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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde


Curso de Psicologia

Isabella Tortelli Nicollette

O LUGAR DA FAMÍLIA COMO INFLUÊNCIA NAS RELAÇÕES AMOROSAS - A


TRANSMISSÃO GERACIONAL DO AFETO

SÃO PAULO
2022
2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO


Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde
Curso de Psicologia

Isabella Tortelli Nicollette

O LUGAR DA FAMÍLIA COMO INFLUÊNCIA NAS RELAÇÕES AMOROSAS - A


TRANSMISSÃO GERACIONAL DO AFETO

Trabalho de conclusão de curso como


exigência parcial para a graduação no
curso de Psicologia, sob orientação da
Profª. Flavia Arantes Hime.

São Paulo
2022
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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer, primeiramente, à minha orientadora Flavia, que


durante todo o processo foi extremamente acolhedora, cuidadosa, dedicada e
incentivadora; sem esse apoio essa pesquisa não poderia ter sido concluída. Ao
meu companheiro, Caio, que também me apoiou e impulsionou durante todo o
tempo, sempre me lembrando da minha capacidade. À minha mãe Lúcia, que antes
de tudo me criou e me ensinou sobre mim mesma; depois, se orgulhou em cada
etapa do processo dentro da universidade, me dando suporte e estando nos
bastidores da realização desse trabalho, para que eu pudesse ter condições de
fazê-lo.

Por último, aos quatro participantes: Irina, Valmir, Marcos e Angélica.


Obrigada por depositarem em mim sua confiança, me contarem sobre suas histórias
e serem tão solícitos para me ajudarem.
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RESUMO

Introdução: Foram introduzidos os conceitos e referências que fundamentaram a


pesquisa, apresentando a Teoria do Apego, conceitos como Modelos Internos de
Funcionamento, Cognição Social, Dimensão Subjetiva da Realidade e Consciência,
além de uma breve postulação sobre os relacionamentos afetivos na atualidade,
assim como sobre as relações abusivas que têm sido cada vez mais evidenciadas.
Objetivo: Compreender como os indivíduos constroem e atualizam seus modos de
se relacionar intimamente ao longo do ciclo vital, considerando-se dialeticamente os
seus contextos e a estrutura social, as possibilidades e limitações existentes.
Método: A pesquisa se utilizou do público adulto, sendo 4 participantes divididos
igualmente em gênero e condições socioeconômicas variadas; as entrevistas foram
compostas de dois momentos: um questionário sociodemográfico e a narrativa
autobiográfica dos participantes. Conclusões: Constatou-se que os vínculos
formados na infância não determinam, mas tem grande influência nas relações
afetivas construídas entre adultos. Da mesma forma, as desigualdades de gênero,
as distintas classes sociais e os recortes de raça também são fatores de influência
na maneira que os indivíduos se colocam nas relações; além disso, a clareza e
consciência sobre tais influências, e a possibilidade de agir e transformar as
condições existentes, são potências interferidas pelos recortes ditos anteriormente.
Palavras chave: Psicologia Social; Teoria do Apego; Relações abusivas; Relações
íntimas; Gênero; Raça; Classe; Vínculos afetivos; Família;
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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO………………………………………………………………………6

1.1 Teoria do Apego na infância e nos adultos………………....……………..…7

1.2 O papel da família sob a Psicologia Social………………………………….12

1.3 Modelos Internos de Funcionamento, Cognição Social e Consciência ....13

1.4 Relacionamentos afetivos na atualidade…………………………………....17

1.5 Relacionamentos abusivos e sua normalização…………………………...19

2. OBJETIVO…………………………………………………………………………..26
3. JUSTIFICATIVA…………………………………………………………………….27
4. MÉTODO…………………………………………………………………………….28
4.1 Tipo de estudo………………………………………………………………….28
4.2 Local do estudo………………………………………………………………...29
4.3 População e amostra…………………………………………………………..29
4.4 Instrumento de coleta de dados……………………………………………...30
5. PROCEDIMENTOS………………………………………………………………...31

5.1 Procedimento de análise dos resultados……………………………………31

5.2 Cuidados Éticos……………..…………………………………………………33

6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS………………………………..34

6.1 Irina………………………………………………………………………………34

6.2 Valmir……………………………………………………………………………46

6.3 Angélica…………………………………………………………………………59

6.4 Marcos…………………………………………………………………………..77

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………….93
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……………………………………………..96

ANEXO I……………………………………………………………………………106

ANEXO II…………………………………………………………………………..109
6

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo se dá em um contexto em que se percebem influências


das relações familiares na busca amorosa, na manutenção dos relacionamentos ou
no seu término; sendo a família de origem a matriz do desenvolvimento humano, é
nela que vivenciamos nossa primeira aprendizagem acerca da afetividade, temos os
modelos de homem e mulher e das relações entre ambos, assim como entre
homens e entre mulheres. Embora a família contemporânea tenda a relações mais
democráticas, em que cada indivíduo importa, e não a posição que ocupa na família,
o processo de modernização reativa, apontado por Figueira (1987), mostra que
padrões arcaicos mesclam-se aos modernos e, pode-se completar, pós-modernos.

Assim, a hierarquização, verticalização, liberdades e autonomias limitadas


são algumas das características que podem estar presentes em ambos os contextos
- na família de origem e na atual - e dizem respeito a uma mesma dinâmica: o afeto
e a maneira como este é ensinado ou transmitido de geração para geração, sendo
também um fenômeno de ordem cultural e impulsionado pelo próprio sistema
patriarcal, de maneira a ser introjetado de tal forma que se constitui como
concepções naturalizadas nos indivíduos.

Surge, então, o questionamento sobre como é possível, dentro de uma


sociedade que é tão violenta e desigual em suas formas de vinculação, ter-se um
repertório emocional com autoconfiança suficientes, que possam fornecer aos
indivíduos segurança e a capacidade de envolvimento saudável e genuíno com os
outros, em relações afetivas, durante toda uma vida. Há um determinismo entre o
que é recebido na infância ou é possível ressignificar as primeiras experiências,
transformando suas representações internas e a possibilidade de fazer escolhas e
construir ou ativar recursos para manter tais experiências de forma saudável e
gratificante? Qual a influência dos contextos - do proximal (família, amigos próximos,
por exemplo) ao distal (normas, valores, regras, padrões da sociedade) - em que o
indivíduo se insere?

Dessa forma, essa linha de raciocínio põe em questão o modo, os estímulos e


o tipo de ambiente proximal em que as pessoas foram criadas, para entender como
isso resulta em uma parcela de população adulta tão insegura. Sendo relevante
também que se questionem as principais e mais comuns formas de se educar e criar
7

uma criança, o que está presente no imaginário social e já está posto para a maioria
dos cuidadores, e que influencia também nas concepções em torno das relações
como um todo.

Por uma análise do sistema patriarcal opressor e a cultura resultante deste,


além de considerar o contexto social, econômico e as desigualdades estruturadas,
seria possível entender o porquê da existência de um fenômeno tão comum quanto
o das relações afetivas insatisfatórias ou até mesmo tóxicas, e a normalização disso.
Da mesma forma, a partir dos diversos recortes (de gênero, classe e raça), observar
a diferença de transformação ou não da maneira como as pessoas se relacionam, e
o que provavelmente está ligado à possibilidade de reflexão, atualização e
transformação desses modos de se relacionar.

Numa busca de compreensão acerca das dinâmicas presentes nos contextos


familiares e nas relações amorosas, é necessário que se faça um recorte do tema,
devido a sua extensão, complexidade e profundidade. Portanto, essa pesquisa ao
mesmo tempo considera o âmbito individual e biológico (também dentro de um
ambiente e contexto social), por meio de diversas teorias, como a do Apego e os
Modelos Internos de Funcionamento, mas também o âmbito social, com as
contribuições dos autores da Psicologia Social. Assim, em uma dialética constante
entre o micro e o macro, buscar-se-á contribuir à aproximação de um tema tão vasto
e relevante como o que foi escolhido para este estudo.

1.1 Teoria do Apego na infância e nos adultos

A Teoria do Apego na infância foi proposta inicialmente por John Bowlby, por
volta das décadas de 70 e 80; o autor conceitua o apego como sendo um
mecanismo de sobrevivência tão básico quanto o de buscar alimento. Desse modo,
desde sempre os bebês procuram uma pessoa considerada mais apta para lidar
com o mundo, àquela que poderia oferecer respostas e promover segurança para a
sua sobrevivência. Além de procurar, os bebês desenvolvem o chamado
comportamento de apego, que possibilita o alcance e a proximidade com esse
cuidador, permitindo a construção do vínculo que vai fortalecer e concretizar essa
relação (BOWLBY, 1989).
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O vínculo entre o bebê e o cuidador, portanto, é alimentado pela consistência e


continuidade da atenção, responsividade e sensibilidade por parte daquele que
cuida, e da capacidade emocional e cognitiva daquele que é cuidado (BOWLBY,
1984). Porém, nos estudos de Cassidy (1999), algumas crianças desenvolvem o
apego com cuidadores abusivos, ou seja, àqueles que não respondem às suas
necessidades fisiológicas e afetivas.

Diante dessa teoria, Ainsworth (1978) desenvolveu um experimento denominado


“Situação Estranha”, como ferramenta para classificar e compreender os tipos de
apego. Tal experimento foi definido por uma situação observada dentro de uma sala
com brinquedos, na qual a mãe e sua criança, quando entravam no cômodo,
passavam por várias fases em que os profissionais conseguiam analisar o tipo de
relação existente entre os dois indivíduos, incluindo momentos em que se simulavam
o abandono do cuidador e a inserção de indivíduos estranhos à criança.

A partir dos resultados do experimento, realizado com múltiplas famílias, foram


observadas duas formas principais de apego: o seguro e o inseguro, sendo que este
último engloba os tipos ambivalente (ou resistente), e evitativo (AINSWORTH, 1978).
Posteriormente, o tipo desorganizado (ou desorientado) foi incluído no apego
inseguro (MAIN e HESSE,1990).

O padrão seguro se dá na relação em que há claramente uma base segura, de


confiança e cuidado, em que o cuidador se mostra disponível para a criança se
apoiar quando precisa, agindo com responsividade. A criança, por sua vez, encontra
recursos e consegue explorar ambientes com entusiasmo e motivação, recorrendo à
mãe para buscar e obter conforto, proteção e segurança, apenas quando sob
estresse (DALBEM e DELL’AGLIO, 2005).

Com base no padrão de apego seguro, observa-se uma relação em que o


cuidador monitora, coopera e encoraja a independência de sua criança de modo que
possibilita que esta tenha condições para se sentir confiante e segura na maior parte
do tempo, experienciando livremente o ambiente ao seu redor e se desenvolvendo
plenamente (WATERS e CUMMINGS, 2000 apud DALBEM e DELL’AGLIO, 2005).

Em seguida, o padrão ambivalente ou resistente é definido pela criança que


dificilmente se solta em um ambiente novo, fica restrita e agarrada ao seu cuidador
e, no cenário em que se separa dele, fica extremamente irritada e não se aproxima
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de pessoas estranhas. Além disso, o que marca bastante o padrão como


ambivalente é o fato de que a criança, quando recebe de volta seu cuidador, não se
aproxima dele imediatamente, e alterna entre comportamentos de procura por
contato e braveza (DALBEM e DELL’AGLIO, 2005).

Uma hipótese proposta por Ainsworth (1978) para este tipo de apego inseguro, é
a de que a criança ao mesmo tempo em que recebeu cuidados e obteve
responsividade de seu cuidador, em outros momentos de necessidade não recebeu
a mesma atenção, fazendo com que perdesse, em parte, sua confiança neste adulto.

No padrão evitativo é encontrada certa semelhança com o padrão ambivalente.


Ainsworth (1978) também sugere que as crianças deste grupo foram rejeitadas de
alguma forma por seus cuidadores e, portanto, deixam de procurá-los quando
precisam. Assim, essas crianças brincam e interagem com o mundo ao seu redor
(incluindo ambientes e pessoas estranhas) despreocupadamente, mesmo sem a
presença de seus cuidadores. Quando reunidas novamente com eles, não se
aproximam de imediato e também mantêm certa distância.

Por último, o padrão identificado por Main e Hesse (1990) relata crianças que,
provavelmente, enfrentam situações de abuso e maus-tratos com os cuidadores. No
experimento “Situação Estranha”, as crianças que apresentavam comportamentos
confusos e contraditórios (como irritação, apreensão e até expressões de transe e
perturbações) foram associadas ao padrão de apego desorganizado/desorientado.
Tais crianças indicam intensos conflitos internos para os quais não têm condições e
recursos para lidar com clareza e organização (DALBEM e DELL’AGLIO, 2005).

Importante mencionar que existem estudos sobre a estabilidade do apego


constituído na infância, de forma que este pode se perpetuar em todas as fases
posteriores da vida (FONAGY, 1999 apud DALBEM e DELL’AGLIO, 2005). Dessa
forma, o tipo de apego influi também na maneira como os indivíduos vão se
relacionar afetivamente com outras pessoas no futuro; observa-se uma tendência a
atração e repetição de experiências e situações que remetam às vivências já
existentes dentro dos modelos internos de funcionamento construídos (SPERLING e
BERMAN, 1994 apud DALBEM e DELL’AGLIO, 2005).

Por outro lado, vale ressaltar que todas as pessoas são suscetíveis às
influências variadas de experiências favoráveis ou desfavoráveis que podem alterar
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seus desenvolvimentos evolutivos e, portanto, os estados mentais ligados ao apego


(DAVILA, BURGE e HAMMEN, 1997). Lewis (2000 apud DALBEM e DELL’AGLIO,
2005) percebe que a possibilidade de crescimento e formação de novos laços
afetivos dependerão principalmente de como as experiências de ruptura foram
vivenciadas e elaboradas.

O período da adolescência, marcado pela transição entre a infância e a vida


adulta, é destacado pela busca de identidade própria e desejo de autonomia. Assim,
os sistemas de apego passam a ter papéis integradores para os desafios dessa
fase, e é quando a revisão e reformulação desses padrões construídos na infância
são mais possíveis de acontecer (ALLEN e LAND, 1999 apud DALBEM e
DELL’AGLIO, 2005).

Logo, como demonstrado por Crittenden (2002), é observando e refletindo sobre


o que lhe serve ou não dentro do seu núcleo familiar, estando agora sob maior
influência do seu ciclo social fora desse núcleo, que o adolescente vai se
apropriando de si mesmo e construindo também o que será no futuro. Dessa forma é
que ocorre a provável atualização das suas concepções de relacionamento e o
concebimento destas concepções como potencialmente transformáveis (RAMIRES,
2003).

Contudo, é possível observar padrões de apego em adolescentes, a partir do


que foi construído com as experiências na primeira infância, como propõe Ammaniti
(2000) ao descrever a “Entrevista de Apego para Crianças e Adolescentes”.

O apego seguro em adolescentes foi descrito anteriormente por Kobak (1993)


como casos em que as relações com os cuidadores apresentam tolerância,
confiança e poucas dificuldades para o estabelecimento de autonomia emocional,
resultando em indivíduos que são confiantes e generosos em seus relacionamentos
durante a adolescência, sendo estes mais estáveis.

Os adolescentes caracterizados pelo tipo desapegado/evitativo normalmente são


pouco interessados nas relações familiares e inclusive apresentam sentimentos
negativos em relação a essa parentela. São pessoas que demonstram não ter
necessidade de confiar em outras pessoas e realmente parecem desapegados ou
não influenciados pelas experiências de apego precoces (KOBAK e COLE, 1994).
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Já os adolescentes caracterizados pelo estilo de apego preocupado/ansioso,


relatam experiências familiares com alto grau de controle e tendo sua independência
desencorajada pelos pais (KOBAK e COLE, 1994). Geralmente evitam confrontos,
são mais passivos e, além disso, com frequência têm experiências frustrantes ou
insatisfatórias com relacionamentos, os quais produzem certa angústia e confusão
(HARVEY, 2000 apud DALBEM e DELL’AGLIO, 2005). Kobak (1993) alega existir
uma forte associação entre este tipo de apego e a depressão, principalmente em
mulheres.

Por último, a fim de investigar os tipos de apego em adultos, George, Kaplan e


Main (1996) criaram a “Entrevista de Apego do Adulto”, constituída por questões
estruturadas que abordam a relação dos adultos com seus pais durante a infância e
os efeitos dessas experiências em seus funcionamentos atuais; sendo necessário,
para isso, observar nas respostas dos participantes a fluidez da fala, a coerência e a
plausibilidade nas narrativas contadas (CROWELL et al., 1996).

A partir dos resultados, os pesquisadores chegaram aos seguintes padrões de


apego: seguro/autônomo, desapegado/evitativo, preocupado/ansioso e
desorganizado/desorientado.

O apego seguro, no caso dos adultos, seria a continuação do padrão de apego


seguro da infância; os adultos neste grupo fazem uma descrição espontânea, vívida
e repleta de lembranças positivas acerca de sua vida enquanto crianças, relatando
situações difíceis de maneira equilibrada. Tais pessoas julgam fácil se aproximar de
outras pessoas, de um modo geral, e se sentem confortáveis estando em relações
sérias e que envolvem compromisso, sem se preocupar com questões como
abandono ou o envolvimento intenso com o outro (HAZAN e SHAVER, 1987).

No padrão evitativo/desapegado, os participantes demonstraram uma narrativa


idealizada e fantasiada da infância, por vezes pouco coerentes e precisas, e
frequentemente apresentando falhas nas reconstruções de memórias infantis devido
à minimização ou negação da existência de situações difíceis, por exemplo. Estes
indivíduos, diferentemente dos adultos com apego seguro, não se sentem
confortáveis em aproximar-se muito dos outros, não confiando plenamente nas
pessoas e não se permitindo estar em relações de compromisso (HAZAN e
SHAVER, 1987).
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Já no apego preocupado/ansioso, os adultos têm seus relatos caracterizados por


experiências conflitantes, pouco elaboradas e apresentando uma inaptidão de
reconstruir e contar histórias (difíceis ou não) da infância com clareza e coerência.
Pensam que os outros são os que não querem se aproximar deles, acreditando que
os seus desejos de proximidade causam o afastamento das pessoas; também se
preocupam com frequência com os sentimentos dos parceiros, duvidando se estes
realmente os amam e querem estar na relação (HAZAN e SHAVER, 1987).

Por último, a categoria de apego desorganizado/desorientado é marcada por


adultos que explicitam sinais graves de desorganização interna, e mais ainda
quando perguntados sobre experiências traumáticas ou situações difíceis, no geral
(CORTINA e MARRONE, 2003).

1.2 O papel da família sob a ótica da Psicologia Social

Agora será analisado, de forma crítica, o papel da família na constituição dos


sujeitos, a partir da Psicologia Social e tendo como base principal a autora Silvia
Lane.

Lane (1981) fala sobre o papel institucional que a família cumpre não só em
garantir a sobrevivência do indivíduo, mas em introduzi-lo na sociedade capitalista;
então, essa família está implicada em reproduzir a força de trabalho e também em
perpetuar a preservação da propriedade privada e dos bens (levando inclusive à
instituição compulsória da monogamia), garantindo o controle social e a continuidade
do sistema do capital.

A autora caracteriza a instituição familiar como sendo regida por leis, normas
e costumes que definem direitos e deveres dos seus constituintes, instituindo e
apresentando os papéis sociais desses indivíduos, que devem reproduzir as
relações de poder presentes na sociedade (LANE, 1981).

Nesse contexto, um bebê depende da sua família para sobreviver mas


também para aprender sobre o mundo que o cerca; a partir do momento em que
consegue se perceber como diferente dos outros, de maneira individual, esses
outros se transformam em figuras de identificação emocional e é através deles que
se criam as representações e compreensões de mundo (LANE, 1981).
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Lane (1981) diz ainda que é a partir do processo de generalização, em função


das visões de mundo e dos valores disseminados pelos integrantes da família, que
se formam os próprios valores e modelos tão intrínsecos e profundos dos indivíduos,
que correm inclusive o risco de serem naturalizados e que só podem ser
confrontados no processo de socialização secundária (escolarização e
profissionalização).

Portanto, as famílias comumente tendem a ser tão conservadoras pois as


relações de poder ali presentes sempre são tidas como condições naturais e
invariáveis, absolutamente necessárias para a sobrevivência, não como
determinações históricas e sociais criadas e mantidas pelos seres humanos nesse
sistema (LANE, 1981). Isso é o que dificulta, significativamente, a tomada de
consciência sobre os papéis e funções sociais atribuídas aos indivíduos, assim como
a possibilidade de mudança e atualização desses enquadres que reduzem as
possibilidades de existir dos sujeitos.

De forma a tornar mais claro, a autora exemplifica o tema com as crises de


casais que normalmente são justificadas por diferenças de personalidade e
temperamento, quando na verdade não se questionam sobre os papéis exercidos e
as violências atreladas a estes, sobre o quanto estão reproduzindo, no âmbito das
relações afetivas, as determinações institucionais (LANE, 1981).

Por fim, Lane ressalta que essa luta por poder, dentro e fora do núcleo
familiar, acontece de forma não instintiva (como se pensa com animais), mas
inconsciente, no sentido de não haver confronto e reflexão sobre os significados
atribuídos socialmente e a própria realidade vivida, sendo então modos de viver
pré-estabelecidos, assumidos e reproduzidos nas ações, de maneira intergeracional.

1.3 Modelos Internos de Funcionamento, Cognição Social e Consciência

Este tópico tem como objetivo aproximar ainda mais os conceitos levantados
anteriormente ao campo psicossocial. Para isso, será realizada uma apresentação e
breve comparação entre variados conceitos (de diferentes bases epistemológicas,
mas que se articulam e relacionam) que dizem respeito sobre os modos de
funcionamento, significação da existência e das relações entre os indivíduos.
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Primeiramente, Bowlby (1969) formula a ideia de que, a partir da relação de


apego construída com os cuidadores e seu ambiente, a criança passa a ser capaz
de desenvolver uma habilidade de representação mental denominada “modelo
interno de funcionamento”, que representa e dá significado às experiências
relacionadas com o ambiente e consigo mesma. Esse modelo serve também para
descrever expectativas que predizem e interpretam o comportamento de outras
pessoas, o que acaba guiando o próprio comportamento da criança.

O processo de construção desses modelos internos de funcionamento propicia a


habilidade de mentalização (ou função reflexiva), a qual permite à criança
compreender as atitudes dos outros e agir de maneira adaptada e coerente com o
contexto (FONAGY e TARGET, 1997).

O estabelecimento do vínculo da criança com seu cuidador de maneira recíproca


e em condições favoráveis é o que permite, então, o processo de diferenciação do
eu e a representação interna da criança sobre si mesma. Se forem fruto de uma
experiência positiva, como no apego seguro, será estruturada uma autoconfiança
que dificilmente será abalada e disponibilizará uma autonomia que tornará viável a
exploração da sua liberdade (BOWLBY, 1989).

Fonagy e Target (1997) propõem que, em casos de padrão de apego inseguro, a


construção desse modelo interno de representação tende a acontecer de forma mal
adaptada e rígida; a mentalização, por sua vez, pode ser empobrecida ou até
mesmo não desenvolvida.

Esses autores apontam, ainda, que a criança nesse contexto não constrói a
noção de que os outros podem percebê-la e entendê-la a partir dos seus
sentimentos, e vice-versa. Também é provável que seja dificultada a capacidade
dessa criança de se envolver em relações sérias e intensas, que exigem
comprometimento (FONAGY e TARGET, 1997).

Dentro deste tema, deve-se considerar os fatores de risco social, os quais


influem sobre o padrão de apego que será desenvolvido entre um bebê e seu
cuidador. Halpern (1990 apud DALBEM e DELL’AGLIO, 2005) indica que tais fatores
incluem: a relação entre os principais cuidadores da criança, o contexto
socioeconômico e consequentemente o acesso a recursos, a incidência de
15

patologias mentais e mudanças abruptas e/ou temporárias em períodos importantes


como na primeira infância.

É por meio dos modelos internos de funcionamento, então, que a tendência


de recriação ou repetição, nas relações futuras do indivíduo, do padrão de modelo
interno do apego primário se apresenta (FONAGY, 1999 apud DALBEM e
DELL’AGLIO, 2005).

Ramires (2003) diz ainda que é mais fácil e provável perceber e lembrar de
experiências que se ajustam ao nosso modelo, e não perceber ou esquecer as
experiências que não se ajustam. As pessoas estão submetidas, assim, à
perpetuação dos mesmos modos de se relacionarem ao longo da vida, se não
estiverem dispostas a rever e olhar atenta, consciente e criticamente sob as variadas
relações a que se propõem.

Como também postulado por Ramires (2003), a Teoria do Apego mostra como
se constroem e se vivenciam os vínculos afetivos e a teoria da cognição social,
agora introduzida, descreve como se pensa sobre esses vínculos e como se lhes dá
significado.

A cognição social, de uma forma muito semelhante aos modelos internos de


funcionamento, diz respeito à compreensão sobre as pessoas e suas ações,
envolvendo e partindo dos próprios sentimentos, pensamentos e ações do indivíduo
(FU, GOODWIN, SPORAKOWKI e HINKLE, 1987). Ainda, a nossa compreensão
sobre as relações sociais depende da nossa organização interna e da habilidade de
integrar e coordenar perspectivas (RAMIRES, 2003).

Os acontecimentos e movimentos do ambiente sempre influenciam os


modelos internos de funcionamento e a nossa cognição social, e é de extrema
importância considerar o contexto sociocultural ao analisar a história de um sujeito,
contexto esse que vai pessoalmente favorecer ou limitar as capacidades de
representação dessa pessoa (COOK, 2000).

