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Anamnese Comportamental
Liliane Guethe

Quando recebemos um aluno com alguma dificuldade de aprendizagem,


normalmente é a família que nos procura para a prestação de serviços, porque
o aluno recebeu um diagnóstico médico e foi encaminhado pelo profissional ou
a escola fez algumas observações e solicitou uma avaliação psicopedagógica
ou ainda a própria família percebeu a dificuldade e nos procurou. E qual seria
então o primeiro passo a dar assim que realizamos este contato inicial com a
família? Neste primeiro contato realizamos a anamnese comportamental.
A palavra anamnese tem origem grega e está relacionada aos termos
“trazer de volta” e “memória”. No dicionário, a palavra vem relacionada à
medicina e significa histórico dos antecedentes de uma doença (doenças
anteriores, caracteres hereditários, condições de vida etc.). Em nosso contexto
de uso, a anamnese é uma entrevista inicial, realizada com a família ou
responsáveis pelo aluno, com profissionais da escola que convivem
diretamente com o aluno ou ainda com ele próprio, quando for possível. O
objetivo da anamnese é resgatar a história de vida do aluno e coletar
informações importantes sobre como foi seu processo de aprendizagem, quais
oportunidades lhe foram dadas para aprender e qual a situação atual relativa à
aprendizagem. O Psicopedagogo Comportamental realiza a anamnese
comportamental.
A anamnese comportamental é uma forma indireta de acessar os
comportamentos do aluno e, de certa forma, pode orientar a tomada de decisão
do Psicopedagogo com relação à escolha da avaliação e também com relação
ao planejamento das intervenções. Na anamnese comportamental a
preocupação do Psicopedagogo está em fazer perguntas que possam fornecer
informações sobre as condições do ambiente antes, durante e depois da
ocorrência dos comportamentos que podem implicar nas experiências de
aprendizagem. Além disso, é a oportunidade para o estabelecimento de um
relacionamento com quem está participando da entrevista, de saber qual a
visão da família e/ou professores a respeito do aluno e também de se atentar

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às expectativas destas pessoas com relação ao serviço prestado pelo
Psicopedagogo.
Para conduzir a anamnese comportamental o profissional pode usar
como ferramenta um roteiro, que além de direcionar as suas questões a
aspectos relevantes do comportamento do aluno, funciona como uma folha de
registro, para que as principais informações sejam anotadas e possam ser
revistas sempre que necessário.
A seguir, descrevemos os principais tópicos que compõem uma
anamnese comportamental, porém, é apenas uma sugestão, e o profissional
pode e deve adequar estes tópicos de acordo com a sua realidade de trabalho
e, principalmente, de acordo com a realidade do aluno e seus comportamentos,
que são o foco da entrevista. Se a anamnese for realizada com professores,
por exemplo, alguns tópicos não são aplicáveis, pois dizem respeito somente à
família ou responsáveis.
Inicialmente, podemos anotar informações gerais, como nome do aluno,
data da realização da anamnese, nome do entrevistador (Psicopedagogo),
nome do entrevistado (familiares, responsáveis ou professores), contatos,
endereço e e-mail.
O histórico médico também pode ser questionado e contemplar
informações relacionadas à visão, audição ou outras condições médicas e
possíveis diagnósticos, alergias e medicações em uso (dosagem/frequência).
Algumas informações sobre a moradia do aluno, do tipo com quem o
aluno mora (número de pessoas), se os pais são separados, se há guarda
compartilhada, podem ser importantes para quando forem feitas orientações
sobre determinados procedimentos de ensino ou treinamento de pais.
Informações sobre outros profissionais de outras áreas (psicólogo,
fonoaudiólogo, fisioterapeuta, educador físico) que prestem atendimentos ao
aluno são relevantes para identificar as terapias que o aluno já frequenta e para
a necessidade de realizar reuniões com o objetivo de alinhar todas as
intervenções.
Sobre comunicação e outras habilidades, podem ser questionados fatos
sobre as características da forma de comunicação do aluno (fala, sinais, trocas
de figuras, gestos), se ele consegue pedir pelo que quer obter.

