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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO

SUL – UNIJUÍ

ANDRIELI REGINA SEHNEM PADILHA

A INFÂNCIA, O BRINCAR E A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

Ijuí
2015
ANDRIELI REGINA SEHNEM PADILHA

A INFÂNCIA, O BRINCAR E A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao Curso de Psicologia da
Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul –UNIJUI,
como requisito parcial à obtenção do
título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Ana Maria de Souza Dias

Ijuí
2015
ANDRIELI REGINA SEHNEM PADILHA

A INFÂNCIA, O BRINCAR E A FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA

A Banca Examinadora abaixo assinada


aprova o Trabalho de Conclusão de
Curso apresentado ao Curso de
Psicologia da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul–UNIJUI, como requisito parcial à
obtenção do título de Bacharel em
Psicologia.

________________________________________
Profa. Dra. (orientadora)

________________________________________
Profa. (avaliadora)

Ijuí
2015
DIDICATÓRIA

Á minha família pela capacidade de acreditar


nessa realização. Pelo apoio, carinho,
compreensão e amor incondicional a mim
direcionados nos momentos mais difíceis de
minha jornada.
AGRADECIMENTOS

À minha mãe Liséte, que dedicou amor incondicional a mim e meus irmãos,
ensinando-nos a importância da família e da educação.
À meu pai Adilson, pelo exemplo de homem honesto e pai dedicado e por ter me
ensinado da importância e da simplicidade e do bom humor.
Aos meus irmãos Andressa e Cristiano, que me proporcionaram crescer na diferença
e valorizar os vínculos familiares.
Ao meu namorado Fernando, pelo apoio, pela paciência e pelo amor dedicado a
mim, principalmente ao longo dessa trajetória.
À meu avô Henrique (in memoriam), pelos ensinamentos deixados acerca do amor e
do trabalho.
À minha avó Ilsa, pelo exemplo de mãe, luta e perseverança, e por todos os
momentos que foi além de avó, minha mãe.
À minha amiga e colega Andressa Noro, pela amizade e pelos momentos de
compartilhamento profissional e pessoal que me permitiram crescer de forma impar
durante os últimos anos de graduação.

À todos vocês meu agradecimento por estarem ao meu lado e contribuírem a seu
modo para a conclusão dessa jornada.
RESUMO

Este trabalho traz uma reflexão sobre a infância contemporânea de um modo nunca
visto antes na história. Nesta direção, leva-se em consideração as transformações
históricas, a sociedade, a formação da identidade, o consumismo, o universo infantil
criado pela mídia, o brincar e o brinquedo, o psiquismo infantil. A escrita ainda traz a
caracterização da família contemporânea, o declínio da função paterna e suas
consequências na dinâmica familiar, na estruturação infantil e na sociedade. Autores
da sociologia, filosofia e da psicologia dão o embasamento teórico, permitindo maior
compreensão dos fenômenos que se apresentam na infância contemporânea.

Palavras-chave: Contemporaneidade, infância, brincar e família.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 8
2 A SOCIEDADE CAPITALISTA E O INFANTIL CONTEMPORÂNEO ...................... 10
2.1 GLOBALIZAÇÃO E CAPITALISMO ................................................................. 10
2.2 O CENÁRIO INFANTIL CONTEMPORÂNEO .................................................. 15
3 O BRINCAR E OS BRINQUEDOS NA CONTEMPORANEIDADE ........................ 19
4 ONDE VIVEM AS CRIANÇAS HOJE? ................................................................... 27
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 34
6 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 36
8

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho trata da infância contemporânea com suas peculiaridades


e particularidades, tendo em vista questões históricas, sociais e familiares que
incidem sobre essa criança e marcam nela traços que são constituintes.
Com este objetivo, essa produção escrita busca apresentar e responder
questões que envolvem a criança contemporânea, como o consumismo, as novas
configurações na identidade, a tecnologia, suas relações familiares e seu brincar.
Percebe-se que a concepção infantil é uma noção historicamente construída e
que ao longo dos anos foi se modificando, desde uma época em que a criança não
tinha espaço e lugar social até o adquição de um papel fortemente ativo,
característico do momento atual.
Vemos que o lugar da infância também se modifica de acordo com a
sociedade em que essa criança está inserida, pois é dentro desse sistema e das
suas relações que a criança colhe os elementos necessários para se constituir como
sujeito.
O tema desse trabalho é fruto de uma experiência em estágio em psicologia
clínica com crianças, que gerou muita curiosidade sobre o universo infantil e familiar.
Para a fundamentação do texto utilizo a pesquisa bibliográfica, que me permite
apresentar um embasamento teórico sobre os fenômenos que me fascinaram
naquela experiência de estágio. Para a construção do texto utilizo autores como:
Sigmund Freud, Bauman, Hall Stuart, Walter Benjamin, Maria Rita Kehl e Ana Marta
Meira entre outros trabalhos e artigos acadêmicos.
Esta monografia está estrurada em três capítulos. O primeiro capítulo traz
uma análise da sociedade contemporânea, abrangendo a globalização; as
interconecções via internet; a rapidez e o alcance nas informações; e a
consequência disso na formação das identidades, que agora são indefinidas e
momentâneas; o consumismo desenfreado; o avanço na tecnologia; a mudança nas
relações afetivas, virtuais e sociais e o lugar da criança nesse cenário como um ser
ativo.
O segundo capítulo traz uma leitura da criança contemporânea com
novo espaço e lugar social. Trazendo a mídia como incentivadora do consumismo;
as novas tecnologias, os brinquedos e o universo infantil contemporâneo; a
9

importância do brincar na constituição psíquica; a presentificação da imagem em


contrapartida com a palavra e o lugar do corpo e do outro nessa dinâmica.
O terceiro capítulo faz uma pesquisa sobre a família contemporânea incluindo
discussões sobre as novas configurações familiares; os lugares de poder no núcleo
familiar; as funções parentais; a desautorização da função paterna; a relação da
crise familiar com a educação e o problema que a falta da lei causa na estruturação
infantil e consequentemente no social.
Essa pesquisa é direcionada a todos aqueles que de algum modo tem contato
com o universo infantil e que queiram entender um pouco melhor a criança e suas
relações.
10

2 A SOCIEDADE CAPITALISTA E O INFANTIL CONTEMPORÂNEO

2.1 GLOBALIZAÇÃO E CAPITALISMO

Atualmente nos encontramos em um tempo que é atravessado pela


globalização. Globalização esta que se apresenta em todos os aspectos sociais
contemporâneos, seja nas instituições ou mesmo nas relações mais íntimas, e que
tem em seu núcleo o capitalismo que sempre foi de ordem mundial.
Ao caracterizar a sociedade moderna, podemos nomeá-la como uma
sociedade mutável de transformações rápidas e constantes, que permite e exige
ações de flexibilidade, e é justamente essa indefinição que diferencia o atual
momento histórico dos demais já vividos. Sobre isso Anthony Giddens(1990) nos diz
que:

Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são


valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A
tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer
atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e
futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais
recorrentes. (Giddens, 1990, p. 37-8).

