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A IGUALDADE E A DIFERENÇA NA ESCOLA NA

CONTEMPORANEIDADE

Regina Bergamaschi Bley– SEED/PR/SEJU/PR 1

Eixo – Sociologia da Educação


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O presente estudo tem como finalidade fazer uma reflexão teórica sobre a forma como a escola
recebe e se relaciona com a diversidade social no que diz respeito às desigualdades e às
diferenças sociais. Para isso, apoiou-se em autores tais como Boneti (2013) Bourdieu (1998),
Santos (2010, 2013) Dubet (2005, 2006), Valle e Ruschel (2009). Entendendo ser a escola fruto
da construção histórica da modernidade, procurou-se compreender os papéis atribuídos,
historicamente, a ela e como isso vem se configurando na contemporaneidade. Buscou-se
analisar a instituição escolar concebida como espaço disciplinar permeada pelos preceitos
positivistas, e como, nessa perspectiva, vai dar conta de atender à diversidade social.O ponto
de partida para a reflexão que se propõe é o entendimento que a modernidade ainda não se
extinguiu, na medida em que os dois referenciais mais categóricos desse período – o modo de
produção capitalista e a burguesia - também não se extinguiram. Em razão disso, entende-se
que vivemos, ainda, um período de predominância do modelo global da racionalidade científica,
portanto, um modelo totalitário, conforme nos lembra Boaventura de Souza Santos (2010) por
negar o caráter racional a todas as demais formas de conhecimento que não estejam norteados
pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas. Portanto,
considerando que vivemos ainda a modernidade, cujos fundamentos epistemológicos estão
pautados na razão científica, e em preceitos tais como o etnocentrismo e a homogeneização,
como pensar na possibilidade de que a escola venha a acolher as diferenças sociais? Discute-se
como a escola reage às diferenças de sujeitos que fogem do parâmetro de “normalidade”
estabelecido como sendo o padrão referencial para um determinado grupo ou sociedade e cujos

1
Professora, Doutora em Educação pela Pontificia Universidade Católica do Paraná; Mestre em Educação, linha
de pesquisa Gestão e Politicas Públicas de Educação. Atualmente, Diretora do Departamento de Direitos Humanos
e Cidadania da Secretaria da Justiça Trabalho e Direitos Humanos do Paraná. re_bley@ig.com.br

ISSN 2176-1396
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atributos se destacam dos demais em razão da cor, etnia, orientação sexual, deficiência física,
dentre outros.

Palavras-chave: Educação, Diversidade Social, Igualdade e Diferença

Introdução

A escola é a instituição, por excelência, da diversidade. Ou deveria ser. Falamos de


diversidade pela constatação de que no espaço escolar encontram-se cores, raças, etnias,
pessoas com orientações sexuais diversas, de matrizes religiosas diversas, de origens,
nacionalidades e condições físicas também diversas. Diversidade muito mais cultural do que
socioeconômica, decerto, se nos referirmos à convivência em espaços coletivamente
compartilhados. O fato é que existe no ambiente escolar contemporâneo uma heterogeneidade
social que reflete a própria configuração social atual em que praticamente inexiste a
homogeneidade que houvera em outras sociedades, tal como a sociedade industrial, em que as
classes sociais ocupavam posições bem definidas.
Se por muitos anos o principal objetivo da escola foi, conforme propalado pela classe
burguesa, a superação das desigualdades, o que temos visto acontecer, historicamente, é a
seleção dos considerados melhores, dos já socialmente favorecidos, como nos tem falado,
incansavelmente, Pierre Bourdieu (1998), sem querer dizer com isso, deterministicamente, que
seja esta a exclusiva forma de diferenciação social processada pela instituição escolar.
Também, as transformações que têm ocorrido com a escola e suas finalidades estão
diretamente relacionadas a uma forma de organização social pautada nas promessas liberais da
burguesia que para tentar manter-se, reproduzir-se e perpetuar-se, transforma-se. É no bojo
desta “crise” mais alargada que a própria escola se insere. É na constatação da “crise” da
sociedade de classes, desigual e excludente e em constante transformação, como estratégia para
se manter, como lembra Harvey (2013), que se constata a crise da educação e da escola.
O vasto ordenamento jurídico prevê o acesso de todos à escola, mas no plano real, há
muito o que se fazer. A proporção de pessoas diversas socialmente – pobres, negros, indígenas,
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pessoas com deficiência, pessoas LGBT2, que alcança o ensino médio e, mais ainda, o ensino
superior é, ainda muito pequena, em que pesem os discursos e as estratégias utilizadas pelos
governantes e os esforços que vêm sendo envidados pela comunidade escolar em direção à dita
educação inclusiva. Isso denota histórias de vida e trajetórias escolares marcadas por
reprovações, interrupções, abandonos, fugas da escola.
O fato é que toda essa problemática não se reduz e se encerra com o fechar dos portões
e dos muros escolares; ela está relacionada e tem a sua origem no campo social. E isso em nada
alivia a escola; ao contrário, demonstra o grau de complexidade que encerra a questão e o grande
desafio que se coloca para o enfrentamento das desigualdades sociais, para o reconhecimento e
o respeito à diversidade social.
Lembramos Santos (2013) quando diz que vivemos um tempo de normatividade
aparentemente apolítica e globalizada, o qual serve de base para uma sociedade composta por
indivíduos dominados pela ideia de autonomia individual, sendo esta autonomia considerada a
chave do sucesso na sociedade. Nesses termos, a construção desta autonomia e o resultado dela,
seja positivo ou negativo, são de responsabilidade exclusiva do indivíduo.
O caráter normativo desse tempo, diz Santos (2013, p. 9), se dá em razão de que, à
medida que os indivíduos se tornam donos dos seus destinos no que diz respeito à construção
da sua autonomia, a sociedade pode “legitimamente” abandoná-lo caso os seus fracassos sejam
considerados como resultantes de inépcia no exercício desta autonomia. Sendo a autonomia
entendida como um compromisso pessoal do indivíduo consigo próprio, cabendo ao sistema
político e às relações sociais apenas o dever de garanti-la, esta normatividade assume um caráter
apolítico, como destaca o autor. É desta ideologia que emerge o homo socioligicus do
neoliberalismo, ser associal ou mesmo antissocial, que se constitui em uma versão muito mais
ampliada do homo econômico da economia neoclássica (SANTOS, 2013).
O autor chama a atenção para a forma como essa ideologia contribui negativamente para
o processo de construção da justiça social, visto que os produtos resultantes das políticas nela
fundamentadas se mostram incapazes de gerar a indignação moral e a vontade política
necessária para combater eficazmente as desigualdades e criar uma sociedade mais justa e mais
digna (SANTOS, 2013, p. 10).
Em uma perspectiva muito próxima do que coloca Santos, François Dubet (2006, p. 34),