Concisamente, Baldwin (1996) pontua que as pessoas possuem “esquemas


relacionais”, os quais correspondem a específicos padrões de apego vividos, o que
determina o que pensarão sobre as relações afetivas e como o farão. O autor
também constata que as estruturas cognitivas produzidas a partir do apego podem
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favorecer uma maior atenção e conscientização das pessoas nas suas relações, de
forma a reconhecer e discriminar padrões presentes nessas interações sociais.

No mesmo sentido, destaca-se a variabilidade e flexibilidade que oportunizam a


renovação dos modelos aprendidos na infância, devido a diferentes estímulos que
podem ser apresentados durante a vivência de uma nova relação, como por
exemplo as características das pessoas com quem se relaciona e a reciprocidade e
a segurança ou a falta destas no relacionamento (COOK, 2000).

Na discussão da dimensão subjetiva da realidade, em Psicologia Social, a


teleologia também diz sobre a possibilidade de representar, prever e criar coisas
novas em cima do que foi aprendido e vivenciado anteriormente. Desse modo, a
ação e a representação do vivido dão a possibilidade do indivíduo ter suas crenças,
valores, conhecimentos e afetos (junto com as ideologias postas), e assim constituir
a dimensão subjetiva da realidade (FURTADO, 2002).

Em conjunto, o conceito de causalidade (que são as condições materiais) e a


ontologia (tomada, aqui, como a constituição do ser humano dada pelo trabalho - em
sua historicidade - e o sentido deste) permitem ao indivíduo ter a sua própria
consciência. Assim, essa consciência é entendida como o resultado da atividade ou
ação humana que produz vida e história, se alterando conforme a produção de
variadas existências, e formando essas representações da realidade e de si mesmo
(FURTADO, 2011).

Da mesma forma, a articulação entre o singular, particular e universal é essencial


para compreender como se entendem os fenômenos na Psicologia Sócio-Histórica.
A experiência individual das pessoas (singular) é mediada pelo contexto social e a
forma que se organiza a sociedade (particular); paralelamente, a concepção de ser
humano-genérico (universal), que é produzida historicamente pelo trabalho, permite
a compreensão do que é ser humano na história (OLIVEIRA, 2005). A liberdade e
igualdade, por exemplo, atravessam essa concepção de ser humano na teoria, mas
na prática são impossibilitadas por situações particulares (ou seja, que dizem
respeito à sociedade capitalista, por exemplo).
17

1.4 Relacionamentos afetivos na atualidade

A maneira com que as pessoas se relacionam e amam são decorrentes da


socialização, sendo as questões de gênero, as diferenças culturais nas diferentes
sociedades e as experiências amorosas anteriores, alguns fatores que podem
interferir nesse modo de amar de cada um (WALLER e SHAVER, 1994).

Conjuntamente, o padrão de apego desenvolvido na infância e todos os modelos


cognitivos e representacionais produzidos a partir dele, também preveem como o
indivíduo se relacionará afetivamente no futuro (SHAVER, HAZAN e BRADSHAW,
1988).

Distinguindo os relacionamentos atuais daqueles encontrados em décadas


passadas, encontram-se características e valores muito presentes hoje em dia,
como por exemplo o individualismo, a competitividade, a satisfação imediata e uma
nova idealização da relação, permitindo que uma nova dinâmica seja produzida a
respeito desse relacionar-se (NEUMANN, 2010).

É evidenciada, ainda, a facilidade e velocidade na qual a informação circula hoje


em dia. Isso também contribui para a formação de diferentes e paralelos modos de
se relacionar, agora não existindo apenas um modelo possível, como era a realidade
no passado (NEUMANN, 2010).

Antes, quando a narrativa amorosa prevalente era o amor romântico


(GIDDENS, 1993), a concepção de amor era permeada pela fantasia de completude,
na qual a ideia era de que a relação amorosa, o casamento e a geração de
descendentes, eram os pontos principais para se conquistar a felicidade e a
realização plena durante a vida (MENEZES e BARROS, 2008).

Apesar de novos estilos de relação e novos valores terem sido


implementados a cultura, esse amor idealizado ainda está muito presente no
imaginário dos sujeitos, e isso pode ser uma das causas da grande frustração que
atravessa as experiências afetivas atuais (MENEZES e BARROS, 2008).

Dessa forma, a nova idealização de uma relação acaba não contrastando


tanto com esse amor fantasioso visto no passado. Na contemporaneidade, é mais
clara a ideia de que o outro já é um ser completo e diferente do próprio eu, mas isso
parece produzir novas dificuldades: é a diferença do outro que passa a incomodar,
18

que não é sustentada, e que faz com que as relações sejam facilmente descartadas
e substituídas se produzem algum desconforto ocasionado por esses contrastes
entre as pessoas (NEUMANN, 2010).

Observa-se, deste modo, a permanência do conceito de satisfação imediata,


agora aliada ao individualismo e à rapidez e facilidade com que as coisas
acontecem. Os indivíduos mostram ter uma tolerância muito baixa para lidar com
aquilo que não é perfeito ou “ideal”, e se veem autossuficientes a ponto de julgar que
não precisam passar por nenhum tipo de experiência que não seja exatamente
aquilo que procuram (NEUMANN, 2010).

Em contrapartida, Giddens (1993) apresenta três novos conceitos presentes


no amor ideal de hoje, que se opõem ao amor ideal do passado, tendo como
influência os princípios democráticos e de igualdade. O primeiro conceito é chamado
de amor confluente, que pressupõe igualdade nas trocas afetivas e no envolvimento
emocional, pautando-se não mais nas fantasias de completude, mas no ideal de
satisfação emocional e sexual como direito de ambos os envolvidos na relação.

Uma possibilidade de vivência no amor confluente é a sexualidade plástica:


refere-se à ressignificação da obrigação em ter filhos dentro de uma relação
amorosa, e principalmente retrata um processo de reivindicação das mulheres pelo
seu direito ao prazer sexual e liberdade de escolha (GIDDENS, 1993). Além disso,
rompe-se com a obrigatoriedade das relações amorosas se tratarem
necessariamente de relações monogâmicas e/ou heterossexuais, sendo a
negociação entre parceiros um aspecto sempre fundamental, com o estabelecimento
de acordos atualizados.

Por último, o conceito de relacionamento puro abarca todos os pontos já


comentados até agora, constituindo um modelo de relação estruturado na confiança,
compromisso e intimidade, sem se impor a obrigação do comprometimento eterno e
vitalício; o que importa, aqui, é a satisfação e o interesse em estar dentro da relação
entre os componentes desta, sendo, portanto, contingente. Assim, a duração como
meta das relações amorosas do passado, foi substituída pela satisfação na
contemporaneidade (GIDDENS, 1993).

Finalizando, Pinheiro e Andrade (2004) definem o amor como sendo sempre


uma experiência singular, porém atravessada pelos ideais culturais a seu respeito, o
19

que faz muito sentido quando se considera a historicidade, o contexto e a


particularidade dos processos e relações, e é exatamente essa a perspectiva deste
presente estudo.

1.5 Relacionamentos abusivos e sua normalização

Maslow (1962 apud MARTINS-SILVA, 2013) propõe uma teoria sobre o amor,
alegando a existência de dois tipos: “deficiency-love” ou amor deficiente, que surge
em relação à outra pessoa com a finalidade de satisfazer as próprias deficiências, e
“being-love” ou apenas amor, que ocorre entre pessoas que podem amar umas às
outras pelo que elas são.

O relacionamento abusivo é caracterizado pela recorrência significativa de atos


de violência, podendo incluir violência psicológica, atitudes controladoras e violência
física (além das demais, como a moral, sexual e patrimonial). Nele parece existir
uma tendência por parte do abusador em querer dominar a vítima, e esta por sua
vez pode ser prejudicada tanto em sua saúde mental quanto em sua saúde física,
além de ter outros âmbitos da vida defasados como a autonomia, independência
econômica e liberdade individual (PAIVA e FIGUEIREDO, 2003).

Malveira (2020) diz que no relacionamento abusivo, a tensão precede o


encantamento inicial, a famosa idealização dos relacionamentos comuns, e
situações irrelevantes causam um grande transtorno; aqui, o abusado sente-se
confuso e/ou culpado. Depois, começam os abusos verbais, emocionais e físicos.
Nessa relação, o abusador sempre tenta (e consegue) convencer a vítima de que
esta o fez perder a cabeça, e busca apaziguar o ocorrido.

Isto posto, os relacionamentos abusivos são identificados facilmente a partir


das quatro fases cíclicas que compõem a relação. A primeira fase do ciclo é
representada por essa tensão inicial; o homem culpa a mulher por suas insatisfações
pessoais (que podem nada ter a ver com ela) e usufrui disso para justificar e
responsabilizar a vítima pela violência cometida, de modo que as falas e teorias do
abusador são internalizadas e creditadas pela vítima (SOARES, 2005; HIRIGOYEN,
2006).
20

A segunda fase é a de explosão; o abusador está totalmente tomado pelo


papel de dominador, exercendo todo o seu poder e força sobre a vítima. A mulher,
novamente, dificilmente reage (e quando reage, a violência se agrava), devido ao
medo e à culpa causada pela violência psicológica (SOARES, 2005; HIRIGOYEN,
2006).

A terceira fase é o momento em que o abusador admite o ato cometido, mas


tenta diminuir a gravidade do ocorrido pedindo perdão e dizendo que se arrepende,
podendo até fazer falsas promessas de que as coisas serão diferentes
(HIRIGOYEN, 2006).

A quarta e última fase é a de “Lua de Mel”, como o arco-íris depois da


tempestade. O homem faz promessas e juramentos de que irá mudar, e a mulher
cultiva a esperança de que tudo está bem e aparentemente resolvido, como se a
violência não fosse acontecer novamente; porém, o ciclo sempre se repete, em um
curto ou longo período de tempo, até que seja quebrado (SOARES, 2005;
HIRIGOYEN, 2006).

Cabe dizer que a violência verbal (como parte da violência psicológica) é a mais
comum nas relações abusivas e a mais difícil de ser identificada, pela extrema
banalização e não sinalização como violência de fato (BESERRA et al., 2016).
Portanto, brigas, discussões agressivas e falas por vezes ofensivas são comumente
ignoradas e tratadas como coisas “normais” de todo relacionamento.

Neal (2018) expõe cinco principais instrumentos usados por um abusador


para controlar sua vítima: ciúmes, isolamento das parcerias, punição, controle,
humor, coisificação. Esse último é a transformação e visão da vítima não como um
ser humano de direitos, mas como um objeto, uma coisa a ser dominada.

Os abusadores, sob essa ótica da coisificação, na verdade enxergam suas


parceiras como extensões de si mesmos, o que “justifica” o desejo de impor suas
vontades e princípios sobre elas. Assim, a vítima não é uma pessoa com
pensamentos e vontades próprias, mas sim algo que pertence e deve ser moldado
pelo abusador. Por consequência, qualquer coisa ou situação que coloque essa
vítima em “vantagem” na perspectiva do abusador, representa uma ameaça para ele
(PEREIRA, 2021).
21

A violência presente nesse tipo de relacionamento pode se apresentar de muitas


formas, como dito, e variar de acordo com o contexto e especificidades da relação.
Porém, é importante descrever, de forma crítica, deixando claro que tipo de violência
está em questão. Chauí (1985) comenta:

· Entendemos por violência uma relação determinada das relações de


força tanto em termos de classes sociais quanto em termos
interpessoais. Em lugar de tomarmos a violência como violação e
transgressão de normas, regras e leis, preferimos considerá-la sob dois
outros ângulos. Em primeiro lugar, como conversão de uma diferença e
de uma assimetria numa relação hierárquica de desigualdade com fins
de dominação, de exploração e de opressão. Isto é, a conversão dos
diferentes em desiguais e a desigualdade em relação entre superior e
inferior. Em segundo lugar, com a ação que trata o ser humano não
como sujeito, mas como uma coisa. Esta se caracteriza pela inércia,
pela passividade e pelo silêncio, de modo que quando a atividade e a
fala de outrem são impedidas, há violência (CHAUÍ, 1985, p.35).

Dessa forma, a violência é entendida por qualquer e todo comportamento que


se utilize para obrigar ou submeter a outra pessoa a uma situação indesejada,
incluindo aqui o constrangimento, a privação da liberdade individual, impedimento de
desejos e vontades, coação, submissão, ameaças e agressões (TELES e MELO,
2002).

Importante ressaltar o papel fundamental da violência estrutural como


criadora das desigualdades entre homens e mulheres (divisão sexual do trabalho,
acesso ao mercado de trabalho, diferentes remunerações), que limita as ações e
possibilidades dos indivíduos, reduz acesso a direitos básicos e cria distribuições
desiguais do poder (PARKER, 2013).

Essas desigualdades são materializadas em hierarquias, e é dessa forma que


homens e mulheres reproduzem as normas regulatórias de gênero para se tornarem
sujeitos (BUTLER, 1999); aqui, se torna possível o surgimento de relações violentas
(BAPTISTA, 2020).

Ao considerar todo o espectro da violência, sob a ótica dos relacionamentos


abusivos, é necessário fazer um recorte de gênero ao tratar desse assunto. A
violência de gênero é uma violência praticada ao outro estritamente por causa de
seu gênero e o que está implicado nele; Khouri (2006) diz que a violência de gênero
é quase um sinônimo de violência contra a mulher, pois são as mulheres as maiores
vítimas da violência.
22

Rafael e Moura (2014) complementam que a influência do gênero é um dos


maiores e mais expressivos fatores que entram na cadeia de causalidade da
violência, já que retrata a visão social acerca dos papéis distribuídos aos gêneros.
Nessa lógica, se justificam os atos violentos a partir do encobrimento da própria
estrutura social sexista que determina o direito do homem de dominar, e o da mulher
de obedecer, reproduzindo as relações de poder aqui existentes.

Portanto, são as desigualdades criadas ao redor e a partir dos gêneros


masculino e feminino que permitem que a violência ocorra, sendo esta relacionada
fundamentalmente com o poder concedido aos homens para a dominação das
mulheres (PEREIRA e PEREIRA, 2011).

Da mesma maneira que o recorte de gênero é necessário, o recorte de raça


também se faz; Pereira (2021) sinaliza que as mulheres negras são as principais
vítimas da violência doméstica e dos feminicídios, representando 66,3% dos casos
de feminicídio de 2019.

Constata-se que mulheres negras, portanto, sofrem com a violência


doméstica não somente, mas associada à injúria racial; por isso, são atingidas
duplamente: por serem mulheres e por serem negras. Leite (2019) elabora sobre
essa dupla violência dirigida à mulheres negras:

· A discussão de fatores relacionados à vulnerabilidade da mulher é


determinante da violência estrutural, no caso das mulheres negras, esta
história se complica, pois há uma intensificação da hostilidade às quais
estão expostas, multiplicando-se os riscos de sofrimentos na
experiência das agressões originárias tanto da estrutura patriarcal
quanto do racismo brasileiro, vivenciando simultaneamente graus
extremos de crueldade decorrente do sexismo, discriminações raciais e
dos preconceitos pela classe social (LEITE, 2019, p. 11).

Na história do nosso país, as mulheres negras têm suas vidas circunscritas


pela solidão, visto que o racismo atribui estereótipos de extrema sexualização à elas
(além da designação compulsória de tarefas domésticas), causando baixa auto
estima e proporcionando a maior chance de que vivam em ambientes violentos e a
experiência em relacionamentos abusivos (IPEA, 2013).
23

A violência contra a mulher, então, não é um problema individual que acomete


algumas mulheres isoladas, mas sim um fenômeno social (MALVEIRA, 2020).
Fenômeno este que desconhece classes sociais e traz maior vulnerabilidade para
mulheres negras, em que nelas são impostos os fardos da discriminação de gênero,
da pobreza e do preconceito racial, tornando-as reféns do espaço doméstico e das
possíveis violências domésticas (RUFINO, 1999).

A partir disso, constata-se que não é possível pensar nos sujeitos afetados
por essa problemática sem olhar e analisar as histórias de vida e os contextos em
que se inserem (DUTRA, 2014).

Por último, nessa análise da raça como fator propensor à violências, Pereira
(2013) diz ainda que a cor do parceiro não importa, mesmo homens negros
reproduzem a violência com mulheres negras, o que continua sendo uma espécie de
autorização para a dominação masculina.

Williams, Ghandour e Kub (2008) alegam que a tendência de ser o abusador


é bidirecional e multicausal, sendo proveniente de elementos familiares, culturais e
pessoais. Dessa forma, a atenção está voltada principalmente para situações em
que o contexto social e familiar do abusador é circunscrito por práticas sexistas que
reforçam condutas abusivas, ensinando e inserindo um padrão de comportamento
que certamente influenciará suas relações futuras (CARIDADE e MACHADO, 2006).

Por conseguinte, essa alteração da percepção da realidade trará uma falsa


sensação de que o sofrimento é algo comum e, pela mesma razão, não há
parâmetros para acreditar que suas ações caracterizam comportamentos abusivos
(TOSTA, 2017). Assim, perde-se completamente a noção e a autopercepção tanto
daquilo que se pratica com o outro, quanto para o que se está submetido.

Neal (2018) apresenta uma outra visão acerca dessa questão; alega que
mulheres que tiveram uma infância saudável também, muitas vezes, acabam
envolvidas em relacionamentos abusivos exatamente por não terem parâmetros
para identificar violências nos comportamentos do parceiro. Ou, por outro lado, uma
mulher com histórico familiar saudável pode reconhecer e ter para si o que é
saudável em um relacionamento, buscando e aceitando apenas isso.
24

No mesmo sentido, também existem mulheres que vieram de famílias


permeadas por práticas de violência e abuso, compreendendo e sabendo identificar
os sinais disso nas relações afetivas, conseguindo se afastar quando presentes os
sinais (NEAL, 2018).

Shaver, Hazan e Bradshaw (1988) realizaram um questionário visando


demonstrar que os comportamentos relacionados ao amor têm correspondência com
os padrões de apego.

Nos resultados, as pessoas com o estilo de apego seguro alegam ter


experiências com relacionamentos felizes, amigáveis e confiáveis, e salientam a
capacidade de aceitar e de apoiar o parceiro apesar das suas falhas. As pessoas
com apego evitativo revelam medo de intimidade, presença de altos e baixos
emocionais e de ciúmes. Por último, as pessoas com apego ansioso relatam
relações que envolvem obsessão, desejo profundo de reciprocidade e união, e
também a presença de altos e baixos emocionais e ciúmes (MARTINS-SILVA, 2013).

Tosta (2017) realizou também uma pesquisa sobre relações abusivas e a


Teoria do Apego, na qual foi possível observar que o padrão de apego evitativo foi o
mais comum entre homens, e o padrão de apego ansioso o mais observado entre as
mulheres. Além disso, os homens relatam perceber que sofrem significativamente
mais atitudes controladoras e violência psicológica, enquanto mulheres relatam
sofrer significativamente mais com violências físicas (TOSTA, 2017).

Apesar disso, uma contradição se instala quando, nos resultados, também


fica explícito que na verdade os homens praticam mais atitudes controladoras do
que sofrem. Por último, o estudo também apresenta um resultado importante quando
indica que quanto mais a pessoa percebe que sofre violência física, menos ela
percebe que sofre atitudes controladoras, e indica também que a pessoa que sofre
com violência física tende a não sofrer com a violência psicológica (TOSTA, 2017).

Algo que chama atenção na temática das relações abusivas é o fato de


muitas pessoas que nunca vivenciaram algo parecido, não entenderem o por quê
das mulheres se manterem, comumente, por tanto tempo em uma relação como
esta; por isso, a seguir serão apresentados inúmeros motivos e fatores que
contribuem para essa permanência.
25

Sousa e Rosa (2006) listam alguns: convivência diária com o medo de sofrer
ameaças, o desamparo, dependência financeira (que resulta na impossibilidade de
se sustentar e sustentar filhos, em muitos casos) e emocional, preocupação com o
marido e o tempo de vida juntos; além, é claro, de sentimentos como a culpa e a
vergonha (ROSA e MOTTA, 2008).

Teles et al. (2018) também apresentam as fantasias que existem normalmente


em relação aos parceiros e à relação como um todo, de modo que o relacionamento
às vezes é visto como a única escolha e a resolução de conflitos pessoais. Malveira
(2020) complementa que o ideal de amor romântico disseminado culturalmente faz
com que as vítimas acreditem que a felicidade e o sentimento de realização estão
diretamente ligados com a permanência em uma relação amorosa.

Para além disso, existe a violência psicológica perpetrada pelo abusador que
convence a vítima constantemente de que as brigas e fases de explosões são
temporárias, de que ele irá mudar. Baptista (2020) também nomeia os sofrimentos
psíquicos (além de possíveis problemas na saúde física) envolvidos nessa dinâmica:
depressão, ansiedade, uso prejudicial de substâncias psicoativas, distúrbios do
comportamento, tentativas de suicídio e, por fim, o impacto sobre a capacidade de
tomada de decisões.

Bourdieu (2002) diz que quando as vítimas moldam seus pensamentos para
encaixar com os do abusador, acreditando por exemplo nas promessas de mudança,
estão sob uma violência simbólica que ocorre no nível inconsciente e tornam
“hipnotizantes” as manifestações, ameaças, seduções, censuras e ordens do
abusador. Para sair disso, é preciso perceber e reconhecer a violência como tal,
trazendo para a consciência e saindo desse estado “hipnótico” (BOURDIEU, 2002).

A manipulação, junto com o sofrimento, e aliada à dependência financeira das


mulheres, as quais frequentemente são impedidas de trabalhar ou têm seus bens
controlados pelo parceiro (violência patrimonial), constroem as condições para a
repetição do ciclo abusivo e a contínua submissão dessas mulheres (MARQUES,
2005).

A violência institucional é outro fator que dificulta o sucesso das vítimas em


saírem dessas relações, visto que se tratam de ações ou omissões na prestação de
26

serviços públicos, revitimização da mulher, além do desrespeito e deslegitimação


das vivências (BAPTISTA, 2020).

Analisando esse tipo de relação, vários estudos apontam para uma frequência
cada vez maior de relacionamentos abusivos entre casais na atualidade (CARIDADE
e MACHADO, 2006; MATOS, 2006; PAIVA e FIGUEIREDO, 2003).

Cria-se, colocando em pauta a existência dessas relações abusivas, um


movimento de desnaturalização dessas dinâmicas interpessoais. Baptista (2020)
discorre sobre como violência e as relações de poder (fomentadas e reproduzidas
pelos próprios indivíduos e pelas instituições) são naturalizadas como instrumento
importante para manter mulheres em condições de submissão, na constante
coisificação para que continuem sendo manipuláveis, permitindo que quem se
beneficia com isso continue se beneficiando às custas delas.

2. OBJETIVOS

Objetivo geral: Compreender como os indivíduos adultos constroem e


atualizam seus modos de se relacionar intimamente, ao longo do ciclo vital,
considerando-se dialeticamente os seus contextos e a estrutura social, as
possibilidades e limitações existentes.

Objetivos específicos:
- Identificar, se possível, qual estilo de apego os sujeitos desenvolveram, e se
estes têm continuidade ou se transformaram ao longo da vida;
- Avaliar como os fatores sociais influenciam esses modos de se relacionar
(recortes de gênero, raça e classe);
- Investigar a presença de relações abusivas, a normalização destas no
cotidiano e como isso se perpetua.
27

3. JUSTIFICATIVA

Baseando-se no objetivo do presente estudo, o qual busca entender como os


sujeitos constroem e atualizam ou não seus modos de se relacionar intimamente, de
maneira a esclarecer também quais fatores influenciam e afetam essas relações e
vivências, a justificativa para esta pesquisa refere-se à busca de uma maior
compreensão sobre o tema para os debates existentes acerca das relações dentro
dos círculos familiares e fora deste, estabelecendo uma articulação entre estes dois
espaços.

Portanto, o estudo apresentará informações que possam ajudar a tornar esse


tema mais fácil de ser compreendido, e sobretudo contribuir para a comunidade
científica ao promover mais ainda essa discussão, a qual sempre foi tema de estudo
mas que precisa ser atualizada de acordo com novas perspectivas.

O interesse pelo tema acontece à medida que se percebem influências das


relações familiares na busca amorosa, na manutenção dos relacionamentos ou no
seu término. No cotidiano, é comum que se encontrem cuidadores que acreditam
que a forma mais responsável e efetiva de promover o cuidado e criar uma criança é
a partir da verticalização e hierarquização dos papéis e de práticas como a
imposição de ordens e regras arbitrárias; assim, a liberdade e as experiências
genuínas tendem a se reduzir, além de muitas vezes castigos, punições e a violência
física serem utilizadas como soluções para estabelecer limites, apesar de todas as
contribuições de áreas do conhecimento como a Psicologia, a Pedagogia, o Direito,
entre outras, as condenarem.

Da mesma forma, as relações afetivas observadas entre adultos, em alguns


casais, são também marcadas por posições hierárquicas, jogos de poder e
imposições de regras que muitas vezes não fazem sentido ao casal e/ou que
produzem consequências variadas para a relação. Não é à toa a semelhança de
ambos, visto que também são produtos de uma sociedade capitalista e patriarcal,
que realmente dificulta a existência de pluralidades nos modos de se relacionar, pois
exige um nível de reflexão e crítica que não é acessível para a grande parte da
população.

É importante que esse tema seja cada vez mais pesquisado e trazido ao
público, para que muitas pessoas atingidas pessoalmente por relações abusivas
28

dentro e fora de suas famílias, possam cada vez mais se conscientizar para o que
realmente circunscreve essas experiências: estes podem ser os primeiros passos no
sentido da transformação dessas relações. Em adição, é claro, há a ideia de que
existem saídas e outras pessoas que passam por situações semelhantes, o que
pode trazer uma dimensão importante para as pessoas que passam por isso.

