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DIREITO
RIO DE JANEIRO
2022
2
RESUMO. Este trabalho trata da análise das questões e dos efeitos do abandono
afetivo na seara psicológica e jurídica, com foco na relação paterno filial. A pesquisa
se dedicou a abordar as origens, contextualização histórica e evolutiva da família
brasileira, mencionando como a Constituição Federal de 1988 trouxe um olhar mais
humanizado para os sujeitos de direito, inclusive, e principalmente, para as crianças
e adolescentes, que até então não recebiam proteção adequada. O principal objetivo
é identificar como a ausência paterna pode ocasionar prejuízos a prole, como a
psicologia enxerga, como o direito lida com essas problemáticas e o que os tribunais
têm entendido nesses casos, as similaridades e as peculiaridades entre as decisões.
INTRODUÇÃO
Bacharelanda do 10º período em Direito pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: anabia998@gmail.com
1
3
SOUSA, Mônica; WAQUIM, Bruna. Do direito de família ao direito das famílias.Marc. 2015.
2
5
Oelo de ligação e o índice dos deveres não se indicam pelo amor, não se
matizam pela recíproca generosidade, não se caracterizam pela mútua
proteção, mas sim se realizam por meio da dominação. E se trata de
dominação porque, na concepção patriarcal clássica, jamais haverá um
espaço para que a mulher e os filhos assumam, contra a vontade do pai, o
posto que deveria lhes corresponder.4
Muito após a antiguidade clássica, a família passa a ser formada por grupos
diferentes, por genes diferentes e o que define essa formação não é mais a
religiosidade e a adoração aos mesmos antepassados, mas sim a consanguinidade
e o nome.
Soma-se a exposição de Hironaka, a contextualização que Pablo Stolze faz
ao explicar o direito de família. O autor afirma que na Roma antiga o critério para
que a relação de parentesco fosse determinada era a “sujeição ao mesmo pater
famílias (vínculo chamado de agnatio ou agnição)”.
Para Gagliano, a mulher, à época, não tinha a chance de assumir nenhum
tipo de poder, pois sempre esteve sob o comando do pater poder, já que antes de
consumar o matrimônio e dever obediência ao marido, era filha e devia obediência
ao seu pai, o que o autor descreve como “elas nunca adquiriam autonomia, pois
passavam da condição de filha à de esposa, sem alteração na sua capacidade”5.
No mesmo sentido,Gagliano elucida:
Posto que o tema seja a relação entre pais e filhos, é de extrema importância
que antes seja compreendido o papel da mulher como subordinada e dependente.
Paiva questiona:
À vista disso, é possível perceber que a mulher não assumia nenhum papel,
na sociedade, a não ser o de esposa e dona do lar submissa às vontades de seu
marido. No mesmo caminho estavam as relações paterno e, também, materno-filiais,
onde o poder e a subordinação, assumiam o lugar do afe to.
6
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.19.
7
PAIVA, José. Constituição de 1988 fortaleceu a cidadania do trabalhador Fonte: Agência
Senado. Senado Notícias, [S. l.], p. 1-2, 1 out. 2008. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2008/10/01/constituicao-de-1988-fortaleceu-a-
cidadania-do-trabalhador>. Acesso em: 1 de nov. de 2022.
8
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.19
7
Já Gagliano descreve:
A formação dos grandes centros urbanos, a revolução sexual, o
movimento feminista, a disseminação do divórcio como uma alternativa
moralmente válida, a valorização da tutela da infância, juventude e terceira
idade, a mudança de papéis nos lares, a supremacia da dignidade sobre
valores pecuniários, o reconhecimento do amor como elo mais importante
da formação de um “LAR, Lugar de Afeto e Respeito, tudo isso e muito
mais contribuiu para o repensar do conceito de família na
contemporaneidade10
De acordo com o que foi analisado, o poder exercido pelos homens foi
perdendo força conforme movimentos sociais significativos aconteciam, como o
marco da Revolução Industrial em meados do século XVIII, quando a mulher
9
SOUZA, Manoel. Proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969. A proteção à
criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, Brasília, v. 35, n. 139, 1998. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/390>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
10
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga P. Novo Curso de Direito Civil 6 - Direito de
Família. Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786555592511. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555592511/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
8
MADALENO, Rolf. Direito de Família, São Paulo: Grupo GEN, 2022, p. 790
11
9
intenção principal era tratar dos direitos trabalhistas e dos direitos sociais. Direitos
como saúde e educação para todos, proteção e amparo à maternidade e à infância
foram determinados logo nos primeiros capítulos da Carta Magna, o que mais uma
vez a diferenciou de todas as anteriores.12
Seguindo esse caminho, Sousa afirma que esta Constituição cuidou:
12
GUIMARÃES: Constituição de 1988 fortaleceu a cidadania do trabalhador, Brasília, 01 out 2008.
