Resenha crítica desenvolvida para a disciplina de Trabalho Social com Famílias no curso de Serviço Social
Título original
“Família, Emoção e Ideologia'', publicado no livro “Psicologia Social - O Homem em Movimento” - resenha crítica por Roberta Maria Silveira Nassar
No texto “Família, Emoção e Ideologia'', publicado no livro “Psicologia Social -
O Homem em Movimento”, de 1989, organizado por Silvia T. M. Lane e Wanderley
Codo, o autor José Roberto Tozoni-Reis trata de informar o leitor sobre as transformações da concepção familiar no decorrer do processo histórico e seu papel chave na produção e reprodução do modo de vida de cada sociedade. José possui graduação em Formação de Psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1972), especialização em Psicodrama Terapêutico pela Sociedade de Psicodrama de São Paulo (1977) e mestrado em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1982). Atualmente é Professor Assistente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Sua formação permite com que Tozoni-Reis faça um apanhado sobre o tema no que tange desde a sociologia até a psicologia por trás da formação da família burguesa e sua atribuição ideológica. A família garante a reprodução da ideologia dominante. O autor vem firmar que, apesar de atualmente o modo de produção econômico que reflete os interesses da burguesia estar, aparentemente, enfrentando obstáculos cada vez maiores para sua manuteção - a democratização da cultura e os movimentos feministas, por exemplo - mantêm-se ainda rígida a hierarquia baseada no sexo e idade e a dinâmica amor/autoridade, causando sofrimento e angústia contingentes da conformidade ideológica. Para entendimento de tais conceitos, Tozoni-Reis traça um caminho de problematizações históricas. A presente resenha toma por início que a família é a primeira instituição social de pertencimento, mediação entre indivíduo e sociedade, a formadora do cidadão. E todas essas abstrações diferem e submetem-se a um determinado momento histórico. Para tal entendimento, Tozoni-Reis traz as interpretações de Poster (1979). Iniciamos a presente resenha com o balanço da família aristocrata. Tal configuração era determinada pela importância da linhagem e não pelo apelo afetivo emocional da relação entre pais e filhos que permeia a família burguesa. Diferentemente da família do século XX em diante, o sexo não era problematizado de forma negativa, mas incentivado tanto para crianças quanto para adultos. A moral era muito diferente da aplicada pela família burguesa, pois ela advinha de normas externas, não nascia do cerne de uma família atomizada. Da mesma forma, a família camponesa era concebida e regida por fatores externos, ao passo que toda a aldeia era responsável pela co-criação do sistema familiar, sendo as crianças conduzidas por relações comunitárias. A identificação dos sujeitos em ambas famílias supracitadas não nascia das relações parentais, mas pelas relações entre todos aqueles pertencentes à mesma camada social. À partir do início do século XIX, com a transformação da sociedade dada pela revolução industrial na segunda metade do século XVIII, surgiu uma nova configuração familiar, a chamada família proletária. Nessa, muito da responsabilidade comunitária e inexistência da repressão sexual e do conceito de infância foram mantidos de configurações familiares antecessoras - por volta dos 10 anos de idade, as crianças já iam para as fábricas trabalhar. Na segunda metade do século XIX, a família proletária sofreu alterações. Com a melhoria nas condições de vida e a especialização da força de trabalho, teve início a aproximação dos padrões burgueses atuais com a diferenciação dos papéis sexuais. Já começaram a ser delineados os papéis da mulher do lar e do homem provedor. E no terceiro estágio da família proletária, no século XX, já estava instituída a total conformidade aos já existentes papéis sociais no novo conceito de atomização familiar: privacidade, domesticidade, obrigação feminina de dedicação exclusiva à família etc. Encontrava-se instaurada, através dos novos padrões emocionais já estabelecidos pela burguesia no início do século XIX, a reprodução da ideologia burguesa dentro da família proletária. A família burguesa, por sua vez, moldou a vida social de forma a dividi-la claramente entre privada e pública. Como trouxe Engels (1964), a propriedade privada foi o que deu origem à família monogâmica, a qual representa a gênese da divisão social do trabalho entre aquele que possui os meios de reprodução do trabalho e aquele que apenas possui a força de trabalho, revelando assim, a função econômica da família. O trabalho sexual é o precursor dessa divisão, sendo então estabelecida a função do homem e da mulher dentro da família e na reprodução social. Sob a nova lógica de competitividade, a família se tornava uma unidade fechada de caráter estritamente emocional e o trabalho, o campo da racionalidade, a fonte do sucesso profissional masculino e o sustento da casa. Ao passo que, assim, à mulher, agora isolada e sem a rede de apoio comunitária de outrora, foi relegada a responsabilidade de capacitar os filhos para a reprodução desta dinâmica, sendo uma “mãe perfeita”, mas intelectualmente inferior ao marido e que dependia, ao mesmo tempo, material e emocionalmente dele. Se a propriedade era, então, herdada pelos filhos legítimos do patriarca, a esposa deveria reproduzir sua sexualidade exclusivamente dentro do casamento. O prazer sexual passou a ser exclusividade dos homens e se dava fora do lar, local esse exclusivamente afetivo. Os filhos, cerceados sob a total dependência dos pais, tinham neles suas únicas referências para a construção psíquica, e