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(ORG.)
RELACIONAMENTO
INTERPESSOAL
1ª Edição
Vitória
Associação Brasileira de Pesquisa do Relacionamento Interpessoal
ABPRI
2010
1ª Edição – 2010
REVISÃO
O autor
IMPRESSÃO
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SUMÁRIO
Apresentação
3
11. Aspectos Básicos da Relação Enfemeiro-Paciente e a Prática do
Enfermeiro na Intervenção Breve para os Problemas Relacionados ao Uso
de Álcool
Angélica M. S. Gonçalves, Sandra Cristina Pillon, Priscila Tagliaferro,
Sônia Zerbetto e Sônia Vivian de Jezus
4
APRESENTAÇÃO
Agnaldo Garcia
Presidente da Associação Brasileira de
Pesquisa do Relacionamento Interpessoal - ABPRI
5
1
8
A sexualidade também é um campo a ser explorado com liberdade,
experimentando e conhecendo várias possibilidades, antes de um
compromisso sério. A exemplo disso, nos anos de 1980, no Brasil, o ficar
difundiu-se como um novo modo de relacionamento, oferecendo ao jovem a
oportunidade de ampliar o contato com parceiros variados, em uma noite ou
por um breve instante, não tendo, necessariamente, repercussões para o
futuro (Bozon, 2004; Heilborn et al., 2006).
Os jovens, assim, têm mais comportamentos de risco, vivenciando
a noite, a busca do prazer, ficando mais vulneráveis às situações de perigo
que incluem violência e podem ameaçar a vida. O jovem, caracterizando o
seu mundo pela experimentação, busca-se conhecer, construindo sua
autonomia individual, adotando comportamentos independentes de sua
família de origem, em um mundo desconhecido pelos pais.
Ainda assim, o jovem prolonga sua permanência na casa dos pais,
fazendo com que esse processo de maior autonomia e de independência seja
vivido no interior da família. Enquanto não assumem completamente a vida
adulta, nesse momento de transição, a relação com os pais sofre
modificações. A principal mudança é uma maior aproximação dos pais,
sendo estabelecido um relacionamento de maior reciprocidade, de respeito
mútuo, desenvolvendo-se mais para a igualdade do que para a hierarquia
(Singly, 1996; 2000). A relação de dependência e independência é alternada
conforme a situação e a necessidade dos filhos. Os pais continuam
oferecendo suporte financeiro e emocional, principalmente quando não há
condições favoráveis de entrada no mercado de trabalho e quando as
relações amorosas são instáveis, não definindo um projeto de casamento e
de saída da casa dos pais.
Consequentemente, os pais assistem a um aumento de
complicações quanto ao desempenho de suas tarefas. A adolescência dos
filhos chega ao fim, mas não há uma diminuição das responsabilidades. É
preciso continuar auxiliando os filhos no desenvolvimento de maior
autonomia emocional e financeira. Da adolescência à vida adulta, os pais
mantêm um importante papel para o crescimento dos filhos, podendo
facilitar a transição (Arnett, 1994; Doyle & Moretti, 2000; Gitelson e
McDermott, 2006; Gower e Dowling, 2008; Reichert & Wagner, 2007;
Sampaio, 2004).
Diante dessa configuração, é necessário investigar como as mães e
os pais de jovens estão percebendo a transição para a vida adulta,
procurando identificar: as experiências vividas, os significados atribuídos a
esse momento em que não há previsibilidade para o comportamento dos
jovens e, ainda, que tipo de suporte oferecem, enquanto seus filhos não se
tornam adultos independentes.
Utilizamos uma metodologia qualitativa, em que a primeira autora
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realizou vinte entrevistas com diferentes pais de jovens. Nosso objetivo foi
o de compreender os significados atribuídos à experiência de serem pais que
participam e observam seus filhos tornarem-se adultos. Delimitamos a faixa
etária dos filhos entre os 16 e os 26 anos, mas abrangemos uma faixa de
idade um pouco para menos ou para mais, devido à presença de filhos com
idades variadas, na mesma família. Os demais critérios para a seleção dos
entrevistados foram: classe média e moradores da zona sul da cidade do Rio
de Janeiro.
Das vinte entrevistas, treze foram feitas somente com as mães,
sendo onze separadas dos pais de seus filhos e duas casadas com os pais. As
sete entrevistas restantes foram feitas com casais e são distintas devido à
possibilidade de observar a interação entre os pais, revelando a dinâmica
conjugal aliada à dinâmica parental.
Todos os pais entrevistados (n=27) têm formação universitária,
sendo que nem todos exercem a profissão, sustentando-se com outras
atividades, e três pais e uma mãe são aposentados. Quanto à formação dos
filhos: os mais novos têm o projeto de ingressar na universidade; os mais
velhos já estão cursando; poucos estão formados e no início da carreira. A
idade dos pais varia entre 40 e 67 anos e a dos filhos entre 11 e 28 anos. As
vinte famílias somam o total de 45 filhos. Desse total, vinte e sete filhos
estão na faixa dos vinte anos, dezesseis estão entre 14 e 19 anos, e dois com
11 e 12 anos. Quanto ao número de filhos: quatro famílias têm apenas um
filho; a maioria, onze famílias, tem dois filhos; duas famílias têm três filhos;
duas têm quatro filhos; e uma família tem cinco filhos. Desse total, apenas
três filhos não moram com os pais.
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Tabela I
Família dos entrevistados
Família Entrevistados Nº Idades e gênero dos filhos
filhos
1 Mãe 1 23 fem
2 Mãe 1 20 masc
3 Mãe 1 24 fem
4 Mãe 1 16 fem
5 Mãe 2 23 masc e 25 fem
6 Mãe 2 14 masc e 24 masc
7 Mãe e Pai 2 22 fem e 27 masc
8 Mãe 2 22 fem e 25 masc
9 Mãe 2 11 fem e 16 fem
10 Mãe 2 21 fem e 24 masc
11 Mãe e Pai 2 21 fem e 23 fem
12 Mãe 2 16 fem e 19 fem
13 Mãe e Pai 2 15 fem e 18 masc
14 Mãe e Pai 2 15 fem e 23 masc
15 Mãe 2 21 fem e 28 masc
16 Mãe 3 23 fem, 25 masc e 26 masc
17 Mãe e Pai 3 16 masc, 25 fem e 28 masc
18 Mãe 4 12 masc, 16 fem,18 fem e 23 fem
19 Mãe e Pai 4 12 fem, 17 fem, 20 fem e 21 masc
20 Mãe e Pai 5 14 fem, 15 fem, 17 masc, 23 fem e 24
masc
Referências
17
2
PREENCHENDO VAZIOS:
DINHEIRO E RELAÇÕES PARENTAIS
Valéria Meirelles
Rosane Mantilla de Souza
Psicologia Econômica
18
como variáveis pensamentos, sentimentos, crenças, atitudes e
expectativas” (p. 39).
19
Para o antropólogo Weatherford (2009: 11), autor do livro „A
história do dinheiro‟, nas sociedades atuais ele “serve como a chave que
abre as portas de quase todos os prazeres, mas também de muitas dores”.
Ao mesmo tempo em que constitui “o ponto de convergência da cultura
mundial moderna, ele define as relações entre as pessoas”, inclusive os
relacionamentos mais próximos.
De fato, o dinheiro tem múltiplas representações sociais para além
da mera quantidade, permeando a rede social pessoal, incluindo-se as
relações mais primárias, como aquela com a família de origem, embora
ainda poucos psicólogos reconheçam este impacto. Madanes& Madades
(1997: 11), é uma das raras terapeutas a destacar o dinheiro e seu uso no
campo de estudo e atendimento a famílias, afirmando que este se encontra
na base de toda a vida conjugal e familiar. A autora destaca que:
1
No original: „love dealers‟.
20
Endividamento
Apresentação do caso
21
passando, os valores devidos aumentavam desproporcionalmente a sua
entrada financeira.
Segundo os conceitos de endividamento, Silvia deve ser
considerada como uma endividada ativa que, embora possua informações,
formação e um bom entendimento financeiro, manifesta o que Tolotti
(2007) caracteriza como endividamento devido a questões afetivas sendo
importante, portanto, compreender como se construiu esta manifestação ao
longo dos seus relacionamentos.
Em vista do quadro emergencial trazido por Silvia, optamos por
um procedimento terapêutico focal de modo a favorecer um enfrentamento
mais imediato de sua condição, o qual poderia ser seguido de um
atendimento psicoterapêutico posterior mais de longo prazo. Usando
técnicas mais estruturadas como o genograma familiar, autobiografia,
mapas de rede etc, realizamos, durante algumas sessões um estudo da
história de vida de Silvia de modo a compreender seu processo de formação
de vínculos afetivos, explorando também as atitudes de seus pais em relação
ao dinheiro, sua socialização econômica e construção do significado do
dinheiro.
Silvia nasceu no interior do país, em cidade pequena, com escassos
recursos educacionais. Filha única de uma relação conjugal instável, seu
pai, logo após seu nascimento, mudou-se de cidade e, até hoje mantém
pouco contato com a filha (duas vezes ao ano, no máximo). A família
extensa da mãe de Silvia, natural da cidade de seu nascimento, e com
recursos financeiros que foram diminuindo ao longo do tempo, pouco apoio
lhe ofereceu, culpando-a pelo casamento contrário a seus desejos. Assim,
sua mãe teve que trabalhar muito para dar conta da situação em que se
encontrava, para cuidar da filha e garantir-lhe uma vida melhor que a sua,
mas parece não ter lhe permitido boas condições de vinculação.
Enquanto morou com a mãe, aprendeu o valor do trabalho e a viu
se esforçar para fazer dinheiro e não desperdiçar, pois o pai nunca
contribuiu financeiramente com sua educação. Reconhece que sua mãe foi,
e ainda é, um bom exemplo em termos de retidão e comprometimento
profissional, condutas que Silvia reproduz em seu trabalho e que lhe ajudam
a crescer na carreira. Mas, também relata a pouca disponibilidade e
envolvimento afetivo com a mãe, e o total afastamento em relação ao pai.
Refere “sempre se sentir sozinha, com baixa auto-estima em decorrência
das ausências paterna e materna”. Silvia mostra os sintomas de não ter
conseguido construir um apego seguro em relação aos cuidadores primários
e, posteriormente de não ter vivenciado outras relações que pudessem
alterar esta configuração.
A mãe que não lhe supri afetivamente, e que apesar dos esforços,
também não conseguia dar à filha a vida que “ela deveria ter” (nas palavras
22
da mãe) quase desaparece da vida da filha quando, tendo em vista a
expectativa de vida melhor, Silvia se muda para a casa da madrinha, para
estudar em uma cidade maior e em outro estado, tão logo entrou na
adolescência. Durante este período não apareceram relações que
permitissem re-elaborar sua representação insegura de si e do mundo.
Descreveu que vivia bastante isolada e se ressentia da diferença de nível
sócio-econômico entre a família da madrinha e as colegas do colégio onde
estudou, e procurava superar seus sentimentos de inferioridade com muito
estudo e bom desempenho escolar sempre estando entre as melhores alunas
da classe. Silvia encontra, então, na competência intelectual um modo de
lidar compensatoriamente com a insegurança que, no entanto, permanecerá
sem solução, permeando seus relacionamentos e exigindo cada vez mais
mostras de poder.
Aos 22 anos mudou-se para São Paulo em busca de
desenvolvimento profissional e desde então trabalha e se mantém sozinha.
Embora a competência profissional de Silvia seja inegável, o sucesso
profissional parece nunca ter sido suficiente para suprir sua fragilidade de
vinculação afetiva e ela relata que sempre gastou um pouco mais do que
podia, pois “queria sentir-se bem vestida, bonita e aceita perante as
pessoas tanto de seu trabalho quanto da rede social”.
Atualmente, freqüenta uma das melhores academias de ginástica da
cidade, pois considera importante investir em saúde, freqüentar lugares
diferenciados. Por onde passa, faz novos contatos e, por isto mesmo,
constantemente vai a festas, eventos e aniversários que fazem com “sempre
tenha que levar algum presentinho”. De fato, o que percebemos é que
Silvia constantemente gasta mais do que seria razoável se pensamos tratar-
se de contatos sociais pouco íntimos.
Tem predileção por shows, teatro e viagens e não abre mão dos
mesmos, considerando-os “parte de seu processo de formação e cultura”.
Seu padrão de consumo aparece como eminentemente compensatório. Gasta
com roupas, acessórios, shows, presentes caros aos „amigos‟, tudo para que
pareça poderosa e forte, ao mesmo tempo em que, inconscientemente,
implora pela atenção e admiração das pessoas, sem saber como se
aproximar e manter intimidade.
Quando sai com o namorado, ele é quem paga as contas, mas
“como ele é de um nível sócio–econômico mais elevado, precisa estar
sempre bem arrumada”. Não se sente a altura do namorado ou da relação.
Sua dificuldade de assumir/ofertar a si mesma no relacionamento se
expressa comprando constantemente roupas e acessórios novos, o que fez
com que aprendesse a buscar liquidações, brechós, pontas de estoque, mas
não impediu de endividar-se cada vez mais. Embora diga gostar muito do
namorado, Silvia freqüentemente briga com ele e as rupturas e retornos,
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após promessas de „melhoras‟ de sua parte, tornaram-se o padrão do
relacionamento.
A somatória das necessidades de ser reconhecida, forte, poderosa,
independente, competente, culta, enfim, legitimada e amada pelas pessoas,
fez com Silvia passasse a exagerar em seus gastos e sem se dar conta do que
estava acontecendo, a ponto de quase ficar sem crédito. Neste momento,
mobilizou-se para procurar cursos voltados à educação financeira, contudo,
mesmo com as importantes informações disponíveis, Silvia não conseguia
segui-las. Finalmente, acabou se convencendo de que precisava buscar
outro tipo de ajuda, voltada aos aspectos psicológicos do dinheiro: procurar
uma psicoterapia.
Em uma carta autobiográfica Silvia escreveu: “Minha relação com
o dinheiro sempre foi conturbada. O poder que o dinheiro representa para
mim, ao menos neste momento, perdeu sua força ao mesmo tempo em que
me sinto fraca diante dele” (...) queria ter um acompanhamento de minha
mãe, que se desdobrou para cuidar de mim, mas que teve se distanciar de
mim (...). Comprava muito, desde compras inúteis até bons livros, CDs,
viagens. Busquei um estilo de vida que não era meu. Era como eu me
presenteasse com a vida e o carinho que meus pais não puderam me dar
(...). Desde que cheguei a São Paulo busquei minha identidade em coisas
que „podia‟ comprar e desta forma fui me endividando (...). Hoje,
compreendo que o dinheiro representa meus pais, a presença deles, a
família e a vida e o reconhecimento que não tive”.
Análise do caso
Considerações finais
Referências
27
3
A conjugalidade em questão
O Nós
29
O desenrolar da adolescência permite ao jovem a exploração das
várias facetas da experiência afetivo-sexual e o desenvolvimento de uma
identidade como parceiro amoroso. Com o declínio acentuado da iniciação
sexual em ambos os sexos, cada vez mais os adolescentes permanecem com
os pais numa relação de apego e cuidado e exploram a vida amorosa e
sexual em relações que vão desde o “ficar” e outras formas maleáveis de
exploração sexual, até o namoro mais compromissado. Nesse processo, são
conformadas e testadas regras de comportamento e atribuído status
diferenciados aos parceiros, segundo os diferentes tipos e níveis de
envolvimento.
Em geral, o caminho do namoro nos anos adulto-jovem, quando o
indivíduo já tem um projeto pessoal e profissional em andamento e uma
identidade razoavelmente delimitada, leva à possibilidade de um
aprofundamento das relações românticas onde o cuidado mútuo, o
companheirismo, a satisfação sexual e a auto-realização passam a ser
praticados. Nesse momento, o namoro acaba sendo um processo de
aprofundamento que cria intimidade, compromisso e segurança emocional
numa relação com a alteridade.
Ir além do eu e definir um nós refere-se ao apaixonar-se, mas
também a um longo percurso de elaboração de diferenciação. Segundo
Kernberg (1995), o apaixonar-se do adulto e depois a manutenção do
relacionamento, refere-se a capacidade de vincular a idealização com o
desejo erótico, estabelecendo um padrão que inclua a intimidade, o
erotismo, a sexualidade, a ternura, o ideal de ego, a realização dos desejos
junto com a pessoa amada que posicione, em todas estas áreas, a
agressividade a serviço do amor. O “apaixonar-se e amar” implicariam,
portanto, em um processo de luto relacionado a crescer e tornar-se
independente. E a ambivalência estaria sempre permeando as relações
amorosas: a felicidade no encontro, o medo da perda do outro e/ou de si.
Hoje em dia, embora a conjugalidade ainda inclua a promessa ou
esperança da reconstrução do eu a partir do nós, também está cada vez mais
fluida. Quando as pessoas passam a viver juntas, mas sem a tutela do
casamento socialmente reconhecido, são poucas as informações sobre seu
cotidiano. O que sabemos é que, atualmente, na maioria dos países
Ocidentais, muitos adultos jovens estão adiando o casamento devido a
incertezas em relação à perspectiva de trabalho, devido ao aumento do
desemprego; a busca de um nível acadêmico mais elevado, o aumento do
tempo dedicado aos estudos; o aumento da riqueza e, o fenômeno chamado
de “ninho cheio”, onde existe uma tolerância moral por parte dos pais e,
consequentemente, uma menor pressão para que seus filhos saiam de casa,
favorecendo que seus parceiros amorosos/sexuais venham para dentro dela
(Cliquet, 2003; Milan e Peters, 2003).
30
Nos modelos sistêmicos do ciclo vital familiar, como o de Carter e
McGoldrick (1995), pouco se explora a conjugalidade sem a tutela do
casamento, mas, pelo menos parte dos aspectos identificados relativos à
formação do casal, pode ser útil na compreensão das demandas que os
casais que vão morar junto vivenciam, ou se eximem de vivenciar.
Quando vai viver sob o mesmo teto é momento de o casal pôr em
prática o que cada um havia sonhado. Os parceiros devem ser capazes de
desenvolver um estilo de vida próprio, rever normas e valores, dividir
tarefas e responsabilidades, distribuir o tempo de trabalho e de lazer, chegar
a um consenso sobre amizades e emprego do dinheiro, além de integrar o
projeto de vida pessoal e a dois. O que trazem consigo é a experiência de
vida na família de origem da qual precisarão se diferenciar, constituindo o
núcleo próprio, delimitando fronteira mais ou menos flexíveis em relação
aos pais e irmãos e estabilizando um nós conjugal.
O casamento não envolve só os cônjuges: trata-se de procedimento
familiar e social. Quando se mora junto, o compromisso e as lealdades com
a família de origem podem ser mais ou menos flexíveis. A experiência de
atendimento psicoterápico a jovens nos indicava que esta vivência é
“essencialmente conjugal”, quer dizer, há pouca ou nenhuma diferença em
relação ao namoro no que se refere a administrar a inclusão e convivência
do parceiro na vida da família de origem e extensa e incluí-los em seus
rituais e celebrações, mas, ao mesmo tempo, ao contrário dele, quando
frente ao conflito se podia voltar para o especo seguro da casa dos pais,
quando se mora junto deve-se rever o padrão aprendido na família de
origem de organização do cotidiano, de comunicação, proximidade e
solução de conflitos, negociando um padrão dos dois. Por isso, nos
propusemos à compreender um pouco mais o caráter especial desta
conjugalidade, optando por estudá-la na perspectiva dos rituais, dado que
estes sempre foram os grandes organizadores da vida social e familiar.
Se nos anos de 1970, viver como casal, mas sem o ritual religioso
ou civil, era interpretado como um desafio as convenções, o morar junto
atual se cobre de novos sentidos. Ao escolher realizar uma pesquisa
qualitativa (Simões, 2007) por meio de entrevistas semi-estruturadas com
adultos jovens de ambos os sexos, que depois de um período de co-
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habitação casaram-se no religioso e/ou civil, tivemos a oportunidade de
identificar alguns temas, desejos e demandas que diferenciam estas duas
condições, particularmente úteis para o trabalho dos psicoterapeutas.
Quase sempre o viver sob o mesmo teto acontece “naturalmente”,
dando continuidade ao namoro, à intimidade decorrente do tempo da
relação, como se fosse o próximo passo a ser dado. Alguns jovens se
organizam como casal para ter uma residência comum; na maioria dos
casos, no entanto, um dos parceiros “vai ficando”, cada vez com mais
freqüência na casa do outro que já tem residência própria – porque a
família mora em outra cidade, ou mesmo quando tem situação econômica
estável - que um dia só resta não voltar mais para a casa dos pais.
Perguntados acerca das motivações subjacentes, todos nos explicaram ser
uma forma de resolver o desejo de permanecerem mais tempo juntos, mas
sem se comprometerem demais.
Como conseqüência desse movimento contínuo, quase “natural”
por meio do qual os casais resolvem efetivamente morar juntos, são pouco
freqüentes as celebrações, ou mesmo se considerar a data como algo
especial a ser posteriormente celebrado. Assim, entre os casais que
entrevistamos, sempre identificamos datas tradicionais comemoradas, como
o dia em que se conheceram ou começaram a namorar, mas nada associado
à decisão ou mesmo a chegada definitiva na nova residência, somente a
data do posterior casamento. Neste sentido, o caráter de transição
envolvido, ou não é identificado, ou mesmo, propositadamente, os jovens
buscaram não ressaltá-lo, em nome do caráter experimental da situação.
Somente quando o morar junto é concomitante a um noivado
oficial, ocorre uma comemoração com ou da família de origem. Caso
contrário, embora sem uma aprovação explícita, os pais expressam a
mesma tolerância já verificada durante o namoro quando permitiam a
ausência do filho/a, as viagens com o/a parceira ou a permanência deste/a
em sua própria casa. Em ambos os casos, a presença destes “cônjuges” nos
rituais familiares era semelhante à observada no namoro, geralmente
participavam dos rituais de passagem e de festas tradicionais que não
colidiam entre as duas famílias de origem. Quando isso ocorria cada um
ficava com os seus. A convivência com as famílias extensas, ou mesmo de
origem, era pouco solicitada não sendo motivo dos conflitos que depois
aparecerão, já na preparação da cerimônia de casamento quando
expectativas, valores familiares e culturais produzem confrontos. Ou seja, a
continuidade do namoro em seu caráter experimental é implicitamente
acordada por pais e filhos.
De fato, com muita freqüência, tanto os homens como as mulheres
fizeram referências ao morar junto como sendo uma fase de experiência do
relacionamento, chamado de test-drive ou vestibular. Considerando a
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complexidade do que significa ser um casal que mora junto, segundo os
modelos do ciclo vital familiar, ou seja, desenvolver um estilo de vida
próprio, rever normas e valores, dividir tarefas e responsabilidades,
distribuir o tempo de trabalho e de lazer, chegar a um consenso sobre
amizades e emprego do dinheiro, além de integrar o projeto de vida pessoal,
a dois, e delimitar um relacionamento com as famílias de origem, (Carter e
McGoldrick, 1995), notamos que poucos casais tem clareza do que
exatamente está sendo testado; o que eles dizem é que estão verificando se
combinam entre si, se tudo dá certo, se a relação permanece boa quando a
convivência se torna compulsória.
Os jovens relatam que ocorre uma conversa na qual ficam
estabelecidos critérios para as rotinas do cotidiano como divisão de tarefas
e de orçamento. Quando são as mulheres que vão morar na casa do
namorado, tende-se a realizar alguma modificação na decoração da casa e,
por meio desta prática ritualística defini-se um processo de apropriação de
um espaço que se torna mais neutro para comportar os dois.
