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APOSTILA

PRINCÍPIOS
BÁSICOS
ACADEMIA DO AUTISMO

PRINCÍPIOS BÁSICOS
por Fábio Coelho
O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um transtorno completo do


neurodesenvolvimento, caracterizado por déficits persistentes na interação,
comunicação social e presença de comportamentos e/ou interesses restritos e
repetitivos (American Psychiatric Association, 2013). Ainda de acordo com a APA, os
prejuízos e déficits associados ao TEA, embora dependam do nível do transtorno e
comorbidades associadas, tendem a persistir ao longo da vida e ter repercussão em
diversos contextos, como familiar, escolar e profissional.

DSM-5: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS


DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

A. Deficiências persistentes na comunicação e interação social:

1. Limitação na reciprocidade social e emocional.


2. Limitação nos comportamentos de comunicação não verbal utilizados para
interação social.
3. Limitação em iniciar, manter e entender relacionamentos, variando de
dificuldades com adaptação de comportamento para se ajustar às diversas
situações sociais.

B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades,


manifestadas pelo menos por dois dos seguintes aspectos observados, ou pela
história clínica:

1. Movimentos repetitivos e estereotipados no uso de objetos ou fala.


2. Insistência nas mesmas coisas, aderência inflexível às rotinas ou padrões
ritualísticos de comportamentos verbais e não verbais.
3. Interesses restritos que são anormais na intensidade e foco.
4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais do ambiente.

C. Os sintomas devem estar presentes nas primeiras etapas do desenvolvimento.


Eles podem não estar totalmente manifestados até que a demanda social exceda
suas capacidades ou podem ficar mascarados por algumas estratégias de
aprendizado ao longo da vida.

D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo nas áreas social,


ocupacional ou outras importantes áreas de funcionamento atual do paciente.

E. Esses distúrbios não são melhores explicados por deficiência cognitiva ou atraso
global do desenvolvimento.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), do Departamento de Saúde
e Serviços Humanos dos Estados Unidos da América (USA), vem rastreando o número e
as características de crianças com TEA há mais de duas décadas. Em 2021, o CDC
apontou que a cada 44 crianças de 8 anos uma esteja dentro do espectro autista neste
país, e que a prevalência é 4 vezes maior em meninos. O aumento de prevalência pode
não significar que a incidência geral do TEA esteja aumentando, pois há alterações
conceituais, maior eficácia diagnóstica, maior sensibilização da sociedade e estudos
científicos mais aprofundados sobre o TEA. Estudos mais recentes questionam a
diferença de incidência no TEA entre meninos e meninas, uma vez que o diagnóstico em
meninas é mais complicado, talvez porque elas consigam mascarar melhor os sinais do
espectro e são mais expostas a situações sociais desde cedo (questões culturais).

Apesar da falta de estatísticas oficiais no país, conforme um estudo de Oliveira


(2016), estima-se que existam cerca de dois milhões de autistas no Brasil. O estudo
sugere que esses milhões de brasileiros com TEA ainda não encontram tratamento
adequado ou até mesmo nem recebem o diagnóstico específico.

Podem estar presentes, nos quadros do TEA, as seguintes comorbidades:

A. Psiquiátricas e cognitivas, tais como: ansiedade, depressão, Transtorno do Déficit


de Atenção, Transtorno Opositor Desafiador e Deficiência Intelectual.

B. Médicas, como: convulsões, compulsão/restrição alimentar, distúrbios do sono,


desregulação/anormalidades gastrointestinais, epilepsia, entre outras.

Cada vez mais a sociedade científica, familiares e pessoas com TEA se


aprofundam para tentar responder como podemos oferecer serviços que promovam
autonomia e bem-estar, de forma efetiva e ética para indivíduos com Transtorno do
Espectro Autista (TEA). O que já é consenso é que a intervenção para pessoas com TEA
deve ser individualizada – levando em conta, sobretudo, a singularidade do aprendiz –
e multiprofissional.
O paradigma das Práticas Baseadas em Evidências visa melhorar a qualidade dos
serviços prestados através do conhecimento cientifico e defende que os profissionais
devem usar métodos que se comprovam melhores do que outros em estudos científicos.
Assim como na Medicina, um tratamento que produz várias evidências cientificas
positivas é considerado uma Prática Baseada em Evidências e pode ser disponível ao
público.

Em 2020, o National Professional Developmental Center (NPDC) publicou uma


revisão sistemática com o propósito de descrever uma série de práticas focais que têm
evidências claras dos seus efeitos positivos em crianças e jovens com autismo. O
relatório é a terceira versão de uma revisão sistemática que examinou a literatura de
intervenção em artigos publicados entre 1990 e 2017. Após anos de coletas de dados
de análises de artigos, um total de 972 artigos foram considerados aceitáveis para o
estudo e resultaram em uma lista de 28 PBEs (Práticas Baseadas em Evidências) para o
TEA. Para se considerar uma PBE é necessário, entre outros critérios, que tenha sido
estabelecida por meio de uma pesquisa empírica, publicada em periódicos científicos,
revisada por pares e em estudos randomizados.