A consciência acerca do tema também deve promover, a essas pessoas, a


elucidação sobre as muitas armadilhas existentes (que são fruto do sistema em
questão e outras complexidades) que colocam indivíduos para cumprir papéis que
constantemente reproduzem violências e reduzem as possibilidades de se existir,
além de serem extremamente traumatizantes.

Por consequência, também se faz necessário que esta pesquisa tenha como
contribuição apontar principalmente as desigualdades de gênero, classe e raça que
demarcam essas relações, dando visibilidade aos temas e auxiliando a
transformação tanto no âmbito pessoal quanto no social, nos vários contextos de
atuação da Psicologia (como a Clínica, Educacional, Institucional, entre outras). De
um modo geral, portanto, auxiliar na luta contra a perpetuação dessas desigualdades
e modos de opressão dentro dos relacionamentos, e também fora destes,
indiretamente.

4. MÉTODO

4.1 Tipo de estudo


O estudo é caracterizado como uma pesquisa de campo,
qualitativo-descritiva, exploratória, voltado para um grupo específico de pessoas, e
com análise qualitativa dos dados. Ou seja, os dados obtidos por meio dos
questionários e possíveis entrevistas serão analisados em articulação com a
referência bibliográfica, teorias e técnicas utilizadas e com o foco da presente
pesquisa.
No estudo qualitativo-descritivo, o foco de atenção é a construção de
significados por parte dos sujeitos, suas vidas e como as percebem (LUDKE e
ANDRÉ, 1986).
Segundo Denzin e Lincoln (1994, 2006), a pesquisa qualitativa consiste em
um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão maior visibilidade ao
29

objeto pesquisado; essas práticas transformam o mundo em uma série de


significados. Os pesquisadores interpretam os fenômenos em termos dos
significados que lhe são conferidos.
Estes procedimentos não têm um modelo pronto, este vai sendo construído
com destaque para duas funções na aplicação: verificação de hipóteses e
descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das
aparências do que está sendo comunicado.
As situações, ações e interações complexas foram analisadas em seus
contextos, a partir do ponto de vista do sujeito, para se obter uma compreensão do
fenômeno e dos processos envolvidos (MOON, 1990). Dessa maneira pudemos
refletir melhor sobre os comportamentos humanos, considerando seus significados e
intenções (GUBA e LINCOLN, 1994). Portanto, apesar de não se tratar de uma
população clínica, este trabalho se caracteriza como uma pesquisa clínica por
consistir num processo de conhecimento dos significados que o indivíduo atribui a
suas crenças e valores, visando construir os fatos psicológicos dos quais ele é fonte
em uma estrutura inteligível.
Para além disso, foram analisadas e discutidas, neste presente trabalho, as
práticas discursivas dos sujeitos, as quais são produzidas nas relações e nos
encontros (SPINK, 2010). Os sujeitos, sendo singulares e resultantes de seus
respectivos contextos, formam suas práticas discursivas a partir da sua própria
realidade e para ela, junto com o conhecimento e discursos institucionalizados que
reverberam nesses sujeitos e consequentemente em suas práticas (SPINK, 2010).
Dessa forma, procurou-se analisar tais discursos relacionando-os com o lugar de
onde vêm e com o cenário macropolítico que produz lógicas e sentidos, não
separando uns dos outros.

4.2 Local do estudo


O presente estudo foi realizado em São Paulo, onde foi obtida a amostra para
a realização da pesquisa de campo.

4.3 Participantes
Os participantes deste estudo se caracterizam como um público adulto, sendo
eles 4 pessoas, com idade entre 30 e 50 anos: dois participantes são do gênero
masculino e dois do gênero feminino, de variadas condições econômicas, com o
30

critério de inclusão de já ter vivenciado um relacionamento amoroso ou estar em um


atualmente há pelo menos 1 ano. Os participantes foram obtidos através de
conhecidos que puderam indicar alguém que se encaixava nos critérios de inclusão
e estaria disposto ou disposta a participar da pesquisa (não sendo familiares e
amigos próximos).

4.4 Instrumento de coleta de dados


Para a realização deste estudo foi utilizado um pequeno questionário
sociodemográfico (disponível no Anexo I) e a narrativa autobiográfica dos
participantes; essa última ofereceu informações acerca da experiência social, da
ideologia e da subjetividade desses sujeitos, revelando as estruturas e dinâmicas
presentes nas fases da vida social ao longo do tempo.
Segundo Levinson (1978), a perspectiva biográfica combina aspectos da
entrevista de pesquisa, da entrevista clínica e de uma conversa entre amigos;
quanto ao primeiro, deve-se obter informações a respeito de alguns tópicos e o
principal objetivo é a pesquisa. Em relação ao segundo aspecto, o entrevistador
deve ser sensível aos sentimentos expressos e seguir a orientação e as redes de
significados do entrevistado ao longo da entrevista. Por último, a relação entre
entrevistado e entrevistador caracteriza-se por ser igualitária, sendo o entrevistador
livre para responder perguntas sobre sua própria experiência também.
Ainda, Hayashi e Hiroshima (1994) discutem as três funções da revisão de
vida - relembrar, avaliar e sintetizar -, principalmente em uma faixa etária mais
madura, em que existe a maior propensão a questionar e integrar vivências,
colocando uma vida toda em perspectiva e reflexão.

Esta pesquisa, portanto, se utilizou deste poderoso instrumento em que


os(as) participantes contaram suas histórias da maneira mais livre possível, sendo
direcionados(as) com perguntas apenas quando necessário (para ajudar a manter o
rumo pretendido pela pesquisa); assim sendo, foi feito um pequeno roteiro com
perguntas e temas essenciais a serem comentados (disponível no Anexo II).
31

5. PROCEDIMENTOS
A coleta de dados a que se destina este estudo ocorreu após o projeto ter
sido avaliado pela comissão científica da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de referência da Universidade.
Por conta da flexibilização do contexto pandêmico e da vacinação em massa
da população, três das quatro entrevistas puderam ocorrer de maneira presencial,
com o uso de máscaras e certo distanciamento, em um espaço aberto no qual foi
garantida a privacidade e o sigilo dos(as) participantes e suas informações ali
trazidas. Apenas uma entrevista foi realizada de modo remoto, via plataforma
Teams, mas por escolha do próprio participante.
As entrevistas, as quais aconteceram em apenas um encontro com cada
participante, tiveram duração de uma hora, aproximadamente; também foram
gravadas com a permissão dos participantes e transcritas na íntegra.
Para ingresso na pesquisa, todos os participantes selecionados e que
decidiram participar, foram submetidos à leitura dos objetivos da pesquisa e do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Seguindo também os critérios
da Resolução nº 466/2012 complementada pela Resolução nº 510/2016 do CNS,
declaramos aos participantes da pesquisa o respeito aos seus direitos, sigilo e
privacidade das informações pela ética em pesquisa em seres humanos.
Uma vez dado o aceite, os participantes tiveram acesso ao preenchimento do
questionário sociodemográfico de coleta de informações referente à pesquisa. Com
isso, se seguiu, por fim, para a parte da narrativa auto biográfica dos sujeitos.
Foram considerados também os comportamentos não verbais e as reflexões
e sensações da entrevistadora. Além disso, antes de encerrar as entrevistas, foi
dada a continência aos sentimentos e idéias presentes, pois a atividade por vezes
mobilizou conteúdos afetivos. O cuidado com a exposição dos participantes foi
constante. A entrevistadora e sua orientadora se mostraram abertas para responder
a perguntas, curiosidades e comentários dos participantes.

5.1 Procedimento de Análise dos Resultados


As informações obtidas por meio da coleta de dados foram analisadas à luz
do material produzido por meio da revisão da literatura, que consta dos capítulos
teóricos.
32

Foram feitas inúmeras leituras e sínteses das narrativas, a fim de obter um


relato condensado que ao mesmo tempo contenha as informações mais
significativas. Identificamos temas a respeito dos tópicos sob investigação. Como
afirma Bardin (1979, p.105), "o tema é uma unidade de significação que se liberta
naturalmente de um texto" ou "um feixe de relações que pode ser graficamente
apresentado através de uma palavra, uma frase, um resumo" (MINAYO, 1998,
p.208).
A análise dos resultados foi feita também a partir da Psicologia Social e sua
maneira de compreender e analisar os fenômenos. Com base no materialismo
histórico dialético, essa psicologia pensa nos indivíduos a partir de um contexto
histórico em que as relações produzidas entre eles se organizam por meio de jogos
de poder e dominação (GONÇALVES e BOCK, 2018). Assim sendo, não poderia
analisar criticamente a conjuntura das relações afetivas desses indivíduos sem ter o
enfoque no contexto histórico social em que os sujeitos se inserem, e quais
determinações os atravessam direta ou indiretamente.
Além disso, a dialética presente nessa teoria concebe as contradições como
as principais caracterizadoras dos seres, sendo de suma importância para a
compreensão da totalidade dos fenômenos; desse modo, as coisas são e não são, o
sujeito cria e é criado pelo ambiente, ao mesmo tempo, e nenhum lado predomina
ou anula o outro - eles coexistem e constituem a totalidade (GONÇALVES e BOCK,
2018).
Com isso, será possível enxergar as narrativas vividas pelos sujeitos de forma
a não reduzi-las em maniqueísmos que as descolam das realidades e contextos
complexos, em um movimento no qual a subjetividade (afetos, memórias e vivências
dos participantes) e a objetividade (realidade objetiva) dialeticamente sustentam um
ao outro e formulam as vivências.
Por último, o trabalho com a linguagem exige que se considere esta como
uma mediação das emoções, na medida em que a fala do sujeito durante a
entrevista é a significação do que foi pensado e vivido, também nas relações entre
esses significados e sentidos com as ideologias presentes (GONÇALVES e BOCK,
2018).
33

5.2 Cuidados Éticos


Nesta pesquisa destacaram-se também as questões éticas, pois as
informações obtidas envolvem um elevado grau de intimidade.
Segundo a Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012 complementada
pela 510/2016, as pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às
exigências éticas, através do respeito aos seguintes princípios e critérios
disciplinados pelos textos normativos do Brasil. Considera que sempre há riscos nas
pesquisas com seres humanos, sendo que deve haver preocupação por parte do
pesquisador em minimizá-los.

Autonomia
O critério da autonomia se refere ao direito dos sujeitos de pesquisa à sua
autodeterminação. Tal direito procura ser garantido nas pesquisas através do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, bem como pela proteção a grupos
vulneráveis e a pessoas legalmente incapazes.

Beneficência
Por este critério se entende que a pesquisa esteja comprometida com o bem
de seus sujeitos individuais ou coletivos, reais e potenciais; busque, em vista disso,
prever danos e riscos; garanta a participação dos sujeitos nos resultados benéficos
da pesquisa.

Não-maleficência
Afirma o compromisso de não causar danos, desde físicos e psíquicos aos
morais e éticos. Supõe a explicitação de medidas de prevenção diante dos riscos e
de reparação diante de danos possíveis.

Justiça
Entende-se pela justiça, que a pesquisa tenha relevância social e uma
destinação humanitária, voltada para a proteção e cuidado das pessoas e do
ambiente assegura a distribuição eqüitativa dos custos e dos benefícios entre os
sujeitos da pesquisa, sendo particularmente protegidos os sujeitos vulneráveis.

Privacidade e Confidencialidade
Implícitas no critério da autonomia, a privacidade e confidencialidade são
34

direitos dos sujeitos no que diz respeito aos dados da pesquisa que envolve sua
intimidade, vida privada, imagem e todas as informações obtidas pela pesquisa, que
os sujeitos quiserem ver preservadas. A privacidade e confidencialidade de tais
dados estão explicitadas no TCLE, bem está assegurado seu uso apenas dentro dos
declarados objetivos da pesquisa.

Houve atenção e cuidado com a carga emocional que pode ter sido
mobilizada nos encontros. Nos colocamos à disposição para outros contatos que
possam ser necessários para a elaboração das vivências relatadas, de forma a
garantir a beneficiência.

6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


A seguir, serão apresentadas as análises das entrevistas feitas, as discussões
propostas e articuladas com as referências teóricas utilizadas, assim como as
relações entre as diferentes entrevistas. A organização dessa análise foi feita a partir
dos tópicos principais que nortearam a realização das entrevistas dos participantes,
assim como os conteúdos fundamentais que fazem parte do objetivo da presente
pesquisa. Serão apresentados, também, alguns excertos de falas dos sujeitos (em
itálico), que ilustram e exemplificam a análise e os pontos cruciais das narrativas.

6.1 Irina - 34 anos, parda, casada há 9 anos e com dois filhos (6 anos e 7
meses)

● Impressões gerais
Algo marcante e significativo na entrevista de Irina foi o fato dela não ter
muitas memórias ou se recordar de detalhes importantes, principalmente acerca de
sua infância e contexto em que foi criada; falava de maneira sucinta sobre os
acontecimentos e também demonstrou nervosismo, rindo em diversos momentos
quando relatava partes delicadas da narrativa, como quando falava sobre assuntos
que explicitam seu descontentamento em casa com seu marido e situações da
infância que foram difíceis. À medida que foi sendo questionada e aprofundando os
temas, ao longo da entrevista, Irina falava mais e até mudava bastante as falas
anteriores (não sobre os acontecimentos em si, mas a sua opinião e sentimentos
35

acerca deles). Também foi possível perceber sua mobilização e emoção intensa em
uma parte específica da narrativa, que será comentada mais detalhadamente nesta
análise.

● Infância e família de origem


Irina morava numa zona rural da Bahia, com seus pais e seus 11 irmãos. Os
pais sempre brigavam, e a única lembrança deles que tem é dessa briga maior que
relatou logo no começo da entrevista:
“Eu lembro apenas de uma briga uma vez que meu pai tentou matar minha
mãe -risadas- estou rindo de nervosa; e meus irmãos mais velhos se intrometeram e
realmente, foi a primeira e única briga que eu lembro”
A briga aconteceu quando ela tinha 6 ou 7 anos, e só lembra de ver o pai de
novo quando já estava na adolescência. Também não sabia onde ele foi morar e
quanto tempo isso durou, então existe um grande hiato, um período importante que
não foi esclarecido, promovendo uma ruptura na continuidade da vida, na segurança
e na estabilidade da casa. Para além disso, parece ter reprimido este período por
tamanha dificuldade e sofrimento que deve ter sido viver isso (a briga, o pai saindo
de casa, o que isso produziu na família).
Não lembra de carinho entre eles, do pai em casa de dia, não tem memórias
dessa vivência e cotidiano em casa de maneira clara. Também diz não ter uma
relação paterna com o pai, caracteriza como uma “boa relação” atualmente, mas que
nunca foi de cuidado e responsabilidade, pois era a mãe quem cuidava e decidia
tudo. Claramente existe, então, uma falta da figura paterna e uma contraposição
entre aparência e realidade no discurso de que a relação com o pai é boa, visto que
os conflitos nunca foram trabalhados ou ao menos evidenciados.
Além disso, a mãe era rígida e restringia bastante o que fazia: deveria estudar
e ajudar na casa, apenas. Uma família conservadora nos costumes, em que as
relações de poder existentes e os papéis exercidos por cada um são naturalizados e
necessários para a sobrevivência, exatamente como teorizado por Lane (1981).
Essa falta de questionamento pode ter como consequência a dificuldade da tomada
de consciência e alteração desses papéis estipulados, o que permite que Irina
continue buscando cumprir e se encaixar nessa posição atribuída a ela, e não
encontrar o que realmente faz sentido para si.
36

Irina conta também sobre a falta de diálogo em casa, diante de todas essas
situações e contextos difíceis, quase sem possibilidade de escuta e expressão, e
que depois foi possível notar uma atualização dessa falta, mas com pessoas
diferentes. Assim, o mesmo padrão de não enfrentamento das dificuldades e
conflitos se repete, o que faz com que permaneçam sendo negados ou mascarados.
Também relata que seus irmãos eram muito protetores uns com os outros, talvez por
serem em muitos, mas também pela tensão entre os pais que normalmente se
apresenta como uma violência para as crianças.
A violência dentro da casa aparentemente sempre esteve presente, de um
jeito ou de outro, o que também é confuso em sua cabeça. Não se lembra se
apanhavam, sendo que os irmãos dizem que apanharam bastante. Parece que
reprimiu, esqueceu muitas situações de violência dentro de casa, para talvez
suportar a sua história e a própria relação com a família. É também uma
característica do apego ansioso em adultos, como visto anteriormente e postulado
por Hazan e Shaver (1987), que existam experiências conflitantes, pouco elaboradas
e essa expressiva incapacidade de Irina reconstruir e contar sobre sua infância com
clareza, coerência e detalhes.
O contexto conturbado, marcado pela violência e outros fatores de
vulnerabilidade social como a pobreza e escassez de recursos (HALPERN, 1990
apud DALBEM e DELL’AGLIO, 2005), e a maneira rígida que Irina estabeleceu o
vínculo com seus pais, produziu muito provavelmente esse estilo de apego inseguro
que constrói um modelo interno de representação mal adaptado, assim como uma
mentalização empobrecida (FONAGY e TARGET, 1997) e uma limitação da sua
capacidade de representação (COOK, 2000); da mesma forma, esse processo de
representação do que foi aprendido e vivido, aliado às ideologias vigentes, contribuiu
para a constituição de sua dimensão subjetiva da realidade, ou seja suas crenças,
valores, conhecimentos e afetos (FURTADO, 2002).
É por meio desse modelo interno de funcionamento que a participante tende,
ao longo de sua narrativa, a repetir o padrão de apego inseguro (ansioso, mais
especificamente) constituído em sua infância, estando submetida à perpetuação dos
mesmos modos de se relacionar pela falta da reflexão e da crítica sobre as relações
e conflitos que a compôs (RAMIRES, 2003), visto que a falta de diálogo e a
existência de outras prioridades de sobrevivência sempre se sobressaíram em sua
história.
37

● Experiências amorosas
Iniciou sua vida amorosa um pouco antes de ir para São Paulo a trabalho
(como todos os seus irmãos), com seus 18 anos, portanto apenas quando sai de sua
cidade começa sua vida sexual - quando se distanciava de casa e de sua mãe, que
era rígida, não permitia que se relacionasse dessa forma. Parece que cria-se, então,
uma espera muito grande para que a vivência de sua sexualidade aconteça e talvez
uma frustração/desencanto com o amor romântico idealizado, permeado pela
fantasia de completude, felicidade e realização plena, como posto por Menezes e
Barros (2008). E isso só é possível de ser compreendido pois Irina relata não ter tido
uma primeira vez "dos sonhos" e, com isso, ter se desencantado com esse tipo de
ideal ou plano para sua vida.
Com isso, era uma mulher com desejos e sonhos, mas que passou a não
enxergar a possibilidade de realizá-los para si, pois conviveu com frustrações que
aparentemente transformaram sua identidade e autoestima. Quando conta sobre
suas primeiras relações afetivas, sempre fala sobre essa ideia de que pensava ser o
grande e verdadeiro “amor da vida”, se imaginava casando e construindo sonhos
com a pessoa, mas relata de uma maneira frustrada e desiludida como “ainda bem
que não era”, como se tivesse que se convencer que nunca quis aquilo de verdade
quando lhe foi negada a realização dessas expectativas. Nisso, o quão simbólica é a
frase "eu nunca tive essas coisas de amorzinho”, diz que não se apegava, mas ao
mesmo tempo tinha grande envolvimento e expectativas com seus parceiros; há
uma contradição entre essas expectativas e a maneira como se colocava para evitar
frustrações, de modo que os vazios permanecem sem afeto.
Além disso, novamente há a presença do apego ansioso, que agora se
atualiza para a fase da juventude de Irina; primeiramente, sua privação de
experiências pelo alto grau de controle de sua mãe, além da falta de estímulo e
incentivo que a levassem a construir autonomamente seu projeto de vida de acordo
com seus próprios interesses (algo que com certeza se deu pela condição
socioeconômica da família, na ideia de que é um privilégio poder escolher e realizar
suas aspirações) é algo já característico desse estilo de apego (KOBAK e COLE,
1994).
A construção da identidade de Irina se dá, então, a partir de uma falta
significativa de afeto em sua matriz de desenvolvimento, por onde há uma
38

aprendizagem acerca das relações afetivas que a permeiam, além da história de


violência de gênero (KHOURI, 2006) presente em sua casa; é imprescindível que se
considere tal contexto para analisar o desenvolvimento da participante e as relações
pelas quais transitou (DUTRA, 2014).
Importante, aqui, fazer o recorte de gênero, classe e raça, em que às
mulheres negras periféricas são atribuídas uma condição de maior vulnerabilidade
social (pela discriminação tripla: de gênero, de classe e do preconceito racial), como
pontuado por Rufino (1999). Ademais, comumente são negadas a essas mulheres a
fantasia de amor pleno e vitalício, de construção de família e sonhos conjuntos,
tendo vidas circunscritas pela solidão e a permanência nesse lugar de não se
sentirem no direito ou posição de desejar e ser desejada, causando baixa
autoestima e levando a maiores chances de viver em ambientes violentos e a
experienciar relacionamentos abusivos (IPEA, 2013). Adentrando as vivências
amorosas e por último a atual relação com o marido, essa temática será mais
explicitada e aprofundada dentro da história de Irina.
Quando perguntada sobre relações marcantes que teve em sua vida, Irina
responde que não teve, que todos os seus namoros foram “tranquilos, nunca teve
abuso, agressões”. Percebe-se, então, como ela entende "marcante" como algo
negativo, algo que fez sofrer ou causou trauma, não como importante, significativo,
etc. Dessa forma, não considera que suas experiências encaixem nesse termo, pois
não tiveram esse tipo de abuso ou violência, mas relata que foram relações com
traições, a falta de reciprocidade e decepções nesse sentido.
A falta de diálogo, que sempre foi presente em sua vida, fez com que
experienciasse relacionamentos que nunca foram acabados ou resolvidos, como ela
relata a seguir:

“Acho que meus relacionamentos eram assim muito inacabados, eu


simplesmente sumia ou ele sumia e pronto, acabou. Não tinha muita conversa, e
acho que até hoje nunca teve muita conversa (rs).” “Mas você acha que é uma
dificuldade sua ou do outro?” “Muito minha, viu, eu não chego pra perguntar pra ele
o que ele quer, eu não pergunto, se eu vejo que tá distante, eu deixo ir, e já vou
seguindo também.”

O inacabado representa justamente o não-diálogo que produz o não-saber


porque acabou, uma sensação de que acabou repentinamente e/ou que não está
39

acabado, continua latente, apesar do grande interesse e envolvimento com a


pessoa. Também cabe pontuar essa distância produzida pelo não-falar, que leva a
uma espécie de abandono, e à impressão de que há uma maior facilidade em ser
abandonada do que lidar e se confrontar com o conflito.

No Brasil há a ideia, aceita popularmente, de que o conflito é algo negativo e


que deve ser evitado; na verdade, muitas vezes ocorre porque os parceiros dão
significados diferentes a uma mesma situação. Assim, encarar o conflito traz a
possibilidade de cotejar os significados, explicitando as diferentes compreensões do
mesmo fato ou situação, resolvendo-o e aprimorando a capacidade de expressão e
também de compreensão do outro (SOUZA, 2003).

No apego ansioso, este também é um aspecto comum: evitar confrontos, ser


mais passiva e ter, frequentemente, experiências frustrantes ou insatisfatórias com
relacionamentos, produzindo certa angústia confusão (HARVEY, 2000 apud
DALBEM e DELL’AGLIO, 2005). Da mesma forma, nesse apego e na representação
rígida produzida, há uma falta de compreensão de que as relações existem e se
mantêm a partir da percepção e compreensão dos sentimentos do outro (e
vice-versa), recurso este que Irina tem dificuldade de conceber em suas relações
(FONAGY e TARGET, 1997).

A possibilidade de atualização e renovação desse modo de se relacionar, que


poderia acontecer com diferentes estímulos em novas relações e principalmente
contextos de maior reciprocidade e segurança (COOK, 2000), claramente neste caso
não foi favorecida. Parece que Irina não vivenciou relações que pudessem levá-la a
abrir-se para uma maior reflexão e busca de outras possibilidades (pelo contrário,
reafirmam sua falta de segurança e confiança), não só de relacionamentos, mas
sobre como colocar-se nos espaços.

Lembrando também que Lewis (2000 apud DALBEM e DELL’AGLIO, 2005),


da mesma forma, coloca essa possibilidade de crescimento e formação de novos
laços como influenciadas pela maneira como as experiências de ruptura foram
elaboradas; no caso de Irina, as violências e abandonos sofridos não foram
elaborados, nem sequer esclarecidos e revisitados, assim dificultando mudanças
significativas.
40

● Relacionamento afetivo atual


Hoje em dia, é casada há 9 anos e tem dois filhos com este companheiro.
Começa contando que antes era independente (estudava, trabalhava e morava
sozinha); depois que engravidou - e se viu obrigada a casar - "parou mais". Tanto
que hoje em dia se encontra desempregada para conseguir conciliar os filhos e a
rotina com o trabalho do marido. Quando se trata de mulheres, principalmente
mulheres negras, há uma sensação de não ter escolha, de sempre serem sujeitas a
interromperem seus projetos pessoais por causa da maternidade, de modo que se
tornam reféns do espaço doméstico, como levantado por Ruffino (1999).
Colocar a vida e individualidade do homem como prioritária, e a da mulher
como coadjuvante e secundária, por um motivo que atinge (ou deveria) igualmente
os dois - os filhos do casal, também se caracteriza como uma forma de dominação,
controle e violência, como visto anteriormente com Chauí (1985) e Teles e Melo
(2002). Os autores pontuam que o impedimento da atividade do outro, em uma
relação entre superior e inferior, e todo comportamento que se utilize para submeter
a outra pessoa a uma situação indesejada tal como a privação da liberdade
individual, se caracteriza explicitamente como violência. Para além disso, existe o
não reconhecimento e consideração da mulher como sendo uma pessoa com
planos, desejos e sonhos, antes mesmo de ser mãe, algo que nunca deixa de ser
considerado com os homens.
“Tem esse problema, a responsabilidade dos filhos fica mais com a mãe, e
quando eu saía pra trabalhar ele cuidava dos meninos, e ele já achava isso muito
pesado; ele trabalhava durante o dia e depois cuidava deles por 2 ou 3 horas
enquanto eu estava faxinando, e achava isso muito pesado pra ele, que não era
responsabilidade dele, só que é.”

