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MODELOS DE

ESTRUTURA FAMILIAR
E DESENVOLVIMENTO
AFETIVO

1
Prof.ª Ana Carolina Jacinto Alarcão
CAPÍTULO 01: CONSTITUIÇÃO FAMILIAR E SUAS RELAÇÕES HISTÓRICAS
Psicologia da Família e Ciclo Vital
Introdução

A família apresenta-se como um fenômeno social em que os fatores históricos,


econômicos, políticos e culturais são responsáveis por acarretar inúmeras mudanças em
seus modelos, que refletem diretamente na sociedade como um todo. Para a compreensão
de sua composição atual e entendimento de sua evolução é imprescindível referenciar a
família às suas origens, correlacionando-as com alguns aspectos que contribuíram, e ainda
contribuem, para o seu estabelecimento no formato atual.
Transformações socioculturais ocorridas no decorrer do tempo permitiram o
reconhecimento de diversas entidades familiares. Esse complexo mosaico e a fluidez
atualmente percebida no desenvolvimento dessas relações familiares são os desafios do
presente.
A família é um dos conceitos que mais sofreu alterações nos últimos anos, fruto
da influência de diferentes perspectivas sobre os valores e práticas sociais. Essa passou
por mudanças, alterando radicalmente suas características. A análise destas mutações é
imprescindível para a compreensão das famílias contemporâneas em sua diversidade e
relações estabelecidas.
A fim de compreender os desafios que se impõem àqueles que trabalham direta
ou indiretamente com distintos núcleos familiares, partiremos para uma descrição e
discussão dos seguintes capítulos: 1. Constituição Familiar e suas relações históricas; 2.
Constituição Familiar e aparato legal: A configuração da família brasileira à luz dos princípios
constitucionais; 3. Princípio da Afetividade na Constituição Familiar; e 4. Configurações
familiares na sociedade contemporânea: Diversidade e Complexidade.
O estudo da história, dos modelos e das características envolvidas no desenvolvimento
familiar é essencial para o alcance de ampla compreensão do papel e da função que a
família representa na nossa sociedade.

Prof.ª Ana Carolina Jacinto Alarcão.


Doutorado no Programa de Pós Graduação em Ciências
da Saúde pela Universidade Estadual de Maringá.
Mestrado no Programa de Pós Graduação em Ciências
da Saúde pela Universidade Estadual de Maringá.
Possui graduação em Psicologia pela Universidade
Estadual de Maringá.
Ênfase de estudo e pesquisa em Psicologia Social
atuando nos seguintes temas: Criança e Adolescente,
Violência e Políticas Públicas.
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Detalhamento dos
4 construção
Analisar o papel do afeto na

objetivos:
dos vínculos humanos,
sua influencia no desenvolvimento

1 histórica da origem da família e sua


Compreender a construção humano e na configuração familiar;

evolução no decorrer dos tempos; 5 fundamento


Evidenciar a afetividade como
central na constituição

2 significativas na conceituação e
Apresentar as mudanças das famílias contemporâneas;

configuração familiar fundamentado 6 do pluralismo


Abordar a atual concepção acerca
das entidades familiares;
nos princípios constitucionais;
e

3 de família num contexto de mudanças 7


Discutir as legislações e concepções
Destacar as potencialidades e
desafios frente à diversidade das
dos padrões sociais e relacionais;
configurações familiares na sociedade
atual.
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Capítulo 1: sua existência desde os primeiros povos
CONSTITUIÇÃO que se tem notícia. Isto porque o ser
FAMILIAR E humano possui uma inclinação intrínseca
SUAS RELAÇÕES a conviver com seus semelhantes.
HISTÓRICAS Aristóteles (2008, p. 56) afirma que
“o homem é um animal político”, que
necessita do outro para alcançar sua
A família é um dos conceitos que
plenitude. Para ele, o ser humano é um
mais sofreu alterações nos últimos
ser eminentemente social e comunicativo,
anos, fruto da influência de diferentes
que não apenas emite sons, mas transmite
perspectivas sobre os valores e práticas
ideias, e a habilidade da fala se transforma
sociais. A discussão sobre definições e
na ligação entre as pessoas.
modelos de família passa necessariamente
Desse modo, surge a necessidade
por compreender a construção histórica
de sociabilizar e vincular-se a outros
do formato das relações sociais e culturais
indivíduos, até como forma de
presentes nos séculos XIX e XX.
sobrevivência, o que culminou com o
Para Hironaka (2001, p. 17),
a família  é uma entidade histórica,
surgimento da família, sendo a responsável
ancestral como a história, interligada pela gênese e desenvolvimento da
com os rumos e desvios da história, sociedade. A família é, portanto, a
mutável na exata medida em que
mudam as estruturas e a arquitetura
estrutura da sociedade e enquanto
da própria história através dos tempos, instituição, propiciou o surgimento
a história da família se confunde com de todas as outras. Sociedade vem do
a história da própria humanidade
latim “societas” e significa associação
amistosa com outros. Logo, conjectura-se
Trata-se, em verdade, da  célula
uma união entre indivíduos de maneira
mater da sociedade, é um microssistema
ordenada e organizada as peculiaridades
social em que os valores de uma época
do momento histórico (CARDOSO;
são reproduzidos de modo a garantir a
BRAMBILLA, 2015).
adequada formação do indivíduo.
A origem da família é tão antiga
quanto o próprio homem, sendo citada

