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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

DIREITO

ANA BEATRIZ LOPES BASTOS

A Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo em uma Análise


Jurídica e Sociopsicológica

RIO DE JANEIRO
2022
2

A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO EM UMA ANÁLISE


JURÍDICA E SOCIOPSICOLÓGICA

Ana Beatriz Lopes Bastos1

RESUMO. Este trabalho trata da análise das questões e dos efeitos do abandono
afetivo na seara psicológica e jurídica, com foco na relação paterno filial. A pesquisa
se dedicou a abordar as origens, contextualização histórica e evolutiva da família
brasileira, mencionando como a Constituição Federal de 1988 trouxe um olhar mais
humanizado para os sujeitos de direito, inclusive, e principalmente, para as crianças
e adolescentes, que até então não recebiam proteção adequada. O principal objetivo
é identificar como a ausência paterna pode ocasionar prejuízos a prole, como a
psicologia enxerga, como o direito lida com essas problemáticas e o que os tribunais
têm entendido nesses casos, as similaridades e as peculiaridades entre as decisões.

Palavras-chave: Abandono afetivo. Direito de família. Psicologia


jurídica.Responsabilidade civil.

SUMÁRIO. Introdução. 1. Uma perspectiva de ascensão ao Direito de Família1.1.


Conceito de família na evolução histórica. 1.2. Mudanças Políticas e sociais
relevantes para o direito de família. 1.3. Novo Arranjo do poder familiar e a nova
concepção de família na constituição federal de 1988. 2. Abandono afetivo. 2.1.
O afeto e o abandono na visão da psicologia. 2.2. O afeto e o abandono na visão
do direito. 2.3. Do dever e da importância dos pais no desenvolvimento dos filhos.
3. Dos efeitos do abandono afetivo. 4. O abandono afetivo e a responsabilidade
civil. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição de 1988 os sujeitos de direito passaram a


ganhar mais visibilidade, e no ramo do direito de família não foi diferente. É sabido
que o direito caminha junto com a sociedade, mas com uma Constituição Federal, à
época, muito a frente do seu tempo, todo o ordenamento jurídico, passou ter novas
interpretações, com um olhar mais humanizado para as relações.
No código civil, a sua reforma em 2002 trouxe uma nova visão para o direito
de família, de maior proteção ao indivíduo, porém, ainda com resguarda de seus
patrimônios. É interessante deixar claro que anterior a essas mudanças, as relações

Bacharelanda do 10º período em Direito pela Universidade Estácio de Sá. E-mail: anabia998@gmail.com
1
3

familiares tinham como base outros aspectos, demonstrados ao longo da pesquisa,


que não era o afeto entre os membros. A aproximação afetiva entre os integrantes
foi surgindo aos poucos.
O objetivo principal do presente trabalho foi apontar as consequências, que
muitas vezes acabam sendo impercetíveis para aqueles que as causam, os
genitores. Distúrbios psicológicos surgem com frequência em filhos que foram
abandonados afetivamente por seus genitores, como ansiedade, medo de relações
longas, dificuldade em construir novos laços, insegurança, baixa autoestima, entre
outros.
No tópico 1 foi feita uma análise da transformação do juízo de valores e visão
da entidade familiar perante seus membros, a influência de acontecimentos
históricos como a revolução industrial e o feminismo como pontos de influência para
essa mudança de elos e de estrutura familiar, já que a monoparental, geralmente
composta pela genitora e sua prole, anteriormente era abominada pela sociedade.
Já no tópico 2 deu-se início, ao tema do abandono afetivo na área da
psicologia e na área jurídica, tendo sido, inclusive, apontadas estatísticas para
informar que apesar da mudança, o abandono afetivo ainda é recorrente no Brasil e
o quanto os genitores se fazerem presentes nas vidas dos menores é importante. No
tópico 3 foram abordadas as consequências que a ausência de genitores
irresponsáveis pode acarretar na vida do menor, o que muita das vezes pode tornar
uma atitude cíclica, pois a tendência é que o adulto de hoje trate seu filho como foi
tratado na sua infância/adolescência.
O último tópico, o 4, desenvolve a responsabilidade civil pelo abandono
afetivo, discorre sobre a possibilidade ou não do pagamento de indenização por
danos morais a filhos abandonados, se é um tema controvertido e como os tribunais
têm entendido esse tema que ainda beira tanto a atualidade. É possível perceber a
diferença e a similaridade nas jurisprudências citadas, e que embora o direito de
família já tenha tido um grande avanço, ainda há um longo caminho a ser percorrido.
Para tal, este estudo, é fruto de uma revisão bibliográfica, com abordagem
qualitativa e enfoque descritivo, quanto à finalidade. Mediante a todo embasamento
teórico consolidado os resultados apurados permitiram alcançar uma compreensão
mais detalhada sobre a literatura que aborda a temática, se estabelecendo um bom
embasamento teórico que contribui significativamente para a consistência da
investigação proposta.
4

1. UMA PERSPECTIVA DE ASCENSÃO AO DIREITO DE FAMÍLIA

Para uma compreensão mais clara do presente trabalho, é interessante que


seja feita uma breve análise do direito de família, quanto a sua origem e sua
evolução até a família recomposta, ou contemporânea, com base na sociologia.
Essa abordagem é importante para auxiliar, de modo teórico, na contextualização do
tema deste trabalho, como a evolução histórica da família e a sua atual interpretação
para a Constituição da República, uma observação sucinta a cerca do poder familiar
e princípios

1.1. CONCEITO DE FAMÍLIA NA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

É seguro dizer que para tratar do direito de família, é necessário, também,


que se trate da origem dessas relações, que precede qualquer que seja a norma
jurídica já elaborada. Por essa razão, e principalmente, para se atingir o objetivo
principal deste trabalho, qual seja, o de tratar das relações paterno filiais, a fim de
construir um raciocínio lógico e cronológico, é interessante analisar a evolução
perante, e conjuntamente, a outras visões científicas além da jurídica, como a
psicológica, mas, neste momento, a sociológica.
Embora, atualmente, seja comum associar o sentimento de afeto e amor
quando se trata de família, a realidade não foi sempre essa, uma vez que a pura
visão de autoridade era o que predominava nos grupos familiares. A relação que
existia, não só entre pais e filhos, mas também entre os cônjuges, estava muito mais
ligada a uma relação de poder.
Na Antiguidade Clássica, a ligação entre os membros de uma família dava
por conta da religião, a “adoração aos manes” 2
e cada família adorava seus
antepassados. Porém, quando ocorria o casamento, a mulher passava a adorar os
antepassados, os “manes”, do seu esposo.
Diante disso, faz-se necessária a explanação de Giselda Hironaka acerca da
submissão familiar entre o homem e a mulher e consequentemente do homem
perante seus filhos:

SOUSA, Mônica; WAQUIM, Bruna. Do direito de família ao direito das famílias.Marc. 2015.
2
5

Aristóteles coloca que é uma relação de dependência, especialmente da


mulher em relação ao homem: esta, sozinha, não apenas não é capaz de
procriar, como não seria capaz de subsistir, e muito menos comandar uma
cidade ou um exército. E não seria capaz por quê? Porque, por sua
constituição natural, ela seria mais fraca que o homem, incapaz, enquanto
só ele seria capaz, para a prática de certas ações que demandam força e
prudência. Aristóteles quer apontar, portanto, uma deficiência, uma
debilidade natural na mulher, visível seja por sua comparação ao homem,
seja por sua própria compleição.3

Diniz declara ainda que:

Oelo de ligação e o índice dos deveres não se indicam pelo amor, não se
matizam pela recíproca generosidade, não se caracterizam pela mútua
proteção, mas sim se realizam por meio da dominação. E se trata de
dominação porque, na concepção patriarcal clássica, jamais haverá um
espaço para que a mulher e os filhos assumam, contra a vontade do pai, o
posto que deveria lhes corresponder.4

Muito após a antiguidade clássica, a família passa a ser formada por grupos
diferentes, por genes diferentes e o que define essa formação não é mais a
religiosidade e a adoração aos mesmos antepassados, mas sim a consanguinidade
e o nome.
Soma-se a exposição de Hironaka, a contextualização que Pablo Stolze faz
ao explicar o direito de família. O autor afirma que na Roma antiga o critério para
que a relação de parentesco fosse determinada era a “sujeição ao mesmo pater
famílias (vínculo chamado de agnatio ou agnição)”.
Para Gagliano, a mulher, à época, não tinha a chance de assumir nenhum
tipo de poder, pois sempre esteve sob o comando do pater poder, já que antes de
consumar o matrimônio e dever obediência ao marido, era filha e devia obediência
ao seu pai, o que o autor descreve como “elas nunca adquiriam autonomia, pois
passavam da condição de filha à de esposa, sem alteração na sua capacidade”5.
No mesmo sentido,Gagliano elucida:

[...] consistia no ascendente mais velho de um determinado núcleo, que


reunia os descendentes sob sua absoluta autoridade, formando assim o que
se entendia por família. Assim, independentemente da idade ou da
convolação de matrimônio, todos os descendentes continuavam a lhe dever
3
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
4
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v.5. [Digite o Local da Editora]: Editora
Saraiva, 2022. 9786555598681. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555598681/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
5
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.19.
6

respeito e obediência, permanecendo o pater como o chefe da comunidade


familiar até seu falecimento.6

Posto que o tema seja a relação entre pais e filhos, é de extrema importância
que antes seja compreendido o papel da mulher como subordinada e dependente.
Paiva questiona:

Se a própria subordinação da mulher era vista como necessária, mesmo


sendo a mulher um indivíduo adulto e experiente, o que dizer então, e
sempre, de pessoas que tinham pouca experiência ou não tinham
experiência nenhuma? [...] pater era o detentor exclusivo ou principal de
todo o poder de decisão quanto à liberdade e o destino dos integrantes da
família, então os filhos estiveram, certamente, numa posição muito próxima
à escravidão: sua dependência física, material e moral foi eternamente a
causa do seu dever incessante de obediência.7

À vista disso, é possível perceber que a mulher não assumia nenhum papel,
na sociedade, a não ser o de esposa e dona do lar submissa às vontades de seu
marido. No mesmo caminho estavam as relações paterno e, também, materno-filiais,
onde o poder e a subordinação, assumiam o lugar do afe to.

