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CENTRO UNIVERSITÁRIO NOSSA SENHORA DO PATROCÍNIO

FACULDADE DE SAÚDE E CIÊNCIAS DA VIDA

PÓS-GRADUAÇÃO PSICOLOGIA CLÍNICA

LUIZ CARLOS GOMES DA SILVA

A FAMÍLIA E O DESENVOLVIMENTO PSIQUICO DA CRIANÇA:


REVISÃO DE LITERATURA

Salto SP
2023
LUIZ CARLOS GOMES DA SILVA

A FAMÍLIA E O DESENVOLVIMENTO PSIQUICO DA CRIANÇA: REVISÃO DE


LITERATURA

Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-


graduação apresentado a Faculdade de
Saúde e Ciências da Vida, no Centro
Universitário Nossa Senhora do Patrocínio
para obtenção do título de Pós Graduação em
Psicologia Clínica.

Orientador: Alex Sandro Benetti Dias


RESUMO

Este estudo objetivou analisar e descrever a bibliografia existente sobre os


principais pilares do desenvolvimento psíquico infantil, e a importância da família na
construção psíquica da criança. Procurou-se avaliar de forma crítica e sistemática, de
acordo com os referenciais psicanalíticos, o quanto as relações afetivas fundamentadas
nas relações familiares podem contribuir para um desenvolvimento saudável da
personalidade e dos comportamentos sociais da criança, dentro e fora do contexto
familiar. Olhando a família brasileira a partir do seu contexto atual, construído por
inúmeras transformações em sua estrutura psíquica social e no seu funcionamento
cotidiano, gerando diversos modelos familiares, por meio do dinamismo religioso, político
e social. Diante disto, foi possível observar neste estudo que a ausência dos vínculos
afetivos nas relações familiares, produz efeitos negativos permanentes na construção da
autoimagem e da personalidade da criança, uma desorganização psíquica que resulta
em uma conduta antissocial, ausente de valores, consequentemente afetando a família
e a sociedade em que está inserida.

Palavras-chave: Família. Desenvolvimento Psíquico. Criança.


ABSTRACT

This study aimed to analyze and describe the existing bibliography on the main
pillars of child psychic development, and the importance of the family in the child's psychic
construction. We sought to evaluate critically and systematically, according to
psychoanalytical references, how affective relationships based on family relationships can
contribute to a healthy development of the child's personality and social behavior, inside
and outside the family context. Looking at the Brazilian family from its current context, built
by numerous transformations in its social psychic structure and in its daily functioning,
generating different family models, through religious, political, and social dynamism. In
view of this, it was possible to observe in this study that the absence of affective bonds in
family relationships, produces permanent negative effects in the construction of the child's
self-image and personality, a psychic disorganization that results in an antisocial behavior,
absent of values, consequently affecting the family and the society in which it operates.

Keywords: Family. Psychic Development. Child.


Sumário
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................................... 8
1. APRESENTAÇÃO........................................................................................................................................... 8
2. METODOLOGIA.......................................................................................................................................... 10
3. O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DA CRIANÇA .................................................................................... 11
4. PILARES DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL................................................................................................ 15
5. FAMÍLIA BRASILEIRA - HISTÓRIA E ATUALIDADE ........................................................................................ 23
5.1. HISTÓRIA: ............................................................................................................................................. 24
5.2. DIFERENTES FORMAS DE CONSTITUIÇÃO FAMILIAR .............................................................................. 27
5.3. A FAMÍLIA BRASILEIRA NO CONTEXTO ATUAL: ...................................................................................... 30
6. A FAMILIA E SUA CONTRIBUIÇÃO NA ÓTICA PSICANALÍTICA ...................................................................... 31
7. A IMPORTÂNCIA DOS VÍNCULOS AFETIVOS NO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO DA CRIANÇA .................... 34
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................ 41
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................................. 45
8

INTRODUÇÃO

1. Apresentação

Ao se referir à instituição família, é preciso considerar que sua estrutura está


fortemente vinculada ao momento histórico que atravessa a sociedade em que está
inserida. Compreende-se que as diferentes composições familiares são determinadas por
um conjunto de variáveis ambientais, sociais, econômicas, culturais, políticas, religiosas
e históricas, em razão das mudanças continuas que ocorrem no mundo globalizado,
interligando os povos por meio da mídias sociais globais e em total dependência de uma
economia capitalista, construindo assim, uma sociedade cada vez mais consumista e
individualista.

Estas mudanças socioeconômico-culturais atingem todas as camadas sociais,


modificando o comportamento humano e afetando as relações interpessoais, seja na
comunidade ou na família, demonstrando interferências e alterações nas estruturas e
organizações familiares. Assim sendo, pode-se verificar na atualidade que, não existe
apenas um modelo de família, mas uma diversidade de modelos familiares. Diante deste
cenário de transformações. Levando-se em conta a realidade brasileira observa-se um
aumento do número de uniões consensuais, famílias chefiadas por mulheres (ou
monoparentais) e de famílias reconstituídas, ou seja, famílias originadas de novas uniões
de um ou dos dois cônjuges que se separaram (TORRES, 2000). Contudo, a família
independente da sua configuração, ainda mantém seu importante papel no contexto
social, reconhecida e altamente valorizada no processo de construção da identidade
psíquica de seus membros.

Muitos autores vêm apontando para a relevância de se aprimorar a qualidade dos


vínculos no convívio familiar, pois é por meio deles que se constrói a convicção de
pertencimento, compromisso e identidade, papéis necessários para o desenvolvimento
psíquico da criança dentro e fora da família. Pela legitimidade destes papéis, as regras
sociais são transmitidas, viabilizando o processo de socialização. Portanto a principal
questão que norteará este trabalho está pautada o quanto a estrutura familiar e a
9

qualidade de seus vínculos afetivos podem influenciar no desenvolvimento psíquico da


criança.

A busca dos dados bibliográficos justifica-se pela probabilidade de se encontrar


importantes contribuições para uma melhor compreensão da família e seus vínculos
afetivos. Contribuições que possam servir de apoio aos profissionais que atuam com
terapia familiar e desejem interagir com as famílias para proporcionar uma convivência
saudável; possibilitar a oportunidade aos estudiosos da família, reconhecer o lugar
essencial e primeiro da família, na construção dos vínculos afetivos intrafamiliares das
crianças que irão facilitar a socialização e o fortalecimento da cidadania; possibilitar a
própria instituição família de ser ouvida e reconhecida como uma organização pulsante e
em constante transformação social, capaz de exercer papel importante no formar, cuidar
e proteger as gerações futuras, sem perder o respeito pelos diversos tipos e composições
familiares existentes.

Os autores Carvalho e Ameida (2003) definem a família como protetora dos


aspectos internos das pessoas, declarando: “importância (da família) cresce entre
pessoas mais frágeis [...] É a família, sobretudo, que pode transmitir-lhes, entre outros
aspectos, um patrimonio de ‘defesas internas’.” (CARVALHO; ALMEIDA, 2003, p. 118).

É fundamental frisar que a familia vem sendo apresentada no transcorrer dos anos
como um expressivo seguimento de socialização primária das crianças (Schenker e
Minayo, 2003). É a familia que estabelece formas e limites para as relações entre as
gerações (SIMIONATO-TOZO, 1998), anunciada inúmeras vezes e por diversos autores
como o primeiro grupo social em que a criança interage e constitui apego e
pertencimento. A grande maioria da população ocidental enxerga a família, como a célula
inicial e principal da sociedade (BIASOLI-ALVES, 2004). Assim a instituição familiar pode
exercer uma profunda e decisiva influência na construção do psiquismo infantil,
apresentando significativas possibilidades de desenvolvimento físico, cognitivo e
psicológico da criança.

O objetivo será analisar e descrever os dados bibliográficos levantados, aplicando


uma avaliação crítica e sistemática sobre a família e desenvolvimento psíquico da
criança, levando-se em conta a transformação da família nos âmbitos políticos, culturais,
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psicológicos e sociais, construídos no decurso da história da família brasileira. Conhecer


e analisar os vínculos afetivos existentes nas relações familiares sob um olhar
psicanalítico, a influência destes vínculos e o desenvolvimento psicológico da criança,
com a expectativa de levantar prováveis respostas aos conflitos existentes nas diversas
constituições familiares existentes na atualidade.

2. METODOLOGIA

Serão utilizadas como base de captação de dados, as definições dos tipos de


pesquisa apresentados por Mattos e Rosetto (2004), que se caracteriza como pesquisa
bibliográfica. A definição se encaixa na categoria de pesquisa indireta, quando o
pesquisador busca informações, conhecimentos e dados já coletados e as utiliza em seu
trabalho. Com os dados coletados, analisa-se criticamente, clarificando as ideias e dados
encontrados, definindo o trabalho como uma pesquisa bibliográfica.

Após o levantamento bibliográfico, inicia-se a fase de “Leitura Informativa”


definindo o recolhimento das informações em quatro partes:

• Leitura de Reconhecimento: busca-se uma visão global do assunto;

• Leitura Seletiva: faz-se a escolha dos textos mais condizentes com a pesquisa;

• Leitura Crítica ou Reflexiva: estudam-se os textos com visão consciente,


diferenciando as ideias principais das secundárias.

• Leitura Interpretativa: busca-se relacionar as informações obtidas com os problemas


da pesquisa.

A pesquisa dos artigos para elaboração deste projeto se deu na base de dados
do “Google Acadêmico” e “Scielo” (Scientific Electronic Library Online), utilizando
palavras chaves referentes ao tema a ser desenvolvido no trabalho.

Após a leitura superficial das pesquisas, alguns artigos foram escolhidos e


separados para uma leitura mais seletiva, utilizando-se padrões mais rigorosos. Ao
término da seleção iniciou-se a “Leitura Crítica”, sendo organizados e separados os
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artigos e livros com as ideias mais relevantes, relacionando-os com a problemática


apresentada nesta pesquisa.

3. O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DA CRIANÇA

A busca pelo conhecimento do desenvolvimento humano tem se dado de


diferentes maneiras ao longo da história da Psicologia desde sua fundação por Willhem
Wundt em 1816. Esta ciência, em seu processo de construção no seio de intensas
transformações políticas, econômicas e sociais, tem gerado múltiplas abordagens e
diferentes visões sobre o homem em sua constituição física, mental e afetivo-social.

