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Introdução
Este artigo traz como preocupação central a construção das relações de gênero
dentro do ambiente escolar. Assim, pretendemos verificar, neste trabalho, se a escola é
um marco fundamental para a construção da identidade de gênero, considerando que
através dela há reprodução dos valores das classes dominantes, pela internalização da
cultura dominante. Trata-se de buscar compreender como os valores internalizados
influenciam nas desigualdades de gênero dentro do ambiente escolar.
Desta forma, temos como hipótese a seguinte afirmação: que as construções
sociais atribuídas às mulheres, ou seja, os papeis sociais, desde cedo, é moldado. Sendo
assim, a partir das construções dentro do espaço familiar, os jovens levam os seus
valores para dentro do ambiente escolar, porém estes são hostilizados, e de modo
simbólico, podemos considerar que a escola corrobora com as representações,
construídas socialmente, do que é “ser” mulher.
A principal justificativa deste trabalho está delineada na própria importância
histórica do tema. Com a efervescência, na década de 1960, dos movimentos feministas2
surge com mais relevância a questão das mulheres. Entre as diversas propostas teóricas,
encontra-se aquela que demonstra como as relações patriarcais definem os papeis
sociais de homens e mulheres, submetendo as últimas ao plano da família e cuidado dos
filhos.
Desde os primeiros movimentos, que ganharam notoriedade nos EUA, com as
mulheres queimando as roupas íntimas – simbolizando uma crítica à submissão e
repressão da mulher - o estudo de gênero continua com notoriedade no meio acadêmico,
nos movimentos sociais e populares.
Embora cada vez mais essa temática já tenha espaço, ainda existe grande
necessidade de estudá-la, pois, no cenário nacional, podemos notar a crescente violência
contra as mulheres, tanto física quanto simbólica. Há também medidas austeras, por parte
das instituições sociais, que definem os direitos e deveres sobre seu próprio corpo.
São esses fatores que contribuem para instigar o estudo sobre as relações de
2 O movimento feminista organizado surgiu nos Estados Unidos na segunda metade dos anos sessenta. Expandiu-se
pelo ocidente propagando a libertação da mulher e não apenas a emancipação. Suas principais reivindicações eram a
igualdade em direitos em todas as esferas, em relação ao homem (RODRIGUES, 2007. p. 06).
“gênero”, pois, embora se tenha uma ampla produção bibliográfica, as mulheres
continuam em situação de desvantagens nos diversos campos da vida social.
Neste sentido, procuramos discutir as reproduções das desigualdades na ótica da
sociologia reflexiva. Neste primeiro momento, os conceitos de ação pedagógica, violência
simbólica e habitus, serão utilizados para elucidar a questão das relações de gênero no
ambiente escolar.
Como afirmam Bourdieu & Passeron (2009), as relações simbólicas são
simultaneamente autônomas e dependentes das relações de força, portanto, toda ação
pedagógica pode ser considerada como uma violência simbólica, pois é dirigida por um
poder arbitrário (BOURDIEU & PASSERON apud ROSENDO, 2009, p. 4). E neste
contexto, podemos destacar o conceito de ação pedagógica: é exercida pelos membros
educados de um grupo social, e depende das relações de forças presentes na estrutura
social da sociedade, reproduzindo a mesma estrutura.
Para Bourdieu & Passeron (2009), o trabalho pedagógico está diretamente ligado à
imposição de habitus. Por habitus se entende o produto de interiorização de um arbítrio
cultural capaz de perpetuar mesmo quando a ação pedagógica cessa. Portanto, o campo
em que estamos lidando, teoricamente, é fundamental focar que a eficácia do trabalho
pedagógico é sempre muito menor nas classes mais baixas, isto porque a cultura
dominante tende a considerar a cultura dominada como algo ilegítimo, ou seja, considera-
se a escolaridade obrigatória como o reconhecimento legítimo da cultura dominante pela
dominada.