Logo em seguida, explica que parou de trabalhar também porque ele não
queria arcar com a sua parte em cuidar das crianças, mas que sua decisão de se
demitir foi mais pelo fato dos horários da família não encaixarem; mesmo assim,
diante desse contratempo, quem teve que parar de trabalhar foi ela, o que diz sobre
exatamente essa prioridade da vida do homem. Assim, de Irina é retirada a sua
autonomia, sua possibilidade de fazer escolhas, sua independência econômica,
características típicas de relacionamentos abusivos (PAIVA e FIGUEIREDO, 2003);
além disso, uma aproximação possível se faz com o conceito de violência
41

patrimonial, que diz sobre a dependência financeira das mulheres de seus maridos e
a consequente submissão dessas mulheres (MARQUES, 2005).

Diz abertamente que o erro foi ter começado a morar junto depois de 3 meses
de relação, o que foi precipitado na visão dela e levou ao impulso de ter seu primeiro
filho e casar, o que ela não gostaria naquela época ou com ele, pelo menos. Nisso,
fala sobre a grande possibilidade de que hoje em dia não estaria mais com ele se
não tivessem os filhos. Desse modo, Irina parece viver sem espaço para seus reais
desejos e vontades como mulher, tendo pouca consciência sobre isso e acarretando
em frustrações e incômodos não reconhecidos.
“Mas então você acha que se não tivesse engravidado, não teria casado com
ele?” “Eu acho que eu não teria casado, não; não sei se estaríamos juntos hoje em
dia... acho que não, porque querendo ou não, homem é um pouco mais rígido, mais
grosso, você querer ser dono de alguma coisa, como se eu fosse algo, mas eu acho
que é isso, eu não sei se eu estaria casada.”
Relata, aqui, um incômodo estando diante da ideia de ser algo que pertence
ao outro, que deve servir e dar condição para o outro se desenvolver enquanto ela
não pode; a maneira como ela retrata essa situação dá a impressão de que essas
relações de poder são naturalizadas, o que acaba justificando tal dominação
masculina e mantém as mulheres nas posições de submissão (BAPTISTA, 2020). O
“rígido e grosso” que ela está falando, camuflado como uma personalidade, é
justamente sobre os papéis desempenhados e as violências atreladas a eles (LANE,
1981), papéis estes que retratam a visão social acerca dos gêneros e, assim, o
encobrimento da própria estrutura social que determina o direito do homem de
dominar e a obrigação da mulher em obedecer (RAFAEL e MOURA, 2014), além do
poder concedido aos homens para que essa dominação ocorra (PEREIRA e
PEREIRA, 2011).
Mais adiante, é possível observar a semelhança do que a mãe vivia com o
que ela vive agora. Conta sobre a relação de seu marido com o álcool e o fato de
que o pai também bebia (e inclusive estava bêbado na noite em que tentou
assassinar sua mãe), e é inegável que ambas, Irina e a mãe, passaram pela
violência de gênero (KHOURI, 2006); aqui observa-se a transmissão geracional
(WAGNER, 2014), na qual a família é o locus onde se aprende sobre as relações
afetivas e as experiências (além das normas, crenças, valores e padrões), no geral,
42

ficam gravadas e influenciam os interesses e decisões que serão tomadas no futuro,


sendo perpetuadas.
Da mesma forma, esse homem livre sai e bebe, volta e fala coisas duras de
ouvir, faz Irina ficar calada - o que a emociona imediatamente e a faz chorar quando
fala sobre isso, mostrando que é uma ferida aberta, não elaborada, pois não é
tocada. Irina também comenta sobre ter que ficar com seus filhos sozinha no fim de
semana, pois seu marido sai de casa. Essas situações dizem respeito à violência
estrutural que cria desigualdades entre os gêneros, o que implica divisões de tarefas
e responsabilidades diferentes, limitando as possibilidades dos indivíduos e criando
distribuições desiguais de poder (PARKER, 2013).
É dessa forma que Irina fica sujeita a tolerar os comportamentos do marido
porque este provê materialmente, mesmo sendo ela quem sustenta a grande
responsabilidade sobre o bem-estar na casa, do marido e dos filhos. Aqui, se
apresenta uma materialização dessas desigualdades, na forma de uma hierarquia
(BUTLER, 1999) em que a função de prover economicamente é mais valiosa do que
a do trabalho doméstico e do cuidado dos filhos, por exemplo, e assim se mantém a
dominação do “mais valioso” sob o mais “fraco” e torna-se possível o surgimento de
relações violentas, como posto por Baptista (2020).
“Eu fico calada porque a responsabilidade dos filhos é mais da mãe do que do
pai”
A transmissão geracional aparece novamente quando Irina comenta que seu
marido “é machista como o pai dele, que foi criado assim, mulher faz isso, mulher faz
aquilo”. Williams, Ghandour e Kub (2008) evocam a ideia de que a tendência em ser
abusador pode ser proveniente de elementos familiares, culturais e pessoais;
portanto, quando o contexto social e familiar do abusador é circunscrito por práticas
sexistas, inserem um padrão de comportamento que influencia suas relações futuras
(CARIDADE e MACHADO, 2006), e não há parâmetros para acreditar que suas
ações caracterizam comportamentos abusivos (TOSTA, 2017).
A falta do exercício de uma paternidade saudável, então, se repete e se
atualiza em sua vida: seu pai não proveu tanto emocionalmente quanto
materialmente, ela e seus irmãos sempre estiveram sob cuidados e responsabilidade
integral de sua mãe. Já com seu marido, ele está presente trabalhando e provendo
economicamente sua família, mas faltando na questão afetiva novamente.
43

O que Irina gostaria que seu marido fizesse mais, não é sobre as
responsabilidades e deveres de casa, mas sobre ser mais afetivo com os filhos e
estar mais presente com eles. "A criança cresce e acha que só tem mãe". E
justamente, na vida dela, ela sempre quase que só teve mãe e não desenvolveu
essa relação próxima com o pai, de afeto e cuidado. Conta inclusive que seu marido
tem outros filhos de outro casamento, e é distante deles por também não ter
desenvolvido uma relação íntima de cuidado e afeto. É possível ver uma falta de
questionamento de sua conduta que também faz parte da maneira como exerce o
poder e onde está o seu valor, a partir do que lhe cabe no papel de homem:
trabalhar e sustentar a casa, nada para além disso. Em seguida, explica mais sobre
como ele é perante os filhos: cumpre, mais uma vez, o papel de homem e pai
tradicional, que é caracterizado por uma presença rígida e temida, pouco afetuosa,
que tem apenas a função de "educar" através do medo e da ordem, em uma relação
vertical com os filhos, assim como com sua mulher.
“Ele é meio ogro com as crianças, mal educado, grosso, isso pesa nas
crianças; e até as crianças não vão respeitar ele, vão ter medo dele. Isso já é chato
mesmo, e eu já não gosto também disso. Você tem que conquistar o respeito dos
seus filhos, não botar medo neles.”

Por outro lado, fala que tem uma “conexão” muito forte com seu marido, que
tudo entre eles é conversado, mas para exemplificar essa conexão diz que um tem
acesso e vê o celular do outro, quando na verdade isso é uma forma de controle e a
expressão da insegurança de ambos na relação (NEAL, 2018).
Quando perguntada sobre a forma como o marido a vê, se ele a encoraja ou a
prefere em casa, ela diz que ele encoraja, mas na mesma frase conta que teve que
mentir para ele sobre participar da entrevista, pois se ele soubesse não iria gostar,
então mentiu para “não causar um desconforto”. Fala que o conflito seria porque ele
é ciumento, desconfiado, e que “isso é um saco”, concordando quando há a
sugestão de que existe uma tentativa de controle, mas que, segundo ela, “não é algo
abusivo, só é chato e desconfortante”. Demonstra claramente a não compreensão
sobre o que é abusivo, e talvez até uma certa negação, visto que a violência
psicológica e verbal é a mais comum nas relações abusivas e a mais difícil de ser
identificada, pela sua extrema banalização e normalização (BESERRA et al., 2016).
44

Além disso, como posto por Neal (2018), o ciúmes, isolamento e controle são alguns
dos principais instrumentos usados pelo abusador para controlar sua vítima.
Da mesma forma, vale lembrar que a coisificação (não humanização, visão de
que aquela pessoa é um objeto a ser dominado) faz com que o abusador enxergue a
vítima como uma extensão de si mesmo, o que explica a necessidade de se impor e
moldar aquela pessoa. Logo, qualquer situação que coloque a vítima “em vantagem”
ou contribua com a sua individualidade, como Irina indo fazer a entrevista pelo seu
interesse próprio ou continuar pondo em prática seus planos de vida, representam
uma ameaça ao abusador (PEREIRA, 2021).
Fala sobre as suas insatisfações no casamento, o quanto não tem medo de
se separar só por ficar sozinha, mas pelos filhos. Diz que não tem vontade de
separar no geral, só quando brigam, porque o marido “ajuda” com as crianças; de
todo modo, é ele quem está constituindo a família com ela, criando os filhos mesmo
que minimamente, e isso representa para ela a noção de estrutura, de maior
segurança, de talvez uma ideia de realização ligada ao ideal de amor, ao casamento
e a permanência neste (MALVEIRA, 2020). Traz a ideia de que é melhor continuar
com ele nas adversidades do que "fracassar" na função família, se separando;
novamente percebe-se a perpetuação de padrões arcaicos na visão do divórcio
como uma transgressão, que deve ser evitada a qualquer custo.
“E isso tudo é algo que te preocupa?” “Ah, eu me preocupo, mas depois de
nove anos eu nem ligo mais. Já me acostumei, mas às vezes dá uma reviravolta, um
estresse rs... um nervoso de mudar, de querer outras coisas, então…” “E você lida
como com isso de querer mudar?” “Ah, eu não faço nada, vou brincar com meus
filhos e pronto…” “Tenta esperar passar?” “É, espero passar e pronto, não fico muito
apegada naquele assunto não.”

Irina fala sobre os momentos em que tem muita vontade de mudar sua vida, o
que dá a entender que é se separar do marido; mostra o quanto é difícil e doloroso
pensar em modificar o que não gosta em sua vida, o quanto é mais fácil permanecer
com ele, por mais que não seja o que ela quer, muitas vezes, e continuar sofrendo
com a falta de amparo e cumplicidade. Por isso, ela logo se força a se distrair e fugir
desses pensamentos. Acompanhamos Sousa e Rosa (2006) quando listam alguns
motivos que influenciam na permanência em um relacionamento abusivo, como o
medo do desamparo, a dependência financeira e emocional, além de sentimentos
45

como a culpa e a vergonha, características que combinam com a história e relatos


de Irina.
Essa indecisão de Irina, o querer e não querer se separar, nos trazem a
noção apresentada por Baptista (2020) de que a violência psicológica feita pelo
abusador acarreta inúmeros sofrimentos psíquicos, dentre eles o impacto sobre a
capacidade de tomar decisões. Bourdieu (2002) nos lembra que, para ser possível
sair de uma relação como esta, é imprescindível que se perceba e reconheça a
violência como tal, algo que infelizmente aparenta ainda não estar ao alcance de
Irina.
Fala sobre a dinâmica de brigar, não falar e não escutar que também existe
entre eles. Não há construção de diálogo, de relação, como também nunca
aprendeu a fazer em sua família de origem. Prefere se afastar, se distanciar, e
considera até não conversar mais sobre as brigas e assuntos que importam para ela,
pois, segundo Irina, as conversas não adiantam de nada porque seu marido nunca a
ouve; e vai além: Irina sente que isto acontece não apenas com ele.

Ela conta que não se sente ouvida no geral, não sente que as pessoas dão
atenção para o que fala/expressa, então por vezes deixa de falar por esse motivo.
Irina traz algo que é muito comum na vivência de mulheres: a irrelevância da fala, o
não-lugar, o desinteresse dos outros no que elas têm a dizer e nos seus sofrimentos.
Provavelmente, dessa forma vai se apartando também de seus sentimentos e
continua não tendo que enfrentar a crise que viria da sua necessidade de mudança.
E, entendendo que existe uma dinâmica de estabilidade do apego inseguro
(FONAGY, 1999 apud DALBEM e DELL'AGLIO, 2005), é compreensível que abra
mão de si por uma sensação de segurança (que inclusive pode ser falsa).

“Eu acho que eu sou fácil de me expressar, eu falo quando não gosto de algo,
mas não sei se as pessoas levam a sério ou não o que eu falo, e fica nisso. Aí fico
meio assim, às vezes é melhor ficar quieta porque não tão dando atenção.”

A família de seu marido, que mora próxima a eles, também lhe dá essa
impressão: parece que não se importam com o que ela tem a dizer, somado à falta
de intimidade e até a inexistência de uma rede de apoio, pois não se sente
confortável para pedir ajuda com as crianças, o que produz solidão e isolamento em
sua maternagem e vida cotidiana. Assim, Irina se encontra muito sozinha, em vários
46

sentidos diferentes: tanto em sua responsabilidade de cuidar dos filhos, quanto com
a falta de relações próximas que a ajudem a suportar essa rotina e seus problemas
diários (além da sua família, com que às vezes pode contar, mas mora longe).

“E você acha que na sua vida você tem com quem compartilhar as coisas
(seus problemas e dificuldades)?” “Eu não compartilho, eu guardo pra mim mesma,
eu não confio muito nisso de conversar sobre essas coisas…”

Ainda nesse âmbito de sua relação com a família do marido, Irina conta que
uma de suas cunhadas vivencia uma relação abusiva, que envolve violência física.
Quando tenta desabafar com ela, a cunhada sempre reproduz o discurso de que tem
que aceitar o outro como ele é, que as brigas passarão, que é normal, e Irina não
concorda com isso e decidiu se afastar dela. A participante demonstra ter uma noção
dos problemas existentes na sua relação conjugal, e o perigo de discursos como os
da cunhada, mas não considera sua relação como abusiva, pois não envolve a
violência física, como é com a cunhada; algo muito comum, no imaginário das
vítimas, acreditar que apenas a violência física configura o abuso, pois não é tão
banalizada quanto a violência psicológica, por exemplo (BESERRA et al., 2016).
Talvez também exista uma identificação com essa cunhada, e o afastamento
acontece devido à impossibilidade de estar perto de uma situação que lhe cause
desconforto pela semelhança (mesmo não sendo consciente de que essa
proximidade existe).

6.2 Valmir - 36 anos, pardo, casado há 13 anos, um filho de 12 anos

● Impressões gerais
Valmir parecia tranquilo durante a entrevista, fazia falas um pouco curtas mas
que expressavam claramente o que gostaria de dizer. Falava sobre sua infância com
dor, pelas dificuldades que enfrentavam, mas também com um saudosismo da
época. Foi transparente em sua narrativa, retratando de uma maneira elaborada
suas vivências do cotidiano, assim como as do passado; no entanto, ao falar sobre
seu atual casamento, apresentava maiores contradições e sentimentos conturbados,
por talvez perceber que estava em uma situação que não desejava e não conseguia
contornar. Apesar de relatar ser tímido e dizer, durante a entrevista, que era melhor
47

para ouvir do que para falar, conseguiu falar sobre sua história e suas questões com
muita propriedade, discriminando sentimentos e se expressando muito bem.
Demonstrou estar seguro e confiante no espaço promovido para a entrevista e, com
isso, apresentou uma enorme clareza e compreensão acerca dos temas que
compõem sua narrativa, em uma dimensão muito realista e coerente.

● Infância e família de origem

Valmir nasceu no interior de Minas Gerais, onde morava com seus 9 irmãos e
seus pais; relata que eram tempos difíceis:

“Minha mãe não trabalhava fora e meu pai trabalhava aqui em São Paulo, só
que ganhava pouco na época, e o dinheiro que ele tinha era só pra comer mesmo. E
na zona rural que a gente morava, a gente sobrevivia na maneira que podia, que
proporcionava pra gente. E é isso, a gente passava bastante necessidade na época,
porque uma casa com 9 irmãos, uma renda baixa, a gente dependia bastante da
ajuda dos outros, do vizinho, governantes…”

“Na época era triste mesmo. Era coisa tipo assim, de sair pra pegar água em
outro lugar porque o riozinho secou, nossa era muito, muito triste aquilo ali, você não
ter água nem pra beber, tem que buscar na cabeça ali pra levar, roupa lavar em uns
rios longe”

Sua mãe trabalhava na roça, cuidando dos filhos e da casa, enquanto seu pai
trabalhava em São Paulo e alternava entre períodos curtos com a família e períodos
longos trabalhando; por isso, conta que só foi ter a primeira imagem de seu pai
quando fez 2 anos de idade, e mesmo assim não lembra muito como era. Assim, da
mesma forma que Irina, não tinha uma relação íntima de cuidado e afeto com o pai,
pois as responsabilidades de cuidado se encontram novamente no papel da mãe, e
o dever de prover é do pai. Valmir diz que, aos seus 15 anos, pôde compreender
melhor sua dinâmica familiar e estabelecer uma relação com o pai:

“Então a relação com seu pai não era muito de pai né” “Não, por causa disso
mesmo, ele não tinha uma presença muito paterna, não sentia isso. A presença
paterna dele foi lá na adolescência, dos 15 em diante que ele foi pra lá (para Minas)
e não voltou mais; até voltou depois, mas a gente já tinha uma ligação né, mas eu
48

sou mais apegado mesmo na minha mãe, nossa relação é mais forte que a dele.
Tanto que quando eu vou pra lá, não tenho uma abertura com ele igual tenho com a
minha mãe. Eu converso mais com ela, saio mais com ela do que com meu pai,
acho que por causa da infância não ter esse afeto né, aí por isso ficou essa
distância.”

Nessa parte, Valmir fala mais sobre a dinâmica familiar que possibilitou uma
aproximação e intimidade muito maior com a mãe, com quem cultiva essa relação
até hoje. Com o pai, se sente menos íntimo e próximo; a distância e longos períodos
afastados na infância deixou uma marca permanente na relação, sendo apenas na
adolescência que consegue aprofundar esse vínculo.

“Então, quando eu já comecei a entender que ele voltava, a gente tinha muita
saudade e ficava muito feliz porque ele levava presente, mas logo logo também,
passava 15 ou 20 dias e já ia embora de novo.”

Fica claro que a ausência do pai não foi uma escolha do mesmo: ele fazia
isso para conseguir sustentar a família, que se encontrava em situação de muita
vulnerabilidade, como dito por Valmir. Seu pai era dedicado a garantir a
sobrevivência da família, mesmo que isso custasse sua relação de proximidade com
os filhos e a esposa. Apesar da distância, mantinha uma boa relação e convivência
com o resto da família, contando Valmir que nunca foi uma “família de brigas”,
demonstrando que, na medida do possível, conseguiam conciliar um ambiente
saudável dentro de casa. Para exemplificar o ambiente familiar positivo, conta que
seus pais estão juntos até hoje, o que não necessariamente significa que é uma
relação saudável, visto que duração é diferente de satisfação, como pontuado por
Giddens (1993).

Com isso, em sua casa todos ajudavam a mãe a realizar as tarefas


domésticas e o trabalho na roça, e à medida que os irmãos iam fazendo 18 anos,
vinham para São Paulo também. De maneira similar à história de Irina, encontra-se
este fenômeno de migração do campo para o centro urbano como forma de tentativa
de mudar de vida e busca de oportunidades, sendo algo que carrega uma grande
promessa de transformação para essas pessoas. Fala mais sobre isso quando conta
sobre a sua vinda:
49

“Terminei o segundo grau lá mesmo, e vim pra cá a procura de emprego, com


18 anos. Terminei os estudos, é o sonho de todo mundo a cidade grande né, é lá
que tudo acontece…”

Em seguida, comenta mais sobre como era a relação com sua mãe:

“Esse jeito antigo de ter uma postura totalmente diferente da nossa, então era
bem rígida, não tinha moleza com a gente. Naquela época era pouca informação, ela
não teve estudos, então é tudo pra eles era tinha que falar firme pra criança poder
entender quem ta dando a ordem ali, então era rígida. Não tinha mão na cabeça
não.” “E por exemplo, se quisesse conversar de um assunto, como era?” “Não tinha
muita conversa na época né, e assim ela só sabia fazer o que aprendeu com os
pais, então os pais dela já tinham essa mania, maneira de tratar, ser educado assim
na base de rigidez mesmo, mas assim amorosa era, na maneira dela ela era.”

Aqui, Valmir fala claramente sobre a transmissão geracional (WAGNER,


2014), que também já apareceu no relato de Irina. A mãe dele aprendeu a ser rígida
e a educar da mesma forma que seus pais, com ordem e disciplina, e com pouco ou
nenhum diálogo. Falando mais sobre as relações dentro de sua família de origem,
diz que os irmãos cuidavam muito uns dos outros, sempre obedecendo aos mais
velhos quando o pai não estava e quando a mãe precisava sair; nesses momentos,
também contavam com a ajuda de tias e primas que moravam na região e se
disponibilizavam para cuidar das crianças.

Observa-se, aqui, a existência de uma rede de apoio familiar, que possibilita


os pais saírem e realizar seus trabalhos para prover economicamente a família, e
sendo possível supor a existência de relações tanto simétricas, com primos e
irmãos, proporcionando a prática social na vivência da competição, cooperação,
intimidade, como também relações hierárquicas, com a mãe e tios, o que pode ter
contribuído para a construção de representações internas de cuidado, amor,
autoridade, entre outras.

Depois, o participante conta um pouco sobre como era na escola. Relata que
começou a estudar com 7 anos e sempre tirou notas boas, adorava estudar. Conta
também como era ir até a escola, que no começo ficava bem próxima à sua casa,
mas a partir do quinto ano tinha que andar 10 quilômetros até a estrada mais
próxima e pegar o ônibus para a escola, que agora ficava na cidade. Tinha bastante
50

amigos, e retrata a época da escola como “muito boa, gostosa e proveitosa; é onde
você vai conhecendo, se formando sua personalidade, tudo. Então gostava demais”.
Aqui, constata-se a presença de mais modelos simétricos e hierárquicos de relação,
uma multiplicidade tão importante quanto o seu esforço e interesse na escola.

Sua mãe era exigente com os estudos também, por mais que não pudesse
ajudar a estudar; participava de reuniões na escola com as professoras, cobrava as
lições de casa e as notas baixas. É importante dizer que a autoridade representada
pela sua mãe faz com que Valmir, quando criança, pudesse saber quais são as
regras e as consequências de segui-las ou não; inclusive para questioná-las na
adolescência, porque são claras, podendo desafiar, transformá-las ou mesmo
reproduzi-las na própria vida.

Em um dado momento em que fala sobre sua mãe, é perguntado se ela batia
nele e nos irmãos; Valmir responde:

“Sim, mas que que acontece, não era apanhar à toa, é criança, né, muito
arteira, só que minha mãe era assim; até ontem, conversando com meu filho sobre
esse assunto, ele disse ‘ah mas hoje não pode bater’; hoje não, mas na época sim,
não tinha essas leis. Só que sua avó, se fosse lavar um prato e quebrava, a punição
era uma surra. Se mandasse na casa de alguém, e você demorasse, ela contava
nos dedos os minutos e era uma surra. Qualquer coisinha, ou responder também, na
época a gente respondia muito. Então a gente apanhou bastante (risos), mas era por
isso mesmo.”

Valmir não reproduz em suas práticas com seu filho o mesmo tipo de
educação que sua mãe dava, ele próprio parece não concordar com essa educação
que incluía bater. A educação punitivista com violência física, fundamentada na
nossa cultura de violência (SIMÕES, 2007), ainda é muito comum, mas por muito
tempo foi vista como a única forma de educar as crianças. É importante ressaltar
que a punição física institui o ciclo da violência dentro de casa, fazendo com que a
criança aprenda a ser violenta e a comportar-se de forma violenta com as outras
pessoas (SIMÕES, 2007), identificando-se com o agressor ou agressora.

Mais adiante na entrevista, Valmir conta sobre experiências marcantes que


aconteceram na sua infância. Ambas são muito violentas e traumáticas, dizendo
respeito ao suicídio de dois parentes: um tio com quem não tinha muita convivência
51

e do qual não guarda memórias, pois era pequeno, e seu padrinho, de quem era
próximo e viu o corpo pendurado em uma árvore próxima de sua casa. Diz que ficou
muito abalado e que ninguém nunca soube o motivo, visto que o padrinho iria casar
em uma semana com uma prima. Estas experiências certamente tiveram influência
na subjetividade de Valmir, marcadas pela brutalidade, violência e a falta de
significado e elaboração; tendo que lidar com esses traumas precocemente, e
principalmente pela perda do padrinho próximo (que em certa medida pode cumprir
a função de um pai, na falta deste), tais perdas poderiam ter se tornado (ou se
tornaram) um luto complexo, até mesmo pela falta de reconhecimento social do
suicídio.