No início do século XX, com as descobertas de Freud, através do estudo dos


sonhos, dos atos falhos, das emoções (estudo sobre a histeria) e da sexualidade,
surgiram novas concepções sobre os fenômenos humanos imprecisos e invisíveis.
Rompendo com o racionalismo preponderante na ciência da época e com a ideia do
homem capaz de controlar a si e ao mundo, Freud construiu os conceitos que vieram a
embasar a primeira tópica ou esquema proposto por ele para a estrutura do psiquismo:
consciente, pré-consciente e inconsciente. Ao postular que a maior parte da nossa
atividade psíquica é de natureza inconsciente, Freud nos fez enxergar que não
conhecemos nossos desejos, motivos, atitudes, sentimentos, pensamentos tão bem
como acreditávamos. Assim, colocou em dúvida a tão festejada preponderância da razão
no desenvolvimento humano. Com isto, Freud resgata para o campo do fenômeno
psicológico a importância dos aspectos afetivos.

Até então, acreditava-se que o feto e a criança recém-nascida, até 2 ou 3 anos,


não experimentavam emoções, consideravam que a personalidade não tinha se
desenvolvido o suficiente para algum tipo de relação com o mundo. Freud demonstrou
que esta observação não tinha mais sentido, mesmo porque tanto os bebês como as
crianças não só sentiam o que acontecia a sua volta, mas tinham uma sexualidade
latente. Demonstrou também que as emoções afetavam a saúde física, o que fez surgir
à noção de doenças psicossomáticas.
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A partir de Freud, o desenvolvimento humano é, então, marcado pela força da


libido que assume várias formas e se localiza em determinadas regiões do corpo, nas
quais o sujeito encontra mais satisfação na medida em que se desenvolve. A sexualidade
infantil possui um sentido diferente da adulta, não está relacionada apenas ao aspecto
biológico, genital. Sua ênfase está no sentido do prazer, da descoberta do próprio corpo
e das questões ligadas ao desejo e à fantasia que permeiam a relação com os pais,
expressas em diferentes fases, sendo:

• Fase oral: caracteriza-se pela concentração da libido na região bucal. A boca vai se
tornando o centro do prazer através da alimentação, do contato com objetos como
chupeta, mordedor, da sucção dos lábios etc. Nessa fase, a criança só se interessa
pela gratificação de seu prazer de forma egocêntrica, constituindo o narcisismo
infantil. Essa fase desempenha papel importante na constituição da personalidade,
principalmente quanto à imagem que o indivíduo tem sobre si.
• Fase anal: na época em que a criança está aprendendo a controlar os esfíncteres, no
treino do banheiro, a energia libidinal se desloca para a região anal. Como a criança
já faz uma diferenciação entre ela e o mundo externo, ela utiliza a excreção (retendo
ou expelindo) como um ato dirigido ao “outro”. As exigências sociais, nesse período,
podem tornar essa fase conflituosa para criança, tendo repercussões na formação da
personalidade, especialmente nas vivências futuras de prazer e desprazer, de
organização e disciplina.
• Fase fálica: a fase posterior, denominada fálica (3 aos 5 anos), é o momento em que
a criança começa a perceber as diferenças sexuais anatômicas e a vivenciar o prazer
na manipulação dos órgãos genitais. Esta fase é também assim denominada pela
relevância que Freud concedeu às fantasias infantis inconscientes, com o órgão
genital masculino, nesse momento da vida da criança. É marcada também pelo
complexo de Édipo.
• Fase da latência: é o período em que a libido permanece voltada para atividades que
não tem um caráter sexual. É o que Freud denominou de sublimação. Deste modo,
brincadeiras, esportes, artes e atividades escolares ganham um papel de destaque
na vida da criança. Coincide com o ingresso da criança no ensino fundamental, no
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qual ela pode se destacar em atividades de natureza física ou intelectual, dada a


concentração de energia libidinal que ali se forma. A partir do início da puberdade,
com todas as transformações orgânicas e hormonais ocorridas, meninos e meninas
retornam aos interesses de ordem sexual. Agora, a sexualidade é genital, e não fálica,
estando voltada para as relações exteriores à família. Pode ser um período de muitos
conflitos, gerando fenômenos que muitos denominam de síndrome da adolescência
(ABERASTURY e KNOBEL, 1981), posto que há um retorno dos sentimentos e
desejos recalcados no inconsciente no período da latência.

Nos anos 60, com o advento das tecnologias em obstetrícia, foi possível
potencializar os estudos do bebê ainda no útero, e tornou-se incontestável a evidência
fisiológica de que o feto ouve, tem sensações, faz experimentações, reage ao estresse,
defende-se, tem medo, sente-se vivo. Portanto, o bebê é um ser emocional, intelectual e
fisicamente mais capacitado do que imaginávamos. Com a confirmação dos estudos
psicanalíticos de Bion, Melanie Klein e outros autores contemporâneos, foi possível
verificar o surpreendente mundo uterino que o bebê está inserido. Sabemos que a
formação da personalidade requer uma mente, um aparelho psíquico, ainda que
rudimentar (em psicanálise chamamos de rudimentos de ego), que capacite o bebê a
entender os sentimentos e pensamentos da mãe, e não apenas captá-los pelo sensorial.
As pesquisas indicam que, por volta do 7º e 8º mês de gestação, esses rudimentos
começariam a existir no feto, quando os circuitos neuronais estariam prontos e o córtex
cerebral já amadureceu o suficiente para suportar uma mente, um psiquismo, sendo o
que é mais característico de um ser humano, o que o distinguirá dos demais animais, a
capacidade de pensar, sentir e lembrar. No 7º mês, por exemplo, testes de ondas
cerebrais captam um determinado ritmo característico do estado de sonho. Ele poderia
sonhar com seus pés, suas mãos, com os barulhos, ou quem sabe com o sonho da mãe,
de modo que o sonho da mãe fosse o seu sonho. Ficando claro que as sensações e a
existência de um estado primitivo de consciência, um psiquismo rudimentar já esteja
presente na vida intrauterina.
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Devemos atentar que mãe e filho possuem inter-relações neuro-hormonais que é


provavelmente o meio de comunicação emocional entre mãe e bebê. O mais importante
é verificarmos como está a relação de amor da mãe com seu bebê, a frequência, a
intensidade e qualidade de impactos causados por perturbações de estresse, poderão
ser minimizados com o escudo afetivo da relação materno-filial. É importante também
considerar o relacionamento familiar e os conflitos decorrentes durante a gestação. A
gravidez é um momento para ser vivido em família: pai, mãe e bebê (irmãos).
Considerando que o ventre materno é o primeiro mundo humano, e a forma como o bebê
irá vivenciá-lo se amistoso ou hostil, poderá contribuir para o seu desenvolvimento
psíquico, as determinações do caráter e da personalidade futura da criança.

Com a descoberta de que os anos iniciais de vida humana, são cruciais para o
desenvolvimento emocional posterior da criança, coloca o contexto familiar como um
lugar potencialmente produtor de pessoas saudáveis, emocionalmente estáveis, felizes
e equilibradas, ou como o núcleo gerador de inseguranças, desequilíbrios e toda a sorte
de desvios de comportamento (SZYMANSKY, 2000, p. 23).

O psicanalista Erik Erikson, (1980) ressalta a relevância dos anos iniciais para o
desenvolvimento da criança, buscando como principal foco o surgimento gradativo de um
senso de identidade que ocorre pela interação do sujeito com seu meio ambiente. Erikson
propõe oito estágios para o desenvolvimento psicossocial da criança. Estágios que
apresenta a crise de confiança básica versus desconfiança. O primeiro estágio expõe a
crise de confiança, em que a criança adquire ou não segurança e confiança em relação
a si próprio e ao mundo que o cerca de acordo com a relação que possui com a mãe, ou
seja, se a mãe não lhe der afeto e não responder às suas necessidades, a criança pode
desenvolver medos, receios, sentimentos de desconfiança que poderão vir a refletir-se
nas relações futuras. Mas diante de uma relação segura, afetiva que satisfaça suas
necessidades, a criança passa a ter melhor capacidade de adaptação às situações
futuras. É importante destacar que seja qual for a situação vivida pela criança, ela irá
carregar esse aspecto de identidade básica ao longo de seu desenvolvimento.

Assim como Erikson, Bowlby e outros teóricos acreditam que o vínculo afetivo, é o
primeiro relacionamento social do bebê, capaz de estabelecer bases seguras para os
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seus relacionamentos sociais posteriores. Bebês que experimentam a confiança e a


empatia de um vínculo seguro devem se tornar, crianças que interagem com segurança
e habilidade. Em contrapartida, as crianças que não experimentaram um primeiro
relacionamento bem-sucedido e satisfatório tenderiam a encontrar problemas nas
interações sociais ao atingirem a idade pré-escolar.

4. PILARES DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

Os principais pilares do desenvolvimento infantil decorrem de uma complexa


interação entre o amadurecimento e a aprendizagem, desenvolvida pelo sujeito e seu
potencial cognitivo, respeitando as normas e hábitos culturais do meio familiar e social
em que a criança esta inserido.

Para Vygotsky (2007), o nível de desenvolvimento real da criança é o nível mental


que ela já determina o desenvolvimento completo. Quando a criança faz tarefas que
aprendeu a dominar e já consegue sem ajuda de pessoas mais experientes.
Para Piaget (1973), as crianças adquirem conhecimento por meios de ações sobre os
objetos e de experiências cognitivas concretas. Elas constroem o seu conhecimento
durante as interações com os outros e com o mundo.

No processo do desenvolvimento infantil, que é um momento significativo na vida da


criança, um período singular. Onde, as rápidas aquisições apresentadas no desenvolver
da primeira infância, especialmente a partir dos 18 meses, destacam-se o
aperfeiçoamento da linguagem verbal, da motricidade, o desenvolvimento intelectual,
cognitivo e socioemocional (Lopes, Vivian, Oliveira, Silva, Piccinini, & Tudge, 2009),
aspectos que devem ser compreendidos de maneira global e interligadas (Lopes et al.,
2012).

