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Malcolm Gladwell

A CHAVE DO SUCESSO

2.'ed4áo

Tradução de

José Couto Nogueira


Título:.4 Cbaoe do Sucesso
Título original: Tbe TippingPoint
O 2000, Malcolm Gladwell
@ 2007, Publicações Dom Quixote

Tradução: José Couto Nogueira


Revisão: Clara Boléo

Capa: Rui Rosa


Fotografia do autor: @ Dan Callister/Alamy/Fotobanco.pt
D es i gn: Atdier Henrique Cayatte
Este livro foi composto em Rongel, fonte tipogrâfrc
deseúada por Mário Feliciano
Paginação: Maria da Graça Manta
Impressão e acabamento: Guide - Artes Gráficas

1." edição: Maio de 2007


2." edição: Maio de 2018 (reimpressão)
ISBN: 978-972- 20 -)05 5 -7

Depósito legal n." 2r8 lr8/07

Publicações Dom Quixote


lUma editora do Grupo Leyal
Rua Cidade de Córdova, n.'2
2610-03 8 AlÍragide-Portugal

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor


ÍNorcr

Introdução u

1. fu três regras de epidemiologia z3

2. A lei dos poucos: Comunicadores, Peritos e Vende-


dores 37

3. O factor de aderência: P«ra Sésamo, Pistas ila Blue e o


vírus educacional s.

4. O poder do contexto (Primeira pane): Bernie Goetz e a


ascensão e queda da delinquência emNova Iorque r33

5. O poder do contexto (Segunda parte): Cento e cin-


quenta, o número mâgjco «7

6. Um caso paradigmático: boatos, meakcrse o poder da


tradu$o rae

7. Outro caso paradigmático: suicídio, tabagismo e a


procure do cigarro não aderent€ zrr

8. Conclusão: Concentre-se, elperimente e acredite ,a5

Notas finais ,53


Agradecimentos 269

9
TNTRODUçAO

Para os Hush Puppies - os sÍrpatos clássicos americanos de ca-


murça escovada com solas de crepe muito leves - o Ponto de Vira-
gem chegou algures entre o final de 1994 e o princípio de 1995. Até
essa alnrra a marca estava praticemente morta. As vendas andavam
pelos uina milpares poreno, principalmente em centros comer-
ciais do fim do mundo e loias familiares em cidades pequenas.
Wolverine, â empÍesâ que fabrica os Hush Puppies, estevo a penseÍ
acabar com os sapetos que lhe tinham dado fama. Foi então que
acontectu a§o de estranho. Numa sessão de fotografia de moda,
dois exectrtivos dos Hush Puppies - Owen Baxter e Geoffrey I-ewis -
aonheceram um estilista de Nova Iorque e este disse-lhes que os
Hush Puppies clássicos de repente se tinham tornado moda nos
clubes nocturnos e bares da Baixa de Manhattan.
- Disseram-nos que havia §as noVillage, no Soho, onde havia
os sapatos àvenda - recnrda Ba:rter. -As pessoas endavam à procrra
das pequenas loias familiares que ainda os tiúam.
Ao princípio Ba:rter e lrwis ficaram surpreendidos. Para eles
nía fazia sentido que uns sapatos que estavam tão obüamente
fora de moda pudessemvoltara fazersucesso.
- Disseram-nos que o próprio Isaac Mizrahi os usâva - conte
Lewis. - Acho que devo acrescentar que na altura não fazíamos ideia
quem fosse Isaac Mizrahi.

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A Chave do Sucesso

No Outono de 1995 es coisas comepram a acontecer muito


depressa. Primeiro foi um telefonema do ilesigner ]ohn Bartlett.
Queria usar Hush Puppies na sua colecção da Primavera. Depois
ligou outra datgner de Manhattan, Anna Sui, que também queria
sapatos para o desfile dela. Em Los Angeles, o daignerJoel Fitzge-
rald colocou um cão basset inflável com sete metros e meio no
telhado da sua loia de Hollpvood (o barsa é o símbolo da marca
Hush Puppies), e desmontou agaleria de arte ao lado para atrans-
formar numa boutíque Hush Puppies. Enquanto acabava as pintu-
ras e colocava as prateleiras, o actor Pee-wee Herman entrou e
quis comprar alguns peres. Fizgerald lembra-se que e coisa se
devia completamente aoque aspessoes diziamumasàs ouras.
Em 1995, a empresa vendeu 430 mil pares dos Hush Puppies
clássicos, e no eno seguinte qrültro vezes mais, e no eno a seguir
ainda mais, até que os Hush Puppies se tornaram de novo a base
do guarda-roupa dos rapazes norte-emericanos. Em 1996, os
Hush Puppies ganharam o prémio de melhor acessório do Conse-
lho deDesigpersdeModa numiantarno Lincoln Center, e opresi-
dente da empresa esteve no palco com Calvin Klein e Donna Ka-
ran pera aceitar o prémio por um feito que, como ele próprio
admitiu, não fora responsabilidade da empresa. Os Hush Puppies
tinham-se tornado num sucesso instantâneo, e rudo começarÍl
com uma mão-cheiade miúdos no EastVillage e no Soho.
Como é que aconrcceu? Esses miúdos iniciais, quem quer que
fossem, não estavam a tentar promover deliberadamente os Hush
Puppies. Usavam-nos precisamente porque mais ninguém os
usava. Depois a tendência espalhou-se até chegar a dois duignm
de moda que usavam os sapatos pere promover outra coisa - a alta
costure. Os sapatos eram um pormenor eo âcÍrso. Ninguém esava
a tenter transformá-los numa tendência. Contudo, não se sabe
bem como, foi exactamente o que econteerl Os sapatos pâssâ-
ram um cerco nível de popularidade e foram por ali acima. Como

t2
Introdução

é que um par de sapatos de trinta dólares passa de uma mão-cheia


de hipsters de Manhattan e de designcrs para todos os centros
comercieis daAmérica, no espeço de dois anos?

Houve uma época, não há muito tempo, em que nos bairros ter-
rivelmente pobres de Brownwille e East New Yorh na cidade de
Nova Iorque, as ruas pareciam fanasmagóricas depois do escure-
cer. Os trabalhadores com umavida normal não se atreviam a an-
dar nos passeios. Não se viam ctianças a andar de biciclea nas ruas.
Não haüa velhinhos sentados nos bancos do iardim. A venda de
drogas eratãogrande e as lutas entre osgenguestão evidentes que
nessa parce de BrooHyn a maioria das pessoas ficava na segurança
dos seus apertementos quando chegava a noite. Polícias que traba-
lharam em Brownwille na década de 1980, princípio da de 90, di-
zem que nessa época assim que o sol desaparecia os rádios dispara-
vâm cpm conversas entre os guardas de glro e os seus supervisores
com todo o tipo de delitos violentos e perigosos.Eml99? houve
2154 assassinatos e 626182 ocorrências sérias na cidade de Nova
Iorque, e a maior parte econtecerem em bairros como Brownwille
e East NewYork Foi então que aconteceu àlgo de estranho. Em
determinada altura, por razões misteriosas, o índice de criminali-
dade começou abaixar. Tinha atingido o máximo. Em cirlco anos
os assassinatos caíram 64,3 por cento, paru770,e o número total
de crimes desceu para metade, 355 893. Em Brownsville e East
NewYork os passeios tornaram a encher-se, voltaram as bicicletas,
reeparecerem os velhos nas escadas em frente das casas.
- Houveuma altura em que não erararo ouvirem-seraiadas de
tiros, como se fosse no meio do mato no Vietname - diz o inspec-
tor Edward Messadri, comandante da esquadra de Brownwille.
- Agora iá não oiço tiros.

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A Chave do Sucesso

 polícia de Nova Iorque dirá que o que aconteceu na cidade


foi uma melhoria impressionante da esrratégia policial. Os crimi-
nologistas apontam pera um declínio nas vendas de crackr e para o
envelhecimento da população. Quanto aos economistas, afirmam
que a melhoria gradual do nível económico da cidade durante a
década de 1990 teve como efeito que aqueles que de ourro modo
seriam delinquentes arraniaram emprego. Estassão as explicações
convencionais para a subida e descida dos problemas sociais, mas
em última análise nenhuma delas vale mais do que a afirmação de
que os miúdos do East Village provocaram o renascimento dos
Hush Puppies. As mudanças no negócio das drogas, a popula$o e
a economia são tendências a longo pÍezo,que acontecem no país
inteiro. Não servem para explicar porque é que o crime diminuiu
em Nova Iorque muito mais do que noufrâs cidades do país, e
também não explicam porque é que âconteceu num período tão
extraordinariamente curto. Q3ranto aos melhoramentos levados a
cabo pela polícia, também são importantes. Mas há um hiato in-
compreensível entre a escala das mudanças no policiamento e as
dimensões do efeito em bairros como Brownwille e East New
York Afinal de contas, a delinquência não se foi esvaindo à me-
dida que as condições melhoravam. Caiu em flecha. Como é que
alterações em meia dúziede índices económicos e sociais podem
fazer com que os assassinatos caiam dois terços em cinco anos?

liwo é abiografia de uma ideia, e a ideia é muito simples: a


Este
melhor maneira de compreender a emergência de tendências de

I O cracÉ é uma versão fumável da cocaína exremamente perigosâ, que toma es pes-
soas muitoüolentas. (N. do T.)

t4
lntrodução

mode, as maÍes e contremerés dos índices de criminalidade ou,


do mesmo modo, a trensforma$o de liwos ignorados em suces-
sos de vendas, a subida do abagismo entre os jovens, ou o fenó-
meno do boce-a-boca, ou ainda quaisquerotrfres mudanças mis-
teriosas que marcem a vida diária, é pensar nelas como epidemias.
Ideias, produtos, mensâgens e comportâmentos espalham-se
exactamente como os yírus.
A ascensão dos Hush Puppies e a queda da criminalidade em
Nova Iorque são exemplos paradigmáticos de epidemias em ac-
ção. Embora pareça que não têm nada em comum, partilham um
padrão subiacente básico. Ninguém publicou um anúncio a dizer
às pessoas que os uadicionais Hush Puppies eram giros e deviam
começar a usá-los. Os miúdos simplesmente usavam aqueles sapa-
tos quando iam a clubes nocturnos ou a cafrs, ou andavam pelas
ruas da Baixa de Nova lorque, e ao usá-los mostravam as outras
pessoas o seu sentido da moda.Infectaram os outros como..vírus»
dosHushPuppies.
Com certeza que o declínio da delinquência em Nova Iorque
aconteceu da mesma maneira. Não foi porque uma enorme per-
centagem de prováveis assassinos se acalmou de repente em 1993
e decidiunão cometermais crimes. Nem foiporque apolícia con-
seguiu intervir como por magia numa enorÍne percentagem de
ocorrências que se teriam tornado fatais. O que aconteceu foi que
um pequeno número de pessoas numapequenaquantidade de si
tuações, em que a polícia ou es novâs forças sociais tiveram algum
impacto, começaram a comportar-se de umâ maneira completa-
mente diferente, e esse comportamento espalhou-se de alguma
maneira entre outros possíveis criminosos em situaçÕes serrelhan-
tes. De alguma forma, uma grande quantidade de pessoas em Nova
Iorque foi "infectad$> em pouco tempo com um vírus anticrime.
A segunda característica distintiva destes dois uemplos é que em
ambos os srsos as pequenas difereaças deram grandes res;ultados.

15
A Chave do Sucesso

Todas asrazõespossíveis que possamterlevado o índice de cti-


minalidade deNova Iorque abaixarsão mudanças marginais que
aconteceram progressivamente. O negócio do crack estagnou.
A popula$o envelheceu um pouco mais. A polícia ficou um pouco
melhor. Contudo, os efeitos foram impressionantes. A mesma
coisa aconteceu com os Hush Puppies. De quantos miúdos esta-
mos a falar, quando nos referimos âos que começaram ausaros sa-
pâtos na Baixa de Manhaaan? Vinte? Cinquenta? Cem, no má-
ximo? Contudo a decisão deles parece ter iniciado só porsi uma
tendência de moda internacional.
Finalmente, as duas mudanças aconteceram muito depressa.
Não cresceram firme e lentamente. É interessaote olhar pârâ o
mapa do índice de crirninalidade emNova Iorque para o período
entre, por exemplo, meados da década de 1960 e o final da de
1990. Parece um grande arco. Em 1965 houve 200 mil ôcorrên-
cias na cidade, e a partir dessa altura os valores sobem rapida-
mente, duplicando em dois anos e continuando quase sem que-
bras até chegar às 650 mil ocorrências de meados da década de
l97O.O número mantém-se estável nas duas décadas seguintes, e
depois cai em 1992,tão depressa como tinha subido trinta anos
antes. A criminalidade não se ewaiu no tempo. Não desacelerou
suavemente. Chegou auma dada altura e travoubruscamente.
Estas três característisls - uma, o conrágio; duas, pouca coisa
provocar grandes resultados; e três, não âcontecer gradualmente
mas sim num preciso momento - são os mesmos três priacípios
que de§nem como é que o serempo percoÍÍe ume nrrma da escola
ou a gripe se propâgâ todos os Invernos. Das três, a terceira caracte-
rística * o conceito de que uma epidemia pode nascer ou moÍrer
num momento cnrcial - é a mais importante, porque é o princípio
que dá sentido aos outros dois e que permite uma melhor obser-
va$o sobre as razões das mudanças modernas serem o que são.
0 nome dado a esse momento dramático numa epidemia, quando
nrdo pode mudarao mesmo tempo, éo Ponto deViragem.

16
lntrodução

3.

Um mundo que segue as regras das epidemias é um mundo


muito diferente daquele em que pensamos que üvemos. Pense,
por um momento, no conceito de contágio. Se lhe disser esa pala-
wa, vai pensar em constipações e gripes, ou tâlvez em algo muito
perigoso, como o HlVpositivo ou o ébola. Na nossas cabeças, te-
mos uma noção biológica muito específica do que quer dizer con-
tágo.Mas se podem existir epidemias de crime ou epidemias de
moda, então deve havermuitas coisastão contâgioses como osví-
rus. |á pensou no acto de boceiar, por exemplo? Boceiar é uma
acSo sulpreendentemente poderosa. Só porterüdo a palanm
"bo-
ceian, nas duas frases anteriores - dois "b6çEo$» nestâ fÍâse
e mais -
um grande ntimero de leitores provavelmente irá bocejar nos pro-
ximos cinco minutos. Mesmo eu, ao escrever isto, iá abri a boca
duas vezes. Se estiver a ler num local público e acabou de boceiar,
há fortes probabilidades de que ume boa parte das pessoas que o
üram bocejar esteia egora z fazer o mesmo, e ume boa parte das
pessoes que viram as pessoas que o viram a boceiar também esteja
a abrir a boca, e assim por diante, num círculo de boceios cadavez
maisamplo.
O boceio é incrivelmente contagioso. Fiz alguns leitores boce-
jar apenas por ter escrito a palawa. Entretanto, as pessoas que
abriram a boca quando os viram a boceiar foram infectadas pela
visão dos primeiros que abriram a boca - o que iá é outro tipo de
contágio. Podem ter bocejado só por ouü-los a abrir a boca, por-
que o boceio também é contagioso auditivamente; se passeruma
grava$o áudio de boceios a pessoas cegâs, elas também começam
a abrir a boca. Finalmente, se bocejou ao ler isto, será que lhe pas-

soupela cabeça, mesmo inconscientemente ou de passagem, que


pode estarcansado? Suspeito que foi o que aconteceu com alguns
leitores, o que quer dizer que o boceio também é contagioso emo-

t7
A Chave do Sucesso

cionalmente. Escrevendo apenas a palawa, posso colocar um senti-


mento na sua mente. Será que o vírus da gripe pode fazer o mesmo?
0 contágio, por outnrs palarras, é uma propriedade inesperada de
coisas muito diferentes, e não nos podemos esquecer disso se qui-
sernos reconhecer e diagnosticar ume mudança epidémica.
O segundo princípio das epidemias - que as pequenas mudan-
*
çaspodem, não se sabecomo, produzirgrandes efeitos também
é um conceito bastante radical. Como humanos, estâmos muito
habituados tfizer uma espécie de ligação por alto enrre causa e
efeito. Se queremos comuniceruma emoSo muito fone, se que-
remos convencer alguém de que amamos essa pessoa, sabemos
que temos de falar franca e apaixonadamente. Se queremos dar
uma má notícia a alguém, baixamos a voz e escolhemos cuidadosa-
mente as palavras. Fomos treinados para pensar que o que entrâ
em qualquer transacção, relacionamento ou sistema deve estar di
rectâmente relacionado com o que sai, quer em qualidade como
em quantidade. Porexemplo, pense neste enigma. Doulhe uma
grande folha de papel e peço-lhe pera e dobrar umâ vez, depois
pegar no papel dobrado e dobrá-lo outre yez, e mais uma yez, e
mais outra, eté que a folha esteia dobrada cinquenta vezes. De que
altura ficará no final? Para daruma resposta, a maioria des pessoas
dobra a folha dentro da cabeç*, e chega à conclusão de que a folha
dobrada terá a espessura de uma lista telefonica, ou, se forem real-
mente coraiosas, da alturadeum &igorífico. Mas a respostacertaé
que a altura seria aproximadamente a distância da Terra ao Sol.
E se fosse dobrada mais umavez, teria aaltura do dobro dessadis-
tância. Isto é um exemplo daquilo que em matemática se chama
progressão geométrica. As epidemias são mais um exemplo de
progressão geométrica; quando umvírus se propaga numa popu-
la$o, duplica sucessivamente, até crescer (figurativamente) daes-
pessura de umafolhade papel até à distância daTerra ao Sol, tudo
isto em cinquenta etapas. Como seres humanos temos uma certâ

r8
Introdução

dificuldade com este tipo de progressão, porque o resulado final


- o efeito - parece completamente fora de propor$o em relação à
causa. Para avaliar bem o poder das epidemias temos de pôr de
lado esta expectetive das proporções. Precisamos de estarprepa-
rados para a possibilidade de que porvezes as grandes mudanças
vêm de pequenos acontecimentos, e que porvezes essas mudan-
ças podem sermuito rápidas.
A possibilidade de uma mudança repentina é o âmago deste
Ponto de Viragem, e pode muito bem ser a mais dificil de aceitar.
Aexpressão tornou-se conhecida na década de l970,para descre-
ver a mudança para os subúrbios dos brancos que viviam nas cida-
des mais antigas do Nordeste dos Estados Unidos. Quendo o nú-
mero de afro-americanos que se mudava para um determinado
bairro chegava e certo nível - digamos, vinte por cento - os soció-
logos diziam que a comunidade,.viravar: a maioria dos brancos
restantes mudava-se quase imediatamente. O Ponto de Viragem é
o momento crítico, o portal, o ponto de ferlura. Houve um Ponto
de Virygem para delinquência em Nova Iorque no princípio da
década de 1990, e um Ponto de Viragem para o ressurgimento dos
Hush Puppies, assim como há um Ponto de Viragem para a intro-
dução de qualquer nova tecnologia. A Sharp apresentou o pri-
meiro aparelho de for barato em 1984, e nesse ano vendeu cerce
de 80 mil unidades nos Estados Unidos. Nos três anos seguintes,
âs empresas foram comprando lenta e continuamente cada vez
mais aparelhos, atése chegarao ponto, em 1987, emquehavia fa-
xes suficientes paÍa fazersentido que tdos tivessem um for. Mil
novecentos e oitenta e sete foi o Ponto de Viragem pâra os apare-
lhos de fa,r. Nesse ano vendeu-se um milhao deles, e em 1989 ha-
via dois milhões a funcionar. Os telemóveis seguiram o mesmo
curso. Durante a década de 1990 foram §cando mais pequenos e
maisbaratos, e o serviço melhorou até 1998,quando atecnologia
chegou ao Ponto de lüragem, e de repente tde a gente tinha um

r9
A Chave do Sucesso

telemóvel. (Para uma explicação mâtemática de Pontos de Vira-


gem,vejam-se as notas no final do liwo.)
Todas as epidemias têm Pontos de Viragem. |onathan Crane,
sociólogo da Universidade do Illinois, esúudou o efeito que o nú-
mero de pessoas que são modelos nume comunidade - os profis-
sionais, gestores e professores que o Instituto de Estatística dos
Estados Unidos definiu como
"de alto nível,, - têm nasvidas dos
adolescentes do mesmo bairro. Encontrou pouca diferença nos
níveis de gravidez ou nas percentagens de desistência escolar em
bairros com entre quarenta porcento e cinco porcento de profis-
sionais de alto nível. Mas quando o número de profissionais bai-
xava dos cinco por cento, os problemas disparavam. Por exemplo,
pare estudantes pretos, quando e percent€em de profissionais
de alto nível baixa apenas 2,2 pontos percentuais - de 5,6 para 3,4
porcento- as desistências na escola quase duplicam.Âssumimos
intuitivamente que os bairros e os problemas sociais entram em
declínio numa progressão contínua. Mas às vezes a progressão não
é nada uniforme; no Ponto de Viragem, as escolas podem perder o
controle dos alunos e a vida familiar pode desinregrar-se, rudo eo
mesmotempo.
Lembro-me de quando era criança e o cãozinho da famfliaviu
neve pela primeiravez. Ficou chocado, deliciado e ennrsiasmedo
ao mesmo tempo, a sacudir nervosâmente a cauda, a cheirar aquela
substância estranha e macia, a ganir com o misterio daquilo tudo.
Na manhã em que nevou não estava mais frio do que na noite ante-
rior. Telvez estivesse um grau centígrado de noite, e nessa manhã
estxvam zero graus. Por outras palavras, praticamente nada tinha
mudado, contudo - e isso é que era impressionante - tiúa mu-
dado tudo. A chuva tinha-se rransformado em algo completa-
mente diferente. Neve! No fundo somos tod6s.gradualistas", com
as expecativas apontâdes para ume mudança gfadual de tempo.
Mas o mundo do Ponto de Viragem é um sítio onde se espera o

20
Introdução

inesperado, onde â mudança radical é mais do que uma possibili-


dade. É uma certeza, âo contrário das nossas expectativas.
Atrás desta ideia radical,voulevá-lo até Baltimore, pâra conhe-
cer a epidemia de sífilis que ocorreu nesta cidade. Vou apresenrar
três interessantíssimos tipos de pessoas, aos quais chamo Peritos,
Comunicadores e Vendedores, e que têm um papel essencial nas
epidemias de boca-a-boca que ditam os nossosgostos, tendências
e modas. Vou levá-lo aos esnrdios dos programas infantis de tele-
visão Rra Sésama e Pistas ila Blue, e ao mundo fascinante do homem
que aiudou a criaro Clube de Discos da Columbia, paravercomo
es mensâgens podem serestruturadas paratero máximo impacto
possível no público inteiro. Vou leválo a uma empresa de alta tec-
nologia em Delaware evou falardos Pontos deViragem que men-
dam na vida em grupo e no metropolitano de Nova Iorque, para
perceber como é que ali acabou a epidemia de delinquência. A ra-
zão de tudo isto é responder a duas perguntas muito simples que
estão no âmago de rudo o que gostaríamos de conseguir como
educadores, pais, profissionais de marketing, negociantes e politi-
cos. Porque é que será que há ideias, comportamentos ou produ-
tos que dão origem a epidemias, e outros que não dão? E o que
será que podemos fazer deliberadamente para começer e contro-
lar as nossas próprias epidemias positivas?

21
I
as rnÊs RrGRAS DE EprDEMroLocrA

Em meados da década de 1990, a cidade de Baltimore foi ata-


cada por uma epidemia de sífilis. No espaço de um ano, enrre
1995 e L996,o nrimero de crianças nascidas com a doença aumen-
tou 5OO por cento. Se olharmos para um gráfico dos casos de sífi-
lis em Baltimore, a linha é praticamente plana duranre ânos e
depois, em 1995, sobe de repenÍe, a formar quase um ângulo de
noventagraus.
O que é que provocou esta viragem nc problema da sífilis em
Baltimore? De acordo com o Centro de Controle das DoenÇso o
problema era a cocaína em forma de crack.sabe-se que o rack*r-
menta de uma maneira impressionaate o tipo de comportamento
sexual de risco que leva àexpansão de coisascomo oHIVe a sífilis.
Leva a que muito mais pessoas nas áreas pobres comprem drogâs,
o que aumenta a probabilidade de levarem a infecçao para o seu
bairro. Muda os padrÕes das ligações sociais eÍrtre os bairros.
De acordo com o CCD,o crackfoiopequeno empurrão que o pro-
blema da sífilis precisava para se ransformar íuma epidemia em
expansão.
|ohn Zenilman, dâ Universidade de |ohns Hopkins de Balti-
more, um especialista em doenças sexu*lmeote transmissíveis,
tem outrâ explicação: a falência dos serviços médicos nos bairros
mais pobres da cidade.

23
A Chave do Sucesso

- Em 1990-91tivemos 36 mil consultâs nas clínicas de doenças


se)rualmente ransmissíveis * diz Zeoilman.
- Depois as autoridades
decidiram fazer reduções graduais devido a prólernas orçamen-
tais. 0
número de clínicos [pessoal médico] passou de dezassete
para dez. 0 número de médicos passou de três para praticamente
nenhum. fu consulcas caíram para 21 mil. Também houve uma re-
dução semelhante do pessoal que efecarava rabalho de campo.
Tomaram-se muitas decisões políticas; coisas que costumavam
acontecer, tal como moderniza$o dos computadores, deixaram
de acontecer. Foi o pior caso qre se pode imaginar da burocracia
cemarária deixar de funcionar. Chegaram a acabar os remédios.
Poroutras palawas, quando havia 36 mil consultas anuais nas
clínicas do CCD nas piores áreas da cidade, a doença mantinha-se
equilibrada. De acordo com ZeailmaÍI, num dado momento,
entre as 36 mil e as 21mil consultas anuais, a doença irrompeu.
Começou a espalhar-se p*ra fora dessas áreas, seguindo pelas ruas e
estradas que âs ligam aos ouuos bairros. De repente, pessoas que
poderiam estar infectadas ume semana antes de procurarem t1?-
tâmento, andavam a infectaroutras durante duas ou três semanas
antes de se curarem. A falência dos tratameatos fez com que a sifi-
lisse tornasse um câso muito maiordo que era anteriormente.
Há uma terceira teoria, avançada porfohn Poaerat, um dos prin-
cipais epidemiologistas do país. Para ele, os culpados são as mudan-
ças fisicas ocorridas nesses ânosem EasteWestBaltimore, osbair-
ros extremamentepobres dos dois lados dabaixada cidade, onde
se centrava o problemada sífilis. Potterat salienta que em meados
da década de 1990 a cidade entrou numa política altamente pu-
blicitada de dinamitar as toÍres de habitação social construídas
na década de 1960, em East e West Baltimore. Duas das demoli-
ções mais publicitadas - Lexington Terrace, em West Baltimore,,e
Lafayette Courts, em EastBaltimore - eram construções enoÍtnes
com centenas de famílias, ceotros de criminalidade e doenças

24
As Três Rcgras de Epidemiologia

infecciosas. Na mesma altura espessoas começaram a abandonar


asvelhas casas de EasteWest Baltimore, que remMm se começe-
Íam edeteriorer.
- Era impressionante - diz Potteraq referindo-se à primeira
vez que percorreuos doisbairros. - Cinquentaporcento das casas
estavam entaipadas, e também corria o processo de destnriSo dos
edi{icios sociais. O que aconteceu foi uma especie de esvazia-
mento. Isto provocou a diáspora. Durante anos a sífilis tinha es-
tado limitada a ume área específica de Baltimore, dentro de redes
sociossenrais muito confinadas 0 processo de desloca$o das ha-
bitações serviu para levar aquelas pessoas pâÍir outres áreas da ci-
dade, e levaram a síÊlis e os outros comportamentos com elas.
O que é interessante nestes três explicações é que nenhuma de-
las é muito impressionante. O CCD pensou que o problema era o
crack.Ivl* não é verdade que o cracÉ tenha cheg'ado a Baltimore em
1995. fá lá estava há anos. O que o Centro dizit ere que tinha
havido um subtil âumento no problema do crack em meados da
década de 1990, e que essa mudança tiúa sido zuficiente para dispa-
rar a epidemia de sífilis. Zenilman ambém não dizia que as clínicas
do CCD tinham fechado. Foram simplesmente reduzidas, e o nú-
mero de clínicos reduzido de dezassete pera dez. Nem Potterat
afirmava que Baltimore tivesse sido esvaziada. Tudo o que foi pre-
ciso, dizia ele, foi a demolição de meia dú,zitde edificios sociais e
o abandono de casas em bairros específicos do cenro para fazer t
sífilis disparar. Basa a mais pequena mudança pâre provocar o de-
sequilíbrio que leva à epidemia
0 segundo facto nestastrês explicaçÕes, etalvez o mais interes-
sante, é que es trrês descrevem modos diferentes de fazer disparar
uma epidemia. O CCD felado contextogeraldadoença -como a
enrada e crescimento de uma toxicodependência pode mudar
tento o ambiente de uma cidade ao ponto de fazer a doença subir
em flecha Zenilman fala da doença em si. Q3rando as clínicas foram

25
A Chave do Succsso

reduzidas, e síÊlis teve ume nova oportunidade. Era uma infecçao


aguda; tornou'se nume infecção crónica. Transformou-se num
problema que tlurante semanas. Potterat, porsuâvez,
se aÍTastou
concenfirou-se nas pe§§oas que tinham sífilis. Segundo ele, a sí§lis
era uma doença de cetto tipo de pessoas de Baltimore - muito po-
bres, provavelmente toxicodependentes, sexualmente activas. Se
esse tipo de pessoas fosse levada dos seus antigos bairros para ou-
tros - pera uma nova área da cidade, onde a sífilis nunca tinha sido
problema - a doençatinhauma oportunidade de disparar.
Por outras palawas, há várias maneiras de fazer disparar uma
epidemia. As epidemias são o resultado das pessoas que transmi-
tem agentes infecciosos, dos agentes propriamente ditos, e do am-
biente em que esses egentes operem. E quando uma epidemia dis-
para, quando é atirada para fora do seu equilíbrio, dispara porque
aconteceu alguma coisa, ocoÍreu uma mudança numa (ou duag ou
três) dessas premissas. A estes três agentes de mudança zu chamo a
Lei dosPoucos, o FactordeAderência e o Poderdo Contsrto.

Quando dizemos que uma meia dúzie de miúdos do EastVil-


lage começou a epidemia dos Hush Puppies, ou que a dispersão
dos residentes de alguns edificios de habitaçao social foi sufici-
ente pera começaÍ a epidemia de sífilis em Baltimore, o que esta-
mos realmente a dizer é que num determinado processo ou sis-
tema há pessoas mais importantes do que outras. O que não é,
vendobem as coisas,uma ideia radical. Os economistas falamfre-
quentemente do Princípio dos 80/20, segundo o qual 80 por cento
do.trabalho' é feito por 20 por cento dos panicipentes. Na maio-
ris das sociedades, 20 por cento dos delinquentes comete 80 por
ceRto dos delitos, 20 por ento dos motoristâs provocír 8O por

z6
As Três Regras de Epidemiologia

cento dos acidentes, 20 por cento dos consumidores de cerveia


bebe 80 por cento da cerveia. Contudo, quando se trata de epi-
demias, esta desproporção é ainda maion uma percentagem mi-
nríscula de pessoas faz a maior parte do rabalho.
Potteraq por exemplo, fez uma vez uma análise da epidemia de
gonorreia em Colorado Springs, no Colorado, observando todas
as pessoas que foram âo centro de saúde pera tratâmento da do-
ença ntrm período de seis meses. Verificou que essencialmente
metade dos casos vinha de quatro bairros que representavam
cerca de seis por cento da área geográfica da cidade. Metade das
pessoas dessa área de seis por c€nto &equentava os mesmos seis
bares. Pouerat entrwistou então 768 pessoas desse pequeníssimo
subgrupo e descobriu que 600 ou não tinham transmitido a go-
norreia a ninguém ou só a tinham transmitido e uma pessoa. A es-
ses chamou não-transmissores. Os que fizeram crescer a epide-
mia - aqueles que infectarem duas, três, quatro oucincopessoas -
eÉm os restantes 168. Por outras palavras, em toda a cidade de
Colorad<l Springs - uma locdidade com mais de cem mil pessoas -
a epidemia de gonorreia disparou por cause das actividedes de
168 pessoas a viver em quatro bairros pequenos e a frequentar ba-
sicamente os mesmos seis bares.
Qyem eramessas 168 pessoas?Não eremcomo nós. Eram pes-
soas que saíam todas as noites, que tinham muito mais parceiros
sonrais do que a norÍna, pessoas cuiasvidas e comportamento não
eram nada wlgares. Em meados da década de 1990, por exemplo,
nos salões de bilhar e nos ringues de patinagem de East St. Louis,
no Missouri, havia um homem chamado Darnell
"Boss Man,'
McGee. Era alto - tinha mais de um metro e oitenta - e sedutor,
patinador de tdento, e conquistava as raparigas com as suas acro-
bacias na pista. A sua especialidade eram meninas de treze e ca-
tolze anos. Compravalhes biiutarias, levava-as a pessear no seu
Cadillac, dava-lhes crackpara fumar e fana sexo com elas. Entre

27
A Chave do Sucesso

1995 e lgg7,quando foi morto a tiro por um desconhecido, dor-


miu com pelo menos cem raparigas, e descobriu-se depois que
tinha infectado pelo menostrinta com HlV.
Durante o mesmo período de dois anos, â dois mil quilómeuos
de distânciq peno de Buffalo, no Esado de Nova lorque, havia ou-
tro homem - uma espécie de clone de McGee - que andaw pelas
ruas piores da baixa de famestown. Chamava-se Nushawn Williams,
embora também fosse conhecido como ..Face,r, .§lp, e
"Shyteek".
Williams andou com dúzias de raparigas, mantendo três ou quâ-
tro apartamentos espalhados pela cidade, enquanto se sustentava
a vender drog. compradas no Bronx (Um epidemiologista que
rrabalhou no ceso disse-me abertamente:..O homem era um gé-
nio. Se eu conseguisse safar-me como ele, nunca mais teria que
trabalhar na üda.,,) Williams, tal como McGee, era um sedutor.
Comprava rosas às namoradas, deixava-as fizer tttnçs nos seus
longos cabelos, e organizava orgias nos seus apartamentos com
noites inteiras a fumar mariiuane e a beberwhis§.
- Ia para â camâ com ele três ou quatro vezes numa noite - re-
corda uma das suas parceiras. - E[e e eu an&ávamos sempre em
festas. Depois de Face fazer sexo comigo, era avez dos amigos
dele. Saía um, entrava outro.
Actualmente Williams está na cadeia. Sebe-se que infectou
pelo menos dezasseis namoradas com ovírus da SIDA Mas o caso
mais Êamoso, contâdo em pormenor no livro And the Barul Played
Oa, de Randy Shilts, é o chamado "PacienteZero da SIDA', o
comisário de bordo franco-canadiano Gaetan Dugas, que afirmava
tertido 2500 parceiros sernrais em tode aAméricado Norte, e que
Íicou ligado a pelo menos 40 dos primeiros casos de SIDA na
California e em Nova Iorque. É este tipo de pessoâs que faz as
epidemias disparar.
As epidemias sociais funcionam exectâmente da mesma mâ-
neira. Também são provocadas pelas actividades de uma mão-


As Três Regras de Bpidemiologia

-cheia de pessoas excepcioneis. Nestes casos não são os apetites


sexuais que as tornam diferentes. São coisas como o seu grau de
sociabilidade, a energiq os conhecimentos ou a influência no
meio dos seus pares. No caso dos flush Puppies, o grande mistério
é como passarem de sapatos usâdos pelos radicais precursores de
moda, na baixa de Manhattan, pera e venda nos pequenos centros
comerciais de todo o país. Qual foi a liga$o entre o EastVillage e
a América da classe média?A ki
dos Poucos diz que uma dessas
pessoas excepcionais descobriu a tendência, e devido eos set§
contectos pessoais, energia, entusiasmo e personalidade espalhou
a moda dos Hush Puppies da mesma maneira que tipos como Gae-

ran Dugas e Nushawn Williams conseguiram espalhar o HIV.

2.

Em Baltimore, quando os centros de saúde da cidade sofreram


reduções de orçamento, mudou a natureze da sífilis que afectarn
os bairros pobres da cidade. Costumava serume infecgo aguda,
uma doença que a maioria das pessoas conseguia tratar bastante
depressa, antes de ter a possibilidade de infectar muitas outras.
Mas com os coÍtes, a síâlis foi-se tornando aüvezmais uma do-
ença crónica, e os ponadores tinham um período muito maior
para pessar a infec$o. As epidemias disparam por causa dos esfor-

ços extraordinários de poucos portadores. Mas às vezes ambém


disparam quando acontece algo que transforma o próprio agente
da epidemia.
Traa-se de um princípio da virclogia bem coúecido. As estiryes
de gripe que circtrlarn no omcço de cada epidemiainvernal são bas-
tante diferentes das estirpes que circulam no final da cta$o. Aepi-
demia d" grp" mais famosa - a pandemia de 1918 - aomeçou por
ser detectada na Primavera desse ano e era relativamente fraca. Mas

29
A Chave do Succsso

durante o Verão o vírus passou por uma transforma$o estraúa e


durante os seis meses seguintes actbou por matâr entre 20 e 40 mi-
lhOes de pessoas no mundo inteiro. Nada mudou na maneira como
o vírus se uansmitia, mas tinha-se tornado muito mais mortâI.
O holandês faap Goudsmit, investigador da SIDÀ afirma que o
mesmo tipo de transformação impressionante aconteceu com o
HIV. O trabalho de Goudsmit concentre-se na pneumonia conhe-
cida como Iàr anmoEstis carinii ouPCP. Todos nós temos a bactéria
no corpo, proravelmente desde nascençq ou @ntraímo-la imedia-
tamente depois. Para e maioria, é inofensiva- O sistema imunitário
mantém-na sob controle com toda a facilidade. Mas se algo como
o HIV liquida o sistema imuniÉrio, torna-se de tal maneira incon-
trolável que pode causar uma forma de pneumonia mortal. De
facto, a PCP é tão comum entre doentes de SIDA que é conside-
radacomo umaindicação quase certada presençadovírus. O que
Goudsmit fez foi rever â literatura médica à procura de casos de
PCP, e o resultado é bastante aterrador. Logo a seguir à II Grande
Guerra, a começarem Danzig um porto do Báltico, e espalhando-
-se pela §uropa cenral, houve uma epidemia de PCP que marou
milhares decrianças.
Goudsmit analisou uma das cidades mais atingidas pela epide'
mia de PCR a comunidade mineira de Heerlen, na província holan-
desa de Limburg. Heerlen tinha um hospital escolar para parteiras
chamado Kweelschool voorVroedrmouwen, e uma única unidede
- chamada o ôarracão sueco» - foi usada na década de 195O como
enfemraria para bebés premaruros ou com fala de peso. Entre |u-
úo de 1955 eJulho de 1958,81crianças do barracão sueco apârcce-
ram com PCP, e 24 morreram. Goudsmit pensa que foi uma pri-
meira epidemia de HIV, e que de algum modo o vírus úegou ao
hospital e depois propagou-se entre as crianças pela pnática da época,
apâÍentemente comum, de usarmuiasvezes as mesmas agulhas para
asuansfusõesde sangue e iniecçõesde antibióticos. Escreve ele:

3o
As Três Regras dc Epidemiologia

O mais provável é que pelo menos um adulto - provavelmente rm mi-


neiro de carvão da Polóniq Checoslováquia ou Itália - tenha razido o vírus

para Limburg. Este adulto pode ter morrido de SIDA sem ninguém dar por
isso... pode ter mansmitido o ürus à mulher e aos filhos. A sua esposa (ou
namorada) infectada pode ter ficado no barracão sueco e dado à luz uma
criança com HÍV, mes aperenremene sauúivel. Agulhas e seringas não cste-
rilizadas podemterespalhado ovírus entre as crianças.

É claro que o que é verdadeiramente estrenho nesta história não


é não terem morrido todas as crianças. Só morrzu um terço. Com as
outras aconteceu uma coisa que hoie parece quase impossível. Der-
rotârem o HW, purgaÍam-no do co1po, e viveram saudavelmente.
Por ouuas palavras, es estirpes de HIVque circrrlavam na década de
1950 eram muito diferentes das estirpes de HIVque circulam âctu-
almente. Eram igualmente contAgiosas, Mas eram suficientemente
fracas para que a maioria das pessoas - mesmo oi"rças muito pe-
quenas * conseguisse lutâr contra elas e sobreviver. Resumindo, a
epidemia de HIV disparou no começo da década de 1980, não ape-
nas por causa das enormes mudenças no compoÍtemento sexual
nas comunidades homossenrais que tornârem possível um congá-
gio nipido. Também disparou porque o proprio HIV mudou Por
qudquer razão, ovírus tornou-se muito mais mortal. Q3rando infec-
tava uma pessoa, permanecia infecada. Ficava aderente.
Esta ideia da imponância da ederência num surto também tem
enorÍnes implica@es no modo como vemos as epidemias sociais.
Passamos muito tempo a pensar como é que podemos tornar âs
mensegens mais contagiosâs - como chegar ao maior número de
pessoas possível com os nossos produtos ou ideias. Mas frequen-
temente o mais dificil na comunicação é descobrir como fazer
para que e mensagem não entre por um ouvido e saia por oucro.
A aderência quer dizer que a mensagem câusa impacto. Não sai da
cabeça. Fica na memória Por exemplo, quando os cigarros com

31
A Chave do Sucesso

filtro Winston foram lançados, na Primavera de 1954, e emprese


usou o srogor..Winston sabe bem tal qual um cigarro deve sabe»,r.
Na époce, o uso gnrmaticalmente pouco coÍTecto e um pouco pro-
vocador de «al qual, em vez de..como>' cÍ[lsou sensa$o. Era o tipo
de frase de que as pessoes falavam, tal como a famosa frase final da
Wendy's..Onde está o bife?", em 19842. Na sua história da indús-
ria do tabaco, Richard Kluger escreve que os especialistes de
marketingdaR f. Reynolds, que fabrica oWinston, ficaram"deli-
ciados com a atenSo» e..fizeram do sloganerrado a letra de umjk-
gíe animado na TV e na rádio, e defenderam o uso do "tal qual"
como sendo mais um coloquialismo do que um erro gramatical,,.
Poucos meses depois da sua introdu$o, com a força do slogan f*
cilmente memorizável, avenda deWinston disparou no mercado
norte-americano de cigarros, ultrapassando o Perliament, Kent e
L&lVí, e ficou em segundo lugar, atrás doViceroy. Em poucos anos
tornou-se a marca maisvendida no país. Ate hoie, se se disser à maio-
ria dos norte-americanos..Winston sabg b,eÍn", sabem acabar a fi:ase,
..tal qual um cigarro deve saben . É um s/o3zn clássico ..aderente, e
a aderência é um componente essencial numa viragem. Se não se
lembrar do que lhe digo, porque é que haveria de mudar e com-
praro meuproduto ou irvero meu filme?
O Factor de Aderência indica que há maneiras específicas de
tornar memoúvel umâ mensagem contagiosâ; há mudanças rela-
tivamente simples nâ apresentação e estruturação da informeção
que fazem uma grende diferença no impacto que criam.

t
"Win$on mstcs good likc a cigarene should": em inglês, a rima entrre
"good"
e
"úoulô torna o s/ogan muito mais memoriável. Â tradufo que fazemoq com gud"
",tal
e «como>, segue mais a ideia do que a letra- (N. do T,)
2Acedeiade hambúrgreresWend/sctiou uma série de anrincios de TVem que ume
velhiuha vinha ao balcío da concorrência com rm hambúrguer e pergunava, irriafu
.Where is úe beef2.", o que tânto quer dizer..Onde está a carne?, como
"Onde esú a
subatância?"A campanha foi um gnnde suesso. (N. do f.)

32
As Três Rcgras de Epidemiologia

3.

Sempre que alguém em Baltimorevai a urrr centro de saúde para


tratamento da sífilis oudagonorreia,)ohn Zenilman coloca â mo-
rada no computador, de modo que o caso aparece como umâ pe-
quene estrela pretâ no mepâ da cidade. É uma especie de versão
médica dos mâpes que â polície cosarma rernas paredes das esqua-
dras, com alfinetes a marcar onde houve ocorrências. No mapa de
Zeailman os bairros de East e West Baltimore, dos dois lados do
centro da cidade, estão cheios de esrrelas pretas. Â panir dessas
duas zonas, os casos irradiam pelas duas vias centrais que por acaso
atrayessam os dois bairros. No Verão, quando é maior a incidência
de doenças sexualmente transmissíveis, os molhos de estrelas pre-
tas nas rues que saem de East e West Baltimore tornam-se mais es-
pessos com o número de casos. A doença está â deslocar-se. Mas
nos meses de Inverno o mapa muda. Quando o tempo fica frio e é
mais natural que as pessoâs de Eest e West Baltimore fiquem em
casa, longe dos bares, clubes noctlrrnos e esquinas onde se fazem
as transacções sexuais, as estrelas dos dois bairros desaporecem.
O eGitosazonal no número de casos é tão forse que não é dift-
cil imnginar que um Inverno longo e duro em Baltirnore seria sufi-
ciente para desacelerar ou diminuir substancialmente o cres-
cimento da epidemiade sí61is, pelo menos nesse ano.
O mapa de Zenilman demonstra que as epidemias são forte-
mente influenciáveis pela sua situa$o - pelas circunstâncias, con-
diçÕes e particularidades dos ambientes em que operam. Até aqui
é óbvio. 0 que é interessante é como este princípio pode serâm-
pliado. Não são âpeÍras os factores prosaicos, como o tempo, que
influenciam CI comportamento. Até mesmo os factores mais
pequenos, subtis e inesperados podem afectar o modo como agr-
mos. Um dos incidentes com pior fama da história de Nova Ior-
que, por exemplo, foi o esfaqueamento fatal de uma rapariga de

33
A Chave do Sucesso

Queens chamada Kitty Genovese, em 1964. Kitry foi perseguida


pelo assaltante e eteceda três vezes no meio da rua, no espaço de
meia hora, enquanto trinta e oito vizinhos observavam da janela.
No entanto, nessa meia hora nenhum deles telefonou à polícia.
0 caso provocou uma onda de auto-recrimina$o. Tornou-se simbó-
lico da frieza e desumanização da vida urbana. Âbe Rosenthal, que
mais tarde se tornaria editor do Nettl York Times, escreveu o se-
guinte sobre 0 cÍlso:

Ninguém consegue dizerporque ó que nenhuma dastrinta e oitopes-


soas pegou num telefone enquanto â menina Genovese estava a ser atacada

umavez que elaspróprias não sabem dizer" Contudopode-se assumirque a


sua *patia foi realmente de um tipo que ocorre nas grandes cidades. É quase
uma questão de sobrevivência psicológica; se estivermos rodeados e com-
primidos por milhoes de pessoas, para impedir gue nos incnmodem, a
única maneira é ignoní-las o mais que pudermos. A indiferença para com os
vizinhos e os seus problemas é um reflexo condicionado davida em Nova
lorque, como em outras cidades gandes.

Podemos perceber inruidvamente este tipo de explic*$o pelo


ambiente social. O anonimato e â alienação da cidade grande
torna as pessoas duras e sem sentimentos. Contudo, averdade so-
bre Kitty Genovese é um pouco mais complicada - e mais interes-
sânte. Dois psicólogos de Nova Iorque - Bibb Latane, da Universi
dade de Columbia, e |ohn Darley, da New York University *
fizeram posteriormente uma série de estudos para teÍrtar compre-
enderaquilo a que chamaram "o problema do observadorr'. Ence-
naram emergências de vários tipos em situaçóes diferentes para
ver quem é que viria aiudar. E o que descobriram, surpreendeüte-
mente, foi que havia um âctor acima de todos os outros qu€ per-
mitia prever o comportamento: quafitas testemunhas presencia-
vam o evento.

34
As Três Regras de Epidemiologia

Numa das experiências, por exemplo, Latane e Darley tinham


um estudante sozinho numa sale a ter um ataque epiléptico.
Quando so havia uma pessoa a ouvir na sala ao lado, essa pessoa
acorria ao esmdânte em 85 por cento das vezes. Mas quando as
pessoas pensavam que havia mais quatro a ouvir o ataque, só
vinham ajudar em 31 por cento das vezes. Noutra experiência, as
pessoas que viam fumo a sair por baixo de uma porta, davam o
alarme em 75 por cento das situações em que estavâm sozinhas,
mas só em 38 por cento dos casos em que estavam em grupo. Por
ouras palawas, quando as pessoas estão em grupo, a responsabi-
lidade de agir torna-se difusa. Assumem que oura pessoa fará o
telefonema, ou assumem que, como mais ninguém age, o pro-
blema aparente - os sons do ataque epiléptico na sala ao lado, ou
o fumo a sair da porta - não é realmente um problema. Então, no
caso de Kitty Genovese, afirmam os psicólogos sociais como
Latane e Darley, a conclusão não é que ninguém ligou apesar de
trinta e oito pessoes a terem ouüdo gntar; é que ninguém ligou
Porquetrinta e oito pessoas ouviram os gritos. Ironicamente, se ela
tivesse sido atacadâ numa rua solitária com apenas uma testemu-
nha, talvez pudesse ter sobreüvido.
Por outras palawas, a chave parafazer com que as pessoas mu-
dem o comportamento e se preoerpem com o vizinho em apuros,
porvezes encontra-se nos pormenores mínimos da situação ime-
diata. O Poder do Contexto afirma que os seres humanos são muito
mais sensíveis ao ambiente do que possa parecer à primeira vista.

fu três regras do Ponto - a Lei dos Poucos, o Factor


de Viragem
de Aderência e o Poder do Contexto * apresentam um modo de
compreender as epidemias. Fornecem-nos uma direc$o de como

35
A Chave do Sucesso

chegarao Ponto deViragem. O obiectivo deste liwo é pegarnestas


regÍas e aplicá-las a outras sinrações suqpreendentes e a epidemias
no mundo que nos rodeia. Como é que estas três regras nos aiudam
a compreender o tabagismo entre os iovens, por exemplo, ou o fe-
nómeno do boca-a-bocxr, ou a delinquência, ou a ascensão de um
liwo recordista de vendas? Ás resposas podem ser sulpreendentes.

36
2
ALEI DOS POUCOS:
Comunicadores, Peritos e Vendedores

Na tarde de 18 deAbnldelTTS,um rapaz que trabalheva num


estábulode cavalos em Boston ouviuum oficial do exército inglês
* dízer qualquer coisa como "amaúã vem aí o inferno". O rapaz
foi a correr contâr a história no North End de Boston, onde mo-
râva um ourives chamado Paul Revere. Revere ouviu com toda e
atenção; não era a primeira vez que lhe chegavam rumores na-
quele dia. Mais cedo, dguém lhe dissera que um número inusi-
tado de oficiais ingleses se tinha reunido no Cais Comprido de
Boston, a falar em voz baixa. Mariúeiros ingleses foram vistos a
correrde um ladopara o outro em barcos àvolados navios da ar-
mada britânica Somenü e Bo1ne, ancorados no porto de Boston.
Outros marinheiros em terra pareciam cumprir apressadamente
várias tarefas.Àmedida que a tarde pâssave, Revere e o seugrande
amigo Joseph Warren estavem cada vez mais convencidos de que
os ingleses se estevam a preparar paÍâ tomar a grande iniciativa de
que se falava há tanto tempo - marchar pera a cidade de Loring-
ton, a noÍoeste de Boston, para prender os chefes coloniais ]ohn
Hancock e Samuel Adams, e depois seguir para Concord para
apreender as reservas de armas e munições que as milícias coloni-
ais tinham escondido ali.
O que âconteceu a seguir tornou-se uma lenda histórica, con-
tada a todas as crianças norte-americanas. Às dez horas dessa

37
A Chave do Sucesso

noite,Warren eRevere encontrarâm-se. Decidiram que tinham de


avisaras comunidades àvolta de Boston da incursão dos ingleses,
parâ que asmilícias se juntassem para os enfrentar. Revere atraves-
sou o pofto de Boston no barco para Charlestown. Saltou para
cima dum cavalo e começou a suâ <<cavalsrdt da meia-noite" até
Lexington. Fez vinte e seis quilómetros em duas horas. Em todas as
aldeias por onde passava - Charlestown, Medford, North Cam-
bridge, Menotomy- batia às portas e dava a notícia, informando os
chefes coloniais da vinda dos ingleses, e dizendo-lhes para aüsa-
rem os outros. Os sinos das igrejas começaram a tocar a rebate. Ou-
viam-se tambores. A notícia espalhava-se como um vírus, à medida
que aqueles que tiúam falado com Paul Revere mandavam os seus
próprios cavaleiros, até os alarmes soarem em toda a região. A no-
tícia chegou a Lincoln, em Massachusetts, à ume da manhã, a Sud-
buryàstrês, e aÂndover, a 65 quilómetros de Boston, as cinco, e àrs
nove tinha chegado tão longe como Ashby, perto de Worcester.
Quando finalmente os ingleses começaram e marchar para L.*irg-
ton, na manhã do dia dezanove, a sua incursão no campo encon-
trou uma resistência feroz e organizada, parâ grande surpresa de-
les. Nesse dia, em Concord, os ingleses enfrentaÍam e foram
derrotados decisivamente pela milícia colonial, e desse encontro
saiu a guerra conhecida como a Revoluçáo Americana.
Acavalgada de Paul Revere ételvezo exemplo histórico mais fa-
moso de uma epidemia de boca-a-boca. Uma notícia extraordinária
percoÍreu uma loaga distância em muito pouco tempo, mobili-
zando uma região inteira. É claro que nem todas as epidemias de
boca-a-boca são assim tão sensacionais. Mas pode dizer-se que a pa-
lavra falada ainda é a forma mais importante de comunicar, mesmo
nesta época de comunica$o de massas e campanhas de publici-
dade da ordem dos muitos milhões de dólares. Pense por instentes
no último bom restaurante a que foi, na mais recente peça de roupa
care que comprou, no último filme que viu. Em quantos destes

38
ALei dos Poucos

casos é que a $ra decisão de onde gasterdinheiro não foi fortemente


influenciada pela recomenda$o dum amigo? Há muitos publicití-
rios a pensar que, precisemente por câusa da grande presença do
marketing hoje em dia, os apelos de boca-a-bocÍI se tornaram e
única forma de persuasão a que a maioria ainda reage.
Mas, apesar disso, o boca-a-boca ainda é bastante misterioso.
Ás pessoas estão sempre a dar inforrnações umas às outras. Mas só
em raras ocasiões é que ume troce dessas inicia uma epidemia de
boca-a-boca. No meu bairro há um pequeno resteurante de que
gosto muito, e do qual tenho andado a falar aos meus amigos há
seis meses. Mesmo assim continua meio vazio. É evidente que a
miúa recomendação não chega para começar ume epidemia de
boca-a-boca; no entanto há restaurantes que eu não acho melho-
res do que o do meubairo e que pouces semanâs depois de abrir
estão a recuser clientes. Porque é que há ideias e mensegens que
descolam, e outras não?
No caso da cavalgada de Paul Revere, e respostâ parece fácil.
Revere tinhauma notícia sensacional os inglesesvinham aí. Mas
se olharmos mais de perto pera os acontecimentos dessa noite,
esta explicação também não resolve o enigma. Na mesma altura
em que Paul Revere começou e cavalgar para norte e oeste de Bos-
ton, outro revolucionário - um curtidor de peles chamado Wil-
liam Dawes - partiu com e mesme missão urgente a caminho de
Lexinçon, passando pelas cidades a oeste de Boston. Levava uma
mensagem idêntica, passando por tantas cidades e percorrendo
tantos quilómetros como Paul Revere. Mas a cavalgada de Dawes
não incendiou os qlmpos. Os chefes das milícias locais não fica-
ram vigilantes. Na realidade, houve tão poucos homens de uma
das localidades por onde passou - Waltham - a lutar no dia se-
guinte, que muitos historiedores concluíram que se devia tratar
de uma comunidade fortemente pro-inglesa. Mas não era. O povo
de Waltham só ficou a saber da incursão dos ingleses tarde de mais.

39
A Chave do Sucesso

notíciaem si que tivesse importância ntrmâ epidemia


Se fosse so a
de boca-a-boca, Dawes agora seria tão famoso como Paul Revere.
Mas não é. Então,porque é que Revere conseguiueDawes não?
A resposta é que o sucesso de qualquer tipo de epidemia social
depende forcemente do envolvimento de pessoâs com um con-
irrnto de dons sociais específicos e raros. A notícia de Revere dis-
perou e a de Dawes não disparouporcÍursadas diferençâs entre os
dois homens. É a Lei dos Poucos, que delineei no capínrlo ante-
rior. Mas nesse altura limitei-me a dar exemplos do tipo de pes-
soas - muito promíscuas, predadoras soarais - que são decisivas
nas epidemias de doenças sexualmente transmissíveis. Este capí-
tulo é sobre pessoas decisivas pâre epidemias sociais, e sobre o
as
que é que torna Paul Revere diferente de William Dawes. Este tipo
de pessoas anda à nossa vola. Contudo, frequentemente não lhes
damos o devido crédito pelo papel que rêm nas nossas vidas.
Chamo-lhes Comunicadores, Peritos e Vendedores.

No final da década de 1960, o psicólogo Stanley Milgram fez


uma experiência pare encontrer â resposte para aquilo que é
conhecido como o pÍoblema do mundo pequeno. O problema é o
seguinte: como é que os seres humanos se ligam? Será que perten-
cemos todos a mundos separados, que operâm em simultâneo
mâs com autonomia, de modo que os laços entre duas pessoas,
em qualquer perte do mundo, são poucos e distantes? Ou esta-
mos todos agarrados uns eos outros nume grande rede de liga-
ções? De certo modo, Milgram esteva afezer a mesme pergunta
que abre este capítulo, especificamente, como é que uma ideia ou
uma tendência, ou uma notícia - vêm aí os ingleses! - se rrans-
mite numapopula$o?

4o
ÂLei dos Poucos

A ideia de Milgram foi testar estâ pergunta com uma cadeia de


cartas. Arraniou o nome de 160 pessoas que viviam em Omúa, no
Nebraska e mandou a cadauma delasumpacotepelo correio. No
pâcote estavâ o nome e a momda de um coÍTetor que trebalhava
em Boston e vivia em Sharon, no Massachusetts. Pedia-se a cada
pessoa que escrevesse o seu nome e morada e mandasse o pacote
para alguém que aúasse que o colocaria mais perro do corretor.
Por exemplo, urna pessoa que vivesse em Omaha mas tivesse urn
primo a morar ao pé de Boston, podia rnandá-lo para ele, partindo
do princÍpio de que, mesmo que o primo não conhecesse o coÍre-
tor pessoalmente, era mais provável que conseguisse chegar-lhe
ern duas, três ou quâtrCI etapas. A idei* era que quando o pâcore
finalmente chegasse a casa do corretor, Milgram pudesse olhar para
a lista de todas as pessoas por onde tinha passado e estabelecer
qual aproximidade de duas pessoes escolhidas aleatoriamente em
duas cidades distantes. Milgramverificou que a maiorparte dos pa-
cotes chegou ao correto{ em cinco ou seis etapâs. É com esta expe-
riência que chegamos ao conceito dos seis $aus de proximidader.
Esta expressão tornou-se tão conhecida que é ficil esquecer
como a descoberta de Milgram foi tão surpreendente. A maioria
de nós não tem grupos de amigos particularrrente amplos ou di-
versificados.Num esrudo muito conhecido, umgnrpo de psicólo-
gos pediu às pessoas queviviam no bairro social de Dyckman, na
parte norte de Manhattan, pâra dizerem o nome do amigo mais
chegado no bairro; 88 por cento dos amigos viviam no mesmo
prédio, e memde no mesmo andar. §m geral, as pessoas escolhem

I Sk degreu of sEaration é a teoria que diz que qualquer pessoa no mundo pode ser
ligadaa qualquer outra atraÉs de uma edeia de conhecidos que nâo envolve mais do que
cinco pessoas" Foi invenada em 1929 pelo escritor húngaro Friryes Karinúy no conto
foi colocad* matemadcamente (mas não resolvida), serviude tíaío a
"Chains". Ateoria
uma peça do conhecido dramarurgo norte-americano lohn Guare, e de algqm modo en-
trou no folclore dos chamados mitos urbanos. (N. do f.)

4t
A Chave do Sucesso

âmigos da mesma idade e da mesma raça. Mas se o amigovive ao


fundo do corredor, então a idade e a raça são muito menos impor-
tântes. A proximidade sobrepõe-se à semelhança. Outro estudo,
feito com estudantes da Universidade de Utah, descobriu que se
se perguntar a alguém por que razãa é amigo de outra pessoa, dirá
que é porque ambos têm atitudes parecidas. Mas se se perguntar
realmente aos dois quais são as suas atitudes, descobre-se que o
que eles realmente partilham são actividades similares. Somos
amigos das pessoas mm quem fazemos alguma coisa, tanto como
somos amigos de quem é parecido connosco. Poroutras palavras,
aão andamos à procura dos amigos. Associamo-nos com pessoâs
qne ocupam os mesmospequenosespaçosffsicosque nós. Em re-
grâ, aspessoas de Omahanão são amigasde pessoas quevivem do
outro lado do país em Sharon, no Massachusetts. "Quando per-
guntei a um amigo muito inteligente quantas etapas é que ele
achava que levaria, calculou que seriam aecessários cem interme*
diários ou mais para levar o pacote de Nebraskâ para Sharon",
escreveu Milgram nessa altura. *Muitas pessoas fizeram estimativas
parecidas, e ficaram muito suqpreendidas ao saberque em média
bastavam seis. De algummodo não condizcom aintuição." Como
é que o pacote chegou a Sharon em apenâs cinco etapas?
A resposta é que nos seis graus de proximidade nem todos
os graus são iguais. Porexemplo, quando Milgram avaliou aexpe-
riência, descobriu que muitas das cadeias de Omaha para Sharon
seguiam o mesmo padrao assimétrico. Vinte e quâtÍo cartas che-
garam a câsa do corretor em Sharonn sendo que dezasseis the
foram entregues pela mesma pessoa, um negociante de tecidos a
que Milgram chama Sr. ]acobs. As restantes foram entregues ao
corretor no seu escritório, e a maioria delas foram eotregues por
duas pessoas, a quem Milgram chama Sr. Brown e Sr. Jones. No to-
tal, metade das respostes que chegaram ao corretorvieram através
de três pessoas. Pense no assunto. Dúzias de pessoas, escolhidas

42
A Lei dos Poucos

aleatoriamente numa grande cidade do Midwest, menderam as


cartas independeÍrtemente umes das outras. Algumas enviaram-
-nas através de conhecimentos da faculdade. Outras mandaram-
-nas pere parentes. Outras para antigos colegas de trabalho. Cada
pessoa seguiu uma estratégia diferente. Contudo, no final, quando
se completaram todas as cadeias separadas entre si e muito dife-
rentes, metade das cartas acabaram nas mãos de lacobs, |ones e
Brown. Seis graus de aproximaSo não quer dizer que toda a gente
está ligada entre si por apenas seis etapas. Quer dizer que qual-
querpequeno grupo de pessoas esuí ligado a todâ agente empouces
etapas, e o§ outros estão ligados ao mundo através desses poucos
especiais.
Há uma maneira f;ícil de explor*r esta ideia. Suponha que faz
uma lista das quarentâ pessoas que considera serem o seu círculo
de amizades (sem incluir a famflia e os colegas de trabalho) e de-
pois anda para trás até conseguir identificar e pessoe que inicial-
mente foi responsável por fazer endar a série de contactos que
levou a cada amigo. Por exemplo, o meu amigo mais antigo, Bruce,
conheci-o na primeira classe, portanto sou eu o responsável pelo
contacto. Este é {âcil. Conheci o meu amtgo Nrgel porque ele vivia
no mesmo andar da residência universitária que o meu amigo
Torn, o qual conheci porque no primeiro ano nauniversidade me
convidou para iogar futebol. Tom é responsável por Nigel. Uma
vez feitas todas as ligações, o que é estranho é encontrar os mes-
mos nomes várias vezes. Tenho uma amiga chamada Amy, que co-
nheci quando uma amiga dela, a Katie, foi com ela a um resteu-
rante onde eu estava a iantar. Conheço a Katie porque é a melhor
amiga da minha amiga Larissa, que conheço por causa de um
am€o mútuo - Mike A - que conheço porque foi para auniversi-
dade com outro amigo meu - Mike H. - que costumeva trabalhar
num semanário político com o meu amigo Jacob. Sem lacob não
haveria a Amy. Do mesmo modo, conheci a minha amiga Sarah S.

