral analysis;
Comportamento; Pandemia; COVID-19; pandemic; COVID-19; social distancing.
Distanciamento Social.
1 O presente capítulo é derivado de um Simpósio apresentado no XXIX Encontro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Comportamental, realizado no dia 05 de Setembro de 2020, sob o título: Simpósio REDETAC.
59
Economia Comportamental e pandemia
Luiz, A.; Santos, J. R.; Cabeças, G. C.;Costa, C. E.; Holanda, A. O.; Luque, P.; & Tsutsumi, M. M. A.
Na Tabela 1, que será apresentada mais adiante Wisconsin, na qual haviam investido US$50.
neste capítulo, os termos racional e irracional Dos 61 participantes, 33 optaram pela viagem
aparecerão com suas definições de um ponto para Michigan, na qual investiram mais dinhei-
de vista da Economia Comportamental e da ro, mesmo informados que aproveitariam mais
Economia Comportamental Operante. a viagem para Wisconsin.
Entre as variáveis que podem afetar a Dando continuidade à investigação, Arkes
tomada de decisão estão a quantia em dinheiro, e Blumer (1985, Experimento 2) avaliaram o
o esforço ou o tempo investido em alguma situ- efeito sunk-cost em um contexto aplicado, uti-
ação e as mudanças contextuais na formulação lizando a venda de ingressos de um evento do
de problemas que as pessoas precisam resolver. Departamento de Teatro da Universidade de
Estudos demonstraram que quanto maior o in- Ohio. Para isso, forneceram descontos a alguns
vestimento financeiro em uma atividade, maior dos compradores, visando avaliar a frequência
é a probabilidade de que as pessoas persistam de comparecimento dos consumidores que pa-
nessa atividade, mesmo que a possibilidade de garam menos para assistir às peças em relação
ganho seja reduzida. Assim, a persistência na ati- aos consumidores que pagaram o “preço cheio”,
vidade não ocorre em razão das consequências sem desconto. Nesse experimento, foram ven-
provenientes da permanência no curso da ação didos três tipos de ingressos: 18 ingressos de
(e.g., Arkes & Blumer, 1985; Bragger, Bragger, valor normal, custando US$15; 19 ingressos
Hantula & Kirnan, 1998; Magalhães & White, custando US$13 e 17 ingressos custando US$8.
2016; Moon, 2001; Navarro & Fantino, 2009). A venda dos ingressos foi realizada seis meses
Esse fenômeno é chamado de efeito sunk-cost antes do evento. Os resultados indicaram que
e tem sido estudado por meio da aplicação de os participantes que pagaram o valor integral
questionários e da exposição de humanos e não do ingresso (US$15) compareceram mais ao
humanos a tarefas experimentais (e.g., Arkes & evento do que os participantes dos grupos com
Blumer, 1985; Navarro & Fantino, 2005; 2009). desconto, pelo menos nas peças iniciais. Os au-
Arkes e Blumer (1985) investigaram como tores destacaram a importância desses resulta-
investimentos anteriores em um curso de ação dos, visto que o efeito sunk-cost foi observado
poderiam afetar a escolha do participante entre mesmo tendo se passado seis meses desde a
persistir na alternativa inicial (na qual já foi compra dos ingressos.
investido dinheiro) ou investir em uma nova Utilizando novamente questionários, no
alternativa (em que ainda não foi investido di- Experimento 3, Arkes e Blumer (1985) avalia-
nheiro, mas que poderia gerar mais benefícios). ram os efeitos sunk-cost com o uso de cenários
No Experimento 1, os participantes eram infor- hipotéticos apresentados a 48 participantes.
mados de que já haviam gasto US$100 em uma Cada participante era informado de que ele
passagem para Michigan e, semanas depois, desempenhava o papel de presidente de uma
por engano, teriam comprado uma passagem companhia aérea e já havia investido 10 mi-
de US$50 para Wisconsin no mesmo dia da lhões de dólares em um projeto de pesquisa
passagem para Michigan. Adicionalmente, di- para construir um avião que não seria detecta-
zia-se que a viagem para Wisconsin seria mais do por radares convencionais. Após a execução
divertida. Sabendo disso, os participantes deve- de 90% do projeto, outra empresa começou a
riam decidir em qual viagem ir: para Michigan, anunciar um avião que também não seria de-
na qual já haviam investido US$100, ou para tectado por radares convencionais, mais rápido
e econômico do que o avião que estava sendo tempo em uma atividade (e.g., Bragger et al.,
feito pela empresa do participante. Diante disso, 1998; Moon, 2001; Navarro & Fantino, 2009):
o participante poderia escolher entre continuar se quanto maior o tempo despendido em uma
investindo para terminar os 10% restantes do atividade, maior seria a probabilidade de que
projeto ou abandoná-lo. Cerca de 85% dos par- as pessoas optassem por continuar investindo
ticipantes optaram por continuar investindo no nela. Navarro e Fantino (2009), por exemplo,
projeto inicial, sugerindo a ocorrência do efeito testaram o efeito do tempo despendido em
sunk-cost e replicando os resultados obtidos nos uma atividade sobre a escolha de continuar
Experimentos 1 e 2 de Arkes e Blumer. ou desistir dela. Respondendo a questionários
Navarro e Fantino (2005, Experimento com situações hipotéticas nos Experimentos
1) realizaram um estudo para investigar se o 1-4, os participantes deveriam escolher entre
efeito sunk-cost também poderia ser observado continuar ou desistir da realização de uma
em animais não humanos. Nesse caso, o inves- tarefa, sem a necessidade de realizá-la. Nesses
timento em determinada alternativa era men- experimentos, os cenários descritos informa-
surado pelo número de respostas despendido vam ao participante o tempo despendido na
na obtenção da consequência anterior. Quatro atividade até aquele momento, que poderia
pombos poderiam responder em duas chaves ser de nenhum dia, um mês ou dois meses. Os
de resposta: uma em que vigorou um programa participantes cujos cenários informavam que
de reforço de Razão Fixa (FR) e outra chama- o tempo já despendido na atividade era mais
da de “chave de fuga”. O valor da razão em longo (i.e., um mês e dois meses) relataram que
vigor era selecionado aleatoriamente em cada optariam por persistir realizando a atividade
tentativa, sendo que, em metade das tentativas mais vezes do que os participantes cujos cená-
vigorou um FR 10, em 1/4 das tentativas vigo- rios informavam que o tempo já despendido
rou um FR 40 e em 1/8 das tentativas vigorou na atividade era mais curto (i.e., zero dias). Nos
um FR 160. Completar a razão resultava em Experimentos 5-7, os participantes deveriam
acesso a comida por 3 s. Responder na chave escolher entre continuar ou desistir da realiza-
de fuga encerrava a tentativa em vigor e inicia- ção de uma atividade em que, de fato, haviam
va uma nova tentativa, com a razão diferente, se engajado durante o experimento. Nesses ex-
em geral, menor do que a razão que estava perimentos, as sessões poderiam durar até 75
sendo exigida. Os resultados demonstraram min, e os participantes poderiam ser expostos
que três dos quatro pombos completaram as a uma de duas condições: “Curta”, na qual eles
razões mais altas, persistindo consistentemente realizavam a atividade preliminar por 50 min,
entre tentativas a despeito da possibilidade de e a atividade principal por 10 min; ou “Longa”,
“desistir do investimento” ao bicar a chave de na qual eles realizavam a atividade prelimi-
fuga. Resultados semelhantes foram obtidos nar por 10 min, e a atividade principal por 50
por Magalhães, White, Stewart, Beeby e Van min. A atividade proposta era trabalhar em
der Vliet (2012) também utilizando ratos. quebra-cabeças de 500 peças, o que, segundo
Alguns estudos investigaram se o efeito os autores, impossibilitava os participantes de
sunk-cost, já observado com investimentos mo- terminarem a atividade antes do fim da sessão.
netários e de esforço (i.e., número de respostas Os resultados indicaram que os participantes
emitidas por animais não humanos), também que passaram pela condição “Longa” optaram
poderia ser observado com o investimento de por persistir na realização da atividade mais
vezes do que os participantes que passaram dos participantes optaram pelo Programa A.
pela condição “Curta”. Portanto, foi observado No Problema 2, os participantes poderiam es-
o efeito sunk-cost em ambos os experimentos colher entre o Programa C, em que 400 das 600
(a partir de agora denominado sunk-time, por pessoas morreriam; e o Programa D, em que
se referir a tempo). Ou seja, os resultados dos havia 1/3 de chance de que ninguém morresse;
experimentos realizados demonstraram que a e 2/3 de chance de que 600 pessoas morressem.
probabilidade de escolha de uma determina- Nesse caso, 78% dos participantes optaram pelo
da alternativa teve correlação positiva com o Programa D. No Problema 2, foram apresen-
tempo já investido nessa alternativa, a despeito tados programas com a mesma efetividade
da existência de alternativas que ofereciam con- dos programas apresentados no Problema 1,
sequências mais vantajosas. Adicionalmente, contudo, os resultados da aplicação dos pro-
esses resultados foram obtidos tanto por meio gramas C e D foram descritos em termos do
do uso de questionários com situações hipo- número de pessoas que morreriam; enquanto
téticas, quanto pela realização propriamente os resultados da aplicação dos programas A e B
dita das atividades. A replicação dos resultados foram descritos em termos do número de vidas
entre os Experimentos 1-4 e os Experimentos que seriam salvas com cada um dos programas.
5-7 de Navarro e Fantino (2009) sugere que, Logo, mudanças na formulação de problemas
para condições semelhantes, resultados obtidos produziram alterações na preferência por uma
por questionários podem servir como predi- ou outra alternativa.
tores de como as pessoas se comportarão se Levin e Gaeth (1988) também realizaram
realmente expostas às contingências. um estudo para avaliar os efeitos do framing
Além do sunk-time, a forma de apresen- sobre a opinião dos consumidores. Para isso,
tação das alternativas também pode alterar o 96 estudantes de graduação foram distribuídos
padrão de escolha, o que é conhecido como em dois grupos: o primeiro grupo degustaria
efeito de framing e pode ser observado em dife- pedaços de carne após ver o rótulo e o segundo
rentes contextos (DeHart et al., 2018; Tversky & grupo degustaria pedaços de carne antes de
Kahneman, 1981). Tversky e Kahneman reali- ver o rótulo. O rótulo apresentado descrevia a
zaram um experimento com estudantes univer- carne como sendo 75% magra para metade dos
sitários em que apresentaram dois problemas participantes – o que foi chamado pelos autores
hipotéticos, diante dos quais o participante de- de framing positivo – e para a outra metade, a
veria escolher entre dois programas governa- carne era descrita como tendo 25% de gordura
mentais a serem implementados para enfrentar – o que foi chamado pelos autores de framing
uma doença. Os dois problemas eram idênticos, negativo. Após a degustação, ambos os grupos
mas as opções de programas foram descritas respondiam à avaliação, em uma folha, infor-
de maneiras diferentes. No Problema 1, foram mando se tinham considerado a carne saboro-
apresentados dois programas para enfrentar sa, gordurosa, de alta ou baixa qualidade e se a
uma doença que mataria 600 pessoas: Programa carne era gorda ou magra. Os resultados mos-
A e Programa B. Adotando o Programa A, 200 traram que os participantes avaliaram melhor
pessoas seriam salvas; e adotando o Programa a carne quando ela foi apresentada como sendo
B, haveria 1/3 de chance de que 600 pessoas 75% magra (framing positivo) e a ordem de
se salvassem, e 2/3 de chance de que ninguém apresentação do rótulo e degustação da carne
fosse salvo. Os resultados apontaram que 72%
não resultou em diferenças significativas nas última fase, os participantes da categoria “busi-
opiniões dos participantes. ness people” recebiam o feedback dos “public
Lambsdorff e Frank (2010) também in- officials” e poderiam escolher entre denunciar
vestigaram os efeitos de framing em um ex- ou não os participantes da categoria “public of-
perimento sobre corrupção. Os participantes ficials”. Os resultados não demonstraram dife-
foram distribuídos em duas categorias: “busi- renças na reação dos “public officials” quando
ness people” e “public officials”. Em uma pri- o pagamento era chamado de propina ou pre-
meira fase experimental, os participantes da sente. Contudo, uma diferença foi encontrada
categoria “business people” deveriam realizar nos resultados da terceira fase, em que os par-
um pagamento aos participantes da categoria ticipantes da categoria “business people” po-
“public officials” em nome de sua empresa, e deriam denunciar ou não os “public officials”:
deveriam decidir se chamariam essa transação os participantes “business people” que chama-
de “propina” ou “presente”. Na segunda fase, ram o pagamento de propina demonstraram
os participantes da categoria “public officials” maior probabilidade de denunciarem o com-
poderiam escolher como reagir ao pagamento: portamento oportunista dos “public officials”
(1) denunciar; (2) aceitar o pagamento sem fa- do que aqueles que chamaram o pagamento
vorecer a empresa que enviou (oportunismo) de presente.
ou (3) aceitar o pagamento e favorecer a em- A Tabela 1 apresenta as definições dos
presa que enviou (reciprocidade). Na terceira e termos racional, irracional, sunk-time e framing
Tabela 1
Definições de alguns termos a partir da Economia Comportamental e da Economia Comportamental
Operante
Teoria
Economia Comportamental Economia Comportamental Operante
Conceito
Comportamentos que diminuem de probabili-
Uma escolha é considerada racional quando dade quando a relação resposta-reforço é que-
apenas consequências futuras são levadas em brada ou quando o custo (e.g., quantidade de
Racional
consideração no processo de tomada de decisão tempo gasto, esforço despendido, perda de refor-
(Tversky & Kahneman, 1981). çadores) é maior do que os reforçadores obtidos
(cf. Magalhães & White, 2016).