2
LGBT é a sigla que se refere a pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, ou seja, pessoas
com orientação sexual diferente da heterossexual ou com identidade de gênero diferente do sexo biológico.
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demonstra a relação entre o individualismo e a integração social. Ao discorrer sobre a


integração das sociedades modernas destaca que a modernidade “nunca deixou de ser percebida
como uma ameaça à integração social”, especialmente “pela valorização do individualismo e a
mudança continuada”. Assim, segue, essa ameaça constante à integração social gera uma
inquietação que perdura ao longo da história e atinge níveis elevados no início do século XIX,
quando ocorre uma aceleração das mudanças no fim do mesmo século e se estende até a
atualidade, com a globalização. Nas palavras do autor, “cada vez mais a sociedade parece
dissolver-se, a “decadência moral” parece invadir tudo, os pobres são percebidos como classe
perigosa, ameaçadora” e toda uma tradição intelectual conservadora, e muitas vezes brilhante,
repete o mesmo tipo de relato e de angústia ao sabor da violência das mudanças (DUBET, 2006,
p.35).
Pensar a integração, portanto, na perspectiva que Dubet (2006, p.35) coloca, significa
pensar em duas dimensões sociológicas da questão que apresentam correspondência entre si,
quais sejam: a integração em termos sistêmicos e funcionais e a integração do indivíduo, sendo
que na segunda dimensão, constitui-se em um processo concebido como “a interiorização de
normas e valores comuns pelos indivíduos que compõem a sociedade”.

A Normatividade Social e a escola na contemporaneidade: espaço de construção de


saberes e de integração ou de seleção social?

Para nos auxiliar na reflexão teórica sobre a normatividade social, recorremos às


análises de Michel Foucault, especialmente quando fala da disciplina como sendo a base
substancial das relações que se estabelecem no âmbito escolar e que envolvem tanto o corpo
diretivo – diretores, vice-diretores, coordenadores -, como professores e alunos.
Na concepção de Foucault (2014), o poder não existe de forma centralizada, única, mas
sim sob a forma de relações que se constituem e se estabelecem no contexto social, sendo,
portanto inerente e introjetado em toda a estrutura social por meio de uma série de dispositivos
interconectados. Nessa perspectiva, para Foucault não existe o poder e sim relações de poder,
numa clara alusão de que poder não é o que se tem, mas o que se exerce.
A escola, na perspectiva que coloca Foucault, assemelha-se ao ambiente das prisões,
seja do ponto de vista da sua estrutura ou da sua organização hierarquizada, dos seus
mecanismos disciplinadores ou vigilância permanente.
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Tudo isso, diz Foucault (2014, p.134), com o objetivo de disciplinar corpos, tornando-
os ‘dóceis” por meio da utilização de mecanismos e técnicas de poder, a exemplo da relação
hierárquica que permeia o ambiente escolar.
A configuração arquitetônica denuncia o poder disciplinar e o controle exercido dentro
da escola pelo corpo diretivo, com o seu “olhar panóptico” sobre professores e alunos, em uma
clara manifestação em favor de que a disciplina faça o espaço escolar funcionar tal e qual uma
máquina de ensinar, mas também “de vigiar, de hierarquizar e de recompensar” (FOUCAULT,
2014, p.135).
Com isso, estabelece-se uma relação de poder e, consequentemente, de sujeição dos
indivíduos.
Assim, o poder disciplinar e o controle vão se replicando por meio das hierarquias, dos
uniformes, dos controles de frequência e de horários, dos exames e testes padronizados e
objetivos, com o intuito de estabelecer um “controle normalizante” que possibilita “qualificar,
classificar e punir” (FOUCAULT, 2014, p.175).