43
A Chave do Sucesso

no meu aniversário no ano pessado, porque ela foi com um escri-


tor chamedo Daüd que foi convidado pela sua agente, Tina, que
eu tinha conhecido através da minha emlga Leslie, que conheço
porque a irmã dela, Nina, é amiga da minha amlga Ann, que co-
nheci greçes à minha antiga colega de apartamento, Maura, que
foi minha colega de apartamento porque trabalhava com ume es-
critora chamada Sarah L., que era colega na universidade do meu
amigolacob. Semfacob, náohaveria Sarah. Na realidade, quando
começo aver a minha lista de quarenta amigos, trinta deles estão
ügados alacob, de um modo ou de outro. O meu círculo social real-
mente não é um círculo. É uma pirâmide. E no topo da pirâmide
há uma únicâ pessoa -facob - que é o responsável por uma maio-
ria avassaladora dos relacionamentos que constituem a minha
vida. O meu círculo não só não é um círculo como também não é
meu. Pertence aofacob. É mais como um clube para o qual ele me
convidou. Aquelas pessoas que nos ligam ao mundo, que fazem a
ponte entre Omaha e Sharon, que nos epresentam ao nosso cír-
culo social - as pessoas de que dependemos mais do que nos aper-
cebemos - são os ComunicadoÍes, pessoas com um Elento espe-
cial para pôr os outros a comunicar.

2.

O que faz deumapessoeum Comunicador?O primeiro e mais


óbüo critério é que os Comunicadores têm muitos contactos. São
o tipo de pessoas que conhece roda a genre. Todos nós conhece-
mos alguém assim. Mas não creio que passemos muito tempo a
pensarna importância dessetipo de pessoas. Nem sequertenho a
certeza de que a maioriade nós acredite que o tipo de pessoasque
conhece toda a gente realmente conheça toda a gente. Mas
conhecem. Há uma maneira muito simples de ver isto. No panígrafo

44
A Lei dos Poucos

que se segue há uma lista de 25O apelidos, tirados aleatoriamente


de uma lista de telefonesl. Percorrr a lista e marque um ponto
sempre que vir o apelido de alguém que conheça. (Neste câso a
definição de "conhecer" é basante ampla. Por exemplo, se se sen-
tos ao lado de uma pessoa no comboio, saberá o nome dela caso
se tenham âpresentâdo, assim como ela sabe o seu.) Âpelidos re-
petidos contam. Poroutr*spalavras, se o apelido éSilva e conhece
três Silvas, marque três pontos. A ideia é que a pontu*So deste
teste deve representârpor alto o seugraude sociabilidade. É uma
maneire simples de calcular quanros amrgos e conhecidos tem.

Abraços, Abrantes, Abreu, Âbril, Aço, Âdrião, Águas, Abino,


Ali, Alonso, Alvarez, André, Azenha, Bagão, Baptista, Berata, Bar-
bas, Barrocas, Basto, Bernardo, Botelho, Botto, Brandão, Bruno,
Buxo, Cabeçadas, Cabreira, Caetano, Caiado, Calado, Calçada,
Cancela, Cardoso, Canralho, Castanheira, Cerveira, Clemente,
Colaço, Cosme, Custódio, Damas, De§ado, Dias, Diogo, Dioní-
sio, Direito, Domingues, Dores, Dourado, Duque, Dutra, Eça,
Eduardo, Elias, Eliseu, Elói, Emídio, Encârnação, Enes, Ervedosa,
Espaço, Esteves, Eurico, Ezequiel, Facada, Faísca, Falcão, Farinha,
Farraiota, Fátima, Félr& Fernandes, Ferro, Filipe, Flor, Formosi-
nho, Furtado, Gago, Gâma, Gamito, Gaspar, Gentil, GermaÍo,
Gomes, Gonçalves, Gouveia, Graça, Grilo, Guia, Guimarães, Gus-
mão, Hasse, Henriques, Herédia, Hermenegildo, Hernandez,Hi-
pólito, Hilário, Homem, Horta, Humberto, Ildefonso, Igreia, Iná-
cio, Inglês, Inocêncio, Isabel, Isaías, Isidoro, Ismael, Iria, Ivo,
]acinto, fanuário,lesus, João, )oaquim, ]óia, forge, )úlio, |únior,
justino, I(adosh, Kanji, I(armali, I(assam, Keil, Kelly, Kendall, Khan,

I O autor utiliza 250 nomes da lista telefonica de Nova Iorque. Utilizamos a lista
telefónica de uma grande cidade pomlguêsa, para que o leitor possa realmente fazer
o teste. (I{ do L)

45
 Chave do Sucesso

Kleber, Koch, Lacerda, Lages, Lança, Lancastre, Leal, teite, Lima,


Lobato, Lobo, Lourenço, Luz, Macedo, Maia, Mamede, Manso,
&larques, Martinho, Medeiros, Mendonça, Mira, Moniz, Moura,
Murteira, Nabais, Nascimento, Neves, Nogueira, Nolasco, Noro-
nha, Nova, Nunes, Nuno, Olaio, Olavo, Oleiro, Oliva, C)liveira,
Oriole, Ortigão, Orvalho, Osório, Otero, Pacheco, Pais, Parente,
Pato, Pedroso, Pequito, Pessoa, Pinheiro, Prâta, Puga, Quadrado,
Queirós, Querido, Quinta, Quintal, Quintas, Quintela, Quintino,
Quirino, Quiterio, Rafael, Râmoq Rebelo, Rebordão, Reis, Ren-
deiro, Ribeiro, Rocha, Rolo, Rovário, Sá, Sampaio, Sar*iva, Seixas,
Sequeira, Serrano, Silveira, Sousa, Souto, Souza, Taborda, Tadeu,
Tamen, Tapada, Tavares, Taveira, Teixeira, Teodoro, Tiago, Trin-
dade, Ulrich, Urbano, Uva, Vacas, Valadas, Vasconcelo§, Vaz,
Veiga, Venâncio, Ventura, Viana, Vicente, Vieira, Vinagre, Vital,
Vitorino, Walter, Wang, Wemans, Xara, Xaüer, X n,Zaçartas,Zam-
bujo, Zenha,Zuzarte.

Fiz este teste com uma dúzia de grupos de pessoas, pelo me-
nos. Um deles foi uma turmado primeiro ano do curso de Ciüli-
z*ções Mundiais no City College de Manhattan. Os estudantes
andavam todos entre os ri{timos anos da adolescência e osvinte e
poucos anos, muitos deles imigrantes recentes nos Estados Uni-
dos, com rendimentos médios e baixos. Â média de pontuação da
classe foi de 2A,96, o que quer dizer que em média cada um
conhecia 2l pessoas com os mesmos apelidos da minha lista. Tam-
bém fiz o teste com umgrupo de educadores de saúde e académi-
cos numa conferência em Princeton, na Nova |ersey. Este grupo
andava sobrenrdo entre os quarenta e os cinquenta, predominan-
temente brancos, com educação elevada - muitos eram doutora-
dos - e ricos. Apontuação média foi de 39. Depois §z o resre com
uma âmostÍa relativamente aleatória dos meus amigos e conheci-
dos, sobretudo jornalistas e profissionais entre os vinte e muitns e

46
A Lei dos Poucos

pontua$o média foi 41. Estes resultados não deviam


os trinta. A
sulpreender de todo. Os estudantes universiúrios não têm um
círculo de conhecimentos tão alargado como as Pessoas na ca§a
dos quarenta anos. Faz sentido que o número de pessoas que se
conhece duplique entre os vinte e os quarenta anos, e que profis-
sionais com altos rendimentos conheçam mais gente do que imi-
grantes com menos rendimentos. Em cada grupo também havia
uma diferença bastante grande entre os de maior e os de menor
pontuação. Isto também faz sentido, acho eu. Vendedores imobi-
liários conhecem mais pessoas do que peritos em computadores.
Contudo, o que é surpreendente é a enorme amplitude da pon-
tuação. Naturmadauniversidade apontuação mais baixa foi2 e a
mais alta 95. Na amostrâ aleatória, apontua$obaixa foi 9 e a alta
118. Mesmo da conferência em Princeton, com um grupo muito
homogéneo de pessoas com idades, educação e rendimento se-
melhantes - e quetinham todas, com poucasexcepções, a mesma
profissão - a amplitude eraenorme. Apontuação mínima somou
16 pontos. A mais alta foi de 108. No total, fizemos o teste com
cerca de 400 pessoas. Duas dúzias, mais ou menos, pontuaram
abaixo de 20, oito acima de 90, e mais quatro acima de 100. Aou-
tra coisasuryreendente é que encontrei oito pontuações altas em
cadagrupo.Apontua$o dos estudantes do CityCollege, em mé-
dia, Íicou abaixo da pontuação dos adultos. Mas mesmo nesse
grupo houve pessoas cuio círculo social é quatro ou cinco vezes
maior do que o de outras. Por outras palawas, em todos os géne-
ros de üda há algumas pessoas com um ieito verdadeiramente
exraordinário para fazeramigos e conhecimentos. São osComu-
nicadores.
Uma das pessoas com e pontuação mais alta na minha lista de
conhecidos foi um homem chamado Roger Horchow, um nego-
ciante bem sucedido de Dallas. Horchow criou a Horchow Collec-
don, uma empresa de vendas de produtos de luxo pelo correio.

47
A Chave do Sucesso

Também tem tidoum sucesso considerável naBroadway, afinan-


ciar peças famoses como lxs Miserabla e A Fantasma da Ópera,e a,
produzir o musical premiado, com música de Gershwin, lauco por
Ti. Fui apresentado a Horchowpela filha dele, que é minha amiga,
e falei com ele no seu poiso de Manhattan, um âpertamento ele-
gante na Quinta Avenida. Horchow é m4gro e formal. Fala deva-
ger, com um ligeiro sotaque do Texas. Tem aquele tipo de charme
seco e irónico que é extremamente sedutor. Se ficarmos sentados
ao lado dele num voo sobre o Atlântico, começe a falar assim que
o avião começâ a andar na pista, estaremos a rir na altura em que
se podem desapertar os cintos, e quando chegarmos ao destino
nem demos pelo tempo passar. Q3rando dei a Horchow os nomes
da lista telefonica de Manhanan, percoÍreu-a muito depressa, a
mufinurar nomes rapidamente enquento o lápis percorria a folha
de papel. Teve uma ponín$o de 98. Acho que se the tivesse dado
mais dez minutos teria tido uma pontrueção ainda mais alta.
Porque é que Horchowpontuou tão alto?Ao coúecêlo fiquei
convencido de que onhecermuiagent€ é uma especie de talento,
algo que uma pessoâ pode tenardeliberadamente e pode aperfei-
çoar, e que essatécnicafoi importante paraele coúeceranaspes-
soas. Perguntei-lhe como é q* todos aqueles coúecimentos o ti-
úam ajudado nos negócios, porque achei que as duas oisas têm
que esar ligadas, mes as minhas perguntâs pareceram surpreendê-
-lo. Não é que os onhecimentos não o teúam aiudado. Mas ele não
penseva nos contactos que íuia omo uma estreteia empresarial.
Acharra simplesmente que ere uma coisa que fazia por fazer. Era o
que ele era- Horchow tem um talento instintivo e natural parafuer
contactossociais. Não o faz 4gressivamente.Não é daquelaspessoas
abertamente sociais, que passam a vida a dar palmadâs nas @stas
dos outros e para as quais o processo de fazer conhecimentos é inte-
resseiro e evidente. É mais um obsewador, com o estilo seguro e
oúecedorde alguem que gosta de ficarum pouco àparte. Simples-

48
A Lei dos Poucos

mente gosta de gente de um modo genuíno e intenso, e aúa que es


maneirâs de fazerooúecimentos e a interecÉo entre es pessoas é
sempre fascinante. Quando falei com Horchow, contou-me como é
que conseguiu os direitos pare ressusciar o musical de Gershwin
lauco pr Rapangas com o novo título l*uco por Tí. A historie toda
levotrvinte minutos a oontar. Isto é apenas umaparte. Se pareoe que
ele calculou o tempo, o facto é que não o fez. C,ontou a histórie com
um ar $xrve e como se estivesse a fazer troça de si próprio. Acho que
deliberadamente com as contradipa da zua persona-
esta\xâ e gozar
lidade. Mas acho que é um Íetreto perfeito de como funciona a ca-
beça de§ e daquilo que faz de uma pessoa um Comunicador:

Tenho um amigo chamado Mi"kry Shannon, que vive em Nova Ior-


que. Disse-me que sabia que eu adoro Gershwin. E eu conheci uma antiga
namorada de George Gershwin que se chama Emily Peley. Ela também era
irmã da mulher de lra Gershwinr, lênore. Vive no Village e convidou-nos
para iantar. Então, o que interessa é que conheci Emily Pdey e ü um quadro

dela pintado por Gershwin. O marido dela, Lou Paley, escreveu com
Gershwin e lra Gershwin ao princípio, quando lra ainda se cha-ara a si
próprioAntrur Francis. Essa foi uma das ligaçÕes...
Almocei om um tipochamado Leopold Gadowslry, que é filho de Fran-
ces Gershwin" a irmã de George Gershwin. Ela casou oom um compcitor
chamado Gadows§. O filho doArttrur Gershwin também lá estava Chama-
-se Merk Gershwia. Então eles peÍguntenm-me poque é que haveriam de
mevenderos direitos defuucaporRapadgas.Quem évocê?Nunca foi do tea-
tro. Então comeei a mosuar-lhes as minhas mincidências. Avoasatiq Emily
Paley. Estive em casadela O quadro delacomoxailerrermelho -iáoviram?
Trou:re para a onvena todos aqueles pequenos ponneoores. Depois fomos
todos aHoll),uroode fomos acasa daSr." Gershwin eeu disse-lhe que estâva

t Há dois irmãos Gershwin, George e lra.


Qgando Horchow fala simplesmente de
Gershwio, refere-sc a George. (N. do ?1,)

49
A Chave do Sucesso

muito satisfeito por a conhecer, que iá tinha conhecido a irmã dela. Que gos-
tava muito do trabalho do marido. Álu então âlei do meu amigo de losAnge-
les. Qpando esava naNeiman Marcusl houve uma seúora que escreveu um
livro de cozinha. O nome dela era Mildred lfuopf, O marido era Edwin lkropf,
o produtor de cinema. Foi quem produziu os filmes da Audrey Hepburn. O ir-
mão dele era o editora. Lançámos o liwo em Dallas e a Mildred tornou-se
nmsa arniga Gostávamos mufuodela esempre que íamos a LosAngelestele-
fonánamos-lhe. Mantenho sempre os contactos com as pessoes. Bem, acon-
tece que Edwin Knopfera o maior amigo de George Gershwin. Tiúam foro.
g.afias do Gershwin por toda e cese. Ele estava com Gershwin quando
escreveu a .Rapsódia in Blue", em fuheville, na Carolina do Norte. A Sr."
Knopfmorreu Mas a Mildred ainda está viva. Agora tem noventa e oito anos.
Portanto, quando fui falarcom ke Gershwin, mencionámos que tínhamos
acabado de ester em casa de Mildred K""pf Ela disse, então conhecem-na?
Ah, como é que ainda não nos conhesíamos? Vendeu-nos logo os direitos.

Durante a nossa conversa, Horchow contou várias histórias se-


melhantes, deliciado por iuntar todâs as pontas de uma vida in-
teira. Para o aniversário dos seus setenta anos, tentou encontrar
um amigo do liceu chamado Bobby Hunsinger, que não via há ses-
sente ânos. Mendou cârtes a todos os Bobby Hunsinger que con-
seguiu encontrar, a pergunter se eram o Hunsinger que vivia na
Rua Firstlane número 4501em Cincinnati.
Não se trata de um comportamento social normal. É um pouco
fora do comum. Horchow colecciona pessoas da mesma maneira
que outros coleccionam selos. Lembra-se dos miúdos com quem
brincava há sessenta enos, a morede do melhor amigo durante a
infância, o nome do rapaz por quem a sua namoreda da universi-

I Grendes armazéns de Dallas, especializados em anigos de luxo. Os seus livros de


cozinhasão muitofamosos. (N. do ?i)
2
A lGopfé uma das maiores editoras de livros dos Estados Unidos. (N. do T.)

5o
ALei dos Poucos

dade se apaixonou quandopassouo pÍimeiro ano no estrangeiro.


Estes pormenores são fundamentais para Horchow. Tem no com-
putedor uma lista de 16O0 nomes e moradas, e para cada um deles
uma nota com as circunstâncias em que conheceu essâ pessoa.
Enquanto falávamos, pegou numa pequena agenda com capa en-
carnada. "Se nos conhecermos e gostar de si, e poÍ acaso você
disser em que dia é que faz anos, tomo notâ e depois irá receber
um cartão de aniversário de Roger Horchow. Veja aqui - segunda-
-feira foi o dia de anos de Ginger Broom e o primeiro aniversário
de casamento dos Wittenberg. E os anos do Alan Schwartz são ne
sextâ e os do nosso iardineiro no sábado."
Penso que a maioria das pessoas evite esta maneira de crrltivar os
conhecimentos. Somos fiéis ao nosso círculo de amigos. Quanto
aos coúecidos, mantemo-los à distância- O motivo por que não
mandamos certões de aniversário às pessoas que não nos interes-
sam muito é porque não queremos ser obrigados a iantar com elas,
ou a ir ao cinema com elas, ou a visiú-las quando estão doentes.
Para a maioria de nós, o obiectivo de fazerconhecimentos é arr*liar
se queremos que essa pessoe seia nossa amign; achamos que não
temos tempo nem energia penr mürter mnactos significativos com
toda a gente. Horchow é muito diferente. As pessoas que coloca na
zua agenda ou no computedorsão conhecidos - pessoes que pde
encontrar apenas uÍna vez por ano ou em vários enos - e não se
inibe das obrigages que essa ligaSo exige. Domina aquilo a que os
sociólogos chamam uma"liga$o fraca,,, umaliga$o social amiga-
vel, porém casual Mais do que isso, uma
"liga$o fraca» iá o satisfaz.
Depois de o coúecer, senti-meligeiramente frustrado. Q3reriaco-
nheêlo melhor, mas fiquei a Fnser se teria hipóteses. Não penso
que ele sentisse a mesma frusua$o que eu. Acho que é uma pessoa
que dá valor e tem pnrzer num encontro casual.
Porque será Horchow tão diferente da maioria? Ele proprio
não sabe. Pensaquetem algo avercom o tersido filho único com

51
A Chave do Sucesso

um pei muitas vezes longe dele. Mas isso não explica e suÍl perso-
nalidade. Talvez seia melhor chamar ao impulso do Comunicador
âpenas isso - um impulso, apenas mais um dos muitos traços de
personalidade que distingue um serhumano de outro.

3.

Os Comunicadores não são importantes apenas pelo número


de pessoas que conhecem. A sua importância também depende
do cipo dessas pessoâs. Talvez a melhor maneira de perceber este
aspecto seia através do conhecido iogo de salão..Seis etapas para
Kevin Bacon,,. A ideia deste iogo é tentar ligar qualquer actor ou
arcrr,iz ao actor Kevin Bacon, etravés dos filmes em que panicipa-
ram, em menos deseis etapas.Assim, porexemplo, participouem
Naked Guncom Priscilla Presley, que actuou emHord Fairlane com
Gilbert Gott&ied, que actuou emBarcr$ Hilk Cop II comPaul Rei-
ser, que participou em Diner comKeün Bacon. São quarro erepas.
Mary Pictdord aparece em Screen Snapshots com Clark Gable, que
fez CombatAmericacomTonyRomano, o quel, trintae cinco anos
mais tarde, actuou em Su*ing Oyer com Bacon. São três etepas.
Recentemente, um perito em computedores da Universidade de
Virginia, chamado Brett Tiaden, calculou realmente o número
médio de Bacon pera cerce de um quarro de milhao de actores e
actrizes que participaram nos principais filmes para televisão ou
outros filmes, e obteve 2,83l2ettpas. Poroutras palavras, qualquer
pessoa que tenha acnrado alguma vez pode ser ligado a Bacon
numa média de menos de três etapas. Parece impressionante,
contudo Tiaden ainda fez um cálculo mais complicado, medindo
o grau médio de conectiüdade para toda a gente que actuou em
Hollywood. Por exemplo, quantas erapas em média são necessá-
rias para ligar toda a gente de Hollyvood a Robert deNiro, ou

52
A Lei dos Poucos

Shirley Temple, ou Adam Sandler? Tiaden descobriu que ao listar


todos os actores de Hollywood por ordem de conectividade, Bacon
fica *penas no 669." lugar. Comparativ*mente, Manin Sheer pode
ser ligado a todos os ourros acrores em2,63681 etapas, o que o
coloca quase 650 lugares acima de Bacon. Elliot Gould ainda pode
ser ligado mais depressa, em 2,63601e&pas. Entre os quinze
melhor colocados estão actores corllo Robert Mitchum, Gene
Hackman, Donald Sutherland, Shelley Winters e Burgess Mere-
diú. O actor melhor ligado de todos os tempos? Rod Steiçr.
Porque é que o Kevin Bacon fica tão arrás destes actores? Um
grande fa«or é que Bacon é muiro mais iovem do que a maioria
deles e portanto fez muito menos filmes. Mas isto explica apenas
uma parte da diferença. Há muitas pessoas, por exemplo, que fize-
ram uma grande quantidade de filmes e não estão particular-
mente bem relacionadas. |ohn Wayne, por exemplo, participou
no extraordinário número de 179 filmes nâ sua carreira de ses-
sentâ anos e mesmo assim Íica só em 116.o lugar, com2,7L73.
O problema é que mais de merade dos filmes de lohn Wayne fo-
ram filmes de cowbolts, o que quer dizer que fez muitas vezes o
mesmotipo de filmes com o mesmo tipo de actores.
Mas veia-se alguém como Sterger: panicipou em grandes Íil-
mes como Há Inda no Cais,vencedor do Óscar, e filmes horríveis
como Car Pool. Ganhou um Óscar pelo seu papel em No Calor da
Naite e tambérn actuou em filmes tipo B tão mau§ que pa§sâram
logo paravídeo. Fez o papel deMussolini,Napoleão, PôncioPila-
tos e Al Capone. Participou em trinta e oito dramas, doze policiais
e comédias, onze filmes de suspense, oito filmes de ac$o, sete de
cowbojs,seis de gueÍTa, quatro documentários, três de terror, dois
de ficção científica e um musical, entre outros. Rodsteigeré o ac-
tor mais bem relacionado da história porque conseguiu movimen-
tar-se para todos os lados entre os diferentes mundos, subcultu-
ras, nichos e níveis que a profissão de actoroferece.

53
A Chave do Sucesso

São assim os Comunicadores. São os Rod Steigers do dia-a-dia.


São pessoas a que todos nós podemos chegar em poucâs etapa§
porque, por esta ou aquela razia,consegqem participar em dife-
rentes mundos, subculturas e nichos. É claro que no caso de Stei-
ger alta conectividade é função da suaversatilidade como âc-
a sua

tor e, provevelmente, de um certo grau de sorte. Mas no caso dos


Comunicadores, a capacidade de abrangertantos mundos diferen-
tes é função de a§o intrínseco à sua personalidade, uma combina-
ção de curiosidade, autoconfiança, sociabilidede e energia.
Uma vez, em Chicago, conheci uma Comunicadora clássica
chamada Lois Weisberg. É a vereadora da Cultura da Câmara de
Chicago. Mas esta posi$o é apeaas a ultima do que tem sido um
percurso entraordinário de e4periências e carreiras. No começoda
decada de 1950, por exemplo, Weisberg dirigia um grupo dramá-
tico em Chicago. Em 1956 decidiu organizar um festival para co-
memorâr o centenário do nascimento de G.orye Bernard Shaw, e
depois começou a publicar um iornal dedicado a §haw, que depois
passouporuma muta$o para se tornârum sernanário alternativo
clandestino chamado The Paper.Nas noites de sexta-feira iunta-
vam-se pessoas de todas as áreas da cidade para as reuniÕes edito-
riais. William Friedkin, que mais tarde seria realizadar de The
French Connnectíon e O Exorcisu, ia sempre, assim como o advogado
Elmer Geru (que foi um dos advogados de Nathan Leopold), e al-
guas dos editores da revista Plafioysidrada na mesma rua* Pessoas
como Art Farmer, Thelonius Monh fohn Coltrane e Lenny Bruce2
costumavam passar por lá quando estavam na cidade. (Bruce che-

Nathaa kopold e Richard Loeb tomaram-se trisemente famosos aindr


I Os jovens

iovens por terem assassinado uma criança a sangue-frio, so para prorer e si próprios que
conseguiam faz&lo sem serem aparúados. Forem condenadoç a prisão perpetua. {N. do f.)
2 Leany Bruce (1925-1966) é o mais famoso dos comediantes stcnd-up rorte-ame*

cânos e o modelo seguido por muitos famosos depois dele, como Seinfeld- Uma das
§uâs marces era o uso corstante de palavrões. (N. do T.)

54
A Lei dos Poucos

gou e viver com Lois durante atgum tempo. ..4 minha mãe ficou
furiosa, particularmente num dia em que me foivisitare ele abriu
a porta só com uma toalha de baúo>>, conte Lois. dínhamos uma
ianelaparao alpendre e ele nãotinhaa chave, portanto aianela es-
tâvâ sempre aberte para ele entrar. Havia muitos quartos naquela
casa e ficara lá muita gente que eu nem sabia que esara. Nuncagos-
tei das piadas dele. Realmente não gosteva da sua apresenteÉo.
Não aguentava os palawões que ele üzia.") Depois do The Paper
ter acabado, Lois foi trabalhar pÍlra um instinrto de reabilitação
de traumatizados. Depois empregou-se num escritório de advoga-
dos dedicedo a ceusaspúblicas chamado BPI. No mesmo período
tornou-se obcecada com a negligência e abandono dos iardias pú-
blicos de Chicago; iuntou um grupo heterogéneo de amantes da
nâtureze, historiadores, activistas cívicos e donas de casa, e fun-
dou um grupo de interesses chamado Âmrgos dos Parques. De-
pois ficou preocupada com o cancelamento de uma linha de com-
boio suburbano que corria pela margem sul do lago Michigan - de
Souú Bend para Chicago -, juntouumgupo heterogéneo de frs
do caminho-de-ferro, ambientalistas e utilizadores da linha, e
fundou a Recreação do Souú Shore, que salvouo comboio daor-
tinção. A seguir tornou-se directora executiva do Conselho de
Advogados de Chicago, uma organização legal progressista. De-
pois dirigiu a campanha eleitoral de um congressista local. A se-
guir foi aomeada directora de eventos especiais do primeiro Pre-
sidente da Câmar* preto, Harold Washington. Depois deixou a
administração e abriu uma barraca numa feira da ladra. A seguir
-
foi trabalhar para o edil Richard Daley - lugar que ocupa até hoie
como vereadora dos Assuntos Culturais.
Ao analiser a história de Lois e fazendo es contas, o número de
mundos e que pertenceu chega a oito: âctores, escritores, médi-
cos, advogados, adeptos dos iardins públicos, políticos, apreciado-
res do caminho-de-ferro e frequentadores das feiras públicas.

55
AChave do Sucesso

Quando pedi a Lois para fazer asua lista, chegou eáez, acrescen-
tando arquitectos e o pessoal do sector das recepções e apoio
turístico coÍn que rabalha actualmente. Mas provavelmente está a
mostrar-se modesta, porqu€ se olharmos melhor para a vida dela
provavelmente podemos subdividii as sues experiências em
quinze ou vinte mundos. Contudo não são mundos separados.
A questão quânto aos Conurnicadores é que, tendo os pés em
mundos tão diferentes, conseguem iuntá-los todos.
Uma vez - e isto terá sido em meados da década de 195O - Lois
foide comboio aNovalorque,porque the apeteceu, para assistirà
ConvenSo de Escritores de Fic$o Científica, onde conheceu um
jovem autor chamado Ârthur C. Clarke. Clarke gostou dela, e
quando foi a Chicago telefonou-lhe.
- Ligou-me duma cabina telefonica - recorda Lois. - Pergun-
tou-me se havia alguém em Chicago que valesse a pena conhecer e
eu convidei-o para ir a miúa casa.
Lois f*la com uma voz baixa e rouczl, cozida por rneio séc,ulo de
nicotina, e âz ume pausa entre as frases para dar mais uma passa
no cigarro. Mesmo quando não está a fumar faz a mesma pausa,
coÍno se estivesse a praticar pare as alturas em que t€m o cigarro
ace§o.
- Liguei pera o Bob Hughes. Bob eraum dos que escreviap*ra
o meu iornal. - Pausa. - Pergunteilhe se conhecia alguém em
Chicago interessado em conhecer Arthur Clarke. Ele disse que
sim, o Isaac Asimoy estava na cidade. E aquele tipo, o Robert, Ro-
bertHeinlein. E assimvieramtodos e foram falarpareo Ínetl escri-
tório. - Pausa. - Depois chamaram-me e disseram: Lois... não me
consigo lembrar da palavra que usâram. Era qualquer coisa sobre
o facto de eu sero tipo de pessoa que junta os outros.
De certo modo esta é uma história típica de Lois Weisberg. Pri-
meiro ela aproxima-se de alguém fora do seu mundo. Na época de-
dicava-se ao teatro, Arthur Clarke escrevia âcção científica. Então,

56
A Lei dos Poucos

o que é igualmente importante, a pessoâ responde à aproxima$o


dela- Há muitagente que tena aproximar-se de pessoas diferentes,
ou meis famosas e bem sucedidas do que nós, mas o gesto nem
sempre é retribuído. Edepoisháo facto deArúurClarke iraChi-
cago, querer fezer contect(x,ligar-se a alguém, e Lois encontrrr
IsaacAzimov. Ela diz que foi uma sorte que Azimov estirrcsse na ci-
dade. Mas se não fosse Azimov seria outra pessoa.
Uma das coisas de que as pessoes se lembram nas reunióes or-
ganizadas por Lois nas sercas-feiras à noite, na década de 1950,
era que se sentiam sempre racialmente integradas, sem terem de
O facto é que sem essas reuniões, os pretos e osbran-
se esforçar.
cos do Nonh Side não se teriam socializado iuntos. Na época era
raro, mas aconteceu. A questão é que não econteceu acidental-
mente; aconteceu porque um certo tipo de pessoe fez com que
acontecesse. Foi isso que Asimov e Clarke quiseram ríizs1 quxÍlde
disseram que Lois tinha aquela qualidade - qualquer que seia -
que iunta as pessoas.
- Ela não é nada pretensiosa - diz WendyWillrich, que costu-
mavaürabelharpara Lois. - Umavez fui com ela ao esnidio de um
fotógrâfo profissional qualquer. As pessoas escrevem-lhe cartas e
esúdio convidou-a para sair e ela
ela responde a todas, e o tipo do
aceitou. Era basicamente um fotógrafo de casementos. Ela deci-
diu ver omo é que ele era. E zu a pensar, ó meu deus, temos mesmo
de andar querente e cino minutospara ir a este esnidio? Era ao
pé do aeroporto. Estamos a falar da vereadora de Cultura da cidade
de Chicago. Mas ela achou incrivelmente interessante.
Seria o fotógrafo mesmo interessante? Quem sabe?Aquestão é
que Iois achou-o interessante porque, de um modo ou de outro,
ela acha toda a gente interessante.
- Lois diz sempre que conheceu uma pessoa fantástica - conta-
deler, evê-se que
"Vais gostarimenso
-
-me um dos seus amrgos.
ela esú entusiasmada com a pessoa do mesmo modo que se ennr-

57
A Chave do Sucesso

siasmou com a primeira pessoa que conheceu e, sâbem que mais,


normalmente ela acerta.
Helen Doria, outre em€â dela, disse-me que «a [,ois vê coisas
em si que nem você próprio vê", o que é outra maaeira de dizer o
mesmo, que, porum capricho da netureza, Lois e âs pessoas como
ela têm um instinto que as aiuda a relacionarem-se com as pessoas
que conhecem. Quando Lois Weisberg se aproxima de alguém,
ou quando Roger Horchow se senta ao lado de uma pessoe no
avião, nãovêem o mesmo mundo que nósvemos.Vêem possibili-
dades, e enquanto a maioriade nós fica averquem é quegostaria
de conhecer, e a reieitar quem achamos que não tem o especto
certo ou que üve ao pé do aeroporto, ou quem é que nãovemos há
sessenta e cinco anos, Lois e Roger gostam de todos.

4.

Háum bom exemplo do modo como os Comunicadores funcio-


nam oo trabalho do sociólogo Mark Granovetter. No seu estudo
clássico de L974, Conseguir trabalho, Granovetter observou várias
centenas de uabalhadores de escritório e técnios no bairro dos ar-
redores de Boston chamedo Nelwon, entrevistando-os pormenori-
zadamente sobre os empregos que tinhamtido. Desaobriu que 56
porcento dos entrevistados tiúam encontrado trabalho atraves de
um conhecimento pssoal. Outros 18,8 por cento tinham utiluado
os meios normais - anúncios, especialistas no mercado de uabalho -
e cerca de 2O porcento tinham-se candidaado directamente. Nada

disto é suqpreendent€; a melhor maneira de arrrniar emprego é


através dos contactos pessoais. Mas, curiosamente, Granovetter
descobriu que a maioria desses contectos eram «ligxç§s5 fracasr,.
Dos que utilizarem contactos para arraniar tnbalho, só 16,7 por
cento é que falavam com o seu conacto..frequentemente» - indi-

58
A Lci dos Poucos

cando que o contacto ere um bom amigo - e 55,6 por cenro viam-
-oo <ocâsionalmento». Vinte e oito por cento falavam com o con-
tacto epenes <(reramenter'. As pessoe§ não conseguiam trabalho
através dos amigos. Era atravésdos conhecidos.
Porque será assim? Granovetter argumenta que quando se
trata de saber quais os empregos disponíveis - ou, do mesmo
modo, noves informações ou ideias - as "ligações fracas, costu-
mam ser mais importentes do que as fortes. Afinal de contas os
nossos amigos estão no mesmo mundo em que nós estamos. Po-
dem trabalhar connosco, ou viver perto de nós, ou ir à mesma
br.i", escola ou festas. Então, o que é que eles podem saberque
nós não saibamos? Por outro lado, os conhecidos, por defini$o,
vivem num mundo diferente donosso. É muito maisprovável que
saibam algo que nós não sabemos. Para defi nir este paradoxo apa-
rente, Granovetterconcebeu uma expressão maravilhosa: a força
das ligações fracas. Resumidamente, os conhecidos representam
uma fonte de poder social, e quento mais conhecidos tivermos
mais poderosos somos. Comunicadores como Lois Weisberg e
RogerHorchow- que sãoperitos nasligações fracas - são entraor-
dinariamente poderosos. Contamos com eles para aceder a opor-
tunidades e mundos a que não pertencemos.
O princípio não funciona apenas para conseguir emprego, é
claro. Também funciona pâra restaurantes, filmes, tendências de
moda, oufirdo o mais que funcione porboca-a-boca. Não são ape-
nas espessoâs que setornam mais ricas oupoderosas quanto mais
próximasde um Comunicador. Também os pr«rdutos e as ideias
têm mais poderes e oporrunidades com essa proximidade. Podení
esteseÍuma das razõesquetornaram de repente os Hush Puppies
umagrande tendência de moda? Durante opercurso entre o East
Village e aAmérica da classe média, um Comunicadorouuma sé-
rie de Comunicadores devem ter-se apaixonado subitamente pe-
los sapatos, e através dos seus enorrnes contactos sociais, das suas

59
A Chave do Sucesso

longas listss de ligações fracas, do seu papel em múltiplos mundos


e subculruras, devem ter conseguido dirigir os sâpatos para mi-
lhares de direcções ao mesmo tempo, tornando-os num verda-
deiro sucesso. Então, num certo sentido, os Hush Puppies tive-
rem sorte. E talvez uma das razões que faz com que tentas
tendências de moda nunca cheguem à classe média norte-ameri-
cana seia simplesmente porque, por pura falta de sorte, nunca ti-
veram a aprovaçáo de um Comunicador.
A filha de Horchow, Sally, contou-me história de que uma vez
a
levou o pai a um novo restaurante japonês onde o chef eruamigo
dela. Horchowgostou da comida, e quando úegou a casa ligou o
computador, foi buscar o nome dos seus conhecidos que viviam
ali ao pé e mandou-lhes fures a falar daquele novo restaurânte
maravilhoso que ele tinha descoberto e adizer-lhes que o deviam
experimentar. Numa pequena escala, é assim que funciona o
boca-a-boca. Não sou eu a conter-lhe a si sobre o tal novo restau-
rânte com excelente comida, e você a dizer a um amigo, e esse
amigo edizer a outro ambo. O boca-a-bocÍr começa quando, no
meio do seu percurso entre as pessoas, alguém fala com uma pes-
soâ como Roger Horchow.

5.

Aqui esú então a oplica$o porque nocturna


é que a cavalgada
de Paul Revere começou uma epidemia de boca-a-bocra, e a de Wil-
üam Dawes não conseguiu fazê*lo. Paul Revere era o Roger Hor-
chow ou a Lois Weisberg do seu tempo. Era um Comunicador. Era,
por exemplo, gregário e intensamente social. Quando motreu, e
segundo o relato de um iornd contemporâneo, o seu funeral teve a
presença de omultidões,. Era pescador e caçador, iogador de cartas
e arnante de teatro, frequenador de bares e homem de negócios

6o
A Lei dos Poucos

bem suedido. Era membro activo da lofa maçonica local e de vá-


rios clubes. Também efitum fazedor,um homem abençoado com
«um talento acima do norrral pare ser o centro dos acontecimen-
to$> - conforme escreveu David Hackett Fischer no seu liwo bri-
lhante Á Cawlgada de Paul Rnerc.Escreve Fischer:

Qpando Boston instalou a primeira ilumina$o nocturtre, emL774,


Paul Renere foi escolhidopara acomissãoqueorganizou as coisas. QSrando

o mercado de Boston precisou de um regu.lamento, Peul Revere foi esco-


lhido como secredrio. Depois da RevoluSo, numa época de epidemias, foi
escolhido como chefe dos servips de saúde de Boston, e iuiz investigador
dos óbitos do condado de Suffolk Quando um grande incêndio desmriu a

velha cidade de madeira, panicipou na fundação da Companhia de Segurm

Mútuos do Massachusetts, e o seu nome é o primeiro da acta de oonstiari

ção. Quando a pobreza se tornou um probleme crescente na nova repú-


blica, organizou uma reunião para fundar a Associação Cariativa Operária

de Marsaúuseas e foi eleito o seu primeiro presidente. Quando a comuni-


dade de Boston foi abalada com o maior fulgamento por homicídio daquela

geração, Paul Revere foi escolhido como presidente do jríri.

Se dessem a Paul Revere uma lista com 250 nomes tirados alea-
toriamente do censo de Boston del775,não há dúvida de que te-
ria uma pontuação muito superior a 100.
Depois do "Chá de Boston#, em 1773, quando a fiiria dos colo-
nos âmeÍiqrnos contre os diriçntes ingleses começou â esPalhar-
-se, nescerâfiIdezenas de comissões e congressos de colonos furio-
sos por toda a Nova Inglaterra. Não possuíam uma orgânizt$o
formal nem meios de comuniceÉo estabelecidos. Mas Paul Revere

I O.Boston Tea Part,, foi um acontccimento fundamental que levou à Guerra da


Independênciaamedcana Parapnotestarcontrâ o imposto sobre o chá decreadopela
coroabrirânica,umgrupo de habitentesde Boston, disfarçados de índios, subiuabordo
de um barco ingl& e atirou ao mar a carga de chá. (N. do f.)

6r
AChave doSucesso

emergiu rapidamente como elo entre esses centros revolucioná-


rios muito afastados uns dos outros. Costumeva cavalgar para Fila-
déIfia, Nova Iorque ouNewHampshire, a levar mensagens de um
grupo para outro. Também teve um papel especial dentro de
Boston. Nos anos revolucionários havia sete grupos de
"Whigs"
(revoltosos) em Boston, com um total de 255 homens. A maioria
deles- 8O porcento -pertencia a um só grupo. Ninguém perten-
cia aos sete. Só dois homens faziam parte de cinco grupos e Paul
Revere eraum deles.
Portanto não surpreende que eml77*, quando o exército in-
glês começou a sua campanha secreta para descobrir e destnrir os
armazéns de arÍnâs e muniçóesdo nascente movimento revolucio-
nário, Revere se tenha tornado num contacto não o§cial entre as
forças antibritânicas. Conhecia toda a gente. Era a pessoa que se-
ria lógico um aiudante de estábulo procurar em 18 de Abril de
1775, depois de ouvir dois oficiais ingleses a falar do inferno que
ocorreria na tarde do dia seguinte. Nem surpreende que nessa
noite, quando Paul Revere paaiu para Lexington, soubesse exac-
tamente como espalhar a notícia da maneira mais abrangente
possível. Quando üa gente na estrada, ume pessoa tão natural e ir-
resistivelmente social como ele não podia fazer outra coisa senão
parar para lhes contar. Quando chegava a uma localidade, sabia
exâctamente a que portâ bater, quem era o chefe da milícia local,
quem eram as pessoas mais importantes da vila. |á tinha falado
com e maioria delas. E elas também o conheciam e respeitavam.
Então e William Dawes? Fischer acha inconcebível que Dawes
possa ter cavalgado os trinta quilómetros até Lexington sem ter fa-
lado com ninguém durante o camiúo. Mas é claro que ele não ti-
nha o alento social de Revere, pois praticamente não há registos
de pessoas que se lembrassem dele nessa noite.
"Ao longo doper-
curso para norte de Paul Revere, os dirigentes das cidades e os
comandantes das compaúias deram logo o alarmo,, escreve Fischer.

6z
A Lei dos Poucos

..No circuito pâra sul de William Dawes, isso só ecorteceu mais


tarde. Pelo menos numa cidade nunca chegou âaconteer. Dawes
não acorrdou os dirigentesdascidadese os comandantes das milí-
cias nas vilas de Roxbury, BrooHine, Watertown, ou Walúam."
Porquê? Porque Roxbury BrooHine, Watertown eWalúam não
eram Boston. E muito provavelmente Dawes era um homem com
um círculo social normal, querendo isto dizer que, como a maioria
de nós, quando saía da cidade em quevivia não sabia a que portas
bater. Só uma pequena comunidade ao longo do percurso de
Dawes pârece ter recebido e mensegem, alguns lavradores numa
região chamada Walúam Farms. Mas alertar apenes tão poucas
casas não era o súciente para fazer disparar o alarme çral. As epide-
mias de boca-a-boca são trabalho de Comunicadores. William
Dawes era epenas um homem como os outros.

6.

Contudo, seria um eÍÍo pensar que os Comunicadores são as


únicas pessoas que têm imponância numa epidemia social. Roger
Horchow mandou uma dúzia de faxes a promover o novo restau-
rante do amigo da §lha. Mas não foi ele que descobriu o restau-
rante. Alguém o fez e foi contar-lhe. A certa eltura na ascensão dos
Hush Puppies, os sapatos foram descobertos pelos Comunicado-
res, que propalaram a volta dos Hush Puppies por toda a parte.
Mas quem é que falou dos Hush Puppies aos Comunicadores?
É possível que os Comunicadores obtenham uma nova informa-
ção por um processo completamente aleatório, e que por conhe-
cerem tanta gente tenham acesso às coisas novas sempre que aPa-
recem. Contudo, se olharmos mais de perto para as epidemias
sociais, torna-se claro que assim como há pessoas em que nos
apoiamos parâ nos ligarem a outres pessoas, ambém há aquelas

63
A Chave do Sucesso

em que confiâmos pere rros ligarem às novas informações. Esses


são os Peritos, os especialistas em informaSo.
É daro que às vezes es duas especielidâdes são a mesma coisa
Parte do poder particular de Paul Revere, por exemplo, vem do
facto de ele não ser apenes uma pessoe que ügava os outros entre si;
não era apenes o homem com a maior agenda na Boston colonial.
Também estava activamente envolvido na recolha de informa@
sobre os ingleses. No Outon o de 177 4, organizou um grupo secÍeto
que se encontreve ne tebema Green Dragon com o
propósito eryresso de vrgrer os movimentos da tropa inglesa. Em
Dezembro desseano ognrpo ficou asaberque os ingleses tinham
intenções de apreenderum depósito de muniçõesguardadas pela
milícia colonial perto da entrada do pono de Portsmouú, oitena
quilómetros a noÍte de Boston. Na manha gelada do dia 13 de De-
zembro, Revere cavalgoupara norte, debaixo de um grande nevão,
para avisar a milícia local que os ingleses iam a caminho. Aiudou
a descobrir a informa$o e passou-e adiante. Paul Revere eÍe um
Comunicador. Mas também era um Perito - o segundo dos tr& tipos
de pessoas que controlam as epidemias de boca-a-boca-
A palawa inglesa fiayen (perito, ) vem do iídichet e
quer dizeroequele que acrrmula conhecimento". Nos últimos anos
os economistas têm passado bastante tempo a estudar os mapens,
pela mzão evidentedeque, se os mercados dependem de informa-
ções, as pessoas mú bem informadas derrem ser as mais importan-
tes. Por oremplo, quando às vezes um supeÍmercado quer eumen-
ter as vendas de certo produto, coloca um qrrtez promocional à
frente a dizer qualquer coisa como oPreço baixo!". O preço não
muda- O que muda é que o produto pâsse e esrarmais em evidência.
Qrnndo tomam uma iniciativa destas, os supeflnercrdos sabem

I Língua que mistura elemão enrdito com hebraico, falado rrrdicionalmente pelos
judcus do centro da Europa- (N. do L)

64
ALei dos Pôucos

que âs vendas desse prduto vão crescer muito, como se o pro-


duto redmente estivesse em saldo.
Se pensarmos melhorno assunto, trata-se de uma informação
potencialmente pernrrüadora.0 pressuposto dos saldos, ou das
promoções dos supermercados, é que nós, os consumidores, esta-
mos conscientes do preço dos produtos e reagimos de acordo:
compÍÍlmos mais se ospreçosbaixarem, e menos sesubirem. Mas
se comprennos mais de um produto mesmo que o preço não te-
nha baixado, enrão pera que é que os supenner@dos hao-de bai-
xaÍ os preços? O que é que os impede de nos engânârem, sempre

"Preço baixo!" que não querem di-


que lávamos, com carta?,es de
zer nada?A resposte é que, embora a maioria não preste atenção
aos preços, os retalhistas sabem que há um pequeno número de
pessoas que repara, e que se virem alguma coisa mal - ume pro-
moção que realmente não é promoSo nenhuma - tomam uma
atitude. Se uma §a tentar este truque com excessiva frequência,
há pessoas que vão perceber, queixar-se à gerência e dizer aos ami-
gos e conhecidos para não irem àquela loia. São essas pessoas que
mantêm a honestidade dos supermercados. Desde que este grupo
foi identificado, há mais ou menosdez anos, oseconomistâs têm-
-se esforçado bastante para o compreender. Encontraram pessoes
assim em toda a pârte e em todos os grupos socioeconómicos.
Uma designa$o que se usa pera os definir é.«igilantesr dos pre-
Ços». O outro, mais comum, é çeritos de mercado".
Linda Price, professora de marketing na Universidade do Ne-
braska e pioneira da pesquisa sobre Peritos, gravou entreüstas
com um certo númeto de mavenl Numa delas, um homem muito
bem vestido fala animadamente da maneira como faz compras.
Aqú vai um excerto completo:

t Eminglês,x3t&nrctem um senddo mais literal, referindo-se àpessoaque faziustiça


pelas suas póprias mãos sem esperar que a lei actue. (N. do 7.)

65
A Chave do Sucesso

Porgue costumo seguirde perto o noticiário financeiro' começo aver


astendências. Um exemplo clássico é o cafe. Quando houve a primeira
reduSo da oferta, há dez anos, eu esteve e aompanharasitua$o dageada
no Brasil e o que faria aos preços do café a longo prazo, portanto disse para
mim próprio que ia armazenar cafe.

Nesta altura o rosto do homem abre-se numgrande soÍdso.

Acabei por comprer qualquer coisa como trinta e cinco ou querenta


latasde cafe. E comprei-as aumpreçoridiorlo, quando aslatasde 1,3quilos
custavem 2,79 e 2,89 dólares. Hoie uma lata dessas custa seis dólares.
Diverti-me com aquilo.

Estão a ver o nível da obsessão? Ele onsegue lembrar-se dos pre-

ços, até aos cêntimos, das latas de cafe que comprou há dez anos.
Contudo, o aspecto mais essencial dos Peritos é que não são
coleccionadores de informação passivos. Não são obsessivos ape-
nas no que diz Íespeito a comprer uma lata de cafe ao melhor
preço. O que os distingue é que, umavez percebido como é que se
faz a compre, iluerem contar às outres pessoas.
- Um Perito é uma pessoa que tem informações sobre muitos
produtos, ou preços, ou sítios. É o dpo de pessoa que toma a inici-
ativa de falar com os con$lmidores e gosta de responder a inqué-
ritos - diz Price. - Gostam de aiudar o mercado. Distribuem cu-
pões de desconto. Levam os outÍos às compras... Distribuem
quatro vezes mais cupões do que as outms pessoes. Ligam as pes-
soas âo mercado e sabem coisas sobre o mercado. Sabem onde é a
casa de banho das lojas. Têm conhecimentos deste tipo.
São mais do que especialistas. Um especialista, diz Price, "fala
de carros, digamos, porque gosta de carros. Mas não fala de câÍros
porque gosta de si e o quer aiudar a tomaruma decisão. O Perito
deMercado quer. São mais motivados socialmente".

66
ALei dos Poucos

Price diz que bem mais de metade dos norte-americanos


conhece um Perito, ou alguém parecido com a definição de Perito.
Na realidade, ela própria criou o conceito a partir de alguém que
conheceu na universidade, um homem tão memorável que a sue
personalidade serve de base àquilo que agora é um cempo de pes-
quisa completo no mundo do marketing.
- Estava a doutorar-me na Universidade do Texas - disse Price.
*Naalturanão percebi, mas coúeci o Perito perfeito. Éiudeq es-
távamos na Páscoa, e eu andava àprocura dum presunto e pergun-
tei-lhe. E ele disse-me, sabe, sou iudetr, mas digo-lhe qual é a loia a
que deve ir e o preço que deve pagar. * Price começou a rir com
a lembrança. - Devia conhecê-lo. O nome dele é MarkAlp.n.

MarkAlpen é um homem magro e enérgico, Íla casa dos cin-


quenta anos. Tem o cabelo preto, o nariz proeminente e olhos pe-
quenos, intensos e inteliçntes. Fala depressq comprecisão e uma
autoridade absoluta. Não é o tipo de pessoa que diga simplesmente
que ontem estavâ quente. Diú que ontem a temperatura máxima
foi trina graus. Não sobe as escadas; vai por elas acima, como um ra-
paz.Dâa sensação de se interessar e ter curiosidade por tudo e de
que, mesmo com a sua idade, se lhe dermos uma caixa de experiên-
cias químicas para crianças, terá toda a satisfa6o em usá-la imedia-
tamente paÍâ criar uma mistura estranha qualquer.
Alpea foi criado no Midwest, e o pai era dono da primeira loia
de descontos do Norte do Minnesota. Formou-se na Universidade
do Sul da California e actualmente ensina na Faculdade de Gestão
deNegocios daUniversidade doTexas. Mas realmente não há ne-
nhuma rela$o entre a sua reputa$o como economista e a situa-
ção de Perito. Se Alpert fosse um canalizador, seria igualmente
preciso, minucioso e conhecedor sobre como fazer compras.

67
A Chave do Sucesso

Encontrámo-nos para âlmoçar num restaurante à beira do lago,


em Austin. Cheguei primeiro e escolhi a mesa. Ele chegou depis e
persuadiu-me a mudar de mesa porque era melhor. E realmente
era. Perguntei-lhe como é que compra as coisas que compra, e ele
começou a falar. Explicou-me porque é que tem televisão por cabo,
emvez de satélite. Deu-meinformações que ninguém sabe sobre o
nov<r guia de filmes de konard Mdtin. Deu-me o nome de um con-
tacto no hotel ParkCentral, em Maúattan, quepode arraniarum
bom desconto. (.Malcolm, paguei 99 dólares. E o preço base é 189
dólares!") Explicou-me o que é o preço-base. (É o preço de abela
para um quarto, mas que pode ser negociado.) Apontou para o meu
gravadore disse que achava que a cassete tinha chegado ao âm. Era
verdade. Explicou-me porque é que não devo comprar um Audi.
G.São alemães, é umachatice lidarcom eles. Durante.lgr* tempo
davam uma garantia por baixo da mesa, mas agora iá não dão. A rede
de revendedores é pequena, portanto é diffcil ser atendido. Gosto
imenso de os guiar. Mas não gosto de ser o dono de um." O que eu
devia comprar, disse-me, erâ um Mercury Mystique porque têm
uma condu$o igual aos sedãs europeus, muito mais caros..Não
estão a vender muito bem, portanto pode conseguir um bom des-
conto.Vai aumâempresaque comprafrotas.Vai no dia 25 do mês.
Sabe que...") Depois começou uma dessri$o muito longa, porve-
zes divertida, dos meses que levou até comprarum novo aparelho
de televisão. Se você ou eu tivéssemos passado pela mesma experi-
ência - que envolveu devolver aparelhos e uma laboriosa ompara-
$o dos Ínnnenores electrónicos mais minusculos e das letras pe-
queninas das garantias - penso que e acharíamos infernal. Parece
que Âlpen a achou estimulante. Os Periros, segundo Price, são o
tipo de pessoas que lê avidamente a Conwmer Rcportsr.Alpen é
o tipo de Perito que escreve à Conumr Reporb a conigi-los.

I O equivalente pomrguês é e revisa da DECO, ProTatt. (N. do T.)

68
A Lei dos Poucos

- Umavez disseram que oAudi 4000 erabâseado noVolkswa-


gen Dasher. Foi no ânal da década de 197O. Mas o Audi 4O00 é
um carro maior. Escrevi-lhes uma carta. Depois houve o fiasco
com o Audi 5000. A Consumer Re?orts colocou-os na lista dos que
não se devem comprer por causa daquele problema da aceleração
repentina. Mas eu li sobre o problema nas revistas da especiali
dade e cheguei à conclusão de que era falso... portanto escrevi-
-lhes a dizer que deviam mesmo verificar o assunto. Mandei-lhes
algumas das informações que deviam levaremconsideração. Mas
não responderam. Aborreceu-me muito. Eles deviam estar acima
desse tipo de atitude. - Sacudiu a cabeça de tristeza. Tinha-se
mostrado mais Perito do que abíblia dos Peritos.
Deve dizer-se queAlpert não é uma daquelaspessoas aborreci-
das que sabem de tudo. Claro que é ficil de ver que poderia ser.
Mesmo Alpert tem consciência disso.
- No supermercado fiquei atrás de um miúdo tão novo que
tinha de mostrar o bilhete de identidade para comprar cigarros -
coÍltou-me ele. - Estive tentado a dizer-lhe que tinha cancro do
pulmão. De certa maneira, este deseio de aiudar e influenciar, ou
lá o que quer que seia, pode ir longe demais. Posso-me tornar um
metediço. Tento ser um Perito passivo... Tenho de me lembrar
que a decisão é deles. Avidaé deles.
O que lhe vale é que nunca dá a sensa$o de que se está a exibir.
Há algo de automático e reflectido no seu nível de envolvimento
com es compras. Não é para inglês ver. É muito parecido com
o instinto social de Horchow e Weisberg. A certa altura Alpert
começou a conter-me uma história muito complicada sobre a me-
lhor maneira de aproveitar os cupões de desconto no altrguer de
vídeos no Blockbuster. Depois calou-se, como se percebesse a
figura que estavâ a fazer,e desatou a rir.
- Olhe, pode poupar um dólar! Num ano talvez dê para poupar
o suficiente paar ume gârrafa de vinho

69
A Chave do Sucesso

Alpert gosta de aiudar de uma maneira quese patológica. Não


consegue parar. "Um Perito é alguém que quer Íesolver os proble-
mas dos outros, geralmenre resolvendo os seus próprios proble-
mas, disseAlpert, o que éverdade, embora suspeite que o oposto
também é verdade, um Perito é uma pessoa que resolve os seus
próprios problemas - e as suas necessidades emocionais - resol-
vendo os problemas dos outros. De cena maneira,Alpert sentiu-
-se reaüzado por saber que a partir dali eu compraria uma tele-
visão, ou um carro, ou reservaria um qu:rrto emNovalorque, arrrado
com os conhecimentos que me tinha dado.
- Mark Alpert é um homem maravilhosamente altruísta -
disse-me Leigh MacAllister, um colega da Universidade do Texas.
- Diria que ele me fez poupar mil e quinhentos dólares quando
vim para Austin. Aiudou-me a comprer casa, pois sabe como é o
negocio imobiliário. Precisava de uma máquina de lavar e outre de
secar. Arraniou-me um bom negocio. Também precisava de ceÍro.

Queria um Volvo, para ser igual a Mark Então ele mostrou-me um


serviço na Intemet que tinha o preço dos Volvos em todo o Estado
do Texas e foi comigo compÍar o qrrro. Ajudou-me a navegar no
labirinto dos planos de reforma da Universidade do Texas. Simpli-
ficou tudo. Tem tudo processado. O MarkAlpert é assim. Um Pe-
rito em compras. Deus o abençoe. São pessoas como ele que fa-
zem com que o sistema americano seiatão bom.

8.

O que é que toma pessoas como MarkAlpert tão imporantes


para comepr uma epidemia? Obüamente, sabem coisas que as ou-
tras pessoas não sabem. Lêem mais revistas do que os outros, mais
iornais, e provavelmente são as únicas pessoas que lêem a publici-
dade que vem pelo correio. Por acaso MarkAlpen é um conhece-

7o
A tei dos Poucos

dor de equipamerto electrónico. Se aparecer um âperelho de tele-


visão ou uma videocâmara inoradores, e se você for amigo dele, de-
pressa ficerá âsâber. Os Peritostêm os conhecimentos e as capaci-
dades sociais pare aomepruma epidemia de boca-a-boca- Contudo
o que diferenciaos Peritos não é tanto oque sabem mas sim âmâ-
neira como pessam essas informaçÕes. O facto de quererem aiudar,
por mais nenhuma razão além de gosterem de aiudar, torna-se
uma maneira incrivelmente eficiente de chamara aten$o dasou-
tras Pessoa§.
Certamente que isto erylica percialmente porque é que a mensa-
gem de PaulRevere foi tão fore nanoite da suacavelgadaÂs notí-
cias da incursão *gl.o não chegaram por fax, ou por e-rr,ailpara
vários destinatários. Não foram dadas no noticiário da noite, no meio
dos anúncios. Foram levadas porum homem, um voluntário, a caval-
gar na noite fria sem motivos pessoais, além da preocupa$o com â
liberdade dos seus peres. Tambérn no caso dos Hush Puppies, alvez
os sÍrpatos tenham chamado a aten$o dos Comunicadores precisa-
mente por não fazerem parte de uma tendência de moda comercial
deliberada Talvez o Perito em moda teúa ido eo EastVillage
pro- à

cura de novidades, e descobriu que podia compÍr aqueles Hush


Puppies tão giros numa determinada loia de descontos, por um
preço muitoemconte, e disse aosamigog quecomprâram os sapa-
tos porque há algo na opinião pessoal, desinteressada e especia-
lizada doPeito que nos &z pararpara o ouvir. E porrque é que os guias
de restaurantes 7.aget são tão coúecidos? Em parte é porque são
guias práticos de todos os resteuantes de uma determinada cidade.
Mas o seu poder real vem do facto de as críticas serem feitas porvo-
luntários *pessoas quevão lá tomaruma refei$o e querem partilhar

asuaopinião com os outros, De algum modo represeotâumâ recCI-


mendaSo mais convincente do que a opiniao de um eqpecialisa
crrio trabalho é arraliar restaurantes.

7t
A Chave do Sucesso

Qrando estave e fâlâr com Alperq por a€so mencionei que ia e


Los Angeles algumas semanas depois.
- Há um sítio de que eu redmente gosto muito, em Westwood -
üsse ele, sem hesiar. - E o CenturyWilshire. Tem o sistema de diá-
ria com pequeno-almoço, à europeia. Os quartos são muito bons.
Piscina aquecida. Esacionamento subterrâneo. A riltima vez que lá
estive, há uns cinco ou seis anos, os quartos começâvem nos se-
tenta dólares e as suites ftinior a cento e dez. Fazem preços à se-
manâ. Têm um número de telefone gratuito pare âs reservas.
Umavez que ele é, afinal de contas, oPerito Máximo, fiquei no
CenturyWilshire quando fui alosAngeles, que é tudo o que ele
disse e mais ainda. Quandovoltei para casâ, nas semanas seguin-
tes recomendei o Century Wilshire a dois amigos - o que não é
nada o meu género, devo âcrescentâr - e nesse mês a mais dois,
e comecei a imaginarquantas daquelas pessoas a quem recomen-
dara o hotel o recomendaram a outras, e a quantas pessoas como
eu MarkAlpert tinha falado do hotel, e percebi que tinha partici-
pado numa pequena epidemia de boca-a-boca gerada por Mark
Alpert. É claro que não é provável queAlpertcoúeçatantagente
como um Comunicador do género de Roger Horchow, portanto
não tem o mesmo poder bruto de transmissão de informações.
Mas, por outro lado, se Roger Horchow falasse connosco nas vés-
peras de uma viagem a Los Angeles talvez não nos desse conselhos
sobre hotéis. Alpen nunca deixaria de dar. E se Horchow fizesse
uma recomendação, podíamos levá-la em consideração ou não.
Aceitaríamos o conselho como aceitamos o conselho de qualquer
emigo. Mas se fosse MarkAlp.n a dar o conselho, segui-lo-íamos
sempre. Um Comunicador pode dizer a dez amigos onde devem
pernoitar em Los Angeles, e metade talvez aceite a sryestão. Um
Perito diz a cinco amigos onde devem pernoitar em Los Angeles
masiustificaaescolha comtanto ênfase que rdos aceitam o con-
selho. São personalidades diferentes a agir, agindo por razões

72
A Lei dos Poucos

diÍêrentes. Mas embas têm o poder de começar epidemias de


boca-a-boca.

9.

Um Perito não é um persuasor. As motivações de Alpert são


educar e aiudar. Não é o tipo de pessoa que queira obrigar os ou-
tros tomar uma decisão. Na realidade, enquanto ele falava houve
a
alguns momentos-chave em que parecia esteÍ a sondar-me para
obter infonnações, para descobrir o que é que eu sabia, de modo a
poder acrescentar algurna coisa à sua formidável base de dados.
Ser Perito é ser professor; mas também é, ainda com mais ênfase,
ser aluno. Realmente os Peritos são corretores de informações,
panilhando e trocando aquilo que sabem. Contudo, para que
uma epidemia social comece, algumas pessoas têm de ser persua-
didas a fazer alguma coisa. Por exemplo, uma boa quantidade dos
iovens que compraram Hush Puppies são pessoas que noutras al-
nrras prefeririam morrer a servistas com eles nos pés. Da mesma
maneira, depois de Paul Revere ter comunicado a notícia, pode
imaginar-se que todos os homens das milícias se reuniram e fize-
ram planos para confrontar as tropas inglesas na manhã seguinte.
Mas não pode tersido um processo automático.Algumas pessoes
estariâm pÍonas e agir. Outras devem ter duvidado de sensatez de
se confrontar um exército profissional treinado com uma milícia
caseira. Outros ainda - que talvez não conhecessem Revere pes-
soalmente - podem ter duvidado da notícia dada por ele. O facto
de no final quase toda a gente ter decidido tomar a mesma ati-
tude, é o tipo de coisa que normalmente atribuímos à pressão dos
pares. Mas a pressão dos pares não é sempre um processo automá-
tico ou inconsciente. Quer dizer que, muitas vezes, alguém falou
com um dos seus pares e o pressionou. Numa epidemia social, os

73
A Chave do Sucesso

Peritos são bancos de dados. Fornecem â mensagem. Os Comuni-


cadores são a cola social: espalham-na. Mas também há um grupo
seleccionado de pessoas - os Vendedores - com os conhecimentos
para nos convencerem quando não estamos convencidos do que
ouvimos, e são tão importantes pare o lançamento de uma epide-
mia de boca-a-boca como os oucros dois grupos. Quem são os Ven-
dedores?E o que é queostornatão bons naquilo que fazem?
Tom Grau é um planeador financeiro em Torrance, na Califor-
nia, mesmo a sul de Los Angeles. A sua empresâ - Kavesh e Gau -
é a maior do sector no Sul da California e uma das maiores empre-
sas de planeamento financeiro do país. Facnrra milhões de dóla-
res por ano. Donald Moine, um psicólogo comporramentâl que
escreveu largamente sobre persuasão, disse-me para falar com
Gauporque ele é"fascinante". E realmente é. Tom Gauporacaso
vende serviços de planeamento financeiro. Mas podia, se quisesse,
vender de tudo. Se queremos compreender o tipo de personali
dade pernrasiva, Gaupareceum bom ponro de partida.
Gau tem quarenta e tel anos. É interessante, sem ser nada bo-
nito. Alnrra média, magro, com o cabelo escuro um pouco hirsuto,
bigode e um ar ligeiramente assustado. Com um cavalo e um cha-
péu dava um excelente cowboy. Parece-se com o actor Sam Elliot.
Quando nos encontrámos, apertou-me a mão. Mas disse-me de-
pois que geralmente costume dar um abraço oll se for mulher,
um beijo. Como serie de esperar num grande vendedor, tem uma
espécie de exuberância natural.
- Adoro os meus cüentes, perebe? Faço o que for preciso por
eles - disse Gau- - Chamo aos clientes a miúa família. Digo-lhes
que teúo duas famíias. Teúo a mulhere os filhos e teúo-os a eles.
Gau fala depressa, mas aos solavancos. Bstá sempre a acelerare
a abrandar. Às vezes, quando faz um apaÍte, acelera ainda mais,
como se estivesse a fazer um parênteses verbal. Faz muitas per-
guntes retóricas.

