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Abstract: the changes occurring in the family, throughout history, demonstrate their susceptibility to the
influences of cultural, economic, political and social factors, which not only address different contexts, but
also generate different understandings of concepts, arrangements and family roles. Thus, we intend to analyze
the plasticity of the formation and configuration of contemporary family marked by a constant process of
transformation.
Keywords: Family. Contemporary. New Family Arrangements.
1 Introdução
Zamberlam (2001) aponta a dificuldade de se
Este artigo se propõe a refletir sobre as conceituar família e seus papéis, haja vista o
transformações ocorridas na família no processo de elevado número de subsistemas e a pluralidade de
construção da chamada família contemporânea, arranjos presentes na contemporaneidade. Nessa
marcada pela plasticidade de formação e realidade, emergem e ganham visibilidade
configuração. Assim, torna-se apropriado referir-se diferentes formas de família e distintas maneiras de
ao termo no plural - famílias -, pois melhor se relacionar dentro dela, o que acarreta uma
representa a diversidade de modelos que a redefinição de papéis e uma redistribuição de
instituição tem adotado na contemporaneidade, a responsabilidades a seus componentes.
partir da influência de fatores internos (relações Este artigo apresenta algumas contribuições
próprias entre seus membros: divórcios, teóricas em torno dos diversos conceitos, assim
recasamentos, uniões estáveis) e externos como discute a formação dos diferentes arranjos da
(econômicos, sociopolíticos e culturais). família contemporânea, a fim de balizar as
O grupo familiar se forja pela convivência, sob o reflexões acerca da dinamicidade de seu processo
mesmo espaço, de indivíduos ligados por laços de constituição. Para tanto, considera-se que a
consanguíneos ou não, de forma que o modelo de família contemporânea se revela em constante
organização, a função dos papéis individuais e as transformação e com diferentes faces que refletem
relações de afeto lhe determinam a configuração. os contextos sócio-histórico, cultural, econômico e
Ao se discutir o tema família, não se deve político de uma dada sociedade.
pensar apenas no modelo nuclear tradicional, mas
2 Família ou famílias? Algumas aproximações
numa variedade de novos modelos e relações
conceituais
engendradas a partir de transformações vivenciadas
pela sociedade. Embora, na atualidade, seja A família, como unidade dinâmica, tem
evidente a multiplicidade de arranjos familiares, passado, ao longo da história, por constantes
permanece imutável a importância da instituição na modificações, o que impossibilita olhá-la sob um
formação e cuidado de seus membros. Kaloustian único viés. Conforme assinala Mioto (1997), ao
e Ferrari (1994), por exemplo, defendem-na como falarmos de “famílias”, devemo-nos ater à sua
espaço de garantia da proteção integral e da especificidade, posto que diferem significativamente
sobrevivência, independentemente do arranjo em entre si nos diversos momentos da história
que se baseie. humana, possuindo uma dinâmica própria,
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insegurança da existência. [...] Mas ela também é familiares, como uma marca indelével da família
frágil, pelo fato de não estar livre de despotismo,
violências, confinamentos, desencontros e contemporânea (BRASIL, 1988).
rupturas (PEREIRA, 2006, p. 36). O Código Civil de 2002 reforça a pluralidade das
Em meio a esse cenário, a família brasileira constituições dos grupos familiares e a maior
contemporânea vem se (re)desenhando, à guisa igualdade de direitos entre seus membros, além de
das profundas e inúmeras mudanças culturais, reafirmar o reconhecimento legal da família formada
políticas, sociais, econômicas e jurídicas ocorridas com base na união estável. O novo código promove
no Brasil desde o final do século XIX. Sobre essas ainda um equilíbrio jurídico entre os diversos
mudanças e sem a pretensão de exaurir uma componentes da família, os quais passaram a ter
questão vasta e densa como esta, destacam-se direitos similares no interior do grupo,
algumas ocorridas no campo jurídico, independentemente das diferenças sexuais ou
especificamente os dispositivos constitucionais, os etárias (BRASIL, 2002).
