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APRENDIZAGEM E COMPORTAMENTO

Sumário

CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM .................................................... 3

PRESTAR ATENÇÃO NA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO ............. 18

INSTITUIÇÕES ESCOLARES, PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM E


ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO E ATUAÇÃO PSICOPEDAGÓGICAS ... 31

PSICOPEDAGOGIA ESCOLAR ........................................................ 34


PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM ................................................. 35
CARACTERÍSTICAS SOCIAIS E DE COMPORTAMENTO .............. 41
PROBLEMAS DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE........................... 41
ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO E ATUAÇÃO
PSICOPEDAGÓGICAS ................................................................................ 42
A PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA ........................................................ 43
PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL .............................................. 45
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 45

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FACUMINAS

A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de


um grupo de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para
cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas,
como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior.

A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas


de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos
culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e
comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de
comunicação.

A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de


forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir
uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma
das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela
inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido.

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CONCEPÇÕES DE APRENDIZAGEM
O conceito de aprendizagem emergiu das investigações empiristas em
Psicologia, ou seja, de investigações levadas a termo com base no
pressuposto de que todo conhecimento provém da experiência. Isso significa
afirmar primado absoluto do objeto e considerar o sujeito como uma tabula
rasa, uma cera mole, cujas impressões do mundo, fornecidas pelos órgãos dos
sentidos, são associadas umas às outras, dando lugar ao conhecimento. O
conhecimento é, portanto, uma cadeia de ideias atomisticamente formada a
partir do registro dos fatos e se reduz a uma simples cópia do real.

Em virtude de sua epistemológica, tais investigações formam corpo do


que se chama associacionismo, cuja expressão mais imponente é o
behaviorismo, tanto em sua versão mais clássica, quanto em sua versão
contemporânea.

A meta do behaviorismo sempre foi a construção de uma psicologia


“científica”, livre da introspecção e fundada numa metodologia “materialista”
que lhe garantisse a objetividade das ciências da natureza.

A objetividade perseguida pelo behaviorismo é a mesma do positivismo


em geral e, por isso, termos como consciência, inconsciente e similares
banidos da linguagem psicológica. A Psicologia vem definida como a “ciência
do comportamento” (observável) e o comportamento é entendido como produto
das pressões do ambiente, significando o conjunto de reações a estímulos,
reações essas que podem ser medidas, previstas e controladas.

Nessa via de interpretação, ganha sentido a definição de aprendizagem


como “mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência”.
Aqui, tem-se uma definição em que a dissolução do sujeito do conhecimento é
evidente. Ele é realmente aquela cera mole de que se falou anteriormente e,
por isso, a aprendizagem é identificada com o condicionamento.

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Entende-se, assim, porque o behaviorismo, corrente cujas primeiras
sistematizações foram realizadas por Watson, nasce apoiado nos trabalhos de
Pavlov acerca do condicionamento respondente.

O condicionamento de tipo pavloviano, também conhecido como


condicionamento clássico ou respondente, consistindo no esquema ER, foi, em
seus primórdios, considerado como o elemento básico de aprendizagem, ponto
de partida para a formação de todos os hábitos. Era tempo de euforia geral
entre os positivistas, pois as pesquisas de Pavlov ofereciam a possibilidade de
se atribuir, às atividades complexas, o sentido de uma composição de simples
elos soldados. O condicionamento clássico diz respeito à relação entre um
estímulo antecedente e uma resposta que lhe é, naturalmente, consequente.
Inicia-se com a observação de respostas incondicionadas a estímulos
incondicionados, mas o interesse central se firma na obtenção de uma
determinada resposta, provocada por um estímulo previamente neutro, quando
este é associado a um estimulo incondicionado. Com o passar do tempo, o
condicionamento respondente revelou-se insuficiente para a explicação de
aprendizagem complexas, e sua validação restringiu-se à explicação dos
comportamentos involuntários e das reações emocionais. Foi, então, superado
pelo condicionamento operante (skinneriano), o qual desloca a ênfase do
estímulo antecedente para o estímulo consequente (reforço), como recurso
para garantir a manutenção ou extinção de certo(s) comportamento(s).

O condicionamento operante ocupa-se, pois, das relações entre


comportamento a ser aprendido e as suas consequências. Os adeptos da
teoria do reforço consideraram-no capaz de explicar a aquisição dos
comportamentos voluntários de todos os tipos. O esquema continua muito
simples: o organismo emite uma resposta a um estímulo cujo conhecimento
não é necessário, e essa resposta, dependendo das consequências geradas
por ela, será ou não mantida. Logo, são os estímulos que se seguem à
resposta (reforços) que representam o núcleo da teoria, e não os que a
antecedem.

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As pesquisas sobre condicionamento iniciaram-se sempre com
experimentos com animais e se aplicaram posteriormente, a sujeitos humanos.
Dado o seu grande poder de controle do comportamento, essas pesquisas
foram se sofisticando cada vez mais. Têm sido incessantes os esforços para
provar que o comportamento é modelado, razão porque devem as
investigações fornecer o maior número possível de dados sobre estímulos
reforçadores, estímulos aversivos, tipos de reforços, esquemas de reforço,
contra-condicionamento, etc. Acredita-se que o aprofundamento dessa linha de
análise findará por oferecer um modelo de aprendizagem que resolverá todos
os problemas.

É notório o fato de que, embora com recursos mais aprimorados e com a


possibilidade de lidar com certas aquisições complexas, o condicionamento
instrumental não implíca nenhuma mudança de pressuposto epistemológico
com referência ao condicionamento respondente.

O conceito positivista de aprendizagem que acabamos de expor é


inteiramente refutado pela gestalt, uma corrente psicológica que nasce na
Alemanha, no princípio do século (com Wertheier, Kohler e Koffka) e que
encontra terreno fértil nos Estados Unidos, onde passaram a trabalhar três dos
seus maiores expoentes: Koffka, Kohler e Lewin.

A gestalt opõe-se ao behaviorismo por ter um fundamento


epistemológico de tipo racionalista, ou, mais precisamente, por pressupor que
todo conhecimento é anterior à experiência, sendo fruto do exercício de
estruturas racionais, pré-formadas no sujeito.

Se a unilateralidade do positivismo consiste em desprezar a ação sujeito


sobre o objeto, a do racionalismo consiste em desprezar a ação do objeto
sobre o sujeito. Ambas as posições, portanto, cindem os dois polos do
conhecimento de modo irremediável.

Qualificar a gestalt como uma teoria racionalista não significa,


entretanto, afirmar que ela negue a objetividade do mundo. Significa, isto sim,
que ela não postula essa objetividade no sentido de uma interferência na
construção das estruturas mentais através das quais o sujeito apreende real.

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Admite-se que experiência passada possa influir na percepção e no
comportamento, mas não a afirma como uma condição necessária para tal. E,
por isso, é às variáveis biológicas e à situação imediata que se deve recorrer
para explicar a conduta. As variáveis históricas, por não serem determinantes,
apresentam pouco interesse para os gestaltistas.

Note-se que não falamos em aprendizagem e, sim em percepção. Na


verdade, contrariando o pressuposto epistemológico do behaviorismo, a gestalt
rejeita a tese de que o conhecimento seja fruto da aprendizagem. De acordo
com seus adeptos, os sujeitos reagem não a estímulos específicos, mas a
configurações perceptuais. As gestaltens (configurações) são as legítimas
unidades mentais, e é para elas que a Psicologia deve voltar-se.

Vê-se, pois, que a gestalt lida com o conceito de estruturas mentais,


enquanto totalidades, numa extrema oposição ao atomismo behaviorista. É
conveniente esclarecer que tais totalidades são organizadas em função de
princípios de organização inerentes à razão humana. Logo a estrutura da
gestalt é uma estrutura sem gênese, não comportando, pois, uma formação.

Vale ainda a pena dizer que o conceito de totalidade com o qual a


Gestalt trabalha é irredutível à soma ou ao produto das partes. Por isso, o todo
é apreendido de forma súbida, imediata, por reestruturação do campo
perceptual (insight).

Se a aprendizagem não contribui para a estruturação do conhecimento,


justifica-se o pouco interesse que os gestaltistas apresentam pela questão.
Aliás, nos estudos de aprendizagem realizados pela gestalt, a aprendizagem se
confunde com solução se problema, que, por sinal, não decorre de
aprendizagem, e, sim, de insight. Diante disso, torna-se fundamental conhecer
os princípios que o regem: relação figura-fundo, fechamento (lei de
pregnância), similaridade, proximidade, direção, etc., que são, em síntese, os
princípios universais da boa forma.

A leitura, mesmo rápida, do que foi exposto, associada ao conhecimento


que nós, professores, temos das práticas pedagógicas dominantes, permite-
nos ver que, em geral, as referidas práticas se debatem entre as duas

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concepções de aprendizagem apresentadas, sendo, muitas vezes, difícil
identificar se o ensino está fundado numa teoria ou noutra. A ração dissonos
parece óbvia: ambas as abordagens conduzem ao mesmo resultado e as
práticas pedagógicas equivalentes. Vejamos por quê.

O tratamento dado à aprendizagem pelas duas correntes em foco é,


antes de tudo, reducionista. O behaviorismo, como toda teoria positivista, reduz
o sujeito ao objeto. A gestalt, como uma teoria racionalista, faz o contrário.

O behaviorismo, por ter condenado a introspecção e se voltado para o


observável, o materializado, gerou a crença de que se tratava de uma teoria
materialista, que superava a metafísica da psicologia precedente. Na Rússia,
após a Revolução de 1917, tal perspectiva foi abraçada com entusiasmo.
Entretanto, não tardou que se descobrisse o seu caráter idealista.
Dicotomizando o homem no que é e no que não é observável, e escolhendo
ocupar-se do que é observável, o behaviorismo expõe-se à constatação de sua
fragilidade, pelo menos por três razões:

• Por separar o que é inseparável, fragmentando a unidade


indissolúvel do sujeito e do objeto;

• Porque, procedendo a tal cisão e ocupando-se apenas da ação do


objeto, deixa o sujeito à mercê das especulações metafísicas; e

• Porque seu materialismo é uma forma de mecanismo, um falso


materialismo, uma vez que ignora as condições históricas dos sujeitos
psicológicos, tendo descartado a consciência, a subjetividade, ao invés de
provar seu caráter de síntese das relações sociais.

Não é necessário dizer mais nada para concluirmos que o behaviorismo


acentua o primado do objeto, mas ignora a objetividade, destruindo-se,
portanto, pela sua própria prática.

Essas considerações esclarecem, consequentemente, o fracasso das


ações pedagógicas assentadas na concepção positivista de aprendizagem, as
quais silenciam os alunos, isolam-nos e os submetem à autoridade do saber
dos professores, dos conferencistas, dos textos, dos livros, das instruções

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programadas, das normas ditatoriais da instituição, e tudo isso para chegar a
um único resultado: ao falso conhecimento e à subordinação.