1.1. MUDANÇAS POLÍTICAS E SOCIAIS RELEVANTES PARA O DIREITO DE


FAMÍLIA

Embora o contexto histórico fosse o descrito acima, onde a relação entre os


membros familiares era pautada na obediência, autoridade e no pater poder, a
sociedade passou por algumas modificações, principalmente após a “decadência do
Império Romano e o crescimento do cristianismo 8” e a primeira Guerra Mundial,
quando o Estado deixa de sersocial de direito para ser liberal.
É de conhecimento que o Direito e a sociedade refletem um ao outro e
consequentemente, quando mudanças políticas e sociais começam a acontecer, o
Direito também sofre alterações. Movimentos sociais, o avanço científico e o avanço
tecnológico retomam um ar de “insegurança” à população que estava habituada com

6
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.19.
7
PAIVA, José. Constituição de 1988 fortaleceu a cidadania do trabalhador Fonte: Agência
Senado. Senado Notícias, [S. l.], p. 1-2, 1 out. 2008. Disponível em:
<https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2008/10/01/constituicao-de-1988-fortaleceu-a-
cidadania-do-trabalhador>. Acesso em: 1 de nov. de 2022.
8
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.19
7

um padrão totalmente racional, prático e lógico, pois com a pós-modernidade novos


temas passam a ser discutidos e a reflexão de novas convicções passam a ter
espaço.
Dois acontecimentos de extrema importância para uma certa “evolução
social”, foi a revolução industrial, pois nesse cenário as mulheres precisaram sair de
suas casas para ajudar no sustento da família e integraram em grande escala o
mercado de trabalho. Com a pobreza cada vez mais perto dos seus lares, a
população passou a ponderar a quantidade de integrantes da família e prezar pela
proximidadeentre os integrantes e seu vínculo.
É interessante destacar a passagem de dois autores diferentes sobre o
mesmo tema, que somam a explanação feita acima, e complementam-se.
Sousa nota que:

Os movimentos feministas, o individualismo moderno, o desejo de felicidade


e liberdade pessoais, a inclusão da mulher no mercado de trabalho, o fim da
indissolubilidade do casamento, tudo isto contribuiu para uma mudança
paradigmática, deixando de ser a família um núcleo essencialmente
econômico e de reprodução para se tornar um espaço de afeto e
solidariedade9

Já Gagliano descreve:
A formação dos grandes centros urbanos, a revolução sexual, o
movimento feminista, a disseminação do divórcio como uma alternativa
moralmente válida, a valorização da tutela da infância, juventude e terceira
idade, a mudança de papéis nos lares, a supremacia da dignidade sobre
valores pecuniários, o reconhecimento do amor como elo mais importante
da formação de um “LAR, Lugar de Afeto e Respeito, tudo isso e muito
mais contribuiu para o repensar do conceito de família na
contemporaneidade10

1.2. NOVO ARRANJO DO PODER FAMILIAR E A NOVA CONCEPÇÃO DE


FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

De acordo com o que foi analisado, o poder exercido pelos homens foi
perdendo força conforme movimentos sociais significativos aconteciam, como o
marco da Revolução Industrial em meados do século XVIII, quando a mulher
9
SOUZA, Manoel. Proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969. A proteção à
criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, Brasília, v. 35, n. 139, 1998. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/390>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
10
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga P. Novo Curso de Direito Civil 6 - Direito de
Família. Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786555592511. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555592511/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
8

começou a integrar o mercado de trabalho. O poder que antes pertencia somente ao


pai e raramente à mãe, quando o pai não podia exercê-lo, agora, passa a ser,
integralmente, de ambos.
Nesse momento, a sociedade vai deixando de ser liberal, ao ponto de trazer
incertezas, como já fora mencionado, e o espaço para um corpo social com uma
ótica de solidariedade e busca pela igualdade entre os gêneros cresce. Sabendo
disso, é ainda maior a possibilidade de se verificar que de fato foi nesse período,
que as relações familiares sofreram mudanças.
É nessa era de um povo mais solidário, após a Segunda Guerra Mundial, que
questões sociais passaram a ser mais discutidas. Assuntos concernentes ao
trabalho, sua jornada e condições, uma cultura totalmente nova surgindo, crises
políticas e econômicas, foram pontos de grande colaboração para a inserção da
mulher na sociedade e para que o movimento feminista ganhasse uma grande
proporção, enfraquecendo aos poucos, e cada vez mais, o poder “soberano” do
homem em relação aos membros familiares.
Nesse contexto de total reformulação social, cultural, de valores e de
princípios, a mulher passa a exigir seus direitos. Não era mais suficiente e eficiente,
principalmente economicamente, que a mulher permanecesse em casa olhando por
seus filhos, casa e marido. Agora ela também precisava contribuir financeiramente e
lutava por condições, participações e direitos, tal qual seus pais, irmãos e maridos,
inclusive perante o seio familiar.
Nesta época o código civil vigente era o de 1916 e com a promulgação do
Estatuto da Mulher Casada, somente em 1962, elas passaram a ter o direito
regulamentado de colaborar perante o poder familiar. Mas percebe-se que era
exatamente isso, não passava de uma colaboração, já que em caso de divergência
nas decisões sobre assuntos relacionados a prole, a decisão que prevalecia era a do
homem.
A isso, Rolf Madaleno chama de “supremacia da decisão paterna”. A mulher
poderia no máximo recorrer à justiça. O autor destaca, que dificilmente as mães
tomavam esse tipo de atitude por conta do contexto social e cultural que ainda
estava em estágio inicial para uma real evolução.11
Em 1988, ou seja, vinte e seis anos depois, é publicada a nova Constituição
da República, que é muito conhecida como “Constituição Cidadã”, visto que sua

MADALENO, Rolf. Direito de Família, São Paulo: Grupo GEN, 2022, p. 790
11
9

intenção principal era tratar dos direitos trabalhistas e dos direitos sociais. Direitos
como saúde e educação para todos, proteção e amparo à maternidade e à infância
foram determinados logo nos primeiros capítulos da Carta Magna, o que mais uma
vez a diferenciou de todas as anteriores.12
Seguindo esse caminho, Sousa afirma que esta Constituição cuidou:

Particularmente os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana


e da cidadania, além dos objetivos fundamentais de construir uma
sociedade livre e solidária, garantindo o bem de todos, sem preconceitos ou
qualquer forma de discriminação (artigos 1º e 3º da Constituição Federal). 13

A nova Constituição também trouxe princípios como o da Dignidade da


Pessoa Humana e o do pluralismo familiar. A mudança e uma nova perspectiva para
a família foram temas tratados pelo legislador e permite confirmar a citada
reformulação de valores da família, que antes eram pautados na completa
obediência e, pode-se dizer até mesmo que, uma posição relativamente de
escravidão14, para agora pautado no afeto e na proximidade entre os membros, pois
“deixam os pais de exercerem um verdadeiro poder sobre os filhos para assumirem
um dever natural e legal de proteção da sua prole”.15
Nesse sentido, Sousa destaca Paulo Lôbo: “Essas linhas de tendência
enquadram-se no fenômeno jurídico social denominado repersonalização das
relações civis, que valoriza o interesse da pessoa humana mais do que suas
relações patrimoniais”.16
Maria Helena Diniz17 define o poder familiar como um conjunto de normas que
determinam deveres e direitos dos pais para com os filhos, “em igualdade de
condições, por ambos os pais ... tendo em vista o interesse e a proteção do filho”.

