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Lara Marisa Faria Costa (PG49743)

As desigualdades sociais e o seu reflexo no Sistema


Educacional

Reflexão Crítica

Mestrado em Ensino de Português no 3.º Ciclo do Ensino Básico


e no Ensino Secundário

UC Gestão de Sala de Aula – Sociologia da Educação

Professora Daniela Andrade Vilaverde Silva

Braga, dezembro de 2023


Índice
1. Introdução .................................................................................................................. 3
2. A relação entre a família e o ensino .............................................................................. 4
3. Algumas considerações................................................................................................ 9
4. Referências Bibliográficas ........................................................................................... 10

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1. Introdução
Este estudo faz parte do programa acadêmico de Gestão de Sala de Aula, integrado no
Mestrado em Ensino de Português no 3º Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário.
Especificamente, concentra-se no módulo ministrado pela professora Daniela Silva. O seu
propósito fundamental é promover uma análise das dinâmicas sociais presentes no ambiente
escolar, recorrendo a contribuições de renomados sociólogos da educação, como Pierre Bourdieu
e Stephen Stoer. Estes autores, reconhecidos pelo seu impacto no campo, fornecem uma base
teórica sólida para a reflexão sobre as complexidades das interações sociais no contexto
educacional.

A temática das desigualdades sociais e o seu impacto no sistema educacional constitui uma
área crucial de investigação na sociologia da educação. Neste contexto, torna-se imperativo
problematizar a presença e a manifestação dessas desigualdades no ambiente da sala de aula,
dando voz às complexidades que permeiam a interseção entre estruturas sociais e práticas
educacionais. Ao eleger este tema como objeto de análise, procuro não apenas compreender as
dinâmicas inerentes às disparidades sociais, mas também questionar de que maneira tais
desigualdades se manifestam no cotidiano escolar.

Ao considerar a atualidade deste tema, pretendo explorar como as teorias sociológicas


oferecem ferramentas para desvendar os mecanismos que perpetuam ou desafiam tais
desigualdades. Assim, ao longo deste trabalho, tenho como objetivo a reflexão sobre o papel do
professor como agente de transformação, bem como sobre as possíveis estratégias de mitigação
das desigualdades no ambiente escolar, convidando à construção de uma visão crítica e
propositiva diante deste desafiador panorama sociopedagógico. Por último, esta pesquisa almeja
estabelecer vínculos intrínsecos com a visão pessoal da autora, fundamentada na sua experiência
como estagiária numa escola secundária. Ao contextualizar a pesquisa dentro da esfera da
experiência prática da estagiária, procura-se enriquecer a compreensão das complexidades das
desigualdades sociais, proporcionando uma perspetiva mais completa e fundamentada na
interseção entre a teoria sociológica e a realidade vivenciada no dia a dia na sala de aula.

Palavras-chave: Desigualdades sociais, sociologia da educação, papel do professor

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2. A relação entre a família e o ensino

A relação dinâmica entre escola e sociedade sempre ocupou um papel central e onipresente
no campo sociológico, uma vez que a escola é considerada um fator estruturante crucial no
desenvolvimento dos indivíduos e, por conseguinte, das próprias sociedades. Segundo Ana Matias
Diogo (2005), a sociologia há muito demonstrou que o investimento dos indivíduos na escola não
é um fenômeno puramente individual, mas deve ser contextualizado na família. É também
amplamente reconhecido o peso determinante da família nas trajetórias escolares (Diogo, 2005,
p. 107).

Assim, para introduzir o tema de forma concisa, é essencial esclarecer o conceito de 'Capital
Cultural', uma ideia desenvolvida por Pierre Bourdieu na década de 70, destinada a analisar as
disparidades no desempenho escolar entre crianças de diferentes classes sociais. Seguindo a
perspetiva abrangente de Silva (1995, p. 25), Bourdieu amplia o alcance do capital cultural ao
considerá-lo como todas as formas pelas quais a cultura influencia as condições de vida do
indivíduo. Este capital pode manifestar-se em três estados distintos: o incorporado, o objetivado e
o institucionalizado.

O capital cultural incorporado reflete as "capacidades culturais específicas de classe


transmitidas intergeracionalmente através da socialização primária" (Jopke, citado por Silva, 1995,
p. 5). Ele constitui uma parte intrínseca da pessoa, uma espécie de habitus. Conforme Bourdieu,
o habitus é uma "inconsciência de classe" que simboliza a aceitação passiva das classes
desfavorecidas pelas normas impostas pelas classes superiores. Esse conceito abrange elementos
como preferências musicais, literárias e artísticas, proficiência na língua culta e a assimilação da
cultura escolar (Oliveira & Cruz, 2014, p. 1251).