Neste importante momento do desenvolvimento infantil, a família tem um papel


fundamental no que pertence os afetos, cuidados e estímulos necessários ao
crescimento da criança, assim como no surgimento e fortalecimento dos vínculos afetivos
entre pais e filhos (Andrade et al., 2005; Dourado, Carvalho & Lemos, 2015). Dessa
maneira, o ambiente familiar passa a ter grande importância, pois é nele que a criança
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estabelece a relação com o mundo externo, assegurando sua formação e qualidade de


vida social, moral, psicológica e cultural (Paula, Pires, Mascarenhas, Costa & Brito, 2013).

No ano de 1946, após a Segunda Guerra Mundial, a pediatra húngara chamada Emmi
Pikler fundou um orfanato para acolher bebês e crianças até três anos, que se
transformou em uma creche que tinha como objetivo oferecer um trabalho atencioso e
interativo entre as crianças, a partir do estímulo da autonomia e motricidade.
desenvolvendo assim, um conjunto de princípios direcionados à educação de bebês até
os 3 anos de idade, em que defende que os bebês e as crianças pequenas são capazes
de aprender a engatinhar e andar por si próprios sem que os adultos os induzam a essas
ações, respeitando o tempo de cada um, deixando-os brincar livremente.

A abordagem Pikler, tem como objetivo trabalhar as primeiras fases de


desenvolvimento das crianças, a partir de atividades que estimulem a independência e a
autonomia. Os princípios de Emmi Pikler, se assemelha com o método desenvolvido por
Maria Montessori, que tem como objetivo estimular o crescimento da criança de maneira
autônoma, respeitando o desenvolvimento natural de suas habilidades físicas,
psicológicas e sociais.

A pediatra Maria Montessori nasceu em uma época anterior a de Emmi Pikler e, por
isso, quando Pikler começou a estudar, já tinha os subsídios necessários para que ela
pudesse fundamentar sua teoria. Portanto, é possível afirmar que a abordagem de Pikler
complementa a de Montessori, pois possuem propostas muito semelhantes.

Sendo um método que foca nos princípios básicos do desenvolvimento infantil, ou


seja: a motricidade livre, a autonomia e a segurança efetiva.

• Motricidade livre - Liberdade do movimento do bebê ao aprender engatinhar,


baseado no movimento livre, onde a criança constrói uma consciência corporal livre,
sem intervenção de um adulto para que descubra como seu corpo funciona e aprimore
as suas habilidades motoras de forma espontânea. O papel do adulto, nesse caso, é
garantir a segurança necessária para que ele possa brincar livremente, se descobrir,
sem forçá-lo a fazer movimentos que a criança ainda não aprendeu.
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• Segurança afetiva - Princípio relacionado ao vínculo entre a criança e o adulto, nos


cuidados do dia a dia. A maneira como a criança interage com os objetos e pessoas
é muito importante para o seu desenvolvimento, deve-se estabelecer uma relação de
confiança com a criança diante das atividades cotidiana, como: tomar banho trocar a
fralda vou ajudar a se vestir, ao facilitar essas atividades, haverá um fortalecer do
vínculo afetivo entre adultos e criança, contribuindo na construção da autonomia.
• Autonomia - desenvolver atividades em que a criança deve explorar um ambiente
sozinha aprendendo a interagir umas com as outras de maneira natural e espontânea,
os adultos devem estimular esse descobrimento do mundo externo oferecendo um
ambiente seguro e Claro, apenas monitorando para que a criança receba atenção
necessária em momentos oportunos.

Também foi possível encontrar na literatura do desenvolvimento infantil, quatro


importantes pilares na construção do desenvolvimento da criança; são eles:

§ Desenvolvimento Motor
§ Desenvolvimento Socioemocional
§ Desenvolvimento Cognitivo
§ Desenvolvimento da Linguagem

Desenvolvimento Motor: O desenvolvimento infantil, tem seu início ainda na vida


intrauterina, por meio do crescimento físico, a maturação neurológica, a construção de
habilidades relacionadas ao comportamento e as esferas cognitiva, afetiva e social. É no
início da primeira infância, que a criança se encontra mais receptiva aos estímulos vindos
do ambiente, momento em que o desenvolvimento das habilidades motoras cresce muito
rapidamente. Neste período, principalmente no primeiro ano de vida, os primeiros marcos
motores aparecem com o controle de cabeça, o rolar, o arrastar e mais tarde o sentar, o
engatinhar e o caminhar no final do primeiro ano. Sendo o período de maior importância
para o desenvolvimento físico e mental da criança e servirá de base para sua evolução
futura.
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O desenvolvimento motor é um processo de mudança no comportamento da


criança, tanto na postura quanto nos movimentos da criança. apresentando alterações
complexas e interligadas que envolvem todos os aspectos de crescimento e maturação
dos aparelhos e sistemas do organismo. Um bom desenvolvimento motor irá refletir na
vida futura da criança, nos aspectos sociais, intelectuais e culturais.
O desenvolvimento motor pode variar de criança para criança, mas é preciso estar atento
as etapas do desenvolvimento motor da criança. Segundo a coordenadora técnica da
fisioterapia motora do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do
Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Carla Trevisan esclarece quais são as
principais etapas do desenvolvimento motor do bebê até um ano de idade e em que
momento elas aparecem.

A primeira etapa motora que o bebê deve alcançar é o controle de cabeça até três
meses de vida. O rolar deve aparecer até os cinco meses e o sentar sozinho por volta
dos seis meses. Aos oito meses, a criança deve assumir a postura sentada sozinha e
aos nove meses deve engatinhar e se puxar para a postura de pé. Em torno de 12 meses
a criança começa a andar livremente. É importante lembrar que essas etapas não devem
ser seguidas como regra, pois é normal haver uma variação na idade de aparecimentos
de cada marco motor. Sinais que precisam ser investigados e estimulados pelos pais
desde o nascimento oferecendo a criança, seja no chão ou em um tatame; colocar a
criança de barriga para baixo quando ela estiver acordada e sob supervisão; brincar com
brinquedos próprios para a idade, como chocalhos e bichinhos de borracha; cantar
músicas infantis e ler histórias, proporcionado bons vínculos entre pais e bebês.

Desenvolvimento Socioemocional: Compreende-se o desenvolvimento


socioemocional infantil como um processo de interdependência entre as competências
sociais e emocionais. No campo emocional, a autorregulação é primordial, e é definida
como a capacidade de alteração de conduta de acordo com a necessidade ou em
situações particulares. Na competência social encontramos a capacidade de articular
sentimentos, ações e pensamentos na relação com adultos e com outras crianças. Este
processo é mediado principalmente pelas relações que as crianças estabelecem com os
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seus cuidadores no sentido de satisfazer tanto necessidades biológicas como suas


necessidades de bem-estar.

Os fundamentos socioemocionais desenvolvidos nos primeiros cinco anos de vida


afetam a capacidade da criança se adaptar emocionalmente com os seus
relacionamentos o ao longo da vida.

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, durante a primeira infância as


crianças formam sua estrutura mental e constroem conexões entre os neurônios
responsáveis pelos impulsos nervosos e pela criação de memórias. impulsos nervosos
que traduzem as emoções e as experiências diárias vivenciadas pelas crianças nesta
fase. É uma etapa da vida em que a criança entra para a escola e começa a conhecer o
mundo externo sem a presença dos pais. Momento em que as crianças, mesmo sem
entender muito, começam a aprender novas formas de socialização e vínculos
emocionais. Ou seja, as experiências da primeira infância precisam ser pautadas por
segurança, confiança e afeto para que a criança consiga se desenvolver adequadamente
em ambientes sociais.

Podemos mencionar pelo menos três pilares que sustentam o desenvolvimento


socioemocional. São eles:

• Emocionais - saber lidar com as próprias emoções diante das diversas situações que
ocorrem no dia a dia, aprender com os erros e com os acertos, saber ganhar e perder,
desenvolver autoconfiança, senso de responsabilidade, autoavaliação e autocrítica.
• Sociais - aprender a partir das relações diárias com outras pessoas e com os
diferentes ambientes. saber manter as relações sociais de maneira saudável,
demonstrar capacidade de cooperação, colaboração, aderir as regras além de se
comunicar de maneira saudável buscando resoluções de conflitos.
• Éticas - aprender a agir pensando no bem comum, sempre com respeito, tolerância e
aceitação da diversidade.

Todos esses pilares estão interligados e não funcionam sozinhos em uma perspectiva
ao desenvolvimento socioemocional.
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A família é essencial para o desenvolvimento adequado da personalidade, das


emoções e das competências sociais. No contexto psicológico, os pais podem, através
do vínculo afetivo e emocional, estimular a criança a confiar no outro, e, na função social,
os familiares são os que passam os valores culturais, princípios e valores para a criança,
preparando-as para atuar dentro da sociedade. Logo, as práticas parentais com a
criança, podem reforçar ou inibir o temperamento básico da mesma (KNITZER, 2007).

Desenvolvimento Cognitivo: Segundo a Teoria de Piaget, o desenvolvimento cognitivo


da criança se dá por assimilação e acomodação. O indivíduo constrói esquemas de
assimilação mentais para abordar a realidade. “No caso de modificação, ocorre o que
Piaget chama de "acomodação".

Na abordagem apresentada por Vygotsky sobre o desenvolvimento cognitivo; as


crianças adquirem seus valores culturais, crenças e estratégias de solução de problemas
por meio do diálogo colaborativo com membros mais sábios da sociedade. Para
Vygotsky, a cognição humana, mesmo quando realizada de forma isolada, é
inerentemente sociocultural, afetada por crenças, valores e ferramentas da adaptação
intelectual transmitidas aos indivíduos por meio de sua cultura (SHAFFER, 2012, p. 312).

Para ele, a aprendizagem é o motor do desenvolvimento. Assim, o “aprendizado


adequadamente organizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que
são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu
ambiente e quando em cooperação com seus companheiros” (VYGOTSKY, 2007, p.
103). De acordo com Bock (2002): Essa visão de Vygotsky rompe com a concepção
idealista e mecanicista em torno da dinâmica do aprender e do desenvolver.

