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RESUMO
O presente trabalho monográfico almeja estudar as Uniões Estáveis Putativas, utilizando
método de pesquisa dedutivo, teórica e qualitativa, com o emprego de material bibliográfico e
legal, a fim de percorrer o caminho da compreensão do conceito de família, para entendermos
como o possível reconhecimento de tais entidades, em disputa contra ideais religiosos e
monogâmicos, pode gerar efeitos aos envolvidos, principalmente no campo sucessório. No
primeiro capítulo há a tentativa de trazer a modificação do conceito de família como ponto de
partida para entendermos o surgimento dos ideais monogâmicos e o casamento como única
entidade familiar. No segundo, estuda-se a origem etimológica do termo União Estável e os
seus desdobramentos, com enfoque no que a Legislação Pátria versa sobre tal entidade, a fim
de observar as diferenças em relação ao Casamento e a evolução legislativa e jurisprudencial
do tema. No terceiro capítulo, a abordagem recai sobre a União Estável Putativa, na tentativa
de conceitualizá-la e traçar suas diferenças em relação ao seu semelhante, o Casamento
Putativo, com especial discussão acerca da boa-fé pertinente à ambas as entidades como
requisito para assegurarem-lhe os efeitos, além de observar a intersecção entre a putatividade e
a simultaneidade de tal entidade. No capítulo derradeiro, há, por fim, o raciocínio acerca da
possibilidade de reconhecimento dos efeitos sucessórios, discorrendo acerca das diferenças
legislativas entre cônjuge e companheiro para entender como a União Estável Putativa é
desprivilegiada em relação ao Casamento Putativo, de modo que há, ainda, a prevalência do
infame princípio da monogamia como fundamento para rechaçar as famílias paralelas,
atingindo tambem as Uniões Estáveis Putativas, além de tratar acerca do panorama atual da
Jurisprudência, que não prevê o reconhecimento de tais relações, mas dá indícios de que num
futuro não tão distante, o cenário acerca da discussão pode tomar novos rumos, atribuindo
plenamente efeitos sucessórios e afastando a incidência absoluta do princípio da monogamia.
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Acadêmico do curso de Direito da Faculdade de Petrolina – FACAPE/AEVSF. E-mail:
castrobragavictor@gmail.com
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Professora universitária, Pós-graduada em direito do trabalho e previdenciário pelo URCA - Universidade
Regional do Cariri; Mestranda - Univasf - Programa de Pós-Graduação em Propriedade Intelectual e Transferência
de Tecnologia para a Inovação. Advogada atuante nas áreas de direitos das família e sucessões.
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ABSTRACT
This monographic work aims to study the Putative Stable Unions, using a deductive, theoretical,
and qualitative research method, with the use of bibliographic and legal material, to walk the
path of understanding the concept of family, to understand how the possible recognition of such
entities, in dispute against religious and monogamous ideals, can have effects on those involved,
especially in the field of Probate Law. In the first chapter, there is an attempt to bring the
modification of the concept of family as a starting point to understand the emergence of
monogamous ideals and marriage as the only family entity. In the second, the etymological
origin of the term Stable Union and its developments are studied, focusing on what the Brazilian
Legislation deals with the referred entity, in order to see the differences in relation to Marriage
and the legislative and jurisprudential evolution of the subject. In the third chapter, the approach
falls on the Putative Stable Union, in an attempt to conceptualize it and outline its differences
in relation to its similar, the Putative Marriage, with special discussion about the “good faith”
pertinent to both entities as a requirement to ensure its effects, in addition to observing the
intersection between the putativity and the simultaneity of the mentioned entity. In the last
chapter, finally, the reasoning about the possibility of recognizing the effects of succession,
discussing the legislative differences between spouse and partner to understand how the
Putative Stable Union is underprivileged in relation to the Putative Marriage, so that there is
still the prevalence of the infamous principle of monogamy as a basis for rejecting parallel
families, also affecting Putative Stable Unions, as well as the current scenario of Jurisprudence,
which does not recognize such relationships, but gives indications that in the not so distant
future, the scenario surrounding the discussion can take new directions, fully attributing
succession its effects and removing the absolute incidence of the principle of monogamy,
always with the objective of protect and safeguard all the rights of those who for a long time
were outsided by the Law.
KEY WORDS: Putative Stable Union. Family. Probate Law. Family Parallelism. Legal
Effects
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I. INTRODUÇÃO
Por fim, há a indagação acerca do atual panorama jurisprudencial, servindo como ponto
de partida para refletir o que se entende sobre o tema no nosso Ordenamento Jurídico,
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oferecendo uma perspectiva acerca do futuro das famílias paralelas, com a possibilidade do
reconhecimento destas tornar a boa-fé perquirida nas Uniões Estáveis Putativas apenas um
acessório, garantindo então, de forma plena, os efeitos decorrentes da verificação de uma
verdadeira família.
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A família como organismo social e jurídico foi a que mais teve o seu conceito,
compreensão e a sua extensão modificadas ao longo do tempo. Inicialmente, deve-se observar
a família como fato social, para depois examiná-la como fenômeno jurídico.
Antigamente, nas principais civilizações, a família era vista como um agrupamento
amplo e caracterizado por uma hierarquia entre seus membros, ao passo que todos eles se
relacionavam sexualmente, com a presença do incesto e da poligamia, pois os homens sempre
buscavam relacionar-se com diversas mulheres, inclusive fora da sua tribo. Posteriormente,
com o avanço da crença religiosa influenciada por uma Igreja Católica predominante, a
promiscuidade começou a ceder espaço para a monogamia, que foi o ponto de partida para que
a família fosse convertida em um fator econômico de produção, pois restringiu-se ao exercício
do poder familiar pelo homem, e que considerava os familiares como mão-de-obra para a
produção no campo, principalmente tendo a subsistência em vista.
