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A família fe chizada na ideologia educacional da sociedade capitalista em crise

Uma questão para a psicologia educacional

Sonia Mari Shima Barroco

Psicóloga, mestre em educação e doutoranda em educação escolar

Ao não dar conta das crescentes contradições que se apresentam nas escolas como a não
aprendizagem, a indisciplina, a violência, o uso de drogas ilícitas e a falta de mo vação para os
estudos, se coloca como necessário ao psicólogo educacional superar o fe chismo e
compreender a essência do fenômeno. Tendo em vista essas contradições, é esperado do
profissional que chame a família para cooperar com a educação, já que ela não estaria
cumprindo com o seu papel. A autora entende que o psicólogo educacional pode contribuir de
outras formas se conseguir sair do reino das aparências.

Cabe ao psicólogo, segundo a regulamentação da psicologia, o estudo e análise dos processos


intrapessoais e das relações interpessoais, entendendo o comportamento humano individual e
de grupo, iden ficando e intervindo nos fatores determinantes das ações e dos sujeitos em sua
história pessoal, familiar e social, vinculando as com as condições polí cas, históricas e
culturais, entendo o processo em sua totalidade. Cabe também ao profissional a produção do
conhecimento cien fico da psicologia através da observação, descrição e análise dos processos
de desenvolvimento, inteligência, aprendizagem e personalidade, entendendo as
determinações hereditárias, ambientais e psicossociais sobre os sujeitos e nas suas relações
sociais, para então orientar-se no psicodiagnós co.

As prá cas escolares mostram certa incapacidade na realização dessas funções, porque não
conseguem mudar somente pelas ações toda as determinações circunscritas nos indivíduos. O
aumento dos problemas, como aqueles já citados, não pode ter sua causa explicada nas
relações interpessoais, é necessário, pois, recorrer a história para as compreender.

Michel de Montaigne escrevia no século XVI, inicio do capitalismo, que os moldes modernos
para a sociedade seria educar as crianças, par ndo de pais que amem seus filhos e orientados
para uma nova vida, com base em conhecimentos reais e disciplina menos rigorosa. Ele
entendia, num contexto de decadência da grande família feudal, a necessidade histórica de
uma família pautada prioritariamente na afeição e não pelo sangue. Atualmente cresce as
denúncias da perda de afeição nas relações familiares, e que no caso da escola, justamente por
ficar no reino das aparências, é tomada como algo par cular e que resulta na não educação.

A prá ca escolar alienada diz respeito a formação fragmentada dos profissionais que
trabalham na educação, já que disciplinas que permi riam dar base para uma análise mais
profunda da sociedade e do homem são re radas ou tem sua carga horaria diminuída. Mesmo
quando ainda estão presentes no currículo, tais disciplinas aparecem com teorias que
dicotomizam o homem e a sociedade, desenvolvimento humano e condições materiais de
existência, explicando a realidade social pelo mundo das ideias e a entendendo a par r de
ações individuais. A reflexão passa a ser da distante da prá ca e dispensável, e quando se
aceita fica no campo empírico, negando as metanarra vas. Essa formação desemboca em
diagnós cos equivocados.
Isso pode ser explicado pelo o que Lukács chamou de irracionalismo, que se caracteriza como
um fenômeno internacional do capitalismo, cons tuindo se como traço fundamental presente
no psiquismo do homem contemporâneo. O irracionalismo é uma das tendencias da filosofia
burguesa reacionária. As caracterís cas do irracionalismo são a depreciação do entendimento
e da razão, a glorificação clara da intuição, a teoria aristocrá ca do conhecimento e a repulsa
do progresso social. Por isso, a psicologia educacional deve não somente se ater as ações
individuais isoladas como objeto de inves gação e de intervenção, mas entender como os
homens se apresentam e se conformam nas e pelas relações sociais, a par r da compreensão
de como e por que determinadas formas de existência humana surgem e se mantem em dado
período histórico.

Considerações de um modo de trabalho

A atuação dos estagiários da disciplina de psicologia escolar é orientada para lidar com os
sujeitos apenas dando um enfoque na realidade empírica imediata, tendo dificuldades em
entender que a a vidade do ensino deva impulsionar uma abordagem não co diana dos
eventos ou fatos, que a a vidade de transmi r perpasse por todo o dia a dia na escola. A
organização da a vidade educa va e os seus obje vos estão apoiados no saber sistema zado
comtemplado na ciência, na filosofia e na arte. Por isso que os estagiários necessitam de um
método de análise que lhe permita estabelecer relações, abstrações e generalizações,
apreendendo a totalidade que movimenta a cons tuição do psiquismo humano, que se revela
par cular nos diferentes períodos históricos. As abordagens psicológicas e sociológicas
burguesas reacionárias não concebem o processo histórico da evolução do indivíduo, o
surgimento de tarefas históricas de classes determinadas e a evolução dos indivíduos nessas
tarefas historicamente estabelecidas.

O psicólogo só consegue ter uma ação educacional quando explicita aos sujeitos como eles se
cons tuem e como perpetuam uma dada forma de existência. A autora também entende que
os produtores manifestam-se por meio das suas produções, que lhes retornam provocando
transformações; a formação do indivíduo se dá em um duplo processo de relacionamento com
o gênero humano, de um lado pela apropriação de caracterís cas humanas obje vadas ao
longo da história social e por outro lado a apropriação também é a forma pelo qual se reproduz
alienação decorrente das relações sociais de dominação; o movimento histórico é educa vo já
que dada uma certa direção histórica, leva os indivíduos a abandonar formas habituais de
comportamento e assumir novas. Por isso é necessária uma metodologia que não leva
somente a descrição dos comportamentos individuais. Isso se torna mais di cil no momento
histórico em que vivemos já que os an gos parâmetros para os homens se pensarem vão
perdendo a sua eficácia e ficando cada vez fe chizados, os protagonistas históricos desse
momento de transformações profundas temam a pensarem na possibilidade de viverem
diferentes do que são.