● Experiências amorosas
De forma muito semelhante a Irina, Valmir não tem relações amorosas
significativas até vir para São Paulo; de novo aparece a ideia de uma espera, um
não investimento na vida e nas relações da cidade natal (talvez até pela perspectiva
de perda), e a associação com as promessas no entorno da vinda para São Paulo,
de que tudo poderia acontecer só quando chegasse aqui. Assim, há uma
idealização, uma promessa de vir a ser alguém na cidade, algo muito comum e por
vezes irreal na vivência de migrantes, os quais depositam sonhos que por vezes se
dão apenas pelo desejo de mudança e da possibilidade de uma vida mais digna,
nessa vinda para a cidade (SOTERO, 2009).
“Então, as relações que tive na época de adolescente era só passageira
mesmo, ia pra festa conhecia uma menininha, ficava de beijo e só né, não tinha
aquele namoro extenso não. E era isso, na adolescência a partir dos 15 anos que
começa a desenvolver essas questões de âmbito amorosas, não tive muitas
relações, então no tempo da escola foi isso e depois que vim pra São Paulo só tive
essa relação que eu tô agora, então foi pouca coisa profunda mesmo” “E nesse meio
tempo que você não conhecia ela, não teve ninguém aqui?” “Teve, mas coisas
passageiras, só ficadas, nada que representou interesse profundo em mim”
Valmir, dessa forma, não contou mais aprofundadamente a respeito de
nenhuma outra relação que não a com sua atual esposa; nenhuma experiência além
dela despertaram "interesse profundo" nele, foram passageiras e sem significados,
segundo ele. Embora tenha vivenciado experimentações de si como sujeito
52

amoroso, não houve aprofundamento dessas relações enquanto envolvimento mais


profundo, o que poderia ter levado a um maior autoconhecimento.

Fala também sobre como nunca se preocupou muito em se relacionar


afetivamente, só queria estudar e trabalhar, com o objetivo de construir uma família
no futuro. Ter filhos para ele sempre foi um sonho muito claro:

“Até quando eu conheci ela (a esposa), a conversa foi essa ‘vai querer ter
filho? se não quiser, então pra mim não serve’. Porque eu queria ter um filho de
qualquer maneira.”

Traz, então, a ideia de que o “interesse profundo” em alguém só viria com a


possibilidade de ter filhos, que sempre foi um desejo dele. Parece que conhecer
alguém, se apaixonar e casar, era apenas um caminho para conseguir realizar o
sonho de ter filhos. Essa pergunta para a esposa mostra que já descarta a chance
de se envolverem se ela não quisesse ter filhos com ele, como um pré-requisito,
uma informação que determinaria se a relação daria certo ou não. Assim, Valmir
aparenta não ter sido atraído pela pessoa que sua esposa é, mas porque, com ela,
poderia viabilizar seu sonho.

● Relacionamento afetivo atual


Como visto anteriormente, atualmente está em um relacionamento em que
está casado com a esposa há quase 14 anos. Entre eles, existe uma diferença de
idade de 13 anos, sendo ela a mais velha. Valmir diz que sempre buscou se
relacionar com mulheres mais velhas e experientes, por se achar muito tímido e
pensar que isso não combinava com mulheres mais jovens. Respondendo sobre
como era no começo da relação, diz:
“No começo era tudo maravilha, como todo relacionamento né, até porque a
gente quis ter um filho.”

Mais uma vez retrata como o interesse na relação estava pautado pela ideia
de ter filhos, a importância que isso tinha para ele. Talvez o fator da idade se
relacione com a predisposição de uma mulher mais velha já querer ter filhos
também. Nesse contexto, namoraram por oito meses e então começaram a morar
juntos, e pouco tempo depois engravidaram. Assim, houve a superposição de duas
53

crises que exigiram novas adaptações, novos papéis e funções com a formação da
nova família: o casamento e a vinda do filho.

Conta que sua esposa já passou por outro casamento em que foi traída, e
hoje em dia é bastante ciumenta com ele. Aparentemente, os dois são bastante
diferentes: Valmir não é ciumento, é mais fechado e não gosta muito de conversar; já
sua esposa, é desconfiada, “briguenta” e “quer conversar demais”. Comenta também
que tem uma relação muito próxima com sua família de origem, conversa todos os
dias com seus pais e irmãos, e sua esposa não é tão próxima da família de origem
dela, inclusive já teve alguns conflitos em que ficou meses sem contato.

Essas características já mostram uma diferença no modo como Valmir e sua


esposa estabeleceram seus vínculos primários e, consequentemente, no modo
como se relacionam atualmente, como visto anteriormente com Shaver, Hazan e
Bradshaw (1988). Além disso, as experiências amorosas anteriores também
contribuem para atualizar ou manter os modos de se relacionar de cada um
(WALLER e SHAVER, 1994), o que diz sobre a influência do casamento passado da
esposa, que certamente promoveu uma maior insegurança para ela. Valmir, em uma
de suas falas, explicita claramente essa influência:

“Não tô culpando ela, talvez porque o jeito dela é esse, é a forma que ela foi
criada no nordeste, a maneira que é criado é diferente, talvez seja isso e a traição
que ela sofreu com o ex dela, talvez atrapalhe no relacionamento atual de hoje.”

Mais adiante, Valmir fala sobre como é o diálogo e a relação no cotidiano;


relata que não existe conversa, quando se desentendem "é discussão, fica de cara
fechada pro outro vários dias... normal, mas um normal que não resolveu e não vai
resolver porque não tem pacto com ela”. Muito semelhante à narrativa de Irina,
relações desgastadas em que, aparentemente, não existe disposição ou facilidade
em dialogar (da mesma forma que não existia muita conversa na família de origem,
novamente), de maneira que os novos conflitos vão se sobrepondo aos anteriores.

Valmir relata que sua esposa comumente adota posturas e comportamentos


como se fosse a mãe dele, “dá ordem, é assim e assado e tem que obedecer”, a
definindo também como “controladora e autoritária”. Interessante pensar como esta
é uma dinâmica frequentemente observada em casamentos cis-heteronormativos,
em que a mulher se sente no dever de cumprir o papel de mãe e cuidar do marido
54

dessa maneira, algo imposto compulsoriamente e que retrata a separação e


designação de papéis específicos entre os gêneros: cabe à mulher sempre cuidar,
seja da maneira que for, e a quem for.

O cotidiano da família é bastante conturbado, como Valmir relata a seguir:

“E como é no dia a dia? Como é a rotina?” “No dia a dia não tem muito tempo
pra conversar, porque ela sai de casa às 6:30, leva o menino na escola e vai pro
trabalho, daí chega em casa quase 20h, a hora que eu tô saindo. Às vezes ela põe o
pé no portão e eu tô entrando. É oi e tchau, se tiver alguma coisa pra conversar ela
manda mensagem e eu respondo.”

Valmir trabalha como vigia noturno, e sua esposa trabalha de manhã, e nem
as folgas normalmente se conciliam no mesmo dia. Dessa forma, eles mal se
encontram em casa, o que dificulta o diálogo acontecer e a relação se fortalecer.
Também interessante como ele pontua: "se tiver alguma coisa pra conversar, ela
manda mensagem e eu respondo", exemplificando como o diálogo não parte dele, e
sim dela, cabendo a ele apenas a função de responder o que ela tem a dizer.

“É aquilo, não tem muita conversa referente ao relacionamento, não tem,


quando é pra acontecer acontece, agora né, mas no início a gente conversava, se
entendia um com o outro. Mas agora a gente tem certas dificuldades de chegar,
sentar e conversar, sentar e assistir um filme, não tem isso com ela, sair assim...
talvez seja pela rotina estressante, talvez seja isso.”

A rotina cansativa e a necessidade de trabalhar para sustentar a família


(papel este que aparentemente cabe aos dois), de modo claro colabora para que o
diálogo e o cuidado sejam prejudicados, enfraquecendo o vínculo, o afeto, e a
disponibilidade e disposição de se investir na relação e ouvir o outro, sendo cada vez
mais difícil buscar a compreensão e conciliação dos conflitos do cotidiano.

Mais adiante, Valmir fala sobre o momento em que se encontra seu


casamento, e fala também sobre o amor, de acordo com a sua experiência individual
e os ideais culturais que a permeiam (PINHEIRO e ANDRADE, 2004):

“A questão do amor, no início a gente tinha né, não é que não ama mais, mas
não é aquele amor avassalador, a paixão foi só no começo mas acho que eu
entendo o amor assim, se você gosta da pessoa, ama a pessoa, tem que aceitar os
55

defeitos que ela tem, tem que estar do lado, ajudar, o amor é isso, companheirismo,
parceria, a vivência do dia a dia. Isso pra mim eu caracterizo como amor; a paixão
não, é aquilo que você sente enlouquecente no dia a dia e isso passa né, não
considero como amor. O amor pra mim é a parceria, fidelidade, amizade, respeito,
companheirismo.” “E você sente que ama ela ainda?” “Eu gosto, tendeu? Pelo fato
dela ser a mãe do meu filho, é isso.”

É uma fala muito importante, pois, ao mesmo tempo em que comenta sobre
seu casamento, ele caracteriza o que é o amor para ele: deve ter companheirismo, o
que eles aparentemente não tem, já que nunca se encontram, vivem juntos e se
falam no dia a dia; deve-se aceitar os defeitos que o outro tem, parecendo ser a
mesma lógica da cunhada de Irina, de deixar passar tudo o que incomoda porque as
diferenças são naturalizadas, como se não houvesse possibilidade de
questionamento, revisão e mudança; a amizade, que eles parecem não ter, pois é
uma relação rígida, sem carinho, de forma que aparenta só estarem juntos para criar
o filho. Assim, todos os atributos que ele dá ao amor, não se encontram na relação
em que ele está; e ele reconhece isso, pois quando perguntado se a ama, ele
responde que gosta dela porque é a mãe do seu filho.

Novamente, a ideia de que não casou pela mulher que sua esposa era, mas
sim para ter um filho, parece fazer muito sentido aqui; com isso, a relação não
poderia se dar pelo afeto, admiração e interesse genuíno, o que fomenta uma
convivência quase impessoal, que só existe para que a família consiga se manter.
Algo também observado na história de Irina, o desejo explícito de não estar mais
dentro do casamento, mas se manter neste vínculo por um motivo maior: os filhos, e
a segurança que estar com o outro proporciona para isso.

Assim, este trecho em que Valmir nos permite pensar, também, o fenômeno
do amor a partir da dialética singular-particular-universal, apresentada anteriormente
(OLIVEIRA, 2005). Na categoria universal, o amor romantizado, como inerente ao
ser humano-genérico, que faz parte da nossa vivência nas relações íntimas e nos
constitui em diversas esferas, também sempre presente na história como algo que
transcende as nossas ações. Na particular, se apresenta o contexto e organização
social em que as relações amorosas são permeadas pelas normas de gênero,
sexuais, raciais e de classe, produzindo relações de poder que alteram o que se
56

considera e se experiencia como amor. Por fim, a singular se dá pela experiência de


Valmir, na qual a sua concepção de amor não corresponde ao que ele vive com sua
esposa, devido aos seus contextos de vida, modos de subjetivação e determinantes
sociais que impedem tal correlação.

Posteriormente, Valmir discorre sobre como se enxerga para com os outros,


se tem dificuldade de se expressar, se impor, desenvolve mais a ideia da sua
timidez:

“Tenho dificuldade... eu não consigo falar, se eu falar eu acho que vou magoar
a pessoa, então eu engulo, prefiro engolir do que falar pra pessoa, (...) tenho
dificuldades sim de expor o que eu to sentindo no momento, eu me fecho.” “E você
sempre foi assim?” “Sempre, desde criança, que eu sempre fui tímido né, então não
tenho esse diálogo aberto pra poder falar na hora, eu seguro muito”

Aqui, primeiro coloca esse não-falar por medo de magoar o outro, e também
sobre não ter “diálogo aberto”, como observado anteriormente com sua esposa. Mas
depois, ele aprofunda mais o que o faz não falar em muitas ocasiões, não só em seu
relacionamento:

“E essa timidez você acha que é mais vergonha ou medo?” “Eu acho que
devido à convivência que a gente teve de ser pessoas mais restritas, acho que até o
medo de se expressar mal, (...) medo de como o outro vai entender o que eu to
querendo falar. Às vezes eu me seguro, não falo com medo da interpretação que a
pessoa vai ter. Às vezes nem todo mundo está apto a ouvir aquilo que você tem a
dizer.”

Parece dizer sobre o modo em que foi criado e ensinado a se colocar, sobre o
lugar que ocupa na sociedade, com um grande medo de ser mal interpretado e
julgado. Jessé Souza (2004) traz um conceito que conversa e fala sobre essa
postura, o conceito de habitus precário. Este diz respeito aos "subcidadãos", aos
setores da classe trabalhadora, em contraposição ao habitus primário, que diz
respeito aos cidadãos, à efetiva disseminação da noção de dignidade, que torna
esse agente racional um ser produtivo e cidadão pleno. Esses dois habitus retratam
a segmentação social entre indivíduos e classes sociais, implicando a existência de
redes invisíveis e objetivas que desqualificam os indivíduos e os grupos sociais
precarizados como subprodutores e subcidadãos.
57

Assim, o habitus precário é proveniente do fato de não ser possível para a


classe trabalhadora acompanhar o nível de conhecimento da "europeidade", devido
à não-garantia dos mesmos direitos, oportunidades e possibilidades de acompanhar
esses conhecimentos. Conhecimentos estes que estão no topo de uma hierarquia
valorativa e elitista que exclui as populações marginalizadas e as colocam como
indivíduos inadaptados e, com isso, essas populações não conseguem atender às
demandas objetivas para que possam ser consideradas produtivas e úteis na
sociedade moderna e competitiva, não podendo gozar de reconhecimento social
(SOUZA, 2004).

Portanto, à população marginalizada cabe uma existência não valorizada,


pois não atende à régua da elite, que por sua vez existe para ser agradada e
servida: então, cabe aos “subcidadãos” cumprirem apenas essa função, em ordem
também de serem aceitos, fazer um “bom trabalho”. Ter, consequentemente, uma
postura mais introspectiva e fechada para não causar incômodo, o medo de falar e
saber que muitas vezes esse outro não está interessado no que tem a dizer, apenas
na sua prestação de serviço, e assim continuam a não ocupar espaços que não
foram feitos para eles, reproduzindo a lógica de exclusão e submissão.

Dessa forma, o habitus precário é um fenômeno de massa e está articulado a


teoria de Jessé de que a produção social de uma “ralé estrutural” é o que diferencia
substancialmente esses dois tipos de sociedades (SOUZA, 2004). Para exemplificar,
Valmir traz essa fala muito significativa:

“Só que eu sempre busco informação, conhecimento, mas é por causa do


tempo mesmo, não dá.”

Mesmo tendo interesse e sabendo da necessidade de adquirir conhecimento,


em ordem de conseguir uma condição de vida melhor, não consegue investir nisso
da maneira que gostaria, pois é impossível conciliar o trabalho, filho, e estudos. Fato
este que não acomete a elite, a qual não precisa se preocupar em trabalhar para
garantir o sustento, então pode ter o luxo de estudar e adquirir quanto conhecimento
quiser.

“Mas agora também a gente faz assim, ‘já que a gente não fez isso, vamos
proporcionar pro filho’ passar pra ele o máximo de educação que puder dar, cursos
58

essas coisas, pra poder lá na frente se tornar uma pessoa melhor do que a gente foi,
do que a gente é hoje.”

Também na mesma linha, Valmir tem o reconhecimento da importância da


educação como o que dá acesso à possibilidade de uma vida mais digna, e agora
ele e sua esposa fazem tudo para que o filho consiga isso, já que pra eles não foi
possível. Isso também influencia na própria maneira que Valmir se enxerga, ao falar
que o filho pode “se tornar uma pessoa melhor do que a gente foi, do que a gente é
hoje”, como se seu caráter dependesse do status social e conhecimento que possui,
que é exatamente o que a ideologia elitista e de exclusão fomenta.

Aqui, é possível refletir sobre a dimensão do que pode significar, para Valmir,
o ser pai, e esse desejo tão explícito que o acompanhou por sua vida e determinou
seu interesse em se relacionar amorosamente, com tanto comprometimento. O filho
parece representar, nesta história, a possibilidade e a esperança de mudança, de,
ao se transmitir o que não teve, realizar para o filho o que não pôde ter realizado
para si próprio, no que parece ser uma tentativa de alcançar, mesmo que
indiretamente, uma condição que lhe foi negada.

A timidez e a dificuldade de se expressar de Valmir lembram o não falar de


Irina, que por sua vez se sente não ouvida e que as pessoas não dão atenção ou
importância ao que ela tem a dizer; existe, aqui, uma diferença produzida através do
gênero, de modo que para Irina, o não falar está ligado ao não ser ouvida, o que não
é o caso de Valmir:

“E você acha que essa questão de ser ouvido, tem muita gente que fala que
deixa de falar porque não é ouvido. Você sente isso?” “Não, até que eu demonstro
muito respeito, as pessoas quando vêm falar comigo demonstram muito respeito, eu
não sei, as pessoas elas desabafam muito comigo, eu sou mais pra ouvir as
pessoas. (...) Mais pra ouvir do que pra dar opinião, as vezes eu dou mas o medo da
pessoa interpretar totalmente errado, mas eu prefiro ouvir do que falar.”

Exatamente como articulado por ele, “demonstrar muito respeito”, que leva ao
ser ouvido, é algo que normalmente só é lido na figura de um homem. Porém, é
preciso explicitar a diferença entre as masculinidades existentes na sociedade
(JUNIOR, 2006); primeiramente, há a masculinidade hegemônica, a qual é mais
exaltada do que as outras dentro de um tempo histórico e cultural. Tal masculinidade
59

é a configuração de uma prática de gênero que se propõe a assegurar a posição


dominante dos homens e a subordinação das mulheres (CONNELL, 1995). Assim,
esta é a masculinidade que marca a posição mais privilegiada na hierarquia social,
que cabe apenas ao homem cis, heterossexual, branco e rico.

Para que a valorização deste padrão aconteça, ocorre a negação e o


desprezo das demais masculinidades que não se encaixam, os quais passam
também a pertencer ao grupo dos dominados (CECCHETTO, 2004). Desse modo,
Valmir se inscreve em uma outra masculinidade, a masculinidade marginalizada, por
ser um homem negro e periférico; esta, por sua vez, é produzida em grupos
explorados e oprimidos que são socialmente desautorizados e, a despeito de sua
condição socioeconômica e possível ascensão social, nunca terão acesso aos
mesmos benefícios e status social que os pertencentes à masculinidade hegemônica
(CONNELL, 1995), em nome da vigente estrutura social principalmente racista e
elitista.

Entretanto, as diferentes masculinidades e as relações hierárquicas entre elas


formam uma cumplicidade quando se trata de garantir os benefícios e vantagens
sobre as mulheres na nossa sociedade patriarcal (CONNELL, 1995). Com isso,
Valmir continua tendo seu privilégio por ser homem, no que se refere, por exemplo, a
diferença entre o modo em que ele e Irina são respeitados e ouvidos; apesar de
ambos serem marcados pelo denominador da classe social baixa e por isso terem
uma postura marcada pelo habitus precário (SOUZA, 2004), mais introspectiva,
tímida e pouco confortável em falar, Valmir sobretudo é respeitado e com certeza
tem sua fala e presença um pouco mais valorizada do que Irina. Essa diferença fica
clara quando Irina marca seu não-falar pelo desinteresse dos outros no que ela tem
a dizer, e quando Valmir diz que não fala muito ou dá opiniões pelo medo de como
vão interpretar, do que vão pensar.

6.3 Angélica - 50 anos, branca, divorciada, dois filhos (filha com 20 anos e
filho com 12 anos)

● Impressões gerais
60

Angélica estava muito disposta e de certa forma até animada para a


entrevista; falou com muita facilidade e abertura sobre sua vida, trazendo até mesmo
reflexões produzidas na sua terapia acerca dos assuntos abordados. Contou sobre
sua história falando de tudo ao mesmo tempo, à medida que lembrava e via relação
entre conteúdos trazidos com outros, de âmbitos diferentes: por exemplo, quando
começa contando sobre como era em casa na infância, mas logo em seguida faz um
paralelo com como era na sua casa com seu ex-marido. Demonstrava alívio ao
contar de situações que lhe faziam mal mas das quais conseguiu sair, como o
relacionamento com o ex-marido, que no final já não estava sendo bom para ela; da
mesma maneira falou da relação com sua mãe, com altos e baixos, mas que
também consegue elaborar bastante em terapia. Pareceu estar interessada no
assunto e sempre buscava outros complementos em sua história para responder
melhor às perguntas do questionário norteador, investindo bastante na entrevista e
não poupando esforços para ajudar na realização da pesquisa.

● Infância e família de origem


Seu pai e sua mãe vieram de Porto Alegre para São Paulo, também à procura
de mais oportunidades e condições melhores de vida, por influência de um tio que já
havia feito esse movimento e encontrado um trabalho aqui. Angélica, então, morava
em uma casa com seus pais e seus 3 irmãos, sendo a caçula; conta, logo de início,
que seus pais eram muito próximos e aparentavam ter uma relação muito boa no
casamento:
“Meus pais sempre foram muito apaixonados um pelo outro, e eu e meus
irmãos sempre tivemos essa referência de casal, de amor, de ser parceiro, de ser
apaixonado. E isso eu esperava pra mim, eu achei que eu fosse encontrar alguém
que me amasse muito, que fosse me cuidar; e eu criei expectativas muito grandes
sobre isso, e que em momento nenhum aconteceu na minha vida.”

Aqui, já encontramos uma diferença com relação a referência de amor em


casa, com o companheirismo e cumplicidade dos pais, o que produz uma
expectativa muito alta para a própria vida amorosa de Angélica. Também observa-se
a relação entre ser apaixonado e ser cuidada, em que os dois estão ligados e, para
ela, ser amada tinha a ver com ser cuidada, algo muito importante na narrativa da
participante e que se aprofundará ao longo desta análise. Da mesma forma, traz a
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divisão do trabalho e os papéis de gênero quando diz que a mãe se dedicou a vida
toda a cuidar dos filhos e do marido, na mesma medida em que o pai proveu
materialmente, e isso a participante denomina como “troca”, o que justamente fazia
com que fossem tão unidos.
Apesar de começar falando isso, logo depois Angélica conta sobre algumas
atitudes de seu pai direcionadas à sua mãe que a incomodavam bastante. Seu pai
era mais “controlador”, diz que tudo deveria ser feito do jeito dele e na hora que ele
queria. Para exemplificar, conta uma situação que se repetia bastante, na qual todo
sábado depois dos almoços e confraternizações em família, o pai sempre gostava de
dormir à tarde e fazia a mãe o acompanhar, mesmo quando ela não queria e
gostaria de ficar mais um pouco com o resto da família. Ao comentar sobre o que ela
achava disso, a participante traz:
“E eu ficava indignada ‘você deixa ele mandar em você assim?! Você vai ficar
e pronto!’. Mas eu era menina, eu era muito ‘ninguém vai mandar em mim’, mesmo
porque ele mandava muito em mim.”
Traz a dimensão sobre o controle do pai e as relações hierarquizadas que se
criavam a partir disso, que se estendia da mãe até os filhos, e principalmente com
Angélica, a qual desafiava muito o pai. É possível perceber o quanto esse controle
está ligado ao prover, de novo retomando os papéis de gênero tradicionais, como se
por sustentar a família tivesse o direito e dever de ditar como as coisas
aconteceriam. Portanto, sendo o cuidado desvalorizado em relação ao prover a
subsistência, embora ambos os papéis sejam de extrema importância numa família,
o pai, aos olhos de Angélica, assumia uma autoridade exercida de forma absoluta e
opressiva, como ilustra a seguir:
“A gente brigou muito, muito, muito, até uma vez que eu fugi de casa, fiquei
dez, quinze dias e voltei. Depois que eu voltei, no dia seguinte eu passei a trabalhar,
e aí ele parou de controlar a minha vida, porque eu não podia ir viajar com meus
amigos; desse dia em diante eu falei ‘pai, eu posso?’, e ele falou ‘faz o que você
quiser.’” “Quantos anos você tinha?” “16, 17, eu comecei a trabalhar com uns 15
anos... e aí ele parou de pegar no meu pé. Então, diálogo com meu pai, zero.”

“Uma época eu fiquei presa, ele saía com uma chave e me trancava (...) por
causa de um monte de coisa que foi acontecendo, de eu falar que ia voltar e não
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voltava, e tal. E aí ele me prendeu, me chamavam de Rapunzel, porque eu fiquei


presa.”

As decisões e o controle do pai a atingiam de tal forma que suprimiram quase


que completamente sua liberdade, como nesse período em que ficou trancada em
casa. Pensando que, na adolescência dos filhos a função da família deve mudar de
um centro de cuidado e proteção para uma preparação e apoio ao lançar-se no
mundo (CARTER e MCGOLDRICK, 1995), o pai trancá-la em casa é como uma
prisão domiciliar, como se ela precisasse mais do que ser contida, ser punida pelo
desejo de exercer sua autonomia.

E fica claro como, a partir do momento em que ela começou a trabalhar e ter
seu próprio dinheiro (apesar de ainda ser uma adolescente e morar com seus pais),
passou a ter o direito de sair quando e como quisesse, com uma maior liberdade e
autonomia. Percebe-se como o trabalho pode ser um instrumento que promove a
independência, levando, assim, à possibilidade de fazer escolhas e exercer o
protagonismo em relação à própria vida.

Fala, também, sobre o diálogo com seu pai, dizendo que não havia algum;
mesmo após as brigas, pediam desculpas para encerrar a discussão e continuar a
convivência, mas não havia um diálogo mais profundo que permitia elaborar,
resolver o conflito e assumir responsabilidades (algo visto, até agora, em todas as
narrativas). Também conta que quando ele a impedia de fazer algo, ela perguntava
por quê e ele nunca justificava, o que a deixava muito brava e incomodada.