Vygotsky utilizou-se de conceitos que traduzem seu pensamento sobre a


compreensão do processo de construção do conhecimento. Afirmando que a
aprendizagem conduz o desenvolvimento e é responsável pela determinação do
comportamento humano de superação, transformação e suscitação constante,
principalmente, por meio da linguagem. Nesse sentido, a linguagem é o instrumento de
mediação entre o eu e o outro, é a base da constituição e da formação da subjetividade
humana.
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Desenvolvimento Da Linguagem: O desenvolvimento linguístico está diretamente


associado ao desenvolvimento cognitivo. Quanto melhor for o desenvolvimento da
linguagem das crianças, mais hábeis elas serão em comunicar seus pensamentos,
sentimentos, ideias, intenções e compreender os mesmos processos nos seus
semelhantes (Zauche, Thul, Mahoney, & Stapel-Wax, 2016).

Temos a linguagem como a primeira forma de socialização da criança, pois, a partir


da linguagem a criança se torna um ser falante, aprendendo a situar-se no contexto
linguístico e extralinguístico, adquirindo a maior capacidade dentre o processo do
desenvolvimento linguístico; que é produzir uma interação mais adequada com o meio
em que esta inserida, valor que se desenvolve mesmo antes de aprender a falar, a
criança passa a ter um repertório que lhe permitir representar e agir perante os objetos e
a ter acesso a cultura, suas crenças e regras.

Para Chomsky (apud Coll et al.1), a capacidade de adquirir linguagem é exclusiva


dos seres humanos, por ser uma condição geneticamente determinada, portanto, todos
os seres humanos aprendem a falar, desde que desenvolvam suas capacidades inatas.
Piaget (apud Montangero & Naville2) define a capacidade de linguagem nos seres
humanos como uma capacidade cognitiva, tendo a linguagem como a expressão dessa
condição. Segundo Piaget, a capacidade do falar envolve o desenvolver dos processos
cognitivos que possibilitam o crescimento da capacidade de simbolização, sendo a
linguagem um sistema simbólico, que, para ser usado é preciso que a criança adquira
condições de significar e distinguir as sensações presentes no convívio social e familiar.

Cole & Cole3 referem que, na medida em que aumenta a capacidade dos bebês
distinguirem e produzirem sinais linguísticos, também ocorre maior interação com as
pessoas e os objetos que os rodeiam.

O psicanalista britânico Winnicott, buscou analisar a comunicabilidade entre a mãe


e o bebê a partir da "função de espelhamento" (WINNICOTT, 1967b/1975). Para ele, o
rosto da mãe constitui-se no precursor do espelho que o bebê precisa para "ver" e "ser
visto", na medida em que ele também constituirá, na sequência do seu desenvolvimento,
uma unidade diferenciada da mãe. Para acontecer o espelhamento, e o bebê possa se
22

desenvolver é preciso que a mãe se estabeleça como um continente. Muitos bebês olham
para o rosto da mãe de maneira significativa, principalmente quando são amamentados
(WINNICOTT, 1969/1994). De acordo com Winnicott, diferentes tipos de comunicação se
desenvolvem desde o início da vida de cada ser, independente do seu potencial. Na
medida que se constrói um ambiente acolhedor, provendo o suporte necessário para as
mais primitivas necessidades, a verbalização, no primeiro momento, perde todo o sentido
ou significado (WINNICOTT, 1968d/2006). Neste contexto, ela se constitui como uma
instância secundária, mas, na medida em que a sequência de cuidados ambientais são
integrados ao self do bebê por meio de sensações visuais, táteis, gustativas, auditivas e
olfativas, ou seja, por uma integração sensorial ou sensual (tanto proprioceptiva quanto
interoceptiva) irá constituir memórias corporais no curso de seu desenvolvimento
emocional da criança (FONTES, 2002).

Segundo (AYRES, 2005), a Integração Sensorial é o processo que organiza as


informações cerebrais, trazendo resposta adaptativa adequada, organizando as
sensações do próprio corpo e do ambiente tornando possível o uso eficiente do mesmo
no ambiente em que a criança está inserida.

A integração sensorial diariamente permite ao nosso corpo reagir aos estímulos


vindos do ambiente a todo o momento, ativando as nossas capacidades de
processamento sensorial usadas para a interação social, para o desenvolvimento de
habilidades motoras, para a atenção e concentração.

Os sistemas sensoriais são responsáveis por receber estímulos vindos do meio


externo de forma simultânea, reconhecê-los, integrá-los e organizá-los para então
restabelecer o ambiente externo de forma adequada. O sistema sensorial é composto
pelos sistemas tátil, auditivo, visual, gustativo, olfativo, proprioceptivo e vestibular.

• Sistema tátil – é responsável pela percepção de sensações como temperatura, dor,


pressão, texturas, formas e tamanhos. Essas sensações são percebidas por
terminações nervosas existentes na pele e interpretadas pelo cérebro.
• Sistema auditivo – é responsável por reconhecer os sons do ambiente, realizar o
processamento e discriminação auditiva.
23

• Sistema visual – Detecta e interpreta luz e imagens, levando a informação ao cérebro


que, por sua vez, analisa e sintetiza e dá a dimensão necessária para os outros
sentidos.
• Sistema gustativo – reconhece o sabor de substâncias colocadas sobre a língua
através de papilas gustativas que enviam a informação ao cérebro. Este é o sistema
capaz de detectar se um alimento/substância é doce, salgado, amargo e azedo.
• Sistema olfativo – vai assegurar a captação e reconhecimento de odores. Os sistemas
olfativo e gustativo são interligados, por isso quando sentimos um cheiro, somos
capazes de sentir também o seu gosto.
• Sistema proprioceptivo – permite ao indivíduo perceber a localização, a força exercida
pelos músculos, posição de cada parte do corpo em relação às demais e orientação
do corpo no espaço.
• Sistema vestibular – é composto por um conjunto de órgãos da orelha interna, o que
contribui para manutenção do equilíbrio. Esse sistema detecta informações
importantes como o balanço, alterações gravitacionais, movimentação e
deslocamento do corpo.

Estudos mostram que uma a cada vinte crianças tem algum tipo de desorganização
no processamento sensorial. Inclusive, atualmente tem-se observado que o transtorno
do processamento sensorial é bastante comum entre as crianças do espectro autista.
Além de apresentar mudanças no comportamento infantil, em que algumas crianças
demonstram serem mais impulsivas, ansiosas, não gostar de ser tocadas, ter déficits nos
movimentos corporais, manifestar-se com hipo ou hipersensível a estímulos motores,
serem “desajeitadas” (incoordenadas), tropeçar facilmente, buscar excessivamente o
movimento, incomodar-se com texturas de roupas, além de ter déficit na concentração,
perturbar-se com ruídos e ter dificuldade de relacionar-se com crianças da mesma idade.
Comportamentos sensitivos que podem influenciar negativamente na capacidade de
aprendizagem da criança.

5. FAMÍLIA BRASILEIRA - HISTÓRIA E ATUALIDADE


24

5.1. História:

A história da família está claramente ligada ao desenvolvimento biopsicossocial do


ser humano. A família surge desde a criação como um fenômeno capaz de fundamentar
relações e vínculos afetivos significativos demonstrando a necessidade do homem em se
constituir como um ser equilibrado emocionalmente para o convívio social. Este estudo
não tem como principal objetivo desenvolver aprofundamentos, ou adentrar efetivamente
nas questões da antiguidade, ou seja, no modelo familiar mais primitivo. Mas apenas
buscar conhecimento das bases sistemáticas existentes na história da família brasileira.
Com o olhar voltado exclusivamente para a história da família brasileira, vamos verificar
que toda construção e transformação da família, toma como base o direito romano e
canônico.

A família romana era constituída por um agrupamento de pessoas e situações


submetidas a um líder: “o pater famílias”. Uma sociedade primitiva conhecida como a
família patriarcal, que mantinha a união de todos os seus membros, por intermédio de
cultos religiosos, em busca de constituir propósitos políticos, sociais e econômicos.
Segundo o relato de Aurea P. Pereira (1991), o pai (Pater) da família romana exercia a
função do sacerdote, senhor e magistrado, ou seja, desempenhava poderes espirituais e
temporais sobre os membros da família. Poder da vida e da morte, submetendo a todos
à religião que elegia. (PEREIRA. 1991, p. 23).

O direito romano foi importante, por constituir princípios normativos na família, com
isso a família que até então, mantinha uma natureza baseada em costumes e crenças,
sem qualquer regra jurídica, passou a ter como alicerce o casamento, definindo-se que a
família somente seria possível, mediante o casamento.

O direito canônico tomou forma com o crescimento do Cristianismo, assumindo a


incumbência de regulamentar o casamento. Desde então a Igreja Católica, tomou para
si o papel de fundamentar disciplinas a respeito do matrimonio, conceituando-o como um
sacramento. Como nos esclarece Caio Mario:
25

“Homem e mulher selam a sua união sob as bênçãos do céu,


transformando-se numa só entidade física e espiritual (caro uma, uma só
carne), e de maneira indissolúvel (quos Deus coniunxit non separet)”.
(PEREIRA, 2005. p. 51-52. v5).

Noronha e Parron (2007), ao desenvolverem estudos sobre a evolução da família


no Brasil em pesquisas que contam a história da família desde os tempos do império,
constataram importantes conceitos que vem determinando as modificações e
transformações vivenciadas no contexto familiar até os dias de hoje.

No período do Império no Brasil, conhecia-se apenas o casamento católico (in


facie Ecclesiae). Portanto só era permitido adquirir o matrimônio as pessoas envolvidas
com a fé católica, por ser a religião oficialmente praticada no Brasil. Esta situação não
criou dificuldades no Brasil, por ter uma população essencialmente católica. Com o
crescimento da população brasileira, que vai se consolidar principalmente pelo aumento
da imigração, quando adentra ao Brasil um grande número de pessoas não católicas, as
quais possuíam outros princípios religiosos, assim, esta situação passa a ser modificada,
neste momento muitas pessoas foram impedidas de adquirir, celebrar o casamento. É
importante destacar que, nesse período, a Igreja detinha o monopólio das regras
relacionadas ao matrimônio, determinava as regras e impunha condições. (RIZZARDO,
1994, p.29)

Diante das atuais circunstâncias o Estado Brasileiro decidiu se posicionar,


estabelecendo o casamento misto, tornando possível o casamento de pessoas com
práticas religiosas dissidentes. Assim, no Brasil enquanto Colônia e Império praticavam-
se três modalidades distintas de casamento: o casamento católico; o casamento misto
(católico e não católicos) e o casamento entre pessoas de diversas crenças. (PEREIRA,
1997, p. 40).

