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CONSTRUÇÃO DO VÍNCULO AFETIVO ENTRE PAIS E FILHOS COM

DEFICIÊNCIA

CONSTRUCTION OF THE AFFECTIVE BOND BETWEEN PARENTS AND


CHILDREN WITH DISABILITIES

Fernanda Andrade de Mattos


CONSTRUÇÃO DO VÍNCULO AFETIVO ENTRE PAIS E FILHOS COM DEFICIÊNCIA

FERNANDA ANDRADE DE MATTOS

Artigo apresentado ao Curso de Psicologia do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ,


como requisito parcial para a obtenção do título de Psicóloga, obtendo
Conceito ____________

Data: ________________

( ) Aprovada
( ) Reprovada

BANCA AVALIADORA

________________________________________________________________
Prof. Esp. Guilherme Jorge Stanford Dantas
(Orientador - UNIPÊ)

________________________________________________________________
Prof. Ms. Jayana Ramalho Ventura
(Membro – UNIPÊ)

________________________________________________________________
Profa. Ms. Sandra Helena Mousinho Benevides
(Membro – UNIPÊ)
RESUMO

O nascimento de um filho com deficiência causa diversas reações em uma família. Os


obstáculos iniciam com o descobrimento da deficiência e podem atingir os âmbitos psicológico,
social e econômico. Assim, a construção do vínculo entre pais e seus filhos com tal diagnóstico
pode sofrer a interferência das dificuldades e dos sentimentos ambivalentes que emergem,
afetando a estrutura familiar. Tendo como foco pais e mães de pessoas diagnosticadas com
algum tipo de deficiência, analisou-se quais fatores são preponderantes na construção do
vínculo afetivo com seus filhos, as possíveis alterações com a descoberta da deficiência e a
qualidade desse vínculo atualmente. Participaram da pesquisa 35 pessoas, 31 mães e 4 pais.
Tratou-se de um estudo descritivo e quantitativo. Os participantes responderam um questionário
sociodemográfico e um questionário específico sobre vínculos afetivos, evidenciando que a
construção do elo afetivo parental com um filho com deficiência está associada à fatores
biopsicossociais, e que o principal componente para uma boa formação desse vínculo é a saúde
psicológica e emocional dos genitores. Essa saúde mental sofre desestabilização com a notícia
da deficiência, mas a maior parte dos pais consegue reestabelecer o equilíbrio e voltam a ter
sentimentos positivos para com seus filhos, resultando em um vínculo classificado como
estruturado. Pôde-se contribuir para compreensão da situação emocional que pais se encontram
diante do diagnóstico, além de elucidar pontos importantes que precisam ser trabalhados por
profissionais da saúde, bem como servir de base para futuros estudos e intervenções sobre o
tema.

Palavras-chave: Vínculo afetivo. Pais. Deficiência. Diagnóstico.


ABSTRACT

The birth of disabled child causes several family repercussions. The obstacles start with the
discovery of the disability and can reach psychological, social and economic spheres. Thus, the
construction of the bond between parents and their children with such a diagnosis can suffer the
interference of the difficulties and ambivalent feelings that emerge, affecting the family
structure. Focusing on fathers and mothers of people diagnosed with disability, it was analyzed
which factors are preponderant in the construction of the affective bond with their children, the
possible changes with the discovery of the disability and the quality of that bond today. 35
people participated in the research, 31 mothers and 4 fathers. It was a descriptive and
quantitative study. The participants answered a sociodemographic and a specific questionnaire
about affective bonds, showing that the construction of the parental affective bond with a
disabled child is associated with biopsychosocial factors, and that the main component for a
good formation of this bond is psychological and emotional health of the parents. This mental
health is destabilized by the news of the disability, but most parents are able to reestablish their
balance and return to positive feelings towards their children, resulting in a bond classified as
structured. It was possible to contribute to the understanding of the emotional situation that
parents are faced with in the diagnosis, in addition to elucidating important points that need to
be worked on by health professionals, and serving as basis for future studies and interventions
on the topic.

Keywords: Affective Bond. Parents. Deficiency. Diagnosis.


4

1 INTRODUÇÃO

De acordo com o Censo Demográfico (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –


IBGE, 2010), aproximadamente 46 milhões de brasileiros (23,9% da população) declaram ter
pelo menos algum nível de deficiência, significando dificuldade em pelo menos uma das
habilidades investigadas (enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus), ou possuir deficiência
mental/intelectual. Não foram consideradas nessa pesquisa alguns transtornos, como o autismo,
já que o Brasil não tem estudos oficiais sobre esse tema, possuindo apenas estimativas. Com a
alta quantidade de pessoas com deficiência, sua subnotificação e seu crescimento a cada nova
pesquisa, é notório também o aumento do número de estudos relacionado à essa temática.
Porém, em maioria, essas pesquisas apresentam como foco somente a pessoa com
deficiência, deixando em segundo plano o estudo da relação desses indivíduos com seus pais e
como a deficiência pode interferir na vida pessoal dos familiares. Observa-se que toda a família
passa por um período de superação até aceitar que sua criança não é aquela que foi idealizada
durante meses, e sim uma com características não esperadas. Com isso, ressalta-se a dificuldade
de construir um ambiente mais adequado para a inclusão desse novo membro, seja esse espaço
físico ou emocional (PEREIRA, 2018).
Assim, as emoções que são direcionadas à essa criança e a ligação sentimental com ela
são de suma importância para a adaptação e o bem-estar tanto dos pais quando do próprio filho
com deficiência, pois existe a ocorrência de preconceitos oriundos da sociedade, e o ambiente
familiar estruturado pode servir como porto seguro para todos os membros nesses momentos
de desestabilização (GUERRA et al., 2015).
Durante os séculos XIX e XX, diversas teorias fundamentaram pesquisas sobre essa
relação existente entre pais e filhos, denominada atualmente de vínculo parental. Ao longo
desses anos, os teóricos apresentaram diferentes perspectivas a respeito do mesmo fenômeno.
Segundo Lopes e Piccinini (1992), na metade do século XX, estudos na área da psicologia do
desenvolvimento tinham como foco estabelecer normas de acordo com cada idade do período
da infância, por meio da investigação das competências das crianças.
Esses resultados influenciaram o entendimento das relações de apego como algo
unidirecional, em que o comportamento dos pais gerava grande impacto no desenvolvimento
do filho. Assim, esse filho era considerado um ser totalmente passivo das ações dos genitores
(LOPES; PICCININI, 1992). Porém, a partir dos anos 60, as pesquisas avançaram e os
resultados demonstraram que o apego possui uma concepção bidirecional, sendo a criança ativa
no seu processo de desenvolvimento, principalmente por buscar interação. Dessa forma, foi
5