74
A Lei dos Poucos

-Adoro o meu trabalho.Adoro. Sou um trabalhador compulsivo.


Chego ao escritório às seis ou sete da maúa. Saio às nove da noite.
Faço a gestão de muito diúeiro. do
Sou um dos maiores produtores
país. Mas não digo isso aos meus clientes. Não é para isso quetraba-
lho. Trabalho para aiudar as pessoas. Adoro ajudar as pessoas. Não
precisava de uabalhar mais. Sou financeiramente independente.
Então, porque é que trabalho tanto? Porque adoro aiudar es pes-
soas. Adorc as pessoas. É o que se chama um relacionamento.
O argumento devendade Gaué que a suÍrempresa oferece aos
clientes um nível de seryiço e perícia que é diffcil de conseguir com
os outros. No mesmo corredor da sua empresa fica um escritório
de advogados associado à Kavesh e Gau, que tratâ de testamentos,
doaçóes emüda e todos os assuntos legais relacionados com pla-
neeÍnento financeiro. Gau tem especialistas em seguros para to-
mar conta das necessidades de seguros, corretores para lidar com
os investimentos e especialistas em reforma para os clientes mais
velhos. Os seus ergtunentos são racionais e coerentes. Moine escre-
veu, com a colabora$o de Gau, aquilo a que ele chama o guia de
referência do planeamento financeiro. O ârgumento de Moine é
que o que diferencia umgrandevendedordumvendedormédio é
a quantidade e quaüdade de respostas que tem em relaSo às ob'
iecções levantadas pelos clientes potenciais. Então sentou-se à
frente de Gau, gravou todâs es resposas dele e colocou-as no liwo.
Moine e Gau calculam que há cerca devinte perguntes ou afirma-
ções que um planeador deve estarpreparado para responder. Por
exemplo,..Eu sou caw de fazer isso sozinho» é ume delas, e paftr
essa o guia dá cinquenta respostas potenciais. Outro exemplo:
preocupa a possibilidade de tomar decisões erradas e não
"Não o
haver ninguém paÍÍl o aiudar?" Ou então: ..Tenho a certeze de que
consegue gerirbem o dinheiro. Connrdo, sabe que a maioria das
esposas vive mais do que os maridos? Se lhe acontecer alguma
coisa, será que ela consegue âzer tudo sozinha?"

7S
A Chave do Sucesso

Posso imaginer uma pessoa a compÍâr este guiâ e a decorar todas


as respostas potenciais. Também posso imaginaressa mesma pessoa
a conseguir, com o tempo, conhecer tão bem o assunto que saiba
quais as melhores respostaspara cada tipo de pessoa. Se uanscrevês-
semos a interaqãodessa pessoe com os seus clientes, parecerie exac-
tamente Tom Gau, porque estaria a usar as palarrras dele. De acorrdo
com os métodos-padrão pelos quais medimos Frsuasão - pela ló-
a
gca e pertinência dos argumentos do persuâsor - isso devia fazer
com que as pessoas que usassem o guia fossem tão convincences
como Tom Gau Mas será isto mesmo verdade? 0 que é interessante
em Tom Gau é a maneira como ele parece ser persuesivo, indepen-
dentemente do conteúdo dassuas palavras. Parece terumaGrÍecte-
rística indefinível, a§o de poderoso, contagioso e irresisrível que ul-
trepessao quelhesai daboca, e que faz com que as pessoas queiram
concordar com ele. E a eneryia. O entusiasmo. 0 charme. Â simpa-
tia- É rudo isto e ainda algo mais. A certa alnrra perguntei-lhe se ele
era felize quase que ceiuda cadeira com o ennrsiasmo:

- Muito. Provavelmente sou a pessoa mais optimisra que se


possa imaginar. Pegue na pessoa mais optimista que conhece, mul-
tiplique-a por cem, e sou erl. Porque, sabe ume coisa, o poder do
pensamento positivo ultrapassa tanta coisa. Há tantas pessoas ne-
gativas. Algumas dirão que não posso fazer tal coisa. E eu res-
pondo, o que é que isso quer dizer, que não posso fazr;r? Mudá-
mo-nos para fuhland, no Oregon, há pouco mais de cinco anos.
Encontrámos ume cesa como queríamos. fá estava à venda há al-
gum tempo e era um bocado cara. Então eu disse à minha mulher,
sabes uma coisa, vou fazer uma oferta ridiculamente baixa Ela re-
trucou, eles nunca irão aceitartal proposta. E eu disse, talvez não.
Mas o que é que tenho a perder? O pior que pode acontecer é dize-
rem que não. Não os vou insultar. Vou tentar convencê-los à minha
maneira porque é que esrou t fazer e proposra. Vou deixar bem
claro qual é a minha sugestão. E sabe que mais? Aceitaram a ofena.

76
A lri dos Poucos

Enquanto Gau me contave a história, não tive nenhuma difi-


culdade em vê-lo lá em Ashland, a convencer o vendedor a desfa-
zer-se daquela czsa maravilhose por um preço ridículo.
- Ora que raio - disse Gau -, se não se tentar é que não se con-
segue.

10.

Aquestão do queé que faz alguém-oualgumacoisa-serpersu-


asivo é muito mais complicada do que parece. Só se percebe quando
sevê. Mas aquilo que sevê nem sempre é evidente. Considerem-se
os dois exemplos que se seguem, ambos tirados ds literanra sobre
psicologra. O primeiro é uma experiência queteve hrgar durante a
campanha presidencial de 1984 entre Ronald Reagan eWaherMon-
dale. Durante os oito dias anteriores à elei$o, um grupo de psióle.
gos dirigidos por Brian Mullen, da Universidede de Syracuse, gÍâva-
ram os três noticiários nocturnos nacionais, que ne altura tinham
como apresentâdores PeterJennings naABC, Tom Brokaw na NBC,
e Dan Rather na CBS. Mullen examinou as gravações e retinru todas
candidatos, até ficar cum 37 segmentos sepâra-
as referênciâs aos
dos, cadaum com oerca de dois segundo e meio. Aseguir mostranrm
ossqlmentos, sem som, aum grupo de pessoas escolhidas aleatoria-
mente, a iluem foi pedido que avaliasse a expressão facial de cadaum
ideia
dos iomalistas em cada segmento. Os panicipantes não âziam
em quetipo de esnrdo estÍtvirmenraolvidos, ousobreoqueé queos
âpÍesentedores estevarn a falar. Foi-lhes @ido apenes que classifi-
cassem o conteúdo emocional das expressões dos uês homens numa
escala de 21 pontos, sendo o mais baixo «e)ÊÍemaÍnente negativo" e
o mais alto
"CIftrememente
positivo".
Os resultados são fascinantes. Dan Raúerteve 10,46 pontos -o
que se traduz por uma expressão quase perfeitamente neutre -

77
A Chave do Sucesso

quando falava de Mondale, e 10,37 quando falava de Reagan.


Quando falava do republicano tinha e mesma expressão do que
quando se referia ao democrata. O mesmo aconteceu com Brokaw,
que pontuou 11,21 com Mondale e 11,50 com Reagan. Mas Peter
Jennings, daABC, foi bastante diferente. Com Mondale, a pontua-
ção foi de 13,38. Mas quando ele falava de Reagan, o seu rosto ani-
mava-se de tal modo que obteve 17,44. Mullen e os colegas fizeram
tudo o que puderam pere encontraruma explicação inocente para
o facto. Podia ser, porexemplo, euelennings fosse mais expressivo
em geral do que os colegas? A resposta parecia ser que não. Os par-
ticipantes também viram segmentos de referência em que os rrês
apresentâdores falavam de assuntos inequivocamente alegres ou
tristes (o funeral de Indira Gúdhi; um avenço no tratamento de
uma doença congénita). Mas )ennings não obteve pontuação mais
alta nos assuntos alegres ou mais baixa nos assuntos tristes do que
os selrs colegas. Na verdade, se havia alguma diferença, é que ele
parecia o menos expressivo dos três. Também não se ratava de
|enninç ser o tipo de pessoa que tem sempre uma expressão de
alegria. Averdade parece ser precisamente o oposto. Nos segmen-
tos inseridos para haver um tenno de comparação, |en-
"alegres"
nings obteve 14,13 pontos, o que é substancialmente menos do
que Raúer e Brokaw. A única conclusão possível, de acordo com
o estudo, é que ]ennings exibia uma
"parcialidade significativa e
notória na sua expressão facial" em rela$o a Reagan.
É aqui que o estudo se torna realmente interessante. Mullen e
os seus colegas ligaram a pessoâs residentes em várias cidades do
país quevêem regulannente as notícias nos canais principais e per-
guntaram-lhes em quem é quevotavam. Em todos oscÍrsos, os que
viam a ABC votavam em Reagan em muito maior núrnero do que
os que viam a CBS ou a NBC. Em Cleveland, por exemplo, 75 por
cento dos telespectadores da ABC votava nos republicênos, conua
61,9 por cento dos telespectadores de CBS ou da NBC. Em Wil-

78
A Lei dos Poucos

liamstown, no Massachusetts, 71,4 dos telespectadores da ABC


votavam Reagan, contra 50 porento dos outros dois canais; em Erie,
na PensiMnia, a diferença era de 73,7 pot cento e 50 por cento.
A subtil parcialidade de |ennings a favor de Reagan parece ter in-
fluenciado o aomportâmento eleitoral dos telespectadores da ABC.
Como se pode imaginar, a ÂBC News contesta vigorosamente
atero mérito
este estudo. (..Que eu saiba sou o tinico cientista social
duvidoso de ter sido chamado 'uma besta quadrada" pr PeterJen-
nings', diz Mullen.) É aificil de acrediar. Instintivamente, Í)€nso eu,
a maioria prezumivelmente assumiriaque acausaé ao contrário do
efeito, ou seia, que CIs apoiantes de Regan preferem aABC porcausa
da parcialidade de |ennings, e não o contrário. Mas Mullen argu-
mentâ, de um modobasante convincente, que tal coisanão éplau-
sível. Por exemplo, noutros níveis mais evidentes - como, por exem-
plo, naselecção das notícias- aABC mostrou sero canal mais hostil
aReagan, portanto é igualmente ftcil imaginaros republicanosfir-
mes a trocÍrr a ABC pelos outros canais. E para responder à questão
de estes restrkados serem simplesmente devidos à sorte, quatro anos
depois, na campanha enre Michael Dúakis e George Bush, Mullen
repetiu a elperiência com e)€ctflnente os mesmos rezultados.
*|enningr sorria muito mais quando se referiaao candidato re-
publicano do que ao democratâ - disse Mullen - e novemente uma
pesquisa telefónica mostrou que ostelespectadores daÂBC eram
mais susceptíveis de votar em Bush.
Eis aqui outro exemplo das subtilezas da persuasão. Recrutou-
-se um grande grupo de estudantes para o que eles pensavam ser
um esrudo de mercado parauma emprese fabricante de ausculta-
dores de alta tecnologia. Receberam os auscultadores e disseram-
-lhes que a emprese queria ver se eles funcionavam bem com a pes-
soa em movimento - digamos a dançar, ou a mexer a cabeça. Todos
os esrudantes ouüram musicas de Linda Ronstadt e dos Eagles, e
depois um editorial de rádio a dizer que as propinas da universi-

79
A Chave do Sucesso

dade deviam subir dos actuais 587 dólares para 750 dólare§. Um
terço dos panicipantes recebeu instnrções pâra mexer a cabeça
vigorosamente para a frente e para trás enquanto ouviam o edito-
rial. Outro terço recebeu ordens para mexer a cabeça para a e§-
querda e para a direita. O úItimo terço era o grupo de referência e
foi-lhes dito para não mexerem a cabeça. Depois foi dado a todos
um pequeno questionário sobre a qualidade das músicas e o
efeito de sacudir a cabeça. No final estaye e pergunta que os espe-
cialisas realmente queriam fizeç, "Quat é que acha que deveria
serovalorapropriado do pagamento anual de propinas?"
As respostas a estâ pe{gunta são tão diffceis de acreditar como as
conclusões do teste aos apresentadores de televisão. Os esnrdantes
que não mexeram a cabeça não foram influenciados pelo editoÍial. O
valor das propinas que acharam certo foi 582 dólares - o valor
aproximado na altura- Os que tinham de sacudir a cabeça lateral-
mente enquÍrnto ouüam o editorial - embora achassem que esta-
vam simplesmente a testar a qualidade dos auscrrltadores - disoorda-
vam fonemente do aumento proposto. QSreriam que es propinas
baixassem pru 4{>7 dólares anuais. Os que receberam instnrções
para abanar a cabeça para a frente e pera trás, acharam o editorial
muito convinente. Qpoiam que aspropinas subissem, em média
parra 646 dólares. O simples gesto de mexer a cabeça para cima e
para baixo, ostensfuamente, por razões compleamente ditferentes -
foi o suficiente para os fazerreoomendaruma política que lhes tirava
mais diúeiro do bolso. §nal de contas, anuir com a cabeça tinha o
mesmo efeito que os sorrisos de Peterlennings nas eleições de 1984.
Penso que nesses dois estudos há indícios muito importantes
sobre o que é que faz com que uma pessoa como Tom Gau seja tão
eficiente - ou qualquer vendedor com que nos deparamos na vida.
O primeiro é que eparentemente os pequenos pormenores po-
dem fazer uma diferença tão significativa como as grandes coisas.
No estudo com os auscultadores, o eütorial não teve qualquerim-

8o
ALei dos Poucos

pacto nes pes§oͧ que não mexeram e cabeça. Não foi súciente-
mente persuasivo. Mas assim que os ouvinte§ começaram a aqui-
escer com a cabeça, tornou-se muito persuasivo. No caso de )en-
nings, Mullen diz que os sinais subtis de uma pessoa a favor de um
político normalmente não fizem qualquer diferença; mes por
causa da maneira particular, indefesa, como âs pessoas vêem o no-
ticiário, uma pequena parcialidade pode fazergrande diferença.
- Quando as pessoas vêem o noticiário, não filtram intencio-
nalmente a parcialidade nem sentem que têm de discutir com a
expressão do iomalista - explica Mullen. - Não é como se fosse
ume pessoa a dizen este candidato é muito bom e merece o seu
voto. Não é ume mensagemverbal óbvia contre e qual podemos ser
mntra automaticamente. É muito mais subtil e por isso muito mais
insidiosa e muito mais dificil de criar uma barreira contra ela.
A segunda impüca$o destes estudos é que os indícios não ver-
bais são muito mais importantes do que os indícios vertais. As cir-
cunstâncias subtis que rodeiam a maneira como dizemos as coisas
podem ser mais importantes do que aquilo que dizemos. Afinal de
contes )ennings não iniectou todo o tipo de comentários pró-
-Reagan nos seus noticiários. Na realidade, e como eu disse, aABC
foi considerada por observadores independentes comq sendo a
esta$o mais hostil a Reagan. Uma das conclusões dos autores do
estudo com os auscultadores - Gary Wells da Universidade de
Albena e Richard Petty da Universidade do Missouri - é que "os
anúncios na teleüsão seriam mais eficientes se a imagem criasse
um movimento repetitivo vertical das cabeças dos telespectadores
(por exemplo, uma bola a saltar para cima e para baixo)". Movi-
mentos fisicos e observações simples podem ter um profundo
efeito na maneiracomo sentimos oupensemos.
A terceira implicação destes estudos, e talvez a mais impor-
tânte, é que a persuasão funciona muitas vezes de maneiras que
não nos agradam. O caso não é que os sorrisos e acenos de cabeça

8r
A Chave do Sucesso

seiam mensagens subliminares São directos e estão à üsta. O caso é


que são incrivelmente subtis. Se perguntássemos eos que faziam
sim com acabeça porque é que queriam que as propinas subissem
tânto - propinas que lhes saíam do bolso - nenhum deles diria que
era porque anuíam com a cabeça enquanto ouviam o editorial. Tal-
vez dissessem que eftr porque achavam o editorial particularmente
pertinente ou inteligente. Atribuiriam a sua atinrde a algo mais evi-
dente e lógico. Do mesmo modo, os telespectadores daABC que
votaram em Reagan nuncâ, iamais, nos diriam que votarâm assim
porque Peterlennings sorria sempre que mencionava o Presidente.
Diriam que era porque gostavam da política de Reagan, ou achavam
que ele estava efazer um bom trabalho. Nunca lhes ocorreria que
podiam ter sido persuadidos a chegar a uma conclusão por causa de
algo tão arbitrário e aparentemente insignificante como um sorriso
ou umâ anuência deum apresentador. PoroutÍrs palavras, se qui-
sermos perceber o que é que toma uma pessoe como Tom Gau tão
convincente, temos que ver muito mais do que a sua eloquência
óbvia. Temos que olhar para a subtileza, o ocrrlto, o não.dito.

11.

O que econtece quando duas pessoas falam? Realmente esta é


a pergunta básica, porque é o contexto básico em que toda a per-
suasão econtece. Sabemos que es pessoas falam umas com es ou-
tras. Ouvem. Interrompem. Mexem as mãos. No caso do meu en-
contro com Tom Gau, estávamos sentados num escritório de
pequenas dimensões. Sentei-me numa cadeira em frente da se-
cretária dele. Cruzei as pernas, com um bloco e ume qrneta no
meu colo. Vestia uma camiseaizu|, calças e cÍtsaco pretos. Ele es-
tava sentado atrás da secretária numa cadeira de espaldar alto.
Usava calças de fato azuis, camisa branca impecavelmente engo-

8z
A Lei dos Poucos

made e gravete vermelha. Às vezes incünâva-se pera a funte e colo-


câva os cotovelo§ na mesa. Outras vezes encosteva-se para trás e
agitava os braços no er. Entre nós, no espaço vazio doampo da se-
cretária, coloquei o meu gravador. Isto é o que o leitor teria visto
se lhe mostresse umagrava$o emvideo do nosso encontro. Mas
se Fgesse no vídeo e andasse com ele em velocidade lenta, até ver
a nossa interacção em fatias deumafrecção desegundo,veria algo

bastantediferente.Veria nós os dois a executaraquilo que sópode


ser descrito como uma dançe elaborada e precisa.
O pioneiro deste tipo de análise - aquilo a que se chama o es-
tudo dos microrritmos culnrais - éum homem chamadoWilliam
Condon. Numa das suas pesquisas mais famosas da década de
196O, tentou descodificarum segmento de filme com quâm segun-
dos emeio, no qualumamulherdiz euma homem e a umacriança,
durante o iantac "Vocês os dois deviam cá vir todas as noites. Há
meses que não temos um ianar assim." Condon dividiu o filme em
imagens separadas, cada uma delas representado r/+s de segundo.
Depoisficou avervezes semcontâ. Eis asua descriSo:

Para estudar cuidadosamente a organiza$o e a sequência da situaSo,

temos de teruma atitude naturalista e etológica- É prciso ficara olharrepe-


tidamente durante milhares de horas até começar a emergir a ordem do ma-
terial. É como esctrlpir... Uur estudo contínuo rwela uma ordem diferentc.

Qpando fiquei a ver o filme repetidamente tinha uma visão errada do uni-
verso da comunicação entre duas pessoas. De algum modo, o modelo era
este. Uma pessoâ envia a mens€em, â outre responde. As mensagens vão

para aqui e para ali e para toda a parte. Mas haüa algo de estranho naquilo.

Condonpassouum ano e meio averequele curto segmentode


§lme, até que, finalmente, ne sue visão periferica, viu o que sem-
pre tinha sentido que lá estev'a: ,.4 mulher a virar a cabeça exacta-
mente quendo as mãos do marido apareciam." A Partir daí des-

83
A Chave do Sucesso

cobriu outros micromovimentos, outros pedrões que se repetiem,


atéperceberÍlue, além de falare owir, as pessoas à mesa também

"sincronismo inter-
estavam envolvidas naquilo a que chamou
-reaccional,'. A conversa tinha uma dimensão fisica rítmica. No es-
paço de duas ou três imagens com a duração der/+sde segundo,
cada uma das pessoâs moüa um ombro; ou a maS do rosto, ou uma
sobrancelha, ou e mão, mantinha o moümento, pereva-o, mudava
de direcção e recomeçave. E além disso, os movimentos estavam
perfeitamente sincronizados com as palawas da pessoa - enfati-
zando, sublinhando e elaborando, no processo de articular - de
modo que quem falava na realidade estava a dançar ao som do que
dizie. Ao mesmo tempo, es outras pessoas à volta da mesa tam-
bém esavam adançarcomela, movendo os rostos, ombros, mãos
e colpo ao mesmo ritmo. Não é que se mexessem todos da mesma
maneira, mais do que as pessoas a dançar uma música da mesma
maneira. O que acontecia é que o ritmo das paragens e aÍranques
dos micromovimentos de cada um deles - os saltos e mudanças no
rosto e na face - estavam em perfeita harmonia.
Pesquisas posteriores revelaram que não são apenas os gestos
que estão em harmonia, mas também o ritmo da conversa.
Quando duas pessoas falam, o volume e o timbre equilibram-se.
Aquilo a que os linguistas chamam cadência da fala - o número de
sons emitidos por segundo - equaliza-se. Acontece o mesmo com
aquilo a que se chama"tempo latenteo, o período detempo entre
o instante em que uma das pessoas pára de falar e o instante em
que e outra começe. É possível duâs pessoÍls começarem a conver-
seÍ com padrões de conversa muito diferentes. Masquase instan-
taneemente chegam a uma plataforma comum. Todos fazemos
isso, sempre. Bebés com um ou dois dias de idade sincronizam os
movimentos da cabeça, cotovelos, ombros, ancas e pés com os pa-
drÕes de fala dos adultos. Já se encontrou sincronismo nas inrerac-

ções de humanos e macacos. Faz parte dos nossos circuitos.

84
A Lei dos Poucos

Q3rando Tom Gau e zu nos sentámos em frente um do outro


no escritório dele, entrámos em harmonia ffsica e conversasional
quase imediatamente. Estávamos a dançâr. IVÍesmo entes de ele
me tentâr persuâdir com es suas pelewes, iá tinha feito uma liga-
$o comigo com os moümentos e a fala. Então, o que é que fez
com que eu achasse o encontro com ele muito mais atraente do
que as conversas quetenho todos os dias?Não é que Gauestivesse
a tentar deliberadamente harmonizar-se comigo. Alguns liwos
sobre vendas recomendam que os persuesores tentem reflectir a
postura ou o estilo de falardos seus clientes, pireestâbeleceruma
ligação. Mas sabe-se qtre não funciona. Ao contrário, faz com que
as pessoas fiquem menos àvontade. É obviamente falso.
Do que estamos a falaré deumaespécie desuper-reflexo,uma
capacidade psicológica fundamental de que mal estamos cientes.
E, tal como todas as características humanas especializadas, há
pessoas que dominam muito melhor este reflexo do que outras.
Em parte, o que significa ter ume personalidade poderosa ou con-
vincente é a capacidade de levar os outros a adoptar o nosso pró-
prio ritmo e de ditar os teünos da interacção. Em alguns estudos,
os estudantes que têm um alto grau de sincronismo com os pro-
fessores são mais alegres, mais entusiastas, mais interessados e
descontraídos. O que eu senti com Gau foi que estave a ser sedu-
zido, não no sentido sorual, é claro, mas que, num sentidoglobal,
a conveÍsaesteva e serconduzida nos termos dele e não nos meus.

Senti que me estava a sincronizarcom ele.


- Os músicos competentes sabem isto, como também os bons
oradores -
diz |oseph Cappella, que dá aulas na Faculdade An-
nenberg de Comunica$o, na Universidade da Pensilvânia. - Sa-
bem quando o público os acompanha,literalmente sincronizado
com eles, com os seus movimentos e aquiescências, ou com imo.
bilidade nos momentos de grande atenção.

85
A Chave do Sucesso

É uma coisa estranha de seadmitir, poryue eu não queria ser en-


volvido. Estava em guarda cortra essa sinraÉo. Mas a essência do
Vendedor é essa" não lhe podemos resistir, pelo menos a certo nível.
- Tom pode construir em cinco ou dez minutos um nível de
confiança e uma rela$o que a maioria das pessoas leva uma hora a
consmrir- dizMoine ao falarde Gau.
Mas há uma outra dimensão, mais específica. Quando duas pes-
soas falam, não se limitam e entrar numâ harmonia ftsica e oral.
Também se envolvem naquilo a que se chama mímica motriz. Se
mostrarÍnos a alguém imagens de um rosto sorridente ou afazer
umâ careta, a pessoâ responde com um sorriso ou uma cirretâ, em-
boratalvez só o façacom alterações muscularestão passageirasque
só podem ser detectadas com sensores electrónicos. Se der uma
martelada num dedo, a maioria das pessoas que assiste à cena faz
umâ qrreta: imita o meu estâdo emocional.Isto é o que significa
empatia, no sentido técnico.Imitamos as emoções uns dos outros
como maneira de exprimir apoio e interesse - e até, de uma ma-
neira mais básica, como um modo de comunicar entre nós.
No brilhante livro Emoüonal Contagion (Coneágio Emocional),
publicado em 1994, os psicólogos Elaine Hatfield e )ohn Ca-
cioppo e o historiador Richard Rapson dão um passo em frente.
Dizem eles que a imita$o também é um meio utilizado para nos
infectarmos uns aos outros com emoções. Por outrâs palawas, se
eu sorrir e você responder com um sorriso - mesmo sendo um mi-
crossorriso que não leva mais do que uns milissegundos - não é
apenas porque me está a imitarou a simpatizar comigo. Também
pode ser porque eu passei para si a minha felicidade. A emoção é
contagiosa. De certo modo, é perfeitamente intuitivo. Todos nós
mudamos de humor quando estamos perto de uma pessoa bem
disposta. No entanto, se pensennos melhor nisto, é uma ideia ra-
dical. Normalmente pensâmos nâs nossas expressões do rosto
como um reflexo de um estado interior. Sinto-me feliz, por isso

86
A lri dos Poucos

sorrio. Sinto-me triste, faço uma cara tÍiste. A emoção vai de den-
tro para fora. Contudo, o contágio emocional sugere que o oposto
também é verdadeiro. Se o posso fazer sorrir, também o posso
fazq feliz. Se o posso fezer franzir o rosto, também o faço ficar
triste. Neste sentido, a emoÉo vai de fora para dentro.
Se peasarmos nas emoções desta maneira - comovindo de fora
para dentro, e não o contrário - é possível compreender como é
que certas pessoÍls podem ter uma enorÍne influência sobre ou-
tras. Alguns de nós, afinal de contas, somos muito bons a exprimir
emoções e sentimentos, o que quer dizer que somos emocional-
mente mais contagiantes do que os outros. Os psicólogos cha-
mam-lhes «remetentee', têÍ1umâ personalidade especial e tam-
bém são psicologicamente diferentes. Os cientistas que estudam
o rosto, por exemplo, dizem que há grandes diferenças entre as
pessoas nalocalizaSo dos mrísculos faciais, tanto na forma como
também - surpreendentemente - nasua preponderância.
- Não é uma situa6o rarâ em medicina - diz CacioPPo.- Há
portadores, pessoas muito expressivas, e depois há pessoas que
são particulaflnente susceptíveis. Não é que o contágio emocional
seiauma doença. Mas o mecanismo é o mesmo.
Howard Friedman, psicólogo na Universidade da California,
em Riverside, desenvolveu aquilo a que ele chamao Teste de Comu-
nicação Afectiva, para medir esta capacidade de enviar emo-
ções de uma maneira contagiosa. O teste é auto-administrado,
com treze perguntas relacionadas com coisas, tais como, se â pes-
soa pode ficar imóvel quando ouve boa mrisica de dança, se ri
muito a[to, se toca nos amigos quando fala com eles, se consegue
enviar olhares sedutores, se gostâ de ser o certro das atençóes.
Apontua$o mais aka é 117 pontos e a médie" de acordo com Fried-
man, fice àvoltados 71.
O que é que significa obter uma ponnra$o alta? Para respon-
der, Friedmn fezuma experiência fascinante. Escolheu dgumas

87
A Chave do Sucesso

dúzias de pessoas que tinham obtido pontuações muito altas


- acima de 9O - e outras driaias que tinham pontuações muito bai-
xas - abaixo de 60 - e pediu-lhes para preencherem um questioná-
rio para avalier como se sentiam n naguele momento". Depois colo-
cou cada um dos que tiúam pontuâdo alto numa sala separada,
junamente com dois que tiúam pontuago baixa. Foi-lhes dito
para esperarem na sala duraate dois minutos. Podiam olhar uns
pâra os outros, mas não podiam falar. A seguir foi-lhes pedido que
volassem a preencher o questionário porrrenorizado sobre couro
se sentiam. Friedman descobriu que em dois minutos apenes, sem
dizeruma palaw4 os de baixa pontuaSo acabaram por qrprâro es-
tado de espírito dosde pontua$o dta. Se a pessoacarismática es-
tivesse deprimida e a pessoa inexpressiva começasse bem disposta"
ao §m de dois minutos esta riltima também ficava deprimida. Mas
não funcionavaao contrário. Só apssoa carismática conseguiain-
fectar as outras pessoas da sala com as sues emoções.
Foi o que Tom Gau me fez a mim? O que mais me impressio-
nou no nosso encontro foi avoz dele. Tinha a amplitude de um
cantor de ópera. As vezes parecia severo. (Expressão favorita dele
neste estado: ..Desculpe?,, As vezes eÍrastave a voz preguiçosa-
mente. Outras vezes ria-se enquanto falava, dando música às pala-
vras. Em cada uma destas situações o rosro iluminava-se de
ecordo, movendo-se depressae com facilidade deum esradopara
o outro. Não havia ambiguidade ne sua apresentação. Estava tudo
escrito no rosto. Não podiavero meu próprio rosto, é claro, mas
calculo que fosse um espelho do dele. Neste conrexro é interes-
sante lembrara experiência com os auscrrltadores e o movimento
de cabeça. É um exemplo da pessoa a ser persuadida de fora para
dentro, de uma atitude externa a afecar uma decisão interna. Será
que eu anuía quando tom Gau faziaque sim com a cabeça? E que
abanava a cabeça quando ele fazie não? Numa ocasião posterior
telefonei a Gau e pedi-lhe para fazrr o teste de carisma de Howard

88
A Lei dos Poucos

Friedman. Ao percorrerÍnos a lista, pergunta a pergunta, come-


çou a rir. Quando chegámos à pergunta onze - "Sou péssimo a fa-
zer pantomimes, como ambém em charadas" - ele estâve a rir às
gargalhadas.
- Sou óptimo nisso. Descrrbro sempre as charadas!
Num máximo possível de 117 pontos, ele obteve 116.

12.

No começo do dia 19 deAbdl &et77\,oshomens de L,exing-


ton, no Massachusetts, começârâm a iuntar-se na praça da cidede.
As suas idades iam dos dezasseis eos sessenta e traziam consigo
um sortido de mosquetes, espadas e pistolas. À medida que o
alarme se espalhava, o grupo cresceu com a chegada das milícias
das povoações à volta. Dedham enviou quírtro companhias. De
Lyrn, os homens vieram por sua contâ. Nas povoações mais a
oeste, que só receberam as notícias de manhã, os lawadores
tinham tente pressa em chegar a Lexington que deixaram literal-
mente as chamras nos círmpos. Em muias vilas praticamente toda
a população masculina queria lutar. Os homens não tinham uni-
forme, portanto usavam a roupa de todos os dias: casacõespare se
protegerem do frio damadrugadae chapéus de abalarga.
Enquanto os colonos acorriam a Lexington, os Regulares In-
gleses (como eram conhecidos) marchavam em formaçáo pera a
cidade.Ao alvorecer, os soldados em marchapodiamverfiguras à
volta deles no lusco-fusco, homens armados a coÍTer pelos cam-
pos, a ultrapassar os ingleses com a pressa de chegar a lrxinçon.
Quando os Regulares se aproximaram do centro da cidade, po-
diam ouvir à distância os tambores a tocar. Finalmente, os ingleses
entrerem na praça de Lexington e os dois lados viram-se frente a
frente: várias centenes de soldados ingleses a confronter menos

89
A Chave do Sucesso

de cem milicianos. Nesse primeiro encontro ne preça os ingleses


levaram â melhor, abatendo sete milicianos numa curta raiada de
tiros. Mas foi a primeira das várias batalhas do dia. Quando os
ingleses se deslocarem eté Concord, para procurar sistematica-
mente os esconderiios de annas e munições que sabiam existir na
cidade, voltarem a encontrar-se com as milícias, e dessa vez foram
completamente derrotados. Foi o começo da Revolução Âmeri-
cana, ume guerre que custaria muitas vidas e destnriria toda a co-
lónia americana. Quando os colonos declararam a independência,
no ano seguinte, o facto seria aclamado como a vitória pera um
país inteiro. Mas não foi assim que começou. Começou numa fria
manhã de Primaverâ, com uma epidemia de boca-a-boca que se
espdhou por toda a Nova Inglaterra a partir de um iovem aiudante
de estábulo, apoiando-se pelocaminho num pequeno nrírrerode
pessoas muito especiais: alguns Vendedores e um homem com o
talento especial de ser eo mesmo tempo Perito e Comunicador.

9o
3
O HACTORDEADERÊNCI,A
Rua Sésamo, Pistas da Blue eo vírus educacional

No final da década de 1.960, uma produtora de televisão cha-


mada Joan Gana Cooney decidiu espalhar uma epidemia. O seu
alvo eram as crianças com três, quatro e cinco anos. O agente in-
feccioso era a televisão, e o vírus que queria espalhar era a alfabe-
ttza$o.O programa deviadurarumahora e passarcinco dias por
semânâ, e e esperança era que se essa hora fosse suficientemente
contagiosa podia servir de Ponto de Virygem educacional: dar às
crianças de lares problemáticos uma aiuda para quando @meçes-
sem e escola primária, espalhendo valores educacionais dos es-
pectadores perâ os não-espectadores, infectando as crianças e os
pais, e mantendo-se o tempo suficiente pera ter impacto muito
depois das crianças deixarem de ver o programa. Provavelmente
Joan não usou estes conceitos nem descreveu os seus obiectivos
execamente desta meneira. Mas o que ela queria fazer eraessen-
cialmente criaruma çidemia de aprendizâgem que contrariasse
as epidemias prevalecentes de pobreza e analfabetismo. Chamou
àsuaideiaRra ksamo.
Seia qual for a referêrcia, a ideia era audaciosa. A teleüsão é
uma excelente maneira de chegar a um grande público de modo
fricil e barato. Entretém e deslumbra- Mas não é um meio parti-
cularmente educacional. Gerald Lesser, o psicologo da Universi-
dade de Harvard que trabalhou com |oan Cooney no programa

9t
A Chave do Sucesso

Pota Sésamo. diz que quando lhe pediram para entraÍ no proiecto,
no final da década de 1960, ficou bastante céptico.
- A minha ideia sempre foi adaptar o ensino âo que sabemos
sobre a criança - diz ele. - Procura-se saber quais são os pontos
fortes da criança, para os aproveitar. E tenta-se compreender as
suas fraquezas, para as evitar. Quanclo se tenta ensinarde acordo
com o perfil da criança... a televisão não tem qualquer potencial,
não tem poder para isso.
O bom ensino é interactivo. Envolve a criança individual-
mente. Usa todos os sentidos. Responde à criança. Mas atelevisão
é apenas uma caixa falante. Em experiências, as crianças avaliadas
sobre um texto que leram respondem invariavelmente melhor do
que asqueviram umvídeo sobre o mesmo assunto. Os especialis-
tesem ensino descrevem atelevisão como sendode
"baixo envol-
vimento,>. A televisão é como uma estiqpe da gripe comum que
pode espalhar-se como fogo entre a popula$o, mas que só pro-
voca alguns espirros e desaparece depressa.
Mas Joan Cooney, Irsser e um terceiro parceiro - Lloyd Morri-
set! da Funda$o Markle, de Nova Iorque - mesmo assim resolve-
ram tentar. Arregimentaram algumas das melhores mentes criati-
vas da época. Foram buscar récnicas da publicidade relevisiva para
ensinar os números às crianças. Usaram a anima$o ao üvo dos
desenhos animados que nos Estados Unidos passavam ao sábado
de manhãpara ensinaro alfabeto. Convidaram celebridades pera
qrntar, dançar e apârecer em quadros humorísticos que ensina-
vam às crianças as virnrdes da cooperação, ou a conhecer as suas
emoções. O Pota Sésamo aposteva mais alto, e tentâva mais do que
qualquerourro programa infantil, e o ortraordinário é que funcio-
nou Praticamente todas asvezes em que se avaliou o mérito edu-
cacional do programa - e o Puta Sísamo tem sido obiecto de mais
escrutínio académico do que qualquer programa da histórie -
provou-se que melhorou as capacidades de leitura e de aprendiza-

92
O Factor de Âderênçia

gem dos espectâdores. Há poucos educadorese psiólogos infan-


tis que não acreditem que o programa conseguiu espalhar a sua
mensagem infecciosa muitopara além dos lares que o viam regu-
larmente. Os criadores doÃno §asno conseguiram algo extraordi-
nário, e a história de como o conseguiram ilustra maravilhosa-
mente a segunda regra do Ponto de Viragem, o Factor de
Aderência. Descobriram que ao fazer aiustamentos pequenos mas
essenciais à maneira como apresentavem as ideias a crianças em
idade pré-escolar, podiam suplantar as fraquezas da televisão
como instnrmento de aprendizagem, e tornar memorável o que
diziam. 0 programakta liésamo foi bem sucedido porque epren-
deu a tornar a televisão aderente.

AIei dos Poucos, de que felei no capítulo anterior, diz que um


factor essencial nas epidemias é a natureza do mensâgeiro. Um par
de sapatos, um aviso, ou uma infec$o podem tornar-se altamente
conagiosos e atingir o auç simplesmente por esterem essociados
a um tipo de pessoe em particular. Mas em todos os exemplos con-
siderei como um dado adquirido que a mensâgem em si era algo
transmissível. Paul Revere iniciou uma epidemia de boca-a-boca
com a frase ..Os ingleses vêm aí!,, Se em vez disso ele cavalgasse à
meia-noite paredizeràs pessoas que esteva a fazerumsaldo de ca-
necas de estanho na suaourivesaria, mesmo ele, om todos os seus
talentos, não conseguiria galvanizar a região do Massachusetts.
Da mesma maneira, RogerHorchow mandou um foratodos os
seus amigos sobre um restâurante onde a filha o tiúa l*ado, ene'
crrtando o primeiro passo para criar uma epidemia de boca-a-boca;
mas, evidentemente, para essa epidemia pegar, o resaurante tiúa
de continuar a serbom. Precisava de ser o tipo de restaurante que

93
A Chave do Sucesso

srusÍlsse umaboa impressão às látomaruma re-


pessoas que fossem
feitro. Numa epidemiq o mensageiro é importante: é ele que e es-
palha. Mas o conteúdo da mensagem também é importance. E a
qualidade específica que umâ mensagem precisa de ter pâra ser
bem sucedida é a ..aderênciar,. Será a mensagçm - ou a cozinha ou
o filme, ou o produto - digna de memória? Seú tão digna de memô
ria, realmente, que possa criar uma mudança, que possa levar
alguém aagjr?
Aaderência parece uma coisaevidente. Quando queremosrcra
certezade que o que dizemosvai ficarnamemóriq falamos enfati-
cament€. Falamos alto, e Íepetimos o que queremos dizervezes sem
cona. Os especialistas em marketing pensam da mesma maneira.
Há uma máxima na publicidadq um enúncio precisa de ser visto
pelo menos seis vezes pâra as pessoas se lembrarem que o viram.
É um coúecimento muito útil para a Coca-Cola ou peÍa a Nike,
que têm centenas de milhões de dólares para gastar em marketing
e podem seturar todos os meios de comunicação com a sue men-
sagem. Mas não serve pere nada para, digamos, um grupo de pes-
soas e tentar lançar uma epidemia de alfabetização com um pe-
queno orçamento e ume hora de pÍogremâ ne televisão pública.
Haverá maneiras mais simples, rnais subtis e mais fáceis de fazer
com queuma mens€em se torne aderente?
Considere-se o campo do marketing directo. Uma empresa
compra um anúncio numa revista, ou faz um rnailingürecto, com
um cupão que o destinatário deve recortar e enviar-lhes com o
cheque, caso queira compÍar. Chegarcom emensagem ao consu-
midor não é a parte dificil do marketing directo. O que é dificil é
conseguir que o consumidor pare, leia o anúncio, se lembre dele,
e depois reaia. Para descobrir quais os anúncios que funcionam
melhor, os especialistas em marketing directo fazem muitos tes-
tes. Podem criar uma dúzia de versões do mesmo anúncio e pu-
blicá-las simultaneamenre numa drízia de cidades pere comparar

94
O Factor de Aderência

os níveis de resposta. Os publicitários convencionais têm ideias


preconcebidas sobre o que fazum anrincio resultan humor, gra-
fismo gritante, o endosso de uma personalidade conhecida.
Ao contrário, os especialistas de marketing directo têm poucas
ideias preconcebidas, porque o número de cupões enviadog ou o
núrqero de pessoas que ligam perÍr um número de telefone gra-
tuito em resposte aum anúncio natelevisão, dá-lhes umamedida
objectiva e indiscutível da eficiência No mundo da publicidade,
os especialistas em marketing directo são os verdadeiros estudan-
tes da aderência, e algumas das conclusões mais intrigantes sobre
o modo de chegaraos consumidoresvêm dotrabalho deles.
Na década de L97O, por exemplo, o lendário especialista em
marketing directo Lester Wunderman teve ume disputa com e
empresade publicidade McCann Erickson porceuse da conta da
Columbia Record Club. A Columbia tinha - como continua a ter -
um dos maiores clubes devendade discosporcorreio do mundo,
e Wunderrranfszíea publicidade da empresa desde o princípio,
na década de 1950. Contudo a Columbia decidiu contratâr a
McCann para produzir uma série de anúncios para televisão, pare
apoiar os antincios impressos de marketing directo que Wunder-
man criava. Não eram anúncios pâra passar à noite, com um nú-
mero de telefone gretuito; eram anúncios normais concebidos
pare eumentar a..onsciência,n do produto. Compreensivelmente,
Wunderman não gostou. Há vinte ânos que tinha a conta da
Colurnbia e não lhe agradava a ideia de perder, mesmo que fosse uma
pequena pârte, pera um concorente. Nem estava convencido de
que a publicidade da McCann servisse realmente para alguma
coisa. Para decidir a questão, propôs um teste. A Columbia deve-
ria publicar um complemento da publicidade criada pela sua em-
presâ nas ediÉes locais üW Guide e da revista Paraile emitnte e
seis mercadospublicitários espalhados pelo país Em treze desses
mercados, a McCann tinha autoriza$o para passer na televisão os

95
A Chave do Sucesso

seus anúncios de «consciência,>. Nos outros tTe?,e, Wunderrran


passarie os seus próprios anúncios. A empresa que conseguisse
que os seus anúncios de televisão provocassem um aumento de
respostas aos anúncios publicados tt
W Guiile e ta Parade frcririe
com a conta toda. A Columbia concordou, e ao fim de um mês
mediram os resultados. As respostas nos mercados de Wunder-
man subiram 80 por cento, comparados com 19,5 por cento pare
a McCann. Wunderman obteve uma vitória completa.

A chave do sucesso de Wunderman foi aquilo a que ele cha-


mava <<e caça ao tesouro>'. Em todos os anrincios daffi Guille e ü
Paraile mandou o director de arte colocar uma pequena caixa no
canto do crrpão de encomenda. Depois êz umasérie de anúncios
de televisão que diziam qual era o "segredo da Caixa Dourada,,.
Os telespectadores ficavam a saber que se conseguissem encon-
trar a caixa dourada nos seus exemplares da Parade e da W Guide,
podiam escolher um disco gratuito no catálogo da Columbia.
A caixa dourad+ pensou Wunderman, era uma espécie de gatilho.
Dava aos telespectadores uma r:tzío pafir ver os anúncios na 7V
Guide e na, Parade. Cliltuma ligaÉo enúe â mensagem da Colum-
biaque aspessoasviamnatelevisão e aqueüam nasrevistas. Com a
caixa dourade, diz Wunderman, leitor/telespectador faz parte de
"o
um sistema de pubücidade interactivo. Os telespecradores não se li-
mitam a ser audiênciq também se tornâm panicipantes. É como
entrar num iogo... A eficiência da campanha foi impressionante.
Bml977,nenhum dos anrincios do enorme programa em revistas
da Columbia fora rentável. Em 1978, com o apoio televisivo da
caixa dourada, todas as revistas da prcgrama$o deram lucro, ume
viragem sem precedente$'.
O que é interessante neste história é que qualquer exryectetive
normal teria dado a viória à McCann. A ideia da caixa dourada pa-
ree uma coisa antiquada A C-olumbia esava tão pouco convencida
que Wunderman precisou de alguns anos para a aonven er efazer t

96
O Factor de Aderência

experiência. Enquanro isso, McCenn eÉ um dos grandes $loessos


a

da publicidade americana,llme empresa famosa pela sua criativi-


dade e sofisticação. Além disso, aMcCanngastouquatrovezes mais
do queWunderman nos anrinciosde televisao. Compraram espaço
no horário nobre. Os anrincios de Wunderman passârâm de madru-
gada No capítulo anteriorümos @mo a.s epidemias são parcial-
mente funÉo do número de pessoas que reebe a mensagern, e por
esse padrão a McCann estave à frente. AMcCânn fez bem todas as
grandes coisas. Mas não t€ve aquele pequeno roque final, aquela
caixa dourada, que faria om que â mensâgem tivsse aderência"
Se olharmos de perto pere as ideias ou mensqgens epidémicas,
frequentemente os elementos que as tornam aderentes são tão pe-
quenos ou eperentemente triviais como a caixadourada de Wun-
derman. Considerem-sê, por exemplo, as chamadas ..experiências
do medo,,levadas acabo pelo psicólogo social Howardlevanthal,
na década de 1960. Ieanthd queria yer se conseguia convencer
um grupo de finalisas da Universidade de Yale a levar uma vacina
contra o tétano. Dividiu-os em vários grupos e deu a todos uma
brochura de sete páglnes a e4plicar os perigos do tétano, a impor-
tância davacina, e o facto de que a universidade esava a oferecer as
vacinas contra o tétano no entro de saúde, a tdos os estrrdântes
interessados. Havia úrias versões da brochura. A alguns estudames
foi entregue umâ versão lgrande medor', que descrevia o tétano
em tefinos impressionartes, incluindo fotogra§as de uma criança
com um atâque de tétano e outras vítimes com ceteteres urinários,
cortes de traqueotomia e nrbos nasais. Naversão «pou@ mdo», os
riscos do tétano eÍam epresentados em termos mais zuaves, e omi-
tiram-se as fotografias. Levanthal queriaverque impacto teriam as
duasbrochuras nas atinrdes dos estudantes em rela$o aotetano e
na probabilidade de se fazeremvacinar.
Os resultados eram, em parte, bastante previsíveis. Quando
posteÍiormente preencheram um questionário, todos os estudan-

97
A Chave do Sucesso

tes pareciem ter aprendido bem os Perigo§ do tétano. Mas os que


receberam a brochura «grande medo» estavâm mais convencidos
dos perigos do tétano, mais convencidos da importância da vacina,
e mais propensos arlirerque queriam recebê-laMastodas as dife-
renças se evaporaram quando Levanthalverificou quantos esudân-
tes realmente se tiúam vacinado. Um mês depois da experiên-
cia, praticamente nenhum dos participantes - uns meros três por
cento - tinha realmente ido ao centro de saúde paraser inoculado.
Não se sabe porquê, os esürdantes tiúam-se esquecido de nrdo o
que tinham aprendido sobre tétano, e a li$o recebida não se tradu-
ziu em ac$o nenhuma A e4periência não criou aderência. Porquê?
Se não soubéssemos nada sobre o Factor de Aderência, provavel-
mente concluiríamos que brochura não erylicava @rectamente a
a

questão do tétano. Podíamos peÍrsar se assustá-los seria a atitude


coÍrecte, ou se havia um estigma social agarrado eo téteno que ini-
bia os esnrdantes de admitir que corriam perigo, ou talvez que os
próprios oridados médicos os intimidassem. De qualquer maneirg
a Frcentágem de três por cento de esnrdantes a fazer-se vacinar
sugeria que ainda era preciso aadar muito para atingir os obiectivos.
Mas o Factor de Aderência sryere uma oisa basante diferente. Su-
gere que o problema provavelmente não estarra no conceito geral da
mensagem, e que talvez a campanha inteira precisasse de uma pe-
quenâ caixa dourada- E realmente, quando Levanthal repetiu a ex-
periência, uma pequena mudança foi suficiente para fazer a vacina-
So disparar pera os 28 por cento. Foi simplesmente a inchrsão de
um mapa da cidade universitária com o edificio do centro de saúde
marcado, e o horário das vacinas claramente indicado.
Este estudo dá-nos dois resultados interessantes. O primeiro é
que dos 28 por cento que se fizeram vacinar, os números do grupo
ds «grande medo" s ds «pouco medo,, foram iguais. Se havia algo
mais persuasivo na brochura «grande medo" mostrou-se clara-
mente irelevante. Os estudantes sabiam quais eram os perigos do

98
O Factor de Aderência

tétano e o que deviam fizer, mesmo sem ver as horríveis fotogra-


fias. O segundo ponto interessante é que os esrudantes, sendo fi-
nalistas, sabiam certamente onde era o centro de saúde, e com
certeza iá lá tinham ido várias vezes. É duüdoso que algum deles
tenha mesmo usado o mâpa. Por outras palavras, do que a vacina
contÍe o tétano precisavapara deflagrarnão erade uma avalanche
de informações novas ou adicionais. Do que precisavaerade uma
mudança subtil mas significativa nâ apresentâção. Os estudanres
precisavam de saber como incluir a que$ão do tetano nas stÍas vi-
das; afun$o do mapae dohonírio em que asvacinasestavamdis-
poníveis fez o folheto passar de uma lição abstracta - uma li6o
igual a incontáveis outms lições académicas que tinham recebido
como esnrdântes - para um risco de saúde, um conselho prático e
personalizado. E quando o conselho se tornou prático e persona-
Lizado, fi cou na memória-
Há enormes implicações nas experiêncies com o medo de
Levanthal e com o trabalho de Wundermen pera â Columbia
Records relativas à questão de como começar e fazer culminar
uma epidemia social. Nesta sociedade em que vivemos, somos
inundados por pessoas a reclamar a nossa atenção. Apenas na úl-
tima década, o tempo dedicado à publicidade em cada hora de te-
leüsão cresceu de seis para nove minutos, e continua a subirtodos
os anos. A empresa Media D5mamics, de Nora Iorque, calorla que
o norte-âmericano médio é hoie exposto a 254 mensagens @mer-
ciais por dia, uma zubida de 25 por cento desde meados da década
de 1970. Agora há milhões de páginas na Internet, a televisão por
cabo tem mais de 50 canais, e uma olhadela nas revistas de qual-
querbanca diz-nos que há milhares de reüstas, todas as semanas e
todos os meses, cheias de publicidade e de inforrração. Na publi-
cidade, esta indigestão de informação chama-se o problema do
..ruído,', e o ruído tornâ cada vez mais dificil fazer com que uma
mensegem tenha aderência. A Coca-Cola pagou 33 milhoes de

99
A Chave do Sucesso

dólares pelos direitos de patrocinaros Jogos Olímpiaos de 1992, mas


apesar do grande empurÍáo publicirário, apenâs doze por cento
dos telespectadores perceberam que eÍâ o refresco oficial dos
fogos, e cinco por cento acharam que o patrocínio era da Pepsi. De
acordo com o estudo feito por uma empresa de pesquisa publicitá-
ria, sempre que são emitidos pelo menos quâtro anúncios diferen-
tes de 15 segundosnumbloco de doisminutos e meio, a eficiência
de qualquer anú.ncio de 15 segundos é próxima do zero. Não nos
lembramos da maior pafte do que ouvimos, lemos ou vemos.
A idade da informa$o criou um problema de aderência. Mas os
exemplos de Levanúal e Wunderman sugerem que há maneiras
simples de aumentar a aderência e concebê-la de modo a ser in-
cluída sistematicamente numa meÍrsâgem. Este facto tem uma im-
portância óbvia para os especialistas de markecing professores e
gestores. Contudo, talvez ninguém teúa feito mais para ilustrar o
potencial deste tipode engenharia de aderênciado que atelevisão
educacional para crianças, em particular os criadores do Puta Se-
sorno e,mais tarde, do programa inspirado nele, Pístas da Blue.

O program a Puta Saamo é mais conhecido pelos génios criativos


que âtreiu, pessoes comolim Hensorl |oe Raposo e Frank Oz, que
perceberam innritivamente o que é preciso para chegar às crienças.
Dr.
São a versão televisiva de Beauix Potter, L. Frank Baum ou o
Seuss. Mas é um erro pensar no Rzc íwmo oomo um proiecto @n-
cebido num momento de inspira$o.Na realidade o que tornou o
programâ dlÍerente foi exectamente o oposto - até que ponto o
produto final foi deliberada e minuciosamente estudado. O fua
Sésamofoi construído apanirde umavisãosimples e inovador* se
podemos prender a atenSo das criançes, podemos ensiná-las.

1()()
O Factor de Aderência

Isto pode parecer óbvio, mes não é. Até hoie há muitos críticos
de teleüsão a afirmar que o que é perigoso é tornar as pessoas de-
pendentes, transformando as crianças e os adultos em sonâmbu-
los. De acordo com este pooto de vista, são as características for-
mais da televisão
-violênciq luzes brilhantes, sons akos e estrenhos,
imagens velozes e breves, aproxima$o e afastamento da câmara
("zoom"), ac$oexageradg etudo omais que associamos àtelevi-
são comercial - que prendem a rosse aten$o. Por outras pala-
vras, não precisamos de perceber aquilo para onde estemos a
olhar, ou absorvero quevemos, paracontinuaraolhar. É isso que
muitas pessoas querem dizer quando afirmam qtre a televisão é
passiva. Olhamos quando somos estimulados pelos zás-trás-pás e
bunsdo meio televisivo. E olhamosparaoutro lado, oumudamos
de canal, quando nos aborrecemos.
Contudo, o que os primeiros investigadores de televisão come-
çaram a perceber, nas décadas de 196O eL97O - em particular,
DanielAnderson, da Universidade doMassachusetts -, éque não
é nada assim que ascriançâs em idadepré-escolarvêem televisão.

-Aideiaeraque as crianças se sentevam, ficavem a olharpara o


ecrã e se desligavam de tudo - disse Elizebeth Lorch, psicóloga da
Faculdade de Amherst. - Mas assim que começámos a observar
cnidadosamente o que as crianças fiziarndescobrimos que real-
mente o mais comum eram as olhadelas rápidas. Havia muito mais
variedade. As crianças não âcavam simplesmente ali a olhar. Po-
diam dividir a aten$o entre várias actiüdades diferentes. E não
eram aleatórias. Eram influências preüsíveiso que as faziavoltara
olhar para o ecrã, e não eram trivialidades, nada de olhar rapida-
mente e passar adiante.
Por exemplo, uma vez Lorch reeditou um episódio do Rzc
§áamo de modo aque certos momentos-chave de algumas das cenas
§cassem fora de ordem. Se as crianças só estivessem interessadas
em olhar rapidamente e passar adiante, as mudanças não fariam

101
A Chave do Sucesso

diferença. Afinal o programâ continuava com as mrisicas, os bone-


cos, as cores bÍilhantes, a acção e todas as coisâs que faziam a Rua
Sésamo seÍ tão maravilhoso. Mas fez diferença. As crianças deixa-

ram de olhar. Se não conseguiam perceber o que é que estaYam â


ver, deixavam de olhar.
Noutra experiência, Lorch e DanAnderson mostrararn um epi
sódio do Âru kmmo a dois grupos de crianças com cinco anos de
idade. Mas os miúdos do segundo grupo for*m colocados numa sala
com o cháo cheiodebrinquedos amentes. Como seria de esperar,
os miúdos na sala sem brinquedos olharam pare o programa du-
rante 87 por cento do tempo, enquânto os miúdos com os brinque-
dos olharam âpeaas durante 47 por €nto do tempo. As crianps
distraem-se com osbrinquedos.Masquando testaram os dois gru-
pos parÍlver de que é que as criangs se lembravam e o que tinham
percebido, os resulados foramercactamente os mesmos. Esta con-
clusão zulpreendeu os dois estudiosos. Perceberâm que as crianças
viem televisão de uma maneira muito mais sofisticada do que eles
imaginavam. Escreveram o seguinte:.Chegámos à conclusão de
que as crianças de cinco anos, no grupo dos brinquedos, viam de
uma maneirabastante estratégica" distribuindo asue ateoso entre
os brinquedos e a observa§o, de modo averem aquilo que achavam
seraspâÍtes mais informativas. Esta estratégiaeratão e§ciente que
as crianças não ganharram nada com o &lmento de atenpo.o
Seiuntarmos estes dois estudos - o dos brinquedos e o da ree-
dição * chegamos a umâ conclusão bastante r*dical súre ctianças
e televisão. Os miúdos não olham quando são estimulados e dei-
xam de olhar quando se aborrecem. Olham quando compreen-
dem e deixam de olhar quando se senaem confusos. Para quem
faz teleüsão educativa, a diferença é fundamental. Q3ler dizerque
para saber se os miúdos aprendem - e o quê - com um progrâma
de TV, é apenas necessário anotar quando eles estão a olhar.
Se quisermos saber o que é que eles não estão a aprender, é preciso

142
O Fector de Aderência

apena§ ânotâr quândo é que eles não estão a olhar. fu criença§ em


idade pré-escolar são tão sofisticadas a ver que se pode determi-
nar a aderência de um programa infantil pela simples observação.
Nos primeiros anos, o chefe de pesquisa do kta Sésamo era um
psicologo de Oregon, Ed Palmer, cuia especialidade era a utiliza-
Éo da teleüsão como meio de aprendizagem. Quando o Grupo
de Trabalho da Televisão Infantil foi criado, no final da década de
1960, Palmer era um candidato óbvio.
- Eu era o tinico académico que eles enconuerâm com um his-
torial de pesquisas sobre a televisão infantil - diz ele, a rir.
Palmer tinha a fun$o de descobrir se o currículo educativo
pormenorizado criado pera o Pota Sésamo pelos seus conselheiros
académicos esteve realmente a chegar aos espectadores do pro-
grame. Eraum trabalho fundamental. Há mesmo quem diga que
sem Ed Palmer o progr:rma nunca teria passado da primeira série.
Ainovação de Palmerconsistiu nume coisa chamada "Distrai-
dómetro,,. Passava um episódio do Rua Sésamo num monitor e de-
pois passava um coniunto de fotografias num ecrã ao lado, mu-
dando as imagens acada sete segundos e meio.
- Tínhamos o coniunto de fotografias mais variado que se
possa imaginar - disse Palmer. - Mostrávamos uma pessoe e cor-
rer pela rua abai:ro com os braços para cima, um prédio muito alto,
uma folha a flutuarna ondulação de uma superficie aquática, um
arm-íris, uma imagem êita ao microscópio, um desenho do Escher.
Âideiaera mostrartudo o que fosse novidade.
Traziam-se então as crianças em idade pré-esolar, duas de cada
vez, e ficamm e \rer o progrâma na televisão. Palmer e os szus assis-
tentes sencryâm-se ao lado deles, mm papel anour silencio-
e lápis, a
s{uneÍrte quando é que as criangs estavâm e olharpara o Rra %amo
e quando é que pendiam o interesse e pâssavam a olhar para a proiec-

çao de fotografias. Sempre que mudava uma fotografia, Palmer e os


assistentes fezitm outrâ anotação, de maneira que no final da

103
A Chave do Sucesso

apresentaÉo tinham um relato quese ao segundo sobre quais os


segmentos do episódio em teste que conseguiam manteÍ a aten-
ção dos espectadores e queis não conseguiam. O Distraidómetro
era um aparelho de medigo da aderência.
- Pregávamos na parede uma folha de 60 por 90 centímetros e
colávamosvárias páginas de anotações - diz Palmer. - Lembrem-
-se quetínhamos pontosreferentesa cade sete seguÍldose meio, o
que significe quase 4O0 anotações para cada episódio, e ligáva-
mos esses pontos com uma linha vermelha de modo que parecia
umgráfico de coaçõesdabolsa Podia cairapique ou descergra-
dualmente, e ficávemos apensaro que é que teria acontecido na-
quela alarra. Noutras ocasiões, chegava eo topo do mapa e dizít-
mos,.,.fantástico, este segmento realmente prendeu a atenção das
crianças,'. Tabulávamos as ponnrações do Disrraidómetro em per-
centagem. As vezes chegávamos âos c€m por cento. A atenção mé-
dia para a maioria dos programas ere de cerca de 85 a 90 por
cento. Se os produtores conseguiam essa percentagem, ficavam
satisfeitos. Se ficassem nos 50 porcento, refaziam o segmeÍrto.
Palmer avaliou outros progrâmes infantis, tais como os dese-
nhos animados do Tom e lerry e o Capitiio Canguta,e comparevem
os segmentos desses programes bem sucedidos com segmentos
igualmente bem zucedidos do Rac §áarao. Tudo o que Pdmer des-
cobria, mandava pare os produtores e escritores do programa, de
modo a que pudessem aperfeiçoar o material. Por exemplo, um
dos mitos mais prevalecentes sobre televisão infantil ere que es
cianças gostavam de ver animais.
- Os produtores colocavam um gato, ou um tâmanduá, ou umo
lontra, e deixavam-no à solta - conta Palmer. - Pensavam que seria
interessante. Mas o nosso Disuaidómetro mo$rou que nuncxr
funcionava.
Fez-se um grande esforço com um personegem do kn &satno
chamado Homem doAlfabeto, especializado em trocadilhos. Pal-

r04
O Factor de Aderência

mer mostrou que os miúdos o detestevam. Foi eliminado. O Dis-


Eeidómetro mostrou que nenhum segmento do Rz a Sésamo dstia
durar mais do que quatro minutos, e que três minutos era prova-
velmente o tempo óptimo. Obrigou os produtores a simplificar o
diálogo e a abandonarcertas tecnicas quetinham aproveitado dos
progremas para adultos.
- Descobrimos, com grande surprese, que a nossa audiência
pré-escolar não gosava quando os peÍsonegens adultos se metiam
em üscussões- lembraele. - Nãogostevem quando duas ou mais
pessoas falavam ao mesmo tempo. O instinto naturel dos produto-
res é dinamizar uma cena criando confusão. Supostamente sa-
lienta o que é mais entusiasmante. O facto é que as nossas criaoças
firgiam a esse tipo de siura$o. Emvez de pereberem o sinal de que
estava a acontecer alguma coisa excitante, recebiam o sinal de que
o que estawr a aÉontecer era mnfuso. E perdiam o interesse.
- Depois da terceira ou querta série, ero rero teÍrnos um seg-
mento abaixo dos 85 por cento. Quase nunqrvíamos nada entre
os 50 e os 60 por cento, e se víssemos, mudávamos. Conhece as
noções de Darwin sobre a sobrevivência dos mais dotados? Tíúa-
mos um mecanismo para identificar os mais dotados e decidir o
que é que devia sobreviver.
Contudo, a misa mais importante que Palmerdescobriu om o
Distreidómetro foi logo ao princípio, mesmo antes do Àz a Sésamo
ir para o ar.
- Foi no Verão de 1969 e esúrramos a um mês e meio da pri-
meira emissão - recorda ksser. - Decidimos: vamos amriner-nos.
Vamos produzir cinco pÍogrâmes completos de uma hora cada an-
tes de ir para o ar e ver os resultados.
Para avaliar os programas, Palmerlevou-os pera Filadélfia e du-
rante a terceira semana de |ulho mostrou-os e grupos de crianças
em idade pré-escolar de sessenta lares espalhados pela cidade.
Foi um período dificil. Filadélâa estave no meio de uma onda de

105
A Chave do Sucesso

calor, o que levava as crianças a ficarem 4giadas e sem atenÉo


durante o visionamento dos progmmas. Também na mesma semena
a Apollo 11 aterrou na Lua e algumas crianças - compreensivel-
mente - preferiam ver o momento históri cn to Rua Sesamo.Mas o
pior de tudo foram as conclusões do Distraidómetro de Palmer.
- O que descobrimos - diz Lesser - quese que acabou con-
nosco.
O problema foi que, quando o programa foi originalmente con-
cebido, decidiu-se que todos os elementos fantasiosos fossem se-
parados dos elementos reais. Isto foi decidido devido à insistência
de muitos psicólogos infantis, que achavam que â misnrra de fan-
tasia com realidade podia ser enganadora para as crianças. Por-
tanto, osbonecossóapareciam com outrosbonecos, e as cenasfil-
madas na Rua Sésamo propriamente dita envolviam só adultos e
criançasverdadeiros. Contudo, o que Palmer descobriu em Fila-
délfia é que assim que passírvam paÍa as cenes na rua as crianças
perdiam todo o interesse.
- A rua devia ser a liga$o - disse Lesser. * Devíamos voltar
sempre parâ a rua. Era o que dava estrutuÍa ao progrâma. Mas
eram epenas adultos afazercoisas e afalarde assuntos que não in-
teressavam aos miúdos. Obtivemos níveis de atenção incrivel-
mente baixos. Os miúdos abandonavam o programa. Os níveis
voltavam a subir quando os bonecos voltavam, mes não podíamos
perdê-los daquela maneira.