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Questões relacionadas a estímulos sensoriais, à busca por certos tipos
de estímulos sensoriais ou esquiva de outros tipos podem alertar para
questões sensoriais que precisam ser investigadas por profissionais
competentes e, portanto, encaminhadas.
Habilidades de brincar, se ocorrem de forma independente, de maneira
apropriada, com outros alunos, podem ser alvos interessantes da anamnese, e
podem se estender a habilidades sociais, como fazer e manter amizades, sobre
entendimento em questões de normas sociais, entre outras.
A abordagem de habilidades motoras, de execução de atividades de
vida diária (vestir-se, tomar banho, lavar as mãos, escovar os dentes), controle
de esfíncteres (uso do banheiro), habilidades de se alimentar (uso de
utensílios, tipos de alimentos ingeridos) e rotina do sono também faz parte da
anamnese.
Questões sobre a compreensão e uso de habilidades de segurança (na
cozinha, na rua, com estranhos, etc.) devem ser feitas e também sobre
problemas de comportamento como agressões e destruição de objetos.
Com relação ao histórico educacional, podem ser formuladas perguntas
sobre a escola que frequenta, se escola regular ou de educação especial,
quantos dias da semana, por quantas horas, se a escola oferece um Plano de
Ensino Individualizado (PEI) para o aluno, se ele tem acompanhante
especializado. Além desses pontos, podem ser investigadas algumas
habilidades acadêmicas ou seus pré-requisitos:
• Comportamentos de aluno: estabelecer e manter contato visual, sentar e
permanecer sentado, atentar-se à pessoa que fornece instrução, atentar-se aos
estímulos de ensino, etc.
• Leitura (sons, letras, sílabas, palavras, frases, trocas).
• Escrita (rabiscar, tracejar, pintar, copiar, escrever, trocas).
• Matemática (contar, nomear números, relacionar números e
quantidades, adição, subtração, valor de moedas).

Conhecer os itens, atividades e alimentos preferidos do aluno pode nos


ajudar na hora de selecionar possíveis reforçadores para a intervenção, por
isso podemos dedicar algumas questões da anamnese a esta finalidade.

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Para finalizar a entrevista, podemos pedir ao entrevistado que descreva
os pontos fortes que ele observa no aluno, assim como os pontos fracos e
também suas expectativas com relação à intervenção.

A seguir sugerimos um roteiro para a anamnese comportamental:


Sugestão de Roteiro para Anamnese Comportamental

Informações gerais:
• Nome do aluno;
• Data;
• Psicopedagogo;
• Entrevistado(s);
• Contatos;
• E-mail.

Histórico médico:
• Algum problema de visão, audição ou outras condições médicas;
• Alergias (medicamentos/alimentos);
• Medicações em uso (dosagem/frequência).

Informações de casa:
• Com quem mora (número de pessoas na casa);
• Pais separados;
• Guarda compartilhada.

Atendimento por profissionais de outras áreas:


• Psicólogo;
• Fonoaudiólogo;
• Fisioterapeuta;
• Educador Físico.
(Obs.: anotar dias da semana/horários)

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Comunicação:
• Fala;
• Sinais;
• Troca de figuras;
• Gestos;
• Consegue pedir pelo que quer obter.

Questões sensoriais:
• Busca por estímulos sensoriais;
• Evita estímulos sensoriais.

Habilidades de brincar:
• Brinca de forma independente;
• De maneira apropriada;
• Com outros alunos.

Habilidades motoras:
• Correr, andar, pular, etc.

Atividades de vida diária:


• Vestir-se, tomar banho, lavar as mãos, escovar os dentes);
• Uso do banheiro (controle de esfíncteres);
• Alimentar-se (uso de utensílios, tipos de alimentos ingeridos);
• Rotina do sono.

Habilidades de segurança:
• Uso de utensílios e eletrodomésticos (cozinha);
• Atravessar a rua;
• Falar com estranhos.

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Comportamentos desafiadores:
• Agressões (a si mesmo e a ao outro);
• Destruição de objetos.

Histórico educacional:
• Escola regular;
• Escola de educação especial;
• Dias da semana/horários;
• Escola oferece Plano de Ensino Individualizado (PEI);
• Acompanhante especializado.

