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Universidade Federal de Santa Catarina

Centro Socioeconômico – CSE


Departamento de Economia e Relações Internacionais
Curso de Relações Internacionais
Disciplina de Teoria Política I

A concepção de família à luz conservadora e socialista: uma análise comparativa de


conceitos

1
Alynne Lopes Salgueiro (19103388)
2
Dr° Jean Gabriel Castro da Costa

É indiscutível que a família é parte constituinte da sociedade e um dos principais


pilares que conduz a humanidade. Para Aristóteles (1985), “o sistema educacional da cidade
começa muito antes do próprio nascimento de uma criança, e o fim desta educação é sempre a
busca da felicidade”. Dessa forma, transcendente a simples “rituais sociais”, o conceito de
família vai a encontro com o nascimento da cidade e se torna elo que garante a continuidade da
sociedade. Como primeira célula da cidade, os indícios mais desenvolvidos de uma concepção
familiar começaram com o surgimento dos clãs - grupos de pessoas unidas pela ancestralidade
em comum - e a partir daí esses grupos foram se unindo por meio do casamento, e sucedendo
em pequenos povoados, que juntos formaram as comunidades.
Assim, a sociedade se encaminha à maior complexidade ao passar dos séculos e os
laços sanguíneos ficam mais tênues também, mostrando como a família foi, e ainda é palco de
diferentes concepções ao longo do seu curso na história. Contudo, para o conceito difundido
hoje, foram necessários ultrapassar estágios comportamentais e ideológicos até o momento em
que um molde da relação familiar se “adequou” à caracterização de sociedade prevalecente nos
dias atuais. Ao considerar que a forma de pensar mudou conforme o desenvolvimento
internacional, é válido atribuir que a família também teve momentos em que serviu a propósitos
ideológicos diferentes, como foi o caso no entrave entre conservadores e socialistas.