Nota-se que na sociedade contemporânea, o ritmo e o alcance das


transformações são cada vez maiores, visto que, as diferentes áreas do globo são
interconectadas virtualmente, assim as informações atingem escalas indefinidas de
tempo e espaço. Essa nova estrutura social de interconexões, altera intensamente
as características mais íntimas e pessoais da vida cotidiana.
As consequências do modo de funcionamento dessa sociedade
contemporânea afetam cada sujeito de um modo particular, seja em sua
estruturação, subjetivação e construção de identidade, como nas suas relações
sociais. Percebe-se que a identidade social, que por muito tempo proporcionou
estabilidade ao mundo social está em declínio e no lugar dessa solidez surge um
sujeito moderno com novas e fragmentadas identidades.
Hall (1998), nos traz em “Identidade cultural na pós modernidade” que a
identidade na concepção do sujeito sociológico é construída através de uma
interligação entre o mundo pessoal e o público. Ao nos projetarmos nessa identidade
11

cultural, e internalizarmos seus significados como valores, nos alinhamos para


ocupar lugares objetivos no mundo cultural e social.
Nessa perspectiva, a identidade costuraria sujeito e o mundo em que ele
habita, criando assim uma estabilidade e unificação em ambos. Porém, é
exatamente essa estrutura que está em transformação no mundo contemporâneo.
Vemos que essa transformação nas identidades começa a surgir a partir do
século XX, quando questões como classe social, gênero, sexualidade, etnia, raça e
nacionalidade começam a não ser suficientes para assegurar nossa solidez social.
Podemos dizer então que nossa identidade é definida historicamente, e não
como na sociedade tradicional, de forma biológica. A identidade é um espelho das
paisagens sociais, estas por sua vez asseguram nossa subjetividade e objetividade
cultural. Porém o que vemos são estruturas sociais entrando em colapso constante,
logo as identidades tornam-se provisórias, variáveis e problemáticas.
O sujeito pode assumir identidades múltiplas e contraditórias, na medida em
que ocorrem modificações nos sistemas de significação e representação cultural,
assim podemos nos identificar momentaneamente. Esse constante deslocamento na
posição do sujeito permite que a estrutura da identidade permaneça sempre
mutável.

A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma


fantasia. Ao invés disso, à medida em que os sistemas de significação e
representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com
cada uma das quais poderíamos nos identificar – ao menos
temporariamente. (HALL, 1998, p.13)

Destaca-se também na sociedade contemporânea a forte influência das


relações de consumo nas interações sociais e pessoais. Uma forte veiculadora do
consumismo é a mídia que planta em nosso cotidiano a cultura do consumo
desenfreado. Consumo que se torna cada vez mais necessário, na medida em que,
os bens tornam-se frágeis e perdem seu reconhecimento social rapidamente.
Diferentemente da sociedade antiga, os bens perdem o seu valor utilitário e
sua significação subjetiva e tradicional, dando espaço para um valor comercial que
tem seu reconhecimento cultural constantemente modificado. Ora é venerado, ora é
descartado, sem nenhuma estranheza.
Nota-se que essa insolidez no que diz respeito aos bens também afeta as
relações sociais, hierárquicas, amorosas e trabalhistas. Tendo como modelo as
12

relações mercantis, todas as demais relações tornam-se líquidas e inconsistentes.


Segundo Bauman (2008), o que define a sociedade de consumidores é a
reconstrução das relações humanas à semelhança das relações mercantis, de
maneira a construir uma sociedade que interpela seus membros na condição de
consumidores e que não conhece exceções (nem de gênero, nem de idade e nem
de classe) para isso.
A sociedade capitalista contemporânea impõe incessantemente ao sujeito o
consumo como sinônimo de felicidade e satisfação imediata. Com a aceleração e
sem satisfação, o constante descarte ocorre em curto prazo, fazendo com que o
bem adquirido perca seu valor. Assim, o sujeito em suas relações tornou-se
produtor, promotor e sua própria mercadoria.
Ao mesmo tempo que o consumo assume papel significativo na sociedade e
nas relações, a tecnologia avança com a produção de novos aparelhos e
reatualização daqueles que já estão no mercado. Vemos aí, uma indústria dedicada
a produzir e reproduzir dispositivos para suportar os sistemas cada vez mais
avançados e sofisticados. Concomitantemente a essas mudanças materiais, vemos
se estruturando um novo estilo de relações interpessoais e tecnológicas.
A internet provocou grande modificação social. Mesmo sendo uma ferramenta
nova no mundo tecnológico e comunicativo, tem proporcionado aos usuários as mais
diversas experiências. Ao se construir como uma das formas mais rápidas e fáceis
de acesso a conteúdo diversificados e comunicação interpessoal, além de não ter
barreira de tempo e espaço, a internet vem ganhando destacado lugar no cotidiano
desses indivíduos
O cinema retrata muito bem essa relação homem-tecnologia no filme “HER”1,
no qual o enredo gira em torno de um homem que se apaixona pelo novo sistema
operacional de seu computador e cria com este uma relação amorosa. O filme traz
detalhes e emoções que se identificam muito com uma relação amorosa real entre
dois seres humanos.
Muito bem estruturado, o enredo coloca em cena as novas modalidades de
relações contemporâneas, que estão permeadas de solidão e fluidez, sejam elas de
natureza afetiva, familiar, social ou virtual. Por tratar de uma questão tão delicada e

1
Filme americano de comédia dramática, ficção científica e romance. Escrito,dirigido e produzido por
Spike Jonse. Lançado em 2013.
13

atual o filme foi muito bem avaliado pela crítica e ganhou diversas premiações.
Levando em conta essa nova forma de socialização, não podemos deixar de
lado os lugares do adulto e da criança, que nessa nova óptica são colocados como
seres iguais incompletos e dependentes, inseridos em uma sociedade que transmite
desmedidamente novos valores, crenças, informações, normas, imagens e estilos de
vida sem nenhum pudor.
É um novo modelo cultural que provoca grande influência sobre a vida
privada, as relações parentais e as estruturações infantis. Desenha-se
concomitantemente a essas mudanças um lugar infantil profundamente ligado ao
tecnológico, ao consumismo, ao real e às imagens em contrapartida com o simbólico
2
, com a palavra e a elaboração.
Ao analisar os séculos passados podemos sublinhar que a inserção da
criança no discurso social, enquanto categoria, começa a surgir a partir do século
XVII, com os discursos médico-científico e pedagógico. Em contrapartida o que
vemos atualmente é que o conceito de criança é resultado de transformações no
sistema político-econômico-social, que leva em conta o avanço e o desenvolvimento
do capitalismo.
A representação contemporânea da infância é marcada então por valores
burgueses de liberdade e felicidade. Liberdade, no sentido de ser detentora de
direitos e até mesmo capaz de decidir sobre seu futuro, e a felicidade como um ideal
social que é depositado na criança e constantemente reforçado pelos pais como
demanda. É na tentativa de alcançar a felicidade que o capitalismo encontra espaço
para capturar a criança.
O que se percebe através dos tempos é que o lugar da criança frente ao
mercado foi se modificando, como esclarece Pereira(2002) :

[...] a criança não é mais colocada como dependente do adulto, seja no


âmbito mais amplo da esfera econômico-política, seja no plano mais restrito
da vida familiar e escolar, mesmo porque o lugar que o mercado concedeu
para a criança tem sua história intimamente ligada às transformações das
relações entre adultos e crianças. Olhada inicialmente como filho do cliente
que se relacionava com o mercado a partir do uso de bens materiais e
culturais que se ofereciam a ela à margem da sua opinião, a criança é

2
Real, Simbólico e Imaginário são os três registros psíquicos de acordo coma teoria psicanalítica. O
Real é o impossível, aquilo que não pode ser simbolizado e é impenetrável para o sujeito. O
Simbólico é o lugar onde se estrutura a linguagem e é através dessa que se manifesta. Essa
linguagem é o que estrutura o sujeito. O Imaginário corresponde ao ego do indivíduo e é onde se
instala as identificações.
14

elevada ao status de cliente, isto é, um sujeito que compra, gasta, consome


e, sobretudo, é muito exigente. (Pereira, 2002, p. 84).

