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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
FUNDAÇÃO CECIERJ /Consórcio CEDERJ / UAB
Curso de Licenciatura em Pedagogia – modalidade EAD

Disciplina: Educação Inclusiva e Cotidiano Escolar


Coordenadora: Prof.ª Dr.ª Rosana Glat
Tutoras: Prof.ª Ms. Amanda Carlou; Prof.ª Dr.ª Annie Redig; Prof.ª Dr.ª
Cristina Angélica Mascaro; Prof.ª Ms. Suzanli Estef

AULA 12

Inclusão escolar de alunos com altas habilidades

Observação: o presente texto foi publicado com o título “O atendimento educacional de


alunos com altas habilidades: uma prática em construção” no livro Educação Inclusiva:
cultura e cotidiano escolar1.

1 PLETSCH, M. D. e FONTES, R. S. In: Glat, R. Estratégias pedagógicas para inclusão de


alunos com deficiência mental no ensino regular. In GLAT, R. (Org): Educação Inclusiva:
cultura e cotidiano escola. Rio de Janeiro, 7 Letras, pg. 79-96, 2011.
O atendimento educacional de alunos com altas habilidades: uma prática em
construção

Márcia Denise Pletsch


Rejane Fontes

Esta aula tem por objetivo discutir o atendimento educacional ao aluno com altas
habilidades no Brasil, bem como descrever algumas estratégias de ensino que auxiliem o
trabalho pedagógico do professor no cotidiano de uma sala de aula regular. Para tal,
utilizaremos como referência básica a literatura especializada sobre o tema e os subsídios do
Ministério da Educação (MEC).
A existência de pessoas excepcionalmente inteligentes exerce fascínio no mundo
inteiro, porém seu estudo constitui um tema complexo e ainda pouco conhecido fora do
âmbito da pesquisa acadêmica. Cercadas de mitos, as pessoas que apresentam altas
habilidades sofrem bastante com as representações sociais sobre elas. Apesar de todas as
pesquisas, a ciência ainda não consegue afirmar, com certeza, a origem dessa capacidade.
Algumas teorias atribuem-na à genética, outras aos estímulos ambientais e outras, ainda,
defendem que o desenvolvimento de habilidades superiores se deva à combinação de fatores
externos e internos. Estudos mostram que o que difere uma pessoa com altas habilidades de
outra com uma inteligência mediana não é o tamanho do cérebro ou o número de neurônios,
mas a quantidade e a complexidade das conexões cerebrais que se dão através das sinapses2
(METTRAU, 2000).
A própria terminologia relacionada às altas habilidades tem sido alvo de diferentes
opiniões entre estudiosos. Comumente, encontramos num mesmo texto referências a essas
capacidades como superdotação, altas habilidades ou talentos, de forma indistinta. Conforme
Delou (2002), na década de 1920, eram utilizados termos como supernormais, talentosos e
precoces. No início da década de 1930, surgiu no Brasil a expressão “bem dotados”. Na
década de 1960, introduziu-se o termo superdotado, e posteriormente, na década de 1990
surgiu a terminologia altas habilidades. No presente texto utilizaremos essa expressão por ser
a sugerida pelo MEC (BRASIL, 1995; 1995a), bem como pelo European Council For High
Ability (Conselho Europeu para Alta Habilidade).