Com a chegada do 'homem branco', ainda durante o período colonial os


relacionamentos amorosos se tornaram comuns devido os contatos afetivos entre os
europeus e as índias brasileiras. Situação não considerada família pela nação brasileira,
diante da instrução diretiva imposta pela Igreja Católica, que olhava para estes
26

relacionamentos como violação dos regulamentos religiosos, os quais infringiam os


valores morais do Cristianismo fundamentado pela Igreja. Com a oposição dos nativos
em serem escravizados, começou chegar ao Brasil a mão de obra africana,
desencadeando uma grande miscigenação, passando a influenciar a cultura, as crenças
e a conduta social dos habitantes da nação.

Em meados do século XVIII, foi criado a Lei do Marquês de Pombal, permitindo o


casamento entre os não católicos e os brancos, isto devido o término da escravidão dos
nativos. Diante de todos estes relatos, fica claro que as famílias constituídas naqueles
dias passavam por uma intensa e injusta fiscalização e vigilância, ainda que formadas
por brancos, negros, índios ou compostas da fusão destes. (CHIAVENATO, 1999. p.31)

Conforme os relatos de Noronha e Parron (2007). A família no Brasil foi se


desenvolvendo como fruto da mistura de raças e culturas diferenciadas, mas também sob
a investida constante de um domínio acentuado e repressor imposto pelo catolicismo,
tornando muito difícil constituir um padrão familiar estável. Com o tempo e
paulatinamente, o Estado começou a se distanciar das intervenções da igreja, passando
a instruir a família dentro de um enfoque social, passando a ser vista como elemento
importante na formação da sociedade. Neste período inicia-se uma significativa mudança
dos ideais que passam a estar atrelados ao modelo familiar estatal, com características
mais produtivas e econômicas, criando espaços para a edificação de uma estrutura
familiar mais afetiva e fortalecida pela solidariedade.

Para Noronha e Parron (2007). Com a decretação da Constituição Federal de 1988


e a aplicação de seus princípios constitucionais o Direito das Famílias, ocorreu um
importante impacto sobre a família, principalmente sobre os princípios da dignidade
humana e na transformação dos paradigmas da família. Rompendo-se com sistema
imperativo e restritivo que concedia apenas aos grupos originados por meio do
casamento o 'status familiar'. Condição recomendada pelo Código Civil de 1916 que, por
influência francesa, delineava parâmetros matrimonializados. Valores jurídicos e
constitucionais são atribuídos à família brasileira, gerando reavaliações e inovações que
vão influenciar os pensamentos e os conceitos da sociedade a respeito do grupo familiar.
Entre estas inovações sobressai a equivalência atribuída aos homens e mulheres,
27

concedendo a proteção do Estado a ambos, alcançando também os filhos, sejam eles


biológicos, ou não, fruto do casamento ou por meio de adoção; estabelecendo a garantia
de divórcio, como critério para invalidar o casamento civil. Neste momento passa-se
atribuir maior prioridade ao próprio ser humano dentro do contexto familiar, considerando-
se totalmente inconstitucional transgredir os direitos que dizem respeito à dignidade
humana. (FARIAS, 2004, p11)

Noronha e Parron (2007), ao termino de seus estudos conclui que a família passou
por significativas adaptações e alterações em sua estrutura jurídica, desde o antigo
Código de 1916, em que era constituída por um aspecto matrimonializado, patriarcal,
hierarquizado, heteroparental, biológico, que tinha como papel produzir e reproduzir, com
características institucionais. Situação que se reverteu com a Lex Fundamentallis de
1988, refletido também no Código Civil de 2002, tornando a família mais pluralizada,
democrática, substancialmente igualitária, hétero ou homoparental, biológica ou
socioafetiva, com unidade socioafetiva e de características instrumentais. Ampliações
que levou o Supremo Tribunal Federal a conceber as uniões entre homossexuais como
configuração familiar, podendo receber a mesma proteção do Estado destinada aos
casais unidos pelos vínculos da união estável. (LÔBO, 2004).

Com os direitos da família efetivados pelo novo Código Civil brasileiro e o


surgimento dos diferentes tipos de famílias, foi possível expandir o conceito de família
para além dos limites do casamento, antes restrito ao núcleo originado pelo matrimônio,
mas agora, muito mais amplo e flexível. As consequências desta ampliação tem-se
tornado visível ao longo dos anos, pois a família ao passar por estas significativas
mudanças e transformações, tanto no convívio familiar como nas relações com a
sociedade, vem desenvolvendo diferentes vínculos com seus membros e com as
pessoas ao seu redor, portanto é relevante conhecer, ainda que superficialmente as
diferentes composições familiares, para então compreendermos a importância e a
qualidade de seus vínculos para o desenvolvimento psíquico da criança.

5.2. Diferentes formas de constituição familiar


28

Tomando como base de estudos, o artigo apresentado por Medeiros e Medeiros,


Breno Valério Fausto e Raphael Valério Fausto, (2007), ainda que, dentro de uma visão
psicanalítica sobre a família, foi possível observar uma diversidade de tipos de famílias,
aceitas pela Constituição Brasileira. Classificadas por meio de características estruturais
e formação de seus membros.

União Estável: Elevado à categoria de entidade familiar pela própria Constituição, de


1988, atribuída pela união livre, entre pessoas de sexo diferentes, fruto da constatação
construída ao longo do tempo pela existência de requisitos elementares, que somados
caracteriza a união estável.

Família Monoparental: Exposto no artigo 226 § 4º da Constituição Federal. Esta forma


de família se configura quando da morte de um dos genitores, ou pela separação ou
divorcio dos pais. Podendo também se constituir pela adoção por pessoa solteira,
inseminação artificial por mulher solteira ou a fecundação homóloga após a morte do
marido ou mesmo quando chefiada por um parente (que não um dos genitores).

Família Anaparental: “De origem grega, o prefixo “ana” traduz a ideia de privação, se
organiza como uma subdivisão das Famílias parentais, se baseia no afeto familiar,
composta basicamente pela convivência entre parentes de uma mesma estrutura
organizacional e psicológica, unidas pelas necessidades financeiras ou mesmo
emocionais.

Família Mosaica ou Pluriparental: É constituída após o desfazimento de relações


passadas, comumente vista nos casos de divórcio, sendo resultado da pluralidade das
relações parentais, sendo esclarecido por Maria Berenice Dias (2008).
“As famílias pluriparentais são caracterizadas pela estrutura complexa
decorrente da multiplicidade de vínculos, ambiguidade das funções dos
novos casais e forte grau de independência. A administração de interesses
visando equilíbrio assume relevo indispensável à estabilidade das famílias.
Mas a lei esqueceu-se delas!” (DIAS 2008, p. 49)
29

Família Eudemonista: Caracterizada pela convivência entre pessoas por laços afetivos
e solidariedade mútua. Aposta na qualidade de vida dos seus indivíduos, buscando uma
ação mais eficaz e atuante na sociedade. Publicada na Constituição Federal no artigo
226 § 8º - “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

União Homoafetivas: As relações homoafetivas, parte da união, por vínculo de afeto,


entre pessoas do mesmo sexo. Não existe uma regularização legal para este modelo de
união, mas no ano de 2011 o STF – Supremo Tribunal Federal reconheceu a União
Homoafetiva como entidade familiar, conferindo-lhe todos os efeitos jurídicos previstos
para União Estável.
Fica claro que neste novo milênio é preciso compreender a pluralidade com que
se constitui a família brasileira, pois há um novo direcionamento sobre o direito da família,
que cada vez mais, torna difícil restringir o surgimento da família, apenas como
decorrência do casamento.

A família que antes estava fixada sobre o casamento, agora está estabelecida na
afetividade, passando a ser analisada a partir dos seus vínculos afetivos. Essa nova
estruturação, se fundamenta no fato de se reconhecer que a composição familiar, mais
do que uma representação histórica e biológica, o que realmente a mantém forte e
indissolúvel é a representação de papéis e funções (funções materna, paterna etc.),
sendo, portanto, definidora para o desenvolvimento psíquico da criança no seio da
família. Tema muito bem elucidado por Rodrigo da Cunha Pereira.

Ela (a família) não se constitui apenas por homem, mulher e filhos. Ela é antes
uma estrutura psíquica, onde cada um de seus membros ocupa um lugar, uma função.
Lugar do pai, lugar da mãe, lugar dos filhos, sem, entretanto, estarem necessariamente
ligados biologicamente. Tanto é assim, uma questão de lugar, que um indivíduo pode
ocupar o lugar de pai sem que seja pai biológico. (PEREIRA, 2003, p.3).

Uma organização familiar que existe antes e acima do Direito, constituída de uma
estrutura psíquica em que seus membros ocupam funções que se fundamentam nos
30

vínculos afetivos, que ultrapassam os laços bioquímicos, explícitos de maneira clara e


objetiva por Maria Berenice Dias que declara, “não são laços bioquímicos que indicam a
figura do pai, mas, sim, o cordão umbilical do amor”.

5.3. A Família Brasileira no contexto atual:

A pandemia do novo Coronavírus (Covid-19) provocou mudanças significativas


nos hábitos e costumes de grande parte das famílias brasileiras. Principalmente no
convívio familiar: onde, pais, mães e filhos que antes realizavam atividades a partir de
suas próprias rotinas, agora buscam se adaptar a uma nova realidade nas relações
interpessoais. Diante do contexto de pós isolamento e a alteração na rotina da família,
onde os conflitos de violência física e psicológica aumentaram, juntamente com o uso do
álcool, afetando diretamente o diálogo e o respeito necessário para o bem estar do
núcleo familiar, intensificando ainda mais o uso das tecnologias digitais móveis, que
também vem provocando influências em todas as dimensões da vida humana, em
especial da vida em família, também afetando as relações afetivas familiares, A presença
constante dos celulares e demais dispositivos móveis tem trazido prejuízos significativos
no diálogo e no convívio da família atual.

Segundo Lévy (1999), a importância da tecnologia pode ser definida pela


significação que damos a elas. Com essas considerações, buscam-se refletir o quanto
as relações sociais estão cada vez mais sendo influenciadas pela tecnologia presente no
contexto familiar e social, como internet, telefonia móvel, pela televisão digital, as quais
oferecem inúmeras possibilidades, ao mesmo tempo em que mantém as relações cada
vez mais virtuais. Portanto, a família da atualidade busca resgatar o diálogo e o respeito,
assim como a harmonia dos seus membros.