Torna-se, portanto, evidente a noção de que diversos elementos, como o local de origem, o
apoio familiar, a tonalidade da pele e a comunidade a que pertencemos, estão intrinsecamente
ligados ao nosso estatuto social, desempenhando um papel crucial na disparidade de resultados
acadêmicos, que é o foco central desta reflexão. O privilégio de ser parte da maioria étnica, usufruir
de estabilidade familiar, habitar numa residência com condições adequadas, ter acesso à
educação e possuir todos os recursos necessários para tal é uma realidade não partilhada por
todos.

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O acesso desigual à educação muitas vezes começa cedo, com as disparidades nas
condições socioeconômicas dos pais. Crianças de famílias economicamente desfavorecidas
podem enfrentar obstáculos como a falta de acesso a recursos educacionais, livros, instalações
adequadas e até mesmo uma nutrição apropriada, o que pode afetar o seu desenvolvimento
cognitivo. Isso cria uma lacuna inicial entre estudantes de diferentes origens socioeconômicas, "se
tomarmos a noção do social nos diferentes sentidos do termo, isto é, englobando tanto as
tendências hereditárias que nos levam à vida em comum e à imitação, como as relações exteriores
dos indivíduos entre eles, não se pode negar que, desde o nascimento, o desenvolvimento
intelectual é simultaneamente, obra da sociedade e do indivíduo" (Piaget, 1977, p.242).

As dinâmicas interpessoais no contexto escolar desempenham uma função essencial no


desenvolvimento dos indivíduos, exercendo não apenas uma influência na jornada educacional,
mas também exercendo um impacto substancial no amadurecimento emocional e psicológico dos
estudantes. As relações sociais esculpem a atmosfera na escola, contribuindo para a forja da
identidade dos alunos, capacitando-os como cidadãos aptos a enfrentar as intricadas teias das
interações ao longo da sua existência. É imperativo fomentar e empenhar a criação de um
ambiente inclusivo, que não só englobe os estudantes, mas também abranja professores, equipa
administrativa e os pais.

Uma vez que “existem, por outro lado, padrões de diferença social e cultural relativamente
às culturas ciganas e/ou de origem africana e à cultura da escola, que penalizam fortemente as
crianças/ jovens com origens étnicas que divergem da norma (isto é, branco, católico, urbano e
português-luso)” (Stoer,2008, p.134), decidi particularizar a minha reflexão nas crianças de etnia
cigana.

Em Portugal e na Europa, em geral, persiste uma marcante disparidade no acesso à educação


e no sucesso acadêmico para os membros de comunidades ciganas. A educação formal
desempenha um papel crucial nos direitos sociais e culturais, representando uma chave
fundamental para a entrada no mercado de trabalho formal e assegurando condições básicas de
subsistência. No entanto, entre os indivíduos ciganos, as taxas de analfabetismo permanecem
notavelmente elevadas, acompanhadas de uma prevalência significativa de abandono escolar
precoce, muitas vezes antes de completarem o 1.º ciclo de estudos. A conclusão de estudos até
o 3.º ciclo de escolaridade é uma ocorrência pouco frequente entre pessoas ciganas, sendo ainda
mais raras aquelas que avançam para o Ensino Secundário e Ensino Superior – ainda que a lei

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n.º 85/2009, de 27 de agosto, tenha estabelecido o cumprimento da escolaridade até ao 12.º
ano ou até aos 18 anos, bem como a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a
partir dos 5 anos de idade. No entanto, dados relativos a 2021, mostram que apenas 29% das
crianças tinham acesso ao pré-escolar; 27,1% não sabem ler nem escrever; 4,8% sabem ler e
escrever mas não completaram grau de ensino, 19,2% frequentaram o 1.º ciclo mas não o
completaram e apenas 22,5% possuem o 1.º ciclo (Magano & Mendes, 2016, p. 11).

Ao eleger a temática das desigualdades sociais, é incontestável reconhecer que qualquer


abordagem necessita contemplar também o conceito de igualdade. Nesse contexto, torna-se
imperativo abordar a inclusão em ambientes escolares de maneiras distintas: preventiva,
antecipando-se aos problemas, e remediativa, intervindo quando as dificuldades já se
manifestaram. Em consonância com Stoer (2008, p. 134), torna-se premente resolver a pobreza
e a exclusão desses grupos, levantando questões fundamentais, como garantir a base econômica
mínima para a participação plena na escola e criar as condições essenciais para transformar as
diversas práticas culturais em recursos educacionais.

