Você está na página 1de 22

A VIOLÊNCIA ESCOLAR A PARTIR DE PIERRE BOURDIEU: OS MEIOS DE

REPRODUÇÃO E A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA

Aline ReginatoDetófani1
Clenir Maria Moretto2

Resumo: A temática da violência escolar vem ganhando expressão e visibilidade na sociedade, com repercussão
significativa nas mídias sociais, indicando um fenômeno complexo e desafiador. Este estudo teve como objetivo
central identificar e compreender os principais aspectos da violência escolar, a partir dos meios de reprodução
social e de violência simbólica no Brasil, tendo como referência Pierre Bourdieu. Para isso, foi utilizada a
metodologia de pesquisa bibliográfica, exploratória, de abordagem qualitativa, tendo como base autores que
fizeram uso da referência de Pierre Bourdieu nos estudos sobre violência escolar, além de livros do próprio
sociólogo. Analisou-se três artigos de forma a buscar responder como os conceitos de reprodução e de violência
simbólica podem ser trabalhados na compreensão da violência escolar; busca-se, também, analisar como a
violência escolar se manifesta no contexto escolar e ainda analisar de que forma a imposição da cultura da classe
dominante influencia o contexto escolar na consolidação da reprodução e da violência simbólica sobre a classe
dominada. O estudo contribui para a problematização da influência que a cultura da classe dominante exerce
sobre as instituições escolares e seu meio, tornando assim uma reprodução social imposta dessa cultura.

Palavras-chave: Escola, violência simbólica, cultura dominante, reprodução social.

Introdução

Nos seus mais diversos contextos e nas suas mais variadas formas de se manifestar, a
violência é um tema sempre atual para ser refletido e debatido, principalmente quando se trata
do âmbito escolar.
É justamente aí um primeiro ponto a ser trabalhado, que vai pela perspectiva de
quebrar o senso comum sobre as formas de violência, pois muitas atitudes que encontramos
na sociedade, no nosso dia a dia e no espaço da escola, não são vistas como violentas ou como
passíveis de geração de violência. Desse modo, essas atitudes violentas ou que contribuem de
alguma forma para a violência, podem passar despercebidas no cotidiano. Quando se trata da
escola, a violência pode se apresentar de diversas formas, de modo a promover desigualdade e
reproduzir ciclos de violências.
O Brasil constitui-se, hoje, segundo a agência da ONU, como o sétimo país que mais
mata jovens. De acordo com o site de notícias G1, ao falar sobre o relatório do Fundo das
1
Acadêmica do curso de Serviço Social VIII nível da Universidade de Passo Fundo – UPF.
2
Professora do Curso de Serviço Social da Universidade de Passo Fundo. Mestre em Serviço Social. Orientadora
do trabalho de conclusão de curso - TCC.
2

Nações Unidas para a Infância (Unicef), ligado à ONU, dentre os países sem conflito armado com as
piores taxas de homicídios de crianças e adolescentes, o Brasil ocupa a quinta posição (ONUBR,
2017). Nesse sentido, também temos a violência em outros contextos, como no âmbito escolar, onde
aparecem outras formas de violência e com isso “a prática de atos de violência física ou psicológica
contra uma pessoa já é realidade em significativa parte do mundo. No Brasil, 43% dos estudantes de
11 a 12 anos disseram ter sido vítimas de bullying na escola”(CAESAR, 2017, p. 1).
Assim, podemos perceber que a violência escolar se torna fato comum nesse meio,
onde as relações perpassam por práticas violentas de modo natural. Diante disso, como nos
afirma Souza (2012, p. 26), “para entender melhor as relações entre as práticas da violência e
a escola, é necessário saber que, esta, se passa pela reconstrução das relações sociais que estão
presentes no espaço social e escolar”, ou seja, na imposição da cultura dominante no espaço
escolar como única e legítima. Outro ponto, também, diz respeito aos contextos que a
violência está presente, fato este que vem acompanhado não só do senso comum, mas também
de preconceito no que se refere a acreditar que a violência vem exclusivamente da pobreza e
assim, consequentemente, de famílias que residem em territórios periféricos.
Em uma perspectiva mais ampla, a violência está presente desde as pequenas coisas do
dia a dia, e não só nas grandes tragédias que vemos. Também não só na pobreza. Assim, não é
preciso que apareça com facilidade, através de uma violência explicita, sendo visível a todos
para existir. Muitas vezes pode ser silenciosa e invisível aos nossos olhos. Com referência a
isso, “o tema da violência, entretanto, não se reduz à taxa de homicídios. As manifestações do
fenômeno, como se sabe, são multifacetadas e atravessam as relações sociais e as instituições
brasileiras de maneira perturbadora, inclusive nossas escolas” (ROLIM, 2008, p. 23).
Sabendo da existência desde os tempos antigos, como forma de punição, repressão,
castigo e até educação e obediência, tida como única forma de se adquirir “disciplina”, a
violência foi visualizada como solução a isso na sociedade por muito tempo. No ambiente das
instituições de ensino, a disciplina dos alunos é um item muito exigido perante os professores
para que se possa alcançar o “sucesso escolar”. Em contrapartida, Maldonado afirma que:

Na história da humanidade, a raiva, o ódio e a violência sempre existiram. O amor, a


solidariedade e a cooperação também. [...] A agressividade é necessária para lutar
pelos próprios direitos, indignar-se com as injustiças e ter persistência para batalhar
por metas de vida. No entanto, o impulso agressivo, quando não é bem cuidado,
pode se transformar em ódio e violência, tornando-se, portanto, destrutivo.
(MALDONADO, 2004, p.5)
3

Do mesmo modo e contextualizando esses impulsos agressivos que influenciam ou


não para a geração da violência, dependendo do modo em que a direcionamos, Caliman traz
que:

A violência é, em geral, descrita como uma característica da natureza humana. É,


pois, considerada como momento de reação dos indivíduos diante das ameaças
externa ou das frustrações internas. Diante de tais sentimentos – quase sempre
negativos – a natureza humana tende a solicitar a interferência da agressividade, para
administrar os conflitos inter-pessoais e inter-grupais. (CALIMAN, 2010, p. 1)

