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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ

CAMPUS PROF. BARROS ARAÚJO – PICOS


CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
DISCIPLINA: LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO JURÍDICA

ANA CLÁUDIA DE SOUSA DANTAS

A MULTIPLICIDADE DO CONCEITO DE FAMÍLIA DO SÉCULO XXI

PICOS – PI
2022
ANA CLÁUDIA DE SOUSA DANTAS

A MULTIPLICIDADE DO CONCEITO DE FAMÍLIA NO SÉCULO XXI

Trabalho apresentado na disciplina Linguagem


e Comunicação Jurídica, do Curso de
Bacharelado em Direito, da Universidade
Estadual do Piauí, Campus Prof. Barros
Araújo, Picos, como avaliação parcial para
obtenção da média final.

Professor: Dr. Emanoel Pedro Martins Gomes

PICOS – PI
2022
CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEXTO

Na história de países democráticos e ocidentais, temos assistido ao surgimento de


movimentos da sociedade civil (LGBTQIAP+, pessoas com deficiências, feministas, povos
originários, grupos étnicos, etc.) em busca e em luta por reconhecimento não só social, mas
sobretudo jurídico. Como é sabido, o reconhecimento é uma categoria de grande importância
para os estudos jurídicos e sociais, por ser de caráter normativo e servir de preceito para a
assunção de direitos e de prerrogativas constitucionais e institucionais. Reconhecer sujeitos ou
grupos sociais, ou mesmo entidades, como portadoras de status constitucional é conceder-lhes
status normativo e assumir responsabilidades jurídicas para com elas em Estados
Democráticos de Direito. O não reconhecimento, por seu turno, leva à privação de direitos e à
supressão de prerrogativas jurisdicionais em defesa de formas de vida existentes, mas
ignoradas, silenciadas.

Neste contexto, em especial da sociedade brasileira, podemos conceber a reivindicação


de entidades e comunidades pelo reconhecimento jurídico de determinadas configurações
familiares como sendo família, a gozar, tal como definido no Artigo 226, da Constituição
Federal de 1988, de proteção especial do Estado brasileiro. Em resistência a essa demanda de
grupos, entidades e comunidades da sociedade brasileira, tem havido a mobilização de outra
parcela da sociedade civil e política no país para impedir que comunidades diversas possam
ter reconhecida juridicamente sua existência enquanto família. Um exemplo disso é o Projeto
de Lei nº 6.583-A, de 2013, do então deputado federal Anderson Ferreira (hoje prefeito de
Joboatão do Guararapes, PE), que reconhece “entidade familiar como o núcleo social formado
a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou
ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Tal definição, por
um lado, vai ao encontro dos termos, mesmo após regulamentação em 1996, do Artigo 226 da
Constituição de 1988, que fala em “união estável entre o homem e a mulher” e “comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Contudo, por outro lado, a mesma
definição desafia a jurisprudência, principalmente decisões tomadas, em 2011, pelo STF e, em
2013, pelo CNJ.

Com base nesse embate social, político, jurídico e ideológico, é que se solicita, como
avaliação parcial na disciplina Linguagem e Comunicação Jurídica, do Curso de Bacharelado
em Direito, da Universidade Estadual do Piauí, Campus Prof. Barros Araújo, Picos, a
produção de um texto argumentativo, em que se fundamentem razões em defesa de uma
definição para o conceito de família. A despeito dos valores, das crenças e dos
posicionamentos políticos, sociais e ideológicos inerentes a tal conceitualização, pode-se
apresentar quaisquer definições em nome do conceito de família, contanto que sejam
justificadas por argumentos válidos, objetivos e bem construídos, sem problemas de
estruturação argumentativa. Recomenda-se a adoção do livro “Pensamento crítico: o poder
da lógica e da argumentação”, de Walter Carnielli e Richard Epstein, como parâmetro para a
construção de argumentos com tais características. Em prol da boa formulação de
justificativas, razões e argumentos para essa produção textual, podem ser usadas referências
cujo valor de autoridade seja convincente quando se considera a esfera de produção,
circulação e consumo desse texto: o universo jurídico.
Diferentes concepções a respeito do que se configura como núcleo familiar e sua
notoriedade na sociedade atual