Em diversas sociedades, mesmo que concomitantes, o conceito de família era diverso.
Na sociedade Romana, por exemplo, o poder exercido pela figura paterna era quase que
absoluto, e o que ligava os membros da família não era o vínculo afetivo, mas sim a necessidade
de perpetuação do culto familiar, baseados na religião doméstica e culto aos antepassados, que
via a família como um grupo, legitimado apenas pelo casamento religioso fundado no poder
paterno, dando seguimento a linhagem familiar, sem considerar como família qualquer relação
havida fora do casamento religioso.
A principal mudança do conceito de família se deu com a Revolução Industrial. A partir
da industrialização, houve o êxodo rural, e diante deste fenômeno, as famílias não mais eram
caracterizadas como pequenos núcleos econômicos, passando a ter a partir de então uma função
afetiva, servindo a família como instituição na qual se desenvolvem os valores morais, afetivos,
espirituais e de assistência recíproca entre seus membros (Bossert-Zannoni,1996:5). A partir de
então, sucessivas mudanças começam a atingir o núcleo familiar, que passaria a ser altamente
regulado pelo Estado. Além disso, com a industrialização, como a família deixou de ser uma
unidade de produção, a formação familiar agora envolvia apenas o casal e sua prole, e agora os
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cônjuges trabalhavam fora do núcleo familiar, o que representou um grande avanço para a
mulher, que teve de ingressar no mercado de trabalho e tornar-se também uma fonte de sustento,
transformando o seu papel na sociedade.
Originalmente, a tradução da família como um fato social para fenômeno jurídico se dá
pela criação de um vínculo conjugal regulado pelo Estado, que por forte influência religiosa
apenas reconhece o matrimônio. Para o Direito, a família é a base da sociedade, sendo um
núcleo natural e fundamental desta, devendo ser protegida pelo Estado.
Nas palavras de Maria Berenice Dias (2021, p. 44), “a família é tanto uma estrutura
pública como uma relação privada, pois identifica o indivíduo como integrante do vínculo
familiar e também como partícipe do contexto social.”
No Ordenamento Jurídico Brasileiro, a família percorreu o mesmo caminho. No Código
Civil de 1916, a família resumia-se simplesmente ao casamento, ideia que surgia de uma
sociedade altamente religiosa. Prova disso é que o Códex supramencionado trazia uma
desigualdade familiar, em que o Pai detinha todo o poder familiar em detrimento da cônjuge.
Além disso, havia um caráter punitivo para todas as relações consideradas extramatrimoniais,
deixando aqueles que não constituíam família por meio do matrimônio à margem ou até mesmo
punidos pela Lei, o que englobava os filhos ilegítimos e os vínculos não matrimoniais, em busca
de forçar as práticas sociais a se adequarem a preservação da família matrimonializada como
única entidade familiar.
Todavia, a Legislação Brasileira evoluiu drasticamente, com atenção especial para a
pioneira Lei 4.121/1962 - Estatuto da Mulher Casada - e posteriormente a instituição do
divórcio pela EC 09/1977 e Lei 6.515/1977, acabando com a indissolubilidade do casamento.
Mas o maior avanço veio com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que
pregou a igualdade entre homem e mulher, além de tratar de forma igualitária todos os membros
da família, ampliando o seu conceito e sua extensão. Agora, família não correspondia só àquela
constituída pelo casamento, mas também à união estável e família monoparental, representando
um grande avanço no nosso Direito, que passou a tutelar as diversas famílias existentes no
Brasil.
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Diante de uma sociedade com crenças religiosas altamente enraizadas, a família era vista
como uma entidade sagrada, que seria consolidada somente através do matrimônio, e este, feito
por meio do casamento. Durante muito tempo, família era sinônimo de casamento, e vice-versa,
e todos os vínculos mantidos fora dessa estrutura religiosa eram discriminados e repudiados
tanto pela sociedade como pelo Direito.
Quando se fala em vínculos extramatrimoniais, não se entende somente aqueles em que
um dos cônjuges, enquanto casado, mantem relações com outra pessoa. A sociedade, e por
conseguinte, o Direito, não reconhecia o vínculo nutrido somente pelo afeto, em que duas
pessoas, livres e desimpedidas, mantinham relações familiares mas não estavam casadas, pois
entendia-se que o casamento era a única possibilidade de constituir uma família.
No âmbito nacional, o casamento religioso era a única forma de obter acesso ao
matrimônio, situação que permaneceu até o ano de 1891, com o advento do casamento civil,
que apesar de diferenciar-se daquele, ainda continha em seu âmago um caráter altamente
religioso, e portanto, patriarcal e sagrado. Esse panorama social foi traduzido para as linhas do
Código Civil de 1916, que determinava a constituição da família apenas pelo casamento,
refletindo os ideais religiosos de uma sociedade altamente patriarcal e conservadora.
Essa perspectiva ainda produz efeitos atualmente, ao passo que se encontra altamente
enraizada a monogamia. O princípio da monogamia, previsto legalmente no nosso ordenamento
jurídico, é considerado a base do casamento, o que não representa a fase social que permeia
nossa sociedade, que agora tem as suas relações constituídas a partir de uma construção afetiva,
emocional, sentimental.