deveriam tornar-se autônomos, capazes de, individualmente, no futuro, trabalharem em função do capital. Para tal conquista, era exigida dos filhos a submissão às normas ditadas pelos pais em troca do recebimento de afeto. Nascia, assim, o controle parental mistificado como amor, o qual exigia total controle sobre o corpo, ao exemplo do domínio dos esfíncteres (repulsa a excreções humanas), dos impulsos sexuais, sendo estes submetidos a grandes esforços para sua protelação. Para tais alegações, o autor Roberto Tozoni-Reis, sob égide da sua formação no campo da Psicologia, faz uso da teoria freudiana ao revelar o caráter dominador e repressivo da família nuclear burguesa. Família, por um lado, proporciona a fruição do afeto e desenvolvimento emocional, por outro, um ambiente de opressão, gerador de traumas, subjugador de mulheres e crianças. A grande questão apontada a respeito do fundador da psicanálise é que, ao revelar o teor nocivo da família burguesa, o faz naturalizando e universalizando tal configuração e suas contingências negativas. A família nuclear burguesa como definição total de família, estrutura a ser logicamente tida a única opção. As exigências, principalmente as voltadas à repressão sexual tornaram-se fonte de ódio àqueles a quem, também, se direcionava o amor, fazendo com que ambos sentimentos se auto sustentassem, criando o superego, descrito por Freud. O sentimento de culpa agora estava instaurado como consequência da inabilidade de se adequar aos controles corporais exigidos pelos pais - e assim se tem o primeiro papel social absorvido pelo indivíduo, o de filho. Isso posto, é possível identificar a concepção da família através de padrões emocionais fundados no binômio amor/autoridade, que determina a estrutura psíquica alinhada à reprodução da lógica burguesa e, assim, as determinações de hierarquia na sociedade baseadas na idade e no sexo (Poster, 1979). A função ideológica se localiza precisamente na falácia de que esse papel de obediência e conformidade, que refletirá na subordinação aos futuros papéis sociais dentro da divisão social do trabalho, travestida como conduta familiar, é natural e independe das relações sociais de classe, como trazido por Reis, ao citar Alfredo Naffah Neto (1979, p. 193): “os papéis sociais, na sua estrutura e dinâmicas próprias nada mais fazem do que repetir e concretizar, num âmbito microssociológico, a estrutura de contradição e oposição básica que se realiza num âmbito maior entre papéis históricos, constituída pela relação dominador-dominado”. Apesar de tudo, as famílias se estruturam sob algumas variações condicionadas pela classe social e posicionamento político, podendo ser mais liberais ou conservadoras, o que também influencia o posicionamento sobre a sexualidade. A instituição familiar está sempre submetida ao contexto histórico e é socialmente construída, não é natural ou biológica. Apesar do papel repressivo da família ter sido descentralizado no processo histórico, a origem da conformidade às normas sociais ainda depende da sua condição de local em que se apreende a submissão a outras formas de autoridade. A presente análise entende que se apresenta ao leitor a ideia de que a família tradicional burguesa sofre, sim, algumas turbulências na sociedade contemporânea, mas, também esclarece que, mesmo com algumas adaptações na dinâmica familiar, a classe média é a maior reprodutora da família burguesa. A ideologia está tão inculcada na sociedade que mesmo as influências externas, potencialmente ameaçadoras, não são capazes de mudar os conceitos basilares da ordem capitalista traduzida na dinâmica familiar: a mulher, ainda sob o papel social de mãe e esposa perfeita, precisa também cumprir uma segunda jornada de trabalho fora de casa; os canais midiáticos promovem e democratizam os ideais da família burguesa, da exploração do trabalho, da submissão da mulher, agora, maquiada de liberdade sexual, servindo ainda exclusivamente ao homem, detentor legítimo do acesso à sexualidade. Quando incentivada à vida acadêmica, antes exclusividade masculina, é apenas sob o intuito de atribuir status ao pai ou marido. Os homens ainda podem escolher seus próprios caminhos rumo ao ponto comum que é o sucesso profissional, e às mulheres ainda é fortemente imposta a vida em função das necessidades dos seus parceiros, pais, irmãos. Ainda que haja tentativas de reconhecimento de outras dinâmicas familiares, a família burguesa ainda é o ideal difundido e assimilado. O que impera, ainda, é a busca pela distinção social, a atribuição de inferioridade mental às mulheres, a exigência de obediência à autoridade, enfim, nesses papéis sociais fortemente estabelecidos, o capitalismo encontra maneiras de se reinventar para que sua lógica de exploração prevaleça. Finalmente, chega-se à conclusão de que uma estrutura familiar saudável e funcional, promotora da felicidade e crescimento pessoal genuínos só existirá, realmente, quando findada a oposição entre vida pública e privada, juntamente à inversão do ideal de competitividade e à substituição da existência individualista pela aquela pautada na vida em comunidade.
Referências
LANE, Silva T. M.; CODO, Wanderley (org). Psicologia Social, O Homem em
Movimento. São Paulo: Brasiliense, 1989.
ENGELS, F . A origem da família, da propriedade privada e do estado. Rio de
Janeiro, Vitória, 1964.
POSTER, M., Teoria crítica da família, trad. Alvaro Cabral, Rio de Janeiro, Zahar, 1979.
A Família é Um Grupo Social Que Se Trata de Seres Que Descendem Um Do Outro Biologicamente, De Algum Outro Sujeito Que Os Mesmos Tenham Em Comum, Ou Refere-se de Pessoas Que Tenham Laços Sentimentais e Assim Se Consideram Parte Desse Gr