Uma escolha é considerada irracional quando Comportamentos que continuam ocorrendo
variáveis além das consequências futuras são quando a relação resposta-reforço é quebrada
levadas em consideração no processo de tomada ou quando o custo (e.g., quantidade de tempo
Irracional
de decisão, como, por exemplo, o tempo, dinhei- gasto, esforço despendido, perda de reforça-
ro ou esforço investido em uma alternativa (cf. dores) é maior do que os reforçadores obtidos
Tversky & Kahneman, 1981). (cf. Magalhães & White, 2016).
Tendência de continuar um investimento ou Tendência de persistir em um curso de ação em
realizar uma ação mesmo que tenha custos fu- razão de investimentos anteriores nessa opção,
Sunk-time turos mais altos do que benefícios, seja custos e não em razão das consequências programadas
de tempo, dinheiro ou esforço que foram incor- ou sinalizadas para a permanência nesse curso de
ridos anteriormente (Arkes & Blumer, 1985). ação (Magalhães & White, 2016).
É a concepção do indivíduo sobre os re-
sultados de uma escolha. A escolha é in-
É a forma de estruturação do contexto em que
fluenciada pela forma de apresentação das
Framing uma oportunidade de escolha é apresentada
alternativas e também por normas, hábi-
(DeHart et al., 2018).
tos e características pessoais do indivíduo
(Tversky & Kahneman, 1981).
vida, à semelhança do que ocorre em cenários Por fim, vale destacar que independen-
de pandemia. Um exemplo disso seria: temente do método a ser utilizado, é essencial
desenvolver pesquisas com o objetivo de in-
“Imagine que você vai realizar um tra-
vestigar quais variáveis estão envolvidas nos
tamento para retirar um tumor. No tra-
processos de tomada de decisão e como essas
tamento para tumores, às vezes há uma
variáveis podem ser manipuladas a fim de
escolha entre um tratamento radical,
favorecer o engajamento das pessoas nas me-
como uma cirurgia extensa, a qual en-
didas de prevenção à COVID-19. A Economia
volve risco de morte iminente. A segunda
Comportamental Operante parece ser uma área
opção envolve um tratamento de risco
promissora para esse tipo de estudo. Pesquisas
moderado, como uma cirurgia limitada
nesse sentido podem auxiliar na elaboração
ou radioterapia. Suponha que você seja
de políticas públicas a fim de estabelecer
um homem de 40 anos de idade e que
programas para manutenção de medidas de
sem tratamento a morte seja iminente
segurança, assim como maneiras de divulga-
(i.e., ocorrerá dentro de um mês) e que
ção de dados sobre a pandemia na mídia que
apenas um dos tratamentos a seguir possa
possam resultar na melhor aplicação e aderên-
ser aplicado: a) 20% de chance de morte
cia a essas políticas de forma preventiva e não
iminente e 80% de vida normal, com ex-
apenas paliativa.
pectativa de longevidade de 30 anos; b)
certeza de uma vida normal, com uma
Referências
expectativa de longevidade de 15 anos.
A partir dessas opções de tratamento,
Arkes, H. R., & Blumer, C. (1985). The psy-
você escolheria a opção com chance de
chology of sunk-cost. Organizational
risco iminente, entretanto maior longe-
Behavior and Human Decision
vidade, ou certeza de uma vida normal,
Processes, 35(1), 124–140. https://doi.
porém menor longevidade?” (cf. Tversky
org/10.1016/0749-5978(85)90049-4
& Kahneman, 1986).
Aquino, E. M. L., Silveira, I. H., Pescarini,
Os dados obtidos poderiam ser submeti- J. M., Aquino, R., & de Souza-Filho, J.
dos a análises estatísticas descritivas e inferen- A. (2020). Social distancing measu-
ciais. Seriam utilizadas medidas de tendência res to control the COVID-19 pande-
central (e.g., média e mediana) para a descrição mic: Potential impacts and challenges
do perfil da amostra, sendo calculadas para as in Brazil. Ciência e Saúde Coletiva, 25,
variáveis contínuas, e valores de porcentagens, 2423–2446. https://doi.org/10.1590/1413-
para as variáveis categóricas. A depender do 81232020256.1.10502020
volume de dados e da distribuição amostral, co- Bragger, J. D., Bragger, D., Hantula, D. A., &
eficientes de correlação de Pearson, Spearman e Kirnan, J. (1998). Hyteresis and uncertain-
Kendall poderiam ser calculados, sempre entre ty: The effect of uncertainty on delays to
as respostas dos participantes e as variáveis exit decisions. Organizational Behavior and
manipuladas (e.g., probabilidade estimada de Human Decision Processes, 74(3), 229–253.
rompimento do distanciamento social e tempo https://doi.org/10.1006/obhd.1998.2779
já dedicado ao cumprimento dessas medidas). Boletim Epidemiológico 06, Centro de Operações
de Emergências em Saúde Pública
Resumo Abstract
A Análise do Comportamento é composta por Behavior Analysis is composed of three central
três vértices principais: Behaviorismo Radical, vertices: Radical Behaviorism, Experimental
Análise Experimental do Comportamento Analysis of Behavior (EAB), and Applied
(AEC) e Análise do Comportamento Aplicada Behavior Analysis (ABA). EAB and ABA enable
(ABA). A AEC e a ABA possibilitam o desen- the development of behavioral technologies
volvimento de tecnologias comportamentais applicable to different contexts of the psycho-
aplicáveis a diversos contextos da prática logist’s practice. In this chapter, we charac-
do psicólogo. Neste capítulo, caracterizamos terize the concept of behavioral technology
o conceito de tecnologia comportamental and present a brief history of its evolution
e apresentamos um breve histórico de sua in Behavior Analysis. We then summarize
evolução na Análise do Comportamento. Em studies that have produced and evaluated
seguida, apresentamos sínteses de estudos behavioral technologies, as well as pointing
que produziram e avaliaram tecnologias com- out some of their benefits. We conclude that
portamentais, bem como apontamos alguns several Brazilian studies have described the
de seus benefícios. Concluímos que diversos development of technologies based on beha-
estudos brasileiros descreveram o desenvol- vior analytic principles, providing applicable
vimento de tecnologias embasadas em prin- resources to different services. However, we
cípios analítico-comportamentais, fornecen- emphasize the need for additional studies
do recursos aplicáveis a diferentes serviços. that scientifically evaluate the effectiveness
Entretanto, enfatizamos a necessidade de es- of the developed technologies.
tudos adicionais que avaliem cientificamente
a eficácia das tecnologias desenvolvidas.
Palavras-chave Keywords
tecnologia comportamental; tecnologia de behavioral technology; teaching technology;
ensino; análise experimental do comporta- experimental behavior analysis; applied beha-
mento; análise do comportamento aplicada; vior analysis; reinforcement contingencies.
contingências de reforço.
1 O presente capítulo é derivado de uma mesa redonda apresentada no XXIX Encontro da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Comportamental, realizada no dia 5 de setembro de 2020, sob o título: Tecnologias comportamentais para intervenção e prevenção: contri-
buições da Análise do Comportamento.
Agências de Fomento: CNPq (bolsa de IC para Raquel Neves Balan). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
71
Tecnologias comportamentais
Verônica Bender Haydu & Raquel Neves Balan
ou disciplinas como um todo (Cândido, 2017). maior imersão do professor em seu próprio
Conforme destacou Nale (1998), papel de educador². Assim, argumenta-se que
as tecnologias de ensino compõem uma grande
“essa tecnologia destaca a importância
parte do que pode ser denominado tecnologia
da proposição de objetivos como pri-
comportamental, uma vez que o conceito im-
meiro passo na programação; a necessi-
plica contingências de reforço que estabelecem
dade de, através de pesquisa empírica,
repertórios comportamentais, tanto na aquisi-
buscar objetivos de ensino para além
ção quanto na extinção de comportamentos.
dos limites determinados pelo que tradi-
cionalmente se ensina; a busca de alter-
Tecnologias comportamentais aplicadas a diferentes
nativas inovadoras para a disposição de
contextos: estudos brasileiros
contingências de ensino; a concepção de
atividades como recurso para o ensino
Um grande número de estudos que des-
de habilidades, conhecimentos, métodos
creveram e avaliaram tecnologias voltadas para
etc.” (p. 275).
diferentes contextos e setores da atuação do
Na instrução programada e no PSI, seja psicólogo podem ser encontradas na literatura
por meio de recursos como livros (e.g. Holland (cf, Tsutsumi, Goulart, Silva Júnior, Haydu, &
& Skinner, 1975) ou maquinas, é possível garan- Jimenéz, 2020; Zamignani, Vilas Boas, & Calixto,
tir aos estudantes um ensino individualizado e 2019), sendo o contexto educacional e o clíni-
ativo (cf. Skinner, 1972), de modo que o papel do co os que recebem maior atenção dos analis-
professor é o de programador de contingências tas do comportamento. Essas tecnologias são
e de auxiliador no processo ensino-aprendiza- compostas por procedimentos de intervenção
gem. Skinner ressalta que essas tecnologias de sistematizados, como o procedimento de ensino
ensino não seriam eficientes para aprendiza- descrito por de Rose, Souza e Rossito (1989) e o
gem por si só, pois seu êxito depende da manei- programa de Formação Permanente na Atenção
ra como os materiais didáticos são organizados ao Usuário de Álcool e Outras Drogas (Borloti,
pelos educadores. Isso significa que os professo- Ramos, & Baltar, 2017). Os estudos que se ca-
res devem programar o instrumento para que racterizam como analítico-comportamentais,
formas específicas de comportamento sejam conforme Johnston (1991, p. 425), “envolvem
emitidas sob controle de estímulos específicos aprender sobre as origens e as fontes atuais de
como contingência para o reforço. Além disso, controle sobre os comportamentos-alvo, bem
essas tecnologias permitem que os professores como identificar e analisar separadamente os
compreendam mais sobre o processo de ensino, elementos de um procedimento para determi-
pois exigem que conheçam o repertório inicial nar o papel de cada um no efeito geral”. Assim,
de seus alunos, os objetivos a serem desenvolvi- a eficácia da tecnologia deve ser avaliada com
dos e a programação da aproximação sucessiva a mensuração da variável dependente antes e
de comportamentos desejáveis. Isso resulta em depois da intervenção, com o intuito de verificar
2 O texto de Bandini e de Rose (2006) é sugerido ao leitor do presente capítulo que se interesse por uma revisão das análises conceituais
das publicações de Skinner que focalizaram as tecnologias que o autor propôs para a melhoria da Educação, com ênfase no livro Tecnologia
do Ensino.
