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ESTRUTURA FAMILIAR
E DESENVOLVIMENTO
AFETIVO
1
Prof.ª Ana Carolina Jacinto Alarcão
CAPÍTULO 01: CONSTITUIÇÃO FAMILIAR E SUAS RELAÇÕES HISTÓRICAS
Psicologia da Família e Ciclo Vital
Introdução
objetivos:
dos vínculos humanos,
sua influencia no desenvolvimento
2 significativas na conceituação e
Apresentar as mudanças das famílias contemporâneas;
chefe, que era o pater familias”. Nota-se sociedade em geral. O que há em comum
com estes diversos
que o pater citado não se confunde com Além de modelos de família?
a figura paterna atualmente existente, explanar a cultura
embora a nomenclatura possa nos eminentemente
VOCÊ SABIA? passar essa falsa patriarcal e machista da época, as
Na perspectiva bíblica, o que se ideia. O pater menções feitas demonstram que
percebe é que a família patriarcal
estava concebida em torno do
representava o a religiosidade esteve diretamente
grupo, vivendo em tribos, porém chefe daquele relacionada a todas as instituições
unidos e sob o comando do
patriarca que mantinha a ordem grupo familiar, existentes na sociedade grega, inclusive
e dava os comandos de decisões
familiares, sem deixar de lado o
gozando de a família. A religião era a explicação e a
diálogo, a solidariedade e o apreço extensos poderes. motivação para todo modo de vida deste
pelos seus membros. Isto pode ser
observado na vida dos patriarcas Com o povo, sendo verdadeiramente sua base
Noé, Abraão, Isaque, Jacó, dentre
outros.
desenvolvimento cultural.
de sociedades Ademais, independentemente
mais complexas, nas quais os laços da existência ou não de afeto entre os
sanguíneos eram cada vez mais
PÓS-GRADUAÇÃO FACULDADE ADVENTISTA DA BAHIA 7
Saiba Mais...
Assim, a evolução da família,
NAZZARI, M. O
desaparecimento do dote: em especial dentro das sociedades
mulheres, famílias e mudança
social em São Paulo, Brasil, ocidentais, baseou-se, em um primeiro
1600 - 1900 momento, na consanguinidade entre
Tradução de Lólio Lourenço de
Oliveira. seus membros. Isto é, na origem comum
São Paulo: Companhia das
Letras, 2001. 361 p. de seus membros, formando-se grandes
grupos familiares originários de um único
patriarca. Gradualmente, essa estrutura
cônjuges, o Direito Canônico estabelece foi substituída por núcleos familiares
que a união decorrente do casamento é menores, formados a partir da união
“indissolúvel, isto é, não se pode dissolver entre homens e mulheres mediante
por vontade dos cônjuges, exceto pela um ato solene, chamado casamento,
morte” (CAPPARELLI, 1999, p. 20 apud que foi consolidado e sacralizado pela
FARIAS, 2004). Igreja Católica, a qual dominou a cultura
Venosa (2005) afirma, em sua obra, e a sociedade das nações europeias
que ainda havia outra forma de união ocidentais por mais de um milênio.
além do casamento na era patriarcal. A percepção de família remetia a um
Era oriundo de um negócio jurídico núcleo estável formado pela união entre
de compra e venda denominado homem e mulher: indissolúvel, patriarcal
mancipatio, o que hoje chamamos de e verticalizado; tendo o homem como o
escritura pública, registro. O detentor do centro e provedor da família, predominou
pátrio poder, exclusivo do pai da família, na Idade Média. Nesse modelo tradicional,
negociava a mulher como um objeto cada integrante possuía nomenclatura
de acordo com seus interesses sociais e específica que o identificaria na
econômicos. No caso das moças ricas, configuração familiar: pai, mãe e filhos.
provenientes das linhagens nobres, os Esse modelo de estrutura familiar
casamentos eram arranjados de acordo nuclear através do casamento persiste,
com conveniências. Isso significava que os sendo reconhecida pela maioria das
pais das jovens procuravam casamentos legislações ocidentais vigentes tanto
em que famílias de uma mesma origem como um ato jurídico formal, quanto,
social e padrão econômico pudessem e especialmente, como sacramento
unir suas fortunas através do matrimônio religioso. Gomes (1998, p. 40) sintetiza a
de seus filhos. Eram feitas oferendas ideia:
aos deuses (especialmente a Artêmis, a Na organização jurídica da
família hodierna é mais decisiva
protetora das mulheres) e oferecido um
a influência do direito canônico.
dote ao noivo e a seus familiares. Esse Para o cristianismo, deve a família
presente de casamento dado pelo pai fundar-se no matrimônio, elevado
a sacramento por seu fundador. A
da noiva consistia em terras, bens de alto
Igreja sempre se preocupou com a
valor e, até mesmo, dinheiro.