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Ligações originadas de impulsos elétricos entre as células nervosas.
A discussão sobre a elevada capacidade intelectual apresentada por algumas pessoas
começou nos Estados Unidos, no início do século XX, com a disseminação dos Testes de
Inteligência, como, a escala de Inteligência Stanford-Binet e a escala Wescheler de
Inteligência para Crianças (WISC III). Estes testes têm como objetivo medir o quociente de
inteligência (QI) do indivíduo. O QI é um índice quantitativo, obtido através da relação entre
a “idade mental” da criança determinada pelo score obtido no teste e sua idade cronológica
(idade mental/idade cronológica x 100). Estes testes se baseiam numa escala numérica que
busca quantificar a capacidade de pensamento da criança através da memória, atenção,
imaginação, compreensão, raciocínio, entre outros aspectos da inteligência. É considerado
com altas habilidades aquele que apresenta uma média superior a 140 pontos, enquanto que
indivíduos que obtêm média abaixo de 67 pontos na escala Stanford-Binet e 69 na escala
Wescheler são classificados como tendo uma deficiência mental.
Nas últimas décadas, no entanto, a avaliação baseada nesses testes tem sofrido severas
críticas (RENZULLI, 2006), entre outros aspectos, pelo fato dos mesmos medirem a
capacidade cognitiva ou inteligência humana restrita ao âmbito da lógica matemática e da
habilidade lingüística, sem levar em consideração o universo sócio-cultural da criança. Com o
avanço em outras áreas de conhecimento, o conceito de altas habilidades vem sendo
gradativamente ampliado, incorporando capacidades ligadas às artes, liderança e
psicomotricidade. Além disso, fatores de ordem social, econômica e cultural passaram a ser
também valorizados processo de identificação desses sujeitos.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que 3 a 5% da população
mundial, ou seja, uma em cada 20 pessoas apresenta um nível de inteligência acima da média,
possuindo altas habilidades (BRASIL, 2006). Deste universo, cerca de 0,1% pode ser
considerado “gênio”, que são aqueles que revolucionam os conhecimentos de sua época. Por
exemplo, Leonardo da Vinci, Sigmund Freud, Albert Einstein, Stephen Hawking3 e tantos
outros pensadores, cientistas e filósofos que foram capazes de imaginar teorias, projetos e de
fazerem descobertas para as quais só posteriormente a humanidade conheceria sua
aplicabilidade.

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Hawking possui esclerose lateral amiotrófica, uma rara doença degenerativa que paralisa, um a um, os
músculos do corpo. Em 1985, sofreu uma traqueotomia, e desde então utiliza um sintetizador de voz para se
comunicar.Contudo, esta doença detectada aos 21 anos, não impediu que ele se tornasse um famoso físico , autor
de uma complexa teoria sobre o tempo e espaço publicada em “Cosmologia: uma breve história do tempo”
(1988) que explica certas inconsistências nas idéias anteriores acerca da origem do Universo. Ocupa a cátedra
que foi de Sir Isaac Newton na Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Conhecendo o aluno com altas habilidades
O indivíduo com altas habilidades caracteriza-se por notável desempenho e elevada
potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos isolados ou combinados: capacidade
intelectual geral; aptidão acadêmica específica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade
de liderança; talento especial para artes visuais, artes dramáticas e /ou música; e capacidade
psicomotora. De acordo com a Secretaria de Educação Especial do MEC:

Altas habilidades referem-se aos comportamentos observados e/ou


relatados que confirmam a expressão de „traços consistentemente
superiores‟ em relação a uma média (por exemplo: idade, produção
ou série escolar) em qualquer campo do saber ou do fazer. Deve-se
entender por „traços‟ as formas consistentes, ou seja, aquelas que
permanecem com freqüência e duração no repertório dos
comportamentos da pessoa, de forma a poderem ser registradas em
épocas diferentes e situações semelhantes (BRASIL, 1995a, p.13).

Algumas categorias inscritas nos documentos oficiais merecem detalhamento. Para


Alencar (1986), a capacidade intelectual geral deve ser compreendida como curiosidade
intelectual, poder de observação, habilidade para abstrair, atitude de questionamento e
flexibilidade de pensamento. Já a aptidão acadêmica específica se refere aos alunos que
apresentam um desempenho excepcional na escola, que tiram notas acima da média em testes
de conhecimento e demonstram, de modo geral, alta habilidade para as tarefas acadêmicas. As
habilidades relacionadas ao pensamento criativo e produtivo estão presentes em estudantes
que apresentam idéias originais e são capazes de perceber relações entre conceitos
aparentemente distintos, apresentando soluções alternativas e criativas para os problemas
propostos.
A categoria liderança inclui aqueles estudantes que emergem como líderes sociais ou
acadêmicos de um grupo. O talento para as artes visuais e cênicas engloba os alunos que
apresentam habilidades superiores para pintura, escultura, desenho, filmagem, dança, canto,
teatro e para tocar instrumentos musicais. Por fim, as habilidades psicomotoras são
identificadas naqueles estudantes que apresentam proezas atléticas, incluindo também o uso
superior de habilidades motoras refinadas, necessárias para determinadas tarefas.
Em síntese, as áreas do conhecimento em que o ser humano pode desenvolver altas
habilidades não se restringem ao aspecto lógico-matemático e lingüístico, como nas
avaliações tradicionais baseadas unicamente nos testes de QI. Pelo contrário, tais
habilidades podem se manifestar em diferentes áreas da experiência humana.

