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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS IV


CURSO DE DIREITO

DOCENTE: EMANUEL LINS

COMPONENTE CURRICULAR: DIREITO DAS FAMÍLIAS

DISCENTE: TARSILA CARVALHO GONÇALVES

FICHAMENTO: CAPÍTULO IV – ENTIDADES FAMILIARES

Lôbo, Paulo Luiz N. DIREITO CIVIL: FAMÍLIAS: VOLUME 5. Disponível em:


Minha Biblioteca, (11th edição). Editora Saraiva, 2021.

Pluralismo das entidades familiares e dos âmbitos da família.

A família é objeto de estudo e investigação de várias áreas de conhecimento, sendo


algumas delas: sociologia, psicologia, psicanálise, antropologia e, ainda, o campo da
demografia e da estatística através da pesquisa anual e regular do IBGE, a PNAD
(Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios).

Desta forma, diversos são os modelos de família existentes, sendo que alguns desses
estão previstos na Constituição de 1988, bem como no Código Civil, enquanto outros
não possuem qualificação clara, a exemplo disso, têm-se o concubinato.

Todavia, em todos os modelos de família há características comuns, quais sejam:

a) Afetividade, ou comunhão de vida afetiva;


b) Estabilidade – excluindo-se os relacionamentos casuais, episódicos ou
descomprometidos, sem comunhão de vida;
c) Ostensibilidade – convivência pública e ostensiva, o que pressupõe uma unidade
familiar que se apresente assim publicamente;
d) Escopo de constituição de família.
A coparentalidade em sentido estrito, entretanto, resultante de pacto havido entre duas
pessoas para assunção de um filho comum, sem vínculo afetivo entre elas não constitui
entidade familiar, pois a constituição de família é o objetivo da entidade familiar, o que
a diferencia de outros relacionamentos afetivos.

O mundo real, todavia, é mais complexo do que a racionalidade definitória ou


classificatória, sendo que o Direito também atribui a certos grupos sociais a qualidade
de entidades familiares para determinados fins legais.

Da demarcação jurídico-constitucional das entidades familiares.

A interpretação do art. 226 da CF/88 resulta em duas teses antagônicas: 1. Há primazia


do casamento, entendido como modelo de excelência familiar, o que afasta a igualdade
entre os tipos; 2. Há igualdade entre os tipos, tendo em vista que a CF/88 assegura a
liberdade de escolha das relações existenciais e afetivas que previu.

O principal argumento da primeira tese reside no enunciado final do §3º do art. 226
relativo à união estável: “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”, o que
revela uma certa regra de primazia do casamento através de uma interpretação literal e
estrita.

Contudo, o isolamento de expressões contidas em determinada norma não é a operação


hermenêutica mais indicada, sendo necessária a harmonização da regra com o conjunto
de princípios e regras em que ela se insere. Assim, a segunda tese revela-se mais
harmoniosa com o conjunto das disposições constitucionais, isso porque além do
princípio da igualdade das entidades, como decorrência natural do pluralismo da CF/88,
há de se ter presente o princípio da liberdade de escolha como concretização do
princípio da dignidade da pessoa humana.

Cada entidade familiar submete-se a estatuto jurídico próprio em virtude dos requisitos
de constituição e efeitos específicos, não estando uma equiparada ou condicionada aos
requisitos da outra. Não pode haver, portanto, regras únicas, segundo modelos únicos ou
preferenciais.

Das normas constitucionais de inclusão.

Estabelece a CF/1988 três preceitos, de cuja interpretação chega-se à inclusão das


entidades familiares não referidas explicitamente:
a) “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”
(caput).
b) “§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes”.
c) “§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a
integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas
relações”.

A partir da leitura do caput do art. 226 é possível perceber uma notável transformação
no tocante a tutela constitucional à família, haja vista que não há qualquer referência ao
tipo de família, como ocorreu nas Constituições anteriores.