essa aprendizagem promovida pelo jogo per- Transtorno do Espectro Autista (TEA). Pode-se
mite produzir: (a) a leitura e a escrita corretas citar como exemplo o programa de computador
das palavras ensinadas na fase de interven- denominado mTEA que permite o ensino de
ção e (b) a leitura e a escrita de novas palavras conteúdos por tentativas discretas. Os conteú-
formadas a partir da recombinação de sílabas dos ensinados são referentes a sobreposição de
(generalização de estímulos). Os participantes palavras, formação de palavras, identificação
foram nove crianças que passaram por um pro- de figuras similares e sequência numérica. Esse
cedimento com pré-teste, intervenção, sonda programa foi descrito e avaliado no estudo de
e follow-up. Nos testes foram avaliadas as rela- Silva, Soares e Benitez (2020) com a participação
ções entre palavra impressa e palavra falada, de duas professoras e cinco crianças com TEA.
palavra falada e conjunto de sílabas, palavra As professoras passaram pelo procedimento de
falada e palavra manuscrita, e entre figura e pa- programação e aplicação das atividades, bem
lavra falada. A intervenção consistiu em quatro como responderam a um questionário sobre
sessões com o AbraKedabra. Os resultados do o mTEA. As crianças realizaram as atividades
estudo demonstraram que, em relação aos es- do mTEA no computador. Verificou-se que o
tímulos utilizados no jogo, houve um aumento programa foi eficaz para que os professores
de emissão de palavras e sílabas lidas correta- personalizassem as atividades de cada aluno
mente e de emparelhamentos corretos entre de acordo com seus currículos e suas caracterís-
os estímulos. Em relação à generalização de ticas, bem como acompanhar a execução delas.
estímulos, houve um aumento no número de Em relação ao desempenho dos participantes,
sílabas corretamente selecionadas. As autoras verificou-se que as atividades estavam coeren-
concluíram que o jogo AbraKedabra foi eficaz tes com os níveis de dificuldades adequados a
para promover o ensino de leitura e escrita cada uma delas. Conclui-se que o mTEA que foi
correta de palavras do repertório dos partici- elaborado com base nos princípios da análise
pantes e a generalização para sílabas novas. do comportamento, pode ser considerado uma
Estudos subsequentes (Pellizzetti & Souza, tecnologia que permite aos educadores progra-
2014; Suzuki & Souza, 2019) aperfeiçoaram marem atividades de ensino individualizadas
o jogo, estenderam sua aplicação envolvendo e promove a aprendizagem dos conteúdos
pais de alunos e descreveram o processo de especificados.
aprendizagem envolvido. Assim, considera-se
que foi demonstrado que o jogo AbraKedabra Tecnologia comportamental aplicada ao contexto da
promove a aprendizagem da leitura e da escrita saúde
de palavras, podendo ser usado inclusive por Um exemplo de tecnologia comportamen-
pais e cuidadores, caracterizando-se como uma tal para promoção de saúde de crianças é o
tecnologia comportamental. jogo de tabuleiro “Cestinha Mágica” desenvol-
Outro contexto educacional no qual as vido por Panosso e Souza (2014), que ensina
tecnologias de ensino podem ser inseridas são a seleção e o consumo de alimentos diversi-
as intervenções com pessoas portadoras do ficados. Baseado em princípios da análise do
4 É importante diferenciar o que se entende por demonstração e o que se entende por aula prática. Em uma demonstração não há parti-
cipação ativa do aluno, ou seja, a atividade é realizada pelo professor, como ilustração do princípio ensinado. Na aula prática, por sua vez,
há a participação do aluno de maneira ativa, envolvendo habilidades diversas da parte dele, desde psicomotoras até de reflexão.
comportamento, a efetividade do jogo foi ava- Amaral (2010). O estudo envolveu duas crianças
liada por Panosso, Gris e Souza (2018) em um com câncer (9 e 4 anos) que foram submetidas
estudo com três crianças identificadas como P1, a avaliações pré-intervenção, durante a inter-
P2 e P3. Os participantes foram submetidos a venção e pós-intervenção com a Observation
três fases do procedimento: linha de base, inter- Scale of Behavioral Distress. A intervenção com
venção com o jogo e avaliação pós-intervenção. o livro foi realizada em três sessões, com a
As sessões de intervenção variaram para cada leitura do texto e a realização das atividades
participante, sendo 12, 11 e 13 partidas para P1, descritas. Verificou-se o aumento na frequência
P2 e P3 respectivamente. As autoras verificaram de respostas de adesão ao tratamento e com-
que os três participantes, na fase pós-interven- portamentos cooperativos no momento da in-
ção, passaram a consumir alimentos que antes jeção aplicada (quimioterapia) em comparação
não faziam parte de suas dietas, permitindo à frequência pré-intervenção. A criança com
aquisição de nutrientes mais diversificados. 9 anos manteve esses comportamento pós-in-
É importante enfatizar que recursos educati- tervenção, mas a criança de 4 anos apresentou
vos como o jogo Cestinha Mágica promovem redução na frequência dos mesmos. Entretanto,
saúde não apenas na infância, mas também a frequência na fase pós-intervenção foi maior
na vida adulta, pois em muitos casos os hábitos do que na fase pré-intervenção. Amaral con-
alimentares adquiridos nos primeiros anos de cluiu que “para crianças mais novas, o acom-
vida perpassam os demais períodos de desen- panhamento psicológico focalizando a questão
volvimento, sem grandes variações. Dada a im- da informação e da expressão de sentimentos
portância do ensino de hábitos alimentares na deve ser constante, pois as três sessões realiza-
infância e do fato de o jogo “Cestinha Mágica” das não foram suficientes para a manutenção
ter sido eficaz para que as crianças passassem a deste padrão comportamental” (p. 36). Além
consumir alimentos que antes não consumiam, disso, foi concluído que a tecnologia compor-
resultado confirmado em outros estudos (por tamental representa ser um recurso de baixo
exemplo, Brandina, Panosso, & Souza, 2016), custo financeiro, e que dado que o livro pode
o jogo pode ser considerado uma tecnologia ser levado para casa, ele amplia a possibilidade
comportamental. de generalização das mudanças comportamen-
Uma tecnologia comportamental na tais obtidas no contexto hospitalar para outros
forma de um livro intitulado “Estou doente, e contextos, como a casa e a escola.
agora? Orientações para crianças com câncer” Em relação as questões de saúde pública
foi desenvolvido Casanova e Soares (2009), o e que também estão relacionadas à educação
qual visa subsidiar intervenções na área da ambiental, do Nascimento, Borloti e Haydu
Oncologia com base em princípios da análise do (2018) avaliaram um jogo educativo que visa
comportamento. O livro fornece informações ensinar comportamentos de prevenção da
a respeito da condição de tratamento quimio- dengue. O jogo “Nossa Turma Contra a Dengue”
terápico de forma adequada ao nível de com- foi desenvolvido Valentim (2009). O estudo teve
preensão de crianças. O texto é estruturado em como objetivo avaliar os efeitos do jogo sobre
forma de fichas contendo informações, ativida- os conhecimentos verbais e comportamentos
des recreativas e de expressão de sentimento não verbais de prevenção à dengue. Os parti-
relacionadas à doença e ao tratamento. Essa cipantes foram 16 estudantes submetidos a um
tecnologia foi avaliada em uma dissertação de teste pré-intervenção, à intervenção com o jogo
Oliveira e Teixeira (2009) que a consideraram Tecnologia comportamental aplicada ao contexto dos
como uma das mais efetivas para melhorar direitos humanos
desempenho atlético, podendo ser associada a No contexto dos direitos humanos uma
uma série de procedimentos baseados em prin- questão relevante, principalmente em escolas,
cípios analítico-comportamentais que tornam refere-se ao bullying. Uma tecnologia com-
uma intervenção ainda mais eficaz. portamental foi estruturada por meio do jogo
Ainda no contexto do esporte, pode-se educativo “O Espião” desenvolvido Perkoski
citar como tecnologia comportamental para o e Souza (2015). Nesse jogo, são apresentadas
treino de atletas de futsal o jogo de tabuleiro cartas de situações-problema de relacionamen-
desenvolvido e avaliado por Bayer, Haydu, to entre pares na escola, em que os jogadores
Santana e Souza (2014). Os pesquisadores precisariam escolher cartas de resolução para
adaptaram um jogo de botões e realizaram o problema apresentado. A escolha do jogador
um estudo em que foi feita a comparação do é reforçada (e.g., ganhar pontos) diante de reso-
desempenho de treinadores de futsal em duas luções consideradas pacíficas (que promovem
condições (tabuleiro e quadra de futsal), ao en- relacionamento saudável e respeitoso entre
sinar jogadas de diferentes dificuldades. Além colegas). Caso contrário, são aplicadas con-
disso, compararam o desempenho dos atletas sequências consideradas aversivas (e.g., não
nessas condições após o ensino proporcionado avançar casas no tabuleiro). Souza, Perkoski e
por seus treinadores. Os participantes foram dos Anjos (2019) descreveram uma partida-tes-
três treinadores e 15 atletas. A partir do estudo, te da qual participaram cinco alunos de uma
pode-se observar que os treinadores emitiram escola pública que eram capazes de ler textos
comportamentos corretos de ensino tanto com simples e apresentavam baixo repertório de
o uso do tabuleiro quanto na quadra, e que conhecimento sobre bullying avaliado por uma
os atletas apresentaram o mesmo número de entrevista estruturada (pré-teste). A entrevista
tentativas para aprender as jogadas entre as continha cinco perguntas referentes ao que é o
duas condições. No entanto, no treino com o bullying e as respostas dos participantes eram
tabuleiro, os treinadores emitiram menos ins- classificadas como adequadas, adequadas in-
truções parciais e menos críticas. Além disso, completas ou inadequadas. Após o pré-teste, foi
ocorreram mais reforços na forma de elogios executado o jogo “O Espião” que caracterizava
em comparação ao treino na quadra. De acordo a fase de intervenção. A mesma entrevista da
com Bayer et al., o excesso de instruções pode fase pré-teste foi aplicada como pós-teste. Os
restringir o comportamento criativo de atletas resultados demonstraram que o jogo promoveu
e as críticas podem promover medo, falta de a aprendizagem de descrições verbais relacio-
iniciativa, inibição e até mesmo desistência nadas ao conceito de bullying, a identificação de
da prática do esporte. O uso de tabuleiros no suas consequências e formas de denúncia. As
ensino de jogadas ensaiadas combinado com autoras concluíram que o jogo “O Espião” foi
os princípios do reforço pode ser considerado eficaz para o ensino de comportamentos ver-
como sendo uma tecnologia comportamental bais relacionados ao bullying, aprendizagem
para o treino inicial de comportamentos de essa adquirida com base no estabelecimento de
atletas de futsal. princípio do reforço, o que permite caracterizar
o jogo como uma tecnologia comportamental.
Ainda no contexto dos direitos humanos proposto por Gomide (2010). Esse programa é
uma tecnologia comportamental, foi implemen- composto por uma etapa inicial para a inte-
tada por meio do Jogo Dilema do Prisioneiro gração do grupo e no final um procedimento
Repetido para avaliar relações de conflito entre de encerramento. Na etapa de intervenção são
interesses individuais e coletivos dos participan- focalizadas as seguintes virtudes/questões nas
tes. Ferrante, Fidelis, Faleiros e Hübner (2018) sessões: polidez, mentira, obediência, hones-
desenvolveram um estudo que visou identifi- tidade, amizade, expressão de sentimentos,
car o efeito de uma regra que especificou uma vergonha e culpa, reparação do dano e perdão,
instrução em prol da cooperação. Participaram justiça, generosidade. O procedimento é desen-
do estudo 20 estudantes universitários distri- volvido com recursos como filmes, quadrinhos,
buídos em dois grupos: o Grupo 1 recebeu a bonecos, histórias, parábolas; e atividades
instrução antes do jogo, no início da Sessão 1; como teatro, solução de dilemas, brincadeira
o Grupo 2 recebeu a instrução após a Sessão 3 (siga o mestre), discussões em grupo e tarefas
do jogo. Um computador era programado para de casa. Um estudo que avaliou esse programa
realizar jogadas como adversário sem o partici- foi desenvolvido por Netto e Gomide (2016).
pante saber que se tratava de uma programa- As pesquisadoras demonstraram que o recur-
ção e não de outro participante. Na primeira so é eficaz para desenvolver comportamentos
tentativa do jogo, o computador executava uma morais em crianças por meio de apenas cinco
ação de cooperação, em seguida apresentava encontros realizados em salas de aula. A rele-
uma resposta igual à que o participante havia vância do programa consiste no fato de que
feito na tentativa anterior. Os participantes comportamentos antissociais em ambientes
recebiam pontos de acordo com as regras es- escolares são desafios para os educadores,
tabelecida no procedimento. Verificou-se que evidenciando a importância de intervenções
os dois grupos ficaram sob o controle da regra que ensinem comportamentos adequados a
de cooperação e que 60% dos participantes do crianças.