Outro ponto importante realizado neste trabalho é a breve contextualização da
inserção das mulheres no cenário brasileiro, no que tange a questão educacional. Até
meados do século XV, no imaginário brasileiro, a educação da mulher era considerada
como não necessária e vista com descaso. Nos valores que estavam ligados a este
imaginário predominavam a ideia de que a mulher era responsável pelos trabalhos
domésticos.
Como afirma Rodrigues (2007), devido à influência das instituições sociais, código
de valores e de comportamento trazidos da Europa, a vida e a postura da mulher
brasileira permaneceu atrelada à aceitação da sua permanência no interior do domicílio.
Estes valores, que confinam as mulheres no âmbito do doméstico, permearam até
meados do século XIX, onde o seu papel primordial era o de ser mãe e esposa,
educadora das gerações do futuro e pilar de sustentação do lar. Assim, sua educação
exigiria uma moral sólida e bons princípios.
A partir das últimas décadas do século XIX, surge a necessidade da educação para
a mulher vinculando-a a modernização da sociedade, à higienização da família, à
construção da cidadania. A preocupação em vincular o conceito de trabalho à “ordem e
progresso”, levou os condutores da sociedade a arregimentar as mulheres das camadas
populares (RODRIGUES, 2007, p. 13).
A partir do século XX, o movimento feminista teve papel central para com a luta e
conquista dos espaços políticos, econômicos e educacionais que beneficiou mais de três
gerações de mulheres em todo Brasil. Entretanto, é importante ressaltar, que o teor da
luta feminista é internacional. Nesse sentido, a luta feminista leva para o espaço de
discussões políticas os assuntos que anteriormente que eram tratados como questões de
caráter privado, rompendo com a relação binária público-privado. Como vemos no
trabalho de Costa (2006), essa dualidade apresenta o público como à esfera do Estado e
suas instituições, a economia e a tudo mais identificado com o político. Já o privado se
relaciona com a vida doméstica, familiar e sexual, identificado com o pessoal, alheio à
política.
Embora se tenha uma grande contribuição das lutas feministas, não devemos
engessar a análise, pois há no imaginário social a legitimação dos valores patriarcais.
Assim, a posição da mulher está estruturada em um conjunto de papeis hierarquicamente
organizado, sobrando a ela o papel de reprodutora, com a educação restrita socialmente
ao cuidado, aos afazeres domésticos, não podendo participar da esfera pública (SOUZA;
BOTELHO, 2001, p. 420).
Na terceira parte do trabalho é feita uma breve análise sobre as inquietações de
pesquisas no meio acadêmico que está contribuindo para o debate entre gênero e
educação e suas relações com outras temáticas. As principais pontuações dizem respeito
às apropriações dos espaços físicos, desempenho na sala de aula com as diversas
disciplinas, grupos de socialização e amizades relações simbólicas das/os alunas/os.
Para finalizar, discorremos, brevemente, sobre os conteúdos que a disciplina de
sociologia aborda especialmente aqueles que podem colaborar com a desnaturalização
das construções sociais dos gêneros. Considerando que a sociologia possui um caráter
intrinsecamente questionador da realidade social, procurando demonstrar uma
possibilidade de análise sobre as relações desiguais entre homens e mulheres as/os
alunas/os, com o objetivo de estimular uma maneira de reflexão com caráter crítico.
Assim, podemos afirmar que a ação pedagógica, que situa Bourdieu & Passeron
(2009) é também exercida pelas famílias ou por qualquer outro agente que esteja dentro
da estrutura social, e que a reprodução da cultura dominante, reflete nas relações de
poder.
Como afirma os autores, a ação pedagógica está ligada a meios diretos de
constrangimento na imposição de uma rede de significados. A partir da reprodução, o
arbítrio cultural dominante tende a ficar sempre em posição dominante, o que origina a
ação pedagógica dominante, relacionada às elites, que tende a impor e a definir o valor
do mercado econômico e simbólico à ação pedagógica dominada, relacionada às classes
subalternas (BOURDIEU & PASSERON apud ROSENDO, 2009, p.06).