O reconhecimento de outras entidades familiares que não o Casamento evidencia que o
nosso Ordenamento Jurídico caminha, mesmo que timidamente, a uma oxidação das leis. O
Direito baseia-se nas condutas humanas, sendo impossível prevê-las em sua totalidade. Assim
sendo, abalizado numa evolução exponencial das relações pessoais que surgem atualmente,
diante do advento das redes sociais, da maior expectativa de vida e outros fatores, os vínculos
familiares constituem-se das mais variadas formas, não podendo o Direito fechar os olhos para
as diversas formas de família, sendo a União Estável o destaque destas novas entidades
familiares.
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sentido, a Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) conferiu a companheira o direito de usar
o sobrenome do seu companheiro.
Posteriormente, finalmente a União Estável teve sua consolidação como entidade
familiar, ao figurar no artigo CR 226 § 3.º, da CF/88, quando passou a gozar de proteção
constitucional, mencionando pela primeira vez o termo companheiro, e não mais concubino.
Porém, o reconhecimento constitucional por si só não foi suficiente para, desde já, equiparar tal
instituto ao casamento, evidenciando que entre eles havia diferenças significativas,
principalmente no que tange aos direitos sucessórios dos companheiros. Para mudar este
panorama, foi necessário que o legislador pátrio consolidasse efetivamente os direitos dos
companheiros a partir da edição das Leis 8.971/94 e 9.278/96 , solidificando o entendimento de
que não havia hierarquia entre o Casamento e a União Estável.
Destarte, com o passar dos anos, o reconhecimento moroso, mas contínuo da União
Estável, trouxe pequenas vitorias àqueles que constituíam famílias a partir da existência de um
vínculo afetivo, e não mais necessariamente matrimonial, ao considerar que a supramencionada
Entidade Familiar seria capaz de produzir efeitos jurídicos, que no primeiro momento
restringiam-se somente a ressarcir a companheira a receber verbas pelos serviços domésticos,
evoluindo para o reconhecimento do vínculo não matrimonial como uma sociedade de fato,
conferindo aos atores desta direitos obrigacionais no desfazimento das relações concubinárias,
nos levando para o momento atual, que teve sua real consolidação a partir da edição das Leis
8.971/1994 e 9.278/1996, sendo necessário admitir que o processo de valorização,
reconhecimento e aplicação dos efeitos decorrentes da União Estável estão em constante
aprimoramento, pois ao passo que a sociedade evolui, sendo o vínculo conjugal um fato social
de imensa relevância, o Direito deve acompanha-la, porquanto tem o dever de regulamentar
todas as relações particulares e as implicações que dela decorrem.
A União Estável como entidade familiar percorreu longo caminho até sua efetivação
como tal, sendo primeiramente mencionada na Constituição Federal de 1988, no art. 226, §3º,
que conferiu proteção constitucional para tal modalidade de familiar. Todavia, sua efetiva
aplicação se deu apenas com o posterior surgimento de legislação neste sentido.
da convivência more uxório sob o mesmo teto, entendimento aplicado pela Jurisprudência
Nacional, afastando o requisito temporal.
No que tange à sucessão, a referida Lei dispõe que o convivente poderá herdar, desde
que, quando concorrer com os ascendentes ou descendentes do de cujus, não tenha constituído
nova união, e, na falta de herdeiros necessários, receberiam a totalidade da herança.
A Lei 9.278 de 10 de Maio de 1996, que regulava o artigo 226, § 3º da Constituição
Federal, pode ser considerada uma evolução em relação a Lei 8;971/94, ao passo que esta não
foi revogada por aquela, mas apenas aperfeiçoada, sendo possível o uso síncrono. Cabe dizer
que na nova Lei, inúmeras inovações foram introduzidas no que diz respeito à União Estável,
o que será discorrido a seguir.
Inicialmente, a referida carta legal conceitua o instituto da União Estável,
caracterizando-a como “ convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma
mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”, o que desde já nos demonstra
a exclusão do requisito do prazo mínimo de convivência ou coabitação, derrogando o art. 1º da
Lei 8.971/94. Assevera ainda os direitos e deveres iguais dos companheiros, com especial
atenção ao respeito e consideração mútuos, a assistência moral e material recíproca e a guarda,
sustento e educação dos filhos comuns.
No que diz respeito ao Direito Patrimonial, a legislação nos trouxe que os bens
adquiridos durante a constância da União Estável a título oneroso, seriam partilhados entre os
conviventes, aludindo que os bens pertenceriam a ambos em condomínio, e não comunhão, o
que posteriormente com o Novo Código Civil seria alterado. Ainda nesta toada, diferentemente
do que acontecia antes quando o companheiro ou companheira precisava provar que colaborou
para a aquisição dos bens, decaindo sobre ele o ônus da prova, com a intervenção do art. 5º da
Lei n.º 9.278/96 este ônus foi invertido, presumindo a colaboração dos companheiros na
aquisição do patrimônio comum durante a união estável, cabendo ao outro companheiro negar
a participação daquele que pleiteia a metade dos bens, caso discorde.
Ainda no bojo da Lei n.º 9.278/96, duas novidades importantes: O reconhecimento do
Direito Real de Habitação como direito sucessório do convivente, que é tópico de debate e será
debatido oportunamente, e a atribuição da competência da Vara de Família para toda a matéria
referente à União Estável, assegurado o segredo de justiça.