12
GUIMARÃES: Constituição de 1988 fortaleceu a cidadania do trabalhador, Brasília, 01 out 2008.
13
SOUZA, Manoel. Proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969. A proteção à
criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, Brasília, v. 35, n. 139, 1998. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/390>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
14
HIRONAKA, Giselda: Responsabilidade civil na relação paterno-filial, IBDFAM, Belo Horizonte, 22
abr 2007.
15
MADALENO, Rolf. Direito de Família, São Paulo: Grupo GEN, 2022, p. 787
16
SOUZA, Manoel. Proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969. A proteção à
criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, Brasília, v. 35, n. 139, 1998. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/390>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
17
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v.5. [Digite o Local da Editora]:
Editora Saraiva, 2022. 9786555598681. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555598681/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
10

Nesse mesmo sentido, Rolf Madaleno expõe o objetivo da nova constituição como
“prioritário foco constitucional os melhores interesses da criança e do adolescente, e
não mais a supremacia da vontade do pai, chefe da sociedade familiar”.
Diniz utiliza o art. 1634 e a Lei nº 13.058/2014 para dizer quais são, ao total
10 mencionadas, as atribuições dos pais, sendo 2 do âmbito patrimonial. Foram
citadas, por exemplo: administrar a criação e educação, e exigir obediência e
respeito prestem serviços de acordo com a sua idade e condição, bem como,
administra-lhes os bens etc.18.
Faz-se necessário esclarecer o termo “obediência e respeito” utilizado por
Diniz. Ao se referir ao direito de exigir tais atitudes dos filhos, a autora quer se fazer
por entender que os menores são, como já fora dito, pessoas que necessitam de
direcionamento e acolhimento, e essa obediência deve ser baseada numa relação
minimamente afetuosa.

A norma jurídica prescreve que compete aos pais dirigir a criação e


educação dos filhos, respeitando seus direitos da personalidade, garantindo
sua dignidade como seres humanos em desenvolvimento físico-psíquico,
masnada dispõe sobre o modo como devem criá-los e muito menos como
devem executar os encargos parentais. Isto é assim porque a vida íntima da
família se desenvolve por si mesma e sua disciplina interna é ditada pelo
bom senso, pelos laços afetivos que unem seus membros, pela convivência
familiar (CF, art. 227, 2ª parte).19

E, ainda, que Júnior defende a necessidade de os pais terem autoridade para


corrigir os filhos, porém, “é preciso esclarecer que, embora os pais estejam
legitimados a castigá-los, no exercício de seu poder disciplinar não estão
autorizados os castigos imoderados”.20
Quando a autora cita a prestação de serviços e de afazeres dentro de casa, é
porque aos filhos devem assumir responsabilidades compatíveis com sua idade,
sendo esta uma das formas de ensinar-lhes sobre a vida. A Consolidação das Leis
Trabalhistas, permite que menores a partir dos 14 anos trabalhem como jovem
aprendiz, cumprindo requisitos, como estar frequentando a escola. Já as tarefas

18
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v.5. Saraiva, 2022. p. 204
19
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p.
(Série Legislação Brasileira)
20
JUNIOR, Carlos. Curso 10 anos do Código Civil: aplicação, acertos, desacertos e novos rumos. Rio
de Janeiro: EMERJ, 2013. v. 1. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeI/
10anosdocodigocivil_231.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2022.
11

domésticas, que não sejam perigosas e não prejudiquem “seu desenvolvimento


físico, psíquico, moral e educacional”.21
Em sua obra, Diniz aborda outros assuntos pertinentes ao poder familiar,
como as causas de suspensão, destituição, extinção e o procedimento. Mas a ideia
central que a doutrinadora pretende trazer foi explanada acima com o conceito e a
finalidade desse instituto, que pode ser caracterizado, como “múnus público” pois é
um “direito-função e um poder-dever”; irrenunciável; inalienável, abre exceção para
deleg vel; imprescritível; não tutelável; e associável à autoridade.
Toda narrativa acima pode transmitir que com a Constituição de 1988, a
concepção de família se transformou, as relações não se pautam mais, somente, na
esfera patrimonial, mas sim em uma preocupação, um cuidado com os integrantes
do grupo. A carta Magna agora, define a família como “comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes, podendo originar do casamento civil, da
união estável e da monoparentalidade”22.
Nessa circunstância, há na esfera jurídica brasileira um censo maior de
cuidado com a dignidade, com um poder familiar em “incontestável pé de igualdade”,
o Estado passa a priorizar a pessoa humana. A atenção passa a ser para uma
formação de família natural, espontânea, onde o bem-estar e a realização pessoal
de cada integrante possibilite a otimização de suas capacidades e virtudes. 23 À essa
conjuntura, Rolf Madaleno denomina de “Dessacralização” e “Despatrimonialização”
do direito de família, ao afirmar que:

O Estado deixa de proteger as relações de produção da família comunitária


e se preocupa com as condições morais, materiais e legais, capazes de dar
condições de a pessoa humana se realizar afetivamente em seu círculo
familiar.24

O Autor se posiciona e afirma que o termo “poder familiar” ainda não é o mais
adequado, haja vista que traduz uma noção de “posse, domínio e hierarquia”, o que

21
DINIZ, M. H. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v.5. [Digite o Local da Editora]:
Editora Saraiva, 2022. 9786555598681. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555598681/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
22
MADALENO, Rolf. Direito de Família, São Paulo: Grupo GEN, 2022, p. 73
23
BROTTO, Thaiana Filla. As fases da infância precisam ser respeitadas, São Paulo, 26 jun 2022.
Disponível em:<https://www.psicologosberrini.com.br/blog/fases-da-infancia-precisam-ser-
respeitadas/>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
24
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
12

“não se concilia com a democratização da família”. O doutrinador acredita que essa


terminologia não é propícia “por não expressar a verdadeira ligação surgida entre
pais e filhos, assim como o termo familiar estaria deslocado do contexto, pois pode
levar a acreditar que os avós e irmãos também estariam investidos da função”. 25
Nesse viés, é interessante lembrar a explanação de Madaleno acerca do
pensamento de Junior26, com base em um Código Civil que tem como alicerce a
Dignidade da Pessoa Humana:

‘A entidade familiar deve ser entendida, hoje, como grupo social fundado,
essencialmente, em laços de afetividade, pois a outra conclusão não se
pode chegar à luz do Texto Constitucional, especialmente do artigo 1º, III,
que preconiza a dignidade da pessoa humana como princípio vetor da
República Federativa do Brasil’27

Isso se dá porque Madaleno acredita que a forma como o Direito Argentino


lida com o tema é mais adequada, pois atribui:

Aos pais responsabilidades e não apenas poder, pois os filhos, diante dos
novos conceitos constitucionais, são pessoas que participam ativamente
neste processo de sua educação e, de acordo com cada etapa de sua
evolução, passando pais e filhos a interagirem. 28

Dessa maneira, o termo “Direito das famílias” vem sendo muito utilizado, já
que, assim como a definição de poder familiar foi alterada, a família passou a ser
reconhecida como aquela formada pela união estável, por relações homoafetivas,
monoparental, unipessoal e outras espécies. Porém, no mesmo raciocínio de
Madaleno, Gagliano também acredita que não é de suma importância utilizar a
expressão “Direito das Famílias”, uma vez que29:

25
CANTALICE, Jamile Bezerra. Abandono afetivo, psicologia e direito: compreendendo afetos e
protegendo crianças. 2022. Dissertação (Bacharelanda em Direito) – Universidade Federal da
Paraíba, Santa Rita, 2022.
26
JUNIOR, Carlos. Curso 10 anos do Código Civil: aplicação, acertos, desacertos e novos rumos. Rio
de Janeiro: EMERJ, 2013. v. 1. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeI/
10anosdocodigocivil_231.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2022.
27
ABANDONO Afetivo: perspectivas jurídicas no âmbito familiar. Revista Eletrônica, [s. l.], v. 42, n. 2,
p. 1-28, 2016. DOI Disponível em:<https://doi.org/10.15448/1984-7718.2016.2.26500. Disponível em:
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/view/26500>. Acesso em: 1 de nov. de
2022.
28
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
29
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.16
13

A expressão “família” é gênero, que comporta diversas modalidades de


constituição, devendo todas ser objeto da proteção do Direito. Assim como
não precisamos pluralizar o “amor”, por sua intrínseca plenitude, o mesmo
se dá, em nosso sentir, com a noção de “família”

2. ABANDONO AFETIVO

Para iniciar este capítulo é preciso contextualizar e demonstrar que na


colonização e principalmente na época em que o Brasil era um país escravocrata, os
senhores mantinham relações com as indígenas, e as escravas. Nesse momento da
história já era possível perceber uma diferenciação, uma vez que, certamente, os
homens que mantinham essa prática, não reconheciam seus filhos havidos fora do
casamento.
Acontece, que esse não reconhecimento perdurou até a vigência da
Constituição de 1967, já que não era regulamentado direito para as crianças que
tinham como genitor um homem que já tivesse em matrimônio. Os filhos eram
classificados como legítimos, fruto do casamento, ilegítimos, fruto de relação não
matrimonial, e legitimados, que em situações específicas poderiam ser
reconhecidos, mas jamais demandar em juízo o reconhecimento de filiação.
Para o Direito Civil, ainda havia subclassificações, como natural, advindo de
relação fora do casamento, espúrio, havidos da relação entre impedidos,
incestuosos, união entre pessoas com parentesco e adulterinos, quando uma das
partes, ou as duas, já era casada30.
Contudo, com a promulgação da Constituição da República de 1988 o art.
226, em seu §6º, modificou a ideia de diferenciação entre os filhos e a partir dali
todos teriam os mesmos direitos e não haveria mais classificações entre eles: “Os
filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, os mesmos direitos
e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação”. Entretanto, embora a intenção do legislador tenha sido ótima, e de fato
regularizou essa situação para muitos, a realidade ainda é de muitas crianças e
adolescentes que foram abandonados por um dos seus genitores.
É de suma importância lembrar que o abandono pode ser de qualquer uma
das partes, ou seja, de pai e/ou mãe. Porém, na prática, o mais comum é que os