quais norteiam, ao tempo em que refletem, a As mudanças ocorridas no cerne da família
conduta social, politica e cultural de uma contemporânea também são abordadas por autoras
sociedade. Assim, na positivação do direito de como Coelho (2002), Kehl (2003) e Rosa (2003), as
família, em síntese, destaca-se que a Constituição quais concordam que essas transformações estão
promulgada em 1934 conferiu uma grande ligadas, sobretudo, às alterações do papel feminino
importância jurídica à família, dedicando-lhe um na sociedade decorrentes, principalmente, de
capítulo exclusivo, que classificou a união através mudanças engendradas no mercado de trabalho.
do casamento como processo de constituição da Além disso, as modificações na relação de poder
família legítima. Nesse documento, estabeleceram- entre os gêneros masculino e feminino foram um
se as regras de indissolubilidade do casamento, importante passo na história da constituição da
inauguradas com o Código Civil brasileiro de 1916 família contemporânea, já que colocaram em xeque
(BRASIL, 1916). Assim, a chamada família legítima as bases da secular família patriarcal. Conforme
passou, então, a gozar de alguma proteção estatal Kehl (2003, p. 164),
(BRASIL, 1934). [...] a família “hierárquica”, organizada em torno do
Convém destacar que as Cartas Magnas poder patriarcal, começou a ceder lugar a um
modelo de família onde o poder é distribuído de
subsequentes (BRASIL, 1937, 1946, 1967) e a forma mais igualitária: entre o homem e a mulher,
Emenda Constitucional n. 1, de 1969, mantiveram a mas também, aos poucos, entre pai e filhos. Se o
pátrio poder foi abalado, é de se supor que algum
noção de que a constituição da família só ocorreria deslocamento tenha ocorrido do lado das
pelo casamento civil indissolúvel. Não obstante a mulheres – a começar pelo ingresso no mercado
de trabalho, com a consequente emancipação
legislação apresentar as premissas da família financeira daquelas que durante tantas décadas
legítima, outras formas de união conjugal nunca foram tão dependentes do “chefe da família”.
deixaram de ocorrer, mas se configuraram como Outro aspecto restrito ao universo feminino que
famílias informais, não sendo reconhecidas impactou profundamente a organização familiar
legalmente e, por consequência, desprovidas da contemporânea refere-se ao surgimento e
proteção do Estado. disseminação do uso da pílula anticoncepcional.
Com a promulgação da Constituição Federal de Esta conferiu à mulher maior autonomia sobre seu
1988, redefiniu-se, dentre outros aspectos, o direito corpo e sexualidade e deu mais poder decisório ao
entre os cônjuges, pelo estabelecimento da seu papel familiar e social, possibilitando-lhe maior
igualdade, perante a lei, entre o homem e a mulher. ingresso e permanência no mercado de trabalho.
Esse texto constitucional privilegia a afetividade Tal comportamento também interferiu no perfil
entre o casal na fundação do núcleo familiar, demográfico e influenciou novas configurações
deixando o casamento civil de ser a única forma familiares.
possível da formação familiar. A Carta Magna traz É mister ponderar que as mudanças pelas quais
também o reconhecimento da legalidade da união a instituição familiar passou ao longo do tempo,
estável, cuja característica principal está no fato de além dos aspectos já apresentados (relacionados a
os cônjuges não necessariamente terem se questões sociais, culturais, de gênero, dentre
submetido ao casamento civil. Nesses termos, outras), também estão associadas ao contexto
refletindo o contexto sócio-histórico, cultural e econômico e político presente em dada sociedade
político atual, A Constituição de 1988 reconhece e dado momento histórico. Assim, as
juridicamente a pluralidade das organizações transformações que se processaram no cerne da
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família refletem alterações estruturais do retrocesso dos serviços públicos. O Estado trata
de minimizar ao máximo sua contribuição e clama
capitalismo, da reestruturação produtiva e da por mais ajuda da comunidade e da família para
reforma do Estado, posto que, presentes no com seus dependentes.