Por isso que neste ponto, os autores consideram a ação pedagógica como a
expressão máxima da violência simbólica, que visa impor significações, selecionando
umas e excluindo outras. E a maneira que a seleção arbitrária é feita é por um grupo ou
uma classe. Os autores denominam esta ação como arbitrária, pois não é de uma
natureza humana, e sim da objetividade de um grupo ou classe. Assim, as opções
construtivas da cultura, revelam que esta ação está relacionada com as condições sociais
ligadas a estrutura da sociedade (BOURDIEU & PASSERON apud ROSENDO, 2009, p.
06).
Segundo os autores,
3
O primeiro trabalho foi apresentado no evento “II Seminário de Estágio da Licenciatura em Ciências Sociais”. Evento
realizado em 23 de novembro de 2011, na Universidade Estadual de Londrina. O Segundo trabalho se trata de um
artigo publicado na revista Pró-posições, em 2006.
4
Trabalho intitulado, “A importância do ensino sobre questões de gênero na educação”.
com indivíduos que sofrem preconceitos por estarem fora de padrões hegemônicos e
ensinar sobre formas de relacionar-se de modo diferente do que é estabelecido, é
contribuir para uma maior compreensão da diferença, prevenindo assim “pré-conceitos”
muitas vezes tão arraigados ao senso comum. E esse é o papel da educação. Com um
viés científico e laico disseminar a importância de compreender as diferentes formas de
relação (OLIVEIRA, 2011, p. 03).
No trabalho de Auad5 (2006), analisa situações do cotidiano escolar na sala de
aula, buscando descrever os processos de diferenciação de desigualdade entre o
feminino e o masculino, e também como em contrapartida o trabalho escolar pode
influenciar as relações de gênero socialmente vigentes.
Segundo Auad (2006), é de amplo conhecimento a existência de diversidades
hierarquizadas nos grupos sociais ou nos próprios indivíduos, e quando se fala
especificamente de educação formal, as relações que permeiam são as de gênero, e
sendo assim, potencializando as desigualdades entre o masculino e o feminino.
Segundo a autora,
Ao se considerar a categoria gênero, é possível ainda colocar em causa as
tradicionais assertivas sobre o que é “natural”, no sentido do que é inato e
instintivo, para cada um dos sexos. Assim, no contexto deste trabalho, ao
se adotar a categoria gênero, faz-se referência ao conjunto de
representações construído por cada sociedade, através de sua História,
para atribuir significados, símbolos e diferenças para cada um dos sexos.
Logo, as características biológicas entre homens e mulheres são
percebidas, valorizadas e interpretadas segundo as construções de gênero
de cada sociedade (AUAD, 2006, p.138).
Deste modo, a autora mostra que a escola parece utilizar das habilidades
produzidas pela educação fora da escola, como na família, que contribui dentro da sala de
aula com o rendimento, como no caso das meninas. Como exemplo, Auad (2006) cita a
questão dos cadernos e deveres por parte das meninas, criando ou reforçando o papel de
boa aluna, e também é uma dessas demandas, com a qual as meninas assumem diante
das professoras e dos meninos, uma maior responsabilidade sobre o bom funcionamento
da classe.
Como é explicitado no trabalho em questão, esse tipo de fenômeno pode ser
percebido como reforço à tradicional socialização feminina e é um modo de perpetuar
uma determinada divisão sexual do trabalho (AUAD, 2006, p.145). Já no caso masculino,
5
Trabalho intitulado, “Relações de gênero na sala de aula: atividades de fronteira e jogos de separação nas práticas
escolares”.