Em nossa pesquisa e no cotidiano do trabalho psicoterapêutico,
identificamos os temas associados ao gênero, principalmente no que diz
respeito às rotinas domésticas. Mesmo quando vai morar na casa do
namorado, que antes dava conta do funcionamento de sua casa, a tendência
é que as mulheres passem a ter uma responsabilidade maior sobre as tarefas
da casa. Os motivos podem ser o desconhecimento de outra divisão que não
a tradicional, considerar-se mais habilitada, ou porque questionar a divisão
redundaria em conflitos. O fato é que, o não questionamento tende a
estressar tanto as mulheres sobrecarregadas, quanto os homens que dizem
não entender o que contribuir para a insatisfação delas. Mas, pouco se testa
do equilíbrio doméstico, neste período de experiência!
Já em relação às finanças ocorre uma divisão mais igualitária de
responsabilidades. Considerando que as questões de gênero e outros temas
de repetição de modelos trigeracionais exigem o desenvolvimento de um
padrão de comunicação efetiva para a negociação das diferenças, o que
percebemos é que para a maioria dos casais é mais fácil conversar sobre as
questões mais práticas da convivência, tais como o uso do dinheiro, a
tomada de decisões como troca de carro, compra de aparelhos eletro-
eletrônicos ou até apartamento novo, e mesmo como cada um vai se
organizar profissionalmente, à medida que são extensões dos padrões do
namoro.
Analisando sob a perspectiva dos rituais, são as rotinas que
exprimem o que somos como unidade conjugal, provendo um sentido de
continuidade, previsibilidade e segurança ao longo do tempo. A negociação
sobre as rotinas diárias e as responsabilidades de cada um na relação, que se
traduz na identidade conjugal, o jeito como nós fazemos as coisas, produz
35
temor de rompimento, quer entre as mulheres, quer entre os homens e,
então, muitos deles perdem a oportunidade ou adiam para o casamento a
demanda de desenvolver e testar a efetividade de parte significativa do que
é a conjugalidade.
O morar junto aparece como o período necessário para importantes
ajustes individuais, no que se refere a sentir-se seguro com a própria
maturidade como adulto, para depois dar o passo definitivo que sela a
transição: casar-se. Assim, muito do que se faz é em nome de o casal ficar
mais afinado, para assegurar que o relacionamento é bom e pode durar, isto
é, para que os jovens internalizem a idéia de convivência e conjugalidade,
para que só depois possam, ou na verdade, necessitem compartilhá-la
socialmente.
Considerando a promessa que a concepção do amor romântico traz
- que se encontrarmos a pessoa certa chegaremos ao paraíso conjugal –
compreendemos que não é a conjugalidade ou a convivência cotidiana que é
testada ao se morar junto, mas sim o sentimento amoroso. Porém, em nome
da harmonia doméstica, os temas que envolvem os sentimentos (medo de
não dar certo, insegurança, vontade de casar oficialmente, ciúmes,
reclamações sobre o comportamento do outro etc) também são pouco
expressos em conversas, porque, no imaginário do amor romântico, nos
relacionamentos positivos não há conflitos, só compreensão mútua.
Portanto, para evitar conflitos não se manifestam desejos e diferenças e,
com isso restringe-se a própria vida.
Desse modo, parece que o tema central do vestibular interpessoal
do morar junto, refere-se à pessoa e não a relação que está sendo construída,
ou seja, fica-se na expectativa de ser amado completa e incondicionalmente
pelo outro, sem que haja uma conexão direta com o tipo de relacionamento
estabelecido pelo casal. O que nos parece é que quase ninguém consegue
abrir mão da concepção de amor romântico, aquela que nos permite
escolher o parceiro livremente e de forma idealizada e, sendo assim, talvez
o morar junto seja a “tentativa mágica” de sustentar a crença nesse amor,
mudando o comportamento e não a crença. Ainda existe nesses casais o
medo de falhar na idéia do amor romântico. Com isso, o test-drive aparece
como uma tentativa de evitar o erro potencial da separação e do divórcio, ao
mesmo tempo em que evidencia outro medo, o de colocar a crença em
questão.
Dizemos isto porque é justamente o amor romântico que vai
estimular a idealização do parceiro e expectativas de desenvolvimento da
relação, gerando um auto-questionamento constante entre os sujeitos,
inquirindo se os sentimentos são suficientemente profundos para suportar
um envolvimento prolongado. Parece ser este um dos possíveis motivos do
aumento do número de casais morando juntos: por medo de falhar no
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casamento ou até no amor, os jovens parecem estar optando por testá-lo
antes da escolha “definitiva”. Porém, negociando pouco à convivência, o
caráter interpessoal e entre-famílias implicado na conjugalidade, eles podem
estar deixando de testar aquilo que estressa os relacionamentos: a
convivência no cotidiano, aquela que o caráter experimental do morar junto
permitiria.
O que observamos permitiu-nos compreender que é devido à
fluidez envolvida, e a insegurança provocada pelos paradoxos sobre o que
se deseja testar e o que é testado realmente, o que mobiliza a busca da
formalização do casamento. O ritual traz a promessa de continuidade das
relações afetivas, a sensação de pertencimento ao grupo e a elaboração de
um significado de vida, gerando satisfação a todos os participantes. Na
preparação, cerimônia e festa de casamento, os jovens podem compartilhar
a decisão de ficar juntos com a família e amigos, que então servirão de
testemunhas de tal decisão, trazendo assim mais segurança de que agora é
“prá valer, agora é para sempre”.
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38
4
Joseane de Souza
Poliana Aliane Patrício
Larissa Horta Esper
Erikson Felipe Furtado
44
e falta de suporte social como fatores de risco para depressão pós-parto
(Clay & Seehusen, 2004).
Fatores relacionados ao estresse estão associados também a
diversos prejuízos a saúde física da mãe e do bebê. Os altos níveis de
estresse e ansiedade maternos durante a gestação parecem aumentar os
riscos para aborto espontâneo, trabalho de parto prematuro e complicações
obstétricas (Whiteheard, 2008; Mulder, 2002). O desenvolvimento fetal
também parece ser prejudicado, os elevados níveis de cortisol materno
liberados em resposta ao estresse físico ou psicológico, produzem
permanentes alterações cerebrais no feto gerando importantes danos ao seu
desenvolvimento (Spietz, 2002; Egliston, 2007) tais como malformações
congênitas, deformações crânio-neurais (Hansen, 2000), baixo peso ao
nascer e problemas emocionais (Rice, 2007; Wadhwa, 1993).
O suporte emocional do companheiro pode contribuir para reduzir
o estresse materno (Maldonato, 1985) proporcionando assim uma gestação
mais tranqüila e saudável. Portanto a qualidade do vínculo da gestante com
seu companheiro é muito importante, podendo funcionar como um
amortecedor dos efeitos dos eventos estressores.
Minuchin (1985) e Bronfenbrenner (1986) revelaram que
casamentos saudáveis proporcionam mais suporte para os cônjuges, em
especial do marido para a esposa, citando ainda que o apoio emocional
oferecido pelos pais às mães contribui para o desenvolvimento dos filhos.
Vários autores apontam que a qualidade da relação conjugal exerce uma
forte influência nas atitudes parentais (Weindrich et al. 1992; Erel &
Burman, 1995).
Segundo Osório (1996), o oferecimento de um adequado suporte
pelo grupo familiar favorece a superação da desestruturação causada pelas
crises vitais. O provimento e o recebimento do suporte familiar influem
diretamente no bem-estar físico, psíquico e social do indivíduo, sendo que a
falta desse suporte é um dos fatores que traduz predisposições à doença
mental (Souza & Baptista, 2008).
Considerações finais
Referências
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50
5
2
Projeto Integrado de Pesquisa “Influências de variáveis mediadoras do
desempenho cognitivo, lingüístico, matemático e criativo em intervenções e
provas assistidas para crianças com necessidades educativas especiais”, sob
coordenação da Professora Sônia Regina Fiorim Enumo. CNPq Processo n.
501014/2003-9.
56
componentes mediacionais, considerando o tipo de interação entre o
examinador e a criança, a tarefa realizada e a condição da pesquisa (se
avaliação ou intervenção). Mais especificamente foram analisados os
padrões de interação entre: a) examinador e criança com DV durante
aplicação de prova cognitiva assistida; b) examinador e criança com
problemas de comunicação na aplicação de provas cognitivas assistidas e
em intervenção com sistemas de comunicação alternativa e ampliada
(CAA); e c) examinador e criança com dificuldades de aprendizagem em
programa de promoção da criatividade. Por conseguinte, em função das
peculiaridades de cada pesquisa foram obtidos três protocolos para análise
da EAM, a saber: a) Estudo 1 com 36 categorias de comportamentos do
examinador (ex.: solicitar atenção e evocar experiências) organizados nos
12 componentes da escala já citados (intencionalidade, significação, entre
outros); b) Estudo 2 com 13 categorias mediacionais, sendo 26
comportamentos do examinador (por exemplo, expandir a comunicação e
incentivar o relato) distribuídos nos 12 componentes da escala, além de 13
categoriais de comportamentos da criança (manter atenção na tarefa e
responder à questão do examinador, por exemplo), utilizadas para
operacionalizar o único item relativo ao examinando (responsividade à
mediação); e c) Estudo 3 com 9 categorias de mediação analisadas a partir
de um sistema de 17 comportamentos do examinador (ex.: oferecer
feedback informativo e dar dicas).
Em relação ao Estudo 1 os resultados revelaram que, tanto para o
total da amostra de crianças quanto para o total dos critérios de mediação, o
nível de mediação do examinador foi considerado alto (Md = 3). Esse nível
variou entre o nível 0 (sem mediação) para experiência partilhada e
mudança, passando pelo nível 2 (bom), considerando os critérios
intencionalidade e significação, por exemplo, até o nível 3 (ótimo) para,
pelo menos, cinco indicadores de mediação, incluindo a transcendência.
Na análise do padrão de mediação do examinador relacionado ao
desempenho cognitivo na prova assistida, para o total da amostra de
crianças com DV (n=12) observou-se grande variação intragrupo. O
examinador adotou níveis diferenciados que se ajustaram ao desempenho de
cada criança. Nesse sentido, para as que requeriam maior assistência na
execução da tarefa o examinador mais freqüentemente apresentou o nível 3
de mediação (ótimo). Para aquelas com bom desempenho, o nível 2 (bom)
foi bem aplicado. Assim, pode-se afirmar que o examinador apresentou, de
forma sistemática, comportamentos verbais e não-verbais condizentes com
a proposta da interação e que tinham potencial de mediar a aprendizagem da
criança face às limitações apresentadas em tarefas cognitivas.
No Estudo 2, no programa de intervenção com sistemas de
comunicação alternativa, o examinador apresentou um padrão ótimo de
57
mediação em seis categorias da EAM: intencionalidade, significação,
regulação na tarefa, elogiar/encorajar, responsividade contingente e
envolvimento afetivo. As categorias transcendência, atenção partilhada e
desafiar apresentaram uma classificação média (Md=2). Embora o
examinador não tenha apresentado o Nível 0 (ausência de mediação), as
categorias experiência partilhada e mudança apresentaram os índices mais
baixos de mediação (Md = 1). Desse modo, foi mais baixa a freqüência de
comportamentos cujo objetivo era compartilhar com a criança as próprias
experiências ou fornecer informações sobre as modificações no nível de
desempenho cognitivo do aprendiz.
Pode-se afirmar que os diferentes comportamentos do mediador
representaram seu esforço consciente de envolver e manter a criança no
objetivo da interação (ex.: solicitar à criança atenção e auto-regulação para
se manter na tarefa), fornecendo relevância e significado aos estímulos do
ambiente, a fim de conduzi-la a um melhor desempenho nas habilidades
lingüístico-cognitivas (ex.: enfatizar elementos, oferecendo modelo verbal).
Vale ressaltar que, ainda que a categoria transcendência tenha se
apresentado com classificação média, alguns episódios importantes
envolveram a subcategoria estabelecer ponte cognitiva conceitual, mediante
dicas ou estratégias de resolução de problemas, cujo objetivo foi auxiliar a
criança a identificar aspectos conceituais em substituição aos aspectos mais
perceptuais e concretos da atividade.
No tocante ao padrão de comportamentos da criança, o grupo
apresentou nível de responsividade moderado às estratégias de mediador no
contexto de intervenção (Md=2), com maior variabilidade nesta categoria
(AV = 0-3). Poucas sessões necessitaram ser interrompidas devido a forte
resistência da criança para se engajar e manter na tarefa (Nível 0). Assim, o
grupo, na maior parte do programa de CAA, se mostrou receptivo, porém,
com resistência ocasional.
Entre os principais resultados do Estudo 3, a experimentadora
emitiu, nas cinco sessões de intervenção para a promoção de criatividade,
três categorias mediacionais com maior freqüência: 1)
competência/regulação na tarefa (35,1%), que incluiu os comportamentos
de dar dicas (14,9%), fazer questões sobre a tarefa (10,1%), clarificar a
tarefa (7,4%) e incentivar o relato da criança (3,2%); 2) responsividade
contingente (28,5%), agrupando os comportamentos de responder à questão
da criança (15,1%), comentar sobre a criança (11,8%) e responder à
solicitação da criança (1,7%); e 3) competência/elogiar - encorajar
(16,8%), com os comportamentos comentar desempenho da criança
(15,2%), que teve a maior freqüência na escala, e dar feedback positivo
(1,5%).
58
Houve, por parte da experimentadora, a preocupação em enfatizar
as estratégias usadas pela criança, de modo a auxiliá-la nas atividades,
assim como em responder às questões feitas pela mesma, e ofertar dicas,
pistas e estratégias que a conduzissem a um bom desempenho. Todavia, não
ocorreu mediação do tipo dar feedback elaborativo/comparativo, sugerindo
a dificuldade do mediador em apresentar comportamentos verbais que
descrevessem as mudanças processadas no desempenho cognitivo da
criança antes e depois da interação.
A análise de dados do Estudo 3 indicou que não houve relação
estatisticamente significativa entre os níveis de mediação (variação de 0 –
3) oferecidos entre as cinco sessões, tampouco entre aquelas realizadas no
mesmo dia nos dois períodos (matutino e vespertino), sugerindo que não
houve alteração no padrão de mediação empregado ao longo da intervenção.
O gradiente de mediação da examinadora variou entre 1,8 e 2,2, ou seja, as
ações se traduziram em mediações adequadas para conduzir o aprendiz à
expressão das habilidades criativas, como, por exemplo, criar, descobrir,
imaginar e inventar.
Por fim, de modo geral, observou-se nos três estudos que o padrão
de mediação proporcionou maior envolvimento por parte das crianças no
tocante as atividades propostas (desempenho cognitivo em prova assistida,
ampliação da comunicação mediante programa computadorizado, e
desenvolvimento de comportamentos criativos), destinada a otimizar a
situação de aprendizagem nos diferentes contextos.
Considerações finais
59
As versões da Escala de EAM dão diretrizes sobre a aplicação de
conceitos considerados essenciais para que uma interação se configure em
uma mediação de aprendizagem (Feuerstein & Feurstein, 1991; Tzuriel,
1999, 2001). Por se basear em observação direta do comportamento, foi
possível obter exemplos de comportamentos de mediadores interagindo em
situações de ensino-aprendizagem com crianças que apresentavam quadros
diversos de dificuldades cognitivas, lingüísticas, perceptivas, emocionais e
de aprendizagem, as quais tendem a afetar seu desempenho sócio-
acadêmico.
Destacamos, ainda, que sua utilização em programas de orientação
e capacitação de pais e professores tem como objetivo favorecer a
construção de uma visão mais positiva e otimista acerca do potencial de
aprendizagem infantil, com conseqüente mudança na postura do adulto na
interação com a criança com necessidades específicas de ensino. Mais
particularmente, a identificação e a descrição desse padrão de interação
poderá subsidiar a prática de mediadores significativos para favorecer
diferentes habilidades no desenvolvimento infantil.
Como limitações da nossa proposição, a aplicação do
procedimento demanda maior tempo no registro dos indicadores
mediacionais, fator que deve ser considerado na aplicação da escala fora do
âmbito experimental. Outro ponto que requer discussão em estudos
adicionais se refere à obtenção de alguns índices de fidedignidade mais
baixos do que os estabelecidos nos estudos observacionais no que tange à
definição de alguns comportamentos e padrão de mediação do examinador.
Essa revisão poderá diminuir a superposição de categorias, agrupando
comportamentos topograficamente semelhantes, mas classificados em
categorias distintas (por exemplo, fornecer ponte cognitiva conceitual e
fornecer feedback elaborativo/comparativo).
Apesar das limitações apontadas, a operacionalização da Escala de
EAM produziu um checklist de possíveis comportamentos do
adulto/mediador em situação de interação permitindo avaliar o papel e a
eficácia da mediação no processo de modificabilidade cognitiva de crianças.
As versões da Escala de EAM aqui discutidas poderão, assim,
auxiliar na recomendação e elaboração de planos de intervenção baseados
na observação da interação entre o adulto e a criança, em contextos
diversos: avaliação psicológica e intervenção educacional (clínicas, escolas
e no lar) e em pesquisa. Igualmente, pode ser um instrumento auxiliar no
monitoramento da evolução do comportamento do mediador nas diversas
situações de interação social. Com isso, esperamos que os resultados aqui
apresentados contribuam para a discussão de questões metodológicas sobre
a adequação e uso de instrumentos de avaliação para a população com
deficiência ou dificuldades de aprendizagem.
60
Por fim, cabe salientar a relevância social dos estudos sobre as
estratégias de mediação na promoção da aprendizagem de crianças com
problemas de desenvolvimento, especialmente nas áreas cognitiva e sócio-
afetiva. Certamente, tal influência tem implicações para o sucesso ou
fracasso escolar. Em outras palavras, mediações adequadas podem
modificar a trajetória desenvolvimental de crianças e jovens tipicamente
marcados por processos de exclusão social, ajudando a eliminar o
autoconceito empobrecido de sua condição de aprendiz, e a participar
ativamente, com interesse e motivação, no próprio processo de
aprendizagem.
Referências
63
6
Ensino e tecnologia
65
fazendo uma posterior discussão interdisciplinar das possibilidades de uso
do material.
Assim como ocorre com os recursos audiovisuais, a utilização de
recursos multimídia como estratégias auxiliares e facilitadoras para a
aprendizagem de diferentes conteúdos vem crescendo ao longo dos últimos
anos. Alcalay, Milicic e Torretti (2005) desenvolveram um programa
educacional que incluiu um vídeo e um jogo de atividades projetadas para
ser usado com pais no contexto escolar. Dentre as vantagens do uso das
imagens e conteúdos apresentados, as autoras citam: a) reprodução de um
evento, possibilitando a repetição para discussão; b) base concreta para o
desenvolvimento de um pensamento conceitual em relação à temática
abordada; c) contribuição para o aumento do significado do que foi
aprendido, dando a possibilidade de elaborá-lo; e d) possibilidade de fazer
uma reestruturação cognitiva dos pais, de suas experiências na relação
família-escola.
A partir dos resultados observados com a análise do recurso
audiovisual desenvolvido, Alcalay, Milicic e Torretti (2005) defendem que
o uso do vídeo desperta interesse e permite aos pais-espectadores adotar um
olhar ativo e crítico frente às mensagens audiovisuais, mas também frente a
sua própria forma de exercer sua paternidade. Defendem ainda que o vídeo
facilita a tarefa do professor na hora de trabalhar com os pais, já que a
combinação de imagem e som aumenta a probabilidade de retenção dos
conteúdos.
A utilização dos computadores nas escolas está ampliando-se cada
vez mais, existindo inúmeros softwares no mercado que são largamente
utilizados nos laboratórios de informática de escolas de ensino fundamental
e médio (Silveira & Barone, 2007). De acordo com Tarouco, Roland, Fabre
& Konrath (2004) a importância do uso dos computadores e das novas
tecnologias na educação deve-se hoje não somente ao impacto desta
ferramenta na nossa sociedade e às novas exigências sociais e culturais que
se impõe, mas também ao surgimento da Tecnologia Educativa.
A análise de estudos internacionais investigando os benefícios da
utilização de recursos multimídia permite identificar resultados positivos no
uso desses recursos no processo de ensino-aprendizagem, revelando um
potencial de flexibilidade e motivação (Brewster, 1996); maior atratividade,
apreciação por parte dos usuários e orientação visual (Neuhoff, 2000;
Pemberton, 2006; Smith, 2000); bem como maior desenvolvimento de
criatividade na resolução de problemas pelos usuários (Mayer, 1997).
No âmbito nacional é possível identificar alguns trabalhos
utilizando recursos multimídia para o ensino e aprendizagem. Assim, dentro
do universo computacional pode-se citar a hiperhistória. Segundo Balestro e
Mantovani (2007) os sistemas de hipermídia possuem como característica
66
principal a interação que proporcionam ao usuário. Esta característica,
utilizada em um ambiente lúdico, define o conceito de hiperhistória. De
acordo com as autoras, em uma hiperhistória o usuário tem a possibilidade
de influenciar na história que vive virtualmente, passando de simples leitor
a explorador e construtor.
De uma forma geral, os jogos fazem parte da nossa vida desde os
tempos mais remotos, estando presentes não só na infância, mas também em
outros momentos da vida. Estudiosos defendem que os jogos podem ser
ferramentas instrucionais eficientes, pois eles divertem enquanto motivam,
facilitam o aprendizado e aumentam a capacidade de retenção do que foi
ensinado, exercitando as funções mentais e intelectuais do jogador
(Tarouco, Roland, Fabre & Konrath, 2004).
Ramos (2006) destaca os jogos eletrônicos pela sua inserção ainda
recente na infância e o crescimento acelerado de sua disseminação, e pelo
grande potencial midiático utilizado para criar possibilidades de
representação de papéis e constituição de mundos virtuais, nos quais
comportamentos são autorizados e vivenciados pelos jogadores. Os
enunciados de Ramos vão ao encontro da base para o aprendizado das
habilidades sociais: a interação da pessoa com outros interlocutores e
grupos, o que denota que a possibilidade de interagir com algo é de extrema
importância para o aprendizado significativo.
3
Ver: www.rihs.ufscar.br
68
O recurso para promoção de habilidades sociais foi denominado
RMHSC-Del-Prette e se consta de um CD-Rom com 21 vinhetas de vídeo,
ilustrando situações interpessoais em quatro classes amplas de habilidades
sociais: a) empatia e civilidade; b) assertividade de enfrentamento; c)
autocontrole; e d) participação.
O IMHSC-Del-Prette é o material de avaliação do SMHSC-Del-
Prette, apresentado em versão impressa e informatizada, corresponde aos
materiais de avaliação. É um instrumento aprovado pelo Conselho Federal
de Psicologia destinado à autoavaliação, avaliação da criança pelo
professor e avaliação do professor sobre os itens de habilidades. A versão
informatizada do IMHSC-Del-Prette é apresentada em CD-ROM, gerando
protocolos, gráficos e planilhas. Já a versão impressa é apresentada sob a
forma de um Caderno de Pranchas, com Fichas de Respostas, Folha de
Instruções e Cartões que pode ser apurada manualmente ou inserida no
programa de computador. Para a apuração dos dados, o sistema possui um
gerenciador informatizado que organiza os dados produzidos pelas
avaliações, gerando protocolos, gráficos e uma planilha Excel exportável
para programas estatísticos. Dentre as demais características desse
instrumento destacam-se: “(a) permite análise intraindividual (pontos
“fortes” e “fracos” da criança) e/ou interindividual (situação da criança
em relação a uma amostra normativa); (b) manual com instruções para o
uso dos resultados no planejamento de intervenções específicas; (c) opção e
instruções para o uso dos recursos multimídia em procedimentos de
intervenção, quando a avaliação de habilidades sociais é feita por meio de
outros instrumentos” (Del Prette & Del Prette, 2009).