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1
Discente da 3ª fase do curso Bacharelado em Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: lynnelopess@gmail.com
2
Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo - USP e docente da disciplina SPO 7004 – 03340
(20201) – Teoria Política I na Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: jeancastrocosta@gmail.com
À luz do conservadorismo, a família é um excelente modelo de representação da ordem
moral duradoura, o lócus da tradição. Para Edmund Burke (1982) o seio familiar oferece um
guia político muito melhor que projetos abstratos dos filósofos antigos, isso porque é por meio
da continuidade histórica da experiência do povo que se ganha sabedoria. Isso não diminui a
importância da mudança, mas é mister que ela seja gradual e saudável, algo que a família
consegue equilibrar bem com o repassar de tradições e costumes. Nesse viés, no ponto de vista
conservador, a família também é a concretização da continuidade, uma instituição moldada ao
longo do tempo, fruto do uso, costume e tradição e por isso deve ser preservada a todo custo.
Russel Kirk (2013) no seu livro publicado em 1993 “a política da prudência” elucida
dez princípios conservadores que embasam o pensamento e se fazem muito presente nas
relações familiares defendidas por eles. De acordo com o autor, a natureza humana é constante
e sendo assim, as verdades morais são permanentes, podendo observá-la nos laços familiares,
em que a tradição é passada de pai para filho. O costume mantém a ordem e ao chegar nesse
ápice, segundo os conservadores, se atingiu a harmonia. Assim, o objetivo da família é
promover a dita “harmonia”, garantir laços de solidariedade e, sobretudo, coagir os interesses
sociais divergentes, pois somente através da convenção é possível evitar disputas sobre os
direitos e deveres. Nesse ponto, a lei se torna um corpo de convenções garantidos pela união de
geração a geração.
Produções no mundo cinematográfico ilustram com precisão essas práticas do período
conservador, como é o caso do filme Sociedade dos Poetas Mortos, lançado em 1990 e dirigido
por Peter Weir, que mostra a tradição como orientação para as famílias e seus descendentes. A
escola pode ser comparada com o ambiente ideal de ensino da moral e prudência, ao equilibrar
as paixões juvenis e indicar o costume como mantenedor do equilíbrio. O professor é o paralelo
à mudança defendida por Burke, traz uma liberdade mais liberal que ainda sim é moderada
pelas convenções vistas na sociedade. Por último e mais importante, a família é alocada
consciente de seu papel econômico e peso, através da herança.
No panorama geral, os conservadores atribuem à família o modelo moral e cultural
que transpassa o imaginário social, sendo ela capaz de reproduzir o sistema de classes
dominante e sustentar as bases do capitalismo (BORGES et al, 2018 apud FERNANDES,
1981). Na percepção conservadora a família é a responsável pela perpetuação da propriedade
privada, elemento de grande valia no capitalismo e sinônimo de liberdade, além de representar
também os anseios do modelo capitalista. O molde familiar burguês se baseia no capital e em
laços mercantis, destacando a conveniência, comércio e instrumentos de trabalho.
Entretanto, na visão socialista é no meio familiar que reside a divisão do trabalho e,
por consequência, a continuidade da forma capitalista de produzir. Segundo Engels (1884), o
sistema produtivo cria o modelo nuclear de família, o que para ele não existe. De acordo com
o autor, a família é resultado de uma construção e reconstrução histórica que foi modelada
durante três estágios: selvagem, barbárie e civilização. Dentre essas fases, configurações
distintas de família surgiram, a primeira foi a consanguínea, tendo como principal característica
a poligamia. Em seguida, presente na barbárie, veio a sindiásmica em que a infidelidade era
tida como direito para os homens, mas é nessa etapa que elementos como a força produtiva e o
acumulo de riqueza trazem à tona um novo formato de família que perdura até os dias de hoje,
a monogamia.
A família monogâmica conforme aponta Engels (1884) é caracterizada pelo
patriarcalismo, solidamente baseada na supremacia do homem e subordinação da conjugue e
filhos - o homem se ocupa de manter a casa e a mulher fica reduzida a condição de procriação.
Nesse formato, os socialistas acreditam que a primeira divisão de trabalho é a feita entre o
homem e a mulher para geração de filhos. O escritor presume que as relações familiares apenas
terão “liberdade” quando forem suprimidas a produção capitalista e as condições de propriedade
elaborada por elas. Porém, a fim de estabelecer um modo de igualdade social entre gêneros e
uma nova linha de pensamento sobre a função da família na sociedade, Marx e Engels acordam
à necessidade de suprimir a família individual enquanto unidade econômica.
Ao abolir a propriedade privada, facilmente a família burguesa seria dissolvida, já que
ambos são compostos pelas particularidades do capital, como apontou Marx (2005) em “O
manifesto comunista”. Ademais, ele ainda revela que em sua forma “completamente
desenvolvida”, a família tradicional é uma instituição burguesa e existe somente nesse
ambiente, o que facilita a sua fragilidade ao se deparar com o estágio final do socialismo, o
comunismo. Nesse panorama, é perceptível que a concepção de família no viés socialista é
direcionada a relações parentais, ligações sanguíneas, sem uma missão mais específica dentro
do sistema de governo. Seu maior papel na sociedade idealizada por eles está na garantia de
aspectos culturais do homem, seja língua, tradição, entre outros.
Logo, é certo observar que por trás de características culturais estruturais da família,
existe uma série de determinações distintas que trazem individualidades aos núcleos familiares,
como os campos sociais, políticos e, principalmente econômico. Nesse ponto, Marx afirmava
que se a individualidade ainda orientasse as estruturas familiares, o igualitarismo continuaria a
ter uma força de resistência.
À vista das concepções apresentadas em relação ao conceito e função da família, é
nítido o propósito dessa instituição quando delimitada a um pensamento, seja ele conservador
ou socialista. A facilidade de adaptação do conceito se dá porque a família possui uma
contribuição única à humanidade, desde a sua gênese e por isso, se ajusta conforme a
necessidade histórica corrente.
Sob perspectiva conservadora, a família tem um núcleo enraizado nas tradições e
moral permanente, o que a torna o modelo perfeito do patriarcalismo e instrumento eficaz para
garantia do capitalismo, visto que ela detém o controle da propriedade privada, e por
consequência a liberdade. Os laços nesse meio são fundamentais para a continuidade e
harmonia, resultando em ordem (equilíbrio) na sociedade, assim o repasse entre gerações é
bastante valorizado, já que se trata de uma maneira de perpetuar a “ordem moral duradoura”.
Porém, os socialistas são favoráveis à abolição do modelo familiar burguês criado,
porque essa forma concebe a divisão de trabalho e, por conseguinte, a desigualdade de classes.
A família não deve ter um modelo nuclear criado, mas desenvolvido historicamente, como
defende Engels (1884). Isso porque, a maior contribuição dos laços familiares deve ser no
repasse cultural social, e não em atribuir um propósito em sistemas de governança. Sendo assim,
os laços familiares no socialismo ficam em segundo plano, com sua base voltada para o âmbito
social e cultural inerente a cada comunidade.
Fica claro, portanto, que as concepções que ressaltam sobre o conceito de família
perpassam momentos históricos ao longo do desenvolvimento humano, e conforme a finalidade
das opiniões, ideologias e pensamentos envoltos em certos períodos, as relações familiares
podem ser usadas para fins relacionados a essas vertentes, como visto distintamente a visão de
família na prerrogativa conservadora e socialista. Apesar de que, no hodierno, o conceito de
família esteja mais diluído devido a ascensão de outros elementos, que influenciam diretamente
em percepções sociais, econômicas e políticas.
Referências Bibliográficas

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Mario da Gama Cury.

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