postulando que ambos se influenciam mutuamente, indo de encontro ao modelo adotado até
então (SILVA; PORTO, 2016).
De acordo com Siqueira e Zandonadi (2017), nessa conjuntura surge as investigações
do psiquiatra e psicanalista John Bowlby (1907-1990), que futuramente levariam à construção
da denominada Teoria do Apego (TA), tendo forte repercussão na literatura científica até os
dias de hoje. A TA destaca duas principais categorias do campo da psicologia infantil: a noção
de vínculo e a noção de apego. Ribeiro et al. (2018, p. 5) afirmam que, de acordo com essa
teoria, “apego é o sentimento do bebê em relação aos pais, na medida em que ele sente neles a
base segura para explorar e conhecer o mundo à sua volta; o sentimento dos pais em relação ao
filho é expresso por vínculo afetivo”.
Sobre os vínculos afetivos, Bowlby (1997) cita que sua principal característica é a busca
e manutenção pela aproximação de dois indivíduos. As outras características seriam o
direcionamento dos comportamentos, o envolvimento emocional, a duração e a constância da
ligação entre o par ao longo do tempo, a organização, a função de discernir o familiar do
estranho, o forte envolvimento com uma figura de referência até o terceiro ano de vida e a
função de sobrevivência. Com isso, declara que os vínculos iniciais têm tanto valor para a
sobrevivência da espécie quanto a reprodução e o zelo pela prole, por exemplo.
Logo, o apego é visto como um sentimento mais básico do bebê, primordial e ligado ao
senso de segurança, considerado uma parte do vínculo afetivo. Já o vínculo afetivo é entendido
como um laço durável entre os pais e filhos, único, específico e mais estruturado. Apresenta
aspectos complexos por sua importância em diversas áreas da vida dos indivíduos, ressaltando
que existem diferentes fatores importantes para que haja sua constituição.
Seguindo esse entendimento, Russo e Nucci (2020) afirmam que os vínculos afetivos
entre os pais e seus filhos começam a ser formados ainda durante a gravidez, em que são
produzidos hormônios, como a ocitocina, que é liberada principalmente durante o parto, nos
momentos que o procedem e durante a amamentação.

[...] A experiência propriamente física do parto (conjugado à posterior


amamentação exclusiva e sob livre demanda, com a consequente liberação da
ocitocina natural) é, portanto, imprescindível para o estabelecimento desse
elo. O elo é afetivo e moral por ser fundamentado na biologia, na
materialidade do corpo. Quem faz a conexão entre o afetivo/moral e o
material/biológico é a ocitocina, em um processo que [...] podemos chamar de
“molecularização do amor materno” (RUSSO; NUCCI, 2020, p. 7).
6