Portanto, revisando a inteligência das Leis supramencionadas, extrai-se que há, em
ambas, sintomas da evolução da União estável, com o Estado reconhecendo sua existência e
conferindo a ela efeitos patrimoniais, sucessórios etc., tendo a última mais relevância para tal
entidade familiar, reconhecendo, todavia, que ambas consolidaram a proteção constitucional
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deferida pelo art. 226, §3º da Constituição Federal, mesmo que o desenvolvimento da União
Estável como entidade familiar ainda não tenha se desenvolvido plenamente.
Mesmo após toda a evolução da União Estável como reconhecida entidade familiar, o
Novo Código Civil de 2002 atrasou tal progresso em decorrência da tenra idade desta unidade
familiar, pois não conseguiu traduzir o panorama social para seus dispositivos. No que diz
respeito ao Regime de Bens, a União Estável segue a mesma regra do Casamento, de modo que
prevê a Comunhão Parcial de Bens como regime escolhido na ausência de estipulação prévia
pelos companheiros, conforme acepção do art. 1.725. Quanto aos direitos sucessórios, o atual
Códex Cível conferiu às entidades familiares em questão, quais sejam o Casamento e a União
Estável, tratamento distinto. Inicialmente, o cônjuge foi favorecido em comparação ao
companheiro, de modo que este não foi considerado como herdeiro necessário, diferentemente
daquele. Adicionalmente, também não foi previsto ao companheiro Direito Real de Habitação,
cabendo a jurisprudência prolongar a incidência do art. 7º, da Lei 9.278/96, que previa tal
benefício para o convivente.
Felizmente, com a maturação do assunto no decorrer dos anos, impulsionado por uma
evolução social, comportamental e axiológica da sociedade brasileira, o Supremo Tribunal
Federal decidiu por considerar o art. 1.790 do Código Civil como inconstitucional, e reconheceu
para fins sucessórios a equiparação entre cônjuge e companheiro, concedendo a ambos a
qualificação de herdeiro necessário.
Tal decisão foi de extrema importância para a total equiparação da União Estável em
relação ao Casamento, ao passo que a discussão sobre o referido dispositivo civel atingiu
também o mérito do Princípio da Igualdade, de modo que a equiparação para fins sucessórios
deveria repercutir nos outros âmbitos conjugais tutelados pelo Ordenamento Jurídicos,
especialmente no Direito de Família e em outras divergências do Direito Sucessório, que ainda
serão discutidos aqui. A referida decisum que garante aos companheiros tratamento idêntico
aos cônjuges na sucessão por morte busca valorizar o afeto e a constituição de família que
marcam ambas as instituições familiares, de forma a compreender que há que se valorizar não
somente as formalidades requisitadas pelo Estado que implicam na constituição de um
casamento, mas também as reais motivações para que aquele núcleo se constitua como tal,
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conferindo aos reais sujeitos desta relação o poder de escolher viver em comunhão, como
aqueles que casam, sem obrigatoriamente trazer ao vinculo a atuação estatal.
Refazendo o caminho percorrido, originalmente, o vínculo afetivo sem o selo de
casamento era visto como uma afronta a sociedade, passível de punição estatal, sendo repudiado
e tratado como uma Família Ilegítima, inclusive denominado de concubinato, expressão infeliz
que demonstrava um caráter amplamente discriminatório, reflexo de uma sociedade arcaica e
excessivamente religiosa.
Com o passar dos anos e com a imparável evolução social e de todas as relações
amorosas, o conceito de família muda constantemente, de forma que cada vez mais novas
espécies de família originam-se. Inevitavelmente, diante de novas realidades sociológicas
surgem outras possibilidades dentro do instituto da União Estável, que agora, seguindo a esteira
dos acontecimentos sociais, pode ser observado em situações cada vez menos tradicionais e
comuns, como o caso da União Estável Putativa.
A União Estável Putativa pode ser conceituada como um vínculo familiar em que há um
impedimento matrimonial que reveste a relação, porém tal obstáculo é desconhecido por pelo
menos um dos cônjuges, que, permeado pela boa-fé, acredita constituir uma entidade familiar
legitima. Destarte, quando falamos da União Estável Putativa, temos uma relação baseada na
afetividade, em que estão presentes todos os requisitos da União Estável propriamente dita, mas
que detém um obstáculo legal desconhecido por pelo menos um dos companheiros, que afasta
a legitimidade do vínculo.
O cerne da discussão sobre o reconhecimento da União Estável Putativa reside na
existência de boa-fé por parte dos companheiros ou de pelo menos um deles. Apesar da boa-fé
em alguns casos ser presumida, no âmbito da discussão da putatividade das relações familiares,
esta deve ser energicamente comprovada pela parte que a ela aproveita. Tão assim é que,
embora ainda embrionária a possibilidade de reconhecimento de efeitos da União Estável
Putativa, estes só são conferidos quando aquele que os persegue comprova que estava de boa-
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fé, comprovação esta que deve ser feita seguindo os seguintes requisitos, conforme lição de
Rolf Madaleno:
Boa-fé, por evidente, suficientemente escusável, pois deve conter a presença de
diligência, cautela e interesse da parte acerca das qualidades daquele que elegeu
para ser seu parceiro, pois não se espera que a escolha de um companheiro não
passe por um razoável e diligente crivo de informações precedentes, ou como
ensina Alípio Silveira, “a vítima deve ter sido cautelosa, diligente, ou então
deverá apresentar um motivo razoável por não ter diligenciado”, para não
descobrir em tempo e a tempo, que seu companheiro era casado e que vivia ao
mesmo tempo com seu cônjuge. (MADALENO, 2019)
A União Estável Putativa é uma variação da União Estável, sendo conceituada como um
vínculo familiar que se reveste de ilegitimidade, mas pode ser reconhecida a sua capacidade de
produzir efeitos se verificado que pelo menos um de seus integrantes estava de boa-fé. Em
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relação ao conceito, podemos dizer que a União Estável Putativa assemelha-se ao Casamento
Putativo, de modo que este configura-se a partir da ilegitimidade originada da verificação dos
impedimentos matrimoniais que constam no art. 1.521 do Código Civil, que serão estendidos à
verificação da União Estável de igual forma, como assevera o art. 1723, §1º. O tema
controvertido é acerca da possibilidade de conferir aos companheiros de boa-fé os efeitos
decorrentes dessa modalidade de união estável, assim como são conferidos efeitos ao cônjuge
de boa-fé na constância do casamento putativo, principalmente no que diz respeito aos reflexos
sucessórios destas relações simultâneas.