Assim é inevitável que os vinculos familiares mudem, agora a criança deixa


de ser superprotegida e passa a ganhar um lugar participativo na família e na
sociedade consumista e materialista. Essas crianças passam ao mesmo tempo a
ocuparem espaços públicos nas instituições extra-familiares, estabelecendo contatos
afetivo-sociais cotidianos.
Logo, o que fica claro no contexto contemporâneo é que os lugares sociais do
adulto e da criança não estão claramente definidos, como fora outrora na sociedade
tradicional, e essa imprecisão causa um desconforto nas relações, sejam elas
familiares, sociais ou educacionais.
Sabe-se que na sociedade tradicional e em muitas tribos ainda existentes, o
que marcava a separação entre o indivíduo adulto e a criança era a passagem por
determinados rituais, que afirmavam socialmente a posição que aquele individuo
deveria ocupar a partir dali. Hoje, com a escassez desses rituais, vemos crianças e
adultos habitarem os mesmos espaços ou até mesmos espaços opostos a sua faixa
etária.
As crianças são forçadas a desenvolver um amadurecimento precoce, pois
estão incluídas em ambientes de trabalho e tem contato por meio da mídia a
conteúdos que são inapropriados para sua idade, seja pela exposição da violência
ou até mesmo do erotismo, que provoca um despertar cada vez mais cedo para
questões adultas. Em contraponto, o adulto se recusa a amadurecer, tanto
socialmente quanto corporalmente, para isso apela aos procedimentos estéticos
oferecidos pela mídia.
Como consequência disso, vemos surgir um esvaziamento do lugar do adulto,
no que se refere ás suas responsabilidades para com a criança. Criança essa, que
experimenta a afirmativa do “virar-se sozinho”. (Kincheloe, 2001; Souza, 2000).
Porém, não podemos deixar de destacar que esta construção contemporânea
do infantil com lugares sociais e familiares diferenciados, é caracterizada por várias
influências que foram se desenhando através dos tempos.
15

2.2 O CENÁRIO INFANTIL CONTEMPORÂNEO

Como já afirmamos neste texto, a partir da metade do século XX, vários


elementos, como as mudanças na centralização do poder, o início do
desenvolvimento econômico, o crescimento das cidades, da industrialização, além
da mudança do meio rural para o urbano, foram desenhando uma sociedade
fortemente consumista.
Justamente nessa época, houve um súbito aumento na concorrência entre as
empresas, e a classe média começa a ser bombardeada pelas propagandas que
são transmitidas pela televisão . Este aparelho então, passa a ser uma forma de
entretenimento acessível para a população em geral.
A televisão é hoje reconhecida como um dos meios de comunicação mais
apreciados pela população. Com uma enorme contribuição social, seja por meio de
entretenimento, educação, informação, cultura e principalmente publicidade. É uma
mídia de baixo custo e de manuseio prático, que pode ser utilizada no meio familiar
como também nos espaços sociais.

O lugar da Tv, ou melhor, a TV como lugar, nada mais é que o novo espaço
público,ou uma esfera pública expandida. O exemplo brasileiro é um dos
mais indicados do mundo para quem observar os detalhes de como se dá a
expansão da esfera pública e, mais ainda, como se dá a sua constituição
em novas bases. Ás vezes tenho a sensação de que, se tirássemos a TV de
dentro do Brasil, o Brasil desapareceria. A televisão se tornou, a partir da
década de 1960, o suporte do discurso, ou dos discursos que identificam o
Brasil para o Brasil. Pode-se dizer que a TV ajuda a dar o formato da
democracia. (BUCCI, 2004, p.32).

Vemos aqui, que a televisão surge e se perpetua como um instrumento de


grande valor para aqueles que a utilizam. Porém, com as transformações sociais, os
meios de comunicação, incluindo a televisão, foram ganhando novos lugares e
formas de atingir o telespectador.
Durante essas transformações, a infância foi ganhando grande espaço do
campo social/comercial, logo as mídias tambem viram sua atenção para a população
infantil. Logo, começa-se a desenhar um tipo de publicidade que teria por intuito
seduzir, impor e condicionar insconscientemente o pequeno consumidor, fazendo
com que este perca a perceção sobre seus reais desejos.

O consumidor infantil encontra nos espaços de consumo e lazer(shoppings,


salas de jogos..) o prazer, os desejos, as emoções, as descobertas e ao
16

mesmo tempo são fabricadas nos sujeitos as perturbações na infância pós-


moderna. A criança absorve o apelo de possuir ou de estar naquele(s)
espaço(s), criando uma necessidade e uma significação tão intensa que a
identifica. Esses espaços regem nos sujeitos, determinados modos de
comportar, vestir, utilizar materiais e viver, além de disciplinar o corpo, os
desejos são regulados e normatizados para se adequar ao grupo e espaço.”
(BERTOLO, 2007, p.16)

Todavia, não foi só a televisão em si que começou a dar espaço para a


criança, mas sim todos esses meios de comunicação em massa, como a música, o
cinema, os vídeos e os jogos de computadores. Esses meios, com seu poder
persuasivo, desenham novos idolos infantis, que associados a indústria do
brinquedo formam um círculo envolvente de indução ao consumismo.
Com relação ao jogos, também muito presentes na infância contemporânea,
na sua grande maioria são simulações dos desafios sociais que permeiam o
universo adulto, exigindo do jogador eficiência, competitividade e rapidez. Esses
jogos envolvem os instrumentos tecnológicos mais usados em nossa geração, como
a televisão, os games e os computadores.
Esses instrumentos são objetos de grande uso, desejo e reconhecimento por
parte dos adultos, assim a crianças ensaiam e brincam nas telas de ser adulto. Ali
criam um ambiente quase social, onde podem se defender, serem hábeis, escolher e
vencer, com a utilização de códigos já pré-definidos.
Com o decorrer dos anos percebemos cada vez mais que os meios de
comunicação como a televisão, o computador e os iphones tem sido incluídos mais
precoce e intensamente no mundo infantil, justamente por seus estimulos luminosos,
visuais e sonoros. Essa forte sedução tem permitido que estes aparelhos sejam
usados como babás eletrônicas facilitando assim a vida dos pais.
Segundo Pereira (2002, p. 85):

[…] Na sociedade de consumo a cidade se oferece em forma de vitrine e ser


cidadão é habitar esse mundo com o desprendimento de quem vai às
compras. Esse desprendimento, mais que revelar uma simples sensação, é
denunciador do quanto a cultura do consumo, como expressão do
capitalismo pós-industrial, tem levado a efeito sua intenção educativa. Essa
educação não mais se restringe à família e à escola – embora também
aconteça no interior destas –, mas expande-se a todas as esferas da vida
cotidiana, desde os discursos interpessoais até às formas tecnológicas mais
complexas da comunicação humana, entre as quais, especificamente,
destacamos as imagens técnicas e os audiovisuais em geral.
Diferentemente da linguagem escrita, pautada numa lógica linear e num
modelo de abstração conceitual, cuja aprendizagem situa a criança como
dependente do ensinamento do adulto, o mundo das imagens técnicas e
dos audiovisuais não exige nenhuma formação prévia para o seu
desvendamento, ainda que implique maneiras novas de produção e
17

recepção. A seriação, o choque, a descontinuidade, a sobreposição, a


simultaneidade, a virtualidade, a hiper-realidade etc. São elementos
paradigmáticos da cultura desencadeados pela fotografia e pelo cinema,
cujas mudanças operadas talvez só se façam perceber hoje com as
tecnologias eletrônicas e digitais, seja na televisão ou no ciberespaço
(Machado apud Flusser, 1998).

A mídia transmite e contesta na maioria das vezes valores éticos e morais que
são instituídos na família, tirando assim seu valor e impondo uma cultura interessada
apenas no lucro. Essas informações constantes e repetitivas não sofrem ponderação
crítica e acabam ganhando valor de verdade, autoridade e permissividade.
O contato desmedido com essas informações e a falta de intervenção e
esclarecimento sobre alguns dados podem estimular a realização de desejos que
até então, eram sublimados e/ou reprimidos pela cultura. Além disso, algumas
perturbações na capacidade subjetiva podem ser percebidas no que diz respeito a
discriminação entre o real, a fantasia, o momentâneo e o rotineiro.
A criança como um ser em construção procura elementos em seu meio que
proporcionem a formação de sua subjetividade. Ao mesmo tempo em que colhe
elementos externos vai moldando os internos, porém quando esta criança tem um
contato constante com a publicidade desmedida, os elementos externos acabam se
sobressaindo e afetando suas manifestações espontâneas.