Os autores citam ainda que a produção da ocitocina nesses momentos colabora para a
formação do indispensável elo afetivo de forma rápida e eficaz não só entre mãe e filho, mas
entre a tríade pai-mãe-filho.
Assim, destaca-se que esse vínculo ocorre de forma natural, sendo parte da natureza
humana e importante para a propagação do ciclo da vida. Braga (2017) pontua outros fatores
importantes que podem influenciar a formação do vínculo afetivo para além do período
gestacional e do parto, considerados fatores biológicos. Inclui aspectos de ordem individual,
relacional e contextual, dando como exemplos “a expressividade emocional da mãe e do bebê;
a sincronia interacional; a atribuição por parte da mãe dos pensamentos, intenções e desejos do
bebê; assim como variáveis situacionais, como o suporte social materno e o próprio ambiente”
(p. 15), o que revela que o suporte aos pais a nível social também é um fator responsável pela
formação desse vínculo.
Além disso, Oliveira, Siqueira e Zandonadi (2017) evidenciam a parte psicológica do
processo de elaboração desses laços. Segundo as autoras, os cuidadores, principalmente a mãe
ou quem faz esse papel, precisa estar em condições psíquicas e emocionais adequadas para
conseguirem estabelecer esse afeto de forma apropriada. Por isso, acrescentam que é importante
os profissionais de saúde, como psicólogos, auxiliarem as famílias que sentem dificuldade em
construir um elo saudável com a criança. Instruir mães no período gestacional, mães que
passaram por traumas ou que tiveram problemas de ordem física ou mental durante a vida, por
exemplo, proporcionaria resultados positivos tanto para o desenvolvimento da criança quanto
a vida do pai e da mãe, de forma individual e familiar.
Como afirma Félix e Farias (2019), geralmente a gestação representa uma realização
social, símbolo de masculinidade para o pai e a realização emocional para a mãe, fazendo com
que mesmo existindo medo e ansiedade, haja a construção da noção da individualidade do filho
que está por vir. De acordo com o Ministério da Saúde (2013), essa construção perpassa por
diferentes concepções sobre o bebê. A princípio, há o “bebê fantasmático”, que representa os
desejos e projetos que os pais carregam desde suas infâncias, criado por suas vivências, mesmo
que esses não se deem conta.
Logo após vem o “bebê imaginário”, que foi criado, imaginado e representado no
pensamento dos pais já próximo à gestação ou em algum momento perto dela, muitas vezes
inconscientemente. Já o “bebê imaginado” é criado pelos pais durante a gestação, através da
imagem do ultrassom, das interações e do comportamento do feto ainda na barriga da mãe, e é
preenchido pelas fantasias parentais e expectativas sobre o filho que desejam e acreditam que
vá nascer, é o filho idealizado.
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Assim, atinge-se o “bebê real”, aquele que nasce, está à espera de receber todo o
investimento afetivo familiar, possui demandas reais e geralmente se diferencia do
fantasmático, do imaginário e do imaginado. Essa diferenciação pode ocorrer de forma mais
brusca quando os pais se deparam com algum tipo de situação inesperada ou dificuldade na
gestação (OLIVEIRA, 2017).
Dessa forma, é possível perceber que os pais projetam em seus filhos muitas
expectativas, principalmente durante a gravidez. Santos (2016) reafirma este pensamento
citando que mesmo antes do nascimento familiares já “fantasiam o sexo, a carreira profissional,
desempenho na escola, orientação sexual, entre tantas outras diversas perspectivas” (p. 5), e
esperam que quando a criança nasça, esses desejos sejam concretizados. Destaca-se que essa
idealização é importante para que se construa um ambiente amável, onde a criança irá nascer e
se desenvolver, pois um vínculo já foi estabelecido.
Porém, o nascimento de um filho com alguma deficiência pode levar à quebra dessas
expectativas. Enquanto alguns pais encararam com maior facilidade a chegada desse filho e
conseguem manejar as expectativas que não foram atendidas, muitos ficam presos nas
frustações de seus desejos e nas pressões sociais.

[...] tal situação pode vir a produzir uma dor intolerável, de difícil e lenta
recuperação, rompendo por vezes com o equilíbrio homeostático familiar. A
deficiência traz consigo relevantes repercussões emocionais, que são
agravadas por uma sobreposição de perdas, tais como a perda do filho
idealizado, a cobrança familiar e social, etc. Sentimentos de intenso fracasso,
de incapacidade e de inferioridade são mobilizados pela impossibilidade de
gerar o filho ideal (SANTOS, 2016, p. 5).

Deste modo, ao ver que o filho criado na psique não corresponde com o que nasceu e
ao não aceitar o filho real, é comum surgir sentimentos negativos como culpa, rejeição e medo,
fazendo com que os genitores entrem em um processo de luto pelo o que foi perdido. Além
disso, o bebê com deficiência pode ter a necessidade de certas adaptações e cuidados, como
modificações na residência, tratamentos, reabilitações, auxílio de aparelhos, demandar que os
pais aprendam novas formas de comunicação, como a língua de sinais, entre outros.
Observa-se que muitos genitores não possuem estrutura emocional para lidarem com
tantas mudanças, podendo “negar a condição da deficiência do filho, manter altas expectativas,
frustrando-se e apresentando dificuldade em manejar esta nova reconfiguração de sua rotina”
(OLIVEIRA; POLETTO, 2015, p.10). Essas dificuldades emocionais para com o filho podem
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ser momentâneas ou durarem por toda a vida. Nota-se que em algumas famílias, ao ser instalado
a situação de crise, instalar-se também a noção de que tudo deve ser revisto e reorganizado.
Segundo Pereira (2018), perde-se a criança idealizada, perfeita e saudável que era
imaginada, mas o processo de luto encarado principalmente pelos pais é essencial, mesmo que
doloroso, “pois se os pais continuarem a investir na criança antes idealizada não poderão cuidar
da criança concreta” (p. 46). Assim, para que o papel do pai e da mãe sejam exercidos de
maneira saudável, é preciso que ambos compartilhem emoções com a criança, que cuide do
filho com amor e por prazer, estabelecendo o vínculo parental.
Franco (2015) afirma que é fundamental que a criança com deficiência se torne desejada
e amada para que os cuidados necessários a alcancem com envolvimento emocional, e não de
forma unicamente funcional. Depois de ocorrer a elaboração do luto, observa-se que o vínculo
afetivo se estabelece em algumas famílias e os pais passam a exprimir disponibilidade
emocional para amparar a educação e o bem-estar da criança.
É notório que mesmo com as dificuldades encontradas, é imprescindível que os pais
continuem lutando para superar seus conflitos internos e consigam exercer seus papeis na
família. Dessa forma, observa-se que o vínculo afetivo é capaz de trazer benefícios para a vida
dos genitores, promovendo o equilíbrio familiar e colaborando para a saúde mental e física,
além de ser de suma importância para os filhos.