"um ponto
Lesser considera que os resultados de Palmer foram
de vipgem, na históri e do Rila Sésamo.
- Sabíamos que se deixássemos a nrÍl assim, o programa acabaria
por morer. Âcontecia nrdo tão depressa Fizemos os testes no Ve-
rão e íamos pere o ar no Outono. Tínhamos de decidir o que fazrr.
Lesser decidiu ir contra a opiniao dos conselheiros técnicos.
- Decidimos mandar uma carte a todos os outros psicólogos a
dizerque sabíamoso que eles pensevem sobre misturara fanasia

ro6
O Factor de Aderência

com a realidade, mas íamos fazê-lo mesmo assim. Se não o fizésse-


mos, estávamos acabados.
Então os produtores voltaram a gravar todas as cenâs na rue.
Henson e os setrs colegas criaram bonecos que podiam andare falar
com os adultos do programe, e que podiam estaÍ com eles na rua.
- Foi assim que nasceram o Poupas, o Óscar e o Snuffleupa-
gus - disse Palmer.
Aquilo que agora consideramos a essência do Rna Sésmo * t
combina$o criativa de monstros farfalhudos com adultos empe-
nhados - nasceu do deseio desesperado de ter
"aderência".

Connrdo o Disuaidómetro, apesardas suas qualidades, é um ins-


tnrmento bastante primitivo. Diz que a criança compreende o que
e@ntece no ecrã e, omo resuhado, está a presar aten$o. Mas não
diz o que é que a criança percebe ou, mais precisamente, não diz se a

criança esrá a prestar aten$o.qrilo a que devia prestar aten$o.


Considerem-se estes dois segmentos do x«ta Sésamo, ambos
considerados equilo a que se chama exercícios de fusão visual -
segmentos que ensinam às crianças que ler consiste em fundir
sons disdntos. Num deles, Hug, uma boneca, aproxima-se da pala-
vra HUG no centro do ecrã. Fica atrás do H, pronunciando-o cui-
dadosamente, depois vai até ao U, e depois até ao G. Voka a passar
pelas letras da esquerda pare a direita, pronunciando separada-
mente cada uma das letras, e depois iunta os sons para dizer
..hugn. Ao mesmo tempo, o boneco HerryMonster entra e repete
a palavre. O segmento termina com o H.o,,Monster a abraçar a
menina-boneca deliciada.
Noutro segmento, chamado..A misture do Óscar,,, o Óscar e o
Crummybrincam com um jogo chamado "Palavras Quebúveis",
no qual as p*lawas são formadas e depois as letras separadas.
Óscar começa por pedir um C, que âparece no canto inferior
esquerdo do ecrã" Aletra C, diz Óscar a Crummy, pronuncia-se..cê".

to7
A Chave do Sucesso

Depois as letrâs «at» aparecem no canto inferior direito do ecrã e


Crummy pronuncia-as - (<éte>>
[pronúncia em inglês]. Andam os
dois de um lado para o outro - Óscar e dizer..cê>, e Crummy ..éte, -
cada vez mais depressa, eté os sons fundidos formarem a pelewe
«cao, [gato]. Ao mesmo tempo, as letras na parre inferior do ecrã
também se juntam para formar <<cat,». Os dois bonecos repetem
"quéte" [pronúncia em inglês] algumas vezes e depois a palavra
desaparece, com um som de estilhaçar. Depois o processo começa
outra vez com a palavre..baor.
Ambos os segmentos são divertidos. Prendem a atenção das
crianças. No Distraidómetro obtiveram resultados brilhantes.
Mas será que realmente ensinam os fundamentos da leirura?
Éuma pergunta mais complicada. Pararesponder, em meados da
década deL97O os produtores do Àuta Sesamo contrataram um
grupo de investigadores da Universidade de Harvard, dirigidos
por uma psicóloga chamada Barbara Flagg, especialistâs numa
técnica chemada fotografia do moümento dos olhos. A pesquisa
dos movimentos dos olhos baseia-se na ideia de que o olho hu-
mano é cepazde se focar só numa pequenâ área num dado mo-
mento - aquilo e que se chama amplitude perceptual. Quando le-
mos, só somos capezes de perceber uma palanra-chave de cada
vez, mais quatro caracteres à esquerda e quinze caracteres à di-
reita. Passamos de um destes segmentos pera o seguinte, parando
- ou fixando-os - o tempo suficiente para perceber cada uma das
letras. A razão por que só focamos cleramente em tão pouco texto
é que os sensores dos nossos olhos - os receptores que processam
o que vemos * estão agrupados numâ pequena área no meio da
retina chamada fovea. É por isso que movemos os olhos quando
lemos: não conseguimos informações suficientes sobre a forma,
a cor, otr a estnrtura das palawas a não ser que foquemos a ffivea
directamente neles. Experimente, por exemplo, voltar a ler este
parágrafo olhando a direito para o meio da págrna. E impossível.

ro8
O Factor de Aderência

Por outras palawas, se coflseguinnos seguir o movimento de 6-


vea de uma pessoa e ver onde é que ela se fi:n, podernos dizer com
uma precisão extraordináriapara onde é que ela está mesmo a olhar
e que tipo de informa$o está realmente a receber. Não admira que

os especialistas em anúncios de televisão seiam compleamente ob-


cecados com o acompanhemento dos olhos. Para quem faz um
anrincio de eneia comumabela modelo, é realmente importante
saber se a média do seu público-alvo - com 24 anos - se
os homens
fixa só na modelo ou se também vê a lata de cerveia Em 1975 o Rw
&sama contactou Harvard pelas mesmas razões. Quando os miúdos
üam a
"Mistura do Óscan, ou "Hü.gr, estevam e ver e a aprender as
pdavras, ou simplesmente a olharpara os bonecos?
A experiência foi feita com 21 czianças com quatro e cinco anos
de idade, levadas à Escola Superior de Educago de Harvard pelos
pais durante uma semana. Sentavam-se uma a uma nurne cadeira
de barbeiro antiga, com um apoio para e cabeça aLnofadado, a
cerca de 90 centímetros de distância de um ecrã colorido de 17
polegadas. Um monitor de infravermelhos Eye-View, da Gulf &
Western, foi colocado à esquerda, cuidadosamente calibrado pare
acompanhar os movimentos da fovea de cada um dos miúdos.
Descobriu-se que "Hug, eÍa um sucesso estrondoso. Setena e seis
por cento de todas es concentreções ocorriem nes letras. Melhor
ainda, 83 por cento de todos os miúdos concentravam-se nas le-
tftrs numâ sequência da esquerda para a direita - ou seia, imitando
o verdadeiro processo de leinrra. Por outro lado, a "Mistura do
Óscar,, foi um desastre. Só 35 porcento das concentrações ceíram
nas letras. E exactamente zero poÍ cento dos miúdos leu as letras
da esquerda pera a direita. Qual era o problema? Primeiro, as le-
tras não deviam aparecerna parte inferiordo ecrá pois, tal como o
demonstram quase todas as pesquisas sobre movimento dos
olhos, na televisão as pessoas olham para o centro do ecrã. Mas
este ponto é secundário em relação ao facto de que as crianças

109
A Chave do Sucesso

não olhavam para as letras porque estavam a olhar para o Óscar.


Olhavam para a modelo enão para a latade cerveja.
- Lembro-me da..Mistura do Óscar,, - diz flagg. - O Óscar era
muito activo. Agitava-se muito ao fundo, e a palawa não estava
nada próxima dele. Movia muito a boca, e movia as mãos. Tinha
coisas nas mãos. Provocava muita distracção. Os miúdos não se
concentravam nas letras porque o Óscar era tão interessante.
0 Óscar era aderente. A li$o não era.

3.

Foi este o legado do Rzc Sésamo: se formos cuidadosos com a


estÍunrra e o formato do material, podemos aumentaÍ â aderência
de uma forma impressionante. Mas será possível fazer um pro-
grama ainda mais aderente do que o Rua Sésamo? Foi o que per'
guntaram a si próprios três jovens produtores do canal de televi-
são Nickelodeon, sediado em Manhatten, em meados da década
de 1990. Era uma pergunta razoável. Afinal o Rua Sésamo era um
produto da década de 1960, e nos três decénios subsequentes ti-
nham-se feito grandes avanços nâ compreensão da mente das cri-
anças. Um dos produtores do Nickelodeon, Todd Kessler, eté ti-
nha trabalhado no Rta Sésamo e foi-se embora por não estar
satisfeito com o programa. Não gostava do ritmo acelerado e do
formato de segmentos curtos, como se fossem artigos de página
numa revista-
- Adoro o Rrza §ácmo - disse ele. - Mas sempre achei que os miú-
dos não têmuma atenção tão curta e podem facilmente ficarsen-
tados durante meia hora.
Kessler achava a televisão infantil tradicional estática de mais.
- Uma vez que o público não é nada verbal, nem sequer pré-
-verbal, é importante contar a história visualmenrc - acrescentâ.

110
O Factor de Aderência

- É um meio visual, e para o fazer penetreE para o tornar forte,


tem de se fazer uso dessa característica. Há tanta televisão infânril
que é só conversa. O público tem dificuldade em acompanhar.
Uma colega de Kessler, Tracy Santomero, cresceu aver o Rua
Sesamo e levanta obfecçóes semelhantes.

- Queríamos aprender com o Rzc Sésamo e dtr mais um passo -


disse Tracy. - A televisao é um grande meio para ensinar. Mas até
agora o seu potencial não foi explorado. Tem sido utilizado de
uma maneira rotineira. Eu acreditava que conseguia dar a volta à
situação.
O que eles conceberam foi um programa chamado Pístas da
Blue.Tem meia hora, em vez de uma hora. Não tem um elenco de
coniunto. Só tem um acror ao vivo, Steve [Duarte, em Pornqgal],
um rapaz de cara lavada com vinte e tal anos, vestido com calças de
ganga e camisola pólo, que é o anfitrião do programa. Em vez de
um formato variado, cada episódio conta apenas uma história * as
descobertas de uma cadelinha de desenho animado chamada
Blue. Tem um cenário plano, com duas dimensões, mais como se
fosse a versão em vídeo de um liwo infantil ilusmado do que um
programa de televisão. 0 rirmo é lento. O texto é pontuado com
peuses terrivelmente longas.Não há nadadohumor, dosiogos de
palawas, ou da esperteza que caractet'rza o knSésamo. Um dos
personagens desenhados do progrâmâ, uma caixa do correio,
chama-se..Caixa do Correio,. Dois outros p€rsonagens habituais,
uma pá e um balde, chamam-se «Pá» e «Balde,. E é claro que Blue,
a estrela do programa, chama-se ,.Blue, porque é arul.para
um
adulto é diffcil ver Pistw da Blue e pensar que pode ser uma melho-
ria em relação ao Rza sésamo.E contudo, é o que é. Desde o princí-
pio da sua primeira apresentação, em 1996, pistas da Blue exí
perto das audiências do Rza sésono.Nos testes com o Distraidô
metro' obtém maior pontua$o na captura da arenção das crian-
ças. Jennings Bryant, um investigador sobre quesrões de educa-

{
111
A Chave do Sucesso

So da Universidade de Alabama, fez um estudo com 12O crianças,


comparando com testes cognitivos o desempenho des que viam
regularÍnente Prsras da Blue com as que üam outros programas
educacionais.
-Ao fim de seis meses começámos avergrandes diferenças -
disse Bryant. - Em quase todas as nossas avaliações de pensa-
mento florível e resolução de problemas, obtivemos diferenças es-
tatísticas significativas. Se o tesre tinha sessentaitens, podiaver-se
que os espectadores de Pistas da Blue identificavam corectamenre
cinquenta, e o grupo de referência identificava trinta e cinco.
A Pista da Blue pode ser o programa de televisão mais aderente
quese fez*éâgora.
Como é que um programa tão discreto pode ser ainda mais ade-
rente do que o Rza Sésamo? A resposta é que a kta Séwma,por
muitobom que fosse, tinhaum certo núrnerode limitaçõessubtis
mas significativas. Considere-se, por exemplo, o problema criado
pela insistência do programa na espertezâ- Desde o princípio que o
Futa *,somose destinava a serapelativotanto pafiI as crianças como

para os adultos. A ideia é que um dos grandes obsúctrlos Para es


- panicularmente nâs famílias de baixos rendimentos - é
"riâtçet
os pais não participaÍem na sua aprendiz€êo, ou não a encoraia-
rem. Os criadores do Rzo Sésamo queriam um Programa Pera âs
mães verem iuntamente com os filhos. E Pot isso que t€m tentos
elementos..adultos,, - as piadas constântes e as referências à cul'
turepop norte-americana, teis como o Monstelpiece Theaúer ou a
paródia a samuel Beckett.,Aespera de Elmo". (o principat escri-
tor do progrema, Lou Berger, diz que a razáo Por que se candida-
tou ao tugarfoi poÍ (xrusa de umsegnento do sapo cocâs queviu
com o filho em tg7g...Era uma daquelas histórias de fadas malu-
cas. Andavam à procura de uma princesa em perigo. o cocas foi
ter
com essa boneca-princesa disse-lhe (e aqui Berger imita perfeita-
e

ment€ o Cocas): "Descrrlpe-me, é uma princesa em perigo?" E ela

ttz
O FactordcAderência

respondeu: "O que é que parect? Um saia-casaco?" E eu lembro-


-me de ter pensado: 'Isto é incrível. Q3rero uabalhar ali."")
0 problema é que as crianças em idade pré-escolarnão perce-
bem este tipo de piadas, e a presença deste humor - como o trocÍr-
dilho com ..dress" e
"distress» - pode ser uma distraoÉo. Há um
bom exemplo num episódio do Ruc Sésamo chamado
"Roy", que
passou na noite de Natal de L997. O segmento começa com o
Poupas a en@ntreruma mulher-carteiro que nuncâ tinha estado
na Rua Sésamo. [Convém lembrar que o nome do Poupas em in-
gl& é "Big Bird", ..Pássaro Grande".] A mulher-carteiro dá um em-
brulho ao Poupas e ele mostra-se imediatamenre surpreendido:
á
- E a primeiravez que aqui vens - pergunt ele -, como é que
sabes que eu sou o Poupas?

Mulher{aneiro - Bem, tfns que admitir que é frcil de desco-


brk. (Faz gestos a apontar para o Poupw.)
Poupas -N pra ti Wp"b.) A[ estou a ver. O pacote é
é? (Ollw
para o Big Birle eu sou um grande pássaro. Às vezes esqueçome. Sou
apenâs o que o meu nome indica UaBigBfulé um grande p:issaro.

O Poupas fica triste. Percebe que todâ a gente rem um oome,


como Óscar, ou SnuQ, mas o dele é so uma descrição. pergunta à
mulher-carteiro como é que elase chama- Ela responde: Imogene.

Poupas - Olha, é um nome gro. (Olha pra a cârwra, nnhador.)


Gosava de ter rm nome assim, em vez de um nonoe que so diz o que
eu sou, omo se eu fosse uma ma$, uma cadeirg ou coisa assim.

O Poupas começa então à proorra de um nome novo. Com


a
ajuda do sn,Spesquisa pele ruâ tode à cata de sugesrões
- Zackle.
dacHe, Butch, Bill, Omar, Irrt', Sammy, Ebenezei
fim, Napoleão,
tanoelot' Roclv- até se decidir por Roy. Mas então, quandotoda
a

113
A Chcve do Sucesso

gente o começa achamaÍpelo novo nome, o Poupas Percebe que


afinal nãogosta dele.
- Não sei porquê não me paÍece bem - diz ele. - Acho que
cometiumgrande erro.
Volapara o nome antigo.
- Mesmo que BigBful níoseia um nome verdadeiro - aonclui -, é
o meu nome e gosto da maneira omo os meus amigos todos o dizem.
Este epis&io era óptimo, pelo menos à superficie. Apremissa
é conceptual e encerra um desafio fascinante. Trata abertamente
de emoções e, ao contrário dos outros programas infantis, diz às
crianças que é normal não estarmos sempre felizes. Acima de
nrdo, é um quadro divertido.
Parece que devia fazer muito sucesso, não é verdade?
Pois não fez.O episódio foi testado pela equipa de inves-
"Rop,
tigadores do Raa Sésamo e os resultados foram uma desilusão.
A primeira parte com o SnuS e o PouPas coÍreu bem- Como seria
de esperar, os espectadores ficaram cuÍio§os. Depois as coisas co-
meçararn a correr mal. Na dtura da segunda cena de rua, a aten$o
tinha caído para 80 por cenro. Na terceirar pâÍÍr 78 por cento. Na
quarta,40 por cento, depois 50, depois 20. Depois de verem o
pÍograme, os miúdos foram inquiridos sobre o que tinham visto.
- Fizemos perguntâs específicas e estávamos à espera de ÍesPo§-

tas claras - disse RosemaryTnrglio, a chefe de pesquisas do Rza &-


samo. Sobre o que era o Programa? Sessenta PoÍ cento sabia'
-
sabia'
O que é que o Poupas queriafazer? Cinquenta e trêsporcento
sabia Como é
Qual era o novo nome do Poupas?Vinte Porcento
que o Poupas se sentia no fim? Cinquenta Por cento sabia'
Em comparação, outro segmento avaliado na mesma
altura re-
posterior'
gistou 90 por cento de respostas certas no inquérito
ó r.g*"* simplesmente não impressionava Não tinha
aderência.
problema
nãrque é que o segmento não funcionou?A raiz do
era a premissa dahistoria - a piada b,ásica de
que o..Pássaro Grande"

r14
O FactordeAderência

não quer ser conhecido como um pássaro grande. É o tipo de jogo


de palavras que umâ cri*nça em idade pré-escolarsimplesmente
não perebe. Os pré-escolares assumem certas coisas sobre as pala-
vÍâs e o seu significado à medida que aprendem a língua, uma das
mais importantes sendo aquilo â que a psicologa Ellen Markman
chama o "princípio da exclusão mútuo,. Colocando as coisas de
forrna simples, significa que as crianças muito pequenas têm di-
ficuldade em perceber que um dado obiecto tenha dois nomes.
Ellen Marlunan diz que as crianças neturalmente essumem que se
um obiecto ou uma pessoa têm uma segunda etiqueta, então a eti-
quetâ deve referir-se a algum atributo ou propriedade seorndária
desse obiecto. Pode perceber-se como esta posi$o é úril para uma
criança que tem de lidar com a tarefa e*reordinária de dar nome a
tudo o que existe neste mundo. Uma criança que aprende a palanra
diferente de cã0.
elefante srbe, de certeza absoluta, que é uma coisa
Cada palavra novt§tz com que a criança conheça o mundo com
mais precisão. Ao contrário, sem a exclusão múarq se rrma criança
pensâsse que elefante eraapenas outra etiqueta para cao, então cada
palavra nova faria com que o mundo parecesse mais complicado.
A exclusão mútua também aiuda a criança a pensar claramente. Es-
creve Markman: «Supoúamos que a criança que iá, conhee maçã e
mcatnada ouve alguém referir-se à maÉ como sendo reionda.Pelz
exclusão mútua, a ctiança pode separar o obiecto (maÉ) e a sua
cor (encarnada) do sentido de redonilo, e pode analisar o obiecto
através de qualquer outra propriedade ou etiqueta.,
Contudo, isto significa ciue as crianças têm dificuldades com
obiectos com dois nomes, ou obiectos que mudam de nome. Uma
criança tem dificuldade com, digamos, a ideia de que um clrvalho
é tenw cantalho como dnol4 neste qrso pode assumb que ámorc ê a
palavraparâ umâ colec$o de carvalhos.
Então, a ideia de que o poupas] não quer
"Grande Pássaro" [o iá
que lhe chamem Pássaror, e em vez disso quer que lhe
"Grande

115
 Chave do Sucesso

chamem Roy é quase gaÍantido que vai atrapalhar o pré-escolar.


Como é queumapessoa com nome pode quererteroutro nome?
O ..Grande Pássaro" está a dizer que "Grande Pássaro" é apenas
um nome descritivo do tipo de animal que ele é, e que quer ter um
nome pessoal. Não quer ser uma árvore; quer ser um carvalho. Mas
com três e quatro enos não percebem qtre ume árvore
as crianças
também pode ser um carvalho. Até eo ponto em que podem com-
preenderalgo, provavelmente pensam que o Poupas está atentar
ser outre coisa - outro tipo de animal, ou ouf,re colecSo de ani
mais. E como é que ele poderia querer tal coisa?
Há um problema mais profundo. O Pota Sesmo é um programa
apresentado como uma revista, em que cadaanigo não tem nadaa
ver com os outros. Um programa típico consiste em pelo menos
qtulrentâ segmentos distintos, nenhum om mais de três minutos -
cenas nâ nra com actores e bonecos, anima$o e filmes ctrrtos feitos
fora do esúdio. Com çgmentos como..Rof,, no final da década de
1990, os escritores do programa tentâraÍn, pela primeiravez,ligar
alguns segmentos com um tema comum. Contudo, durante a maior
parte da história do progreme os segmentos erirm completamente
autónomos; na realidade, a maiorpane dasvezes fizeram-se novos
programas, misnrando novâs cenas de rua com pedaços de anima-
. êt
ção e sequências filmadas que estavam nos arquivos.
Os criadores do programa tinham uma razão Pare constnrir o
Rua Sésamodesta maneira. Pensavam que as crianças em idade
pré-escolar não tinham a aten$o suficientemente longa para li-
darcom segmentos que não fossem muito cuftos e que nãotives-
sem uma ideia específica.
- Analisámos os padrões de observaSo de crianças Pequenâs e
descobrimos que elas estaram aver l,augh-Int - diz LloYd Morrisett,

I Série de programas cómicos da NBC emitidos nos Estados Unidos entre 1968 e
1973. Os programâ eram constituídos por segmettos muito ctçtos, com piadas geral-
mente inôorrpreensíveis e/ou impóprias para criangs. (N. do T.)

rr6
O Factor de Aderência

um dos fundadores do programe. -Isso teveumefeito muito forte


no princípio do Rza Sésamo, Piadas malucas e relativamente rápi-
das. Parece que âs criançasgostavammuito.
Os criadores do Rna Wmo ainda se impressionavem mais com
aforça dos anúncios de televisão. A décadade 1960 foi a idade de
ouro da publicidade norte-americana, e nessa altura parecia fazer
todo o sentido que um anúncio de 60 segundos podia vender
se
cereais de pequeno-almoço a alguém com quatno anos, então tâm-
bém podia vender o alfabeto a essâ criança. Para os criadores do
programâ, uma parte da aaac$o de fim Henson e dos bonecos erâ
que na década de 1960 Henson tinha dirigido um esnidio de pu-
blicidade muito bem sucedido. A maioria dos bonecos mais famo-
sos foram criados para campanhas de publicidade na realidade, o
Poupas é uma varia$o de um dragão com mais de dois metros
criadoporHenson para amarsaLa Choy; oMonstro das Bolachas
eÍa epres€ntador dos aperitivos Frito-Lay; o Grover foi usado em
anríncios da IBM. (Os anúncios de Henson com bonecos das déca-
das de 1950 e 1960 são de morrer a rir mas têm um lado negro e
alternativo que compreensivelmenrc foi retirado do fota s&amo.)
- Acho que a qualidade mais significarira do formato dos antin-
cios é quesão sobre umaúnica coisa- disse Sam Gibbon, um dos
primeiros produtores do Rru sésamo.- euerem vender uma ideia.
 noção de dividir o conteúdo do knsdsamo em pequenas unida-
des suficientemenrc peq*enas pare se dirigir a um único obiectivo
educecional, como uma carta individual, deve muito à técnica dos
anrincios de televisão.
Mas será verdade a teoria da aprendizâgem dos anrincios de
televiso? segundo Daniel Anderson, novÍls pequisas nrgerem que
na realidade as crianças não gosam anto dos anrincios como nós
pensávamos, porque «os anúncios não ontam nenhuma história,
e as hi*órias são parcicularmente notáveis e importantes peÉ es
criançasrr.

t17
A Chave do Sucesso

A ktaSdsomo inicial era antinarrativo: foi concebido como uma


colec$o de segmentos não ligadosenue si.
- Não foram só os anúncios que influenciaram o Rua Suarno eo
princípio - diz Anderson. - Na época também haüa a perspectiva
teórica, baseada em parte no (influente psicólogo) Piaget, de que
uma criança em idade pré-escolar não conseguia acompanhar
uma narrativa e}Éensa.
Contudo, desde o final da década de 1960, esta ideia foi virada
de cabeça para baixo. Com três, guatro, ou cinco enos, a cri*ç"
pode não conseguir acompanharhistórias complicadas. Mas agora
os psicologos acreditam que a narrativa é absolutamente essencial.

- É a única maneira que elestêm de organizaro mundo, de or-


genizar aexperiência - diz |erome Bruner, psicólogo da Universi-
dade de Nova Iorque. - Não conseguem perceber teorias que or-
ganizam as coisas em terÍnos de causa e efeito, e de relações,
portento transformam as coisas em histórias, e quando tentem
dar sentido à sua vida usam uma versão narrativa da sua experiên-
cia como base para mais reflexão. Se não apanham a coisadeuma
forma narrativa, não será lembrada, e não Parece ficar acessível
para outros modos de reconsidera$o.
No princípio da década de 1980, Bruner este§'e envolvido num
proiecto fascinante, chamado "Narrativas do berço», que foi funde-
mental para mudar a opinião de muitos especialistas da infincia.
o proiecto oentrou-se numa menina de dois anos de New Haven
chamada Emily, cuios pais - ambos professores universitários -
começarem a reparar que a filha falava soziúa antes de adormecer
à noite. Curiosos, colocaram um Pequeno gravador no berço e,
várias noites porsemana, durante quinze mese§, gravaram tanto as
conversas que tinham com Emilyquando a punham na câÍlâ, como
o que ela dizia depois com os seus botões ante§ de adormecer.
As rranscrições - 122 ao rodo - foram depors analisadss Por um
grupo de linguistas e psicólogos dirigidos por Katherine Nelson, da

rr8
O Factor deÂderência

Universidade de Harvard. Descobriram que es convesas de Emily


com os seus botões eram muito mais avançadas do que as converses
com os pais. Na realidade, eram significativamente mais avançadas.
Uma das pessoâs que panicipou na equipa que discutiu as grrva-
ções de Emily, Carol FleisherFeldman, escreveu meis tarde:

Em geral, a fala dela consigo própria é áo mais rica e mais complexa

[do que a suafala com os adultos] que fez com que nós todos, estudantes do
desenvohimento da linguagem, comegássemos a pen$[r se a imagem da
aquisição da fala proposta pela literatura especializadaaté agora não ficaria
aquém dos padróes reais de conhecimento linguístico da criança. Pois as-
sim que as luzes se epagam e os pais saem do quarto, Emily revela um domi
nio impressionante das forrras de falar de que runca suspeitaríamos com-
parando com alinguagem que utilizeduanteo dia.

Feldman referia-se a coises como vocabulário e grâmática, e


ainda - o mais importante - à esmrnra dos monólogos de Emily.
Ela inventavahistórias e narrativas que explicevem eoqganizavam
as coisâs que lhe tinham acontecido. As vezes essas hisórias eram

equilo a que os linguistas chamam narrativas temporais. Ela criava


uma história a tentar integrar eventos, acções e sentimentos numa
única estnrtuÍâ - um processo essenci*l p"o o deserrvolvimento
mentel da criança. Aqui está uma história que E*rly contou a si
própria aos 32 meses, que vou citar integralmente para eofaúzar a
sofisticago da fala de uma criença quando esú sozinha:

Amanhã quando acordarmos na cama, primeiro eu e o papá e a mamã,


tu, eomer o pequeflo-elmoço comer o pe{ilreno dmoço como fazemos de
costume, e depois vamos brincar e depois o papá volta logo, o Carl vai apa-
recer, e depois vamos brincar um bocadinho. E depois o Carl e a Emilyvão
infantário [sussurrado], e depois
os dois no carro de alguém, e vemos para o

quando lá c{regamos, yamos todos sair do cano, entrer no infanrário, e o

1r9
A Chave do Succsso

papá vai-nos dar beiios, depois rni, e depois dizer, e dcpois dizemos adeus,
depois ele rai trabdhar e nós vamos brincar no infantário. Niio vai ser diver-
tido? Porque às vezes vou para o infantário porque é dia de in&ntário. Às ve-

zes fico com a Titi a semana tode E às vezes brincamos ao papá e à mamã
Mas habitualmerlte, às vezes, erl, hum, oh vou pârâ o infantário. Mas hoie
vou pare o infanúrio de manhã" De manh{ o papá no, quando e de cos-
tume, vemos comer o pequeno-ahnoço omo fazemos omo de ostume, e

depois vamos... e quando vamos... brincar. E depois estamos, depois a cam-


painha da pona vai tocâr, e entre agui o Carl, e depois o Carl, e depois va-
mos brincar, e depois...

Emily está a descrever a sua rotina da soúa-feira. Mas não é


ume soúe-feira qualquer. É o que ela considera uma senta-feira
ideal, uma sexta-feira hipotética em que aconrece ürdo o que ela
quer que econteçe. Conforme Bruner e Joan Lucariello escreve-
ram no seucomentário sobre o segmento, trate-se de

um acto notável de consmr$o do mundo... ela usa diferenrcs tons, alonga-


m€nto das palawas-chave, e um. especie de
"recriaÉo" reminiscente do
"nós estárnamoslá" da cinemayaírd(om o seuamigo Carl, induído pratica-
mente a panir do momerrto em que passâ pela porta do quarro). Como se

"sob controle,,
fosse para salientar que ela rcm tudo faz o monólogo de

umamaneira rítmicq quase como se estivessea canter. E no decurso doso-


lilóquio, ainda sesente àvontadepâÍaomentaro modo como ascoisas es-
tão a decotrer ("Nilo vai ser diveaido?")

É diffcil observarmos esrâ pÍove da imponância da narretiva e


não ficarmos maravilhados com o sucesso do Rna Sésamo. Ni
estayâum progrema que puúe de parte aquilo que afinal é a ma-
neira mais importante de chegar às crianças. E que diluía o inte-
resse pera as criançâs pré-escolares com piadas dirigidas
unicamente aos adultos. Contudo, foi um sucesso mesÍ1o assim.

12o
O FactordeAderência

0 aspecto genial do Rza Sácmo foi ter conseguido, através da qua-


lidade do texto e da ternura e carisma dos bonecos, ulrapassar
obstáculos que doutro modo seriam avassaladores. Mas tornou-se
fâcil percebercomo é que se poderia fazerum priograma mm ume
aderência ainda maior do que o Rz* Sdscmo. Bastava que fosse per-
feitamente literal, sem iogos de palavras ou piadas que confundis-
sem as crianças em idadepré-escolar. E ensinar-se-iam ascriençâs
a pensar da mesme meneira que elas se ensinam a si proprias - sob

a forma de uma história. Seria fazer Pistrs da Blue.

4.

Todos os epiúdios de P[ras da Blue são constnrídos da mesma


maneira. Duârte, o anfitrião, apresenta ao público uma adivinha
enrrclvendo Blue, a cadela animada. Num dos programas o desafio
é descobrir história prefeÍida da Blue. Nouuo, a sua aomida pre-
a

dilecta. Para aiudaro público a dewendar a adivinha, a Blue vai dei-


xandoatrásde siumasérie de indícios, que são desenhos de obiec-
tos tgnrâdos com uma das $ns pates. Entre e descoberta de cada
indício, Duarte faz uma série de iogos com o público - pequenâs
adivinhas - que estãotematicamente relacionados com a adivinha
maior. Por exemplo, no progmma sobre a história favoria da Blue,
umadas mini-adivinhas apresenteDuarte eBlue sentados com os
Três Ursos, crrias tigelas de papa foram misturadas, e pedem a
afuda do público para *tribuir os três tâmaúos de tigela (pequene,
média e grende) à Mamã, ao Papá e ao Bebé Urso. Durrnte o pÍo-
grama, Duarte e Blue andam de um cenário animado para outro,
de uma salade estarparaum iardim e aindapara sítios fantásticos,
atravessando portas m€cas e levando os espectâdores numa ior-
vola para
nada de desmbertâs eté que, no final da história, Duarte
a sala- Uma vez lá no desenlace de cada programa, senta-se num

tz,.
A Chave do Sucesso

soft conforrável para pensar - ume cadeira que, é claro, no mundo


literal de Pistw da Blue,seclrama o Sofi de Pensar. Congemina so-
bre os três indícios deixados porBlue e tentaencontrer aresposta-
Obviamente, tudo isto é uma mudança radical em relaçáo ao
Iota Sésama. Mas, depois de virar as costes a esse lado da herança
do Rac Sásamo, os criadores do Prheas da Blue voltaram atrás e foram
buscar as partes do Rna Sésarno queachavam que funcionavam. Na
verdade, fizeram mais do que copiar. Pegaram nos elementos ade-
rentes e tentaram dar-lhes aindamais aderência. O primeiro foi a
ideiade que quanto mais as crianças estão concentradas averalgo
- tento intelecnral como fisicamente - mais inesquecível e signifi-
cativo esse algo s€ torna.
- Tinha reparado que alguns quadros no P«ta Sâama levavam a
uma grande interaSo com as crianças, sempre que a acSo o re-
queria - diz Deniel Ánderson, que trabalhou no Nickelodeon a con-
eber o P[raar da Bhn. -Uma ooisa çe me ficou na cabeça era quando
o sapo Coces spetava o dedo e deseúarn uma letra animada no
ecrã, os miúdos esp€tavem o dedo e deseúavam aletraâo mesmo
tempo que ele. Oq ocasionalmente, quando uma personagem do
Rw Sésmo fazia,ma perguntq os miridos respondiam em voz alta.
Mas por qualquer rezão o Rru Sfuir,lo nunqt aproveitou a ideia Sa-
biam que os miúdos faziam aquilo algumas vezes mas nunql tenta-
ram fazer um programa à vola dessa ideia. O Nickelodeon fez al-
guns programas-piloto entes do Písras ila Blue em que se pedia
especificamente às ci*ça" parapaniciparem e, imaginem, houve
muitas provas de que panicipariam. Portanto, iuntando estas ideias
de que os miúdosgostam de estarintelectualmente activos quando
vêem televisão, e de que têm um compoÍtamento activo se lhes for
dada a opornrnidade, criou-se a filosofia zubiacente aoPírüas daBlw.
O resultado é que Duarte passa a maiorparte do tempo a falar
direcamente com a câmara- Qrando pede aiuda ao público, esrá a
arregimenter mesmo essa aiuda. Muitas vezes o rosto dele fica

t22
O Factor de Aderência

muito próximo, quase como se estivesse dentro da sala dos espec-


tadores. Sempre que forrrula uma peryunta, faz uma paus& Mas
não é uma peusa normal. É uma pâusâ para pré-escolar, alguns
insantes mais longa do que para um adulto. Até que um público
de estridio invisível grita e respostâ. Mâs à criança que está em casa
dá-se a oportunidade de gritar a sua própria resposta. Às vezes
Duarte faz-se de parvo. Parece não conseguirencontrarumapista
que é evidente para o público que está em casa e olha apawalhado
para a câmara. A ideia é â mesma conseguirque as crianças espec-
tadoras panicipem verbalmente, tenham um envolvimento ac-
tivo. Se observarmos Piçras da Blue comum grupo de crianças, o su-
cesso destaestratégiaé evidente. É como sefosseumgrupo de fts
inabaláveisdo Benfica âverum iogo de futebol.
 segunda coisa que o Pistw ds Blue foi buscer to Pota Sesamo foi
a ideia da repetição. Era uma coisa que tinha fascinado os pionei-
ros da CTW. Nos cinco progranias-piloto que Palmer e Lesser
mosrereür em Filadélfia em 19ó9, havia um segmento de um mi-
nuto chamado..Wanda úeWitch" que useve o som da letra..ç,,
repetidamente «Wanda the Witch wore a wig in de windy winter
in Washington" (A bnrxaVenda usava umâ perucr no Inverno ven-
toso deWashington), etc., etc.
- Não sabíamos até onde podíamos ir om a repeti$o de ele-
*
mentos diz l.esser. - Colocávâmo-los trêsvezes à segunda, três à
terçe, três à quarta, deirávamo-los de fora à quinta, e depois colo-
cávamo-los novamente no final do programa de sexta-feira. No fi-
nal da quarta-feira alguns miúdos diziam que não queriam a bnrxa
Vanda outÍa vez. Qpando a bnrxa voltava na sexta, davam pulos e
batiam palmas. Âs crianças chegam a um poÍlto de saturação. Mas
depois volta â nostalgiâ.
Pouco tempo depois (e quase acidentalmente) os escritores do
Pota Sésama descobriram porque é que as crianças gostam tânto
de repetição. Destavez o segmento em questão mostrava o actor

123
A Chave do Sucesso

|ames Earl ]ones a reciter o alfabeto. Na grava$o original, |ones


fazia grandes peusâs entre as letras, porque a ideia era inserir outros
elementos entre as letras. Mas, como se pode imaginar, |ones é
uma figura tão impressionante que os produtores do Raa Sésamo
deixaram o filme como esteva e passaÍam-no repetidamente du-
rânte ânos: a letra..Arr, ou..Brr, ou uma das seguintes, aparecia no
ecrã, havia uma longa pausâ, e então |ones troveiava o nome e a le'
tradesaparecia.
- Repanámos que da primeira vez em que passou inteiro os miú-
dos gritavam o nome da letra a seguir a )ones - diz Sam Gibbon.
- Depois de algumas repeti@, diziam o nome da letra antes de ele
dizer, durante a pausa longa. Depois, com mais repetiSes, diziam
qual era a letÍe entes de ela aparecer. Aprendiam a sequência com
es pessagens do segmento; primeiro aprendiam o nome da letra,
depois aprendiam a associar o nome da letra com o seu apareci-
mento, depois aprendiam a sequência das letras.
Um adulto considera aborrecida a repetição constânte, porque
requer que reviva sempre a mesme eryeriência. Mas para as crian-
ças em idade pré-escolar a repetição não é aborrecida, porque
crrdavez que vêem uma coisa experimentem-ne de uma maneira
completamente diferente. Na CTW, a ideia de aprender pela repe-
ti$o era chamada "efeito fames Earl )ones,.
O làsras da Blue é essencialmente um programa construído à
volta do "efeito |ames Earl |onesr. Em vez de apresentar sempre
novos episódios e depois repeti-los no final da época - como qual-
quer outro programa de televisão - o Nickelodeon passe o mesmo
episódio de Pistas da Blue durante cinco dias seguidos, de segunda
e sexta, antes de passarpara o seguinte. Como se pode imqgrnar,
não foi uma ideia fácil de aceitar pelo Nickelodeon. Santomero e
fuiderson tiveram de os «)nvencer. (Também aiudou o facto de o
Nickelodeon não ter dinheiro para produziruma época inteira de
programas Pistw dn Blue.)

r24
O Factor de Àderência

- A ce§§ete com o progrema?iloto estava em minha casâ e


nessâ épocâ a minha §lha tiúa três âoos e meio e ficava avê-lo re-
petidamente - diz Anderson. - Fiquei â presrer aren$o. Ela via-o
c"torzevezes sem perder o entusiesmo.
Quando o programa-piloto foi testado em câmpo, aconteceu a
mesme coisa. Mostraram-no cinco dias seguidos a um grande
grupo de crianças ern idadepré-escolare naverdade tanto a eten-
$o como e compreeosão melhoraram durante a semanâ - com
excepção das crianças mais velhas, com cinco anos, cuia aten$o
decaiu mesmo no fim. Tal como os miúdos averlames Earlloaes,
as crianças responderam eo progrâma de uma manein diferente
de cada vez, ficando mais animadas e respondendo a mais per-
gsÍltâs do Du*rte sempre mais depressa.
-Se pensarmos no mundo deumacriançaem idadepré-esco-
lar, vemos que ela está rodeada de coisas que não compreende,
novidades" Portanto o que motiva um pré-escolar não é a procura
da novidade, tal como acontece com os miúdos m*isvelhos, é uma
procura de compreensão e previsibilidade - dizAnderson. - Para
os mais novos, a repetiçâo é realmente valiosa. Eles exigem-na.
Qlando yêem um progrâma repetidamente, não só o compreen-
dem melhor, o que é uma forma de poder, como, ao preverem o
que vai acontecer, acho que têm uma verdadeira sensa$o de afir-
ma$o e auto-estima.§,a PistasdaBlae duplica essa sensa$o, por-
que também acharn que estão a participâr em alguma coiss.
Âcham queestão aaiudaro Duarte.
É daro que as oiarrça" nem seúpregostâm de repeti$o. S"i, o
que for que estherem a ver, tem de ser suficientemente complexo
para permitir, pela exposição repetida, níveis de compreensão cada
vez maisprofundos.Ao mesmo tempo, não pode sertão complexo
da primeira vez que atrapalhe a criança e a âça perder o interesse.
Para chegar ao equilíbria,o Pistx ilaBlue envolve-se no mesmo tipo
de pesquisas que o I«ta §sarnl, mâs a um nível mais intenso.

125
A Chave do Sucesso

Enquânto o kta Síxmo testzum dado programa apenas umavez - e


depois de estar mmpleto - o.Písras da Blue testa os programas três
vezes aÍrtes de irem para o ar. E enquanto o Rua S*amo co$uma tes-
tar apenas um terço dos episódios,.FtsÍas da&lueesa-os a todos.
Acompanhei a equipa do.PÍsras da Blue numa das suas s<cursões
semanais para falar com crianças em idade pré-escolar. A equipa era
dirigidaporAliceWíder, directora de pesquisa do programâ, ume
mulher animada, com o cabelo escllro, que aebara de terminar o
doutosmento em educa$o na Univemidade de Columbia Com ela
estâvâmmais duas mulheres «mvinte epoucCIs anos-Alison Gí-
man eÂllison Sherman. Na manhã em que as ammpanhei iam ocpe-
rimentar um guião num infantário do Greenwich Vrllag..
O guião em provatinhecomo tema o comportamento animal.
Era essencialmente um primeiro rascunho, feito como urn lhro de
imagens que coÍrespondia ao modo como overdadeiro episodio
se desenrolaria na televisão, cena â cena. A avaliadora da Pístas ila
Blue fazia de Duarre, e levava os miúdos â âcompânhar o guião,
anotando cuidadosamente todas âs peq$rntas a que eles respon-
diam correctâmente e aquelas que pareciam confundi-los. Â certa
altura, por exemplo, Sherman sentou-se com um miúdo esperto,
de cinco anos, chamado Walker e ume miúda com quatro anos e
meio chamada Anna, com uma saia de xadrez púrpuÍâ e branca.
Ela começou a ler o gurão. A Blue tinha um animal favorito. Será
que nos aiudariam a descobrir qual era? Os miúdos observavam-
-nâ âtentamente. Ela começou por dizer algumas adivinhas subsi-
diárias, uma auma-Mostrou-lhes a imagem de umtamanduá.
- O que é que come o amanduá?r-perguntouela.
Walkerrespondeu:
-Forrnigas.

t §m inglês, anteatar, qr;let óiz.er literalmente


"comedor de formigas",
(N, do f.)

tz6
O Factor de Aderência

Sherman virou a página para mosürar a imagem de um elefante.


Apontou para a barriga dele.
O que é isto?
Walker inclinou-se perâ ver.
- Uma barriga.
Ela apontou pera as presas.
- Sabes o que é que são estas coisas brancas?
Walker olhou outra vez.
-Narinas.
Ela mostrou-lhes a imagem de um urso, e aíveio a primeira pista
da Blue, uma pequenâ manúa prea e branca feita pela pâtâ do cão.
- Isso é preto e branco - disse Anna.
Sherman olhou para os dois.
-ABlue quersaberoisas sobre que animal?
Fez uma pausa. Anna e Walker pareciam confusos. Finalmente
Wdker quebrou o silêncio:
- É melhorprocureÍrnos apista seguinte.
A segunda série de adivinhas era um pouco mais dificil. Havia a
imagem de um pássaro. Pergunava-se às crianças o que é que o
pássaro estava a fazer - a respostâ erâ, a qmtar - e depois porque é
que estêve a fazê-lo. Falaram de castores e de minhocas e depois
veio a segunda pista deixada pela Blue - um icebergue. Anna e
Walker continuavam confusos. Lá foram para o terceiro tempo,
uma longa discussão sobre peixes. Shermam mostrou-lhes a ima-
gem de um pequeno peixe camuflado no fundo do mar, a olhar
parâumgrendepeixe.
- Poryue é que o peixe se está a esonder? - peÍguntou Shermen.
Walker - Por causa do peixe grande.
Anna - Porque elepode comê-lo.
Chegaram à terceira pista da Blue. Era uma das suas pegadas
Íecortâda em círrtão. Sherman pegou na pegada e mostrou-a aos
dois, comummovimento damão como se estivesse a andar.

127
A Chave do Sucesso

- O que é que ele esú afazer? - perguntou ele.


Walker fez uma careta a co[centrar-se.
- Está andar como ume pessoa - disse ele.
a

- Estará a andar como uma pessoa? - perguntou Sherman.


- Está abambolear-se - disseAnna.
Sherman reviu as pistas pela ordem: preto e brmco, gelo, gin-
garaandar.
Houve uma pausa. De repente o rosto de Walker iluminou-se.
- É um pinguim! - Gritava com a alegna da descoberta. - Um
pinguim épreto ebranco.Vive nogelo e anda agingar!
O Pistns da Nue so consegue ser uma hisória de descoberta se es
pistas estiverem na ordem certa. O programa tem de começar de
uma maneira fácil * para dar con§ança aos espectadores - e de-
pois tornar-se progressivamente mais diftcil, desafiando cadavez
mais os pré-escoleres, atraindo-os para a narrativa. O primeiro
conjunto de adivinhas sobre tamanduás e elefantes tinha de ser
mais ftcil do que o coniunto de adivinhas sobre qrstores e minho-
câs, que porsuaveztinhade sermais f:ácildo que oconiunto final
sobre peixes. A divisão do programa em camadas é que torna pos-
sível a criarrça vê-lo quauo ou cinco vezes: de cada vez que o vê
percebe mais, adivinhando corectamente mais um bocado até
que, no final, consegue antecipararesposta.
Depois de passar a manhã afazer testes, a equipa do Pisns da
BIae começou a verificar os resultados das adivinhas, um a um.
Trcze entre vinte e seis crianças adivinharam conectamente qüe
os tamanduás comem formigas, o que não era uma boa média de
respostas para a primeira pista.
- Gostamos de abrir em força - disse Wilder. Conrinuaram a
fazer contas, mexendo nos papéis. Os resultados de uma adivinha
sobre castores levouWildera fazerume srreta. Quando lhes mos-
traram uma imagem de uma berr€em feia por castores, os miú-
dos não conseguiram responderbem àprimeirapergunta- o que

rz8
O FactordeAdcrência

é que o castorestáafazer?-mas responderam muito bem (19 em


26) à segunda pergunta, porque é que ele a estava tfarzer
- As camadas estão rocadas - disse Wilder. Qyreria colocar pri-
meiro a perguna mais ftcil. Passaram pera as perguntas sobre pei-
xes: Porque é que o peixe pequeno esutva a esconder-se do peixe
grande? Sherrran levantou os olhos das suas anoações.
-Tiveuma resposte fonnidável: "O peixiúo não queria assus-
tar o peixão. Por isso é que se escondeu." Rirem-se todos.
Finalmente, chegou avez da pergunta mais importante. Estaria
coÍectâ a ordem das pistas da Blue?Wilder e Gilman âpresenta-
ram es pistas pela ordem que o guião estipulava: gelo, gingar, de-
pois preto e branco. Quatro das 17 crianças com que falaram adi-
vinharam o pinguim â partir da primeira pista, mais seis na
segunda piste e quÍrtro depois das três pisus. Wildervirou-se para
Sherman, que tinha dado as pistas por uma ordem diferente:
preto e branco, çlo, gingar.
- Não tive respostas crrtas em nove crianças so com a primeira
pista - relatou ela. - Depois do gelo tive uma em nove, e com o
grg"r, seis em nove.
- A nra pista final foi o gingar? Parece que funcionou - respon-
deu Wilder. - Mas durante o percrrso eles deram muitas respostas
diferentes?
- Ah, sim - disse Sherman. - Depois primeira pisa, tive pro-
da
postâs de cães, vacas, pandâs e tigres. Depois do gelo obtive ursos
polaresepumas.
Wilder anuiu. A ordem das pistas de Sherman fazia com que os
miúdos pensessem da maneira mais abrangente possível no início
do p,rograma, mâs ainda assim preservava o suspense do pinguim
até ao fim. A ordem das pisas original - uma ordem que parecia a
melhor quando estavam a escrever o guião - denunciava a res-
postâ cedo de mais. A ordem das pistas de Sheruran tinha sus-
pense. A ordem original não tinha. Tinham passado uma manhã

r29
A Chave do Sucesso

com um grupo de clianças e obtido exactarnente âquilo que que-


riam. Era só uma pequena mudança. Mas muitas vezes não é pre-
ciso mais do que umâpequena mudança

De todos estes exemplos emerge algode profundamente anti-


-intuitivo sobre a definição de aderência. Para os set§ anúncios,
Wunderman ignorou o horário nobre e comProu no horário mar-
Sral, o que vai contra todos os princípios da publicidade. Descar-
tou âs mensagens "criativaso chiques a favor de uma pirosa caça ao
tesouro da ocaixa dourada". Levenúal descobriu que a venda sob
pressão - a tentativa de assustar os estudantes Parâ que se fizes-
sem vacinar contra o tétâno - não funcionava, e (lue realmente o
que funcionava era dar-lhes um mapa de que não precisavam a di-
rigi-los para uma clínica de cuia existência eles iá sabiam. O Pisfas
rla Blue retirou originalidade que fizeram do kra
a esperteza e a
Sésamo o programa de televisão mais querido da sua geração, criou

um programa monótono e literal, e repetiu cada episodio cinco


vezes seguidas.
Todos nós queremos ecreditar que a chaye para causar impacto
em alguém está na qualidade inerente das ideias que apresentâ-
mos. Mas em nenhum destes casos se alterou substancialrrente o
conteúdo do que estamos a dizer. Emvez disso, alterou-se arnen-
sagem mexendo marginalmente na apresentação das ideias - colo-
cando c boneco atrás do H-U-G, misturando o Poupas com
adultos, repetindo os episódios e as cenas mais do que umevez,f*
zendo Duarte pârarum segundo mais do que o normal depois de
fazer a pergunta, colocando ume pequena caixa dourada no canto
do anúncio. Por outras palawas, a divisória entre hostilidade e
aceita$o, entre umâ epidemia que pegâ e outra que não pega, por
vezes é muito mais pequena do que parece. Os criadores do Rua
Sésamonão descartaram o programa inteiro depois do desastre de
Filadélfia- Simplesmente adicionâram o Poupas, o que fez toda a

130
O FactordeÂderência

diferença do mundo. Howard kvanthal não redobrou os esforços


para ateÍrorizaros estudentes eo ponto de se fazeremvacinarcon-
tra o tétano. Limitou-se a incluirum mapa e CI horário dasvacinas.
A Lei dos Potrcos diz que há no mundo pessoas excepcionais,
câpazes de iniciaruma epidemia. Tudo o que é preciso é encCInrrá-
-las. Â lição da aderência é a mesma coisa. Há uma maneira sim-
ples de embalara informação ilue, nâs circunstâncias adequadas,
a pode tornarirresistível. Tudo o que precisamos é de encontrá-la.

131
4
o PODER DO CONTE)ffO (PRTMETRA PARTE)
Bernie Goetz e a ascensão e queda da delinquência
emNovalorque

Em 22de Dezembro de 1984, úbado antes do Natal, Bernhard


Goea saiu do seu âpartemento em Greenwich Village, Manhat-
tan, e foi a pé até à estação de meuopolitano da linha IRT, na
esquina da Sétima Avenida com a Rua 14. Era um homem esguio
com trinta e muitos anos, cabelo cor de areia e óculos, e nesse dia
vestia ieans e um blusão. Chegado à esta6o, entrou no comboio
e4presso número dois em direcSo descendente e sentou-se perto
de quatro jovens pretos. Havia cerca de vinte pessoas na caÍrua-
gem, mas a maioria esteva sentada no outro ercremo, a evitar os
quatro adolescent€s, porque eles estavam, omo diriam mais tarde
as testemunhas ocrrlares, (<aos pulos" g a ..agir desordeiramente".
Goetz pareceu não repârar. ..Tás bom?" perguntou um deles, Troy
Canty, quando Goetz entrou. Canty esava quase deiado num dos
bancos. C*ty e outro adolescente, Barr),Allen, aproximaram-se
de Goetz e pediram-lhe cinco dólares. Um terceiro iovem, fames
Ramseur, âpontou pâra um volume suspeito no bolso, como se
tivesse uma arÍne.
- O que é que querem? - perguntou Goetz.
-Dá-me cinco dólares - repetiu Canty.
Goetz olhou para ele e, como diria mais tarde, viu que os olhos
de Canty "brilhavam, como se estivesse a divertir-se muito...
Tinha urn grande sorriso no rosto", e de algum modo aquele sorriso

133
A Chave do Sucesso

e aqueles olhos frzeram Goetz perder a cabeça. Meteu a mão no


bolso, tirou um revólver cromado de cinco tiros Smith and Wes-
ton, calibre 38, e atirou sequencialmente em cada um dos quatro
rapazes. Enquanto o quarto membro do grupo, Darrell Cabey,
jazia no chão aos gritos, Goetz foi ter com ele e disse: oPareces bem.
Toma lá mais um." e deu o quinto tiro na espinal medula de Cabey,
paralisando-o pâra o resto daüda.
No tumulto que se seguiu, alguém puxouo travão de emergên-
cia. Os outros passageiros fugiram para a caruagem seguinte, ex-
cepto duas mulheres que ficaram paralisadas com o pânico.
- Esú bem? - perguntou Goetz educadamente a uma delas.
A mulher respondeu que sim. A segunda mulher deitou-se no
chao. Querie que Goez pnsâsse que estava morta.
- Esú bem? - perguntou-lhe Goeu duas vezes. O revisot agora
presente, perguntou a Goetz se ele erapolícia.
-Não - disse Goetz. -Nãosei porque é que fiz isto.
Pausa.
-Tentaramroubar-me.
O revisor pediu a Goetz que lhe desse a arma. Goetz recusou.
Foi até àportano extremodacamragem, abriua corrente desegu-
rança e pulou para a linha, desaparecendo na escuridão do trinel.
Nos dias seguintes o tiroteio na linha IRTprovocounme emo-
So nacional. Desmbriu-se que os quatro iovens tinham registo
criminal. Cabey iá tinha sido preso por roubo à mão armada,
Canty por roubo. Três tinham chaves de parafusos no bolso. Pare-
ciam a materialização do tipo de iovem patife que quâse todos os
habitantes urbanos receiam, e o misterioso atirador que disparou
contra eles surgiu como um anio vingador. Os tablóides chama-
ram-lhe o "Vigilante do Mero" e o..AtiradordaMaldiçeo Fatal,,.
Nos programas de rádio que recebem telefonemas dos ouvintes e
nas ruas foi considerado um herói, um homem que realizara a fan-
tasia detodos os nova-iorquinos queiátinham sido roubados, in-

134
O Poder do Contexto (Primeira Parte)

timidados ou âtací]dos no metropolitano. Na noite da passa-


gem do ano, Goetz entregou-se na esquadra da polícia de New
Hampshire. Ao ser extreditado para Nova Iorque, o tablóide Nal
York Post mostrou duas fotografias na primeira página: uma de
Goetz, algemado e curvado, a ser levado preso, e outrir de Troy
Canty - prem, desafiador, os olhos cobertos por um crpuz, os bra-
ços cruzados - a sair do hospital. O cabeçalho dizia.,A§emado,
enquanto o ladrão ferido sai em liberdade". Quando o caso foi a
iulgamento, Goetz conseguiu facilmente ser absolvido das ecusâ-
ções de agressão e tentativa de homicídio. A pora do prédio de
Goetz, na noite do veredicto, houve uma festa de rua barulhenta e
espontânea.

O caso GoeE torÍrou-s€ o símbolo de um momento negro e es-


pecífico da história de Nova lorque, o momento em que o pro-
blema da criminalidade urbana atingiu proporções epidémicas.
Durante a déceda de 1980, a cidade de Nova Iorque teve uma mé-
dia bastante acima de dois mil assassinatos e 60O mil esorr§Írcies
sérias por ano. A situação nas linhas de metropolitano só podia ser
considerada caótica. Antes de Bernie Goetz terenffido na com-
posição naquele dia, teve de esperar num cais de embarque mal
iluminado, rodeado por paredes escuÍils, húmidâs e cobertas de
grafitos. Era muito provável que o comboio estivesse atrasado,
porque em 1984 houve um fogo diário numa parte qualquer do
sistema e um descanilamento de duas em duas semanes. Fotogra-
§as da cena do crime, tiradas pela políciâ, mostram que a câÍrrra-
gemoade Goetzse sentouestavaimunda, ochão cheio delixo e as
paredes e tecto cobertas de grafitos, mas isso não era fora do nor-
mal, pois em 1984 todas as seis mil caÍTuagens da frota da Transit

135
A Chave do Sucesso

Auúoriry, com excepção do expresso demidnwn, estevam cober-


ms de grafitos - de alto a baixo, por dentro e por fora. No Inverno,
as caruagens ficavamgeladasporque muito poucas eram aqueci-
das adequadamente. No Verão, o calor era sufocante porque ne-
nhuma tinha ar condicionado. Actualmente â composição nú-
mero dois acelera a mais de 65 quilómetros por hora depois de
sair da paragem expÍesso da Rua Chambers. Mas é duvidoso que o
comboio de Goetz andasse tão depressa. Em 1984 haüa 500 zo-
nas .<vermelhes»> no sistema - sítios onde os estragos na via faziam
com que fosse pouco seguroum comboio andaramais de 25 qui-
lómeaosporhora. Aftga eo pegemento de bilhete era tãovulgar
que custave à TransitAuthority qualquer coisa como 150 milhões
de dólares de receitas perdidas todos os anos. Anualmente davam-
-se cerca de 15 mil ocorrências policiais no sistema - um número
que chegaria ao máximo de 20 mil ocorrências no final da década -
e os passegeiros eram pernrrbados de tal maneira por pedintes e
pequenos prevaricadores que o número de pessoas e andar nas
composi@es chegou ao nível mais baixo na história do metropoü-
tano. William Bretton, que posteriormente seria uma figura-úave
na bem sucedida campanha de Nova Iorque conra a delinquên-
cia, escreve ne sua autobiografie a sulpresâ que teve com o que
viu quando andou de metropolitano na cidade, na década de
1980, depois de tervivido anosemBoston.

Depois de ter ficado à espera numa biche apârenrcmente interminá-


vel para compnrr a fichq tentei colocar uma moeda na cancela e descobri
que tinhe sido encravada de propósito.Impossibilitados de pagar a passa-
gcm peÍe cÍrtrar no metno, tínhamos de passar por um portão aberto por
uma peÍsonagem de aspecto desmazelado, com a mão e$endida; depois de
inutilizar as cancelas, pedia agora aos passageiros que lhe dessem as fichas.
Entretanto, um dos seus apaniguados metia a boca nas ranhuras das moe-
das, a chuparas que estivessem encravadas, deixando lá asua baba.Amaio-

r36
O Poder do Contexto (Primcira Pane)

ria das pessoâs sentia-se demasiado intimidada para enfrentar estes tipos:
Aqui está, fique com a maldita ficha, porque é que me heide preocupar?
Outros cidadãas pírssavirm sem pegeÍ por cima, por baixo, ou à volta das
barreiras. Era como andar por uma versão de transporte do Infeno de
Dante.

Assim eraNove Iorque na década de 1980, uma cidade nesger-


ras de uma das maiores epidemias de delinquência da zua história.
Mas então, de repente e sem aviso, a epidemia mudou de rumo.
De um máximo em 1990, o índioe de crimindidade entrou em rápido
declínio. Os assassinatos caíram dois terços. As ocorrências passa-
râm e metede. Houve outras cidades que virâm o seu índice de de-
linquência decair no mesmo período. Mas em nenhuma outra o
nível de violência caiu tento e tão depresse- No metropoliano, no
find da décadq havia 75 por cento menos ocorrências do que no
seu começo. Em 1996, quendo Goetz foi a tribun"l p.l" segunda
vez, ecusado oum processo civil movido por Darell Cabey, o caso
foi quase completamente ignorado pela imprensa, e o próprio
Goetz parecia um anecronismo. Numa eltura em que Nova Iorque
se tinha tornado na cidade mais segura do país, parecia diffcil
recordar com precisão aquilo que Goeu tiúa representâdo. Era
simplesmente inconcebível que alguém pudesse apontâr umâ
aÍrna e outÍa pessoa no metropoütano e ser considerado um herói.

2.

Deve dizer-se que a ideia da delinquência ser uma epidemia


pode parecerum pouco estranha. Falamos de "epidemias de vio-
lênciar,, ou ondas de criminalidade, mas não é evidente que a delin-
quência siga âs mesmes regras dos Hush Puppies, porexemplo, ou
da cavalgada de Paul Revere. Essas epidemias envolveram factores

137
A Chave do Sucesso

relativamente simples e directos -um produto e ume mensagem.


A delinquência, por oucro lado, não é uma coisa única e discreta,
mâs umâ palawa usada para descrever um conjunto de comporta-
mentos extremamentevariados e complicados. Os actos contre a
lei têm consequências sérias. Requerem que o prevaricador faça
algo em que se coloque a si próprio numa situação de grande pe-
rigo pessoal. Dizer que ume pessoa é um delinquente é dizer que
esse pessoa é demoníacÍL ou violenta, ou perigosa, ou desonesta,
ou instável, ou qualquer combinação dessas atitudes - nenhuma
das quais é um estado psicológico que possa sertransmitido, qlsu-
almente, de uma pessoa para outra. Por outras palavras, os delin-
quentes não parecem sero tipo de pessoasque poderiam seratin-
gidas pelos ventos infecciosos de uma epidemia. Contudo, por
tazões desconhecidas, foi isso que ocoÍreu em Nova Iorque. Nos
anos entre o começo e o meio da década de 1990, a cidade não
recebeu nenhum transplante de populaçao. Não houve ninguém
que saísse à ruae conseguisse ensinara todos os delinquentes po-
tenciais a distinção entre o que está certo e o que está erredo.
Continuou a haver o mesmo número de pessoas psicologica-
mente perrurbadas e propensas à delinquência que havia na alnra
em que as ocorrências policiais atingiram o seu pico. Mas, por
alguma razão, milhares dessas pessoas de repente debraram de fazrr
transgressões. Em 198+, o encontro de um passageiro do metro-
politanozangado e quatro iovens pretos levou auma situa$o san-
grenta. AcnraLnente, no metropolitano de Nova Iorque, o mesmo
encontro iânío leva àviolência. Como é que isso aconteceu?
A resposta está no terceiro princípio da ransmissão epidé-
mica, o Poder do Contexto. A Lei dos Poucos refere-se ao tipo de
pessoe essencial para a transmissão da informação. O capítulo
sobre o Rilo furno e o Hstas da Blue üz respeito à questão da Aderên-
cia, propondo que as ideiastêm de sermemoráveis e levarem-nos
a agir para que seiam capazes de iniciar uma epidemia. Vimos pes-

138
O Poder do Contexto (Primeira Parte)

soas que espalham as ideias, e ümos as cerecterísticas des ideias


bem sucedidas. Mas o essunto deste capítulo - o Poder do Con-
texto - não é menos importante do que os ourros dois. As epide-
mias são sensíveis às condições e cireunstâncias do tempo e lugar
onde ocorrem. Em Baltimore, a sífilis espalha-se mais no Verão
do que no Inverno. Os Hush Puppies dispararam porque eram
usados por iovens nas áreas de venguarda do East Village - um
ambiente que aiudou os outros averos sapetos sob umanovaluz.
E pode mesmo afirmar-se que o sucesso da cavalgada de Paul Re-
vere - de certo modo - deveu-se ao facto de ser feita à noite.
Ànoite aspessoas estão em casa, nacame, o quetornamuito mais
ãcil conactá-las do que se estiverem nos seus afazeres ou a traba-
lhar no campo. E se alguém nos acordar pera nos dizer alguma
coisa, assumimos automaticamente que é uma notícia urgente.
Podemos apenas imaginar como é que teria sido a cawlgada de
Paul Revere depois do almoço. Até aqui acho que as coisas são
relativamente simples. Mas a lição do Poder do Contexto é que
somos mais do que sensíveis às mudanças do contexto. Temos uma
sensibilidade refinadaem rela$o aessasmudanças. E os tipos de
mudanças contexarais que podem virar uma epidemia são muito
dlFerentes daquilo que poderíamos esperer.

3.