De acordo com o relato da professora do curso de Psicologia da Universidade de


Passo Fundo (UPF), Dra. Susana König Luz, o impacto da pandemia (Covid 19), trouxe
consequências sobre as famílias, que vai além do conviver por mais tempo juntos. “Há
famílias tendo que se reorganizar financeiramente, perdendo empregos, não sabendo se
vão tê-los novamente. Tudo isso trouxe uma avalanche de emoções e pensamentos
31

desastrosos nos indivíduos e, consequentemente, nas famílias. A saúde familiar está


ameaçada em seu cerne, em sua sobrevivência”. A docente também menciona que
muitas configurações familiares envolvidas pelas dificuldades apresentadas neste
período passaram a vivenciar mudanças que impactaram a vida financeira da família.
“Uma minoria da população tem acesso aos meios de comunicação e aos espaços
virtuais. Uma minoria das famílias pode fazer o isolamento social, pois tem que trabalhar
(se ainda tiver emprego) para garantir o sustento da sua família. Em outro cenário, temos
as famílias que sim, conseguem trabalhar em casa, não tiveram redução de salário e
estão aproveitando para se aproximar, viver momentos que antes, por conta de uma
rotina exaustiva, não era permitido. E temos ainda as famílias hospedeiras, que tinham o
lar somente para dormir. Esse momento é desafiador para elas, pois não estão
acostumadas a conviver. Como podemos observar, temos vários impactos acontecendo
e vários cenários. Não podemos falar somente de um impacto, pois eles são diversos”.

O grande desafio é a resolução dos conflitos emocionais, financeiros e sociais,


pois o ritmo dos membros que compõem a família já não são os mesmos, surgindo a
necessidade de ir além de palavras, para buscar uma convivência saudável e harmoniosa
por meio de gestos, tolerância e, acima de tudo, vontade de permanecer juntos,
estabelecendo vínculos afetivos cada vez mais sólidos e contínuos.

6. A FAMILIA E SUA CONTRIBUIÇÃO NA ÓTICA PSICANALÍTICA

A psicanálise, compreende a família como uma estrutura responsável pela


transmissão e inserção cultural, sendo a matriz simbólica fundamental à constituição do
sujeito, pois, nos alicerces da família que serão transmitidos os interditos necessários à
cultura. Assim, a família pode ser considerada uma instituição humana universal, pois
sobre ela repousam as bases da ordem social. O respeitado psicanalista Jacques Lacan
(1985), concebe a família como uma instituição social de estrutura complexa, na qual há
a coação do adulto sobre a criança, coação essa que é uma das bases da formação
moral da família, que não se reduz a um fato biológico e nem a um elemento teórico da
sociedade, mas que se constitui como uma instituição social privilegiada na transmissão
da cultura, à primeira educação, à repressão dos instintos, à aquisição da língua materna.
32

“Entre todos os grupos humanos, a família exerce um papel primordial na transmissão da


cultura. (...) Com isso, ela preside os processos fundamentais do desenvolvimento
psíquico” (1985, p. 13). Lacan (1985) Deixa claro em seus estudos que a família
estabelece uma continuidade psíquica entre as gerações, a partir de uma hereditariedade
psicológica e social.

Nesse sentido, é possível dizer que, apesar das diversas transformações que vem
sofrendo, a família continua se mantendo como um fenômeno presente em todos os
modelos de sociedade, na medida em que pressupõe um “não anonimato” na relação
entre pais e filhos, na transmissão dos interditos necessários à cultura para que uma
família não se encerre em si mesma. Tornando-se uma estrutura descrita como um
sistema de parentesco que delimita lugares simbólicos e implica uma organização de
lugares. Lugares estruturalmente determinados, mas que necessitam de pessoas
“concretas” para ocupá-los (TANIS, 2001). Entretanto é importante destacar novamente,
que nem sempre essas pessoas coincidem necessariamente com pai e mãe biológicos.

Portanto a estruturação da família vem se construindo, como uma unidade


psíquica, não apenas pela soma de diversos aparelhos psíquicos individuais, mas pela
fusão de núcleos simbióticos e aglutinados de cada um de seus membros, gerando um
sentido psicológico, que se forma pelas interações de todo o grupo, que passam a
produzir sentimentos uns pelos outros, fundamentando a maneira como estes são
integrados no cotidiano, à medida que surge a individualidade, a maturidade social e a
civilidade humana. Neste contexto Winnicott (2011) apresenta a família como essencial
para a civilização. “O modo pelo qual organizamos nossas famílias demonstra na pratica
o que é a nossa cultura, assim como uma imagem do rosto é suficiente para retratar o
individuo”. (WINNICOTT, 2011, p. 59).

Para Winnicott (2011), a família é capaz de apresentar seu próprio crescimento e


sempre será importante na constituição da sociedade. Portanto a existência da família e
a preservação de uma atmosfera familiar sempre trarão resultados significativos no
relacionamento entre os pais e os filhos no contexto social em que vivem. (IDEM, p. 61).

Diante das diferentes estruturas e configurações apresentadas, falta-nos


perspectivas claras para definirmos a família, principalmente no contexto pós-moderno
33

em que vivemos nos dias de hoje, havendo inclusive, vários modelos em uma mesma
família. O Psiquiatra Içami Tiba (2005), especialista no atendimento aos jovens, descreve
a família de hoje como:

“núcleo afetivo, socioeconômico, cultural e funcional num espírito de equipe


no qual convivem filhos, meios-filhos, filhos postiços, pais-tradicionais,
revolucionários, separados, recasados, o novo companheiro da mãe e/ou a
nova companheira do pai”. (IÇAMI TIBA; 2005, p. 47).

Içami Tiba (2005), ao apresentar a família típica moderna e suas mais variadas
composições, declara sobre a importância de essa família funcionar como uma equipe,
em que cada integrante possa assumir seus direitos e obrigações, previamente
combinados e estabelecidos em conformidade com os outros integrantes, não
importando sua posição na atual estrutura. Sendo fundamental cumprir a ética familiar,
quando o que for bom para um, não poderá ser ruim para o outro, pois somente assim
será possível amenizar os conflitos generalizados, reconhecendo que a equipe familiar é
uma minisociedade e deve fazer valer a cidadania familiar.

Diante dos estudos apresentados até o momento, é possível dizer que as relações
afetivas familiares são fundamentais para a existência humana, sem o devido afeto
podemos adoecer. Almeida (2004), em seu artigo sobre a “Importância das Relações
Afetivas no Desenvolvimento da Criança”, relata que, com o avanço da Neurociência,
estudos das áreas cerebrais relacionadas aos processos emocionais têm constatado que
falhas dos pais ou cuidadores em fornecer um ambiente afetivo adequado tem causado
perturbações graves na estruturação do sistema nervoso das crianças, podendo
ocasionar consequências desastrosas por toda a vida. Almeida (2004) também declara
que a Psicanálise vinha mostrando a importância das experiências emocionais para
desenvolvimento da infância. A Neurociência veio comprovar que tais experiências
modelam a estrutura e o funcionamento do cérebro.

“O bebê humano vem ao mundo num estado de total dependência, tanto


física quanto emocional, de seus pais (pessoas que desempenham as
34

funções materna e paterna, não necessariamente os pais biológicos). Com


eles, estabelece uma relação afetiva que permite o desenvolvimento da
personalidade, moldando a organização do sistema nervoso”. (ALMEIDA,
2004 – SOPERJ)

Winnicott (2011) aborda em seus estudos em especial no livro “Tudo começa em


casa”, a importância das primeiras relações afetivas na constituição do sentimento de ser
e das possibilidades para o desenvolvimento das potencialidades psíquicas. São por
meio de integrações complexas entre mãe e bebê que se organiza na estrutura psíquica
as potencialidades psíquicas construtivas, destrutivas e reparadoras. O uso pelo bebê do
objeto afetivo, seguido de frustrações adequadas, vai permitir o prazer e o desprazer em
condições suportáveis para o bebê, proporcionando a constituição do seu self e
articulando suas angústias por meio de mecanismos psíquicos adequados ao seu
desenvolvimento. Processo evolutivo sujeito a capacidade de ilusão e desilusão,
elementos que compõem a simbolização presente na estruturação dos objetos internos
do bebê (símbolos representativos dos objetos reais e concretos da vida afetiva do bebê).
A aplicação destes processos iniciais e a afinidade entre mãe e pai, formam os elementos
afetivos que serão incorporados pelo bebê, permitindo o início do processo de
aprendizagem a partir das vivências emocionais.

Portanto privar uma criança da relação segura de amor, carinho e estabilidade,


vivenciados no contexto familiar é não compreender ou mesmo atender suficientemente
as necessidades emocionais da criança, representando um risco ao seu
desenvolvimento, podendo comprometer o seu futuro tanto nos aspectos biológicos e
cognitivos, quanto no âmbito social, prejudicando também sua relação com a cultura e
com seus valores tradicionais.

7. A IMPORTÂNCIA DOS VÍNCULOS AFETIVOS NO DESENVOLVIMENTO


PSÍQUICO DA CRIANÇA
35

Ana Quiroga (1991, p. 164) na concepção dialética entre os processos psíquicos


e a ordem histórico-social, concebe o vínculo como “o espaço no qual ocorrem às
articulações dos planos inter, intra e transobjetivos”, (p. 164) sendo um lugar de ilusão,
de desdobramento do imaginário. Enrique Pichon-Riviére foi um dos profissionais que
mais utilizou a conceituação de vínculo, propondo uma estrutura mais complexa que
inclui interação e movimento entre sujeito e objeto com expressões psicológicas internas
e externas, interferindo uma com a outra durante todo o tempo. O psicanalista brasileiro
David E. Zimerman (1995), em seus estudos sobre vínculo, buscou ampliar as
contribuições de Wilfred Bion sobre o campo vincular ao declarar que, de maneira
resumida pode-se considerar os vínculos como fortes ligações intra, inter e
transpessoais, que se apresentam sempre acompanhados de emoções, sentimentos e
fantasias inconscientes. (ZIMERMAN, 1995, p.128).

