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Não se trata do contraste antigo, de há muito conhecido. Por duas razões dá-
se uma dimensão de efetiva novidade: em primeiro lugar porque a crise, na
abissalidade do concreto, nunca foi antes tão visceral quanto abrangente, pois é
gerada não apenas pelos traços mais débeis e problemáticos do capital mas, ao
contrário, pelas suas qualidades mais positivas; em segundo lugar, porque a
“eternidade do capital”, até há poucas décadas, nunca deixou de ser percebida
como auto-ilusão ou wishful thinking, um faz-de-conta de proprietários,
apologetas ou pobres de espírito de toda ordem, ao inverso do que agora se
passa, quando muitos passaram a acreditar e proclamar ou, no mínimo, se
conformar, até mesmo contra seus hábitos mentais mais caros, com essa
metafísica de quinta classe.
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escondida. Mas, como é apenas a outra face, ela faz conhecer o rosto inteiro do
deus oculto.
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Em outro lugar — Da Razão do Mundo ao Mundo Sem Razão (in Marx Hoje,
Volume Um) — tratei de entender o drama da experiência soviética e seus
correlatos de outros quadrantes geográficos, para além da insustentabilidade dos
diagnósticos que se movem pelos registros do capitalismo de estado, da
revolução degenerada ou, o pior de todos, do totalitarismo burocrático. O
entendimento recaiu na determinação de um quadro regido pelo capital, mas
cuja forma de sociabilidade descartara o capitalismo.
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Não importa que o excedente não seja apropriado de forma privada pelas
vias do mercado, mas que seja trabalho morto que escapa por inteiro ao controle
do trabalho vivo, e que funciona em relação a este com a força e a lógica do
capital. Precisamente porque há uma pletora de apropriações privadas, o
dispositivo apropriador-gestionário, formado pelos segmentos superiores e
privilegiados do partido, do planejamento central e da administração, numa
palavra simplificadora — o estado, cresce, se agiganta e complexifica em suas
crescentes inter-relações. É, pois, a apropriação do trabalho morto, nas
condições descritas, que gera o monstro; não o inverso — uma “burocracia
totalitária”, de gênese e reprodução meramente “política”, o que é uma vazia
indeterminação, que oprimiria, à custa de seu estatismo instrumental, e por
pouco mais do que um prato de lentilhas, visto que a nomemklatura não se
apodera individualmente de bens de produção, não tem acesso a eles na forma
de propriedade privada, nem se verifica a acumulação pessoal de riquezas
faraônicas, como acontece em simples ditaduras das repúblicas bananeiras, nem
ainda os cargos conquistados e exercidos, mesmo com despotismo, são
convertidos em bens hereditários. Considerações estas que não eliminam a
presença de facilidades, vantagens e privilégios de monta, progressivamente
consolidados e ampliados; em suma, não elidem a formação de um estatuto de
interesses criados, específico e orgânico, que distingue e destaca esse setor
social, particularmente pelo desnível em relação às maiorias, cujo padrão é
medíocre ou sofrível. Precisar tais aspectos evita o paralelo fácil e impróprio com
a locupletagem pura e simples típica de círculos governamentais no capitalismo,
e principalmente descarta o reducionismo simplório, que faz dos prosaicos
privilégios materiais dos burocratas a malha de fundo e explicativa da opressão
estatal pós-capitalista. Em verdade, explicações dessa ordem subestimam a
magnitude da opressão e a complexidade do problema que ela manifesta,
integraliza e diversifica, tornando ainda mais aguda a contrafação do conjunto
dessa forma societária.