O documento não é o primeiro grande estudo na área das intervenções baseadas


em evidências para o TEA. Em 2015, o National Autism Center (NAC) tornou público o
resultado do National Standards Project, um grandioso estudo que teve como objetivo
principal fornecer informações críticas sobre quais intervenções se mostraram eficazes
para indivíduos com autismo.

Os estudos acima, somados com uma maior disseminação de conhecimento


sobre TEA no país, motivam cada vez mais a comunidade a elevar a qualidade dos
serviços oferecidos por aqui. Mais recentemente, em manifestação pioneira no país,
a Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) divulgou uma proposta de padro-
nização para o tratamento de pessoas com TEA no Brasil, esclarecendo pontos impor-
tantes sobre avaliação diagnóstica, exames que devem ser solicitados e tratamentos
com evidências. Proposta disponível em: https://sbni.org.br/c/publicacoes/.

Segundo a publicação, a avaliação de crianças com TEA deve incluir, entre outros
fatores, a história do desenvolvimento neuropsicomotor, antecedentes gestacionais
e neonatais, comportamentos do sono e alimentares, a história médica da criança,
a procura de sinais de convulsões, problemas gastrointestinais, deficiência intelectual,
Síndrome do X-frágil, além da investigação de outras possíveis comorbidades.

Já no tocante às intervenções, segundo a SBNI, o tratamento do Transtorno do


Espectro Autista (TEA) se caracteriza por intervenção precoce através de terapias que
visam potencializar o desenvolvimento da criança. O documento prossegue afirmando
que atualmente as terapias com maior evidência de benefício são baseadas na ciência
da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) associada a terapias auxiliares como a
fonoterapia e a terapia ocupacional, e que outras abordagens devem ser orientadas de
acordo com cada caso individualmente.
O documento ainda traz questões importantes sobre o uso de medicamentos,
que eventualmente podem ser necessários em casos da presença de agressividade e
hiperatividade, e faz um alerta sobre dietas, suplementações, vitaminas e vários tipos
de abordagens terapêuticas/educacionais que têm sido propostas para tratamento do
TEA e, entretanto, não apresentam evidências científicas de que funcionem.

Ainda há um longo caminho a se percorrer. Infelizmente, a intervenção analítico-


-comportamental é inacessível à maioria dos indivíduos diagnosticados com TEA em
países em desenvolvimento como o Brasil, uma vez que uma intervenção intensiva, de
longa duração e implementada de forma individualizada, requer grande disponibilidade
de profissionais devidamente capacitados, o que ainda é um desafio que precisa ser
rompido. A fragilidade das redes públicas de educação e de saúde torna o acesso à
intervenção analítico-comportamental ao TEA (ABA) difícil de alcançar toda a população
que dela necessita, no entanto, é visível que cada vez mais se caminha na direção das
práticas com evidências.

O que as formas de intervenção mais bem sucedidas têm em comum?

• Precoce: Início antes dos 3 anos de idade.


• Intensiva: Mínimo de 15 horas por semana.
• Duradoura: Mínimo de 2 anos de duração.
• Interdisciplinar: Atua em diferentes áreas do desenvolvimento humano.
• Individualizada: Respeito à singularidade de cada pessoa.

A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO APLICADA

O QUE É A ABA?

ABA é uma sigla que se refere à expressão em inglês: Applied Behavior Analysis.
Traduzindo para o português, significa: Análise do Comportamento Aplicada. A ABA é
uma área da ciência do comportamento que tem como objetivo estudar e melhorar o
comportamento humano socialmente relevante e não é, portanto, um método e
tampouco se aplica somente ao Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Analistas do Comportamento estão em 3 áreas distintas e complementares:

• Behaviorismo Radical: Estudando os fundamentos conceituais e filosóficos da


Análise do Comportamento.

• Análise Experimental do Comportamento: Estudando empiricamente as


variáveis que afetam o comportamento.
• Análise do Comportamento Aplicada: Aplicando os princípios do
comportamento, demonstrados nos estudos empíricos, com eficácia para
resolver problemas comportamentais socialmente relevantes.

O QUE É COMPORTAMENTO?

Nossas respostas ocorrem em contextos específicos e que produzem


consequências que alteram esse contexto. Comportar-se é interagir com o ambiente
físico e social. Comportamento é, portanto, a relação entre o organismo e o ambiente,
sendo:

• Ambiente: Aquilo que afeta o comportamento, pode ser parte da natureza, outro
ser humano, ou o próprio organismo.

• Organismo: Parte de um organismo biofisiológico que afeta o ambiente e é


afetado por ele.

Desta forma, ações, pensamentos e sentimentos são comportamentos humanos,


pois envolvem uma relação de 1 organismo com 1 ambiente. Respostas e estímulos que
não são acessíveis por outra pessoa (como pensar, imaginar e sentir) são exemplos de
respostas privadas, mas explicadas da mesma forma interacionista, como qualquer
outro comportamento público.

Respostas públicas e privadas são eventos comportamentais. Analisar o


comportamento humano é identificar empiricamente as variáveis ambientais que
afetam o comportamento do indivíduo. É importante compreender que as variáveis que
afetam o comportamento só podem estar nas relações do comportamento com o
ambiente, e não no próprio comportamento.