Grupo 1 e 80% dos participantes do Grupo 2
passaram a cooperar. Os participantes do Grupo Tecnologia comportamental aplicada ao contexto
1 apresentaram respostas de cooperação mais clínico
prontamente após a apresentação da regra. No contexto clínico, uma tecnologia
Os participantes do Grupo 2 que cooperaram, comportamental que pode ser utilizada para
apresentaram cooperação de forma gradual, o tratamento de medos e fobias é a Realidade
após receberem a regra. Os autores concluíram Virtual (RV). O Virtua Therapy consiste em um
que “a regra e história de reforçamento pro- simulador desenvolvido para a terapia de
duzida pela participação cooperativa no jogo claustrofobia, acrofobia, glossologia e a fobia
tiveram efeito sobre as escolhas cooperativas social. Ele possui cenários específicos para
no jogo Dilema do Prisioneiro Repetido” (p. essas fobias e pode ser programado de forma
113). Essa conclusão aponta que o jogo Dilema a expor o participante a cenas em que o grau
do Prisioneiro Repetido usado para avaliar re- de ansiedade produzido pode ser controlado
lações de conflito pode ser considerado uma pelo terapeuta. Esse simulador foi avaliado
tecnologia comportamental. em diversos estudos (e.g., de Oliveira, Borloti,
Um programa de ensino de comporta- Banaco, & Haydu, 2020; Perandré & Haydu,
mento socialmente relevantes (as virtudes) foi 2018; Zacarin, Borloti, & Haydu, 2019). O estudo
desenvolvido por Zacarin et al. combinou o pro- A confecção do jogo foi distribuída em fases,
cedimento de exposição com realidade virtual à como a definição do público-alvo, a defini-
terapia comportamental para uma intervenção ção dos comportamentos a serem ensinados,
com participantes com ansiedade de falar em o planejamento das contingências de ensino,
público. A partir do estudo, foram investigados e a elaboração e a avaliação do protótipo do
os efeitos de uma intervenção comportamental jogo. Os participantes da avaliação do protótipo
com exposição à RV, respiração diafragmática, foram três crianças que primeiro responderam
reforço diferencial e análise funcional sobre a o inventário Social Skills Rating System validado
ansiedade de falar em público. Os participantes para o Brasil (SSRS-BR) e depois jogaram oito
foram seis estudantes que passaram por um sessões. Após as sessões de intervenção, respon-
procedimento de quatro etapas: entrevista ini- deram novamente ao inventário. Os resultados
cial e linha de base, intervenção, encerramento para dois dos participantes indicaram um au-
e acompanhamento. As medidas de linha de mento em todas as classes de habilidades sociais
base eram registradas com base em um discur- avaliadas (responsabilidade, empatia, asserti-
so realizado pelo participante em uma sala na vidade, autocontrole, civilidade e expressão de
RV sem avatares (audiência). Nas intervenções, sentimento positivo). Verificou-se também que
os discursos eram realizados na presença de o jogo possui usabilidade e engajamento ade-
um número cada vez maior de avatares, segui- quados para a faixa etária dos participantes.
dos de feedbacks da pesquisadora. Além disso, As autoras discutiram aspectos que podem ter
eram realizadas análises funcionais dos com- contribuído para as mudanças comportamen-
portamentos dos estudantes no contexto do dia tais estabelecidas por meio de princípios como
a dia. Zacarin et al. verificaram mudanças esta- a “modelagem de comportamento verbal e seu
tisticamente significativas entre os dados pré e efeito sobre comportamentos não-verbais e do
pós-intervenção em relação à autoavaliação dos repertório social durante as partidas – uso de
participantes ao falar em público, bem como jogo cooperativo” (p. 203).
melhora na qualidade dos discursos. Pode-se Os efeitos das tecnologias comportamen-
concluir que a tecnologia de RV, associada as tais de videofeedback e a de modelação em vídeo
outras intervenções, foi eficiente para diminuir sobre a mudança de comportamentos maternos
autorregras negativas como “meu discurso é foram estudados por Moura, Silvares, Jacovozzi,
ruim” e a ansiedade diante de situações sociais. Silva e Casanova (2007). O estudo teve como
Outra tecnologia comportamental apli- objetivo comparar dois tipos de procedimen-
cada ao contexto clínico foi implementada no to (o videofeedback e a modelação em vídeos
jogo denominado “Space Ability: fazendo con- com gravações de profissionais experientes) na
tato com Aliens”. Em um estudo realizado por orientação de mães quanto ao uso de reforço
Benevides e Souza (2020), houve a descrição do diferencial aos comportamentos adequados e
processo de construção e avaliação do jogo. O inadequados de seus filhos. Os participantes
objetivo principal do jogo é desenvolver habili- foram duas díades mãe e filho, sendo que as
dades sociais, pela cooperação entre jogadores. crianças apresentavam problemas de compor-
A partir do enredo criado, são promovidas si- tamento, como birras, agressividade e timidez
tuações de aprendizagem de comportamentos excessiva. Com relação às duas díades de par-
sociais e são reforçadas respostas verbais ade- ticipantes, o procedimento de modelação com
quadas e compatíveis com habilidades sociais. vídeo demonstrou-se mais eficaz na orientação
Souza, S. R., Sudo, C. H., Gamba, J. F., Oliveira, S. Weinberg, R. S., & Gould, D. (2001). Fundamentos
D., & Teixeira, B. F. (2009). Estabelecimento da psicologia do esporte e do exercício. 2.ed.
de metas e feedback: uma intervenção Porto Alegre: Artmed.
com atletas de uma equipe feminina de Zacarin, M. R., J, Borloti, E., & Haydu, V. B. (2019).
futsal da categoria adulto. In S. R. Souza & Behavioral therapy and virtual reality ex-
V. B. Haydu (Orgs.), Psicologia comporta- posure for public speaking anxiety. Trends
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Soluções.
Psicoterapia Comportamental
Pragmática: Uma aplicação da Análise do Carlos Augusto de Medeiros (1)
Comportamento à clínica1
carlos.medeiros@ceub.edu.br
(1)
Centro Universitário de Brasília
Pragmatic Behavioral Psychotherapy (PCP): An application
of Behavior Analysis in psychotherapy
Resumo Abstract
A Psicoterapia Comportamental Pragmática Pragmatic Behavioral Psychotherapy (PCP)
(PCP) é fundamentada no Behaviorismo is based on Radical Behaviorism, opposing
Radical, opondo-se ao mentalismo e ao livre- mentalism and free will, in addition to adop-
-arbítrio, além de adotar o modelo selecionista ting the selectionist model of determinism.
de determinismo. As análises e as interven- PCP analyzes and interventions are descri-
ções em PCP são descritas em termos compor- bed in behavioral terms, emphasizing verbal
tamentais, enfatizando-se o comportamento behavior since therapist/client interactions
verbal já que as interações terapeuta/terapeu- are predominantly verbal. The PCP is oppo-
tizando são predominantemente verbais. A sed to the use of ostensive behavioral con-
PCP se opõe ao uso do controle ostensivo do trol (i.e., issuing rules and using arbitrary
comportamento (i.e., emissão de regras e uso consequences) characteristic of behavioral
de consequências arbitrárias) característico oriented therapies. As an alternative to osten-
de terapias de orientação comportamental. sive control, it uses reflexive questioning and
Como alternativa ao controle ostensivo, utiliza natural differential reinforcement. Through
o questionamento reflexivo e o reforçamento Unsystematic Social Skills Training, the pa-
diferencial natural. Com o uso do Treinamento cient/client or therapeutizing person or the-
de Habilidades Sociais Assistemático, o tera- rapeutized person is led to develop ways of
peutizando é conduzido a desenvolver formas dealing with social demands that are more
de lidar com as demandas sociais com maior likely to be reinforced. PCP is characterized
probabilidade de reforçamento. A PCP se as a clinical application of Behavior Analysis
caracteriza como uma aplicação clínica da that in addition to changing the frequency of
Análise do Comportamento que visa, além de target behaviors, it aims to generate analy-
mudar a frequência de comportamentos alvo, sis repertoires. Essential repertoires for the
gerar repertórios de análise. Repertórios es- client´s independence from the therapist.
senciais à independência do terapeutizando
quanto ao terapeuta.
Palavras-chave Keywords
Psicologia clínica, terapias de orientação analítica Clinical psychology, analytical behavioral the-
comportamental, Psicoterapia Comportamental rapies, Pragmatic Behavioral Psychotherapy,
Pragmática, Análise do Comportamento. Behavior Analysis.
1 O presente capítulo é derivado da fala do autor no Simpósio intitulado: “Propostas brasileiras para a terapia fundamentada nos pres-
supostos filosóficos, conceituais e metodológicos da Análise do Comportamento: a) Terapia por Contingencias de Reforçamento; b) Terapia
Molar e de Autoconhecimento e; c) Psicoterapia Comportamental Pragmática” realizado XXIX Encontro Brasileiro de Psicologia e Medicina
Comportamental e VI Encontro Sul-Americano, no dia 05 de setembro de 2020.
89
Psicoterapia comportamental pragmática
Carlos Augusto de Medeiros
responsáveis por características das espécies; b) Por exemplo, é fundamental prever em que
ontogenéticos – os quais se referem aos efeitos circunstâncias um terapeutizando específico
do ambiente sobre o comportamento ao longo pode ter dificuldades em negar pedidos pouco
da vida do organismo, sendo responsáveis pelos razoáveis e, além disso, criar condições para
condicionamentos operante e respondente; c) que ele consiga fazê-lo.
culturais – que ser referem, tanto aos efeitos do Com relação ao determinismo, o
ambiente sobre o comportamento de grupos de Behaviorismo Radical adota o modelo selecio-
indivíduos (e.g., evolução ou entropia de cultu- nista, no qual comportamentos são formas de
ras), assim como, aos efeitos que comportamen- adaptação ao meio (Skinner, 1981). A depender
tos de grupos exercem sobre o comportamento dos efeitos que um dado comportamento produz
dos organismos (e.g., comportamento verbal, no meio, ele tenderá a se repetir ou tenderá a
controle instrucional, aprendizagem por mo- deixar de ocorrer. Daí decorre a impossibilidade
delação etc.). de adjetivar o comportamento como disfuncio-
2. Por mais que não se trate de uma rela- nal, doente, anormal, desadaptado ou proble-
ção mecânica, o comportamento é parcialmen- ma (Fonseca & Nery, 2018; Goldiamond, 1974;
te determinado pelo ambiente, sendo dever do Medeiros & Medeiros, 2011). Comportamentos
analista do comportamento investigar como se cuja intervenção se destine a aumentar de fre-
dá tal determinação. A parte indeterminada do quência são funcionais e adaptados do mesmo
comportamento, para o Behaviorismo Radical, modo que aqueles cuja intervenção se destine
não se refere a uma autodeterminação ou ao a diminuir de frequência. Funcional ou adapta-
livre arbítrio e sim, à variação casual de respos- do são termos que não permitem gradação, de
tas que ocasionalmente são selecionadas pelo modo que não faz sentido afirmar que a meta
ambiente (Baum, 2005/2006). da terapia é estabelecer comportamentos mais
Por razões pragmáticas, o Behaviorismo funcionais ou mais adaptados.