Durante a década de 1990 a delinquência decaiu nos Estados


Unidos por um número de razões basante simples. O comércio ile-
gal da cocaína em formade crcc&, que tinha provocado mútaviolên-
cia entre os gengues e os dealen de drogas, começou a decair.
Aimpressionante reorpera$o da eonomia significou que muias
pessoas eventualmente tentâdes pela delinquência conseguiram
trabalho, e o envelhecimentoçral da popula$o levou aque hou-

139
A Chave do Sucesso

vesse muito menos pessoas com a idade responsável pela maioria


de todos ostipos de üolência - homens entre os dezoito e osvinte
e quatro anos. Connrd a, t tezío por que a delinquência baixou na
cidade de Nova Iorque é um pouco meis complexâ. No período em
que e epidemia de Now Iorque começou a decrescer, a situaSo
económica da cidade não tiúa melhorado. Continuava est4gnada.
Na realidade, os bairros mais pobres tinham acabado de ser dura-
mente atingidos pelos cortes na segurança social do começo da dé-
cada de 1990. O abrandamento da epidemia de crac* em Nova Ior-
que foi claramente um factor mas, mais uma vez, iá estava num
declínio acelerado antes da delinquência mudar. Quanto ao enve-
lhecimento da população, [x]r ceusír da grande imigração urbana
na década de 1980, a cidade tinha uma populago mais iovem na
década de 1990, e não mais velha. De qualquer maneira, todas es-
sas tendêrrciassão mudangs a longo prazo, ctriaexpectativeseriaa
de provocarem efeitos graduais. Em Nova Iorque o declínio foi
tudo menos gradual. Claramente, algo mais teve um papel na in-
versão da epidemia de delinquência de Nova lorque.
A probabilidede mais intrigante pâra esse
"algo maisr, é a cha-
mada teoria das )anelas Panidas. As |anelas Panidas foram inven-
tadas pelos criminólogos James Q. Wilson e George Kelling Wil-
son e Kelling afirmaram que a delinquência era o resukado
ineüeável da desordem. Se uma janela se parrir e for deixada par-
tida, os transeuntes concluem que niaguém se preocupa nem está
a tomar conte. Depressa haverá mais ianelas partidas, e o senti-
meoto de anarquia iráespalhar-se do prédio pere a rua, enviando
um sinal de que tudo é perrritido. Dizem eles que os problemas
relativamente menores de uma cidade, como os grafitos, a falta
de ordem pública e os pedintes agressivos, são o equivalente das
ianelas partidas e convites para a delinquência mais pesada:

r40
O Poder do Contsrto (Primeira Parte)

Assaltantes e ladrões, seia de circunstância ou profissionais, acredi-


t:m que reduzem as probabilidades de serem presos, ou mesmo identifica-
dos, se operarem em nus onde as vítimas potenciais iá se sentem intimida-
d* p.L" condições prevalecentes. Se o bairro não consegu.e impedir um
pedinte chato de aborecer os ranseuntes, o ladrão pode pensar que é
ainda menos proúvel que alguém chame a polícia paraidenti§carum assel-
tante potencial, ou interfira qusrdo o asselto realmentc ocorre.

Trata-se de uma teoria epidémica da criminalidade. Afirma


que a delinquência é contagiosa - da mesma maneira que uma
tendência de moda é conagiosâ -, pode começâr com ume ianela
pertida e espalhâr-sepela comunidade inteira, Connrdo, o Ponto
de Viragem desta epidemia não é um tipo paaicular de personali-
dade - um Comunicador como Lois Weisbergou um Perito como
MarkAlp.n É algo de fisico, como o grafito. O ímpeto para ter
um certo tipo de comportamento não vem de um certo tipo de
pessoa mas sim de uma característica do ambiente.
Em meados da década de 1980,IGlling foi contraado como
consultor pela TransitAuúority de Nova Iorque, e instou as auto-
ridades a porem em prática a teoÍia da fanela Partida. A T. À ace-
deu, contratando um novo director pere o metropolitano, cha-
mado David Gunn, com a missão de supervisiorpr a reconstruFo
do sistema, coÍn um oÍpmento de muitos milhões de dólares.
Na altura, muitos especialistas disseram a Gunn para não se preo-
cupírÍ com os grafitos e se cCIneatrar nas questões maiores da delin-
quência e seguranp do metro, o que parecia um conselho razoí-
vel. Preocupar-se com os grafitos numâ altura em que todo o
sistema estâva à beira do colapso parecia tao inútil como esfregâr
o conves do Titnnic qrnndo seguia de frente contra os iceberyues.
Mas Gunn insistiu.
- Os grafitos eram o símbolo do colepso do sistema - diz ele.
- Q3rando seolhavaparao pÍocesso de reconstnriraorganiza$o e

r4t
A Chave do Sucesso

o moral, tinha de se vener a batalha contrâ os grafitos. Sem ga-


nhar essa batalha, todas as reformas de gestão e mudanças ffsicas
simplesmente não aconteceriam. Estávamos prestes a pôr a cir-
cularnovos comboios quevaliam cercade dez milhões de dólares
cada um e, se não fizéssemos alguma coisa paÍÍl os proteger, sabía-
mos o que ia acontecer: seriamvandalizados em 24horas.
Gunn concebeu ume novâ estruflua de gestão e um conjunto
preciso de obiectivos e tempos de execução destinados a limpar
o sistema linha por linha, comboio por comboio. Começou com o
comboio número sete queliga Queensao centro deManhatan, e
tratou de orperimentar noves técnicas para limpar a pintura. Nas
cÍrrruagens de aço inoxidávelusaram-se solventes. Nas camragens
pintadas, os grafitos eram simplesmente cobenos com uma novx
camada de tinta. Gunn criou a regra de que não deveria haver re-
cuo: logo que uma caffuagem fosse recuperada não se permitiria
que voltasse a sofrer vandalizações.
- Sobre isso, estávamos determinados - disse Gunn. No final
da linha número um, no Bron:L onde as composições parem antes
de virar de novo para Maúattan, Gunn montou uma esta$o de
limpeza. Se uma camÉgem chegasse com grafitos, estes tinham
deserremovidos durante amudança, oua qrrruagem era retirada
de serviço. Camragens..suias',, que ainda não tinham sido limpas
dos grafitos, nunca pdiam ser misturadas com camr4gens
"üm-
pas,. A ideia era mandar uma mensegem clara aos vândalos.
- Tínhamos um pátio lá em cima, em Harlem, na Rua 135, onde
as composições ficavam a noite inteira - disse Gunn. - Os miúdos

vinham naprimeira noite e pintavam de branco a lateral da com-


posição. Depois vinham na noite seguinte, quando estava seco,
para desenhar os treços delineadores. Depois voltavam na terceira
noitepara enchercom cor. Eraum trabalho de três dias. Sabíamos
que os miúdos iam trabalhar numa das composições *i"r, e o que
fazíamos era esperar que acabassem os seus murais. Depois víúa-

L42
O Poderdo Contexto (Primeira Parte)

mos com os rolos e pinúvamos por cima. Os miúdos ficavam a cho-


raÍ, mes nós não parávamos. Erauma mensegem para eles. Se qui-
serem gaster três noites das vossas vidas a vandalizar um comboio,
esúbem. Masografito nuncaveráa luzdo dia.
A limpeza dos grafitos dirigida por Gunn decorreu entre 1984
e 1990. Nessa altura a Transit Auúority contratou William Brat-
ton para dirigira sua polícia, e começou o segundo estádio da re-
«rpera$o do sistema. Tal como Gunn, Bratton era discípulo das
]anelas Partidas. Na realidade ele considera Kelling como seu
mentor intelecard, e portento o seu primeiro passo como chefe
da polícia foi aparentemente tão exótico como o de Gunn. Com
os crimes mais serios no sistema do metro no seu nível mais alto
de sempre, Bratton decidiu atacÍrr a fuga ao pâgamento datarifa.
Porquê?Porque ele acreditava que, tal como osgrafitos, a fuga ao
pagamento podia serum sinal, umapequena expressão da desor-
dem que convidava à delinquência mais séria. Calculeva-se que
170 mil pessoas andavam diariamente no sisteme, por um per-
curso ou por outro, sem pager bilhete. Alguns eram miúdos que
simplesmente saltavam por cima dos torniquetes. Outros empur-
rer'am os torniquetes com o peso do corpo e forçevam a pâssagem.
E a partir do momento em que uma ou duas pessoes começavam a
enganar o sistema, outres pessoas - que de outro modo nunce
pensariam em fugiràlei - juntavam-se-lhes, apensarque se havia
quem não pagasse, elas também não deviam p?gar, e o problema
crescia como uma bola de neve. O probleme ere exâcerbado pelo
facto de não ser Íácil lutar contra a fuga ao pagâmento. Uma vez
que só estâva envolvido um valor de 1,25 dólares, a polícia do me-
tro aúava que não valia a pena preocupar-se com aquilo, parti-
cularmente quando haviabastantes actos de delinquênciasérios a
decorrernas plataformas e nos comboios.
Bratton é um homem animado e carismático, um líder nato, e
rapidamente fez sentir a sua presença. A mulher dele ficou em

r43
A Chave do Sucesso

Boston, portanto estave livre para trabalhar muitâs horas, e du-


rante a noite @stumave andar de metropolitano pela cidade, e ver
quais eram os problemas e a melhor maneira de os resolver. Pri-
meiro, pegou nas estações onde a fuga eo pegamento era o maior
problema, e chegou e colocar dez polícias à paisana nas cancelas.
A equipa apanhava os prevaricadores um a um, algemava-os e dei
xava-os de pé na plaaforma, agerrados uns aos outros, até terem
um..lote completo,,. A ideia era assinalar, o mais publicamente
possível, que apolíciado metro agora estava seriamente decidida
a acabar com os não -pagadores de bilhete. Anteriormente, os po-
lícias mostravam-se reticentes em andaratrás dos não-pagadores
porque a deten$o, a ida à esquadra, o preenchimento dos im-
pÍessos necessários e o seuprocessamento levavaum dia inteiro -
tudo porumailegalidade que normalmente não merecia mais do
que ume palmadinha na mão. Bratton reconstnriu um autocero
municipal e transformou-o numa esquadra móvel, com os seus
proprios faxes, telefones e cela, e equipamento para tirar impres-
sões digrtais. Rapidamente o tempo gílsto com uma deten$o bai-
xou pera uma hora- Bratton ambém insistiu que se verificasse a si-
tua$o de todos os detidos. É claro que um em cada sete detidos
tinhaum mandato deprisãopordelitos anteriores, eum em cada
vinte uansportava algum tipo de anne- De repente passou a ser
fácil convencer os polícias de que fazia sentido fiscalizar os
não-pagadores de bilhete.
- Cada detenção era como abrir uma caixinha de surpresas.
Que especie de brinquedo é que vou descobrir? Tem uma arma?
Tem umafaca? Háum mandato pendente?Temos aqui um asse§-
sino?...4ofim de algumtempo os mauzões ficaram mais espertos
e começârem adeixaras annas em casa e apagarbilhete.
Sob a direc$o de Bratton, o número de pessoas expulsas das
estâçÕes triplicou durante os primeiros meses - por bebedeira,
por mâu comportamento. Detenções por delitos menores, por

t44
O Poder do Contexto (Primeira Parte)

aquele tipo de delitos que anterioflnente pessava despercebido,


subiram para cinco vezes mais entre L99O elgg{.Bratton trans-
6rmou a polícia do metro numa organização concentradâ nas in-
fiacções mais pequenas, nas minudencias da vida zubterânea.
Depois da eleigo de Rtrdolph Giuliani para Presidente de Câ-
mara de Nova Iorque, em 1994, Bratton foi nomeado chefe do De-
partâmento de Polícia, e aplicou â mesme estrategie a toda a ci-
dade.Instruiu os polícias para combateros delitos que afectavam
a qualidade de üda: dos limpezo, que ficavam nos
"homens da
cruzamentos alararem ospára-brisas pera pedirem dinheiro, por
exemplo, e de todos os equirmlentes, à superficie, ao saltar de can-
celas ou fazergrafitos.
- As administrações policiais anteriores tiúam ficado de mãos
amarradas om as restrições - diz Bratton. - Nós acabámos com as
restrições. Aumentámos o cumprimento das leis contre o alcoo-
lismo público e o urinar na via pública e prendemos os delinquen-
tes hóituais, incluindo os que atiravamgarrâfesvazias para a nrÍl
ou se punham tfazer estregos relativamente pequenos contra e
propriedade... Se uma pessoa urinasse nâ nrâ, ia para a cedeie
Quando a delinquência na cidade começou a baixar - tão re-
pentinamente e de uma maneira tão impressionente crlmo tiúa
acontecido no metropolitano - Bratton e Giuliani apontaram o
dedo para a mesma câusa. Ambos dissemm que os delitos meno-
res contra a qualidade de vida, apârentemente insignificantes,
eram indicadores da delinquência mais violenta.
Ateoria daslanelas Partidas e o Poderdo Contexto são a mesma
coisa Ambos se baseiam na premissa de que uma epidemia @e
ser invertida mexendo nos mais p€quenos poÍmenores do ambi-
ente imediato. Se pensermos bem, é uma ideia basante redical.
Volte a considerar, por exemplo, o encontro entÍE Bernie Goetz e
aqueles quatro iovens no metropolitano: Aleerl Ramseur, Cabeye
C"nty. Pelo menos dois deles, de acordo com os relatórios, parece

r45
A Chave do Sucesso

que estavam sob o efeito de drogas ne elnrra do incidente. Vinham


todos do bairro social de Claremont Village, uma das piores
áreas do Souú Bronx. Na altura, Cabey estava sob actrsação de
roubo à mão armada. Canry tinha uma detenção anterior por
roubo de propriedade. Allen iá fora preso por tentative de assalto.
Allen, Cantye Ramseurtambém tinham sido condenados porou-
tros delitos, entre ectos delinquentes e pequenos furtos. Dois
anos depois do tiroteio de Goetz, Ramseur foi condenado a vinte
e cinco anos de prisão porviola$o, roubo, sodomia, abuso sonral,
assalto, uso criminoso de arma de fogo. roubo de propriedade.
Não nos surpreende que pessoas como ele se envolvem num inci-
denteviolento.
E depois há Goetz. Fez uma coisa completamente anómala.
Em regra, os brancos com emprego não dão tiros em jovens pretos
no metropolitano. Mas se observarmos mais de perto a sua histó-
ria, ela enquadra-se no estereótipo do tipo de pessoa que acaba
em situaçÕes violentas. O pai era um disciplinador infleível com
mau feitio, e Goeu sofria frequentemente com as fiirias do pai.
Na escola os colegas faziam troça dele, era o rfltimo escolhido para os
jogos - umâ criança solitária que muitas vezes saía da escola [ava-
da em lágrimas. Depois de se formar na universidade, trabalhou
para a Westinghouse na constnrção de submarinos nucleares. Mas
não se aguentou muito tempo. Estava consteÍrtemente a discutir
com os seus superiores por situações que ele considerava como
práticas de má qualidade e economias facilitistas, e às vezes con-
trariava as regras da empresa e do sindicato ao fazer ttabalhos que
por contrato não podia fazer.Alugou um apartamenco na Rua 14
de Manhattan, ao pé da SextaAvenida, num quarteirão úeio de
v4gabundos e onde se vendiam d-g"r. Um dos porteiros do pré-
dio, que tinha elguma intimidade com Goetz, foi gravemente
agredido porladrões. Goetz ficou obcecado com a ideia de limpar
o bairro. Queixava-se constântemente de uma banca de iomais

r46
O Poder do Contexto (Primeira Parce)

vazia que ficava eo pé do seu prédio, usada pelos vagabundos


como lata do lixo e que tresandava a urina. Uma noite ardeu mis-
teriosamente, e no dia seguinte Goea foi láveÍter os restos. Numa
reunião comunirária chocou os presentes ao dizer que «a única
maneira para conseguirmos limpar esta rua é vermo-nos liwes dos
sprcs edos nrgg'ed,,. Numa tarde de 1981, Goetz foi assaltado por
três jovens pretos quando entrava na estâção de metro de Canal
Street. Saiu a correr da estação com os três atrás dele. Agarraram
no equipamento electrónico que ele transportava, bateram-lhe e
atiraram-no contÍa uma porta de vidro, dei:rando-o para sempre e
sofrer do peito. Com a aiuda de um homem da limpeza que esteve
de folga, Coetz conseguiu dominar um dos atacantes. Mas a expe-
riência deixou-o amargurado. Teve de passar seis horas nâ esqua-
dra a falarcom a polícia, enquenro o assaltante foilibenado ao fim
de duas horas e indiciado apenas porum deliro menor. Pediu li-
cença de porte de arma. Foi recusada. Em Setembro de 1984,
morreu-lhe o pai. Três meses mais tande, no me$o, sentou,se eo
lado de quâtro iovens pretos e começou aos tiros.
Resumidamente, ali estava um homem com um problema de
autoridade paterna, com uma sensação muito fone de que o sis-
tema não funcionava, e que tinha sido humilhado recentemente.
Lillian Rubin, a biógrafa de Goerz, diz que a sua escolha de ir viver
na Rua 14 não pode ter sido acidental. Bscreve ela:
..Para Bernieparece que a situago tinha algo de sedutor. preci-
samente por cause das suas deficiências e incómodos, ela forne-
cia-lheum alvo compreensível pâra a raivaque tiúa dentro de si.
Ao concentrer-se no mundo exterior, não precisava de lidar com o
interior. Queixava-se da suieira, do barulho, dos bêbados, da de-
linquência, dos dwlerse dos drogados. E tinha rezíoem relação a
todos eles.,'

I Termos peiorativos para hispânicos e pretos. (N. do 11)

r47
A Chave do Sucesso

As belas de Goetz, conclui Rubin,..foram dirigidas a alvos que


existiam tanto no seu passado como no presente.>>
Se pensarmos Ílo que aconteceu no comboio número dois
desta maneira, o úoteio começa â paÍeceÍ uma coisa ineviável.
Quatro delinquentes enfrentam um homem com problemas psí-
quicos prováveis. O facto de o tiroteio ter ocorrido no metno pe-
rece umâ casualidade. Goetz também teria atirado sobre os miú-
dos se estivesse sentado num Burger King. A maioria das
explicações formais que damos para o comportemento delin-
quente seguem e mesme lógica. Os psiguiatras falam dos delin-
quent€s como sendo pessoas com um desenvolvimento psicoló-
gico incompleto, ou que tiveram relacionamentos patológicos
com os pais, ou â quem faltaram modelos de comportemento ade-
quados. Há documenta$o relativamente novâque fala dosgenes
que podem predispor ou não certos indivíduos Para o crime. No
câmpo menos científico, há inconúveis livros de conservadores a
falar da delinquência como uma consequência da falta de valores
morais * das comunidades, esolas e pais que iá não educam as crian-
ças a distinguir o que está certo do que esrá erredo. Todas essas
teorias são essencialmente formas de dizer que o criminoso tem
um tipo de personalidade que se distingue poÍ ume insensibili-
dade normas da sociedade normal. Pessoas com um desenvolvi-
às

mento psicológico incompleco não sabem ter relacionamentos


saudáveis. Pessoas com predisposição genética pare a violência
perdem o controle quando os outros se mantêm controlados. Pes-
soas que não aprenderam a distinguir o bem do mal não sabem o
que é ou não é o comportemento coÍreclo. Pessoas que crescem
pobres, sem pai e afastadas da sociedade pelo racismo não têm o
mesmo empenhamento em relaSo às normas sociais que asvin-
das de lares saudáveis da classe média. Bernie Goetz e aqueles
quatro delinquentes do metropolitano eram, neste sentido,prisio-
neiros do seupróprio mundo disfuncional.

t48
O Poder do Contexto (Primeira Parte)

Mas o que sugerem asfanelas Partidas e o Poderdo Contento?


Exactamente o oposto. Dizem que o delinquente -
longe de ser
alguém que age por razões fundamentais e inuínsecas e que vive no
seu próprio mundo - é na realidade uma pessoa altamente sensí-
vel ao seu ambiente, etenta a todos os tipos de indícios, e levada a
cometer delitos baseada ne percepção do mundo à sua volta.
Trata-se de uma ideia incrivelmente radicel e de certo modo ina-
creditável. Mas há aqui uma dimensão ainda mais radical. O Poder
do Contexto é um argumento ambiental. Diz que o comporta-
mento é função do contorso social. Mas é uma espécie estranha de
ambientalismo. Na década de 1960, os liberais argumenteram
algo de parecido, mes quando falavam da imponância do ambi-
ente estavam a referir-se à importância de factores sociais funda-
mentais: a delinquência, diziam eles, era o resultado da iniustiça
social, das desigualdades económicas estnrturais, do desemprego,
do racismo, de décadas de desleixo institucional e social - por-
tanto, para reduzir a delinquência era necesúrio dar alguns pas-
sosbastante coraiosos. Mas o Poderdo Contexto dizque o que re-
almente interessa são as pequenas coisas. O Poder do Contexto
diz que o aiuste de contas no metropolitano entre Bernie Goetz e
aqueles quatroiovens tinha muito pouco aver, emúltima análise,
com a psicologia patológica confusa de Goetz, e também muito
pouco a ver com os antecedentes de pobreza dos quatro iovens
que o abordaram, e tudo a ver com as mensegens enviadas pelos
grafitos nas paredes e a desordem nas cancelas. O Poderdo Con-
texto diz que não é preciso resolver os grandes problemas para
acabarcom a delinquência. Pode-se impedira criminalidade ras-
pando os grafitos e prendendo quem não paga bilhete; as epide-
mias de delinquênciatêm Pontos deViragemtão simples e direc'
tos como a sífilis em Baltimore ou atendênciade moda dosHush
Puppies. Era isto que eu queria dizer quando considerei o Poder
do Contexto umâ teoria radical. Giuliani e Bratton - longe de

r49
A Chave do Sucesso

serem os conservedores por que norÍnalmente são designados -


representem nâverdede a posi$o mais extremamente liberal na
questão da delinquência, ume posição tão e:rtrema que é quase
impossível de aceitar. Como é possível considerar que o que es-
tava na cabeça de Bernie Goetz não tem importância? E se real-
mente é verdade que não tem importância, porque é que é tão
clificil acreditar neste facto?

4.

No capítulo dois, quando avaliava o que torne uma pessoa


como MarkAlpentão importante nas epidemias de boca-a-boca,
falei de dois aspectos dapersuasão epârentemente anti-intuitivos.
Um era o estudo que mostrava como es pessoas que viam Peter
]ennings naABC eram mais susceptíveis de votar nos republica-
nos do que es pessoas que viam Tom Brokaw ou Dan Rather por-
que, de uma maneira algo inconsciente, Jennings conseguia mos-
trar a sua preferência por candidatos republicanos. O segundo
esildo mostrave como es pessoes carismáticas podiam "infectar,,
os outros com âs suas emoções mesmo sem dizer nada e com um
contacto mínimo. As implicações desses dois estudos vão até ao
âmago da Lei dos Poucos, porque sugerem que aquilo quepensa-
mos serem estados interiores - preferências e emoções - são na
realidade afectados de uma maneira poderosa e imperceptível
por influências pessoais aperentemente inconsequentes, por um
apresentador que vemos durante alguns minutos por dia, ou por
alguém que se senta silenciosamente ao nosso lado, num contacto
de doisminutos.Aessênciado PoderdoContexto é queo mesmo
é verdade para certos tipos de ambientes - de um modo que pode-

mos não admitir, o nosso estado interior pode ser o resultado de


circrrnstâncies erfternas. O campo da psicologia é muito rico em

150
O Poderdo Contexto (Primeira Parte)

experiências que demonstram este facto. Pernritam que dê apenas


algunsexemplos.
No princípio da déedtdel970,um grupo de cientisras sociais
da Universidade de Stanfonü dirigidos por Philip Zimbardo, decidiu
criaruma falsaprisão naqwe do edificio de psioologia dauniversi-
dade. Pegaram numa secção de mrredor com dezoito metros de
comprimento porum metro e meio de laryrrra e criaramum bloco
de celas com paredes pre.fabricadas. A partir de salas de laboratório
§zeram três pequenas eles comum metro e oitenta pordois metros
e setenta, com ponas de barras de ferro pinadas de preto. Um armá-

rio foi convertido em cela solitária. Depois colocaram amíncios nos


iornais locais a pedir voluneários, homens que concordassem em
participar na experiência. Candidaarasr-se setenta e cinco pessoas,
e entre elas a equipa de Zimbando escolheu vinte e uma que se mos-
traram mais normais e saudáveis nos testes psicológim. Esmlhzu-se
aleatoriamente uma pane dogrupo para formara equipa de carce-
reiros. Deram-lhes uniformes e óculos escuros, e disseram-lhes que
tinham a responsabilidade de manter a ordem na prisão. À outra
parte disseram que iam ser os presos. Zimbardo pediu àpolícia de
Palo Alto para ir a casa deles,
"prendê-los", algemá-los, levá-los para
a esquadra, aorsá-los de crimes fictícios, tirar-lhes as impressões
digiais, e depoisvendar-lhes os olhos e levá-los para a prisão na cave
do Departamento de Psicologia. Foram despidos e receberam um
uniôrme prisiond com um número cosido no peito e nas @stas que
seria a única maneira de os identificar durante a estadia na prisão.
O obiectivo da experiência era tentar descobrir porque é que as
prisões são uns sítios tão horríveis. Seria porque as prisões estão
cheias de pessoas más, ou porque as prisões são ambientes tão
horríveis que tornem es pessoas más? Na Íesposta a este pergunta
está obviamente e resposta à questão colocada pelo caso Bernie
Goetz e pela limpeza do metropolitano: até onde o ambiente ime-
diato tem influência no modo como es pessoâs se comportem.

151
A Chave do Sucesso

Zimbardo ficou chocado com os resultedos. Os guardas, alguns


dos quais se tinham previamente declarado pacifistas, entrarem
rapidamente no papel de disciplinadores endurecidos. Na pri-
meira noite acordaram os presos às duas da manhã e puseram-nos
a fazer flexões, mendaram-nos aliúar contra a parede e obrigaram-
-nos artitrariamente a fazeroutras coisas. Na manhã do segundo
dia, os presos revoltaram-se. Rasgaram os números dos uniformes
e barricaram-se nas celas. Os guardas reagiram. Despiram-nos, rêga-
ram-nos com extintoresde incêndio e puseram o chefe darevolta
nasoliúria.
-Houve alturas em que fomos bastante violentos, batemos-
-lhes no rosto e gritámos com eles - reorda um dos guardas. - Era
para criarum ambiente de terror.
À medida que a experiência progredia, os guardas tornavâm-se
sistematicamente mais crtréis e sádicos.
- Não estávamos preparados pere a intensidade e rapidez da
mudança - diz Zimbardo.
Os guardas obrigaram os presos a dizer uns aos outÍos que se
emavam e fizeram-nos marchar pelo corredor algemados, com
sacos de papel na cabeça.
- Foi exactamente o oposto do meucomportamento normal -
recorda um dos guardas. -Acho que foi altamente criativo em ter-
mos de crueldademental.
Ao fim de 36 horas um preso começou a ficar histérico e foi ne-
cessário libená-lo. Mais quatro tiveram de ser soltos por causa de
..depressão mental elcrema, choro, raiva e ansiedade agudor. Ini-
cialmente Zimbardo queria faznr eexperiência durante duas se-
manas.Acabou com ela ao fim de seis dias.
- Agora percebo - disse um dos presos quando a experiência
acabou - que independentemente do que eu pensâva que tinha
na cabeça, o meu comportâmento prisional esteve frequente-
mente muito mais forade controle do quepercebi na altura.

152
O Poder do Contento (Primeira Pane)

Outro preso contou o seguinte:


- Comecei a sentir que estave a perdeÍ a minha identidade; a
pessoe a quem chamo)Ç a pessoa que sevoluntariou pere entrar
nesta prisão (pois para mim era uma prisão, e ainda é, não a veio
como uma e4periência ou uma simulação...) esava longe do que
eu sou, distante. Eu não era aquela pessoâ, erâ o 416. Eu era real-
mente o meu número e o 416 tinha mesmo de decidir o que fazer.
A conclusão de Zimbardo é que há situações específicas tão po-
derosas que podem sobrepor-se à nossa predisposi$o inerente.
Apalarre-chave é.aituaÉo". Zimbardo não está a referir-se eo am-
biente, às grandes influências erúemas navida de todos nós. Ele
não nega que o modo como somos educados p"lor nossos pais
não afecte quem somos, ou as escolas que frequentamos, ou os
amigos que temos, ou que os bairros onde vivemos não afectem o
nosso comportamento. Todos esses factores são indubitavel-
mente importantes. Nem nege que os nossos genes tenham um
papel a determinar quem somos. A maioria dos psicólogos acre-
dita que â natureze - a genética - influenciâ oerce de metade dos
motivos que nos leram e egr da maneira como agimos. O seu ar-
gunento é que há certas alturas,locais ou condições em que mui-
tos desses factores podem desaparecer, há circrrnstâncias em que
podemos peg*r em pessoas normais, oriundas de boas escolas,
famílias felizes e bons bairros, e afecarpoderosamente o compor-
tamento delas simplesmente mudando os ponnenores imediatos
dasitua6o.
Na década de 1920 o mesmo argumento foi apresentado, tal-
vez de um modo mais explícito, num coniunto de experiências
históricas feitas por dois investigaores de Nova lorque, H.rgh
Hartshorne eM.À May. Escolheram cerca de mil e cem crianças
com idades entre os oito e os dezasseis anos, e durante vários
meses deram-lhes literalmente dúzias de testes, todosconcebidos
para medir a honestidade. O tipo de testes que Hartshorne e May

153
A Chave do Sucesso

usaram é muito importante para os resultados obtidos, portanto


vou descrever alguns com bastantes poÍmenores.
Um coniunto, por exemplo, era constinrído por simples testes
de aptidão desenvolvidos pelo tnsdarto de Pesquisa Educacional,
umprecusordogrupo que actrralmente desenvolve os SAII. Num
dos testes pedia-se às crianças para completarem frases. Por exem-
plo:"Opobrepequeno-tem-nadapara ;estácomfome.,,
No teste de aritmética, as crianças recebiam perguntas como:..Se o
açúcar«rstarl0 dntimos o quilo, quantoé quecustâm doisquilos
e meio?, e tinham de esctever a resposta na margem. Os testes de-
viam serfeitos num tempo inferior ao habitual, portanto a maiorie
das criangs deixava muitas respostas em branco, e quando o tempo
acabava eram recolhidos e avaliados. No dia seguinte os alunos
reebiam outravez os rrlesmos testies, com pergunas diferentes mas
igualmente dificeis. Destavez, no enteÍrto, os alunos ambém rece.
biam as respostas, e diziam-lhes pera avaliarem os seus proprios
resultados com ume supervisão mínima. Isto quer dizer que
Hartshorne e Maytinham montado ume aldrabice. Com as respos-
tas à frente eumagrande quantidade de peryuntâs porresponder,
os alunos tinham todas as possibilidades de fazer batota. E com os
testes do dia anterior à frente, Hartshorne e Maypodiam comperar
os resulados do primeiro dia com os do segundo e avaliar bastante
bem a batoa feita por cada um dos alunos.
Um outro coniunto era constinrído por aquilo a que chama-
mos testes de velocidade, uma avaliação mais simples da habili-
dade. Os alunos recebiam 56 pares de números para adicionar.
Ou mostravam-lhes uma lista de várias centenes de leuas do alfa-
beto numa sequência aleatória e diziam-lhes para sublinharem to-
dos os Tinham um minuto para responder a cada teste. Depois
"Arr.

t .Scholastic Assessment Tes» é o teste-padrão de admissão usado nas universi-


dades aorte-americanas. (N. do L)

154
O Poder do Contexto (Primeira Parte)

recebiam ouro conrunto de testes equivalentes, mas destavez sem


limite de tempo, o que lhes permiria pensar à vontÍrde. Ao todo, os
dois psicólogos administraram uma quantidade inconúvel de tes-
tes em incontáveis siftações diferentes. Deram às crianças restes
de aptidão fisica, tais como flexões ou saltos, e observavam-nas às
escondidas para ver se mentiam ao comunicar os resultados. De-
ram-lhes testes para fazerem em casa, onde tinham ampla opornr-
nidade de usar dicionários e de pedir aiuda, e comperaram os re-
sultados com os de testes idênticos feitos na escola, onde copiar
era impossível. No final, os resultados encheram três volumes gros-
sos e puseram em questão muitos preconceitos sobre o canícter.
A primeira conclusão, nada sulpreendente, é que houve muita
aldrabice. Num dos casos, o resultado dos testes onde era possível
fazer batoa foi em média 50 por cento superior aos resultados
Quando Hartshorne e Mey começerem e procurar pa-
<<honestos,».

drÕes na aldrabice, alguns resultados eram igualmenre óbvios.


fuem liçiramente menos batoa do qtre as crian-
As crianças esperes

ças menos inteligentes. As raparigas aldrabam tanto como os re-


pazes. Os mais velhos são mais desonestos do que os mais novos, e
os provenientes de lares estáveis e felizes enganam um bocadinho
menos do que os vindos de lares instáveis e infelizes. Se analisar-
mos os dedos podemos encontrar padrões gerais de consistência
comportemental de teste pâre teste.
Mas a consistência não é tão grande como se podia esperer.
Não há um pequeno grupo coeso de aldrabões e um pequeno
grupo coeso de alunos honestos. Alguns miúdos âzem batota em
câsa mas não fazem na escola; outros fazem batoa na escola mas
não fazem em cesa. O facto de uma criança aldrabar, digamos, no
teste de completaras frases, não deixava preverindubitavelmente
que iria aldrabar no teste de velocidade em que tinha de sublinhar
os «A». Hartshorne e Maytambém descobriram que se dessem o
mesmo teste ao mesmo grupo de miúdos, sob as mesmas ciruns-

155
AChave do Sucesso

tâncias, seis meses depois, es mesmrs criançâs aldrabavam da


mesma maneira nos dois qtsos. Mas quando se mudava uma das
variáveis - o material do teste, ou a situaçáo em que era adminis-
trado - os tipos de aldrabice também variâvem.
Hartshorne e May concluíram então que uma atitude como a
honestidade não é um tÍÍrço de caráçter fundamenal, ou aquilo
â que úamaram ume cârâcterística
"unificada". Concluíram que
uma carecterística como a honestidade é consideravelmente in-
fluenciada pela situação. Escreveram o seguinte:

A maioria das crianças engana em certas siarações e noutras não. Men-

tir, enganar e roubar, conforme foram medidos pelas situações dos testes

usadas nestes esüudos, só se relacionam vagamente. Mesmo aldrabar na ssla

de aula é mais uma siaração altamente específica pois uma criançapode fa-

zerbatota no teste de aritmétie e não o fazer no teste de onografie, etc. Se


umacriançavai enganer numa determinada situa6o depende em parte da
sua inteligenciq idade, situa$odomésticae coisas assim, em parte da natu-
reza da situago em si e da sua situação particular em rela$o a ela.

Creioque isto é altamente anti-innritivo. Se eulhepedissepara


descrever a personalidade dos seus melhoÍes emigos, poderia
fazê-Lo facilmente, e com certeza que não diria coisas como «o
meu amigo Howard é incrivelmente generoso, mas só quando sou
eu a pedir e não quando a famflia dele pedeo, ou então «a minha
amiga Alice é de uma honestidâde maravilhosa quando se trata da
sua vida pessoal, mas no trabalho iá rrío é bem assim,,. Em vez
disso diria que o seu amigo Howard é generoso e a sua amlge
Alice, honesta. Todos nós, quando se trata de personalidade, pen-
samos nanrrâlmente em teÍmos absolutos: que uma pessoa é de
certa maneira ou que não é de certa maneira. Mas o que Zim-
bardo, Hartshorne e Maysugerem é que s€ trata de um eÍro, Ílue
quando pensemos apenasem tennos das características inerentes

r56
O Poder do Contexto (Primeira Parte)

e no§ e§quecemo§ do papel das situagõe§ estemos a enganer-no§ a


nós próprios sobre es causes reais do comportemento humano.
Porque é que cometemos este erro? Provevelmente é o resul-
tado da maneira como a evolu$o estruturou o nosso cérebro. Por
exemplo, os antropólogos que esrudâm os macâcos da savane des-
cobriram que este tipo de símios não é nada eficiente a perceber
o significado de coisas como trme cârcaça de antflope pendurada
numa árvore (sinal certo de que há um leopardo na vizinhança) ou
a presença de rastos da cobra pitão. Sabe-se que estes mâcacos
podem cairnuma emboscada âo ignorar e pista fresca de uma oobra
pitão, e depois ficam surpreendidos quando se vêem perente o
réptil. Isto não quer dizer que seiam esnipidos; são muito sofisti-
cados quando se uata de assuntos que têm a ver com outros maca-
cos da sevâne. Conseguem ouür o chamamento de um macho e
reconhecer quando é do seu próprio grupo ou de um gnrpo vizi-
nho. Se um macaco das savanas ouvir o grito de medo de uma cria,
olha imediatamente não para a cria mas sim parâ a mãe - sabe
imediatamente de quemé a cria. Um macacodas savanas,porou-
tras palavras, é muito eficiente a processar certos tipos de infor-
ma$o do grupo mas não é tão eficiente a processar outros tipos
deinformação.
Acontece o mesmocom os humanos.
Vefa-se esa adiünha. Suponha que lhe dou quatro qlrras com
as letras..Át, e.<D» e os algarismos r.3,, e
"6". A regfa do iogo é que
uma cârta corl uma vogal tem sempre um número par do outro
lado. Que cxrÍtâs é que teria de virar para mostrar que esta regra é
verdadeira?Aresposta é duas: e cartâ «A,» e e calte <<3". Conttrdo a
grande maioria das pessoas quefazeste teste não consegue acer-
tar. Tende a responderque é apenes a carta..Ar, ouentão a..A' e a
..6,,. É uma pergunte dificil. Mas deixe-me fazer ouüa pe{gunte.
Suponha que quatro pessoas estão num bar a beber. Uma bebe
Coca-Coh. Uma tem 16 anos. Uma esú a beber cerveie e uma tem

rs7
A Chave do Sucesso

25 anos. Dada a regra de que ninguém com menos de 21anos


pode beber cerveia, de que pessoas é que temos de ver o Bilhete de
Identidade pare garantir a observância da lei? Agora a resposta é
fiícil. Realmente, teúo rccteztdeque quase toda a gente aceÍta:
o bebedor de cerveia e e pessoâ que tem 16 anos. Mas, conforme
salienta a psicóloga lrda Cosmides (que congeminou este exem-
plo), é exacamente a mesma adivinha do .4,, <.D>>, <<3» e "6". A di-
ferença é que está colocada de uma maneira que se refere a ies-
soas, em vez de números, e como seres humanos somos muito
mais sofisticados sobre nós do que sobre o mundo abstracto.
0 erro que cometemos ao pensar no carácter como uma coisa
unificada e toalmente abrangente é muito parecido com uma es-
pécie de ponto cego no modo como processamos informaçáo.
Os psicologos chamam a este tendência Fundamental Aaribution
Error, Fl{E (Erro deAtribui$o Fundamental), uma maneira sofisti-
cada de dizerque quando se tratade inteqprearo comportemento
dos outros, os seres humanos invariavelmente cometem o erro de
sobrestimara importância das caract€rístices fundamenais do ca-
rácter e zubestimar a importância do contexto da situa$o. Proctra-
mos sempre uma explica$o no âmbito da..disposi$o" para os
eventos, em oposi$o a uma explica$o contexnnl. Numa experiên-
cia, por exemplo, diz-se e rrm grupo de pessoas para observar duas
equipas de iogadores de basquetebol do mesmo nível, a primeira
das quais está a atirar bolas ao cesto num ginásio bem iluminado, e
a segunda atira as bolas num ginásio muito mal iluminado (e obvia-

mente falhe muitas bolas). Depois p.de-se às pessoas que avaliem a


qualidade dos jogadores. Os jogadores no ginásio bem iluminado
são considerados melhores. Noutro exemplo, diz-se a um grupo de
pessoas quevão paaiciparnumiogo de adivinhas. ForrrampâÍes e
dão as cartas. Uma pessoa recebe uma €rta que a nomeia oConcor-

"Inquiridon'. Ao tnquiridor é
rente,,. A outra fica a saber que seÉ o
pedido que tire uma lisa de dez perguntas mas não impos-
"diffeis

r58
O Poderdo Contexto (Primeira Parte)

síveis, baseadas em áreas de determinado interesse ou especialidade


-portânto ume pessoa que gosta de musica folclórica ucraniana
a€ba por receber ume série de perguntes sobre mrisica folclórica
ucraniana- Colocam-se as peÍgunms ao Concorrente, e depois deste
ter respondido pedese a coúecimen-
cada um que calcule o nível de
tas gerais do outro. Invariarelmente, os C-onoorrentes avaliam os [n-
quiridores como sendo muito mais inteligentes do que eles póprios.
Pode-se fazer este tipo de orperiências de mil maneiras diferen-
tes e a resposa acabaporserquasesempre amesma.Isto acontece
mesmo quando se dá às pessoasuma explicação ambiental clara e
imediata do comportemento que está a ser avaliado: que o giná-
sio, no primeiro caso, tem pouces luzes acesas; que se exige ao
Conorrente que responda ao coniunto de pergunus mais parciais
e mais rebuscadas que se possa imaginar. No âm de contas, não faz

muita diFerença. Há algo em todos nós que faz com que queiramos
instintivamente explicar o mundo à nossa volta em termos dos
atributos essenciais das pessoas: ele é um melhoriogador de bas-
quetebol, aquela pessoa é mais esperta do que eu.
Procedemos assim porque, tal como o macÍlco dasavana, esta-
mos muito mais atentos aos indícios pessoais do que eos contex-
nrais. 0 FAE também torna o mundo muito mais simples e com-
preensível. Por exemplo, nos últimos enos, surgiu um grande
interesse pela ideia de que um dos factores mais impottântes na
explicação da personalidade é a ordem de nascença: os irmãos
maisvelhos são dominadores e conservadores, os mais novos mais
criativos e rebeldes. Contudo, quando os psicólogos tentam veri-
ficaresta afirma$o, as respostas parecem-se com as conclusões de
Hartshorne e May. Reflectimos a influência da ordem de nasci-
mento mas, tal como salienta a psicologa fuüth Herris no seu liwo
TheNurturer4swnpüon(O pressuposto daeducaÉo), só se a famí-
lia estiver perto. Quando estão longe da famflia - em contextos
dlFerentes - os irmãos mais velhos iá não têm predisposi$o para ser

159
A Chave do Sucesso

dominadores, e os irmãos meis novos deixam de ter maiores pro-


babilidades de ser rebeldes do que qudquer pessoa. 0 mito da
ordemde nascimento é umbomexemplo do FAE em ac$o. Mas
pode perceber-seporque é que nos atmi. É muito mais ftcil defi-
niras pessoas epenas em termos da prsonalidade familiar. É uma
especie de estenografia- Se tivéssemos de avaliar constântemente
todas as afirmações das pessoes à nossa volta, como é que o
mundo podia fazer sentido? Quão mais dificil seria tomar as mi-
lhares de decisões que temos de tomar sobre se gostamos de aF
guém, ou confiamos em alguém, oulhe queremos darum conse-
lho. O psicólogo Walter Mischel argumente que o cérebro
humano tem uma especie de.,válrnrla redutora, que «cria e man-
tém a percepção de continuidade mesmo perante mudanças
observadas pelpetuamente no comportemento real". Escreve ele:

Quando observamos uma mulber gue às vezes paÍece agressira e fe-


rozmente independente mes noutres pârece pessive, dependenre e femi-
nina, a nossa válvula redutora costuma fazer-nos escolher entre os dois sin-
dromas. Decidimos que um padrão está ao seniço do outro, ou que estão
ambos ao serviço de um terciro motivo. Deve ser uma mulher realmente
casoadora com uma aperência de passividade - ou talvez seia um mulher
calorosa e passivo-dependente com umâ fachada defensiva de agressivi-
dade. Mas telvez a netureza seia maior do que os nossos conceitos e que
seia possível essa mulher ser hostil, ferozmente independente, passiva,
dependente, feminina, agressira, calorosa e casuadora, ardo numa só pessoâ-
Claro que o que ela é, numa dadasiuraçâo, nãoé aleatorio nem resukado de
um capricho - dependerá de com quem ela estiver, quando, como, e ainda
muito, muito mais. Mas cada um destes âspectos da sua pessoa pode ser
uma pert€ genuína e real da sua persouelidade mtal.

Portanto, o carácter não é equilo que pensamos ou, melhor


ainda, aquilo que queremos que seia. Não é r m coniunto estável e

r6o
O Poder do Contento (Primeira Pane)

f*cilmente identificrável de carecrerísticas relacionadas entre si, e


só parece ser assim por causa de um defeito na maneira como o
nosso cerebro está orgânizado. É mais provável que o carácter seja
um molho de hábitos, tendências e interesses, mal atados e de-
pendentes, em certas altums, das circunsdncias e conteno. Â ra-
zão por que a meior pafte de nós parece ter um carácter coasis-
tente é porque a maiorperte de nos sabe conuolarbem o nosso
ambieate. Divirto-me muito em iant*res festivos. Por isso dou
muitos jantares festivos e os meus amigos vêem-me [á e ac]ram que
soudivertido. Mas se nãopudesse darmuitosiantares festivos e os
meus amigos costsmâssÊm yer-me em muitas sinrações sobre as
quais eu não tinha qualquer controle - como, por exemplo, en-
frentar quetro iovens agressivos num metro a cair aos bocados -
provavelmente já não me iam acharpiada nenhuma.

5.

Há alguns anos dois psicólogos da Univeaidade de Princeton,


John Darley e Daniel B*tson, decidiram fazer um estudo inspi-
rado na história bíblica do bom samaritano. Como talvez se lern-
brem, essa história, do Evançlho de São Lucas, fala-nos de um
viaiante que foi egredido, roubado e deixado como morto na
estredâ de |erusalém pâra |ericó. Tanto um sacerdote como nm
levita * pessoas piedosas * passeram pela vítime mas não pararam,
.,atrarressando pâra o outro lado". A única pessoâ que ajudou o ho-
mem foi um samerit*no - membrodeuma minoria desprezada *
que «se acercou dele e the tratou das feridas", e depois levou-o
paÉ umâ estalagem. Dadey e Batson decidiram replicar a situa$o
no Seminário Teológico de Princeton. Trat*va-se de uma expe-
riência muito dentro da radigo do F§, e é uma demonstr*So
importante de como o Poder do Contexto tem implicações nt

r6r
A Chave do Sucesso

maneira como pensemos nas epidemias sociais de todos os tipo§,


e não âpenas nos delitosviolertos.
Darley e Batson encontrâram-se individualmente com alguns
seminaristas e pediram a cada um que prsparesse um discurso curto e
exemporâneo sobre um dado temabíblico e depois que fusse a um
edificio ali perto para o apresentâr. Â caminho da apresena$o, o
esfrdaüte encontrayâ um homem atirado parâ um beco, cabeça
para baixo, olhos fechados, * tossir e a queixar-se. A pergunta era"
quem é que pararia para ajudar? Darleye Batson introduziram três
variáveis na orperiência para tornar os resultados mais significati-
vos. Primeiro, mesmo antesda o<periência começâr, deram eosse-
minaristas um questionário a pergunter porque é que tinham deci-
dido estudarteologia. Viam a religião como um meio de realizaSo
pessoal e espiritual? Ou estavam à procura de um meio prático para
ver um sentido na vida diária? Depois varievâm o tema sobre o qual
os seminaristas deviam falar. A alguns foi pedido que falassem da
importância do clero pro§ssional para a vocação religiosa. A CIutros
foi dada a panibola do bom samaritano. Finalmente, as instnrções
dadas a cada estudante tamHmvariavam- Em alguns casos, âo Ílân-
dar os estudantes seguir caminho, o experimentador olhava para o
relógro e dizia: ..0h, você está atrasâdo. fá estão à sua espera há
dgsns miüms. O melhor é deqpachar-se.,, Noutrm esos dizi* ..Eles
só estão à sua espera daqui a uns minutos, mas pde ir andando.,'
Se pedirmos àspessoas para dizerem quais os seminaristas que
§zeram de bons samaritanos (e foi exâctamente o que se fez em
esaldos posteriores), as respostas são altamente consisteates.
QJrase todas dizem que foram os estudantes que entrârâm pârâ o
seminário para ajudar os outros e aqueles a quem foi lembrada a
imponância da compaixão, por terem acabado de ler a parábola
do bom samaritano, os que mais provavelmente parâram. Penso
que a maioria concordaria com estas conclusões. Na realidade, ne-
nhum desses factores fez qualquer diferença. "É dificil pensar

r:6z
O Poderdo Contexto (Primeira Pane)

numcontexto onde as nonnes respeitantes aajudaras pessoesne-


cessitadas esteiem mais em evidência do que uma pessoa a penser
no bom samaritano, e contudo não aumentou significativamente
o gesto de ajudan, concluíram Darley e Batson.
"Realmente, em
r"árias ocasiões, um seminarisa a caminho de fazer a sua prelec$o
sobre o bom samaritano passou por cima da vítima literalmente,
com a pressa de seguir caminho.,' A única coisa que realmente fez
diferença foi o estudante estar com pressa ou não. Do grupo
apressado, dez por cento peraÍ:rm para aiudar. Do grupo que sabia
que ainda tinha tempo livre, 63 por cento pârerem.
O que este estudo sugere, poroutraspalawes, é que, em tiltima
análise, as convicções do nosso coração e o conteúdo real dos nos-
sos pensementos são menos importantes do que o contexto ime-
diato do comportamento. Âs palawas..oh, você está atrasado»
tiveram o efeito de transforÍner ume pessoe que devia ter
compaixão em alguém indiferente ao sofrimento - tornar o indiví-
duo, naquele momento específico, numâ pessoíl diferente. Na sua
raiz, es epidemias são sobre este processo de transformação.
Quanto tentamos que uma ideia, uma atitude ou um produto che-
guem ao ponto de viragem, estamos a tentar mudar a nossa au-
diência em algum especto pequeno, mas signific*tivo: estamos a
teneÍ "infectá-Ia", incluí-la na nosse epidemia, fuzê-la passar da
hostilidade à aceita$o.Isto pode serfeito atravésda influênciade
pessoas especiais, pessoes com uma ligação pessoal extraordiná-
ria. É a Lei dos Poucos. Pode ser feito mudando o conteúdo da
comunicação, tornando e mensegem tão memorável que adere à
mente das pessoas e as faz agrr. É o Factor de Aderência. Penso
que e$as duas leis fazem sentido intuitivamente. Mas precisamos
de nos lembrar quê pequenas diferenças de contexto podem ser
igualmente importantes na viragem das epidemias, mesmo que
esse facto pareça violar algumas das nossas ideias mais areigadas
sobre a natureza humana.

r63
A Chave do Sucesso

Isto não quer dizer que o nosso estado psicológico profundo e


história pessoal não seiam importantes para explicâr o nosso com-
portamento. Uma enorÍne percentâgem daqueles que cometem
actos violentos, por exemplo, tem algum tipo de pernrrba$o psi-
cológica ou vem de ambientes profundamente pernubados. Mas
há um mundo de diferença entre ter uma inclina$o para a violên-
cia echegaracometerum actoviolento. Um crimeé um aconteci-
mento relativamente raro e aberrante. Para que um crime seia
ometido, é prmiso que aaonteça âlgo extraordinário, adicional, que
faça uma pessoe perhrrbada virar-se para a violência, e o que o Po-
der do Contexto diz é que esses Pontos de Viragem podem ser tão
simples e triviais como alguns sinais diários de pernrbago - gr.fi-
tos e fuga ao p4gamento do bilhete. As implicações desa ideia são
enorrres. A noção anterior de que a predisposição é tudo - de que
a causa do compoÍtementovioleuto é sempre uma..personalidade

sociopáticao ou um <<super-ego deficiente", ou a incapacidade de


adiarasatisf"ção, ou algumacoisa má nosgenes - é, afinal de con-
tas, a no$o sobre delinquência mais passiva e conservadora.Diz
que quando se apanha um delinquente o podemos aiudar a tornar-
-se melhor - dar-lhe Prozag po-lo na terapiq tentaÍ reabilitá-lo -
mas muito pouco podemos fazer para evitar a delinquênciâ, logo à
paaida. A velha sabedoria sobre o modo como lidar com as epide-
mias de delinquência leva inevitavelmente a uma preocupação
com as medidas defensivas contrâ essa delinquência. Coloque-se
maisum cadeado naportepara retardaro ladrão e talvez encoreiá-
-lo a ir pare a portâ a<l lado. Prendam-se os delinquentes durante
mais tempo, peÍÍr que tenham menos opornrnidade de nos fezer
mal. Mudem-se pera os subúrbios, pare colocar a maior distância
possível entre a pessoa e a maioria dos delinquentes.
Connrdo, umevez que se percebaque o @ntCIúo tem importân-
cia" que elementos específims e relatiramente menores do ambiente
podem servir de Pontos de Viragem, então o derrotismo vira-se

164
O Poder do Contexto (Primeira Paae)

ao contrário. Pontos deViragan ambientais são coisas que pode-


mos mudan podemos consertar as ianelas panidas, limpar os grafi-
tos e mudar os sinais que são os primeiros a conüdar à delinquên-
cia A delinquência pode ser mais do que compreendida. Pode ser
eviada. Nesta atitude há uma dimensão mais abrangente. Judiú
Harris afirrrou de uma maneira convincente que a influência dos
pares e da comunidade são mais importantes do que a influência da
famflie, na determina$o do que acontece às crianças. Estudos so-
bre delinquência juvenil e percenagens de desistência no secundá-
rio, porexemplo, demonstram que ume criang sai-se melhorcom
uma má família num bairro bom do que nume boa famflia num
bairro mau. Passamos tanto tempo a celebrar a importância e o po-
der da influência familiar que @e perecer, numa primeira impres-
são, que isto não é verdede. Mas na realidade não é mais do que
umâ extensão óbüa e do senso comum do Poder do Contexto, por-
que afirma simplesmente que as crianças são muito influenciadas
pelo ambiente externo, e que as características do nosso mundo
social e fisico mais próximo - as ruas por onde andamos, as pessoas
que encontramos - têm um papel enorme na forma$o do que so-
mos e como €rmos. Em riltima análise, não é apenas o comporta-
mento seriamente deünquente que é sensível aos indícios ambien-
ais, é todo o comportemento. Por mais estraúo que pareça, se
juntarmos o significado da experiência da prisão de Sanford com o
daexperiência do meuopoliano deNovalorÍlue, o que sugerem é
que é possível ser umâ pessoa melhor numa rua limpa ou num me-
tropolitano em condições do que num cheio de lixo e grafitos.
- Numa situação assim, estamos numa situago de combate -
disse Goetz à sua vizinha Myra Friedman, num telefonema an-
gustiado, poucos dias depois do tiroteio. - Não se pense de uma
maneira normal. Nem sequer a memória funciona normalmente.
Fica-se tão excitado. Avisão realmente muda. As capacidades mu-
dam.Aquilo de que se é capaz muda.

165
A Chave do Sucesso

Goetz continuou, dizendo que tinha agido <<com má intenção e


selvaticamenter:
- um rato e um cento esú-se prestes a massacrá-
Se se encosta
-lo, não é verdade? A maneira como eu reagr foi vingativa e seha-
gem, assim mesmo, comouÍr rato.
Claro quefoi. Ele estava metido num ninho de ratos.

166
5
o PODERDO CONTE)ilO (SEGUNDA PARTE)
Cento e cinquenta, o número mágico

Em 1996, uma actriz e drarnatuqga a tempo parcial chamada


Rebecca Wells escreveu um liwo intiarlado Dfuine Seezr;ts ofthe Ya-
-Ya Sisterhood (Segredos divinos d* irmandade Ya-Ya). Â sua c*re-
gada liwarias não foi um acontecimento litenírio importante.
àrs

Wells tinha essito anteriorrnente um livro - Little Ntars Ererywhere


(Pequenos altares em toda a parte) - que foi um sucesso de culto
meÍror rrâ sua cidade natal de Seatde e arredores. Mas não era nem
Danielle Steel nem M"ry Higgins Clark. Após o lançamento,
quando Wells fez uma leitura do lhno em Greenwich, no Connec-
ticut, havia sete pessoas a assistir. Teve algumas críticas aqui e ali,
a mrioria favoráveis, e no final a obra vendeu o respeitável ntimero

de 15 mil exemplares na edi$o de capa dura.


Um ano mais tarde, Yc-Ya Sisterhood saiu na edição com cxlpa
molel" A primeira tiragem de 18 mil e:remplares esgotou, exce-
dendo âs expectativas. No começo do Verío as vendas de capa
mole tinham chegado aos 3O mil exemplares, e tanto \{ells como
a sua editora começarâm a sentir que algo estranho e maravilhoso

esteva pfe§tes a âcontecer.

I NosEstadosUnidos, um livro tem normalmenrcuma primeira edi$o, relativ+


mente peguenâ, com cxlpa canonada dura. Se vender beo, àz-se eatão uma edição
muito maior com eapa de cartolina 0exível (como a maioria das edi§es pornrguesas).
Posteriormente poderi ser editado no formato de bolso. (N. do L)

1.67
A Chave do Sucesso

- Nas sessões de autógrafos apareciem grupos de mulheres


juntas, seis ou sete, e pediam-me parâ essinar entre três e dez
liwos - recordouWells maistarde.
A editora dela, Diane Reverend, falou com o pessoal do marke-
ting e disse-lhes que era chegada a altura de fazer uma campanha
de publicidade. Publicâram um anúncio na revista NevtYorker,na
págine ao lado do sumário, e no espâço de um mês as vendas dupli-
slrâÍn até 60 mil. Andando de uma sessão de leitura para oura,
portodo o país,Wells começou avermudançâs ne composição do
seupúblico.
- Comecei a ver mães e filhas. As filhas andavam pelos uinta e
muitos, começo dos quarentâ.As mães eram dageração que fez o
secundário durânte a II Grande Guerra. Depois reparei que come-
çavam a aparecer três gerações, também as de vinte e tal anos.
E então, para meugrande deleite*e istosó aconteceumaistarde-
aparecerâm as adolescentes e as alunas do quinto ano.
üvine Secrets of theYa-Ya Sisterhoad ainda não estava nas lisas
dos mais vendidos. Isso só âconteceu em Fevereiro de 1998,
quando chegou ao topo e aí permaneceu, com 48 reimpressões e
dois milhões e meio de exemplares. A atenção da comunicaso
social naciond - artigos nas grandes revistas femininas e a ida a
programas de televisão que uansformariam Wells numa celebri-
dade - ainda não tinha começado. Mas pelo poder do boc*-a-
-boca, o liwo dela tinha chegado ao ponto de viragem.
* Para mim, o ponto de viragem foi provavelrnente no Norte
da Californiq no Inverno a seguir à saída da edi$o de capa mole -
disse Wells. - Cheguei a uma situa$o onde de repente havis sete-
centâs ou oitocentas pessoas nas minhas leituras.
Porque é queYa-Ya Sísterhaod setransformou numa epidemia?
Em retrospective, â respostâparece bastante simples. O liwo é en-
ternecedor e maravilhosamente escrito, uma história envolvente
de emizade e relacionamento eÍrtre mãe e filha. Fala às pessoas.

168
O Poder do Contexto (Segunda Pane)

É aderente. Depois há o facto em si de Wells ser actriz. Mais do que


ler o seu romance, ao andar pelo país, ela representave-o, fazendo
o papel das personagens com um tal talento que transforÍnou es
leituras em espectáorlos. Wells é uma Vendedora clássica- Mas há
aqui um terceiro factor, menos evidente, que tem a ver com o ul-
timo princípio das epidemias. O sucesso de Ya-Ya é uma homena-
gem aoPoderdo Contexto. Mais concretamente, é o testemunho
do poder de um aspecto específico do contorto, e que é o papel
essencial que os grupos têm nas epidemias sociais.

De certa maneira, trata-se de uma obsewaSo óbüa. Qpalquer


pessoa que vai ao cinema sabe que o número de pessoas na sala
tem um grande efeito na opinião sobre a qualidade do filme: as
comfiias são muito mais divenidas e os filmes de suspense muito
meis emocionantes numa sala cheia. Os psicólogos dizem-nos
praticamente a mesma coisa quando se pede às pessoas que dêem
uma opinião ou que tomem decisões em grupo, chegam a con-
clusões muito diferentes do que quando respondem sozinhas às
mesmas pe{guntas. Quando fazemos parte dum gnrpo, somos
susceptíveis à pressão dos pares, às norrras sociais e e uma certe
quantidade de outras influências que podem teÍum papel essen-
ciel a arrastar-nos, no começodeuma epidemia.
|á pensou, por exemplo, como é que começam os moümentos
religiosos? Habinralmente pensamos nesses movimentos como o
produto deum exrângelista altamente carismático, pessoas como o
apostolo Paulo, ou Billy Graham, ou Brigham Young. Mas a divul-
ga$o de qualquer ideologia nova e contagiosa também tem muito
e ver com a utiliza$o eficiente do poder de um gruPo. No final do

secrrlo xutr e princípio do século )oL Por exemplo, o movimento

t69
A Chave do Sucesso

metodista tornou-se uma epidemiâ na Grá-Bretânhe e nos Estâ-


dos Unidos, passando de 20 mil para 9O mil seguidores nos EUA
no espâço de cinco ou seis enos, na década de 1780. Mas o funde-
dor da Igreia Metodista, ]ohn Wesley, não era de maneira neúuma
o prçgador mais carismático do seu tempo. Essa honra pertencia a
GeorgeWhitfield, um oradorcom talpodere carisma que se dizia
que tinha convencido Beniamin Franklin a dar um donativo de
cinco libras, sendo FranHin a pessoa menos frequentadora de
igreias que se pode imaginar. Nem Wesley erâ um grande teólogo,
na tradi$o de, digamos, Calvino ou Martinho Lutero. O seu génio
era organizacional. Wesley costllmava viaiar pela InglateÍra e
América do Norte a dar sermões ao ar liwe para milhares de pes-
soas. Mas não se limitava a pregar. Também ficava em cada cidade
o tempo suficientepara formarsociedades religiosas com os con-
vertidos mais entusiastas, as quais dividia por sua vez em grupos
mais pequenos de cerca de uma dúzia de pessoas. Os convertidos
tiúam que frequentar reuniões semanais e aderir a um código de
conduta restrito. Se não conseguiam viver segundo os padrões
metodistas, erem expulsos do grupo. Por outras palawas, eram
grupos que defendiam alguma coisa. Durante a sua üda, Wesley
viaiou incessantemente entre esses grupos, cobrindo tento como
6500 quilómetros enuais a cavalo, reforçando as nonnas da fe me-
todista. Era um Comunicador clássico. Um super Paul Revere.
Contudo a diferença é que ele não era epenas uma pessoâ com li-
gações a muitas outras. Era uma pessoa com ligações a muitos gru-
pos, ume diferença pequene, porém crítica. Wes§ percebeu que
se queÍemos provocar uma mudança fundamental nas crenps e
comportamentos dos outros, precisamos de criar uma comuni-
dade à volta deles, onde as novas crenças possâm ser praticadas,
expressas e alimentadas.
Penso que isto também pode explicarporque é que Ya-Ya Sis-
terhood atingpo ponto de viragem. A primeira lista de mais vendi-

t70
O Poder do Contexto (Segunda Pane)

dos em q;ucYa-Ya Sbterhood apareceu foi a das Liwarias Indepen-


dentes da California do Norte. O Norte da California, como disse
Wells, foi ondepelaprimeiravez aparecerâm 700 ou 800 pessoas
nas leituras. Foi lá que começou a epidemia Ya-Ya. Porquê? Por-
que, conforme Reverand disse, a região de São Francisco é onde
bá uma das maiores culturas de grupos de leitores do país, e desde
o começo queYa-Yaera aquilo a que os editores chamam um
"li-
vro para grupos de leitores". Era o tipo de romane emocional-
mente sofisticado, ôrte em personagens e com vários níveis de
leituraque convidaà reÍlexão e à discussão, e osgnrpos de leitores
acorriam. As mulheres que iam às leituras de Wells eram mem-
bros degrupos de leitura, e compravam mais exemplares não ape-
nas para a família e para os amigos, mas também para os outros
membros do grupo. E por Ya-Yaser comentâdo e lido nos grupos,
oliwo tornou-semuito mais aderente.Afinal de contas, é mais fá-
cil lembrar e apreciar algo que se discute durante duas horas com
os melhores amigos. Torna-se uma e4periência social, o motivo
das convêrsas. As raízes deYa-Ya na cultura dos grupos de leitura
transformou-o numa epidemia maior de boca-a-boca.
Wells diz que no final das leituras, durante o período de per-
guntas, as mulheres presentes costumavam dizer-lhe: "Estávamos
no grupo de leitura há dois anos, e depois lemos o seu liwo e acon-
teceu alguma coisa. Começou a chegar a um nível de panilha que
era maiscomo amizade."
- Disseram-me que posseram a ir juntas à praia, ou a fazer fes-
tes em case umas das outras.
fu mulheres @meçaram aorganizar próprias Irman-
âs sues
dades Ya-Ya, uma imitaçáo do grupo descrito no liwo, e a levar a
Wells fotografias dos grupos para ela assinar. O metodismo de
Wesley espalhou-se como fogo pela Inglaterra e Estados Unidos
porque Wes§ andava de um lado para o outro a visitar centenas
de grupos, e cada grupo pegeva na sua mensagem e torneve-e

17r
A Chave do Sucesso

ainda mais aderente. A história deYa-Ya espalhou-se do mesmo


modo, de grupo de leitura para grupo de leitura, de grupo Ya-Ya
para grupo Ya-Ya e de uma leitura de Wells pera outre, pois du-
rante mais de um ano eladeixoude fazeroutras coisas e percorreu
o país sem peraÍ.
A lição de Ya-Ya e de )ohn Wesley é a de que pequenos grupos
unidos têm o poder de ampliar o potencial da epidemia de uma
mensegem ou deuma ideia. Contudo, esta conclusão ainda deixa
um certo número de questões essenciais sem resposa. A palawa
gtltpo,por exemplo, é um terrro usado para descrever muita coisa,
desde uma equipa de basquetebol a um sindicato, de dois casais
em ferias ao Partido Republicano. Se queremos começar uma epi*
demia - chegar ao Ponto de Viragem - quais são os grupos mais
eficientes? Haverá uma regra simples que distinga um grupo com
autoridade social efectiva de outro grupo sem nenhum poder?
Acontece que há É a chamada Regra dos 150, um exemplo fasci-
nente das maneiras estranhas e inesperadas como o contexto
afecta o percurso das epidemias sociais.