A criança que observamos nos diferentes contextos sociais é um produto de


ações da mídia e do consumo, a qual foi distituído um direito fundamental.
[…] a possibilidade de viver plenamente e segundo seu tempo uma idade
importante que deve conduzi-la em direção a uma maturidade baseada no
equilíbrio. (BERTOLO, 2007, p. 15)

Sabe-se que no processo de estruturação infantil, a criança espelha-se no


adulto, imitando seus comportamentos. Atualmente nota-se uma dificuldade muito
grande para o adulto escapar das armadilhas capitalistas e, assim acaba tornando-
se um acumulador e consumista. Logo, essa criança internalizará a necessidade de
comprar e consumir produtos com o intuito de satisfação de seus desejos.
Françoise Dolto (2005) declara que em meados de 1968, que a criança é
considerada consumidora. O que vemos a partir daí foi uma ascensão dessa
afirmativa reforçada pela mídia, que apresenta modelos de comportamentos que
incentivam a adultização da criança com cosméticos, batons e roupas que tornam
meninos e meninas miniaturas adultas. Seguindo essa ideologia a criança deixa
inevitavelmente de vivenciar etapas essenciais do desenvolvimento e essa falha
18

gerará problemas de estruturação nos futuros adultos.


Há na sociedade contemporânea uma forte semelhança com a Idade Média
quando falamos de infância. Levando em consideração que na Idade Média a
criança carregava o adjetivo de “pequeno homem”, pois suas vestimentas e sua
circulação social era muito parecida com a do adulto. Apesar das mudanças
observadas quanto ao lugar da infância na sociedade contemporânea, parece estar
repetindo esse adjetivo com a adultização infantil.
Analisando o quadro econômico, social e subjetivo da criança
contemporânea, nos deparamos com algumas questões, como: quais são as
características dessa nova criança? Como lidar com essa nova e inédita
configuração e representação infantil? Como a sociedade contribui diariamente para
manter essa configuração? Que efeitos essas modificações infantis tem nas
instituições familiares e mercantis? Como essa nova criança brinca e do que brinca?
Como simboliza o mundo externo?
19

3 O BRINCAR E OS BRINQUEDOS NA CONTEMPORANEIDADE

A partir dessa contextualização social e histórica da infância, pode-se enfim


falar dessa nova configuração infantil do século 21. Um século caracterizado por
grandes inovações e transformações, como a informática, os avanços na ciência, as
reformulações nas leis e por fim a internet. Transformações que afetaram todas as
pessoas e até mesmo aos pequenos.
As crianças começam a ganhar um novo espaço e lugar social, institucional e
afetivo que consequentemente cria um universo particularmente infantil. Universo
este que coloca a criança como um “rei”, onde seus desejos são rapidamente
atendidos, ou melhor, seus desejos são induzidos de forma sutil. Essa indução
passa despercebida ao olhar do social, da família e da criança.
Os repertórios infantis atuais são muito diferenciados das últimas gerações, e
consequentemente essa criança o viverá, sentirá e pensará de outra maneira. Suas
expressões de fala como a palavra, o corpo, a brincadeira e a arte também contém
traços inéditos.
Surgem assim, novos medos, novas limitações, habilidades, agressividades,
comportamentos cotidianos e até mesmo transtornos psicológicos e físicos como
resultado dessa imersão numa sociedade que vive o imperativo da felicidade e da
rapidez.
Segundo Rossi (2007), o que víamos na década passada já não mais é visto
hoje, pois os anúncios publicitários eram dirigidos aos pais, e a criança era usuário
indireto. Hoje os anúncios são direcionados ao público infanto-juvenil, consumidores
em potencial. Para além disso, a autora também destaca que a criança no meio
consumidor sofreu um duplo deslocamento: inverteu-se a hierarquia estabelecida de
pais para filhos e do tempo futuro para o tempo presente.
As tecnologias em tempo recorde criam uma gama de produtos destinados
especificamente à infância, com conteúdos muito bem estudados para chamar a
atenção e despertar o desejo da criança. Para isso, são usadas as mais diversas
técnicas, levando em conta todos os recursos possíveis e aliando profissionais e
pesquisas para atender e prender aquela criança ao produto oferecido.
A mídia tem grande influência na divulgação e presentificação constante
20

desse universo infantil. Para além dessa simples transmissão há uma publicidade
que tem por objetivo seduzir, impor e condicionar inconscientemente o consumidor,
fazendo progressivamente com que o mesmo perca a percepção sobre seus reais
desejos. Vemos uma transmissão tecnológica e sedutora que traz aos lares, e aos
espaços sociais onde esta criança circula, os produtos que ela precisaria para ser
aceita e reconhecida socialmente. E para além da aceitação social os produtos
também carregam promessa de felicidade.
A transformação do infantil como público-alvo no consumismo começou a se
desenhar a partir da década de 1980, tendo como base o imperativo cultural, de que
se é preciso ter para ser. Assim, o consumismo tornou-se uma prática social.
Como já destacado no capítulo anterior, os meios de comunicação, assim
como a música, o cinema, os vídeos e os jogos de computadores desenham novos
ídolos infantis que passaram a representar a criança e consequentemente ter
influência na construção de sua identidade. Esses personagens aliados à indústria
do brinquedo formam um círculo envolvente de indução ao consumismo, e que estão
sempre se reformulando para permanecer presente no cotidiano infantil .
Ao mesmo tempo que surgem novos aparelhos destinados ao público infantil,
os que anteriormente eram destinados somentes aos adultos também se atualizam,
porém o que nos chama atenção é como essas transformações e como esses
aparelhos são tomados por esses dois indivíduos. Para o adulto é necessário uma
nova forma de pensar e agir, já para a criança estes aparelhos tomam lugar
constitutivo e na forma de brinquedo são recobertos lúdicamente.
Cotidianamente vemos as crianças terem maior desenvoltura com as
novidades tecnológicas, essa habilidade a torna independente da tradução e
apresentação por meio do adulto. Por muitas vezes ela torna-se a tradutora dos
significados tecnológicos para o adulto.
Nota-se que a criança foi criando um espaço social ativo, status de
consumidor e um universo totalmente seu, logo tornou-se indispensável um
aproprimoramento nas pesquisas e uma reconstrução do saber sobre o infantil.
Entre os avanços trazidos por essa reconstrução, temos os livros especializados,
espaços diferenciados e a articulação do estatuto da criança que prevê direitos e
deveres a esta.
Assim como em outros momentos históricos, na contemporaniedade vemos
que a infância e o brinquedo ganham diferentes dimensões e significações, que são
21

desenhadas consequentemente pelas formações sociais. Sobre isso, Walter


Benjamim traz em “Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação”, que o que
se apresenta hoje é um brinquedo com dimensão homogeneizada, que traz um
apagamento de singularidade, próprio da era capitalista .
O brinquedo foi ganhando diferentes traços culturais no decorrer dos anos, e
foi incorporando as diversas transformações que ocorreram na sociedade. Para
além dessa característica social, o brinquedo também tem função importante no
desenvolvimento infantil, sendo portador de elementos reais e imaginários que
permeiam o mundo infantil.
Ao olharmos para a história do brinquedo percebemos que até o formato
físico foi se adequando de acordo com os avanços tecnológicos e industriais. Houve
uma passagem do brinquedo artesanal insubstituível que era carregado por toda a
vida do indivíduo, ao industrializado, sofisticado e facílmente descartável.
Benjamin(1984) aponta que essa modificação na produção do brinquedo além de
dispensar a atenção dos cuidadores, também afasta pais e crianças.