13
SOUZA, Manoel. Proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969. A proteção à
criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, Brasília, v. 35, n. 139, 1998. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/390>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
14
HIRONAKA, Giselda: Responsabilidade civil na relação paterno-filial, IBDFAM, Belo Horizonte, 22
abr 2007.
15
MADALENO, Rolf. Direito de Família, São Paulo: Grupo GEN, 2022, p. 787
16
SOUZA, Manoel. Proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969. A proteção à
criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, Brasília, v. 35, n. 139, 1998. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/390>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
17
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v.5. [Digite o Local da Editora]:
Editora Saraiva, 2022. 9786555598681. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555598681/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
10
Nesse mesmo sentido, Rolf Madaleno expõe o objetivo da nova constituição como
“prioritário foco constitucional os melhores interesses da criança e do adolescente, e
não mais a supremacia da vontade do pai, chefe da sociedade familiar”.
Diniz utiliza o art. 1634 e a Lei nº 13.058/2014 para dizer quais são, ao total
10 mencionadas, as atribuições dos pais, sendo 2 do âmbito patrimonial. Foram
citadas, por exemplo: administrar a criação e educação, e exigir obediência e
respeito prestem serviços de acordo com a sua idade e condição, bem como,
administra-lhes os bens etc.18.
Faz-se necessário esclarecer o termo “obediência e respeito” utilizado por
Diniz. Ao se referir ao direito de exigir tais atitudes dos filhos, a autora quer se fazer
por entender que os menores são, como já fora dito, pessoas que necessitam de
direcionamento e acolhimento, e essa obediência deve ser baseada numa relação
minimamente afetuosa.
18
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v.5. Saraiva, 2022. p. 204
19
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p.
(Série Legislação Brasileira)
20
JUNIOR, Carlos. Curso 10 anos do Código Civil: aplicação, acertos, desacertos e novos rumos. Rio
de Janeiro: EMERJ, 2013. v. 1. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeI/
10anosdocodigocivil_231.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2022.
11
O Autor se posiciona e afirma que o termo “poder familiar” ainda não é o mais
adequado, haja vista que traduz uma noção de “posse, domínio e hierarquia”, o que
21
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v.5. [Digite o Local da Editora]:
Editora Saraiva, 2022. 9786555598681. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555598681/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
22
MADALENO, Rolf. Direito de Família, São Paulo: Grupo GEN, 2022, p. 73
23
BROTTO, Thaiana Filla. As fases da infância precisam ser respeitadas, São Paulo, 26 jun 2022.
Disponível em:<https://www.psicologosberrini.com.br/blog/fases-da-infancia-precisam-ser-
respeitadas/>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
24
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
12
‘A entidade familiar deve ser entendida, hoje, como grupo social fundado,
essencialmente, em laços de afetividade, pois a outra conclusão não se
pode chegar à luz do Texto Constitucional, especialmente do artigo 1º, III,
que preconiza a dignidade da pessoa humana como princípio vetor da
República Federativa do Brasil’27
Aos pais responsabilidades e não apenas poder, pois os filhos, diante dos
novos conceitos constitucionais, são pessoas que participam ativamente
neste processo de sua educação e, de acordo com cada etapa de sua
evolução, passando pais e filhos a interagirem. 28
Dessa maneira, o termo “Direito das famílias” vem sendo muito utilizado, já
que, assim como a definição de poder familiar foi alterada, a família passou a ser
reconhecida como aquela formada pela união estável, por relações homoafetivas,
monoparental, unipessoal e outras espécies. Porém, no mesmo raciocínio de
Madaleno, Gagliano também acredita que não é de suma importância utilizar a
expressão “Direito das Famílias”, uma vez que29:
25
CANTALICE, Jamile Bezerra. Abandono afetivo, psicologia e direito: compreendendo afetos e
protegendo crianças. 2022. Dissertação (Bacharelanda em Direito) – Universidade Federal da
Paraíba, Santa Rita, 2022.
26
JUNIOR, Carlos. Curso 10 anos do Código Civil: aplicação, acertos, desacertos e novos rumos. Rio
de Janeiro: EMERJ, 2013. v. 1. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeI/
10anosdocodigocivil_231.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2022.