O Grupo RIHS tem se dedicado também à construção de vídeos
instrucionais4, dentre os quais se pode citar:
Habilidades Sociais: A assertividade – pequeno vídeo
instrucional desenvolvido para uso nos programas PRODIP 5 e demais
cursos e assessorias (Divulgação restrita).
Promoção de habilidades sociais na escola – Trata-se de
um vídeo-documentário de 25 minutos, expondo uma experiência prática de
Treinamento de Habilidades Sociais em uma escola de São Carlos. Nessa
experiência, os professores foram capacitados a conduzirem um programa
4
Todos estes recursos encontram-se disponíveis com os coordenadores do
Grupo RIHS.
5
Programa de Desenvolvimento Interpessoal/Profissional – programa
desenvolvido pelos Profs. Dr. Almir Del Prette e Zilda A. P. Del Prette
como uma estratégia alternativa de promoção de recursos humanos em
ambiente organizacional. Para maiores detalhes ler: (Del Prette & Del
Prette, 2006b).
69
em sala de aula, de forma articulada aos objetivos acadêmicos (Divulgação
restrita).
Habilidades sociais: Treinamento de alunos na condução
de vivências – Vídeo instrucional que ilustra o processo de preparação de
alunos para coordenar atividades vivenciais e que faz parte de uma
disciplina optativa regularmente ofertada no Curso de Graduação em
Psicologia da UFSCar (Divulgação restrita)
O passeio de Bia – Vídeo instrucional construído para
aprendizado de habilidades sociais relevantes na infância. Destina-se a
crianças pré-escolares enfocando seis cenas ilustrando comportamento
socialmente habilidoso em: fazer pedidos, recusar oferta de carona,
solucionar uma briga entre amigas, ajudar uma senhora a atravessar a rua,
fazer pedidos e fazer convites.
Vivências no Treinamento de Habilidades Sociais – Esse
vídeo instrucional foi produzido para ilustrar as atividades vivenciais que
fazem parte do livro Psicologia das Habilidades Sociais: Vivencias para o
trabalho em grupo, e são conduzidas pelos coordenadores Zilda e Almir
(Divulgação restrita)
No setor clínico e educacional o Grupo RIHS vem construindo um
Tecnologia Multimídia em Habilidades Sociais (TecM-HS)6. O TecM-HS
tem como foco a população de jovens adultos de 20 a 40 anos de idade,
contemplando duas classes de habilidades sociais mais amplas: Habilidades
Sociais Assertivas de Enfrentamento e Habilidades Sociais Empáticas.
Dentre as Habilidades Sociais Assertivas de Enfrentamento inclui
as habilidades de desculpar-se e admitir falhas, encerrar relacionamento,
estabelecer relacionamento afetivo-sexual (incluindo a negociação do uso
de preservativo), fazer/aceitar e recusar pedidos, interagir com autoridade,
lidar com críticas, manifestar opinião-discordar e pedir mudança de
comportamento. Na classe de Habilidades Sociais Empáticas focaliza as
habilidades de colocar-se no lugar do outro (compreensão e sentimento), e
expressar apoio, compreensão e solidariedade.
O TecM-HS oferece um conjunto de cenas para ilustração de
alguns desempenhos possíveis (habilidosos e não habilidosos) para cada
uma dessas habilidades sociais. Ainda apresenta questões relacionadas a
cada classe de habilidade que podem ser utilizadas como material adicional
em atividades e tarefas propostas em programas de THS.
6
A construção do TecM-HS foi parte do projeto de Pós-Doutorado da
primeira autora sob orientação e supervisão da segunda autora desenvolvido
junto ao Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São Carlos
e com apoio financeiro da FAPESP sob número de processo 07/55850-8.
70
Para profissionais e pesquisadores que desejam ou precisem
desenvolver recursos similares ao TecM-HS é possível acessar na seção
bônus orientações sob a forma de diretrizes para a construção de um recurso
audiovisual e multimídia.
A investigação dos recursos construídos pelo Grupo RIHS ainda
concentra-se no SMHSC-Del-Prette e no IMHSC-Del-Prette. Dentre esses
estudos é possível encontrar desde artigos envolvendo a análise dos
aspectos psicométricos do IMHSC até o emprego do RMHSC-Del-Prette
em programas de promoção de habilidades sociais em dissertações e teses.
Considerações Finais
72
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74
7
RELAÇÕES AMISTOSAS:
CONCEPÇÕES DE PROFESSORES E DESENHOS INFANTIS
Os estudos
Estudo 1
79
Quadro 1 - O ambiente social favorável para a manutenção das
amizades
Categoria Número de Exemplos
respostas
Responsabilidade 1 P1: A organização do ambiente social deve
ser um ambiente de trabalho com muita
responsabilidade (...).
Convivência 1 P2: O ambiente deve ter pessoas que deem
exemplos de boa convivência.
Respeito 5 P 10: Acredito que deva ser um ambiente,
principalmente, baseado em respeito e
sinceridade para a manutenção das
amizades.
Princípios da 2 P 5: Quando falamos de organização
Proposta Pedagógica escolar, destaco a importância do Projeto
Pedagógico da escola, que representa a
identidade da mesma, pois nele estão os
princípios orientadores da ação pedagógica
no contexto escolar.
Valores 1 P 8: Para a manutenção de relações sociais
mais afetivas (como a amizade) acredito ser
indispensável a presença de valores e
atitudes.
80
Quadro 2 - Solidão
Categoria Número Exemplos
de
respostas
Intervenção 5 P 10:
Acredito que devemos integrar esse aluno ao
resto da turma. Já observei alguns alunos com
esse tipo de dificuldade. Acredito que devemos
integrar esse aluno ao resto da turma
propondo, por exemplo, atividades em grupo,
estabelecendo funções para esse aluno na sala
de aula e exaltando suas qualidades sem
denegrir dos outros colegas (...)
Mostrar a 2 P 8: Estímulo à construção de novos laços de
importância dos amizade ou relacionamento. De maneira sutil
relacionamentos e não evasiva, o professor pode levar os
alunos a perceberem a importância de termos
amigos e nos relacionarmos bem com todas as
pessoas, sem falsa demagogia, ou seja, não
que todos tenham que ser melhores amigos,
íntimos entre si, mas devemos nos respeitar e
conviver bem.
Motivação 1 P 4: É preciso motivá-los a se relacionar com
o grupo, mostrando que a solidão é ruim e
sinalizando a importância da amizade, e esta
importância ganhará significado quando o
aluno vivenciar; assim, vivenciando a
amizade, verá que a solidão não é boa.
Estudo 2
82
Tabela 1 - Foco de observação 4 – Clima emocional.
M6 F6 M7 F7 M8 F8 M9 F9 Total
Foco 4.a. Amigo 4 4 5 6 4 2 1 0 26
Foco 4.a. Não Amigo 2 1 1 4 1 1 1 0 11
Foco 4.b. Amigo 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Foco 4.b. Não Amigo 0 0 1 0 0 1 1 0 3
Foco 4.c. Amigo 0 0 0 0 0 0 1 0 1
Foco 4.c. Não Amigo 2 3 3 2 3 0 0 0 13
Nota-se pela tabela que há um número expressivo de desenhos de
amigos relacionados a expressões de bem estar. O que nos chamou a
atenção foram os traços que demarcam a expressão de sorriso, no total de 26
desenhos. Para os não amigos as representações demonstram
descontentamento, tristeza, insatisfação, totalizando 13 desenhos e 3 que
são demonstrativas de hostilidades.
Percebe-se, pelas representações, um número maior de bons
relacionamentos, demarcados pelas expressões de contentamento.
83
Esperávamos uma configuração diferente para esse foco. Tínhamos
por hipótese que encontraríamos muitos desenhos que ilustrassem os
conflitos entre os não amigos. De maneira surpreendente, apenas encontrou-
se um desenho que demonstra uma disputa de objetos e dois outros
desenhos que demonstram hostilidade verbal; um deles tem o termo DIABO
para o não amigo e o outro demonstra um gesto de hostilidade quando
afirma: “BARA FEITISO”. Para esse último, inferimos que há o desejo de
afastar o não amigo que havia encontrado bolinhas de gude.
Embora com pouca quantidade de representações, os três desenhos
encontrados são muito significativos. Ao desenhar, a criança apresenta tanto
suas concepções sobre os relacionamentos como também este procedimento
propicia um momento de explorar suas emoções.
Nos estudos realizados por Tortella (2001), houve vários relatos
das crianças enfatizando agressões físicas, que foram enquadradas na
categoria denominada de condutas antissociais, com respostas tais como:
bater, chutar, socar e brigar. Outra categoria analisada pela autora foi a de
sentimentos negativos, na qual se encontraram respostas sobre o que as
crianças sentiam pelo não amigo como: ódio, raiva, vontade de bater; de
chutar e de beliscar.
Diferentemente desses resultados, podemos perceber que neste
estudo prevalece mais a representação do clima emocional do que as
situações de conflito propriamente ditas. As crianças parecem demonstrar
mais os seus sentimentos por meio do desenho do que suas condutas.
Concordando com essa representação, Tortella (2001) encontrou na
categoria Sentimentos positivos a verbalização de crianças que, ao estarem
com seus amigos sentiam amor, alegria, felicidade, e em outra categoria a
incapacidade de expressar sentimentos verbalmente, o que nos demonstra
que o desenho é uma forma de expressão em potencial, pois nesta pesquisa
fica nítido que as crianças representam seus sentimentos, os agrados, e
desagrados por meio de sua expressão gráfica.
Para concluir, vale ressaltar que durante toda análise foram
observadas diversas representações dos amigos, as quais se apresentam mais
elaboradas; com atributos, cores, decorações como flores, corações e outros
objetos e alguns destes atributos podem ser vistos nesse foco. Já para as
representações do não amigo observa-se uma ausência de detalhes e quando
são encontradas estão representadas por obstáculos; elementos gráficos
entre as figuras desenhadas.
Considerações Finais
Referências
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Campinas, Campinas, São Paulo.
86
8
BULLYING:
DE ONDE VEM A VIOLÊNCIA QUE ASSOLA A ESCOLA?
7
Uma característica da heteronomia é acreditar que as regras existem em função da
autoridade. Crianças pequenas explicam o valor da regra em razão da existência de
alguém que devido ao seu não cumprimento, pode punir (Piaget, 1932).
Lamentavelmente, muitos adultos também acreditam que as regras existem somente
em função da autoridade e guardam „dinheiro público nas meias‟ quando acham que
não estão sendo vistos....
8
http://g1.globo.com/Noticias acesso em 17/06/09 - 16h02 - Atualizado em
17/06/09 - 18h24 .
87
alunos, algum tipo de discriminação, como agressão física, acusação injusta
ou humilhação”. Dados como esses parecem descrever um cenário de
relações em que alunos e professores não se entendem e em que os últimos,
vitimados pelo sistema que não pune os vilões da história, parecem não
saber o que fazer.
Entretanto, não pensamos nas formas de violências que nós,
professores, podemos utilizar com nossos alunos, muitas vezes expondo-os,
humilhando-os, aplicando-lhes sanções que os fazem persistir na convicção
de que as regras existem porque a autoridade ali está e as cobra
veementemente. Contudo, essas formas de violência que a escola se utiliza
para combater o que também chama de violência por parte dos alunos não
são explícitas, são veladas, sutis. Aqui se esconde outro problema, que é
uma crença de que as crianças sentem de maneira diferente de nós. E que as
crianças não se sentiriam humilhadas, menosprezadas, atacadas pelos
adultos quando colocadas em situação de exposição. Porque nós não
teríamos coragem de fazer isso com o adulto, mas fazemos isso
constantemente com as crianças9? Isso, portanto, requer um olhar atento aos
problemas infantis, exatamente aqueles que se referem a como nossas
crianças têm sido desrespeitadas.
Antes ainda de passarmos ao enfrentamento da questão central
dessa reflexão sobre o bullying, é preciso ir adiante nesta discussão sobre os
problemas de violência notadamente percebidos pelos professores como
desrespeito às regras que sustentam as relações na escola. Sim, pois, é
preciso lembrar que comumente nos incomodamos com pequenos fatos
cotidianos e criamos novas regras, como aquela que proíbe o uso do boné,
que não sustentam um valor moral como o respeito a toda e qualquer
pessoa. Perdemos nosso tempo com esse tipo de regra e não damos a devida
atenção às questões morais. Bilhetinhos ou torpedos durante a aula nos
aborrecem. Celular, chinelos ou shorts curtos nos incomodam, no entanto,
tais ações não nos fazem repensar a necessidade de que nossas aulas possam
trazer sentido aos alunos para que esses se interessem de fato por aquilo que
é bem maior – o conhecimento e o uso deste em benefício do homem.
Gastamos tempo demasiadamente grande com discursos sobre a
9
Elkind (1975) apresenta vários equívocos que enquanto adultos temos para com o
desenvolvimento infantil: um deles é que de fato, as crianças seriam diferentes
quanto aos seus sentimentos – não se sentiriam constrangidas quando chamamos sua
atenção na frente de todos, ou não se sentiriam humilhadas quando nos voltamos aos
outros para questionar sobre sua atitude. Porém constantemente, acreditamos que as
crianças „pensam‟ como os adultos conseguindo manter-se, por exemplo, quatro
horas a fio, sentadas para „aprender‟: crianças, principalmente cujo pensamento pré-
lógico persiste, precisam da ação – brincar, pegar,puxar, falar para que seu
pensamento possa se desenvolver.
88
importância do uniforme não composto pelo boné, mas não paramos para
discutir os problemas que acontecem nos recreios em que meninos e
meninas são deixados de lado, são ameaçados por não serem “iguais” aos
demais...
Tudo isso para mostrar que a escola se preocupa demasiadamente
com os problemas de indisciplina e se esquece de um problema que é
freqüente entre meninos e meninas – o bullying. Vamos a ele. Uma forma
de violência não necessariamente dessa geração visto que é um problema de
seres humanos que têm algo em comum desde o primeiro momento em que
nascem - a necessidade de serem vistos como valor nas relações que
estabelecem com os outros. Um problema que é muitas vezes esquecido
pela escola, primeiro porque aqueles que inserem as futuras gerações no
mundo moral se incomodam mais com situações de indisciplina, segundo,
pois concebem que os problemas das crianças não são relevantes já que
acreditam que elas não sentem como nós adultos.
Primeiramente, vamos apontar suas características principais para
entender, posteriormente, como podemos agir. Sim, pois, para agirmos
contra aquilo que nos angustia quando vemos nossas crianças passarem por
situações de violência precisamos primeiro identificar o problema e
compreender suas características.
Bullying é uma forma de intimidação entre pares, ou seja, entre
crianças10, entre adolescentes ou entre adultos. Não chamamos de bullying
quando a violência é entre pais e filhos, ou entre professor e aluno e sim; a
esse respeito, chamamos assédio moral.
O prefixo inglês Bull remetendo-se a touro simboliza a força física
ou psicológica daquele que é o Bully ou autor. Este escolhe um alvo frágil
para passar por situações constrangedoras, batendo, xingando, inventando
mentiras a seu respeito, roubando, deixando de lado em grupo de trabalho
ou times, usando a internet para enviar comentários maldosos, etc. Todas
são situações de bullying, marcadas pela violência. Entretanto, existem
algumas características importantes que diferenciam esse fenômeno de
outras formas de violência. Temos insistido nelas justamente pelo fato de
que o conjunto dessas características nos leva a um fenômeno diferente que
não poderia ser traduzido como „maus tratos‟ entre iguais ou apenas como
„maus tratos‟11.
A primeira delas é que não são brincadeiras momentâneas e
esporádicas, mas ações repetidas sempre com um mesmo alvo fazendo com
10
De acordo com Ruiz & Mora-merchán (1997) há pesquisas que comprovam que
crianças a partir dos 3 anos de idade já se envolvem em situações de bullying.
11
Para mais explicações sobre o uso da palavra em inglês bullying ver Tognetta,
2010.
89
que a vida desse último se torne um inferno e, portanto, que sua rotina seja
marcada pela incidência de violência. A segunda característica dessa forma
de violência é a intencionalidade das agressões: esses meninos e meninas,
que são autores do bullying, querem fazer com que o outro se sinta
menosprezado, diminuído e exposto, ou seja, há a intenção de ferir e que
exige de nós um esforço para pensar nas correções necessárias a essa forma
de desrespeito com o outro. Querem ser vistos como líderes, ou como
melhores ou como maiores naquilo que atribuem como valor. Nessa
segunda característica, a intenção de ferir gera no autor uma espécie de
prazer. Existem alguns estudos das neurociências que mostram que esses
meninos, ao agirem mal, têm liberado uma substância orgânica que lhes
gera uma sensação de prazer. Se nossas reflexões parassem por aqui,
obviamente poderíamos supor que rigorosamente o que falta a esses
meninos e meninas autores de bullying seria a punição, pois são „maus‟. É
preciso então, ainda que não adentremos as ações que podemos e devemos
tomar como intervenções, nos lembrar que tais crianças e adolescentes,
embora sintam prazer em provocar os outros, precisam ser vistos como
também necessitando de ajuda, pois carecem de um „mal‟ cujo remédio
também é de responsabilidade da escola: carecem de sensibilidade moral (a
que se referiu Smith, 1999, quando tratou da necessária participação dos
sentimentos numa ação moral) uma espécie de capacidade de sair de si, do
ponto de vista cognitivo e afetivo para ver o outro como um sujeito digno de
respeito12 (Tognetta, 2010). Veremos ainda como podem e devem ser
nossas intervenções ao considerarmos essa demanda.
Uma terceira característica é que existe um alvo além de um autor.
A atribuição dessas nomenclaturas13 permite-nos superar um estereotipo que
tem sido constante nos estudos de bullying e nas propostas que se tem,
principalmente em termos de políticas de intervenções: chamávamos os
protagonistas desse fenômeno como agressores e vítimas; quando falamos
em „agressor‟ pensamos em um sujeito „mau‟, e quando falamos em
„vítima‟ atribuímos a ela um sentimento de piedade que parece por si só
resolver a situação – agimos por ela e não suscitamos no alvo de bullying,
ao sentir pena, a necessidade de se defender. Portanto, a alteração dos
nomes não é somente uma mudança de linguagem, mas de significação.
Por certo, os autores de bullying, embora tenham a intenção de
ferir, também precisam de ajuda porque não conseguem se ver como valor
(no sentido moral e não estético ou socialmente estabelecido), são muitas
12
Por essa e outras razões ainda trataremos o bullying do ponto de vista das imagens
que os sujeitos desejam e têm de si diante dos outros e dessa forma pensamos que a
inserção do tema do bullying no universo da Psicologia Moral é promissor.
13
Maiores discussões o leitor pode encontrar em Tognetta & Vinha (2008).
90
vezes incapazes de reconhecer seus próprios sentimentos e
consequentemente os sentimentos dos outros. Por sua vez, os alvos de
bullying são meninos e meninas vitimizados pelos estereótipos sociais e por
isso sofrem. Sim, pois estes alvos comumente têm uma característica que
foge do que é culturalmente estabelecido: usam óculos, choram demais, são
gordinhos ou tímidos, ou seja, têm um padrão e um comportamento que os
diferencia dos demais.
Contudo, ainda que caibam as explicações das ciências sociais para
a necessidade de se pensar o bullying do ponto de vista do preconceito, nos
parece pouco para pensar a grandeza desse fenômeno: como explicamos o
fato de que nem todo mundo que usa óculos, ou que é baixinho, ou
gordinho, por exemplo, se torna alvo de bullying? Exatamente porque essa é
a imagem que têm de si, ou seja, quem se torna alvo de bullying concorda
com aquela imagem que os outros apresentam dele se sentindo por isso
menosprezado e sem forças para reagir aos escárnios a que são submetidos.
Eis a contribuição da Psicologia Moral: bullying é um problema moral e
pode ser entendido sob a perspectiva dos avanços nos estudos desta ciência.
Meninos e meninas precisam sentir por si um auto-respeito que os levem a
respeitar o outro. Alvos de bullying assim o são até que não consigam
enfrentar seus próprios medos e desafios por se sentirem desrespeitados.
Nossas investigações atuais têm nos apresentado notadamente tais
pressupostos: interessantemente, numa pesquisa com 63 adolescentes que se
envolvem em cyberbullying (bullying no espaço virtual) 20 meninos e
meninas que se apresentaram como já tendo sido vitimizados por algozes na
internet, quando foram questionados sobre seus sentimentos em relação a
outras vítimas que sofriam ataques, 30% das respostas se referiram ao
“merecimento” desses alvos (Tognetta & Bozza, 2010). Isso denota o
quanto os alvos de bullying o são em função de certa concordância com
aqueles valores aos quais são relacionados.
Outra característica importante é que o bullying, diferentemente do
que se apresenta no senso comum, não é um fenômeno de violência que
acontece entre professor e aluno, como já dissemos anteriormente. Bullying
é uma forma de violência que acontece numa simetria de poder instituído
em que não há alguém com menos ou mais autoridade. Se existem formas
de violências do aluno para com o professor, ou se existem formas de
intimidação, de humilhação ou de exposição do professor para com a
criança, essas são formas de violência, mas não podemos caracterizar como
bullying.
A próxima característica é uma das mais imprescindíveis para
pensarmos na nossa atuação em sala de aula, exatamente pelo fato de que o
que caracteriza o autor de bullying é a necessidade de manter uma boa
imagem diante dos outros. O autor precisa se sentir aceito, precisa se sentir
91
valor. Se ele tem essa necessidade onde estará o fator que vai motivar as
suas ações? No público, ou seja, na platéia que assiste ao espetáculo.
Interessantemente, podemos pensar que boas soluções para
combater o bullying na escola, implicariam então, formas de ajudar os
nossos meninos e meninas que são em número muito maior- o público, a se
indignarem contra as injustiças que vêem dia-a-dia. Isso porque, novamente,
é o que temos encontrado em nossas investigações atuais e que
correspondem aos dados elucidados em outras pesquisas mundialmente
reconhecidas (Almeida et al, 2003; Avilés & Casares, 2005; Fante, 2005).
Numa investigação com 150 adolescentes do nono ano de Ensino
Fundamental II e primeiro ano do Ensino Médio de escolas públicas da
região metropolitana de Campinas (Tognetta et al), encontramos números
que assim descrevem essa forma de violência entre pares: 16% de nossa
amostra foi considerada entre autores convictos cujas ações de bullying são
reveladas na freqüência contínua de seus ataques; 29,3% são aqueles
autores que eventualmente se colocam, muitas vezes como forma de
proteção e revanche, como autores esporádicos de uma forma de violência
que se pareceria com aquelas consideradas bullying; 60% como aqueles que
já passaram por processos de vitimização e finalmente, 92% que dizem já
terem assistido a alguma situação de bullying na escola. Vejamos: quase
que a totalidade dos alunos já assistiram a cenas desse tipo de violência na
escola, já foram, portanto, “público”. É ele quem dá a atenção e assim
promove o autor. Bullying é um fenômeno escondido aos olhos do
professor, os quais estão mais atentos a situações que os afetam
diretamente, mas não é escondido aos olhos dos alunos. O autor fará os
colegas ou até a classe inteira saber que chamou um colega de um apelido
que ele não gosta, porque é essa a maior recompensa de um autor de
bullying: ver a dor do outro com seu sucesso diante dos outros. Quanto mais
souberem daquilo que ele é capaz de provocar em alguém, mais satisfeito
ele se sente.