LUCCHESE. Filhos- evolução até a plena igualdade jurídica: Série Aperfeiçoamento de Magistrados
30

13, 10 anos do Código Civil-Aplicação, Acertos, Desacertos e Novos Rumos, v1, p. 232-233.
14

pais abandonem seus filhos, e muitas das vezes, por vontade própria. De acordo
com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, nos últimos 3
anos o índice de crianças que não têm o nome paterno na certidão de nascimento
aumentou em 1,6% em 2021, sendo 5,9% em 2019, 6% em 2020 e 6,3% em 2021.
Ao todo, cerca de 35.234 dos registros civis foram feitos em 2019 e apenas 23.921
em 202031.
Nesse sentido será possível perceber que dentre as formas de composição
familiar existentes, a que predomina no Brasil é a monoparental, constituída pela
genitora e sua prole. Pois, como visto, o número de crianças registradas sem o
nome do genitor está em uma linha crescente, haja vista que em agosto de 2022 a
ARPEN- BRASIL publicou uma matéria informando que neste ano o número subiu
para 100 mil, o maior desde 2016.32

2.1 O AFETO E O ABANDONO NA VISÃO DA PSICOLOGIA

Ultimamente, pode-se dizer que, principalmente após o início da pandemia do


vírus COVID-19, muitos profissionais, de diferentes áreas, têm olhado com mais
atenção para as relações entre os indivíduos, com a intenção de proporcionar e
promover pessoas mais saudáveis psiquicamente, e de forma bastante positiva,
fisicamente também. Sabendo que o presente trabalho é da área jurídica, e que a
psicologia tem papel somatório, serão abordados apenas esses dois ramos e a área
psicoterapêutica não terá enfoque.
De acordo com o dicionário da Academia Brasileira de letras, afeto significa
“Disposição empática do espírito que se traduz em atos ou palavras de carinho,
benevolência, admiração”, “(Psic.) Estado de espírito, permanente ou transitório,
causado por influência exterior, agradável ou desagradável”. Mas não foi possível
encontrar o significado de afetividade neste dicionário, e para melhor compreensão,
é interessante já adiantar que embora sejam parecidos, afetividade e afeto não são
sinônimos.
Jamile Cantalice, em seu artigo, aponta a visão de alguns psicólogos e suas
teorias a cerca do tema, como Henri Wallon, Piaget e Vygotsky. A autora concorda
com o pensamento de José Brazão e afirma que embora seja muito comum que o

31
CORSINI, Iuri; GUEDES, Mylena, Número de crianças sem o nome do pai na certidão cresce pelo 4º ano
seguido. CableNes Network Brasil, Rio de Janeiro, 07 ago 2021.
32
MAIS de 100 mil crianças foram registradas sem o nome do pai em 2022. ARPEN, Brasília, 24 ago 2022.
15

afeto seja romantizado, pois ainda se tem a ideia de que sempre é algo positivo em
relação à alguém, isso não corresponde com a realidade e com a verdade, segundo
a psicologia, já que o afeto pode ser definido como uma emoção ou sentimento e
eles podem ser de forma positiva ou não sobre uma determinada situação, algo ou
pessoa, e ainda, é fundamental para o desenvolvimento do ser humano na interação
social33.
Ricardo Bezerra, assim como Cantalice, faz uma diferenciação entre afeto e
afetividade e expõe o primeiro como um aspecto basilar para a afetividade do ser
humano e é:
Um conjunto de fenômenos psíquicos que se manifestam sob a forma de
emoções, sentimentos e paixões, acompanhados sempre de impressão de
dor ou prazer, de satisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou de
tristeza.34

A psicóloga e especialista em neuropsicologia Sarah Cassimiro Marques


explica que afetividade é um gênero, que tem cinco espécies: humor, emoção,
sentimento, paixão e afeto. Pode ser definida como uma forma de se expressar
emocionalmente e de demonstrar algo que esteja sentindo de uma forma geral, pois,
como já fora dito, pode ser uma manifestação positiva ou não. No mesmo sentido é
possível citar um trecho da obra de Junior:

As emoções, assim como os sentimentos e os desejos, são manifestações


da vida afetiva. Na linguagem comum, costuma-se substituir emoção por
afetividade, tratando os termos como sinônimos. Todavia não o são. A
afetividade é um conceito mais abrangente no qual se inserem várias
manifestações.35

Pelo artigo de Cantalice é possível perceber que a psicologia também faz


uma análise histórico-social e pode identificar como as famílias deixaram, em uma
escala notória, de acreditar que o fator biológico é determinante na relação com os
filhos. Porém, com essa quebra de paradigma o afeto passou a ser o ponto principal
para que essas relações se estabelecessem, e é com a convivência que esse
33
CANTALICE, Jamile Bezerra. Abandono afetivo, psicologia e direito: compreendendo afetos e
protegendo crianças. 2022. Dissertação (Bacharelanda em Direito) – Universidade Federal da
Paraíba, Santa Rita, 2022.
34
CANTALICE, Jamile Bezerra. Abandono afetivo, psicologia e direito: compreendendo afetos e
protegendo crianças. 2022. Dissertação (Bacharelanda em Direito) – Universidade Federal da
Paraíba, Santa Rita, 2022.
35
JUNIOR, Carlos. Curso 10 anos do Código Civil: aplicação, acertos, desacertos e novos rumos. Rio
de Janeiro: EMERJ, 2013. v. 1. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeI/
10anosdocodigocivil_231.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2022.
16

vínculo é criado e solidificado.


A autora relembra o pensamento da psicóloga Juliana Rosas ‘O afeto não é
fruto somente de laços sanguíneos, mas de solidariedade e convivência, que
caracterizam a paternidade/maternidade socioafetiva’. 36

2.2 O AFETO E O ABANDONO NA VISÃO DO DIREITO

O abandono afetivo também é uma espécie de negligenciar e renunciar algo,


no caso, a convivência e o vínculo com o menor, uma vez que, embora possa
ocorrer não por vontade do genitor, na maioria das situações, que é o centro da
pesquisa, é realmente por falta de interesse e é assim que ocorre a carência do
auxílio psicológico.

O abandono afetivo está ligado à conduta omissiva dos pais


negligenciandoatuar na educação e no desenvolvimento emocionaldos
filhos, não dando osuprimento imaterial e a proteção. Assim, o abandono
afetivo ‘pode ser configuradoquando há um comportamento omisso,
contraditório ou de ausência de quem deveriaexercer a função afetiva na
vida da criança ou do adolescente’37.

A convivência, que se pode entender como a guarda, e a vida espiritual do


menor também devem ser observadas e, também, se encaixam na falta de amparo
moral e psicológico caso sejam negligenciadas. A primeira tem previsão legal no
Estatuto da Criança e do Adolescente e, inclusive, na Constituição Federal:

Art. 19.  É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio


de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu
desenvolvimento integral (ECA).38
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança,
ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (CRFB/88). 39

36
ROCHA, Luis. Mais de 100 mil crianças foram registradas sem o nome do pai em 2022. Associação
Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, Brasília, p. 1, 24 ago. 2022. Disponível em:
<https://arpenbrasil.org.br/mais-de-100-mil-criancas-foram-registradas-sem-o-nome-do-pai-em-2022-
diz-levantamento>. Acesso em: 1 de nov. de 2022.
37
CANTALICE, Jamile Bezerra, 2022, p.24 apud BASTOS; LUZ, 2008, p. 70 apud HAMADA, 2013, p.
4
38
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.
39
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p.
17

Cabe resgatar a ciência de que antes da Carta Magna de 1988, as únicas


constituições que fizeram menção ao menor, no intuito de protegê-los, foi a de 1937
ao determinar em seu art. 130 “o ensino primário gratuito e obrigatório”, porém não
obrigatório, e a de 1969, em seu art. 175 que previa a elaboração de uma lei
específica para a proteção da criança e do adolescente. 40 Todavia, no atual
ordenamento jurídico, além de disposições expressas, que são os artigos do ECA e
da CRFB/88, existem alguns princípios constitucionais aplicáveis ao direito de
família e artigos específicos do próprio direito de família.
Seria uma grande pretensão querer tratar de todos os princípios jurídicos
aplicáveis ao tema, haja vista a grande quantidade destes. Entretanto, alguns não
poderiam não ser abordados, pois conferem base e coerência ao ordenamento.
O princípio da dignidade da pessoa humana merece destaque, haja vista se
analisado o contexto em que a CRFB/88 foi elaborada, como já foi dito, que teve
como objetivo a proteção do povo, tanto é verdade que por muitos é chamada de
Constituição Cidadã. Nesse sentido, este princípio pode ser invocado, como é, por
todo o ordenamento, sendo basilar em qualquer relação jurídica.
Gagliano afirma que este princípio é “a maior conquista do Direito Brasileiro
nos últimos anos”, e ainda:

Muito embora arrisquemo-nos a dizer que a noção jurídica de dignidade


traduz um valor fundamental de respeito à existência humana, segundo as
suas possibilidades e expectativas, patrimoniais e afetivas, indispensáveis à
sua realização pessoal e à busca da felicidade.Mais do que garantir a
simples sobrevivência, esse princípio assegura o direito de se viver
plenamente, sem quaisquer intervenções espúrias — estatais ou
particulares — na realização dessa finalidade.41

Sabendo disso, pode-se dizer que a família é o primeiro ambiente social em


que o menor é inserido, e é nele que os primeiros ensinamentos de dignidade
devem ser assegurados. É neste ambiente onde o desenvolvimento, tanto psíquico
como social, deve ser imperioso a fim de auxiliar na formação da criança e do
adolescente.
O princípio da função social da família também deve ser mencionado, ao

(Série Legislação Brasileira).