Apesar da tentativa de equiparar as entidades familiares, o Código Civil tutelou apenas
as relações putativas matrimoniais, deixando de abarcar as entidades familiares putativas
extramatrimoniais. Porém, da mesma forma que os impedimentos se estendem à União Estável,
também os direitos e efeitos do Casamento Putativo devem ser observados na União Estável
Putativa, a fim de consolidar a equiparação das referidas entidades. Assim ensina a louvável
doutrinadora Maria Berenice Dias
De tal modo, a previsão de conferir efeitos ao cônjuge de boa-fé, nos termos do art.
1.561, deveria ter sua aplicação e interpretação estendida aos companheiros de boa-fé, com base
na tentativa atual de equiparar as entidades e cessar qualquer tipo de diferença que se origine a
partir do preconceito e conservadorismo exacerbado, a fim de conferir aqueles que por muito
tempo ficaram à margem da lei, proteção jurisdicional eficaz e justa.
um impedimento matrimonial de conhecimento de todos, visto que mesmo que a relação possua
os requisitos da união estável, é classificada como concubinato, uma vez que um de seus
participantes já é casado ou possui outra união estável, não estando separado de fato ou
judicialmente como excepciona o artigo 1.723 do Código Civil, no seu parágrafo primeiro.
Cumpre dizer que essa má-fé não é absoluta, ou seja, o simples fato de a natureza da relação
afetiva extraconjugal ser de conhecimento dos envolvidos não é em todos os casos motivo
suficiente para classificar tal relação como impura, imoral ou ilegal.
Com o avanço da sociedade atual, cada vez mais o afeto tem um papel determinante na
consolidação de uma família. Assim, há em determinadas relações “concubinárias impuras”
um elemento afetivo que transcende a simples verificação de relações conjugais concomitantes,
sendo que a primeira relação por muitas vezes perdura somente por motivos alheios ao afeto,
seja pela inconveniência do divórcio, seja por razões patrimoniais.
Cada vez mais o Direito Das Famílias busca afastar a incidência absoluta e
desproporcional do princípio da monogamia, que trava um grande embate contra o princípio da
dignidade humana e da pluralidade familiar, demonstrando que o afeto é, nesta nova era social,
o alicerce sob a qual as famílias se sustentam.
vínculo matrimonial anterior, mas este foi afastado para que fosse respeitado o principal aspecto
da família: o afeto.
Outra hipótese é no caso de a situação de simultaneidade perdurar por tanto tempo que
todos os envolvidos acabam aceitando a realidade dos fatos, não havendo qualquer oposição à
situação desenvolvida. Assim, a entidade familiar superveniente, seja no caso de casamento e
união estável ou de duas uniões estáveis, se estiver composta por todos os requisitos para sua
configuração, pode produzir efeitos para a “concubina”.
O tema é controverso, ao passo que apesar do STF tender ao não reconhecimento do
paralelismo de entidades familiares (STF, RE 397.762.8/BA e RE883.168/SC), existem
julgados em outros Tribunais (REsp 1185337/RS) que admitem o paralelismo nas hipóteses da
simultaneidade ter perdurado por longo tempo e estar presente a anuência dos envolvidos, que
aceitaram a situação, conferindo a concubina – ou a companheira, visto que as peculiaridades
da situação demonstram que ali havia todos os requisitos para que a relação fosse caracterizada
como União Estável – direito à verbas alimentares. Em um desses julgados da Nossa Corte
Suprema, o voto vencido do Ministro Ayres Britto atribuía à relação paralela o caráter de
entidade familiar, o que, segundo TARTUCE (2022, p. 1339), era o razoável a se fazer, sob o
argumento de que o conhecimento da Esposa sobre o relacionamento paralelo e a sua aceitação
por longo tempo ensejaria na aceitação da partilha de direitos com a “concubina”, até mesmo
atraindo a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, que veda o comportamento contraditório
(venire contra factum proprium non potest).
Portanto, ainda é tímido o reconhecimento da simultaneidade familiar. Contudo, em
esporádicos casos, tais relações, diante de todos os pré-requisitos de uma união estável
propriamente dita, são conhecidos como uma entidade familiar, mesmo que não esteja presente
a exclusividade afetiva pelo bígamo. Afastado a hipótese do relacionamento ser um mero caso,
algo volátil e passageiro, o vinculo deve gerar efeitos à “concubina”, que deve ser abraçada pela
possibilidade de receber alimentos e direitos previdenciários, sendo possível imaginar também
o direito à meação e à herança, a depender do caso concreto e da ponderação dos princípios
feito pelo Magistrado, que deve decidir entre supervalorizar o principio da monogamia ou
afastá-lo, e trazer ao caso a aplicação do principio da pluralidade de família e da dignidade
humana, tutelando os direitos da companheira.