Na oficina, na escola ou no exército, há toda uma micropenalidade do tempo – atrasos,


ausências, interrupções das tarefas; da atividade – desatenção, negligência, falta de
zelo; dos discursos – tagarelice, insolência; do corpo – atitudes “incorretas”, gestos
não conformes, sujeira; da maneira de ser – grosseria, desobediência; da sexualidade
– imodéstia, indecência, que funciona como repressora. Ao mesmo tempo, como
forma de punição toda uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve à
privação ligeira e a pequenas humilhações (FOUCAULT, 2014, p. 175)

Na perspectiva foulcautiana, portanto, aos “desviantes”, “insurgentes” ou diferentes no


ambiente escolar caberia a repressão e a punição: notificações, suspensões temporárias,
mudança de sala, comunicação aos pais, expulsão da escola.
Nessa perspectiva, podemos pensar a educação escolar como sendo parte constitutiva
do processo de ensino-aprendizagem, mas, também, do ato de disciplinar, de vigiar e de punir,
se quisermos pensar na mesma perspectiva apontada por Michel Foucault.
Abramovay (2005, p.29) reconhece a escola como sendo um “espaço de construção de
saberes, de convivência e de socialização”, onde os jovens buscam desenvolver as suas
habilidades, expandir as relações sociais, realizar e construir desejos, impulsos que colaboram
na formatação de identidades. Por outro lado, reconhece, também, que é “locus” de produção e
reprodução de violências nas suas mais variadas formas. Para ela, dentre os fatores que
contribuem para os conflitos e as violências no cotidiano escolar um deles é o papel que é
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determinado ao aluno na dinâmica escolar, pois a escola “estabelece normas que visam
organizar o seu funcionamento”, as quais são “formuladas e implementadas de forma unilateral,
sem levar em conta a palavra do aluno”, tornando-se, portanto, ineficazes. Outro aspecto
apontado pela autora e que se constitui em ponto de conflito na escola diz respeito à falta de
diálogo dos adultos representados pelos professores, diretores e outros membros do corpo
técnico pedagógico com os jovens, o que denota falta de interesse pela cultura, pelas condições
de vida dos jovens o que vai além da sua identidade como aluno.
Esses fatores levam, segundo a autora, a um cenário dentro da escola onde nem sempre
as relações sociais são amistosas e harmônicas e onde os alunos e professores não se unem em
torno de objetivos comuns. “Ao contrário, diz, a convivência na escola pode ser marcada por
agressividade e violências, muitas vezes naturalizadas e banalizadas, comprometendo a
qualidade do ensino-aprendizagem” (ABRAMOVAY, 2005, p.30).
Nessa perspectiva, Martuccelli e Barrere (2001, p. 270) acenam para a importância da
comunicação, destacando que a escola deveria se abrir para novos debates e, em especial, sobre
dois temas que são centrais: o primeiro, sobre a necessidade de reconhecimento da comunicação
entre indivíduos que pertencem a horizontes culturais diversos; e o segundo relacionado aos
conteúdos éticos que atuam nesse desejo de comunicação, especialmente no que diz respeito à
abertura para o Outro.
Entendendo ser a escola um espaço privilegiado de socialização, por constituir-se em
espaço de encontro de adolescentes e jovens, conforme dito anteriormente, Abramovay (2006,
p. 30) chama a atenção, entretanto, para a qualidade dessas relações entre os jovens e destes
com os adultos da escola, uma vez que é isso que irá definir se as relações serão mais amistosas
ou mais suscetíveis à ocorrência de conflitos. “A partir disso, a escola poderá se constituir em
local de encontros e amizades ou poderá tornar-se um ambiente permeado por indiferenças,
tensões, conflitos e violências”.
Ao pensarmos no papel desempenhado historicamente pela escola no que diz respeito à
sua função de assegurar a integração social, podemos recorrer aos estudos de Dubet (2006).De
acordo com o autor, a escola republicana nasce com a função de construir uma “identidade
nacional, moderna e democrática” (DUBET, 2006, p. 51), ou seja, a formação de uma nação
por meio da aprendizagem de uma língua comum e de uma narrativa da epopeia francesa por
meio do ensino de geografia e história. A moral, também, lembra Dubet, era entendida como a
difusão de princípios comuns a todos, independentemente da sua diversidade, fosse do ponto
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de vista das origens, da religião e das condições sociais.