SELEÇÃO POR CONSEQUÊNCIAS

O comportamento de uma pessoa é produto de variáveis atuantes de forma


complexa em três níveis:

• Filogenético: Somos membros singulares da espécie humana; nossa herança


comportamental genética é única.

• Ontogenético: História singular de interação com o ambiente; somos sensíveis


às consequências das nossas ações.

• Cultural: Histórias particulares das práticas culturais nas quais o indivíduo


pertence.
O QUE É UM COMPORTAMENTO OPERANTE?

O comportamento operante é um comportamento voluntário que modifica o


ambiente e, ao mesmo tempo, é modificado pelas consequências que alteram a
probabilidade de ocorrência em situações parecidas futuras. O comportamento
operante é didaticamente descrito em termos de uma tríplice contingência, composta
de antecedentes, respostas e consequências. As consequências reforçadoras são
aquelas que reforçam um comportamento, ou seja, fazem com que este apareça mais
vezes no ambiente. O contrário ocorre com as consequências punidoras.

• Antecedente: O que ocorre antes e aumenta, ou diminui, as chances de um


comportamento ocorrer, pois sinaliza (estímulos discriminativos) situações nas
quais podemos ser reforçados.

• Consequência: O que ocorre após o comportamento e aumenta, ou diminui, as


chances de um comportamento ocorrer novamente no futuro.

O QUE É REFORÇO, PUNIÇÃO E EXTINÇÃO?

Reforço é toda consequência que aumenta a probabilidade de ocorrência de um


comportamento no futuro. O reforço pode ser social (elogio), comestível (chocolate),
sensorial (sentir o vento ao correr) ou tangível (brinquedo). O reforço é sempre
individual – o que reforça uma pessoa pode não reforçar outra – e varia conforme o
contexto – se estou privado de comida, esta tem um peso maior como reforçador.

Além disso, o reforço pode ser positivo (+) ou negativo (-). Este conceito nada
tem a ver com “bom” ou “ruim”, e sim com o acréscimo ou retirada de algo do contexto.
Se acrescentarmos algo que a criança gosta após determinado comportamento e isto
aumenta as chances dela se comportar daquela forma, essa relação é chamada de
reforço positivo. Por outro lado, se retiramos algo que estava aversivo para a criança,
e este alívio aumenta as chances do comportamento ocorrer novamente, chamamos de
reforço negativo.
A importância do reforço está em garantir a repetição de determinadas respostas
e é a relação mais usada na terapia comportamental, visando uma aprendizagem mais
leve e agradável e, portanto, evitando o uso de punições.

Punição é toda consequência que diminui a probabilidade de ocorrência de um


comportamento no futuro. Não é, necessariamente, ruim (punição não significa castigo,
recriminação ou violência). O olhar do professor para os alunos que estão conversando
é um exemplo de punição, pois faz com que o comportamento de conversar reduza.
A punição também pode ser positiva ou negativa (da mesma forma que o reforço).
Quando retiramos algum reforço da pessoa, chamamos de punição negativa. Quando
acrescentamos algo aversivo no contexto e isso diminui a resposta, chamamos de
punição positiva.

A outra relação estudada é a extinção. Se trata da retirada do reforço que


mantém a resposta, ou seja, é o processo de ausência do reforço, ou dificuldade para
acessar o reforçador. Por exemplo: se falta energia em casa, as chances de apertarmos
o botão de ligar da TV vai reduzir e cessar, pois a relação que mantém esse
comportamento foi quebrada. A extinção deve ser usada com cuidado e sob orientação
profissional, pois tem como efeitos a variação comportamental, o aumento da resposta
inadequada (inicialmente) e respostas emocionais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEUROLOGIA INFANTIL. Proposta de Padronização para o


Diagnóstico, Investigação e Tratamento do Transtorno do Espectro Autista, 2021.

STEINBRENNER, J. R.; HUME, K.; ODOM, S. L.; MORIN, K. L.; NOWELL, S. W.;
TOMASZEWSKI, B.; SZENDREY, S.; MCINTYRE, N. S.; YÜCESOY-ÖZKAN, S.; & SAVAGE, M.
N. Evidence-based practices for children, youth, and young adults with Autism. The
University of North Carolina at Chapel Hill, Frank Porter Graham Child Development
Institute, National Clearinghouse on Autism Evidence and Practice Review Team, 2020.
FICHA TÉCNICA

Colaborador: Fábio Coelho.


Equipe técnica: Fábio Coelho, Chaloê Comim e Guilherme Baptista.
Revisão e edição: Chaloê Comim e Victor Cardoso.
Design e layout: Agência B42 e Academia do Autismo.

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AUTOR. Título do material, subtítulo. Academia do Autismo, São Pedro da Aldeia,


páginas inicial-final, ano de publicação.

Exemplo: COELHO, F. Introdução ao Transtorno do Espectro Autista. Academia do


Autismo, São Pedro da Aldeia, p. 3-4, 2022.

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