Algumas teorias mais recentes se dedicam a explicar a inteligência e as altas


habilidades de maneira mais dinâmica e plural. Gardner (1995), por exemplo, sustenta que
existem “inteligências múltiplas”, definindo a inteligência humana como um conjunto de
habilidades que permitem ao indivíduo solucionar problemas de forma criativa nas mais
diferentes e desafiadoras situações.
Para esse autor, a competência cognitiva pode ser melhor descrita como um conjunto
de habilidades, talentos ou capacidades mentais que seriam universais na espécie humana: a
inteligência lógico-matemática, a linguística, a espacial, a corpo-cinestésica, a musical, a
interpessoal e intrapessoal, que podem se apresentar de forma relativamente autônoma entre
si. Recentemente, Gardner incorporou mais dois tipos de inteligência à sua teoria: a
naturalística, relacionada à capacidade de reconhecer e classificar espécies animais e vegetais
e diferenças ambientais, e a espiritual ou existencial, que envolve a preocupação com o
universo e o cosmo e o alcance de certos estados de consciência.
Outra teoria usada para o reconhecimento de altas habilidades desenvolvida por
Renzulli é conhecida como “modelo dos três anéis” (RENZULLI, 1986; METTRAU, 2000;
VIRGOLIM, 2005). Segundo esse pesquisador, a alta habilidade consiste na interação entre
três grupos básicos dos traços humanos, que ele chama de “anéis”: habilidades gerais e/ou
específicas acima da média, elevados níveis de comprometimento com a tarefa e níveis
superiores de criatividade.
Por habilidade acima da média entendem-se as competências superiores em qualquer
campo do saber ou do fazer que se manifestam com freqüência e duração relativamente
prolongadas e que se repetem em diversas situações. Envolvimento com a tarefa refere-se ao
expressivo nível de interesse, motivação e elevado empenho pessoal na sua realização. Já a
criatividade pode ser observada nas diferentes formas de expressão do pensamento e da ação,
seja através da linguagem escrita, falada, gestual, plástica, matemática, teatral, musical,
filosófica, etc.
Para Renzulli, nenhum desses traços isolados garante a alta habilidade, mas sim a
complexa interação entre eles. Um dos aspectos essenciais dessa teoria reside na motivação
com que o indivíduo se debruça sobre os seus afazeres, incluindo a perseverança, a dedicação,
o esforço, a autoconfiança e uma crença em sua habilidade de desenvolver um trabalho
importante.

Esse modelo triádico foi ampliado em 1992 por Van Boxtel e Möks, que apresentaram
um modelo “multidimensional” que inclui componentes socioculturais como fatores
determinantes para a manifestação dos traços de portador de altas habilidades.
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Família

Modelo para identificação, segundo Mönks 1992 (apud BRASIL, 1995a).

No Brasil, o reconhecimento institucional do aluno com altas habilidades data de


1929, quando o “Regulamento da Reforma do Ensino Primário” previu algumas disciplinas
destinadas aos alunos tidos como talentosos. Naquele ano, de forma pioneira, a educadora
russa aqui radicada Helena Antipoff escreveu sobre o tema (ANTIPOFF, 1929). Todavia,
somente em 1945, por meio do trabalho desenvolvido por ela na Sociedade Pestalozzi do Rio
de Janeiro, teve início o primeiro atendimento dos chamados bem-dotados para estudos de
teatro, música e literatura. Antipoff deu continuidade a este trabalho na década de 1970, na
Fazenda do Rosário4 em Minas Gerais, instituição que atendia alunos bem-dotados do meio
rural e da periferia urbana (FLEITH & ALENCAR, 2006)
Apesar dos trabalhos anteriores na área, foi somente em meados de 1980 que o então
Conselho Federal de Educação (hoje Conselho Nacional de Educação) nomeou uma
Comissão Especial para elaborar subsídios que permitissem aos Conselhos Estaduais o
estímulo a ações de atendimento aos portadores de altas habilidades (BRASIL, 1998). Desde
então, a educação do portador de altas habilidades tem figurado entre as preocupações de
atendimento pedagógico nas políticas públicas educacionais de nosso país.
Com base no exposto caracterizar uma pessoa com altas habilidades não é uma tarefa
fácil, uma vez que as características são muitas. Em seguida apresentamos algumas
características descritas pelo MEC (BRASIL, 1998e BRASIL, 2002):