cotidiano familiar, interferem diretamente nas suas Segundo a autora supracitada, outro fator que
condições objetivas de sobrevivência e reprodução. contribui para o entendimento equivocado sobre a
Nesse sentido, compreende-se que as crise da família refere-se às mudanças
organizações familiares refletem também as demográficas e seus efeitos sobre a estrutura
motivações morais e financeiras dos indivíduos, que etária e a longevidade da população, as quais se
visam ao atendimento das demandas de cada relacionam com a queda das taxas de fecundidade
membro. Assim, a sobrevivência material do grupo e com o aumento generalizado da expectativa de
depende da manutenção de cada indivíduo, o que, vida. Tais argumentos, embora utilizados para
por sua vez, se dá prioritariamente pelo mercado de sinalizar uma crise da família, revelam,
trabalho, ficando sujeito às relações de trabalho, paradoxalmente, uma nova forma de organização
consumo e inserção social que permeiam a familiar e de relacionamento entre seus membros,
sociedade capitalista. Dessa forma, os movimentos o que lhes possibilita um maior convívio (dada a
de reestruturação do mundo do trabalho e a longevidade) e uma maior participação nos
diversificação interna que isso implica, sobretudo cuidados com o grupo familiar como unidade
com a introdução da automação e com a crescente doméstica (redefinição de papéis familiares).
participação da mulher no mercado, contribuem Além desses aspectos, Goldani (1993)
para a definição de novos estilos de vida e arranjos apresenta sumariamente três principais
familiares. argumentos dos defensores da ideia do declínio da
Na esteira desse entendimento, destaca-se a família, ao tempo em que os contrapõe. A autora
repercussão do papel do Estado nas organizações destaca, como primeiro argumento, o fato de que “a
familiares, posto que interfere nas relações que se família passa por uma desinstitucionalização
engendram no âmbito familiar, entre seus membros interna” (GOLDANI, 1993, p. 89). Como reflexo de
e entre estes e a sociedade, sobretudo através de uma maior autonomia e independência dos
leis, políticas e ações interventivas. Estas, indivíduos em face aos demais membros, os
principalmente sob o signo da proteção social, grupos familiares estão cada vez mais dispersos e
muitas vezes primam pelo excesso de pouco integrados.
responsabilização da instituição familiar nos Goldani (1993) reconhece que, na atualidade, as
cuidados com seus membros, o que incide famílias são levadas a criar estratégias de
diretamente nos papéis e arranjos familiares. enfrentamento das dificuldades econômicas e por
No lastro das considerações acerca das novas isso os seus membros se obrigam a se inserir no
configurações da família contemporânea, sublinha- mercado de trabalho (homens, mulheres, jovens e
se que a ruptura do modelo tradicional por novos até crianças) para contribuir com a manutenção do
arranjos tem levado alguns pesquisadores do tema grupo. Isso colabora com a ruptura do modelo
a um entendimento equivocado sobre a questão, tradicional e hierarquizado no qual à mulher
suscitando o discurso de crise da instituição caberiam as atividades domésticas e ao homem, o
familiar. Assim, o que alguns estudiosos definem provento familiar. Atualmente, a função de provedor
como crise da família, na verdade refere-se às é compartilhada com os demais membros do
mudanças ocorridas nos modos de vida, valores, e grupo. Situação que, segundo a autora, não denota
nas condições de reprodução da população uma falência da instituição familiar, mas remete a
(GOLDANI, 1993). Acerca disso, Goldani (1993, p. uma redefinição de papéis e posição familiar, assim
70-71) manifesta-se da seguinte forma: como a uma ressignificação da autoridade parental,
No contexto das crescentes dificuldades de democratizando o modelo de família.
reprodução geral da sociedade brasileira, as
especulações sobre a precariedade e O segundo argumento utilizado para sustentar a
instabilidade da instituição familiar ganham força crise da família defende que “o declínio do
e são reforçadas pela incapacidade do Estado em
prestar os serviços sociais básicos às famílias familismo como valor cultural é evidente e teria
carentes e seus dependentes. Legalmente, o como origem o crescente individualismo e
Estado brasileiro deve oferecer suporte aos
menores, aos idosos através de programas igualitarismo, características apontadas como
sociais, o que ajudaria a aliviar as pressões marcas dos processos de modernidade pelo qual
econômica e pessoal destas famílias. Entretanto,
o que se observa atualmente é um crescente [sic] atravessa o país” (GOLDANI, 1993, p. 90).