Essa escola, muito mais focada na unidade nacional que nas desigualdades sociais, era
reservada para uma elite burguesa e para alunos “particularmente” dotados e onde o sistema
escolar era concebido como nacional e universal, fundador da cidadania na nação e sob a égide
da razão.
A escola republicana nasce, portanto, em sua estrutura, desigual: os diplomas, os
certificados de estudos primários, os exames prestados ao final do ciclo secundário
(bacharelado) não eram distribuídos de forma igualitária. Em razão de o recrutamento dos
alunos para cada uma das áreas de estudos se darem mais pelo nascimento do que por qualquer
outra razão, lembra Dubet, evidenciava a percepção de que era a sociedade, muito mais que a
escola, a causa das injustiças. Por outro lado, se a escola podia aparecer como justa era porque
ela permitia “aos melhores filhos do povo” educar-se.
Esse modelo escolar, segue Dubet, foi substituído por um mais complexo, permeado
pela massificação, - a escola democrática de massa - a qual desenvolveu a concorrência escolar
“induzindo condutas de mercado” e confrontando a escola com uma adolescência e uma
juventude “que não mais a dos bolsistas” (DUBET, 2006, p. 53). A função de integração
cultural da escola declina, tendo em vista que já não detém mais o monopólio da transmissão
da grande cultura, como aconteceu com a igreja. Ela passa a sofrer a concorrência das mídias e
o nascimento de uma cultura juvenil; o papel do professor “dessacraliza-se” para
profissionalizar-se; “as culturas particulares passam a ter uma nova legitimidade e o modelo
nacional não pode mais se impor com a mesma intenção conquistadora” a escola abre-se “para
a vida”, o que, na compreensão de Dubet, significava ser definida como a economia, como o
tempo da juventude, ou ainda, como a diversidade das culturas” (DUBET, 2005, p. 53).
Nesse novo modelo, a escola tem como função precípua, a distribuição e não mais a
integração cultural, pois os diplomas, agora, passam a ter uma importância maior, uma vez que
“fixam o nível de entrada na maioria dos empregos e a utilidade social do diploma triunfa, sendo
que a escola distribui recursos e desvantagens” (DUBET, 2005, p. 53). Ao mesmo tempo em
que a escola desempenha um papel crescente na integração social dos indivíduos, ela intervém
na sua exclusão, pois o fracasso escolar pode ser sinônimo de fracasso social.
Dubet lembra, ainda, que a massificação e o prolongamento dos estudos provocaram a
entrada da adolescência e da juventude na escola, em especial dos jovens das categorias sociais
menos favorecidas e “menos dispostas a aceitar as imposições escolares” (DUBET, 2006, p.
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54). A integração escolar dos alunos fragiliza-se pois passa a ser dominada por uma crescente
tensão entre o próprio mundo escolar e o mundo da juventude, criando-se um distanciamento
entre o jovem e o aluno, tensão que pode ir da coexistência até o conflito, segundo o autor.. Os
colégios enfrentam uma crise de motivações visto que nem todos os alunos foram programados
segundo as regras de uma escolaridade longa. “O tema da violência e da falta de civismo, que
podia parecer marginal, ocupa já uma grande parte da vida dos estabelecimentos”, diz Dubet
(2006, p. 55).
Diante do exposto pode-se depreender e extrair do pensamento de Dubet que se por um
lado a escola alargou a sua função de integração e de influência sobre a vida dos indivíduos,
por outro, tornou-se alvo de expectativas e de críticas, podendo recair sobre ela a
responsabilidade sobre os fracassos educativos e pelo desemprego, assim como pela
manutenção das desigualdades sociais. A escola deve, agora, gerir, ao mesmo tempo, públicos
diferentes com expectativas diversas e muitas vezes contraditórias, o que faz com que a relação
pedagógica se encontre desregulada, lembra Dubet. Nessa perspectiva, a escola pode
transformar-se em uma “máquina de exclusão, visto que a reprovação escolar condena à
relegação social” (DUBET, 2006, p. 55).
Em uma perspectiva muito próxima da de Dubet, Martuccelli e Barrere (2001, p. 258)
afirmam que a função da escola, na modernidade, além de ser a transmissão de conhecimentos
e de seleção social, esteve sempre associada a dois outros processos, quais sejam, o de
possibilitar a integração dos indivíduos à sociedade como forma de garantir a continuidade da
vida social, e o de se nortear por uma figura ideal de indivíduo, ou um “tipo ideal”, à qual todos
acabam aderindo, de uma forma ou de outra. São a igreja e a escola os meios privilegiados para
a transmissão dessas “figuras éticas consensuais do indivíduo”, as quais podem variar de acordo
com as sociedades e o momento histórico, mas em todos os casos, “uma figura ideal de sujeito
exerce uma ascendência sobre o indivíduo”, afirmam os autores (MARTUCCELLI; BARRERE,
2001, p. 258). Entendendo por moral uma herança normativa deontológica, baseada
essencialmente no caráter obrigatório, universal e imposta do exterior da norma, e ética como
“uma herança normativa antes teleológica, organizada em torno do objetivo de uma boa vida”,
os autores asseveram que ambas as dimensões da escola acima referidas estão relacionadas a
problemas de moral e de ética (MARTUCCELLI; BARRERE, 2001, pp. 260-261).
Os mesmos autores partem da concepção, e da constatação, assim como muitos outros
teóricos, que a modernidade foi palco de uma ruptura entre passado e presente e do ingresso no
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mundo “destradicionalizado (MARTUCCELLI; BARRERE, 2001, p. 260), no qual o passado