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SURGIMENTO DA FAMÍLIA
DA COSMOVISÃO CRISTÃ

A cosmovisão judaico-cristã baseada nas Escrituras, apresenta


Deus como criador do céu e da terra, de todos os seres vivos,
incluindo o primeiro casal, núcleo da primeira família da terra.
O relato encontra-se nos primeiros dois capítulos do livro de
Genesis. Gn 1:27 afirma que “Criou Deus, pois, o homem, à
sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os
criou”. O privilégio da procriação vem no versículo seguinte,
onde Deus diz: “Sede fecundo, multiplicai-vos e enchei a
Terra”. A instituição do casamento é destacada no ponto alto
do capítulo dois onde Deus afirma: “Por isso, deixa o homem
pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois numa só
carne” (Gn. 2:24). Esses ensinamentos são ratificados por Jesus
no Novo Testamento (Mt. 19:5). Ao formar a primeira família,
Deus estabeleceu a unidade social básica da humanidade,
dando-lhe um senso de pertinência.
Costumeiramente se tem uma ideia um tanto distorcida acerca
da família e seus costumes, na antiguidade. Não poucas vezes,
se ouve ou se lê que os povos bíblicos eram arcaicos, selvagens,
ignorantes e/ou sem regras. Mas, mesmo uma leitura rápida
de alguns textos bíblicos permite perceber uma versão mais
coerente para os fatos. A família é concebida como um grupo
de pessoas unidas por laços de sangue, afinidade ou adoção, as
quais compartilham uma cultura comum e tipicamente vivem
na mesma casa. O lar foi criado para dar segurança a seus
membros, e é um porto seguro para as forças ameaçadoras da
sociedade exterior.

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exigência de exclusividade. Ao contrário,
Para entender melhor este tema, realizar
a promiscuidade predominava nas tribos
a leitura do artigo A FAMÍLIA NO ANTIGO
ORIENTE PRÓXIMO: UMA DESCRIÇÃO pré-históricas. Para Engles (1987, p. 66), isso
VETEROTESTAMENTÁRIA, de Reginaldo
demonstra que não só o comportamento
Pereira de Moraes, que consta como sugestão
de leitura. humano é mutável, como também nossa
moralidade e afeições. Neste viés, afirma
Engels (1987, p. 66):

O estudo da história primitiva revela-


nos, um estado de coisas em que
os homens praticavam a poligamia
e as suas mulheres a poliandria,
e em que, por consequência, os
filhos de uns e outros tinham que
ser considerados comuns. É este
estado de coisas, passando por uma
As informações existentes série de transformações, resulta na
monogamia. Essas modificações
atualmente acerca da estrutura familiar
são de tal ordem que o círculo
no período da Pré-História são ínfimas compreendido na união conjugal
e bastante incertas. Embora muitas comum, e que era muito amplo na sua
origem, se estreita pouco a pouco até
descobertas tenham sido feitas nos
que, por fim, abrange exclusivamente
últimos tempos, especialmente através de o casal isolado, que predomina hoje.
escavações, esta é a época mais carente
de dados. Superada a Pré-História, entra
Lewis e Morgan (1877) dividiram o Período Histórico (Idade Antiga,
a história em três períodos: selvageria, Idade Média, Idade Moderna, e Idade
barbárie e civilização. Justifica que esses Contemporânea) no qual duas civilizações
períodos aconteceram de maneira ganham destaque na literatura histórica:
sequencial, tendo o progresso ocorrido por a grega e a romana. A Grécia Antiga teve
meio de vagarosas mudanças culturais. sua primeira etapa de formação familiar
Dentro de sua classificação, a Pré- nos clãs, estruturados pela união de
História engloba o período da selvageria indivíduos baseada no parentesco. Os
VOCÊ SABIA?
e da barbárie. Especificamente quanto clãs possibilitaram a
As Polis possuíam
à família, o autor supracitado conclui formação das polis, mecanismos de organização
política diversos, sendo
em seu estudo que nos primórdios da também conhecidas independentes politicamente
umas das outras. Contudo,
humanidade imperava a promiscuidade como cidades-Estado.
uniam-se no aspecto cultural,
sexual entre os membros. Os gregos especialmente quanto à
língua e costumes.
A literatura histórica propõe que a viviam sob a lógica
monogamia foi uma construção humana uma sociedade patriarcalista. O patriarca
que se deu através do tempo e de maneira era quem mantinha o poder, ao longo
bastante morosa. A princípio, não havia a da história, sobre qualquer indivíduo na