2.

Há um conceito na psicologia cognitiva chamado "capaci-


dade de seperar ceneis,,, e que se refere à quantidade de espaço no
nosso cérebro pare certos tipos de informação. Suponha, por
exemplo, que eu me punha atocxrrum certo número de sons mu-
sicais, aleatoriamente, e lhe pedia para identificar cada um deles
com um número. Se eutocasse um som realmenEegrâve, chamar-
-lhe-ia ..um,), e se eu tocâsse um som médio chamar-lhe-ia odoisrr, e
a um som agudo daria o número <<três,». O obiectivo do teste é dis-
tinguir entre os diferentes sons. É claro que as pessoas com um
ouüdo perfeito podem fazer este iogo interminavelmente. Podem

L72
O Poderdo Contexto (Scgunda Parte)

tocar-lhes dúzias de sons que elâs são capâzes de disringui-los


todos. Mas para a maioria é muito mais diffcil. Â maior parte das
pessoâs só consegue dividir os sons em cerca de seis cetegoriâs e
depois comepm a enganer-se e a iuntar sons diferentes na mesma
categoria. Esta descoberta é de uma consistência notável. Por
exemplo, se eu tocasse cinco sons muito agudos, onseguiria dis-
tingui-los. E se tocasse cinco sons muito graves, também conse-
Suria diferenciá-los. Então podia pensar-se que, se eu combi-
nâsse esses sons agudos e greves e,os tocesse todos eo mesmo
tempo, seria capaz de os dividirem dez categorias. Mas não éver-
dade. O mais certo é §car limitado a cerca de seis categorias.
Este limite nanrral aparee sempre em testes simples. Se o fizer
beber vinte @pos de chá g.l"do, cada um deles com uma quanti-
dade diferente de aEicar, e lhe pedirpara os dividirde acordo com
adoçura, só onseguiúdividi-los em seis ou sete catçgorias antes de
se começer a exgenâr. Ou se eu proiecer pontos num ecrá à sua
&ente com umagrande rapidez e lhe pedirpara os contar, conse-
guiní fazê-lo até erca de sete pontos e depois precisaná de adivi-
nhar. "Parece haver uma limita$o dentro de nós, ou na aprerdize-
gem ou no nosso sistema nervoso, um limite que mantem a nossa
capacidade de separar canais dentro destes limies çrais", concluiu
o psicólogo George Miller no seu famoso ensaioÁ nagw do número
sete.Eporisso que os números detelefonetêm sete dígitos.
- A [companhia dos telefones] Bell queria urn nrimero o maior
possível para pennitir uma capacidade máxima, mas não tão
grande que âs pessoes não se conseguissem lembrar - diz |onathan
Cohen, um investigador da memória na Universidade de Prince-
ton. Se tivesse oito ou nove dígitos, o número de telefone local
exoederia a capacidade humana de separar canais; haveria muito
mais chamadas para números ermdos.
Por outras palavras, os seres humanos só podem lidar com
uma certe quantidade de informação de cada vez. Uma vez pas-

173
A Chave do Sucesso

seda uma certa fronteira, ficam sobrepujados. Estou a falar de uma


capacidade intelecnral - a nossa capacidade de processar infor-
maÉo em bruto. Mas se pensermos no assunto, também temos
uma capacidade de separaÍ canais para os sentimentos.
Por exemplo, arranie rrm minuto para fazeruma lisa de todas as
pessoas que coúece cuia mone o deixaria verdadeiramente arre'
sado. A probabilidade é que úegue a cerca de doze nomes. Pelo me-
nos é essa e resposta média da maioria das pessoas a quem sefaze
pergunte Esses nomes formam aquilo aque ospsicólogoschamam
o grupo de simpatias. Porque é que o grupo não é maior? Em parte é
por uma questão de tempo. Se olhar pere a sua lista de simpatias,
provavelmente é constituídapelas pessoes a quem dedica mais aten-
$o - quer seia ao telefong pessoalmente, em pensamento ou em ní-
vel de preocupação. Se a lista tivesse o dobro do tamanho teria
30 nomes, e se por c:rrse disso gastasse epenas meade do tempo
com cada um deles, ainda assim estaria súcientemente póximo de
todos? Provavelmente não estâria. Ser o melhor emlgo de alguém
requertln investimento mínimo de tempo. Mais do que isso, contudo,
requer energia emocional. Preocupar-se profundamente com uma
pessoa é muito cansativo. A certa altura, algures entre 10 e 15 pes-
soas, começâmos a ficarsobrecarregados, do mesmo modo que fica-
mos sobrecarregados quando temos que distinguir sons de mais.
É funçao do modo como os humanos são feitos. O biólogo S. L.
Washburn, especialisa em evolu$o, escreve o seguinte:

A maior pane da evolu$o humana ocorreu antes do advento da agri-


cultura, quando os homens viviam em pequenos grupos, em que todos se
viam frente a frente. Como resultado, a biologia humana desenvolveu urn
mecanismo adaptativo acondiçóes que em largaescdaiádeixaram de exis-
tir. O homem evoluiu para sentimentos fortes porpoucas pessoÍls, peque-
nas distâncias e intervalos de tempo relarivamente curtos; e essas ainda são
as dimensÕes davida que contam para ele.

174
O Poder do Contexto (Scgunda Parte)

Conardo, talvez o limite natural mais interessante seia aquilo a


que se poderia chamar a nossacâpacidade de separarcanais. Ade-
fesa da capacidade social foi feita, de uma forma basante pesua-
siva, pelo antropólogo inglês Robin Dunbar. Começa com uma
simples observat'ao. Os primatas - macxlcos, chimpanzés, babuí-
nos, humanos - têm o maior érebro de todos os mamíferos. Mas o
mais importante é que uma parte específica do cérebro dos huma-
nos e dos ouuosprimatas - a região conhecidacomo o neocórtex,
que lida com os pensamentos complexos e a,razão - é enorme peÍa
os padrões dos mamíferos. Durante enos, os cientistas discutiram
para a frente e paÍa trás porque é que seria assim. Uma teoria diz
que o nosso cérebro evoluiuporqueos nossos antepassadosprima-
tas começerem a dedicar-se a uma recolha de alimentos mais sofis-
ticada: emvez de comerem âpenâs ervas e folhas começaram a con-
sumir fnrtos, o que exige maior poder de pensar. É preciso ir muito
mais longe pare encontrar fruta do que para encontrar folhas, por-
tento é preciso criar mapas mentais. Temos de nos preocuper com
o amadurecimento. Temos de descascar certÍs partes parâ comer e
polpa do fruto, e assim por diante. O problema dessa teoria é que
se tentarÍnos comparâro tamaúo do cérebro com os padrões ali-
mentares entre primetas, não faz sentido. Há primatas comedores
de folhas com grandes cérebros e comedores de fnrtas com cére-
bros mais pequenos, assim como há primatas com um córtexpe-
queno que andam grandes distâncias pere encontrar alimento, e
primatas com umgrande cérebro que comemem casa, portento o
aqgumento alimentar é um beco sem saída. Então, o que é que se
relaciona com as dimensões do cérebro?Aresposte, segundo Dun-
bar, é o tamanho do grupo. Se olharmos para qualquer espécie de
primatas - para todas as variedades de macaoos - quento maior é o
neocórtor, maior é o tamanho m&io do grupo em que üve.
O argumento de Dunbar é que o cérebro evolui, torna-se
maior, para poder lidar com a complexidade de um grupo social
maior. Se pertencemos a um grupo de cino pessoas, salienta Dun-

L/5
A Chave do Sucesso

bar, temos de aompanhar dez relacionamentos dilerentes: o nosso


@m os outros quatro do nosso círculo, relacionamentosbi-
e os seis

unívms entre os outnos. É isso que significa conhecertoda a gente


no círculo. Temos de perceberas dinâmicas pessoais do grupo, lidar
com as diferente peÍsonalidades, manter as pessoas felizes, gerir as
necessidades do nosso propriotempo e aten$o, e assim pordiante.
Connrdo, se pertencermos a um grupo de vinte pessoas, há 190 re-
lacionamentos biunívocos para aompanhar 19 om nós póprios e
171envolvendo o resto dognrpo. É um aumento de cincovezes no
tamaúo dognrpo, mesum aumentodevintevezes na quantidede
de prooessamento de informa$o necessária para "coúeceD, os ou-
ros membros do grupo.Isto quer dizer que mesmo um etrmento
relativamente pequeno no tamaúo do gnrpo cria uma carga inte'
lecnral adiciond significativa-
Os humanos s66ializam nos maiores grupos entre os primatas
porque são os tfuricos animais comcerebros suficientementegran-
des para lidar com as complexidades da organização social. Dun-
bardesenvolveu mesmo uma equa$o, que funcionâpara amaio-
ria dos primatas, em que entra com aquilo a que ele chama o
coeficiente de neocórtex de uma especie específica - o tamanho
do neocórtexrelativamente aotamanho do cérebro - e a equação
fornece o tamanho mínimo do grupo do animal. Se entrarmos
com o coeficiente do neocórtex do Homo sa1iens, obtemos um
grupo calculado eml47,8 - ou seia cerca de 150. "O número 150
parece representer o número máximo de indivíduos com quem
podemos ter uma relação social genuína, o tipo de relaciona-
mento que acompanha o conhecimento de quem são eles e como
se relacionam @nnosco. Colocando as coisas de outra maneira, é
o número de pessoas com quem não nos sentiríamos constÍengi-
dos atomarum copo, caso as encontrássemos numbar.,,
Dunbar analisou a documenação antropológica e descobriu
que o número 150 aparece repetidâmente. Por exemplo, ele

176
0 Poder do Contexto (Segunda Parte)

obsenou 21 sociedades de caçadores-colectores sobre os quais


temos provas históricas solidas, dosWalbiri daAustrália aosTauade
da Nova Guiné, passando pelos Ammassalik da Gronelândia e pe-
los Ona da Terra do Fogo, e descobriu que o número médio de
pessoes nas aldeias deles é l+8,+.Existe o mesmo padrão na orga-
nizaç5o militar...Com o pessar do tempo muitos organizadores
militares chegaram a uma regra prática segundo a qual 'ma uni-
dade combativa funcional não pode conter substancialmente
mais do que 2O0 homens,r, escreye Dunbar. "Suspeito que isto
não seia âpenas uma questão de como os generais na retaguarda
exercem o coatrole e a coordenaSo, pois as companhias têm-se
mantido obstinadamente limitades a este tamanho apeser de to-
dos os avanços na tecnologia das comunicações desde a I Grande
Guerra. Ao contrário, é como se os planeadores tivessem desco-
berto, portentativas feitas duranteseculos, que é dificilconseguir
que um número maior de homens se familiarizem suficiente-
mente uns com os outros para trabalharem iuntos como uma uni-
dade funcional." É claro que é possível dirigir um exército com
grupos maiores. Mas com uma dimensão superior temos de impor
hierarquias complicadas, regras, regulamentos e medidas formais
para gerir a lealdade e a coesão. Mas abaixo de 150, e€umente
Dunbar, é possível atingrr os mesmos obiectivos informalmente.
..Nesta dimensão, as ordens podem ser obedecidas e o comporta-
mento indisciplinado controlado na base da leddade pessoal e
dos contactos directos homem a homem. Com grupos maiores,
torna-se impossível."
Depois há o exemplo do grupo religioso conhecido como os
huteritasr, que durante centenas de anos viveram em colónias
agrícolas auto-suficientes na Europa e, desde o omeço do seculo:oq

t Em ingl&ÍÍnrreriaaç, membros de umaseia anabaptista, seguidoresdelacob Hut-

ter (falecido em 153ó) da Moravia, que praticam a comunhão de bens.

t77
A Chave do Sucesso

naAmérica do None. Os huteritas (vindos da mesma tradiçáo dos


amish e dos menonitas) têm uma regra obrigatória: sempre que
uma colónia se aproxima dos 150 membros tem de se dividir ao
meio e começâroutrâ.
- Manter o número abaixo de 150 simplesmente parece ser a
maneira melhor e mais eficiente de gerir um grupo de pessoas -
disse-me Bill Gross, um dos chefes da colónia huterita perto de
Spokane. - Quando as coisas ficam maiores do que isso, as pessoas
tornem-se desconhecidas umas das outras.
Obviamente, os huteritas não tiraram a ideia da psicologia
contemporânea da evolução. Seguem este Íegra há séculos. Mas a
sua mcionalidade encaixa perfeitamente nas teorias de Dunbar.
Os huteritas acrediam que aos 150 acontece qualquer coisa - algo
indefinível mas muito real - que de algum modo muda a natureza
da comunidade da noite para o dia
-Emgrupos mais pequenosâs pessoâs estão muito mais pró-
ximas. Ficam coesas, o que é muito importante para o sucesso e
eficiência da vida comunitária - disse Gross. - Se crescemos de-
mais, não temos trabdho suficiente em @mum. Não temos coisas
que cheguem em comuÍn, e então começâmos a tornar-nos desco-
nhecidos e acoesão dos relacionamentos começe aperder-se.
Gross fala com experiência. fá esteve em colónias huteritas
que chegaram perto do número mágico eviu pessoalmente como
as coisas mudaram.

- O que acontee, quando se chega àquela dimensão, é que o


grupo começa so por si, a formar uma espécie de clã" - Fez um gesto
com as mãos, como que a mosrar divisão. - Têm-se dois ou três
grupos deaao do grupo maior. Isso é uma ooisa que realmente que-
remos eviar, e quando acontece é a altura de separarumâ parte.

r78
O Poder do Contexto (Segunda Parte)

3.

Vimos como um nrimero relativamente pequeno de mudanças


Ílo nosso ambiente e)fterno pode ter efeitos impressionantes no
nosso comportamento e naquilo que somos. Limpem-se os grafitos
e de repente es pessoes que de outro modo cometeriam delitos dei-
xam de fazê-lo. Diga-se a depecher e
um seminarista que tem de se

de repente ele começa a ignorar es pessoas aflias que encontra.


ARegra dos 150 sr4gere que o tamanho do grupo é maisum daqueles
factores contextuais subth que pode fazer uma grande diferença.
No caso dos huteritas, pessoâs que têmvontade de acompaúaro
grupo, que podem ser facilmente "infectadas,r com o espírito da co-
munidade abaixo do nível de 150, de algum modo, de repente - @m
a mais pequena mudança no tamanho da comunidade -, tornam-se

divididas e alienadas. Passada essa linha, esse Ponto de Viragem,


aomeçam a comportar-se de uma maneira diferente.
Se queremos que osgruposseiam incubadorasde mensâgens
contagiosas, então, cofiro fizeram no caso dos &grados üpinos da
Irmandade Ya-Ya ou da igreia metdistâ inicial, temos de manter o
grupo abaixo do Ponto de Viragem dos 150. Acima desse ponto,
começa a haver impedimentos e$nrturais à capacidade do grupo
de concordar e agir como uma única voz. Se quisermos, por exem-
plo, desenvolver escolas em comunidades cârentes que possam
contrariar com sucesso a atmosfera envenenada dos bairros que as
rodeiam, esteregra diz-nos que é melhorconstruirmuitas escolas
pequenes do que uma ou duas muito grandes. ARegra dos 150 diz
que os fiéis de umaigreia em rípida expensão, ou os membros de
um clube social, ou qualquer pessoe numa actividade d" g*po
apostada na difusão epidémica de ideais comuns precisa de ser
particularmente conhecedora dos perigos da dimensão excessiva.
Passar a liúe dos 150 é uma pequena mudança que pode fazer
umagrande diferença.

179
A Chave do Sucesso

0 melhor exemplo de uma organizaÉo que pâssou por este


problema com sucesso talvez seia o da Gore Associates, uma em-
presa de alta tecnologia, com um orçamento de muitos milhões de
dólares, com sede em Newark, no Delaware. Gore é a empresa que
fabrica o tecido impermeável Gore-Tex, assim como o fio denal
Glide, isolamentos especiais para cabos usados em informática e
umavariedade de carnrchos especializados muito sofisticados, sa-
cos de filtragem, e cabos para a indtistria automóvel, dos semicon-
dutores, farmacêuticae m&ica Na Gore nãohá títuloshierárqui-
cos. Se pedirmos o cartão de visia a alguém que lá trabalha, dirá
apenâs o nome da pessoa com a palavre..associado" por baixo, in-
dependenremente de quanto ganhe ou da responsabilidade que
tenha, ou do tempo na emprese. Eles não têm patrões, têm paüoci-
nadores - mentores * que zeltmpelos seus interesses. Não há um
mapa organizacional, nem orçementos, nem planos esÊretfuicos
complicados. Os salários são decididos colectivamente. Asede da
emprese é um ediffcio baixo e despretensioso em tiioleira. Os es-
critórios..executivos, são pequenos e pouco decorados, ao longo
de um corredor estreito. Os cantos dos edificios da Gore tendem a
seras salas de reuniões ou então espaçosvazios, pare que ninguém
possa dizer que tem um escritório com mais prestígio. Quando visi-
tei um associado da Gore chamado Bob Hen, numa das fibricas
da empresa no Delaware, tentei, sem sucesso, que me dissesse qual
era esua posição. Suspeito, pelo facto de alguém moterrecomen-
dado, queéum dosgestores de topo.Mas o esctitório dele não era
maior do que os dos outros. O cartão dizia simplesmente que era
urn «essocixde". Não parecia tersecretáriq pelo menos que eu pu-
desse ver. Não estava vestido de uma maneira diferente, e depois
de eu insistir muitas vezes na pergunta disse-me finalmente, com
uma careta, <<sou um misturadorrr.
Resumindo, a Gore é uma empresa invulgar com ume filoso-
fia clara e bem articulada. É uma grande empresa bem estabele-

r8o
O Poder do Conte:co (Segunda Pane)

cida tentar comportar-se como uma pequena firma no aÍranque.


a

Segundo todas as opiniões, a tentativa tem sido fantasticamente


bem sucedida. Sempre que os especialistas em negócios fazem lis-
tas das empresas norte-americrnas onde é melhor aabalhar, ou
sempre que um consultor fazume palestra sobre as empreses
norte-âmericanas mais bem administradas, a Gore é incluída.
Tem uma taxa de rotatividade do pessoal um terço abaixo da mé-
dia do sector. É rentável há trinta ecinco anos consecutivos e tem
ume taxa de crescimento e uma linha de produtos inovadores de
alta tecnologia que são a inveia do sector. Gore conseguiu criar
uma filosofia de pequena emprese tão..infecciosa,n e aderent€ que
sobreviveu ao crescimento eté cheger a uma produção de milhões
de dólares e milhares de empregados. E como é que conseguiram?
Entre outrâs coisas, porterem aderido à Regra dos 150.
É claro que Wilben
"Bill,, Gore - o falecido fundador da em-
presa - foi tao influenciado pelas ideias de Robin Dunbarcomo os
huteritas. Tal como eles, parece que chegou à mesma conclusão
por tentatives. «Descobrimos repetidas vezes que as coisas se
complicam quando chegamos aos cento e cinquento,, disse ele a
um entrevistedor há alguns anos, e portanto os 15O empregados
por Êibrica tornâram-se um obiectivo da empresa- Na divisão de
electrónica, isto significa que neúuma Ébrica pode ter mais de
+650 metros quadrados, umavez que não hámaneiradetermais
de 150 pessoas num edificio desse tamaúo.
- As pessoas costumavem perguntar-me como é que eu faço o
planeamento a longo prezo - disse-me Hen. - E eu respond.ia, é
fãcil, fazemos um estacionâmento com cento e cinquenta lugares,
e quando as pessoas começam a estâcionar em cima da relva, sabe-
mos que escá na eltura de constnrir outra Ébrica-
A nova fábrica não precisa de ser muito longe. Por exemplo,
no Estado do Delaware, sede da Gore, a empresa tem três fábricas
à vista umas das outras. Na realidade, tem quinze Ébricas num

r8r
AChave do Sucesso

raio de 20 quilómetros, no Delaware e em Maryland. Os ediffcios


so têm que sersuficientemente diferentes paraperÍniúa cultura
individual que existe em cada equipa.
- Descobrimos que o estacionamento é um grande espaço en-
tre dois ediftcios - disse-me Burt Chase, associado há muito
tempo. - É preciso peger em si e etravesser o estacionemento, e
isso é um grande esforço. É quase tanto esforço como entrar no
carro e percoÍrer oito quilómeuos. Há um grande nível de inde-
pendência apenas com esepera$o dosprédios.
Como a Gore crescru muito nos riltimos enos, a empresa tem
estedo num processo quase constante de divisão e subdivisão. Ou-
tras empresas limitar-se'iam a construir anexos à Ébrica principal,
ou e aumentar e linha de produção, ou a fazer turnos duplos.
A Gore tena dividir os grupos em pertes cedtvez mais pequenas.
Quando visitei a Gore, por exemplo, tinham acabado de diüdir a
confec$o de roupa Gore-Tex em dois grupos, para ficar dentro do
limite dos 150. Â produSo mais ligada à moda para consumidores
individuais, que fabrica botas, mochilas e roupa de cxrmpo, estâva â
tornar-se independente, deixando para trás a produ$o institucio-
nal que faz uniformes Gore-Tex para bombeiros e soldados.
Não é dificilvera liga$o entre este tipo de esmrrura organi-
zacional eo estilo pouco habitual e liwe dagestão da Gore. O tipo
de ligação que Dunbar diz haver nos grupos pequenos é essen-
cialmente um tipo de pressão dos iguais: é por conhecermos as
outras pessoes su§cientemente bem que tem importâncie o que
pensam de nós. Lembrem-se que ele disse que e companhia é a
unidade básicada organizaSo militarporque, num grupo abaixo
de 150, ..as ordens podem ser obedecidas e o comportanento in-
disciplinado controlado nabase da lealdade pessoal e dos contac-
tos directos homem a homemr. Foi também o que Bill Gross disse
sobre a comunidade huterita. As fissuras que elesvêem nas comu-
nidades huteritas que crescem de mais são as fissuras que ocoÍrem

r8z
0 Poder do Contexto (Segunda Parte)

quando asligações entre osmembros deumacomunidade come-


çâm e enfraquecer. A Gore não precisa de estnrturas formais de
gestão nes suas pequenes ffbricas - não precisa das habituais ca-
madas de gestores médios e superiores - porque, em grupos tão
pequenos, as relações pessoais informais são as mais eficientes.
- A pressão que temos de enfrentar se não formos eficientes
no nosso trabalho na 6bricq se não estivermos a darbons lucros à
empresa, a pressão dos pares, é inacreditável - disse-me ]im
Buckley, associado da empresa há muito tempo. - É o que se ob-
tém com equipas pequenas, onde toda a gente se conhece. A pres-
são dos pâres é muito mais poderosa do que o conceito do chefe.
Muitas e muitas vez€s mais poderosa. As pessoas querem satisfa-
zer âs expectativas que os outros têm delas.
BucHey disse que numa fábrica maior, de dimensões conYen-
cionais, também se pode ter esse tipo de pressão. Mas só funcio-
naria dentro de certos sectores da ãbrica.Avantagem de uma fá-
bricada Gore é que todas as fases do processo de desenho, fabrico
ecomercialba&o dum dado produto fi cam suieitas ao mesmo es-
cnrtíniodogrupo.
-Acabei de vir da Lucent Technologies, em Novalersey - disse-
-me Buckley. - É a ffbrica onde fazem as células que formam os nos-
sos telemóveis - as bases, caixas que andam pela I-95 e ransportam
os sinais. Passei um dia na ftbrica deles. Têm seiscentas e cinquenta
pessoas. Na melhor hipótese, os que trahalham no fabrico conhe-
cem algumas pessoâs que uabalham na concepl§o. Mas é ardo. Não
coúecem ninguém no departamento comercial. E não coúecem
ninguém no serviço pós-venda. Não sabem quem são os tipos da
pesquisa e desenvolvimento. Não conhecem neúum deles, nem
sabem o que é que acontee nos outros eq)ectos do negócio. A pres-
são de que estou afalar é a que se obtém quando os vendedores vi-
vem Íro mesÍno mundo dos fabricantes, e o vendedor quando quer
que uma encomenda seia fornecida pode ir à equipa de fabrico e

183
A Chave do Sucesso

dizet que precisa da encomenda Temos aqü duas pessoas. Uma


está a fazer o produto, â outra avendê-lo. Ficam frente a frente e
conversam. É isto a pressão dos pares. Não se vê nada disto na
Lucent Estão afasados uns dos outros. Na área da produ$o têm
cento e cinqueote pessoas que trabâlham muito iuntas e há pressão
dos pares sobre como ser o melhor e o que rem mais iniciativa Mas
não sai dosopo. Não se coúecem. Você rrai à cantina e vê peque,
nos grupos de pessoas. É uma e4periência diferenre.
Aquilo a que BucHey se está a referir aqui é ao beneftcio da
unidade, de ter pessoas numa empresa complexa a partilhar um
relacionamento comum. Há um onceiro muito útil em psicologia
que eu acho que torne muito mais claro aquilo que BucHey diz.
É o que o psicólogo da Universidade de Virginia, Daniel Wegner,
chama
"memória transactiva". Quando falamos de memóriq não
estâmos a falar apenas de ideias, impressões e factos guardados
dentro da cabeça. Uma enorme quantidade daquilo de que nos
lembramos, na realidade, está guardada fora do cérebro. A maio-
ria não decora os números de telefone de que precisa, e fá-lo deli-
beradamente. Mas decora onde encontrá-los - numa agenda de
telefones ou num ficheiro pessoal. Ou então decora o número das
informações da companhia Nem a maioria sabe, digamos, qual é
a capital do Paraguai ou de ourro país pouco conhecido. Para quê?

É muito mais fâcil comprerum atlas e reresse tipo de informa$o


guardada no liwo. Mas o mais imporrante, talvez, é que guerde-
mos a informação noutres pessoes. Os casais fazem-no automati-
camente. Há alguns enos, por exemplo, Wegner fez um teste de
memória com 59 casais, todos eles iuntos há pelo menos três
meses. Metade dos casais ficaram na mesma sala; os da outra me-
tade foram separados e ficaram com um parceiro que não coúe-
ciam. Depois Wegner pediu aos pares para lerem 64 frases, todas
elas com uma palawa sublinhada, como..Midori é um licar deme-
lão iaponês',. Cinco minutos depois de lerem as frases, pediu aos

r84
O Poder do Contqrto (Segunda Parre)

Peres peÍâ e§creverem tda§ que se lembravam. É claro que


as de
os pares formados por pessoes que se conheciam lembravam-se
de muito mais frasesdo que osque nãose conheciam. Wegnerar-
gumenta que quando as pessoâs se conhecem bem, criam um sis-
tema implicito de memória coniunta - a memória trensactiva -
baseado ilrma compreensão sobre quem é mais dotado pere se
lembrarde ceftos tipos de coisas. "O desenvolvimento da relação
é frequentemente compreendido como um processo de âuto-
-revela$o múnro', escreve ele. ..Embora talvez seia mais romântico
considerar este processo como uma revela$o e uma aceitação in-
terpessoal, também pode servisto como um precursor necessário
para a memória transactiva." A memória transactiva faz pane da
intimidade. De facto, argumentaWegner, é a penda deste tipo de
memória coniunta que tome o divórcio tão doloroso.
"As pessoas
divorciadas que sofrem de depressão e se queixam de disfun$o
cognitiva podem estar a e4primir a prda do seu sistema de me-
mória externo», escrex/e ele. ..Dantes podiam disortir as suas ex-
periências para cheger e ume compreensão partilhada... Dantes
podiam contar com o ecesso e uma ampla capacidade de arrrazena-
mento no parceiro e isso também deixou de existir... Aperdada me-
mória uensactirn paree a perda de parte da pópria mente."
Numa famflia, este processo de partilha de memória ainda é
mais pronunciado. Numa dada altura, a maioria de nós lembra-se
apenas de uma frac$o das histórias e pormenores quotidianos da
nossâ üde familiar. Mas sabemos implicitamente que vemos en-
contÍilr respostes para as nossas perguntas - quer seia o nosso per-
ceiro a lembrar-se onde pusemos es chaves, ou o filho de treze
anos a descobrircomo é quese faz com o computador, oua mãe a
recordardetalhes da nossa infincia Mas talvez o mais importante,
quando chegam novas informaçÕes, é sabermos qtrem tem a res-
ponsabilid*de de as guadar. É assim que surge a especializa$o
dentro de uma família. O filho de treze anos é o especialista em

185
AChave do Sucesso

computadores não só porque t€m uma aptidão maior para equipa-


mento electrónico ou porque é quem mais usa o computador, mâs
também porque quando chegam as novas informações sobre o
computedor da família é ele o escolhido automaticamente pefir se
lembrar delas. A especializa$o leva a mais especidizaçao. Para quê
preocuprr-nos em saber como se instala um novo progreme se o
filho aqui à mão pode fazêlo pornós? Umavez que aenergia menal
é limitada, concentrâmo-nos no que fazemos melhor. As mulheres
tendem a ser as no cuidar das crianças, mesmo nas
"especialistas'
famílias modernas com os dois a trabalhar, porque o seu maior en-
volvimento inicial a cuidar do bebé leva a que seiam mais confiáveis
do que o homem a arquivar informapes sobre como cuidar das
crianças, e depois a especialidade inicial lev* a que seiam ussdas
para receber mais informa@s sobre cuidados com as crianças, até
- muitasvezes sem inten$o - seÍ a mulher a careger às costas o
grosso da responsabilidade intelectual com a criança.
- Quando cada uma das pessoas tem uma responsabilidade
reconhecida pelo grupo para tarefas e factos específicos, é inevitá-
vel que haia uma eficiência maior - diz Wegner. - Cada domínio é
tratado pelo menor núraero de pessoas cÍrpazes de fazêJo, e a res-
ponsabilidade por esse domínio é contínua no tempo, em vez de
atribuída intermitentemente pelas circunstâncias.
Então, quandoJim BucHeydiz que trabelhar na Gore é..uma
experiência diferente" esú a dizer, em paÍte, que a emprese tem
uma memória ransactiva institucional altamente efectiva. Veja-
-se, porexemplo, como é que um dos associados da Gore descreve
o tipo de conhecimentos que emerge numa 6bricâ pequena:
* Não se crata apenas de conhecer toda a gente. É redmente
conhecê-los suficientemente bem para saber os seus talentos, ca-
pacidades e paixões. É aquilo de que gostem, o que fazem,o que
querem fazer, e aquilo em que são verdadeiramente bons... Não
apenes se são boas pessoas.

r86
O Poder do Contexto (Segunda Parte)

Do que este associado está a falar é das condi@es psicológicas


prévias para a memória transactiva: é conhecermos algÉm sufici-
entemente bem para sabermos o qtre é que ele sabe, e tâmÉm
para podermos confiar que ele saiba as coisas da sua especiali
dade. É a recriação, â um nírrel de empresa, do tipo de intimidade
e confiança que existe numafamflia.
Agora, é claro que se tivermos uma empÍese que faz toalhas de
papel ou produz porcas e parafusos, podemos não nos preocupeÍ.
Nem todas as empresas precisam deste grau de conectividade.
Mas numa empresa de alta tecnologia como â Gore, cuia posi$o
devanguardano mercldo depende da sua capacidade de inovare
rengirrapidamente aclientes sofisticadose exigentes, este tipo de
sistema de memória global é essencial. Torna e emprese incrivel-
mente eficiente. Significa que e cooperação é mais f,icil. Significa
que se anda muito mais depressapara fazeras coisas, ouparacriar
equipas de trebalhadores, ou pare encontrar a resposte para um
problema. Significa que âs pessoas num sector da empresa podem
ter ecesso às impressões e eos conhecimentos de pessoas de um
sector completamente diferente. Na Luceng as 150 pessoas da É-
brica podem ter a sua própria memória colectiva. Mas a empresr
poderia ser muito mais eficiente se, como nâ Gore, todos os traba-
lhadores da Ébrica pudessem fazerparte do mesmo sistema tran-
sactivo - se a Pesquise e Desenvolvimento estivesse ligade ao design,
e o design à fabricaSo, e a fabricago às vendas.
* Uma das reacções imediatas que recebemos quando fala-
mos com âs pessoas é:
"O vosso sistema parece caótico. Como é
que conseguem fazer algume coisa sem uma autoridade evidente?"
Mas não é o caos. Não éum problema- disse Burt Chase. - É ain-
cil apreciá-lo sem estaraqui atrabalhar. É avantagem deperceber
as qualidades das pessoas. É saber onde é que podemos encontrer

a melhor opinião. E se temos conhecimentos sobre as pessoas, po-

demos fazerisso.

r9z
A Chave do Sucesso

Em resumo, o que Gore criou foi um mecanismo organizado


que torne de longe mais Écil que as novas ideias e informações
dentro da organização atiniamo pontodeüragem - irem de uma
pessoa ou de um grupo para o grupo todo, todas ao mesmo
tempo. É essa a vantagem de aderir à Regra dos 150. Podemos ex-
plorar os laços de memória e a pressão dos pares. Se a Gore ten-
tasse chegar a cada empregado separadamente, as suas tarefas se-
riam muito mais dificeis, tal como a tarefa de RebeccaWells seria
muito mais diffcil se os leitores delaviessem às leituras sozinhos, e
não em grupos de seis ou sete. E se a Gore tivesse colocado toda a
gente no mesmo espaço, também não teria resultado. Para ser
uni§cada - perâ espalhar a ideologia específica da empresa por
todos os empregados - a Gore teve que se fragmentarem pequenas
partes semi-autónomas. É esse o paradoxo da epidemia: para criar
um moümento contagiante, muitas vezes torna-se necessário
criar primeiro pequenos movimentos. Rebecca Wells diz que o
que ela começou a perceber, quando a epidemia do Ya-Yc cresceu,
foi que não era realmente sobre ela ou mesmo sobre o seu liwo:
não era uma epidemia foeda numa coisa. Eram milhares de epi-
demias diferentes, todas focadas em grupos que cresceÍam à volta
doYa-Ya.
- Comecei a perceber - disse ela - que aquelas mulheres ti-
nham construído as suas próprias relações Ya-Ya, não tanto em
relação ao liwo mas em relação a elaspróprias.

r88
6
uM cASo PARADTcUÁrrco:
boatos, sneakerre o poder da tradução

Ahwalk (andar no ar) é o nome que se dá a um movimento de


skate em que o skatt descola de uma rempa, retira a prancha de
baixo dos pes e depois dá uma ou duas voltas longas e floreadas
antes de eterâr. É uma acrobacia clássica, movimento básico do
skatetradictonal e por isso, quando dois empreúrios começaram e
fabricar sapâtos de atletismo destinados a skatas fanáticos, em
meados da década de 1980, decidiram chamarAirwalk à empresa.
AAirwalk tinha a sede nos arredores de San Diego e raízes na cul-
tura adolescente de skatee praia característica da regiao. Ao prin-
cípio, a empÍesa fazia uns sapatos de tela com cores alucinadas e
padróes que se torneramumaespécie de afirmação de moda alter-
nativa. Também faziaum sapato técnico paraskate em camtrrça,
com sola espessa e a parte de cima muito acolchoada e que ere
- pelo menos inicialmente - tão rígida como a própria prancha.
Mas ossftarerstornaram-se de tal maneira aficionados doproduto
que lavavam os sapatos repetidamente e depois passavam-lhes
com carros por cima para os envelhecer. A Airwalk era fixe. Patro-
cinava sktrers profissionais e desenvolveu um culto nos eventos de
skate, e ao fim de alguns anos tinha um negócio confortável que
facnrrava treze milhões de dólares anuais.
As empresas pdem ontinuar neste nível indefinidamente, num
estâdo de equilíbrio por baixo, fomeando um público Pequeno,

r89
A Chave do Sucesso

porém leal. Mas os donos daAirwalk queriam mais. Ambiciona-


vam tornar-se umâ mercâ internacional, e no começo da década
de 1990 mudaram de rumo. Reorganizaram os negócios. Redese-
nharam os sapatos. Expandiram os seus objectivos para incluir
náo só o skate mas também o surf, skate na neve (szowboarding),
ciclismo de montaúa e conidas de bicicleta, patrocinando pârrici-
pantes em todas estas modalidades e tornando a Airwalk sinó-
nimo de um estilo de vida activo e alternativo. Meteram-se numa
campaúa de pesquisa das origens para conhecer os compradores
das sapatarias orientadas pare o público iovem. Persuadiram a ca-
deia de loias Foot Locker a veuder os seus produtos numa bas€ ex-
perimental. Empenharam-se para que as bandas de rock alterna-
tivo usassem os seus sapetos no palco e, talvez o mais importante,
decidiram contreter ume pequena agência de publicidade cha-
mada Lambesis pera repensâr e srmpanha de marketing. Sob a
orientação da Lambesis, a Airwalk disparou. Em 1993 era uma
empresa de 16 milhões de dólares. Em 1994vendeu 44 milhões.
Em 1995 as vendas saltaram para 150 milhões, e no ano seguinte
175 milhOes. No seu auge, a Airwalk foi considerada por uma
grande empresa de pesquisa de mercado como a décima terceira
marca das mais..fixe§, entre os adolescentes do mundo inteiro, e
a terceira em ténis, atrás da Nike e da Adidas. De algum modo, no

espaço de um ano ou dois, a Ainvalk foi sacudida do seu equilíbrio


paeto nas costâs da California do Sul. Em meados da décadade
1990, a Ainvalk atingiu o ponto de viragem.
Até agora este liwo tem-se dedicado à definiçao de epidemias e
explicado os princípios da transmissão epidémica. As experiên-
cias de Paul Revere,do Rta Sisamoda delinquência em Nova Ior-
que e da Gore Associates ilustram cada uma das regras do Ponto
de Viragem. Connrdo, navida diária, os problemas e as sinrações
que enfrentamos nem sempre incolporem tão nitidamente os
princípios das epidemias. Nesta parre do liwo gostaria de olhar

r90
Um Caso Paradigmático

para problemas menos evidentes, e ver como os conceitos de Ven-


dedores, Comunicadores, Aderência e Contexto - só por si, ou
combinadosuns com os outros- aiudam aexplicá-los.
Por exemplo, porque é que aAirwalk atingiu o ponto de vira-
gem? A resposta mais simples é que a Lambesis produziu uma
campanha de publicidade muito boa. Ao princípio, trabalhando
apenas com um orçamento pequeno, o director criativo da Lam-
besis, Chad Farmer, coÍrgeminou uma série de im4gens impres-
sionantes - fotografias isoladas a mostrar o utilizador da Airwalk a
relacionar-se com os seus sapatos de ume maneira estranha.
Numa delas, um rapez usâ um sapato Airwalk na cabeça, com os
atacadores pendentes como se fossemtranças, e umbarbeiro está
a cortar os atacadores. Noutra, uma rapariga toda vestida de couro

empunha um sepato de plástico brilhante Airwelk como se fosse


um espelho e usa-o para pôrbatom. Os antincios foram colocados
em q[tazes, em..situa@es malucesrr, em paredes de obras e em
revistas alternativas. À medide que aAirwalk crescia, a Lambesis
passou a utilizar a televisão. Num dos primeiros anúncios televisi-
vos daAirwrlh a câmara percorre o chío dum qrnrto repleto com
roupe emontoada. Depois pára debaixo da srmâ, enquanto se ou-
vem os banrlhos das molas do colchão a subir e a descer. Final-
mente a câmera sai de baixo da cama e vemos um iovem liçira-
mente tonto com um sâpato Airwalk na mão, a pular na cama para
tentarsemsucesso metaruma aranhano tecto. Os anúncios eram
completamente visuais, concebidos para *pelar aos iovens do
mundo inteiro. Ricos em ponnenores e visualmente apelativos.
Todos mostravam umaespécie de anti-herói tnrculento e liçira-
mente parvo. E eram engraçados, de um modo sofisticado. Tra-
tsvâ-se de publicidade da melhor; nos âtros posteriores ao apareci-
mento dos primeiros anúncios Airwalh o visual e o espírito da
campaúa foi muito copiado por outras empresas que também
queriam ser..fixesr'. No enteÍlto, a força da campanha da Lambesis

191
A Chave do Sucesso

estava em mais alguma coisa do que âs aparências. A Airwalk


atin-
giu o ponto de viragem porque a sua publicidade ere explicira-
mente baseada nos princípios da transmissão epidémica.

Telvezamelhormaneiradepercebero que fez a tambesis seia


voltaràquilo aque os sociólogos chamam o modelo de difusão - o
processo pormenorizado e académico de observar como uma
ideia, produto ou inova$o contagiosos se move entre a popula-
$o. Um dos esardos de difusão mais famosos é a análise da propa-
gaÉo da semente de milho híbrido no condado de Greene, no
Iowa, na década de 194O, feito por Bnre Ryan e Neal Gross. A nova
semente de milho for inuoduzida no Iowa em 1928 e era melhor
em todos os aspectos do que e semente usada pelos lavredores du-
rante décadas. Mas não foi imediatemente adoptada. Dos 259Le-
vradores estudados porRyan e Gross, só uma mão-cheia plantou a
nova semente eml932 e 1933. Em 1934, houve 16 que decidiram
arriscar. Em 1935 foram seguidos porZl,depois 36, e no eno se-
guinte uns impressionantes 61, e depois +6,36,14 e 3, até que em
19+1 só dois dos 259 lavradores estudados é que usevâm es no-
vas sementes. Na linguagem da pesquisa de difusao, a mão-cheia
de lanradores que começaram e usar a semente híbrida no começo
da década efilm os Inovedores, os avenülreiros. O g*po l€io-
mente maior que foi "infectedo" por eles são os Primeiros Adop-
tentes. Eram os líderes de opinião na omunidade, as pessoas pen-
santes e respeiadas que observanun e enalisaram o que os otsados
dos Inoradores estavam a fazere depois sçguiram-nos. Depois foi a
vez da maioria dos lanradores em L936,L937 e 1938, a Maioria Ini-
cial e a Maioria Final, e massil dos decididos e dos cépticos, que
nuncâ experimentavam nada a não ser que os lanredores mais res-

r92
Um Caso Paredigmático

peitados o fizessem primeiro.Apanharam o víms da semente e pas-


saÍam-no finelflrente para osRetârdarários, os meis cCInseÍvadores
de todos, que não viam razões urgentes para mudar. Se marcarmos
este progressão num gráfico, surge a perfeita cunrâ epidémica -a
começar devagar, a chegar àviragem quando os Primeiros Adop
tantes começem a user a seme[te, depois e subir rapidamente
quando a Maioria os acompenha, e depois a cair no final, quando
os Retardatários chegam etrasados.
Neste caso, a mensagem * novas seÍnentes - era altamente con-
tagiosa e com forte aderência. O lavrador, afinal de contas, podia
ver com os seuspóprios olhos, desde a planta$o na Primavera à
colheitano Outôno, como es novessementes eram muito melho-
res doque asvelhas. Éaigcit imaginarporque é queessa inovago
em paniorler nõo ha»cria de pegar. Mas em muitos qtsos o conú-
gio dcumaideie novaé realmente complicado.
O consultor empresarial Geoftey Moore, por exemplo, usa o
exemplo da alta tecnologia pere algumentar que há uma diferença
substancial entre âs pessoes que originem as tendências e as
ideias, e as pesscÍls da Maioria que exrentualmente as seguem. Es-
tes dois grupos podem estar ao lado um do outro na cuntinuidade
do b«lca-a-boca. Mas a comunicação entre eles não é panicular-
mente boa. Os primeiros dois grupos - Inovadores e Primeiros
Adoptantes - são constituídos porvisionários. Qperem ume mu-
dança revolucionária, algo que os separe qualitatirnmente dos
concoÍrentes. São as pessoas que compram as ríltimas tecnolosas,
antes de serem aper'feiçoadas, ou até aprovadâs, mesmo antes do
preço baixar. Têm pequenas empresas. Estão a começar. Mos-
trem-se dispostos a coÍrer enonnes riscos. A Grande Maioria, ao
oontrário, são grandes empresas. Têm de se preocupar se ume mu-
dança encaixa na sue e$runra de fornecedores e distribuidores.
o obiectivo dos visionários é dar um grande salto em frente,
"Se
o obiectivo dos pragmáticos éfezer melhoramentos percenruais

193
A Chave do Sucesso

- um progresso incremental, mensurável, preüsível,,, escreve


Moore. ..Se estão a instalar um novo produto, querem saber como
é que os outros se deram com ele. Novocabulário deles, â pelâwa
risco é negativa - não quer dizer oporrunidade ou ennrsiesmo,
mâs entes a possibilidade de perder tempo e diúeiro. São capa-
zes de correr riscos quando for necessário, mas primeiro instalam
redes de seguranp e controlam os riscos de perto.»
O argumento de Moore é que a atirude dos Primeiros Adop-
tantes e a atitude da Primeira Maioria são fundamentalmente
incompatíveis. As inovações não passam sem problemas de um
grupo pera outro. Há uma contradi$o entre eles. Há muitos tipos
de produtos de alta tecnologia que falham e nunce passâm para
além dos PrimeirosAdoptantes, porque as empresas que os febri-
cam não conseguem arraniar uma maneira de transformar uma
ideia que fiztodo o sentido pera o Primeiro Âdopante em algo
que faça todo o sentido pera um elemento da Primeira Maioria.
O lirno de Moore é todo ele dedicado à alta tecnologia. Mas
não há dúvida que e questão levantada pelos seus argumentos
também se aplica a outros tipos de epidemias sociais. No caso dos
HushPuppies, os iovens da Baixa deMaúattan que descobriram
a marqr usavem os sapatos porque os HushPuppies se identifica-
vam com uma imagem ultrapassada, pirosa, da década de 1950.
Usavam-nos precisamente porque mais ninguém os usaria. O que
eles procuravam na moda era uma afir:na$o revolucionária. F^sta-
vam dispostos ecoÍrerriscosparase destacarem dos outros. Mas a
maioria de nós, na Primeira ou útima Maiorias, não quer fazer
nenhuma afirmação revolucionária nem correr nenhuns riscos
com amoda. Como équeosHushPuppies atravesseram acontÍe-
dição entre um grupo e o outro? Lambesis fez a promoção de uns
sepetos que tinham uma atracção específica pare a subcultura
do skate no Sul da California. A sua função era torná-los fixes e
atraentes para os adolescentes do mundo inteiro - mesmo adoles-

194
Um Caso Paradigmático

centes que nunce tinham feito skate ne vide, que não achavem
qrrefazer skars fosse particularmente fixe, e que não tinham uma
necessidede prática de solas muito espesses que pudessem âgar-
rer-se bem à prancha e com a pafte superior acolchoade pera
amortecer os choques das manobras aéreas. Claramente, também
não eraumaarefa f,ícil. Como é que fizeram?Porque é quetdes
as coisas estranhas e idiossincráticâs que os miúdos realmente
fixes fazem acabam por ir parar ao grande público?
Penso que é aqui que os Comunicadores, os Peritos e osVen-
dedores têm o papel mais importente. No capítulo sobre a Lei dos
Poucos, falei dos seus talentos sociais especiais que podem fazer
disparar uma epidemia Neste câso, conflldo, é possível ser muito
mais específico sobre o que eles fazem. São eles que tornam possí-
vel as invenções ultrapassarem o problema da contradi$o. São
uedutores: pegâm em ideias e informações de um mundo alta-
mente especializado e traduzem-naspara uma línguaque o resto
das pessoas pode compreender. MarkAlpen, o professorda Uni-
versidade do Texas que descreü como sendo o maior Perito de
todos, é o tipo de pessoa que iria a sua casa e lhe mostrariâ como
instalar, consertar ou utilizar um progrema de cornputador muito
complicado. Tom Gau, o Vendedor por excelênciq pega nos cem-
pos ocultos da legisla$o fiscal e do planeamento da reforma e
volta a embalá-los em termos que fazem sentido para e sensibili-
dade dos seus clientes. Lois Weisberg, a Comunicadora, pertence
a muitos mundos - da política, teatro, ambientalismo, mrisica, di-

reito, medicina, e por aí fora - e ume das suas actiüdades princi-


pais é fazer de interrrediária entre esses mundos sociais diferen-
tes. Uma das figuras mais importântes na Lambesis era DeeDee
Gordon, a antiga chefe de pesquisa de mercado, e ela diz que o
mesmo processo ocorre no cÍlso das tendências de moda que Pe-
riodicamente passam pela cultura iwenil. Os Inovadores orperi-
mentâm o que é novo. Depois há alguém - o equivalente iovem a

195
A Chave do Sucesso

um Especialista, ou Comunicador, ou Vendedor - que vê a novi-


dade e aadopa.
-Os miúdos toroam as coisâs mais palpáveis para a grande
maioria.Aspessoas dessamaioriavêem o que é que os miúdos re-
almenteligados estão ausrre e4perimenam. C,omeçaa também
a usar, mas alteram um bocadinho. Tornam a coisa mais utilizável.
Talvez haia um miúdo que comece a enrolar os;leans e coloque fia-
-cola aprendera dobra, porque âz entrçgas de bicicleta naescola.
Bem, os tradutores gostaram do aspecto. Mas não usam §ta-cola.
Compram a§o que tenha velcro. Foi assim a história da t-shirt es-
tilo boneca. Uma rapariga começa a us:r vme t-shirt encolhida.
Yai a uma §a de brinquedos e compra uma com uma im4gem da
Barbie. E os outros dizem que é fixe. Mas podem não comprar
amet-shirttão pequeng e podem não escolher ume com a Barbie.
Olham para aqúlo e dizem que é um bocadinho demais. Mas há
uma maneira de mudar e ficar melhor. E então essa moda dispeÉ.
Talvez a análise mais sofisticada deste processo de tradução
seia o estudo dosboatos, os quaissão - evidentemente - a mensa-
gem social mais contagiosa. No lwro Apsicokgia do boato,o soció-
logo Gordon Allport conte a história de um boato envolvendo
um professor chinês de ferias no Estado do Maine no Verão de
1945, pouco antes da rendi$o do fapão aos Âliados, no final da
II Grande Guerra. 0 professor levava um guia onde estava escrito
que se podia ver ume paisagem esplêndida da região de uma cena
colina, e parou numa aldeia para perguntar como é que se chegava
lá. Desta p€rgunta inocente, espalhou-se rapidamente um boato:
um espião iaponês esteva a subir à colina para tirar fotografias da
região...Os simples factos, sem mais ponnenores, que constituí-
ram o 'grão de verdade" deste boato, foram logo à panida distor-
cidos... em rês direcções", escreve Allport. Primeiro a história foi
sinplífcada. Todos os poÍrnenores que eram essenciais para a com-
preensão do verdadeiro sentido do incidente foram deixados de

tg6
Um Caso Paradigmático

fora. Não se mencionou, como salientaAllporq «a atitude cortês e


tímidadovisitante ao netivo aquem pediuas direcções; o factode
não se saberqual e nacionalidade exacta dovisitante... o facto de o
visiente se ter deixado identificar facilmente pelas pessoas que en-
controu pelo caminhoo. Depois a história toi enriquecida. Os por-
menores que ficaram tornaram-se mais especíÊcos. O homem pas-
sou a ser um espião. Uma pesoa que parecia asiática tornou-se
iaponesa. Ver a paisagem mudou para espionâgem. O gur" que o
professor tinha na mão passou a ser uma máquina fotográfica- Fi
nalmente, deu-se o processo de assimikçõo: a histórie foi mudada
para fazer mais sentido aos que espalharam o boato. .üm profes-
sor chinês em ferias era utrl conccito que não podia entrar ne ql-
beça da maioria dos lawadores, pois não sabiam que havia algu-
rnas universidades norte-americanas que contratavam académicos
chineses para os seus quadros e que esses académicos, tal como os
outros professores, tinham direito * frrias de Verão,, escreve
Allporc E quais eram as refrrências daquelas pessoas? Em 1945, no
Maine rural, numa altura em que praticamente todas as famflias
tinham um filho ou um parente envolvidos no esforço de guerra, a
única maneira de uma história daquelas fazer sentido era metê-la
no contexto daguerre. Assim, asiático tornou-sefaponês, guia tor-
nou-se máquina fotognífica, e turismo toülou-se espionagem.
Os psicólogos descobriram que este processo de distorção na
difusão dos boatos é quase universal. Fizeram-se experiências de
memória eÍn que as pessoes liam uma história ouviam uma ima-
gem e pedia-se que voltassem, com intenalos de meses, para dizer
o que é que tinham visto. Invariavelmente, há uma simplifica$o
significativa. Só ficam alguns poÍ:nenores. Mas ao mesmo tempo
há outros poÍmenores que são enriquecidos. Num caso clássico,
âs p€ssoas receberam um desenho de um hexágono bissectado
por três linhas, com sete círculos do mesmo tamanho sobrepos-
tos. O que ume pessoa recordava, vários meses depois, era de um

rg7
A Chave do Sucesso

quadrado bissectado por duas liúâs com 38 pequenos úculos es-


palhados pelâs margens do desenho. «Haüa uma tendência mar-
cante paraque qualquerimâgem ou historiagravitasse na memó*
riaem direcção àquilo com que apessoaestivesse familiarizadana
suavida, condizente com a sua cultura e, acima de tudo, com o que
tivesse importância emocional,r, esc:r€ve Allport. ..Na sue procura
de significado, as pessoas condensavam ou pÍeenchiam pam obter
um maior Gestah, um acabamento melhor - uma configuração
mais simples e mais significativa."
Tradu$o quer dizer isto mesmo. O que os Especialisas, Co-
municadores eVendedores fazem âume ideia, pera a tornar con-
tagiosa, é mudá-la de tal maneiraque osporrnenores desnecessá-
rios se perdem e outros são ampliadospere que a mensagem em si
adquira um significado mais profundo. Então, quem quiser co-
meçer uma epidemia - quer seiam sapatos, comportâmento ou
um progrâma de computador - tem de empregar Comunicado-
res, Especialistas eVendedores nessa direo$o; tem de encontrer
alguém ou algum meio de traduzir a mensagem dos Inovadores
em algo que os outros possam compreender.

2.

Há um exemplo fantástico desa e$retégia em acção em Balti-


more, e cidade de orios problemas de drogas e doença eu falei an-
teriormente. Em Baltimore, como em tantes comunidades com
muitos toxicodependentes, a câmara envia uma carrinha equi-
pada com milhares de seringas limpas para cerras esquinas dos
bairros urbanos, num horário semanal determinado. A ideia é que,
por cada seringa usada que entrqgerem, os toxi@dependentes po-'
dem obter uma seringa nova. Em princípio, a troca de seringas pa-
rece uma boa ideia para combater a SID.{" umavez que a utiliza$o

198
Um Caso Paradigmático

de seringas infectadas é reqponsável pelo grosso da difusão ddví-


rus. Mas, pelo menos nume primeira análise, parece ter algumas
limitações óbvias. Para começar, os toxicodependentes não são as
pessoâs mais organizadas e em qu€m se possa confiar. Portanto,
que garantias há que irão encontrar regularmente a carrinha das
seringas? Segundo, a maioria dos viciados em heroína usa ume
seringapordiâ, iniectendo.se pelo menos cinco ouseisvezes - se
não for mais - eté que e pontâ da agulha fica tão romba que se
tornâ inútil. São muitas seringas. Como é que uma carrinha que
epârece uÍnâ vez por semanâ pode senir as necessidades de toxi-
codependentes que se iniectam 24 horas por dia? Então e §e a qlr-
rinha aparece na terça-feira e no sábado o toxicodependente fica
sem seringas?
Para anelisara eficiência do programade troca de seringas, em
meados de 1990, os irwestigadores da Universidade fohns
Hopkins coÍneçaram a andar nas carrinhas Para falar com as Pes-
soas que procediam à troca. Ficaram suqpreendidos com o que
descobriram. Eles pensevam que os toxicodependentes traziam
es sues próprias seringas usadas Pare a troce, e os utilizadores in-
trevenosos arraniavam noves seringas da mesma maneira que a§
pessoas compram leite: iam a uma loia quando estâva aberta e
compÍiryam uma quântidade suficiente peÍir e semena. Mas desco-
briram que uma mão-cheia de toxicodependentes aparecia todas
as semanes com mochilas cheias com 300 ou 4O0 seringas, obvia-
mente mais do que as que eles próprios usavam. Estes homens
iam então para e rua e vendiam as seringas novas a um dólar a uni-
dade. A caninhq por outras pdavrx, era umâ espécie de anneze-
nista de seringas. Os verdadeiros retalhistes eram essa meia driaia
de homens - os super-trocadores - que andevam pelas nras e gale-
rias de chuto a recolher es seringas velhas e a ganhar un§ trocos
@m âs agulhas limpas entregues na troca. Ao princípio, alguns
dos coordenadores dos programas ficaram hesitantes. Queriam

L99
 Chave do Sucesso

mesmo que as seringes pag?s pelo contribuinte servis§em para


financiar o vício dos toxicodependentes? Mas depois perceberam
que tinham chegado inadvertidamente e ume solu$o para as limi-
tações do progrâma de troca de seringas.
-É uma solu$o muiro, muito melhor- dizTomValenre, pro-
fessor da Faculdade de Saúde Priblica da |ohns Hopkins. - Uma
data de pessoas iniecta-se nesexta e no sábado à noite, eprovavel-
mente não pensam racionalmente que têm de arraniar seringas
novas entes de sair de casa. O programa de troca de seringas nâo
vai estarà disposi$o deles nessa alrura - e certemenre que nãovei
estâr nas galerias de chuto. Mas aqueles [super-rrocadores] po-
dem lá estar quando es pessoas esrão e usar a droga e precisam de
seringas novas. Fornecem um serviço 24 horas, sete dias por se-
mana, e não nos custa nada.
Um dos investigadores que andou nas carrinhas das seringas
era um epidemiologisa chamado Tom )unge. Falou com os su-
per-trocadores. Chegou à conclusão de que represenravam um
grupo especial muito diferente.
- São todos pessoâs muitobemrelacionadas - dizlunge. - Co-
nhecem Baltimore por dentro e por fora. Sabem onde encontrar
qualquer tipo de droga ou de seringa. Têm a asúcia das ruas. Diria
que têm conexões sociais fora dovulgar. Têm muitos contactos...
Poderia dizer que o motivo subiacente é financeiro ou econó-
rnico. Mas também há um interesse óbvio em ajudar as pessoas.
Será que isto lhe soa familiar? Os zuper-trrocadore são os Comrr
nicadoresdo mundo da droga de Baltimore. Os investigadores da
|ohns Hopkins gostariam era de usaros super-trocadores para co-
meçer uma epidemia antidroga. Então, e se eles aproveitassem
aquelas pessoes estutas, socialmente relacionadas e altruístas e
lhes dessem preservativos pare distribuir, ou thes fornecessem o
tipo de informações de saúde que os toxicodependentes precisam
desesperadamente de saber? Aqueles zuper-trocadores pareciam

20()
Um Caso Paradigmático

ter âs quelidades necessárias para ultrapassar o hiato entr e comu-


nidade médica e a maioria dos consumidores de drogas, comple-
temente isolados das informações e instituições que lhes podem
sahar a vida Parece que eles têm a capacidade de traduzir a lin-
guagem e as ideias da profilaxia higiénica numa forma que os toxi-
codependentes possam compreender.

3.

A intenção da Lambesis era fazer o mesmo serviço para a


Airwelk Obviamente, eles não podiam identi§car os equiralerrtes
aos Especialistas, Comunicadores e Vendedores pare difundirem
as notícias sobre aAirwalk Eram uma agência de publicidade mi-
nriscula e tentar montar umâ qlmpenha internacional. Contudo,
podiam começar uma epidemia em que a sua propria campanha de
púlicidade §zc*se o p*pel de radutor, servindo omo intermediá-
ria entre os InovadoÍes e o resto das pessoas. Se fizessem as coisas
como deve ser, podiam sereles asimplificar, enriquecere assimilar
as ideias de pone da orkura iovem e torná-las aeitáreis para aMaio-

ria. Podiam fazer o papel de Comunicador, Perito e Vendedor.


A primeira coisa que a Lambesis fez foi desenvolver um pro-
grama de pequisa dentro da empresa, dedicado ao mercado io-
vem que aAirwalk queria conquistar. Se queriam traduzir as ideias
dos Inovadores pare a grande generalidade das pessoas, primeiro
precisavam de saber quais erâm essas ideias. Para dirigrr o depar-
amento de pesquisa, a Lambesis contratou DeeDee Gordon, que
tiúa trabalhado antes pxra â empresa dos ténis Converse. Dee-
Dee é uma mulher impressionente, com um humor lânguido, que
vive numa obra-prima modernista estucada de branco, cheia de
ângulos rectos e superffcies ásperas,localizada em Hollywood
Hills, a meio caminho entre a antiga casa de Madonna ea antiga casa

201
A Chave do Sucesso

deAldous Huley. Os seus gostos são de um ecletismo quase impos-


sível dependendo do dia da semena" pode estar obcecada com uma
banda de htyhop obscurq com um filme de Peter Se[ers, com um
novo aparelho electrónico japonês, ou com um certo tom de branm
que ela decidiu de repente e misteriosamente que é muito fi:re.
Quando estave na Converse, DeeDee repaÍouque as adolescentes
brancas de Los Angeles se vestiam como gangsttv mexlrcrrnos com um
estilo a que chamavam esposas" - uma malha branca
"batedor de
decoada sem alças, com as algs do sortien a aparwr - s&orr compri-
dos, meias acimado joelho e sandálias de casadebanho.
- Disse-lhes que aquilo ia pegar - recorda DeeDee. -lá havia
pessoas de mais a usar aquele estilo. Temos que fazer umas sendá-
lias de casa de banhcÉ.
Cortaram então a perte de trás de uns ténis Converse, puse-
ram-lhes uma sola de sandália, e a Conversevendeu meio milhão
de pares. DeeDee tem um sexto sentido sobre os bairros, ou bares,
ou clubes noctuÍnos onde deve ir em Londres, em Tóquio ou em
Berlim para descobrir quais são as riltimas modas. Às vezes vai a
Nova Iorque e fica nas ruas do Soho ou do EastVillage durante ho-
ras, a fotografartudo o que seia forado*Ig". DeeDee é umaEs-
pecialista - especialista daquela qualidade passageira e indefinível
conhecida como fixe {coot).
Na Lambesis, DeeDee Gordon montou uma rede de corres-
pondentes iovens e sensatos em Nova Iorque, Los Angeles, Chi-
cago, Dallas, Seattle, e no resto do mundo em cidades como Tó-
quio e Londres. Eram o tipo de pessoas que teriam usado os Hush
Puppies no East Village no começo da década de 1990. Todos en-
caixam numtipo de personalidade especiaL são os Inovadores.

I Na altura chamarram-r sáoot sandab,


"sandálias de casa de banho,, mes depois,
quando redmente pegarem, passaram a chamar-se chinelas de praia, ou chinelas havai-
anas (N. do r,)

242
Um Caso Paradigmático

- Estes miúdos são de certo modo marginais - diz DeeDee.