se revela incapaz ou deslegitimado para orientar nossas ações no presente, e que isso tem
produzido um processo de “deserdação” quanto ao saber o que transmitir da sua tradição. Assim
ocorre também na escola. Segundo esses autores, a principal dificuldade da escola reside na sua
incapacidade de reconhecer as consequências do primado da ética sobre as preocupações morais,
e que ao se definirem como os últimos “baluartes” da civilização, “tanto os docentes como os
discursos institucionais, que se atêm demais a uma representação ideológica da ordem social,
custam a reconhecer a legitimidade das preocupações éticas contemporâneas e continuam
associando-as em massa a um individualismo dissolvente” (MARTUCCELLI; BARRERE
2001, p. 262).
Assim, Martuccelli e Barrere (2001) assinalam que a modernidade tardia vai se
caracterizar, essencialmente, pela aceitação progressiva da ausência de um modelo substantivo
de sujeito e que o fim desse processo de “desabamento” deu lugar ao surgimento do que
chamam de “um sujeito vazio”, que já não desempenha o mesmo papel como anteriormente.
O reflexo disso é que a escola, deixando de ser norteada por um modelo-tipo de
indivíduo, passa a conviver com o “individualismo vazio”, aquele que é “cada vez mais
consciente e reflexivo em suas técnicas e competências individuais e cada vez menos certo de
seus ideais” (MARTUCCELLI; BARRERE, 2001, p. 263). Destacam, nessa perspectiva, duas
concepções manifestas de individualismo: uma centrada no desempenho, na capacidade, no
domínio do ambiente, instrumental e estratégica, e a outra baseada na expressão, no desejo de
fazer valer sua autenticidade, uma razão humanitária, voltada para uma “relação
comunicacional com o outro e expressiva consigo mesma”. Sem se ter a perspectiva de que seja
gerado um novo modelo-tipo, integrar e conciliar essas duas dimensões é um grande desafio.
No contexto escolar, em razão disso, os alunos tentam definir o seu “ideal” por exclusão, dizem
os autores, como forma de evitar o grande perigo que os assombra que é a predominância de
um princípio sobre o outro, isto é, “que a exigência da autenticidade deponha as armas diante
da necessidade de desempenho ou que o imperativo moral de agir sobre o mundo se limite a
uma única preocupação consigo mesmo” (MARTUCCELLI; BARRERE, 2001, p. 263).
O que Martuccelli e Barrere querem dizer, a respeito do processo de individualização
produzido pelo sistema capitalista nas sociedades modernas, é que o que costumava ser
incumbência coletiva das instituições, como a escola, recai, agora, sobre o próprio indivíduo,
que deve assumir seu destino na forma de trajetória pessoal, cabendo-lhe gerir situações
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diversas, independente dos recursos de que disponha.


Os autores prosseguem afirmando que a escola diante desse modelo encontra-se
“desnorteada”, uma vez que o seu ideal de formação do cidadão republicano e do homem
virtuoso e culto afasta-se cada vez mais. Os docentes também sentem dificuldades para
administrar o duplo individualismo apontado anteriormente, e alguns até a ele aderem. Os
alunos são obrigados a agenciar e construir os significados de estudos que, para muitos, já não
são óbvios, visto que convivem com a dúvida quanto à escola permitir que levem uma vida
escolar e uma vida juvenil; e indagam-se a respeito do sentido das aprendizagens escolares para
a sua formação e autonomia.
Com isso, os autores querem demonstrar a profunda transformação que se processou
nos objetivos da escola tendo em vista que os indivíduos que eram a finalidade do processo
institucional passam a ocupar, agora, o cume da hierarquia da ação, e a sua individualidade, que
era concebida como “a interiorização das coerções sociais, torna-se o centro dessa integração”
(MARTUCCELLI; BARRERE, 2001, p. 266).
Todas essas transformações mantêm-se coerentes com o projeto da modernidade em que
o crescimento do individualismo ocupou, sempre, uma posição central. Os mecanismos de
produção dos indivíduos, que sempre foram concebidos “como uma mola central dos processos
de integração social, mudaram de natureza”, destacam os autores. “A integração da sociedade
estabelece-se mais marcadamente pelos mecanismos do mercado, pela ação voluntária dos
atores políticos e pelo trabalho de construção de si, do que pela aplicação de valores e de
princípios percebidos como eternos” finalizam (MARTUCCELLI; BARRERE, 2001, p. 266).