Radical se opõe ao livre arbítrio, ou seja, pre- Para a PCP, portanto, os comportamen-
sumir que a pessoa pode decidir o que fazer tos são formas de adaptação ao meio e os pro-
diante de condições do ambiente dificulta, cessos pelos quais são selecionados e manti-
senão, impossibilita a previsão e o controle do dos podem ser identificados pelo analista do
comportamento (Baum, 2005/2006). No contex- comportamento (Medeiros & Medeiros, 2011).
to da clínica, predição e controle são essenciais, O procedimento utilizado para tal é a análise
uma vez que, numa perspectiva pragmática, funcional, que consiste em identificar os deter-
é essencial ter condições de prever com certa minantes ambientais de comportamentos de
acurácia, como o terapeutizando se compor- interesse clínico, ou seja, os comportamentos
tará diante de eventos do ambiente. Eventos alvo (Neno, 2003; Lettner, 1995). Apenas com a
esses que o terapeutizando irá se deparar, análise funcional é possível prever e controlar
tanto dentro, quanto fora do consultório. Na o comportamento. Como o comportamento é
medida em que as terapias de orientação ana- selecionado pelo ambiente a partir de varia-
lítico comportamental estabelecem os objeti- ções casuais, as interações com o meio são to-
vos terapêuticos em termos de mudanças de talmente privativas, de modo que as análises
comportamento, a possibilidade de o terapeuta funcionais realizadas em PCP são individuais
modificar a probabilidade de ocorrência de (Medeiros & Medeiros, 2011).
comportamentos do terapeutizando é essencial.
A ênfase na função em detrimento da estru- do tipo “ela permanece casada com o marido
tura é uma das características do Behaviorismo violento porque quer” ou “ele se autodeprecia
Radical (Skinner, 1953; 1974). Os comporta- porque tem baixa autoestima”. Aumentos da
mentos, em PCP, serão designados como alvo autoestima ou da assertividade, por exemplo,
de intervenção a partir da sua função e não da não serão metas de uma terapia em PCP. Os
sua topografia (Medeiros & Medeiros, 2011). objetivos das intervenções em PCP consistirão
Os comportamentos de cuidar dos outros, tra- na modificação das frequências dos comporta-
balhar ou estudar, por exemplo, são compor- mentos resumidos por tais categorias, as quais,
tamentos que, apenas pela sua topografia, de frequentemente e equivocadamente, são utiliza-
acordo com critérios culturais, deveriam ter sua das como explicação para tais comportamentos.
frequência mantida ou aumentada. Todavia, O mesmo vale para psicodiagnósticos,
em uma análise funcional, esses mesmos com- como depressão, transtorno bipolar, transtor-
portamentos podem ser designados a enfraque- no de personalidade borderline, síndrome do
cer caso produzam estímulos aversivos ou a pânico entre outros. Em PCP, não há tratamento
perda de reforçadores de grande magnitude para tais categorias diagnosticas amplas, uma
em longo prazo. vez que agrupam apenas topografias e frequ-
Comportamentos de topografias dife- ências de respostas (Araújo & Medeiros, 2003;
rentes podem ter a mesma função e compor- Cavalcante & Tourinho, 1998; Hayes & Follette,
tamentos com a mesma topografia podem 1992; Lopes, Lopes, & Lobato, 2006). As respos-
ter funções diferentes (Medeiros & Medeiros, tas de mesmas topografias de um terapeutizan-
2011; Medeiros & Medeiros, 2018). Cabe ao do diagnosticado com depressão podem ter
terapeuta, portanto, identificar as funções dos funções distintas das de outro terapeutizando
comportamentos por meio da análise funcional com o mesmo diagnóstico. Desse modo, o diag-
para cada terapeutizando (Lettner, 1995; Neno, nóstico, em si, é pouco útil para o psicotera-
2003). Diferentes terapeutizandos podem apre- peuta pragmático. Ainda, para tais autores, os
sentar comportamentos de mesma topografia, diagnósticos adotados pelo modelo médico são
porém com funções distintas. A mera aplicação nomotéticos, negligenciando as especificidades
de relações funcionais identificadas em um te- de cada indivíduo, o que é incompatível com a
rapeutizando para explicar o comportamento postura ideográfica do Behaviorismo Radical.
de outro terapeutizando pode resultar em uma Um protocolo de tratamento para o trans-
análise equivocada. Por mais que certas exposi- torno de personalidade borderline pode ser
ções ao ambiente sejam funcionalmente equi- eficaz para a remissão dos sintomas para a
valentes em diferentes pessoas, é fundamental maioria dos indivíduos de um grupo experi-
a testagem das hipóteses de análises funcionais mental em comparação a um grupo controle
com cada terapeutizando específico (Lettner, que permaneceu na lista de espera, por exem-
1995; Neno, 2003). plo. Todavia, não se pode afirmar que o mesmo
Também, de acordo com Behaviorismo protocolo seja eficaz para o indivíduo que emite
Radical, para a PCP não há espaço para a au- comportamentos resumidos por tal rótulo. Em
todeterminação da conduta nem para explica- decorrência disso, a PCP vê com ceticismo a
ções do comportamento que utilizem eventos utilização de ensaios clínicos randomizados
externos à relação organismo ambiente (i.e., focados no tratamento de categorias nosológi-
mentalismo) como, por exemplo, afirmações cas como evidência de eficácia de modelos de
ser replicadas em ambiente aplicado (Leonardi e Medeiros (2010; 2020a; 2020b) as descrições
& Meyer, 2015; Medeiros & Medeiros, 2018). de contingências (i.e., regras) são de extrema
Todavia, é preferível o terapeuta testá-las em importância na clínica, seja pelo controle que
sua aplicação pelos efeitos observados em exercem sobre os comportamentos dos tera-
situações controladas de laboratório do que peutizandos, seja como forma de mudar com-
aplicar procedimentos de fora da Análise do portamentos que ocorrem dentro e fora dos
Comportamento que ainda não foram descritos consultórios. Inadvertidamente, terapeutas de
em termos de variáveis de controle. Na realida- diferentes abordagens emitem regras como
de, é esperado que o psicoterapeuta pragmáti- forma de exercer controle sobre os comporta-
co, em sua atuação clínica, tenha condições de mentos dos usuários de seus serviços. Ao devol-
descrever, em termos comportamentais, todas verem análises funcionais ou interpretarem,
as suas interações com o terapeutizando. também estão emitindo regras. A emissão de
De acordo com Medeiros e Medeiros (2011), regras por terapeutas, de acordo com Medeiros
alguns temas em Análise do Comportamento são (2010; 2020), possui múltiplos efeitos sobre o
particularmente relevantes em PCP, como com- repertório comportamental dos terapeutizan-
portamento verbal, classes funcionais/equiva- dos, muitos dos quais, contraterapêuticos (e.g.,
lência, comportamento verbalmente controlado insensibilidade as contingências, quebra na
e determinantes culturais do comportamento correspondência verbal, respostas de contra
(e.g., regras, modelos e estímulos reforçado- controle).
res/punitivos condicionados generalizados). A Os comportamentos alvo produzem con-
ênfase no comportamento verbal, nas classes sequências conflitantes. Algumas delas são
funcionais/equivalência e no controle verbal simbólicas, como admiração, status, poder e
se dá pelo fato de que a maior parte das intera- respeito (i.e., reforçadores condicionados ge-
ções entre terapeuta e terapeutizando é verbal neralizados) ou rejeição, humilhação e ostra-
(Hamilton, 1988; Medeiros, 2002a; Medeiros, cismo (i.e., estímulos aversivos condicionados
2002b). Porém, mais do que dar ênfase no que o generalizados), enquanto outras são práticas,
terapeutizando diz, cabe ao terapeuta questio- como atividades de lazer, tempo de descanso, o
nar-se acerca do que leva o terapeutizando a di- sabor de um alimento calórico, bate papo com
zê-lo (Glenn, 1983; Medeiros & Medeiros, 2011). um amigo etc. A preponderância do controle
As intervenções do terapeuta, por sua vez, se pelas consequências simbólicas do comporta-
dão predominantemente, pela apresentação mento em detrimento das práticas, de acordo
de estímulos verbais. Sendo assim, é essencial, com Medeiros e Medeiros (2011) e Medeiros
em PCP, o terapeuta não apenas analisar as (2018), pode resultar em padrões comporta-
respostas verbais do cliente, como também ter mentais correlacionados ao que se denomina
condições de categorizar funcionalmente as cotidianamente de sofrimento.
suas próprias respostas verbais. Tais análises, A cultura tende a fortalecer certos com-
em PCP, utilizarão a terminologia proposta por portamentos como cuidar dos outros, se exer-
Skinner (1957), como defendem Glenn (1983), citar, flertar com várias mulheres, iniciar um
Hamilton (1988) e Medeiros (2002a; 2002b; namoro etc. com reforçadores simbólicos.
2013). Porém, esses mesmos comportamentos podem
Como discutem Poppen (1989), Abreu- resultar em perdas de reforçadores práticos,
Rodrigues e Sanabio-Heck (2004), Meyer (2005), os quais, a despeito de pouco valorizados pela
instruí-lo a como fazê-lo. Além disso, possibilita conjuntura atual. Como base nas relações entre
ao terapeutizando construir respostas ao seu a PCP e o Behaviorismo Radical, a Análise do
próprio estilo e não aquelas que arbitraria- Comportamento e as demais vertentes de te-
mente o terapeuta considera mais adequadas. rapias analíticas comportamentais, ficou evi-
Portanto, o THSA, como os demais procedi- dente que ela é uma aplicação da Análise do
mentos em PCP se destina a reduzir o controle Comportamento à clínica. Desse modo, não faz
ostensivo exercido pelo terapeuta, conferindo sentido questionar em que onda ela surfa, uma
um papel mais ativo ao terapeutizando. vez que as ondas são uma maneira de organi-
A ideia por trás da PCP é criar condições zar cronologicamente as terapias de orientação
para que o terapeutizando comporte-se de comportamental e cognitivo comportamental
modos diferentes do que sempre fez. Todavia, concebidas nos Estados Unidos (Vandenberghe,
parte-se do pressuposto em PCP de que tais 2017).
mudanças não são sustentáveis se a relação A característica diferenciadora da PCP em
de controle do terapeuta e terapeutizando for relação às demais vertentes de TAC é a oposi-
ostensiva (Ferster, 1967; 1972; 1979/2007). O ção ao controle ostensivo comumente exercido
mesmo ocorre em outras relações entre agentes pelos terapeutas de orientação comportamen-
controladores e controlados, como famílias e tal. Ao presumir que grande parte do sofrimen-
filho (a), professore(a)s e aluno(o)s, chefes e su- to experienciado pelos terapeutizandos decorre
bordinado(a)s, pastore(a)s e fiéis etc. Caso o que de conflitos entre controles simbólicos sociais e
controle o comportamento dos agentes contro- práticos, a PCP preconiza a redução do controle
lados sejam as instruções e as consequências social, a começar pelo controle social exercido
arbitrárias providas pelo agente controlador, pelo terapeuta. Além da mudança na frequ-
dificilmente os comportamentos se manterão na ência de comportamentos alvo, a PCP busca
sua ausência. Além disso, o controle ostensivo estabelecer repertórios comportamentais que
diminui a probabilidade de que consequências tornem o terapeuta desnecessário.
naturais e práticas assumam o controle do com-
portamento. Por fim, as intervenções ostensivas Referências
deixam pouco espaço para desenvolvimento
de repertório descritivo e analítico, mantendo Abreu-Rodrigues, J., & Sanabio-Heck, E. T. (2004).
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nal publicado em 1960).
Resumo Abstract
Revisamos a literatura atual sobre um modelo We reviewed the current literature on a re-
de análise funcional recentemente desenvol- cently developed functional analysis model
vido denominado de análise de contingên- termed the interview-informed synthesized
cia sintetizada por entrevista (IISCA), com contingency analysis (IISCA) to improve
intuito de melhorar a disseminação dos pro- dissemination of the procedures among the
cedimentos entre a população brasileira. A Brazilian population. The IISCA has the poten-
IISCA tem potencial para ser uma avaliação tial to be a viable behavioral assessment that
comportamental viável que pode ser usada can be used across countries to reduce pro-
em todos os países para reduzir o comporta- blem behavior exhibited by individuals with
mento-problema exibido por indivíduos com intellectual and developmental disabilities.
deficiência intelectual e de transtornos de de- The IISCA identifies the functions of problem
senvolvimento. A IISCA identifica as funções behavior in an efficient and practical manner,
do comportamento-problema de forma efi- allowing clinicians to design effective, skill-
ciente e prática, permitindo que os analistas -based treatments that produce meaningful
do comportamento planejem tratamentos changes in problem behavior. In this review,
eficazes e baseados em habilidades, produ- we will be emphasizing the early develop-
zindo mudanças significativas no comporta- ment of the IISCA and track its evolution as
mento-problema. Nessa revisão, nós enfati- a practical functional assessment model with
zaremos o desenvolvimento inicial da IISCA utility as a resource in Brazil.
e acompanharemos sua evolução como um
modelo de avaliação funcional prática como
um recurso útil para o Brasil.