Diante disso, entende-se que a agressividade é um fenômeno histórico, percebido


como algo bom quando vem dela a pulsão de vida, e ruim quando se materializa em atos
violentos. As violências vinculadas ao ódio prejudicam tanto as relações, quanto as pessoas
que a produzem.
O mesmo ocorre nas relações escolares, por meio da reprodução de impulsos
agressivos e negativos e pela imposição da autoridade nessas instituições, gerando violência.
Visto isso, o estudo tem enfoque na violência escolar através da perspectiva de Pierre
Bourdieu, em sua abordagem sobre a violência simbólica e reprodução social. Temos a
perspectiva desse sociólogo como foco, visto a importância de se falar sobre a violência nas
instituições escolares, sabendo-se que, estas, são instrumento de transformação social. Nesses
contextos, a violência aparece camuflada através de regras e normas presentes na dinâmica
institucional. Sem um olhar mais apurado, passa-se a acreditar que o meio escolar não produz
violências e que, assim, estas vêm somente de fora desse contexto, pela noção de violência na
escola, e não da escola.
Partindo dessas considerações, destaca-se que a questão central do presente estudo
buscou responder quais os principais aspectos da violência escolar estão presentes nos estudos
que abordam essa temática, tendo como referência Pierre Bourdieu, a partir dos meios de
reprodução e de violência simbólica. Desse modo, busca-se como objetivos específicos,
conhecer como os conceitos de reprodução e de violência simbólica podem ser trabalhados na
compreensão da violência escolar; analisar como a violência simbólica se manifesta no
contexto escolar; e ainda, analisar de que forma a imposição da cultura da classe dominante
influencia o contexto escolar na consolidação da reprodução e da violência simbólica sobre a
classe dominada.
O sociólogo francês, Bourdieu, aborda que essas violências se manifestam a partir de
uma reprodução da cultura dominante, que vem da classe mais forte e com mais poder,
4

inculcada para a classe subalternizada ou,nesse mesmo sentido, dominada. Essas reproduções
se manifestam então, por meio das instituições escolares, que assim como são caracterizadas
de instrumentos ideológicos de transformação social, têm um grande potencial para que essa
imposição da cultura dominante seja inculcada de forma arbitrária e legítima. Por esse modo,
“confere ao sistema escolar uma certa neutralidade e outorga-lhe a função de inculcar nos
seus agentes o arbitrário cultural de maneira inquestionável, o que torna de fundamental
importância e eficácia na manutenção e reprodução social” servindo assim, aos anseios da
classe dominante (ALMEIDA, 2005, p. 145).
O presente estudo está estruturado de modo a, num primeiro momento, apresentar o
esboço da metodologia da pesquisa. Em seguida, são apresentadas as análises, sob a forma de
categorias temáticas, as quais destacamos como: violência escolar – Escola e violências:
pensando a partir de Bourdieu; violência simbólica – Violência (simbólica) no contexto
escolar: das desigualdades à dominação; e cultura dominante e reprodução – A escola como
lugar de reprodução da cultura dominante.

Metodologia

O estudo se baseia na pesquisa bibliográfica, que é definida por Marconi e Lakatos


(2003, p. 158), como “um apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados,
revestidos de importância, por serem capazes de fornecer dados atuais e relevantes
relacionados com o tema”. Dessa forma, buscaram-se materiais relacionados ao tema em
estudo, visto nesse método uma grande gama de opções para pesquisa se comparado com
outros métodos.
Quanto aos objetivos, o estudo se caracteriza como exploratório, pois, assim como
afirma Gil:

[...] têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com
vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas
pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de
intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a
consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado (GIL, 2002, p.
41).

Desse modo, a pesquisa exploratória pode propiciar o conhecimento e aprofundamento


sobre o tema de estudo, o qual foi realizado através do levantamento bibliográfico. Em
5

relação à abordagem do estudo, este se deu por meio da pesquisa qualitativa, que “se
preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado”
(MINAYO et. al., 2001, p. 21) e tem mais enfoque no processo e na análise da realidade. Na
concepção de Fonseca (2002), a pesquisa qualitativa se embasa na análise da realidade que
não pode ser quantificada, pois tem a compreensão e explicação da realidade e relações
sociais, buscando compreender a totalidade dos problemas em suas múltiplas faces.
A escolha do material utilizado para coleta de dados partiu de uma primeira leitura de
artigos que tiveram como base o autor francês Pierre Bourdieu, no que ele traz sobre a
violência simbólica e a reprodução no campo da educação escolar, utilizando-se, para isso, da
ferramenta de busca Google Acadêmico. Considerando o baixo número de artigos brasileiros
relacionados ao tema, numa segunda etapa se aplicaram os critérios de inclusão e exclusão,
que são os elementos que definem quais obras serão incluídas no estudo. De acordo com isso,
esses critérios se deram por obras relacionadas à violência escolar tendo como base Bourdieu,
usando-se dos termos, “violência simbólica”, “reprodução”, “Pierre Bourdieu e a violência
escolar” e ainda “violência simbólica e reprodução em Pierre Bourdieu”, onde foram
escolhidos sete artigos e, dentre esses, selecionados apenas três, os quais atenderam aos
objetivos propostos. E em se tratando dos artigos selecionados, estes estão dispostos no
quadro a seguir:

Tabela 1 – Quadro de artigos utilizados

Título Autores Plataforma Revista Data


A violência simbólica na Liliane Pereira de Google Revista 2012
escola: contribuições de Souza. Acadêmico. Labor.
sociólogos franceses ao
fenômeno da violência
escolar brasileira.
Pierre Bourdieu: a Lenildes Ribeiro da Google Revista Inter- 2005
transformação social no Silva Almeida. Acadêmico. Ação.
contexto de “A
reprodução”.
Violência simbólica no Adrielly Rocha Google Revista 2015
contexto escolar: Tiradentes. Acadêmico. Eletrônica do
discriminação, inclusão e Curso de
o direito à educação. Direito.
Fonte: produção da autora
6