40
COELHO, B.L.M, Revista de Informação Legislativa p.95 e p.107.
41
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga P. Novo Curso de Direito Civil 6 - Direito de
Família. Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786555592511. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555592511/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
18

passo que, anteriormente, sua função era política e econômica, apenas. Com o
passar dos anos, como foi visto, a relação entre os membros passou a pesar muito
mais e a busca pela felicidade de todos os integrantes começou a ser um objetivo
familiar.
Muito próximo a esse, tem-se o princípio da afetividade, que é intimamente
relacionado ao amor, mas não significa que não possa ter carga negativa, o que já
foi dito. Como Gagliano diz em sua obra, o amor é imensurável, é indefinível, e
mesmo assim com toda sua complexidade, ainda é um forte elemento impulsionador
das relações, sobretudo, a familiar, que foi “desbiologizada”, por não mais se resumir
ao caráter sanguíneo.
É com base nesse princípio que é possível interpretar o §3º do art. 28, ECA:
“Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de
afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da
medida.”.42
O princípio da plena proteção a Crianças e ao Adolescente se conecta com o
princípio da dignidade da pessoa humana, bem como com outros como o da
paternidade responsável e do planejamento familiar. Este princípio foi um grande
avanço para a esfera jurídica, uma vez que com o advento da Constituição de 1988
passaram a ser vistos como sujeitos de direito, tanto é assim, que o caput do art.
227, CRFB/88 determina:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao


adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.43

As crianças, são seres humanos em desenvolvimento e precisam de auxílio.


Para além disso, é muito interessante para o Estado, que essas crianças recebam
todo o suporte, os seus interesses devem prevalecer e receber prioridade, devem
receber todo suporte possível para que a sociedade, como um todo, tenha um futuro
melhor.

42
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.34-35
43
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p.
(Série Legislação Brasileira)
19

Gagliano discorre:

O art. 3.º do próprio ECA prevê que a criança e o adolescente gozam de


todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade.44

Outro princípio que merece evidência é da convivência familiar, pois que,


como mencionado, o seio familiar é o primeiro ambiente social em que o menor é
inserido, e é ali que sua personalidade, sua dignidade, seus valores e princípios
serão moldados. A convivência é um direito/dever dos genitores e um direito da
criança, com previsão no art. 227, CRFB/88 e no ECA, com ênfase no art. 19, que
diz:

É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua


família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a
convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu
desenvolvimento integral.

2.3 DO DEVER E DA IMPORTÂNCIA DOS PAIS NO DESENVOLVIMENTO DOS


FILHOS

A criança tem o seu primeiro contato social através da família e o que se


espera é que essas pessoas sejam as primeiras a acolher e demonstrar o que é o
amor e o que é afeto. Dentre os seus primeiros anos de vida, o ambiente em que
essa criança está inserida influenciará de modo significativo na sua adolescência e
até mesmo na sua vida adulta.
A forma como uma criança é tratada, principalmente durante a infância, ou
seja, até os seus 12 anos, de acordo com Jean Piaget e o art. 2º do ECA, deve
receber uma atenção maior, pois, como a psicóloga ThaianaBrotto explica, é nesse
período em que elas aprenderem a socializar com outras pessoas, a regular suas
emoções e passam a receber tarefas que ajudem na noção de responsabilidade e a
identificarem habilidades, começando a se sentirem úteis. 45
44
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga P. Novo Curso de Direito Civil 6 - Direito de
Família. Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786555592511. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555592511/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
45
BROTTO, ThaianaFilla. As fases da infância precisam ser respeitadas, São Paulo, 26 jun 2022.
https://www.psicologosberrini.com.br/blog/fases-da-infancia-precisam-ser-respeitadas/
20

Até que os filhos atinjam a maioridade civil, ou sejam emancipados, os pais


têm papel fundamental no que se trata da educação, e principalmente do afeto. Os
pais devem impor limites sem que os falte amor, atenção, encorajamento e
independência, afinal, são seres humanos em desenvolvimento, sem nenhuma
experiência e somente com o passar do tempo irão adquirir maturidade para lidar
com as situações que a vida impõe.
O foco é perceber como a omissão dos pais pode afetar a fase jovem e adulta
das crianças, mas é inevitável pensar que tudo isso também influencia na sociedade
e na própria relação futura entre esses sujeitos. Uma criança negligenciada
dificilmente se sentirá segura o suficiente para expor seus sentimentos, medos,
angústias e receios, o que pode acarretar atitudes inconsequentes, prejudicando-os
diretamente e indiretamente a família e a sociedade.
Contudo, é de extrema importância lembrar que, como se trata de seres
humanos, não existe uma regra, um padrão para que efetivamente todas as crianças
abandonadas afetivamente irão agir dessa maneira, inconsequente. Não é raro se
ter conhecimento de crianças que receberam todo amor e atenção e investimento
financeiro, dos pais, e simplesmente acabaram se desvirtuando. No entanto, é muito
mais comum que se vejam crianças que não tiveram uma infância sólida com esse
tipo de comportamento.
O art. 229 da Carta Magna estabelece um dever mútuo entre pais e filhos “Os
pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores
têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Diante disso, pode-se dizer que essa é uma maneira de o poder familiar demonstrar
a sua dimensão, cabendo ressaltar que para o cumprimento de deveres como os
descritos, não se submete à uma relação entre os genitores.
O poder familiar não depende de uma relação entre os genitores para que
seja consolidado, pois é estabelecido no nascimento, entre os filhos e seus pais.
Dessa forma, ele acaba assumindo algumas características, como a
irrenunciabilidade, intransmissibilidade, pois legalmente os genitores não podem se
abster opcionalmente do cumprimento de seus deveres, e a imprescritibilidade, já
que a perda ou extinção do poder familiar não ocorre de modo automático e nem
perde com o decorrer do tempo.46
46
SILVA, K. J. C. Condenados por não dar afeto: uma análise sobre a responsabilidade civil
decorrente ao abandono afetivo. 2021. Dissertação (Bacharelanda em Direito) – Centro Universitário
Ages, Paripiranga.
21

3 DOS EFEITOS DO ABANDONO AFETIVO

Esse tema que carrega tanta importância, como já fora dito, permeia duas
áreas super significantes para a sociedade, a jurídica, que trata dos conflitos, e a
psicológica, que trata da saúde mental. Nesse sentido, abordar as suas
consequências é extremamente delicado e capaz de reascender muitas dores a
quem viveu esse tipo de experiência.
Mister é citar que o abandono afetivo pode ocorrer quando o(s) genitor(s)
sabem da existência da criança, quando houve apenas o registro, mas não houve
nenhuma relação entre genitor(s) e a prole; quando a relação foi interrompida,
geralmente pela separação do casal e quando, embora convivam, geralmente
moram juntos, mas não existe convivência, ou seja, não existe uma relação. Sobre
pais que se separam, a psicóloga Rosângela Martins Souza aponta:

Estudos realizados mostram que distúrbios emocionais que ocorrem com os


filhos de pais separados, não se devem necessariamente a separação, mas
a outros fatores envolvidos com a separação, tais como pais que
apresentam distúrbios de comportamento, que brigam muito e que
envolvem os filhos nestas brigas. Quando o processo de separação é bem
conduzido, a criança não é seriamente afetada e pode ficar mais tranquila à
medida que observa que os pais tomaram uma decisão acertada e se
sentem melhor assim; com a separação.47

Maria Berenice Dias Rocha48 acredita que não ter uma convivência com os
pais pode gerar danos permanentes aos filhos, causando-lhes transtornos
psicológicos como insegurança, dificuldade de lidar com suas emoções e de
construir vínculos emocionais, sensação de rejeição, de que não possui valor, culpa
por acreditar que não merece ser amado, sensação de perda.
No mesmo sentido Ionete de Magalhães Souza descreve:

A dor psicológica de não ser querido e cuidado por quem se espera que
demonstre tais sentimentos e atitudes, naturalmente, é capaz de
desmoronar o ser em formação e a lógica (tão ilógica) que permeia suas

47
SOUZA, Manoel. Proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969. A proteção à
criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, Brasília, v. 35, n. 139, 1998. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/390>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
48
ROCHA, Luis. Mais de 100 mil crianças foram registradas sem o nome do pai em 2022. Associação
Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, Brasília, p. 1, 24 ago. 2022. Disponível em:
<https://arpenbrasil.org.br/mais-de-100-mil-criancas-foram-registradas-sem-o-nome-do-pai-em-2022-
diz-levantamento>. Acesso em: 1 de nov. de 2022.
22

indagações mais íntimas. É o querer saber por que “todos têm” um pai
presente, e somente ele não, é generalizar que seus amigos são amados
por seus pais e que estes os têm com as melhores expectativas para o
futuro. Mas que o seu caso é “abandono premeditado”, por não ser
digno, por exemplo de ser amado. As consequências são distúrbios de
comportamento, como baixa autoestima, problemas escolares, de
relacionamento social e sensação de perda de uma chance, mesmo
que ilusória, de ser completo e mais feliz. Isso não se contando o
abandono material e suas carências para a vida do filho, o que geralmente é
o que acontece(grifo meu).49