Assim o brinquedo foi se tornando cada vez mais estranho para o universo
adulto. "[...]quanto mais atraentes (no sentido corrente) forem os brinquedos, mais
distantes estarão de seu valor como, instrumentos de brincar; quando ilimitadamente
a imitação anuncia-se neles, tanto mais se desviam da brincadeira viva."
(BENJAMIN, 1986, p. 93).

O conjunto de significações de um brinquedo foi sendo construído através do


tempo pelo homem. São essas significações que permitem identificar e compreender
as diferentes culturas e sociedades ao longo dos anos, pois o brinquedo também
carrega representações que dizem da sociedade e de como essa sociedade vê o
infantil. Logo esse objeto terá efeitos na socialização infantil e na integração na
cultura em que está inserido.
O brinquedo possibilita à criança ser um ser ativo na brincadeira, e que esta
brincadeira produza em seu desenrolar efeitos imprevisíveis. Por ser um objeto
aberto para representações singulares, o brinquedo pode ter diferentes lugares na
brincadeira, não condicionando a ação infantil a algo pré-determinado.
Para além do objeto em si na sociedade contemporânea, o brincar aparece
como vazio, vazio de singularidade. Justamente pela padronização do brincar e da
velocidade com que os estímulos são oferecidos à criança, num ritmo que segue
22

sendo constantemente veloz e instantâneo. Os brinquedos raramente recebem


exaltação, pois já está colocado que logo serão substituídos, em novas versões e
consequentemente mais potentes.
A mídia tem grande contribuição nessa dinâmica, pois ao oferecer à criança
constantes e excessivos estímulos acaba gerando uma fragilização e uma falta de
referência que se revela na dinâmica do brincar infantil. Logo, a narrativa do brincar
também se apresenta como fragilizada e esvaziada, povoada de exigência de
novidades e adaptada aos imperativos do consumo.

Há crianças pequenas que apresentam traços de fragilidade psíquica sendo


submetidas aos automatismo cotidianos sem encontrar, neste universo
palavras que as sustentem em sua trajetória. Se escutarmos aquelas
crianças que se encontram confrontadas somente com às telas, reclusas
em suas casas, podemos observar a fragilidade que as marca. As crianças
que apresentam quadros de psicoses, ao permanecerem neste lugar,
manifestam em sua fala a repetição incessante de slogan televisivos.
(MEIRA, 2004, p.152).

Assim como a significação histórica do brinquedo é importante, também a


forma do brincar que ele proporciona interessa, pois é justamente esse brincar que
terá efeitos no psiquismo infantil.
Segundo Winnicott (1975), a criança que brinca habita um lugar que não pode
ser abandonado, pode ela traz para a brincadeira as representações dos desejos,
sonhos, fantasias. O brincar teria como característica ser sempre criativo e contínuo
no espaço e tempo, além de ser uma forma básica de viver.
A criança que brinca habita um espaço único que não pode ser abandonado
facilmente, e também não permite intrusões, pois é lá que está o fora do indivíduo
que não é do mundo externo. Porém, a criança traz objetos e fenômenos oriundos
do mundo externo para representar sua realidade interna.

Assim, brincar é uma atividade sofisticadíssima na criação da externalidade


do mundo e condição para o viver criativo, no qual se desenvolve o pensar,
conhecer e aprender significativos. É brincando que se aprende a
transformar e usar os objetos do mundo para nele realizar-se e inscrever os
próprios gestos, sem perder contato com a própria subjetividade. Por meio
do brincar podemos manipular e colorir fenômenos externos com
significados e sentimentos oníricos, além de podemos dominar a angústia,
controlar ideias e impulsos e, assim, dar escoamento ao ódio e a agressão.
Brincar envolve uma atitude positiva diante da vida. Por meio do brincar,
podemos fazer coisas, não simplesmente pensar ou desejar, pois brincar é
fazer. O brincar é uma experiência que envolve o corpo, os objetos, um
tempo e um espaço. É como a vida: tem inicio, meio e fim. (SILVA, 2006, p.
29).
23

Atualmente o brincar infantil encontra-se fortemente povoado pela tecnologia,


seja nos brinquedos, nos desenhos ou nos jogos. Logo, o mundo das telas ganha
dimensão de encantamento, mas é importante salientar que ao mesmo tempo que o
mundo está a um toque de sua mão, também cria uma espécie de aprisionamento.
Esse deslumbramento com a tela e a máquina faz com que a criança se adapte a
uma nova configuração de brincar.

Nos jogos artificiais é prerrogativa ter habilidade – manual, que leva à


rapidez de apertar botões que marquem caminhos a seguir. Letras levam a
determinadas escolhas de monstros, que levam a determinadas forças, que
levam a determinadas batalhas, em um ciclo metonímico sem história a não
ser uma sequência de lutas sem fim. (MEIRA, 2004, p.19).

Vários autores contemporâneos, ao falar da infância, destacam a forte


presença do real e das imagens em contrapartida ao simbólico e as palavras.
Bergés(1988) nos traz que os livros infantis atuais estão carregados de imagens o
que acaba gerando uma certa economia imaginária no leitor e no ouvinte.
Meira(2004) cita a sexualidade como um aspecto humano que já não tem mais
encobrimento de romance e está remetida sempre ao puro ato.
Segundo Meira (2004) essa relação com as imagens não é banal:

As crianças percebem o desvio no olhar de seus pais, das letras, para as


imagens. E acabam elas também ensaiando o navegar por essas vias
plenas de imagens. Navegando neste mundo virtual, as crianças encontram,
via Internet, por exemplo, possibilidade de “trocarem palavras” entre si, por
intermédio da tela, sem que o interlocutor esteja à sua frente, ensaiando
diálogos que farão parte da sua vida.( MEIRA, 2004,p. 24).

Como nos explicam os autores citados, ao nos depararmos com esse forte
crescimento no oferecimento de imagens vemos consequentemente um
empobrecimento imaginário nas crianças. Imaginário este que sustenta o brincar,
suas fantasias, o faz de conta na cena, entre outros enlaces que sustentam os laços
que a criança cria com seus semelhantes.

Benjamin refere-se ás fantasias que a criança revela no brincar, nas lutas,


na destruição dos brinquedos. A diferença em relação aos games é que
nestes o roteiro da fantasia é pré-programado, assim como sua travessia é
virtual. A mimésis que se revela no brincar de “faz-de-conta” tem uma
dimensão diferente quando é realizada virtualmente. O trabalho psíquico de
inventar o personagem e de vesti-lo imaginariamente com traços, palavras,
gestos, encontra-se subtraído no jogo virtual. A única escolha possível se dá
entre as opções que o jogo oferece, cujo roteiro tem fases pré-
determinadas, revelando uma mimésis do processo de produção, onde a
escolha de objetos determina a possibilidade de trajeto. (MEIRA, 2004, p.
24

37 e38)

Ao brincar as crianças acabam por encenar as cenas familiares, tanto


amorosas quanto agressivas, que presenciam em seu cotidiano. Essas cenas
tomam o brincar sem nenhum encobrimento, são enredos tal e qual as cenas que
vêem. Há apenas objetos para dar corpo aos enredos, objetos que são brinquedos
dados à criança como uma tentativa de distração, e não como um suporte para
sustentação imaginária.
Percebe-se que essa ausência de sustentação gera em algumas crianças de
nossa sociedade, uma dificuldade no brincar caracterizada por um vazio ali onde
deveriam se colocar como sujeitos. Não atuam como sujeitos e sim, vão entregando
essa função aos pais, entregam seu corpo como depósito do desejo destes.