é notado outro tipo de comportamento, como a agressividade, que pode ser, segundo a
autora, a aprendizagem da vida adulta, mas também pode fazer com que meninos e
meninas aprendam já na infância que há um conjunto de comportamentos interditos para
eles e para elas, a partir das representações sobre a agressividade aceita para os
homens e a aceita para as mulheres. Há ainda a genérica demanda e motivação de
comportamentos agressivos para os meninos e a ampla interdição do mesmo tipo de
comportamento para as meninas (AUAD, 2006, p. 145).
Entretanto, para a autora que se utiliza dos conceitos de Louro (1997),
6
Trabalho intitulado, “A relação entre gênero e a dimensão do imperativo desta discussão através do ensino de
Sociologia no âmbito escolar: para uma perspectiva de novos olhares.”
Para a autora, a sociologia tem função de além de desnaturalizar as
representações sociais do que é ser homem e do que é ser mulher, também de
desconstruir que estudos de gênero estejam somente ligados às mulheres, e acima de
tudo de modificar a forma de enxergar as mulheres e suas feminilidades e os homens e
suas masculinidades para uma redefinição do político e do cultural (CAMARGO, 2011, p.
03).
Entretanto no trabalho de Oliveira (2011), ela elenca sugestões de como tratar as
questões de gênero, em diferentes disciplinas dos anos escolares, mas nos ateremos
apenas nos conteúdos da Sociologia, a ressalva importante desde trabalho, é que a
autora propõe que esses conteúdos estejam imbricados desde o ensino fundamental, e
não somente no ensino médio. Deste modo, para a Sociologia,
Visto que esses são algumas contribuições para o avanço em sala de aula,
entretanto, vamos analisar como é tratado no livro didático e em alguns documentos
oficiais. As Orientações Curriculares Nacional para o Ensino Médio, na parte designada
para a sociologia, depois de um breve histórico sobre a disciplina, o documento mostra
que com a nova LDB – Lei nº 9.394/96 –, a Sociologia se torna obrigatória como disciplina
integrante do currículo do ensino médio. Em seu Artigo 36, § 1º, Inciso III, há a
determinação de que “ao fim do ensino médio, o educando deve apresentar domínio de
conhecimentos de Filosofia e Sociologia necessários.”
Deste modo, cabendo um papel central ao pensamento sociológico contribua com
a desnaturalização das explicações dos fenômenos sociais. A naturalização em si, é fazer
parecer naturais algumas construções sociais, como exemplo, a dominação masculina
fundamentada em uma possível superioridade biológica. Cabendo à Sociologia
desmitificá-las.
Nas OCN’s as próximas sugestões para trabalhar a questão de gênero, é da parte
sobre “temas”, que como o documento mesmo sugere, “dependendo do interesse do
professor, dos alunos, e também da própria escola” (OCNs, 2006, p.119). Porém, e
nenhum momento fala-se das desigualdades, o documento deixa a questão de se
trabalhar com temas, muito ampla, e somente sugere uma vez, se trabalhar com gênero,
sem reforçar a sua importância para a desnaturalização dos alunos.
Há também uma coletânea7 publicada em 2006, que tem como objetivo propor uma
reflexão sobre os estudos feministas e de gênero no Brasil, utilizando alguns dos
importantes periódicos como: Cadernos Pagu; Revista Estudos Feministas; Revista
Gênero; e Caderno Espaço Feminino. São vinte e um trabalhos versando sobre a
temática de gênero, sexualidade, desigualdades, violência, juventude, feminismo, entre
outros. Esse documento foi patrocinado pelo Ministério da Educação, e dá relevância à
dimensão cultural da construção de homens e mulheres e de seus lugares sociais e da
importância desse debate na sociedade brasileira, contribuindo para os educadores a
ação de orientar os alunos, e dentro das salas de aula propor debates, que corroboram à
desnaturalização.
Considerações Finais
Referências
BOURDIEU, P.; PASSERON, J.C. A reprodução: Elementos para uma teoria do sistema
de ensino. Recensão: ROSENDO, Ana Paula. (Org). Covilhã: LusoSofia, 2009.