Dissemos que a gestalt não levaria a práticas e efeitos diversos. É


possível que duas teorias com bases epistemológicas antagônicas possam ser
equivalentes? As evidências falam por nós.

A gestalt, ao preconizar as estruturas mentais como totalidades


organizadas segundo princípios inerentes à razão humana, toma partido pela
“pré-formação”. Se as estruturas são, de fato, pré-formadas e não fruto da ação
do sujeito sobre o mundo objetivo e do mundo objetivo sobre o sujeito, não há
por que apelar para a atividade desse sujeito. Fica patente que, assim como o
behaviorismo é um objetivismo sem objetividade, a gestalt é um subjetivismo
sem subjetividade, o que dá no mesmo.

Em virtude dessa autonegação, as práticas pedagógicas que apostam


numa “intuição racional” de tipo gestaltista apoiam-se, também, em técnicas
que não apelam para a atividade do sujeito, e, portanto, para a sua vida
concreta. O saber acumulado é tranquilamente transmitido, respeitando os
princípios da boa forma, e os alunos podem incorporá-los, pois a experiência
apresentada sob boas formas é isomorfa às estruturas mentais, ou seja: as
estruturas mentais têm sempre, na experiência, o seu equivalente. Apesar
disso, estruturas mentais e experiências persistem como dois polos distintos.

É claro que essa cisão entre subjetividade e objetividade nada mais é


que o reflexo da divisão social do trabalho, da separação entre o fazer e o
pensar, da prática e da teoria. E, nesses casos, assiste-se a uma
supervalorização da teoria, porque, sendo aquela que sabe, tem o direito de
comandar a prática. A esta, como ignorante, nada mais resta do que obedecer
à teoria. E dada a falsidade da relação de dominação entre teoria X prática,
não poderíamos esperar que a escola, instituição legitimadora e produtora
desse tipo de dominação, pudesse ter encarado a transmissão do
conhecimento de uma forma diversa daquelas que impedem a autonomia
intelectual e a produção de um conhecimento verdadeiro e, por isso, libertador.

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Após termos apresentado as concepções de aprendizagem de teor
mecanicista e idealista, cumpre-nos averiguar se se encontram, na Psicologia,
formulações que as superem. Nesse sentido, acreditamos que grupo de
pesquisas que compõe aquilo a que chamamos psicologia genética tenha
muito a contribuir. Desse grupo, salientamos as que mais se voltaram para o
problema da aprendizagem segundo uma perspectiva que nos parece
extremamente promissora: as inauguradas por Piaget, Vygotsky e Wallon.

Aqui nos deteremos mais na posição de Piaget, por ser, entre nós, a
mais divulgada (embora não bem conhecida) e, em razão dessa mesma
divulgação, a que mais dominamos.

Começamos por afirmar que a posição de Piaget com relação à


aprendizagem não pode ser entendida senão no contexto de sua produção
teórica mais geral. Fazem-se necessárias, então, algumas considerações sobre
essa produção.

Na qualidade de epistemólogo, Piaget dedicou toda a sua vida à


investigação de um problema central: a formação e o desenvolvimento do
conhecimento. Afirmar isso, entretanto, é muito pouco. É preciso explicitar
melhor a significação dessa sua preocupação.

Inicialmente, merece realce o fato de que, ao pesquisar a formação e o


desenvolvimento do conhecimento, Piaget inaugura a Epistemologia Genética,
definindo-a como

[...] pesquisa essencialmente interdisciplinar que se propõe estudar a


significação dos conhecimentos, das estruturas operatórias ou de noções,
recorrendo, de uma parte, a sua história e ao seu funcionamento atual em uma
ciência determinada (sendo os dados fornecidos por especialistas dessa
ciência e sua epistemologia) e, de outra, ao seu aspecto lógico (recorrendo aos
lógicos) e enfim à sua forma psicogenética ou às suas relações com as
estruturas mentais (esse aspecto dando lugar às pesquisas de psicólogos de
profissão, interessados também na Epistemologia). (PIAGET, 1977, p. 77).

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Por essa definição, vê-se que a perspectiva epistemológica de Piaget é
extremamente complexa e original. Ao contrário dos epistemólogos de Piaget é
extremamente complexa e original. Ao contrário dos epistemólogos
neopositivistas, os mais fiéis ao sentido literal do termo epistemologia (teoria da
ciência), Piaget não se interessa apenas pelo conhecimento científico. A razão
disso situa-se no fato de que a explicação das formas de conhecimento típicas
da ciência só é possível, para Piaget, recorrendo-se à gênese dessas formas e
ao estudo dos caminhos percorridos. Isso significa, pois, tratar, também, das
formas de conhecimento que são hoje consideradas como características do
conhecimento pré-científico, mas que, do ponto de vista cognitivo, não se
podem negligenciar, porque foram precursoras dos progressos posteriores.

A tese exposta conduz Piaget à pesquisa sobre a psicologia gênese do


conhecimento, não só porque a psicogênese completa a sociogênese (o ponto
de partida de qualquer ciência foi fruto de um pensamento já formado), como
também porque ela pode constituir um mecanismo experimental capaz de
caracterizar a Epistemologia Genética como uma disciplina científica.

Os trabalhos iniciados por Piaget e os que incorporam as contribuições


dos especialistas do Centro de Epistemologia Genética forneceram os
elementos necessários à sustentação do que ele qualifica como idéia central de
sua teoria: a de que “[...] o conhecimento não procede nem da experiência
única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas
de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas”.
(PIAGET, 1976, prefácio).

Essa afirmação não deixa dúvidas quanto à recusa de Piaget em relação


ao behaviorismo e à gestalt, mas não esclarece, de uma vez por todas, como
essas construções sucessivas têm lugar e quais os elementos nelas
envolvidos.

Para Piaget, elas são resultantes da relação sujeito X objeto, relação


essa em que os dois termos não se opõem, mas se solidarizam, formando um
todo único. As ações do sujeito sobre o objeto e deste sobre aquele são
recíprocas. O ponto de partida não é o sujeito, nem o objeto, e, sim, a periferia

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de ambos; assim, o desenvolvimento da inteligência vai-se operando da
periferia para o centro, na direção dos mecanismos centrais da ação do sujeito
(dando lugar ao conhecimento lógico-matemático) e das propriedades
intrínsecas do objeto (dando lugar ao conhecimento do mundo). Essa direção
no sentido do sujeito e do objeto não deve ser entendida como uma
polarização: o conhecimento lógico-matemático e o conhecimento do mundo
objetivo se relacionam mutualmente.

É fácil verificar, pois, que, para Piaget, o sujeito constitui como o meio
uma totalidade, sendo, portanto, passível de desequilíbrio, em função das
perturbações desse meio. Isso o obriga a um esforço de adaptação, de
readaptação, a fim de que o equilíbrio seja restabelecido.

A adaptação, ou o restabelecimento do equilíbrio, comporta dois


processos distintos, porém indissociáveis, que são a assimilação e a
acomodação.

A assimilação cognitiva consiste na incorporação, pelo sujeito, de um


elemento do mundo exterior às suas estruturas de conhecimento, aos seus
esquemas sensório-motores ou conceituais. Na assimilação, portanto, o sujeito
age sobre os objetos que o rodeiam, aplicando esquemas já constituídos ou já
solicitados anteriormente. A acomodação, termo complementar da relação
sujeito/objeto, representa o momento da ação do objeto sobre o sujeito. A
solicitação do meio não é atendida pelos esquemas de assimilação, para que a
adaptação possa efetivar-se, impondo-lhe a modificação de seu ciclo
assimilador, para que a adaptação posso efetivar-se.

Chamamos a atenção para o fato de que a assimilação/acomodação,


desde os seus primórdios, apresenta-se como um ponto de partida relativo,
como suporte para uma equilibração majorante, isso é, para o restabelecimento
do equilíbrio não apenas como uma volta ao equilíbrio anterior, mas como
formação de um novo equilíbrio, ou, mais precisamente, de um melhor
equilíbrio. Esse equilíbrio de nível superior funciona, então, como um novo
ponto de partida, e assim sucessivamente.

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Para que essa equilibração majorante tenha lugar, Piaget acentua uma
função paralela à adaptação: a função da organização. A adaptação não pode
ser dissociada da função de organização, pois, à medida que o indivíduo
assimila/acomoda, a organização se faz presente, para integrar uma nova
estrutura a uma outra estrutura pré-existente, que, mesmo total, passa a
funcionar como subestrutura. Constata-se então, que a função de organização
garante a totalidade, através da solidariedade dos mecanismos de
diferenciação e de integração, preservando a continuidade e a transformação.

As considerações feitas tornam patente o relativismo dialético no qual se


assenta a Epistemologia Genética. Lefebvre esclarece o sentido do relativismo
dialético, quando diz: “O relativismo dialético admite a relatividade de nossos
conhecimentos, não no sentido de uma negação da verdade objetiva, mas no
sentido de uma perpétua superação dos limites de nosso conhecimento.”
(LEVEBVRE, 1979, p. 98).

É esse o significado do relativismo dialético que permeia as elaborações


de Piaget, tanto no que se refere à sociogênese, quanto no que diz respeito à
psicogênese. Apesar disso, entre o desenvolvimento psicogenético e o
sociogenético existe uma diferença fundamental: aquele é limitado, enquanto
este aparece como uma possibilidade real de superação dos limites individuais.
Vale mais uma vez invocar Lefebvre, por expressar essa diferença de maneira
lapidar, ao afirmar:

O pensamento humano pretende, legitimamente, deter a possibilidade, o


poder de atingir a verdade absoluta. O pensamento humano pretende possuir a
soberania sobre o mundo e o direito absoluto sobre a verdade ‘infinita’. O
pensamento dos indivíduos não pode ter tais pretensões; é sempre finito,
limitado, relativo. Mas essa contradição é resolvida pela sucessão das
gerações humanas e pela cooperação dos indivíduos nessa obra coletiva que é
a ciência. (LEVEBVRE, 1979, p. 100).

Essa citação expressa exatamente a tese de Piaget acerca da


sociogênese e da psicogênese.

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No que se refere à psicogênese, Piaget a considera um processo
dialético, colocando a atividade como ponto de partida da vida psíquica, e
concebendo o desenvolvimento cognitivo como resultante de estruturações e
reestruturação progressivas da ação. Localizando, portanto, a gênese das
operações do pensamento na inteligência sensório-motora, Piaget pesquisa
curso do desenvolvimento psicoge-genético, passando pelas atividades que
preparam e organizam a inteligência operatória concreta e, por fim, a
inteligência operatória formal, que marca os limites do desenvolvimento
individual.

Piaget faz questão de afirmar que tais limites constituem uma realidade
do presente e não um fechamento definitivo e que mesmo esses limites atuais
só o são do ponto de vista psicogenético, pois a perspectiva sociogenético abre
possibilidades de geração para geração.

A essa altura, vale lembrar que a teoria de Piaget tem tido as mais
diversas interpretações: a de uma forma de empirismo, de kantismo evolutivo,
de hegelianismo, havendo, até quem afirme sua tendência marxista.