Ao suprimir a locução “constituída pelo casamento”, a tutela jurisdicional da família se


torna mais ampla, nesse sentido, vê-se que nas Constituições passadas o objetivo da
norma acabava sendo reprimir ou inibir as famílias consideradas como “ilícitas”, isto é,
que fugiam do padrão estabelecido.

Posto isso, o caput do art. 226 se revela como cláusula geral de inclusão. Ademais, os
tipos de entidades familiares dos parágrafos do artigo supramencionado são
exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, sendo as demais entidades
implícitas no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família.

Do melhor interesse das pessoas humanas que integram as entidades familiares.

Os preceitos do art. 227 referem-se à família, em geral, sem tipificá-la, ressaltando o


interesse das pessoas que a integram. Para concretizar os referidos interesses,
especialmente dos mais débeis (criança e idoso) é imputado à família o dever de
assegurá-los (art. 227, caput e art. 230).

Dessa forma, sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser
protegidas algumas entidades familiares em detrimento de outras, pois a exclusão
refletiria nas pessoas que as integram por opção ou pelas circunstâncias da vida,
comprometendo o princípio da dignidade da pessoa humana.

Em suma, todos os filhos são tratados com a mesma igualdade, não importando se são
biológicos ou não biológicos. Se a CF/88 abandonou o casamento como único tipo de
família juridicamente tutelada é porque abdicou dos valores que justificam a norma de
exclusão, bem como, se permite o divórcio direto é porque a afetividade passou a ter
mais relevância quando comparada a lei pura.

Família monoparental.

A família monoparental é definida como a entidade familiar integrada por um dos pais e
seus filhos menores, a exemplo disso, têm-se a mãe solteira, a viuvez, a separação de
fato, divórcio, concubinato ou adoção de filho por apenas uma pessoa.

A tutela constitucional da família monoparental faz sentido dado o expressivo número


dessas entidades na realidade brasileira atual em razão de diversos fatores. Os
indicadores do IBGE apontam para a existência média anual dessa entidade de um
quarto nos domicílios brasileiros.

O número de mulheres nessa situação é predominante, notando-se um declínio na


participação dos pais ao longo dos anos.

A família monoparental, portanto, não é dotada de estatuto jurídico próprio, as regras de


direito de família lhe são aplicáveis. Quando os filhos atingem a maioridade ou são
emancipados, deixa de existir a autoridade parental, reduzindo-se a entidade
monoparental apenas às relações de parentesco, inclusive quanto ao direito aos
alimentos.

Nessa toada, Maria de Fátima Freire de Sá sustenta que o princípio do melhor interesse
da criança não estará assegurado simplesmente pelo fato de ela nascer em família
biparental, mas pela circunstância de ser amada, desejada e respeitada (2004, p. 447).

No caso da morte do genitor da família monoparental, esta desaparece, ainda que se


tenham tutores, bem como, essa também desaparece quando os filhos constituírem
novas famílias.

União homoafetiva.

A união homoafetiva é entidade familiar quando preenche os requisitos de afetividade,


estabilidade, ostensibilidade e tiver escopo de constituição de família, sendo que a
Constituição, em momento algum, veda o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo
com finalidades familiares.
A denominação “união homoafetiva” terminou por prevalecer, no Brasil, em virtude de
ressaltar a união afetiva estável entre pessoas do mesmo sexo, o que transcenderia o
propósito meramente sexual.

Assim, inicialmente, as regras da união estável eram aplicadas por meio de analogia
(art. 4º de Lei de Introdução), e mais tarde, o STF, no julgamento da ADI 4.277 de 2011
decidiu que a união homoafetiva é espécie do gênero união estável, sendo tal decisão
dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante.

Evocando os mesmos princípios constitucionais utilizados pelo STF na ADI 4.277, o


CNJ editou a Resolução n. 175, de 2013, determinando que os oficiais de registro de
casamento recebam as habilitações para casamento entre pessoas do mesmo sexo,
vedando às autoridades competentes a recusa da habilitação, celebração de casamento
civil ou de conversão de união estável em casamento entre essas pessoas.