A importância da vinculação afetiva para o desenvolvimento da criança

Considera-se o desenvolvimento infantil um processo multidimensional e integral, que


inicia na concepção e envolve crescimento físico, maturação neurológica, desenvolvimento
comportamental, sensorial, cognitivo e de linguagem, além das relações sócio afetivas
(ORGANIZAÇÃO PAN AMERICANA DA SAÚDE, 2005). É resultado da interação existente
entre o amadurecimento do sistema nervoso central e outros fatores, como os biológicos,
afetivos, relacionais, ambientais, simbólicos e contextuais. Esse amadurecimento ocorre
principalmente nos primeiros anos de vida, por isso esse período é considerado de suma
importância para o desenvolvimento de habilidades motoras, cognitivas e sensoriais
(PANCERI; PEREIRA; VALENTINI, 2017).
Assim, o vínculo afetivo estabelecido entre os pais e seus filhos, a maneira como
interagem e cuidam de suas crianças interfere significativamente no desenvolvimento delas.
Segundo Moura (2018), a família funciona como uma base estrutural para a criança, sendo o
principal local onde serão trabalhadas as questões sentimentais, cognitivas e sociais. Os pais
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são responsáveis por transmitir seus valores, cultura e fornecerem um espaço de confiança,
dando suporte emocional e financeiro, estimulando a construção da individualidade dos filhos.
Quanto ao âmbito cognitivo e intelectual, Carvalho, Rolón e Melo (2018) citam que a
vinculação afetiva entre os pais e os filhos gera segurança, motivação e reconhecimento, o que
torna o processo de ensino aprendizagem mais efetivo. Assim, ao desenvolver uma relação
estruturada, há mais facilidade na construção dos mais diversos tipos de conhecimento. Dessa
forma, é notório que os pais (ou quem exerce essa função) têm um papel imprescindível na
construção da criança como sujeito na sociedade.
Segundo Ribeiro et al. (2018), as mães podem apresentar questões de diversas ordens
que interferem na qualidade dos seus vínculos afetivos, como depressão, dificuldades na
gravidez, traumas, falta de apoio etc. Por esses motivos, ao prestarem os cuidados para com
seus bebês, podem gerar inconscientemente inseguranças, ansiedades e angústias em suas
crianças, que também reforçam esses aspectos negativos na mãe. Com isso, há dificuldade em
estabelecer um investimento afetivo mútuo, promovendo interferência no desenvolvimento de
habilidades de enfrentamento do bebê (RIBEIRO et al., 2018).
Dessa forma, essa falta pode gerar consequências negativas na saúde mental da criança
que varia desde a dificuldade de manter vínculos, violência, inadequação social, entre outros, e
afetar a vida dos pais, já que as relações são recíprocas (CÂMARA; FERNANDES, 2015).
Assim sendo, os pais precisam estar dispostos a tentar satisfazer as necessidades emocionais e
físicas de seus filhos, principalmente na primeira infância, para que o desenvolvimento ocorra
de forma adequada e que seja possível estabelecer mais facilmente um equilíbrio emocional na
tríade.
Além disso, Ozzaquatro e Arpini (2015) destacam que a participação paterna no
processo de desenvolvimentos das crianças é indispensável, pois através da estimulação, dos
cuidados e relação positiva estabelecida de forma distinta da mãe, é facilitada a criação do
ambiente ideal para o crescimento saudável. Afirmam também que quando o pai está presente
no cotidiano da díade mãe-filho, as condições ambientais para a mãe se identificar com o bebê
estarão facilitadas, o que contribui para o progresso emocional, físico, social e cognitivo do
filho ao longo de toda a vida.
Assim, fez-se necessário um aprofundamento sobre o vínculo afetivo formado entre pais
e seus filhos com deficiência, já que a família é o primeiro grupo social que o indivíduo faz
parte na sociedade e possui influência direta em seu desenvolvimento. Levou-se em
consideração os diversos aspectos que causam interferência nesse processo de formação do
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vínculo, como fatores biológicos e sociais, pois são eles que fundamentam e estruturam parte
da resposta afetiva.
Desse modo, esse estudo objetivou identificar quais fatores são preponderantes na
construção do vínculo afetivo entre pais e filhos com deficiência. Para tanto, se fez necessário
caracterizar o perfil da amostra; rastrear a existência de aumento ou redução do vínculo afetivo
parental com a descoberta da deficiência e analisar a qualidade do vínculo afetivo estabelecido
entre os genitores e seus filhos com deficiência atualmente.