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O Código Civil de 2002 foi deveras infeliz ao legislar acerca dos Direitos Sucessórios,
principalmente quando versa sobre a União Estável. Originalmente, o companheiro, em
comparação ao cônjuge, foi visivelmente desprivilegiado pela Lei, já que não foi reconhecido
como herdeiro necessário, ficando apenas em quarto lugar na ordem de vocação hereditária,
atrás dos colaterais. A ele não é assegurada quota mínima, bem como é limitado o direito
concorrente aos bens adquiridos durante a união. A única hipótese de receber a herança na
totalidade é se não houver nenhum parente do de cujus, desde os em linha reta até os colaterais.
Por outro lado, ao cônjuge foram conferidos todos os direitos mencionados, sendo elevado ao
patamar de herdeiro necessário e ainda concorrendo diretamente com os descendentes.
O tratamento diferenciado é ainda mais categórico quando observamos a redação do
famigerado art. 1.790, que segundo DIAS (2019, apud VELOSO, Direito Sucessório dos
Companheiros, p. 231), é um dispositivo que merece censura e critica severa pois significa um
retrocesso evidente, representando um verdadeiro equívoco. É, ademais, inconstitucional, por
violar flagrantemente o princípio da igualdade. Destarte, diante da ofensa à nossa Carta Magna,
por tratar-se o referido artigo de norma materialmente inconstitucional, conforme ensina
DIAS (2019, p. 100), pois no lugar de dar especial proteção à família fundada no
companheirismo, retira direitos e vantagens anteriormente existentes em favor dos
companheiros, o STF acabou por declarar inconstitucional o art. 1790 do Código Civil, dando
origem ao tema 498, que versa que:
consequentemente o cônjuge, goza de direitos sucessórios que não são estendidos à União
Estável e ao companheiro. Por outro lado, as punições e restrições estendem-se a relação não
matrimonial, como por exemplo os impedimentos matrimoniais e a obrigatoriedade da
separação legal como o regime de bens a ser observado nas relações familiares que forem
constituídas por pessoas acima de 70 anos.
O tratamento diferenciado ainda persiste, e é notadamente encontrado quando
observamos os privilégios conferidos ao Casamento Putativo, privilégios estes que não são
plenamente conferidos à União Estável Putativa. Inicialmente, insta destacar que há previsão
legal do vínculo matrimonial putativo, o que não acontece com a União Estável Putativa.
Ademais, aos cônjuges que protagonizam o matrimônio putativo, ou pelo menos aquele que
estava de boa-fé, os efeitos cíveis são legalmente previstos. Já as relações estáveis putativas não
são reconhecida uníssona e pacificamente pela nossa Jurisprudência, não sendo possível
assegurar os efeitos cíveis dela decorrentes aos companheiros, que devem demonstrar sua boa-
fé de forma irrefutável e absoluta, para que seja possível conceder os efeitos da relação.
Quando se verifica o entendimento pátrio acerca do Casamento Putativo, em diversos
casos há a presunção de boa-fé dos cônjuges (Acórdão - TJDF3 e Acórdão TJPR4), inclusive no
caso de o impedimento ser a existência de matrimônio prévio. Tal presunção deriva-se das
solenidades perquiridas para a realização do matrimônio, de modo que se presume a boa-fé no
momento de celebração do casamento. Portanto, a hierarquia observada entre as entidades
familiares estende-se para as suas respectivas modalidades, de modo que o casamento putativo
recebe tratamento legislativo e jurisprudencial favorável se compararmos com a União Estável
Putativa, que fica à margem da Lei e só é reconhecida quando se entende que há a aplicação
analógica do matrimônio putativo, além de perseguir a comprovação de boa-fé por parte da
companheira de boa-fé, ônus complexo e muitas vezes impossível de ser demonstrado.
3
https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-df/904166748
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https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/23666387
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vínculo, pois em decorrência de sua boa-fé, a decisão terá efeito ex-nunc. Em contrapartida,
caso a decisão da nulidade do vínculo aconteça antes da morte do ente comum às duas entidades,
então a companheira da relação superveniente não será abarcada pela sucessão do de cujus,
visto que a sentença desde já produzirá seus efeitos, pondo fim ao vinculo familiar, subsistindo,
entretanto, a possibilidade de alimentos à companheira, caso os requisitos para tal estejam
configurados no caso concreto, pois deve persistir o dever alimentar em favor do companheiro
inocente na União Estável Putativa (CAHALI, 1979; pág. 124)
Por fim, havendo o reconhecimento da União Estável Putativa, no que tange à Sucessão,
o companheiro de boa-fé será abarcado pelos seus efeitos, de modo que poderá se habilitar na
herança do de cujus, em relação aos bens comuns, se concorrer com filhos próprios ou a toda
herança se concorrer com outros parentes e ao direito previdenciário, sem prejuízo de outras
reivindicações jurídicas, como por exemplo uma pensão alimentícia, se provar a dependência
financeira do companheiro casado (MADALENO, 2019; pág. 2000)
Giselda Hironaka defende que a família paralela não é uma família inventada, nem é
família imoral, amoral ou aética, nem ilícita. Nos ensina a grande jurista que se trata de famílias
estigmatizadas, sendo o núcleo familiar posterior concebido como estritamente adulterino, sem
ao menos serem observadas as peculiaridades do caso concreto, de modo que se presume que
todas as situações de paralelismo familiar estão inseridas no mesmo contexto, que, permeado
por um preconceito social que se traduz em marginalização pela Lei e pela Jurisprudência, não
é reconhecida sua natureza como entidade familiar.