Habilidades acadêmicas e pré-acadêmicas:


• Comportamentos de aluno: estabelecer e manter contato visual, sentar e
permanecer sentado, atentar-se à pessoa que fornece instrução, atentar-se aos
estímulos de ensino, etc.
• Leitura (sons, letras, sílabas, palavras, frases, trocas);
• Escrita (rabiscar, tracejar, pintar, copiar, escrever, trocas);
• Leitura (sons, letras, sílabas, palavras, frases, trocas);
• Matemática (contar, nomear números, relacionar números e
quantidades, adição, subtração, valor de moedas).

Preferências do aluno:
• Itens, objetos;
• Atividades;
• Alimentos.

Visão do(s) entrevistado(s) sobre o aluno:


• Pontos fortes;
• Pontos fracos.

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Dimensões Mensuráveis do Comportamento
Nós já falamos anteriormente sobre a importância do Diagnóstico
Comportamental feito pela avaliação direta do comportamento. Após a
avaliação comportamental, o Psicopedagogo tem uma visão geral dos
comportamentos que o aluno apresenta, quais seus antecedentes (contexto) e
suas consequências (o que os mantém, o reforçador). A partir daí, as
intervenções podem ser planejadas de maneira mais direta e com maiores
chances de darem certo.
A observação do comportamento durante a avaliação também envolve
medi-lo com precisão. Aliás, a medida precisa do comportamento é uma das
características fundamentais da Análise do Comportamento Aplicada (ABA).
Através das medidas nós identificamos os níveis de ocorrência do
comportamento. Medir um comportamento significa quantificar, dar valores e
números a uma dimensão deste comportamento.
E quais dimensões (aspectos) do comportamento podem ser medidas?
O comportamento, como um fenômeno do ambiente físico, apresenta
propriedades que podem ser medidas, quantificadas. Assim como podemos
medir a altura de uma mesa, a largura de uma caixa, também podemos medir a
ocorrência do comportamento em um determinado momento do tempo, o
quanto ele durou e quantas vezes ele ocorreu. As dimensões mensuráveis do
comportamento que vamos abordar a seguir são: latência, duração e
frequência/taxa.
A latência nos diz em que momento o comportamento ocorre no tempo.
É a quantidade de tempo que se passa entre a apresentação de um
antecedente e a ocorrência do comportamento. Vamos imaginar uma situação
em que o Psicopedagogo dita uma palavra para o aluno escrever. O tempo que
se passa entre o Psicopedagogo ditar a palavra e o aluno começar a escrever
é chamado de latência. Neste caso, se uma demora em iniciar a escrita após o
ditado estiver atrapalhando o desempenho do aluno, o registro de latência pode
ser usado para avaliar se é necessário planejar uma intervenção para diminuir
esse tempo.
E, na prática, como é feito esse registro? Para o registro de latência,
ainda no caso do ditado de palavras, o Psicopedagogo aciona um cronômetro

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assim que ele termina de ditar a palavra e pausa o cronômetro assim que o
aluno inicia a escrita. E então registra o tempo de latência em uma folha de
registro, como no modelo abaixo:

Modificado de CANOVAS, Daniela (2018)

A próxima dimensão mensurável do comportamento a ser abordada será


a duração. A duração é o tempo que se passa entre o início e o término de um
comportamento. A medida de duração pode ser importante quando precisamos
saber a quantidade de tempo que o aluno permanece em um determinado
comportamento. Por exemplo, não é adequado que um aluno permaneça
falando com os colegas de sala por um período de tempo prolongado, já que
isso pode interferir na realização de algumas atividades, então uma intervenção