2 METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo de campo online, de natureza descritiva, com abordagem


quantitativa. Por se tratar de uma pesquisa online, o locus se estendeu a todo o país. O estudo
contou com 35 participantes, sendo 31 do sexo feminino e 04 do sexo masculino, os quais foram
convidados a participar por meio de convite online na plataforma Google Forms. A técnica de
escolha da amostra foi a não probabilística por conveniência.
Os critérios de inclusão foram: possuir um filho com diagnóstico de deficiência; ter 18
anos ou mais; residir no Brasil. Foram excluídos aqueles que não responderam integralmente
os instrumentos da coleta de dados. Para a realização da pesquisa, foram utilizados dois
instrumentos. Um questionário sociodemográfico e um questionário específico sobre a
construção do vínculo afetivo entre os pais e os filhos diagnosticados. O questionário
sociodemográfico possuía 9 questões, com o objetivo de caracterizar a amostra do estudo,
contendo as informações básicas da amostra, como: sexo, idade, estado civil e escolaridade.
Já a construção do vínculo afetivo entre pais e filhos com deficiência foi analisada por
meio de um questionário específico, construído pelo pesquisador para este fim. Para embasar a
produção desde instrumento, foi utilizado o Questionário sobre as Necessidades das Famílias -
QNF (PEREIRA, 1996); a adaptação transcultural para o português brasileiro do Parental
Bonding Instrument - PBI (HAUCK et.al., 2006) e o Protocolo de Avaliação do Vínculo Mãe-
filho (MADER et. al., 2013). Foi composto por 10 questões fechadas, que visaram analisar a
relação entre as variáveis estudadas na pesquisa, compreender as circunstâncias e a qualidade
dos vínculos afetivos parentais constituídos até o momento.
Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 35392820.2.0000.5176), o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os instrumentos (na ordem supracitada)
foram inseridos na plataforma Google Forms (https://www.google.com/forms/about/). Criou-
se um link para a pesquisa, com um convite no corpo de uma mensagem eletrônica, amplamente
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divulgada pela internet, em diversos grupos online de redes sociais (como o Whatsapp e
Facebook), a fim de que chegasse ao público-alvo (pais e mães de pessoas com deficiência).
Clicando no link, o participante era levado para a página do TCLE e ao final dela se
pedia para clicar em “concordo” ou “não concordo” em participar da pesquisa: clicando no
primeiro, o respondente era levado para a primeira página de instrumentos para que então
pudesse iniciar; clicando no segundo, aparecia uma mensagem de agradecimento e, também,
de despedida.
Após a finalização do segundo instrumento, o participante era direcionado à uma janela
de agradecimento e conclusão da sua participação na pesquisa. As últimas etapas se referiam,
respectivamente, à análise de dados e a publicação dos resultados, a qual também pode ser
caracterizada como um feedback para as participantes da pesquisa.
Durante os procedimentos do estudo foram considerando os aspectos éticos pertinentes
a pesquisas envolvendo seres humanos, de acordo com a Resolução nº 466/12 do CNS/MS
(BRASIL, 2012), no que tange aos parâmetros legais. Os dados sociodemográficos e as
informações do questionário específico sobre a construção dos vínculos afetivos foram tratados
por meio da estatística descritiva, tal como percentual e inferenciais, como correlação e
comparação de médias. As análises foram processadas por meio do pacote office Excel, em sua
versão 2013.

3 RESULTADOS

Na Tabela 1 é apresentado os dados sociodemográficos dos genitores entrevistados:

Tabela 1 - Perfil sociodemográficos dos pais (n=35)


Variável ƒ %
Sexo
Feminino 31 88,6
Masculino 04 11,4
Idade
18 – 29 anos 10 28,6
30 – 39 anos 13 37,1
40 – 49 anos 07 20,0
≥ 50 anos 05 14,3
Estado Civil
Solteiro 08 22,9
Casado 23 65,7
Separado 03 08,6
Divorciado 01 02,8
Viúvo 0 0,0
(Continua)
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Tabela 1 - Perfil sociodemográficos dos pais (n=35) (Conclusão)


Variável ƒ %
Grau de Escolaridade
Sem Estudo 0 0,0
Fundamental Completo 04 11,4
Ensino Médio Completo 14 40,0
Ensino Superior Completo 17 48,6
Renda Familiar Mensal
Até 1 Salário Mínimo 09 25,7
De 1 a 3 Salários Mínimos 12 34,3
De 3 a 6 Salários Mínimos 05 14,3
De 6 a 9 Salários Mínimos 04 11,4
Acima de 9 Salários Mínimos 05 14,3

Fonte: Dados da pesquisa, 2020.

Pôde-se perceber que o maior percentual dos entrevistados é do sexo feminino,


atingindo 88,6%. As idades dos participantes variaram entre 20 e 68 anos, sendo a maioria
inclusa no intervalo de 30 a 39 anos (37,1%). Entre os entrevistados, os que possuem o estado
civil de casado qualificam-se como o maior índice, com 65,7%. No que se refere ao grau de
escolaridade, a maior parte da amostra apresentou possuir ensino superior completo (48,6%).
No tocante a renda familiar mensal, a maioria dos participantes recebe de 1 a 3 salários mínimos
(34,3%), e 25,7% recebe menos de um salário mínimo por mês.
A Tabela 2 representa os dados dos filhos com deficiência.

Tabela 2 - Perfil sociodemográficos dos filhos (n=35)


Variável ƒ %
Sexo
Feminino 07 20,0
Masculino 28 80,0
Idade do Filho com Deficiência
0 – 9 anos 23 65,7
10 – 19 anos 08 22,8
20 – 29 anos 03 08,6
30 - 39 anos 01 02,9
≥ 40 anos 0 0,0
Tipo de deficiência
Autismo (TEA) 23 65,7
Física 01 02,9
Visual 02 05,7
Auditiva 0 0,0
Psicossocial 0 0,0
Intelectual 07 20,0
Múltipla 02 05,7

Fonte: Dados da pesquisa, 2020.


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Foi possível observar que o maior percentual dos filhos é do sexo masculino, com 80%.
Quanto à idade, a maioria se encontrou entre 0 e 9 anos (65,7%). Referente ao diagnóstico
aplicado ao filho, a maior parte apresentou ter autismo (TEA), atingindo 65,7% da pesquisa.
A Tabela 3 traz resultados relativos à importância dos aspectos biológicos, psicológicos
e sociais para a construção do vínculo afetivo parental segundo a visão dos pais.

Tabela 3 – Aspectos importantes para a construção do vínculo afetivo entre pais e filhos (n=35)
Variável ƒ %
Aspectos biológicos são importantes
Sim 23 65,7
Não 12 34,3
Aspectos psicológicos dos pais são importantes
Sim 35 100
Não 0 0,0
Aspectos sociais são importantes
Sim 27 77,1
Não 08 22,9

Fonte: Dados da pesquisa, 2020.

Constatou-se que 65% dos genitores consideram que aspectos biológicos tem sim
relevância, 100% concordaram que os aspectos psicológicos são importantes, e 77,1% citaram
que fatores sociais são ponderosos para a formação do laço afetivo entre pais e filhos.
No Gráfico 1, está descrito os valores relativos aos 3 fatores considerados mais
importantes para a construção do vínculo afetivo entre pais e filhos de acordo com os genitores.