As pesquisas mais recentes realizadas por Fante (2005) mostram
que na região de Rio Preto a violência chamada bullying existe. Outras,
conduzidas por Mascarenhas (2009) na região norte do país também atestam
a urgência das intervenções. Na região de Campinas encontramos em 2010
(como já mencionados anteriormente) dados também alarmantes. Em 2004
e 2005, conduzimos investigações que puderam constatar o fato em nossa
região (Tognetta & Vinha, no prelo). Naquela ocasião, perguntamos a cerca
de 800 crianças e adolescentes de escolas públicas e particulares da região
de Campinas: “Você já foi humilhado, diminuído, desprezado ou caçoado
por parte de alguns alunos?”, para sabermos se essas crianças se viam
muitas vezes como alvo de bullying dos seus pares, e assim pensarmos em
intervenções para essas questões de agressividade que não chegam até nós.
92
Entretanto, introduzimos uma pergunta (“Você já foi humilhado, diminuído,
desprezado ou caçoado por algum de seus professores?”) neste mesmo
questionário que dizia a respeito de situações de violência na escola
advindas de outras fontes. Para nossa surpresa o grande problema que
encontramos foi, além do bullying, o fato de que crianças e adolescentes
serem vítimas dos próprios professores. Numa das amostras, do 4º ano do
Ensino Fundamental ao 2º ano do Ensino Médio encontramos 22% de
respostas que indicaram já terem sido menosprezados, ameaçados,
zombados pelos professores. Não podemos dizer que este seja um número
pequeno quando pensamos em pessoas. A violência é tão velada que não
pensamos que as formas de atuação de um professor também podem levar
as crianças a serem alvos e autores de bullying, ainda que indiretamente.
Isso porque, imaginemos a seguinte situação: em determinada escola
conhecida por nós e em que conduzimos as pesquisas de 2004 e 2005 na
região de Campinas, os pais de dez principais alunos que eram considerados
“terríveis” pela escola são convocados para uma reunião em que os filhos
estão presentes. Coletivamente a professora vai apontando os defeitos de
cada um desses alunos na frente de todos. Seus pais, sentindo-se
ridicularizados, culpados... É dessa forma velada, não intencional, que
também a escola expõe suas violências: expõe publicamente o que deveria
ser particular. Infelizmente um dos grandes equívocos da escola, além de
todos os já citados, é que trabalhamos o que é público como particular e o
que é particular como público: quando temos uma „briga de galo‟ – aqueles
momentos em que há espectadores que se rejubilam com a briga de outros
dois, constantemente como resolvemos? Encaminhamos os „brigões‟ para a
direção e pedimos ao grupo que se aglomera que se disperse. O problema
era público e não particular. Todos estavam, de alguma forma, envolvidos
ainda que pela ausência de indignação a essa situação de injustiça. Todos
deveriam ser questionados: e se fosse com você? O que vocês poderiam ter
feito para impedir que essa briga acontecesse? Tudo isso para que aqueles
que são indiferentes se sintam implicados a tomar uma posição, para que se
indignem com as injustiças na escola.
Há de fato uma explicação para que crianças e adolescentes cada
vez mais se distanciem de pensar no coletivo da escola, como vimos numa
investigação realizada com outros 150 estudantes de escolas públicas e
particulares do Estado de São Paulo em 2009: falta-lhes indignação ao que é
público, pois se encontram pensando numa espécie justiça apenas auto-
referenciada sem se implicar com os outros (Tognetta & Vinha, 2009).
De fato, embora seja objetivo da escola que as crianças e
adolescentes se sintam responsáveis pelo que é público, pouco fazemos para
chegar a tal realização. Realizamos outra pesquisa na região de São Paulo
(Tognetta & Vinha, 2010), com 100 crianças e adolescentes, perguntando se
93
já tinham visto ou tinham sido tirados da sala de aula para permanecerem no
corredor de castigo, ou então, excluídos da sala e colocados em exposição
pública. Esses meninos apresentaram altos índices de exclusão deles ou de
colegas da sala de aula. E o interessante é que perguntamos também quanto
tempo durava essa exposição na sala de aula ao que obtivemos diferentes
respostas como de 3-5 minutos, 10 minutos, 1 hora, e alguns responderam
“muito tempo”. O que seria “muito tempo” para uma criança? Na verdade
seu tempo psicológico é o que está em jogo, não podemos caracterizar se
são 5 minutos, 1 minuto, 10 minutos ou 50 minutos ou quantos minutos e
horas são de fato, mas, na verdade, uma grande porção de tempo de
exposição.
Por certo, essa pesquisa nos dá um viés enorme para pensarmos
como vamos combater a violência entre pares na escola, cuja própria escola
é fonte de violência, em que aqueles que formam não consideram que as
crianças têm sentimentos e consideram que a moral deve ser algo a ser
tratada sempre publicamente. Vejamos como é difícil levar para frente uma
proposta de intervenção ao bullying se na verdade, precisamos inicialmente
formar os educadores, ajudá-los a pensar e a lidar com quaisquer situações
rotineiras, para depois então intervir em casos específicos de bullying.
Não significa que os professores tenham realmente culpa dessa
situação, até porque eles não sabem o que fazer, não há tempo para discutir
sobre isso em sala de aula, nos cursos de graduação; são poucas horas para
tais discussões em disciplinas de Psicologia da Educação. Não se trata de
procurar culpados, mas, de fato, entender que está na formação dos
professores um canal para a compreensão desse fenômeno humano e a
possibilidade de intervenção.
Falta-nos, portanto formação adequada para fazer com que esses
meninos e meninas se indignem com situações de injustiça. Falta-nos,
enquanto professores, olhar para o bullying não como brincadeira, mas
exatamente como mais uma oportunidade de, a partir de um conflito, se
aprender a conviver. As pesquisas em psicologia moral vão defender que é
verdadeira a necessidade de que se tenha consciência das regras que
regulam a convivência humana, mas que é preciso mais que isso: é preciso
um querer, que nos move a agir. Portanto, é preciso trabalhar com os
sentimentos desses meninos e meninas que pouco se sensibilizam com os
outros, por isso os questionamos: como vocês se sentiriam se fossem
chamados desse jeito? Como as pessoas se sentem nessa situação?
Esquecemo-nos que generosidade, misericórdia, sensibilidade à dor
do outro, são construídas na relação entre pares, e não através do processo
de “ensinamentos da moral”. Ou seja, na verdade tentamos acreditar que
somos nós que ensinamos e todo trabalho de disciplinar é nosso. O fato é
que uma forma promissora de superar o bullying é quando as crianças são
94
instigadas, levadas e ajudadas a dizer a quem é de direito a maneira como se
sentem, a buscar soluções alternativas para os problemas que têm no
cotidiano, a dizer como são tratadas e como gostariam que fossem
respeitadas para que de fato possam tomar consciência de seu valor e do
outro.
Dessa forma, superar formas de violência significa dar a essas
crianças espaços para que elas possam compreender que existem outras
maneiras de se resolver um conflito. Pouco adianta punir o autor de bullying
e afirmar que ele é mau já que é preciso ajudá-lo a perceber a perspectiva do
outro. E como fazemos isso? Primeiro este outro terá que falar como se
sente e não o professor, porque quando falamos, o valor está em nos
obedecer e não respeitar àquele que sofreu as ofensas. Por essa razão
crianças e adolescentes precisam ser acostumadas a dizer como se sentem.
Esses alunos, autores ou alvos, infelizmente, não têm espaço para dizer
como se sentem, se chateados ou revoltados, porque quando se sentem
revoltados agem da mesma maneira, causando revolta nos outros. Há algo já
nos revelado por Winnicott (1999): “a manifestação de um comportamento
agressivo da criança, é na verdade a dramatização de um mau interior que é
ruim de mais para ser tolerado como tal”, ou seja, há muitas vezes algo de
errado com aquele que agride somado a uma necessidade de se sentir valor,
própria do ser humano como nos alertou Adler (Tognetta, 2009) e para isso
precisa primeiro ser respeitado pelas suas autoridades, dizendo o que pensa,
o que sente... Se auto conhecer para poder reconhecer como se sente em
diferentes situações e assim respeitar os outros. É por isso que temos
insistido em atividades e jogos para ajudar essas crianças a reconhecer
como se sentem em diferentes situações que vivem (Tognetta, 2003; 2009).
Enfim, em uma palavra, as ações iniciais para vencer o bullying
precisam ser da escola. Infelizmente, o que temos hoje como nos recorda
Leme (2006) é um “processo de terceirização” dessas ações formadoras já
que acreditamos que chamar o conselho tutelar, discar 0800... Resolveremos
o problema de bullying. É dentro da escola que as ações para ajudar essas
crianças e adolescentes a superarem esses atos violentos, a falta de valor, a
ausência de reconhecimento de sentimentos deve começar.
Nossas investigações têm provado que o bullying é um problema
moral14 e, portanto a constituição de um ambiente cooperativo mais do que
ações pontuais aos dramas cotidianos é necessária.
14
Numa investigação com 63 adolescentes, não encontramos, entre meninos e
meninas que são autores de cyberbullying, aqueles cujas representações de si
aspiram por conteúdos éticos, ou seja: as imagens de si que aspiram autores de
bullying ou cyberbullying são aquelas ligadas à estereótipos sociais ou a conteúdos
95
E nossa última palavra: precisamos resgatar a idéia de que meninos
e meninas que desrespeitam os outros também se sentem desrespeitados
primeiro. Respeitar as crianças (o que não significa permitir o desrespeito
como pensamos ter evidenciado) é nosso grande desafio para vencer, não só
as situações de bullying, mas qualquer outro tipo de violência na escola.
Referências
96
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Maria: Ed. da UFSM.
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FE/UNICAMP.
Winnicott, D.W. (1999). Privação e delinqüência. São Paulo: Martins
Fontes. 1999.
97
9
Vanessa FagionattoVicentin
99
Deluty (1979) e Leme (2004) distinguem três principais estratégias
utilizadas pelas pessoas para a resolução de conflitos interpessoais:
agressiva, submissa e assertiva. A estratégia agressiva caracteriza-se pelo
enfrentamento da situação de conflito interpessoal apelando para formas de
coerção, como violência ou desrespeito ao direito, sentimento e opinião
alheia. A estratégia submissa caracteriza-se pelo não enfrentamento de uma
situação por meio de fuga ou esquiva, freqüentemente pela consideração
dos direitos, idéias e sentimentos dos outros em detrimento dos próprios.
Por fim, a estratégia assertiva também envolve enfrentamento da situação
de conflito, porém sem qualquer tipo de coerção. Caracteriza-se por
comportamentos explícitos de defesa dos próprios direitos, mas levando em
consideração os direitos, sentimentos, idéias e opiniões alheias. O termo
estilo de resolução de conflito é aqui utilizado para indicar a reação
comportamental predominante de uma pessoa diante de desacordos
interpessoais, o que não significa que outras estratégias não possam ser
utilizadas.
Ainda que muitas pesquisas nos indiquem uma triste realidade,
observamos que é possível resolver conflitos interpessoais de forma justa e
harmônica através da estratégia assertiva de resolução de conflitos. Percebe-
se que é uma forma de resolução pacífica que envolve o diálogo e a troca de
pontos de vista. Além disso, busca-se uma solução que satisfaça em parte os
envolvidos no desacordo. Parece obvio que o estilo de resolução de
conflitos assertivo é o mais desejável nas relações interpessoais. Segundo
Leme (2004) é preciso que a pessoa tenha recursos cognitivos e afetivos
para que tenha condições de resolver um conflito de forma assertiva.
Diversos estudiosos debruçam-se sobre investigações que abordam
as conseqüências as pessoas que adotam diferentes estratégias de
enfrentamento de solução de conflitos. O estilo agressivo de resolver
conflitos parece trazer danos tanto para o agredido como para o agressor.
Para este último, as implicações são inúmeras e podem ser divididas em
internas e externas. Alguns dos efeitos internos são apontados por Monjas e
Caballo (2005): auto-imagem pobre, sentimento de culpa, frustração,
sentimento de perda de controle, raiva exacerbada e sentimento de solidão.
Fica claro que a condição de causar dano ao próximo tem como
conseqüência o afastamento das pessoas que cercam o indivíduo de estilo
agressivo, ou seja, uma conseqüência externa que justifica o sentimento de
solidão do agressor, aumento do sentimento de raiva e de auto-imagem
empobrecida (sem levar em conta que esse aspecto pode ser uma das causas
já discutidas). Outras implicações externas para a pessoa de estilo agressivo
apresentadas pelos autores referem-se à perda de oportunidades em todas as
áreas da vida em função das sanções pelos seus atos (que em muitos casos
100
podem chegar ao âmbito jurídico), do desafeto das pessoas e do
agravamento de conflitos com interações cada vez mais agressivas.
O estilo submisso é aparentemente inofensivo, sendo que, muitas
pessoas que adotam este estilo afirmam que não se incomodam com a
coerção alheia. Deluty (1979) afirma que o comportamento submisso
normalmente é motivado pelo medo do confronto e Leme (2004) completa
afirmando que, caso o sujeito se sentisse em condições de obter sucesso
com o comportamento agressivo, optaria por ele, ao invés do submisso.
Monjas e Caballo (2005) dizem que a pessoa submissa, além de não atingir
seus objetivos e de não ter suas necessidades satisfeitas, encontra-se
frustrada, infeliz e ansiosa. Os autores afirmam que tais emoções podem
resultar em depressão, auto-imagem pobre e solidão por receio do
enfrentamento nas relações sociais. Além disso, percebe-se que a pessoa de
estilo submisso mantém-se imatura, heterônoma e dependente de outros que
ela julga melhores e mais fortes que si mesma. Em suma, nota-se que a
pessoa de estilo submisso apresenta freqüentemente inúmeros problemas
internos e conflitos intrapessoais. Poderíamos acrescentar que a pessoa de
estilo submisso participa indiretamente para a manutenção de desigualdades
e injustiças sociais que resultam da sua incapacidade de se colocar para
restabelecer o equilíbrio interpessoal.
Por fim, o sujeito que adota um estilo de resolução de conflitos
assertivo tem a maior probabilidade de ter o desacordo resolvido e os seus
objetivos pelo menos em parte satisfeitos. É possível que mesmo com uma
solução pacífica e dialogada, a pessoa que utiliza um estilo assertivo para
resolver um desacordo precise abrir mão de algumas de suas metas e
desejos. Contudo o fará a partir da compreensão da perspectiva do outro
envolvido no conflito. Endossamos que o fato de a pessoa expressar-se
livremente, ser compreendida e ter a perspectiva de ter suas necessidades
em parte atendidas e superadas resulta num sentimento de auto-respeito e
dignidade. Além disso, colabora para a construção de um respeito pelo
outro, em outros termos, a construção de uma autonomia moral. Monjas e
Caballo (2005) acrescentam que as pessoas assertivas sentem-se mais
satisfeitas consigo mesmas e à vontade com os outros.
A partir dos estudos e conceitos que foram apresentados até o
momento foi realizado um estudo de doutorado que teve como um dos
objetivos investigar as formas de resolução de conflitos encontradas em um
grupo de adolescentes. Apresentaremos também os resultados relativos a
diferença de gênero e de faixa etária encontrada na população estudada.
101
O estudo
102
uma outra atitude. No entanto, chama a atenção que mesmo que no nível do
julgamento, os adolescentes apresentem tão poucas respostas assertivas.
Uma análise qualitativa das respostas dos sujeitos nos ajudou a
compreender estes dados. Muitas justificativas dos adolescentes para a
escolha de suas respostas para a solução de um conflito mostram que eles
não reconhecem outra alternativa diante do desacordo a não ser “calar” ou
“brigar”. Exemplos de respostas comuns diante de um conflito que
envolve ser empurrado para fora da fila da cantina reforçam esta
concepção: “nada...para não arrumar confusão” ou “xingava...porque
ele me empurrou da fila”. Parece que os adolescentes carecem de
oportunidades de conhecer formas mais apropriadas de solução de conflitos.
Com relação ao estudo que envolve a diferença de gênero e as
formas de solução de conflitos, a análise das estratégias indicadas pelos
adolescentes nas 10 situações de conflitos evidenciou que meninos e
meninas diferem na proporção de respostas submissas e agressivas, ainda
que não tenha surgido diferença significativa entre os dois grupos (Vicentin,
2009a). Com relação às respostas categorizadas como submissas, foram
apontadas por 44,26% das meninas e 28,57% dos meninos, enquanto
22,95% das meninas indicaram estratégias agressivas e 38,10% dos
meninos. Já as respostas assertivas foram mais encontradas entre meninos
(9,52%) do que em meninas (4,92%) enquanto que as respostas mistas
foram encontradas mais freqüentemente entre meninas (8,20%) do que em
meninos (4,76%)
Da mesma forma que o presente estudo, Leme (2004) ao usar o
mesmo instrumento deste estudo com questões abertas, encontrou também
em sua pesquisa que os meninos fornecem mais soluções julgadas
agressivas e as meninas mais soluções submissas. A autora afirma que as
maiores sanções sociais que as meninas estão sujeitas quando agem de
forma agressiva, favoreça as respostas e condutas submissas. Em outros
termos, esta diferença tem relação com fatores culturais.
Beaudion e Taylor (2006) afirmam que as crenças dos indivíduos
estão associadas às diferentes culturas. Segundo as autoras, as culturas
patriarcais produzem efeitos que favorecem crenças diferentes nas meninas
e meninos. Alguns dos efeitos ao sexo feminino citados pelas autoras são:
concentrar-se nas necessidades dos outros, sacrifício, ser boa cuidadora e
expressar emoções. Entendemos que o efeito de concentrar-se apenas nas
necessidades dos outros favorece a construção de um estilo de resolução de
conflito submisso. Essa concepção das autoras coincide com a maior
incidência de estratégias submissas apontadas pelas meninas do presente
estudo, já que a submissão foi considerada neste estudo como a
consideração das idéias, sentimentos e desejos alheios em detrimentos dos
próprios.
103
Para verificar se existia diferença entre as variáveis estudadas e a
faixa etária dos participantes, os adolescentes foram divididos entre aqueles
de 12 e 13 anos e os de 14 a 16 anos. Sendo assim, contou-se com 39,75%
de adolescentes que estavam com a idade entre 12 e 13 anos na ocasião do
estudo e 60,25% que estavam no segundo grupo. Os resultados apontaram
que não ocorreu diferença significativa entre os dois grupos e nem mesmo
diferenças percentuais entre os dois grupos. Os dois grupos apresentaram
predominância idêntica de resolução de conflitos submissa (40%).
Observou-se uma proporção maior de respostas assertivas entre a faixa
etária dos mais velhos (8,00%) quando comparados aos mais novos
(3,03%). Entretanto, os participantes mais velhos também apresentaram
mais respostas agressivas (30%) do que os mais novos (24,24%). Surgiram
mais respostas categorizadas como mistas entre os mais novos (9,09%)
quando comparados aos mais velhos (6,00%) (Vicentin, 2009a).
Estes resultados contradizem uma das hipóteses do estudo, uma
vez que se esperava que os adolescentes mais velhos apresentassem mais
respostas assertivas. Diversos autores discutem a necessidade do âmbito
cognitivo para que as pessoas possam ter ações que favoreçam a resolução
de conflito justa e equilibrada (Piaget, 1932- 1994; Selman, 1980; Leme
2004; Vinha 2003). Apenas a partir dos 11 ou 12 anos, o adolescente tem
condições de chegar a um pensamento formal (Piaget, 1896-1980), nível em
que surge o raciocínio hipotético dedutivo, o que significa a capacidade de
estabelecer relações entre variáveis. Em outros termos, o adolescente que se
encontra nesse nível de pensamento torna-se capaz de pensar sobre todas as
possibilidades de uma situação para tomar decisões sobre ela. Esse tipo de
estrutura de inteligência oferece recursos para uma solução plenamente
assertiva, que é aquela solução que busca entrar em acordo mútuo entre os
pares envolvidos no conflito, considerando todas as variáveis de cada
sujeito, como direitos, sentimentos, idéias e desejos. Dessa forma, apenas
no estágio das operações formais as pessoas podem julgar de forma mais
evoluída em situação de desacordo. Nesse caso, uma proposição óbvia é que
quanto mais velhos os sujeitos, eles julgariam de forma mais evoluída e
teriam condições de responder de forma mais assertiva às situações de
conflitos hipotéticos. Entretanto esse resultado não se confirmou neste
estudo. Este resultado indica que o desenvolvimento cognitivo não é razão
suficiente para que os adolescentes apontem estratégias de solução de
conflitos mais evoluídas.
Em suma, os resultados do estudo que foi apresentado (Vicentin,
2009a) mostram para uma proporção maior de adolescentes que indicam
respostas submissas, seguido dos que apontam as agressivas. As respostas
assertivas, consideradas as mais evoluídas e equilibradas foram apontadas
por uma pequena parcela de adolescentes. As meninas mostram mais
104
respostas submissas quando comparadas aos meninos e não surgiu diferença
nas respostas dos adolescentes mais velhos e mais novos. Fica evidente que
nas soluções escolhidas para a solução do conflito, alguém sai prejudicado.
Pode-se concluir que, sem oportunidades de aprendizagem que levem a
melhores maneiras de solução de conflito, a maioria das pessoas entende,
como único recurso, deixar de defender os próprios direitos, ou fazer valer
os seus direitos custe o que custar. É um esquema de domínio-submissão já
apontado por Fernandez (2005) ou luta ou fuga indicado por Deluty (1981).
No cotidiano encontramos situações cada vez mais freqüentes de
agressividade e violência escolar, casos de agressividade furtiva (com
roubos, furtos, ameaças) e relações desarmoniosas que se prolongam na
vida adulta, no ambiente de trabalho, conjugal, com filhos e amigos.
Sustentamos que o ambiente familiar e o escolar são os caminhos para a
busca de uma sociedade justa.
A instituição educacional se depara diariamente com situações de
conflito entre os pares. O educador enfrenta cotidianamente situações que
envolvem o pensar sobre a ação mais adequada para que um aluno que
agrediu outro perceba as conseqüências de sua atitude, e o outro, que se
submeteu, reflita sobre o motivo que permitiu a agressão. A aplicação das
sanções devidas também geram dúvidas ao educador. As ações dos
educadores diante de conflitos com os alunos e entre os alunos podem
contribuir para que esses adotem ações agressivas, submissas ou assertivas
nas situações de desacordos interpessoais. Dessa forma, são os profissionais
de educação, que estudam o desenvolvimento infantil, que têm condições
de iniciar esse trabalho, de realizar ações diárias para que os alunos tenham
recursos para adotar condutas assertivas. E, ainda, podem ser formados para
realizar projetos a longo prazo para a formação de crianças e adolescentes
mais assertivos.
Sustentamos que o ambiente escolar possui duas vias principais
para o trabalho com os conflitos interpessoais e a aprendizagem de solução
de conflitos (Vicentin, 2009b). A primeira via são as ações cotidianas que
os educadores têm quando se deparam com crianças e adolescentes que
estão envolvidos em desacordos interpessoais. Ao discutir sobre os conflitos
interpessoais na escola, DeVries e Zan (1998) afirmam que existe três
princípios básicos para que o educador conduza os conflitos entre os alunos.
A primeira é: seja calmo e controle suas reações. Muitos educadores perdem
o equilíbrio emocional em situações de conflitos entre os alunos e acabam
dando exemplos de agressividade àqueles que pretende educar. Por
descontrole ou por desconhecer formas melhores de agir, utilizam-se de
estratégias coercitivas, controlando momentaneamente o comportamento
dos alunos, mas privando-os de pensar em formar de estabelecer uma
relação equilibrada com os pares. Os dois outros princípios: reconhecer que
105
o conflito pertence aos alunos e acreditar na capacidade deles para a
resolução do problema, também são fundamentais para que o educador
tenha consciência de que precisa ter um papel de mediador nas situações de
conflitos entre os alunos e não de legislador. Quando o educador diz quem
está certo ou errado ou resolve o conflito pelos alunos tira a oportunidade
destes de pensarem sobre seus sentimentos idéias e desejos e perceber o do
outro.
