Você está na página 1de 2

PROVA SOC1151

1. A partir do texto de Flávia Biroli (2018), desenvolva a citação seguinte: “Falar de aborto nos leva a tocar em questões
fundamentais para a cidadania e a democracia. Não se trata de um problema das mulheres, mas de um problema das
sociedades democráticas e de como impedem ou possibilitam aos indivíduos do sexo feminino o controle sobre o que
se passa no e com seu próprio corpo” (p. 146).
Historicamente no Ocidente, a mulher era controlada pelo pai ou pelo marido, uma postura chancelada pela
religião. Ou seja, a religião e sua influência moral penetrava não só na esfera familiar (privada), mas também política e
social (esfera pública). Nesse sentido, a mulher não tinha autonomia sobre seu corpo nem sua vida, além de ser
confinada ao ambiente doméstico com a única serventia de reprodução e da sexualidade são definidos por contextos
sociais, institucionais e econômicos – ou seja; aspectos socialmente constituídos.
Falar de aborto, então, é tocar em questões fundamentais para a cidadania e democracia. O aborto, então, assim
como a reprodução e a sexualidade, um fato social diretamente relacionado ao exercício da autonomia das mulheres,
pois reflete no controle sobre seu próprio corpo. Não é um problema das mulheres, mas das sociedades democráticas e
de como elas impedem as mulheres de controlar seu próprio corpo.
Essa discussão sobre aborto engloba falar dos limites da democracia. No Brasil, por exemplo, é difícil delimitar até
onde o Estado é laico e até onde a influência de grupos religiosos e conservadores (sob a bandeira da “defesa da família”)
interfere no debate sobre os direitos sexuais e reprodutivos. E Biroli ressalta que a questão não é a separação entre igreja
e Estado, mas o fundamento da sua autoridade.
Assim, a criminalização do aborto (salvo excepcionais ressalvas) nega as mulheres acesso ao direito sobre o próprio
corpo, a integridade física, psíquica e à dignidade. E essa recusa ao aborto ainda é mais profunda quando a se silencia
sobre as diferenças e desigualdades de classe e raça.
Flavia Biroli ressalta que, nos últimos anos, as lutas dos movimentos feministas e do grupo LGBT pelo direito ao
exercício da sexualidade sem violência e discriminação trouxeram avanços formais e a mudanças nos padrões sociais
de julgamento. Contudo, o exercício seguro da sexualidade ainda não é uma realidade para todos. E afirma que a recusa
dos direitos sexuais, a homofobia e o sexismo são vividos junto com as desigualdades de classe e raça.