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organização social de que fazia parte. Essa dissolvidos entre a população, ganha
organização social poderia ser sua mulher, importância no Direito da Roma Antiga
seus filhos, seus súditos, seus escravos ou a expressão  família natural, formada
seu povo. Entende-se assim a primeira apenas pelo casal e seus filhos. Ao
definição do termo “família”, advinda da contrário dos clãs, que se formavam a
expressão latina  famulus, que significa partir da relação de parentesco com um
“escravo doméstico” (ACKER, 1994). ancestral comum, e do patriarcalismo, que
A princípio, a terminologia família não
um homem chefiava um grupo familiar;
se aplicava sequer ao par de cônjuges
e aos seus filhos, mas somente aos a  família natural  romana originava-
escravos. Famulus quer dizer escravo se através de uma relação jurídica, o
e família é o conjunto dos escravos
casamento entre um homem e uma
pertencentes a um mesmo homem. A
expressão foi inventada para designar mulher (MACHADO, 2007).
um novo organismo social, cujo chefe O modelo romano de família
mantinha sob seu poder a mulher, os
mantinha a estrutura de poder despótico
filhos e certo número de escravos, com
o pátrio poder e o direito de vida e e patriarcal concentrado no chefe
morte sobre todos eles (ENGELS, 1987, da  família natural, o qual exercia seu
p. 61). poder sobre os seus descendentes não
emancipados e sua esposa. Esse modelo
A realidade da família patriarcal não estabelecia a assimetria sexual mediante
se restringiu à população grega. Quanto a centralização do poder no homem,
à Família romana, pontua Varela (1999, p. tomado como o chefe de família/provedor,
44): “compreendia todas as pessoas que se cujo papel assumido representa o seu
encontravam sob a autoridade do mesmo posicionamento na PARE E PENSE!