Ginott (1974) propõe que o tipo de linguagem que o educador
utiliza nas situações de conflitos entre os alunos pode colaborar ou não para
a resolução de conflito mais pacífica e equilibrada, já que não provoca
sentimentos nocivos nos envolvidos. Trata-se da linguagem descritiva, que
é aquele que descreve os fatos, mas não emite julgamento de valores sobre a
personalidade ou a capacidade do aluno. Com a linguagem descritiva as
partes se sentem compreendidas e favorece a motivação para uma solução
mais construtiva.
Finalmente, a segunda via do trabalho com os conflitos
interpessoais na escola chamamos de propostas de ações programadas
(Vicentin, 2009b). Tais propostas devem fazer parte da rotina dos
estudantes. Podemos citar o trabalho com as assembléias escolares (Araújo,
2004; Tognetta & Vinha, 2007), o trabalhos com os sentimentos (Tognetta,
2009; Tognetta, 2003) e os trabalhos com conflitos hipotéticos (Sastre;
Moreno, 2002; Vicentin, 2009b).
Com relação ao trabalho com os conflitos hipotéticos, Sastre e
Moreno (2002) são algumas das autoras pioneiras ao falar de um trabalho
que se destine à aprendizagem de resolução de conflitos e a emocional. As
autoras afirmam que realizar exercícios com grupos de crianças e jovens
não significa passar fórmulas para resolver conflitos. A proposta das autoras
é que ao apresentar exercícios que suscitem a discussão de conflitos
interpessoais para pessoas daquela faixa etária, os educadores favorecem o
reconhecimento e expressão de sentimentos, a reflexão dos direitos e
deveres, além da discussão sobre as possíveis soluções e suas implicações
imediatas e em longo prazo. Assim como a proposta das autoras, sugerimos
atividades com os adolescentes que sejam realizados de forma lúdica a fim
de que os alunos possam debruçar-se sobre os sentimentos, motivações e
alternativas para solução de conflitos interpessoais (Vicentin, 2009b).
Para concluir, qualquer proposta de trabalho com os conflitos na
escola só será efetiva se os educadores se conscientizarem de seu inevitável
papel na formação interpessoal e moral dos alunos. Para tanto é preciso
refletir sobre o tipo de aluno que pretendem colaborar para formar e qual é o
seu papel diante desta formação.
106
Referências
107
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108
10
109
registro de ocorrências pelas escolas, que dificulta aferir a magnitude do
fenômeno, e, portanto, a efetividade das iniciativas governamentais.
Algumas iniciativas públicas para lidar com a violência escolar
tiveram início já no final da década de 1980 em São Paulo, quando o
fenômeno começava a se manifestar (Gonçalves e Sposito, 2002). Valem
ser relatados dois programas: o de estímulo à democratização da gestão nas
escolas e o de abertura das mesmas nos finais de semana em São Paulo,
sendo que a última iniciativa perdura até hoje, envolvendo 2341 unidades
escolares em todo o estado segundo dados divulgados pela Fundação para o
Desenvolvimento da Educação (FDE, 2010). Na mesma época, na gestão de
Luiza Erundina na cidade de São Paulo foi realizado o programa "Pela
vida, não à violência", que envolveu desde a formação de funcionários
como vigias, até a interação dos alunos com grupos de rappers para discutir
questões como racismo e preconceito nas escolas (Gonçalves & Sposito,
2002). Ainda na década de 1990 em São Paulo, foram realizados outros dois
programas, Comunidade Presente e Parceiros do Futuro. O primeiro visava
criar uma cultura de valorização da paz pelo fortalecimento da cidadania, e
o segundo promover solidariedade, respeito à pluralidade e um convívio
mais ético (Liberal, Aires,Aires & Osorio, 2005).
Também na década de 1990, em Porto Alegre, foi estabelecida uma
parceria entre a Secretaria de Educação e a Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, que realizaram um diagnóstico dos problemas de
convivência nas escolas, que consistiam em 59% dos casos em violência
contra a pessoa, como conflitos, ameaças, agressões físicas. A partir dai, foi
realizado o programa "Ação Contra a Violência nas Escolas", para colocar
em prática princípios de convivência como diálogo, negociação no conflito
e busca de entendimento do significado das incivilidades perpetradas pelos
jovens (Gonçalves & Sposito, 2002). Em 2003, foi firmada uma parceria
entre o governo de estado gaúcho e a Unesco no projeto Escola Aberta para
a Cidadania, que consistia na abertura nos finais de semana de 50 escolas
da rede estadual. Além do impacto positivo observado na convivência entre
os membros da comunidade escolar e na parte pedagógica, vale salientar
que foi verificado maior envolvimento dos pais com a escola (Unesco,
2005).
Parcerias semelhantes com a UNESCO foram firmadas pelos
governos estaduais do Rio de Janeiro e de Pernambuco, para implantação
do programa Escola Aberta que consistiu na abertura nos finais de semana
de escolas situadas em áreas de maior vulnerabilidade social, pelos altos
índices de violência e pouca disponibilidade de atividades de lazer. Nos dois
estados, os resultados foram positivos no sentido de controlar a espiral de
violência, que em escolas de Pernambuco (checar se o Rio também) baixou
110
ao nível das escolas caracterizadas como mais pacíficas (Waiselfisz &
Maciel, 2003).
A Unesco também realizou parceria em 2002 com o governo da
Bahia, onde iniciou o mesmo programa de abertura de 58 escolas nos finais
de semana. O programa também foi avaliado positivamente, não só por
reverter o crescimento da violencia, mas por um resultado inesperado e
digno de menção que foi a transposição para o espaço escolar das
atividades de fim de semana, como as iniciadas nos laboratórios de
informática. (Abramovay, Andrade, Farah,& Macedo Castro, 2003).
Segundo as pesquisas encontradas, no estado de Minas Gerais, as
iniciativas dos órgãos públicos para lidar com a violência na escola foram
mais diversificadas do que em outros estados. Foram implementadas, como
em São Paulo, no final dos anos 1990, em função dos altos índices de
violência escolar. Em 1999, foi firmada uma parceria com a Universidade
Federal de Minas Gerais para a realização do programa "Agenda da Paz",
voltado para a formação e capacitação de docentes. Na mesma época, foram
tomadas algumas iniciativas por parte da Polícia Militar, como o
monitoramento das ocorrências, e um programa de proteção às escolas,
denominado "Anjos da Escola", que ainda está em vigor, que estimulava a
participação de todos os integrantes da comunidade escolar nessa tarefa,
tendo se estendido para vários outros municípios do estado. O programa
"Rede de Trocas", que visava o intercâmbio de experiências bem sucedidas
entre educadores foi realizado pela Secretaria de Municipal de Educação de
Belo Horizonte (Gonçalves & Sposito, 2002). Em 2003, foi implantado o
"Escola Viva, Comunidade Ativa" por iniciativa do governo estadual em
escolas onde fora identificada queda no desempenho discente em função da
presença de violência em seu interior. As ações consistiram em: abertura
das escolas nos finais de semana; capacitação docente; reestruturação dos
currículos, mais voltados para o atendimento de aspirações da comunidade;
intensificação do processo de escolarização pelo acréscimo de um ano ao
Ensino Fundamental, jornada de período integral, e atendimento
psicopedagógico aos alunos. Verificou-se diferença significativa nos índices
de violência registrados após a intervenção (Correa, 2007).
Verifica-se ao final desta breve revisão que a iniciativa mais
freqüente para lidar com a violência escolar consistiu na abertura das
escolas nos finais de semana para atividades de lazer e cultura, seguida
pelas de formação dos educadores. Os resultados foram mais significativos
nos programas de abertura da escola nos finais de semana. Cabe ressaltar
ainda que as iniciativas ficaram mais a cargo dos governos estaduais e
municipais. O governo federal, até onde se conseguiu apurar, teve duas
iniciativas. Uma do Ministério da Justiça, que consistiu na criação de uma
comissão de especialistas para estabelecer diretrizes para combater a
111
violência escolar, levando ao Programa Paz nas Escolas, implantado em 14
estados brasileiros (Gonçalves & Sposito, 2002). O programa realizou
capacitação de educadores em temas como direitos humanos, ética,
cidadania e mediação de conflitos. Além disso, foram feitas campanhas para
desarmamento da população, parcerias com organizações não
governamentais para capacitação de outros profissionais como policiais, e
estímulo às agremiações de jovens para a discussão da violência nas
escolas. Uma outra iniciativa foi o incentivo ao protagonismo juvenil, via
estímulo à participação dos estudantes na gestão escolar, tal como
preconizado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
Nas 5 escolas em que se pesquisou esta participação, verificaram-se
resultados pouco significativos, o que foi atribuído à forma vertical com que
foi implementada a participação dos jovens, decidida fora da escola, pela
administração do sistema, e não pelas próprias instituições (Ferreti &
Tartuce, 2006).
É bem provável que outras iniciativas tenham sido implementadas,
que não foram localizadas por ainda não terem sido ainda analisadas. Vale
destacar que dificultam a consolidação das intervenções contidas nesses
programas: a descontinuidade, ocasionada pelas mudanças de gestão nos
órgãos públicos; a desarticulação entre as várias instâncias envolvidas na
implantação das políticas, (Abramovay et al, 2002); e também, distorções
nas metas originais na sua implementação, causadas pela burocracia;
despreparo dos recursos humanos que atuam como multiplicadores nas
formações, e, finalmente, a ausência de monitoramento confiável das
ocorrências, que permita aferir a eficácia das medidas tomadas (Gonçalves
& Sposito, 2002). Vale lembrar outro fator importante, exemplificado pelo
estímulo a uma gestão mais democrática via protagonismo juvenil: só
produzem resultados positivos intervenções que são implementadas em
ambientes já mobilizados para a mudança. Neste sentido, é crucial o papel
do diretor para a organização deste ambiente na escola e sua mobilização
para a mudança.
Considerações finais
Referências
119
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121
11
Dependência Bebedor de
Risco ou
Nocivo
Aconselhar a Aconselhar a
abster-se diminuir ou a
reduzir a limites de
baixo risco.
Planejar objetivos
124
O conhecimento sobre elementos de técnicas motivacionais são
fundamentais, tais como aquelas sugeridas de acordo com o Modelo
Transteórico, que enfocam que a efetividade da intervenção depende da
capacidade do profissional aplicar a técnica adequada ao estágio de
prontidão para mudança, seja ele de pré-contemplação, contemplação,
preparação, ação ou manutenção, tal como descrito no quadro 3. (Vilella et
al., 2009).
125
toda a comunidade, sejam às próprias pessoas que fazem uso abusivo de
álcool ou seus familiares e amigos. O único requisito para uma aplicação
adequada e consequentemente mais efetiva, é que o profissional receba um
treinamento rápido que inclua conteúdos sobre abordagem do usuário,
aplicação de instrumentos de rastreamento e intervenções breves, incluindo
o aconselhamento breve.
127
"Menu" consiste em fornecer ao paciente um catálogo de
alternativas de ações possam ser reais e implementadas por ele (Marques &
Furtado, 2004). Para que este menu cumpra com seu objetivo de auto-ajuda
ou para mostrar opções de tratamento disponíveis, é desejável que o
enfermeiro se proponha a estabelecer um diálogo significativo, no qual se
discuta a problemática do álcool na perspectiva do “aqui e agora”, de modo
a haver pertinência entre ao que o indivíduo traz como causas para o beber e
o conhecimento e habilidade técnica do profissional utilizada para ajudar o
paciente a estabelecer metas que o beneficiem. Isto está intimamente ligado
com a auto-eficácia, pois o foco do profissional é sempre o de “promover e
facilitar a confiança do paciente em seus recursos e em seu sucesso,
correspondendo a um reforço do otimismo e autoconfiança, voltado a uma
maior autopercepção da eficácia pessoal e da consecução de metas
assumidas” (Marques & Furtado, 2004).
Desafios
Considerações Finais
Referências
129
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130
12
O CUIDADO DO ENFERMEIRO E O
RELACIONAMENTO INTERPESSOAL
131
A dinamização do relacionamento da equipe de enfermagem,
assim como da equipe multiprofissional poderá propiciar uma
comunicação mais efetiva e, é possivel que os enfermeiros sentirão mais
valorizados mais seguros no desempenho do seu trabalho, favorecendo,
inclusive o enfrentamento da crise e das situações adversas sendo assim o
enfermeiro estará promovendo sua saúde o que poderá reverter também
na atenção prestada à saúde da população atendida (Montanholi, 2006).
Com o objetivo de buscar a integralidade do cuidado à saúde, nas
diversas áreas, a formação do enfermeiro deve contemplar o relacionamento
interpessoal. Esse processo que precisa ser sustentado e valorizado consiste
em responder ao sofrimento do indivíduo que busca o serviço de saúde,
fornecendo um cuidado integral que vai além das demandas expressas e
atenda às necessidades do cidadão no se refere a sua saúde e não se reduza
somente ao biológico (Mattos, 2001).
Destaca-se o perfil do enfermeiro em seu campo profissional com
funções multideterminadas e dependentes de sua formação acadêmica, suas
características pessoais e características sociais, que muitas vezes, ainda
sofrem a influência das políticas de saúde (Baldi, 1992). Trata-se de uma
profissão que integra diferentes saberes, diferentes profissionais, diferentes
especialidades, incorpora a produção de novas tecnologias influenciada,
pela renovação dos saberes e evolução da ciência.
Todos esses fatores contribuíram para uma expansão da rede de
formação de profissionais de enfermagem e que, hoje, com o novo
paradigma da saúde, a formação do pessoal da área de enfermagem é
reconhecida pelo Ministério da Saúde como fundamental para a consecução
dos princípios e das diretrizes gerais do Sistema Único de Saúde (SUS). O
cotidiano das relações de atenção e da gestão setorial e a estruturação do
cuidado à saúde devem se incorporar ao aprender e ao ensinar, formando
para a saúde integral.
Resultados e Discussão
135
Nas ações realizadas pelos sujeitos da pesquisa no primeiro contato
com os usuários na ESF, destacam-se o acolhimento, a escuta e a
orientação.
Esses resultados obtidos corroboram com estudos que têm
demonstrado que as intervenções de saúde devem estar pautadas em uma
interação terapêutica que busca garantir a escuta, o cuidado, o vínculo, o
acolhimento e a co-responsabilização do sujeito por sua saúde. As pessoas,
portadoras ou não de uma patologia orgânica, passam a evidenciar, através
de seus sintomas e queixas, uma posição subjetiva singular na relação com
sua própria saúde e vida (Labosque et al., 2005; Munari et al., 2008).
O acolhimento pode caracterizar, na ESF, uma efetividade em
relação aos princípios e diretrizes importantes para a prática, como a
integralidade, o vínculo e a resolutividade. Em relação à operacionalidade,
caracteriza-se pela organização e funcionalidade do serviço de saúde,
atender as pessoas que procuram pelo serviço, com a função de acolher,
escutar, capaz de dar respostas positivas e de resolver os problemas de
saúde da população (Buchele et al., 2006).
No primeiro encontro, a enfermeira e o usuário têm objetivos e
interesses totalmente distintos. Têm seus próprios preconceitos sobre o
significado da situação e dos papéis de cada um no encontro. Com o
trabalho realizado juntos, começam a chegar a um entendimento mútuo
sobre a situação e estabelecer metas comuns que incidem sobre a saúde do
indivíduo (Mok & Chiu, 2004).
Considera-se que a falta de tempo para o acolhimento, ou a rápida
realização dessa atividade, visto que as equipes buscam agilizar o
atendimento devido ao excesso de demanda na unidade, ou, talvez, pela
questão da produtividade exigida pelos gestores, podem influenciar no
tempo dispendido para o acolhimento prejudicando o diálogo e a escuta.
Espera-se com o acolhimento a produção do encontro entre o
profissional de saúde e o usuário, uma interação interpessoal e de troca
mútua. Essa prática permite um momento de escuta, no qual o profissional
volta-se ao sujeito com empatia e afabilidade (Mielke, 2009).
Stefanelli (1993) cita que, na enfermagem, o envolvimento,
empatia e respeito mútuo são a arte e a ciência da profissão. Desta forma,
pode-se considerar que essas ações na enfermagem constituem-se em
importantes estratégias de cuidado e ferramentas essenciais no trabalho em
saúde, particularmente em saúde mental, quando se dá a oportunidade ao
sofrimento do outro, a uma relação de confiança, permeada pelo vínculo e
pelo compromisso.
A importância da empatia na interação terapêutica parece ser um
conjunto de objetivos comuns, tais como: iniciar a comunicação
interpessoal a fim de compreender as percepções e necessidades do usuário;
136
habilidade do mesmo de aprender ou lidar de forma mais eficaz com seu
ambiente e redução ou resolução de seus problemas (Peplau, 1991; Mercer
& Reynolds, 2002).
Pinho e Santos (2007) referem-se que a falta de motivação dificulta
o estabelecimento do relacionamento interpessoal, mesmo que haja a
intenção de que ocorra, parece ficar na superficialidade por causa da pouca
disponibilidade pessoal do cuidador.
Um estudo realizado em Florianópolis-SC, com 1.800 enfermeiros,
93% deles afirmaram sentirem-se estressados no trabalho. Constatou-se
que a falta de um bom relacionamento interfere diretamente na assistência
prestada e na satisfação no trabalho, gerando maior estresse para a equipe
de enfermagem desta unidade. Existindo assim outras fontes de estresse
relacionado com o cotidiano são eles: a comunicação deficiente, a
utilização de mecanismos de defesas inadequados como à impaciência e a
não realização do trabalho em equipe, a falta de cooperação espontânea, a
sobrecarga de trabalho para alguns elementos da equipe e a falta de
continuidade das ações iniciadas. A qualidade dos cuidados não está
somente relacionada à habilidade técnica, mas também ao bem estar
psicológico dos profissionais (Coronetti, 2006).
A capacidade de comunicar permite ao homem compartilhar sua
própria experiência e o conhecimento do indivíduo que se comunica com
os demais acerca de si mesmo. A comunicação precisa e eficaz exige um
tipo de comportamento adquirido e requer tempo e esforço para cada um
dos participantes (Travelbee, 1982).
A comunicação deve estar relacionada com a capacidade e a
competência a ser adquirida pelo enfermeiro, atendendo às necessidades do
usuário e respeitando os aspectos culturais e ambientais. A fase de
orientação da teoria do relacionamento interpessoal proposto por Peplau
(1991) assemelha-se com este aspecto e, segundo Shives (1994, p. 91), nesta
fase, se busca construir a confiança, o suporte, criar um ambiente
terapêutico, avaliar os pontos fortes e as fraquezas do sujeito, a fim de
estabelecer um modo de comunicação aceitável para ambos.
Ainda, neste estudo, destaca-se a relevância dos pesquisados em
realizar as ações voltadas para o levantamento das necessidades básicas dos
usuários e a atenção à comunicação verbal, já no primeiro contato.
Para o levantamento dessas necessidades básicas, durante a
consulta de enfermagem, o exame físico deve ser entendido como parte
integrante e representa um dos meios que complementam o levantamento de
problemas que necessitam de ações dos enfermeiros que visam contribuir na
melhoria da qualidade da assistência (Barros, 2002).
Neste estudo, vale ressaltar que poucos enfermeiros (26,7%)
responderam que realizam o exame físico no primeiro contato.
137
Para que se possam obter dados relevantes para assistência de
enfermagem, faz-se necessário, além da habilidade na execução do exame
físico, competência profissional para discernir o que se encontra dentro dos
limites normais que requerem intervenção e interpretação do que está sendo
percebido (Barros, 2002).
Peplau (1991) define a comunicação como um processo
interpessoal que envolve a seleção de sinais e conceitos que são importantes
para definir, de alguma forma, o desenvolvimento de um entendimento
comum. A comunicação verbal do enfermeiro com o paciente torna-se
produtiva quando o enfermeiro desenvolve a consciência de seus padrões
verbais e a oportunidade de avançar no aprendizado do indivíduo.
Acrescenta, ainda, que conversar com os indivíduos é mais que um
bate papo social, representa a responsabilidade do uso das palavras em um
processo de ser produtivo. Adiciona que os gestos corporais que usam
podem influenciar a interação com os sujeitos e não somente a resposta
verbal (Peplau, 1960).
O enfermeiro deve estar atento ao uso adequado das técnicas de
comunicação verbal e não verbal, captando e interpretando-as
adequadamente, demonstrando confiança buscando criar um vínculo entre
ambos (Peplau, 1960; Furegato, 1999; Silva, 1996).
Observou-se, entre os pesquisados, que somente (35,6%)
responderam que estão atentos à comunicação não verbal no primeiro
contato. Nota-se, neste estudo, a dificuldade do enfermeiro em estabelecer a
comunicação não verbal com o usuário na ESF.
Furegato (1999) ressalta que o enfermeiro deve estar atento à sua
expressão, gestos, olhares ou palavras que podem ser interpretadas pelo
outro como ameaçadores. O comportamento congruente pode minimizar os
sentimentos de ameaça sentidos pelo outro, gerando efeito terapêutico e
transparente.
Stefanelli (1993, p. 15) ao se referir ao processo de comunicação
observa que:
138
Na maioria das vezes, a comunicação não verbal traduz o estado
emocional da relação enfermeiro-usuário através do contato físico, postura,
aparência física, o tom emocional da fala, o silêncio se faz presente durante o
cuidado do enfermeiro, diante da constatação de que não se comunicar é
impossível diante dos diversos procedimentos. Com isso, a comunicação
verbal acontecerá naturalmente, como consequência do diálogo (Silva,
1996).
Os profissionais da saúde têm, na comunicação, um fator essencial
para exercer ações com qualidade e humanização, buscando o conhecimento
dos usuários, pois, através dela, são capazes de interagir, dialogar e
compreender suas necessidades, proporcionando uma assistência integral e
individualizada aumentando sua satisfação em relação ao atendimento e
minimizando seus anseios, dúvidas e medos (Silva, 1996; Furegato, 1999).
Considerações Finais
139
Os resultados deste estudo trouxeram informações para incentivar
o desenvolvimento do projeto terapêutico em parceria com o portador de
transtorno mental, como uma forma para se chegar à resolução dos
problemas que afetam o indivíduo, a família e a comunidade, valorizando
sua autonomia, a interação com as pessoas e a comunicação.
A ESF, ainda hoje, é considerada uma estratégia de desafio entre os
profissionais de saúde devido ao seu enfoque centrado na atenção na
promoção da saúde do indivíduo inserido na comunidade e, por ser tratar de
um programa que pode ampliar o trabalho bem como aprimorar o horizonte
profissional por se tratar de uma experiência nova, com enfoque generalista
e inovador na carreira do profissional em saúde.
Diante do exposto, espera-se que este estudo subsidie ações que
possam contribuir na elaboração de estratégias que favoreçam os
enfermeiros nas ações de promoção da saúde mental para melhoria de sua
assistência junto aos portadores de transtornos mentais na ESF.
Referências
142
13
RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E A
ADESÃO NA FISIOTERAPIA
143
Os profissionais de saúde que se propõem a tratar o paciente
precisam buscar o sentido e o significado da queixa que o cerca. A leitura
parcial desse paciente representa, de certa forma, a fragilização da relação
terapêutica (Loyola, 1984) quando desconsidera que a eficácia terapêutica
depende de todos os atos que envolvem o encontro entre o paciente e o
profissional (Ferreira, 1993).