Em razão disso, não há casamento ou união estável com efeitos jurídicos distintos em
razão do sexo das pessoas e o argumento de impossibilidade de filiação de casais
homossexuais não se sustenta pelas seguintes razões: a) a família sem filhos é família
tutelada constitucionalmente; b) a procriação não é finalidade indeclinável da família
constitucionalizada; c) a adoção permitida a qualquer pessoa, independentemente do
estado civil (art. 42 do ECA e art. 1.618 do Código Civil), não impede que a criança se
integre à família, ainda que o parentesco civil seja apenas com um dos parceiros.

Outrossim, em relação a adoção, não há qualquer impedimento constitucional ou legal


para que duas pessoas do mesmo sexo, casadas ou em união estável, possam adotar uma
criança. Por fim, a mudança na forma e no conteúdo do registro civil da pessoa física e
da respectiva certidão contribuiu para o fenômeno da dupla maternidade ou paternidade
do casal homoafetivo, não havendo mais exigência de conter a nominação do pai e da
mãe.

Famílias recompostas.

As famílias recompostas podem ser entendidas como aquelas que se constituem entre
um cônjuge ou companheiro e os filhos do outro, vindos de relacionamento anterior.
Referida situação traz à tona discussão acerca da convivência familiar, bem como, da
superposição de papeis parentais.
A expressão “família recomposta” não é imune a críticas, mas é certamente a que
melhor expressa o fenômeno. Além disso, o termo começou a ser utilizado na sociologia
da família, expandindo-se para a psicologia e chegando ao direito.

O que ocorre nessas famílias é que a criança passa a conviver com o novo marido ou
companheiro da mãe – ou nova mulher ou companheira do pai –, que exerce as funções
cotidianas típicas do pai ou da mãe que se separou para viver só ou constituir nova
família recomposta.

No caso da relação de enteados com padrastos ou madrastas emerge uma modalidade de


parentesco por afinidade (art. 1.595 do CC/2002). Todavia, o direito de família foi
construído em torno do paradigma do primeiro casamento, em razão disso é que se
explica o vazio legal expresso em torno das famílias recompostas, sendo que tal
problema não é verificado apenas a nível nacional.

Para Paulo Lôbo é possível extrair do sistema jurídico brasileiro uma tutela jurídica
autônoma das famílias recompostas, como entidades familiares próprias. A relação entre
padrasto ou madrasta e enteado configura vínculo de parentalidade singular, permitindo-
se àqueles contribuir para o exercício do poder familiar do cônjuge ou companheiro
sobre o filho/enteado, uma vez que a direção da família é conjunta dos cônjuges ou
companheiros, em face das crianças e adolescentes que a integram.

Deste modo, entende-se que, sem reduzir o poder familiar ou autoridade parental do
genitor originário, ao padrasto ou madrasta devem ser reconhecidas decisões e situações
no interesse do filho/enteado, não sendo possível, entretanto, acordo para que o genitor
separado renuncie à autoridade parental, pois não se trata de direito disponível.

Ampliando o reconhecimento jurídico da família recomposta, a Lei n. 11.924/2009


(“Lei Clodovil”) passou a admitir que o enteado ou a enteada poderá requerer ao juiz de
registros públicos que, no registro de nascimento, seja averbado o sobrenome de seu
padrasto ou madrasta, desde que haja expressa concordância deste, que se acrescentará
ao sobrenome existente.

Referido acréscimo do sobrenome não altera a relação de parentesco por afinidade, pois,
por mais intensa e duradoura que seja essa relação afetiva, dessa relação não nasce
paternidade ou maternidade socioafetiva em desfavor do pai ou mãe legais ou registrais.
A única possibilidade legal de conversão da posição de padrasto ou madrasta em pai ou
mãe é mediante a perda do poder familiar dos pais legais (biológicos ou não), e, após a
decretação desta, o deferimento da adoção unilateral do filho ou filha de seu cônjuge ou
companheiro. A causa mais comum da perda do poder familiar é o abandono do filho
pelo genitor separado.

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