As diferenças e as desigualdades na escola na Contemporaneidade

Segundo Boneti, o debate sobre as diferenças e as desigualdades sociais na educação


tem a sua origem a partir dos novos processos sociais ocorridos em escala global, em especial
na última década do século XX. Cita, no contexto dos novos processos sociais, o crescimento
das periferias urbanas e seus meios de produção da vida e da arte; o surgimento de movimentos
culturais globais, tais como o hip-hop, o movimento negro, os estudos sociológicos e
antropológicos, os quais colocam em cheque a cultura burguesa e conferem visibilidade a outras
expressões culturais e de vida, assim como as diferenças e desigualdades sociais, “o que
representa algo inédito e extremamente importante, embora também contraditório” (BONETI,
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2013, p. 274).
Dentre as dinâmicas do mundo social a partir das quais se originam os debates sobre as
desigualdades e diferenças na educação brasileira, Boneti (2013) destaca dois, os quais guardam
estreita relação entre si: (1) a construção histórica do arcabouço institucional da educação, ou
seja, seu conjunto de regras, de normas e de valores, e (2) novos processos sociais ocorridos na
história do Brasil e que vão trazer novos significados para a educação brasileira. Esses debates
coincidem com a constatação de que as políticas educacionais, assim como a prática educativa,
estão fundamentadas nos preceitos do pensamento positivista, tais como a cientificidade como
modelo de “civilidade”, a partir do modelo burguês de distinção de classe; a evolução; o
preceito da homogeneidade, traduzindo a ideia de normalidade.
Qualquer processo de homogeneização gera, por si só, exclusão, pois parte de um
modelo referencial, um ideal-tipo, uma percepção binária do mundo e dos fenômenos sociais.
Na escola, assim como na sociedade contemporânea, é dessa forma que se estabelecem as
relações sociais, binariamente, assegurando o acesso de alguns e de outros, nem tanto.
Portanto, entende-se que se torna muito difícil obter-se sucesso em análises que
pretendam ter como foco as diferenças e as desigualdades na escola contemporânea sem que se
leve em conta os aspectos acima referenciados, visto que esses preceitos vão se desdobrar em
parâmetros de normalidade, de evolução ou progressão, de homogeneidade, o que impede que
os indivíduos ou grupos sociais singulares ou diferentes sejam tratados como tal, seja no âmbito
das políticas educacionais, seja na dinâmica do dia a dia.
A título de ilustração, pesquisa recente realizada pela Associação Brasileira de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais3 (ABGLT, 2016) revela o quanto são preocupantes
as situações de violência no ambiente educacional brasileiro no que diz respeito à discriminação
e outras formas de violência, tais como agressões físicas e verbais, por conta da diversidade
sexual. A referida pesquisa revelou por meio das 1060 (mil e sessenta) respostas obtidas, que
60% (sessenta) dos (as) adolescentes e jovens se sentiram inseguros (as) na escola no último
ano em razão de sua orientação sexual, enquanto 43% (quarenta e três) se sentiram inseguros
por conta de sua identidade ou expressão de gênero. Mais preocupante ainda é a constatação