Durante as sessões de fisioterapia é necessário que o paciente não
apenas observe e execute as atividades propostas pelo fisioterapeuta, mas
que esse (paciente) se reconheça como ativo e chave fundamental no
processo terapêutico. Afinal, a efetividade do tratamento encontra-se numa
via de mão dupla, onde os pacientes precisam ser participantes ativos sob a
orientação do fisioterapeuta. A tendência é que à medida que os
participantes se envolvam em relações interpessoais, características como
afetividade, reciprocidade, confiança, respeito e vínculo se desenvolvam e
se tornem mais evidentes.
Neste panorama, o desenvolvimento de relacionamento entre
fisioterapeuta e paciente apresenta-se como algo natural e muito provável de
acontecer entre essas partes, visto que o tratamento em questão apresenta
fatores favoráveis ao surgimento de um relacionamento interpessoal, tais
como longo período de convivência, estímulos táteis prolongados e
comunicação verbal em boa parte do atendimento fisioterapêutico.
O interesse em estudar o fenômeno da adesão na fisioterapia com
base no relacionamento estabelecido entre fisioterapeutas e pacientes
firmou-se como o objetivo central da minha dissertação (Subtil, 2010).
Considerando a escassez de trabalhos sobre o tema no campo da
fisioterapia, o estudo teve caráter qualitativo e exploratório, avaliando uma
amostra de pacientes e fisioterapeutas de um centro de reabilitação pública
do Espírito Santo.
Fizeram parte da pesquisa 11 pacientes adultos de 25 a 73 anos,
com diagnósticos clínicos variados, como fraturas ósseas, degenerações
articulares e reabilitação de pós operatórios ortopédicos; além de quatro
fisioterapeutas atuantes na equipe em que esses pacientes foram atendidos.
Tanto os pacientes quanto os fisioterapeutas foram submetidos a
uma entrevista com um roteiro semi-estruturado com tópicos que se
propuseram a compreender os fatores envolvidos ao processo de adesão na
fisioterapia.
A análise dos dados seguiu os três passos da fenomenologia-
semiótica: descrição, redução e a interpretação. A descrição consistiu numa
separação de partes de um todo e numa demarcação de unidades de sentido
do texto original. A redução apresenta-se como uma síntese, já que agrupa
as partes separadas da descrição apontando os temas centrais do fenômeno
que serão analisados posteriormente na interpretação; a interpretação
144
organiza o conteúdo das unidades reduzidas em um texto que integra todos
os temas que compõem a experiência de cada indivíduo dentro do fenômeno
estudado, comparando-os com as pesquisas realizadas acerca da temática
escolhida (Gomes, 1998 ; Lanigan, 1992).
Os relatos dos pacientes sugeriram uma estrutura do fenômeno
organizada em torno de duas áreas temáticas: a) a fisioterapia e o bom
profissional: tem que ser profissional, mas tem que ser humano também; b)
adesão versus não adesão.
Resumidamente, as duas áreas temáticas apresentaram percepções
que incluíam ou citavam a questão da relação estabelecida entre o paciente e
o fisioterapeuta e a importância para o sucesso da reabilitação.
O bom fisioterapeuta foi visto como aquele que alia a habilidade
técnica à habilidade para o relacionamento interpessoal. O fisioterapeuta é o
profissional capaz de aliviar ou suprimir os sintomas dolorosos de cada
doença, tornado-os capazes de voltar às atividade de vida diária. Além da
competência técnica, o fisioterapeuta precisa saber relacionar-se com o
paciente, oferecendo a atenção individualizada, avaliando e cuidando
daquele que o procura de uma forma integrada, considerando tanto os
aspectos físicos como emocionais. Para ser considerado bom, o
relacionamento entre paciente e fisioterapeuta precisa envolver empatia,
reciprocidade, confiança e afeto. Todas essas qualidades foram percebidas
como determinantes do relacionamento e do sucesso do processo
terapêutico.
Tem que ter conhecimento, mas tem que conversar, ouvir, dar
atenção... (Paciente 07).
Não adianta ser muito bom na teoria se não sabe nem conversar
com o paciente e dar a atenção que ele precisa aqui...(Paciente 02).
Eu sei que eles atendem muitos pacientes por hora, e acho que talvez
por isso não possam nos dar a devida atenção, passar mais tempo
nos escutando, avaliando e tudo mais (Paciente 09).
Ter amor à profissão, gostar do que faz, então faz com qualidade,
ter respeito pelo paciente, porque ele precisa do seu toque e do seu
carinho, da sua atenção, do seu conhecimento técnico científico;
mas não adianta nada saber todas as técnicas se você não encosta
no paciente. A maioria dos nossos pacientes precisa mais da nossa
atenção, do nosso calor humano, do que às vezes da nossa técnica, e
só de você encostar e tocar nele, de conversar com ele, você já está
resolvendo parte do problema (Fisioterapeuta 04).
146
O fisioterapeuta foi visto como o profissional capaz de devolver as
aptidões físicas ao paciente, possibilitando o retorno as suas funções de vida
diária, ao trabalho e levando a melhora da qualidade de vida. O bom
fisioterapeuta é aquele que atua desde a prevenção de disfunções até a
reabilitação do indivíduo, orientando os pacientes para executar as
atividades em casa, já que as duas horas semanais na fisioterapia são
insuficientes para a reabilitação completa e rápida do paciente.
147
Os fatores de ordem emocional foram identificados como
limitantes na continuidade do tratamento caso não sejam solucionados.
Cabe ao fisioterapeuta identificar essas possíveis alterações e encaminhar ao
profissional de psicologia da equipe.
O processo de não aderir ao tratamento fisioterapêutico esteve
associado a seis causas principais: as condições sócio econômicas
desfavoráveis dificultando o acesso ao local de tratamento, a busca pela
aposentadoria precoce e o auxílio do INSS, a demora até o início do
tratamento, a não aceitação do quadro crônico de certas doenças, a melhora
relativa dos sinais e sintomas da doença somada a falta de persistência em
continuar até o final e a necessidade de voltar às atividades de trabalho para
o sustento da família.
Portanto, o processo de aderir ou não a fisioterapia foi relacionado
tanto a contingências gerais quanto a características pessoais/ perfil
psicológico dos pacientes. Nesse processo, o paciente é visto como
elemento principal e o fisioterapeuta como elemento secundário. Ser o
elemento principal significa ter a maior parte das responsabilidades ligadas
ao processo de reabilitação, ou seja, a melhora do quadro dependerá mais da
vontade e do interesse do paciente em alcançar os objetivos do tratamento
do que o tratamento em si oferecido pelos fisioterapeutas.
A gente tem que ter empatia com o paciente, tem que dá atenção, os
pacientes vem pra cá procurando o tratamento de reabilitação, mas
a gente não é só fisioterapeuta, a gente acaba sendo um pouco de
conselheiro (Fisioterapeuta 02).
A relação é de muito respeito, um carinho respeitoso eles tem por
nós e nós por eles, muitos contam problemas e a gente acaba
ouvindo. Eles tem carência de serem ouvidos (Fisioterapeuta 03).
Tem que haver empatia pelo profissional e pelo paciente para
refletir positivamente no tratamento, tem que ter uma relação
positiva, estar atento às reclamações dele, as coisas que você pode
148
estar melhorando no tratamento dele, no atendimento
(Fisioterapeuta 04).
Interpretação Fenomenológica
151
Tanto aqueles que recebem o tratamento como aqueles que tratam,
vêem na comunicação uma ferramenta essencial ao sucesso da reabilitação.
Estabelecer uma relação de qualidade entre terapeuta e paciente contribui
para o conhecimento mais aprofundado daquele que é tratado, além da
expansão do conhecimento de quem trata, tanto sobre a melhor forma de
reabilitar o paciente, como aprender a avaliar continuamente o tipo de
abordagem terapêutica que é oferecida a cada um (Balint, 2007; Abdo,
1996; Silva, 2008; Stone, Patton & Heen, 1999).
O paciente deve ser visto como alguém que comunica e necessita
de uma atenção especial, não só como um portador de uma patologia (Costa
Junior & Sandoval, 2002). Segundo Leon (1973), para que o profissional da
área da saúde seja bom é necessário priorizar a comunicação com o
paciente. A relação criada pelo profissional com seu paciente, quando
afetuosa e valorizada, favorece o desenvolvimento de estados emotivos
positivos que facilitam a reabilitação. Quanto mais o fisioterapeuta entende
o paciente, maior é a possibilidade de ajudá-lo, tratá-lo e incentivá-lo a
realizar todo o tratamento.
Quanto maior é a compreensão das necessidades, das capacidades e
desejos do paciente, pelos profissionais da área da saúde, maior será o
sucesso obtido no tratamento do mesmo (Olivieri, 1985; Caprara &
Rodrigues, 2004; Moreira & Araújo, 2002 ; Fishman, 1995).
A descrição dos participantes deste estudo revelou a urgência na
melhoria da comunicação entre terapeuta e paciente, onde o profissional
dará mais atenção a como o paciente percebe a sua doença, não se
apresentando tão distante e afogado em suas próprias percepções; ou mesmo
envolvidos em seus medos, anseios e dúvidas quanto a seu empenho diante
de determinado caso a ser tratado. Isto também não quer dizer que os
fisioterapeutas e demais profissionais tenham que mudar de papel e
exercerem outras funções atribuídas à psicologia, mas sim devem estar mais
abertos à comunicação com o paciente e compreender em que medida
podem usar o diálogo a favor do tratamento e o momento certo de convidar
o psicólogo a participar do processo de reabilitação.
A maneira como o fisioterapeuta se relaciona com o paciente,
precedeu a perfeição da técnica, ao ser considerada como um aspecto mais
relevante durante a reabilitação. Isto não significa que o tratamento sem
resultados terapêuticos seja considerado bom, mas sim que antes da
remissão dos sintomas e devolução das funções perdidas, a relação que se
estabelece entre fisioterapeuta e paciente deve ser satisfatória, sendo
essencial para a adesão e o sucesso da reabilitação.
A dificuldade tanto por parte de terapeutas quanto por parte dos
pacientes em descrever e classificar o tipo de relacionamento que se
estabelece entre eles parece indicar uma dificuldade dos fisioterapeutas em
152
lidar com um tipo de informação psicológica ou emocional trazida pelos
pacientes à terapia (angústias, medos, frustrações, carências, entre outros).
Essa dificuldade perpetua o distanciamento entre quem trata e quem recebe
a atenção, e reforça o receio dos fisioterapeutas de estabelecer vínculos
afetivos que possam se tornar uma relação de dependência pelo tratamento e
ou pela relação que o paciente estabelece com o profissional. Encontrar um
ponto de equilíbrio entre o vínculo saudável e o vínculo dependente foi
visto como um desafio aos profissionais de saúde, já que a relação que se
estabelece entre ambos, no entanto, é percebida como algo mais que um
relacionamento exclusivamente profissional, apesar de não se tratar
exatamente de amizade.
A relação terapeuta-paciente é, antes de qualquer coisa, uma
relação entre duas pessoas que se comunicam e estabelecem trocas durante
todo o tempo. O relacionamento estabelecido entre os terapeutas e os
pacientes apontou a presença de dimensões como compromisso, confiança,
respeito, apoio social, apego, proximidade, intimidade (maior no sentido
paciente-terapeuta) e comunicação.
No entanto, ainda mais importante que descrever ou caracterizar
o tipo de relação que se estabelece, é entender em que medida o
fisioterapeuta pode usá-la a favor do processo terapêutico.
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153
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155
14
RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E
ECONOMIA SOLIDÁRIA
158
Parece inegável os efeitos da insegurança ontológica sobre a vida do
trabalhador, mas resta agora explora um pouco mais os motivos de sua
existência. Consideramos que a rotinização do comportamento gera um
quadro cognitivo com escolhas, cujos comportamentos mais familiares são
compreendidos pelos indivíduos como “opções preferenciais” frente às
“escolhas possíveis” (Alcântara, 2005). Resulta dessa constatação que a
racionalidade não é um cálculo avalorativo, mas sim um resultado
determinado por instituições sociais.
Vários mecanismos podem ser utilizados para minimizar os efeitos
desse período de transição e estranhamento. Tais mecanismos tentam
fornecer uma familiaridade com a prática proposta, facilitando, com isso, a
rotinização das práticas pautadas na autogestão e na solidarização de
capital.
160
por serem mais acessíveis ou, então, por serem mais fáceis de serem
avaliados.” (Alencar, 2004, 63).
A pesquisa foi dividida em duas etapas: uma destinada à revisão
bibliográfica sobre o tema pesquisado e a segunda, dirigida à coleta de
informações por meio de entrevistas em profundidade. O recorte teórico a
partir da Psicanálise e da Teoria da Dádiva (Mauss, 1974) possibilitou o
diálogo entre psicologia e antropologia na interface com o campo
organizacional, levando em conta as dimensões psíquica, social e cultural
que constituem a subjetividade.
As análises e as interpretações das entrevistas foram feitas com
base no referencial teórico da pesquisa, sendo construídas categorias
analíticas nucleantes para auxiliar na interpretação dos relatos coletados. As
categorias de análise da pesquisa partiram das matrizes teóricas trabalho e
subjetividade, de onde foram extraídas oito categorias analíticas nucleantes:
Trabalho, Ação Política, Solidariedade, Cooperação, Participação,
Aprendizado, Identificação e Pessoalidade, devidamente agrupadas em três
unidades de análise interdependentes: (a) os significados do trabalho
associado à subjetividade dos sujeitos; (b) elementos intersubjetivos da
economia solidária; (c) elementos psíquicos, sociais e culturais da
subjetividade.
Foram selecionados fragmentos da fala dos entrevistados que
refletem os conceitos teóricos operacionais da pesquisa, organizados nas
categorias analíticas nucleantes, possibilitando fazer inferências sobre a
subjetividade dos associados após passarem pelo processo metodológico de
incubação, com a finalidade de assimilar os princípios da economia
solidária e do cooperativismo.
Os relatos colhidos evidenciaram que a estratégia metodológica
adotada pela ITCP atingiu, em parte, sua finalidade de ação socializadora
sobre os associados. Pela análise das narrativas foi possível inferir que o
trabalho realizado pelas incubadoras propiciou uma nova projeção às
atividades desenvolvidas nas cooperativas populares, além de reforçar os
laços de identificação do grupo, ao sensibilizar os associados para o
trabalho em equipe, a solidariedade e a cooperação na tomada de decisões
que afetam os interesses grupais.
Por outro lado, as narrativas analisadas apontaram alguns aspectos
da estratégia de incubação identificados como falhas metodológicas, a
saber: o processo de desligamento da incubadora e a variável rotatividade
do grupo, que acabou comprometendo o processo de aprendizagem
adquirido pelos associados no período da incubação, bem como a confiança
depositada na ITCP. Os entrevistados das duas cooperativas se queixaram
que o processo de desligamento da incubadora foi efetivado num momento
crítico do empreendimento, comprometendo o sentimento de confiança na
161
incubadora. Sobre a rotatividade do grupo, ponderaram que alguns
associados não faziam parte da cooperativa na época da incubação e,
portanto, não foram socializados nos princípios solidários e cooperativistas.
Essa observação foi confirmada nas entrevistas com os associados que não
passaram pelo processo de incubação, pois deixaram evidente que não se
apropriaram dos conceitos e valores do empreendimento solidário, embora,
muitas vezes, os colocavam em prática por imitação.
Em relação aos vínculos sociais, estes foram avaliados com base
nas categorias analíticas nucleantes Identificação e Pessoalidade. As
análises apontaram que, em parte, os entrevistados assumiram os princípios
da economia solidária e do cooperativismo como modo de organização no
trabalho, apropriando-se dos conceitos e definições que sustentam o
empreendimento solidário. Aqueles que estavam na cooperativa há mais
tempo e participaram de todo o processo de incubação, apresentaram
conhecimento mais elevado dos fundamentos do cooperativismo e, para
além do sustento econômico, buscavam, no empreendimento, um modo
particular de se relacionar com o grupo, tornando o trabalho uma fonte de
satisfação e realização pessoal. Por outro lado, quando indagados sobre as
possibilidades de sobrevivência da cooperativa no mercado capitalista,
assegurando um meio de auferir renda para o sustento, os entrevistados
revelaram a crença de que o trabalho formal oferece proteção e garantias
não vislumbradas nas cooperativas. Contudo, não se mostraram conscientes
dessa crença de conceber o trabalho formal como fonte de garantias, o que
inviabilizou que fizessem um exame crítico do valor que atribuem ao
trabalho.
Os resultados desta pesquisa apontaram que novos estudos devem
ser desenvolvidos, com a finalidade de conhecer em maior alcance e
profundidade os elementos psíquicos, sociais e culturais que constituem a
subjetividade humana e influenciam as atitudes, crenças e valores, bem
como os procedimentos metodológicos adotados pelas ITCPs com vistas a
atingir os objetivos proclamados. A partir do conhecimento desses
elementos, espera-se que novas perspectivas sejam alcançadas para a
construção de projetos que viabilizem a ação do homem no espaço da
pluralidade, visando o bem-estar social, a sustentabilidade e a dignidade
humana.
Referências
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168
15
Agnaldo Garcia
Lívia Ramos Brandão
Lorena Queiroz Merizio Costa
Marco Aurélio Togatlian
170
O objetivo da presente pesquisa foi analisar alguns aspectos das
relações de amizade de universitários brasileiros, residindo e estudando no
Brasil, com cidadãos da América do Sul e do Norte.
Método
Resultados
173
outro: “quando fisicamente próximos nós jogamos futebol, ouvimos música,
visitamos outros amigos em comum”.
Comunicação - Os principais meios de comunicação entre os
entrevistados e seus amigos estrangeiros foram a internet (68%), o telefone
fixo ou celular (16%), o contato pessoal (9%) e por cartas (7%). Três
idiomas foram utilizados pelos entrevistados na comunicação com amigos
estrangeiros: inglês, português e espanhol. O idioma mais usado foi o inglês
(66%), seguido pelo português (25%) e espanhol (9%). Mais de um meio de
comunicação ou idioma podia ser empregado na comunicação com o
mesmo amigo.
Quanto aos temas de conversação por escrito (Internet), grande
parte dos entrevistados (75%) conversava com amigos estrangeiros sobre os
acontecimentos do dia-a-dia, entre outros. Treze (65%) conversavam sobre
assuntos como carreira, profissão e trabalho. Assuntos como amigos em
comum, relacionamentos, família e futuro foram citados por 30% dos
entrevistados (cada um). Outros assuntos como planos para se encontrarem
novamente, estudos, música, futebol, esportes, problemas e troca de
conselhos, religião e fatos que aconteceram quando estavam fisicamente
próximos também foram citados como assuntos mais falados em
conversações por escrito.
Dificuldades e o Significado das Amizades Internacionais - As
principais dificuldades citadas pelos entrevistados foram distância física
(14), diferença de idioma (7) e diferenças culturais (4). Quanto à distância
física, uma entrevistada declarou que com a distância “a intimidade fica
prejudicada, não tem jeito. Mas quando a gente se encontra pessoalmente a
intimidade volta a ser alta!”. Quanto ao idioma, um entrevistado disse: “o
idioma era difícil no começo e como ela era muito geniosa, ela ficava
nervosa porque a gente não entendia tudo o que ela estava falando. E ela
falava muito rápido também, não tinha muita paciência. Era engraçado!
Mas com o tempo ela aprendeu e correu tudo bem. Ensinamos uma à outra
algumas palavras e a comunicação fluiu”.
As diferenças culturais foram consideradas uma dificuldade por
poucos participantes (20%). Um declarou: “diferença cultural é mais ela
que sente, com relação à música e à comida, principalmente”. Outra
afirmou que a “diferença cultural marca bastante”. Ao contrário dessas
declarações, três entrevistados (15%) consideraram a diferença cultural
como algo agregador, por exemplo: “diferenças culturais, eu não vejo como
dificuldade e sim como oportunidade pra conhecer novas culturas”.
Quanto ao significado de amizades internacionais, cinco (25%) dos
vinte entrevistados consideraram que estas têm o mesmo significado das
amizades locais. Em contrapartida, quinze (75%) consideraram o
significado das amizades internacionais como diferente visto que há uma
174
“troca cultural e de valores também”. Diferenciações tais como: “as
amizades internacionais... têm o enriquecimento cultural de ambas as
partes, que aprendem muito com a forma de lidar com o outro” mostraram
aspectos positivos das amizades internacionais. Declarações como: “lá no
Canadá é mais difícil você estabelecer uma amizade porque lá as pessoas
são mais fechadas, mais frias, respeitam mais o espaço dos outros”
mostraram as dificuldades de se fazer amigos de culturas diferentes.
O País do Melhor Amigo Estrangeiro - Os participantes
comentaram suas percepções, sentimentos e conhecimento do país do
melhor amigo estrangeiro. Dos vinte universitários entrevistados, nove
(45%) já haviam estado no país do melhor amigo e, desses nove, oito
descreveram sua experiência de forma positiva, como uma experiência
maravilhosa ou que gostaram muito. Um desses entrevistados chegou a
dizer: “foi a melhor e a pior experiência da minha vida, ao mesmo tempo”.
Treze entrevistados (65%) descreveram seus sentimentos em
relação ao país do melhor amigo estrangeiro de forma positiva,
demonstrando admiração por diversos aspectos. Uns declararam admiração
pelas pessoas, pela sociedade, outros pela economia e educação do país,
entre outros. Em relação às características do país do melhor amigo
estrangeiro, uns enfatizaram aspectos positivos como o desenvolvimento
tecnológico, ou negativos, como o descaso com os imigrantes, a pouca
saúde dos hábitos alimentares e a frieza dos americanos, sendo que um
deles descreveu os EUA com as seguintes palavras: “liberdade,
consumismo, riqueza, poder e guerra”. Em contrapartida, alguns
entrevistados apontaram características bem positivas em relação ao
Canadá, por exemplo: “a infinita calma. A liberalidade das leis e a certeza
de que as poucas que existem serão cumpridas. Honestidade e educação
também me chamam atenção”. Outros atribuíram características positivas
aos países latinos, comparando-os com o Brasil, por exemplo: “a Colômbia
é um país caliente, de pessoas animadas como no Brasil. É um país que tem
praias, ilhas e muitas outras belezas naturais. Me encanta a língua deles,
por ser bem próxima ao português”.
Quanto à mudança da percepção de um país em função da amizade
com um habitante desse país, onze (55%) reconheceram que a percepção
mudou para melhor. Para nove (45%), a imagem se manteve a mesma. Uma
disse que contribuiu muito mais com a mudança de imagem que seu amigo
tinha do Brasil do que ele contribuiu com a imagem que ela tinha dos EUA:
”[...] ele achava que tinha macacos na rua por aqui e viu que não era nada
disso quando ele veio pela primeira vez aqui no Brasil”.
Uma lista de interesses em relação ao país do melhor amigo
estrangeiro foi apresentada aos entrevistados. 70% deles manifestaram
interesse em visitar o país e apenas 10% disseram que não possuíam
175
nenhum tipo de interesse em relação ao país do melhor amigo estrangeiro.
Além de visitar ainda tinham interesse em estudar (8 ou 40%), trabalhar (9
ou 45%) ou residir (7 ou 35%) no país do amigo.