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Sim, “quem não trabalha, não come”, mas este princípio, na regência do
capital sem mercado, fica reduzido à condição de slogan, vagamente repressivo e
vagamente ético, dependendo de circunstância e entonação. E visto que não
pode haver império da auto-determinação do trabalho, em razão do baixo
patamar do sistema produtivo, o que resulta e se manifesta é a liberdade
irresponsável da iliberdade, que nenhuma coação extra-econômica, por mais
virulenta que seja, é capaz de vencer; coação, aliás, que mesmo vitoriosa, na
essência está vencida de antemão. Livre do mercado, mas escrava do trabalho
morto, a força de trabalho é reduzida à irresponsabilidade, coisa fechada sobre si
mesma, tanto menos responsável quanto mais insatisfeita, isto é, quanto menos
tenha a perder, sem que, por outro lado, perca o embrutecimento em situação
mais favorável, uma vez que falecem aqui todas as bases para uma nova
eticidade. Ponto de inflexão, em suma, dos estranhamentos que vicejam no solo
e sub-solo do pós-capitalismo. Liberdade irresponsável da iliberdade, cuja
fisionomia, determinação e reforço é completada pela supressão da pluralidade
dos apropriadores, pois, com o desaparecimento das personae do capital (sem o
que não teria havido sequer a revolução política), cessa o desperdício da
concorrência, alma mater da prática do capital privado, mas também, o que é o
mesmo — a luta para devorar, mas não ser devorado, o que constrange ao
esforço de ser melhor e mais forte, a ser o mais igual, dentre os iguais. O capital
no pseudo-socialismo não se bate, nem tem com quem se bater. Tanto quanto a
força do trabalho, goza a iliberdade de sua irresponsabilidade; lerdo e pesado
reitera os círculos viciosos da insuficiência numa espiral de estagnação.
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“um mundo efetivo de riquezas e cultura”, ou seja, que “um alto grau
de desenvolvimento/.../ é um pressuposto prático absolutamente
necessário, mesmo porque, sem ele, apenas a miséria se generalizaria
e, portanto, com a carência recomeçaria também a luta pelo necessário
e, por força, toda a velha merda retornaria...”.
Para uma breve descrição dos eventos, em nada redutora, basta constatar
que ao binômio — desastre econômico, falência política — tem correspondido
reformas inestruturais que estão na lógica do capital e de sua conduta política.
Em face do monumental problema econômico, da China à Polônia, tem por
centro dilemático a URSS, o apelo uníssono é aos famigerados mecanismos de
mercado, e, sincronicamente, diante do colapso do paquidérmico aparato
político, o remédio é buscado na velha cesta de costuras institucionais do
liberalismo.
“Na livre concorrência não são os indivíduos que são postos como
livres,mas o que é posto como livre é o capital. Quando a produção
fundada no capital é a forma necessária e, portanto, a mais adequada
ao desenvolvimento da força produtiva social, o movimento dos
indivíduos, no marco das condições puras do capital, se apresenta
como a liberdade dos mesmos, liberdade que , todavia, também é
afirmada dogmaticamente, enquanto tal, por uma constante reflexão
sobre as barreiras derrubadas pela livre concorrência” ( Capítulo do
Capital, Siglo XXI, V. 2, p. 167).
Não resta, nem poderia restar a menor dúvida, bastando algumas linhas de
Marx para deixar inteiramente configurada a espinha dorsal da questão. Lê-se,
também nos Grundisse:
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Por escandaloso que seja, não faltam os que ainda conseguem alimentar
esperanças socialistas através dos acontecimentos do leste. Não se remete com
isso apenas ao velho seguidismo de indivíduos e grêmios, mas a organismos
tradicionalmente mais críticos, que conseguem devisar, na esteira de teses
antigas, desfocadas pelo tempo, prenúncios no leste de breves revoluções
políticas, que hão de redimir o “estado operário degenerado”. O mais grave, para
além da quimera esdrúxula, é precisamente essa fé antimarxiana na política, em
particular a fé política no estado e na volúpia castradora de torná-lo perfeito.
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Notas de rodapé:
(1) O fantasma que o autor se refere é a propositura humanista do pensamento de Marx e sua
influência nas organizações do trabalho, agora vencidas pelo capital. (retornar ao texto)
Inclusão: 24/03/2020
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