Sob uma perspectiva histórica, o primeiro teórico moderno que busca destacar a
importância dos vínculos afetivos para o desenvolvimento emocional da criança foi
Sigmund Freud, em especial, a relação mãe-filho, que surge como referencial explicativo
para o aperfeiçoamento afetivo da criança, relatado em seu artigo “Instintos e suas
Vicissitudes”, escrito em 1915. Em que apresenta a busca da criança em atender suas
necessidades fisiológicas que serão alcançadas, sobretudo pelo alimento e conforto,
período em que a criança se interessa pela figura humana, especificamente a mãe, por
ser a fonte de sua satisfação.

Desde Freud, a relação mãe-filho, tem aparecido como referencial explicativo para
a composição emocional da criança. A descoberta de que os anos iniciais de vida são
cruciais para o desenvolvimento emocional posterior focalizou a família como o lugar
potencialmente produtor de pessoas saudáveis, emocionalmente estáveis, felizes e
equilibradas, ou como o núcleo gerador de inseguranças, desequilíbrios e toda a sorte
de desvios de comportamento (SZYMANSKY, 2000, p. 23).

Teóricos como Erikson, Bowlby e outros acreditam que o vínculo, é o primeiro


relacionamento social do bebê, que estabelece bases seguras para os seus
relacionamentos sociais posteriores. Bebês que experimentam a confiança e a empatia
de um vínculo seguro devem se tornar, crianças que interagem com segurança e
36

habilidade. Em contrapartida, as crianças que não experimentaram um primeiro


relacionamento bem-sucedido e satisfatório tenderiam a encontrar problemas nas
interações sociais ao atingirem a idade pré-escolar.

John Bowlby (1990), em seus estudos voltados para o ramo da biologia, os quais
se atentam aos comportamentos adaptativos de diferentes espécies, ao apresentar sua
importante visão sobre os primeiros relacionamentos humanos, aponta que, devido à
pressão evolutiva da criança, os comportamentos como: abraço, sucção, choro e sorriso
favorecem o despertar dos cuidados de um adulto, significando que durante o curso da
evolução humana, esses comportamentos se tornaram parte da herança biológica do
bebê humano, e as reações que evocam nos adultos criaram um sistema interativo que
leva à formação do vínculo. Sendo que o vínculo afetivo de apego se desenvolve
gradualmente durante os primeiros meses após o nascimento, refletindo as habilidades
perceptivas e cognitivas crescentes do bebê. John Bowlby (1990) ao estudar o vínculo
entre mãe e filho, concluiu que as crianças que formam um vínculo de apego com um
adulto, ou seja, um relacionamento socioafetivo duradouro tem mais possibilidades de
sobreviver. Portanto essa ligação se torna parte de um sistema de comportamento que
serve para proteção da espécie, já que os bebês humanos são indefesos e incapazes de
sobreviver sozinhos por um longo período. Deste modo, o apego dos bebês às suas mães
ou cuidadores é o que possibilitaria a sobrevivência da espécie, o que revela a
necessidade de um relacionamento emocional forte com uma pessoa sensível, afetuosa,
que pode ser o pai, um dos avós ou alguém mais. (BOWLBY, 1990).

Esta descrição de Bowlby coincide com as formulações do psicanalista René Spitz


(1945) acerca da síndrome de hospitalismo. Spitz (1945), trabalhando em um orfanato,
observou que os bebês que eram alimentados e vestidos, sem receber qualquer tipo de
afeto, nem mesmo eram segurados no colo ou embalados, passaram a ter dificuldades
no desenvolvimento físico, faltava-lhes apetite, com isso não ganhavam peso e, com o
passar do tempo, perdiam o interesse de se relacionar, levando a maioria dos bebês a
óbito. Ficando clara a necessidade da existência de uma relação de afeto e de apego
como fator primário para um adequado desenvolvimento da criança.
37

Winnicott (1994) apresenta a condição muito peculiar e especial de uma mãe


aplicada afetivamente diante das necessidades da criança, e a maneira como
fundamenta bases para a edificação de um ambiente externo acolhedor para um perfeito
desenvolvimento da criança. Mas, quando esta mãe falha no procedimento de adaptação
da fase primitiva da criança, poderá ocorrer a aniquilação do eu do bebê. Com isso é
reforçado a ideia de ser indispensável a construção de um ambiente favorável para a
criança, um ambiente de quase absoluta dependência, ou seja, construir o prática da
sustentação ou holding, que irá proteger a criança contra a afronta fisiológica, gerando
sensibilidade epidérmica como: tato, temperatura, sensibilidade auditiva e visual,
sensibilidade às quedas, ampliando cada vez mais a ideia da mãe suficientemente boa
ou do cuidado materno básico associado a um ambiente acolhedor (WINNICOTT, 1991,
1994).

Ainsworth (1993) e outros pesquisadores (MAIN E CASSIDY, 1988), tomando


como base em como o bebê reage à separação da mãe e depois ao reencontro com ela,
identificaram quatro tipos principais de vínculos, sendo um vínculo seguro, e três vínculos
inseguros ("evitante", resistente e desorganizado).

• Vínculo Seguro: pode ocorrer o choro ou não com a saída da mãe, mas, quando
retorna, quer ficar com ela e, se houver choro ele para. Entre 60 e 65% dos bebês
norte-americanos, desenvolvem vínculos seguros;
• Vínculo "Evitante": o bebê não se perturba com a saída da mãe e, quando ela
retorna, pode ignorá-la, olhando para ela ou desviando o olhar. Cerca de 20% dos
bebês norte-americanos desenvolvem vínculos "evitantes";
• Vínculo Resistente: o bebê fica aborrecido quando a mãe sai, continua aborrecido
ou mesmo irritado quando ela volta, e é difícil confortá-lo. Entre 10 e 15% dos bebês
norte-americanos desenvolvem vínculos resistentes;
• Vínculo Desorganizado: o bebê parece confuso no instante em que a mãe se retira
e, quando ela retoma, parece não entender realmente o que está acontecendo. De 5
a 10% dos bebês norte-americanos desenvolvem vínculos desorganizados.
38

Todos os bebês possuem a tendência de formarem vínculo afetivo semelhante


com ambos os pais. Segundo Rosen e Burke, (1999), um bebê com um vínculo seguro
com a mãe costuma ter um vínculo seguro também com o pai; além disso, irmãos
costumam ter o mesmo tipo de vínculo com os pais.

David Léo Levisky, Psiquiatra da Infância e da Adolescência, psicanalista didata


da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo vinculada à Associação
Internacional de Psicanálise (IPA), declara em seu artigo “A importância dos Vínculos
Afetivos no Desenvolvimento e nas Dificuldades de Aprendizagem”, que, para um
desenvolvimento adequado das potencialidades psíquicas é fundamental a existência de
um bom vínculo inicial com a mãe. Vínculo que se fortalece por um sentimento de
confiança básica, sendo um terreno fértil para o desenvolvimento do aparelho psíquico.
A relação mãe bebê, acrescida pela função paterna, permite estabelecer noções do eu,
tu, ele; da percepção do espaço bi para o tridimensional. Com o enfoque psicanalítico, é
possível identificar o papel determinante do pai como lei, da ordem, assim como as
funções maternas que delimitam o espaço psíquico que organiza as emoções e as formas
de expressão do bebê via representação mental.

Privações dos Vínculos Afetivos

É importante destacar que quando se priva ou omiti os vínculos afetivos nas


relações familiares cria-se um ambiente vulnerável, podendo gerar consequências
prejudiciais no desenvolvimento psíquico da criança. A omissão dos vínculos pela
ausência ou distanciamento da figura dos pais em especial a materna ou mesmo o
desinteresse de um cuidador, referente ao afago, ao brincar, cuidar, acalentar, ou a falta
de estímulos que proporcione a evolução psíquica e emocional da criança, podem
dificultar a eficácia de um ambiente tranquilo e equilibrado, afetando assim, as
competências físicas, de aprendizagem e de socialização da criança. Para Bock (2002)
quando os vínculos familiares se tornam frágeis, as condições vitais são prejudicadas,
afetando o desenvolvimento saudável das crianças. Para Abreu (2005), quando ocorre
uma ausência sistemática nas interações emocionais seguras da criança com a mãe ou
39

cuidadores, cria-se um espaço de vulnerabilidade psíquica e um desenvolvimento da


insegurança emocional. (ABREU, 2005, p. 37).

Para Winnicott (2005), na ocasião em que, o contexto familiar deixa de favorecer


o desenvolvimento das características essenciais para a sobrevivência da criança, ela irá
sofrer privação, dando se início a um processo denominado “complexo de privação”.
Corroborando com Winnicott, Bowlby (1981), aponta a existência de vários tipos de
privações, destacando o momento em que a mãe ou a cuidadora passa a não oferecer à
criança os devidos afetos para a composição do seu bem-estar psíquico e social ou
mesmo quando a criança por um motivo ou outro é distanciada ou retirada da presença
de sua mãe. Quando ocorre este afastamento da figura materna na relação com a
criança, dá-se o nome de “privação materna”, ou “privação da mãe”, situação em que a
criança não encontra os cuidados amorosos que necessita para se desenvolver, sendo
privada do aconchego da mãe, podendo ser de forma parcial, quase total ou total.
(BOLWBY, 1981, p. 14).

• Privação Parcial – acontece no instante em que a mãe, ainda que esteja no mesmo
espaço da criança, se afasta, negligenciando os devidos cuidados à criança ou
delegando ao outro, gerando privação de afeto. Para Bowlby (1981), este tipo de
privação trará angústia e sofrimento, um excessivo desejo de afeto e carinho, a
necessidade de afeto, intensos anseios de vingança e, consequentemente uma
importante sensação de culpa e depressão à criança. (BOWLBY, 1981, p. 14).
• Privação Quase Total - quando a criança é institucionalizada, dificultando a
participação de alguém que lhe ofereça segurança;
• Privação Total - quando há ruptura na relação materno-filial; morte da mãe ou
abandono da criança, a qual, não encontra alguém que substitua sua mãe e lhe
assegure os cuidados suficientemente bons e equilibrados. Para Bowlby (1981) viver
em um ambiente familiar adverso, vulnerável irá produzir nas crianças, aflições e
desânimos, podendo levá-las à depressão infantil. Na maioria das vezes que estas
situações de sofrimento emocional prematuro ocorrem, configuram-se evidências
específicas da “privação parcial” materna.
40

A ausência materna no início do desenvolvimento psíquico da criança, causada


por desamparo, abandono ou negligência, seja por meio de afazeres profissionais que
atrapalhe os vínculos afetivos entre pais e filhos, decisões egoístas por partes dos pais
que buscam viver seu próprio mundo, por falta de tempo que os impeça de suprir as
necessidades dos filhos, ou mesmo por razões inconscientes, pais que não percebem o
quanto é importante os vínculos afetivos na formação da identidade de seu filho. Estes
atos de negligência no emitir de afetos, trarão consequências posteriores com
implicações duradouras e danosas, que irão provocar comportamentos antissociais nas
crianças, prejudicando o desenvolvimento de sua personalidade. Para Gomide (2009) a
negligência é um dos principais fatores a provocar comportamentos infratores e está
diretamente ligado à história de vida de usuários de drogas. (GOMIDE, 2009 p. 69).

