Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA IV
Desta maneira, a autora inicia o capítulo constatando o desafio que etnólogos tendem
a enfrentar quando os estudos são voltados a formas familiares que se diferenciam da forma
dominante, logo, essas diferenciações serão presenciadas em seu trabalho de campo,
localizado na Vila do Cachorro Sentado. De súbito, nos deparamos com dados expostos por
ela quanto ao modelo familiar, segundo Fonseca, 90% dos casais viviam em uniões
consensuais1, além de que há uma frequência de 25% das famílias que são compostas por
1
Segundo o especialista em direito familiar Josino Ribeiro Neto: “Essas uniões são aquelas em que a
pessoa vive em companhia de cônjuge sem ter casado no civil ou no religioso. A união estável com
contrato registrado em cartório também é considerada consensual”
mães sozinhas com filhos, fora isso, Fonseca aponta a alta taxa de circulação de crianças,
metade das mães com mais de 20 anos tinham ao menos um filho em lar substituto e por fim
durante os dois anos de pesquisa 20% das mulheres se separaram (p.53). A antropóloga não
mede esforços para ilustrar alguns dados empíricos coletados, principalmente porque seu
objetivo ao decorrer do livro é a compreensão dessas configurações familiares, com isso, vai
atrás inclusive de alguns principais conceitos relacionados ao estudo de famílias populares ou
de baixa renda, porém, ela não só expõe conceitos e os utiliza como formas que explicam
perfeitamente a realidade social, a autora pretende acima de tudo, problematizar conceitos
como estratégia de sobrevivência, mulher chefe de família e família matrifocal, expressando
dessa forma, como essa pesquisa de campo ilustrou uma realidade que fintava a capacidade
esclarecedora desses conceitos.
Por conseguinte, no que se refere aos conceitos ligados a análise de famílias de baixa
renda, encontra-se a estratégia de sobrevivência, cabe a esse conceito explicar que práticas
particulares de segmentos populares são apenas adaptações às condições de extrema pobreza,
no entanto, Fonseca irá apontar as consequências de um possível determinismo e
reducionismo econômico, dando uma perspectiva extremamente utilitarista ao
comportamento das pessoas, sendo assim, um funcionalismo simplista
Por outro lado, é destacado a coalizão mãe/filhos, na Vila foram constatados alguns
casos, desde mulheres assalariadas que viviam sem marido e com filhos adolescentes a
situações onde a mulher era de idade e seu filho adulto, situações como essa última inclusive,
não poderiam ser identificados como um caso de mulher chefe, já que o integrante mais novo
servia de contrapeso através de algumas responsabilidades, então, algumas divergências
relacionadas a matrifocalidade vão se mostrando mais presentes, sem esquecer das mães que
não viviam com seus filhos adolescentes. Fonseca constata que a vida reprodutiva das
mulheres começam dos 15 e seguem até 45 anos, e graças a instabilidade conjugal, ambos
servem como fatores e circunstâncias em que a mulher passa a depender durante parte da
vida, de um homem, geralmente pai dos filhos mais novos e que não são parentes dos mais
velhos. Esse fenômeno é importante na pesquisa, pois segundo Fonseca, o destino e a
subsistência da unidade doméstica irá depender do marido/pai, desse modo, o recasamento
aparece como uma ruptura maior que a separação, pois não só ocorre uma mudança de casa,
mas muitas vezes a mulher é obrigada a se desprender de seus filhos anteriores, como se o
que vai ocorrer em seguida, fosse a constituição de uma nova família. Desse jeito, Fonseca
ilustra alguns dados, por exemplo:
A metade das mulheres com mais de 20 anos já entregou pelo menos uma
criança aos cuidados de outrem: consangüíneos (23%), parentes afins (12%),
estranhos (22%) ou à Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor - FEBEM
(32%). (Não soubemos o destino de 11% das crianças “em circulação”).
(FONSECA, 2004, p.69)
Além do mais, a autora afirma que só havia dois ou três homens que sustentavam um
filhastro, mesmo assim, há um relato de que esse possível afeto entre as crianças da namorada
é só no começo, após um tempo, a mulher se vê em uma situação conflitante, visto isso, é
explícito no senso comum do bairro o seguinte, que “homem não é trouxa” por isso, não cria
filhos dos outros (p.69), porém, essa dispersão não é determinante em relação ao
enfraquecimento dos laços afetivos entre mãe e filhos, mas são de grande impacto quanto a
influência dessas crianças nas decisões domésticas, fazendo com que o poder da mulher em
relação ao companheiro seja limitado, mais tarde ela dá exemplos do peso masculino e de que
um filho pode influenciar nas relações de sua mãe e o marido, principalmente no que se trata
em defendê-la.
Por outro lado, existe a contribuição da mulher na rede de parentesco, essas podem
compensar a ausência de uma cônjuge, fornecendo favores domésticos, porém, acima de
tudo, o apoio moral é presente em uma enorme escala. Fonseca cita o exemplo de um jovem
morto em uma briga local, e o papel das mães de ambos os envolvidos:
Sendo assim, é possível ver a defesa da honra masculina através das mulheres, além
disso,vemos o caráter útil da mulher em relação a processos burocráticos que os homens
se mostram inoperantes para esses, e também quando, um homem passa por separação
conjugal e o homem precisa manter suas influências sobre esses, os confia a uma parente,
além do que, mesmo quando está com a mãe, o contato é estabelecido através das avós e
tias paternas.
Por fim, Fonseca traz sutilezas sobre a presença masculina mesmo nas unidades
mães-filhos, apesar da sua taxa de 25%, os números podem enganar, é necessário um
olhar mais profundo, com a finalidade de encontrar especificidades em variáveis arranjos
domésticos, a presença masculina pode aparecer de formas diferentes, principalmente de
acordo com a idade da mulher, pois, mesmo em casos de mulheres “sozinhas” e com
menos de 45 anos, existia um homem assumindo o papel de defensor do lar, sejam
irmãos, ex-maridos ou até amantes. Existe um modelo, em que as mulheres adentram no
“mercado matrimonial” (p.84), por outra perspectiva, mulheres acima dos 45 anos, onde
algumas escolhem não obter marido, outras, com influência da alta taxa de mortalidade e
migração, carecem de homens dessa idade, desse modo, essas procuram morar perto de
seu filho adulto, contudo, boa parte das mulheres que viviam sozinhas, confirmaram estar
nessas condições por escolhas próprias. Logo, o estado conjugal não é em sua totalidade
visto como o único aceitável para uma jovem, por mais que a norma se imponha de forma
coercitiva (p.86), contudo, em idades avançadas a mulher pode exercer sua liberdade de
escolha.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
¹ Uniões consensuais superam o casamento civil e religioso. São Paulo: JusBrasil, 2014.
Disponível
em:https://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/127239479/unioes-consensuais-superam-casame
nto-civil-e-religioso. Acesso em: 23 maio 2022.