* Não interessa se isso é mesmo verdade; é como eles se sentem.
Sempre se sentiram diferentes. Se thes perguntafinos o que é que
os pxeCIcupa, os miúdos in{luentes respondem que é a guerra bac-
teriológica ou o terorismo. Interessam-se pelas coisas mais
abrangente§, enquanto os miúdos da maioria se pÍeocupem com
o excesso de peso, ou com avelhice dos avós, ou com âs notas dâ
escola. Há mais activistas eÍrtr€ os influentes. Têm mais paixão.
Procuro alguém que seja individualista, que se distancia obvia-
mente dos outros e não se parece com os seus pares,
DeeDee tem uma espécie de curiosidade inexorável sobre o
mundo.
* encontrei pessoas influentes que pârecem um ze-ninguém

- continua ela. - Posso encontrarum zé-ninguém num clube noc-
turno a ouvir uma banda completamente haril-cort, e digo a mim
mesma, oh! meu deus, o que é que este tipo está a f*zer aqui, e fico
cornpletamente intrigada, etenho de irtercomele edizer-lhe olá,
então gostas mesmo desa banda? O que há de nono? Percebe o
que quero dizer? Reparo em tudo. Se vejo um zé-niaguém norma-
líssimo núma pastelari* e toda a gçnte à volta dele tem o cabelo
pintado de azul, vou logo ter com ele porque, pergunto-me, o que
está a fazer.um zé-ninguém normalíssimo numâ pastelaria com
pessoasde cabelo azul?
Com o seugrupo de Inovadores montado, DeeDee entravaem
contecto com eles duas, três ou quâtro vezes por ano, e pergsn-
tava-lhesqualera a música que estavam a ouvir, que programas de
televisãoviem, que roupas @mpftLvam, quais eram os seus obiecti-
vos e aspirações. Ás informaÉes nem sempre eram merentes. Pre-
cisavam de ser inteqpreadas.Ideias diferentes apareciam em difr-
rentesp*rtes do país, edepois àsvezes iam de Ixste paraOeste, ou
então de Oeste para lrste. Mas ao ter uma ideia geral, ao compe-
rar os dados de Âustin com os de Seattle, os de Seattle com os de

203
ÂChave doSucesso

Los Angeles, e os de Los Angeles com os de Nova lorque, e vendo


as coisas mudar de um mês pâra o ouro, DeeDee conseguia desen-
volver uma imagem da zubida e movimentação das novâs teadôn-
cias no país inteiro. E ao compârer o que diziam e âziam os seus
Inovadores com o que diziam e faziam os miúdos da maioria, três
meses, seis meses ou um ano depois, ela conseguia perceber o tipo
maioria.
de ideias capazes de passar das subculturas fixes para a

- Veja-se aquela tendência de os homens usarem maquilha-


gem, aimagem andróginado KurrCobain -disse Gordon. * Súe
que ele costumeye pintar as unhas com marcadores?Vimos acon-
tecer primeiro no Noroeste, depois pâssar parâ Los Angeles, Nova
Iorque e Âustin, porque lá há uma cena de música álp. Depois p*s-
sou parâ outras partes do país. Mas demorou muito tempo eté
chegaràmaioria.
Âs descobertas de Gordon tornavam-se os padrões da campa-
nha Airwalk Se ela descobria noyas tendências, ideias ou concei-
tos que estâvâm e fazer sucesso entre os Inovadores por todo o
país, a emprese colocava esses mesmos conceitos nos anúncios da
Âirwalk Umarrcz, por e:remplo, DeeDee percebeu que os in§uen-
tes estavâm a desenvolver um súbito interesse pelo Tibete e pelo
Dalai Lama. Â banda rap muito influente dos Beastie Bop dava
dinheiro publicamente pâra a campanha
"Libertem o Tibete,' e
nos espectáculos apresentavam monges no palco para darem os
seus testemunhos.
- Os Beastie Boys ptxaram pela coisa e tornaram-na aceitável -
recorda Gordon. Portanto a Lambesis fez um anúncio muito en-
Saçado da Airwalk com um iovem monge com ténis Airwalk sen-
tado numa sala de aula a fazer um exame. Está a olhar para os sapâ-
tos porque escreveu as cábulas neles. (Quando um cartaz do
anúncio apareceuemSão Francisco, alambesisfoi obrigada a re-
tiní-lo porque os monges tibetanos disseram que nuncâ tocaÍr
nos 1És, e muito menos usem cábulas nos exames.) Q3rando |ames

20.4
Um Caso Paradigmátim

Bond começou a aperecer no radar dos influentes, a Lambesis


contrâtou o director dos filmes de fames Bond para fazer uma
série de anúncios, todos com peÍsonegens deAirwalks calçados a
fugir espectacularmente deviloes sem rosto. Qpando os influen-
tes começaram e ter um interesse iónico pela culnrra dos counflt
clubs e começaÍrm e usar camisolas pólo antigas das marcas Fred
Perr)'ou Izod, a Airwalk fez um sepâto com um acabamento de
bola de tenis e a Lambesis fez um anúncio de imprense com o
sepeto no er prestes a ser batido por uma raquete de ténis.
- Umavez reparámos que a tecnologia funrrisa estara a fazer su-
cesso - diz DeeDee. - Perguntávamos a um mirido o que é que ele
gostaria de invenar, se pudesse inventar à vontade, e erâ sempre
uma ooisa que facilitasse avida. Esrá aver, aolocara ca@ dentro
duma bolha, quregar num botão, e funciona perfeiamente. Por-
tânto pusemos a Airwalk a fazer umas solas arredondadas omo bo-
lhas. Começámos a misnrraros materiais - malhas de materiais res-
piráveis e tipos especiais de Gore-Tex colocados uns sobre os outros.
Na realid*de, a observação do inventário de anúncios Airwalk
durante esse período crítico é o mesmo que ver um guia completo
das modas, peixôes e interesses da cultura iovem da época: há
brincadeiras de 30 segundos em cima de filmes de kung-fu, um
anrincio de TV sobre poesia Beat, outro no estilo dos Argtitos *-
crzúos onde um rapaz chega a Roswell, no Novo México, e os alieni

genas confiscam-lhe os ténis Airwalk


Há duas explicações pare o grande sucesso desta estratégia.
A primeira é evidente. A Lambesis pegava nas várias tendências
muito contagiantes quando ainda estavâm a começâr. Na slnrra
em que a noya campanha de pubticidade e os sapatos a ecompe-
nhar estavam prontos, a tendência (com sorte) estavâ mesmo e
chegar à maioria. A L*mbesis, por outras palarrras, estevâ e epa-
nhar boleia nas epidemias sociais, associando a Airwalk a cada
nova vege que inundava a orlnrra iovem.

205
A Chave do Sucesso

- Tem ardo a ver com a altura certa - diz DeeDee. - Seguimos os


influentes.Vemoso queeles estão afazer. Lrvaum ano aproduzir
os sapatos. Ao fim de um ano, se a tendência for a tendência certa,
vai atingiras pessoâsda maioria na altura certâ- Portanto, sevemos
que e tecnologia futurista é uma tendência - se vemos uma quanti-
dade suficiente de influentes numa quantidade suficiente de cida-
des a comprar coisas com um dan]gn ergonómico, ou sepatos com â
parte da frente levantada, ou os pequenos Palm Pilots, e quando
lhes pedimos pare inventarem dguma coisa eles falam dos carros
voadores do futuro -, tudo isto nos leva a acreditar que denuo de
seis meses a um ano toda agentevai estarna mesma onda.
Contudo a Lambesis não era epenas uma observadora passiva
do processo. Os seus anúncios também aiudavem as ideias desco-
bertas no meio dos Inovadores a atingiroponro deüragem. Dee-
Dee diz que quando algo não cpnsegue sair da comunidade dos
influentes e passar pera a maioria é normalmente porque a ideia
não gaúou raízes suficientes na cultura.
- Não há indícios suficientes. Não aparecÊu na música, no ci-
neme, na arte ou na moda Habitualmente, se uma coisavai fazersu-
cesso, vê-se esse fio condutor a atravessar tudo - aquilo que eles gos-
tam de vernaTV, aquilo que querem inventar, aquilo que gostam de
owir, mesmo os materiais que preferem usar. Está em toda a parte.
Mas se a coisa não vai fazer sucesso, so aparece numa dessas áreas.
A Lambesis pegava em certas ideias e plantava-as em toda a
parte. E ao plantá-las fornecia a indispensável tradu$o. A pes-
quisa de DeeDee mostrou que os miúdos Inovadores estavam
muito inferessados no Dalei Lama e todas as outras questões se-
ries levantadas pela ocupa$o do Tibete. Então a Lambesis pegou
numasimples referência atudo isso -o mongetibetano - e colo-
cou-e numa situação simples, divertida e um pouco impertinente.
Aligeirou-a. Os Inovadores interessaram-se de uma maneira
muito irónica pela cultura dos country clubs. A,Lambesis reduziu-

zo6
Um Caso Paradigmático

-lhe a ironia. Transforrrou o sapâto numabola de ténis, tornando a


reêrência menos obscsrâ e mais engraçada. Os Inovadores passa-
râm a gostar de §lmes de kung-fu. §ntão a Lambesis fez uma brin-
cadeira sobre o l«rng-fuonde o heroiAirwalkluta contra os maus
das artes marciais com a sua prancht de skate. t ambesis pegCIu
no temâ ko"S-fu e misturou-o com a cultura iovem. No caso das
ferias do ace.démico chinês, conforrre dizr{llpon, os factos da si-
tua$o não faziam sentido pâre a popula$o da aldeia; poÍtânto
arraniaram uma intelpreta$o que fazia sentido para eles * o pro-
fessor era um espião * e, pae fazer fuacionâr essa interpretaSo,
«os pormenores discordantes foram eliminados, os incidentes en-

riquecidos pan encaixar no temâ escolhido, e o episódio como


um todo foi assimilado à cultura pré-existente de sentimentos e
pensÍrmentos característicos dos membros do grupo onde o boato
se espalhou". Foi exactamente o que fez alambesis. Peg*ramnos
indícios culrurâis dos Inovadores - indícios que os miúdos da
maioria podem tervisto mas não conseguiram perceber e sim- -
plificaram, enriqueceram e assimilanm-nos de uma forma mais
coerente. Demm aos indícios um siguific*do específico que não
tinha anteriormente e embalaram essa noya sensibilidade na
forrna de um par de sapatos. Não surpreende muito que a fama da
Airwalk se tenha propagado tão depressa em 1995 e1996.

4.

A epidemia dos Airwalk não durou muito tempo. Em 1997 as


vendas da empresa começaram a diminuir. Tinhe problemas de
produ$o e dificuldade em satisíazer âs ercomendas, Em pontos
devenda essenciais, a Airwalk não conseguiâ entregâr quaatida-
des suficientes n<l período de reabernrra das aulas e os distribui-
dores, outrorâ tão fiéis, começâram a virar-se @ntra â eülprÊsâ;

247
ÀChave do Suces«r

Ao mesmo tempo, a Âirwalk começou e perder a sensibilidade


pera inovar que tinha mantido durante tanto tempo.
- Quando aÂirwalkcomeçou, o produtoera muito dirigido e
inventivo. Os sapatos estavâm muito à frente - disse Chad Far-
mer. - Mantínhamo-nos concentredos a inovar no mercado. Mas
o produto começou a decair. A empresa começou a owir cada vez
mais o pessoal devendas e o produto passou ater aquele aspecto
homogéneo da maioria. Tode â geÍlte gosüeva do marketing. Nos
grupos especí§cos forrnados por nós, ainda comenrâm as sauda-
des que sentem. Mas a quei:re ntimero um é: o que econteceu corn
os produtos fixes? Â estratégia da Lambesis era traduzir os saparos
Inovadores para a Maioria. Mas de repente o Ainvalk deixou de ser
umsâpato Inovador.
- Cometemos outro eÍro fundamenal - diz Lee Smirh, o antigo
presidente daAirwalk - Tínhamos uma estratégia de segmenta-
$o, crm um núcleo duro de pequeÍrâs lojas independentes * as
trezentasboutiques detodo opaísque realmente fizeram denós o
que éramos - com uma determinada linha só para elas, Essas não
nos queriam ver nos centros comerciais. Poranto segmenrámos o
produto. Dissemos àslojas donúcleoduro que não precisavarnde
competir com os centros comerciais. Funcionava muito bem.
As boutiques recebiam os sapatos técnicos: designs diferentes,
materiais rnelhores, mais acolchoados, sistemas de amorteci-
mento diferentes, compostos de borracha diferentes, partes de
cimamaiscarâs.
- Tínhamos um modelo de referência especial - o Tony Hawk -
paraa skate, muito mais forte e duúvel. Vendia-se no retalho por
crerca deoitenta dólares.
Ao mesmo tempo, os sâpatos daAirwalh disuibuídos para as
cadeias Kinnefs, ou Champ's, ou Foot Locker, eram meuos ela-
borados e vendiam-se por cer€â de sessenta dólares. Os Insvado-
res podiam sempre usar sapatos diferentes, mais exclusivos do que

zo8
Um Caso Paradigmático

as outres pessoes. A maioria dos consumidores tinha a satisfação


deusara mesma mercâ que os miúdos fues.
Mas então, no culminar do sucesso, a Airwalk mudou de estra-
tégia. A empresa deixou de dar às loias especializadas os seus pró-
prios sapatos.
- Nessa altura os influentes começaram a desconsiderar a
nosse marca - diz Farmer. - Iam àrs suas boutiques, onde arranja-
vam as coisas fixes, eperceberem que toda agente podia compraÍ
os mesmos sepetos na cadeia) C Penney.
Agora, e de repente, a Lambesis estava a traduzir a linguagem
dos produtos para todos em produtos para todos. A epidemia ti-
nhaacabado.
- Uma yez, o meu gestor de categorias pe{guntou-me o que é
que tinha acontecido - diz Smith. - E euperguntei-lhe se já tinha
visto o filme Forrestr Gump. Um parvo Íazpamoíces. Um tipo fixe
faz coisas fixes. As marcas fixes tratam as pessoes bem, e não foi
isso o que nós fizemos. Tinha prometido pessoalmente a algumas
dessas pequenâs lojas que lhes daríamos um produto especial, e
depois mudámos de ideias. Começou assim. Naquele mundo,
funciona tudo por boca-a-boca. Quando nos tornámos maiores,
foi quando devíamos ter prestado mais aten$o aos porÍnenores e
mantido a boa onda a rolar, portanto quando es pessoâs disseram
que nos tínhamos vendido, que nos tínhamos tornado iguais à
maioria, não prestávamos, podíamos terÍespondido não fazendo
nada üsso. Tínhamos esta jóia desta marca, e aos poucos começá-
mos a vendê-la à maioria e quando só vendíamos à maioria... - Fez
uma parca. - O que é que interessa? Compra-se um par dos nossos
sapatos. Porque é que se há-de compraroutro?

zo9
7
o LrrRo cASo PARADTGUÁTIGo :
suicídio, tabagismo e a procura do cigarro não aderente

Não há muito tempo, nas ilhas da Micronésia no Pacífico Sul,


um rapaz de dezassete anos chamado Sima discutiu com o pai. Es-
tava a viver em qtsa do avô quando o pai - um homem duro e exi-
gente - o tirou da cama de manhã cedo e o mandou procuraruma
faca com um longo cabo de bambu para colher fruta-pão. Sima es-
teve horas na aldeia à procura da faca com o cabo de cana de
bambu e voltou para casa de mãos vazias, o que deixou o pai fu-
rioso. A famflia não podia passar fome, disse ao filho, a brandir fu -

riosamente uma câtanâ.


-Vai-te embora e encontra outro sítio paraviver!
Sima saiu de casa do avô e voltou para a aldeia. No caminho en-
controu o seu irmão de 14 anos e pediu-lhe ume c:rneta emprestada.
Duas horas mais tarde, com curiosidade de saber o paradeiro de
Sima, o irmão foi à procura dele. Foi à casa da família, agoravtzia,
e espreitou pela ianela. No meio da sala às esc'ttras, viu o corpo
imóvel de Sima pendurado numâ corda. Estava morto. O bilhete
dosuicidadizia:

A minha vida acaba agora. Hoie é uor dia triste para mim, e tamMm

um dia de sofrimento. Mas éum dia de celebraçãopara o papá. Hofe o papá


mandou-mc embora. Muito obrigado por me amar tilo pouco. Sima

ztt
A Chave do Sucesso

Adeus àmamã. Mamã, iánãovaistermais frustraçÕes ou tristezascom


o teu filho. Muito amor do Sima.

No começo da década de 1960, o suicídio ere quase desconhe-


cido nas ilhas da Micronésia. Mas, por motivos que ninguém sabe
muitobem, o número de suicídios começou a crescerde umama-
neira rápida e impressionante, aumentando todos os anos. No fi-
nal da década de 1980 havia mais suicídiosper capitarra}áicronésia
do que em qualquer pârte do mundo. Para os indivíduos do sexo
masculino entre os quinze e os vinte e quatro anos, e taxa de suicí-
dios nos Estados Unidos é de cerca de Z?porl00 mil. Nas ilhas da
Micronésia a til€ é de cerca de 160 por 100 mil - mais de sete ve-
zes maior. A este nível, o suicídio é qurse ume coisa vulgar,provo-
cado pelos incidentes mais uiviais. Sima marou-se porque o pai
the gritou. No meio da epidemia da Micronesia, não era nada raro.
Os adolescentes das ilhas suicidavam-se porque tinham visro a ne-
morada com outro rapaz, ou porque os pais se recusavam a dar
mais uns trocos para cerveja. Um rapaz de dezanove anos enfor-
cou-se porque os pais não lhe compraram acepeda cerimónia de
formatura. Outro com dezassete enos enforcou-se porque tinha
sido admoestado pelo irmão mais velho por fazer barulho demais.
Aquilo que nes culturas ocidentais é de raro, aleatório e pro-
"lgo
fundamente patológico, na Micronésia tornou-se num ritual de
adolescência, com as suas regras e símbolos próprios. Na reali-
dade, praticamente todos os suicídios que ocoÍrem nas ilhas são
variações idênticas à história de Sima. Avítima é quase sempre do
sexo masculino. Esráno final da adolescência, solteiro e aviverem
casa. 0 evento que precipita o acontecimento é invariavelmente
de natureza doméstica: uma disputa com a namorada ou os pais.
Em três quartos dos casos, a vítima nunca tinha tentado - ou
mesmo ameaçado - suicidar-se previamente. As notas deixadas
não tendem a exprimir depressão, mas antes uma espécie de orgu-

212
Outro Caso Pradigmático

lho ferido e autocomiseração, um protesto contra meus tratos.


O acto em si cosfirma ocorrer numa noite de fim-de-semana, habi-
tualmente depois dunscopos com os amigos. Nagrande maioria
dos casos, a vítima procede do mesmo modo, como se houvesse
um protocolo não escrito sobre o modo correcto de tiraraprópria
vida. Procure um lugar remoto ou uma casa vazia. Pega numa
cordae faz um laço, mas não sesuspende,como noenforcamento
ocidental típico. Prende a corda a um ramo baixo, ou a uma ianela,
ou a uma maçenete de porta, e inclina-se perÍr â frente, de modo
que o peso do co{po aperta o laço à volta do pescoço, cortando o
fluxo de sengue perâ o cérebrrc. Fica inconsciente.Amofte resulta
de anoxia - a falta de sangue no cérebro.
Na Micronésia, escreve o antropólogo Donald Rubinstein, es-
tes rituais toÍneram-se parte da cultura local. Com o aumento do
número de suicídios, e ideia alimentou-se a si própria,
"infec-
tando" rapazes cada vez mais novos, transformando o acto em si
de tal maneira que o impensável tornou-se um pensâmento oor-
mal. De acordo com Rubinstein, que documentou a epidemia da
Micronésia numa série de trabalhos brilhantes,

... a idealização do suicídio entre os adolescentes parece espalhada em cer-

tas comunidades micronésias e a sua popularidade é expressa em mrisicas


rectntes compostas localmente e trensmitidas pelas esta$es de rádio, e em
grafitos nas ,-sáirrs e nas paredes dos liceus. Um certo nrimero de rapzes
que tentaram suicidar-se afirmaram ter ouvido falar nisso pela primeira vez
quendo tinham oirc ou dez anos de idade. As suas tentativas de suicídio pa-
recem estar dentro do espírito da imitaçao ou da experimentação. Um re-
pez com onze anos, por exemplo, elforcou-se dentro de casa e foi encon-
tredo iá inconsciente e com a língua a sairdaboca- Maistarde explicou que
queria oexpcrimentar" o snforcamento. Não queria moÍrer, embora sou-
besse que arriscava a morte. Tais casos de imiaçiio de suicídio por miúdos
com cinco ou seis anrx têm sido relatados recentemente em Truk É evi-

2r3
A Chave do Sucesso

dente quevários casos de suicídios de adolescentes ocorridos recentemente


na Micronésia são o resultado de tais experiências. Assim, o súcídio torna-
-se mais frequente nas comunidades onde aideia em si adquire uma cefta

familiaridade, se não uma fascinaÉo, entre os rapazes, e a lealidade do


acto parece ter sido trividizsda. Especialmente entre rapazes mais
"lgo*
novos, os actos de súcídio parecem ter adquirido um elemento de expe-
riência quase recreacional.

Há algo de aterradoÍ nesta passegem. O suicídio não devia ser


trivializado desta maneira. Mas o mais aterrador é sertudo pare-
cido com o queiá conhecemos. Aquitemos uma epidemia conta-
giosa de âutodestruição, feita por iovens com a ideia de ser ume
experiência, imitação e revolta Temos aqui um acto impensado
que de algum modo se tornou umaformaimportante de auto-ex-
pressão entreos adolescentes. Deum modo estranho, aepidemia
de suicídios entre adolescentes na Micronésia parece-se muito
com a epidemia de adolescentes fumadores no Ocidente.

O tabagismo dos adolescentes é um dos fenómenos mais im-


portantes e mais incompreensíveis da vida moderna. Ninguém
sabe realmente como lutar contra ele. A principal afirma$o do
movimento antitabaco é que têm sido as tabaqueiras a persuadir
os adolescentes a fumar, mentindo-lhes ao mostrer o cigarro
muito mais apetitoso e menos perigoso do que realmente é. Por-
t.nto, para resolver este problema, restringe-se e fiscaliza-se e pu-
blicidade dos cigarros, sendo assim mais dificil para âs tabaquei-
ras mentir. Aumentamos o preço dos cigarros e reforçamos a lei
que proíbe a venda a menores, tornando muito mais diffcil para
eles o acesso aos cigarros. E fazemos campanhas muito caras de

2r'4
Outro Caso Pradigmático

saúde pública na televisão, rádio e imprensa pare tentar educar os


adolescentes sobre os perigos do tebâco.
Contudo, tornou-se bastânte evidente que esta abordagem não
é muito eficiente. Porque é que havemos de pensar, por exemplo,
que a chave da luta contra o tabagismo é educar as pessoas sobre os
riscos dos cigarros? O economisa da Universidade de Harvard W.
Kip Viscusi pediu recentemente e um grupo de fumadores que cal-
culasse, em média, quÍrntos anos de úda estavem a perder, a partir
dos vinte e um anos, pelo facto de fumarem. Calcrrlaram nove anos.
A resposta cena é entre seis e sete. Os fumadores não fumam por
subestimarem os riscos do tabaco. Fumam mesmo sobrestimando
esses riscos.Ao mesmotempo, não é claro se dáresultado teradul-
tos a dizer aos adolescentes que não devem fumar. Como sabe
qualquer pai de filhos adolescentes, a contÍadi$o essencial dos
adolescentes sryere que, paradoxalmente, quanto mais os adultos
falarem consa o tebaco e pregarem sermões sobre os seus perigos,
mais os adolescentes têm vontade de experimentar. Como seria de
espeÍar, se olharmos para as tendências tabagistas da última dé-
cada, foi exactemente o que econtecerl O movimento antitaba-
glste está mais activo e mais presente do que nuncâ. Contudo, to-
dos os indícios sugerem que e mensagem antitabagista entre os
jovens escá a dar os resultados opostos. Enre L993 e 1997, o ntt-
mero de universitários que fuma saltou de 22,3 prcento para 28,5
porcento. Entre 1991e 1997,o número de alunos do secundário
fumadores passou para3? por cento. De facto, desde 1988, o nú-
mero total de fumadores adolescentes nos Estados Unidos subiu o
extraordinário número de73 por cento. Há poucos programas de
saúde pública nos ultimos ânos que tenham falhado tanto os seus
obiectivos como a gueÍre contra o tabagismo.
A li$o deste caso não é que devemos desisú de lutar contra os
cigarros.Aquestãoé simplesmente que as razões epontadas sobre
as câusas do tabagismo não fazem muito sentido. É porisso que a

2LS
AChave do Sucesso

epidemia de suicídios na Micronésia é tão interessante e potenci-


almente relevante pera o problema do tabagismo. Indica-nos ou-
tra maneira de resolver o tabagismo iuvenil. Então e se o taba-
gismo, em vez de seguir os princípios racionais da economia de
mercado, seguisse certâs regras e rituais sociais ocultos e comple-
xos que regulam o suicídio adolescente? Se o tabagismo real-
mente for uma epidemia semelhante ao suicídio na Micronésia,
como é que isso pode mudara maneira como devíamos lutarcon-
tra o problema?

2.

Quem estuda o suicídio chegou e uma conclusão básica: em


certos lugares e em certâs circunstâncias, o acto de uma pessoa
acabar com e sua própria vida pode ser contagioso. Os suicíüos
provocÍrm mais súcídios. O pioneiro nesta área é David Phillips,
sociólogo na Universidade da California, em San Diego, autor de
uma serie de estudos sobre o suicídio, cada um deles mais fasci-
nante e aparentemente menosprovável que os anteriores. Come-
çou por fazer uma lista de todas as histórias de suicídio que apare-
ceram na primeira página dos iornais mais importantes do país,
entre finaisdadécadade 19,1O e finaldade 1960. Depois empere-
lhou-as com as estatísticas de suieídio do mesmo período. Q3reria
saber se havia alguma rela$o entre os dois valores. Como era de
calcular, essa rela$o existia Logo a seguir ao aparecimento de
um &§o de suicídio no iornal, os suicídios na região coberta pelo
iornal davam um salto. Quando o cÍrso era nacional, o número de
súcídios aumentava no país todo. (A morte de Marilyn Monroe foi
segurda por um aumento tempoúrio de 12 por cento no índice
nacional de suicídios.) A seguir Phillips repetiu os eálculos com
acidentes rodoviários. Pçgou nos clrsos de suicídio publicados na

zt6
Outro Crso Pradigmático

primeira p4gna do l,os Angeles Times e do &r Francixo Chronicle e


emparelhou-os com as mortes em acidentes rodoviários no Estado
da California. Enconuou o mesmo padrao. No dia seguinte a um
suicídio amplamente noticiado, o ntimero de mortos em aciden-
tes rodoviáriosfoi emmédia 5,9 porcento maiordo que sepodia
esperar. Dois dias depois de ouuo círso, as mortes na estrada subi-
ram 4,1" porcento. Três dias depois, subiram 3,l porcento, e que-
tro dias depois subiram 8,1 por cento. (Ao §m de dez dias a per-
centâgem de mortes rodoviárias voltou ao normal.) Phillips
concluiu que umâ das maneiras de cometer suicídio é ter um aci-
dente deliberado, e essaspessoeseramtão suscrytíveis aos efeitos
contagrosos de um suicídio amplamente noticiado como as pes-
soas que se metavam por meios mais convencionais.
O tipo de contágio referido porPhillips nãoéuma coisaracio-
nal, ou mesmo necessariamente consciente. Não é como um aryu-
mento conüncente. É muito mais subtil do queisso.
* Quando estou a pé, àespera num semáforo com a luzverme-
lha, àsvezespensose mesmo assim não podia atravessaranra- diz
ele. - Entãoveio alguém e atravessere faço omesmo. Éuma espé-
cie de imitação. Tenho autoriza$o para atravessar dada por al-
guém a fazer um acto ilegal. É uma decisão consciente? Não sei di-
zer.Telvezdepois posse ficara nrminarsobre a diferença. Mas na
altura não sei se sabemos até onde a nossa decisão é consciente e
até onde não é. As decisões humanas são subtis e complicadas e
não se sabe muito sobre elas.
Segundo Phillips, no ceso dos suicídios, a decisão tomada por
alguém famosode acabarcom aprópriavidatem o mesmo efeito:
óá às outras pessoas a permissão p*rafazer também uma acção
aberrante, em particular aquelas pessoas mais rnrlneráveis à suges-
tão, por imaturidade ou doença mental.
-As histórias de suicídios são uma eqpécie de anrinciosverdadei-
Íos a pÍomover uma determinada resposta para os nossos proble-

2r7
A Chave do Sucesso

mes - continua Phillips. - Temos estes pessoas todas rrume situa-


ção infeliz, com dificuldade em se decidirern por causa de depres-
são. Estão a viver com a sua dor. Há muitas notícias a anunciar
diferentes respostes para o problema. Podia econtecer o (pastor
protestante) Billy Graham andar em cruzada nesse fim-de-semana
- é uma resposta religiosa. Ou podia ser a divulgação de um filme
escapista- é outrarespsta.As histórias desuicídio oferecem mais
umaalternativa.
As pessoas que..autorizam,> o suicídio, apontadas por Phillips,
são equivalentes aosVendedores tratedos no capítulo dois. Assim
como Tom Gau, por meio da força persuasiva da sua personali-
dade, servia de Ponto de Viragem na epidemia de boca-a-boca, as
pessoas mortas em suicídios amplamente noticiados - cuja morte
d{ "p»ennissão>, a outros de morrerem - seryem como Pontos de
Viragem nas epidemias de suicídio.
Contudo, o fascinante desta qrennissão" é a sua especificidade
extraordinária. No estudo sobre as fatalidades rodoviárias, Phil-
lips encontrouum padrão múto claro.As notícias de suicídiosti-
nham como resultado um aumento de acidentes com um único
carro cuiavítime era o condutor. Notícias de suicídios com assas-
sinatos resultavam num aumeÍlto de acidentes comváriasviaturas
cuiasvítimas incluíam o condutore os passageiros. Notícias sobre
iovens suicidas provocavem mais acidentes de trânsito envol-
vendo iovens. Notícias sobre suicidas mais velhos eram seguidas
por acidentes de trânsito envolvendo pessoas mais velhas. Estes
padrões ficaram provados em muitas ocasiões. Por exemplo, as
notícias de uma série de suicídios por auto-imolaçáo em Ingla-
teÍra, no final da década de lg70,levaram a 82 suicídios por auto-
-imolação no ano seguinte. A dada pelo acto inicial
"perrrissãoo,
do suicídio não é um convite para e generalidade das pessoas vul-
neráveis. É, naverdade, um coniunto de insmrções muito porme-
norizadas, específico para ceras pessoes em determinadas situa-

zr8
Outro Caso Predigmático

ções, decididas a morrerde maneiras específicas. Não é umgesto.


É um discurso. Nouro estudo êito na décadade 1960, umgrupo
de investigadores ingleses analisou 135 pessoas admitidas num
hospial psiquiátrico central depois de tentarem suicidar-se. Des-
cobriram que o grupo tinha fones ligações sociais - muitos deles
pertenciam aos mesmos círculos. Concluíram que não se treteva
de uma coincidência. Testemunhava a própria essência do que é o
suicídio, uma linguaçm privada entre membros de uma subcul-
tura. Vale a pena citar a conclusão do autor na totalidade:

Muitos dos doentes que tentam o suicídio penencem a umasecSo da


c-omunidade ern que a auto-agressão é reconhecidaportodos como sendo a

meneira de comunicarum ceno tipo de afirmaSo. Neste grupo o acto é ústo


como compreensível e consistente com o resto dos padrões culturais...
Se isto forverdade, o indivíduo numasituagopartiorlar,geralmente de de-
pressão, que deseia enüar uma informa$o aos outros sobre as suas dificul-
dades, não precisa de inventar do z.ero um novo meio de comunicação...
O indivíduo dentr,o da.subcultura de tentativa de suicídio,' pode comerersm
acto com um sentido iá formado; tudo o que tem a fazer é invocá-lo. O pto-
cesso é essencialmente semelhante ao uso de uma palavra na língua falada.

Isto é o que ocorre na Micronésia, mas a um nível muito meis


profundo. Se no Ocidente o suicídio é um tipo de linguagem pri-
mitiva, na Micronésia tornou-se uma fonna de comunicaçáo incri-
velmente expressiva, rica em sentido e mâtiz, expressa pelos mais
persuasivos "dadores de autorização". Rubinstein fala do estra-
úo padoo dos suicídios na ilha micronesiana de Ebeye, ume co-
munidade com cerca de seis mil pessoas. Enue 1955 e 1965, não
houve um único caso de suicídio na ilha toda. Em Maio de 1966
um rapaz de dezoito anos enforcou-se na sua cela da prisão depois
de ter sido preso por roubar uma biciclete, mas este cilso parece
ter tido polrcÍr repercussão. Então, em Novembro de 1966, deu-se

2,-9
A Chave do Sucesso

a morte de R, o carismático herdeiro de uma das famílias mais ri-


cas da ilha. R tinha duas namorades e ere pai dos dois filhos de
ambas, com um mês de idade. Incapaz de se decidir entre elas, en-
forcou-se num desespero romântico. No seu funeral as duas
amantes, ao saberem da existênciâ uma da outra, desmaiaram em
cimadacampa.
Três dias depois da morte de R houve outro suicídio, um re?ez
deàZanos em dificuldades matrimoniais,levando a dois súcídios
numa semana, numa comunidade onde só houvera um suicídio
nos doze anos anteriores. O médico da ilha escreveu: .Depois da
morte de R, muitos rapezes sgnheram com ele e ouviram-no a
chamá-los para se matârem." SeÍruram-se mais vinte e cinco suicí-
dios nos doze anos seguintes, geralmente em grupos de três ou
quatro no espaço de poucas semânas. ..Algumas das vítimas de
suicídio e algumas pessoes que tentaram o suicídio recentemente
disseram ter tido uma visão em que um barco com todas as ütimas
anteriores anda à volta da ilha com os mortos a convidar os suici-
das potenciais a iuntarem-se-lhesr', escreveuum antropólogo após
uma viagem à ilha em L975. Os temas delineados por R. vieram ao
de cima repetidamente. Aqui está a mensêgem de suicídio de M.,
um esflldante do secundário com duas namoradas, uma no inter-
nâto e outra em Ebeye. Qpando a primeiravoltou para case, termi-
nado o internato, M. ficou com duas namoradas, uma complica-
ção considerada na subcultura de Ebeye como motivo para acabar
com a própria vida: "Os melhores votos para M. e C. [as duas na-
moradas]. Gostei de estar com ambas." Era tudo o que ele tinha
para dizer, porque o contexto peÍ:l o seugesto iátinha sido criado
por R Na epidemia de Ebeye, R era a Pessoa da Viragem, o Vende-
dor, aquele cuia e4periência "subscreveu" a experiência dos se-
guintes. O poder da personalidade e as circunstâncias da morte
combinaram-se para torner a força do seu exemplo perdurável
muitos anos depoisdo acto.

220
Ouro Caso Pradiguático

3.

O abagismo dos iovens seguirá a mesma lógica? Para saber mais


sobre as razões do abagismo entrc os adolescentes, dei a várias cen-
tenas de pessoas umqustionário, pedindo-lhes para descreverem
es suas primeiras experiências com cigarros. Não era um estudo
científico. A amostra não representava a população dos Estados
Unidos. Era constituída sobrenrdo por pessoes no final dos vinte
anos e no começo dos trinu, a viver em grandes cidades. Mesmo
assiq as respostas foram impressionantes, sobretudo porpâreerem
muito parecidas. O acto de fumarparecia invocarum tipo partiarlar
de re«rrdação da iwentude - viva, precisâ, com uma carga emocio-
nal. Uma delas lembra-se como gostava de abrir a mala da avó, onde
encontÍava(<o eromasuave dosWinstonsbaratos e do couro mistu-
rados com batom e pastilha elástica de canelar,. Outra pessoa lem-
bra-sede"estarsentâdo no banco detrás do sedã Chqnler, ainspi-
rar a maravilhosa misara de enxofre e baforadas de tabaco vinda da
ianela do condutor para as miúas narinas,,. De um modo avassala-
dor, ârmar estave quase sempre associado à mesma coisa em quase
toda a gente: sofistica$o. Isto é verdade mesmo com pessoas que
agora detestam o tabaco e o acham umvício sujo e perigoso. Aün-
gu4gem do tabagismo, td como a linguagem do suicídio, parece
incrivelmente consistente.Aqoi temos duas respostas, ambas des-
crevendo recordações da inÊncia:

A minha mãe fumava, e embora eu detestasse - detestava o úeiro - ela


tinha aqueles dedoa longos e finos, e os lábios carnudos, como se fossem es-
taladiços, sempre com batom, e quando frrmava parecia tão elegante e des-
preoctrpada gue não me restâvam dúvidas: um dia eu havia de fumar. Ela
achava que írs pessoas não fumadoras era como se não tivessem energia.
Faz-nos pensar, faz-nos pensar, dizia ela, deliciada com a maneira como
aquilo parecia feio.

22'
A Chave do Sucesso

A minha melhor amiga era a Susan, meio irlandesa, meio inglesa.


Ao conuário dos meus pais, os dela eram jovens, indulgentes e liberais. Toma-
vam bebidas antes do iantar. O Sr. O'Sulliwn tiúabarba e usava camisolas de
gola alta- A Sr." O'Sullivan andara de drinelas de salto alto, com vestidos pre-
tos iustos a condizer com o seu cabelo preto asa de cowo. Usava muita maqui-

lhagem, estava liçiramente bronzeada e sempre, praticamente sempre, tinha

umaboquilha perigosamente comprida nas suas mãos bem tratadas.

Esta é a linguagem partilhada do tabagismo, e é tão rica e ex-


pressiva como a linguagem panilhada do suicídio. Também nesta
epidemia há Pessoas da Viragem, Vendedores, ..dadores de eutori-
za§or>t. Repetidamente, os participantes no meu inquérito des-
creverem uma pe§soa em particuler que os iniciou nos cigafros,
precisamente da mesma maneira.

Quando eu tinha cerca de nove ou dez enos, os meus pais arraniaram


um rapariga para tomar conta de mim durante o Yerão, a Magie. Devia ter
uns vinte anos. Era muito sensual e trsava biquíni na piscina dos Campbell.
Era famosa entre os homens crescidos por fazer o pino em biquíni. Tam-
bém se dizia que a parte de cimado biquíni caiuquando ela mergulhou -o
Sr. Calpenter meryulhava sempre que ela saltava para a piscina. Maggie fu-

mâye e eu costumava pedir-lhe para me deixarfumartambém.

O primeiro miúdo que eu soube que fumava foi o Biüy G. Ficámos


amgos na quinta classe, quando as maiores diferenças na nossa cidade su-
burüâna de Nova |ersey - cuecas, cabeças e cérebros - se começavam a for-
mar. O Billy era incrivelmente fixe. Foi o primeiro a sair com miúdas, a fu-
mar cigarros e mariiuana, a beber bebidas fortes e a ouvir música alternativa.
Ainda me lembro de estar no primeiro andar, no quarto da irmã dele - os
pais deles eram divorciados (outra novidade) e a mãe nunca esrava em Gtsa -
I Permísion-gfuen no original.

222
Ouro CasoPradigmático

a seperar as sementes de erva em cima da capa de um disco dos Grateful


Dead... Atraía-me o lado mau daquilo, a pinta de aduho, e a maneira como
mostrávamos que podíamos servárias coisas ao mesmo tempo.

Aprimeira pessoa de que zu me lembro a fumarerauma raparip cha-


mada Pam P. Conheci-a quândo estárramos as duas no décimo ano. Íamos
pare a escola no mesmo autoc:tÍÍlo ern Great Neck, em tnng Island, e lembro.
-me de pensar que ela era a mais fixe de todos porque morave num eparte-
mento (não havia muitos apanaÍnentos em GreatNeck). Pam tinha 15 anos,
mas parecia muito maisvelha. Cosnrmávamos senrar-Ílos na parte de trás do

autocÍuro e sopÍÍr o fumo Eara forada iianela Ela ensinou-me a inalar, a atar
umacamisa de homem à cimura para ficarcom um âr§xe, e a usarbatom.
Tinha umblusaodecouro. Opai dela raramente estavaem qtsa-

Há bastantes provas desta ideia de que há ume personalidade


comum nos fumadores endurecidos. Hans Eysench o iafluente
psicólogo britânico, argumentou que se podem separer os fume-
dores a sério dos não fumadores de acordo com âspectos básicos
da personalidade. O fumador endurecido por excelência, se-
gundo Eysenck, é umerrrovertido, o tipo de pessoa

sociável, adepto de festas, com muitos amigos, sempre à proorra de pes-


soas para conversar... Busca a excitaçao, anisca-s€, age como lhe apetece na

altura e costuma ser impulsivo... Não gosta de estar quieto e prefere fazer
qualquer coisâ, tende a ser agressivo e perde a cabeça com facilidade; não
controla muito os s,entimentos e nem sempre é de confiança.

Em inconcáveis estudos êitos depois do trabalho precuffior de


Eysenck, a imagem do "tipo" de fumador ficou completa. Provou-
-se que os grandes fumadores têm mais apetência sexual do que os
não fumadores. São mais precoces s&üalmente; <<precisam" mais de
sexo, e sentemumaatracçáo maiorpelosexo oposto.Aos 19 anos,

223
A Chave do Succsso

por exemplo, 15 por cento das universitárias brancas não fuma-


doras iá, frzeram sexo. Para as raparigas brancas universitárias
fumadoras a percentâgem é de 55 por cento. Segundo Eysenclç as
estatísticas para os homens são semelhantes. Têm uma pontuação
muito mais alta naquilo e que os psicólogos chemam ínôices
"anti-sociais»;
tendem a apresentar níveis maiores de prevarica-
ção, e a ser mais rebeldes e provocadores. Tomam decisões ime-
diatas.Arriscam-se mais. O larmédio de fumadoÍEs consome mais
73 por cento de cafe e duas ou três vezes mais cerveia do que o lar
médio de não fumadores. É interessante que os fumadores apa-
rentam sermais honestos conslgo proprios do que os não fuma-
dores. Tal como Daüd lGogh desc:eve no seu tretâdo Snoking: The
Artifcial Passion (Fuman a paixão artificial), os psicólogos usam os
chamados «testes de mentirarr, onde incluem afirmações indis-
cutíveis - ..Eu nem sempre digo a verdaderr, ou .À vezes sou frio
com e minha mulher,, - e se os testados negam consisteatemente
essas afirmações, consideram-se como rnentirosos na generali-
dade dos casos. Os fumadores tendem a ser mais verdadeiros nes-
tes testes.
"Uma teoria», escreve Krogh, "dizque a sua falta de res-
peito e o seu acréscimo de arrogância se combinam para os tornaÍ
relativamente indiferentes à opinião das outras p€ssoâs».
É claro que estes apreciações não se aplicam a tdos os fuma-
dores. Mas são bastante precisas para prever o compoftemento
dos fumadores, e quanto mais uma pessoa fuma, maior a probabi-
lidade de encaixar neste perfil. n.Em nome da ciência,', escreve
Krogh, «gostaÍia de convidar os leitores a demonstrar [a ligaçeo
entre a personalidade e o tabagismo] a si próprios, fazendo a se-
guinte experiência. Arraniem maneira de ir a uma reunião des-
contraída de actores, músicos de rock e cabeleireiros, por um
lado, ou de engenheiros civis, electricistas ou program*dores de
computadores, por outro, e reperem o que se fuma. Se a vossa
experiência for igual à minha, as diferenças são impressionantes».

zz4
Outro Caso Pradigmático

Aqui está mais ume das respostas eo meu questionário. A per-


sonalidade entrovertida não pode ser mais clara

Quando eu era muito pequeno, o meu avô cra o únim fumadorà miúa
volta. Eraumagraade figureRunyonescal, umheóida malandragem que ti-
úa imigndo daPolónia aindsrepez e trâbelhou avida toda omovidraceiro.
Aminhamãe oostumarecontarque de primeiravez que foi levada a ianar a

casa dos sogros pensou que ele podia em qualquer momento puxer a todha
da mesasem mexerno qne este\râem cima, so paradiveniraspessoas.

Acho que o significado dapersonalidade do fumadornão pode


ser minimizado. Se misturarmos todos estes Eeços de extroversão
- amogância precocidade semel, honestidade, impulsividade, in-
diferença opinião dos outros, pÍocuÍlr de sensaçÕes - chegamos a
à

uma definigo quâse perfeita do tipo de pessoa etreente pâre os


adolescentes. Mqggie, que tomeve conte das criangs, Pam P. no
eutoqrÍro da escola, e Billy G. com os seus discos dos Grateful
Dead são todos pessoes completâment€ fixes. Mas não erem fixes
por fumarem. Fumavam porque eram fixes. 0 mesmíssimo carác-
ter atrai a rebeldia, a impulsividade, a ousadia, o desprezo pela opr-
nião dos outros e a precocidade tão seguras para os seus colegas
adolescentes. Também perece ineviúvel sentirem-se auaídos pela
mais octrema spressão de rebelião adolescente, amorpelo risco,
impulsiüdade, indi[erença p"lot oumos e precocidade: o cigarro.
Este ponto perece bastante claro, mas é absolutamente essenciel
para a compreensão do grande falhanço da guerra ao tabagismo.
Na ríútima déceda, o movimento antitabagista concentrc)u-se nas
tabaqueiras por terem feito do tabaco uma atitude fixe, e gastou
inondveis milhões de dólares de dinheiro dos contribuintes a ten-

I Refer&rcia a Damon Runyon (1880-f9,6), iornellsta famoso de Nova lorque, com


umopersonalidadec*rwertida c urna ergricia especactrlr,egran&firoador. (N. do T')

225
A Chave do Sucesso

târconvenceros adolescentesque fumarnão é fixe.Mas a questão


não é essâ. Fumar nunca foi fixe. Fixes são osfimadores. As epide-
mias de tabagismo começam precisamente da mesma maneira que
começou a epidemia de suicídios na Mictonésia, ou as epidemias
de boca-a-boce, ou a epidemia de SIDA - por causa da extraordi-
nária influência de Pam P., Billy G., Maggie, ou dos seus equivalen-
tes - asversões fumadorasde R,Tom Gaue Gaetan DWas. Nesta
epidemia, como em todas as outras, um grupo muito pequeno - os
poucos especiais - é responúvel pelo evenço daepidemia.

4.

Contudo a epidemia de abagismo adolescente não se limita a


ilustrar a Lei dos Poucos. Também é um bom exemplo do Factor
de Aderência. Afinal de contas, o facto de um número impressio-
nante de adolescentesexperimentaro tabaco como resultado dos
seus contectos com outros adolescentes não é, em si, assim tão as-
sustador. O problema - o facro que tornou o tabagismo o pro-
blema de saúde pública nrimero um - é muitos desses adolescen-
tes continuarem a experimentar até acabarem viciados. Para
certes pessoas, a experiência de fumar é tão poderosa e digna de
rnemória que não conseguem pararde fumar. O hábito adere.
É importante ficarcom estes dois conceitos separados * contá-
gio e aderência - porque seguem dois padrões diferentes, a exigir
estratégias diversas. Lois Weisberg é uma pessoa contagiosa. Ela
conhece tente gente e pertence a tantos mundos que pode espa-
lhar uma informação ou uma ideia de mil maneiras diferentes, to-
das ao mesmo tempo. LesterWunderman e os criadores do pro-
gramaPisrcs daBlue,çnr ouro lado, são especialistas em aderência;
têm um talento para criar mensagens memoráveis e que mudam o
comportemento das pessoes. O contágio é, na sua maior parte, a

zz6
Outro Caso Pradigmático

função do mensaçiro. A aderência é sobrenrdo uma caracterís-


tica da mensagem
O tabagismo é a mesma coise. Se um adolescente se vicia ou
não, depende dele ter contâcto cpm um daqueles Vendedores que
dão aos adolescentes «pefinissflo» pâre se çnvolverem em actos
dewiantes. Mas se o adolescente gosta ou não gostâ de cigarros o
suficiente para continuara fumar, depende deum coniunto dife-
rente de critérios. Porexemplo, num estudo recente feito na Uni-
versidade de Michigan, um grarde grupo de pessoas foi inquirido
sobre os seus sentimentos quando fumaram o primeiro cigarro.
- Descobrimos que para a maioria das pessoas a primeira expe-
riência comtrm cig+rro foi basante nqgativa- disse Ovide Pomer-
leaq um dos investigadores do proiecto. -Mas a diferença entre os
fuuros fumadores e os fumadores-nunca-mais é o prazergeml dado
pela experiência - a sensa$o de agita$o ou de prazer mental.
Os números são impressionantes. Das pessoas que experimen-
taram cigarros algumasvezes e nunca mais fumaram, apenas cerce
de um quârto tiveram algum tipo de..viagem" agradável com o
primeiro cigarro. Dos ex-fumadores - pessoas que fumaram du-
rante algum tempo e depois conseguiram deixar - cercâ de um
terço teve uma sensação agradável. Entre os fumadores..leves,,,
cerca de metade lembrava-se bem do primeiro .ig"*. Contudo,
dos fumadslss «pesâdss',, 78 por cento lembrava-se de ter tido
uma boa.«iagem'nas primeiras pesses. Por outras palawas, a
questiio de quão aderente o tabaco acaba por ser para uma dada
pessoe depende muito da sua reacção inicial à nicotina.
Este ponto é essencial e muitas vezes esquecido na retórica in-
flamada daguerra contra o tabagismo. Aindristria do tabaco, por
exemplo, é culpabilizada há anos por negar o aspecto viciante da
J
nicotina. E uma postura ridícula, claramente. Mas a no$o oposta,
frequentemente avançada pelos antitabagistas - e nicotina é um
ücio mortal escravizador de todos os que entram em contacto

227
A Chave do Sucesso

com ela -, é igualmente ridícula. De entre rodos os adolescentes


que experimentem fumar, só cerca de um terço passa a fumar
regularmente. A nicotina pode ser altamente viciante, mes só é vi-
ciante pam certes pessoes, algumas vezes. Mas o mais importante
é que mesmo entre aqueles que fumam regularmente há enormes
di[erenças na aderência do ücio. Os especialisras em tabagismo
costumavampensârque 90 a 95porcento detodos osfumadores
eram fumadores regulares. Mas, há alguns enos, as perguntas do
inquérito feito pelos serviços de saúde governamenrais rornaram-
-se mais específicas e os investigadores ficaram surpreendidospor
descobrirem que um quinto dos fumadores não fuma todos os
dias. Por outras palawas, há milhões de norte-americanos que
conseguem fumar regularmente e não serviciados - pessoas parâ
quem fumar é contagioso, mas não aderente. Nos últimos anos,
esses «cÍriPPcrs,»l- como lhes chamam - têm sido exaustivamente
analisados, com o grosso do trabalho feito pelo psicólogo Saul
Shiffinan, da Universidade de Pimburg. Adefinigo que Shifuan
dá de chippu é aquela pessoa que fuma até cinco cigarros por dia e
pelo menos quatro diasporsemana Escreve ele:

Os hábitos do chippcrveriam de dia para dia, e os padrões incluem


muitas vezes dias de abstinência completa- Os chippds disseram que têm
pouca dificuldade numa abstinência ocasiond e não tiveram quase ne-
úuns sintomas de abstinência quando paramm de fumar... Ao contnírio
dos fumadores habituais que fumam logo ao acordar para repor a nicotina
eliminada durante a noite, os cáigpn passam várias horas antes de fumar o
primeiro cigarro do dia- Em resumo, todos os indicadores exeminados su-
gerem gue os chippcrs nu são viciados em niorina e que o seu tabagismo
não é devido ao alívio da abstinência ou para contrariar a abstinência

I É impossível encontrar um eqúvalente apropriado pârâ esra palawa, que à lerra


(N. ô L)
"bem dispcto".
quer dizer.animado' e

zzB
Ouro Caso Pradigmático

Segundo Shiffinan, as chiPpers são o equivalene às pessoas que


só bebem em ocâsiões sociais. Controlam o vício. Diz ele:

A maioria destas pessoâs nunca foram grandes fumadores. Penso ne-


les como sendo de desenvotvimento retardado.Todos os fumadores come-

çâm como chippus, nos primeiroc tempos, e depois sobem para um aba-
gismo mais dependente. Quando iuntamos dados sobre os tempos iniciais
dos fumadores, os clltppcrs são iguais eos ouaros. A diferença é que com
o passer do tempo os grandes fumadores mudam de escala, enquânto os
chippas ytmânecem nâ mesma sinração.

O que é que distingue os cú,ppcrsdos fumadoresviciados? Pro-


veyelmente são factores genéticos. Por exemplo, Allan Collins, da
Universidade do Colorado, iniectou recentemente vários grupos
de estirpes diferentes de ratos com quentidades crescentes de
nicotina. Quando a nicotina atinge níveis tóxicosnum rato (efinal
de conas a nicotina é um veneno) o animal tem um ateque - a
euda fica rígida; começa a corer alucinado pela gaiola; o coraÉo
softe espasmos e paregens; e acabe por cair de paas parâ cima.
Collins queriaver como as várias estirpes de ratos reagiam a qnan-
tidades diferentes de nic-otina. Como ere de esperir, as reacções
variaram. A estilpe mais tolerante à nicotina conseguia aguentâr
duas ou três vezes mais do que a estilpe sensível a doses menoÍ€s.
- É mais oumenos aemplitude do álcool - diz Collins.
Depois colocoutodos os ratos nas gaiolas e deu-lhes duasgar-
rafas para beberem: uma com uma soluSo simples de sacarina e
outra com a sacarina mismrada com nicotina Desta vez queria ver
se havia uma rela$o entre a tolerânciagenética à nicotina da es-
tilpe e a quantidade de nicotina que con$rmiria volunariament€.
Mas uma vez, havia uma rela6o. Na realidade, ere tuna relação
quase perfeita Quanto maior a tolerância do rato à nicotina, mais
bebia dagarrafacom nicotina. Collins achaquehágenes no cére-

229
 Chave do Sucesso

bro do rato determinantes do modo @mo a nicotina é processada


- a rapidez de ac$o da toxicidade, a quantidade de prazer propor-
cionado, o tipo de..viagem» - e algumas estirpes de ratos têm ge-
nes que lidam muito bem com a nicotina e obtêm maior prazer, e
outres estilpes reagem à nicotinacomo aumveneno.
E claro que os humanos não são ratos, e beber nicotina por uma
garrafa dentro duma gaiola não é rgual a acender um Marlboro.
Mas mesmo verificando-se epenes uma fraca correla$o entre o
cérebro de um rato e o nosso, estas descobertasparecem corrobo-
rar o estudo de Pomerleau. As pessoâs que nunsr mais fumaram
porque não ..viajaram» com o seu primeiro cigarro e acharam a ex-
periêacia horrível, prorravelmente são aquelas cuio corpo é extre-
mamente sensível à nicotina, incapaz de aceitar mesmo as doses
mais pequenas. Os cfrlppan devem ser as pessoas com genes para ti-
rar pruzer danicotinq mas sem genes para lidar com ela em gran-
des doses. Os fumadores pesados, por outro lado, podem ser âs
pessoas com os dois tipos de genes. Isto não quer dizer que os ge-
nes forneçam umâ explicação completa pera a quantidade de ci-
gerros consumidos por uma pessoa. Sabendo-se que a nicotina
alivia o aborrecimento e a tensão, por exemplo, as pessoas em si-
tuações aborrecidas ou tensas vão sempre ter mais tendência perâ
fumar do que as pessoas que não passam por isso. É apenas para
dizerque o que toma o tabagismo aderente é completamente di-
ferente do que o torna contagiante. Se estamos à procura de Pon-
tos de Viragem na gueÍra contre o tâb4gismo, então precisamos de
decidir quais dos aspectos da epidemia podem ser atacados com
mais sucesso. Devemos tornâr o fumar menos contagioso, i*pe-
dir osVendedores de espalhar a epidemia do tabagismo? Ou é me-
lhor tornar o fumo menos aderente, araniar maneiras de trans-
formar os fumadores em chipprs?

230
Outro CasoPlxáigmfuiço

5.

Tratemos primeiro do contágio. Há duas esretégias possíveis


parâ impedir o eumento do abagismo. O primeiro é começar por
impedir..permissores" - as Magie e os Billy G. - de eles próprios fu-
merem. Este é claramente o caminho mais dificil: os adolescentes
mais independentes, precoces e rebeldes são os menos susceptí-
veis de receber conselhos de saúde racionais. A segunda possibili
dade é convencer os que se sentem atraídos por pessoâs como
Magie ou Billy G. de que deveriarn olhar para outro lado, procur?r
os indícios das atitudes ..fixes» nos adultos, por exemplo.
Mas isto ambém não é fácil. Na realidade pode seruma estra-
tégia ainda mais diffcil do que a primeira pois, muito simples-
mente, os pais não têm esse tipo de influência sobre os filhos.
É claro que é diffcil acreditar nisto. Os pais estão muito con-
vencidos do seu poder para formar a personelidade e o compor-
temento dos filhos. Mas, tal como argumentou brilhantemente
|udiú Harris emTheNurfitre Asmmptioa, publicado em 1998, não
há provas da existênciade tal poder. Considere-se, porexemplo, o
resultado dos esforços desenvolvidos durante anos pelos psicólo-
gos para tentar medir esta questão em si - o efeito dos pais sobre
os filhos. Obviamente, eles passam os seus genes para os herdei-
ros, e o§ gene§ têm um papel muito importante em quem nós so-
mos. Os pais dão emor e afecto nos primeiros anos da infância;
privados de sustenta$o emocional pre«)ce, as criançâs ficem irre'
mediavelmente preiudicadas. Os pais dão alimento, aloiamento e
protecSo para obásico do dia-a-dia, tão necessário para as crian-
ças se sentirem segurase estarem saudáveis e felizes.Até aqui é f,í-
cil. Mas será que produz uma diferença duradoura na personali-
dade da criança se os pais são ansiosos e têm falta de experiência,
em vez de autoritários e competentes? A curiosidade intelectual
dos nossos filhos é mais garantida se enchermos a cirsa de liwos?

23r
A Chave do Sucesso

A personalidade do nosso filho será afectada por estarmos com


ele uma ou duas horas por dia, em vez de oito horas por dia? Por
outras palanras, o ambiente socid específico que criamos na nossa
casa faz uma diferença real no modo como os nossos filhos aca-
bam por seÍ em adultos? Numa serie grande e bem elaborada de
estudos sobre gémeos - partiorlarrrente gémeos separados à nes-
cença e educados separadarnente - os geneticistas demonstraram
que a maiorparte dos traços do nosso carácterque nos faz seÍmos
como somos - simpatia, extroversão, nerosismo, sinceridade e
por aí fora - é mais ou menos metade genética e metade resultado
do ambiente. A opinião coÍrente é que o ambiente do lar faz uma
grande diferença nâ nossa vida. Contudo, há um problema: sem-
pre que os psicólogos procuraram este efeito da educação, não o
encontrerem.
Um dos estudos mais completos e mais rigorosos sobre este
tema, por exemplo, é conhecido como o Proiecto de Adopção do
Colorado. Em meados da década de 1970, um grupo de investiga-
dores da Universidade do Colorado, dirigidos por Robea Plomin,
um dos maiores especialisas mundiais em genética do comporte-
mento, arregimentaram?4í mulheres gnívidas da área de Denver
decididas a dar os filhos para adop$o. Depois seguiram as crian-
ças nos seus novos lares, dando-lhes uma bateria de testes de per-
sonalidade e inteligência em intervalos regulares durante a infin-
cia, e fizeram os mesmos testes com os pais adoptivos. Para ter um
modo de comparação, o grupo fez os mesmos testes com 245 pais
e os seus filhos biológicos. Neste gnrpo de referência, o resultado
dos testes foi bastante próximo daquilo que se podia esperar. Em
parâmetros como a capacidade intelecnral e cenos aspectos da
pemonalidade, os fithos biológicos são bastante parecidos o,
"ãrr
pais. Contudo, nas crianças adoptadas, os resultados foram nitidâ-
mente estranhos. Os seus resultados não têm nada a ver com os
dos pais adoptivos: estas criençes não são mais parecidas em ter-

232
Outro Caso Pradigmático

mos de personâlidade ou capacidade intelecaral com es pessoâs


que as criaram, alimentaram, vestiram,lhes leram coisas, os ensi-
narem e amaram durante dezasseis anos do que com quaisquer
doisadultos escolhidos aleatoriamente na ruâ
Se pensarmos melhor nisto, é ume descoberta realmente ex-
traordinária Muitas pessoes acreditam ser parecides com os seus
pais por causa de uma certa combinaSo de genes e, sobretudo, de
educaçáo - os nossos pais, em grande medida, criaram-nos à sua
própriaimegem. Mas seé esse o caso, se aeduca$o tem tanta im-
portância, então porque é que os 6lhos adoptados não se parecem
nadacnmos pais adoptivos?O esnrdo do Colorado não dizque os
genes são tudo e o ambiente não interessa. Ao contrário, todos os
resultados sugerem que o ambiente tem um papel tão grande * se
não maior- quanto a hereditariedade, na formação da personali-
dade e da inteligência. O que o esnrdo mosre é que, qualquer que
seia essa influência ambiental, não tem muito a ver oom os pais.
É outra coisa, e |udith Harris diz que essa outra coisa é a influência
dos pares.
Harris pergunta: Porque é que os filhos de irnignntes recentes
quese nuncâ mantêm o sotaque dos peis? Porque é que os filhos
de pais surdos conseguem aprenderafalartão depressa etãobem
como os filhos de pais que falam com eles desde o dia em que nas-
ceram?A respostâ tem sido sempre que a língua é uma competên-
cia adquirida tardiamente - o que as crianças adquirem com es
outras crianças é tão ou mais importante do que a aquisiso de
linguagem aprendida em cÍrsa. Harris afirma que isto tamHm é
verdade em termos mais gerais: a influência do ambiente que
aiuda as crianças a ser o que são - a formar a personalidade e o
carácter- grupo dos seus peres.
éo
Compreensivelmente, este argumento provocou muita contro-
vémia na imprensa popular. Há questões legítimas sobre onde e
até onde pode ser aplicado. Mas não há dúvida quanto à sua

233
A Chave do Sucesso

grande relevância na questão do tabagismo adolescente. Os filhos


dos fumadoÍes têm o dobro das hipóteses de serem fumadores
em relação aos filhos dos não fumadores. Mas - seguindo a lógica
de Harris - isso não significe que os pais fumadores dêem aos
filhos um exemplo a seguir. Significa simplesmente que os filhos
dos fumadores herdaram dos pais os genes propiciadores à de-
pendência da nicotina. E realmente, estudos feitos com crianças
adopadas mostram que aquelas criadas por fumadores não têm
mais probabilidades de se tornarem fumadores do que as criadas
por não fumadores. "Por outrâs palavras, os efeitos das variações
em educação (por exemplo, os pais acenderem os cigarros ou não,
terem cigarros em câse ou não) eram essencialmente nulos na al-
nrÍa em que â criança atingta a idade adulta,r, escreve o psicólogo
David Rowe no seu liwo de 1994 onde resume as pesquisas sobre
a matéria The Limix ofFami$ Influence (Os limites da influência fa-

miliar). ..O papel dos pais é passivo - providencia um coniunto de


genes relevantes pera o risco de frrmar, mâs sem influência social
nos herdeiros."
Para Rowe e Harris, o processo pelo qual os adolescentes são
contagiados com o hábito de fumar esrá inteiramenre ligado ao
grupo dos pares. Não se trata de imitar o comportamento dos
adultos, e é porisso que o abagismo entre os adolescentes esrá a
subir numa altura em que o tabagismo entre os adultos está a bai-
xar. O tabagismo adolescente tem ever com a adolescência, com a
partilha daexperiência emocional, da linguagem expressivae dos
rinrais da adolescênciq factores tão impenetráveis e irracionais
para quem está de fora como os rituais do suicídio adolescente na
Micronésia. Nestas circunstâncias, como podemos esperar algum
impacto da intervenção dos adultos?
- Falaraos adolescences sobre os perigos do tabaco para a saúde:
"Vaite envelhecer! Vaite tornar impotente! Vai-te matar!,, é inú-
til - conclui Harris. - Isto é propaganda para adultos; são argu-

234
Ouro Ceso Pradigmático

mentos de adulto. É por os adultos não âprovarem o tabaco (por


haver algo de perigoso e criticável no fumar) que os adolescentes
queremfazê-lo.

6.