“E assim foi nossa relação, era não e porquê não. Eu perguntava ‘mas por
quê?’, e eu nunca engoli esse porquê não. Tanto que eu nunca fiz isso com meus
filhos, desde pequenos, eu falo que não podem fazer porque tal coisa, não porque
não quero, eu que mando. Eu tinha pavor, odiava, esse ‘porque eu não quero,
porque não’.”

Assim, durante a sua adolescência, os conflitos foram se intensificando à


medida que ela passou a questionar esse controle e normas do pai, o qual era o
dono de todas as vozes na família e esta tinha que se submeter aos seus mandos.
Como visto anteriormente com Crittenden (2002), a adolescência é o período
principal em que há reflexão sobre o núcleo familiar e o que faz sentido ou não
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dentro dele, se apropriando mais de si mesmo e atualizando, possivelmente, suas


concepções.

É o momento do jovem optar por manter, transformar ou descartar o que foi


recebido desse núcleo, como valores, normas, práticas, crenças, etc (CARTER e
MCGOLDRICK, 1995). Angélica, ativamente questionando a dinâmica e a estrutura
de sua família de origem, opta por transformar o que recebeu, evitando, assim, a
transmissão geracional de tudo aquilo a que se contrapunha. Ainda que a autonomia
e a liberdade tragam responsabilidades, foi esta a sua opção.

“Quando eu descobri que eu tinha voz, eu queria me impor né, por isso as
brigas. A minha irmã mais velha, meu pai não deixava nada e ok, meu irmão tudo
podia, a outra irmã só queria saber de jogar basquete e namorar em casa, ou ir com
o namorado pro jogo de basquete, e eu queria sair. E eu comecei a falar que ia e
não queria saber, eu apanhava, ficava presa, mas eu ia, então eu acho que quem
mais tentou me calar foi quem eu mais questionei né, que foi meu pai.”

Importante como a participante aponta essa relação com o pai como o que lhe
proporcionou ter voz, à medida que quem mais tentou calá-la foi, ao mesmo tempo,
quem a ensinou a falar, ainda que a contragosto. Fica explícito como é contrariando
que Angélica aprende a se impor, e assim cada vez mais consegue constituir e dar
forma a pessoa que é, assim, ela sai do silenciamento que lhe foi imposto, podendo
afirmar-se. Nessa fala aparece novamente a desigualdade de gênero e o duplo
padrão em relação às filhas e filhos; o irmão não precisou, como Angélica,
conquistar voz e autonomia, ele já gozava delas pelo fato de ser homem. Quando
ela diz que a irmã namorava em casa, pode-se supor que havia também um controle
sobre a sexualidade das filhas, o que poderia levar a uma sexualidade culpada por
parte delas (DESSER, 1993).

Em contrapartida, relata que com sua mãe havia um vínculo mais íntimo, com
mais diálogo e trocas; conversavam abertamente sobre assuntos como a
sexualidade, por exemplo, em uma relação transparente e de confiança. Todavia,
tiveram brigas sobre o uso de drogas, quando sua mãe descobriu que Angélica
fumava maconha; em um movimento contrário ao diálogo, vasculhava suas coisas
todos os dias e jogava fora toda vez que encontrava a substância, muito
provavelmente pela preocupação e grande tabu que existe em torno das drogas
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ilegais. Mesmo com essa situação, Angélica diz que com sua mãe, o diálogo existia
muito mais do que com seu pai, o que se tornou um espaço importante para ela.

Adentrando mais a relação com sua mãe, Angélica conta que no período
conturbado da sua adolescência, sua mãe por vezes não concordava com a
autoridade e imposição do pai, mas não se sobrepunha a isso de maneira alguma:

“E na sua adolescência, que o seu pai era mais rígido e com sua mãe tinha
mais diálogo, você acha que tinha uma disputa entre eles?” “Ela falava amém pra
ele. Era ele que mandava, ela chegava a falar pra mim ‘eu sei minha filha, eu acho
que não tem nada demais vc sair, mas não tem o que fazer...’”

Observa-se a submissão da mãe ao pai, o quanto na verdade isso se


confunde com o cuidado de que Angélica tanto fala. É, na verdade, o controle (ligado
ao prover) disfarçado de cuidado, porque não existem espaços e poderes iguais, é o
pai quem manda. Então, apesar da mãe ter uma relação um pouco mais horizontal
com os filhos (no que diz respeito a maior abertura ao diálogo) e ter suas próprias
perspectivas sobre situações do cotidiano, ser possivelmente mais flexível com as
regras da casa e do pai, não tinha o poder de falar e se colocar ativamente nas
ordens dadas à Angélica.

Embora, em geral, a relação com os pais tendam a começar a se


horizontalizar no final da adolescência, é costume haver uma identificação entre
minorias, por exemplo, entre as mulheres da família, e a mãe de Angélica não era
para ela um modelo de mulher e de esposa a ser seguido. Ela precisaria mais que
se discriminar, mas se diferenciar da figura materna.

Adentrando mais a relação com sua mãe, uma das primeiras falas da
participante é sobre o atual relacionamento entre ela e a mãe, visto que moram no
mesmo apartamento, junto com os dois filhos de Angélica. É interessante observar
como, no início de sua narrativa, coloca sua mãe como sendo mais inflexível e o pai
como sendo mais carinhoso (o que forma grandes contradições não só em sua
narrativa, mas prováveis confusões em relação aos sentimentos opostos de raiva
pela opressão e o de amor pelo carinho recebido), talvez pela atualização que as
relações tiveram em sua memória, depois do falecimento do pai e do
envelhecimento somado ao adoecimento da mãe, que precisa de muitos cuidados
fornecidos por Angélica.
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“Em relação à minha mãe, que eu tô cuidando dela agora, e agora ela tá
muito velhinha, quando eu vim morar com ela logo que meu pai morreu, tinha uma
relação de troca: ela fazia uma comidinha, ela lavava uma roupinha, eu chegava à
noite ‘tá cansada? Quer um sanduíche?’ e tal; agora é zero.”

(...) “Eu percebo que hoje ela me enxerga como uma cuidadora dela, não
mais como filha. E eu tava ficando muito mal, porque eu fazia, fazia, mas não tava
bom pra ela sabe? Sempre ‘ai como você é ruim, ai como você é chata, ai como
você tá sempre reclamando’, e chegou uma hora que eu não podia mais olhar pra
cara dela. E, conversando com a minha terapeuta, ela falou ‘e como era isso com o
seu pai?’, e meu pai não, meu pai era muito preocupado, ‘você tá bem minha filha?’
era carinhoso de beijar, abraçar. E eu só fui perceber isso agora, conversando com a
minha terapeuta, que era ele quem acarinhava, amava, ajudava (...), apesar de ser
controlador.”

Percebe-se aqui a mudança nos papéis: agora é a filha quem cuida e a forma
de exercer esse cuidado tem relação com a maneira de ter sido cuidada, com o
acréscimo de outras variáveis, como o contexto atual, por exemplo. A questão do
cuidado, para Angélica, é muito importante e tem um espaço significativo em sua
vida; tanto com sua mãe, no presente, quanto com seu ex-marido (o que será
explicitado nos tópicos que se seguem). De novo, a expectativa dela de ser cuidada,
que tem tudo a ver com o que representava o amor para ela: traz isso novamente
quando fala sobre as trocas que existiam entre ela e a mãe, e que hoje não existem
mais e a relação se resume aos cuidados com a mãe, o que a deixa desgastada,
incomodada e atrapalhando no bom convívio em casa.

Parece que o amor é lido como o ser cuidada, mas também como a troca,
com o dar e receber; então, quando passa a só cuidar e não receber nada em troca,
o amor da relação é afetado e não corresponde ao ideal e desejo dela. É possível
pensar nas normas de gênero e no papel da mulher de sempre fornecer o cuidado e
sem receber isso no mesmo sentido, e o quanto isso não serve para Angélica, como
ela mesma diz quando conta sobre a relação entre os pais de cuidado da mãe e
sustento do pai, deixando claro que uma relação como esta não cabe mais no
presente.
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Refletir sobre isso pode considerado, em certo sentido, como um privilégio de


mulheres brancas com melhores condições financeiras, pois para Irina, por exemplo,
essa aversão e quase recusa ao cuidar sempre não é algo tangível, justamente pela
ideia de ser o único papel que lhe cabe pois lhe é imposto compulsoriamente. Assim,
não se pode desvincular as desigualdades de gênero das de classe social e as
raciais, o que reafirma a importância de se considerar a interseccionalidade
(COLLINS e CRENSHAW, 2021).

Por último, Angélica conta de algo que tem sido tema de sua terapia
atualmente, e o reconhecimento de consequências de um modo que sua mãe a
enxergava e falava sobre ela:

“Minha mãe sempre foi muito exibida, só usava coisa colorida, aquele monte
de brinco, pulseira, e ela desde pequena me falava ‘ai como você é sem graça’ ‘olha
mãe o brinquinho que eu comprei’ ‘ai que brinco sem graça’.” (...) “Agora eu tô
tratando isso porque sem ela perceber, não, tenho certeza que ela não fazia para me
deixar mal, mas eu passei a acreditar nisso, de alguma forma que eu era sem graça.
Então talvez essa coisa de eu ter começado a beber, fumar, foi de autoafirmação,
sabe? Pra eu não me sentir sem graça.”

Nesses trechos, a participante fala sobre as expectativas da mãe sobre ela,


uma projeção do que ela gostaria que a filha fosse: mais parecida com ela mesma,
pois se a filha fosse como ela, estaria validando-a como mãe e como mulher.
Angélica diz que, na época, esses comentários não a afetavam tanto, por acreditar
que aquela era apenas uma opinião da mãe sobre os brincos. Porém, agora percebe
que existe uma maior profundidade nessa dinâmica, que influencia e culmina, na
adolescência, sua aproximação e incorporação de elementos advindos de ciclos
sociais que eram opostos ao que a mãe e o pai aprovavam, mais uma vez
pontuando a necessidade de se discriminar deles e de se afirmar, uma tarefa
importante neste momento da vida, e que pode ser realizada de uma variedade de
formas (CARTER e MCGOLDRICK, 1995).

Somado à relação conflituosa com seu pai, observa-se aqui, claramente, o


movimento da adolescência de apropriar-se de si mesmo, construir sua identidade e
suas próprias concepções a partir de outros encontros e relações sociais, pondo em
análise e crítica os conceitos e ideais do núcleo familiar, como visto em Crittenden
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(2002). Assim, Angélica, com as representações do que foi experimentado


anteriormente, vai buscar nos amigos e em novos lugares o que agora faz sentido e
que constituirá sua dimensão subjetiva da realidade (FURTADO, 2002), além desse
próprio exercício de procura e descoberta que produzirá sua vida e história,
formando representações da realidade e de si mesmo, constituindo também sua
consciência (FURTADO, 2011).

● Experiências amorosas
Angélica experienciou alguns relacionamentos amorosos antes de casar-se
com seu ex-marido, o qual ela caracteriza como sua principal relação afetiva durante
sua vida. Sua primeira paixão foi com 13 anos de idade, por um menino mais velho
que também tinha casa na praia, que sua família frequentava nas férias e feriados;
conta que se via como “bobona, submissa” em relação a ele, pois o menino parecia
não corresponder com reciprocidade os afetos, então só ficavam quando ele queria,
e isso passou a deixá-la chateada e se sentir “usada” com o tempo. Aqui, observa-se
o modelo parental do homem controlador e da mulher submissa, mesmo que em
contextos e relações completamente diferentes.
“E isso durou sei lá, não durou nada porque nem existia, era tudo da minha
cabeça. Mas eu lembro que no final eu me senti muito usada, a gente parou de se
ver porque meu pai vendeu a casa e comprou outra em outra praia, e nunca mais
nos vimos (...) e foi isso. É isso, eu me senti muito mal, e depois eu não me
apaixonei mais por um tempão.”
É interessante como, por se ver mais investida na relação do que ele,
Angélica quase desconsidera a relação por inteiro, como se só tivesse acontecido na
cabeça dela, como ela diz. O vínculo acaba abruptamente, pela mudança de casa, e
respondendo a uma observação da entrevistadora sobre isso, a participante ainda
acrescenta:
“Então meio que não teve fim, não teve um término” “É, porque não teve um
começo, a gente ficava de vez em quando só.”
Aqui, se mantém sob a perspectiva de que a relação não se deu justamente
pela falta de reciprocidade, e por isso não pôde ter um começo, meio e fim. Dessa
forma, é desconsiderada e menosprezada toda essa primeira experiência, com uma
frustração muito grande a respeito de uma expectativa e uma fantasia, talvez, de
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uma primeira vivência perfeita, como observado também em Irina. Nota-se que não
existe uma humanização das experiências, uma elaboração coerente principalmente
com a idade e a falta de bagagem existente, no sentido de que tudo que foge à
fantasia do amor romântico (GIDDENS, 1993) e de uma espécie de conto de fadas,
não é válido e deu totalmente errado.
Sua segunda relação amorosa foi aos 17 anos, aproximadamente, momento
em que já estava inserida no grupo de amigos de que se aproximou “para não se
sentir sem graça”, como foi comentado anteriormente; foi quando começou a beber
álcool, fumar e ter mais vivências amorosas casuais. Se apaixona, então, por um
amigo desse grupo que lhe causou grande interesse:
“Foi uma paixão louca, ele da turma dos porra loucas era o mais certinho,
fazia facul, era um cara super misterioso, caladão, na dele... tinha uns olhos verdes
rasgados de gato assim... o que mais me atraía era o jeito dele, dele ser quietão.
Mas quando a gente conversava ele era super agradável, educado, delicado, e foi
isso.”

Fala que, no começo, ele não se relacionava apenas com ela, o que a fez se
relacionar com outras pessoas ao mesmo tempo também. Se relacionava tanto com
quem realmente tinha interesse, quanto apenas pelo ambiente de festa, de fazer o
que todos ali do grupo se propunham a fazer. Essa dinâmica diz sobre os novos
modos da atualidade em se relacionar, com vínculos personalizados, de acordo com
os interesses dos envolvidos e pautados pela satisfação imediata, por exemplo
(NEUMANN, 2010). Nesse momento em que começa a se comportar como o garoto,
ele se apaixona por ela e eles decidem ficar juntos monogâmicamente. Chama
atenção o fato de, ao se colocar nas mesmas possibilidades que ele, isso o faz
querer se comprometer só com ela e abrir mão de ficar com outras pessoas; algo
muito comum nas relações heteronormativas, o homem ser mais “livre” na relação e,
ao perceber a igual liberdade da parceira, optar por se comprometer afetivamente e
estabelecer limites na relação. Soa como uma sensação de ameaça, tangenciando a
ideia de ter posse sobre aquela pessoa, e deixar a liberdade acontecer é permitir
que outros conquistem o que está em jogo.

Em um dado momento da relação, Angélica começa a se envolver com o seu


chefe do trabalho; começou em uma noite em que todos os funcionários da empresa
foram a um bar após o expediente, e quando perguntada sobre o que a levou a se
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envolver com o chefe, responde: “bebida”. Relata que isso influenciou sua tomada
de decisão quando o chefe flertou com ela e então se beijaram.

O que mais a atraía na relação com o chefe, e o que a fez continuar se


envolvendo, era a qualidade do sexo, pois foi com ele que teve seu primeiro
orgasmo. Seu companheiro da época descobriu depois de meses, através de uma
amiga em comum, rompendo e cortando todo tipo de contato com Angélica.

Percebe-se que a participante estava realmente apaixonada pelo


companheiro, por quem tinha forte admiração e interesse, e opta por se colocar em
uma relação que se resumia ao contato no cotidiano do trabalho e o desejo sexual,
sem intimidade para além disso; o não envolvimento emocional era uma premissa
para os dois, pelo menos na superficialidade, conta a participante:

“E hoje eu entendo também que eu me apaixonei, eu me envolvi, eu achava


que não. Mas eu me apaixonei por ele, tanto que eu sonho com ele até hoje.” (...)
“Com o tempo fui querendo estar mais com ele, sabe? Quando acabava, todo
mundo saía pra beber junto e quando ele não ia era sem graça, aí que eu fui
percebendo.”

Angélica, no começo, realmente não tinha maiores interesses pelo o chefe;


depois, passou a se importar e se envolver de outras maneiras, mesmo que só
conseguisse perceber depois de muito tempo. Também conta que não achava que
ele “tinha um bom caráter”, pelo que conhecia do trabalho e sobre o que as pessoas
próximas falavam dele.

“Eu acho que eu não queria ver, eu mentia pra mim que só aquilo bastava ‘ah,
só sexo tá bom’. Apesar que eu acho que se houvesse mesmo um envolvimento da
gente ficar mais junto, não sei se teria dado certo. Porque, de verdade, ele não era
um bom caráter.” (...) “Então eu não sei se o meu inconsciente falava ‘ah eu só gosto
de transar porque ele é mau caráter’ entendeu? Pra me proteger.”

Aqui, talvez seja possível fazer uma relação com o ser “sem graça” que lhe
incomodava tanto no discurso da mãe sobre ela. Possivelmente, Angélica escolhe
andar por caminhos que desviam do esperado, fora do comum e do tradicional, para
de alguma forma se destacar e fugir de enquadres que lhe colocavam em posições
ordinárias e reforçando assim que tinha o controle sobre quem era, sobre a própria
70

vida. Também é provável que o envolvimento com o chefe, atravessando seu


relacionamento com o garoto que admirava tanto, pudesse configurar como uma
espécie de autossabotagem, pois como ela mesma diz, não teria uma relação mais
profunda com o chefe e nem nada perto do que tinha com o companheiro da época.

“E você se sentia usada ou algo assim?” “No começo não; mas depois, sim.
Eu não sei te falar se na época eu sentia, não eu sentia, mas deixava eu ser usada
porque como eu gostava eu me sujeitava aquilo.” “De alguma forma você também
estava usando ele?” Eu achava que sim, mas hoje eu percebo que não. Assim, se
eu tivesse essa cabeça de hoje, talvez eu conseguisse só usá-lo também, sem me
envolver, mas aquilo me machucava e eu fingia que não. Eu nem queria ficar com
ele, por conta do caráter, por saber que se ele pudesse vender a mãe pra ter
dinheiro ele faria, então eu não ficaria com um cara desses, mas eu acho que eu
queria sentir que ele quisesse, pra eu poder falar que não queria.”

A participante fala sobre se sentir usada por ele e, teoricamente por estarem
em uma relação que se dá na superficialidade, com início e fim na satisfação dos
desejos sexuais de ambos, poderia também o estar usando. Mas percebe que não
estava, não conseguia se colocar nessa posição de igual para igual, porque também
o recorte de gênero e a hierarquia existente entre os dois (por ele ser chefe dela),
somados ao sentimentos reprimidos que não enxergava, não permitiam que uma
horizontalidade existisse, podendo inclusive se configurar como uma situação
abusiva. No trecho a seguir, pontua melhor sobre a dinâmica entre eles:
“E você acha que em alguma dessas relações houve algum tipo de controle,
violência, chantagem?” “Acho que a do meu chefe tinha de controle, não controle,
ele sabia que me tinha a hora que quisesse, e ele praticava isso, esse domínio (...)
na sedução, né, joguinhos... quando ele via que tava esfriando, ele vinha fazia
alguma coisinha, voltava... era mais nas entrelinhas.”

Fica clara a representação dele como alguém maior, mais poderoso, que
portanto pode exercer o domínio, o controle e a manipulação, o que inclusive remete
e se assemelha à conduta de seu pai; talvez por isso tenha se mantido na relação,
pois era uma dinâmica já conhecida, representada internamente e que reflete
também quando diz que “aquilo machucava e eu fingia que não”, retratando que os
71

formatos da relação e o jeito que ele a tratava não a agradavam, e mesmo assim
não eram um determinante para que escolhesse se afastar.

É possível notar um padrão de apego bastante confuso, que demonstra o


quanto ela evita se envolver com intimidade nas relações, pois isso representa uma
ameaça para ela (como será possível ver a seguir); algo característico do apego
evitativo, como visto em (MARTINS-SILVA, 2013). Também se assemelha ao apego
ansioso, já que foi uma adolescente com experiências familiares de alto grau de
controle (KOBAK e COLE, 1994) e suas experiências amorosas foram bastante
frustrantes e/ou insatisfatórias, além da grande preocupação e dúvida em relação a
permanência na relação e aos sentimentos dos parceiros (HAZAN e SHAVER,
1987). Assim, ela ao mesmo tempo quer e não quer, se aproxima e se afasta, em um
movimento sempre de defesa. Angélica conta que o chefe era casado, o que
representa, ainda, a confirmação de uma impossibilidade da relação se concretizar,
do envolvimento íntimo acontecer. O antigo companheiro oferecia, aparentemente,
uma relação saudável e satisfatória, o que provavelmente produziu um grande medo
de perder isso.

Da mesma forma, enunciar que “não ficaria com um cara desses, mas acho
que eu queria sentir que ele quisesse, pra eu poder falar que não queria”, fala sobre
a importância do se sentir desejada para ela. Angélica conta que se sentiu insegura
na maior parte da sua vida, principalmente quando se tratava de relações amorosas,
e que o seu principal medo era de ser deixada.
“E algum medo tinha?” “Nossa, pergunta difícil; acho que talvez de ser
deixada né. Talvez de quando eu estava gostando, que a pessoa não quisesse mais,
deixasse de gostar de mim.”

“Eu saía, ficava, e eu não tinha segurança; eu achava que a pessoa não
queria ficar comigo, que eu não era capaz de segurar alguém, entendeu? Eu não
tinha essa confiança.”

A falta de confiança pode ter a ver com o estabelecimento dos primeiros


vínculos e a maneira em que se deram (BOWLBY, 1989), de modo que pode ter sido
possível ou não ter a confiança suficiente para se envolver intimamente no futuro.
Importante dizer que não há um determinismo, uma relação causa-efeito, mas uma
influência importante para a construção da identidade e também dos
72

relacionamentos interpessoais, onde na fase de intimidade poderá entregar-se em


uma relação de intimidade sem o medo de se perder.

No caso de Angélica, sua autoimagem e insegurança são colocadas


explicitamente como o que a fazia pensar que não poderia “segurar alguém”, ou seja
ser desejada e manter alguém interessado, e isso se coloca em todas as suas
relações: tanto com o companheiro, quanto com o chefe. Essa fala delineia,
possivelmente, o porquê de ter se envolvido nessa relação com o chefe, enquanto
estava com um parceiro de quem gostava tanto. Ao trair o companheiro (já que
estavam em uma relação monogâmica), sabota sua relação por achar que não
poderia vivê-la de fato, e acaba deixando o companheiro simbolicamente, para
talvez não ser deixada primeiro e se enxergar no lugar de quem era “sem graça”,
que não era possível de ser desejada, que não conseguiria “segurar alguém”. No
trecho a seguir, está falando sobre ele:

“Mas acho que foi minha grande paixão, não, foi uma paixão e que eu acho
que foi correspondida né, diferente do primeiro da praia que não era.”

Falando do menino da praia, que não retribuía o que ela sentia por ele,
também está falando do chefe, por mais que tenha negado enquanto estava na
relação que existissem sentimentos por parte dela. A própria negação pode ser
também uma forma de defesa para não se sentir da mesma forma quando tinha 13
anos, então se não admite e não assume para si que gosta, não tem problema o
outro não gostar. Novamente, a temática do ser desejada e o quanto a falta de
reciprocidade a machuca.

Por fim, Angélica conta que sempre se envolveu muito rápido nas relações,
mas também, quando não davam certo, superava muito rápido.

“Eu sempre fui de me jogar nas coisas, então não deu certo, ok vou tentar de
novo. Eu nunca sofri muito tempo, não sei se isso era uma fuga ou se eu não amava
mesmo.” (...) “Não vou cortar pulso, ficar em casa sofrendo. Punha minha melhor
roupa e saía. O que também não é muito bom né, porque eu nunca curti fossa, lambi
ferida, o que é muito importante, hoje eu sei disso.” “Você acha então que você
evitava mesmo sofrer?” “Eu acho; porque do jeito que eu me jogava, eu saía.”
73

É importante como a participante reconhece, provavelmente com a ajuda do


processo terapêutico em que está, que o não sofrer era uma fuga para não lidar com
os afetos, as frustrações, os desejos negados, da mesma forma que uma maneira
de diminuir a importância da pessoa e da perda, para justamente não sofrer. Seguir
em frente rápido (provavelmente se distraindo ao máximo e focando em outros
elementos que lhe prendiam a atenção, como sair com as amigas e fingir que nada
aconteceu) a impedia de entrar em contato com o que lhe causava mal estar, e
também o que impede que os sujeitos elaborem os processos de luto e perda, como
visto na narrativa de Irina principalmente, a qual também não se deixava pensar
sobre os términos e não significava sobre eles, deixando uma grande lacuna sobre
os porquês. Parkes (2009) coloca que o luto é o preço que se paga pelo amor, é o
que todos os que se envolvem intimamente correm o risco de sofrer; Angélica, com o
medo de ser deixada e com isso suas tentativas de evitar o comprometimento
íntimo, justamente não se dispõe a arcar com esses custos.

● Relacionamento afetivo atual


É importante iniciar este tópico falando sobre a transformação do ponto de
vista de Angélica acerca do amor. Como comentado nos tópicos anteriores, a
participante tem, muito fortemente, o referencial de amor de seus pais e, a partir da
vivência de seus próprios relacionamentos e a atualização do entendimento sobre o
que é o casamento, por exemplo, e o que é ser mulher, ela reformula também o que
pensa sobre o amor.
“E hoje eu tenho pavor de pensar em morar com alguém, pavor (...) porque eu
não acredito em casamento. É uma instituição totalmente falida, não existe isso de
passar a vida inteira com a pessoa, porque essas pessoas mudam ao longo da vida,
ou pelo menos esse formato sabe? Ser um casal, ter que fazer tudo junto, cuidar,
‘mesmo que eu não queira eu vou te acompanhar’, isso. Ninguém pode ser feliz
desse jeito, ninguém. Se eu tiver um companheiro, eu quero que seja nesse formato,
de estar junto quando for prazeroso, quando não for, cada um na sua casa.”