Ações Propostas para Aumentar as Relações entre Países - A
ação mais citada foi a promoção de intercâmbios de trabalho e estudo
(75%). Segundo um entrevistado: “essa é uma grande maneira de promover
amizades internacionais, interculturalismo, quebra de preconceitos e
paradigmas e até mesmo a paz mundial por facilitar o diálogo entre
pessoas de nações diversas”. Apenas três (15%) citaram a internet como um
meio de aumentar relações entre países. Alguns acreditavam que o governo
brasileiro poderia agir nesse sentido dando incentivos para estudantes que
quisessem fazer intercâmbio e para famílias que se disponibilizassem a
receber pessoas de outros países. Estimular o aprendizado de línguas
estrangeiras também foi citado como uma ação para aprender sobre outras
culturas e aumentar relações entre diferentes países. Outros modos ainda
foram mencionados, como “na própria universidade, é grande a
diversidade, pessoas de vários países diferentes. Sempre há oportunidades
de fazer amizades internacionais”.
Discussão
Conclusão
178
das Américas contribuiriam para o desenvolvimento social e cultural de
todo o continente.
Referências
179
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180
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181
16
AMIZADES INTERCONTINENTAIS DE
ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS:
UM ESTUDO EXPLORATÓRIO
Metodologia
Participaram da pesquisa 20 estudantes universitários com idades
entre 18 e 25 anos, alunos regularmente matriculados em diferentes cursos
de graduação ou pós-graduação da UFES, que haviam declarado manter
relações de amizade com cidadãos de países da Europa, Ásia, África ou
Oceania na fase de recrutamento de voluntários para participar da pesquisa.
Os dados foram obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, com
base em um roteiro pré-estabelecido, contendo perguntas fechadas e abertas.
Aqueles que aceitavam participar da pesquisa assinavam um Termo de
Consentimento para Participação em Pesquisa. Os participantes foram
entrevistados individualmente e os dados foram gravados e transcritos. Os
dados transcritos das entrevistas foram analisados através de análise do
conteúdo, com base em Bardin (1977). As categorias emergentes foram
identificadas e organizadas de acordo com a literatura sobre o tema. Um
roteiro de entrevista foi desenvolvido visando identificar os pontos acima
indicados: (a) a rede de amigos estrangeiros (identificação dos amigos,
incluindo gênero, idade e país de origem); (b) histórico da amizade; (c)
atividades compartilhadas e interesses comuns; (d) a comunicação com
amigos estrangeiros (idiomas e meios de comunicação); (e) a percepção de
diferenças entre amizades; (f) características dos amigos estrangeiros; (g) o
significado da amizade; (h) dificuldades da amizade; (i) a percepção do país
do melhor amigo estrangeiro; e, (j) propostas para aumentar as relações de
amizades entre cidadãos de países diferentes.
Resultados
A rede internacional de amigos - Cada participante indicou de um
a cinco amigos estrangeiros, cujas características estão indicadas na Tabela
1. De forma geral, a idade do participante e a dos amigos era próxima, mas
184
a origem dos amigos foi diversificada. O contato era principalmente com o
próprio amigo, sendo pouco o contato com as famílias. Dez universitários
não tiveram contato com as famílias do amigo. Para quatro, o contato foi
superficial (como cumprimentar, conversar ao telefone, pela internet ou por
recados enviados pelo amigo). Em três casos, as famílias visitaram o país de
origem dos amigos. Também tiveram contato com outros familiares como
irmãos, filhos, cunhados, etc. Apenas um mantinha contato com a família
do amigo no momento da entrevista. Quatro entrevistados tiveram essas
amizades ligadas à algum relacionamento romântico, tendo já “ficado” com
o(a) amigo(a).
Tabela 1. Rede internacional de amigos (* já viajou para o exterior).
Participante Amigo 1 Amigo 2 Amigo 3 Amigo 4 Amigo 5
Gênero e Gênero, Gênero, Gênero, Gênero, idade e país Gênero,
idade idade e país idade e país idade e idade e país
país
P1-M24 M20-Japão
P2*-F19 F19-Suíça F20- F20- F18-Japão M22-
Noruega Suécia Holanda
P3*-M18 F19-
Alemanha
P4*-M19 M20- M20- M19-
Alemanha Guiné- Angola
Bissau
P5*-M23 M22-Itália
P6*-M24 F23-
Alemanha
P7-M23 F21-
Alemanha
P8*-F22 M23-Áustria
P9*-F24 M27-França F25-França
P10*-F20 M42-Nova M20-Nova M21- F42-Nova Zelândia
Zelândia Zelândia Nova
Zelândia
P11-F21 M23- M24- M23- M23-Alemanha M25-
Holanda Holanda Holanda Holanda
P12-F24 M30-Serra F40-
Leoa Escócia
P13*-F21 F17-
Alemanha
P14*-F21 M31- M28-Sérvia F26- M21-Alemanha
Espanha Eslovênia
P15-F20 F09-China
P16*-F23 F25-Espanha M23-
Espanha
P17-M25 F23-França F21-Itália
P18-M19 F-Espanha F16-
Alemanha
P19*-M21 M28-Sérvia M26-Rússia M31-Costa F25-França
doMarfim
P20*-M25 M21-Rússia
185
Histórico das amizades - O início da amizade se deu por contato
pessoal no exterior (43%), contato pessoal no Brasil (49%) ou contato
online (8%). Vários conheceram os amigos em festas no Brasil, como
carnaval, festas na universidade ou boates e aniversários: “nos conhecemos
no carnaval de Salvador, em 2005. Mesmo sendo alemã ela curtiu o
carnaval como se fosse uma brasileira nata” (P6). Outros haviam
conhecido o amigo praticando algum tipo de esporte ou ao receber ajuda no
exterior: “era nosso primeiro mês na França e ainda não falávamos a
língua francesa direito, então resolvemos pedir ajuda ao casal. Eles
acabaram escolhendo por nós e fazendo nosso pedido” (P9). O contato
ainda se deu em ambiente de trabalho (ao atender o futuro amigo como
cliente), ao receber ajuda para conseguir um emprego no exterior, em uma
palestra sobre Psicanálise e em viagens.
O intercâmbio foi a maneira pela qual se formaram várias amizades,
ao serem recebidos na casa de outras pessoas ou quando parentes
hospedavam estrangeiros no Brasil: “minha amiga alemã veio fazer um
intercâmbio e ficou na casa de meus tios por um ano. Assim, tivemos
bastante contato, passeamos juntas, conversávamos bastante e ela se
tornou parte de minha família. Sempre muito interessada para saber o
significado das coisas, ela perguntava tudo” (P13). Além do contato
pessoal, fizeram contato pela internet, através de jogos de computador e
troca de e-mails e pelo MSN.
Os episódios marcantes da amizade aconteceram no Brasil ou no
exterior. Vários citaram festas como marcantes: “fazíamos muitas festas
quando o P estava aqui. Todo final de semana fazíamos churrascos à
brasileira, com caipirinha e tudo. Ele adora e festas e em todas ficava
muito bêbado” (P8). Outros destacaram o apoio e disponibilidade dos
amigos em ajudar: “como, por exemplo, no dia em que ele montou um
computador só para mim, ou quando participou comigo de atividades da
escola lavando carros para arrecadar fundos para uma apresentação de
teatro” (P10). Passeios pela cidade e visitas a pontos turísticos também
foram indicados como marcantes.
As brincadeiras e os momentos de despedida também deixaram
marcas: “o momento mais marcante foi quando ele foi embora e falou que
estava indo, mas que iria voltar para não sair mais daqui. Ele quer morar
no Brasil, pois ele fala que não existem no mundo pessoas tão boas como
aqui” (P1).
Atividades compartilhadas e interesses comuns - Os interesses
comuns estavam ligados principalmente ao lazer (19), música (13), turismo
(11), cinema (10), esportes (8), literatura (6), família (5), artes (4), religião
(3), trabalho (3), ciências (3), festas (1), gastronomia (1) e relacionamentos
(1). Também foram citados assuntos acadêmicos, como ciência, tecnologia
186
e desenvolvimento sustentável, além de idiomas. Apenas um não tinha
muitos interesses em comum com o amigo estrangeiro por serem muito
diferentes.
As atividades compartilhadas com o amigo variavam de acordo com
a proximidade. Quando fisicamente próximos, as atividades em comum
foram jogos (dama, baralho, xadrez e videogames), esportes (futebol e
vôlei), ir a festas, praia, cinema, restaurantes, clubes, shoppings,
supermercados, casa de amigos, pic-nics, além de acampar, conversar, rir,
contar piadas, estudar, viajar, passear, cozinhar, ver filmes, ir ao trabalho,
escola, igreja ou parque juntos, sair para comer, beber ou dançar. Quando
fisicamente distantes, as atividades estavam ligadas à internet, como jogos
virtuais, bate-papo (MSN), além de e-mails. Dois participantes não
compartilhavam atividades com o amigo e não mantinham contato quando
ausentes.
Quanto aos tipos de conversas e trocas de informações quando
distantes dos amigos, os assuntos mais citados foram os relacionados à vida
cotidiana do amigo, assuntos pessoais, família, faculdade, trabalho, festas,
esportes, namoro, amigos em comum, mulheres ou homens, planos para o
futuro, política ou acontecimentos em cada país. E ainda lembranças dos
encontros pessoais, episódios memoráveis de quando viviam juntos e
programação de novos encontros e viagens.
A comunicação com amigos estrangeiros - A comunicação com
um amigo podia utilizar um ou mais meios de comunicação. Os principais
meios utilizados foram o contato pessoal (22%), telefone (fixo ou celular)
(17%), Internet (55%) e cartas (6%). A comunicação com o amigo também
podia dar-se com o uso de um ou mais idiomas. Os principais idiomas
utilizados foram inglês (48%), português (34%), francês (7%), espanhol
(5%), italiano (2%) e russo (4%).
Diferenças entre amizades internacionais - Alguns participantes
não puderam comparar suas amizades internacionais por terem somente um
amigo estrangeiro. Dos que tinham mais de um amigo estrangeiro, quatro
não viam diferenças significativas entre essas amizades. Parte dos sete
participantes que reconheceram diferenças, explicaram que estas eram
devidas a diferentes graus de intimidade: “a convivência é diferente, há
mais intimidade com uns que com outros” (P4), a diferentes níveis de apoio
recebido no exterior: “na França conheci muitas pessoas, mas hoje em dia
considero amigos somente esses dois que foram os que mais me apoiaram
pelos três meses que fiquei lá” (P9) e à presença ou não do amigo no Brasil,
possibilitando a convivência.
Na comparação entre amizades locais e internacionais, alguns (seis)
as consideraram iguais ou semelhantes e outros (14) as consideraram
diferentes. A diferença foi atribuída a diferentes comportamentos em função
187
das diferenças culturais e à falta de convivência e intimidade: “é diferente,
não há mais contato físico, a distância é grande. Você acaba não tendo
muita intimidade como tem com seus amigos que você vê sempre” (P13).
Alguns consideraram as amizades internacionais mais superficiais que as
locais: “as amizades estrangeiras são superficiais, enquanto as locais são
amizades sólidas” (P6) ou o inverso: “estrangeiros são mais difíceis de
relacionar no começo, são mais fechados, mas depois de um tempo, em que
há maior proximidade, eles se tornam amigos bastante fiéis e queridos. A
amizade tende a ser mais verdadeira que as outras” (P11).
Características dos amigos estrangeiros - Apenas um participante
falou de aspectos físicos do amigo. Os outros 19 entrevistados usaram
adjetivos como: engraçado, divertido, alegre, inteligente, extrovertido, legal,
simpático, prestativo, brincalhão, curioso, amigo, culto e comunicativo,
destacando aspectos positivos dos amigos. Também indicaram hábitos ou
gostos desses amigos, como jogar futebol, sair para beber e fumar, sair para
se divertir, ajudar os amigos, sair para festas e praias, viajar e conversar e
gostar de comida e bebidas brasileiras (feijoada, guaraná e caipirinha).
Ainda foram caracterizados como pontuais, responsáveis, não muito
afetivos ou muito afetivos, respeitadores e estudiosos. Adjetivos menos
positivos como desorganizado, desocupado e calado, foram pouco
empregados. A percepção das características do amigo mudou no decorrer
da amizade. Para alguns, os estrangeiros eram um pouco fechados ou
desconfiados no início mas depois se revelaram mais comunicativos: “o que
pude notar de mais diferente no jeito dela é que, de fato, apesar de
amigável no começo, ela tinha meio essas coisas de „não me toque‟, pois
ficava muito na dela, mas quando a conheci melhor, vi como era
descontraída, bem humorada e engraçada” (P14).
Alguns se referiram ao apoio dos amigos quando moraram fora do
país, compartilhando vários momentos, bons e ruins.
O significado da amizade - Todos os participantes trataram a
amizade como algo muito importante e positivo. Treze entrevistados
associaram amizade a confiança, troca e apoio. Em síntese, amizade é
desejar o bem do outro sem desejar nada em troca, cada um podendo se
expressar a seu modo. Trata-se de um relacionamento marcado pelo
companheirismo, responsabilidade, reciprocidade e sinceridade e que se
constrói sobre a confiança. Significa estar ao lado em bons e maus
momentos. A amizade é o alicerce para o bem-estar e a felicidade, onde se
deposita esperança e se compartilham idéias. Na amizade, há interação e
identificação e um vínculo gerado pela atração entre os que partilham algo
essencial. É um imenso apoio que se recebe quando é preciso e um
acolhimento de grande valor. Amigos são a família que se escolhe, sendo
algo tão ou mais importante que a família de sangue. Ter amigos é saber
188
lidar com as diferenças de cada um, aprendendo a ser tolerante e respeitar o
próximo.
Quanto ao significado específico de amizades internacionais, 14
destacaram o acréscimo em conhecimentos e experiência devido às
diferenças culturais, permitindo o aprendizado da cultura e das tradições de
outros países e povos, sendo como as amizades locais do ponto de vista
pessoal: “na Nova Zelândia tive o contato com pessoas das mais diversas
culturas e nacionalidades e isso foi de grande enriquecimento tanto pessoal
quanto cultural. Pessoal, pois um contato com outra cultura faz você
enxergar a sua própria, se reconhecer na diferença e aprender um pouco
inclusive sobre si e de onde vem a partir desses contrastes. E também,
claro, em nível de trocas de experiências no contato com pessoas
diferentes. Culturalmente é também incrível a possibilidade de estar de
frente para um novo tão diferente de sua realidade e poder vivenciar e fazer
parte da realidade desse outro. O que considero mais legal dessa vivência
foi o prazer desses relacionamentos que me permitiram estar naquela
cultura, de sentir um pouco a realidade deles, de fazer parte do mundo
deles também” (P10).
Entre outros ganhos culturais, dá-se o aprimoramento de um idioma
diferente, como o inglês, além da troca de visões de países diversos. As
vantagens profissionais se referem a possibilidades futuras de trabalho em
outro país.
Dificuldades nas amizades internacionais - As principais
dificuldades foram a ausência física (11 participantes), o idioma (4) e as
diferenças culturais (2). Para alguns não há dificuldades: “idioma e a
diferença cultural não interferem na relação. Houve uma boa adaptação e
aceitação de ambos” (P6). Outros indicaram falta de tempo para manter
contato: “como nós trabalhamos e estudamos, além de estarmos sempre
ocupados, ainda há o fuso horário que é de cinco horas e atrapalha muito”
(P11). Para outro, a maior dificuldade era o temperamento da amiga: “o que
mais complica é o temperamento da minha amiga, mas a gente se parece
nisso também, era até bom para ver que quando eu ficava assim, como era
a resposta das pessoas. Ela se deixava atingir muito fácil. Criava
dificuldade onde nem sempre tinha e era um pouco cabeça dura pra aceitar
outras opiniões” (P14).
A percepção do país do melhor amigo estrangeiro - Quatro
pontos foram investigados em relação à percepção do país do melhor amigo
estrangeiro: o nível de conhecimento acerca do país, suas principais
características, como ter um amigo mudou a imagem do país e os interesses
em relação ao mesmo. O nível de conhecimento acerca do país do melhor
amigo estrangeiro variou do básico a um conhecimento amplo. Apenas dois
universitários relataram conhecer pouco o país. A maioria citou
189
características positivas, em termos físicos (paisagens) ou humanos (social,
político, econômico e cultural), destacando sua beleza natural ou a
educação, cultura e economia da nação. Em alguns casos, foram
mencionados aspectos positivos e negativos. Somente três haviam visitado o
país do amigo.
Sete entrevistados não perceberam mudanças na imagem que tinham
do país após a amizade. Para outros, a imagem que tinham mudou para
melhor graças à pessoa do amigo como exemplo do povo ou das
informações obtidas a partir dele: “eu imaginava que os europeus eram
sempre muito „certinhos‟ devido à educação que eles recebem lá e até um
pouco ríspidos, mas o P me mostrou que eles não são esses robôs que eu
imaginava. São jovens como nós brasileiros, que gostam de festas, de sair,
se divertir” (P8). Em outro caso, “apesar de achar que os franceses são
frios nós acabamos descobrindo que nem todos são assim, como F e J que
desde que nos viram nos ajudaram. Penso que há outras pessoas assim lá,
que não devemos achar que todos são iguais” (P9). E ainda: “a idéia que eu
tinha da Holanda era de que podia se fazer tudo, mas não é verdade. Lá
tem certa liberdade, mas há muitas leis para regulamentar tudo” (P11).
Segundo os participantes, é necessário conhecer pessoas de outros
países para nos livrarmos de alguns preconceitos já enraizados em nossa
própria cultura. Também citaram sentimentos como respeito e admiração
pela cultura, culinária, economia, desenvolvimento, educação, preservação
ambiental, história de luta do país. Alguns relataram a saudade dos amigos e
do país e outros curiosidade de conhecer o lugar. Em relação aos
sentimentos ruins, foram citadas tristeza e indignação em relação ao
descuido governamental e à desigualdade social existente (Serra Leoa) e o
medo da violência (Espanha).
Finalmente, os participantes indicaram interesses em relação ao país
do melhor amigo estrangeiro, incluindo visitar (13), estudar (7), trabalhar
(6), residir (3) ou nenhum (2).
Propostas para aumentar a amizade entre cidadãos de países
diferentes - Para doze entrevistados, a amizade entre habitantes de países
diferentes poderia aumentar por meio de intercâmbios estudantis e
profissionais, o que deveria receber investimentos e incentivos do governo
brasileiro, além do incentivo ao turismo internacional através da diminuição
do custo nas viagens: “só conhecendo os países para se formar verdadeiros
laços de amizade” (P9).
Para outro, “dentre os pilares para manter uma amizade, um dos
mais importantes é a tolerância. Não sei a melhor maneira para isso, mas
investir e facilitar intercâmbios culturais é uma ótima maneira, pois assim,
estando no país do outro, a facilidade de tirar preconceitos é maior,
criando também uma tolerância entre os povos” (P14). Ainda foi
190
mencionada a necessidade de maior divulgação da cultura de outros países
no Brasil, visto que a população cria estereótipos que não correspondem à
realidade desses países.
De forma geral, a necessidade de “respeito” foi bastante citada.
Segundo os participantes, se o preconceito fosse menor e as pessoas
tivessem maior respeito pela cultura alheia, haveria o enriquecimento das
relações entre as culturas e a possibilidade de viver diversas experiências,
sempre respeitando as pessoas como elas são e não as julgando antes de
conhecer sua cultura. Segundo um entrevistado, para aumentar a amizade,
“diminuir qualquer tipo de preconceito seria uma boa pedida para
qualquer diferença cultural” (P20). Outro ponto colocado foi o uso da
internet para aumentar as relações de amizades internacionais através de
bate-papos (MSN), Orkut (páginas online) e sites relacionados a
intercâmbios onde as pessoas possam conversar, trocar informações, fotos,
entre outros.
Discussão
Referências
194
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European Universities: International and Intercultural Perspectives.
European Education, 40 (1), 51–62.
195
17
Agnaldo Garcia
Cloves Bitencourt Neto
Luciana Teles Moura
Claudia Balestreiro Pepino
197
O objetivo desta pesquisa é investigar a natureza das amizades
internacionais de estudantes universitários brasileiros, com base nos
episódios marcantes dessas amizades, à luz das propostas de Robert Hinde
(1997). A expressão “amizade internacional”, neste trabalho, significa um
relacionamento entre pessoas de diferentes nacionalidades mantendo uma
ligação importante com o país de origem, como é o caso dos estudantes
internacionais.
Metodologia
Resultados e Discussão
199
Finalmente, algumas reuniões sociais promoveram o encontro com
outras pessoas para troca de informações, como “encontros do grupo do
jornal” (29) e “encontros do grupo de adolescentes” (29).
Viagens e Passeios Turísticos – Além das referências a viajar
juntos (17, 96, 115), ainda marcaram as amizades internacionais os contatos
com a paisagem e com as pessoas dos lugares visitados. Por vezes, foram as
visitas aos pontos turísticos que se tornaram memoráveis, como viajar pelo
norte do Brasil (27), ir ao Zoológico (93) ou simplesmente visitar pontos
turísticos (18, 64, 112). Outras vezes, as viagens permitiram conhecer outras
pessoas, como o namorado da amiga (53), os amigos (38, 60, 74) ou a
família do amigo (103).
Religião e Esportes – Outras atividades sociais estavam ligadas a
religião e esportes. Apesar de não ter sido muito presente em episódios
marcantes, a religião se mostrou importante quando era compartilhada. Uma
participante relatou como episódio marcante ter recebido da amiga “um
livro falando sobre Deus” (eram da mesma religião) (8). Outras se referiram
a “uma conversa sobre a visão dos jovens em relação ao mundo e à religião”
(61), a “conversas sobre Deus” (56) e a “acampamentos ligados à igreja”
(98). Os esportes também marcaram as amizades como a vitória em
campeonatos esportivos (4, 24, 33) ou a prática de esportes em conjunto
(38, 90, 98, 102).
Humor - O humor marcou alguns episódios, incluindo situações
cômicas, trotes e brincadeiras. Diversos episódios foram considerados
marcantes por terem sido engraçados ou cômicos, como não saber cozinhar
e tentar inventar receitas com produtos estragados (16), brincadeiras com
outras pessoas (20), a tentativa fracassada e engraçada do amigo namorar a
irmã (23), as brincadeiras pelo fato do amigo ser negro (mas sem
preconceito) (25), os recados deixados pelo amigo que sempre resultavam
em desencontros (26), as brincadeiras ou trotes com vizinhos (43), ter
pulado o muro para entrar por ninguém ter atendido a porta (111), quando
os dois assistiram ao mesmo filme no mesmo dia (alugado e TV paga) (51).
Apoio, Acolhimento, Confiança e Auto-Revelação - Em diversos
momentos, os participantes se referiram ao apoio recebido em um momento
específico ou ao acolhimento, geralmente envolvendo mais pessoas, quando
o participante foi residir com a família no exterior ou ao receber alguém do
exterior. O apoio revela em contato mais diádico, enquanto a acolhimento
dá-se em um contexto mais amplo. A manifestação de confiança também
resultou em episódios marcantes, assim como a auto-revelação.
O acolhimento refere-se à recepção do participante, geralmente
com a participação de familiares, podendo levar à sua inserção na família do
amigo. Vários episódios falam de acolhimento: “me convidaram para voltar
aos EUA e se prontificaram a pagar todas as custas” (19). Ao conviver com
200
uma família no exterior uma participante relatou que sua amizade
transformou-se em uma relação de fraternidade por morar com a amiga,
tornando-se parte de sua família (14). Em outro caso, “eu conheci seus pais,
seus irmãos e o pai dele cozinhou pra gente” (41). E ainda “este professor
conseguiu a casa de uma amiga dele para eu ficar, pois eu não tinha
condições de pagar hotel” (77). Em outro caso ocorrido no exterior “quando
meus pais foram me visitar nos EUA e levei-os para jantar no restaurante
em que trabalhava, a H. foi super gentil, nos deu de cortesia o jantar” (59).