Palavras-chave Keywords
1 Apresentação na ABPMC: Lemos, F. M., Almeida, C. G. M., Chereguini, P. A. C., Freitas, D. F. C. L. Uma discussão sobre possibilidades de
análise funcional do comportamento em intervenções baseadas na análise do comportamento aplicada ao transtorno do espectro autista.
Mesa redonda. 05/09/2020. Lemos, F. M. Análise Funcional por Contingência Sintetizada (IISCA), um estudo de caso. Mesa redonda. 05/09/2020.
100
Análise funcional do comportamento
Felipe Magalhães Lemos & Joshua Jessel
de teste e controle são rapidamente alternadas manter o acesso aos reforçadores seja deter-
em um delineamento multielementos e o con- minado com base no desempenho e consumo
trole funcional é demonstrado quando taxas individuais dos reforços. Muito embora o tempo
elevadas de comportamento-problema são re- designado para devolver o acesso aos reforçado-
petidamente demonstradas nas sessões de teste res seja determinado com base na performance
em comparação com baixas ou nenhuma taxa e consumo individuais dos reforços. Em outras
de comportamento-problema nas sessões de palavras, o indivíduo pode exigir mais tempo
controle. A IISCA é tipicamente realizada em com os reforçadores se estes envolverem um
uma sessão subdividida em cinco sessões de jogo que requer tempo para configurar ou para
3 ou 5 min cada, potencialmente criando uma revezar. Normalmente é melhor dar tempo su-
duração total de análise de 15 ou 25 min. As ses- ficiente com os reforços para que o paciente
sões são ordenadas para ocorrer no padrão de retorne a um estado calmo e feliz. Esse proces-
(1) controle, (2) teste, (3) controle, (4) teste e (5) so intercambiavelmente apresentando as OEs
teste, representado da seguinte forma CTCTT, e os reforçadores contingentes ao comporta-
a menos que mais sessões sejam necessárias mento-problema é repetido até que a sessão
para garantir o controle experimental. A sessão de teste seja concluída. Durante a condição de
de controle é realizada primeiro para estabe- controle, os reforçadores estão disponíveis no
lecer confiança com o indivíduo e criar algum decorrer de toda a sessão e qualquer compor-
nível de rapport entre paciente e analista do tamento-problema é ignorado. Isso significa
comportamento. Duas condições de teste são que o analista do comportamento continua a se
repetidas no final para replicar os efeitos da engajar com o paciente e permite o acesso aos
contingência quando o teste é implementado reforçadores tangíveis, independentemente de
independentemente de sua localização tempo- o comportamento-problema estar ocorrendo.
ral para o controle. É importante ressaltar que o Essa comparação de teste-controle intima-
número de sessões pode variar dependendo da mente combinada permite uma exibição trans-
performance do paciente durante a IISCA; no parente da influência de eventos ambientais
entanto, resultados diferenciados implicando informados pelos cuidadores sobre o compor-
em uma função socialmente mediada são um tamento-problema com a possibilidade de três
desfecho provável na maioria dos casos (Jessel desfechos potenciais. Em primeiro lugar, se o
et al., 2020a) comportamento-problema for elevado na con-
A condição de teste começa com a OE defi- dição de teste e eliminado na condição de con-
nida a partir da entrevista e da observação. Ela trole, isso indica um desfecho de diferenciação
pode envolver o analista do comportamento e o analista do comportamento pode iniciar a
remover itens tangíveis e instruir o indivíduo implementação de um tratamento baseado em
a fazer a transição para um contexto com ma- função. Em segundo lugar, o analista do com-
teriais acadêmicos. Os reforços (ou seja, a inter- portamento pode precisar voltar a entrevistar
rupção das instruções e a devolução do acesso os cuidadores ou a realizar mais observações se
não-contingente a itens tangíveis) são devolvi- o comportamento-problema não for presencia-
dos imediatamente após alguma das respostas do no teste ou na condição de controle. Sem ob-
sintetizadas como comportamentos-problema servar o comportamento-problema (o que pode
ocorrer, e são mantidos por volta de 30 segun- incluir topografias não-perigosas e perigosas,
dos, muito embora o tempo designado para sendo a primeira preferível em detrimento da
função obtida em uma análise funcional que diferenciados serão sustentáveis ao longo do
apenas observou o comportamento não-peri- tempo, entre indivíduos e contextos?
goso (precursor ou coocorrentes), não apenas é Essas perguntas são projetadas para
eficiente, mas muitas vezes uma opção segura fornecer ao analista do comportamento uma
para os analistas do comportamento. compreensão abrangente de quão eficaz uma
De fato, a IISCA é um modelo de análise análise funcional será, não apenas em simples-
funcional altamente flexível e os procedimen- mente evidenciar contingências de reforço que
tos podem ser altamente individualizados para podem influenciar o comportamento-proble-
atender às necessidades específicas dos analis- ma, mas em promover mudanças maiores e
tas do comportamento. Por exemplo, a latência mais globais durante a vida do paciente. Essa
tem sido usada como medida durante a IISCA é a diferença entre criar uma compreensão
quando o comportamento-problema analisado mais focada de procedimentos isolados em
é uma resposta discreta (ou seja, fuga; Boyle, um laboratório com pesquisadores altamente
Bacon, Brewer, Carton, & Gaskill, 2020; Jessel et qualificados e uma compreensão mais geral de
al., 2018), e tentativas têm sido utilizadas para pacotes de tratamento maiores que reintegram
melhorar a validade ecológica na condução os pacientes de volta ao ambiente doméstico e
da IISCA em sala de aula (Curtis et al., 2020), e escolar com os cuidadores como implementa-
análises intra-sessão têm sido utilizadas para dores (Ghaemmaghami, Hanley, & Jessel, 2020).
avaliar comportamentos potencialmente pe-
rigosos que não podem ser exibidos repetida- Considerações finais
mente (Jessel et al., 2019). Os procedimentos
originais da IISCA, embora práticos, podem A IISCA tem sido aplicada nos últimos
ser facilmente ajustados quando necessário e anos com resultados positivos obtidos especi-
permitem ao analista do comportamento um ficamente para a (a) utilidade prática da análise
nível de liberdade no planejamento da análise funcional, (b) eficácia em informar o tratamen-
funcional. to, (c) aceitabilidade social entre os cuidadores,
No geral, os analistas do comportamento e (d) generalidade dos desfechos do tratamento
são encorajados a validar um modelo de aná- entre pessoas e contextos relevantes. Isso tudo
lise funcional conforme apropriado para uso considerando que a IISCA é uma tecnologia de
em sua situação específica, fazendo quatro desenvolvimento relativamente nova entre
perguntas: alguns procedimentos de análise funcional
(1) É provável que os resultados diferen- muito mais históricos. A IISCA pode ser imple-
ciados impliquem em uma função socialmente mentada por analistas do comportamento ou
mediada? até mesmo por professores e cuidadores. Assim,
(2) Posso obter esses resultados diferen- parece ser uma proposta viável para o público
ciados de forma eficiente e segura? brasileiro, que ainda não possui uma regula-
(3) Os desfechos diferenciados podem in- mentação da profissão, e que apresenta todas
formar um tratamento baseado em função para as dificuldades atendidas pela IISCA.
reduzir o comportamento-problema e ensinar Para mais informações, vídeos e materiais
habilidades importantes? relevantes sobre a IISCA: www.practicalfunc-
(4) Os efeitos do tratamento baseado tionalassessment.com
em função informados por esses desfechos
automatic reinforcement. Journal of Iwata, B. A., Dorsey, M. F., Slifer, K. J., Bauman,
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Analysis, 53(3). https://doi.org/10.1002/ brevity result in loss of control? A consecu-
jaba.700 tive case series of 26 single-session inter-
view-informed synthesized contingency
Resumo Abstract
A Equivalence Based Instruction (EBI) pode pro- The Equivalence Based Instruction (EBI) can
mover a acurácia da fala em crianças com de- promote speech accuracy in deaf and hard
ficiência auditiva e implante coclear. Após o hearing children with cochlear implant. After
ensino de discriminações condicionais entre teaching conditional discriminations among
estímulos ditados, figuras e estímulos impres- dictated stimuli, pictures and printed stimuli
sos e suas unidades menores, o controle exer- and their minimal units, the control exerci-
cido pelos estímulos impressos sobre vocali- sed by the printed stimuli over more precise
zações mais precisas (leitura) são transferidos vocalizations (reading) are transferred to
para as figuras (tato). Este trabalho objetivou pictures (naming tact). This study aimed was
extrair e sistematizar os dados de precisão to extract and systematize accuracy speech
da fala nesses estudos. Foram identificados data. 17 studies were identified involving
17 estudos envolvendo palavras (10) e sen- words (10) and sentences (7), amounting to
tenças (7), totalizando 57 participantes. O EBI 57 participants. The EBI included teaching
incluiu passos de ensino (de 1 a 24 passos); steps (from 1 to 24 steps); each step taught
cada passo ensinou relações entre estímulos relationships between stimuli and between
e entre estímulos e respostas com três conjun- stimuli and responses with three sets of sti-
to de estímulos cada. A diferença percentual muli each. The percentile difference between
entre leitura e tato de figuras diminuiu com- reading and picture naming tact decreased
parando pré e pós-testes: de 28,2 para 12,7 by comparing pre and post-tests: from 28.2 to
com palavras; de 59,6 para 9,3 com sentenças. 12.7 points with words; from 59.6 to 9.3 points
A quantidade de estudos, instituições envol- with sentences. The number of studies, ins-
vidas, participantes e delineamentos empre- titutions involved, participants and designs
gados incorporam os critérios científicos que employed to incorporate the scientific criteria
sustentam práticas baseadas em evidências that support evidence-based practice with a
em delineamento de sujeito único. single case design.
Palavras-chave Keywords
ensino baseado em equivalência; acurácia da equivalence-based instruction; speech accura-
fala; deficiência auditiva; implante coclear; prá- cy; deaf and hard hearing; cochlear implant;
ticas baseadas em evidências. evidence-based practice.
1 O conteúdo do presente capítulo é derivado de um minicurso realizado durante o XXIX Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina
Comportamental, no dia 03 de setembro de 2020, sob o título “Contribuições da Análise do Comportamento Aplicada no ensino da fala
acurada em crianças com diferentes necessidades educacionais especiais”.
Este trabalho obteve recursos de auxílios individuais da FAPESP (2019/17480-1) e do CNPq (#306535/2018-1) e foi apoiado pelo Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino – INCT-ECCE: FAPESP (Process # 2008/57705-8) and CNPq
(Process # 573972 / 2008-7).