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Essa assertiva está relacionada à diminuição do tem passado por mudanças que correspondem às
tamanho das famílias (inexistência delas com três mudanças da sociedade.” Porém, para ele, tais
ou mais gerações) e a instabilidade das uniões que modificações não representam um enfraquecimento
fragmenta os laços de parentesco (redução de da instituição familiar, mas o surgimento de novos
parentes residindo com famílias conjugais). arranjos familiares. De acordo com Szymanski
Na contramão desse entendimento, Goldani (2002), apesar da existência de novos arranjos, a
(1993) sublinha que, em decorrência das estruturas família nuclear, como ainda é a mais idealizada
familiares estarem associadas aos diferentes socialmente, leva ao equívoco de que as famílias
estágios de vida dos indivíduos que as compõem, que se encontram longe ou fora desse padrão
não é possível fazer generalizações sobre os tipos tradicional devem ser consideradas como famílias
de famílias (nuclear, ampliada etc.). Para isso, desestruturadas,1 sendo atribuídas a elas
lança mão de informações de estudos históricos responsabilidades exclusivas por todos os
(SAMARA apud GOLDANI 1993) que apontam que, cuidados ofertados a seus componentes.
em diferentes momentos, houve, no Brasil, um Fracassando, é delas a culpa por problemas
predomínio da família conjugal ou nuclear, em diversos (emocionais, comportamentais, escolares,
detrimento de outros arranjos, demonstrando não de conduta legal) de seus membros.
ser possível a cristalização de qualquer modelo no
4 Conclusão
decurso do processo histórico. Isso revela o caráter
dinâmico e não excludente das diferentes Nos séculos XX e XXI, ocorreram inúmeras
configurações familiares numa dada sociedade e transformações, que produziram reflexos nas
em certo momento histórico. relações familiares e intensificaram novos e
O terceiro argumento de apoio à tese da variados arranjos, o que revela que a estrutura
falência da família refere-se a evidências de que a familiar não está isenta de influências econômicas,
“família está enfraquecida e debilitada para cumprir sociais, culturais e políticas que, de fato, interferem
com muitas de suas tradicionais funções sociais, na sua organização e funcionamento.
inclusive com a reprodução de seus membros e a Isso posto, infere-se não ser possível, na
sua própria como grupo.” (GOLDANI, 1993, p. 93). contemporaneidade, identificar um modelo ideal e
Segundo a autora, essa assertiva se sustenta no único de família a ser seguido - haja vista as
descenso das taxas de fecundidade, no surgimento diferentes formas que ela vem assumindo - nem
da gravidez sem casamento, na “produção estabelecer papéis a serem exercidos nas
independente”, dentre outros fatores atinentes à diferentes configurações familiares. Nesse sentido,
reprodução biológica da família. A despeito disso, os atuais arranjos familiares apontam novas
Goldani (1993) assinala que essa reprodução da responsabilidades para o indivíduo que compõe a
família não perpassa apenas a filiação (procriação), família, que será definida segundo as
mas também diz respeito à sobrevivência material especificidades de cada grupo familiar e não
dos membros e a novas formas de uniões entre os baseadas em papéis predeterminados ou práticas
sexos, o que envolve o aumento da expectativa de tradicionalmente delegadas, especialmente quanto
vida, a mudança dos papéis sexuais e familiares de à questão de gênero. Assim, os papéis se
homens e mulheres e outras uniões familiares modificarão com o tempo e se definirão dentro de
(homoafetivas, monoparentais etc.). um processo constante de transformações da
Goldani (1993, p. 100) assim sintetiza o seu sociedade.
posicionamento contrário à ideia de crise da As mudanças ocorridas na instituição familiar
instituição familiar: interditam a ideia de modelo único e sinalizam,
As indicações são de que não haveria como característica marcante da família, na
desagregação, nem tão pouco [sic] substituição
da família por outras instituições. Haveria, isto atualidade, a diversidade de suas organizações, as
sim, mudanças no sentido de um modelo mais quais refletem contingências sociais
informal ou mais democrático de relações nas
famílias, onde a interdependência das trajetórias contemporâneas caudatárias de fatores
individuais substitui o conceito de dependência e socioculturais, econômicos e políticos. Tal contexto
os arranjos domésticos familiares brasileiros
tomam novas formas, tamanhos e significados. tem ensejado que alguns autores defendam a tese
A par desse entendimento, Zamberlam (2001, p. de uma crise da instituição familiar; porém, o que
83) afirma que “a família, como forma de os se observa, na verdade, não é uma crise da
homens se organizarem para sua sobrevivência, instituição familiar, mas sim mudanças nos modos
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