[...] Não pintam as bonecas. São pintadas pelos pais, que lhes oferecem
batons, roupas provocantes, esmaltes. Isso fala de um horizonte onde o
corpo ganha primazia como marca subjetiva. […] Não sabem brincar. Ou
talvez não tenham o que brincar. Sabem, sim, olhar, assistir cenas. Oferecer
seu corpo para ser vestido pelo desejo dos pais que se dirige aos fantasmas
que os fundam e que na ordem sexual lhes remete a incertezas. (MEIRA,
1997, p. 25)

O que se nota nessa atual e nova configuração é que os movimentos


corporais da criança encontram-se domesticados e anestesiados, justamente pela
excessiva presença dos aparelhos eletrônicos. Meira(2004) nos traz que há um
apagamento corporal, pois para jogar simplesmente é exigido a movimentação dos
dedos (que comandam o aparelho), e dos olhos (que acompanham as ações na
tela). Vemos aqui um empobrecimento da experiência, e a decrescente importância
da presença e da troca com o outro. Sem essa troca é impossível que haja conflitos
e a presentificação de uma falta constituinte do sujeito.
É importante sublinhar que, ao mesmo tempo em que a criança está criando
formas de brincar, simultaneamente está tecendo a sua imagem corporal.

Sabemos que a construção da imagem corporal da criança encontra-se


marcada pelo discurso do Outro e pelos traços que deste venha a se
apropriar. É a matriz simbólica que sustenta esta construção. Nela
encontramos a linguagem e a cultura, na qual se inscrevem o brincar e o
brinquedo. (MEIRA, 2004, p. 149)

Ao explorar suas possibilidades de movimentação corporal e criação, a


criança permite que seu corpo seja tomado pelo lúdico. Porém, ao longo dos anos
percebemos que a cultura vem estranhando essa essência infantil. Os
25

comportamentos mais exploradores são condenados e até diagnosticados como


hiperatividade, um transtorno a ser tratado e controlado o quanto antes.
A autora citada alerta que, com essa condenação do brincar, acabamos
produzindo cada vez mais crianças hiperativas, que se mostram com pouca
perseverança nas atividades que exigem envolvimento cognitivo e na tendência a
atividades globais desorganizadas e inacabadas. Assim, podem apresentar
comportamento imprudente e impulsivo e ainda criar relações marcadas por inibição
social. Consequentemente podem desenvolver algum retardo no desenvolvimento
da motricidade e da linguagem.
Os aparelhos eletrônicos causam à criança uma ausência do Outro,
diferentemente dos objetos que eram utilizados pelas crianças de gerações
anteriores, e que faziam parte das brincadeiras cotidianas. Esses brinquedos em sua
essência exigiam uma troca de olhares, de palavras e de toques. Em não raras
vezes os objetos eram dispensáveis, pois toda a brincadeira era articulada
imaginariamente com formas invisíveis.
Este Outro hoje já não é mais indispensável no brincar contemporâneo.
Sabemos que para Freud, esse outro primeiramente seria a figura materna, ou quem
venha a desempenhar essa função. Sabe-se que é a mãe que introduz o bebê ao
universo simbólico e que inscreve nele marcas primordiais que o estruturarão
posteriormente. É exatamente durante esse processo que a mãe vai emprestando
ao filho seu imaginário, recortando e o investindo com palavras, carícias e imagens
para que assim, ele tenha a possibilidade de construir uma representação corporal.
De acordo com a teoria psicanalítica, a imagem e a representação corporal da
criança começam a se desenvolver durante o estádio de espelho. Momento
constitutivo na estruturação psíquica e que necessita obrigatoriamente de um outro,
mais especificamente daquele que faz a função materna.
A presença do Outro no brincar e seus investimentos sobre a criança e seu
corpo possibilitarão a criança fundar invenções próprias, fortalecendo sua
imaginação. Nas atividades de contos e enredos percebe-se que a criança colhe
elementos que utilizará nas suas brincadeiras, criando novas histórias que vão além
da novela familiar que lhe é apresentada. Logo, o brincar vai se instalar nessa
dimensão, enlaçando seu corpo, sua imaginação e suas fantasias.
Porém, o que se observa hoje é uma representação do lúdico infantil bem
diferenciada de qualquer outro momento histórico. Essa diferenciação se dá
26

justamente pelo fato da transformação quanto aos objetos, ao social e ao discurso


que cerca as crianças. Há alguns autores que denunciam um empobrecimento do
lúdico infantil, pois tomam como medida a antiga configuração do infantil.
Entre os elementos que cooperaram para essa nova expressão do lúdico,
estão: o crescente individualismo, a competitividade incentivada diariamente pelo
consumismo e a falta de elaboração das informações veiculadas pela mídia, os
novos meios de circulação infantil e as representações que as cercam, sejam elas
subjetivas ou de objetos.
Para além do social e da mídia também há um comportamento familiar
característico contemporâneo que contribui para o empobrecimento da experiência
infantil. Esse comportamento é protagonizado por uma preocupação exagerada com
a limpeza, com a segurança e com a saúde, que cria uma ordem de regras com
impossibilidades. Logo, o ambiente que resta é o fechado, geralmente de frente ao
campo virtual. Só assim, na perspectiva familiar, a integridade infantil ficaria
assegurada.
27

4 ONDE VIVEM AS CRIANÇAS HOJE?

Concomitantemente às novas configurações sociais da contemporaneidade, a


família como primeiro grupo social de qualquer sujeito também sofreu modificações
no decorrer dos anos. São muitas transformações, sejam elas no âmbito social,
afetivo ou dos lugares que cada um ocupa na dinâmica familiar.
É em meio a essas transformações em torno da família que começam a surgir
novas configurações familiares, que ainda geram muita discussão e polêmica em
órgãos judiciais e entre as pessoas que se negam a abandonar suas crenças, pois
fogem da configuração familiar “papai-mamãe-filhos”.
Há um aumento significativo de famílias monoparentais(em que apenas um
dos cônjuges fica com a criança, por razão de separação, viuvez..), famílias
homossexuais (em que os cônjuges são do mesmo sexo), famílias reconstituídas
(quando um dos genitores está ausente e em seu lugar entra outro sujeito do mesmo
sexo: madrasta-padrasto). Entre essas novas configurações a mais presente em
nossa sociedade é a família reconstituída.
Os novos arranjos familiares provocaram uma crise na configuração
tradicional familiar, que tem em sua essência influências sociais , como a Revolução
Industrial (que passou a demandar mais trabalhadores nas fábricas); o Movimento
Feminista (como uma forma de dar espaço diferenciado à figura feminina); o
Movimento da Juventude (exigindo novos valores); a Pílula anticoncepcional (que
abalou a sexualidade feminina e consequentemente a maternidade); a Inseminação
artificial (que possibilita gravidez sem que obrigatoriamente aconteça relação
sexual), entre outros.
Com a grande inserção da mulher no mercado de trabalho, cada vez mais os
cuidados parentais estão sendo desempenhados por babás, berçários, creches,
entre outras instituições que se dedicam a criança. Esse fenômeno se torna ainda
mais forte em grandes centros, tendo em vista que muitas vezes os pais passam o
dia no trabalho e não tem família próxima para deixar o filho.
O avanço da ciência e da tecnologia trouxeram descobertas e feitos que
marcam as novas possibilidades de construir uma família, não sendo esta
necessariamente concebida por um homem e uma mulher e pelo ato sexual. Assim,
cada indivíduo tem a liberdade para escolher se quer ou não constituir família, com
quem e em que momento da vida. Independente de sexo, idade e qualquer outra
28

complicação biológica que possa existir.


Além das modificações sociais e históricas em relação a família, surgem
novas estruturas na organização da casa que também caracterizam a família
contemporânea. Como a disposição dos quartos e dos ambientes de lazer,
fortemente influenciados pela privacidade, agora são pensados levando em conta a
individualidade e subjetividade de cada membro da família.

Levando em consideração os lugares de poder no núcleo familiar, assistimos


a uma grande transformação tanto na instauração da lei dentro de casa como no
lugar social e econômico que cada sujeito ocupa, desde os pais, até as crianças.
Crianças que, como situado anteriormente, ganharam novo e destacado lugar
econômico e social.