Somos de opinião que a Epistemologia Genética, como uma produção


coletiva e vastíssima, é, parcialmente, tudo isso. Mas lembramos, com Agnes
Heller, que “[...] não há nada mais belo e sábio do que poder escolher, numa
teoria, o que é mais necessário”. (HELLER, 1982, p. 22).

É na perspectiva de escolher o que é necessário na a teoria de Piaget


que nos colocamos, sem impedimentos radicais, já que suas elaborações muito
contribuem para resgatar a condição libertadora do conhecimento.

Tememos, por outro lado, que, na falta de teorias mais completas, seja
colocada na teoria de Piaget uma expectativa que ela não estará à altura de
concretizar. Por isso, achamos que é o momento de explicitar alguns pontos
mais problemáticos.

Apesar de a referida teoria acentuar a unidade do sujeito com o mundo,


ela não se preocupou em qualificar esse mundo como o meio social concreto,
sendo seus resultados isentos do compromisso com a luta de classes. Piaget

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esteve mesmo interessado em fornecer um quadro de referência para a
compreensão do sujeito epistêmico, entendido como possibilidade humana de
conhecer, uma possibilidade que é, assim, humano-genérica. Por outro lado,
essa perspectiva não anula a outra, mas, ao contrário, dela necessita, mesmo
para fins de enriquecimento dessa compreensão.

Em função desse seu interesse, Piaget se preocupa com a formação dos


instrumentos do pensamento que propiciam o conhecimento, e acaba por afluir
na Lógica Formal, negligenciando a Lógica Dialética.

No que tange a uma concepção de aprendizagem, é claro que Piaget


discorda das concepções anteriormente discutidas, tendo sido essas
discordâncias exaustivamente expressas em toda sua obra. Ele nega que sua
teoria seja uma teoria de aprendizagem, classificando-a como uma teoria do
desenvolvimento. Admite, porém, que ela possa ser vista também como uma
teoria da aprendizagem, desde que tenha o seu conceito ampliado, de maneira
a incorporar os processos de equilibração, que não internos, mas não
hereditários.

Quanto às aprendizagens conceituais tipicamente escolares, Piaget as


subordina às estruturas já formadas, sugerindo que aquelas devam apoiar-se
nestas, porque só assim podem contribuir para sua consolidação e ampliação.

Por força de tais limitações, e principalmente pelo fato de Piaget não ter
tido uma preocupação incisiva com a totalidade psicológica (já que sua meta
era a compreensão do sujeito epistêmico), julgamos necessário que se
compete a sua abordagem com outras que lhe sejam compatíveis. É aí que
apontamos para as linhas de investigação iniciadas por Wallon e Vygotsky.

Os estudos de Wallon, apesar de pouco divulgados nos últimos tempos,


conduzem ao reconhecimento de uma enorme contribuição à Psicologia.
Voltados para a evolução psicológica da criança, o seu legado ultrapassou os
limites desse momento da vida, ao fornecer elementos para a compreensão da
dinâmica do processo de conhecimento. Wallon vai à gênese desse processo,
teorizando sobre a passagem do orgânico ao psíquico e apontando caminhos

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para a análise dialética de teorias reducionistas que privilegiam ora o orgânico,
ora o social, no curso do desenvolvimento humano.

A passagem do orgânico ao psíquico, que equivale à síntese entre


individual e o social, é, para o Wallon, um dos problemas cruciais da
Psicologia. Ela tenta explicá-la por meio de quatro elementos estreitamente
interligados: a emoção, a motricidade, a imitação e o socius.

A emoção permite à criança nascer para a vida psíquica, por ter como
função inicial a comunhão como outro, a união entre os indivíduos, em virtude
das suas reações orgânicas, da sua fragilidade. No princípio, ela é indistinta,
mas engendrará as oposições e os desdobramentos que gradualmente vão
dando origem às estruturas da consciência.

A primeira expressão da emoção é o movimento, que é, ao mesmo


tempo, o seu substrato. A motricidade é, então, para Wallon, o tecido comum e
original de onde procedem as realizações da vida psíquica.

Essa primeira fase das trocas do indivíduo com os outros, e com mundo
em geral, corresponde a um tipo de inteligência discursiva, cuja manifestação
inicial é a representação. A imitação é o elemento responsável pela superação
d um tipo de inteligência pelo outro.

Ao tratar das origens do pensamento, entendido como inteligência


discursiva, Wallon se volta para uma descrição psicologia de crianças de 5 a 7
anos, pois todas as etapas anteriores tinham sido já estudadas
exaustivamente, nas obras precedentes. E ele privilegia, nessa descrição, os
obstáculos com os quais as crianças deparam para explicitar seu pensamento,
e as contradições entre o instituído e suas experiências, entre o formalismo da
linguagem e a fluidez dos dados empíricos, em si mesmos contraditórios, em
última análise, entre o real e a sua representação.

Em toda a extensão da obra de Wallon, encontra-se a preocupação de


concentrar suas análises em processos, por considerar que é o confronto do
indivíduo com a sociedade que à construção da inteligência. A afirmação a
seguir é basilar para confirmar isso:

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Jamais pude dissociar o biológico do social, não porque os creia
redutíveis um ao outro, mas porque me parecem, no homem, tão estreitamente
complementares desde o nascimento que é impossível encarar a vida psíquica
de outro modo que não seja sob a forma de suas relações recíprocas.
(WALLON, 1951 apud ZAZZO, 1978, p. 51).

Apenas essa afirmação nos basta para constatarmos que, apesar de sua
teoria se centrar no desenvolvimento, não exclui a aprendizagem, cujo sentido
positivista é superado pela dissociação do biológico e do social.

Com respeito a Vygotsky (1984), merece realce, inicialmente, o fato de


ele ter uma posição que representou um avanço para a psicologia soviética.
Sabe-se que, após a Revolução de 1917, as formulações de Pavlov imperaram
na Rússia, por sua característica antiidealista. Em contrapartida, abandona-se
o estudo da consciência, implicando isto, segundo Vygotsky, uma limitação da
Psicologia a problemas poucos complexos, além de fazer perdurar o caráter
dualista e espiritualista do subjetivismo anterior. Visando, então, a uma
coerente psicologia materialista, Vygotsky e seus colaboradores se empenham
em recuperar o estudo da consciência, inserindo as contribuições de Pavlov
numa perspectiva mais ampla de investigação. Instauram-se, a partir daí, a
reação ao comportamentismo vulgar e a luta pela instituição de um método que
tratasse a consciência de maneira objetiva e concreta. A hipótese que norteia
suas sucessivas pesquisas é expressa nos seguintes termos:

Os processos psíquicos mudam no homem do mesmo modo como


mudam os processos de sua atividade prática. Vale dizer que também aqueles
são mediatizados. É exatamente pelo uso dos meios, é pela relação mediata
com as condições de existência que a atividade psíquica do homem se
distingue radicalmente da atividade psíquica animal. (LEONTIJEV; LURIA,
1973)

Utilizando-se do método histórico-crítico, Vygotsky empreende um


estudo original e profundo do desenvolvimento intelectual da criança, cujos
resultados demonstraram ser o desenvolvimento das funções psicointelectuais

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superiores um processo absolutamente único. A esse respeito, conclui
Vygotsky:

Todas as funções psicointelectuais superiores se apoiam de dois modos


no curso do desenvolvimento da criança: por um lado, nas atividades coletivas,
como atividades sociais, isto é, como funções interpsíquicas; por outro lado,
nas atividades individuais, como propriedades do pensamento da criança, isto
é, como funções intrapsíquicas. (VYGOTSKY, 1973, p. 160).

Do ponto de vista do conceito de aprendizagem, a importância dos


estudos de Vygotsky é inquestionável, destacando-se o seu trabalho sobre “[...]
o problema da aprendizagem do desenvolvimento intelectual na idade escolar”.
Aqui, Vygotsky critica as teorias que separam a aprendizagem do
desenvolvimento, e conclui, afirmando:

[...] não há necessidade de sublinhar que a característica essencial da


aprendizagem é que dá lugar à área do desenvolvimento potencial, isto é, faz
nascer, estimula e ativa, na criança, processos internos de desenvolvimento no
quadro das interrelações com outros que, em seguida, são absorvidas, no
curso do desenvolvimento interno, tornando-se aquisições próprias da
criança... A Aprendizagem, por isso, é um momento necessário e universal
para o desenvolvimento, na criança, daquelas características humanas não
naturais, mas formadas historicamente. (VYGOTSKY, 1973, p. 161)

A concepção de aprendizagem que resulta do confronto e da


colaboração entre essas três últimas abordagens, e das correções a que se
pode submetê-las conduz, inevitavelmente, à superação da dicotomia
transmissão X produção do saber, porque essa concepção permite resgatar:

• A unidade do conhecimento, através de uma visão da relação


sujeito/objeto, em que se afirmar, ao mesmo tempo, a objetividade do mundo e
a subjetividade, (SCHAFF, 1975) considerada como um momento individual de
internalização da objetividade;

• A realidade concreta da vida dos indivíduos, como fundamento


para toda e qualquer investigação. Nesses termos, chega-se à conclusão de

17
que as práticas pedagógicas que respeitem a concepção de aprendizagem em
foco devem apoiar-se em duas verdades fundamentais:

- A de que todo conhecimento provém da prática social e a ela retorna; -


A de que o conhecimento é um empreendimento coletivo, nenhum
conhecimento é produzido na solidão do sujeito, mesmo porque essa solidão é
impossível.

PRESTAR ATENÇÃO NA ANÁLISE DO


COMPORTAMENTO
A "atenção", seja como uma capacidade mental, como um
com-portamento ou como uma condição para um comportamento, é um termo
largamente utilizado tanto na linguagem coloquial quanto na científica. Na
literatura psicológica, seu uso é comum e refere-se, normalmente, a algum
processo cognitivo de seleção dos estímulos aos quais um organismo deve
responder. A Análise do Comporta-mento (AC), de B. F. Skinner, é uma
perspectiva psicológica que rejeita explicações cognitivas como entidades
iniciadoras do com-portamento e, portanto, rejeita a noção de que o "prestar
atenção" possa ser entendido como uma instância mental selecionadora de
estímulos. Por outro lado, Strapasson & Dittrich (2008) indicam que Skinner
atribuía grande importância ao estudo do tema, interpre-tando teoricamente
esse fenômeno em diversos momentos de sua obra. Entretanto, Skinner nunca
pesquisou empiricamente quais seriam as propriedades desse comportamento.

Este trabalho pretende analisar os usos da expressão "prestar atenção"


na literatura da AC na tentativa de avaliar a coerência en-tre as propostas de
estudo do tema desenvolvidas por analistas do comportamento inspirados em
Skinner e a filosofia que sub jaz à AC, Behaviorismo Radical. Espera-se criar,
com este texto, subsídios a serem utilizados (1) pelo professor que ensina AC
quando este é imbuído da tarefa de ensinar o que é o "prestar atenção" para
esta perspectiva e (2) pelo professor de outras áreas que precise explicar qual
é a visão da AC para o referido fenômeno.