Pensando nisso, e levando-se em conta o método de pesquisa bibliográfica, foram


escolhidos os três artigos científicos que abordaram Pierre Bourdieu no que diz respeito ao
que o autor discute sobre a violência simbólica e a reprodução no meio escolar. Além dos
artigos, foram utilizados dois livros de Pierre Bourdieu, no intuito de dar fundamentação
teórica à discussão, quais sejam: O poder simbólico; e A reprodução, elementos para uma
teoria do sistema de ensino.
Com isso, de acordo com o que dizem Marconi e Lakatos (2003, p. 115) “no universo,
a variedade de fenômenos passíveis de estudo é infinita; entretanto, a ciência seleciona
aqueles que deseja estudar e, além disso, os abstrai da realidade, escolhendo alguns aspectos
do fenômeno [...], não estudando, portanto, todo o fenômeno”, ou seja, sobre o tema desejado
para o estudo, existem infinitas publicações e bibliografias disponíveis para a pesquisa, mas
não é necessária a utilização de todas. É realizada a seleção dos aspectos que se quer estudar,
fazendo a delimitação da amostra da pesquisa.
Marconi e Lakatos (2003) afirmam, ainda, que a delimitação do universo da pesquisa
se constitui em determinar o que será pesquisado, de acordo também com as características
comuns.
A obtenção dos dados foi feita a partir do método de análise de conteúdo de Bardin
(2011), a qual se explica de acordo com sua divisão, que se dá em três diferentes fases: pré-
análise, exploração do material e tratamento dos resultados, sua interferência e interpretação.
O primeiro, como sendo a pré-análise, consiste em analisar as ideias iniciais do material
trabalhado, tendo também que fazer “a escolha dos documentos a serem submetidos à análise,
a formulação das hipóteses e dos objetivos e a elaboração de indicadores que fundamentem a
interpretação final” (BARDIN, 2011, p. 125).
Com isso, Bardin estabelece meios para tal, indicando a “leitura flutuante” como
maneira mais rápida de selecionar os materiais a serem utilizados a partir dos dados coletados,
a escolha dos documentos e da demarcação do universo, definidos por meio de algumas
regras: a regra da exaustividade, da representatividade, da homogeneidade e de pertinência
(BARDIN, 2011).
Para análise de conteúdo, tem-se a exploração do material que é feito após esta pré-
avaliação. Além da exploração do material, o terceiro passo diz respeito ao tratamento dos
resultados obtidos e a interpretação. Estes são observados através de quadros, diagramas,
figuras e modelos para condensar as informações obtidas e “para um maior rigor, esses
7

resultados são submetidos a provas estatísticas, assim como a testes de validação” (BARDIN,
2011, p. 131).

1. Escola e violências: pensando a partir de Bourdieu

As abordagens sobre violência escolar podem ser encontradas a partir de diferentes


fontes e linhas de pensamento. Há escolas comportamentalistas, que tratam da questão de
forma a enfatizar o lugar da disciplina e da autoridade como meio de legitimar a ordem
escolar. Outras escolas, mais críticas, abordam a violência escolar como sintoma
biopsicossocial, que expressa aspectos econômicos, culturais e sociais da vida em sociedade,
em família, e do modo como se constituem os sujeitos.
Nas escolas, a violência assume diferentes configurações, ficando também, muitas
vezes, não visível no cotidiano. Dessa maneira, a violência nas escolas consiste em um tema
que deveria preocupar e mobilizar a todos, pois, precisa-se da cooperação social para se
estabelecer relações de respeito e igualdade. Para isso, Rolim (2008, p. 26) traz que “o
fenômeno da violência nas escolas deve, também por esta razão, ser tratado a partir das suas
especificidades e não como se fosse uma simples e natural resultante de problemas situados
mais amplamente na sociedade”.
Dentre os autores que discutem o fenômeno da violência escolar, citamos Marcos
Rolim (2008) e Bernard Charlot (2002) que, em perspectivas críticas, propõem pensar o
fenômeno na sua complexidade. Charlot (2002, p. 434) afirma que “essa violência escolar
parece aumentar, apesar dos „planos‟ e medidas postos em prática há uma dezena de anos:
tudo se passa como se a violência na escola estivesse convertendo-se em um fenômeno
estrutural e não mais, acidental” instalado nas escolas, pois a violência na escola não é um
fenômeno novo, as formas e aspectos que ela assume é que são novos.
Nesse sentido, a escolha por Bourdieu seguiu da perspectiva de entender, a partir de
um autor da sociologia e seus intérpretes, estes aspectos não tão visíveis da violência, assim
como mencionado anteriormente, já que se trata de um fenômeno marcado por detalhes os
quais podem passar despercebidos, principalmente relacionado às crianças e jovens.
Considerando nosso conhecimento incipiente sobre a obra de Bordieu, e também os
objetivos do presente estudo, buscamos nos conceitos de reprodução e de violência simbólica
8

o aporte central para o entendimento da violência no contexto da escola. Dessa forma,


Bourdieu entende por reprodução, o fato de que:

Enquanto imposição arbitrária de um arbitrário cultural que supõe a AuP, isto é, uma
delegação de autoridade, a qual implica que a instância pedagógica reproduza os
princípios do arbitrário cultural, imposto por um grupo ou por uma classe como
digno de ser reproduzido, tanto pela sua existência quanto pelo fato de delegar a uma
instância a autoridade indispensável para reproduzi-lo, a AP implica o trabalho
pedagógico (TP) como trabalho de inculcação que deve durar o bastante para
produzir uma formação durável; isto é, um hábituscomo produto de interiorização
dos princípios de um arbitrário cultural capaz de perpetuar-se após a cessação da AP
e por isso de perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário interiorizado.
(BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 43-44)

No sentido aqui exposto por Bourdieu e Passeron, a reprodução é a imposição do


capital cultural da classe dominante, refletido através da autoridade pedagógica que o torna
incontestável e, desse modo, fazendo com que permaneçam tais práticas mesmo após a
passagem dos sujeitos pelas instituições escolares, sabendo-se que estas são instrumento
ideológico de transformação social. Reforçando isso, Almeida afirma que o sistema escolar
possui uma certa neutralidade concedendo-lhe:

[...] a função de inculcar nos seus agentes o arbitrário cultural de maneira


inquestionável, o que torna de fundamental importância e eficácia na manutenção e
reprodução social. A dissimulação presente no sistema escolar não permite aos seus
agentes a visão da sua dependência e instrumentalização em relação à estrutura
objetiva. Sendo assim, ao contrário, a autonomia do sistema escolar esconde o fato
de ser a escola um instrumento ideológico, que serve aos anseios da classe
dominante, inculcando o arbitrário cultural de maneira legítima. (ALMEIDA, 2005,
p. 145)

No anseio de impor os interesses da classe dominante, a escola,ao tentar padronizar os


sujeitos em um modelo único, contribui ainda mais para reforçar as desigualdades,
influenciando, assim, para a geração de violência. Em vista disso, Almeida nos traz que “a
dominação acontece por meio da violência camuflada, dissimulada e, portanto, simbólica”
(2005, p. 146). A presença da violência na escola é um meio de controle social, assim como
também afirma Caliman (2010).
A violência simbólica aparece na obra de Bourdieu (1998, p. 9) como sendo um poder
invisível, juntamente com a negação daqueles que o percebem ou o fazem, e ainda, afirma que
“o poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem
gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social) ”. Dessa
9

forma, entendemos que as relações de poder têm ligação direta com a violência simbólica,
pois é através da imposição do poder entre uma classe e outra que se constituem as relações
de violência simbólica. Para afirmar isso, lembramos do que Pierre Bourdieu refere:

É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de


conhecimento que os “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política de
instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para
assegurar a dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando o
reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam. (BOURDIEU,
1998, p. 11)

Levando-se em conta a perspectiva de entender como tais conceitos aparecem nos


textos selecionados, constatamos que dos quatro artigos analisados, dois deles abordam de
forma explícita o conceito de reprodução social vinculado ao âmbito escolar. Tiradentes
ensina que:

Teoricamente, através da educação, o indivíduo deveria emancipar-se de toda forma


de domínio, colocando em cheque conhecimentos ou determinações, identificando,
pois, as situações que o colocam como vítima da violência simbólica. Porém, do que
se depreende no atual contexto, a escola tem se configurado como um poderoso
instrumento apto a legitimar todo esse mecanismo de reprodução de estruturas
sociais. (TIRADENTES, 2015, p. 41)

Por outro lado, em uma visão diferente, destacamos outro artigo analisado onde
Almeida (2005, p. 149), discute a função transformadora da escola, afirmando que “sendo a
escola uma instituição que exerce um papel fundamental para a reprodução da ordem social,
também em seu interior podem construir-se as bases fundamentais para o questionamento e a
transformação da sociedade”. E segue, apontando que “quanto mais o sistema escolar
dissimular sua ação pedagógica e suas relações com as estruturas objetivas sob a característica
de pseudoneutralidade, mais estará funcionando como instrumento de reprodução social”
(ALMEIDA, 2005, p. 145).
Diante disso, podemos destacar aqui que para Pierre Bourdieu (1998, p. 25), a
reprodução social enquanto conceito faz sentido no contexto escolar por que é “definida como
reprodução da estrutura das relações de força entre as classes”, assim como nas ações
pedagógicas (AP), as quais reproduzem os interesses da classe dominante para a classe
dominada, através das relações de poder e força, onde “essas AP tendem sempre a reproduzir
a estrutura da distribuição do capital cultural entre esses grupos ou classes, contribuindo do
mesmo modo para a reprodução da estrutura social” (BOURDIEU, 1998, p. 25).
10

De forma menos explícita, mas vinculado a essa discussão, trazendo a questão da


reprodução no meio escolar através de relações de poder e força, Souza aborda que:

O poder arbitrário na escola, é responsável pela imposição e inculcação, que são as


relações de força, do arbitrário cultural, pois os conteúdos, métodos de trabalho,
avaliação, são impostos pelos agentes como importantes e merecedores de serem
ensinados. Sendo assim, atreves da ação pedagógica, mantêm-se a reprodução, de
uma violência simbólica. (SOUZA, 2012, p. 26-27)

Do mesmo modo, a autora continua essa discussão acrescentando que “a escola é vista
como reprodutora das desigualdades sociais e que a exclusão é uma das grandes causas da
violência na escola” (SOUZA, 2012, p. 28). Com isso, o ambiente escolar se assume como
espaço impulsionador dessas desigualdades, promovendo a imposição da cultura da classe
dominante, pois assim como afirma Bourdieu (1998), do mesmo modo que a cultura une,
tentando manter um padrão de ensino, também separa, pois consolida ainda mais as
desigualdades.
No sentido de pensar sobre as desigualdades, podemos perceber que elas acabam
contribuindo para a consolidação e geração de violência, o que podemos reforçar a partir do
que diz Caliman:

O Brasil não pode analisar sua violência sem levar em consideração o fato de ser um
dos países mais desiguais do mundo. Isso significa que é também um dos países que
mais geram mal-estar, insatisfações e sentimentos de privação, premissas e
condicionantes de uma agressividade impossibilitada de ser educada e administrada.
Tanto assim que desemboca em reações de violência as mais diversas. (CALIMAN,
2010, p. 7)

A ideia de privação também é um fator que contribui para a agressividade e a


violência, a qual está fortemente presente no âmbito escolar, pois do mesmo modo, atua como
uma relação desigual, no momento em que não se é permitido agir fora dos padrões impostos
pela instituição escolar. Nesse sentido, podemos entender melhor essas concepções baseando-
se nas ideias de Bourdieu, na concepção de que a escola reproduz, no seu meio, a cultura da
classe dominante, e desse modo acaba contribuindo, também, para a geração da violência
simbólica, pois priva e exclui os sujeitos de suas individualidades e particularidades para
fortalecer apenas uma cultura, um meio de imposição como seu e legítimo. Para isso,
Tiradentes (2015, p. 46) afirma que é preciso o “abandono de práticas que direta ou
11

indiretamente corroboram com a instalação de práticas discriminatórias”, já que estas estão


diretamente ligadas com a presença da violência.

2. Violência (simbólica) no contexto escolar: das desigualdades à dominação

A imposição da autoridade nas instituições escolares, pelas regras e normas que


reproduzem os interesses dominantes, excluem a individualidade e particularidade dos
sujeitos, em uma perspectiva de violência simbólica, reforçando ainda mais as desigualdades.
Assim como afirmam Priotto e Boneti (2009, p. 170),“a violência interna e circundante à
escola, frequentemente atribuída aos jovens excluídos (ou em vias de exclusão) da escola é
também o produto do funcionamento de uma sociedade construída com base nestas
desigualdades”.
Levando-se em conta esses aspectos de desigualdades promovidos pelas ações
pedagógicas escolares na imposição da cultura da classe dominante em suas relações e no
trabalho pedagógico, Leite e Rosa afirmam que a instituição escolar está:

Imersa num movimento constante de luzes e sombras, delineia sonhos e (des)


esperanças. Com suas falas sutis, com práticas que escondem conteúdos
desqualificadores, inúmeras manifestações de violências corporificam-se nesse
espaço, atravessadas por experiências importantes para a formação da nossa
identidade, como viver os encontros significativos, construir amizades e
saberes.(LEITE; ROSA, 2011, p.118)

Sendo assim, podemos perceber que as inúmeras manifestações de violências, como


afirma a autora, se configuram na perspectiva da violência na e da escola, de um modo geral.
Sabemos ainda, que as violências são (re) produzidas fora dos muros escolares, mas também
dentro deles. Ainda de acordo com Leite e Rosa:

A escola produz violências, por exemplo, quando negamos que existem tempos e
processos de aprendizagem diversos e que entram em choque quando se exige a
homogeneização dos/as estudantes. E esta, bem como outras violências, imprimem
significações não apenas no âmbito físico, mas também, e fundamentalmente, no
âmbito simbólico. Simbólico pode ser compreendido como metáforas que atingem
“o meu ser” e deixam marcas, sem que, para isso, vejamos escorrer sangue. (LEITE;
ROSA, 2011, p.124)

Em se tratando da violência escolar, é preciso distinguir, aqui, as definições de


violência na escola e violência da escola, para um melhor entendimento da concepção de
12

violência abordada neste estudo. Para isso, utilizaremos Bernard Charlot que nos traz os dois
conceitos. Inicialmente, Charlot conceitua violência na escola, questionando o fato de que o
espaço escolar já foi lugar de detenção da violência, afirmando que:

A violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar, sem estar
ligada à natureza e às atividades da instituição escolar: quando um bando entra na
escola para acertar contas das disputas que são as do bairro, a escola é apenas o lugar
de uma violência que teria podido acontecer em qualquer outro local. Pode-se,
contudo, perguntar-se porque a escola, hoje, não está mais ao abrigo de violências
que outrora se detinham nas portas da escola. (CHARLOT, 2002, p.434)

Do mesmo modo, Charlot traz o conceito de violência da escola, como sendo uma
violência contra a escola também, pois:

Essa violência contra a escola deve ser analisada junto com a violência da escola:
uma violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da
maneira como a instituição e seus agentes os tratam. [...] se a escola é largamente
(mas não totalmente) impotente face à violência na escola, ela dispõe (ainda) de
margens de ação face à violência à escola e da escola. (CHARLOT, 2002, p. 434-
435)

Retomando o conceito de violência simbólica em Bourdieu, podemos perceber como


ela se manifesta, a partir do que o autor nos traz, afirmando que “toda ação pedagógica (AP) é
objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário, de um
arbitrário cultural” (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 20), ou seja, o fazer pedagógico das
instituições escolares, promovem a violência simbólica ao impor arbitrariamente a cultura da
classe dominante. De outro modo, Bourdieu ainda discute que:

As diferentes classes e fracções de classes estão envolvidas numa luta propriamente


simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme aos seus
interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideológicas reproduzindo
em forma transfigurada o campo das tomadas de posições sociais. Elas podem
conduzir esta luta quer diretamente, nos conflitos simbólicos da vida quotidiana,
quer por procuração, por meio da luta travada pelos especialistas da produção
simbólica (produtores a tempo inteiro) e na qual está em jogo o monopólio da
violência simbólica legítima, quer dizer, do poder de impor – e mesmo de inculcar –
instrumentos de conhecimento e de expressão arbitrários. (BOURDIEU, 1998, p. 11-
12)

Observando-se os três artigos analisados, percebe-se que essa questão aparece de


diferentes maneiras. Para Tiradentes, (2015, p.34) em se tratando da violência simbólica e
suas manifestações, levando-se em conta as desigualdades presentes no âmbito escolar por
13

meio disso, “tal mecanismo no âmbito escolar impõe uma série de barreiras e problemas para
a efetivação de um ensino que valorize e avalie cada aluno em suas especificidades”. Desse
modo, a escola trata “todos os alunos de forma igual, ignorando o meio de onde vieram, e,
consequentemente, as desigualdades sociais entre as diferentes classes sociais”
(TIRADENTES, 2015, p. 39), fazendo assim, um ensino padronizado, sem que a escola olhe
para a diversidade e individualidade de cada um, de modo que “percebe-se a desvalorização
da diversidade em vários aspectos, sejam eles físicos ou intelectuais” (TIRADENTES, 2015,
p. 33).
De outro modo, para Souza (2012, p. 21), “a desigualdade social é apontada como uma
das origens estruturais da violência” e essas desigualdades que contribuem para a violência,
favorecem “impulsos que se expressam através de hábitos, costumes, tradições” (SOUZA,
2012, p. 22). Ainda sobre o que diz a autora, a violência simbólica muitas vezes passa
despercebida e outras é facilmente vista, assim:

[...] quando as regras da escola não são claras, quando os alunos são pré-julgados ou
não são escutados, quando os professores se afastam muitas vezes porque não
conseguem responder aos anseios dos educandos ou, ainda, quando há a imposição
de tarefas dobradas a estes, é exercida a violência simbólica. (SOUZA, 2012, p. 31)

O meio escolar é espaço de grandes diversidades, processos culturais e sociais


advindos das crianças e jovens que ali frequentam. Essas diversidades e particularidades,
então, passam a ser excluídas, na medida em que o processo pedagógico escolar inculca a
cultura dominante como única e legítima. Desse modo, as desigualdades nas instituições
ganham força e:

A frustração dos jovens das camadas médias e populares diante das falsas promessas
do sistema de ensino converte-se em uma evidência a mais que corrobora as novas
teses propostas por Bourdieu. Onde se via igualdade de oportunidades, meritocracia,
justiça social, Bourdieu passa a ver reprodução e legitimação das desigualdades
sociais. A educação, na teoria de Bourdieu, perde o papel que lhe fora atribuído de
instância transformadora e democratizadora das sociedades e passa a ser vista como
uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam os
privilégios sociais. (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2002, p. 17)

Sabendo-se disso, “para que de fato possamos promover a educação inclusiva, faz-se
necessário repensar os processos escolares para todos e todas, pois o modelo conservador de
educação não atende à demanda de diversidade” (LEITE; ROSA, 2011, p. 52). E ainda, vale
14

lembrar que é a diversidade que nos torna humanos, sendo preciso respeitar e dialogar
(LEITE; ROSA, 2011).
O espaço escolar é onde se encontram as mais variadas realidades, sendo complexo e
multifacetado e por isso, sempre haverá conflitos. O ponto crucial está, desse modo, na
maneira em que a escola lidará com a diversidade, viabilizando ou não sua dimensão
(TIRADENTES, 2015). Quando se pensa na educação, a questão da desigualdade no espaço
escolar, o ensino padronizado, engessado e controlador, não nos vem à mente como opções a
serem consideradas primeiramente, pois têm-se a noção de sentido formador e inclusivo. Para
isso, Tiradentes refere que:

Teoricamente, através da educação, o indivíduo deveria emancipar-se de toda forma


de domínio, colocando em cheque conhecimentos ou determinações, identificando,
pois, as situações que o colocam como vítima da violência simbólica. Porém, do que
se depreendo do atual contexto, a escola tem se configurado como um poderoso
instrumento apto a legitimar todo esse mecanismo de reprodução de estruturas
sociais. (TIRADENTES, 2015, p. 41)

Retomando a ideia da desigualdade e relações desiguais, Bourdieu traz a abordagem


do capital cultural, para enfatizar a questão da diferença do poder entre as classes, onde
prevalece a classe dominante. Para justificar isso, Bourdieu afirma em seu texto que:

A posição de um determinado agente no espaço social pode assim ser definida pela
posição que ele ocupa nos diferentes campos, quer dizer, na distribuição dos poderes
que actuam em cada um dele, seja, sobretudo, o capital econômico – nas suas
diferentes espécies –, o capital cultural e o capital social e também o capital
simbólico, geralmente chamado prestígio, reputação, fama, etc. que é a forma
percebida e reconhecida como legítima das diferentes espécies de capital.
(BOURDIEU, 1998, p. 134-135)

Do mesmo modo, Almeida comenta sobre o capital cultural nas suas diferentes formas
de manifestação, dizendo que:

O capital pode ser diferenciado em: econômico, acumulado por investimentos e


transmitido principalmente pela herança e por oportunidades lucrativas; cultural,
correspondente às qualificações intelectuais transmitidas pela família ou por
instituições, como a escola; social, adquirido na diversificação das relações sociais;
simbólico, relacionado aos rituais característicos de cada grupo social, as chamadas
regras de boas conduta. (ALMEIDA, 2005, p. 143)

Nesse sentido, podemos dizer que, em se tratando das escolas públicas e gratuitas, por
mais que seu acesso seja democrático, sempre haverá uma forte ligação com as desigualdades
15

sociais e principalmente culturais, pois a escola valoriza e exige dos alunos determinadas
qualidades que são desigualmente distribuídas entre as classes sociais e, desse modo, entre os
alunos.