chefe, que era o pater familias”. Nota-se sociedade em geral. O que há em comum
com estes diversos
que o pater citado não se confunde com Além de modelos de família?
a figura paterna atualmente existente, explanar a cultura
embora a nomenclatura possa nos eminentemente
VOCÊ SABIA? passar essa falsa patriarcal e machista da época, as
Na perspectiva bíblica, o que se ideia. O pater menções feitas demonstram que
percebe é que a família patriarcal
estava concebida em torno do
representava o a religiosidade esteve diretamente
grupo, vivendo em tribos, porém chefe daquele relacionada a todas as instituições
unidos e sob o comando do
patriarca que mantinha a ordem grupo familiar, existentes na sociedade grega, inclusive
e dava os comandos de decisões
familiares, sem deixar de lado o
gozando de a família. A religião era a explicação e a
diálogo, a solidariedade e o apreço extensos poderes. motivação para todo modo de vida deste
pelos seus membros. Isto pode ser
observado na vida dos patriarcas Com o povo, sendo verdadeiramente sua base
Noé, Abraão, Isaque, Jacó, dentre
outros.
desenvolvimento cultural.
de sociedades Ademais, independentemente
mais complexas, nas quais os laços da existência ou não de afeto entre os
sanguíneos eram cada vez mais
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Saiba Mais...
Assim, a evolução da família,
NAZZARI, M. O
desaparecimento do dote: em especial dentro das sociedades
mulheres, famílias e mudança
social em São Paulo, Brasil, ocidentais, baseou-se, em um primeiro
1600 - 1900 momento, na consanguinidade entre
Tradução de Lólio Lourenço de
Oliveira. seus membros. Isto é, na origem comum
São Paulo: Companhia das
Letras, 2001. 361 p. de seus membros, formando-se grandes
grupos familiares originários de um único
patriarca. Gradualmente, essa estrutura
cônjuges, o Direito Canônico estabelece foi substituída por núcleos familiares
que a união decorrente do casamento é menores, formados a partir da união
“indissolúvel, isto é, não se pode dissolver entre homens e mulheres mediante
por vontade dos cônjuges, exceto pela um ato solene, chamado casamento,
morte” (CAPPARELLI, 1999, p. 20 apud que foi consolidado e sacralizado pela
FARIAS, 2004). Igreja Católica, a qual dominou a cultura
Venosa (2005) afirma, em sua obra, e a sociedade das nações europeias
que ainda havia outra forma de união ocidentais por mais de um milênio.
além do casamento na era patriarcal. A percepção de família remetia a um
Era oriundo de um negócio jurídico núcleo estável formado pela união entre
de compra e venda denominado homem e mulher: indissolúvel, patriarcal
mancipatio, o que hoje chamamos de e verticalizado; tendo o homem como o
escritura pública, registro. O detentor do centro e provedor da família, predominou
pátrio poder, exclusivo do pai da família, na Idade Média. Nesse modelo tradicional,
negociava a mulher como um objeto cada integrante possuía nomenclatura
de acordo com seus interesses sociais e específica que o identificaria na
econômicos. No caso das moças ricas, configuração familiar: pai, mãe e filhos.
provenientes das linhagens nobres, os Esse modelo de estrutura familiar
casamentos eram arranjados de acordo nuclear através do casamento persiste,
com conveniências. Isso significava que os sendo reconhecida pela maioria das
pais das jovens procuravam casamentos legislações ocidentais vigentes tanto
em que famílias de uma mesma origem como um ato jurídico formal, quanto,
social e padrão econômico pudessem e especialmente, como sacramento
unir suas fortunas através do matrimônio religioso. Gomes (1998, p. 40) sintetiza a
de seus filhos. Eram feitas oferendas ideia:
aos deuses (especialmente a Artêmis, a Na organização jurídica da
família hodierna é mais decisiva
protetora das mulheres) e oferecido um
a influência do  direito canônico.
dote ao noivo e a seus familiares. Esse Para o cristianismo, deve a família
presente de casamento dado pelo pai fundar-se no  matrimônio, elevado
a  sacramento  por seu fundador. A
da noiva consistia em terras, bens de alto
Igreja sempre se preocupou com a
valor e, até mesmo, dinheiro.
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organização da família, disciplinando-a bastardos ou espúrios, e estes ficavam
por sucessivas regras que por largo
condenados a permanecer à margem
período histórico vigoraram, entre os
povos cristãos, como seu exclusivo da sociedade (MENDES, 2015). As uniões
estatuto matrimonial. Considerável, consensuais ou eventuais produziam
em consequência, é a influência
filhos ilegítimos, os quais, com frequência,
do  direito canônico  na estruturação
jurídica até os tempos atuais. eram abandonados ou doados e parte
  A  família natural  foi adaptada destas crianças era recolhida pelas Santas
pela Igreja Católica, que transformou o Casas de Misericórdia.
casamento em instituição sacralizada e A igreja estabeleceu que o amor
indissolúvel, formada pela união entre conjugal fosse um amor fiel e exclusivo,
duas pessoas de diferentes sexos, unidas até a morte. Assim se concebia ao esposo
através de um ato solene, e por seus e à esposa, no dia em que assumem
descendentes diretos, a qual ultrapassou compromisso do vínculo matrimonial,
milênios e predomina até os dias atuais a fidelidade permanente. Fundado nos
(CASTRO, 2002). princípios cristãos o pacto matrimonial
Destaca-se dentro do dogma constitui uma comunidade de vida e
católico-cristão da família, importância de amor, fundada e dotada de suas leis
destinada ao sexo como requisito próprias pelo Criador.
de validade para a convalidação da   O período de supremacia cristã do
união entre um casal. Esta condição, patriarcado permaneceu por vários séculos.
estabelecida pelo direito eclesiástico, é Foi a  Revolução Francesa, em 1789, que
vista como fruto da indissociação entre colocou em questionamento tal forma de
o matrimônio e a procriação, função organização da sociedade. O movimento
primordial da união e que poderia francês defendia os ideais de liberdade,
ocorrer somente após o sacramento do igualdade e fraternidade, abrindo novas
casamento. Entendia-se dessa forma portas para os indivíduos se posicionarem
na idade média, que a finalidade do no mundo.  O movimento revolucionário
matrimônio enquanto instituição era a acabou com a concepção massificadora
procriação e, por conseguinte, a educação que ordenava as pessoas, permitindo o
da prole (CAPPARELLI, 1999). respeito à singularidade de cada um na
Nesse contexto, estigmatizou como rede social. Por tais motivos, a Revolução
ilegais as relações extramatrimoniais e Francesa inaugurou uma nova fase na
nem mesmo vislumbrava uma provável história ocidental, marcando o início da
proteção dos filhos havidos fora do chamada História Contemporânea. O
casamento. Mais que isso, as normas historiador Moore (1975) a enquadra na via
religiosas e até jurídicas os classificavam de das revoluções burguesas que conduziram
maneira a impor rótulos negativos, como a sociedade francesa para a modernização