18
A AC como disciplina científica deve avaliar as práticas de seus próprios
membros nos mesmos termos que utiliza para avaliar os comportamentos de
outrem, cientistas ou não (Hineline, 1992). Nesse sentido, a avaliação do
"prestar atenção" na AC perpassa a análise do comportamento verbal dos
próprios analistas do compor-tamento. Tal tarefa se mostra importante ao se
constatar que diver-sos autores da área utilizam a expressão "prestar atenção"
sob con-trole de eventos diferentes. Por vezes tenta-se estabelecer uma
identidade entre o "prestar atenção" e alguns processos comporta-mentais
como controle de estímulos (Skinner, 1953/1965, 1971/ 2002; Donahoe, Palmer
& Burgos, 1994; sério, et al., 2002), o que tornaria a expressão desnecessária.
Outras vezes o "prestar atenção" é considerado como um comportamento em
si mesmo, como um caso de resposta de observação (Wyckoff, 1952; Skinner,
1954/1999; 1957 /1999; 1961/1999; 1968; Shahan, et al., 2003). Há, ainda,
quem defenda que o "prestar atenção" deve ser interpretado como um
pro-cesso cerebral, não observável diretamente, ainda que, hipotetica-mente,
seja governado pelos mesmos princípios do comportamento operante aberto
(Dinsmoor, 1985).

A diversidade de interpretações disponíveis denuncia a dificul-dade da


AC em explicar os eventos tradicionalmente considerados mentais. O
desacordo entre os analistas do comportamento sobre quais relações
comportamentais estão envolvidas no fenômeno "prestar atenção" dificulta
também a comunicação entre os próprios pesquisadores e entre eles e as
comunidades científicas afins: Psi-quiatria, Neurologia etc. Neste texto, utilizar-
se-á da estratégia de reconstrução conceitual, tal como proposta por Zuriff
(1985), para avaliar o quanto as proposições conceituais presentes na literatura
da AC sobre o "prestar atenção" são coerentes com os pressupostos filosóficos
do Behaviorismo Radical.

Considerações preliminares

Como demonstraram Strapasson & Dittrich (2008), Skinner trata do


"prestar atenção" em diversos momentos de sua obra. Entretan-to, dispõe
diferentes interpretações em seus textos. A possibilidade de se encontrar uma

19
coerência interna na obra do autor foi analisada alhures (idem, ibidem). Neste
trabalho, os argumentos de Skinner serão considerados apenas na medida em
que contribuírem para a reconstrução conceitual aqui empreendida. Outra
consideração a ser explicitada é que este texto é produto de uma análise
sistemática da literatura (Strapasson, 2008), entretanto a abrangência e
estratégias metodológicas adotadas em tal revisão não serão aqui
apresentadas. Essa opção se expressa no uso seletivo da bibliografia, de modo
que se fará referência apenas às exposições mais emblemáticas dos
argumentos aventados. Caso o leitor se interesse por detalhes da revisão ou
por quais são os textos representativos de cada posição discutida, sugere-se
recorrer a Strapasson (2008).

O "prestar atenção" na AC

Os analistas do comportamento têm investigado o "prestar atenção" a


partir de três níveis diferentes de análise: (1) como equivalen-te à relação de
controle de estímulos, (2) como equivalente à respos-ta de observação e (3)
como um comportamento recorrente encoberto capaz de interferir no
estabelecimento da relação de con-trole de estímulos.

O "prestar atenção" como relação de controle de estímulos

É comum encontrar em textos de analistas do comportamento a


interpretação de que o "prestar atenção" corresponde à existência do controle
de estímulos. Sugere-se, nesse caso, que o "prestar aten-ção" não seria um
comportamento propriamente dito, mas sim uma relação de controle: “[...]
atenção não é uma forma de comporta-mento. [...] Atenção é uma relação de
controle - a relação entre uma resposta e um estímulo discriminativo. Quando
alguém está pres-tando atenção ele está sob controle especial de um estímulo"
(Skinner, 1953/1965, p.123). Reynolds (1961, p.208) corrobora essa
interpre-tação: " [...] atenção se refere à relação de controle entre os estímulos
e o responder. Um organismo atenta a um estímulo quando seu res-ponder
está sob controle daquele estímulo". Os autores que suge-rem essa
interpretação (Sério, et al. 2002) supõem que um psicólogo (ou outro sujeito
qualquer), ao atestar que um organismo presta aten-ção, está sob controle do

20
efeito diferencial que um estímulo tem so-bre o comportamento do organismo,
ou seja, ele verifica a ocorrên-cia de controle de estímulos. Nesse sentido,
praticamente todo comportamento operante envolveria o "prestar atenção" e o
termo seria desnecessário em uma ciência do comportamento.

A reivindicação pelo abandono da expressão parece seguir a mesma


lógica disposta por Skinner (1938/1991, p.6-8) quanto ao uso de termos não
comportamentais:

A maioria desses termos [os do senso comum e os de outras teorias


psicológicas] deve ser evitada na descrição científica do comportamen-to. [ ... ]
A objeção importante ao vernáculo na descrição do comporta-mento é que
muitos desses termos implicam esquemas conceituais. Isso não significa que
nós devemos abandonar completamente o discurso ordinário em uma ciência
do comportamento. O único critério para a rejeição de um termo popular é a
implicação de um sistema ou de uma formulação estendida para além das
observações imediatas.

O "prestar atenção", nessa lógica, seria um termo demasiado


comprometido com outros esquemas conceituais e deveria ser eli-minado do
vocabulário da AC em prol do uso de expressões mais descritivas, como
"controle de estímulos". Caso adotada, essa es-tratégia teria a vantagem de
garantir, sem a necessidade de recorrer a muitos condicionantes, a coerência
com a avaliação do evento den-tro de uma análise de contingências, evitando-
se recorrer a instân-cias volitivas e/ ou mentalistas (Zuriff, 1985). Outro efeito
positivo da adoção dessa estratégia é a possibilidade de o analista do
compor-tamento, mesmo sem modificar os métodos clássicos empregados em
suas pesquisas, poder reivindicar que está estudando a atenção, eliminando
assim uma eventual acusação de negligência do tema. Por fim, a pesquisa
sobre as condições necessárias para a produção de controle de estímulos
pode gerar tecnologia que permitirá a in-tervenção em situações em que é
preciso aumentar as chances de que um estímulo ganhe controle sobre o
comportamento do sujeito.

21
Por outro lado, algumas objeções podem ser levantadas contra a
eliminação do conceito de "prestar atenção" na Análise do Compor-tamento. A
primeira delas se refere ao fato de que alguns analistas do comportamento
continuaram usando a expressão "prestar atenção" para descrever relações de
controle de estímulos (Fantino & Logan, 1979; Nevin, et al., 2005) e, portanto, a
recomendação simplesmente parece não ter afetado os pesquisadores da
área. Uma segunda crítica é que Skinner abandona a postura eliminativista ao
longo de sua car-reira em favor da análise de termos psicológicos como uma
análise do comportamento verbal dos cientistas (Skinner, 1945/1984).
Nenhu-ma dessas objeções é expressiva, pois o fato de que uma
recomenda-ção não foi adotada não significa que ela não seja pertinente e o
fato de que Skinner deixou de eliminar termos de outras teorias não implica a
necessidade de outros autores fazerem o mesmo.

Outro conjunto de objeções, entretanto, tem implicações mais


significativas para a discussão do tema. A primeira delas diz respei-to à
impossibilidade da igualação do "prestar atenção" com o con-trole de estímulos
em explicar o efeito dos sistemas auxiliares de res-posta que alteram o próprio
estabelecimento de controle de estímulos

(e.g. respostas de orientação etc.). Olhar para o local onde os estí-mulos


serão dispostos é condição necessária para o estabelecimento de uma relação
de controle entre os estímulos dispostos e as respos-tas do organismo.
Seguindo esse raciocínio, é fácil supor que outras respostas equivalentes, mas
mais sutis, como diferenciar figura e fundo, possam ser tão importantes quanto
olhar para os estímulos. A segunda, derivada da primeira, se refere ao fato de
que ignorar respostas recorrentes que permitam ou melhorem o controle de
estímulos implica ignorar parte do que se pesquisa sob o rótulo de "atenção" na
Psicologia como um todo e deixa espaço para críticas de que a AC, apesar de
não negligenciar o tema, analisa-o apenas parcialmente.

"Prestar atenção" como comportamento precorrente

Uma proposição alternativa à anterior é interpretar o "prestar atenção"


como uma resposta auxiliar que estabelece ou aprimora controle de estímulos.

22
Essa proposição implica um modelo de dois estágios no estudo da "atenção":
primeiro, o organismo atenta a um estímulo ou a uma propriedade de um
estímulo e depois res-ponde apropriadamente a esse estímulo (Wyckoff, 1952,
1969; Zeaman & House, 1963; Mackintosh, 19656, 1975; Skinner, 1968;
Hamlin, 1975). O primeiro elo nessa cadeia de comportamentos, que estamos
indicando aqui como o "prestar atenção", foi concei-tuado de várias formas
(resposta de orientação, resposta de aten-ção, resposta de observação, atentar
etc.), mas essas conceituações podem ser separadas em dois grupos
diferentes: (1) Respostas de observação e (2) "Atentar". Esses agrupamentos
se aproximam ao defender a análise do fenômeno em dois estágios, mas
diferem con-ceitualmente quanto à abrangência do fenômeno e em suas
impli-cações filosóficas.

"Prestar atenção" como resposta de observação

A expressão "resposta de observação" (doravante RO) foi cunha-da por


Wyckoff (1952, p.431) para estudar o que os teóricos da apren-dizagem de
discriminação vinham chamando, à época, de predispo-sição para aprender
respostas diferenciais a um par de estímulos:

Tal predisposição vem sendo frequentemente atribuída a alguma reação


do [sujeito] como uma resposta de atentar, resposta de orienta-ção, resposta
de percepção, atividade de organização sensorial, etc. [...] vamos adotar o
termo "resposta de observação" para fazer referência a qualquer resposta que
resulta na exposição a um par de estímulos dis-criminativos. (grifo acrescido)

Wyckoff utilizou uma caixa operante para pombos na qual ani-mais eram
ensinados a responder em um disco sob um esquema misto MIX -V13/EXT que
poderia ser transformado em esquema múlti-plo com os mesmos componentes
(MULT-V13/EXT3) enquanto o animal mantivesse pressionado um pedal que
ficava próximo ao dis-co. Nesse delineamento, a emissão da RO não altera as
possibilida-des de obtenção de reforço pelo animal. Segundo Wyckoff (1952,
p.240), "em certo sentido, o sujeito não ganhava nada além de infor-mação ao
emitir a resposta de observação". A proposição de Wyckoff criou um paradigma
experimental, que posteriormente foi utilizado principalmente no estudo do

23
reforçamento condicionado (Dinsmoor, 1983a) e caracterizou claramente uma
abordagem de dois estágios no estudo do "prestar atenção".