3. A escola como lugar de reprodução da cultura dominante

O modo padronizado de tratamento aos alunos nas escolas mostra o favorecimento da


permanência da reprodução social, através da cultura da classe dominante e seu capital
cultural, onde “a perpetuação das desigualdades não é tema colocado em pauta de discussão.
Eis que, além de não ser um assunto de interesse da classe dominante, a sociedade sedimentou
o entendimento de que igualdade que se presa é a formal, ou, em miúdes, aquela propulsora
da meritocracia” (TIRADENTES, 2015, p. 39). Desse modo, a instituição escolar se torna um
espaço reprodutor dessa cultura dominante, tendo-a como única e legítima. Além disso, “se a
escola atribui vantagem àqueles que já a detém, muito mais propício que os pertencentes à
classe dominante alcancem mais facilmente as metas estipuladas pela instituição,
corroborando com a ideia de mérito trazida em seu bojo” (TIRADENTES, 2015, p. 39).Com
isso, podemos entender a questão que passa pelo senso comum, de que a classe subalternizada
ou dominada não alcança os patamares de poder e conquistas que tem a classe dominante, por
uma questão de méritos e merecimentos.
Nessa linha de pensamento, Bourdieu refere sobre a presença do mérito no contexto
escolar, afirmando que este aparece camuflado, pois a ação pedagógica escolar é pautada na
reprodução da cultura dominante, e desse modo neutralizada. Sendo assim, é apresentada
como própria da instituição escolar, o que, na questão da representação e fortalecimento do
mérito aos já privilegiados por sua cultura própria, torna-se objeto despercebido, de modo
que:

A ideia contra a natureza de uma cultura de nascimento supõe e produz a cegueira


face às funções da instituição escolar que assegura a rentabilidade do capital e
legitima a sua transmissão dissimulando ao mesmo tempo que preenche essa função.
Assim, numa sociedade em que a obtenção dos privilégios sociais depende cada vez
mais estreitamente da posse de títulos escolares, a Escola tem apenas por função
assegurar a sucessão discreta a direitos de burguesia que não poderiam mais se
transmitir de uma maneira direta e declarada. Instrumento privilegiado da
sóciodicéia burguesa que confere aos privilegiados o privilégio supremo de não
aparecer como privilegiados, ela consegue tanto mais facilmente convencer os
deserdados que eles devem seu destino escolar e social à sua ausência de dons ou de
16

méritos, quanto em matéria de cultura a absoluta privação de posse exclui a


consciência da privação de posse. (BOURDIEU; PASSERON, 1982, p. 218)

Com isso, a escola assume um papel de conservação social, o qual promove uma
igualdade propulsora da meritocracia, onde as classes precisam desaprender sua cultura
própria para se encaixarem na sociedade e estarem de acordo com o padrão escolar proposto,
ignorando assim, suas origens sociais e culturais. Diante disso, Souza dialoga que:

Para os filhos das classes trabalhadoras, a escola representa uma ruptura no que se
refere aos valores e saberes de sua prática, que são desprezados, ignorados e
desconstruídos na sua inserção cultural, ou seja, necessitam aprender novos padrões
ou modelos de cultura. Sendo assim, para os alunos filhos das classes dominantes
alcançarem o sucesso escolar torna-se bem mais fácil do que para aqueles que têm
que desaprender uma cultura para aprender um novo jeito de pensar, falar,
movimentar-se, enfim, enxergar o mundo, inserir neste processo para se tornar um
sujeito ativo nesta sociedade. (SOUZA, 2012, p. 29)

Contudo, podemos observar que na visão do filósofo John Rawls, a questão da


meritocracia entra na perspectiva de que:

[...] homens nascidos em condições diferentes têm expectativas de vida diferentes,


determinadas, em parte, pelo sistema político bem como pelas circunstâncias
econômicas e sociais. Assim as instituições da sociedade favorecem certos pontos de
partida mais do que outros. [...] mas afetam desde o início as possibilidades de vida
dos seres humanos; contudo, não podem ser justificadas mediante um apelo às
noções de mérito ou valor. (RAWLS, 1997, p. 8)

Seguindo nessa perspectiva, buscando aprofundar mais o tema, o filósofo ainda


conceitua dizendo que a meritocracia como forma de ordem social:

[...] segue o princípio das carreiras abertas a talentos, e usa a igualdade de


oportunidades como um modo de liberar as energias dos homens na busca da
prosperidade econômica e do domínio político. Existe uma visível disparidade entre
a classe mais alta e a classe mais baixa, tanto nos meios de vida quanto nos direitos e
privilégios da autoridade organizacional. (RAWLS, 1997, p. 114)

Portanto, as vantagens adquiridas por determinada classe, bem como os


favorecimentos obtidos, segundo o que afirma Rawls, não se justificam existir por meio de
uma questão de merecimentos ou não, mas sim, apenas de condições diferentes de vida, a
partir de sua cultura natural e de meio onde se nasce. Comparado a isso, o filósofo ainda
17

descreve sobre a noção do princípio da diferença, para compreender melhor a sua perspectiva
em relação ao mérito, onde afirma que:

O princípio da diferença representa, com efeito, um consenso em se considerar, em


certos aspectos, a distribuição de talentos naturais como um bem comum, e em
partilhar os maiores benefícios sociais e econômicos possibilitados pela
complementaridade dessa distribuição. Os que foram favorecidos pela natureza,
sejam eles quem forem, podem beneficiar-se de sua boa sorte apenas em termos que
melhorem a situação dos menos felizes. Os naturalmente favorecidos não se devem
beneficiar simplesmente porque são mais bem-dotados, mas apenas para cobrir os
custos de treinamento e educação e para usar os seus dotes de maneiras que ajudem
também os menos favorecidos. Ninguém merece a maior capacidade natural que
tem, nem um ponto de partida mais favorável na sociedade. (RAWLS, 1997, p. 108)