27
ABANDONO Afetivo: perspectivas jurídicas no âmbito familiar. Revista Eletrônica, [s. l.], v. 42, n. 2,
p. 1-28, 2016. DOI Disponível em:<https://doi.org/10.15448/1984-7718.2016.2.26500. Disponível em:
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/view/26500>. Acesso em: 1 de nov. de
2022.
28
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
29
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.16
13
2. ABANDONO AFETIVO
LUCCHESE. Filhos- evolução até a plena igualdade jurídica: Série Aperfeiçoamento de Magistrados
30
13, 10 anos do Código Civil-Aplicação, Acertos, Desacertos e Novos Rumos, v1, p. 232-233.
14
pais abandonem seus filhos, e muitas das vezes, por vontade própria. De acordo
com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, nos últimos 3
anos o índice de crianças que não têm o nome paterno na certidão de nascimento
aumentou em 1,6% em 2021, sendo 5,9% em 2019, 6% em 2020 e 6,3% em 2021.
Ao todo, cerca de 35.234 dos registros civis foram feitos em 2019 e apenas 23.921
em 202031.
Nesse sentido será possível perceber que dentre as formas de composição
familiar existentes, a que predomina no Brasil é a monoparental, constituída pela
genitora e sua prole. Pois, como visto, o número de crianças registradas sem o
nome do genitor está em uma linha crescente, haja vista que em agosto de 2022 a
ARPEN- BRASIL publicou uma matéria informando que neste ano o número subiu
para 100 mil, o maior desde 2016.32
31
CORSINI, Iuri; GUEDES, Mylena, Número de crianças sem o nome do pai na certidão cresce pelo 4º ano
seguido. CableNes Network Brasil, Rio de Janeiro, 07 ago 2021.
32
MAIS de 100 mil crianças foram registradas sem o nome do pai em 2022. ARPEN, Brasília, 24 ago 2022.
15
afeto seja romantizado, pois ainda se tem a ideia de que sempre é algo positivo em
relação à alguém, isso não corresponde com a realidade e com a verdade, segundo
a psicologia, já que o afeto pode ser definido como uma emoção ou sentimento e
eles podem ser de forma positiva ou não sobre uma determinada situação, algo ou
pessoa, e ainda, é fundamental para o desenvolvimento do ser humano na interação
social33.
Ricardo Bezerra, assim como Cantalice, faz uma diferenciação entre afeto e
afetividade e expõe o primeiro como um aspecto basilar para a afetividade do ser
humano e é:
Um conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de
emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre de impressão de
dor ou prazer, de satisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou de
tristeza.34
36
ROCHA, Luis. Mais de 100 mil crianças foram registradas sem o nome do pai em 2022. Associação
Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, Brasília, p. 1, 24 ago. 2022. Disponível em:
<https://arpenbrasil.org.br/mais-de-100-mil-criancas-foram-registradas-sem-o-nome-do-pai-em-2022-
diz-levantamento>. Acesso em: 1 de nov. de 2022.
37
CANTALICE, Jamile Bezerra, 2022, p.24 apud BASTOS; LUZ, 2008, p. 70 apud HAMADA, 2013, p.
4
38
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.
39
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p.
17
passo que, anteriormente, sua função era política e econômica, apenas. Com o
passar dos anos, como foi visto, a relação entre os membros passou a pesar muito
mais e a busca pela felicidade de todos os integrantes começou a ser um objetivo
familiar.
Muito próximo a esse, tem-se o princípio da afetividade, que é intimamente
relacionado ao amor, mas não significa que não possa ter carga negativa, o que já
foi dito. Como Gagliano diz em sua obra, o amor é imensurável, é indefinível, e
mesmo assim com toda sua complexidade, ainda é um forte elemento impulsionador
das relações, sobretudo, a familiar, que foi “desbiologizada”, por não mais se resumir
ao caráter sanguíneo.
É com base nesse princípio que é possível interpretar o §3º do art. 28, ECA:
“Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de
afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da
medida.”.42
O princípio da plena proteção a Crianças e ao Adolescente se conecta com o
princípio da dignidade da pessoa humana, bem como com outros como o da
paternidade responsável e do planejamento familiar. Este princípio foi um grande
avanço para a esfera jurídica, uma vez que com o advento da Constituição de 1988
passaram a ser vistos como sujeitos de direito, tanto é assim, que o caput do art.
227, CRFB/88 determina:
42
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.34-35
43
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p.