“Eu acho que eu criei essa expectativa que hoje eu acho que, até pela
posição da mulher, não existe mais isso, existe estar junto porque está gostoso, se
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não está gostoso, tchau. Não tem porquê a mulher hoje ficar com uma pessoa que
não agrega.”

Os dois trechos exemplificam o quanto sua concepção acerca do amor mudou


ao longo do tempo; cresceu com os pais representando uma relação tradicional, no
casamento em que os papéis de gênero eram absolutamente demarcados e
complementares, hierárquicos, em que seu pai provia e sua mãe cuidava dos filhos e
da casa, faziam tudo juntos e nunca se separavam (nem para dormir a tarde). Era a
narrativa do amor romântico (GIDDENS, 1993) em que o casamento e a família
constituíam a fantasia de completude, de felicidade e realização plena, para sempre.

Angélica, agora, acredita em um outro tipo de amor, uma outra possibilidade


de se estar genuinamente com alguém, também se entendendo como uma mulher
com outros princípios e vontades, mais independente e autônoma para construir sua
vida como quer; nisso, observa-se a ideia de amor confluente (GIDDENS, 1993) em
que existe a igualdade nas trocas afetivas e no envolvimento emocional, com o
direito de todos os envolvidos na relação sobre suas satisfações emocionais e
sexuais. Mais explicitamente, Angélica fala sobre o relacionamento puro, também
visto em Giddens (1993), em que não existe a obrigação de um comprometimento
vitalício e eterno, assim como outras imposições que não façam sentido para os
envolvidos; a satisfação e o interesse mútuo em estar na relação, em cada
momento, é o que pauta o vínculo amoroso.

Conheceu Luciano na escola, estudaram juntos na oitava série e formaram


um vínculo, mas seguiram caminhos diferentes; a partir disso, só foram se encontrar
novamente com 28 anos. Foi quando, depois de 10 anos, rompeu de vez sua
relação com seu chefe; foram saindo cada vez menos e Angélica conta:
“Eu parei de ficar tão à disposição, porque eu nunca ligava pra ele, ele ligava
pra mim, e aí foi quando eu conheci o Luciano. E daí as últimas vezes que ele tinha
ligado eu falei que não podia, que foi a primeira vez que falei não posso, e aí eu
conheci o Luciano e nunca mais saí com ele.”
Nesse reencontro, retomaram o vínculo de antes, resgatando memórias, e
aprofundando então a relação. Namoraram por dois anos e depois decidiram se
casar, ficando 13 anos juntos. Relata ter tido muita confiança e segurança com ele,
com uma relação muito forte de parceria e companheirismo, também por já
75

conhecê-lo a muito tempo e dizer, ainda, que com uma maior maturidade passou a
confiar mais nela mesma. Porém, antes de se casarem, Luciano teve um AVC que
deixou graves sequelas, prejudicando sua mobilidade do lado esquerdo do corpo.
“Mas, a partir do momento que ele teve o AVC, eu passei a cuidar dele, e eu
achei que fosse ser uma coisa momentânea, que ele fosse melhorar, não que ele
fosse ficar 100%, mas a coisa tomou uma proporção que eu passei a só cuidar.
Então eu cuidava do meu marido e da minha filha. E aí acabou a troca que a gente
tinha (...) eu só cuidava, eu não era cuidada; e independente dele ter tido o AVC ou
não, eu acho que eu criei expectativas de relacionamento que não existe.”

Assim, o adoecimento do marido só escancarou a expectativa de amor que


ela tinha e que não pôde ser concretizada:

“Eu tinha a expectativa que eu fosse ser cuidada, que eu fosse ser bajulada
como minha mãe era.”

Ela queria ser cuidada como a mãe era cuidada pelo pai, mas a partir do
momento em que o marido teve o AVC, ela teve que ser a principal cuidadora da
casa, se ver na posição que sua mãe estava, e com isso também um desencanto.
Ao mesmo tempo que queria um amor próximo ao que seus pais tinham, não queria
estar na posição de cuidadora que sua mãe estava. Além disso, o "cuidado" que o
pai tinha com a mãe, de “ser bajulada”, tem tudo a ver com ser provida, o que foi
analisado anteriormente.

A partir do momento que Angélica entende que as realidades mudaram, tanto


historicamente quanto em sua vida particular (porque não era sustentada e não vivia
para a família, sempre trabalhou e teve sua autonomia), passa a se frustrar com
esse ideal de amor que tinha e que diz nunca ter atingido. Assim, parece ser mais
uma questão de que a concepção dela de amor mudou, não que nunca foi amada ou
nunca amou, até porque tinha uma relação de cumplicidade, respeito e admiração
com o marido (relação esta que perdura até depois do divórcio).

É interessante perceber o que, mesmo diante de toda essa frustração, o que


Angélica foi capaz de cumprir e a que custo; se dispôs a continuar na relação com
seu marido, mesmo depois de perceber que teria que ser sua cuidadora e multiplicar
suas responsabilidades em casa. A articulação com o amor confluente (GIDDENS,
1993) também é possível, pois o que ela buscava em uma relação eram justamente
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as trocas simétricas, além de uma independência e maior autonomia, e isso foi


rompido com a situação de adoecimento do marido. Esse contexto produziu efeitos,
como esperado, na relação dos dois, como ela diz a seguir:

“E, no final, depois dos 13 anos que estávamos juntos, não tinha mais
diálogo, troca, talvez eu por estar de saco cheio de cuidar, as pessoas mudam, eu já
não fazia com prazer, talvez eu tenha começado a ficar estúpida. Não sei, só sei que
ele ficou mudo, eu falava ‘você conversa mais com a vizinha do que comigo, não é
possível’. Ter que falar sozinha, não ter ninguém pra trocar, pra que eu vou aguentar
isso? Melhor estar sozinha e saber que eu tô sozinha do que ser viúva de marido
vivo.” “E foi uma decisão mútua?” “Foi; chegou uma hora que a gente brigava tanto
que eu falei que era melhor a gente se separar antes que a gente se odiasse, e ele
disse ‘você tem toda a razão, e agora quem não quer mais sou eu’.” “E vocês têm
uma boa relação hoje?” “Muito. Eu amo muito o Luís, mas como meu irmão; é uma
pessoa que eu faria tudo, qualquer coisa que ele precisar eu vou estar aqui, e é
como pessoa, nem como pai dos meus filhos. Um cara sensacional, um ótimo
coração, do bem mesmo. Mas como pessoa, não como homem-mulher.”

Ela conta que ele também adoeceu psiquicamente em um dado momento da


relação, e com isso ela fez de tudo para que ele procurasse atendimento médico e
se cuidasse, pois caso contrário não seria possível continuar com o casamento. De
novo, ela abre mão de seus desejos e seu ideal de relacionamento, abre mão do
que gostaria de viver e continua cuidando do homem de quem fala com tanto
carinho; pensar o quanto isso é violento e desanimador, o quanto desgasta e é
solitário, como identificado em suas falas. Portanto, além da quebra de expectativas
e sensação de dever desempenhar o papel que tanto não queria e que lhe foi
atribuído, teve que enfrentar o desencontro com o marido na relação, a falta de
diálogo e de afeto. Decidem se separar apenas quando não vêem saída para os
conflitos e desarmonias, inclusive pelo bem da família e dos filhos, para que
pudessem continuar amigos e em um bom ambiente de cuidado e parceria, o que
exige muita maturidade e deixar o orgulho e mágoas de lado.
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6.4 Marcos - 41 anos, branco, casado há 4 anos, uma filha de 2 anos

● Impressões gerais
Marcos foi, da mesma forma, um participante muito solícito e disposto a
realizar a entrevista. Por outro lado, foi o único participante que solicitou que a
entrevista fosse remota, e foi pouco flexível nas possibilidades de agendamento.
Algo bastante observado foi a sua facilidade em se comunicar, fazendo falas longas
e por vezes desviando os assuntos, abrangendo até mesmo outros temas variados
sem relação com a proposta. Sua linguagem, no geral, é mais formal comparada aos
outros participantes, muito provavelmente pelo fato de Marcos ser um psicólogo e
utilizar-se de termos da área. Quando falava da sua família de origem, fazia falas um
pouco mais sucintas e tendia a minimizar circunstâncias negativas que aconteceram
em seu passado, em relação aos pais principalmente; desta forma, focou-se muito
em levantar e frisar partes positivas de sua história e também sobre a elaboração e
“superação”, em certo sentido, dos acontecimentos negativos a partir da terapia.
Também foi possível observar uma certa indiferença ou mesmo desprezo com
relação às demais experiências amorosas que não a atual, mesmo que o
relacionamento em si tenha sido saudável e proveitoso, de forma a sempre
evidenciar os lados ruins das histórias. Ao final, Marcos se desligou com pressa da
entrevista devido ao horário e à rotina de sono de sua filha.

● Infância e família de origem


Marcos foi criado e morou em um condomínio de classe média em São Paulo,
com muitas áreas recreativas, dizendo que brincava o dia inteiro nesses espaços
com os amigos de lá. Seus pais eram médicos e trabalhavam intensamente, portanto
ele e sua irmã ficavam sob cuidados de seus avós para as tarefas do dia a dia, como
levar e buscar na escola.
"Então, meus pais sempre foram muito cautelosos, são médicos né, já são
aposentados, trabalhavam o dia inteiro, mas eu brincava, basicamente, o dia inteiro
na rua, fazia as lições, estudava, tive uma infância saudável, não tenho muito o que
reclamar. Meus avós ficavam cuidando da gente, eu e minha irmã mais velha. Não
tenho muito o que falar, minha infância foi muito saudável.”
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Sempre reforça o quão saudável foi sua infância, também no que parece ser
uma tentativa de generalizar as experiências positivas sobre as negativas, como dito
nas impressões gerais e exemplificado a seguir, quando conta sobre a parte de
cuidado afetivo:

“As relações afetivas eram ok, pai e mãe sempre disponibilizando o


necessário para educação, trocas afetivas razoavelmente saudáveis, minha mãe é
mais inibida emocionalmente, meu pai também, então isso já elaborei muito isso em
terapia…”

“Meus pais sempre tiveram uma conduta muito ética e moral diante das
coisas da vida né, isso até trouxe um pouco de rigidez na minha forma de pensar e
agir durante muitos anos… (...) Mas o que eu quero te dizer é que meus pais ficaram
muito naquilo que tinha que ser feito, agora afetivamente, até pela história de vida
dos pais deles, meus avós, não tinha muito essa troca afetiva mais declarada, de
abraço, beijo, falar te amo, essa coisa toda... então isso impactou de alguma forma
tanto a mim quanto a minha irmã, isso eu tenho certeza né. Mas agora a gente
ressignificou isso substancialmente…”

Fala, inclusive, que até hoje sua mãe tem essa dificuldade, por mais que
tenha melhorado um pouco, se sentindo até incomodada quando Marcos fala que a
ama, por exemplo. Assim, existe um fenômeno em sua família que diz respeito à
dificuldade de demonstrar e receber afeto, desde os seus avós; ele reconhece e fala
sobre a transmissão geracional dessa conduta, que inclusive parece se estender por
toda a família pois, em outro momento, comenta sobre um primo que também fica
desconfortável diante demonstrações de afeto.

“Acho que é uma coisa transgeracional, que vem de geração pra geração (...)
porque sai de uma geração, faltou isso, então não tem como você exigir que meus
pais tivessem essa conduta mais afetiva porque eles não tiveram esse ensinamento
nesse sentido. Um exemplo bem nítido, minha avó quando eu era moleque, ela
virava o rosto quando você ia dar um beijo nela.”

Nessa fala, parece usar da transmissão geracional para justificar o


comportamento de seus pais com relação a ele, como se não tivesse outra
possibilidade de agir e atualizar essas concepções, mesmo que minimamente,
sendo que ele mesmo consegue ser mais flexível e afetuoso com sua filha no
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momento presente. Essa tendência de sempre justificar e tentar minimizar as


experiências desfavoráveis de sua infância se assemelham muito ao padrão de
apego evitativo, no qual as pessoas tendem idealizar a infância e fazer falas pouco
coerentes e precisas pela minimização ou até mesmo negação da existência de
situações difíceis (HAZAN e SHAVER, 1987).

O impasse com relação ao afeto se amplia também para os vínculos de


amizade, quando Marcos conta que os pais nunca tiveram muitos amigos (inclusive
diz que o pai não tem nenhum), e ele e sua irmã também não cultivam muitas
amizades hoje em dia. Diz que estão tentando mudar isso e investir mais nas
relações de amizade que têm, mas que é algo comum da família toda, por serem
“pessoas que focaram muito na carreira”; de modo simbólico, é uma família muito
racional e pouco aberta para o emocional/afetivo.

Desse modo, Marcos cresceu com ótimas condições materiais e financeiras,


mas o afeto foi o que constituiu a falta em sua vida, como posto por ele mesmo e
dizendo ainda que isso fez com que ele e sua irmã tentassem preencher este
espaço nas suas relações afetivas no futuro, também tentando elaborar isto em
terapia.

“Mas a gente tentou remodelar isso daí, um upgrade de geração, eu sou pai
né, eu consegui me tornar um pai mais afetuoso, carinhoso, com a minha esposa
também, meus amigos... transferir e receber afeto de uma maneira mais... mas na
infância faltou, isso é fato. E essa exigência de desempenho, minha mãe sempre foi
muito ligada a essa questão de desempenho 'você tem que ser um bom aluno, tem
que dar o seu melhor, tem que tirar boas notas’ e eu sempre fui um cara de jogar
bola né, me divertir, eu ia pro colégio basicamente pra jogar bola e interagir com
meus amigos, minha irmã não, sempre foi certinha, estudiosa, só tirava 9 e 10, e eu
era o cara da recuperação.”

É interessante e positivo como Marcos inicia dizendo sobre a possibilidade de


resgatar o que foi insuficiente na infância, agora na relação com a filha; não repete a
relação hierárquica e rígida, retomando e reelaborando as trocas afetivas. Depois,
introduz a pressão e cobranças, principalmente por parte da mãe, a qual era
bastante rígida e autoritária, era quem ditava as ordens em casa, com pouco espaço
para diálogo e flexibilidade. Quando fala sobre isso, Marcos também tenta amenizar
80

e minimizar a autoridade imposta pela mãe, dizendo que não era autoritária (mesmo
depois de tê-la caracterizado desse jeito), comparando o comportamento dela
quando se tratavam de estudos/regras da casa e quando o deixava brincar
livremente na rua do condomínio.

A mãe, então, cobrava bastante com relação aos estudos e bons


desempenhos, e sua irmã sempre teve facilidade na escola, ao contrário dele; hoje
em dia, inclusive, segue o caminho acadêmico, sendo doutora e professora da
Universidade de São Paulo; porém, com fortes questões até hoje com relação ao
afeto e o conforto com este. Observa-se como existe uma ênfase, então, na
produtividade e no desempenho, o que remete aos valores disseminados
socialmente pelo capitalismo e neoliberalismo, colocando a qualidade das relações,
as trocas afetivas e o investimento no repertório emocional em segundo plano.

Também é possível perceber a diferença de oportunidades postas nos


contextos de vida de Marcos e sua irmã, quando comparado com Irina e Valmir, por
exemplo, e o quanto isso influencia no desenvolvimento e na formação de
subjetividade; apesar dessa divergência, a falta de abertura para diálogo e de um
vínculo afetivo profundo se dá em todas as histórias, por mais que em graus e
especificidades variadas.

Outro elemento que se destaca do trecho é a comparação entre os dois, de


modo que sua irmã era boa na escola, e ele tinha maiores dificuldades inclusive pelo
desinteresse na escola, o que o levou até mesmo a receber advertências pois não
se tratava apenas do desempenho nas matérias; conta também que sofreu bullying e
depois passou a praticar, mas não aprofunda essa temática e fala muito rápido dela
(outro indício da dificuldade em falar sobre épocas difíceis e partes doloridas de sua
vida). Dessa forma, Marcos era o “desviante” diante de um contexto familiar em que
havia uma mãe rígida, exigente, e uma irmã que conseguia se encaixar nessas
exigências e ficar à altura do sucesso acadêmico que os pais alcançaram

Sua adolescência também foi uma fase bastante conflituosa, em que Marcos
conta ter se sentido bastante perdido, tendo passado por muitos períodos de
mudanças e adaptações difíceis. Nesse momento, fala sobre a relação entre os pais:
seu pai era diferente de sua mãe e era colocado em uma posição mais baixa,
hierarquicamente falando.
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“Ele acabou sendo subjugado pela minha mãe no sentido emocional da


palavra, então, acumula, acumula estresse, insatisfação, e depois tinha
agressividade, não agressividade física mas de ficar bravo, perdido. (...) Meu pai
falava que minha mãe não deixava ele ser quem ele queria ser, então tinha uma
coisa de subjugação, de passividade por parte do meu pai, e minha mãe de fato
acabou sendo meio opressora na relação.”

Dessa forma, os pais brigavam muito, e se separaram e voltaram diversas


vezes; nessas brigas mais sérias, seu pai saía de casa e Marcos relata se sentir
abandonado, não sabendo se o pai voltaria. Esse é um ponto crucial de sua história,
pois, para ele, isso reflete em toda a sua vida dali em diante. A separação mais
importante foi quando ele tinha 14 anos, em que o divórcio realmente aconteceu e
seu pai foi morar em outra cidade, e Marcos decidiu se juntar a ele depois.

Teve que mudar de escola, deixar para trás os amigos de quem gostava tanto.
Além disso, na nova casa do pai, este conheceu outra mulher e ela, segundo
Marcos, era muito parecida com sua mãe. Era algo que o incomodava, pois não
acreditava que seu pai havia saído de um relacionamento para se colocar em outro
em que havia a mesma dinâmica de ser controlado e obedecer as decisões da
companheira. Desse modo, o participante fica apenas três meses morando com o
pai e não aguenta, volta para São Paulo; diz que sentia muita saudade dos amigos e
da escola, e por isso quis voltar.

Observa-se um período muito difícil na vida de Marcos, em que além de ter


que lidar com a crise da adolescência que existe por si só, tem que elaborar e lidar
com a separação dos pais e a mudança de ambiente. Perde, assim, todas as suas
bases de segurança, pois o contexto familiar que antes era difícil de vivenciar devido
às brigas dos pais, era pelo menos conhecido, mas agora se coloca em um
ambiente totalmente desconhecido e que repete quase que as mesmas dinâmicas
conflituosas anteriores. Quando decide voltar para São Paulo dizendo que estava
com saudade dos amigos, talvez também não tenha suportado viver nessas
condições completamente desconhecidas e desagradáveis.

Marcos também relata ter passado por outra mudança de colégio, antes
dessa separação, mas dessa vez porque seus pais não tinham mais condições
financeiras de arcar com os custos da escola que ele gostava muito e estudava
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desde o maternal. Com isso, muda-se para outra escola que também à qual não
consegue se adaptar;

“E aí meus pais fizeram um esforço financeiro pra me deixar lá. É complicado


né, coloca a criança lá no maternal e depois tira, tem todo um vínculo criado lá, de
repente uma ruptura, é difícil pra criança ter maturidade com uns pais que também
não tinham maturidade para manejar isso.”

Ele lida, assim, com muita dificuldade as fases de mudança e transição, tendo
que sustentar as instabilidades, surgimento de inseguranças e até mesmo a vivência
de lutos, devido às perdas envolvidas; tudo isso em meio à adolescência, época em
que já ocorre a necessidade construir sua identidade por meio dos encontros fora do
núcleo familiar e a revisão dos valores provindos deste (CRITTENDEN, 2002),
movimento complexo e que exige uma segurança e acolhimento em seu entorno.
No final desse trecho, Marcos parece admitir que seus pais não tinham muitos
recursos para lidar com as demandas que ele trazia; em outro momento da
entrevista, diz que sua mãe até reconhecia algumas dessas necessidades, mas não
conseguia acolhê-lo.

Depois que se formou na escola, passou por um longo período até descobrir o
que gostaria de fazer na faculdade. Passou por variados cursos e não gostava de
nenhum, falando sempre dessa sensação de “estar perdido”;

“Então meu pai falou ‘chega’ e eu fui fazer orientação vocacional. Eu acho
que eu precisava mais de terapia naquela época do que qualquer outra coisa - risos.
Hoje eu vejo que eu estava precisando entender o que estava acontecendo comigo.”

É positivo o fato dele reconhecer que estava passando por tempos


complicados, desde a sua infância até quando seus pais se separaram e em diante,
e que precisava de uma oportunidade de entrar em contato com o que estava
atrelado a isso, elaborando suas vivências. Infelizmente não foi o que estava ao seu
alcance, e foi pelo caminho de focar na carreira e descobrir o que faria sobre isso;
aqui, se vê mais claramente como isto é uma prioridade para a família, além do não
reconhecimento de que jovens podem se sentir confusos e sobrecarregados com
demandas em muitos sentidos, necessitando de maior auxílio e acolhimento. Da
mesma forma, diante de tanta angústia e dificuldade nesse processo, surge o
questionamento de se Marcos era suficientemente discriminado da família para
83

poder construir sua própria identidade, visto que escolher uma futura profissão não é
só escolher o que fazer, mas também quem ser e qual espaço ocupar no mundo.

Depois que se encontra na psicologia, passando por vários preconceitos


acerca da área (pensando inclusive que era coisa de mulher, de “viadinho”) e os
desconstruindo, Marcos comenta sobre a sua vontade desde sempre em fazer
medicina, por se interessar em psiquiatria, e de também estar em uma faculdade
pública. Isto é algo muito significativo, visto que seus pais seguem a área médica e
sua família toda cursou uma faculdade pública, parece então querer se encaixar
mais, estar de acordo com as conquistas e das réguas familiares, o que talvez lhe
garantisse uma sensação de pertinência ao sistema familiar. Também há a ideia de
que não consegue se colocar nesse lugar por impedimentos individuais, pela
relação que estabelece com os estudos, a academia, e pelo fato de não ter
condições para atingir isso, por não se conhecer o suficiente, não ter meios para
chegar a esse destino. Marcos também não aprofunda muito o significado disto para
ele, se existe uma frustração, culpa, um sentimento de inferioridade, sendo mais um
assunto delicado que paira sobre a entrevista rapidamente.

Além da relação com o resto da família e as exigências em torno disso, é


possível pensar na condição que Marcos se encontra, sendo um homem cis, branco,
hétero e com condições financeiras favoráveis. Nessa posição, tem que atender a
um padrão muito alto de sucesso e conquista, que também se faz presente na
família, mas se coloca para além disso, no âmbito social. É mais uma dimensão que
pode ser contribuinte para a sua frustração e para a imagem que tem de si, quando
comparado com o resto da família.

Por último, Marcos conta que sempre teve um vínculo muito forte com a irmã,
sempre brincaram juntos na infância e estenderam essa relação de modo que se
tornaram grandes amigos no futuro.

“A gente era muito unido, continua sendo bastante unido, sempre tive até
minha irmã como uma referência de afeto, porque a gente se conectou de uma
forma mais afetiva, às vezes eu chamo minha irmã de mãe, cometo esse ato falho. E
às vezes minha mãe chamo de irmã…”

É evidente como Marcos e sua irmã supriram, um no outro, a falta de afeto


por parte dos pais, contexto este que o faz praticar o ato falho de chamá-la de mãe,
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o que é muito representativo. Ele recorria mais à irmã para ser ouvido e apresentar
suas demandas, até sobre a própria mãe, mas também sobre questões variadas
como o que acontecia com ele na escola.

“Depois, na adolescência, eu tinha ela mais como uma figura de mãe, até o
papel que minha mãe nunca soube cumprir de saber ouvir, escutar minhas
demandas, até minhas principais demandas vinham da minha mãe, ela não me
entendia…”

Então, Marcos passa por uma história marcada pela falta de afeto, por um
ambiente não muito propício a lidar com as questões emocionais que surgem ao
longo do desenvolvimento, e com isso tem dificuldades de conquistar uma
autonomia e independência (que se apresentam a partir da adolescência e sua
sensação de estar perdido), de modo que isso se estende até o fato de ter saído da
casa de seus pais apenas com 36 anos de idade, insinuando uma forte dependência
emocional em relação aos cuidadores e uma relação em que parece também ser
cômodo para eles manter o filho em casa, com um maior controle e acesso sobre o
decorrer de sua vida. Porém, como sempre, não aprofunda essa questão, e diz
apenas que foi expulso de casa pois marcou um paciente na hora em que sua mãe
estava limpando a casa, e isso a deixou muito brava; parece ter havido, desse modo,
uma indiscriminação entre o espaço profissional e o doméstico, parental, algo que
talvez diga respeito à confusão entre a identidade e autonomia de Marcos, e o
quanto isso ainda estava estritamente ligado ao ambiente familiar.