Por esse modo, Rawls conclui que essas desigualdades presentes entre as classes assim
distintas, podem ser abordadas de uma maneira positiva, trabalhando em razão dos menos
favorecidos, sem que ninguém se sobressaia por meio da ideia de méritos:

Mas, é claro, isso não é motivo para ignorar essas distinções, muito menos para
eliminá-las. Em vez disso, a estrutura básica pode ser ordenada de modo que as
contingências trabalhem para o bem dos menos favorecidos. Assim somos levados
ao princípio da diferença se desejamos montar o sistema social de modo que
ninguém ganhe ou perca devido ao seu lugar arbitrário na distribuição de dotes
naturais ou à sua posição inicial na sociedade sem dar ou receber benefícios
compensatórias em troca. (RAWLS, 1997, p. 108)

Nesse sentido, temos a igualdade de oportunidades, que significa deixar para trás a
questão de méritos por influência e condição social, assim a meritocracia vai contra os
princípios de justiça, que presa a equidade e entra na questão democrática, que propõe a noção
de merecimentos (RAWLS, 1997). Esses entendimentos podem ser colocados em discussão
na esfera escolar, onde a percepção de vantagens e méritos são bastante visíveis na relação
entre cultura de classes, o que se pode observar no momento de que a escola impõe um
mesmo plano de ensino para todos os alunos, não levando em conta suas singularidades, “o
que, em grande parte das vezes favorece aqueles que já possuem vantagem, qual sejam, os
alunos de classe dominante” (TIRADENTES, 2015, p. 38). Podemos compreender, aqui, o
que Tiradentes aborda quando retoma a ideia de Pierre Bourdieu sobre o espaço escolar como
reprodutor da meritocracia, e desse modo, legitimador da violência simbólica, afirmando que:

Bourdieu discorreu sobre a escola e seu papel na legitimação da violência simbólica,


a qual, além de disseminar um padrão único de ensino (aquele determinado com
base nos disígnios da classe dominante), atuava como importante instrumento de
18

conservação social, difundindo, principalmente, o caráter da meritocracia para


legitimar as desigualdades verificadas no meio social. (TIRADENTES, 2015, p. 37-
38)

O espaço escolar acaba por legitimar a violência simbólica, onde as desigualdades são
cada vez mais ressaltadas pela imposição de um padrão único que acaba por fortalecer apenas
uma parcela social. Isto é enfatizado pelos autores analisados nesse estudo, os quais referem
ser a escola um lugar de reprodução da cultura dominante. Para Souza (2012, p. 25) conforme
Bourdieu e Passeron, “o sistema de ensino dentro da sociedade capitalista tem uma dupla
função: a reprodução da cultura e a reprodução da estrutura de classes”, de acordo com a
cultura dominante. Já para Almeida (2005, p. 149) o campo escolar “age de acordo com um
arbitrário cultural dominante, como instrumento ideológico” e ainda, “os agentes „emissores
pedagógicos‟, utilizam-se de autoridade pedagógica para assim formar os indivíduos de
acordo com o que está estabelecido pela cultura dominante” (ALMEIDA, 2005, p. 146).
Podemos observar isso mais concretamente a partir do que Tiradentes afirma, pois
nesse sentido refere que a escola impulsiona:

[...] os alunos a serem meros reprodutores de conhecimento, desprezando suas


particularidades e especificidades. Tal procedimento é perfeitamente adequado a
ótica que perfaz o plano escolar no que tange a perpetuação da forma de pensar da
classe dominante, tornando totalmente dispensável a interação de educandos de
classes populares. (TIRADENTES, 2015, p. 38)

Com isso, essa “perpetuação da forma de pensar da classe dominante”


(TIRADENTES, 2015, p. 38) é melhor entendida nos conceitos de Pierre Bourdieu, a partir
dos conceitos de habituse campo assim utilizados para problematizar a reprodução da cultura
dominante. Com isso, Bourdieu (1998, p. 60) descreve que “a noção de habitus exprime
sobretudo a recusa a toda uma série de alternativas nas quais a ciência social se encerrou, a da
consciência (ou do sujeito) e do inconsciente, a do finalismo e do mecanicismo”, pois “o
habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um
capital” (BOURDIEU, 1998, p. 61). Já para a noção de campo, Bourdieu (1998, p. 59) afirma
que esta é designada por meio de “universos diferentes do mesmo modo de pensamento”.
Almeida aborda a questão do habituse do campo, se baseando nos conceitos de Pierre
Bourdieu ao afirmar que:
19

Bourdieu apresenta o conceito de habitus como sendo as exterioridades


interiorizadas pelo indivíduo de acordo com sua trajetória social. O habitus é
formado durante a socialização do indivíduo, desde o seu relacionamento familiar,
sua primeira educação, passando pela escola, religião, trabalho – todos os meios que,
enfim, irão contribuir para a formação do indivíduo em determinado contexto social.
O habitus tende à sua própria conservação, mas pode ser alterado na medida em que
se alteram os contatos sociais do indivíduo. (ALMEIDA, 2005, p. 142)

A partir disso, a autora observa que essa conservação do habitus, do mesmo modo em
que se forma, revela-se crucial para o processo de reprodução social no âmbito escolar
(ALMEIDA, 2005) e contribui do mesmo modo, para a presença da violência simbólica.
Ainda, sobre a concepção de campo, Almeida reflete que o conceito:

[...] para Bourdieu refere-se à situação social em que os agentes sociais realizarão
sua prática de acordo com o habitus apreendido. Um campo é marcado por agentes
dotados de um mesmo habitus em que se movimentam como jogadores, cujas
posições no jogo dependerão do acúmulo de capital correspondente ao campo que
cada indivíduo, ou agente, adquirir. (ALMEIDA, 2005, p.142)

Dessa forma, a teoria de Pierre Bourdieu vista apenas no sentido da reprodução social,
seria ignorar as ações dos agentes dentro do campo (ALMEIDA, 2005). Nessa perspectiva,
temos o espaço escolar, que atua como lugar de reprodução social ignorando as ações dos
sujeitos e suas individualidades, colaborando assim para a consolidação das violências, onde
estas se mostram “nas relações de poder, na violência verbal entre professores e alunos, na
discriminação indireta de gêneros e raça, entre outras e descreve o processo pelo qual a classe
que domina economicamente impõe sua cultura aos dominados” (SOUZA, 2012, p. 28). Com
isso, a reprodução do capital cultural dominante e desse modo a violência simbólica no
contexto escolar, só tendem a se fortalecer.