Gráfico 1 – Os 3 fatores mais importantes para a construção do vínculo afetivo entre pais e filhos
(n=114)
Apoio Familiar 26 (22,8%)
Saúde psicologica/emocional dos genitores 30 (26,3%)
Boa condição socioeconômica 15 (13,2%)
Bom relacionamento entre os genitores 28 (24,5%)
Gravidez ser desejada 9 (7,9%)
Produção de hormônios 1 (0,9%)
Ligação sanguínea 5 (4,4%)
0 10 20 30 40
Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
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Observou-se que apresentaram maior incidência a saúde psicológica e emocional dos


genitores (26,3%), o bom relacionamento entre os genitores (24,5%), e o apoio familiar
(22,8%).
O Gráfico 2 traz dados pertinentes aos sentimentos dos pais antes do nascimento do
filho.

Gráfico 2 – Sentimentos dos pais e mães antes do nascimento do filho (n=103)


Paz 8 (7,8%)
Impotência 5 (4,8%)
Esperança 15 (14,5%)
Realização 12 (11,6%)
Ansiedade 19 (18,4%)
Medo 15 (14,5%)
Negação 3 (2,9%)
Alegria 18 (17,8%)
Tristeza 5 (4,8%)
Raiva 0
Culpa 3 (2,9%)
0 5 10 15 20
Fonte: Dados da pesquisa, 2020.

Notou-se que 18,4% dos genitores afirmaram que sentiam ansiedade, 17,8% sentiam
alegria, 14,5% sentiam medo e também 14,5% sentiam esperança.
O Gráfico 3 refere-se aos sentimentos dos pais com a descoberta da deficiência do filho.

Gráfico 3 – Sentimentos dos pais e mães no momento da descoberta da deficiência do filho (n=110)
Fé 1 (0,9%)
Aceitação 1 (0,9%)
Incerteza 1 (0,9%)
Paz 8 (7,3%)
Impotência 19 (17,3%)
Esperança 5 (4,5%)
Realização 0
Ansiedade 13 (11,8%)
Medo 23 (20,9%)
Negação 3 (2,7%)
Alegria 2 (1,8%)
Tristeza 17 (15,6%)
Raiva 4 (3,6%)
Culpa 13 (11,8%)
0 5 10 15 20 25
Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
15

Constatou-se que 20,9% dos genitores sentiram medo, 17,3% sentiram impotência,
15,6% sentiram tristeza, 11,8% sentiram culpa e também 11,8% sentiram ansiedade.
O Gráfico 4 apresenta informações relativas aos sentimentos dos pais atualmente em
relação aos seus filhos com deficiência.

Gráfico 4 – Sentimentos atuais dos pais e mães em relação ao filho (n=112)


Orgulho 1 (0,9%)
Fé 1 (0,9%)
Amor 1 (0,9%)
Paz 11 (9,8%)
Impotência 4 (3,6%)
Esperança 26 (23,2%)
Realização 11 (9,8%)
Ansiedade 13 (11,6%)
Medo 12 (10,7%)
Negação 0
Alegria 24 (21,4%)
Tristeza 4 (3,6%)
Raiva 1 (0,9%)
Culpa 3 (2,7%)
0 5 10 15 20 25 30
Fonte: Dados da pesquisa, 2020.

Destacou-se que 23,2% dos genitores sentem esperança, 21,4% sentem alegria, 11,6%
sentem ansiedade e 10,7% sentem medo, seguido de paz e realização, com 9,8% cada um.
No Gráfico 5, os dados são pertinentes à possível alteração do vínculo afetivo logo após
a descoberta da deficiência.
Gráfico 5 – Alteração do vínculo afetivo com o filho logo após a descoberta da deficiência (n=35)

Não Sofreu
Alteração
28.6%
Sofreu Grande
Alteração
42.9%

Sofreu Pouca
Alteração
28.6%

Fonte: Dados da pesquisa, 2020.


16

Observou-se que 71,5% dos pais afirmaram que o vínculo sofreu algum tipo de
alteração, e desses, 42,9% sentiram uma grande alteração.
O Gráfico 6 remete somente aos pais que afirmaram terem sofrido algum tipo de
alteração no seu vínculo afetivo na questão anterior.

Gráfico 6 – Tipo de alteração do vínculo afetivo com o filho logo após a descoberta da deficiência
(n=25)
Se fragilizou
4.0%

Se fortaleceu
96.0%

Fonte: Dados da pesquisa, 2020.

Os dados mostraram que 96,0% dos genitores sentiram que seus vínculos parentais
foram fortalecidos logo após a descoberta da deficiência do filho.
O Gráfico 7 refere-se a como os pais classificam seu vínculo afetivo com seus filhos
atualmente.

Gráfico 7 – Qualidade do vínculo afetivo com o filho atualmente (n=35)

Bom
17.1%
Muito bom
Bom
Indiferente
Ruim
Muito Ruim
Muito bom
82.9%
Fonte: Dados da pesquisa, 2020.
17

Constatou-se que 82,9% dos pais consideram seu vínculo muito bom, enquanto nenhum
participante classificou seu vínculo afetivo com seus filhos como indiferente, ruim ou muito
ruim.