3 Trata da “Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016, realizada pela Secretaria de
Educação da ABGLT, com o apoio da Fundación Todo Mejora, do Chile. Foi desenvolvida concomitantemente
em mais cinco países latino-americanos, além do Brasil (Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Colômbia) e teve como
objetivo investigar as experiências que adolescentes e jovens LGBT vivenciaram nas instituições educacionais
relacionadas à sua orientação sexual e/ou identidade/expressão de gênero.
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que 73% dos adolescentes e jovens sofreram agressões verbais na escola por conta da orientação
sexual e 68% por conta da identidade/expressão de gênero. Com relação à escola, 36% (trinta
e seis) avaliaram como tendo sido ineficazes as providências adotadas pelos profissionais da
escola para impedir as agressões e apenas 8,3% dos estudantes disseram ter conhecimento sobre
alguma disposição relacionada à orientação sexual no regulamento da escola. Só para se ter
uma ideia da dimensão do problema, a referida pesquisa apontou também uma relação entre os
níveis de agressão sofrida e a frequência de faltas à escola (58,9% comparados com 23,7% entre
os/as que sofreram menos agressão), e a relação entre o nível de agressão por conta da
orientação sexual ou expressão de gênero e a probabilidade de relatar níveis mais elevados de
depressão.
As novas dinâmicas a que Boneti (2013) se refere remetem aos anos trinta do século
XX, ou um pouco antes, período de grandes transformações sociais no Brasil, em especial a
chamada “Revolução Burguesa”, período em que a educação passa a ter outra finalidade em
razão das mudanças na base produtiva do país, que deixa de ser agroexportador e passa a ser
urbano-rural. Nesse novo cenário, a finalidade maior da educação deixa de ser a transmissão da
cultura e passa a ser a preparação para o mundo produtivo, lembra Boneti (2013).
A contradição, diz Boneti (2013), reside no fato de que, se por um lado esses processos
sociais fazem chegar na escola a singularidade e a diferença, por outro, preceitos tais como o
da homogeneidade, da evolução, da individualidade comportamental, da universalidade do
parâmetro do saber e da cientificidade, ainda presentes na institucionalização da educação, com
os quais a escola se depara, impõem sérias dificuldades à prática escolar quanto a lidar com as
diferenças e desigualdades sociais.
De acordo com Boneti (2013), na construção da noção de desigualdade existe uma
mescla de imaginário e de realidade, diferentes conceitos articulados, como é o caso da
condição social com a diferença, em que um não existe sem o outro. A diferença, diz, aparece
sempre como uma espécie de parâmetro de determinação da condição, explicitando “aquela
condição social, aquele comportamento e o modo de produção da vida que foge do padrão
convencional etnocêntrico”( BONETI, 2013, p.275)
Assim, a noção de diferença é vista, sempre, de forma positiva, enquanto que a
desigualdade, ao contrário, assume sempre uma conotação negativa. “A construção social da
noção de desigualdade faz dos iguais os desiguais”, diz, tendo em conta que a igualdade não se
refere, necessariamente, à maioria, mas a partir do conceito-padrão construído pelas classes
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dominantes. Nessa perspectiva, segue o autor, o igual “assume uma posição de comando, para
não dizer de dominador ou no mínimo de superioridade perante o diferente por se apresentar
possuidor do parâmetro a ser seguido” (BONETI, 2013, p.275).
Segue o autor:
Em outras palavras, a desigualdade, além de ter origem nas relações da vida real,
estabelece parâmetros de delimitação da condição social envolvendo relações de
dominação, que faz florescer ainda mais a desigualdade. Esses parâmetros partem de
critérios valorativos que envolvem habilidades, bens reais, culturais e simbólicos
normalmente em poder de segmentos sociais dominantes (BONETI, 2013, p.275).

Considerando essa perspectiva, para o autor a noção de desigualdade está assentada


sobre a capacidade individual de acesso ao capital social e cultural. Esse é o fundamento da
adoção do estigma de “grupos minoritários” ou dos “diferentes”, os quais, em geral, são maioria.
“É com essa noção de igualdade e desigualdade que a escola recebe e lida com as diferenças e
desigualdades sociais no espaço escolar” (BONETI, 2013, p.275).
A partir das reflexões de Boneti (2013) pode-se compreender que três elementos
fundamentam epistemologicamente as políticas educacionais – a ideia do real e do concreto
associado à existência; o nascimento da premissa do ser normal associado ao ser racional, a
partir da hegemonia do método científico, associando a ideia de normalidade à capacidade de
evolução, de sucesso; além do parâmetro da universalidade da cientificidade que vai originar a
ideia etnocêntrica de verdade e do correto comportamento social e que vão extrapolar o mundo
da ciência e se constituir em parâmetros norteadores não só das políticas educacionais mas
reverberarão, também, na prática escolar.
Uma outra questão importante que decorre desta é a reação que se tem, seja no âmbito
escolar ou nas relações sociais gerais, às diferenças, ou seja, para aqueles sujeitos que fogem
do parâmetro de “normalidade” estabelecido como sendo o padrão referencial para um
determinado grupo ou sociedade. A esses, cujos atributos se destacam dos demais, seja por
razões ligadas à cor, etnia, orientação sexual, deficiência física, serão imputados mecanismos
de correção das suas diferenças de modos a “incluí-los”, ou trazê-los para dentro dos padrões
normativos. Isso pode levar a uma série de rupturas, seja do ponto de vista identitário, seja com
o contexto com o qual se relaciona mais imediatamente, como é o caso da escola, ou com as
suas relações sociais em geral.
Segundo Valle e Ruschel (2009, p.187), os projetos de desenvolvimento industrial e de
nacionalização vão dar novos rumos para a educação no Brasil que passa a ter a
responsabilidade de difundir novos valores, “propagar as bases comuns necessárias à
3916

nacionalização dos brasileiros, formar as elites condutoras, habilitar as novas gerações para
responder às exigências de um mercado de trabalho em expansão” (VALLE; RUSCHEL, 2009,
p.187).
As autoras chamam a atenção para o que decorreu desta mudança de finalidade da
educação, destacando que, inspirada nos ideais meritocráticos, à escola foi delegado o poder de
preparar o conjunto de uma faixa etária e assegurar uma repartição mais democrática das
posições profissionais e hierárquicas na sociedade.
Valle e Ruschel destacam de maneira muito assertiva que a partir das análises dos
dispositivos legais para a educação brasileira por ela realizada fica evidenciado de forma muito
clara que os sistemas de ensino brasileiros sempre foram “seletivos, diferenciadores e
regulados”, e que embora iguais em direito, as crianças e adolescentes da primeira metade do
século XX eram tratados de forma desigual, “sendo selecionados ou excluídos antes mesmo de
ingressarem na escola: a condição privilegiada de nascimento ou o fato de serem originários de
“universos sociais diferenciados” e distintos, consistia no único requisito para a escola dos
melhores” (VALLE; RUSCHEL 2009, p. 199), conforme já apontava Bourdieu.
Assim, a ideia de uma meritocracia escolar ganha legitimidade à medida que a inserção
na vida profissional supõe uma formação preliminar, conforme colocam Valle e Ruschel (2009,
p.198), na medida em que “à sua maneira, a escola participa ativamente dos grandes ideais dos
tempos modernos: a passagem de uma sociedade de posições transmitidas a uma sociedade de
posições adquiridas”.