É comum encontrar na literatura quem aponte uma identidade entre a


RO e o comportamento atentivo (Kelleher, 1958; Zearman & House, 1963),
bem como quem negue essa identificação (e.g.

Mackintosh, 19656, 197 5; Hendry, 1969; Dinsmoor, 1985): "ARO tem


sido considerada como 'comportamento atentivo', mas o papel da atenção na
percepção e aprendizagem animal certamente fica aquém do que é
exemplificado pelo comportamento aberto" (Hendry, 1969, p.23).

A dificuldade em identificar a RO com o "prestar atenção" está ligada ao


uso que se tem feito dela na pesquisa experimental. A no-ção de RO surge na
tentativa de operacionalizar a "predisposição dos sujeitos a responder
diferencialmente a um par de estímulos dis-criminativos" (Wyckoff, 1952,
p.431), de modo que a pesquisa empí-rica sobre o assunto fosse possível. Em
sua proposição original, o conceito não se limita às respostas abertas
observadas pelos pesqui-sadores, mas, na prática, os cientistas utilizam a
expressão para se referir apenas a essas respostas.4 Desse modo, a maior
parte das crí-ticas sobre a insuficiência desse conceito em explicar o "prestar
aten-ção" se dirige à reivindicação de que a RO não englobaria as respos-tas
encobertas possivelmente componentes do(s) "sistema(s) atentivo(s)" (Hendry,
1969). Mackintosh (19656) defende essa po-sição ao debater resultados
experimentais publicados por ele mes-mo em 1965 (idem, 1965a):

Se ratos são treinados em discriminações entre um retângulo hori-zontal


preto e um vertical branco, não há maneira concebível em que eles possam se
orientar para olhar para a diferença na orientação entre os estímulos sem ver a
diferença no brilho (e vice-versa). Assim, de-monstrações de atenção seletiva
entre essas dimensões decisivamente excluem qualquer interpretação em
termos de respostas de orientação. (idem, 19656, p.143)

Em vista dessa dificuldade em se identificar a noção de "prestar


atenção" com o uso comum que se dava ao conceito de RO, traba-lhos como
os de Dinsmoor (19836, 1985), Shahan, Magee & Dobberstein (2003) e Nevin,

24
Davidson & Shahan (2005), entre outros, assumem a postura de que a RO
deve ser considerada ape-nas um análogo do "prestar atenção":

Nós somos obrigados a considerar processos análogos [à observa-ção]


[...] comumente conhecidos como atenção. Os processos envolvi-dos na
atenção não são prontamente acessíveis à observação como são os
ajustamentos mais periféricos, mas é minha esperança e minha hipó-tese de
trabalho que eles obedecem a princípios similares. (Dinsmoor, 1985, p.365)

Assim, ainda que " [a noção de prestar] atenção seja usualmente


construída como um processo cognitivo, nós vemos a atenção como um
comportamento operante (possivelmente encoberto) não men-surado que
acompanha o comportamento mensurado de observa-ção" (Nevin et al., 2005,
p.281). Portanto, o "prestar atenção" se diferencia do RO na medida em que o
primeiro é encoberto e o se-gundo é aberto.

A interpretação do "prestar atenção" como RO tem como van-tagens: (1)


a identificação de ao menos um sistema auxiliar de res-postas que determina
(ainda que apenas parcialmente) o estabeleci-mento de controle de estímulos;
(2) aprimora nosso conhecimento sobre o reforçamento condicionado; (3) na
medida em que identifi-ca essas respostas auxiliares, permite o
desenvolvimento de tecnolo-gias que as prevejam e manipulem em contextos
aplicados; e ( 4) enfa-tiza o papel ativo do sujeito no estabelecimento de
controle de estímulos ( não é mais apenas a configuração/ disposição dos
estímulos ou propriedades destes que determina o controle de estímulos, o
sujeito emite respostas que interferem nesse controle). Por outro lado, ao
assumir que as ROs não representam a totalidade das respostas auxiliares
precorrentes que determinam o controle de estímulos, essa proposta parece
incompleta e adicionalmente cria a dificuldade para pesquisador de ter que
diferenciar os efeitos desses dois compo-nentes precorrentes (as ROs e o
"prestar atenção"): "do ponto de vista comportamental, nós podemos abordá-la
[a atenção] apenas indiretamente, e nós devemos enfrentar a difícil tarefa de
distinguir os efeitos comportamentais em cada instância daqueles a serem
atri-buídos a mudanças na observação" (Dinsmoor, 1985, p.365).

25
Alguns autores aproveitaram -se do fato de que o uso experimental da
noção de RO deixava parte do "prestar atenção" de fora para propor mais um
evento precorrente mediador do controle de estí-mulos. Utilizaremos o termo
"Atentar" (entre aspas e com a letra inicial maiúscula) para designar esse
evento daqui em diante.

"Atentar"

A necessidade do conceito de "Atentar" pode ser exemplificada pelo


primeiro conjunto de resultados relatados no estudo de Zeaman & House
(1963). Nesse trabalho, os autores analisaram os desem-penhos em treinos de
discriminação simultânea simples de cinquenta crianças com problemas de
desenvolvimento e perceberam gran-de variabilidade quanto ao número de
sessões necessárias para os sujeitos alcançarem o critério de discriminação
estabelecido (de dez a 150 blocos de treino distribuídos em até seis dias de
treino). Con-tudo, observou-se também que, se agrupados quanto ao número
de blocos de treino necessários para atingir o critério após o início de mudança
no desempenho, os sujeitos exibiam padrões bastante pró-ximos ( todos os
grupos melhoraram rapidamente o desempenho nos últimos dez ou vinte
blocos de treino, independentemente do número to-tal de blocos necessários).
Os grupos permaneceram tempos consi-deravelmente diferentes com
desempenhos de discriminação pró-ximos do acaso, mas uma vez que
começavam a melhorar a performance, atingiam o critério de forma
relativamente rápida. Zeaman & House (idem) interpretaram esses resultados
como sen-do efeito do comportamento de "Atentar": os sujeitos
permanece-ram" discriminando" em níveis próximos do acaso porque não
atentaram às propriedades relevantes dos estímulos na tarefa; uma vez que
aprendam a atentar a tais estímulos aprimoram seus desempe-nhos atingindo
rapidamente o critério estabelecido (idem, ibidem). Uma das principais
conclusões do estudo é que parte do que deve ser ensinado em uma tarefa de
discriminação é o "prestar atenção" aos estímulos discriminativos relevantes.

Essa proposição sobre o "prestar atenção" é também um modelo de dois


estágios na interpretação do fenômeno, entretanto difere da RO na medida em

26
que não pretende investigar empiricamente o pri-meiro elo da cadeia (o
"Atentar"). Os teóricos da "atenção" assim compreendida (Zeaman & House,
1963; Mackintosh, 1965, 1975; Hendry, 1969) recorrem a diversos
experimentos empíricos para avaliar o "prestar atenção", mas esses
experimentos não avaliam di-retamente as respostas de "atentar", apenas
inferem o primeiro elo a partir dos desempenhos obtidos.

Teorias do "Atentar" diferem da identificação do "prestar aten-ção" com o


controle de estímulos por assumirem dois estágios na explicação do
comportamento e diferem da explicação que se utiliza do conceito de RO por
não avaliarem diretamente o primeiro dos dois estágios assumidos.
Adicionalmente, é comum encontrar entre autores desse grupo o argumento de
que é vantajoso interpretar o "prestar atenção" dessa forma justamente por não
se prender aos resultados obtidos com respostas abertas como as ROs:

Não há evidências que suportem o pressuposto de que a atenção e


respostas de escolha [ou de observação] obedeçam exatamente às mes-mas
leis, e a possibilidade de alterar os parâmetros independentemente um do outro
gera explicações que abrangem uma maior variedade de dados comparativos
[entre espécies]. (Mackintosh, 19656, p. 145)

Com essa liberdade teórica pode-se indicar, por exemplo, que o "prestar
atenção" tem natureza diversa dos processos comportamen-tais operantes
(i.e., é um evento cognitivo ou neurofisiológico):

Presume-se que ROs seguem as mesmas leis [do comportamento


operante], tal como aquisição e extinção, como qualquer outra resposta,
enquanto que hipóteses [sobre o Atentar] são estados cognitivos, não
necessariamente vinculados às leis do hábito. (Zeaman & House, 1963, p.214)

Em outro momento do mesmo texto, ao avaliar os efeitos da no-vidade


(novelty) dos estímulos sobre o "prestar atenção", Zeaman & House (idem,
p.200) defendem que o "Atentar" é um processo cen-tral, possivelmente
neurofisiológico:

27
Os efeitos da novidade nos apresentam um paradoxo, que só pode ser
resolvido assumindo-se que a atenção é um processo central. [...] um estímulo
não pode ser julgado novo exceto em relação a séries ante-riores ou a um
contexto de estímulos antigos (familiar). Mas esse julga-mento deve requerer
que o sujeito mantenha algum traço, gravação ou engrama dos estímulos
prévios (familiares) para contrastar com o sinal novo presente. [...] sujeitos que
falham na discriminação por causa da intenção estão armazenando
informações sobre o estímulo em algum lugar. Atenção é, portanto, um
processo central.

O fato de teóricos que defendem as teorias do "Atentar" (não se


prenderem aos resultados obtidos com respostas observáveis e não terem a
mesma natureza dos processos comportamentais até então estudados) é
contrário, ao menos em alguns aspectos, às proposi-ções do Behaviorismo
Radical.

Skinner diferencia o Behaviorismo Radical de outros behavioris-mos,


entre outros argumentos, defendendo que não se deve ignorar os eventos que
não se pode observar ou medir (Skinner, 1963/1984). Na medida em que se
afasta do Operacionismo Clássico e do Positivismo Lógico, Skinner permite e
incentiva o uso da inferência como recurso legítimo da ciência em geral e da
AC em particular (Skinner, 1984; Dittrich et al., 2009 ); contudo, usa uma
concepção específica de infe-rência: "eu a definiria como o uso de termos e
princípios científicos para falar de fatos sobre os quais se sabe muito pouco
para tornar pos-síveis a previsão e o controle" (Skinner, 1984, p.578), e alerta
para os perigos de se inferir sem tomar os resultados experimentais
conheci-dos como base última da interpretação (idem, 1953/1965). Se Skinner
concebe que a inferência sobre os eventos privados deve ser baseada nos
resultados experimentais obtidos até o momento, é possível argu-mentar que,
para ele, assumir a postura "não há motivos para se infe-rir que os eventos
inobserváveis têm natureza diferente dos eventos observáveis" (postura
semelhante à de Dinsmoor, 198 5) seria preferí-vel em relação à postura "não
há motivos para se assumir que os even-tos encobertos seguem as mesmas
leis dos comportamentos abertos", como parece ser a posição de Mackintosh (

28
1965b ), por exemplo. Ob-viamente, a posição de Dinsmoor (1985) de que o
"Atentar" segue as mesmas leis do comportamento operante também é uma
inferência, mas é uma inferência muito mais próxima daquela defendida por
Skinner (1971/2002, p.22-3), afinal:

Muitas vezes referimo-nos a coisas que não podemos observar ou medir


com a precisão demandada por uma análise científica, e, ao fazê-lo, há muito a
se ganhar ao usar termos e princípios que foram forjados em condições mais
precisas.