4 DISCUSSÃO

Mediante a análise dos resultados obtidos, observa-se primeiramente que a grande


maioria da amostra do estudo é composta por mães, trazendo à tona a participação mais ativa
das mulheres nos cuidados e nos assuntos pertinentes aos filhos. Isso se torna mais evidente
quando esse filho possui algum tipo de deficiência, pois entende-se que essas pessoas precisam
de maior apoio e suporte para se desenvolverem, e os pais se tornam ainda mais essenciais.
Assim, que é visível na construção social mundial é que quem geralmente fica responsável por
assumir essas responsabilidades são primordialmente figuras femininas (WELTER et al., 2008).
O fato exposto é corroborado por Cruz (2011) ao afirmar que, historicamente, foi
delegado à mulher o papel de cuidar do lar e de suas crias, enquanto o homem provia o sustento
da família. Além disso, cita que por décadas o ato de cuidar foi destinado exclusivamente à
alguns integrantes da família, como mães, avós e filhas e, “por conta da grande presença da mãe
como principal cuidadora, nela se concentra a maior responsabilidade pela tomada de decisões
sobre quais os serviços e como deve buscar as linhas de apoio para o filho com deficiência”
(p.79).
Os resultados observados mostraram que os pais consideram os aspectos biológicos
(ligação sanguínea, produção de hormônios), psicológicos (boa condição emocional dos
genitores) e sociais (boa condição socioeconômica, apoio familiar) relevantes para a construção
do vínculo parental. Esses dados são observados na literatura, como em Pinto (2019), que
afirma que o hormônio ocitocina é fundamental para o estreitamento do vínculo mãe-bebê,
sendo chamado de “hormônio do amor”, remetendo a questão biológica.
A respeito do apoio familiar, Sá e Rabinovich (2006) confirmam essas informações,
citando que essa rede favorece a estruturação da vida da criança com deficiência, aumentando
suas possibilidades de autoestima vinda do afeto e, por isso, não pode ser ignorada no que se
refere a socialização da criança. Além disso, retratam que “por meio das relações de cuidado, a
família transmite valores como os de tolerância e respeito às diferenças, corroborando para um
desenvolvimento adequado, especialmente quando os serviços sociais são inadequados e as
políticas públicas insuficientes” (p. 70).
18

A condição relacionada à saúde psicológica e emocional dos pais foi visto pelos próprios
genitores como o fator preponderante e elementar da construção do vínculo afetivo com os
filhos, o é confirmado pela literatura científica, que demonstra que a falta de saúde mental dos
pais, transtornos, abusos e sentimentos de negação e rejeição podem causar danos profundos
no desenvolvimento desses indivíduos (ESPÍRITO SANTO, 2016). Ademais, ressaltam que
“pais amorosos, acolhedores, encorajadores, congruentes e que impõem limites adequados
aumentam a probabilidade para que essa criança possa se expressar e ser mais confiante em si
mesma e no ambiente, reduzindo assim os riscos de comprometimento na saúde mental” (p. 71)
e, para isso, os pais precisam estar com uma boa qualidade de vida de forma geral.
A respeito dos sentimentos que os genitores sentiram antes do nascimento dos filhos,
destacaram-se ansiedade, alegria, esperança, medo e realização. Porém, observou-se que depois
de um tempo, com a descoberta da deficiência, os sentimentos mais presentes se alteraram para
medo, impotência, tristeza, culpa e ansiedade, mostrando que se tratou de um evento que
desestabilizou o equilíbrio familiar.
Essas informações estão presentes em pesquisas como a de Oliveira (2018), ao
demonstrar que negação, culpa, tristeza e ansiedade são algumas das reações emocionais mais
relatadas pelos genitores. Além disso, a autora afirma que isso ocorre porque a notícia da
deficiência de um filho é um choque para a família, fazendo com que os pais passem por um
processo de luto da criança idealizado, criando uma nova situação nunca antes enfrentada por
muitos, algo desconhecido e confuso.
Além disso, como visto nos resultados, a maioria dos pais informou que logo após a
descoberta da deficiência do filho, seu vínculo afetivo sofreu grande alteração, se fortalecendo
ainda mais. Porém, o que se observa nas pesquisas sobre a área é que primeiro ocorre uma
fragilização desse elo afetivo pelo choque da notícia da deficiência, medo do que está por vir e
negação, para depois ocorrer um fortalecimento desse vínculo. Isso acontece com os pais que
conseguem elaborar o luto pelo filho perdido, superar esses sentimentos de negativos e aceitar
as condições do filho real, porém, não são todos.
Isso pode ser observado em Félix e Farias (2019), que ressaltam os caminhos e
diferentes fases de superação dos pais.

[...] Inicialmente, ocorre a fase do choque, na qual há sentimentos de medo,


ameaça e culpa; posteriormente, passa-se à fase de negação, ocorrendo
esquiva por parte dos pais aos relatos da deficiência em seu filho; a partir desse
momento, os pais entram numa tristeza imensa, com sentimentos de ansiedade
e raiva. Superado esse período, inicia-se uma fase de reação, quando se
19

compreende a situação e se adapta a ela; por fim, a fase da realidade, na qual


enfrentam a criação de um filho deficiente (FÉLIX; FARIAS, 2019, p. 5).