113
Acurácia da fala via ensino baseado em equivalência
Ana Claudia Moreira Almeida Verdu
coclear tem sido uma alternativa eficaz para o e de tato de figuras não está nas ações exter-
restabelecimento da detecção sonora (Svirsky, nas realizadas restritas a pronunciar oralmente
2017). Porém, mesmo após o recebimento do palavras, mas sim no contexto em que esses
implante coclear via procedimento cirúrgico, comportamentos são realizados. Ler é defi-
ainda que as habilidades de ouvinte sejam nido pela resposta vocal diante de estímulos
estabelecidas no primeiro ano de uso de im- textuais (usualmente escritos, mas podem ser
plante coclear (Geers, Nicholas, & Sedey, 2003) em Braille como resultado da estimulação tátil,
são observados atrasos na linguagem de ma- por exemplo, ou a resposta pode ser sinaliza-
neira geral, incluindo alfabetização (Miller, da pela Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS);
Lederberg, & Easterbrooks, 2013), linguagem não necessariamente envolve compreensão
falada como a rotulação de figuras (Levine, leitora. Compreensão leitora requer o tato, de-
Stother-Garcia, Golinkhoff, & Hirsh-Pasek, finido pela produção de respostas vocais na
2016), além de diferenças entre a precisão da presença de estímulos pictóricos, ou seja, as
fala em tarefas de leitura e de tato de figuras figuras frequentemente associadas aos objetos
(Almeida-Verdu & Golfeto, 2016; Golfeto, 2010). e eventos. Como apontado por Almeida-Verdu,
Considera-se como precisão da fala a Neves, Postalli e de Souza (no prelo), muitas
acurácia com que a criança produz os sons da vezes esse comportamento verbal é referido
fala em comparação à emissão realizada por como nomeação no senso comum e, embora
um adulto típico (Yoder, Camarata, & Gardner, haja distinções teóricas entre tato² e nomeação
2005). A precisão da fala diferencia-se da inteli- (naming)³, essas não serão alvo de análise nesta
gibilidade, pois a inteligibilidade envolve o grau proposta; uma distinção entre ambas pode ser
em que a mensagem pretendida pelo falante é obtida em Miguel (2016). Na presente proposta,
recuperada pelo ouvinte (Kent, Weismer, Kent, o alvo de análise é o fato de que se a criança
& Rosenbek, 1989, apud Yoder, Camarata, & vocaliza “bola”, “sopa”, ou “dedo” diante das
Gardner, 2005). As diferenças entre a precisão respectivas figuras (emite tatos) e, se essas figu-
da fala em tarefas de leitura e de tato de fi- ras são equivalentes às palavras escritas BOLA,
guras observadas em criança com deficiência SOPA ou DEDO, então, a mesma resposta vocal
auditiva e implante coclear são evidências da poderá ser emitida para as palavras escritas
independência funcional (Lee & Pegler, 1982; (leitura).
Skinner, 1957) entre os operantes verbais tex- Neste capítulo, serão exploradas as rela-
tual e tato, e têm sido documentadas em crian- ções entre o falar com precisão em crianças
ças com deficiência auditiva e implante coclear com deficiência auditiva e implante coclear e
(Almeida-Verdu et al., 2008; Battaglini et al., os contextos sob os quais a vocalização ocorre,
2013; Golfeto, 2010). ou controle de estímulos (Hübner, 2006; Matos,
O estudo das relações entre ações es- 1999); como controle de estímulos serão con-
pecificas e seus contextos é denominado de sideradas as figuras e as palavras impressas.
controle de estímulos (Hübner, 2006; Matos, Nos primeiros estudos, após o ensino de discri-
1999). O cerne dos comportamentos de leitura minações condicionais entre palavras ditadas
2 Tato é descrito por uma relação funcional entre estímulo antecedente não verbal (objeto, ação, evento), a resposta vocal evocada e a
consequência (Miguel, 2016).
3 A nomeação é descrita por uma relação de bidirecionalidade entre um nome e um objeto e envolve comportamento de falante e de
ouvinte (Migue, 2016).
coclear, qual seja, após o ensino de discrimina- impressas quando ouvem as palavras ditadas
ções condicionais com ao menos um elemento (realizam discriminações condicionais entre
em comum, são observadas a emergência de palavras ditadas e palavras impressas), o con-
relações novas entre estímulos tais como as trole exercido pela figura é transferido para a
baseadas em seleção e, além dessas, também palavra impressa nas tarefas que envolvem
são observadas a emergência de relações novas vocalização. A transferência do controle é de-
entre estímulos e respostas tais como as base- monstrada pelos testes de equivalência entre
adas em topografia (Mackay & Sidman, 1984; figuras e palavras impressas e vice-versa e
Pilgrim, 2019). Em outras palavras, não há a ne- pelos testes de leitura oral de palavras escri-
cessidade de se estabelecer pareamentos entre tas. Resultados como esse têm sido obtidos em
todos os membros do conjunto de estímulos situações controladas de laboratório (de Souza
para se obter relações de equivalência ou substi- et al., 1997), em aplicações em grupos maiores
tuição mútua entre eles (Flores, Oliveira-Castro, como escolas (Reis, de Souza, & de Rose, 2009)
& Souza, 2020). Da mesma maneira, não há a ou mesmo em escala maior, com intervenção
necessidade de se estabelecer todas as relações via computador e programa de ensino disponi-
entre estímulos e tipos de respostas, pois se as bilizado online, envolvendo mais de 500 alunos,
funções discriminativas estabelecidas para um na região metropolitana de São Paulo (de Souza
dos estímulos controlam uma resposta, essas et al., 2019).
funções são transferidas para todos os estímu- Em uma série de estudos recentes, crianças
los da classe, por equivalência, e essa resposta com deficiência auditiva e implante coclear com
passa a ser controlada por todos os estímulos déficits na produção vocal em tarefas de tato de
da classe (dos Santos & de Rose, 2019; Fields & figuras, mas com precisão mais acurada em ta-
Garruto, 2009). refas de leitura têm sido expostas a programas
A transferência de função exercida por de ensino baseados em equivalência (Pilgrim,
figuras para as palavras impressas equivalentes 2019). Os programas de ensino têm adotado
tem sido largamente demonstrada em crianças diferentes softwares e diferentes extensões de
ouvintes. Crianças com diferentes necessidades estímulos como palavras (e.g., Anastácio-Pessan
educacionais especiais e que não aprenderam et al, 2015; Lucchesi et al., 2015; Lucchesi et al.,
a ler sob as contingências educacionais regu- 2018; de Souza et al., 2020) e sentenças com
lares, aprendem a ler novas palavras após a três (Neves et al., 2018), quatro (Neves, 2019)
exposição a programas instrucionais baseados ou cinco termos (Silva et al., 2017).
em equivalência (Cravo & Almeida-Verdu, 2018; Nos estudos envolvendo palavras, os es-
de Souza et al., 2019). De maneira geral os par- tímulos adotados têm sido figuras e palavras
ticipantes das pesquisas são falantes e ouvintes ditadas e escritas tais como “bola”, “boca”,
competentes, ou seja, apontam figuras quando “cabide”, “cavalo,” etc (e.g., Anastácio-Pessan
ouvem palavras ditadas correspondentes (re- et al., 2015; Lucchesi et al., 2015). O ensino con-
alizam discriminações condicionais entre pa- siste no ensino de discriminações condicionais
lavras ditadas e figuras) e emitem tatos vocais entre palavra ditada e figura, discriminações
para essas mesmas figuras, e as respostas vocais condicionais entre palavra ou sílaba ditada e
são controladas pela figura em conformidade palavra ou sílaba escrita, e ensino de discrimi-
com as convenções da comunidade verbal. nações condicionais via construção da resposta
Ao aprenderem a apontar palavras pela seleção de letras ou sílabas. O ensino é
seguido dos testes de formação de classes de se por um lado os ouvintes já emitiam tatos
equivalência além de leitura de palavras e tato figuras, passam a ler as palavras ou sentenças
de figuras. impressas que integram a mesma classe de es-
Já nos estudos envolvendo sentenças, tímulos equivalentes; por outro lado, crianças
os estímulos têm sido figuras de ações e sen- com deficiência auditiva e implante coclear que
tenças ditadas e escritas tais como “Juca joga primeiro aprenderam a ler e a emitir uma to-
bola” (três termos), “Malu pega o copo” (quatro pografia vocal para cada um dos grafemas das
termos), “O Dudu lava um carro” (cinco termos) palavras ou das sentenças, melhoram o vocabu-
etc. (Neves et al., 2018; Silva et al., 2017). De lário e a precisão da fala em tarefas de tato de
maneira similar ao ensino de palavras, o ensino figuras. Esses resultados têm sido obtidos com
com sentenças consiste no ensino de discrimi- bastante regularidade seja nos estudos envol-
nações condicionais entre sentenças ditadas vendo palavras (Almeida-Verdu & Golfeto, 2016;
e figuras de ação e entre sentenças ditadas e Almeida-Verdu, Lucchesi, & Silva, submetido),
construção de sentenças pela seleção de pala- seja envolvendo sentenças (Neves et al., 2018).
vras. O ensino é seguido de testes de formação Em um estudo recente Nanjundaswamy,
de classes, de leitura de sentenças e de tato de Prabhu, Rajanna, Ningegowda e Sharma (2018)
figuras de cenas. verificaram a eficácia de programas de treina-
Nos dois casos, com ensino de palavras ou mento auditivo baseado em computador de
com ensino de sentenças, além de emergirem acordo com os critérios científicos que possam
relações que a atestam a formação de classes sustentar práticas baseadas em evidências. A
de equivalência e denotam a função simbólica revisão nas bases Google Scholar e PubMed apli-
entre estímulos textuais e pictóricos, o com- cou o seguinte critério de inclusão: participan-
portamento textual (leitura de palavras ou de tes crianças ou adolescentes com deficiência
sentenças) que já era bom, melhora. E, em tato auditiva, com aparelhos de amplificação sonora
de figuras (representativas de substantivos ou ou implante coclear, expostos a programas de
de cenas de ação), aumenta a porcentagem de treinamento auditivo baseado em computador,
acertos atingindo porcentagens próximas àque- com medidas receptivas (i.e., comportamento
las obtidas em tarefas de leitura. A hipótese é de auditivo) e expressivas (i.e., vocalizações) e deli-
que os procedimentos de ensino que favorecem neamento experimental, no caso, ensaio clínico
a transferência de controle entre estímulos (de randomizado. Essa revisão resgatou apenas
Souza et al., 1997; Fields & Garruto, 2009) podem cinco estudos demonstrando uma lacuna na
ser usados com certa flexibilidade a depender condução de estudos sobre treinamento audi-
da linha de base dos participantes (Lucchesi tivo e medidas de linguagem expressiva com
et al., submetido). De acordo com Lucchesi et essa população.
al. (submetido), depois da aprendizagem das O conjunto de pesquisas realizado sob
relações entre estímulos ditados e pictóricos e o escopo do Instituto Nacional de Ciência e
os mesmos estímulos ditados e impressos, além Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e
de emergirem as relações não diretamente Ensino (INCT-ECCE) que tem demonstrado que
ensinadas, a classe de estímulos equivalentes a precisão da fala de crianças com repertório
que foi estabelecida criam a condição para a verbal mínimo que apresentam vocalizações
transferência do controle sobre uma produção incompreensíveis pode ser refinada a partir
oral de topografia já estabelecida. Desta feita, de programas de leitura e escrita baseados
em equivalência (de Rose, de Souza, & Hanna, e sentenças e que obtiveram medidas de pré e
1996; de Souza et al., 1997; de Souza et al., 2009; pós-testes de leitura e de tatos de figuras ou de
Pilgrin, 2019). Uma síntese dos estudos envol- cenas de ação. Foram excluídos desta análise
vendo palavras faladas e escritas como estímu- estudos envolvendo palavras e sentenças que
los foi apresentada Almeida-Verdu, Lucchesi expuseram participantes a outros procedimen-
e Silva (no prelo), mas não inclui os dados de tos de compartilhamento de controle de estímu-
porcentagem de acertos. Considerando a lacuna los como o Múltiple Exemplar Instruction (MEI).
da literatura sobre treinamento auditivo via
computador e linguagem expressiva e o con- Etapa 2 – Extração e sistematização dos dados
junto de pesquisas do INCT-ECCE, o objetivo Ainda que os estudos tivessem objetivos
do presente trabalho foi recuperar os estudos distintos, os participantes foram expostos a, ao
envolvendo palavras, extrair e sistematizar menos, uma unidade de ensino baseado em
os resultados obtidos em testes de leitura e de equivalência. Como variável independente
tato de figuras antes e depois da exposição ao os participantes foram expostos ao ensino de
programa de ensino e demonstrar a mudança discriminações condicionais entre estímulos
na acurácia da fala considerando o conjunto ditados, impressos e figuras (de palavra ou de
de participantes e a totalidade de estudos até sentenças) e ensino do controle por unidades
o presente. Também foi objetivo do presente mínimas via seleção (matching-to-sample) ou
trabalho acrescentar a essa análise os testes de construção de respostas (constructed-response-
leitura e de tato de figuras de cenas dos partici- -matching-to-sample) seguido de testes de acordo
pantes de estudos envolvendo sentenças, ainda com o paradigma de equivalência de estímulos.
não sistematizados. Os estudos também conduziram testes gerais
de leitura e de tato. Como variável dependente
Método foram extraídos os resultados de vocalizações
controladas pelos estímulos textuais (leitura)
Os dados para essa análise foram secun- e pelas figuras (tato). Em todos os estudos os
dários, isto é, obtidos de estudos realizados resultados as vocalizações foram transcritas e
anteriormente. A análise foi dividida em três comparadas aos estímulos auditivos das classes
etapas: (1) identificação dos estudos, (2) extra- de equivalência (emitidos por um adulto típico).