Características dos alunos com altas habilidades


- aprendem a ler mais cedo comparado com crianças da mesma idade;
- na maioria das vezes apresentam grande curiosidade em relação a objetos, situações ou eventos e elevado
envolvimento em vários tipos de atividades;
- iniciativa, com tendência a iniciar sozinho suas atividades e persistência em interesses individuais;

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Onde também eram atendidos alunos com deficiência mental e com outras necessidades educacionais especiais.
- originalidade na expressão oral e escrita, com produção intensa de idéias e respostas a diferentes situações;
- talento incomum para artes (música, dança, dramaturgia, desenho e outras formas de expressão);
- habilidade para apresentar alternativas de soluções, demonstrando pensamento flexível
- sagacidade e capacidade de se manter sintonizado através da observação intensa da realidade ao seu redor;
- busca de soluções para problemas desafiadores, enriquecendo-se da situação-problema apresentada;
- capacidade de combinar informações e conhecimentos na busca de novas associações de idéias;
- habilidade superior de julgamento e avaliação na busca de respostas lógicas
- facilidade de decisão;
- criticidade em relação a si e aos outros;
- gosto pelo aperfeiçoamento das soluções encontradas;
- gosto por correr riscos em várias atividades;
- senso de humor desenvolvido;
- capacidade em enxergar relação entre fatos, informações ou idéias aparentemente não relacionados;
- aprendizado rápido e fácil, especialmente no campo de seu interesse.
- apresentam vocabulário mais amplo e têm menor aceitação de informações colocadas como verdades e
questionam seus “por quês”;
- seus interesses são tanto diversificados quanto intensamente focalizados;
- apresentam melhor habilidade em tarefas individuais, concentrando-se por períodos de tempo mais prolongados
do que outras crianças de sua faixa etária;
- preferem a companhia de crianças mais velhas ou de adultos;
- estão constantemente motivadas e são persistentes em sua tarefa de conhecer;
- gostam de aprender coisas novas e de novas formas de fazer as coisas;
seu comportamento é geralmente objetivo e eficiente no que se refere a tarefas e à resolução de problemas.