“ Portanto, deixará o homem a seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e ambos se
tornarão uma só carne ( Gênesis 2.24 )”. O texto mencionado anteriormente trata-se do
contexto bíblico ocorrido no Jardim do Éden, quando Deus, sabendo da necessidade humana
de companhia, cria Eva para que ocupe a função de adjutora de Adão. Ainda no texto bíblico
é relatado que o casal procria e nascem Caim e Abel. Tal contexto também introduz o que
pode ser entendido como primeira concepção da família, sob um viés tradicional e
conservador.

O conceito de família, inicialmente, foi designado como : núcleo social de pessoas


unidas por laços afetivos e que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si
uma relação solidária. Porém, a Constituição Federal; conjunto base de leis, normas e regras
de um país; em seu artigo 226, mostra que a família tem proteção especial do Estado e para
efeito dessa proteção é necessário que haja casamento ou união estável entre o homem e a
mulher. Dessa forma, no mesmo artigo é evidenciado que apesar do avanço nas disposições
normativas que tratam sobre a definição de família, a Constituição retrata apenas um rol
exemplificativo de família fixando-se no casamento, união estável e arranjo monoparental,
ignorando e excluindo parte da população brasileira que é formada por modelos familiares
diferentes do previsto em lei.

Hodiernamente, é fulcral ressaltar que, com o avanço das tecnologias e crescimento


das fontes de informações a respeito de opiniões, crenças e ideologias de determinados grupos
sociais, o conceito de família foi se alterando e cada vez mais agrupando os mais variados
exemplos de estrutura familiar, o que consequentemente evidencia que há uma necessidade de
reformulação no artigo 226 da Constituição Federal, a fim de que a base legal possa abranger
a todos os tipos familiares já existentes no século XXI.

Tomando ainda como base a Bíblia Sagrada, o texto presente no livro de Rute,
capítulos 1 a 4, mostram outra definição da família, tendo em vista que é evidenciado a
composição familiar por uma sogra e duas noras que ficaram viúvas. Após a morte dos
cônjuges, as duas noras de Noemi passaram a viver com ela, pois havia um sentimento mútuo
de cuidado, afetividade e amor. O texto bíblico menciona que Rute, nora de Noemi, não a
abandona por considerá-la como componente familiar. Nessa lógica, um outro grupo familiar
é criado e sem a necessidade de que haja o enlace matrimonial, mas com base nas relações
humanas e afetivas, o que mostra que já havia uma alteração da definição de família também
nos séculos passados.

Outro exemplo de família constituída diferentemente do que é previsto em lei, é a


comunidade LGBTQIA+, que apesar da repressão que sofre na sociedade atual, vem
conquistando espaço e direitos. Como consequência dos avanços na ciência, é possível que
casais homoafetivos realizem a fertilização in vitro e assim possam gerar filhos e constituírem
um novo grupo familiar. A adoção também tem ganhado forte evidência, tendo em vista que
algumas pessoas optam pela conjectura “solo” na criação da família.

Ademais, tendo como base que o modelo unitário de relações familiares


transmudou-se e foi substituído pela pluralidade de formas, é importante ressaltar que a
afetividade de seus membros desempenha importante papel na nova formação do conceito de
família no século XXI. A partir da ideia de que a família tem como princípio o afeto, a
confiança, segurança, conforto e bem-estar necessários ao desenvolvimento da pessoa, novas
formas de constituição foram sendo reconhecidas. Dessa forma, Maria Berenice ensina que a
consagração da igualdade prevista em lei, o reconhecimento da existência de outras estruturas
de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operaram uma
verdadeira transformação na família. (DIAS, p. 37)

No entanto, a afetividade entre os indivíduos foi omitida como consequência do


Positivismo e do Racionalismo que buscavam separar a razão do sentimento. Nesse sentido,
alguns autores se dispuseram a defender a afetividade como um princípio jurídico estruturante
dos direitos das famílias.