Roudinesco(2003), nos traz que a família atual é caracterizada pela


descentralização do poder e por múltiplas aparências, e não mais pela
parentalidade. A mulher nesse contexto ganha importância e lugar, pois é muitas
vezes ao redor dela que se estruturam as famílias recompostas ou monoparentais,
além da independência para gerar e criar seus filhos.
Na sociedade tradicional, a figura paterna que era incorporada pelo pai e que
tinha como função promover o sustento familiar e a instauração da lei, veio no
decorrer dos anos decaindo, justamente pelos novos ajustes sociais e suas
dificuldades de se manter como lugar de referência.
Fleig(2008) diz haver na contemporaneidade um deslocamento da autoridade
paterna e isso traz efeitos sociais e subjetivos. Se na modernidade a autoridade era
calcada nas figuras paternas tais como Deus, o rei, o mestre, na contemporaneidade
ela está do lado da ciência. Hoje, os pais não bancam mais sua autoridade junto aos
filhos, pois deslocam seus argumentos ou justificativas para enunciados acéfalos,
tais como os científicos. Como consequência disso, há uma demissão de autoridade
no exercício das funções parentais: "Trata-se, na prática, de uma crescente
desautorização da função paterna. São pais que se demitem do exercício de sua
função; e essa demissão é veiculada no modo de se endereçar a seu filho" (FLEIG,
2008).
Assistimos na sociedade contemporânea além do declínio da função paterna,
uma dificuldade feminina de exercer a função materna, justamente pela falta de
referências familiares características de nossa época. As tradições familiares vêm
29

perdendo seu espaço para outros meios, principalmente o econômico, que ditam os
novos modos de relação.
Independente da configuração familiar, sua função é dar suporte para a que a
criança atinja a maturidade, e que possa formar no meio familiar seus primeiros
vínculos necessários para a sobrevivência. A família também deve oferecer à criança
valores, papéis e histórias que desenharão posteriormente sua identidade.
Essa identidade, como já vimos no primeiro capítulo, se modifica de acordo
com o período social e histórico em que os sujeitos estão inseridos. Assim as
identidades que se formam na sociedade contemporânea são provisórias, variáveis
e problemáticas, pois os sistemas de significação e representação cultural estão
fragilizados.
É a família que possibilita o desenrolar do desenvolvimento psíquico,
deixando marcas que fogem a consciência infantil e adulta. Assim se formam
conceitos e linguagens que perpetuarão durante toda a vida do sujeito como
referência e suporte para lidar com as mais diversas situações cotidianas.
Assim torna-se fundamental que a família ofereça á criança uma inserção na
cultura, através do jogo entre a função materna e paterna, que vão assim marcando
seu corpo e atribuindo sentido aos seus movimentos. Essa é a única forma que a
criança tem para se estruturar e se inserir na linguagem, inscrevendo aí uma cadeia
significante.

É a partir dos cortes, das marcas, das inscrições que o Outro irá realizando,
que o corpo subjetivado será constituído, e não ao contrário como entende-
se habitualmente no campo psicomotor. Não é que a criança já nasça com
um esquema corporal, como uma superfície corpórea já dada, e que, deste
modo, o corpo vá crescendo, são justamente os cortes, as inscrições, os
que vão construindo a superfície corporéa de um sujeito. (LEVIN,1995, p.
54).

Tendo em vista o jogo entre as funções parentais, Freud desenvolveu uma


teoria pautada no drama do mito do Complexo de Édipo. O desenrolar satisfatório
desse drama fará com o sujeito consiga internalizar os limites necessários para se
conviver em sociedade.
De acordo com Freud, o desenrolar desse complexo é recheado de
investimentos eróticos e agressivos em relação às figuras parentais, e esses
investimentos serão decisivos para a estruturação das neuroses e das instâncias
30

psíquicas. 3
Analisando o quadro das famílias contemporâneas, nota-se que está muito
presente o declínio da função paterna como algo subjetivo e social. Porém, é
necessário lembrar que a função paterna é um papel e não uma pessoa em
especifico, ou seja, não precisa ser desempenhada necessariamente pelo pai
biológico. Deve ser um pai simbólico que vai exercer influência na estruturação
psíquica da criança. Para além desse papel simbólico, o pai deve ter participação em
sua história mítica.
Dessa forma pode-se afirmar que a procriação não é o que designa o lugar de
pai e sim sua fala. É a palavra que une as duas funções de paternidade, a de
nomeação e de transmissão sanguínea. O aparato biológico aponta o genitor, e seu
discurso permite ocupa um lugar de dominação afastando o filho do mundo dos
instintos, encarnado primordialmente na mãe.

Em direito romano, o pater é aquele que se designa a si mesmo como pai


de uma criança por adoção, que a conduz pela mão. Como consequência a
filiação biológica (genitor) é totalmente desconsiderada caso não se siga da
designação pelo gesto ou pela palavra. Desse ritual resulta a posição de
comando do pai no seio da família, bem como a sucessão dos reis e dos
imperadores no governo da cidade. (ROUDINESCO, 2003, p.13). O máximo
que podemos pensar é que, se existir em algum lugar um pai que faça essa
função, e uma mãe idem, a família estrutura edipicamente o sujeito; é nessa
estrutura chamada família que a criança vai se indagar sobre o desejo que a
constitui, sobre o desejo do Outro, e vai se deparar com seu próprio desejo;
é neste atravessamento que ela vai se tornar um ser de linguagem, barrado
em relação ao gozo do Outro. (..)(KEHL, 2001,p .30).

Dentro do quadro contemporâneo familiar também é característico uma


patologia que está relacionada com a dívida de não corresponder a configuração
familiar tradicional, estruturada por mamãe-papai-filhos. Essa dívida de uma família
perdida carregada por boa parte das famílias atuais, pode estar no núcleo da não
autorização parental causando um sentido de culpa, incapacidade e deprimência por
não ser aquilo que deveria ser.
A cultura contemporânea dita e dá instrumentos para que as famílias sejam
diferenciadas das tradicionais, e essa anunciação coloca os indivíduos num lugar de
ausência. Ausência de um ideal de transmissão que viria dos avós, para os pais e

3
As instâncias psíquicas se dividem em Id, Ego e Superego. O Id é fonte de energia psíquica e o
aspecto da personalidade relacionado aos instintos; o Ego é o aspecto racional da personalidade
responsável pelo contraste dos instintos e o Superego é o aspecto moral da personalidade, produto
da internalização dos valores e padrões recebidos dos pais e da sociedade.
31

finalmente para os filhos, e assim sucessivamente.


Essa falta de sustentação simbólica faz com as famílias não consigam manter
uma posição e arcar com suas consequências, tanto no âmbito das posições
sexuais e parentais como na autoridade e imposição da lei. Como consequência
disso vemos, um crescente número de crianças/adolescentes delinquentes e
superprotegidas.
Sobre isso, KEHL nos diz que:

Por um lado, as crianças são altamente investidas narcisicamente como a


única esperança de adultos desgarrados de seu próprio lugar como filhos e
herdeiros de algum passado. Também nisto a história cultural tem sua
responsabilidade; crianças mimadas vendem muito mais brinquedos,
sabonetes e refrigerantes. (...) (KEHL, 2001, p. 37).

É então, justamente aí que as mídias e consequentemente o capitalismo


encontra uma oportunidade para adentrar na dinâmica familiar, proporcionando aos
pais, e a qualquer outro sujeito que venha a ocupar as funções parentais, uma
maneira de investir nos filhos. Esse investimento desenfreado acaba tornando-se
vazio, pois sabe-se o preço da mercadoria, mas não o valor do produto.
Assim desenha-se uma relação familiar recheada pelo imperativo da perfeição
“não posso errar com meu filho”. Os adultos que ocupam essa posição, na verdade,
tentam se recuperar narcisicamente através dos filhos depositando neles o ideal de
imortalidade e perfeição. Logo, poucos pais conseguem sustentar a lei que tornará
seu filho um ser cultural.
Na medida que este pais não se autorizam, abrem espaço para uma espécie
de abandono infantil, caracterizado pelo consentimento do filho para tudo. Esse
abandono, não é físico nem afetivo, mas de autoridade e responsabilidade que
deveria ser imposto pela função paterna.