Trabalhando com alunos de altas habilidades no ensino regular


Segundo o MEC (BRASIL, 2005), das 566.753 matrículas efetuadas na Educação Especial no
ano letivo de 2004, cerca de 2000 foram de crianças na faixa etária de sete a 14 anos,
identificadas como tendo de altas habilidades, representando 0,3% do total das matrículas
efetivadas. Desse total, 1.928 estavam matriculadas em escolas públicas. Esses dados
mostram que pessoas com altas habilidades podem nascer em qualquer segmento social.
Todavia, o desenvolvimento de suas capacidades dependerá da forma como aproveitam o
estímulo recebido do ambiente que as rodeiam.
Tendo em vista a política de Educação Inclusiva, o trabalho educacional com crianças
e jovens com altas habilidades deve ser desenvolvido em classes regulares, pois não se
justifica uma escola ou classes especial para “gênios”. Contudo, esse aluno deve receber
atendimento de enriquecimento paralelo como abordaremos com mais detalhes adiante.
Para que ocorra um efetivo desenvolvimento do aluno com altas habilidades, o
primeiro passo para o trabalho do professor é observar se ele apresenta, isoladamente ou
combinadas algumas das características descritas acima. É importante destacar que na maioria
das vezes as crianças que possuem altas habilidades não têm suas características identificadas
antes de sua entrada na escola e, em alguns casos, nem após sua matrícula na mesma. Por isso
o “olhar” do professor é muito importante, uma vez que, muitas vezes, ele será o único
profissional em contato com a criança capaz de identificar suas altas habilidades, planejar
atividades de ensino que contemplem os ritmos, as possibilidades, os interesses e as
necessidades desse sujeito.
Tomando por base as diretrizes traçadas pela política educacional do Ministério da
Educação (1995, 1995a), as alternativas utilizadas para o trabalho com esse aluno seriam em
forma de programas de enriquecimento curricular e programas de aceleração dos estudos
(proposto pela LDB 9.394/96, art. 59, inciso II5), ou uma combinação de ambos.
Os programas de enriquecimento ou aprofundamento consistem no oferecimento de
diferentes estímulos ao aluno para que possa desenvolver seus interesses e habilidades, o que
pode ser alcançado a partir de atividades propostas na própria sala de aula, com a utilização
técnicas de trabalhos diversificados. Dependendo dos recursos da escola é também uma opção
interessante a atividade em pequenos grupos fora da sala de aula, submetidos a um programa
paralelo às ações pedagógicas de sala de aula, ou até mesmo diferente do que é apresentado
aos demais alunos da classe. Este tipo de prática pode contar, inclusive, com suporte
especializado, como por exemplo, com o atendimento em sala de recursos e/ou professor
itinerante como veremos adiante.
O programa de enriquecimento pode oferecer visitas a museus e a espaços científicos e
culturais, além de participação em oficinas em diversas áreas, artes plásticas, origami,
literatura, capoeira, RPG6, fantoches, xadrez, sucatas, eletrônica, etc. Ressaltamos que este
tipo de programa pode ser elaborado pelo professor regente, caso tenha conhecimentos na
área, pelo contrário, sugerimos o suporte de um especialista da área de Educação Especial
com conhecimentos voltados para altas habilidades.
Já o programa de aceleração, por sua vez, possibilita que o aluno com altas habilidades
conclua seus estudos em tempo inferior ao previsto, nas matérias do currículo em que tenha
demonstrado desempenho superior. Propõe, ainda, a entrada precoce desse aluno no Ensino
Fundamental, rompendo a idade mínima permitida que é de seis anos a serem completados até
30/03 do ano letivo corrente (BRASIL, 1995a).
A elaboração de aulas mais dinâmicas que estimulem a criatividade e o espírito crítico
e investigativo deve estar na base de qualquer proposta pedagógica. A monotonia das aulas,
com atividades mecânicas e pouco desafiadoras, muitas vezes contribui para que o aluno com
altas habilidades — que, comumente, finaliza as tarefas e anseia por novas atividades —

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A letra da Lei diz: “aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados”.
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Role Playing Games: espécie de jogo de interpretação encenado e interativo, em que cada um dos participantes
incorpora um personagem na trama. Durante um jogo de RPG, que é chamado sessão, os jogadores interpretam heróis dentro de universos
fictícios e fantásticos, enfrentando antagonistas e resolvendo enigmas e situações.
apresente condutas consideradas indisciplinares e perturbe o restante da turma. Atividades de
enriquecimento ou aprofundamento de áreas de interesse do aluno tornam-se essenciais para
que este, em ambiente de sala de aula ou não, possa continuar aprimorando seus
conhecimentos, enquanto a turma mantém seu ritmo de aprendizagem, geralmente mais lento.
A criação de ambientes diversificados, que exponham esse aluno a grande variedade
de idéias e experiências, bem como atividades de monitoria (trabalho em dupla entre o aluno
com altas habilidades e um colega) também contribuem para saciar sua sede de conhecimento
e informação, canalizando sua energia em direção ao processo criador e diminuindo a
probabilidade que ele desenvolva problemas de comportamento em sala de aula.
O professor pode estimular o estudo independente e a curiosidade por meio de várias
atividades, como, por exemplo, pesquisas experimentais, construção de maquetes, produção
literária ou grupos de discussão desenvolvidos dentro e fora da sala de aula, incentivando,
assim, o contato desses alunos com profissionais que desempenham trabalhos em sua(s)
área(s) de interesse. Ele pode propor, ainda, a realização de gincanas que estimulem as
habilidades de todos os alunos.
Para o desenvolvimento do pensamento criativo, Silverman (1988 apud BRASIL,
2002) sugere aos professores a realização de diversas atividades pedagógicas, como, por
exemplo:
- estimular o grupo a apresentar soluções inéditas para um mesmo problema (“tempestade cerebral”);

- incentivar a habilidade do debate, encorajando o aluno a discutir sobre assuntos de sua escolha, estimulando que
cada aluno defenda seu ponto de vista;
- propor que os alunos apresentem seus projetos de pesquisa, colaborando e apoiando seu desenvolvimento e
realização;
- fazer sessões de “idéias malucas”, onde somente noções incomuns podem ser discutidas;
- estimular os alunos a escreverem scripts para programas de rádio e televisão, participando de tais
programações;
- estimular os alunos com altas habilidades em matemática a criar quebra-cabeças e outros instrumentos que
estimulem o raciocínio lógico.