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poderia ser planejada para diminuir a duração deste comportamento. Por outro
lado, permanecer sentado durante um período de tempo maior na sala de aula,
durante uma explicação do professor, por exemplo, é relevante. Neste sentido,
a medida de duração ajudaria no planejamento de uma intervenção com o
objetivo de aumentar o tempo que o aluno permanece sentado.
Podemos registrar a duração de um comportamento de duas formas: por
ocorrência ou por duração total. No caso do registro por ocorrência, vamos
registrar a duração de cada ocorrência do comportamento, ou seja, toda vez
que o comportamento for iniciado (o aluno sentar) vamos acionar o cronômetro
e a hora que o comportamento terminar (aluno levantar) vamos pausar o
cronômetro. O cronômetro pode então ser zerado e aguardamos a próxima vez
que o aluno sentar para iniciar o próximo registro. E assim, durante o período
de aula vamos ter o registro de duração para cada ocorrência do
comportamento de sentar do aluno. Já no registro de duração total, vamos
iniciar o cronômetro quando o comportamento ocorrer pela primeira vez (aluno
começar a conversar com os colegas) e pausar o cronômetro quando o
comportamento terminar (aluno parar de conversar com os colegas). Mas desta
vez nós não vamos zerar o cronômetro, e quando o aluno iniciar novamente o
mesmo comportamento (conversar com os colegas) retomamos a medida, a
partir da duração anterior que permaneceu no cronômetro. Se no primeiro
registro a duração da conversa foi de 10 minutos, na segunda vez que o aluno
começar a conversar com os colegas vamos acionar o cronômetro a partir dos
10 minutos, e assim por diante.
Neste caso, teremos a duração total do comportamento ao longo de uma
sessão de observação.
Uma outra dimensão mensurável do comportamento é a frequência,
relacionada à repetição. A frequência é o número de vezes que o
comportamento se repete e em geral, medimos a taxa do comportamento, isto
é, a repetição em um determinado tempo. Então, a frequência ou taxa de
comportamento é a razão entre o número de comportamentos e o tempo de
observação. Para calcular a taxa, nós dividimos o número de comportamentos
pelo tempo de observação, seja a unidade de tempo em segundos, minutos,
horas ou dias.

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Medidas de taxa do comportamento são muito usadas ABA e são
indicadas para comportamentos em que seja possível identificar a sua
ocorrência ou o seu início e fim e que tenham duração curta. Se a frequência
do comportamento for muito alta, pode ser difícil de registrar, aí esta medida
não é a mais indicada. Em alguns comportamentos autolesivos, como por
exemplo, morder-se e bater-se, o registro de taxa pode ser indicado. Vamos
imaginar um aluno que apresenta um comportamento de morder a sua própria
mão 60 vezes durante um período de observação de 60 minutos. Neste caso,
nós dividimos 60 (número de comportamentos) por 60 (tempo de observação) e
a taxa vai ser 1 comportamento/minuto. A partir destas coletas da taxa do
comportamento é possível planejar uma intervenção para diminuir este
comportamento (morder-se) que é prejudicial para o aluno.
Também podemos utilizar a medida de taxa quando pretendemos
ensinar uma habilidade nova para um aluno ou melhorar o seu desempenho
em alguma habilidade que ele já apresente. Pensando em melhorar o
desempenho de um aluno na escrita de palavras, um objetivo para a
intervenção pode ser aumentar o número de palavras escritas de forma correta
em um dado período de tempo. Neste exemplo, se o aluno escrever 12
palavras de maneira correta em 2 minutos, a taxa é de 6 palavras corretas/min
(12 palavras corretas dividido por 2 minutos). A intervenção pode ser planejada
para aumentar o número de palavras escritas de forma correta para 20 em 2
minutos, por exemplo.
E como fazemos esse tipo de medida na prática? Programamos o tempo
de observação no timer e no caso do exemplo de comportamento autolesivo
(morder-se), acionamos o timer no momento planejado para o início da
observação e vamos anotando cada ocorrência do comportamento em folha de
registro ou usando um contador manual. Quando o timer tocar, somamos as
ocorrências (quando anotadas em folha de registro) ou verificamos o número
de ocorrências pelo contador e então podemos calcular a taxa do
comportamento. No caso do exemplo de escrita de palavras, a própria folha
em que o aluno escreve as palavras pode ser usada para a realização da soma
de palavras escritas e cálculo da taxa.

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Realizar medidas dos comportamentos é uma constante na prática do
Psicopedagogo Comportamental, pois sem elas não existem intervenções de
qualidade.

Referências Bibliográficas

UNIVERSITY of Washington, Center on Human Development & Disability. ABA


Intake Form. Disponível em:
https://depts.washington.edu/uwautism/wp-content/uploads/2018/04/1b.-
IntakeForm_ABA1.pdf. Acesso em: 08 out. 2021.

CANOVAS, Daniela. Escolha das medidas do comportamento. In: SELLA, Ana


Carolina; RIBEIRO, Daniela Mendonça (Orgs). Análise do comportamento
aplicada ao transtorno do espectro autista. Curitiba: Appris Editora, 2018. p.
167-184.

SAMPAIO, Simaia. Manual prático do diagnóstico psicopedagógico clínico.


6. ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2016.

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