Uma proposta inicial, sustentada e defendida, é a promoção da "educação


inter/multicultural". Essa abordagem implica um currículo mais abrangente que valoriza as
diferenças culturais, conduzindo a um sucesso e desempenho acadêmico superiores, bem como
facilitando o acesso ao mercado de trabalho. Apesar de Stoer (2008, p. 136) considerar os
pressupostos da educação inter/multicultural como "idealistas", acredito ser vital transformar a
sala de aula em um espaço para todos, onde as diferenças culturais sejam percebidas como
enriquecedoras.

Esse comprometimento e iniciativa devem partir dos educadores, como destaca Stoer (2008,
p. 142), exigindo uma efetiva implementação do princípio de igualdade de oportunidades. Essa
implementação depende da adoção de uma atitude e comportamento inter/multicultural
(antirracista; anti sexista) por parte dos professores.

Stoer (2008, p. 143), emerge uma distinção clara entre dois arquétipos de professores: o
Professor Monocultural e o Professor inter/multicultural. Essa dualidade reflete perspetivas
profundamente divergentes sobre a diversidade cultural e o seu papel no contexto educacional.
Enquanto o Professor Monocultural descortina a diversidade cultural como um entrave, o Professor
inter/multicultural apreende como uma rica fonte que potencializa o processo de ensino e
aprendizagem.

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O Professor Monocultural, ao adotar uma visão limitada, encara a diversidade cultural como
um obstáculo, uma variável que se desvia da suposta norma. Nesse contexto, a busca pela
homogeneidade cultural torna-se uma prioridade, com a valorização exacerbada da cultura
nacional em detrimento de outras expressões culturais. Esta abordagem monocultural implica não
apenas uma resistência às diferenças, mas também uma tendência a desconsiderar os saberes e
culturas que não se alinham com a perspetiva dominante.

Em contrapartida, o Professor inter/multicultural adota uma postura mais aberta e inclusiva.


Ao perceber a diversidade cultural como uma fonte enriquecedora, busca extrair valor dos diversos
saberes e tradições culturais presentes na sala de aula. Esta abordagem transcende o
etnocentrismo cultural, reconhecendo que a aprendizagem é potencializada quando se incorpora
uma variedade de perspetivas culturais, o Professor inter/multicultural vai além do simples
reconhecimento das diferenças culturais; ele busca compreendê-las e integrá-las ao processo
pedagógico. Essa abordagem é fundamentada na compreensão da cultura como uma prática
social dinâmica, em constante evolução.

Essa dicotomia entre o Professor Monocultural e o Professor inter/multicultural destaca a


importância da perspetiva do educador na construção de um ambiente educacional inclusivo e
enriquecedor. A promoção da diversidade cultural não é apenas uma questão de reconhecimento,
mas exige uma mudança profunda na abordagem pedagógica. A adoção de dispositivos
pedagógicos que favoreçam a compreensão e valorização das diversas culturas torna-se, assim,
um pilar central na construção de uma educação verdadeiramente intercultural.

Numa opinião pessoal, e diante das discriminações profundamente enraizadas na nossa


sociedade, a reflexão sobre o papel da educação e a postura dos educadores torna-se crucial.
Vivemos num mundo marcado por diversidades culturais, étnicas, socioeconômicas e de género,
e é imperativo que a educação não apenas reconheça essa multiplicidade, mas também a abrace
como uma riqueza intrínseca.

Na minha perspetiva, a discriminação manifesta-se, muitas vezes, de maneiras sutis e


complexas nas instituições educacionais, refletindo as desigualdades presentes na sociedade em
geral. Os professores desempenham um papel central na formação das mentes jovens e na
construção de uma sociedade mais justa. No entanto, essa responsabilidade implica desafios
significativos, especialmente quando confrontados com preconceitos arraigados e estereótipos
perpetuados ao longo do tempo.

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A minha convicção é que os professores se devem esforçar para se tornarem inter
multiculturais, abraçando a diversidade como uma força positiva em vez de uma ameaça.

No entanto, compreendo que essa transformação não ocorre sem desafios. Requer uma
mudança de mentalidade, um compromisso contínuo com a autocrítica e a disposição para
questionar as normas estabelecidas. É um processo que requer esforço coletivo, envolvendo não
apenas os professores, mas também as instituições educacionais, as famílias e a sociedade como
um todo. Tal como a professora Daniela mencionou, às vezes tendemos a ser ou possuir alguma
característica de uma Professor Monocultural.