O trabalho do professor regente também pode ser desenvolvido em parceria com o


professor da sala de recursos, caso a escola disponha dessa modalidade, e também do
professor itinerante. O professor da sala de recursos pode auxiliar o professor regente na
medida que desenvolve atividades que aprofundem os conteúdos trabalhados em sala de aula,
como, por exemplo, propondo ao aluno atividades de aprofundamento dos conteúdos vistos
em sala de aula, porém utilizando alternativas pedagógicas como: oficinas de leitura e de
artes; pesquisas em laboratórios de informática e construção de murais. Já o professor
itinerante pode atuar no sentido de orientar e sensibilizar o professor regente em relação às
peculiaridades do aluno com altas habilidades, bem como na elaboração de programas de
enriquecimento. Ressaltamos que ambos os suportes estão previstos no documento Subsídios
para a organização e funcionamento de serviços de Educação Especial – área de altas
habilidades (BRASIL, 1995a).
Alertamos que o alto grau de motivação dessas crianças e jovens também pode se
apresentar como um problema. Podem, por exemplo, recusar-se a aceitar regras, ter
comportamentos de inconformismo, teimosia exagerada e discordância freqüente das demais
pessoas, inclusive professores. Muitas vezes têm dificuldade em largar uma atividade na qual
estejam interessados para passar para outra por solicitação do professor. Por outro lado, a
valorização das altas habilidades no espaço escolar não deve estimular a competição e a busca
da perfeição, o que, muitas vezes, levam o aluno ao fracasso, ao isolamento social e a
distúrbios emocionais (ALENCAR & VIRGOLIM, 1999; ALENCAR, 2003).
Um dos fatores que, por vezes, dificulta o processo de inclusão escolar de alunos
identificados como tendo altas habilidades, é a representação social que se têm a seu respeito.
No imaginário popular há a noção de que eles são excelentes alunos em todas as disciplinas, e
que não precisam de nenhum tipo de ajuda do professor, porque são praticamente autodidatas.
Isto é um mito equivocado que tem conseqüências graves, podendo levar o professor ao
abandono desses alunos, gerando seu desinteresse e desestímulo, que se encontra, muitas
vezes, na origem de condutas indisciplinares desses alunos em sala de aula.
Outro mito muito freqüente diz respeito ao estereótipo físico desses sujeitos, cuja
figura geralmente encontra-se associada a indivíduos franzinos e pálidos, de saúde frágil e
usuários de óculos de lentes grossas, como o personagem do filme Mentes que Brilham7.
Estudos diversos têm demonstrado, entretanto, não haver qualquer diferença no biotipo das
crianças consideradas com altas habilidades em relação às demais (ALENCAR &
VIRGULIN, 1999).
É importante observar que a inclusão de alunos com altas habilidades pode ser
dificultada na área sócio-afetiva, sobretudo, no relacionamento com pessoas da mesma faixa
etária. Muitas vezes, com suas habilidades subutilizadas, esses indivíduos se sentem excluídos
dentro do próprio espaço escolar. Alguma crianças e jovens com altas habilidades apresentam
dificuldades emocionais e de ajustamento social, que se configuram em atitudes anti-sociais.