Quanto ao assumir que o "Atentar" é necessariamente um pro-cesso


central (i.e. neurofisiológico), os argumentos apresentados por Zeaman &
House (1963) parecem refletir séria incompreensão das propostas
behavioristas radicais. Se o fato de os organismos respon-derem
diferencialmente a certos estímulos que foram apresentados no passado, mas
não estão presentes na situação atual, fosse prova da existência de uma
unidade conceitual como engrama ou repre-sentação, a AC não teria o que
dizer sobre o fenômeno da memória sem recorrer à neurofisiologia, o que, não
obstante, ela faz com fre-quência. Para a AC, um organismo que passou por
certa experiên-cia com um determinado estímulo teve seu comportamento
modifi-cado pelo papel que esse estímulo desempenhou naquele ambiente
(seja como reforçador, como contextos etc.). O que resulta dessa interação é
um organismo modificado que reagirá diferentemente caso venha a ser exposto
a um ambiente parecido no futuro. Não é necessário assumir um "julgamento
interno" do estímulo que avalie se ele é novo ou familiar. O organismo reage
diferencialmente a ele

porque foi ( ou não) exposto a contingências que o tornaram impor-tante.


Os detalhes sobre como o organismo é modificado não são de competência da
AC, apenas disciplinas como a Fisiologia e a Bio-química têm os métodos
adequados para descrever esse fenômeno. Contudo, a AC pode perfeitamente
prescindir desses métodos e con-tinuar a prever e controlar o comportamento
dos organismos. Nesse caso específico, é necessário apenas conhecer a
história que o orga-nismo tem em relação ao estímulo de interesse.

29
Uma síntese possível da reconstrução conceituai

De modo geral, parece que restam duas opções ao analista do


comportamento quando tenta conceituar o "prestar atenção": ou (1) ele segue
uma postura "eliminativista" e assume que, havendo um termo menos
carregado historicamente de características mentalistas (i.e. controle de
estímulos), a expressão "prestar atenção" não é neces-sária e deve ser
evitada, ou (2) ele segue uma postura mais "compre-ensiva" e conceitua o
"prestar atenção" como um sistema complexo de comportamentos que pode
ser analisado em vários níveis, como a verificação da presença de controle de
estímulos ou o estudo de com-portamentos precorrentes, sejam eles
encadeados ou ROs, mas que interfiram no controle diferencial exercido por
um estímulo. A dife-rença nas duas proposições pode ser interpretada como
uma diferença na abrangência da classe de respostas a que se refere a
expressão "prestar atenção" (Strapasson & Dittrich, 2008), contudo a
coexis-tência das duas proposições não resolve o principal problema da
pes-quisa sobre o tema, a multiplicidade de sentidos em que a expressão é
utilizada. É necessário, portanto, avaliar os benefícios alcançados com cada
uma das formas de abordar o "prestar atenção" e, eventual-mente, optar por
uma delas.

Assumir a primeira postura evita os sistemas conceituais comu-mente


associados à expressão "prestar atenção" na literatura psico-lógica ampla e no
senso comum, e é coerente com a prática skinneriana de se abandonar os
termos que carregam esses esque, mas conceituais, retomando-os apenas
quando justificativas siste-máticas tiverem sido obtidas (Skinner, 1938/1991).
Entretanto, o fato de os estudos experimentais ainda não terem conseguido
acessar diretamente os eventos (até o momento) encobertos considerados
como influentes no estabelecimento de controle de estímulos, pode ser
indicado como uma justificativa para a permanência da expres-são. Com efeito,
para se alcançar plenamente os benefícios dessa postura, seria necessário
substituir a expressão "prestar atenção" pela expressão "comportamento
precorrente", pois só assim a AC pode-ria descrever os fenômenos sob esse
rótulo apenas com termos pró-prios, desvinculados dos problemáticos

30
esquemas conceituais diver-gentes. Essa é uma postura legítima na AC, mas
pode contribuir com o que Krantz (1971) indicava como isolamento da AC da
Psi-cologia como um todo e a dificuldade cada vez maior de comunica-ção
entre a AC e áreas afins (ver debate no JEAB, v.60, de 1993, sobre a
possibilidade de a AC se reaproximar da Psicologia sem abrir mão de suas
características fundamentais).

Assumir a segunda postura, apesar de exigir do pesquisador que


clarifique o sentido em que usa a expressão "prestar atenção" (para não ser
acusado de recorrer a instâncias mentalistas), se aproxima mais da
interpretação, a qual se sugeriu ser a de Skinner (Strapasson & Dittrich, 2008),
de que o "prestar atenção" pode ser avaliado em vários níveis de análise. Essa
postura também é plenamente legíti-ma no Behaviorismo Radical, uma vez que
não inclui nenhum evento mentalista, mediador ou iniciador do comportamento
de "prestar atenção". Além disso, em se tratando de uma tradução conceitual
dessa expressão, as consequências úteis de uma tradução poderão ser mais
amplamente alcançadas (Strapasson et al., 2007), especial-mente as
consequências políticas de maior disseminação das pro-postas da AC e a
consequente melhor comunicação entre esta e dis-ciplinas afins.

Sendo as duas propostas compatíveis com a AC, na medida em que


uma prescrição política possa ser indicada como critério de es-colha entre as
duas proposições, dever-se-ia optar pela segunda em prol da sobrevivência da
AC enquanto prática cultural.

INSTITUIÇÕES ESCOLARES, PROBLEMAS DE


APRENDIZAGEM E ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO
E ATUAÇÃO PSICOPEDAGÓGICAS
No Brasil das desigualdades, algumas pessoas conseguem
beneficiarem-se pelas boas condições proporcionadas pelos pais, mas muitos,
entretanto, são desavantajados, vivendo desagregação familiar, desemprego,
subnutrição, falta de acesso a cultura, exposição à violência, baixa autoestima,
drogadização e outros. É ai que se encontram muitos dos preconceitos,

31
gerados pela ignorância e pela incapacidade de compreender e aceitar as
diferenças individuais. Estas, não deveriam ser negligenciadas pelas famílias,
escolas e sociedade, mas são verificadas na falta de preparação, apoio e
suporte aos professores para lidar com a diversidade de alunos presentes nas
escolas. No caso das repetências e abandono escolar, podendo-se caracterizar
a falência do ensinar. As tradicionais ciências educacionais como a Pedagogia
e a Psicologia, têm se mostrado insuficientes para resolver os novos problemas
de aprendizagem que circundam as instituições educacionais, do ensino
fundamental ao superior, daí a necessidade de um novo profissional, o
psicopedagogo, este, encarregado de estudar e entender os problemas
relacionados à aprendizagem e seu entorno. A falta de conhecimento acerca
da real problemático da educação, por pessoas envolvidas com a questão,
conduz muitas vezes a ações inadequadas e insuficientes, sendo isto aplicável
ao cotidiano das instituições que diretamente estão envolvidas no atendimento
de alunos com dificuldades de aprendizagem. Para tanto, não se pode falar em
aprendizagem sem considerar todos os aspectos relevantes na vida do sujeito
que se relaciona e troca a partir da formação de vínculos afetivos e cognitivos.

Sem um progresso acelerado na direção de uma educação para todos,


prevista em lei, milhões de crianças continuarão sem acesso ao ensino
primário, outros milhões de adultos permanecerão analfabetos, demonstrando
assim, a fragilidade do sistema educacional brasileiro e que a qualidade da
aprendizagem e da aquisição de valores e habilidades humanas apresenta-se,
longe das aspirações e das necessidades dos indivíduos e sociedades. O que
ocorre, em algumas escolas, é a transmissão de conhecimentos de forma
homogênea, ignorando-se a diversidade humana, as diferenças individuais e
sociais, os diferentes ritmos de aprendizagem, as histórias, as origens, enfim, a
singularidade, a heterogeneidade. Faz-se necessário, então, repensar qual é a
real função das escolas, que concepção de aprendizagem permeia as práticas
pedagógicas dos professores, como intervirem nessa relação e como reverter à
situação em que essas práticas se apresentam como excludentes.

Cabe salientar que a exclusão dos diferentes não se dá apenas no


contexto escolar, mas também nas relações sociais e profissionais. A

32
aceleração das mudanças tecnológicas, as transformações na organização do
trabalho e a gestão dos recursos humanos têm provocado um grande impacto
na demanda da qualificação nos diversos setores da economia. Com base na
abordagem mencionada, compreende-se o processo de aprendizagem e
desenvolvimento como um processo interativo, de troca de aquisições,
respeitando os diferentes ritmos e as diferentes realidades explícitas no ser
humano, com comportamentos que precisam ser estudados, entendidos e
aceitos pelo educador. Faz-se vital que compreendamos como educadores que
temos certas ambiguidades que só poderão ser compreendidas, quando
analisadas à luz das situações vividas no dia a dia do aluno. Somos um
conjunto integrado de visões de mundo, formados por herança genética;
completados por relações com familiares e amigos; influenciados por pessoas
que, ao se apresentarem em nosso mundo, nos ajudam a moldar ações e
comportamentos; por influência de grupos de referência, que nos fornecem
subsídios e ajudam na construção de nossos paradigmas. O educador deve
então, estar consciente das diversas dimensões que estão presentes no
comportamento do aluno e, principalmente, no seu próprio. Portanto, a partir da
reflexão sobre como “eu” educador sinto e reajo aos efeitos do processo de
aprendizagem e, principalmente, do relacionamento interpessoal, aluno-
professor-colegas, é que pode-se ter insights de como conduzir o aluno ao
aprendizado harmônico.

Segundo Rubem Alves:

Educar é desinstalar. O educador não é aquele que reproduz os


sermões prontos e acabados, mas aquele que desperta consciência, motiva
para existência. Diz ainda: o educador fala com o corpo. É no corpo de cada
educador e de cada educando que estão escritas suas histórias. Daí a
necessidade de lê-lo constantemente, uma situação de permanente interação.
E continua afirmando: o corpo é o primeiro livro que devemos descobrir, por
isso é preciso reaprender a linguagem do amor, das coisas belas e das coisas
boas, para que o corpo de levante e se disponha a lutar (apud GADOTTI, 1987,
p. 49).