Assim, observa-se que “após enfrentarem períodos difíceis, uma reorganização é feita
na direção da aceitação do bebê e, ao longo do tempo, os pais se ajustam para tentar ajudar a
criança” (MOURA, 2018, p. 30). Essa aceitação se torna o caminho para a reestruturação e o
fortalecimento do vínculo afetivo formado entre eles, e “a partir do momento em que os pais
dão o primeiro passo e aceitam seus filhos, passam a amá-los e incluí-los na sociedade. Eles
são vistos com outros olhos. Novas formas de vencer os preconceitos são construídas,
alicerçadas em confiança e autoestima, resultando no empoderamento” (GUERRA et al., 2015,
p. 464). Dessa maneira, muitos pais conseguem reorganizar seus pensamentos e sentimentos a
respeito da deficiência.
Levando em consideração a qualidade do vínculo entre os pais e seus filhos com
deficiência, a grande maioria dos genitores possuem vínculos fortalecidos, classificando-os
como muito bons atualmente. Além disso, seus sentimentos atuais são majoritariamente de
esperança, alegria, ansiedade, medo, realização e paz, o que demonstra que o luto foi superado
através da resiliência dos pais. Uma hipótese para os sentimentos de medo e ansiedade é a
expectativa criada diante das terapias ou falta de acesso a elas, falta de orientação e medo dos
paradigmas, preconceitos e obstáculos que são impostos pela sociedade, que são dificuldades
diárias na vida dessas famílias (CERQUEIRA; ALVES; AGUIAR, 2016).
Porém, uma parcela dos genitores ainda possui sentimento de tristeza, raiva e culpa, o
que pode ter fragilizado o vínculo afetivo ou dificultado seu fortalecimento. Assim, “para que
ocorra essa ressignificação e elaboração, é necessário ajudar os pais a aprofundarem os laços
com o filho e não com a doença dele, sendo possível então, que o filho apareça no espelho do
Outro como sujeito e não como a imagem que representa a deficiência que ele tem” (RAMOS,
2016, p. 27). Dessa maneira, observa-se que muitos pais conseguem manter um bom elo afetivo
com seus filhos, mas não são todos. Ressalta-se então a importância dos profissionais da saúde
e dos familiares para que essa vivência com a deficiência não interfira negativamente na saúde
mental dos próprios pais e no desenvolvimento do filho.

5 CONCLUSÃO

De acordo com o exposto, concluiu-se que uma gravidez é capaz de trazer mudanças
significativas que afetam a vida de todos que acompanham esse processo, sejam essas mudanças
20

de ordem estruturais, psicológicas ou de papeis familiares. A criação de expectativas é algo


inevitável e, então, é iniciada uma relação emocional que é demonstrada ao atribuir
características como nome, sexo e temperamento ao feto, fazendo com que os genitores já
comecem a se vincular com o futuro do filho. Assim, a construção do vínculo afetivo entre pais
e filhos já se inicia antes mesmo do nascimento.
Além disso, observou-se que esse elo emocional é formado, segundo os pais e também
a própria literatura sobre o tema, a partir de fatores biopsicossociais, destacando como
preponderante os aspectos relacionados à saúde psicológica e emocional dos genitores e a rede
de apoio, como família e acesso a profissionais de saúde qualificados. Assim, a maneira como
é estabelecida essa ligação influencia a estruturação ou desestruturação do vínculo afetivo. Um
componente que causa desestabilização na relação familiar é o descobrimento de uma
deficiência, que quebra as expectativas que vinham sendo estabelecidas por meses ao redor do
filho. O nascimento dessa criança com deficiência pode gerar sentimento de tristeza, culpa,
medo, ansiedade, rejeição, ambivalência e impotência, desestruturando os membros da família,
fazendo com que os genitores entrem em um processo de luto pela perda do filho idealizado e
pela não aceitação do filho real, como visto nos dados analisados.
Esses sentimentos interferem diretamente no acolhimento da criança, comprometendo
a relação parental e o fortalecimento da personalidade do filho. Quando esse luto não é
elaborado, os genitores podem acabar estabelecendo um vínculo com a deficiência, e não com
o filho deficiente, fazendo com que as emoções consideradas negativas se perpetuem no
relacionamento entre eles. Nesses casos, tanto a saúde psicológica dos pais quando o
desenvolvimento do filho pode ficar comprometido. Por isso, é de suma relevância que as
famílias busquem auxílio em profissionais de saúde, como psicólogos e psiquiatras, para
poderem lidar melhor com a situação, já que a promoção da saúde mental dos genitores pode
atenuar a confusão emocional provocada pelo diagnóstico, fortalecer o elo parental e
proporcionar um ambiente adequado para o crescimento do filho.
Porém, esses sentimentos negativos também podem servir como reações adaptativas
positivas, já que proporcionam espaço e tempo para os pais direcionarem suas energias para a
resolução da questão, buscando o reequilíbrio familiar, que muitas vezes é atingido. Com o
equilíbrio reestabelecido, os sentimentos negativos dão lugar para a realização, alegria,
esperança e paz, como visto nos dados analisados.
Dessa forma, concluiu-se que a maior parte dos genitores da amostra conseguiu elaborar
seu luto e trazer a harmonia familiar de volta nesse quesito, possibilitando que seus vínculos
afetivos atuais com seus filhos fossem considerados muito bons e fortalecidos com o tempo e a
21

resiliência da família. Além disso, destaca-se a contribuição do estudo à melhor compreensão


da situação emocional que pais se encontram diante do diagnóstico de seus filhos e aos fatores
que são significativos para a estruturação do vínculo afetivo parental saudável, elucidando
pontos importantes para serem trabalhados pelos profissionais da área social e da saúde,
principalmente saúde mental. Outrossim, pode ser utilizado como base para futuros estudos e
intervenções que busquem alcançar as pessoas com deficiência e seus familiares.
É importante salientar que este artigo possui caráter quantitativo e traz como foco
questões subjetivas dos genitores, o que pode ser considerado uma limitação no
aprofundamento do entendimento sobre os sentimentos, já que os pais seguiram um roteiro
semiestruturado ao responderem as perguntas. Ademais, destaca-se escassez de material
específico sobre a relação dos homens-pais no cuidado de filhos com deficiência, já que a
literatura exposta tem como foco mulheres e mães, que historicamente são responsáveis pelo
zelo do lar e criação dos filhos.

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