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Mentes que Brilham (Little Man Tate) é uma produção norte-americana de 1991, com direção da atriz
principal, Jodie Foster. O filme conta o drama de um garoto com altas habilidades, que apresenta precocidade e
talento excepcional em Matemática, Línguas, Pintura, Música e Literatura, dentre outras áreas. Porém apresenta
diversos problemas de relacionamento interpessoal, sobretudo com as crianças de sua faixa etária.
Ou seja, o fato de uma criança apresentar altas habilidades em várias áreas do conhecimento
não lhe garante maturidade pessoal e/ou social para lidar com os problemas do cotidiano.
Um outro aspecto, conforme apontado nos estudos de Fleith e Alencar (2006), é que
um número significativo de crianças que possuem altas habilidades passam despercebidas,
porque suas famílias não têm informação sobre as características e necessidades do seu filho.
Além disso, a maioria das famílias não tem condições de oferecer aos mesmos os estímulos de
que necessitam, por falta de recursos financeiros.
Neste aspecto, o papel da escola e do professor é essencial, auxiliando e orientando as
famílias quanto aos procedimentos necessários a serem adotados, dentro da realidade de seu
contexto social. Assim, fica evidente a necessidade de investimentos por parte das autoridades
em pesquisas na área de altas habilidades no que concerne à educação dessa população.
O compromisso da escola é proporcionar uma educação que contemple os diferentes
ritmos de aprendizagem em diferentes condições de ensino. Por isso, o professor deve ter
clareza de que o seu aluno com altas habilidades possui necessidades educacionais especiais
que devem ser consideradas e trabalhadas em sua especificidade.
Saber dosar as atividades do programa de enriquecimento e de aprofundamento
juntamente com as adaptações curriculares é a chave para uma educação inclusiva efetiva!
Referências bibliográficas
ALENCAR, E. S. Psicologia e Educação do Superdotado. São Paulo: E.P.U. 1986.

____. O aluno com altas habilidades no contexto da educação inclusiva. Revista Movimento
da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, nº 7, p.60-69, 2003.

____; VIRGOLIM, A. M. R. Dificuldades emocionais e sociais do superdotado. In: NUNES


SOBRINHO, F. de P.; CUNHA, A.C.B. da (Orgs.). Dos problemas disciplinares aos
distúrbios de conduta: práticas e reflexões. Rio de Janeiro: Dunya, 1999, p. 89-114.

ANTIPOFF, H. A educação do bem-dotado, 1929. In: Coletânea de obras escritas por


Helena Antipoff, Volume V, Rio de Janeiro: SENAI/DN/DPEA, 1992.

BRASIL. Subsídios para organização e funcionamento de serviços de educação especial na


área de altas habilidades. Brasília: MEC/SEESP, 1995. (Série Diretrizes nº 10)
____. Diretrizes gerais para o atendimento educacional dos alunos portadores de altas
habilidades/superdotação e talentos. Brasília: MEC/SEESP, 1995a. (Série Diretrizes nº 9)

____. Parâmetros Curriculares: adaptações curriculares – estratégias para a educação de


alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: MEC/SEESP, 1998.

____. Lei Federal nº 9394/96 de 20 de dezembro de 1996, Estabelece as Diretrizes e Bases da


Educação Nacional. Diário Oficial da União, v. 134, nº 248, 22 de dez. de 1996.

____. Identificando e atendendo as necessidades educacionais especiais dos alunos com altas
habilidades/superdotação - Projeto Escola Viva – Garantindo o acesso e permanência de
todos os alunos na escola – Alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília:
MEC/SEESP, 2002.

____. Números da Educação Especial no Brasil. Brasília: MEC/SEESP, 2005.

____. Saberes e práticas da inclusão: desenvolvendo competências para o atendimento às


necessidades educacionais especiais de alunos com altas habilidades/superdotação. Brasília:
MEC/SEESP, 2006. (Série: Saberes e Práticas da Inclusão).

DELOU, C. M. C. Sucesso e fracasso escolar de alunos considerados superdotados: um


estudo sobre a trajetória escolar de alunos que receberam atendimento em salas de recursos
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Graduados em Educação: História e Filosofia da Educação, Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo ( PUC- SP), 2001.

FLEITH, D. de S.& ALENCAR, E. M. L. S. de. La educación de ninõs con talento en Brasil.


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GARDNER, H. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes
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METTRAU, M. B. Inteligência: patrimônio social. Rio de Janeiro: Dunya, 2000.

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productivity. In: STERNBERG, R. J. & DAVIS, E. J. (Eds.). Conceptions of giftedness. New
York: Cambridge University Press, 1986, p. 53-92.

____. Desenvolvendo as habilidades naturais e talentos de todos os alunos (prefácio). In:


FREITAS, S. N. (org.). Educação e altas habilidades/superdotação: a ousadia de rever
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VIRGOLIM, A.M.R. A educação de alunos com superdotação. In.: BRASIL. Ensaios


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