Retratando a família
Haim Grunspun tentou oferecer aos pais um manual acerca da educação de filhos nos moldes
da década de 1980. Ele trabalha com aspectos de autoridade, educação e liberdade. A
educação dos filhos nha como obje vo o alcance de boa saúde sica, desenvolvimento
intelectual, uma infância feliz para a ngir uma maturidade normal e preparo para serem
adultos produ vos. A autora faz uma relação entre essas finalidades e aquelas que eram
necessárias durante o processo de transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista.

Nathan W. Ackerman dizia que as relações familiares podem ser tão conflituosas que produzem
doentes mentais, apontando que indivíduos perturbados são oriundos de familias perturbadas.
Ele coloca a culpa pela quebra de padrões entre indivíduos, família e sociedade, já que os
humanos e as suas relações foram lançados em um estado de turbulência e a máquina cresce
muito à frente da sabedoria do homem sobre si próprio. Ele percebe a crise e entende que a
ins tuição família deve ser assegurada, apesar de entender que a organização da família não é
está ca e que os vínculos familiares são compostos por fatores biológicos, psicológicos, sociais
e econômicos. Ele escreveu que cada homem tem diversas familias: da infância, do casamento,
da paternidade e a família poente - família com os netos. As familias paralelas colocaria em
xeque até mesmo a monogamia. Cada período da família o indivíduo vai ter papeis adequados.

A crí ca que a autora apresenta a ele é entender a família a par r da família


pequeno-burguesa idealizada, e a história prova que esse po de família nunca exis u, já que
advento da existência humana a par r da relação de troca, onde há homem há conflito, seja
com estranhos ou com familiares. Ackerman entendia também que outro papel da família
deveria ser a educação dirigida à integração nos papeis sociais e à aceitação de
responsabilidade social. Ele trata isso de forma natural, fe chizado, não compreende a inserção
da família na sociedade capitalista. Ackerman não consegue explicar a família fora do seu
contexto burguês reacionário.

A família nuclear burguesa bem estruturada existe apenas naquilo que há de mais alienante,
no modelo universal a ser buscado. Ela é uma construção ideológica da burguesia da sua época
reacionária. Com a industrialização no século XIX os laços familiares estavam amarrados pela
necessidade da sobrevivência sica e biológica.

Com os escritos de Engels a autora aponta que Ackerman e outros teóricos tratam sobre a
família fe chizada. Engels entendia que a cons tuição da família se dá a par r das próprias
condições de organização para a sobrevivência. Ele mostra que a organização da família
durante as gens era muito diferentes, mas congruentes com as condições que precisavam
enfrentar. Com as transformações no modo de produção, mudou-se também as relações que
os indivíduos estabeleciam entre si. Com o início da produção de excedente e as trocas,
ocorreu uma revolução na família, onde agora o homem era o possuidor dos meios de
produção e a mulher deixava de par cipar da propriedade. As relações dentro da família
con nuavam a mesma, mas agora de cabeça para baixo, já que o papel do homem dentro de
casa nha sido privilegiado, porque a divisão do trabalho fora da família nha se tornado outra.
Com a abordagem de Engels ela tenta constar a transitoriedade da família na nossa sociedade
e as suas transformações. Com o aumento da produ vidade e as transformações que ocorrem
nela, a família individual passa a ser a unidade econômica da sociedade.

Retomando autores de outras épocas


Autores que pensaram sobre o período de transição de uma outra sociedade para esta. Ela
busca nos clássicos a possibilidade de abordar a temá ca da família de forma fecunda.

Tasse em O pai da família aborda a questão da educação e da família durante o feudalismo,


dizendo que os papeis sociais de cada membro estava de consonância com a estrutura social
vigente.

Adam Smith pensa de forma não naturalizada as ins tuições, ao colocar que a organização
social se faz de forma histórica, mostrando os processos de destruição do feudalismo com o
senhor feudal causando seu próprio empobrecimento que possibilitaram o surgimento do
capitalismo e que no processo de destruição da propriedade feudal, foi dissolvida também a
grande família. Nele também é possível iden ficar que as ins tuições sociais se fazem, que as
relações interpessoais são relações sociais e possuem caráter histórico.

Alexis de Tocqueville leva a pensar o homem burguês e a sua educação na transformação


ocorrida da grande família feudal à família nuclear burguesa. Mostra que na segunda metade
do século XIX as contradições resultantes do capitalismo em sua fase industrial se acirravam e
que com isso a realização dos ideais da revolução francesa se tornava distantes pra grande
maior parte da população.

Honoré de Balzac e Tomasi di Lampedusa explicitam as contradições entre a nobreza decadente


e a burguesia ascendente e mostram os resquícios da velha sociedade na nova, mesmo quando
as condições materiais que lhe deram existência já desapareceram.

Subsídio à psicologia educacional

Os pressupostos apresentados pela autora são que: as contradições se cons tuem em parte do
movimento da história; há períodos em que elas se acirram e provocam o esgotamento de uma
forma de vida ao mesmo tempo em que outra vai sendo gestada; as relações sociais não se dão
de forma descolada de como a sociedade garante sua sobrevivência; e pôr fim a importância
da história para compreender a formação da família e a sua cristalização no modelo de família
nuclear burguesa.

A escola, apesar de estar inserida numa sociedade capitalista, deve garan r a função de
ensinar e a psicologia educacional deve explicitar aos indivíduos os caminhos percorridos para
se humanizarem. É necessário, segundo a autora, historicizar e desnaturalizar a família, para
permi r-lhes compreender por que são e o que são.

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