2. Apresente uma descrição do lugar da família para os pobres, sobretudo no que se refere ao lugar da reciprocidade
e a dimensão moral do parentesco, constituindo um “sistema de obrigações morais”, segundo o texto de Cynthia Sarti.
Cynthia analisa o lugar do homem, da mulher e das crianças na família popular, entendendo que esses lugares
se definem dentro de uma estrutura complementar hierárquica de relações. O homem é a autoridade moral, o chefe da
família. Ele tem o papel de controlar a família (é o provedor) e garantir o respeito e proteção da família perante à
sociedade. Ele é responsável pela mediação da família com o mundo externo. A mulher tem o papel de cuidar da casa e
das crianças, mas sempre se submetendo ao homem. Cabe a ela manter a unidade interna da família e controlar o
dinheiro dentro de casa.
Nesse arranjo familiar entre os pobres, a família ultrapassa os limites da casa, envolvendo uma rede de
parentescos mais ampla para viabilizar sua existência. E, por vezes, ocorrem alguns deslocamentos familiares, mas que
isso não significa uma nova estrutura familiar.
Nos casos, por exemplo, em que o homem não consegue garantir o teto e o alimento e a mulher acaba
assumindo a responsabilidade econômica da família, a autoridade desse homem é abalada, o que acarreta uma perda
para a família como um todo, que acaba buscando essa autoridade masculina em outros homens da rede familiar. O
problema para a mulher não é prover economicamente a casa, mas manter o respeito conferido pela presença
masculina. Tal como o papel masculino, o papel feminino também pode ser deslocado. Na impossibilidade de ser
exercido pela mulher/mãe/esposa, é igualmente transferido para outras mulheres da família.
Cynthia ressalta que o projeto de casamento inclui constituir família, isto é, ter filhos. Enquanto crianças, é
esperado que eles obedeçam. E elas circulam para serem cuidadas por essa rede de obrigações entre àqueles em que
se pode confiar – pois família vai além dos laços sanguíneos. E, conforme vão crescendo – isto é, assumindo
responsabilidades e obrigações na família –, é esperado deles uma retribuição enquanto compromisso moral de ser um
bom filho – ser honesto, batalhador.
Essa rede familiar que constitui a família pobre é ligada, portanto, por uma costura de obrigações morais
pautadas pela confiabilidade de reciprocidade. Essas relações são seletivas, gerando obrigações mútuas dentro dessa
rede de sociabilidade.
3. Apresente e explique a questão da re-coabitação entre as gerações. Ou seja, desenvolva sobre o “circuito de
reciprocidades” nas classes médias, de que falam Clarice Peixoto e Gleice M. Luz.
A re-coabitação são casos onde, por diversos motivos, os pais vão morar na casa dos filhos (o outro parente, na
impossibilidade deles) ou vice-versa. São casos que relevam as implicações econômicas e sociais no interior da família.
Geralmente, o proprietário acolhe quem não é proprietário. E esse que é acolhido perde sua autoridade familiar para o
outro. Muitas vezes, o acolhido tenta ajudar no cotidiano doméstico.
A re-coabitação introduz uma nova dinâmica para a reorganização doméstica, sendo necessária a
reorganização do espaço físico também – abrir lugares para receber os novos membros, a adaptação das regras,
horários e tarefas às necessidades de cada um.
Nesse cenário de re-coabitação, as autoras destacam os casos de viuvez, onde é natural que a viúva vá morar
com os filhos. Mas, em contrapartida, raros são os viúvos que vivem com os filhos. Os homens não aceitam perder sua
liberdade e independência, além do respeito e prestígio que já tiveram outrora. E ressalta que essa idosa se (re)insere no
mercado de trabalho tanto para ajudar na renda da casa como para preencher o vazio da inatividade.
No caso de filhos que retornam à casa dos pais, os motivos em geral são desemprego e divórcio. Em geral, esse
movimento familiar é cercado por um constrangimento desagradável de perda da autonomia e da independência
econômica. Nesses casos, os pais podem exigir que as regras da casa sejam obedecidas ou tentar adaptar a vida
doméstica de forma a evitar as tensões entre seus membros e manter a harmonia familiar. Os pais, por exemplo, podem
acabar por assumir – além do apoio financeiro e moral – auxílio na educação dos netos. E, para retribuir às múltiplas
ajudas dos pais, os filhos podem contribuir para as despesas da casa ou auxiliar nas atividades domésticas, além de
outros pequenos serviços e apoio aos pais (ações conhecidas como um contra-dom).
As necessidades de re-coabitação tornam as relações intergeracionais mais tensas. A vida em comum só é
possível se existir um circuito de reciprocidades, estimulando a solidariedade familiar nos períodos difíceis de cada um
dos seus membros. Caso contrário, a coabitação pode quebrar a harmonia familiar e se tornar violenta e provocar até
rupturas entre as gerações.

6. Apresente um panorama da questão da homossexualidade e de outras configurações familiares, a partir da seguinte


citação: “A naturalização da família composta por pai, mãe e filhos, defendida inclusive em suas raízes biológicas,
não abre espaço para outras configurações. No lugar da diferença, cristaliza-se a inferioridade. Homossexuais que
desejam ser pais padeceriam já desses problemas, senão pela homossexualidade, por serem um(a)” (Anna Paula
Uziel, p. 96-7).
Anna Paula Uziel se discute a partir do final do século XX, momento em que os homossexuais buscam constituir
família e, assim, a se inserir na questão da parentalidade – ter filhos. Além dos problemas comuns dos casais héteros,
eles ainda enfrentam o preconceito por causa do advento da AIDS.
A autora explica que família é uma construção social e que a formação mais comum e tradicional está fundada na
biologia e seria a que oferece (ainda que ilusoriamente) as maiores garantias de felicidade. E que essa é uma experiencia
cada vez mais minoritária, embora ainda seja compreendida como um ideal de família. Mas ressalta a importância de
alargar essa concepção de família para diminuir a estigmatização das famílias homoparentais e monoparentais.
A família monoparental sofre preconceito por se entendida na sociedade como inadequada, sendo maléfica para a
criança. A mulher sozinha é encarada como um fracasso e o homem sozinho como um incapaz de exercer
adequadamente as funções necessárias. Ou seja, a família monoparental é vista como inferior em relação às tradicionais
pela “falta” de um membro – em comparação com o ideal tradicional biparental.
Anna Paula ressalta que a sociedade trata os diferentes casos de monoparentalidade de maneira distinta. Uma mãe
solteira, por exemplo, é vista com menos consideração do que uma viúva. Mas que em qualquer dos casos deve ser um
status passageiro e jamais permanente. Inclusive relatos de profissionais como juristas e psicológicos reforçam o ideal
do senso comum da biparentalidade ao afirmar que a monoparentalidade é algo arriscado.
A família homoparental tem dupla deficiência: além da “falta” de um membro há a falha da sexualidade. Embora a
explicação para as preocupações seja por causa do filho, é claro que a inadequação é por causa da homossexualidade
dos pais.
Dessa forma, observa -se que apesar das crescentes conquistas desses novos arranjos familiares, esses pais ainda
estão sempre em débito para a sociedade, precisando sempre de profissionais que auxiliem na dinâmica familiar.

1 de 1

Você também pode gostar