(Série Legislação Brasileira)
19
Gagliano discorre:
Esse tema que carrega tanta importância, como já fora dito, permeia duas
áreas super significantes para a sociedade, a jurídica, que trata dos conflitos, e a
psicológica, que trata da saúde mental. Nesse sentido, abordar as suas
consequências é extremamente delicado e capaz de reascender muitas dores a
quem viveu esse tipo de experiência.
Mister é citar que o abandono afetivo pode ocorrer quando o(s) genitor(s)
sabem da existência da criança, quando houve apenas o registro, mas não houve
nenhuma relação entre genitor(s) e a prole; quando a relação foi interrompida,
geralmente pela separação do casal e quando, embora convivam, geralmente
moram juntos, mas não existe convivência, ou seja, não existe uma relação. Sobre
pais que se separam, a psicóloga Rosângela Martins Souza aponta:
Maria Berenice Dias Rocha48 acredita que não ter uma convivência com os
pais pode gerar danos permanentes aos filhos, causando-lhes transtornos
psicológicos como insegurança, dificuldade de lidar com suas emoções e de
construir vínculos emocionais, sensação de rejeição, de que não possui valor, culpa
por acreditar que não merece ser amado, sensação de perda.
No mesmo sentido Ionete de Magalhães Souza descreve:
A dor psicológica de não ser querido e cuidado por quem se espera que
demonstre tais sentimentos e atitudes, naturalmente, é capaz de
desmoronar o ser em formação e a lógica (tão ilógica) que permeia suas
47
SOUZA, Manoel. Proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969. A proteção à
criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, Brasília, v. 35, n. 139, 1998. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/390>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
48
ROCHA, Luis. Mais de 100 mil crianças foram registradas sem o nome do pai em 2022. Associação
Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, Brasília, p. 1, 24 ago. 2022. Disponível em:
<https://arpenbrasil.org.br/mais-de-100-mil-criancas-foram-registradas-sem-o-nome-do-pai-em-2022-
diz-levantamento>. Acesso em: 1 de nov. de 2022.
22
indagações mais íntimas. É o querer saber por que “todos têm” um pai
presente, e somente ele não, é generalizar que seus amigos são amados
por seus pais e que estes os têm com as melhores expectativas para o
futuro. Mas que o seu caso é “abandono premeditado”, por não ser
digno, por exemplo de ser amado. As consequências são distúrbios de
comportamento, como baixa autoestima, problemas escolares, de
relacionamento social e sensação de perda de uma chance, mesmo
que ilusória, de ser completo e mais feliz. Isso não se contando o
abandono material e suas carências para a vida do filho, o que geralmente é
o que acontece(grifo meu).49
deixados novamente, que carregam consigo uma dor, uma solidão, que não será
preenchida por nenhuma outra pessoa ou coisa.
Rolf Madaleno expõe que a falta dos pais causa: “irrecuperáveis prejuízos,
que ficarão indelevelmente marcados por toda a existência do descendente
socialmente execrado pelo genitor, suscitando insegurança, sobressaltos e um
profundo sentimento de insuperável rejeição” 51
MADALENO, Rolf. Direito de Família, São Paulo: Grupo GEN, 2022, p. 448
51
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
52
Mais do que cuidar, a expressão velar, que também não foi utilizada pelo
ordenamento jurídico, compreende toda a classe de cuidados materiais
e morais, estando integrados em seu conceito os deveres relativos à
educação e formação integral dos filhos. Têm os pais o dever de se
esforçar para o desenvolvimento de todas as faculdades físicas,
morais e intelectuais de seus filhos, de modo a que logrem alcançar com
o auxílio dos genitores a plenitude de sua formação, tornando-se pessoas
úteis e independentes, não sendo sem outra razão que Alma María
Rodríguez Guitián afirma ser ‘o processo educativo algo mais profundo que
a mera instrução para certos conhecimentos (…) sendo a educação um
esforço radical e permanente de crescimento de toda pessoa’.(Grifo meu).53
55
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
26
[...] E, embora possa ser até dito que não há como o Judiciário obrigar a
amar, também deve ser considerado que o Judiciário não pode se omitir de
tentar, buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura da
impunidade que grassa no sistema jurídico brasileiro desde os tempos em
que as visitas configuravam um direito do adulto e não como um evidente e
incontestável dever que têm os pais de assegurar aos filhos a convivência
familiar, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF, art. 227). 56
56
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
57
CANTALICE, Jamile Bezerra. Abandono afetivo, psicologia e direito: compreendendo afetos e
protegendo crianças. 2022. Dissertação (Bacharelanda em Direito) – Universidade Federal da
Paraíba, Santa Rita, 2022.