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organização da família, disciplinando-a bastardos ou espúrios, e estes ficavam
por sucessivas regras que por largo
condenados a permanecer à margem
período histórico vigoraram, entre os
povos cristãos, como seu exclusivo da sociedade (MENDES, 2015). As uniões
estatuto matrimonial. Considerável, consensuais ou eventuais produziam
em consequência, é a influência
filhos ilegítimos, os quais, com frequência,
do direito canônico na estruturação
jurídica até os tempos atuais. eram abandonados ou doados e parte
A família natural foi adaptada destas crianças era recolhida pelas Santas
pela Igreja Católica, que transformou o Casas de Misericórdia.
casamento em instituição sacralizada e A igreja estabeleceu que o amor
indissolúvel, formada pela união entre conjugal fosse um amor fiel e exclusivo,
duas pessoas de diferentes sexos, unidas até a morte. Assim se concebia ao esposo
através de um ato solene, e por seus e à esposa, no dia em que assumem
descendentes diretos, a qual ultrapassou compromisso do vínculo matrimonial,
milênios e predomina até os dias atuais a fidelidade permanente. Fundado nos
(CASTRO, 2002). princípios cristãos o pacto matrimonial
Destaca-se dentro do dogma constitui uma comunidade de vida e
católico-cristão da família, importância de amor, fundada e dotada de suas leis
destinada ao sexo como requisito próprias pelo Criador.
de validade para a convalidação da O período de supremacia cristã do
união entre um casal. Esta condição, patriarcado permaneceu por vários séculos.
estabelecida pelo direito eclesiástico, é Foi a Revolução Francesa, em 1789, que
vista como fruto da indissociação entre colocou em questionamento tal forma de
o matrimônio e a procriação, função organização da sociedade. O movimento
primordial da união e que poderia francês defendia os ideais de liberdade,
ocorrer somente após o sacramento do igualdade e fraternidade, abrindo novas
casamento. Entendia-se dessa forma portas para os indivíduos se posicionarem
na idade média, que a finalidade do no mundo. O movimento revolucionário
matrimônio enquanto instituição era a acabou com a concepção massificadora
procriação e, por conseguinte, a educação que ordenava as pessoas, permitindo o
da prole (CAPPARELLI, 1999). respeito à singularidade de cada um na
Nesse contexto, estigmatizou como rede social. Por tais motivos, a Revolução
ilegais as relações extramatrimoniais e Francesa inaugurou uma nova fase na
nem mesmo vislumbrava uma provável história ocidental, marcando o início da
proteção dos filhos havidos fora do chamada História Contemporânea. O
casamento. Mais que isso, as normas historiador Moore (1975) a enquadra na via
religiosas e até jurídicas os classificavam de das revoluções burguesas que conduziram
maneira a impor rótulos negativos, como a sociedade francesa para a modernização
caracteriza-se por livre escolha do cônjuge, afirmem que há igualdade entre homens
baseado no amor romântico e laço e mulheres e entre todos os indivíduos,
conjugal. Para esse autor, a conjugalidade a sociedade está longe de efetivar os
moderna baseia-se em trocas afetivo- direitos adquiridos. Mesmo atualmente,
sexuais com uma não-demarcação de com tantas mudanças sociais, muitos
papéis conjugais, adotando, como ideal, defendem a família heterossexual,
a preservação da autonomia individual, a matrimonializada e hierarquizada como a
singularidade, a delegação recíproca de única ideal.
autoridade, utilizando mecanismos de Todavia, como será demonstrado em
troca e de mútua independência. Utiliza, discussões posteriores, a consanguinidade
também, a intimidade, cumplicidade, e a milenar instituição de família nuclear
privatividade e o diálogo, como aspectos acabaram por ser uma das possibilidades
positivos da vida a dois. No entanto, entre outras diversas configurações
historicamente a família sempre esteve familiares vigentes.
ligada no sentido do patriarcalismo.
Embora as Constituições ocidentais
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