Paulo Lôbo( LÔBO, 2012, p. 20) retrata que a afetividade especializa os princípios
constitucionais fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1°, III) e da solidariedade
(art. 3°, I), e entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre os
cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente
biológica da família.

Outrossim, Flávio Tartuce complementa que a afetividade constitui um código forte no


Direito Contemporâneo, gerando alterações profundas na forma de pensar a família brasileira.
Ele elenca algumas justificativas importantes : a afetividade contribuiu para o reconhecimento
da união homoafetiva, a admissão da reparação por danos em decorrência do abandono
afetivo, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva como nova forma de parentesco.
Tudo isso consolida a afetividade como verdadeiro princípio jurídico do sistema nacional
(TARTUCE, 2012, p. 28).

Sob esse viés, denota-se que a perspectiva dos autores apontam que, embora não seja
evidenciado na Constituição Federal, a afetividade é um fundamento importante para basear
as novas concepções das famílias criadas atualmente. Para Saul Tourinho Leal, o direito ao
afeto está muito ligado ao direito fundamental à felicidade, o que deve ser, ao seu entender,
garantido e protegido pelo Estado (LEAL, 2014, p. 575).

Diante do exposto, é possível denotar que a afetividade é um valor moral, um


sentimento juridicamente relevante, sobretudo, quando manifestado no âmbito da convivência
familiar, constituindo-se, nesses casos, como um dos elementos configuradores da família
moderna. A partir disso, a manifestação dessa afetividade pode legitimar as famílias
poliafetivas e garantir que ganhem notoriedade na sociedade como as famílias tradicionais.

Para exemplificar, nos dias atuais, há alguns modelos de constituições familiares que
surgiram a partir das premissas da afetividade como a família tradicional, que é a mais
conhecida por ser a primeira criada e por ser consolidada com o casamento; a família que é
formada pela união estável, que se trata do relacionamento contínuo, público e com o objetivo
de constituir família sem a necessidade do reconhecimento em cartório; a família
monoparental, que compreende todas as pessoas que estiverem ligadas por um vínculo de
parentesco de ascendência e descendência; a família anaparental que corresponde à família
sem a presença dos pais, podendo se constituir pela convivência entre pessoas parentes ou não
em um mesmo lar; a família pluriparental ou mosaico que denota o núcleo familiar
reconstituído por casais os quais um ou ambos são egressos de casamentos ou uniões
anteriores, uma “família reedificada”; a família homoafetiva que é a entidade familiar
caracterizada pela união de pessoas do mesmo sexo; a família simultânea ou paralela que é a
entidade familiar que decorre da situação de uma pessoa que é casada e mantém um vínculo
afetivo com terceira pessoa, que sabe ou não dessa situação; a família poliafetiva que
constitui-se em relações amorosas simultâneas entre três ou mais parceiros, originando daí a
expressão poliamor – vários amores; e dentre outras.

Em síntese, como já foi apontado anteriormente é fundamental que as bases legais


sejam reavaliadas e haja uma mudança na factual definição de família, tendo em vista que tal
alteração propicie a inclusão e ponha fim aos estereótipos que infelizmente ainda são vistos na
sociedade atual. Dessa forma, o direito estará, de fato, acompanhando as mudanças sociais e
sendo igualitário para todos os grupos que vivem na sociedade atual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÍBLIA. Gênesis. Português. In: A Bíblia sagrada: antigo e novo testamento.


Tradução de João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.
p. 2-3.

BÍBLIA. Rute. Português. In: A Bíblia sagrada: antigo e novo testamento.


Tradução de João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.
p. 220-223.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. rev., atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família. In: Revista Brasileira
de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 6, n.24, jun/jul., 2004, p. 08.

VIEGAS, C. M. A. R. Pluralidade familiar: conheça as espécies de famílias


contemporâneas. Jusbrasil, 2020. Disponível em :
<https://claudiamaraviegas.jusbrasil.com.br/artigos/830101269/pluralidade-familiar-conheca-
as-especies-de-familia-contemporaneas> Acesso em: 12/06/2022

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