(..) eu diria que em todos os “papéis” os agentes, ou atores, são


substituíveis. Por isto é que o chamamos de papéis. O que é insubstituível é
um olhar sobre a criança, ao mesmo tempo responsável e desejante, não
no sentido de um desejo sexual abusivo, mas o desejo de que esta criança
exista e seja feliz na medida do possível; o desejo que confere um lugar a
este pequeno ser, e a responsabilidade que impõe os limites deste lugar.
Isto é necessário para que elas obtenham um mínimo de parâmetros,
inclusive éticos para se incluir como sujeitos. (KEHL, 2001, p.38).

Na contemporaneidade acompanhamos as mudanças nas estruturas


familiares e no exercício da parentalidade, essas modificações também tem impacto
32

sob as representações familiares que vão se desenhando ao longos dos anos.


As famílias se desfazem e refazem rapidamente com novos membros, que
ocupam lugares importantes nessa estrutura, lugares que são originalmente
carregados de função para a criança. Sobre isso podemos pensar na função
paterna, e em quem de fato ocupa esse lugar ao meio dessas modificações.
Há famílias em que as crianças não são criadas pelos pais biológicos e, muito
menos são eles que ocupam as funções parentais. Muitas vezes é uma tia, uma avó
ou até mesmo uma instituição que ocupa esse lugar. Porém, para cada uma dessas
modalidades deve haver necessariamente alguém que assuma a autorização e o
exercício de cuidar, proteger, amar e dar limites.

Faz muita diferença na estruturação subjetiva de uma criança ou jovem se


ela tem acesso aquilo que a família pode transmitir de sua história, tradição
e filiação. O frequente desamparo a que são relegadas essas crianças e
jovens nos leva a interrogar o papel da educação em suas vidas, e essa é
uma questão de enlace entre psicanálise e educação. (CABISTANI,2007,
p.13).

Vemos que essa dinâmica social da desautorização também se dá no


ambiente extrafamiliar. Como por exemplo, na escola:

Já não havendo um sistema social capaz de simbolizar a castração, a lei


terá de ser incessantemente lembrada no plano concreto, o que exigirá uma
conduta contínua do professor ao se colocar nesse lugar não tão agradável
nos tempos modernos, do daquele que castra, que barra, que interdita,
apesar de todo o discurso de liberdade e igualdade. (GUIMARRÃES, 2009,
p. 6)

Característica da contemporaneidade, a crise na autoridade afeta


consequentemente a educação. Segundo Arendt(1968), isso se dá por que a
educação não pode abrir mão da autoridade e da tradição, estruturas que não dão
mais norteamento ao mundo.

A educação desde a modernidade está estritamente associada com a escola.


Porém, é necessário esclarecer que a educação é o campo de onde se pode
transmitir saberes de uma geração a outra, utilizando redes e estruturas sociais. O
ato de educar é depositado então, naquele que tem o reconhecimento de uma
posição responsável e assume compromisso com um outro sujeito. Sobre isso
Rickes e Stolzmann, nos dizem que:
33

Sabemos o quanto a educação tem como efeito o deslocamento do corpo


da mãe para o corpo social, com a consequente possibilidade de habitar o
coletivo e compartilhar valores preconizados numa determinada época e
cultura, deslocamento este que se produz por obra daquele que encarna a
função paterna. Trata-se então de uma missão de pai (RICKES;
STOLZMANN, 1999, p.45).

Essa problematização contemporânea com a lei acaba gerando impactos


fortes na dinâmica social, e produzindo sujeitos perdidos quanto ao seu desejo e seu
lugar. Sujeitos que não conseguem se implicar e acabam apenas imitando e
mantendo-se numa posição de assujeitamento ao desejo do Outro.

Para esses sujeitos é inadmissível a existência de uma falta, de um furo e até


mesmo de uma espera. Assim surge o imperativo da completude, da
instantaneidade e da felicidade tão presente em nossa sociedade contemporânea.
Logo, as crianças internalizam desde cedo que para ser é preciso ter, não importa o
que ou qual seu valor, mas sim o reconhecimento social daquele objeto.

Segundo Calligaris(1999), o “ser moderno” é feito de ter e de aparecer, ou


seja, não se passa de fato do ser ao ter, mas de um ser feito de regras
tradicionais a um ser sustentado pela distribuição de bens. Qualquer bem é,
portanto, um luxo, pois mais do que à simples satisfação da necessidade,
serve também de funcionamento da diferença social. O acesso ao luxo é
quem decide a classe e o lugar social de cada um. Qualquer bem
consumido torna-se um grande diferenciador social. “Minhas posses me
distinguem quanto meus atos.” (CALLIGARIS,1999, p.17).
34

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo dessa pesquisa foi possível construir uma relação entre as


condições históricas, sociais, econômicas, tecnológicas e subjetivas que atravessam
a infância contemporânea, fazendo um comparativo entre a sociedade tradicional e a
contemporânea.
Em meio as transformações sociais mais relevantes da contemporaneidade
podemos citar a adultização infantil, que coloca a criança como um pequeno adulto,
com lugar e papel ativo na família e na sociedade. Essa adultização infantil é
fortemente reforçada pela mídia, que disponibiliza uma gama de objetos adultos em
versão infantil, como cosméticos, vestimentas, entre outros.
Baseado nisso, pode-se dizer que a dinâmica atual da sociedade
contemporânea está fortemente enraizada no capitalismo. Seguimento que exerce
forte influência nos discursos sociais e, consequentemente em todos os aspectos
humanos, colocando o objeto como a única possibilidade de reconhecimento social.
Esses objetos do modelo capitalista tornam-se o norte para a estruturação e
formação das identidades, se tornando uma referência subjetiva, lugar este que
outrora era ocupado pela função paterna. Ao mesmo tempo que essas mudanças
aconteceram também começaram a surgir novas patologias que apontam a
fragilização desse sistema.
É justamente nesse declínio da função paterna que as crianças tornam-se
perdidas quanto ao seu desejo e quanto a lei. Permanecem assim a mercê das
imposições da mídia, e do imperativo social de velocidade e felicidade aliados ao
consumismo.
As consequências desse processo podem ser notadas no brincar infantil, que
agora é empobrecido de fantasia e elaboração. É um brincar recheado de tecnologia
e que dispensa uma elaboração e a presença de um outro, deixando suas
capacidades imaginárias adormecidas, assim como seu corpo.
Para além da criança, os efeitos também podem ser notados na família que
agora elege a criança como uma figura ativa e de poder, consequência do alto nível
narcisico depositado desse pequeno que não pode ter frustrações.
Assim começa a dinâmica da desautorização familiar que causa fortes
impactos na estruturação psíquica infantil e na sociedade como um todo, resultando
em crianças com problemática nas relações sociais, na internalização da lei e no seu
35

desejo como sujeito.


Esse trabalho teve como propósito a reflexão sobre a infância contemporânea
partindo de questões sobre sua identidade, a importância do brincar e do brinquedo
e como esses se estruturam hoje, além da importância da referência familiar.
Sobre a infância são infinitas as questões a serem estudadas, questões que
não pude abordar devido a delimitação do assunto. Porém, espero que meu trabalho
proporcione ao leitor uma curiosidade sobre o infantil e que dai possam surgir novas
pesquisas que contemplem esse tema.
36

6 BIBLIOGRAFIA

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Unijuí, 2004.

ARIES, P. História da criança e da família. Rio de Janeiro: Guanabara,1981.

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Summus. 1984.

BERTOLO, MARCIANE. A constituição da Identidade do Sujeito Infantil. Ijuí(RS).


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