Em última análise, minha opinião é que a educação deve ser um catalisador para a mudança
social, combatendo as discriminações enraizadas ao criar um ambiente que promova a igualdade,
a compreensão mútua e o respeito. Ao adotar práticas inter/multiculturais, os professores podem
contribuir significativamente para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, onde as
diferenças são valorizadas e celebradas.

No âmbito do meu estágio, deparo-me com um contexto peculiar em que a minha turma de
intervenção revela uma notável homogeneidade cultural. A ausência de alunos pertencentes a
minorias étnicas e a perceção de que a maioria está inserida numa classe média (apenas 4 alunos
têm escalão) torna difícil a associação ao tema. Ao dialogar com a orientadora cooperante da
instituição onde estou a estagiar, esta assegura desconhecimento de qualquer aluno racializado
na escola e nega, ainda, a existência de segregação de turmas. Obviamente que os professores
desconhecem grande parte das discriminações perpetuadas na escola, no entanto, não consegui
obter nenhuma informação de que isso, de facto, acontecesse. O ambiente atual, caracterizado
pela homogeneidade cultural e pela ausência de diversidade étnica e socioeconômica, pode não
refletir as complexidades e desafios que frequentemente surgem em ambientes escolares mais
diversos, considerando que o meu estágio é realizado numa vila.

Assim, embora as condições do meu estágio atual não abriguem uma turma multicultural,
mantenho o compromisso de oferecer uma experiência educacional enriquecedora,
proporcionando aos alunos a oportunidade de explorar, compreender e apreciar a diversidade
cultural nas suas futuras jornadas, garantindo a não continuação das discriminações perpetuadas
na nossa sociedade contemporânea.

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3. Algumas considerações

É evidente que as desigualdades sociais exercem uma influência profunda no sistema


educacional, moldando as trajetórias acadêmicas dos indivíduos desde tenra idade. A relação
intrínseca entre escola e sociedade, conforme discutido, destaca a importância de
compreendermos o papel da família, o impacto do capital cultural e as disparidades no acesso à
educação.

A reflexão sobre a inclusão e a promoção da diversidade cultural no ambiente escolar emerge


como uma necessidade premente. A proposta de uma "educação inter/multicultural" surge como
uma abordagem significativa para superar as barreiras culturais e promover o sucesso acadêmico.
No entanto, é crucial que essa transformação parta não apenas de políticas educacionais, mas
também da postura e comprometimento dos educadores.

Ao abordar especificamente as crianças de etnia cigana em Portugal, fica claro que persistem
desafios significativos no acesso à educação e no combate ao analfabetismo. A análise destas
desigualdades destaca a necessidade urgente de ações preventivas e remediativas, visando
resolver questões socioeconômicas subjacentes.

Em última análise, destaco a complexidade das questões relacionadas às desigualdades


sociais no sistema educacional e reforço a necessidade contínua de diálogo, reflexão e ações
efetivas para criar ambientes educacionais verdadeiramente inclusivos e igualitários.

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4. Referências Bibliográficas

Diários de Notícias (25 de outubro de 2022). Risco de pobreza afeta 96% dos ciganos em
Portugal. Mais de 60% sentiu discriminação. https://www.dn.pt/sociedade/risco-de-pobreza-afeta-
96-dos-ciganos-em-portugal-mais-de-60-sentiu-discriminacao-15284740.html

Diogo, Ana. 2008. Investimento das famílias na escola. Configuração familiar e contexto
escolar local. Oeiras: Celta.

Magano, O., & Mendes, M. M. (2016). Ciganos e educação: Constrangimentos e


oportunidades para a continuidade e sucesso educativo das pessoas ciganas em Portugal. Revista
de Sociologia da Universidade do Minho, 11. Recuperado de
https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/46159/1/versão%20integral_nº18.pdf

Oliveira, L. & Cruz, R. (2014). Capital cultural e educação: uma análise da obra de Bordieu.
Religião, poder e educação, pp. 1247-1255.
https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/41673/1/2014_eve_lksoliveirarccruz.pdf

Silva, G. (1995). Capital cultural, classe e género em Bourdieu. Informare – Cadernos do


Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, 1(2), pp. 24-36.
https://ridi.ibict.br/bitstream/123456789/215/1/OlintoSilvaINFORMAREv1n2.pdf

Stoer, S. (2008). Construindo a Escola Democrática através do «campo de recontextualização


pedagógica». Educação, Sociedade e Culturas, n.o 26, pp. 133-147.

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