Se a opção de conuariaros esforços doVendedor -ou seia, in-


tervir no mundo interno dos adolescentes - não perece umâ e$ra-
tégia panicularÍnente eficiente contra o tabagismo, ertão e a op-
ção da aderência? Neste cÍtso a procura de um Ponto de Viragem é
muito diferente. Suspeitamos, tal como escrevemos anterior-
mente, que uma das razões por que alguns experimentadores
nunca mais fumam e outros tomam üciados para toda a vida é o
se

facto de os seres humanos terem diferentes tolerâncias inatas à


nicotina. Num mundo ideal daríamos ao grande fumadoruma pí-
lula que baixasse a sua tolerância ao nível de, digamos, um chipper.
Seria uma maneira fantástica de retirar a aderência ao tabagismo.
Infelizmente não temos conhecimentos pâra tanto. Temos é o
adesivo de nicotina, o qual fornece uma dose baixs e contínua de
nicotina, para o fumador não ter de coÍrer o risco de fumar cigar-
ros para consumir a sua dose. É uma estratégia anti-aderente que
tem ajudado milhOes de fumadores. Mas é bastante claro que o
adesivo esrálonge de serperfeito. Aforma mais compensatória do
viciado obter a sua droga é na forrra de um <.chuto,, - uma dose
muito alta aplicada rapidamente, e que domina os sentidos. Os vi-
ciados em heroínanão se põem a receberadrogagota agotaintra-
venoseÍnente: iniecam-se duas, três, ou quatro vezes por dia, rece-
bendo uma grande dose de uma só vez. Os fumadores fazem o
mesmo, numa escala mais baixa. Recebem e carga de um cigarro,
depois param, e depois recebem outre eÍga- O adesivo, no entanto,

235
A Chave do Sucesso

fornece uma dose contínua de droga durante o dia, uma maneira


bastante desinteressanre de ingerir nicotina. O adesivo perece
tanto um Ponto de Viragem na luta conrra a epidemia do taba-
gismo como os batidos dietéticos são Pontos de Viragem na luta
contra a obesidade. Não haverá um candidato melhor?
Penso que há duas possibilidades. A primeira pode ser encon-
trada na correlação entre o fumo e a depressão, um elo descoberto
recentemente. Em 1986, um esnldo feito no Minnesota entre os
doentes psiquiátricos externos descobriu que metade deles fu-
mava, um nrírnero muito acimada média da população. Dois anos
mais tarde, o psicólogo Alexander Glassman, da Universidade de
Columbia, descobriu que 60 por cento dos grandes fumadores
acompanhados por ele, cotrlo parte de um estudo completamente
diferente, tinham histórias de grande depressão. A seguir fez um
esnrdo mais pormenorizado com 3200 aduhos escolhidos aleato'
riamente, publicado em 1990 no lournal of the Ameriwn Medical ,4s-
sociation. Enre os adultos diagnosticados com uma desordem psi
quica maior, a certa altura da vida, 74 por cento tinham fumado em
determinadas alturas, e 14 por cento rinham deixado de fumar. En-
tre aqueles e quem nuncâ tinha sido diagnosticado nenhum pro-
blema psiquiátrico importante,53 por cenro tinham fumado em
determinadas alturas e 31 por cento conseguiram deixar de fumar.
A medida que aumentam os problemas psiquiátricos, a correlação
com o tabagismo também eumenta. Cerca de 80 porcento dos al-
coólicos fuma. Cerca de 90 por cenro dos esquizofrénicos fuma.
Num estudo particularÍnente aterrador, um grupo de psiquiacras
britânicos comparou o comportamento fumador de um grupo de
adolescentes entre os doze e os qünze enos com problemas emo-
cionais e comportamentais com um grupo de adolescentes da
mesma idade em escolas normais. Metade dos miúdos ccrm proble-
mas iá fumava mais de 21 cigarros por semana, contÍe l0 por cento
nas escolas normais. Por outras palavras, à medida que a percenta-

236
Outro Caso Pradigmático

gem de fumadores declina, a dependência concentra-se entre os


membros da sociedade mais pernubados e mais maqginais.
Há várias teorias sobre o motivo por que o tab4gismo condiz
tanto com os problemas emocionais. Aprimeir* é que o tipo de
coisas que fariam umapessoa susceptível aos efeitos carragiosos
da nicotina - baixa auto-estima, digamos, ou uma vida doméstica
doentia e infeliz - são as mesmas que eonuibuem pârâ a depres-
são. No entanto, o mais preofllpâate são as proves preliminares
deque os dois problemas podem teÍ a mesmaraizgenética. Por
exemplo, acredita-se que a depressão seia o resultado, pelo menos
parcialmente, de um problema na produ$o de certas substâncias
químicas importantes do cerebro, em particular dos neurotrans-
missores conhecidos como serotoniaa, dopamina e norepine-
frina. São os químicos reguladores do estado de espiriro e confri-
buem para sentimentos como autoconfiança e domínio do prazer.
Drogas como o Zoloft e o Prozac resultam po{1ue mandam o cé-
rebro prduzir mais serotonina; por outras palavras, compensam
o défice de serotonina detectado em certas depressões. Perece
que â nicotina faz exa(Ííame§te o me§mo com outros dois neuro-
trasmissores-chave - a dopamina e a norepinefrina. Resumindo,
os fumadores deprimidos o que fazem essencialmente é usar.o ta-
beco como um metodo barato de tratar da depressão, de aumen-
tar o nível de químicos do oérebro de que precisam para funcionar
norrnalmente. Este efeito é su§cientemente forte para que os ex-
-fumadores com uma história de problemas psiquiátricos tenham
um maior risco de voltar à depressão, Aq*i está a aderêrrcia a ac-
tuar de uma formavingatha: não só leva a que alguns fumadores
não consigam deixar de fumar porque estão viciados na nicotina,
como faz com que sem a nicotina corrâm o riseo de ter uma
doença psrquiátrica debilitante.
É um caso serio. Mas tamhém sryere umâ vulner*bilidade crítica
do abaco: se conseguirmos aatar a depressão dos fum*dores, tam-

237
A Chave do Sucesso

bém conseguimos que vençâm,mais facilmente o vício. Tal como se-


ria de espe€r, é esse o qtso. Em meados da década de 1980, os in-
vestigadores da empresa farmacêuticxl que agora se chama Glaxo
Wellcome estevem efazer urn grande teste à escala nacional com
um antidepressivo chamado Bupropion quando, suqpreendente-
meste, comepram a ter relatórios de campo sobre <l tabagismo.
- Comecei a saber que havia doentes a dizer coisas como *.Já
não sinto vontade de fumapr, ou «f,sduzi o número de cigarros",
ou ..Os cigarros iá não me sabem tão bem" - disse Andrew
fohnston, director da divisão de psiquiatria da empresa. Como
*
se imagina, uma pessoa na minha posição vê relatórios sobre
muia coisa, portanto não os levei em grande consideração. Mas
continuavam achegar. Não era nadahabitual.
Isto aconteceu em 1986, antes da rela$o entre e depressão e o
tabagismo ser bem compreendida, portanto inicialmente a em-
presa §cou muito surpreendida. Mas depressa perceberam que o
Bupropion funcionava como ume especie de substituto da nicotina-
- A dopamina que a nicotina liberta vai para o córtex pré-frontal
do cérebro - explica fohnston. - É o centro de prazer do cérebro.
Acredita-se que seia responsável pelo prâzer, pele sensação de
bem-estarassociada ao fumo, e é uma das razões porque éteo di
ficil deixar de fumar. A nicotina também aumenta a produção de
norepinefrina e por isso, quando tentamos deixar de fumar e não
recebemos tanta norepinefrina, ficamos agitados e irritados.
O Bupropion faz duas coisas. Aumenta a dopamina, portanto os fu-
madoresnãotêm vontade de fumar,e subsdrui alguma norepine.
frina, portanto não sentenn a agit*ção, ossintomas de abstinência.
,.{ Glaxo Wellcome testou a droga - agorâ comercializada com
o nome deZyban - em fumadores muito viciados (m*is de 15 ci-
garros por dia) e obteve efeitos noúveis. Num dos estudos; 23 por
centô dos fumadores que frequentaram um curso de aconselha-
mento antitabagista e tomerâm um placebo dekaram de fumar

238
Outro Caso Pradigmático

ao fim de quauo semanas. Dos que recebeÍam aconselhamento e


o adesivo de nicotina,36 porcento deixaram ao âm de quatro se-
manas. No entanto, para os que tomaram Zyban, a percentagem
foi de 49 por cento, e grre os fumadores muiroviciados que use-
ram teÍrto oZybncomo o adesivo, 58 porcento tinham deixado
ao fim de um mês. É interessante que o 7-olofteo Prozac- as dro-
gâs que agem sobre a serotonina - não parece que aiudern os fu-
madores a abandonarovício. Poroutras palavras, não chega me-
lhorar o estado de espírito; é preciso melhorar exactamente da
mesme maneira que â nicotina, e só o Zybantem essa acSo.Isto
não signifi€ que seia uma droga perfeita. Como acontece com
todas as aiudas para deixar de fumaro dá menos resultado com os
fumadores mais viciados. Mas o sucesso inicial da droga provou que
é possível encontÍar um Ponto de Viragem aderente no caso do ta-
bagismo: concentrando-nos na depressão, podemos explorar uma
vulnerabilidade critica do processo de dependência.
Há um segundo Ponto de Viragem na quesrão da aderência
que se torna aparente se voltarmos à situaSo dos adolescentes
quando começâm a fumar. Ao princípio, quando experimentam
os cigarros pela primeira vez,são todos cá ipperc.Só fumam ocasio-
nalmente. Mútos depressa abandonam os cigarros e nunca mais
fumam. Alguns continuam a fumar oesionalmente durante mui-
tos ânos, sem se tornarem viciados. Cerca de um terço acabam por
serfumadores regulares. Contudo, o interessante deste período é
que leva cerca de três anos pare o último grupo passar do cigarro
ocasional pare o tâbegismo regular - grosso modo entre os quinze
e osdezoito anos - edepois entre cinco e sere anos háumasubida
gradual no hábito.
- Quando a pessoa fuma regularmente no secundário, não
fuma um maço por dia - diz Neal Benowitz, especialista em de-
pendência na Uaiversidade da California, em San Francisco. - Só
aos vinte e tal anos é que chega a esse nível.

239
A Chave do Sucesso

Portanto, dependência da nicotina está longe de terum desen-


a

volvimento instantâneo. A maioria das pessoas leva tempo a viciar-


-se nos cigarros, e so porque os adolescentes fumam aos quinze anos

não quer dizer que ficarao viciados inevitavelmente. Temos cerca


de três enosparír os fazerperar.Asegundaimplica$o ainda mais
intrigante, é a dependência da nicotina não ser um fenómeno li-
near. Não é umasituagoem que, se precisamos deum cigarro por
dia, somos um bocadinho viciados, se precisamos de dois, somos
um bocadinho mais viciados, e se precisemos de dez cigarros,
somos dezvezes maisviciadoo do que se precisássemos ú de um.
Deduz-se, ao contrário, que há um Ponto de Viragem no vício, um
limiar - se fumaÍmos um ceÍto ntímero de cigarros diários não somos
viciados de todo, mas se passermos esse nrimero mágio, de repente
passamos a serviciados. Há ainda uma outra maneira de compreen-
der melhor os chipperx,são pessoas que simplesmente nunca fumam
o suficiente para atingir o patamar do vício. Um fumadorviciado,
por outro lado, é a pessoa que a certa altura ultrapassa esse limiar.
O que é o limiar do vício? Bem, ninguém acredita que possa ser
exactamente o mesmo peratdas asPessoa§. MasBenowitz elack
Henningfield - provavelmente os maiores especialistas em nico-
tina do mundo - fizeram elguns cálculos. Os chippers. dizem eles,
são pessoas capezes de fumar cinco cigarros por dia sem ficarem
viciados. Isto sugere que a quantidade de nicotina contida em
cinco cigarros - qualquer coisa como enüre quatÍo e seis miligra-
mas de nicotina - é provavelmente múto próxima do limiar da
dependência. Então, Henningfield e Benowitz sugerem que as ta-
baqueiras seiam obrigadas a baixar o nível de nicotina de modo
a que mesmo os maiores fumadores - os que fumam, digamos,
30 cigaros pordia - não consigam mais do que cinco miligramas de
nicotina num período de Z4horas. Os dois afirmrm, num artigo
publicado no prestigiúo Nw Enghnd Jounol of Me.dicinc que esse
nível "deveria ser adequado para evitar ou limitar o desenvolvi-

240
Ouro Caso Pradigmático

mento da dependência na maioria dos iovens. Ao mesmo tempo


pode providenciar nicotina suficiente para dar sabor e estímulo
sensorial» Poroutras palarrras, os adolescentes podiam continuar
a experirnentar fumar pelas mesmas razões que sempre os levaram

a experimentar fumar - porque o hábito é contagioso, porque os


miúdos fixes fumam, porque querem encaixar-se. Mas, Seças à
redu$o dos níveis de nicotina, abaixo do limiarda dependência,
o hábito não continueria a ser aderente. O abagismo podia-ser
menos como a gnpe e mais como uma constipação vulgan facil-
mente se apanha mas facilmente se cure.
É imponante colocar em perspectiva estes dois factores de
aderência. Até agora o movimento antitabagista concentrou-se
em subir o preço dos cigarros, reduzir a publicidade aos cigarros,
passarmensagens de saúde ptiblica na rádio e na televisão,limiar
o ecesso do tabaco e meoores, e meter ideias antitabagistes na ca-
beça das crianças - contudo, durante o período desta campanha
alaryada, apârentemente abrangente e muito ambiciosa, o taba-
gismo entre os iovens zubiu muito. Temos endado obcecados em
mudar a atinrde em relaSo ao tabaco numa escala maciça, mas
não conseguimos atingir os grupos cuia atinrde precisa mais de
mudar. Temos andado obcecados em reduzir a influência dos fu-
madores Vendedores. Mas parece que cada vez mais não conse-
guimos parer esss influência. Resumindo, de certo modo conven-
cemo-nos de que precisamos de abordartodo o problema, tudo
eo mesmo tempo. Mas a verdade é que não precisamos. Só preci-
samos de descobriros Pontos deYragem da aderência, e que são
as ligações à depressão e aolimiarda dependência.
A segunda li$o da estratégia da aderência é pennitir uma ati-
tude mais razoável em relação à experimentação dos adolescen-
tes.Aatittrdemais radical naluta contra as drogasparte do princí-
pio de que a oçeriência é iguâl à dependência. Queremos que es
nossas crianças nunca fiquem expostras à heroína, ou à mariiuana,

24l
A Chave do Succsso

ou à cocaína, po{lue peÍrsamos que o epelo dessas substâncias e


tão forte que mesmo eexposiÉo mais pequenabasta.Mas sabem
quais são as estatísticas da experimentaSo com drogas ilegais? Na
Pesquisa Doméstica de Toxicodependência de 1996,1,1 por
cento dos entrevistâdos revelaram ter consumido heroína pelo
menos uma vez. Mas só 18 por ento desses 1,1 por cento consumi-
ram noultimo ano, esó 9 porcento consumiram nom&passado.
Não é este o perfil de uma droga panicularmente aderente. Os va-
lores para a cocâína são ainda mais impressionantes. Dos que ex-
perimentaram a cocaína, menos de um por cento - 0,9 por cento -
são utilizadores habiarais. Estes nrisreros.lirem-nos que e expe-
rimentação e o uso verdadeiramente intensivo são duas coisas
completamente sqraradas - umadroga pode sercontagiosa, mas
isso não quer dizer que também seja adereate. De facto, o enoÍÍne
número de pessoas que teriam experimentado cocaína pelo me-
nos uma vez devia indicar que a necessidade dos adolescentes em
experimentar algo perigoso é praticamente universal. É o que os
adolescentes fazem. É assim a sua aprendizagem sobre o mundo, e
na maioria das vezes - em 99,1 por ento das vezes, no caso da co-
caína - a experiência não provocr nada de mal. Temos de deixar
de lutar contr? este tipo de experimentaçáo. Temos de a aceitar e
até de a apoiar. Os adolescentes vão continuar sempre a sentir-se
fascinedos com pessoÍs como Magie, a preceptora, BiUy G. e Pam
P., e deviam senú-se fascinados com pessoas como eles, quanto
mais nãoseia paraultrapassarem afantasia adolescente de que ser
rebelde, tnrculento e irresponsável é uma boa maneira de passar a
vida. Em vez de lutarmos contra a experimentâÉo, devíamos era
garantir que as e4periências não tenham consequências sérias.
Acho quevale apenarepetiro que foidito no começodeste ca-
pínrlo, uma cita6o de Donald Rnbinstein sobre o facto de o suicí-
dio terpenetrado tão profundamente na cultura adolescente da
Micronésia.

242
Outro Caso Pradigmático

Um certo nú,mero de rapazes que tenteÍem suicidar-se disseram que


ouüram falar nisso pela primeire vez quando tinham oito ou dez anos de
idade. As suas tentâtiyas de suicídio parecem ester dentro do espírito da
imiação ou da experimentação. Um rapaz com onze enos, por exemplo,
enforcou-se dentro de casa e foi encontrado iá inconsciente e com a língua
a sair da boca. Mais tarde explicou que queria.rexperimentan, o enforca-

mento. Disse que nãoqueriâ momer.

A tragédia desta situâção não é os rapazes expeÍimenterem.


Experimentar é o que os Íapezes fazem sempre. A tragédia é terem
escolhido experimenter uma coisa não expeÍimentável. Infeliz-
mente, nunca existirá ume forma mais segura de suicídio que
possa aiudar a salveÍ os adolescentes da Micronésia. Mas pode
existiruma forrra mais segura de fumar, e eo prestarÍnos atenSo
eos Pontos de Viragem do processo de dependência, podemos
tornar e experimentaÉo na fonna de fumar mais segura e o me-
nos aderentepossível.

243
8
CONCLUSÃO
Concentre-se, experimente e acredite

Não foi há muito tempo que uma enfermeira chamada Georgia


Sadler começou uma campaúa paÍÍr aumentÍrro aonhecimento e
a oonsciencialização dos diabetes e do cancro da mama na mmuni-
dade negra de San Diego. QSreria criar um movimento de base para
a preven$o, e @meçou a organizar seminários nas igreias oqgres
da cidade inteira. Contudo os resultados foram desencoraiântes.
-Talvezhouvesse umas duzentas pessoasna igreja, mas só con-
seguíamos que ficassemvinte, e essas pessoas erem aquelas que já
sabiam muito sobre estas doenças e só queriam ficar a saber mais.
Foi muito desencoraiador.
Georgia não conseguia que a mensegem pâssâsse para fora do
seu pequeno grupo. Percebeu que precisava de um novo contexto.
- Acho que as pessoas estevaÍn censadas e com fome depois do
serviço religioso - diz ela. - Todos temos vidas muito ocupadas.
As pessoas queriam irpara casa.
Precisava de um sítio onde as mulheres se sentissem descon-
traídas, receptivas anovas ideias, e tivessem otempo e âoporflrni-
dade de ouvir algo de novo. Também precisava de um novo men-
sageiro, alguém que fosse um pouco Comunicador, um pouco
Vendedor e um pouco Perito. Precisava de apresentar as informa-
ções de umâ nova maneira, mais aderente. E precisava de mudar
tudo isso de uma maneira que não excedesse o pouco dinheiro

245
A Chave do Sucesso

obtido de várias fundações e grupos de financiamento. Qual foi a


solu$o encontrada? Passar a campenha das igreias de pretos pâra
os cabeleireiros.
- É um público seguro -
diz Georgia. - As mulheres podem
ficarno cabeleireiro um período de tempo entre duas e oito horas,
se fizerem trançes no cabelo.
A cabeleireira também tem um relacionamento especial com a
cliente.
- Quando encontrâmos alguém que sabelidarcom o nosso cxl-
belo, somos cepazes de andar cem quilómetros para lá ir. A cabe-
leireira é nossa âmige. Acompanhe-nos quando acabamos o se-
orndário, no câsamento, no nascimentodoprimeiro filho. Éuma
relação a longo pÍuzo.É uma rela$o de confiança. Uma pessoa
expõe-se no cabeleireiro, em sentido figurado eliteral.
Além disso há algo na profissão de cabeleireira que parece etreiÍ
um ceÍto tipo de pessoas - alguém que comunica bem e facil-
mente com os ouüros, alguém que conhece uma grande variedade
de pessoas.
- São convereadoras naturais - diz Georgia. - Adoram falar
connosco. Tendem a ser muito intuitivas, porque têm de nos ob-
serrareYer como é que estamos.
funtouumgrupde cabeleireiras da cidade Frrâuma serie de
sessões de treino. Contratou um contador de histórias para tre!
ner es cabeleireiras sobre o modo de apresentarem as informa-
ções sobre o câncro da mama de umamaneira interessante.
- Queríamos apoiar-nos nos métodos de comunicâÉo trâdi
cionais - diz Georgia - Não se tratâ de uma aula. Qperíamos que
fosse algo que as mulheres quisessem partilhar, quisessem passar
e outras. E não há nada mais fácil do que ligaro conhecimento a
umahistória.
Sadler fez correr pelos cabeleireiros um fluxo constante de no-
vas informações, bisbilhotices, e começos de conversa sobre o can-

z+6
Conclusão

cro da mama, de maneira que quando as clientesvolassem a cabe-


leireira pudesse ter novas deixas para começaÍ a conversa Imprimiu
os te:cos com letras grandes em folhas plastificadas sumeptíveis
de sobreviver ao uso e manusamento dentro de um cabeleireiro
com muito movimento. Organizou um programe de avaliação
pararcr o que estava adar resulado e até que ponto aonsryuia mu-
dar as atinrdes e fazer as mulheres malqlrem es mamografias e aná-
lises de diabetes - e descobriu que o progreÍne funcionava É pos-
sível fazer muito com muito pouco.
Neste liwo falei de muitas histórias como esta - desde a luta
contra a delinquência em Nova Iorque à eo tesouÍo» conge-
"caça
minada porksterWunderman para o Clube de Discos da Colum-
bia - e o ponto comum entre todas elas é e modéstia de meios.
Georgia Sadler não foi ao Instituto Nacional do Cancro ou ao De-
partemento de Saúde do Estado da California pedir milhões de
dólares pera uma campanha multimédia muito elaborada para
alertar o público. Não andou de pona em portâ pelos bairros de
San Di€o, a oonvencer as mulheres a fazerem uma mamografia gra-
nrita. Não bombardeou as ondas dos rádios com chamadas persis-
tentes parà a prevenção e despiste. Emvez disso tudo, ela pegou
no pequeno orçamento disponível e pensou como utilizá-lo de
ume meneira mais inteligente. Mudou o mensageiro e mudou a
própria mensagem. Concentrou os esforços.
Esa é a primeira li$o do Ponto de Viragem. Começaruma epi-
demia requer a concentre$o dos reorrsos em poucas áreas-chave.
ALei dos Poucos diz que os Comunicadores, Peritos e Vendedo-
res são os responsáveis pelo arranque das epidemias boca-a-boca,
o que quer dizer que, se estamos interessados em @meçar uma
epidemia boca-a-boca, os nossos recutsos devem s€r conoentra-
dos exclusivamente nesses três grupos. Mais ninguém interessa.
Dizer a William Dawes que os ingleses vinham aí não aiudou nada
os colonos daNovalnglaterra.Mas dizê-lo aPaulRevere fez adlFe-

247
A Chave do Sucesso

rença entre derrota e vitória. Os criadores do Pistos ilaBlze desen-


volveram um sofisticado programa de televisão de meia hora que
as crianças adoravam. Mas perceberam que não havia maneira de
as crianças se lembrarem e aprenderem ardo aquilo que precisa-
vam de fixar com trma simples passagem. Portanto fizeram o que
ninguém tinha feito em televisão. Passaram o mesmo pÍogrâma
cinco vezes seguidas. Georgia Sadler usou os pouaos recursos de
que dispunhanum sítio essencial- o cabeleireiro.
Um crítico que observe estas intervençÕes altamente concen-
tradas e com um alvo definido pode despre zá-lascomo sendo so-
luçõestipo penso adesivo. Mas a comparaSo não deviaserconsi-
derada pejorativa. O penso adesivo é uma solução barara,
conveniente e notavelmente versátil para uma quantidade inacre-
diúvel de problemas. Desde que foram lançados, os pensos adesi-
vos provevelmente permitirem a milhões de pessoas continuar a
trabalhar, a iogarténis, a cozinharou a caminhar, emvez de as fa-
zerinterromperas suas actividades.Asolu$o do penso adesivo é
realmente o melhor tipo de soluSo porque representâ resolver
um probleme com e quantidade mínima de esforço, rempo e
custo. É claro que temos uma espécie de desprezo instinrivo por
este tipo de soluções porque há dgo em todos nós a dizer que as
verdadeiras soluções pare os problemas têm de ser abrangentes,
que há uma virnrde na aplica$o obatinada e indiscriminada dos
esforços, que devagar se vai ao longe. O problema, é claro, é que a
aplica$o indiscriminada de um esforço nem sempre é possível.
Há alturas em que precisamos deum atalho conveniente, de uma
maneira de fazer muito com muito pouco, e, no fim de contâs, os
Pontos deViragem são sobre isso.
Contudo, a teoda dos Pontos de Virâgem requer uma restÍutu-
raçáo da maneira como vemos o mundo. Neste liwo passei muito
tempo a falar das idiossincrasias da maneira como nos relaciona-
mos com novas informações e entre nós. Temos problemas e evâ-

248
Conclusâo

liar mudanças impressionantes, exponenciú. Nao lrcdemos on-


eber uma folha de papel dobrada 50 vezes a chegar ao Sol. Há limi-
tes abruptm ao número de categorias cognitiras que consegtrimos
recoúecer, ao número de pessoas que podemos realmente aÍnaÍ, e
ao núrnero de conhecimentos que podeurosverdadeiramente ter.
Lerantamos os braços ao éu
peÍante um problema delineado de
uma forma abstracta, mas não temos dificuldade em resoM-lo
equacionado como um dilema social. Todas esas coisas são expres-
cora$o humanoq uma refuta-
sões da peculiaridade da rnente e do

So da ideia de que funcionamos, prooessamos informa$o e q)mu-


nicamos de um modo simples e trânsparente. Mas não é assim.
É urr modo confuso e opâco. O ku #amo e o Píws da Bfue faclm
bem sucedidos, emgrande paÍte, pelas coisas não óbvias que fize-
ram. Qpem poderia saber antecipadar-nente que o Poupas tinha de
estar no cenário das personagens aduhas? Ou quem poderia prever
que pâssar de 100 para l5O funcionários numa Ébrica não é prc-
blema, mes pessar de 150 para 200 é um problema enorme? No
teste dos nomes dalista telefonie que apresentei, nãotenho a er-
teza se algurém conseguiria pÍever que es ponilações altas seriam
acima de 10Oe asbaixas abaixo de l0.Achamosque aspessoassã<t
diferentes, mas nãotão diferentes assim.
O mundo, por mais que queiramos, não funciona de acordo
com a nossa intuição. Esta é a segunda li$o do Ponto deViragem.
Quem consegue ser bem sucedido a criar epidemias sociais não
faz apenas o que achaque deve fazer. Testa deliberadamente e$rÍr
inari$o. Sem as provas do Distraidómero, ao provarque a inari-
ção dos autores sobre a diferença eotre fentasiae realidade estava
errâde, o kn ffiamo não passaria de uma notâ de rdaÉ esque-
cida na história da televisão. O cofre dourado de ksterWunder-
man parecia uma ideia esúpida até se mostrer muito mais efici-
ente do que a publicidade convencional. Ninguém ter reagido aos
gntos de Kitry Genovese pereceu um caso definitivo de indife-

249
A Chavc do Sucesso

rençe humana, até os cuidadosos testes psicológicos terem de-


monstredo a poderosa influência do contexto. Para que a.s epide-
mias sociais façam sentido, precisamos de perceberprimeiro que
a comunicação humana tem o seu cooiunto próprio de regras
pouco habituais e anti-intuitivas.
Âfinal de contâs, o que deve esarsubiacente às epidemias bem
zucedidas é a crença inabalável na possibilidade de mudança, na
transformação radical do compoftâmenro perante o impulso
certo. Isto também contmdiz algumas das presunções mais enrai-
zadas sobre nós e sobre os outros. Gosamos de penser que somos
eutóÍlomos e dirigidos de dentro, que aquilo que somos e o modo
como agimos é algo pennenentemente definido pelos genes e
pelo tempeÍâmento. Mas se iuntarmos os exemplos dos Vende-
dores e Comunicadores, da cavalgada de Paul Reverc e do Pistas da
BInc, da Regra dos 1.50, da limpeza do metropolitano de Nova lor-
que e do Erro Fundamental deAuibuiSo, todos eles levam a con-
clusões bem diferentes sobre o que significaserhumano, Na rea-
lidade somos poderosamente influenciados pelo que nos rodeia,
pelo contexto imediato e pela personalidade das pessoas à nossa
volta. Limparosgrafitos do metropoütano de Novalorque fezdos
nova-iorquinos melhores cidadãos. Dizer aos seminaristas para se
apressarem fez deles maus cidadãos. O zuicídio de um iovem ca-
rismático da Micronesia lançou uma epidemia de suicídios que
durou dez anos. Colocar ume pequena caixa dourada no cento
dum anúncio do Clube de Discos Columbia fez amque de re-
pente comprar pelo correio parecesse irresistível. Observar de
perto comportamentos complexos oomo o tabagismo, o suicídio
ou a delinquência é verificar como somos susceptíveis perante o
quevemos e owimog e como somos ainda mais sensíveis às mais
pequenas mudanças na vida do dia-adia. É por isso que a mu-
dattç" social é tão volátil e muitas vezes tão inexpücável, porque
está na nanreza de todos nós sermosvoláteis e inexplicáveis.

250
Conclusão

Mas se há uma dificuldade e ume volatilidade no mundo do


Ponto de Vir4gem, também há uma grande quantidade de espe-
rânça. Pela mera manipulaçao do tarnenho de um gnrpo, pode-
mo§ fllmentar â sua receptividade a novas ideias de uma maneira
impressionante. Mexendo na apresentâÉo das informações, po-
demos âumenter significetivamente a sua aderência. Simples-
mente encontrendo e alcançando aquelas pessoas especiais que
possuem tanto poder social, podemos mudar o curso das epide-
mias sociais. No fim de contas, os Pontos de Viragem são a reafir-
mação do potencial de mudança e do poder das atitudes inteli-
gentes. Olhe para o mundo à sua volta. Pode perecer um sítio
inamovível e implacável. Mas aão é. Com o mais pequeno empur-
rão - no sítio certo - ele move-se.

25r
NOT,dS FINAIS

IrrnoouçÃo
Página 13
Para consultar um bom lesumo das e*atísticas da delinquência em Nove
Iorque veia-se: Midrael Massing.The Blue Revolutiono (A revolugo azul), na
Ncw York Rarie» of Boola,l9 de Norembro de 1998, pp. 32-34. Há outre boa ar-
gumentação sob're a nâíueze anómala da queda da delinqu&rcia em Nova Ior-
que em: William Bratton eWilliam Andrews,
"What Wete Learned About Poli-
cing (O que aprcndernos sobre policiamento), no City lounal, Primaveta de
1999,p.25.

Págae17
O maior investigador sobre boceioe é Robert Provine, paidlogo na Universi-
dade de Maryland Bntre os seus trabelhos sobre o assunto,veja-se «Yavmingas a
StercogpedÁction Panern and Releasing Stimulus" (O boceio omo um padrão
de acSo padronizada e estímulo de solnrra), revista Etholog,l983,vol.72,
p.lO9-122.
Robert kovinq «Çe6*iousYawning and Infant Imitetion",Bdletin of the
Psyclnnomic hcicty ;1.989, nol. 27, n." 2, pp. 12s126.

Página19
A melhormaneira de compreendero Ponto deVingern é imaginarum surm
de gipe hipotético. Srponha-se, por exemplq que durante o Vetão mil nuístas do
Canadá vêm a Manhatun e trezÊm uma estilpc intratárcI de um vínrs oom um
tempo de vida de vinte e quatro horx. Esa estirpe tcm uma percentegem de infÊc-
Éo de dois por cento, querendo dizerque por cada 5O pessoas que enÍ:rm em
ontacto póximo mm alguém infectado, uma delas é contagiada Digamos que

253
A Chave do Sucesso

50 é tamMm o ntimero de pessoas gue o habiunte de Manhaaan tipim contacta


todos os dias - a andarde e a lidarcom os colegas no rrebalho.
O que temog então, é uma doença em siuração de equilíbrio. Os mil canadianos
transmitem ovírus mil pessoas no dia em que chçgam. No dia çguinte essas mil
a

pessoas infectadas passam ovírus a mais mil pessoas ao mesmo tempo que os mil
turistas iniciais que oomeçaram a epidemia volt m a ficar saudáveis. Com o nú-
mero dos que ficam doentes e o número dos que ficam bons üio perfeitamente
equilibrado, agripe ara.sa-se num percuÍso regularmas discreto durante o resto
doVerãoedoOutono.
Mas depois vem a é,poca do Natd. O metropolitano e os autocarros enchem-
emvez de cpntâctercom 50 pessoas por
-se de turistas e pessoas às compras, e
dia, o habitante típico de Manhaaan passe a ficar muito perto de, digamos,
55 pessoas por dia. De repente rompe-se o equilíbrio. Os mil portadores do vírus
agoraestão muito póximos de 55 milpessoas pordia, ecom umgnude infec-
go de dois por cento, isto significa que haverá 11OO infectados no dia seguinte.
Í)or $ur vsz, entram em contacto om 55 mil pessoas, portanto no
Esses 11.00,
tereirodiahá 1210 habitantescomgripe, e no quano dia 1331, eno final dase-
mana há quase dois mil, e assim por diante, numa spiral orponenciaf até haver
uma grande epidemia de gripe em Maúanan no dia de Natal O momento em
que o portadordovírtrs típio
passoudo conacm com 5O pessoas pârâ o con-
tacto com 55 pessoas foi o Ponto deViragem. Foi o ponto em que um fenómeno
rnrlgare esúvel - um surto degripede baixa intensidade - se rransformou numa
crise de saúde pública. Se âzéssemos um gráfico do progresso da epidemia de
gripe canadiana, o Ponto de Viragem seria o ponto do grá6co onde a linha de
repente aomeça a subir.
Pontos deViragem são momentas muito sensíveis. As mudanças feitas no
Ponto de Viragem podem ter enormes consquências. A nossa gripe canadiana
tomou-se nna epidemia quando o número de nova-iorquinos gue encontra-
Íamum portedor de gripe passou de 5O para 55 por dia Mas tivesse esse mesms
mudança pequena ocorrido no sentido oposto, se o número tivesse caído de 50
para 45, a alterago teria baixado o nrimero de vítimas d" grp. para 478 no
prazo de uma semena, e ao fim de algumas semanas ncse rituro, a gripe cana-
dianateria desaparecido completamente de Manhattan. Reduzindo o nirnero
de pessoas erposus de 70 para 65, ou de 65 para 60, ou de 6O para 55, não se.
ria suficiente para acabaroom a epidemia Mas uma mudança mesmo no Ponto
deviragem, de 50 para45, seria zuficiente.
O modelo do Ponto de Viragem foi descrito em nários trabalhos clássicos de
sociologia. Sugiro:

254
Notas Finais

Mark Granovctter, .Threshold Models of Collective Behaviour" (Modelos


de limiar no comportâmento colectivo), Amcricaa loumal of fucíolog, L978,
vol.83,pp. T+2O-L++3.
Mark Granovetter e R Soong Models ofDiffision and C,ollective
"Threshold
Behavioun" (Modelos de limiarde difusão e comportamento cotectiro),louraal
of Mathcnatical Socíolo§,1983, r,ol. 9, pp. L6S-179.
Thomas Schellin&
"Qmamic Models ofSqregation" (Modelos dinâmioos
de segregago) ,loumal ofMtthcnatiul fuciolog, 1971, vol. r, pp. 143-186.
Thomas Schelling and Mactobehaviounn (Mictomotiros e ma-
"Micnomotiras
cro@mpoÍt fireÍrto), Nova lorrque, \{ W. Norton, 1978.
fonathan Crene, "The Epidemic Theory of Ghettos and Neighborhood
Effects on Dropping Out and Teenaç Childbearing @ teoria epidémica dos
guetos e os efeitos no bairro da desistência escolar e educa$o de adolescentes),
Amcriwn Joumal af Socialog,l989, vol. 95, n.o 5, pp. 1226-1259.

CepÍrur,o uM: As TRÊs RscRÀs DE EprDEMroLocrA


Página23
Uma das melhores análises não clínicas dos mecanismos das epidemias está
em: Gabriel Rotello,.6exual Ecologn AIDS and úe DestinyofGeyMen" (Eco-
logiasexuat *SIDAe o destino doshomens homossenrais), Novalorque, Pen-
guinBooks,1997.
A orplicação da epidemia de sífilis em Baltimore feia pelos Centros de
Controle de Doenças pode enconrrar-se em Mortalífi and Morbillíty W«hl1
Reporr, .Outbreak ofPrimary and Secondary Syphíis' (Surto de Sí6lis primária
e seorndária), -Baltimore City, Maryland,1995",lde Março de 1996.

Págjne26
Richard Koú, The 80/20 hinciple: The Art of,khieúng More uithl^css (O prin-
cípio 80120: a ane de conseguir mais com menos), Nova lorque, Banum, 1998.
)ohn Poaeratg "Gonorrhea as a social disease" (A gonorreia como doença
sociel), SúÍrrdrô, Trançmittul Dixas,l985, vol 12, n.o 25.

Página28
Randy Shilts, Árd thc knd Plald On (E a banda continuou a tocar), Nova
Iorque, St Martins's Press, 1987.

255
A Chave do Sucesso

?âgSna.29
|ane Goudsmiq Víral Scr;: The Naure ofAlDS(Sexovirat a natureza da SIDA),
Nova lorque, Oxford Press, 1997, pp. 25-37 .

Página 32
Richard Kluger,,4súa to ,4shs (Cinzas pere es cinzas), Nova Iorque, Alfred
.{- Knop{, 199ó, pp. 158-159.

Página3a
À M. Rosenúal,Thirty6ightWítuesset (Trinta e oito testemunhas), Nova
Iorque, McGraw-Hill, 1964.

P:ágina3a
|ohn Darley e Bibb Latane, "Bystanderlntervention in Emergencies: Diffu-
sion ofResponsibilitp' (Interven$o dos espectedores casuais em emergências:
difusão da responsabilidade), Joumal of Paronality arul Social Pgchologt, L968,
vol.8, pp. 377-383.

Cepfruro Dors: A LEr Dos Poucos


PígSna37
Todos os poÍmenores sobre Paul Revere vêm do liwo notável de Daüd
Hackett Fischer, Pazl RCIere\ Ride (A cavalgada de Paul Revere), Nova Iorque,
Oxford Universiry Press, 1994.

P,ágina'S0
Stanleylúilgrarr, "The SmallWorld Problem" (O problema do mundo pe-
queno), Psycholog Today 1967 , vol. 1, pp. 60-67 . Para um uatamento (alta-
mente) teórico do assunto do pequeno mundo veja-se: Manfred lbchen (ed.),
Thc SmallWoü(A pequeno mundo), Norwoo{ Newfesey, AblorPublishing
Corp.,1989.

Página41
Carol Werner e Pat Parmelee, "Similarity of Activity Preferences Among
Friends: Those Who Play Togeúer Stay Togeúer" (Semelhanças nas preferên-
cias de actividades entre amigos: os que brincam iuntog ficam iuntos), Social
Prycholog Qaarterb,l979,vol.42, n.o l, pp. 62-66.

256
Notas Finais

Págna52
O proiectodeBrettTjaden, agora mantido pelodepanamcntode mmprtago
cientlfica da Unircnidade da Virginiq chama-se Oráctlo dc Bacon em Virginia e
pode servisto em www.cs.virginia-edty'oraclel.

Página 58
Mark Granovetter, Geuiag a Job (Consçg;uir emprego), Chicago, University
ofChicago Press, 1995.

Página64
O trabalho de promo$o nos supennercados é descrito em: ). feftey Inman,
I"eigh McAlister e lVayne D. Hoyer, "Promotion SSt*L Proxy for a Price Cut?"
(Sinais de promo$o: procura$o para um coÍte depreyz),lwrnal of Cowtmer
R*earch, 1990, vol. L7, pp. 7 *8L
Página 65
Linda Price e os seus colegas escr€verem uma quantidade de desenvolvi-
mentos sobre o fenómeno do Perito em Compras,entre eles:
Lawrence F. Feick e Linda L. Price, "The Market Maven: A Diffirser of
Marfteçlace Information" (O perito em comprâs: um difusor de informações
das loias),/ozrnal of Marhetinglaneiro de 1987, vol. 51, pp. 83-97.
Robinrt. Higie,Iawrence F. Feicke Linda L. Price, "Typç5 and Amount of
Word-of-Mouú Communications About Retailers, (Tipos e quantidade de cc.
municaçoes boca-a-boca sobre retalhisus), lutmal of Faarilkg Outono de 1987,
vol. 63, nl 3, pp. 26ç278.
Lindâ L PÍice, Ian rena F. Feick e Audrey Guskey, Mar{at H.lpi"S
"Everiday
Behavior,, (Componamento de aiuda no die-a-dia das compras),loanal of
Iàtblic Policy arul Marketingoutono de 1995, vol. l4,a.o 2,ppt.255-266.

Págtrc77
Brian Mullen cf cL, «Newscasters' facial oryressions and roting behavior of
üewers: Can a smile elect a President?" (E:rpressões faciais dos iomalistas noti-
ciosos e comportamento de voto dos espectâdores: pode t'm sorriso eleger um
Prcsidente?), launal ofPawnatity awl Social kycholog,L986, vol. 51, pp .291-295.

Págna79
Gary L. Wells e Richard E. Petty, "'lhe Effects ofOvert Head Movements on
Persuation" (Efeitos dos movimentosclaros dacabeçe napersuasão), Bcslicand
Applicd Social§cholog,l98O, vol. 1, n.o 3, pp. 2L9-23O.

257
A Charrc do Sucesso

Página83
William S. Condoq "Cultunal Microrhythms" (Microritmos anlturais), em
À/Í"Davis(ed),InwcrionPJytutkiodfubinConwnnúcaiye.&àardo,r,NoraIorrqug
Human Sciences Presq 1982" pp . 53-7 6.

Página86
Elaine Hatfield,fohnT. Cacioppo e Richardl. Rapaon,..Emotional Cona-
gion" (Contágio emociond), Cambridge, Cambridge Univers§ Press, 1.994.

Pâge87
Howard Friedman eú cL,
"Undersanding andAssessingNonverbal Expres-
siveness: The Áffective Commrmication Tesc' (Compreender e accder à e4pres-
sãonilo verba} o teste de oomunicaçao afectiva),fournal ofPasonalily aul hcial
Ps1cholog,l98O,vol. 39, n.o 2, pp. 333-351.
Howard Friedman e Ronald Riggio, "Effect of Individud Differences in
Nonveôal F.*Fressiveness on Transmission ofEmotion' (Efeitos das diferen-
ças individuais na expressividade nilo verbal na transmissão de informações),
lottnul ofNonyerbal klwior,Inverno de 1981, vol. 6, pp. 96-10+.

CapÍrurc rrÊs: O Facror.oeAornÊNcn


Página91
Esta é prornvelmente a melhor história do programa kn &mmo:, Gerald
Irsser, Childrn aul Telaision: I*sonsfiom *same §üraf (Crianças e telo,isão:
Iições do Rzc §áamo), Nora lorque, Vintage Bool§, 1975.
Veja-se também: )im Henson, The Works: the Art, the Masc, the Ima§nation
(Tudo: a arte, a magia, a imaginação), Nova lorque, Random House, 1993.

Página 93
Praticamente sempre que se avaliouovaloreducacional do kn &xmo - e o
programatem sido zujeito a mais esotrtínio académico do que qualqueroutro
progremelahistória da televisil,o - provou-se que melhorava a leirura e a apren-
dizrgem dos telespectadores. Mais recentemente, umgrupo de investigadores
da Universida<le de Massachusercse da Universidade do Kansasvolaram a falar
com cerca de 600 crienças que tinham visto o progmma na televisão em idade
pé-escolar na década de 1980. Os miúdos esrâvam âgonr todos no secrurdário,
e os investigadores ficaram surpreendidos ao verificar que as crianças que

258
Notas Finais

tinhamvisto o Rta ti&amo crlmguauo e cino anos de idade aindatinham melho-


res resultados na escola do que os que nilo tinhamvisto. Mesmo depois de levar
em considera$o coisas como a educaSo dos pais, o tamanho da famílie e o ní-
vel de vocabuládo pré-escolâr, os espectadores do ku li*amo tinham melhores
notas em ingl&, matemática e ciências, e também eram mais propensos a ler li-
wos nos tempos liwes do que os que não tinham visto o programa, ou que o
viam menos. De acordo com o estrrdo, por câda hora semanal e v€r o fuo Se-
samo,a média das notes no secrrndâio zubia 0,052, querando dizer que uma
criançaque viacinco horas do programaporsemana com cinco anos de idade,
obtinha em média cerca de ut'' quefto de ponto acima de outra criança do
mesmo nível social que nuacativesseüsto o programaNão se sabe como, um
único programa de televisão de umahora,üsto durante um máximo de dois ou
três anos, ainda faziadiferençadoze aquinze anm mais tarde.
Esa pesquisa esui resumida em "Effects of Early Childhood Media Use on
AdolescentActrieryement,(Efeitosdautilizeçãodos nedianapámeirainânciaso'
brem resuludoados adolesentes), peloPmiecto"Reonucto daUniversidadede
Massachusetts em Ámherst e da Univenidade do Kansas, em lawrence, 1995.
Veja-se também: ]ohn C. Wright e Aletha C. Huston, ofeducational
"Effects
Wüewing oflower income preschoolers on academic skills, school reradiness,
and school aiustment one to three years later" (Efeitos da observa$o da TV
educativa nas qualidades académicas, prepereÉo e aiustamento à escola em
crianç"s com idade pré-escolar, de baixos rendimentos, um a três anos mais
tarde), á R po tt to Chil&a{s Tdaffiod Worfrsâop, Universidade do Kansas, 1995.

Págine95
Lester Wundennan escreveu umâ autobio{fefie perfeita.mente marevilhosa
quc oonte a historia da Columbia Record House e muitas outras histórias de
marketing directo.
Lester lVunde men, king ürc;t: Moking Ahertising Poy (Ser directo: fazer
com que a publicidade compense), Norn lorque, Random House, 1996, capínr-
lc 1O e 11.

Página97
Howardl,eiranúal, Robensingere Susanloneg "Effecr on Fearand SPeci-
ficity of Reommendation Upon A*inrdes and Behavion" (Efeitos do medo e
especi§cidade da reomendação sobre atitudes e comÍDrtâmaw),lownal of
Pmonalitl anil fucial PEcholog,l995, vol. 2, no 1, pp. 2A-29.

259
A Chave do Sucesso

Página 101
O melhor resumo da teoria *activao da obserraÉo da televisão é: Daniel
e Elizabeú l,ordu
Anderson "tnoking at Television: Action or Reaction?" (Ver
televisão: aoSo ou reacgo?), em Childrn's UndcrutdingofTeleúsion: Rwarch on
Attenrton aul Comprchension, Nova lorque, Academic Press, 1983.

Páginal03
O trabalho de Palmer foi publicad«l em vários sítios. Por exemplo: Edward
Palmer,
"Formative Researc.h in Educational Television Production: The Expe-
rience ofCTW" (Pesquisa formatira na produ$o de televisao educacionaL a ex-
periência do CTl{), ín W. Schramm (ed.), Qralitl in lnsmtcfional Teleúsion,
Honolulq University Press ofHawaü, 1972, pp. 165-187.

Página 108
A pesquisa de Barbara Flagg sobre o movimento dos olhos em oOscar's
Blending, e "Hug'encontre-se resumida em: Baôara N. Flagg,.Formative
Evaluation of Saame Srreer Using Bye Movement Photosaphy" (Avaliação for-
mativa do Raa Sésamo utilizando a fotografia do movimento dos olhos), in
f. faggêley (ed.), Expdinattal Rwarch in Telcrised Instflctiott,vol. S, Montreal,
Canadâ Concordia Research, 19 82.

P:ígina 115
Ellen Marfunen, Categorizaüon and Naming in Chiklrn (Categorização e atri-
buiçao de nomes nas criangs), Cambridge,MlTPress,1989.

Página118
I(aúerine Nelso n (eil), Narrathrsfrom fúe Criá §arrativas do berp), Cam-
b,ridge, Harvard University Prcss, 1989. Vejam-se os textos de Bnrner e Lucari-
ello, e de Feldman.

Capfruro quÂRro: O Popr*po CoNrnnro (r.." renre)


Página133
Os melhores relatos do tiroteio de Go@ eÍlontram*e ern George P. Fletdrer,
A Cirrc of $bfaw (Um crime de atodefesa), Nora lorque, Free Press, 1988.
Veia-se também: Lillian Rubin, Qai* kge: Gom in a Time af lu{ndncs
Bcraie
(Raivacalmr Bemie Goeiz nummomeotode lotrcura),NomIoryugFarrar,Straus
andGirou:r,1986.

z6o
Notas Finais

Página 136
Para um bom resumo das estaúticas de delinquência em Nova Iorque veia-
-se Michael Massing, "The Blue Revolution" (A revolução azul), in New York
Rr»iew ofBooks,l9 de Novembro de 1998, pp.32-3+.
William Braao n, Tunarouwl: Hoa America's Top Cop Pawxd the Crime Epide'
míc (Reviravolta: como o melhor polícia da América inverteu a epidemia de
delinquência), Nova Iorque, Rendom House, 1998, p. 141.

Página 1'1O
Mdolm Gladrrell, "The Tipping Poino, (O ponto de vingen), flic Nm Yo*n,
3 deluúo de L996,p.32-39. EsE âÍtigo está aquivado emwww.gladwell.com.
Há uma outra boadiscussão sobre a naarreza anómalada queda da delinquên-
ciaem Nora lorrque em:William Bratlon eWilliam Andrews' "\[hatWe've karned
About Policing" (O que aprendcmos sobre policiamento), Citlt Jounal,Prima-
verade 1999,p.25.

Páginaf'$
George L IGIIing e Caúerine IVl" C-oles, FitingBnl<a Í|índops (Conserar as

ianelas paidas), Nova Iorrqug Touchstone, 1996,p.2O.

Página 151
 explicago das experiências de Zimbardo vem de Craig Haney, Custis
Banks e Philip Zimbardo, .Interpersonal Dynamics in a Simulated Prison"
(Dinâmicas interpessoais numa prisão simul ada), Intatational Joumal of Oimí
nolog1t and PenalogL|973,n"1, p. 73. As citaçÕes dos guardas e deZimbardo vêm
do programa da CR§, 6O Minutos,3O de Agosto de 1998, "The Stanford Prison
Experiment' (A experiência de prisão de Stanford).

Página154
Para um bom resumo das experiencias da batota das criangs na ecola, veia-
-se Hug[r Hartshorne eMarkMay, in úe Oqganization ofCharacter"
"Studies
(Estudos sobre a organização do carácter), m H. Munsinger (ed.), kadings in
Child Doeloynant, Nova Iorque, Holt, Rinehart and Winston, L971, pp. l9O'197 .
As conclusões ompletas podem encon§:rÍ-sc em: Hugh Hartshome c Mark
Mrry, Sdulia in the Naure ofChmacrcr (Estudos sobre a natureza do carácter), vol. 1,
Sutlix in Dctit(Esnrdos sobre dissimulaSo), Nova lorque, Mac{víillan, 1928.

z6r
A Chave do Sucesso

Página 157
O macaco e o trabalho com as cartas estão descritos em: Robis Dunbtr, The
Trouble »ith Science (O problema de ciência), Cambridge, Harvard University
Press, 1995, capítulos 6 e 7.

Página158
O Erro deAuibuiSo Fundamenal (FAE) estáresumido em: RichardE. Nis-
bea e Lee Ross, Táe Penon and thc Siatatíon (A pessoa e a situação), FiladéIfie,
Temple University Press, 1991.
A eryeriência com a adivinha das cartas está descrita em: lee D. Ross, Teresa
Amabile e fulia L. Steinmetz,
tvL
"Social
Roleq Social Control, and Biases in Soci.l-
-Perception Process" (Papéis sociais, controle social e preconceito no processo
social-perceptivo),lounal ofPmonalíry awl &lcial Pychobg,1977 ,vol. 35, nJ 7,
pp.485-a94.

Página159
O mito da precedência do nascimeuto é brilhantemente dissecedo em:
)udith Rich Harits, Thc Numtre Asrunptíon (O pressuposto da educago), Nova
Iorque, Free Presq 1998, p. 365.

Página 160
Walter Mischel,
"Continúty and Change in Personditp, (Continuidade e
mudança na personalidade), ázr eriun kyhologlrt, L969, vol. 24,pp. 1012-1017.

Página161
phn Dar§ e Daniel Batson, .Frrom Ierusalem to |ericho: A srudy of situ-
ational and dispositional variables in helping behavior" (De ]erusalém a fericó:
um esnrdo das varáveis situacionais e disposicionais no comportamento de
afiida), lournal ofPmonality and Social Prlchalq4 197 3,vol. 27, pp.100-119.

Página 165
MyraFriedman, "MyNerghbor Bernie Goetz, (O meuvizinho Bernie Goetz),
Narr Íor*,18 de Fevereiro de 1985, pp. 3541.

Cepfrulo crNco: O PoosrDo Colrrs.rmo (2." renrr)


P:âgina173
GeorgeÀ Miller, "The Mryical NumberSeven» (O número sete mágico),
hlchologicalRwiw. Março de 1956,vol.63, n." 2.

z6z
Nocas Finais

C.J. Buys e K L. Larserq oHuman Sympaúy Groups" (Gmposde simpatia


humaoa),.§rcâolog Rcpott,L979, rol. 45, pp. 547-553.

PágSruL74
Washburn e R Moore,Ape into Man (Do macaco ao homem), Boston,
S. L.
Litde, Brown,1973.
Ás eorias de Dmbar têrn sido snenadas em vários sítioa O melhor resumo
académico éprovarelmenteosquinte: R L lú. Dunba'r"tleoortorsize rs aon-
soaint on gÍoup size in primates" (O tamaúo do neoórtex como restri$o ao
amanho do gn po entre os pimans),lownal offiuman Ewl$tíon,L992,vol.20,
pp.469493.
Ele ambém escreveuum rabalho maravíhoso de ciênciapopular: Robin
Dunbar, Grooming, Goxip, anil thc Bwlution of Language (Cuidados pessoais,
boatos e a eoluçeo da línguâ), Cembridge, Harvald Uniwrsity Press, 1996.

Página184
Daniel \{egner, "Transactive Memory in Close Rclationships" (Memória
transactiva em relacões próximas),/ouraal of Pcnonality aul hcial Pycholog,
1991, vol. 61, nf 6, pp.92*929. Outra boa análise do tema: Daniel Wegner,

"Transactive
Memoqr A ContemporaryAndpis ofthe Group Mind» (Memória
transactive uma análise contemporânea da mente de grupo), m Brian Mullen e
George Goethals (eds.), Túeo ia of Group Behavr'or, Nova Iorque, Spdnger-Verlag,
1987,pp.20&201.

CepÍrwo sErs: UM Ceso PaneoIGMÁTrco


PágnaL92
Bruce §an eNeal Gross, "The diffision ofHybrid Sccd Com in Two lorra
Communities" (Adifusão dasemente de milho hibrido emduas comunidades
do Iowa), Rurcl bcíolog, L9 43, vol. 8, pp. 15-24.
O esurdo está muito bem dcscrim (iuntemente om outrcs trabelhos sobre a
teoriadadifuseo) em: EverettRogers,Difusionoflwloloriorr(AdiÍusão das ino'
vações), Nora lorque, Frce Press, 1995.

Página193
GeoffieyMoore, Cmsingthc Cham (Atravessar o abismo), Nova lorque,
HarperCollins, 1991, pp. 9-14.

263
AChavc do Sucesso

Página 196
Gordon Allpon e ko Postman,Tl* Prycholag of kmor (A psicologia do
boato), Nova Iorque, Henry Holq 1947, pp. 13s-f 58.

Página 199
Thomas Valente, Robert K Foreman e Beniamin funge, óatellite Exchange
in úe Baltimore Needle Exchange Program' (Troca de satelites no progrema
de troca de seringas de Beltimore), Public Health REorâ,,àOO3.

CepÍruro sETE: OurRo Caso PeneorcMÁTrco


Página 2lf
A história de Sima foi magnificamente conada pelo antropólogo Donald
H. Rubinstein em úrios doctrmentos, entre os quais:
"tove and Suffering: Âdo-
lescent Socialization and Suicide in Micronesia" (Amor e sofrimento: sociali-
zação dos adolescentes e zuicídio na Micronésia), revista Contemporary Pairtt,
Primavera de 1995, n.o l, pp. 21-53.
Donald H. Rubinstein,
"Epidemic Suicide Among Micronesian Adoles-
cents» (Suicídio epidémico entre os adolescentes da Micronésia). Social *iaw
anil Melicine,l983, vol. 17 ,p.664.

Página215
W. KipViscusi, Smoking: Makingthe Rkfu Decision (Fuman tomar a decisão ar-
riscada), Nova Iorque, Odord Univeniry Press, 1992, pp. 6l-78.

Página215
As estatísticas sobre o aumento do tabagismo entre adolescentes vêm de úrias
fontes, e variam de aordo com o modo oomo se medem m «novos fumadores".
De rmndo om um esnrdo dos Cenuosde Conoole de Doengs publicadoem
Outubro de 1998, porexemplo, o número de iovens nort€-americanos -pessoas
com menos de 18 anos - que passaram afumardiariamente aumentoude 708 mil
em 1988 para 1,2 milhões em 1996, um aumento de 73 por cento. Também au-
mentou a percentagem dos adolescentes que passaÍam a ser fumadores Em 1996,

77 ernc:àamil adolescentes não fumadores tomaram-se dependentes. F.m 1988,


a permilagem era de 51. A permilagem mais ala regisrada ate hoie foi de 67, em

l977,eameisbaixa foi de 44, em 1983 (0 n'de norrcs fumadores adolesentes


subiu 73 por cento, segundo a Associated Press, 9 de Ounrbro de 1998.) Também
se úá o caso de o abagismo enue estudantes universirários - um grupo ligeira-

264
Notas Finais

mente mais velho - esar a subir. No estudo feito pela Faorldade de Saíde RÍblica
de Harrard - publicado rc lounul oftlu Anaícffi Medirdásci.Íírn em 18 de No-
vembro de 1998 - a esatística apresentada era e percentagem de universitários
que tiúam fumado pelo menm um cigarro nos ríhimos 30 dias. Em 1993,era de
22,3 por cento. Em 1997, tiúa armrntado para 28§ por cento.

Página216
O primeiro trabalho de David Phillips sobre os níveis de suicídio a seguir
à publicago do suícido de celebridades foi: D. P. Phillips,
"The Influence of
Suggestion on Suicide: Substantive and Theoretical Implications of the \ter-
ther Effect" (A influência da suçstão no suicídio: implicaSes práticas e teóri-
cas do efeito We *her), Amuican hdological Rnim, 197 4, vol. 39, pp. 340-354.
Um bom resumo destetrabdho (ea esatísticasobreMarilynMonroe) en-
contre-se no começo do seu esnrdo sobre acidentes de trânsim: Devid P. Phil-

"Suicide, Motor Vehicle Fatalities, and The Mass Media: Eüdence toward
lips,
a Theory ofSuggestion" (Suicídio, mortes ao volante e comunicação de massas:

proves perr uma teoria da sugestío),Amcricanlumal of hciolagt,l979,voL84,


n-" 5, pp. 1150-1174.

Página 218
R Ashton e S. Donnan, "Suicide by burning as an epidemic phenomenon:
V.
An anabruis of82 deaús and inquesrs in England andWalc in 1978-79" (Suicídio
pelo fogo como fenómeno epidémico: uma análise de 82 mortes e inquéritos
em Inglaterra e País de Gales em L978-79), Psychological Medainq 1981, vol. J.l,
pp.735-739.

Págna219
Nerman Kreitrnan, Peter Smiú e Eng-SeongTan, oA6s6pted Suicide as
Language An Empirical Study" (A tentativa de suicídio como linguagem: um
estudo empíri co), British lounal ofPsychiatrl,lgT O,voL116, pp. +65*47 3.

Págpnà223
H. f. Eysendq Smoking, Hwlth awl Personality (Fumar, saúde e personalidade),
Nova lorque, Basic Bools, 1965, p. 80. Esta referência encontra-se no liwo de
David lftogh, Smoking: The Artifcial Pasion (Fumar: a paixío artificial), p. 107.
As estatísticas sobre tabagismo e comportâmento ssrual foram retiradas de:
H. J. Eysenc( Smoking Pmonality and Strex (Fumar, penonalidade e tensão),
Nova Iorque,Springer-Verl ag,l99l, p. 27.

265
A Clave do Sucesso

PágSne224
DevidlGogh §nnkhç ru ar{vialPcsior, Nora lorque,W. H. Freemen, 1991.

Págme227
Ovide Pomerleau, Cynthia Pomerleau, Rebeoca Nameneb.Early Eryeri-
ences with Tobacco among Women Smokers, Ex-smokers, and Never-smokers"
(Primeiras experiências com tabaco entre mulheres firnadoras, ex'fumadoras e
que nunca fumaram), revista fukliaioa,l998, vol. 93, n." 4, pp. 595-601.

Págna228
Saul Shi&ran, fean À Paty, lon D. IGssel, Maryann Grya e Monice Zettler-
-Segal,
"Smoking Behavior and Smoking tlistory offobao Chippers, (C,om-
portarnento fumador e historial fumador entÍe os chippen), F.rpaimmnl and
Clinical Pryehopharmacohg, L994, vol^ 2, n: 2, p. L39.

Página231
Judiú Ridr H arriE Thc Narure Asmption.

Pâgma234
David C. Rowe,The ümits ofFani$ Influerce (Os limites da influência fami-
liar), Nova lorrque, Guilford Press, 1994. Rowe apresena um bom resumo do
trabalho mmgémeos e dotrabalho de adop$o.

Páglla236
Âlexander H. Glassman" F. Stetner, B. T. \ryehh c,al, "Heay smokerq smokiag
cessationanddonidine resultsofadouble-blinôramdomizeduial,,(Grandesfu-
madoreq pâraÍ de fumar e donidine resulados de um teste aleatorio duplamente
ryc),Jotrwl oftlu r4nsricat Mdicrl Avrianon, 1988, vol 259,p.2K§?366.

Página 238
Alexander H. Glassman, )ohn E. Helzer, Lirio Covey cr a/., .<S66fting Smoking
Cessation, and Maior Depression" (Fumar, deixar de fumar e depressão pro'
fundt), /aunal of tlu Anaiun Medical Asciatian, 1990, vol 264, pg. 1546-f549.

P:ágina238
\{endy Fidlcr, Lynn Michc[ Gillian Raó, Anne Charfuon" «Smoking A Spe-
cial Need?', (Funar uma neessidade especial?),ItirrÍn ftwral of,4Miaion,l992,
vol.87, pp.1583-1591.

zffi
Notas Finais

Página239
A estratégia de Neal Benorritz elack Henningfield foi descrita em dois sí-
tios. Neal L. Benowitz e lack Henningfield,
"Establishing a nicotine úreshold
for addicdon" (Estabelecer um limiarpara a dependêncit), Nw Enfund loumal
of Medicine,l994, vol. 331, pp. 123-125. Também: fack HenningÍield, Neal
Benowitz e )ohn Slade,
"Report to úe Âmerican Medicâl Association: Redu-
cing Illness and Deaúr Caused by Cigarenes by Reducing T?reir Nicotine Con-
tent (Reduçáo da doença e de morte proyocada pelos cigarros reduzindo o seu
conteúdo de nicotin a), 1997 .

Pâgna242
Há um bom resumo das estatísticas disponíveis sobre uso de drogas e toxi-
codependência em: Dirk Chase Eldredge, Ewling thc War on Drugs (Acabar
com â guerrâ contra as drogas), Bridgehampton, Nova lorque, Bridge Works
Publishing 1998, pp. 1-17.
Rubinstein, (Suicídio
"Epidernic Suicide Âmong Micronesian Adolesoen§,
epidémio enue adolescentes daMicronêia), p. 664.

262
AGRADECIMENTOS

O Ponto ile Víragem cresceu a partir de um artigo que escrevi,


como iornalista independenter pâra Tiaa Brown, a editora da re-
vista Nap Yorker, que o publicou, e depois, para minha sulpresa e
alegria, mecontratou" Obrigado,Tina. Ela eo seu sucessor, Daüd
Remniclq permitiram generosamente que pessesse muitos meses
longe da revista atrabalharneste liwo. O primeiro manuscrito foi
brilhanterrente avdiado por Teo),Martin, acnralmente na Uni-
versidade de Harvard e anteriormente ra minha cidade nttel,
Elmira, o qual tem sido uma fonte de inspiração intelecaral para
mim desde a cadeira de biologia no décimo ano. Também devo
agradecimertos especiais às extraordinárias contribuições de
]udiú Rich Herris, a autora de The Nurfire,4ssumption, Ílue mu-
dou a minha maneira de pensar o mundo, e à minha mãe, |oyce
Gladwell, que é e sempre será a minha escritora preferida. fudiú
Shulevitz, Roberc McCrum, Zoe Rosenfeld, |acob Weisberg e De-
borath Needleman gastar*m o seu tempo a ler o original e a parci-
lhar comigo as sras ideias. DeeDee Gordon (e Sage) e Sa§Hor-
úow emprestâram-me âs suas cÍlsas generosamente, durante as
longas semaras de escrita. §spero um dia poder retribuir o favor.
Na editora, Little, Brown, tive o prezer de trabalhar com umâ
equipa de pro§ssionais talentosos, dedicados e fanrásticos: Katie
Long, Betty Power, Ryan Harbage, Sarah Crichton e, acima de

269
A Chave do Sucesso

todos, o meu editor, Bill Phillips. Bill leu este liwo tantas vezes slue
provavelmente pode recití-lo de cor e, de cada vez que o leu, a sua
perspicácia e inteligência tornaram-no melhor. Muito obrigado.
Finalmente, há duas pessoas que merecem â minha profund* gr"-
tidão. Em primeiro lugar, a rninha ?gente e amiga, Tina Bennett,
que concebeu este proiecto e o *compaúou até ao fim * prote-
geRdo-me, guiando-me, ajudando-me e inspirando-me ern todas
as etapas. Em segundo lugar, o meu editor naJVeur Yorker,o incom-

parável Henry Finder, a quem devo mais do que consigo transmi-


tir. Obrigado a todos.

270

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