33
PSICOPEDAGOGIA ESCOLAR

A escola é a parte central da vida de toda criança ou jovem que tem a


oportunidade de frequentá-la. Para alunos que tem dificuldade de
aprendizagem, a vida escolar pode ser bem dura e muitas vezes frustrante.
Quase todos os alunos pertencentes a estes problemas, têm sentimentos de
incompetência e inadequação, que nestes casos incorporam o fracasso
crônico, a baixa autoestima e o stress, sendo difícil, mas necessário, acreditar
que esses alunos, que parecem abatidos, desmotivados, agitados e por vezes
agressivos, tenham alguma promessa de sucesso. É necessário um
profissional que conheça a problemática enfrentada pelo aluno, estratégias de
intervenção, experiências técnicas e atividades motivadoras para que haja uma
mudança nas ações desses alunos. A ajuda, na maioria dos casos, implica na
individualização do ensino e um trabalho colaborativo por parte dos
profissionais da educação e de um plano de trabalho conjunto, uma equipe
multidisciplinar.

Segundo Bossa (2000), a psicopedagogia se ocupa da aprendizagem


humana, que adveio de uma demanda: o problema de aprendizagem, colocado
num território pouco explorado, situado além dos limites da psicologia e da
pedagogia. A psicopedagogia tenta descobrir um caminho para que alunos e
professores possam atingir suas verdadeiras potencialidades. Hoje, tem-se a
certeza de que os educadores, trabalhando em conjunto, têm condições de
promover o sucesso e quebrar o ciclo do fracasso. Para atingir esse objetivo é
fundamental o trabalho de vários profissionais: professor: responsável por
cuidar do ensino em sala de aula; psicólogo: responsável por cuidar dos
problemas emocionais; psicopedagogo: responsável em saber como se
aprende, por que não se aprende, como se ensina e porque não se consegue
ensinar; fonoaudiólogo: cuida das dificuldades da fala; fisioterapeuta: trabalha
as dificuldades físicas e motoras; médico: trabalha as patologias; entre outros.
Essa equipe profissional ocupa diferentes posições em diversos momentos do
processo de avaliação e diagnóstico, sempre visando derrubar as barreiras que
impedem o sucesso escolar.

34
A psicopedagogia tem um caráter preventivo, questionando o porquê do
fracasso escolar, do não aprender, do aprender diferente, numa visão
multidimensional e terapêutica, não só do indivíduo, como também, num
caráter mais totalizante, das instituições de ensino. A psicopedagogia, embora
sendo uma nova área de conhecimento, tem tido avanços relevantes nos
estudos dos problemas de aprendizagem. Sua prática está voltada à prevenção
dos problemas escolares, à terapêutica dos problemas de aprendizagem e à
pesquisa psicopedagógica.

PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM

Cada dia ouve-se mais falar em multidisciplinaridades. Um saber em


constante mutação, em razão do dinamismo e das constantes alterações do
mundo escolar, relacionadas às mudanças socioeconômicas e culturais que
atingem as comunidades escolares. A problemática da aprendizagem escolar
está neste momento merecendo a atenção e preocupação de pais e
professores.

OS PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM SÃO ABORDADOS EM TRÊS


NÍVEIS:

Nas Deficiências de Aprendizagem

São aquelas pessoas que possuem incapacidade intelectual;

Nas Dificuldades de Aprendizagem

São aquelas pessoas com capacidade cognitiva média ou acima da


média, mas apresentam resultados insuficientes na aprendizagem, relativo ao
meio, emocional, relacionamento, privação cultural ou ainda problemas
sensoriais perturbadores da recepção da mensagem;

Nos Distúrbios de Aprendizagem

São operações neuropsicológicas manifestando-se em uma ou mais


habilidades, como transtornos de leitura, tradicionalmente chamados de
“dislexia”; de escrita, conhecido como “disgrafia”; e “disortográfica”; e de
matemática, conhecidos como “discalculia”.

35
A psicopedagogia busca uma compreensão mais integradora dos
problemas de aprendizagem. Atualmente podemos distinguir, pelo menos,
quatro enfoques psicopedagógicos diferentes referentes ao estudo e à
intervenção dos problemas de aprendizagem: o enfoque ecológico, ligado às
alterações pedagógicas e institucionais, incluindo o enfoque sócio-histórico-
cultural, contribuições baseadas em Luria e Vygotsky; o enfoque
neuropsicológico, integrando as contribuições da Neurologia e Psicologia; o
enfoque cognitivo, ligado à aprendizagem de cada sistema conceitual,
preocupando-se com a psicogênese dos sistemas com os quais estamos
atuando; o enfoque condutal, voltado às mudanças na conduta.

O El fracasso escolar se produze por variados motivos, siendo causado


la mayoria de las veces por agentes causantes de fracaso escolar: factores
biológicos, psicopatológicos, pedagógicos y socioculturales. Los biológicos y
psicopatológicos son de tipo personal. Los pedagógicos e socioculturales
dependen fundamentalmente de factores exógenos que actúan sobre el niño
(PEREZ, 1989, p. 37).

Os fatores etiológicos dos problemas de aprendizagem derivam da


interação entre a hereditariedade e o meio, resultando num déficit integrado e
cumulativo. Assim, os problemas só podem ser tratados aprofundando-se os
estudos sociais, com o auxílio dos estudos dos fatores patogênicos do
desenvolvimento, de um estudo interdisciplinar e um estudo interdisciplinar
integrado.

Os fatores etiológicos podem ter influências ligadas aos fatores:


emocionais, visuespaciais, auditivos, motores, conceituais; as causas formais:
padrões de maturação herdados ou adquiridos, fatores fisiológicos, saúde e
nutrição, envolvimento físico; causas materiais: hormonais, disfunção
neurológica e fisiológica, distúrbios motivacionais e emocionais, pobreza de
linguagem e desconhecimento; causas originais; genes dos pais,
acontecimentos perinatais, doenças e acidentes com lesões cerebrais
(Bannatyne, apud FONSECA, 1995, p.10).

APRENDER

36
Aprender envolve processos complexos e interativos, nos quais
vários componentes genéticos, neurológicos, psicológicos, educacionais e
sociais se inter-relacionam. A aprendizagem é uma função do cérebro, e uma
resultante de complexas operações neurofisiológicas. Portanto, o indivíduo e
seu sucesso escolar estão na base de todo esse trabalho. Indivíduos com
problemas de aprendizagem geralmente possuem inteligência normal ou acima
da média, porém não atingem um nível acadêmico semelhante ao de seus
colegas, apresentando um desempenho acadêmico mais fraco, principalmente
no que diz respeito à leitura, escrita e matemática. Os problemas são
normalmente encontrados na memória, na metacognição e nas habilidades
sociais e de comportamento. Analisemos algumas destas áreas:

Linguagem

A linguagem aparece de diversas formas: oral, ler e escrever. Elas estão


todas interligadas no sistema de linguagem. A aprendizagem destas formas
também acontece de maneira sequencial, começando pelo ouvir, falar, ler e
escrever. Cada uma destas aprendizagens são pré-requisitos para as outras.

Linguagem Oral

Consciência fonológica, mais conhecida como a capacidade de


reconhecer que as palavras são feitas de elementos de som, chamados de
fonemas. Problemas nesta linguagem podem ser encontrados no atraso do
começar a falar e na dificuldade da aquisição de vocabulário, na compreensão
do significado das palavras e na desordem na formação de frases. Estudos
demonstram que crianças que apresentam problemas na linguagem oral na
pré-escola muitas vezes apresentam dificuldades em outras formas de
linguagem, tanto na leitura como na escrita.

Leitura

Problemas de aprendizagem na leitura têm efeitos em todos os


aspectos da vida da pessoa, afetando desde os primeiros anos da vida escolar
até os estágios subsequente, pois para a aprendizagem de todos os

37
conteúdos, sejam eles ou não, a leitura é fundamental e requisito para
exercício pleno da cidadania.

Segundo Fonseca, “Aprender a ler exige não só uma maturação de


estruturas de comportamento como também uma aprendizagem prévia que
possibilite à criança o prazer dessas experiências” (1995, p.108).

Indivíduos que possuem problemas de aprendizagem na leitura


normalmente possuem dificuldades no reconhecimento das palavras, omitindo
sons e letras, fazendo inserções, substituições e reversões, ou na
compreensão, apresentando dificuldades para lembrar, sequenciar e discernir
fatos básicos, ideias principais ou temas centrais. Além dessas, podem ainda
apresentar outras como não conseguir acompanhar a leitura, problemas de
fixação dos olhos na linha que está sendo lida ou ler sem ritmo e de maneira
entrecortada, dificultando a compreensão.

O problema de leitura que persiste a diferentes intervenções


pedagógicas pode ser diagnosticado como dislexia, tipo de disfunção cerebral
detectada por meio de exames neurológicos. A dislexia também pode ser
herdada, ou seja, tem caráter genético. Durante a infância, crianças com
dislexia têm dificuldades com a aquisição da fala. Na escola, apresentam
extrema dificuldade em reconhecer letras, palavras e em interpretar textos.

Escrita

A linguagem escrita é a mais alta e a mais complexa forma de


comunicação. É a última a ser aprendida e é com ela que integramos a
aprendizagem prévia e as experiências de ouvir, falar e ler. A falta de facilidade
em expressar ideias pela escrita talvez seja a mais comum das dificuldades na
área da linguagem.

Os alunos com aprendizagem na linguagem escrita apresentam


dificuldades que vão desde a caligrafia, a ortografia, a estruturação da frase, o
uso de vocabulário, o volume de informação produzido e a organização das
ideias. Às vezes, as dificuldades apresentam-se em apenas uma dessas áreas.

38
Muitos indivíduos com problemas na leitura também apresentam na
escrita, visto que são áreas interligadas. Assim como na leitura, os problemas
na escrita atingem toda vida acadêmica do indivíduo. Por exemplo, alunos com
problemas na linguagem escrita podem entender os conceitos estudados em
ciências e estudos sociais, mas não conseguem expressar essa compreensão
num projeto escrito ou numa redação. Podem também participar ativamente em
discussões em grupo e da realização de uma tarefa escolar, porém ao escrever
sobre o assunto não apresentam clareza e realização.

Matemática

A matemática é considerada uma linguagem universal. É uma


linguagem simbólica que permite aos homens pensar, anotar e comunicar
ideias que dizem respeito aos elementos e às relações de qualidade. Para
muitos indivíduos com problemas de aprendizagem, a matemática é a área que
mais apresenta complicações, que podem se manifestar nas dificuldades de
diferenciar os números e copiar formas, ou seja, uma percepção visual
deficiente; recordar tabuadas que estão diretamente ligadas à memória;
escrever números em ordem observando o alinhamento, dependendo das
funções motoras fracas; e relacionar termos matemáticos e definições, que
buscam a compreensão do vocabulário matemático. Outras dificuldades podem
aparecer no pensamento abstrato, identificado nas resoluções de problemas e
comparações; e na metacognição, que significa a identificação, uso e
monitoramento da linguagem matemática.