Considerações finais

A noção de violência simbólica no contexto escolar representa, de forma concreta,


uma ligação direta com o conceito de reprodução social, pois é por meio dessa reprodução da
cultura dominante, imposta no meio escolar, que se produzem as violências. Essas violências
se caracterizam como simbólicas por serem camufladas e inculcadas na ação pedagógica
escolar, quando esta não olha para a individualidade de cada aluno, bem como para o seu
meio social.
20

Nesse sentido, precisamos propiciar um ambiente de inclusão nas escolas e de


valorização de todas as culturas, procurando não reproduzir as violências e minimizando seus
efeitos. Deve-se, ainda, apontar possíveis caminhos para uma educação libertadora e
emancipadora, que expanda a forma de pensar de cada aluno, e que não o prenda em padrões
e regras, formando assim sujeitos com liberdade de expressão, onde os quais possam carregar
suas culturas e origens como legítimas, de modo a não mais ser construída uma formação
ideológica engessada e controladora.
Apesar disso, é importante destacar que a escola, ainda que preserve parte da cultura
do processo pedagógico e educacional, demonstrando-se como espelho de reproduções e
desigualdades sociais, não encontrará, sozinha e exclusivamente em seu meio, a solução para
todos os problemas (SOUZA, 2012). Portanto, é importante compreender a função
transformadora da escola e também de seus agentes atuantes nesse processo, como os
professores, por exemplo, construindo uma nova forma de olhar a coletividade, mantendo o
respeito a todas as culturas e, sendo assim, procurar na ação pedagógica escolar, uma
transformação e não a reprodução, conduzindo esses agentes sociais a isso (ALMEIDA,
2005). Assim, uma educação que seja transformadora e emancipadora, que vá além das
estruturas construídas com os meios de violência simbólica, só será possível no momento em
que as particularidades e singularidades de cada aluno forem respeitadas, permitindo a
integração e sentimento de pertença no meio escolar (TIRADENTES, 2015).
Desse modo, entendemos que a escola, apesar de ser compreendida como espaço de
ensino, aprendizagem, inclusão e união, revela-se como fortalecedora das desigualdades, pois
impõe como única e legítima a cultura da classe dominante. Diante disso, mesmo que a escola
busque a ideia de união por meio de um padrão singular de ensino, ela também separa e
afasta, pois é justamente isso que fortalece as desigualdades e consequentemente a geração da
violência. Com isso, observamos que a violência se apresenta, então, a partir da maneira em
que a escola lidará com a diversidade, viabilizando-a ou não. Podemos concluir também, que
é preciso compreender a singularidade e individualidade de cada um no âmbito escolar, sendo
este um espaço heterogêneo e de diversas realidades, para que assim, não haja uma
reprodução das culturas dominantes.
A escolha por Pierre Bourdieu nesse sentido foi fundamental para compreendermos a
influência que a cultura da classe dominante exerce nas ações desenvolvidas pelas instituições
escolares, prevalecendo as regras e normas de um padrão único e inquestionável. A
21

abordagem feita por Bourdieu permite refletirmos a sociedade em que vivemos e as


imposições feitas sobre nós nesse meio. Assim, compreendemos a questão da reprodução e da
violência simbólica, e a partir disso podemos lapidar novos caminhos para a educação, com
ações que busquem englobar a todas as culturas e classes, e também fortalecer as
potencialidades de cada aluno, quebrando com a ideia do sucesso alcançado pela meritocracia.
A partir do que observamos nesse estudo, percebemos a necessidade de aprofundar
nossos olhares e conhecimentos para um ensino mais inclusivo e integrativo entre professores
e alunos, onde as realidades de cada um e suas individualidades sejam consideradas.
Percebemos também, que a questão do capital cultural dominante que é imposto no meio
escolar, também deve ser melhor aprofundando, no sentido de entender sua influência nas
instituições de ensino, visto que é algo vindo de heranças culturais e assim reproduzido,
inculcado sobre a classe dominada.

Referências

ALMEIDA, Lenildes Ribeiro da Silva. Pierre Bourdieu:a transformação social no contexto de


“A reprodução”. Inter-Ação,UFG,p. 139-155,jan/jul 2005

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma teoria do


sistema de ensino. 2.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982

CAESAR, G. Brasil tem a 5ª pior taxa de homicídios de crianças e adolescentes, diz


Unicef.G1- Globo, o Mundo. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/brasil-
tem-a-5-pior-taxa-de-homicidios-de-criancas-e-adolescentes-diz-unicef.ghtml>. Acesso em: 6
de 11 de 2017

CALIMAN, Geraldo. Matrizes Estruturais e Culturais na Geração da Violência nas Escolas.


Unama – Universidade da Amazônia, 2010. Disponível em:
<https://socialeducation.files.wordpress.com/2010/11/caliman-violencia-nas-escolas.pdf>.
Acesso em: 03 de novembro de 2017

CHARLOT, Bernard. A violência na escola:como os sociólogos franceses abordam essa


questão. Sociologias, Porto Alegre, ano 4, n. 8, p. 432-443, jul/dez. 2002

FONSECA, João José Saraiva da. Metodologia da pesquisa científica. Ceará: Universidade
Estadual do Ceará, 2002
22

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa.4º ed. São Paulo: Atlas, 2002

LEITE, Amanda Maurício Pereira; ROSA, Rogério Machado (Org.). Módulo 3:educação,
escola e violências. Florianópolis: NUVIC – CED – UFSC, 2011

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da metodologia


científica.5. ed. São Paulo: Atlas, 2003

MINAYO, Maria Cecília de Sousa (Org.). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade.
Petrópolis: Vozes, 2001

NOGUEIRA; Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. A sociologia da


educação de Pierre Bourdieu:Limites e contribuições. Educação & Sociedade, ano XXIII, n.
78, abr. 2002

ONUBR, Nações Unidas no Brasil.Brasil tem 7ª maior taxa de homicídios de jovens de todo o
mundo, aponta UNICEF.Disponível em:<https://nacoesunidas.org/brasil-tem-7a-maior-taxa-
de-homicidios-de-jovens-de-todo-o-mundo-aponta-unicef>. Acesso em: 6 de 11 de 2017

PRIOTTO, Elis Palma; BONETI, Lindomar Wessler. Violência escolar:na escola, da escola e
contra a escola. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 9, n. 26, p. 161-179, jan/abr. 2009

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997

ROLIM, Marcos. Mais educação, menos violência:caminhos inovadores do programa


deabertura das escolas públicasnos fins de semana. Brasília: UNESCO, Fundação Vale, 2008

SOUZA, Liliane Pereira de. A violência simbólica na escola: contribuições de sociólogos


franceses ao fenômeno da violência escolar brasileira. Revista Labor, v. 1, n. 7, 2012

TIRADENTES, Adrielly Rocha. Violência simbólica no contexto escolar: discriminação,


inclusão e o direito à educação. Revista eletrônica do Curso de Direito,PUC Minas Serro, n.
12, agosto/dez. 2015

Você também pode gostar