No único caso ocorrido no Brasil, a participante relata: “eu e o pai fomos
buscá-lo no aeroporto, sem que soubéssemos como ele era, só pelas fotos”
(69). Nestes casos, o episódio marcante refere-se ao acolhimento por parte
do amigo, de sua família ou de seu grupo de amigos.
O apoio se refere a alguma forma de ajuda material, informacional,
mas principalmente emocional, como o consolo recebido do amigo ao
terminar um namoro, (40), pelo amigo ter ligado antes de uma entrevista de
estágio trazendo tranqüilidade e confiança (44), por consolar ao não ser
aprovada no vestibular (76), pelas “palavras de apoio que trocamos sobre as
provas, a saudade que ele sente do seu filho e do seu país” (116) e ainda à
ajuda nas atividades da escola (103). O apoio estava presente nas “pequenas
coisas do dia-a-dia, de atos de consideração e cuidado” (31) e nas
“encrencas, ela ficou do meu lado, me apoiando” (7).
Alguns episódios marcantes diziam respeito à confiança por parte
do participante no amigo, incluindo “a confiança de deixar a casa por conta
dela” (9) e a confiança do amigo ao conviver “com alguém desconhecido”
(113). A auto-revelação foi indicada em frases como “ter contado sobre seus
filhos e ex-esposa, da falta de amigos e do apoio da família, da solidão”
(87), ao estabelecer “uma conversa muito profunda - uma relação eu-tu”
(82) e também “ao contar sobre as dificuldades de relacionamento com a
própria família distante” (68) e de serem “confidentes uma da outra” (92).
Apoio, acolhimento, confiança e auto-revelação estão intimamente
relacionados.
Companheirismo – O companheirismo é marcado pelo convívio,
companhia ou compartilhamento do dia-a-dia com o amigo. Neste caso, o
fato marcante não é um episódio específico, mas o relacionamento ao longo
do tempo. Vários se referiram ao convívio diário como algo marcante, como
conviver todos os dias, almoçar, lanchar e estudar juntas (15), conviver
muito, sempre almoçando juntos (35), freqüentar a casa uma da outra (72,
98), jantar juntas (78), estar sempre juntas (98), o fato de ter ido morar
juntas possibilitando conviver mais (96). E ainda sair juntas (45) e
conversar até altas horas (17, 115) e “ela sempre me fazia companhia” (79).
Finalmente, os estudantes mencionaram o fato de o amigo estar presente em
vários momentos de sua vida, ao correr, rir, se divertir, conversar e comer
201
(103), ao dormir na casa da amiga, assistir filmes e conversar sobre a vida
(75), na primeira tatuagem, no primeiro namoro e na formatura (49). Esse
companheirismo chega a ser considerado como cumplicidade (5, 119). Em
algumas ocasiões, a retomada do contato perdido foi algo marcante, como o
reencontro na casa de um ou outro (4, 50).
Situações de Perda e Despedida - Situações de perda marcaram
as amizades internacionais, como a morte do pai ou da mãe do participante
ou do amigo (4, 109) e a possível perda de uma bolsa de estudos (21). A
despedida marcou a amizade de vários participantes, desde a notícia da
separação (8), o dia da despedida ou sua celebração (1, 35, 97, 105, 35 e
59), o momento da despedida (98, 76, 93) e os discursos ou cartas de
despedida (10, 62, 48). Estes discursos e cartas, assim como presentes
simbólicos da amizade (89, 98), talvez pudessem ser vistos como parte do
compromisso gerado pelas amizades.
Diferenças Culturais - As diferenças culturais estão presentes em
diversos episódios marcantes. As diferenças culturais, por vezes, foram
apontadas em relação a festas. Apesar disso, elas foram incluídas neste item
em função da centralidade do tema para o presente estudo.
Algumas festas foram lembradas em função de diferenças culturais.
Em alguns casos essas diferenças se referiam a diferentes padrões de
comportamento. Para um dos participantes, foi marcante a reação do amigo
“à forma ousada de algumas amigas durante o churrasco que ele me
acompanhou. Ele pareceu sem graça e assustado” (52). Em outros casos,
essas diferenças estão na culinária típica do lugar: “o churrasco que fiz na
casa dele onde ele experimentou um churrasco brasileiro de verdade” (101).
As diferenças ainda diziam respeito a dificuldades com o idioma. Em uma
festa de amigo secreto, o amigo tentou falar português em público (2), outro
tentou cantar no vídeokê uma música inteira em português, mas misturou
português, inglês e alemão (6). Uma das participantes mencionou as
diferenças culturais entre as festas de diferentes países: “houve grande troca
de culturas, porque ela pôde viver um pouco de nossas formas de diversão,
como são as nossas festas” (67).
A reação dos amigos a diferenças ambientais e humanas foi
marcante, como a admiração da natureza do país (107, 118) ou da beleza de
seu povo (95). As diferenças culturais também foram lembradas, como as
conversas sobre as culturas nacionais e suas festas (45), e conversas e o
contato com sua culinária (37, 63) e costumes (83). Outra citou o fato de
“ouvir música coreana” e aprender “brincadeiras coreanas tradicionais” (98)
como marcantes. Um exemplo de diferentes culturas unindo pessoas deu-se
“quando ela me ensinou a fazer trancinhas africanas e fez nos meus
cabelos” (15). Em outro caso, foram marcantes os “desencontros causados
pela cultura dos brasileiros que quando falam que vão atrasar um tempinho
202
pode ser uma hora” (65). Uma participante citou “uma mania que americano
tem de fazer acordos com um amigo de se eles chegarem a uma certa idade
e não casarem, eles se casam para não ficarem sozinhos” (51).
As diferenças de idioma também geraram episódios marcantes nas
amizades internacionais, envolvendo as dificuldades com o idioma e sua
superação (55, 71, 114), incluindo a troca de palavras (83) e dificuldades
com o vocabulário (92). Outras lembranças estavam ligadas a servir como
intérprete do amigo e para o amigo (68, 89, 107).
Os episódios marcantes são reveladores por sua diversidade e
riqueza. Esses episódios servem para se compreender melhor a natureza das
amizades investigadas.
Com base, em parte, no esquema proposto por Hinde (1997), três
fatores se destacam nas respostas dadas: relacionamentos, grupos sociais e
cultura. Alguns episódios relatam aspectos mais internos ao relacionamento,
como apoio, auto-revelação e companheirismo. Outros estão claramente
ligados a situações sociais (como reuniões sociais e festas, viagens e
passeios, religião e esportes), com suas normas e tradições. Finalmente, as
diferenças culturais se destacam pela origem internacional dos participantes.
Como estes apresentam relações dialéticas, nem sempre ocorrem de modo
distinto, mas podem interagir.
Diversos episódios indicam a inserção de uma relação de amizade
em um grupo social realizando uma atividade social ou cultural (como
festas ou reuniões sociais). Estas relações entre relacionamentos (díade de
amigos) e grupos a que pertencem (sua inserção social) são dialéticas,
conforme proposto por Hinde (1997), pela presença de influências mútuas.
Os grupos são portadores de tradições ou estruturas sócio-culturais, como
rituais, tradições, normas e regras, inclusive relacionados a festas e
comemorações, entre outros. É notável que relacionamentos tenham como
episódios marcantes eventos grupais ou sociais. Possivelmente, os grupos
façam a mediação entre as díades e a cultura da sociedade mais ampla, com
suas tradições históricas e folclóricas.
Viagens e passeios também envolvem o ambiente sócio-cultural e
grupos sociais. Pontos turísticos integram o ambiente sócio-cultural, como
parte do ambiente físico, possuindo significados históricos, sociais e
culturais. Viagens e passeios também estão ligados a grupos sócio-culturais
em torno da pessoa do amigo (como familiares e amigos).
Os episódios contados revelam uma dialética entre o que ocorre na
díade e em grupos sociais mais amplos e suas atividades sócio-culturais.
Esses grupos são portadores de tradições sócio-culturais que fazem parte
das amizades, como é o caso da religião e dos esportes. Por vezes, não há
limites claros entre a relação diádica e a vida no grupo, como no caso do
203
acolhimento pelo amigo, que se estende para sua família ou grupo de
amigos.
Os episódios, em geral, são positivos. Lembranças de sofrimento
são poucas e estão relacionadas a perdas importantes ou à despedida. Outros
episódios são lembrados por serem engraçados, sendo o humor outra fonte
de recordações de amigos.
Uma dimensão importante nas amizades interculturais ou
internacionais são as diferenças culturais. A reação dos amigos a diferenças
ambientais e sociais, como episódios marcantes, mostra a presença do
ambiente em suas dimensões sócio-culturais sobre o relacionamento. As
diferenças culturais são vistas, predominantemente, como positivas, ligadas
à curiosidade pelo diferente, pelo estrangeiro, o que pode ser um traço
cultural do Brasil ou das pessoas que buscam o contato com outras culturas
em nosso país. Um fator notável relacionado às diferenças culturais é a
orientação positiva e a superação de possíveis dificuldades advindas dessas
diferenças. Vários episódios indicam a avaliação positiva da cultura do
amigo estrangeiro, sua culinária, suas festas, suas estórias, músicas e
tradições. Neste sentido, as amizades formam pontes entre diferentes
culturas.
O conjunto de episódios marcantes mostra a diversidade e a
complexidade de eventos em torno das amizades evidenciando diferentes
níveis de complexidade, desde os fatores internos à díade, como
companheirismo e apoio, a inserção em grupos sociais e suas atividades,
como nas reuniões sociais e festas, e o compartilhamento de aspectos
culturais de cada nação por intermédio do amigo. Frente a essa
complexidade, o esquema proposto por Hinde (1997) nos parece adequado
como ponto de partida para a compreensão das amizades internacionais a
partir de relatos de episódios marcantes.
O foco da presente pesquisa difere de pesquisas anteriormente
realizadas sobre amizades de universitários com pessoas de outro país.
Enquanto a maior parte dos estudos volta-se para os estudantes no momento
em que estão no exterior (Ward & Margoret, 2004; Bektas, 2008), ou dos
estudantes locais em relação à presença de estudantes estrangeiros (e.g.
Ward, 2001), o presente estudo se concentrou em estudantes brasileiros
vivendo em seu próprio país e investigou suas amizades com estrangeiros
vivendo em outro país ou no Brasil. Investiga, assim, as amizades
internacionais de uma perspectiva mais abrangente, incluindo amigos
vivendo no exterior, resultantes, na maior das vezes, de contato pessoal no
Brasil ou no exterior, em algum momento de suas vidas. Neste sentido,
busca compreender essas amizades na vida de estudantes não sujeitos a uma
situação estressante, como morar no exterior.
204
A literatura destaca as limitações e dificuldades para estabelecer
amizades com pessoas do país anfitrião entre estudantes internacionais e a
tendência a fazer amizades com conterrâneos (Bailey, 2006; Pandian, 2008;
Brown, 2009a; Cushner & Karim, 2004; UKCOSA, 2004; Sawir,
Marginson, Deumert, Nyland & Ramia, 2008). As experiências dos
universitários com estrangeiros no Brasil e no exterior, como visitantes e
anfitriões, indicam diversos momentos em que essa integração foi possível a
ponto de gerar amizades que permaneceram mesmo após a separação.
As amizades com pessoas do país anfitrião permitem aprender mais
do idioma e da cultura local (Ward, 2001; Ward, Bochner & Furnham,
2001). Os dados do presente trabalho indicam que essas amizades não se
limitam ao momento de vida que se está no exterior, mas elas se estendem
para além desse período, revelando experiências bem sucedidas de
aproximação e formação de amizades entre pessoas de culturas e idiomas
diferentes.
A literatura tem indicado que os resultados do contato intercultural
em relação à tolerância em relação às diferenças (Cushner & Karim, 2004),
à melhoria nas habilidades transculturais (Ward, 2001) ou na competência
intercultural (Brown, 2009b) têm sido inferiores aos esperados. Os dados da
presente pesquisa são mais otimistas ao indicar que as amizades
internacionais fazem parte da vida dos participantes, mesmo estando em
países distantes e que as histórias ligadas a amigos estrangeiros são marcada
por episódios positivos.
Mesmo no Brasil, as amizades internacionais servem de elemento
para uma aproximação maior entre brasileiros e estrangeiros, cujo
relacionamento revela dificuldades (Desidério, 2006) ou para melhorar
redes sociais precárias (Andrade e Teixeira, 2009) e para aprofundar as
amizades que já são reconhecidas como fatores de integração entre
estrangeiros e brasileiros (Subuhana (2009).
Os dados indicam que a internacionalização da educação, incluindo
as possibilidades de intercâmbio, pode forjar amigos internacionais
permanentes e não apenas temporários (Kreber, 2009) ao permitir o contato
entre estudantes de diferentes países para o desenvolvimento destas
amizades (Alfantookh, 2008).
As amizades internacionais devem ser compreendidas em toda sua
amplitude, incluindo fatores externos e internos, como auto-revelação,
considerados fundamentais para o aprofundamento de amizades
internacionais (Chen, 2006). Outros fatores internos presentes nos
resultados incluíram apoio e companheirismo, como dimensões mais
próprias à díade.
Apesar da literatura, por vezes, ressaltar o papel limitador das
diferenças culturais, consideradas em seus aspectos negativos (Gareis,
205
2000), a presente investigação mostrou que as diferenças podem ser
positivas nas amizades. Neste sentido, os dados se aproximam dos achados
de Kudo e Simkin (2003), que propuseram a receptividade, incluindo
orientação e empatia transcultural, como fatores relevantes nas amizades
interculturais. As diferenças culturais não foram mencionadas como
empecilhos intransponíveis para a comunicação e a amizade, geralmente
sendo contornadas e deixando recordações positivas.
Alguns paralelos também podem ser encontrados entre os
resultados obtidos por Lee (2006) e esta investigação. Alguns pontos em
comum se referem à presença de fatores positivos (como prestar
assistência), auto-revelação e networking. Os rituais, atividades, regras e
papéis mencionados por Lee (2006) fazem parte das estruturas sócio-
culturais tratadas no presente artigo. De modo particular, há uma
correspondência em termos de explorar as diferenças de culturas e de
idiomas como aspectos específicos de relacionamentos interculturais.
As propostas de Hinde (1997) em relação ao relacionamento
interpessoal apresentam-se como uma possibilidade para se analisar as
amizades internacionais. O autor apresenta um esquema conceitual sobre as
relações dialéticas entre relacionamentos e outros níveis de complexidade.
O presente trabalho parte da questão dos níveis de complexidade e suas
relações mútuas. Quatro elementos propostos por Hinde se destacaram neste
estudo: relacionamentos, grupos, ambiente e estruturas sócio-culturais. Para
permitir uma interpretação mais próxima à natureza dos relatos, estruturas
sócio-culturais foram integradas aos grupos sociais e ao ambiente físico,
passando-se a tratar de ambiente sócio-cultural e grupos sócio-culturais
(com suas atividades, como reuniões sociais e festas), que manifestam
diferenças culturais.
Do ponto de vista empírico, o presente trabalho apontou
características das amizades de universitários brasileiros revelando, a partir
dos episódios marcantes, a profundidade e a extensão dessas amizades,
servindo de ponto de partida para possíveis ações para facilitar essas
amizades. Do ponto de vista teórico, o trabalho procurou lidar com aspectos
internos e externos da amizade, que estiveram presentes no conjunto das
respostas, utilizando algumas propostas de Hinde que sevem de base para a
discussão.
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208
18
Agnaldo Garcia
Dominique Costa Goes
Luciana Teles Moura
Claudia Balestreiro Pepino
Metodologia
210
Os estudantes foram entrevistados com base em um roteiro prévio
dividido em três partes: (A) dados sócio-demográficos (nacionalidade, local
de nascimento, idade, tempo de residência no Brasil, curso e período,
religião e idiomas); (B) a rede de amigos: (a) identificação dos amigos; (b)
atividades compartilhadas e interesses comuns; (c) a comunicação com
amigos. (C) O relacionamento com os amigos mais próximos (até três):
onde reside (Brasil ou exterior), histórico da amizade, dificuldades e o
significado da amizade e seu papel na adaptação ao Brasil e na forma como
vê o país. Os dados analisados no presente artigo se referem às respostas
quanto ao histórico da amizade, especificamente quanto aos episódios
marcantes nas amizades próximas.
A realização da presente pesquisa foi aprovada pela Comissão de
Ética em Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES.
Resultados
A avó dela morreu e ninguém falou nada pra ela porque a família
queria poupá-la. Só que ela [...] namorava com um rapaz que tava
em Portugal e ele veio passear aqui [e disse]“eu fiquei sabendo que
a sua avó morreu”. E ela assim não sabia disso, e pra ela foi um
choque enorme [...] ela parecia que ia desmaiar (Mr-F e Mk-F,
ambas de São Tomé e Príncipe).
Ela me ajudou com muito amor mesmo, com muito carinho, com
muita atenção e me falou assim [...]. Eu estava sentada na cama
212
dela e desarrumando a minha mala, as minhas coisas, e ela me disse
“Er, deixa eu te ajudar, Er, deixa eu te ajudar”, eu tava assim meio
desorientada. E depois, outro dia, ela me levou [...] pra Polícia
Federal com muito carinho mesmo. Com o dinheiro dela, pegamos
ônibus e fomos até lá. Foi muito marcante pra mim...O cuidado que
ela teve com a gente assim (Er-F e Ur-F, ambas de Guiné Bissau).
Bem, a gente mora junto, a gente troca idéia, a gente discute, porque
ele é bom de política, de sociedade, de futebol. [...]. Ele também
brinca com o R., se a gente não estiver aqui, às vezes, ele fica com o
R., vai lá e brinca, aquelas coisas de amizade assim. Ele também me
ajuda a falar “não” pra R. se eu não estiver aqui (Pa-M de Guiné
Bissau e He-M de Cabo Verde).
E ainda outra festa de aniversário, “também ela fez anos, fez uma
surpresa pra ela” (Jul-F de Guiné Bissau e Di-F de Angola).
Outras festas foram marcantes em função das brincadeiras e
mesmo pelo consumo de bebidas alcoólicas afetando o comportamento do
amigo na festa: “quando alguém está embriagado, fala algumas coisas de
brincadeira [...]. Já realizamos algumas festas africanas, fomos nelas e ele
214
dançou pra caramba” (Ans-M e Ho-M, ambos de Guiné Bissau). Em outra
situação similar, a estudante santomense conta que quando sua amiga bebia
nas festas, cantava todas as músicas e queria extravasar: “Quando chegava
fim de semana e tinha festa, ela bebia, nossa dava muito trabalho, tinha que
levar pra casa, ela já começava a falar coisas assim que já não está no
contexto mais (Mr-F e Mk-F, ambas de São Tomé e Príncipe).
Em outro exemplo, o consumo de bebidas alcoólicas estava
associado ao clima de festa e os episódios marcantes com o amigo estavam
relacionados às oportunidades em que ele bebia. Em uma destas
oportunidades,
Ele chegou todo bêbado [...] porque teve uma festa na UFES [...]. Aí
eu levei ele pro quarto dele [...] Eu gosto de L. é quando ele bebe.
Ele assim, ele é muito alegre assim, muito doidão. Quando ele bebe
ele é tudo de bom [...] ele fica divertido, ele fala coisas boas assim,
coisas de amor, abraça, ele quer conversar” (Ed-F de São Tomé e
Príncipe e L-M do Brasil).
Ele me falou assim „vai você, você sabe cantar essa, você vai e faz
um playback, eu vou ficar aqui aplaudindo isso pra você‟, „tá, eu
vou fazer, eu vou pensar, depois no outro dia a gente faz‟. Então ele
me deu aquela coragem [...] e eu fui e eu fiz a música” (Er-F e Ka-F,
ambas de Guiné Bissau).
216
Os episódios que eu levo mais dos meus amigos do Brasil mesmo é o
fato [...] de algumas coisas que aqui tem algum significado, no meu
país tem outro. [...] Quando eu ia almoçar no restaurante
universitário, a gente saía em grupo e eu também tava sempre
presente, eu falava alguma coisa e P. sempre me corrigia. Tanto que
eu morria de vergonha, mas o pessoal ficava sempre rindo. É muito
engraçado e eles adoram fazer muita palhaçada (Mr-F de São Tomé
e Príncipe e Pat-M do Brasil).
Discussão
Referências
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222
SOBRE OS AUTORES
223
Kely Maria Pereira de Paula – Professora do Departamento de Psicologia
Social e do Desenvolvimento da UFES, Professora do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da UFES.
Larissa Horta Esper. Enfermeira. Mestranda em Saúde Mental. Dep.
Neurociências e Ciências do Comportamento. Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto/USP.
Leila Aparecida Kauchakje Pedrosa - Enfermeira, Doutora. Professora
Adjunto IV do Curso de Pós-graduação Mestrado em Atenção à
Saúde da UFTM.
Lívia Ramos Brandão - Bolsista de Iniciação Científica, CNPq. UFES.
Lorena Merizio Queiroz Costa – Doutoranda do PPGP/UFES.
Luciana Teles Moura – Doutoranda do PPGP/UFES.
Luciene Regina Paulino Tognetta - Coordenadora da linha de pesquisa
“Afetividade e Virtudes” do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação Moral – Unesp/Unicamp.
Marco Aurélio Togatlian – Doutorando do PPGP/UFES.
Maria Isabel da Silva Leme - Instituto de Psicologia da Universidade de São
Paulo
Marina Medici Loureiro Subtil – Fisioterapeuta. Mestre em Psicologia pela
UFES.
Poliana Aliane Patricio - Psicóloga e Doutoranda em Saúde Mental. Dep.
Neurociências e Ciências do Comportamento. Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto/USP.
Priscila Tagliaferro - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP
Quênia Cristina Gonçalves da Silva - Mestranda do Curso de Pós-graduação
Mestrado em Atenção à Saúde da UFTM
Raquel Ferreira Miranda – Doutora em Psicologia pela UFES. Professora da
UFV-CRP.
Rejane Maria Dias de Abreu Gonçalves - Enfermeira da Universidade
Federal de Uberlândia/MG. Mestre em Enfermagem e Saúde pelo
Curso de Pós-graduação Mestrado em Atenção à Saúde da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).
Renata Maria Dias de Abreu - Enfermeira, Mestre em Enfermagem e Saúde
pelo Curso de Pós-graduação Mestrado em Atenção à Saúde da
UFTM.
Rosane Mantilla de Souza - Programa de Estudos Pós Graduados em
Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. E-mail: rosane@pucsp.br.
Sandra Cristina Pillon - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP
Sônia Regina Fiorim Enumo - Professora do Departamento de Psicologia
Social e do Desenvolvimento da UFES, Professora do Programa de
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Pós-Graduação em Psicologia da UFES, Bolsista de Produtividade
em Pesquisa do CNPq.
Sônia Vivian de Jezus - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP
Sônia Zerbetto - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP
Tatiane Lebre Dias – Professora do Departamento de Psicologia da UFMT,
Professora Colaboradora no Programa de Pós-Graduação em
Educação da UNEMAT.
Terezinha Féres-Carneiro – PUC/RJ. Bolsista de Produtividde em Pesquisa
do CNPq.
Valéria Meirelles - valeriameirelles@terra.com.br
Vanessa FagionattoVicentin - Universidade de Franca. Agência
financiadora: CNPq. E-mail: vanessafvv@bol.com.br.
Zilda Aparecida Pereira Del Prette - Psicóloga, Mestre e Doutora em
Psicologia, com Pós-Doutorado pela Universidade da Califórnia. É
professora Titular e orientadora nos Programas de Pós-Graduação
em Psicologia e Educação Especial da Universidade Federal de São
Carlos e coordenadora do Grupo de Pesquisa RIHS – Relações
Interpessoais e Habilidades Sociais.
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