Não é fora de realidade pensar que muitos desses genitores que


negligenciaram seu papel de pai, também foram abandonados afetivamente e
acreditam na premissa de que se eles conseguiram sobreviver, seus filhos, também
conseguirão. Acontece que o que se busca não é a sobrevivência, pois isso, com o
mínimo de auxílio de qualquer pessoa, não necessariamente pai/mãe, alguém
consegue, mas sim que esse ciclo do abandono seja interrompido.
Porém, a quantidade de genitores que pensa que o pagamento de pensão é o
suficiente, isso quando paga, é imensurável. Antigamente, o sentimento, a saúde
mental, não era motivo de preocupação.
Silva menciona o artigo de José Fiho na Revista de Psiquiatria do Rio Grande
do Sul, e explana:

[...] “a presença de ambos os pais é que permite à criança viver de forma


mais natural os processos de identificação e diferenciação”, e quando um
falta, ocorre sobrecarga no papel do outro, gerando um desequilíbrio
que pode causar prejuízo na personalidade do filho. O autor diz que, em
muitos casos, ocorre uma “superpresença da mãe, anulando a
personalidade do filho ou filha. (grifo meu). 50

Analisado esse contexto, pode-se perceber como negligenciar a criação dos


filhos pode afetar a sociedade a longo prazo, pois geralmente, os filhos tendem a
reproduzir o comportamento dos pais, ainda que inconscientemente. Dessa maneira,
tornam-se um adolescente/adulto que não acredita e não se importa com os seus
sentimentos e os alheios, ou adolescentes/adultos violentos, que são desconfiados
em qualquer tipo de relacionamento, crendo que a qualquer momento serão
49
SOUZA, Manoel. Proteção à criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969. A proteção à
criança nas constituições brasileiras: 1824 a 1969, Brasília, v. 35, n. 139, 1998. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/390>. Acesso em: 31 de out. de 2022.
50
FILHO, Marcos. Responsabilidade civil na relação paterno-filial. IBDFAM, [s. l.], 22 jul. 2007.
Disponível em: <https://ibdfam.org.br/artigos/285/Responsabilidade+civil+na+rela
%C3%A7%C3%A3o+paterno-filial%2A>. Acesso em: 1 de nov. de 2022.
23

deixados novamente, que carregam consigo uma dor, uma solidão, que não será
preenchida por nenhuma outra pessoa ou coisa.
Rolf Madaleno expõe que a falta dos pais causa: “irrecuperáveis prejuízos,
que ficarão indelevelmente marcados por toda a existência do descendente
socialmente execrado pelo genitor, suscitando insegurança, sobressaltos e um
profundo sentimento de insuperável rejeição” 51

4 O ABANDONO AFETIVO E A RESONSABILIDADE CIVIL

Ao causar dano, sempre houve meio para proteger um direito patrimonial ou


moral. Porém, a responsabilidade em grande parte das vezes recaia sobre a esfera
penal e com a evolução da mentalidade social, percebeu-se que o direito civil
deveria ser o responsável capaz de tratar dos conflitos menos graves à sociedade, a
fim de ocupar o judiciário criminal apenas com o que realmente é de sua
competência.
A responsabilidade civil aumentou a sua possibilidade de somente objetiva
para então, também, subjetiva, ao passo que a vítima não pode suportar o dano que
sofrer injustamente, tendo o agente que arcar com a sua responsabilidade de
ressarcir. Nesse sentido, Gagliano disserta e define responsabilidade civil: “a
responsabilidade civil deriva da transgressão de uma norma jurídica preexistente,
impondo, ao causador do dano, a consequente obrigação de indenizar a vítima”.52
Ao longo do presente trabalho foi possível perceber o quanto a Constituição
de 1988 quebrou paradigmas e trouxe um novo olhar para a sociedade, com novos
valores e princípios não só constitucionais, mas que abarcaram todo o ordenamento,
uma vez que o princípio tem caráter complementar e de unidade ao ordenamento
jurídico. No direito civil, o olhar deixa de ser tão somente para o dano em si e para o
agente causador, para um olhar que inclui mais interesse e preocupação para com a
vítima.
Com essa atenção voltada para a vítima, na relação familiar, voltada para
seus membros, deve-se entender primordialmente que o abandono afetivo, apesar
de realmente ter ligação com o amor, está muito mais direcionado para a renúncia, a
negligência, a recusa de ter uma relação com o menor. É a falta de cuidado, de se

MADALENO, Rolf. Direito de Família, São Paulo: Grupo GEN, 2022, p. 448
51

GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
52

Família, 11. Ed., p.265


24

fazer presente em momentos importantes como as festas de escolas, da imposição


de limites.
Rolf Madaleno afirma:

Mais do que cuidar, a expressão velar, que também não foi utilizada pelo
ordenamento jurídico, compreende toda a classe de cuidados materiais
e morais, estando integrados em seu conceito os deveres relativos à
educação e formação integral dos filhos. Têm os pais o dever de se
esforçar para o desenvolvimento de todas as faculdades físicas,
morais e intelectuais de seus filhos, de modo a que logrem alcançar com
o auxílio dos genitores a plenitude de sua formação, tornando-se pessoas
úteis e independentes, não sendo sem outra razão que Alma María
Rodríguez Guitián afirma ser ‘o processo educativo algo mais profundo que
a mera instrução para certos conhecimentos (…) sendo a educação um
esforço radical e permanente de crescimento de toda pessoa’.(Grifo meu).53

Diante dessa circunstância, de acordo com Gagliano, a esfera que


inegavelmente, em sua opinião, é capaz para tratar do tema é a Vara de família,
uma vez que esta área aborda aspectos singulares que exigem uma maturidade e
sensibilidade que a vara cível não carrega, por lidar com assuntos muito mais
objetivos.
Para Gagliano:

Todavia, não temos a menor sombra de dúvida em afirmar que a


competência para as questões de responsabilidade civil nas relações
familiares deve ser, quando existente, da Vara de Família, pois a análise
das peculiaridades e características da família devem ser levadas em conta,
quando do julgamento das pretensões.Isso porque o que se vai discutir,
muitas vezes, pressupõe o conhecimento — diríamos mais, a vivência —
das complexidades inerentes aos conflitos familiares, sensibilidade essa
que, normalmente, acaba sendo desenvolvida, pela especialização, nos
magistrados atuantes nas Varas de Família. 54
Uma questão que vale a pena ser mencionada é a visitação. Grande parte
dos pais ausentes acham que visitar o menor é um direito que lhes pertence e,
portanto, podem ter a faculdade de exercê-la. Contudo, o direito civil e constitucional
enxerga que esse exercício é um direito, mas, principalmente, um dever dos pais
enquanto se configura como direito inviolável da prole de ter uma convivência e a
chance de construir uma relação saudável entre pai e filho.
53
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
54
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga P. Novo Curso de Direito Civil 6 - Direito de
Família. Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786555592511. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555592511/>. Acesso em: 31 out. de 2022.
25

Em grande escala, o abandono afetivo ocorre na separação dos pais, que em


inúmeras vezes não ocorre da melhor maneira, principalmente para o interesse da
prole. É indiscutível que ninguém busca que os pais mantenham um relacionamento
falido em prol dos filhos, mas a forma que deixam de ser um casal influencia de
modo extremamente significativo no desenvolvimento, psíquico e cognitivo de seus
descendentes.
Madaleno elucida:

Os pais um compromisso natural de afeto para com os seus filhos menores


e incapazes, sendo direito da prole a convivência familiar, a assistência
moral e material de seus pais, mesmo se separados, ou se o ascendente
não guardião estiver geograficamente distante, porque ainda assim deverá
manter uma razoável e adequada comunicação para com a sua prole,
contato cada vez mais facilitado diante dos modernos meios de
comunicação, inclusive pela via eletrônica [...] distâncias físicas, mas que
não justificam distâncias afetivas e deliberados agravos morais.
Portanto, amor e afeto são direitos natos dos filhos, que não podem ser
punidos pelas desinteligências e ressentimentos dos seus pais, porquanto a
falta deste contato influencia negativamente na formação e no
desenvolvimento do infante, permitindo este vazio a criação de carências
incuráveis, e de resultados devastadores na autoestima da descendência,
que cresceu acreditando-se rejeitada e desamada.55

Sendo assim, o direito busca não só o cumprimento estrito da lei, mas


também a mantença da relação entre pais e filhos, já que se preocupa, também,
com o plano mental dessas partes. Nessa perspectiva, o dano já existe, mas o que
se procura é reorganizar esses laços e, embora sua origem seja importante, não
será fundamental, pois nesse momento a construção ou a reconstrução de um laço
é o que se pretende.
Contudo, deve ficar claro que o não é a intenção impor o dever de amar aos
pais, mas desmistificar a ideia de que não há consequências para suas atitudes,
nesse caso, o abandono afetivo, que é um assunto muito mais delicado, pois o
abandono material é muito mais fácil de ser compreendido e solucionado. A ideia é
demonstrar e desencorajar que os pais, mesmo que tenham filhos, sigam suas vidas
como se não os tivessem, ignorando-os, muitas vezes, material e afetivamente.
Rolf Madaleno disserta:

55
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
26

[...] E, embora possa ser até dito que não há como o Judiciário obrigar a
amar, também deve ser considerado que o Judiciário não pode se omitir de
tentar, buscando de uma vez por todas acabar com essa cultura da
impunidade que grassa no sistema jurídico brasileiro desde os tempos em
que as visitas configuravam um direito do adulto e não como um evidente e
incontestável dever que têm os pais de assegurar aos filhos a convivência
familiar, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF, art. 227). 56

Corolário a esse pensamento, mencionar o voto da Ministra Nancy Andrighi


no Resp. n. 1.159.242/SP onde uma frase sua ficou muito conhecida na área “amar
é faculdade, cuidar é dever”. Além disso Madaleno explana seu entendimento
acerca do voto da Ministra “pelo dever jurídico de cuidar, para que filhos sejam
postos a salvo de toda a forma de negligência e para que pais irresponsáveis
pensem duas vezes antes de usar seus filhos como instrumento de vingança de
suas frustrações amorosas”.57
Foi citado anteriormente que uma das formas de abandono afetivo é quando
o pai, embora tenha registrado a criança e efetue o pagamento da pensão
alimentícia, não se esforçou minimamente para que fosse criada ou para que
houvesse uma manutenção de uma relação paterno filial. Registrar e ter o nome
paterno em seus documentos é mais um dever que grande parte das vezes é
negligenciado, como já demonstrada a quantidade de crianças sem o nome do pai,
que infelizmente aumenta a cada ano.
Muitos vêm a prole como um boleto que deve ser pago mensalmente 58, e são
tão insensíveis ao ponto de pensarem que suas atitudes não refletem no plano moral
e psíquico, oferecendo rejeição, dor, carência e falta de confiança em si mesmo para
seus próprios filhos. E ainda, com a experiência operadores do direito adquirem, é
certo dizer que na maioria das situações, esse comportamento é para atingir a
genitora.

Nesse sentido, Madaleno expõe:

56
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
57
CANTALICE, Jamile Bezerra. Abandono afetivo, psicologia e direito: compreendendo afetos e
protegendo crianças. 2022. Dissertação (Bacharelanda em Direito) – Universidade Federal da
Paraíba, Santa Rita, 2022.
58
SILVA, K. J. C. Condenados por não dar afeto: uma análise sobre a responsabilidade civil
decorrente ao abandono afetivo. 2021. Dissertação (Bacharelanda em Direito) – Centro Universitário
Ages, Paripiranga, p. 35 apud LÔBO, 2018p. 45.
27

Os anais forenses registram um sem-número de dolorosos relacionamentos


da mais abjeta e detestável rejeição do pai para com o filho, deixando o
genitor de procurar o filho nos dias marcados para visitação, nem dando
satisfações da sua maldosa ausência, e que no mais das vezes apenas
objetiva atingir pelos filhos a sua ex-mulher, movido pelos fantasmas do seu
ressentimento separatório. Diferentemente da compreensão dos adultos, os
filhos são incapazes de entenderem a imotivada ausência física do pai e
cuja falta muito mais se acentua em datas singulares, como o aniversário do
menor, o Dia dos Pais, os festejos de Natal e de Ano Novo, ou no simples
gozo de um período de férias na companhia do genitor .[...] incompreensível
discriminação, com uma contumaz e indisfarçável rejeição desses pais que
selecionam os filhos pelas mães.59

Acerca do direito do filho em ter o nome paterno no seu registro civil, Junior
explica:
Além do direito ao nome paterno, o filho tem a necessidade e o direito, e o
pai tem o dever de acolher social e afetivamente o seu rebento, sendo esse
acolhimento inerente ao desenvolvimento moral e psíquico de seu
descendente. Recusando aos filhos esses caracteres indissociáveis de sua
estrutura em formação, age o pai em injustificável ilicitude civil, e assim gera
o dever de indenizar também a dor causada pelas carências, traumas e
prejuízos morais sofridos pelo filho imotivadamente rejeitado pela desumana
segregação do pai, não obstante exista corrente claramente contrária ao
dano moral pelo abandono afetivo.60

Em fevereiro de 2022 o Portal de Comunicação do Superior Tribunal de


Justiça publicou a decisão da Terceira Turma do STJ sobre o caso de uma menina
que, representada por sua mãe, ajuizou uma ação de responsabilidade civil por
abandono afetivo quando tinha apenas 14 anos. Sua relação com o pai foi
interrompida aos seis anos de idade, quando a união estável entre os genitores
chegou ao fim. O STJ o condenou ao pagamento de trinta mil reais por danos
morais.
A Ministra Nancy Andrighi como verdadeira militante do direito de família
afirmou:
O recorrido ignorou uma conhecida máxima: existem as figuras do ex-
marido e do ex-convivente, mas não existem as figuras do ex-pai e do ex-
filho[...] Sublinhe-se que sequer se trata de hipótese de dano presumido,
mas, ao revés, de dano psicológico concreto e realmente experimentado
pela recorrente, que, exclusivamente em razão das ações e omissões do
recorrido, desenvolveu um trauma psíquico, inclusive com repercussões

59
MADALENO, Rolf. Direito de Família. [Digite o Local da Editora]: Grupo GEN, 2022. E-book. ISBN
9786559644872. Disponível em:<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559644872/>.
Acesso em: 31 de out. de 2022.
60
JUNIOR, Carlos. Curso 10 anos do Código Civil: aplicação, acertos, desacertos e novos rumos. Rio
de Janeiro: EMERJ, 2013. v. 1. Disponível em:
<https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeI/
10anosdocodigocivil_231.pdf>. Acesso em: 1 nov. 2022.
28

físicas, que evidentemente modificou a sua personalidade e, por


consequência, a sua própria história de vida", concluiu a ministra. 61

O portal informa:

Para a magistrada, se a parentalidade é exercida de maneira irresponsável,


negligente ou nociva aos interesses dos filhos, e se dessas ações ou
omissões decorrem traumas ou prejuízos comprovados, não há
impedimento para que os pais sejam condenados a reparar os danos
experimentados pelos filhos, uma vez que esses abalos morais podem
ser quantificados como qualquer outra espécie de reparação moral
indenizável. (grifo meu). 62

O abandono afetivo e a possibilidade da sua configuração como


responsabilidade civil ainda é um tema controverso entre os juristas. Parte dos
operadores de direito entendem que a indenização em casos desse assunto não
deve ser concedida, pois acreditam que essa seria uma forma de quantificar o afeto
e então perderia a sentido de espontaneidade e naturalidade de vínculo sob a
imposição de uma obrigação jurídica. Outra parte sustenta que os genitores devem
exercer uma paternidade consciente de que seus atos podem causar prejuízo
psicológico e que como tal prática vai em sentido contrário ao que a Constituição
Federal, o ECA e o próprio código civil determinam, poderão sofrer uma sanção 63.

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS C/C PEDIDO DE


INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. SENTENÇA DE PARCIAL
PROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO DA AUTORA –
[...] No âmbito da responsabilidade civil, ainda que se trate de matéria de
direito de família, a indenização por dano moral pressupõe a existência de
uma conduta ilícita, o que não se verifica no caso concreto. Lado outro, a
orientação do STJ é no sentido de que "O dever de cuidado compreende o
dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de
cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos
os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as
necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade,
não configura dano moral indenizável.". Precedentes. Acerto do decisum.
Sentença de improcedência que se mantém. Honorários recursais.
RECURSO DESPROVIDO.(0042516-41.2016.8.19.0205 - APELAÇÃO.
61
APELAÇÃO Cível / Direito Civil. [S. l.], 25 jun. 2020. Disponível em:
<https://esaj.tjac.jus.br/cjsg/resultadoSimples.do;jsessionid=33CEA57C9F7343D7293F7ECDC0BA88
CB.cjsg3?conversationId=&nuProcOrigem=07031014120168010001&nuRegistro=>. Acesso em: 31
de out. de 2022.
62
ABANDONO Afetivo: perspectivas jurídicas no âmbito familiar. Revista Eletrônica, [s. l.], v. 42, n. 2,
p. 1-28, 2016. DOI Disponível em:<https://doi.org/10.15448/1984-7718.2016.2.26500. Disponível em:
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/view/26500>. Acesso em: 1 de nov. de
2022.
63
GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo Mário Veiga, Novo Curso de Direito Civil 6 – Direito de
Família, 11. Ed., p.266
29

Des(a). ANDRE EMILIO RIBEIRO VON MELENTOVYTCH - Julgamento:


10/12/2020 - VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL).64

APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ABANDONOAFETIVO. DANO


MORAL. Inocorrência. Não há como impor aos genitores a obrigação de dar
amor e afeto aos seus filhos. Todavia, há possibilidade de responsabilizá-los
pelos danos decorrentes da ausência, diante de eventual conduta ativa ou
omissiva, que configure violação do dever de cuidado. Inteligência do art.
186 do CC/02. Precedente do STJ. No caso dos autos, inobstante os
dissabores sofridos pelo apelado, decorrentes da falta de carinho e atenção
paterna, não restou demonstrado o dolo ou culpa por parte do apelante,
pressupostos subjetivos necessários para o reconhecimento do dever de
indenizar. O distanciamento entre as partes resulta de circunstâncias
da vida, notadamente da separação dos genitores, da falta de estrutura
familiar e da mudança do filho para outro município. Inexistência de ato
ilícito. Dano moral não caracterizado. Precedentes desta C. Câmara.
Sentença reformada. Ônus da sucumbência invertido. RECURSO
PROVIDO (TJSP; Apelação 1000815-69.2016.8.26.0082; Relator (a):
Rosangela Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Boituva - 2ª Vara; Data do Julgamento: 27/10/2017; Data de Registro:
27/10/2017)

APELAÇÃO CÍVEL - JUSTIÇAGRATUITA – RECURSO CONHECIDO. Em


vista da existência de discussão a respeito do direito do réu as benesses da
JustiçaGratuita - e nem exigibilidade de pagamento das despesas judiciais
relativas ao preparo recursal - Hipossuficiência não demonstrada -
Gratuidade processual não concedida em primeiro grau - Pedido fundado
em alegações genéricas - Ausência de demonstração de alteração
superveniente das condições financeiras do réu. Indenização. - Dano moral
– Ocorrência - Abandono afetivo configurado - Nexo causal entre omissão
do réu e danos dela decorrentes na esfera moral da autora que restaram
comprovados -Autora que sofreu relevante abalo psicológico em razão
de sentimento de rejeição e humilhação - estudo psicológico que apontou
a efetiva caracterização da situação de abandono afetivo, a justificar a
condenação em danos morais - Réu que entende como prioridade o
auxílio financeiro a enteados em detrimento da própria filha e que
sustenta que não há lei que o obrigue a amar a filha- Sentença mantida -
Recurso do réu improvido. ApelaçãoCível – Alimentos – Majoração –
Possibilidade – Necessidade da autora demonstrada – Autora que, um
quanto inserido no mercado de trabalho não aufere renda suficiente para o
custeio de despesas domésticas de mensalidade de faculdade – Réu que
não comprova a ausência de capacidade financeira para suportar a
obrigação alimentícia. Indenização – Dano Moral – Majoração –
Possibilidade – Valor que deve ser compatível com a reprovabilidade da
conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pelo
autor bem como o poderio econômico do causador do dano – Quantum
indenizatório deve refletir a reprovabilidade da conduta do ofensor sem,
contudo, servir de estímulo ao enriquecimento sem causa do ofendido –
Autora que foi submetida a situação excepcional de angústia e
sofrimento em decorrência de inúmeros episódios de rejeição paterna
desde tenra idade – Montante arbitrado pela sentença que se mostra
insuficiente – Majoração do quantum fixado – Recurso da autora
parcialmente provido. Sucumbência Recursal – Honorários advocatícios –

64
APELAÇÃO Cível / Direito Civil. [S. l.], 25 jun. 2020. Disponível em:
<https://esaj.tjac.jus.br/cjsg/resultadoSimples.do;jsessionid=33CEA57C9F7343D7293F7ECDC0BA88
CB.cjsg3?conversationId=&nuProcOrigem=07031014120168010001&nuRegistro=>. Acesso em: 31
de out. de 2022.
30

Majoração do percentual arbitrado em desfavor do réu – Observância do


artigo 85, §§2º e 11, do CPC – Execução dos valores sujeita ao disposto no
art. 98, §3º, do CPC.65

APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO. CIVIL E PROCESSO CIVIL.


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABANDONO AFETIVO.
IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. PEDIDO QUE NÃO DECORRE DAS
RAZÕES RECURSAIS. EFEITO DEVOLUTIVO. CONHECIMENTO
PARCIAL DA INSURGÊNCIA PARCIAL. MONTANTE INDENIZATÓRIO.
FIXAÇÃO COM BASE NA CONDIÇÃO PESSOAL DAS PARTES,
EXTENSÃO DO DANO E GRAU DE CULPA. PATAMAR ELEVADO.
REDUÇÃO. PROPÓSITO MAIOR DA AÇÃO. CONSTRUÇÃO DE
VÍNCULO AFETIVO ENTRE PAI E FILHO. [...] 3. O abandono afetivo, não
obstante configurado e admitido pelo genitor e com efeitos danosos
comprovados na vida da vítima, pode e deve ser reparado com a
construção de vínculo afetivo com o filho, uma vez ser este ainda
adolescente, em fase de desenvolvimento de caráter. 4. A indenização
não pode ser um fim em si mesma, de sorte que deve servir muito mais
como um alerta ao genitor ausente para que se aproxime do seu filho.
De outra banda, não pode ser entendida como uma espécie de premiação à
mãe que pratica atos de alienação parental. 5. Condições pessoais das
partes que militam pela redução do valor estabelecido na sentença, que
passa a ser de cinco mil reais. 6. Recurso principal parcialmente conhecido
e, nessa extensão, provido. Recurso adesivo conhecido e desprovido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n. 0703101-
41.2016.8.01.0001, "DECIDE A SEGUNDA CÂMARA CÍVEL CONHECER,
EM PARTE, DO APELO E NESTA, PROVÊ-LO. RECURSO ADESIVO
DESPROVIDO, NOS TERMOS DO VOTO DO(A) DES(A) RELATOR(A).
UNÂNIME" e das mídias digitais gravadasTJAC; APL0703201-
41.2016.8.01.0001; Relator (a): Regina Ferrari. Data do julgamento:
23/06/020, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 25/06/2020. 66

Foi possível perceber que embora seja um tema da atualidade, com várias
jurisprudências sobre o tema, inclusive em casos em que a parte demandada é a
genitora, mas não é o foco nesta pesquisa, o argumento da monetização do
amor/afeto de fato é utilizado e como a tese de que o abandono afetivo é uma
atitude covarde e reprovável

CONCLUSÃO

Com o presente trabalho ficou evidente que a cultura do abandono afetivo

65
APELAÇÃO Cível / Direito Civil. [S. l.], 25 jun. 2020. Disponível em:
<https://esaj.tjac.jus.br/cjsg/resultadoSimples.do;jsessionid=33CEA57C9F7343D7293F7ECDC0BA88
CB.cjsg3?conversationId=&nuProcOrigem=07031014120168010001&nuRegistro=>. Acesso em: 31
de out. de 2022.
66
APELAÇÃO Cível / Direito Civil. [S. l.], 25 jun. 2020. Disponível em:
<https://esaj.tjac.jus.br/cjsg/resultadoSimples.do;jsessionid=33CEA57C9F7343D7293F7ECDC0BA88
CB.cjsg3?conversationId=&nuProcOrigem=07031014120168010001&nuRegistro=>. Acesso em: 31
de out. de 2022.
31

está enraizada no Brasil desde a época colonial. Contudo, após muitos e longos
anos, apesar de grande progresso, este ainda é um fato recorrente, porém, vem
sendo rompido, aos poucos, pois como demonstrado, ainda não é um assunto com
jurisprudência consolidada.
A intenção foi apresentar como as atitudes dos pais influenciam diretamente
na vida dos filhos, não só na vida prática, como por exemplo dificuldades na escola
e em relações sociais, como no âmbito da saúde, pois pode ensejar além de outros
transtornos, a ansiedade. Evidenciar que o que se busca não é o dinheiro, não é
uma forma de extinguir uma obrigação, vai muito além, pois o que se pretende é sim
punir o genitor ausente por não ter cumprido com o que a lei exige, cuidado, zelo,
educação, convivência, e não o amor, que embora deveria ser o natural de sentir,
não é uma obrigação imposta pelo direito.
O direito de família tem prosperado com a intenção de desmotivar esse tipo
de comportamento, de pais que enxergam o registro civil ou com o pagamento da
pensão alimentícia como papel de pai concluído com sucesso. Contudo, embora
seja esse o desejo de boa parte dos juristas e de grande parte da sociedade, ainda é
prematuro dizer que de fato a indenização por danos morais referente ao abandono
afetivo, que tem objetivo pedagógico, punitivo e reparatório, compre essa função,
pois na grande maioria dos casos os genitores abandonam porque realmente
querem e como foi utilizado de argumento por um, em uma das jurisprudências
citadas, não há lei que o obrigue a amar a própria filha. Dessa maneira, o que é
certo dizer, é que ainda há muito o que se discutir, aprender e amadurecer sobre
esse tema.

REFERÊNCIAS

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7718.2016.2.26500. Disponível em:
https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/view/26500>. Acesso
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conversationId=&nuProcOrigem=07031014120168010001&nuRegistro=>. Acesso
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Oliveira. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira)

BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do


Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.

BROTTO, Thaiana Filla. As fases da infância precisam ser respeitadas, São Paulo,
26 jun 2022. Disponível em:<https://www.psicologosberrini.com.br/blog/fases-da-
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CANTALICE, Jamile Bezerra. Abandono afetivo, psicologia e direito:


compreendendo afetos e protegendo crianças. 2022. Dissertação (Bacharelanda em
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Editora]: Editora Saraiva, 2022. 9786555598681. Disponível em:
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JUNIOR, Carlos. Curso 10 anos do Código Civil: aplicação, acertos, desacertos e


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