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e estabelecimento de uma democracia processo de mutação da família até a
capitalista. O resultado repercutiu no contemporaneidade. Entre as principais
Ocidente e influenciou diversos outros não podemos deixar de citar a legalização
países, incluindo o Brasil. do divórcio no país no final da década
Com as transformações sociais, de 70. Alia-se a isto, o advento da pílula
culturais e econômicas ocorridas nos anticoncepcional, a revolução sexual
últimos séculos, as concepções de família feminina e os avanços da medicina e da
de cunho patrimonialista e nuclear tecnologia. Além da construção de novos
começaram a se modificar. Nessa linha, modelos parentais, as relações de gênero
Itaboraí (2016) destaca que a família também se modificam (FARIA, 2017).
“evolui” à medida que a sociedade muda e No mercado de trabalho, a mulher, em
cria estruturas adaptadas às necessidades, virtude de novos valores e até mesmo
decorrentes de diferentes realidades das crises econômicas que assolavam
VOCÊ SABIA?
sociais, políticas a vida dos brasileiros, muitas vezes tem
Até 1977, as leis brasileiras
não reconheciam o divórcio.
e econômicas. sua participação financeira no lar como
Naquele ano, sugiram a Emenda As recentes absolutamente necessária.
Constitucional do Divórcio (EC 9/77)
e a Lei do Divórcio (Lei 6.515/77). g r a n d e s As mudanças nas legislações deram
mudanças na todo um suporte para a efetivação dos
instituição familiar estão diretamente direitos adquiridos. A revolução jurídica
relacionadas com a aquisição de direitos no Brasil se deu com a Constituição
humanos, especialmente os femininos. de 1988. Algo antes vedado pelo nosso
A concepção patriarcal e machista do antigo código e amplamente repreendido
instituto da família passou por uma pelas demais instituições, atualmente
significativa transformação a partir dos é garantido pela nossa Constituição e,
anos 1960, com o início das revoluções aos poucos, vem vencendo preconceitos
feministas e com o avanço do mundo (BRASIL, 1988).
globalizado. O desenvolvimento das A família contemporânea, ao
pesquisas científicas, o progresso das contrário da família do passado, é agora
relações coletivas e dos conceitos sobre o plural, isonômica e eudemonista, em
que seria a moral e o que definiria a família, contraposição àquela singular, hierárquica
à época, proporcionaram uma mudança e transpessoal. Reconhece-se que esta
de visão geral no ocidente. A mudança família não está centrada apenas no
do papel da mulher na sociedade e sua casamento entre um homem e uma
inserção no mercado de trabalho, em mulher, ela também se forma por outros
busca de igualdade de condições com modos, sendo que estes novos modos
o homem, influenciou novos contornos se acham protegidos juridicamente
dados à família (SILVA, 2017). (TEIXEIRA; RIBEIRO, 2010).
Muitos fatores fizeram parte do A família moderna, para Silva (2019)

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Figura 1: “A Família” 1925
Tarsila do Amaral

caracteriza-se por livre escolha do cônjuge, afirmem que há igualdade entre homens
baseado no amor romântico e laço e mulheres e entre todos os indivíduos,
conjugal. Para esse autor, a conjugalidade a sociedade está longe de efetivar os
moderna baseia-se em trocas afetivo- direitos adquiridos. Mesmo atualmente,
sexuais com uma não-demarcação de com tantas mudanças sociais, muitos
papéis conjugais, adotando, como ideal, defendem a família heterossexual,
a preservação da autonomia individual, a matrimonializada e hierarquizada como a
singularidade, a delegação recíproca de única ideal.
autoridade, utilizando mecanismos de Todavia, como será demonstrado em
troca e de mútua independência. Utiliza, discussões posteriores, a consanguinidade
também, a intimidade, cumplicidade, e a milenar instituição de família nuclear
privatividade e o diálogo, como aspectos acabaram por ser uma das possibilidades
positivos da vida a dois. No entanto, entre outras diversas configurações
historicamente a família sempre esteve familiares vigentes.
ligada no sentido do patriarcalismo.
Embora as Constituições ocidentais

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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