Segundo Winnicott (2005), comportamentos infratores estão diretamente ligados


à privação do convívio familiar e suas relações afetivas insatisfatórias que geram
condutas antissociais de rebeldia, o uso de drogas ilícitas, roubos e prostituição. Portanto
a criança que não adquiriu o sentimento de segurança nas relações familiares começa
buscar a segurança fora do convívio familiar, recorrendo à sociedade, ao invés da família
ou à escola, na tentativa de encontrar a estabilidade emocional que necessita para
prosseguir o caminho do seu desenvolvimento psíquico e crescimento emocional
(WINNICOTT, 2005, p. 141).

Comportamentos ilícitos podem surgir por meio de uma desordem interna que,
emerge a partir do momento em que se desencadeia uma vivência conflituosa no âmbito
familiar. Assim muitos indivíduos que praticam delitos que prejudicam o bem-estar da
sociedade, expressam dificuldades na capacidade de constituir relações de vínculo
afetivo, devido a demandas afetivas não supridas, falhas na convivência com a família,
principalmente no período de construção psíquica da criança. Segundo Bowlby (1981),
muitos estudiosos têm certificado que, as crianças que se envolvem em diversos crimes,
não apresentam sentimentos pelo outro e relatam terem tido relacionamento
intensamente perturbador com suas mães nos primeiros anos de vida. (BOWLBY, 1981,
p. 35).
41

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observamos no percurso deste estudo bibliográfico que, ao longo de toda história,


a família brasileira exerceu diferentes funções na sociedade. Sendo que, desde o
princípio de sua criação, vem assumindo funções básicas na manutenção da riqueza e
da propriedade, passando inclusive por fortes interferências dos dogmas religiosos, como
a indissolubilidade do casamento e outros tipos de influência, até chegar à escolha dos
parceiros, como uma perspectiva mais afetiva e segura. Diante destas grandes
transformações e mudanças, fruto de fortes ataques políticos, religiosos, culturais, sociais
ou psicológicos, a essência dos vínculos familiares tem se mantido intacto e demonstrado
exercer forte influência na construção psíquica do sujeito, fazendo com que, a família
ainda hoje, seja vista por muitos como uma organização de grande importância na
constituição da personalidade da criança. Pode-se dizer que é uma instituição
responsável pela socialização primária das crianças e dos adolescentes (SCHENKER ;
MINAYO, 2003), uma instituição capaz de estabelecer formas e limites para as relações
sócio afetivas entre as gerações (SIMIONATO-TOZO, 1998).

Na atualidade a família vivencia uma realidade pós-moderna, tomada por um


mundo altamente tecnológico e globalizado, em que as diferenças culturais existentes, o
efeito pandemia e suas consequências psicológicas de isolamento, tem cada vez mais
tornado o ser humano alienado ou afastado do seu “Eu”, tendo dificuldade de entrar em
contato com seus valores internos que lhe permitem atender as suas necessidades de
independência, as quais somente podem ser construídas efetivamente por meio dos
vínculos afetivos desenvolvidos nas relações familiares. Como, de maneira clara e
objetiva nos declara Winnicott (2011).

“Creio que a família da criança é a única entidade que possa dar


continuidade à tarefa da mãe (e depois também do pai) de atender as
necessidades do individuo. Tais necessidades incluem tanto a dependência
como o caminhar do individuo em direção à independência”. (2011, p 131).
42

Na sociedade atual encontramos famílias que cada vez mais envolvidas pela
cultura do descartável, permitindo o enfraquecimento dos vínculos e das relações
humanas. Relações que, têm sido impulsionadas pela máxima do consumismo que,
passo a passo, vem influenciando negativamente a qualidade dos vínculos familiares,
gerando um aumento gradativo de doenças psicossomáticas, medicação excessiva,
busca pelo alívio imediato do sofrimento psíquico, permitindo situações de caos social,
que contribuem para uma intensa quebra de valores e referenciais importantes para o
desenvolvimento dos vínculos familiares fundamentais para construção psíquica de cada
criança.

Na busca de uma melhor compreensão da importância destes vínculos, tomei


como base, os estudos do conceituado Psicanalista D. W. Winnicott o qual apresenta
extraordinária dedicação na compreensão sobre a importante existência da família intacta
para proporcionar à criança a oportunidade de desenvolver-se psicologicamente.
Winnicott (2011) considera a família como o centro formador da sociedade e da cultura,
assim como demonstra em seus estudos um forte interesse pelo desenvolvimento do ser
humano dentro de seu contexto familiar e social, sendo ainda mais específico quando,
relata o conceito de maturidade emocional, como sinônimo de saúde mental. O autor
apresenta declarações de muita ênfase quando afirma literalmente que “não seria
possível ao indivíduo atingir a maturidade emocional fora do contexto familiar” (p. 129).

Como já declaramos neste estudo Winnicott (2011) utiliza-se do conceito de


holding ou cuidado materno, para enfatizar a importância da família, principalmente da
mãe como modelo de transição para a entrada da criança num círculo social imediato,
que permitirá um caminhar em direção a círculos cada vez mais amplos, presentes na
sociedade como: a escola, religião e política.

O desenvolvimento psíquico da criança se dá a partir das funções de entrega e


sacrifícios que envolvem pai, mãe e filho. A vivência destas funções básicas permitira à
criança a noção de pertencimento, de compromisso e de identificação, as quais serão
necessárias para o seu desenvolvimento dentro e fora da família. É preciso permitir à
criança legitimar estas funções e regras sociais, para que assim, possa atingir sua
43

maturidade emocional, viabilizando sua transição entre o cuidado dos pais e sua vida
social. Winnicott (2011) vai afirmar que, somente é possível alcançar a maturidade
emocional dentro de um contexto familiar que, permita a transição da criança para a vida
social, que é uma extensão das funções familiares.

“devemos ter como certo que o individuo só possa atingir sua maturidade
emocional num contexto em que a família proporcione um caminho de
transição entre o cuidado dos pais (ou da mãe) e a vida social. E deve-se
ter presente que a vida social é em muitos aspectos uma extensão das
funções da família.” (WINNICOTT 2011, p. 136).

Berger e Luckman (1985) corroboram com a importância dos primeiros vínculos


vivenciados nas relações familiares. Os autores denominam este processo como
socialização primária, afirmando que a criança aprende regras do convívio por meio das
mensagens explícitas e implícitas, produzidas nas relações familiares. Vínculos e regras
que vão internalizar padrões relacionais, capazes de nortear noções de convívio social
por toda a vida da criança. Valores importantes serão desenvolvidos na formação da
identidade da criança, como: a maneira de amar, de se comunicar, de se relacionar, de
priorizar certas coisas em prejuízo de outras, enfim, o modo de ser do individuo será
resultado da vivência relacional no núcleo familiar. Berger e Luckman (1985) também
sinalizaram que, apesar da criança não ser passiva no processo de socialização, os
padrões construídos na relação com a família, já estão presentes no núcleo familiar
quando a criança surge na família. Portanto, o processo de internalização desses
padrões é inevitável e irá servir de base para o conjunto de habilidades que cada criança
construirá ao longo da vida, somando-se à sua participação nos mais diversos grupos e
instituições de convívio fora da família.

A questão é que o ser humano, na condição de animal social, necessita de


cuidados desde o nascimento. Nessa ótica a família é seu primeiro grupo social e
responsável por constituir uma estrutura sólida e organizada por meio de papéis e
funções que determinam o desenvolvimento psíquico da criança. É, portanto,
44

fundamental que os pais apresentem aos seus filhos um ambiente familiar integro,
marcado pela unidade e pelos vínculos afetivos, que permitirão a volta da criança ao lar,
mesmo em momentos de afastamento seja por incômodos perturbadores ou por rebeldia.
Como nos declara Winnicott (2011).

“Parece-me importante ter em mente que, na medida em que a família


permanece intacta, tudo na vida do indivíduo relaciona-se, em última
instância com seu pai e sua mãe. A criança pode ter se afastado dos pais
na vida e na fantasia consciente, e pode ter tirado proveito disso. Não
obstante, o inconsciente sempre retém o caminho de volta aos pais. Na
fantasia inconsciente da criança, toda demanda remete-se
fundamentalmente ao pai e à mãe”. (WINNICOTT, 2011, p. 133).

Diante das informações bibliográficas apresentadas, destaco a necessidade de se


desenvolver novos estudos que incentivem e reforcem a importância de se trabalhar os
vínculos familiares, dando “voz” à família para que possa cumprir com sua função de
educar e proteger seus membros, com dignidade e respeito, assegurando às crianças e
aos adolescentes uma relação de convivência saudável no contexto familiar. Portanto, é
o momento de reconstruir a visão da família na cultura brasileira, repensando práticas e
valores que resgatem o direito das crianças e adolescentes a um desenvolvimento
equilibrado, proporcionando vínculos de acolhimento, afeto e relações familiares sólidas
que são fundamentais para a constituição emocional e o convívio harmonioso dos seres
humanos dentro e fora do grupo familiar. Para isso, é preciso que a sociedade reconheça
a estrutura familiar como lugar essencial e primeiro de vivência da educação, da
socialização e da construção da cidadania, respeitando sempre a diversidade de arranjos
e composições familiares, mas principalmente valorizando e fortalecendo as funções e
os vínculos afetivos nelas presentes.
45

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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