ção e sistematização dos dados e (3) análise dos Após a transcrição foi obtida uma porcentagem
resultados. de acertos a partir de dois procedimentos, quais
sejam, a análise fonêmica (Barreto & Ortiz,
Etapa 1 – Identificação dos estudos 2008) ou a análise por bigramas (Lee & Pegler,
A identificação dos estudos foi realizada 1982).
nos documentos do Instituto Nacional de Ciência Considere-se como exemplo a palavra
e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição alvo “cavalo”; a palavra emitida antes do ensino
e Ensino (INCT-ECCE, 2020, Annual Report #3). pode ser “pocotó” e depois do ensino “afalo”. A
Foram selecionados artigos científicos, capítu- análise da palavra antes do ensino representa
los de livros, dissertações e teses que descre- zero acertos, pois foi emitida uma outra palavra
veram experimentos que expuseram crianças em vez de “cavalo”, embora seja uma alusão
com deficiência auditiva e implante coclear ao onomatopeica da palavra cavalo. Na análise
ensino baseado em equivalência com palavras da palavra emitida após o ensino, de acordo
com a transcrição fonêmica o resultado seria três universidades sob o escopo do INCT-ECCE,
“_/a/f/a/l/o” e, comparando ponto a ponto com quais sejam, UNESP, HRAC/USP e UFSCar. Os
a palavra alvo tem-se 66% de correspondência. estudos, no conjunto, totalizaram 27 partici-
Em uma análise por bigrama a transcrição da pantes dos quais 16 foram do sexo feminino
palavra alvo seria “_c/ca/av/va/al/lo/o_” e da pa- e 11 masculino. A idade variou entre seis e 14
lavra emitida “__/_a/af/fa/al/lo/o_”; nesse caso, anos; a maioria (21 participantes) com idades
a análise da correspondência ponto a ponto abaixo de 10 anos e frequentando o Ensino
entre os bigramas seria de 42,8%. Ainda que a Fundamental 1. O tempo de uso do implante
emissão de “_afalo” em vez de “cavalo” ainda coclear variou de um a 10 anos sendo 13 partici-
represente erros, ela representa um aumento pantes com tempo de implante abaixo de cinco
da correspondência pontual com a palavra alvo. anos de uso. Embora todos os procedimentos
Então, independente do procedimento de aná- de ensino fossem baseados em equivalência, os
lise, a porcentagem final obtida para cada par- materiais adotados para a programação foram
ticipante representou uma medida da melhor distintos. O Módulo 1 (M1 – palavras simples)
acurácia da fala se comparada à emissão inicial, do ALEPP (Rosa Filho et al., 1989) foi adotado
antes do ensino (Yoder, Camarata, & Gardner, em cinco estudos, o Módulo 2 (M2 – palavras
2005), ou seja, a precisão ou a correspondência com dificuldades ortográficas) em dois estudos
e o MTS (Dube, 1991) em três estudos. A quan-
ponto a ponto em que os sons da fala foram
tidade de passos de ensino aos quais os partici-
emitidos.
pantes foram expostos variou de dois a 24; em
seis estudos os participantes foram expostos a
Etapa 3 – Análise dos resultados
mais de 10 passos de ensino. Em todos os es-
A análise foi realizada obtendo-se a
tudos foi adotado variações de delineamentos
porcentagem média de acertos obtidas pelos
experimentais de sujeito único sendo linha de
participantes considerando seus primeiros pré-
base múltipla em cinco estudos, sondas em três
-testes e os últimos pós-testes, em tarefas de lei-
e contrabalanceamento de condições em dois
tura e tato, independentemente da quantidade
estudos.
de passos de ensino às quais os participantes
foram submetidos, comparando-as.
Resultados
Tabela 1
Lista de estudos com palavras: Características gerais (autoria, universidades envolvidas, tipo de
trabalho) e metodológicas (número de participantes, idade, sexo, tempo de uso do implante coclear,
material adotado, número de passos de ensino e delineamento) dos estudos.
Universidades Tipo de Partici- Se- Ida- Tempo Passos de
Autoria Material adotado Delineamento
envolvidas estudo pantes xo de de IC Ensino
Tal F 11 8
Viv F 11 7
Anastácio-Pessan et al. UNESP/UFSCar/ Gab M 12 8 Linha de Base
artigo MTS (Dube, 1991) 2
(2015) HRAC-USP Gus M 14 10 Múltipla
Tam F 11 7
Lua F 12 7
Ben M 8 5 3
UNESP/ Linha de Base
Rique et al. (2017) artigo Jan M 7 5 MTS (Dube, 1991) 3
HRAC-USP Múltipla
Gui M 10 7 1
ALEPP (Rosa
Lucchesi, Almeida-Verdu, & UFSCar/UNESP/
artigo Let F 7 5 Filho et al., 1998) 20 Sondas
de Souza (2018) HRAC-USP
– M1
Lau F 10 7
ALEPP (Rosa
Lucchesi, de Souza, & UFSCar/UNESP/ Isa F 9 7 Linha de Base
artigo Filho et al., 1998) 17
Almeida-Verdu, submetido HRAC-USP Alu F 10 9 Múltipla
– M1
Sam M 10 8
leitura nomeação
leitura nomeação
100 100
90 90
Porcentagem de acertos
80
Porcentagem de acertos
80
70 70
60 60
50 50
40 40
30 30
20 20
10 10
0 0
pré pós pré pós
Testes de vocalizações - palavras Testes de vocalizações - sentenças
Figura 1. Média das porcentagens de acertos obtidas pelos participantes nos pré e pós testes de
vocalizações controladas pelas: palavras impressas (leitura) e pelas figuras relacionadas experimen-
talmente às das palavras (nomeação), à esquerda; e sentenças impressas (leitura) e pelas figuras de
cenas relacionadas experimentalmente (nomeação), à direita.
Tabela 2
Lista de estudos com sentenças: Características gerais (autoria, universidades envolvidas, tipo de
trabalho) e metodológicas (número de participantes, idade, sexo, tempo de uso do implante coclear,
quantidade de passos de ensino e delineamento) dos estudos.
Universidades Tipo de Partici- Tempo de Passos de
Autoria Sexo Idade Delineamento
envolvidas estudo pantes uso do IC Ensino
Let F 11 6
UNESP, HRAC-
Neves et al. (2018) artigo Ray M 12 10 1 Linha de Base Múltipla
USP, UFPA
Liv F 10 7
Sue F 8 6
Lui M 8 7
UNESP e
Neves et al. (2019) artigo Luc M 10 8 1 Linha de Base Múltipla
HRAC-USP
Edu M 11 7
Lin M 10 7
Sah F 8 5
Tha F 9 5
Kam F 9 5
Neves (2019) - Estudo 1 UFSCar Tese 3 Linha de Base Múltipla
Dem F 9 3
Bia F 11 8
Joa M 10 6
Sah F 8 5
Mat F 8 5
Kam F 9 5
Neves (2019) - Estudo 2 UFSCar Tese 3 Linha de Base Múltipla
Dem F 9 3
Lau F 11 8
Sam M 11 8
Ale F 7 5
Nascimento (2020) UNESP Dissertação 2 Sondas
Ren F 9 5
Vic M 9 4
Alvarez (2020) UNESP Dissertação 2 Sondas
Lun F 9 4
antes da exposição ao ensino, os participantes de 59.6 pontos percentuais que diminuiu para
apresentavam porcentagens de acertos em lei- 9,3 após o ensino.
tura de sentenças (87,4%) superior à de tato
de figuras de cenas (27,8%). Após a exposição Discussão
ensino baseado em equivalência com senten-
ças, aumentam as porcentagens de acertos em Os dados sintetizados no presente capítulo
leitura (96,2%) e em tato (86,9%). A diferenças demonstram o potencial do EBI na emergência
entre os pontos percentuais de leitura e de tato de relações entre estímulos e respostas vocais
também diminui nos estudos envolvendo sen- em pessoas com deficiência auditiva e implante
tenças. Antes do ensino, a diferença entre as coclear. Grow e Kodak (2010) ao fazerem uma
porcentagens de acertos entre leitura e tato era análise sobre potenciais aplicações clínicas
Comportamento em Foco, v. 13, cap. 8 | 123
Acurácia da fala via ensino baseado em equivalência
Ana Claudia Moreira Almeida Verdu
derivadas de pesquisas sobre comportamento Lucchesi et al., 2018; de Souza et al., 2020) e
verbal emergente reconhecem que (1) novas sentenças (e.g. Almeida-Verdu et al., no prelo;
relações verbais emergem sob algumas con- Neves et al., 2018; Neves et.al, 2020).
dições, mas não em outras, (2) que a pesquisa Os resultados apresentados aqui são se-
clínica é necessária para avaliar os procedimen- melhantes aos apresentados em estudos an-
tos ou arranjos de condições que favorecem a teriores sobre a proposição de que a precisão
emergência de novas relações verbais e que (3) da fala de crianças com deficiência auditiva e
procedimentos baseados em equivalência (jun- implante coclear melhora após a exposição à
tamente com o MEI), incorporam esse potencial EBI com palavras (Almeida-Verdu & Golfeto,
e (4) a avaliação de estabelecimento de relações 2016; Almeida-Verdu, Lucchesi, & Silva, no
entre estímulos e transferência de controle de prelo) e acrescenta informações com dados
estímulos sobre relações verbais emergentes de mudanças nas porcentagens de acertos e
deve ser realizada. sobre o delineamento dos estudos, número de
Os dados extraídos e sistematizados no participantes, número de conjuntos de estí-
presente estudo reúnem um conjunto de pes- mulos. E, em acréscimo aos estudos envolven-
quisas sobre ensino baseado em equivalência do palavras, apresenta a sistematização dos
(Pilgrim, 2019) em pessoas com deficiência au- dados envolvendo sentenças (i.e., Neves et al.,
ditiva e implante coclear. Em síntese eles de- 2018). Os estudos selecionados para a análise
monstram que, após estabelecidas relações de e discussão geral apresentadas, no conjunto,
equivalência entre estímulos ditados, impres- reúnem as características científicas essências
sos e figuras, o controle exercido por um dos que sustentam prática baseadas em evidências
membros da classe é transferido para todos os (Almeida-Verdu, Lucchesi, & Siva, no prelo;
demais membros (de Souza et al., 1997). Se há Byiers, Reichle, & Simons, 2012). Dentre essas
uma topografia vocal estabelecida para um dos características estão a boa qualidade meto-
membros (i.e., leitura de estímulos impressos), dológica em que o controle da exposição dos
essa topografia passa a ser controlada por todos participantes aos procedimentos de ensino e
os membros da classe (i.e., tato de figuras), seja os sucessivos testes que se interpõem demons-
com estímulos da extensão de palavra ou sen- tram que a mudança observada é função das
tenças. Os resultados extraídos demostraram, variáveis independentes às quais foram expos-
ainda, que a topografia já estabelecida com tos e não à mera passagem do tempo ou outra
mais precisão em tarefas de leitura, pode ser re- variável interveniente. Para que estudos com
finada após a exposição ao EBI. Discute-se, nos delineamentos experimentais de sujeito único
estudos individualmente, que procedimentos sustentem práticas consideradas eficazes é ne-
de ensino de construção de respostas (Mackay cessário replicação (Baer, Wolf, & Risley, 1968;
& Sidman, 1994; de Rose, de Souza, & Hanna, Munafò et al., 2017). Embora possa haver varia-
1996) e de organização dos estímulos de acordo ção nas recomendações sugerem-se cinco estu-
com matrizes que promovem a sobreposição de dos, em três localidades geográficas diferentes e
unidades menores (Goldstein, 1983; Remington, envolvendo, ao menos, 20 participantes (Byiers,
1994) se constituam em condições relevantes Reichle, & Simons, 2012). A síntese apresentada
para o estabelecimento e o refinamento do neste capítulo reúne tais características suge-
controle pelas unidades menores e generali- rindo que procedimentos de ensino baseados
zação recombinativa envolvendo palavras (e.g. em equivalência são eficazes de emergência
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