No que diz respeito aos efeitos cíveis das relações simultâneas, ainda é embrionário o
reconhecimento dos direitos decorrentes destes vínculos. Inicialmente, há de se analisar as
circunstâncias do caso concreto, de modo que primeiramente devemos observar a constituição
de uma verdadeira família, em que estão presentes todos os pressupostos para uma União
Estável propriamente dita. Ora, para que o paralelismo não afaste o reconhecimento da relação
como uma entidade familiar apta a gerar efeitos a seus integrantes, é mister que a relação
concomitante se perfaça pelo afeto, corroborado pela existência do animus familiae,
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consubstanciado por uma certa publicidade da relação eivada pelo respeito, carinho e cuidado
mútuo.
Como citado anteriormente, em alguns julgados é possível observar o reconhecimento
das famílias paralelas como União Estável, capaz de reverberar efeitos para a integrante do
vínculo simultâneo. Na maioria destes casos, observa-se que há por parte da cônjuge ou
companheira do vínculo anterior o conhecimento da relação paralela, de modo que não se opõe
à sua existência, o que de certa forma pode ser entendido como uma aceitação da duplicidade.
Alia-se à essa condição o fato de que em muitos destes casos a relação simultânea perdura por
muitos anos, afastando a ideia de fugacidade da relação e a elevando a um patamar de família,
visto que o vínculo contém todos os requisitos e as características de uma família, e assim
deveria ser reconhecida.
Assim, quando ambas as integrantes das famílias concomitantes aceitam a situação,
torna-se estável a relação adulterina e não furtiva, portanto regular, merecendo ser judicialmente
agasalhada para colocar a companheira no mesmo patamar da esposa (MADALENO, 2019).
Quanto à divisão dos bens, DIAS (2019, p. 127) assevera que quando o varão se manteve
casado até o seu falecimento, a depender do regime de bens, cabe afastar a meação da viúva.
Apurado o acervo hereditário e excluída a legítima dos herdeiros, a parte disponível, com
referência aos bens adquiridos durante o período de convívio com a companheira, deve ser
dividida entre elas, o que se denomina de “triação”, e vem sendo aplicado nos tribunais pátrios
quando a duplicidade familiar é reconhecida.
Nesta toada, em exercício logico louvável, PIANOVSK (2006. p. 24), reflete a partir da
seguinte situação: alguém que, já casado pelo regime da comunhão parcial, contrai novo
relacionamento, sendo este evidente perante terceiros e aceito pelo outro cônjuge e pela
companheira da relação paralela, havendo a eficácia da simultaneidade plena.
Em casos como esse, entende o autor que, apesar do Código Civil tratar a relação
superveniente como concubinado (art. 1.727), o nosso arcabouço legal não exclui de forma
expressa a possibilidade desta relação gerar efeitos jurídicos, exceto pela vedação à nomeação
do concubino como herdeiro legatário do testador (art. 1.801, III CC) e à doação de bens feita
pelo cônjuge adultero ao seu cumplice (art. 550, CC). Da leitura destes artigos, parece o Código
Civil vedar a possibilidade do testador ou adultero alienar seus bens à “concubina” provenientes
daquelas relações passageiras, efêmeras, em que não há na verdade um afeto constituído entre
os “concubinos”, não caracterizando a existência de uma entidade familiar, diferente das
famílias simultâneas que detém todos os requisitos e devem ser reconhecidas como entidades
familiares.
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Assim, PIANOVSK (2006) defende que o silencio da Lei nestes casos não pode
implicar na exclusão destas pessoas, pois verifica-se na relação paralela as características
inerentes à uma união estabilizada, de modo que assim deveriam ser reconhecidas as relações
simultâneas em que há a notoriedade, o afeto e o animus familae, corroborado ainda pela livre
anuência por parte da integrante do núcleo familiar originário. Assim, reconhecendo o vínculo
familiar paralelo como uma União Estável, tais relações concomitantes ao matrimônio ou União
Estável previa gerariam os seguintes efeitos sucessórios para as partes:
Como defende Maria Berenice Dias (2019, p. 127), deixar de reconhecer a família
paralela como entidade familiar leva à exclusão de todos os direitos do âmbito do direito das
famílias e sucessório, não havendo direito à herança nem à meação dos bens adquiridos em
comum, somente divisão do patrimônio mediante a prova da participação.
O principal algoz do reconhecimento das famílias paralelas reside unicamente no
princípio da Monogamia, que obsta a elevação destes vínculos ao patamar de entidade familiar.
Inumeras são as decisões que rechaçam o reconhecimento da familia paralela ao privilegiar a
absoluta observância do sistema monogâmica enraizado no nosso País, decorrente de uma
erupção de ideais religiosos e tradicionais que sempre permearam nossa sociedade e tambem
nosso Direito. Há doutrinadores que sequer reconhecem a monogamia como princípio,
alegando que não há nesta ideia força suficiente para afastar a proteção às famílias paralelas.
Outros pensam que por mais que esteja ele previsto no nosso Ordenamento Jurídico, não tem a
capacidade de se sobrepor aos princípios da pluralidade de famílias, da dignidade da pessoa
humana e da igualdade, sendo estes princípios constitucionais, que deveriam, no caso concreto,
afastar o dever de fidelidade como absoluto e inviolável. Em decisão louvável, o TJ-RS
corroborou os direitos à companheira integrante de família paralela:
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“União estável. Disputa entre duas companheiras. Situação putativa. Prova oral.