58
SILVA, K. J. C. Condenados por não dar afeto: uma análise sobre a responsabilidade civil
decorrente ao abandono afetivo. 2021. Dissertação (Bacharelanda em Direito) – Centro Universitário
Ages, Paripiranga, p. 35 apud LÔBO, 2018p. 45.
27
Acerca do direito do filho em ter o nome paterno no seu registro civil, Junior
explica:
Além do direito ao nome paterno, o filho tem a necessidade e o direito, e o
pai tem o dever de acolher social e afetivamente o seu rebento, sendo esse
acolhimento inerente ao desenvolvimento moral e psíquico de seu
descendente. Recusando aos filhos esses caracteres indissociáveis de sua
estrutura em formação, age o pai em injustificável ilicitude civil, e assim gera
o dever de indenizar também a dor causada pelas carências, traumas e
prejuízos morais sofridos pelo filho imotivadamente rejeitado pela desumana
segregação do pai, não obstante exista corrente claramente contrária ao
dano moral pelo abandono afetivo.60
59
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
60
JUNIOR, Carlos. Curso 10 anos do Código Civil: aplicação, acertos, desacertos e novos rumos. Rio
de Janeiro: EMERJ, 2013. v. 1. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeI/
10anosdocodigocivil_231.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2022.
28
O portal informa:
64
APELAÇÃO Cível / Direito Civil. [S. l.], 25 jun. 2020. Disponível em:
<https://esaj.tjac.jus.br/cjsg/resultadoSimples.do;jsessionid=33CEA57C9F7343D7293F7ECDC0BA88
CB.cjsg3?conversationId=&nuProcOrigem=07031014120168010001&nuRegistro=>. Acesso em: 31
de out. de 2022.
30
Foi possível perceber que embora seja um tema da atualidade, com várias
jurisprudências sobre o tema, inclusive em casos em que a parte demandada é a
genitora, mas não é o foco nesta pesquisa, o argumento da monetização do
amor/afeto de fato é utilizado e como a tese de que o abandono afetivo é uma
atitude covarde e reprovável
CONCLUSÃO
65
APELAÇÃO Cível / Direito Civil. [S. l.], 25 jun. 2020. Disponível em:
<https://esaj.tjac.jus.br/cjsg/resultadoSimples.do;jsessionid=33CEA57C9F7343D7293F7ECDC0BA88
CB.cjsg3?conversationId=&nuProcOrigem=07031014120168010001&nuRegistro=>. Acesso em: 31
de out. de 2022.
66
APELAÇÃO Cível / Direito Civil. [S. l.], 25 jun. 2020. Disponível em:
<https://esaj.tjac.jus.br/cjsg/resultadoSimples.do;jsessionid=33CEA57C9F7343D7293F7ECDC0BA88
CB.cjsg3?conversationId=&nuProcOrigem=07031014120168010001&nuRegistro=>. Acesso em: 31
de out. de 2022.
31
está enraizada no Brasil desde a época colonial. Contudo, após muitos e longos
anos, apesar de grande progresso, este ainda é um fato recorrente, porém, vem
sendo rompido, aos poucos, pois como demonstrado, ainda não é um assunto com
jurisprudência consolidada.
A intenção foi apresentar como as atitudes dos pais influenciam diretamente
na vida dos filhos, não só na vida prática, como por exemplo dificuldades na escola
e em relações sociais, como no âmbito da saúde, pois pode ensejar além de outros
transtornos, a ansiedade. Evidenciar que o que se busca não é o dinheiro, não é
uma forma de extinguir uma obrigação, vai muito além, pois o que se pretende é sim
punir o genitor ausente por não ter cumprido com o que a lei exige, cuidado, zelo,
educação, convivência, e não o amor, que embora deveria ser o natural de sentir,
não é uma obrigação imposta pelo direito.
O direito de família tem prosperado com a intenção de desmotivar esse tipo
de comportamento, de pais que enxergam o registro civil ou com o pagamento da
pensão alimentícia como papel de pai concluído com sucesso. Contudo, embora
seja esse o desejo de boa parte dos juristas e de grande parte da sociedade, ainda é
prematuro dizer que de fato a indenização por danos morais referente ao abandono
afetivo, que tem objetivo pedagógico, punitivo e reparatório, compre essa função,
pois na grande maioria dos casos os genitores abandonam porque realmente
querem e como foi utilizado de argumento por um, em uma das jurisprudências
citadas, não há lei que o obrigue a amar a própria filha. Dessa maneira, o que é
certo dizer, é que ainda há muito o que se discutir, aprender e amadurecer sobre
esse tema.
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