Memória

A declaração de que crianças que não são bem-sucedidas na vida


acadêmica têm” memória fraca” é reconhecida há muito tempo. A
psicopedagogia, a psicologia e a neurologia estão cada vez mais direcionadas
as pesquisas e aos mecanismos humanos da memória. A memória é uma parte
essencial do processo de aprendizagem que corresponde à aquisição, fixação,
evocação e reconhecimento de informações resultantes da percepção e
aprendizagem. Existem basicamente três estágios na memória:

Recepção

39
Refere-se à codificação e preparo da informação para o
armazenamento.

Depósito

Reconhecido por guardar todas as informações que entram nas


sensações. Existe um depósito sensorial diferente para cada tipo de sensação.
Mantém a informação crua.

Evocação

Processo pelo qual nos lembramos dos conhecimentos


armazenados. Estes são utilizados mentalmente através da cognição, emoção
ou comportamento. Algumas pessoas apresentam dificuldades em processar
informações de maneira que esta possa ser depositada na memória de longa
duração. Um exemplo disso são os alunos com dificuldades que irão estudar
lendo diferentes capítulos de livros repetitivamente, o que por vezes é
absolutamente ineficaz. Consequentemente, dificuldades na memória de curto
prazo não chegam à memória de longo prazo, pois a informação que não foi
bem recebida e depositada será dificilmente encontrada em tempo e de
maneira organizada.

Metacognição

Define-se metacognição como o conhecimento que o sujeito tem sobre


seu próprio conhecimento, quase como um sétimo sentido, que têm
contribuído, gradualmente, para uma melhor identificação e explicitação dos
conceitos. A metacognição pode ser considerada também como impressões,
sentimentos ou percepções conscientes que podem ocorrer antes, durante e
após um empreendimento cognitivo.

Subjacente, à metacognição estão às variáveis interindividuais,


interindividuais e universais. O conhecimento interindividual, remete para o
conhecimento que o sujeito tem de si próprio, de suas competências,
possibilidades e limitações enquanto ser cognitivo; o conhecimento
interindividual, refere-se ao conhecimento e as diferenças entre o próprio

40
sujeito e os outros; o universal, diz respeito ao conhecimento que é comum
numa determinada cultura.

Metacognição é o processo pelo qual a pessoa busca um


autoconhecimento sobre como aprende, quais são suas metas e quais as
melhores estratégias a serem utilizadas para alcançá-las. Para uma
aprendizagem eficaz é necessário que o aluno controle seus próprios
processos. É uma das melhores maneiras de aprender a aprender (OLIVEIRA,
2001, p.35).

CARACTERÍSTICAS SOCIAIS E DE COMPORTAMENTO


Estudantes com problemas de aprendizagem podem apresentar
problemas também na esfera da sociabilidade, da motivação e do
comportamento. Algumas parecem não ter competência para prever
consequências por suas ações, não sabem interpretar situações que exigem
uma postura ou comportamento diferente e não conseguem adaptar suas
atitudes a essas situações. Muitas vezes, são isolados ou rejeitados por
colegas. Esses problemas aliados aos da dificuldade na aprendizagem, levam
a uma baixa autoestima, que acompanhará o indivíduo até a vida adulta. O fato
de conseguirem acompanhar o ritmo ou a aprendizagem a que está
acontecendo gera uma frustração que os levará a tomarem atitudes
indesejadas na sala de aula, sofrendo, então, de dupla frustração: a da não
aprendizagem e a da não aceitação pelo grupo.

Pais e professores notam que o aluno com problema de aprendizagem,


não possui motivação nas atividades escolares, consequência do fracasso
vivenciado em sala de aula, que leva à sensação de não ter nenhum controle
da situação. Desaparecem então à vontade e a coragem de tentar, que se
apresenta como uma alavanca positiva para a execução do trabalho.

PROBLEMAS DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE


Na sala de aula, estudantes com problemas de atenção constituem um
grupo bastante diverso e, por vezes, esses problemas não são percebidos nem
diagnosticados pelos profissionais atuantes na educação. Existe uma grande
variação de tipo, grau e de manifestações desses sintomas, que podem

41
desenvolver uma aprendizagem escolar fraca ou inconsistente no dia a dia. A
maioria dos alunos com dificuldades de aprendizagem apresentam problemas
de foco, fixação da atenção, desatenção, impulsividade, hiperatividade e
outros. Nem todos os alunos com dificuldades de aprendizagem apresentam as
mesmas características, algumas delas se parecem com aprendizagens
normais, sendo por vezes mais difícil o diagnóstico na adolescência.

O problema de atenção acompanhado de hiperatividade, além de ter


consequências mais negativas na aprendizagem, provoca uma reação adversa
a professores e colegas, podendo se estender na vida social diária. É parte da
conduta desses alunos fazer interrupções indevidas ao professor e aos
colegas. O constante brincar, atrapalhar, implicar que levam a situações de
confronto. Punir ou ignorar tais comportamentos apenas os intensificam.
Quanto mais cedo forem diagnosticados, mais chances de recuperação e
melhor para o aluno acometido, que terá mais chances de superar essas
dificuldades.

Não se sabe com certeza as causas dos problemas de aprendizagem,


que parecem cada vez mais estarem se manifestando nas salas de aula. Há
evidencias de que o uso de álcool e drogas na gestação; aliados à
desestruturação familiar e a violência; a causas genéticas e neurológicas; e a
causas ambientais como a pobreza e desnutrição, tenham contribuído para
esse elevado número de crianças diagnosticadas.

ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO E ATUAÇÃO


PSICOPEDAGÓGICAS
A maior necessidade nos dias de hoje nas escolas é que se produza
uma educação de qualidade para todas as crianças, respeitando as diferenças
individuais de cada uma delas, criando, um ambiente de proteção e harmonia.
A chamada segregação dentro da escola, seja ela de que forma for, é um dos
grandes males da sociedade moderna e, infelizmente a escola é uma da
propagadora desses padrões de exclusão. Lembrando que quando se fala em
escola, estão nela inseridos a direção, o corpo docente e discente e os
funcionários de apoio, pois todos têm um papel importante nessa situação. Não

42
é raro, ouvirmos definições de professores, sobre os alunos que aqui,
chamaremos de minoria como: “difíceis”, “burros”, “atrasados”, “errados”, e
assim por diante. Essa postura do professor contagia sua prática educativa e
reflete-se em suas atitudes e, dessa maneira, cria um clima propício para uma
discriminação silenciosa e insidiosa, criadora de muitos problemas de
insucesso escolar.

Pesquisas demonstram que a comunicação entre professores e alunos


de classes sociais desfavorecidas tem características predominantemente
controladoras de comportamento e com caráter disciplinar, enquanto para os
alunos de classes mais privilegiadas essa comunicação baseia-se mais
uniformemente na criação de competências dentro dos currículos das
diferentes disciplinas.

A PSICOPEDAGOGIA CLÍNICA
Desenha experiências de aprendizagem para as necessidades únicas
de um aluno em particular. Utilizando-se de toda a informação obtida no
processo de avaliação e de diagnóstico e analisando as características
específicas das aprendizagens e não aprendizagens e, seus possíveis
problemas. O psicopedagogo prepara um programa especial de ensino,
abrangente, dinâmico e móvel, que está sempre sendo feito e refeito. A cada
etapa é analisado, avaliado e redesenhado, com o objetivo de suprir as
dificuldades apresentadas.

Através da observação, o psicopedagogo clínico valoriza o que o aluno


“sabe fazer” e, não aquilo que ele “não sabe fazer”. Ao registrar os erros
cometidos pelo estudante, o psicopedagogo avalia seu nível de
desenvolvimento, sua maneira de pensar, seu raciocínio, seu estilo de
aprendizagem e, a partir daí traça uma estratégia de intervenção que irá se
modificando constantemente, de acordo com as transformações necessárias. O
psicopedagogo deve compreender que uma dificuldade de aprendizagem
influencia em muitos aspectos da vida do estudante. Está comprovado que o
sucesso na aprendizagem tem efeitos benéficos na personalidade, na

43
autoestima e incentiva positivamente o interesse do aprender. Para que a
atuação do psicopedagogo tenha bons resultados é importante:

Sintonia

Uma boa relação entre o psicopedagogo e o estudante é essencial para


uma terapia educacional. Compreensão, total aceitação e respeito pelo aluno
sem nenhuma restrição são pontos de partida fundamentais;

Colaboração

O aluno e o psicopedagogo devem juntos buscar soluções, criando um


clima de parceria e conquistas tão necessárias no momento.

Estrutura

O limite é um ponto fundamental para solucionar problemas de


aprendizagem, por vezes necessários em meio ao caos estalado na vida do
aluno, sendo facilmente alcançado devido à rotina de atividades e na execução
do planejamento proposto.

Sinceridade

Elogios sinceros tornam-se extremamente necessários. A criança com


problemas de aprendizagem precisa de um preparo da autoestima, assim se
auto impulsiona para o progresso da aprendizagem. Através do elogio, cria-se
um vínculo imprescindível para o estabelecimento da confiança.

Sucesso

Atingir objetivos adquirindo um sentimento de sucesso é de suma


importância para os estudantes com problemas de aprendizagem. Isso significa
que o material pedagógico escolhido deve estar em um nível de dificuldade que
permita completá-lo com sucesso. Materiais visuais de demonstrem o
crescimento do aluno com escalas, diagramas e outros, que transformem esse
sucesso em imagens concretas, que são mais facilmente interiorizadas.

Interesse

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Importante utilizar-se de material baseado no interesse pessoal do
estudante, aumentando assim as chances de que ele seja bem-sucedido. Esse
interesse é descoberto através de conversas informais, podendo ser adaptado
ao material pedagógico, utilizado com estratégia, seja ele de leitura, escrita ou
de matemática.

PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL
Por mais desgastada que esteja à imagem do professor educador, ainda
é ele, a variável mais importante no processo de aprendizagem. Sugerem
alguns pesquisadores da educação que o termo problema de aprendizagem
seja substituído por problemas de ensino. Geralmente os professores não
estão preparados para trabalhar com alunos atípicos. Assoberbados pelas
numerosas tarefas de classe e pela intensa carga horária que cumprem, não
lhes é permitida uma supervisão específicas das dificuldades apresentadas
pelos estudantes.

A psicopedagogia é uma ajuda fundamental a alunos e


professores, para que a quebra desse ciclo de insucesso e repetência escolar
aconteça. Se trabalhada de forma integrada na escola, a psicopedagogia
contribuirá significativamente no processo de resgate e desenvolvimento da
aprendizagem do estudante. Igualmente, poderá desenvolver práticas
metodológicas de ensino com professores, criando um clima de
assessoramento junto aos problemas de ensinagem. Desta forma podemos
dizer que a psicopedagogia trabalha as dificuldades de “aprendizagem” e as
dificuldades de “ensinagem”. Mas a atuação do psicopedagogo não se
restringe à área escolar. Ela abrange todas as instituições que lidam com
aprendizagem, através do que chamamos de consultoria colaborativa, que é
aplicada na área institucional para indivíduos ou grupos de acordo com os
problemas apresentados.

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