● Experiências amorosas
A primeira experiência de Marcos foi quando tinha 18 anos: teve uma primeira
namorada com quem perdeu sua virgindade e conheceu no antigo bate papo da Uol.
No início, conversavam por telefone e depois marcaram de se encontrar; namoraram
por três meses, aproximadamente, e o fim foi bastante nebuloso e não esclarecido.
Ela teria dito que iria viajar nas férias, e nisso Marcos decide ligar para ver como ela
está, e descobre que não foi viajar e que está na casa de um tio. Diz que não foi
viajar por causa do chefe do trabalho, e depois fala que tem outro namorado; várias
justificativas vão se sobrepondo e deixando Marcos confuso. Ele fica muito bravo
quando ela conta ter outra relação, e sua primeira atitude é pedir o telefone do
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suposto namorado para falar com ele. Ou seja, mesmo ela aparentemente mentindo
para ele, o que mais o preocupa e chama atenção é a existência desse outro
homem, então desloca o conflito para isso, ao invés de se entender e resolver com
ela.
Marcos conta também que era “pegajoso” com ela, o que possivelmente fez
com que ela quisesse romper desta maneira, e fala sobre ela provocá-lo e não
passar confiança:
“Ficamos acho que uns três meses, quatro, eu enchi o saco dela também, era
muito pegajoso, inseguro né, já trabalhei bastante essa coisa do abandono mas
acho que por isso ela me deu um tchau.”
“Não sei se era pegajoso, foi a minha primeira experiência sexual né? Não sei
se era curiosidade, e ela me provocava muito, fingia que não podia transar comigo
porque tinha não sei o que na casa, morava com o tio, depois me ligava falava que
ele não tava lá mas também não deixava eu ir... era uma coisa que ela me instigava
e eu caía nos joguinhos dela. Eu falei que era pegajoso mas não sei se era mesmo,
eu era inseguro talvez, na relação com ela, porque ela não passava muita confiança,
tanto que esse final foi esse desfecho sem pé nem cabeça.”

É possível ver como com essa primeira moça, elabora o fim de uma maneira
a depositar nela a culpa de não ter dado certo, dizendo que ela provocava, não dava
confiança, jogava com ele. Por mais que isso fosse verdade, não era o que
ocasionava o fato dele ser inseguro na relação, pois essa é uma postura que foi
construída anteriormente em seu desenvolvimento. Mais adiante, Marcos conta
como lidou com esse término:

“Depois dessa ligação não teve mais nada, ficou uma coisa meio mal
entendida, gerou um mal estar pra caramba comigo, e eu caí na vida... repeti um
padrão do meu pai, meu pai sempre se relacionou com garota de programa, e eu
falei ‘dane-se, eu vou fazer isso’. Fiquei nisso por uns 3 anos só me relacionando
casualmente com as pessoas.”

Relacionar-se com garotas de programa significa evitar, ao máximo,


envolvimento emocional e intimidade nas relações. Evidencia como o apego evitativo
inseguro, construído na infância, reflete na sua dificuldade em confiar, de se envolver
e de construir relações de intimidade; esse estilo de apego, nos adultos, age à
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medida que estes não se sentem confortáveis para aproximar-se muito dos outros,
não confiam plenamente nas pessoas e não se permitem estar em relações de
compromisso (HAZAN e SHAVER, 1987).

“Comecei a curtir mais com meus amigos, compartilhava isso, mas eu sempre
fiquei tentando achar um relacionamento afetivo, nunca tinha engatado nada,
namorei 3 vezes só na minha vida, o resto foi experiência sexual sem muita
relevância.”

“Antes eu acho que eu era muito inseguro, por essa questão que eu já
elaborei, com relação ao abandono lá na infância (...) e minha mãe sabia disso sobre
mim, ela conseguia identificar demandas minhas mas não conseguia acolher. Isso
acabou sendo uma ferida emocional que eu consegui elaborar hoje, eu comigo
mesmo, e não que isso me gerasse uma dependência, nunca fui dependente, mas
me sentia muito vulnerável diante das relações, a coisa da insegurança.”

Marcos sente um forte desejo de namorar e se envolver, mas continua com


muito receio e insegurança, o que impede que construa relações afetivas, pois não
se permite estar vulnerável. Para ele, estar vulnerável é algo ruim, e algo que às
vezes depende mais de como o outro faz ele se sentir, do que a ideia de que ser
íntimo de alguém, em trocas afetivas simétricas, pedem uma abertura, trazendo a
sensação de vulnerabilidade diante dessa pessoa (GIDDENS, 1993); assim, para
Marcos isso é um problema, porque não consegue confiar no outro o suficiente para
se sentir confortável estando vulnerável.

Interessante pensar também como ele enxerga a questão da sua


insegurança; no máximo, associa esta com a sensação de abandono da infância,
como de novo causa e efeito, sendo que o fato de seu pai ter saído de casa por
conta das brigas (fazendo Marcos se sentir abandonado) foi uma consequência do
modo que o pai conseguia lidar com o relacionamento com a mãe. Relacionamento
este sem vínculo afetivo seguro, sem a possibilidade de se estar vulnerável e íntimo,
de conversar e elaborar questões juntos, o que interfere vai construindo um
ambiente inconsistente, o que contribui para a atual insegurança do participante.

Depois desse período em que esteve solteiro, conheceu sua segunda


namorada na época da faculdade, em uma festa. Chegaram a casar e ficaram 4 ou 5
anos juntos; chama a atenção a maneira que Marcos conta sobre esse
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relacionamento, de modo muito breve e sucinto, como se tivesse sigo uma relação
passageira e pouco importante em sua vida, também logo em seguida falando de
sua atual esposa:

“A gente chegou a casar, morar junto, e é isso. Foi legal, eu acho, foi um dos
mais longos. Agora é o mais longo né, casado com a Camila, são 4 anos também.”

Parece ter um certo receio de falar sobre essa relação, talvez por se sentir
desrespeitando a atual mulher. E esta é uma característica que permeia o decorrer
inteiro de seu relato sobre suas relações afetivas, sempre comparando e deixando
sobressair seu atual casamento.

“Nos conhecemos em uma festa, depois a gente saiu e se gostou, começou a


ficar e rolou. Foi um relacionamento de 4 ou 5 anos juntos. Mas teve idas e vindas
também, a gente não se entendia muito bem, das mulheres que eu me relaciono, é
bem psicanalítico, parecem muito com a minha mãe psicologicamente, no sentido de
serem mandonas, querem dar a rédea de alguns assuntos, e a gente acabava
brigando.”

Aqui, Marcos traz sobre sua tendência de se envolver com mulheres como
sua mãe, que se impõe, e ele se vê no lugar do pai. É interessante como ele não
admite sua carência emocional, e como ele acaba procurando o afeto em figuras
mais agressivas, impositivas e que representam para ele o que lhe é conhecido.
Também, ao mesmo tempo que procura isso e se encontra com essas pessoas, não
gosta dessa característica ou personalidade nas mulheres com quem que se
relaciona (como diz em vários momentos da entrevista).

Observa-se como ele introjeta o modelo de relação dos pais, mesmo não
gostando desde a sua infância, quando se incomodava bastante com tal modelo.
Também existe a insegurança afetiva, de terminar e voltar várias vezes, algo
também presente no casamento de seus pais. Diz sobre a dificuldade, de novo, em
se sentir vulnerável - não pode estar vulnerável pois assim se sente mais ameaçado
e inseguro ainda, sobretudo com a possibilidade da perda.

Além dessa repetição de padrão, em suas falas Marcos parece ser querer
estabelecer um padrão hierárquico em suas relações, querendo ser quem está por
cima; remete muito a postura da masculinidade hegemônica, justamente por querer
88

assegurar a posição de dominante dos homens (CONNELL, 1995) e encarar como


uma dificuldade ter que disputar, de certa forma, e ter conflitos com essas mulheres
que tanto o ameaçam (até porque isso lhe traz maior segurança e controle sobre o
relacionamento). Talvez não queira se ver como o pai, afinal de contas, na posição
de subjugado, “inferior”: então, ao mesmo tempo que parece procurar mulheres com
esses comportamentos, não gosta de se sentir assim.

Depois, fala sobre quando terminaram:


“É, teve um momento que a gente terminou, sinceramente não lembro porque,
ela era mandona eu também era inflexível, tinha essa coisa do abandono, morava
cada um em uma casa, não sei se tinha muito essa dinâmica do abandono, não
aguentar ficar longe dela, também nunca tive preocupação com ela me trair, e ela
provocava as vezes ‘fulano de tal tá falando comigo, deu flores’ e eu falava ‘nossa,
que que é isso? sabe que tá comigo e fica recebendo flores’ então me provocava,
assim como a outra, sabiam como pegava no meu ponto fraco de ciúmes e tudo
mais.”

Marcos não sabe ao certo porque terminaram, e ao longo de sua fala tenta
achar as justificativas. Traz, novamente, a temática do abandono, mais uma vez em
um movimento de colocar a causa de sua insegurança aqui, ignorando a falta de
afeto que permeia todo o resto de sua infância e juventude. Da mesma forma, de
novo fala que a mulher que o provocava, atingia propositalmente seu ponto fraco e
não era confiável, em uma tentativa de culpá-la por sua falta de segurança dentro da
relação. Também tenta justificar o fim com o fato dela não querer ter filhos (algo que
comenta em seguida), sendo que ele não tinha certeza se queria, contando que
pensava que não aconteceria com ele ou não seria “interessante”.

Fala que, em um dos momentos em que não estavam bem, chegou a trair
essa companheira. Diz se sentir muito mal e não conseguir, de fato, praticar a
atividade sexual com essa outra mulher; com isso, decide interromper e a manda
embora. Parece que estava se sentindo tão inseguro e ameaçado, talvez por uma
possibilidade de perda, ou mesmo uma enorme frustração por não estar dando
certo, que decide arriscar por outros caminhos que não resolver e entender o que
estava acontecendo, como já visto também com outros participantes desta pesquisa.
89

Tamanho é a dificuldade de se deparar com o problema, com a própria


vulnerabilidade e de considerar afetivamente o lugar que ocupa o outro na relação.

Nas idas e vindas dessa relação, conhece outra mulher; uma mulher mais
velha que lhe desperta o interesse e é recíproco:

“Tinha uma menina, menina não, mulher bem mais velha que eu, que podia
ter engatado; na época que tava solteiro cheguei a fazer uma sondagem com ela,
super legal, bacana, acho que teria dado samba com ela, mas sei lá hoje to muito
feliz com a minha esposa. Mas essa seria uma possibilidade, se eu e ela
estivéssemos solteiros, ela mesma falou isso pra mim e eu fiquei feliz de ouvir.”

“E não chegou a se envolver com ela?” “Não, saí duas, três vezes com ela,
era muito legal, cabeça aberta, mais saudável psicologicamente falando assim,
sabe? Mas eu tinha me estremecido com a namorada e fiz contato com ela... sei lá,
acho que acabei frustrando ela também porque ela tinha gostado de mim, e fica
nessas coisas de ciscar daqui e dali, voltava com a namorada e falava que não ia
dar com ela…”

Curioso ele usar a palavra “sondagem” para se referir a se encontrar com a


moça, no sentido de investigar, analisar a possibilidade de envolvimento, como algo
objetivo e pontual, também distanciando o aspecto emocional, de construção de
vínculo e pouco a pouco da intimidade. Assim como o restante de sua linguagem,
refere-se a uma formalidade que Marcos traz, de falar de uma maneira fria e pouco
espontânea sobre sua história; talvez essa performance possa dizer a respeito
também da maneira como quer ser visto e interpretado, como um homem diante de
uma entrevistadora mulher, sempre reforçando a racionalidade e objetividade das
coisas, que está tudo bem com ele - já elaborou e ressignificou tudo.

Falando sobre esta outra mulher, com quem não chegou a desenvolver uma
relação, se refere a ela como “mais saudável psicologicamente falando”,
comparando com as outras mulheres de sua vida, como se todas elas fossem
loucas, manipuladoras, já que o provocavam e faziam jogos com suas inseguranças.
Essa postura e também o fato de sempre atribuir, em partes, a elas o fato das
relações não funcionarem (até mesmo como uma causa de sua própria insegurança)
refletem uma perspectiva um tanto quanto machista, que tende sempre a visualizar
mulheres como loucas e perversas em relacionamentos afetivos frustrados.
90

● Relacionamento afetivo atual


Marcos está casado com sua esposa há quatro anos, e tem uma filha de dois
anos com ela. Se conheceram por um aplicativo de relacionamentos e começaram a
se encontrar; depois de um mês, ele a pede em namoro, relatando “tamanha
ansiedade em querer namorar de novo”. É possível ver, novamente, a carência e
necessidade que Marcos tenta mascarar muitas vezes, mas que deixa claro o
quanto ele deseja estar em relações de afeto e proximidade, talvez para preencher a
falta de afeto na infância (como pontuado por ele mesmo na entrevista).
Entretanto, devido à sua história de vida e à maneira como estabeleceu o
apego com seus pais, existe uma falta de confiança e segurança que o fazem evitar
ou não conseguir lidar com a intimidade que exige estar e se mostrar vulnerável para
o outro. Também parece tomar essa decisão tão rápida, de pedi-la em namoro, pelo
que parece ser uma ansiedade na forma de um medo de perder, de ter que tomar
uma atitude quase imediata para garantir que aquilo não pudesse ser perdido por
qualquer imprevisibilidade possível.
“É um relacionamento gostoso agora, saudável, bacana, tá bem legal. Mas
teve momentos de ruptura, logo no comecinho, a gente estava morando juntos e não
estava se entendendo, minhas demandas também com relação a ciúmes estavam
altas, e a gente terminou e ficou uma semana longe, voltou, daí eu intensifiquei
minha terapia e consegui equalizar as minhas questões, e estamos juntos aí desde
2018.”
Relata, então, também ter passado por um momento de término com ela,
além da questão do ciúmes que atravessa todas as suas relações amorosas. Junto
com o medo da intimidade, o ciúmes constata-se como mais uma característica que
retrata o apego evitativo, além da presença de altos e baixos emocionais
(MARTINS-SILVA, 2013), podendo se refletir em tantas idas e vindas nas relações.
Interessante pontuar, também, o fato de terem passado por momentos de
incerteza no começo da relação, e depois de dois anos terem decidido ter a filha;
esse processo diz respeito a um certo planejamento e cuidado sobre a decisão de
ter filhos, levando em conta a situação que se encontra o vínculo entre o casal, as
condições existentes (materiais e emocionais) para a vinda de uma criança à família,
e enfim esperar a consolidação e fortalecimento da relação para dar um próximo
passo. Esse movimento é muito diferente do que os participantes Irina e Valmir
91

passaram em suas vidas pessoais, pois da mesma forma que Angélica, Marcos só
coloca a possibilidade e a concretude de ter filhos a partir do momento em que
passam pelas crises da relação e se estabilizam, têm a certeza do que querem ali,
levando a pensar o quanto esse tipo de consciência e reflexão acaba se tornando,
de certa forma, um privilégio.

Tal privilégio está, dessa forma, na contramão do que acontece muitas vezes
e acaba causando arrependimento e/ou conjunturas desfavoráveis como um todo
para a família: ter filhos pelo impulso do desejo, pela paixão e intensidade do início
das relações, pelos sonhos em comum, ou também pela via do acidente, de algo
que não foi planejado mas também não foi prevenido.

Marcos continua:

“Tá legal, mais saudável, mais maduro, um respeitando o outro, ela tem essa
tendência também de querer mandar um pouco mas é o perfil dela, mas eu não
entro mais na pilha dela.”

Mais uma vez, uma mulher que ele considera “mandona”, característica esta
que não o agrada, apesar de repetidas vezes se envolver com mulheres que se
encaixam neste padrão. É de se pensar se a questão principal é o fato dessas
mulheres se assemelharem à mãe dele, no sentido de serem mais controladoras e
se colocarem à frente das decisões do lar, ou se apenas mulheres que se impõem e
são mais firmes, obstinadas em suas maneiras de se colocar já são o suficiente para
incomodá-lo e ser um motivo de conflitos. Existe uma linha tênue, e que na verdade
se mescla, entre o que é constitutivo de sua história de vida, com relação à
introjeção do modo de se relacionar de seus pais, inclusive se colocando na posição
de seu pai - e não gostando disso - e do que é condizente com uma postura mais
sexista e referente à necessidade de se utilizar dos papéis de gênero desiguais
dentro de uma rela, como na masculinidade hegemônica (CONNELL, 1995).

Ao final, Marcos fala mais sobre como se vê diante das relações afetivas,
incluindo o momento presente com sua esposa; diz que tem facilidade em se
expressar e normalmente reflete e elabora suas ideias antes de comunicar o que
pensa ou quer, dessa forma evitando confrontos. Sobre ser dependente ou não
dessas pessoas e relações, responde:
92

“Não me sinto dependente de relação nenhuma, talvez já tenha sido


dependente afetivamente, mas hoje em dia tenho bastante autonomia para seguir
minha vida sozinho.”

“Hoje em dia não me vejo dependente de ninguém, nem financeiramente nem


afetivamente de ninguém (...) mas me sentia muito vulnerável diante das relações, a
coisa da insegurança. Mas não dependente, me dava 5 minutos e eu falava
‘dane-se, essa pessoa não tá sendo legal comigo’. Era muito tudo ou nada, 8 ou 80
(...) tinha muito esse registro, hoje em dia eu tô muito mais flexível pra entender
minha demanda com o outro e a gente conseguir caminhar para um lado mais
saudável.”

Nos dois trechos, Marcos apresenta ideias e formulações que se contradizem


um tanto, demonstrando sua dificuldade em admitir a necessidade afetiva que o
cerca durante sua vida: primeiro fala que talvez já tenha sido dependente
afetivamente, mas no segundo trecho nega essa dependência e transforma o
discurso. Diz sobre ser “tudo ou nada”, o que também enuncia a dificuldade em viver
os processos, o caminhar das mudanças, crescimentos e retrocessos das relações,
a delimitação de contornos à medida que a intimidade e a confiança se colocam no
vínculo afetivo, através dos conflitos e a resolução destes a partir do diálogo e da
compreensão dos envolvidos.
93

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando o objetivo geral do trabalho como compreender como as
pessoas constroem e atualizam seus modos de se relacionar intimamente,
considerando dialeticamente os seus contextos e a estrutura social, foram
constatados resultados coerentes com a base teórica da pesquisa; foi possível
observar as relações existentes entre os vínculos afetivos construídos na infância e
após, na vida adulta, de maneira que os da infância (assim como a própria relação
entre os cuidadores e o restante do ambiente familiar) de fato serviram como base
para a formatação de novas relações.
Tendo como norteador as determinações sociais e especificidades de cada
uma das histórias dos participantes, observa-se que algumas formatações e
maneiras de se relacionar puderam ter a chance de serem revistas e transformadas,
sob a perspectiva de que a reflexão autocrítica e a possibilidade de encarar as
histórias, inclusive por meio da psicoterapia, podem ser um privilégio; de maneira
mais explícita, Angélica e Marcos colocam as associações com as experiências da
infância e o que viveram com suas famílias com a maneira como buscam
companheiros(as) e que se percebem nas relações. Porém, com Irina e Valmir, isso
não se dá da mesma forma e inclusive ambos apresentam menos conexões entre
essas duas épocas, e portanto as apresentam mais separadamente em suas
especificidades.
Da mesma forma, os relatos de Valmir e Irina se cruzam e se assemelham de
outras formas, que dizem respeito ao recorte de raça e de classe, como na maneira
como evitam se expressar e se colocar para os outros, principalmente em suas
relações amorosas atuais com seus companheiros. Algo interessante que também
surge é o fato de Marcos e Angélica, ao se perceberem em relações, mais
especificamente nos casamentos em que não estavam felizes, puderam tomar a
atitude de sair destes, demonstrando uma maior liberdade e autonomia sobre as
decisões acerca da própria vida; diferentemente de Irina e Valmir, que expõem
muitas insatisfações no matrimônio em que vivem (e desde muito tempo,
aparentemente), e mesmo assim não conseguem, com a mesma facilidade, assumir
posturas mais radicais e transformadoras.
Sob o recorte de gênero, Angélica e Irina têm em suas narrativas a temática
do cuidado e da responsabilidade afetiva sobre a família aparecendo bastante,
mesmo que Valmir e Marcos não sejam pais ausentes ou negligentes com seus
94

filhos. Assim, é possível também entender como estar em relações conjugais com a
presença de filhos, reforçando o papel desigual de gênero acerca da
responsabilidade de cuidar dos integrantes da família, é algo que recai sobre e
pressiona mais as mulheres do que os homens, influenciando a permanência na
relação e sobretudo a saúde mental dessas mães e esposas.
Importante mencionar, no entanto, que a identificação dos estilos de apego
que os sujeitos desenvolveram e atualizaram (ou não) ao longo do ciclo vital, como
previsto nos objetivos específicos, não foi algo fácil de ser discernido. Muito
possivelmente pelo fato de que se trata de um conceito complexo e que exige um
maior conhecimento acerca da história pessoal dos sujeitos, e que portanto não
pode ser definido a partir, somente, de um encontro de uma hora de duração. Assim,
foram levantadas hipóteses e sugestões sobre os estilos de apego, de acordo com
os conteúdos trazidos pelos próprios participantes, mas que de forma alguma podem
ser confirmados de maneira absoluta.
A respeito das entrevistas, a diferença entre as que foram realizadas
presencialmente e a de Marcos, que foi em modo remoto, foi algo importante para a
forma como a conversa e o encontro como um todo se deu; o encontro presencial,
em um espaço isolado e seguro, implica em um maior foco e impede que
adversidades do modelo remoto aconteçam e atrapalhem as linhas de raciocínio,
como por exemplo a interrupção por algum elemento do ambiente ou mesmo pela
própria internet, o que por vezes culmina em falhas na comunicação. Outra diferença
é a maneira como o contato se dá, visto que todas as entrevistas presenciais
aconteceram de forma a se perceber um ambiente mais favorável, de maior
intimidade e conforto para os participantes compartilharem suas narrativas
autobiográficas; já a entrevista online foi a mais rápida e que se assemelhou mais a
um modelo mais rígido e menos espontâneo de entrevista.
Cabe pontuar o processo da pesquisa qualitativa e as percepções que foram
possíveis a partir da realização desta; trata-se de um processo que é construído
conjuntamente, de forma que, à medida que a pesquisa toma forma, é transformada
e adaptada pelas contribuições dos participantes, das reuniões com a orientadora do
trabalho, de novos materiais vistos e novas ideias que surgem no decorrer do tempo,
não sendo algo fixo e totalmente planejado antecipadamente. Além disso,
compreende-se, aqui, que o modelo de pesquisa acadêmica formal e rígido, assim
como as normas e regras que circunscrevem tal produção, muitas vezes acabam por
95

limitar e desestimular autores a construírem trabalhos que sigam fielmente seus


interesses, desejos e curiosidades acerca dos diversos temas possíveis.
Por último, é sugerido que se produzam mais pesquisas sobre o tema: este é
amplo, complexo e em constante transformação, o que torna quase impossível
esgotar suas possibilidades de compreensão. Novas pesquisas devem considerar de
muita importância, sobretudo, os contextos e recortes sociais existentes, de forma a
ir na contramão de naturalizações e pré-determinações; seria também interessante
que tais pesquisas focassem pessoas mais velhas e/ou mais novas, como idosos e
população jovem-adulta.
96

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ANEXO I - Questionário Sociodemográfico


106

1. Idade:

2. Gênero:

( ) Feminino

( ) Masculino

( ) Outro:

3. Orientação sexual:

( ) Heterossexual

( ) Homossexual

( ) Bissexual/Pansexual

4. Religião:

5. Raça autodeclarada:

( ) Branco (a)

( ) Pardo (a)

( ) Negro (a)

( ) Indígena

( ) Amarelo (a)

( ) Outra:

6. Ocupação:

( ) Desempregado(a)

( ) Estudante

( ) Trabalho remunerado - independência financeira

( ) Trabalho remunerado - dependência financeira

7. Profissão:

8. Estado civil:
107

( ) Solteiro(a)

( ) Casado(a)

( ) Viúvo(a)

( ) Divorciado(a)

9. Quantas pessoas moram com você?

( ) Moro sozinho(a)

( ) Uma a três

( ) Quatro a sete

( ) Oito a dez

( ) Mais de dez

10. A casa onde você mora é...?

( ) Própria

( ) Alugada

( ) Cedida

11. Qual é o seu nível de escolaridade?

( ) Da 1ª à 4ª série do Ensino Fundamental (antigo primário)

( ) Da 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental (antigo ginásio)

( ) Ensino Médio (antigo 2º grau)

( ) Ensino Superior

( ) Especialização/Mestrado/Doutorado/Pós Graduação

( ) Não estudei

12. Qual a sua renda mensal, aproximadamente?

( ) Nenhuma renda

( ) Até 1 salário mínimo (até R$ 1.212,00).


108

( ) De 1 a 3 salários mínimos (de R$ 1.212,00 até R$ 3.636,00).

( ) De 3 a 6 salários mínimos (de R$ 3.636,00 até R$ 7.272,00).

( ) De 6 a 9 salários mínimos (de R$ 7.272,00 até R$ 10.908,00).

( ) De 9 a 12 salários mínimos (de R$ 10.908,00 até R$14.544,00).

( ) De 12 a 15 salários mínimos (de R$ 14.544,00 até R$18.180,00).

( ) Mais de 15 salários mínimos (mais de R$18.180,00).

ANEXO II - Questões norteadoras para a narrativa histórica


109

● Infância
○ Onde morava, escola, amizades;
○ Relação com os pais (ficava muito sozinho? tinha autonomia? já
apanhou? havia muitas brigas? como era a relação entre os pais?);

● Relações amorosas
○ Primeiras experiências;
○ Experiências mais marcantes (sendo atual ou não);
○ Como era? No início, meio e fim;
■ Essa pessoa te dava liberdade/encorajava/incentivava? e você
com ela?
■ Essa pessoa te deixava confiante e seguro, ou não?
■ Como era o diálogo?
■ Se envolveu rápido ou devagar na relação?
■ Relações com a família/amigos do companheiro e vice-versa;
■ Relação no cotidiano/dia a dia;
■ Havia algum tipo de controle/chantagem emocional/violência?

● Como você se vê diante do amor?


○ Muito dependente? Muito ‘grudento’, ou pouco?
○ Muito desconfiado/ciumento/inseguro?
○ Está sempre à procura de alguém ou fica bem sozinho?
○ Medos?
○ Facilidade ou dificuldade em se expressar e se impor?

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