Considerações finais

Se a escola vive uma crise moral, conforme afirmam Martuccelli e Barrere (2001), não
podemos deixar de reafirmar que esta crise está relacionada a uma outra, traduzida na forma de
organização racional e das relações sociais estabelecidas a partir da organização da sociedade
burguesa, ou seja, a crise da sociedade de classes que se traveste, altera o seu modus operandi,
mas continua em sua essência, desigual e excludente.
A escola vive, assim, dizem os autores, movimentos contraditórios que a atravessam.
Docentes vivendo seu trabalho cotidiano também como a “expressão de uma crise profunda”,
por não sentirem mais continuidade em tarefas pedagógicas do dia-a-dia e sua inserção “num
verdadeiro projeto educativo consensual e forte” (MARTUCCELLI; BARRERE, 2001, p.265).
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A individualidade e o mercado apresentando-se como fortes concorrentes; os alunos tendo que


construir, por conta própria, o significado dos estudos. Sinais da “agonia moral” que vive a
escola, no entendimento de Martuccelli e Barrere (2001, p. 265-275).
As políticas educacionais, bem como a prática escolar, estão perpassadas pela ideia de
cientificidade, ou seja, a ideia a partir da qual o conhecimento científico é entendido como
verdade única e universal, princípio etnocêntrico que induz a pensar que existe um modelo
central, homogêneo, que deve servir de referência e ser seguido por todos. Nessa perspectiva,
quem não se adaptar a esse modelo referencial – sejam pessoas ou grupos - fica prejudicado em
seu desenvolvimento ou evolução social. Assim, pessoas, grupos ou comunidades que utilizam
modelos próprios ou singulares de produção de vida, seja material ou social, necessitariam de
input, ou seja, “do impulso da força de ideias e de tecnologias de comunidades externas, não
podendo, portanto, se desenvolver socialmente a partir das próprias experiências”, como nos
lembra Boneti ( 2013, p.275).
Entre o ser igual e o ser diferente, “normais” ou desviantes, entre normas, regras e ordem,
Tomazini (2000, p.116) nos traz uma sensível e importante questão quando discute a
institucionalização dos indivíduos em relação aos espaços educacionais destinados às pessoas
ditas normais e que possuem características que os diferenciam, seja do ponto de vista físico,
emocional ou mental, chamando a atenção para o fato de que esses sujeitos, por exigirem
tratamento diferenciado, são separados e excluídos dos meios “normais” e “regulares” de ensino.
Destaca que o termo “especial” tem servido de justificativa para a designação de espaços
distintos e separados, de certa forma, fechados em si mesmo. Assim, diz, “sob a justificativa de
necessidades educacionais especiais, legitima-se a exclusão” (TOMAZINI, 2000, p.116). Ainda
de acordo com a autora, diferença, o estatuto que é atribuído aos seus portadores, vão
desencadear o processo de discriminação social dele, “do outro”, o diferente, desviante dos
processos normais de um determinado tipo de sociedade; um indivíduo não normal, não
normativo. E assim, “a sociedade não se vendo como produtora dessa a parcela diferenciada da
população, como se fosse algo fortuito a ela, engendra cada vez mais mecanismos de correção”
(TOMAZINI, 2000, p.119). É, também, o que tem dito Foucault.
A titulo de considerações finais, portanto, destaca-se, que a escola, entendida como
espaço social de formação dos sujeitos, tem um importante papel, não só no que diz respeito à
transmissão dos conhecimentos historicamente produzidos e sistematizados, mas, e
especialmente, na responsabilidade de criar-se e recriar-se como espaço democrático que
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respeite as diferenças, a diversidade, valorize a liberdade e resista a todo e qualquer tipo de


discriminação.
As reflexões apresentadas revelam o grande desafio e a dificuldade da escola em lidar
com as questões relacionadas ao preconceito, à discriminação, mas não só. Revelam, também,
a dificuldade em lidar com as desigualdades e com as diferenças em geral, pois para que isso
ocorra é necessário abandonar, deixar definitivamente de lado a ideia da homogeneização, a
normatividade exacerbada, os rituais burocráticos exagerados, a padronização dos controles
exagerados e apostar na riqueza envolta na diversidade de culturas, de ideias, na utopia. A
escola que se abre para as diferenças se abre, também, para um mundo rico, belo e fecundo.

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