Reconhecimento. Reconhecimento de união estável. Conviventes, uma desde 1978 e
outra desde 1960 que mantiveram relações concomitantes, notórias e ininterruptas
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com o de cujus, até o seu falecimento. Prova oral que confirma o reconhecimento do
companheirismo concomitante com ambas perante parcelas distintas da sociedade
pela qual transitava o falecido, tendo elas vivido em affectio maritalis com o de cujus,
cada qual à sua forma. Pessoas de boa índole e bem-intencionadas que firmemente
acreditavam na inexistência de uma relação amorosa intensa do obituado com a outra,
havendo êxito deste em ludibriá-las por longos anos, e de se reconhecer a existência
de união estável putativa com a apelante e com a apelada. Aplicação, por analogia
do art. 221 do CC de 1916. Desprovimento do recurso” (TJRJ, Acórdão 15225/2005,
Rio de Janeiro, 2ª Câmara Cível, Rel. Des. Leila Maria Carrilo Cavalcante Ribeiro
Mariano, j. 10/08/2005).
caracterizada nos autos, deve ser mantida a procedência da ação que reconheceu a sua
existência, paralela ao casamento. A esposa, contudo, tem direito sobre parcela dos
bens adquiridos durante a vigência da união estável. RECURSO ADESIVO. Os
honorários advocatícios em favor do patrono da autora devem ser fixados em valor
que compensa dignamente o combativo trabalho apresentado. Apelação dos réus
parcialmente provida. Recurso adesivo da autora provido. (TJRS, Apelação Cível nº
70015693476, Rel. Des. José S. Trindade, J. 20/07/2006)
Quando pessoas suficientes se encontrarem nessa situação e o grito delas não puder
mais ser contido, a alteração de entendimento não será mais opcional; o vento da
mudança será inexorável. (HIRONAKA; TARTUCE, 2019)
Contudo, advertem que não há como prever o que acontecerá nos próximos anos, já que
apesar da admissão de certos efeitos jurídicos à pluralidade familiar, a contínua negligencia do
legislativo acerca do tema não nos deixa afirmar com certeza do caminho que nosso
Ordenamento Jurídico tomará, a depender de fatores políticos e socioeconômicos, mesmo que
a realidade já bata a porta para dizer que é preciso mudar e encarar os fatos.
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CONCLUSÃO
O presente trabalho buscou estudar o conceito de Família e sua constante evolução, para
então entender como surgiu a União Estável como conhecemos, e os desdobramentos dela
decorrentes. O conteúdo aqui exposto demonstra que as realidades sociais colidem com a
defasagem das nossas Leis, evidenciando que a inércia do Legislador não pode obstar o
reconhecimento de entidades familiares diversas daquelas já previstas na Constituição Federal.
Apesar do reconhecimento esporádico da União Estável Putativa, é notório que há ainda
um enorme caminho a ser percorrido. A dificuldade do reconhecimento desta modalidade de
entidade familiar origina-se da aversão preconceituosa ao paralelismo familiar, presente nos
vínculos em que a putatividade nasce da ignorância de entidade familiar preexistente, que se
funda no princípio da monogamia. Ainda é notório que há uma hierarquia entre o Casamento e
as demais entidades familiares, ao passo que a discrepância de tratamento legal e jurídico entre
o matrimônio e a União Estável, em especial no âmbito sucessório, prejudicam demasiadamente
o companheiro, que na hipótese da União Estável Putativa, tem de comprovar absoluta e
inegavelmente a sua boa-fé, ao contrário do que se exige do cônjuge.
Noutro olhar, observou-se que, apesar da predominância das decisões judiciais serem
em desfavor das relações paralelas, ressalta-se a existência de sentenças reconhecendo tais
vínculos como entidades familiares, demonstrando que embora não rápido o suficiente, é de se
imaginar que num futuro próximo, com a continuidade do debate, da discussão e da profusão
de realidades sociais confrontantes com a omissão da Lei, a Doutrina e a Jurisprudência
intervenha a fim de conferir proteção dos Direitos aos integrantes destas verdadeiras famílias,
conferindo maior segurança jurídica para os integrantes de tais relações afetivas, pois
marginalizá-las ao negar-lhes reconhecimento e tutela jurídica nas hipóteses em que há a boa-
fé da companheira ou nas relações simultâneas em que todos os envolvidos estão cientes e
consentem a situação, é afrontar princípios basilares de nosso Ordenamento Jurídico, como o
da dignidade da pessoa humana e da igualdade.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 – DF.
Relator: Min. Ayres de Britto. Brasília, DJ 05 mai. 2011. Tribunal Pleno. Disponível
em:https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20627236/acao-direta-de inconstitucionalidade-
adi- 4277-df-stf>.
BRASIL. Lei 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o §3º do art. 226 da Constituição Federal.
Brasília, DF, 10 maio. 1996. Disponível
em:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9278.htm>.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. rev. atual. e ampl. Editora
Juspodivm, 2020.
___________________. Manual das Sucessões, 6ª ed. rev. atual. e ampl. Editora Juspodivm,
2019.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. TARTUCE, Flávio. Famílias paralelas: visão
atualizada. Revista IBDFAM: Famílias e Sucessões, Belo Horizonte, n. 33, p. 9-48, maio/jun.
2019. Disponível em https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/132469
MADALENO, Rolf. Direito De família, 10ª ed. rev. atual. e ampl. Editora Forense, 2019.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, Volume único. 12ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de
Janeiro, Forense; METODO, 2022.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Volume 5. 17. ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2017.
(Coleção Direito civil; 5)