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PSICOLOGIA JURÍDICA

Unidade II
5 A FAMÍLIA E A LEI

A família moderna retirou da vida comum não apenas as crianças, mas uma
grande parte do tempo e da preocupação dos adultos. Ela correspondeu
a uma necessidade de intimidade, e também de identidade; os
membros da família se unem pelo sentimento, o costume e o gênero de
vida (ARIÈS, 1978, p. 278).

Figura 9

Disponível em: https://bit.ly/41rJTzl. Acesso em: 24 fev. 2023.

A estrutura da família e seu conceito foram se desenvolvendo ao longo da história humana.

Muitos autores têm analisado o papel da família no que tange à sua importância na construção do
indivíduo em muitos aspectos, como: emocionais, intelectuais, sociais, interacionais.

De acordo com Souza e Miranda (apud CARVALHO, 2014, p. 209):

A família é uma unidade social que passa por várias fases no desenvolvimento,
diferenciando-se em diferentes culturas, mas possui raízes universais. Em
todas as culturas, a família dá a seus membros o cunho de individualidade.
A identidade humana tem dois elementos: um sentido de pertencimento
e um sentido de separação. O laboratório em que estes integrantes são
misturados e administrados é a família, considerada matriz da identidade.
No processo inicial de socialização as famílias modelam e programam o
comportamento e o sentido de identidade da criança.

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Ainda a esse respeito, Vidigal (apud SIQUEIRA; JAEGER; KRUEL, 2013) apontam:

A família passa a ser considerada em dimensões estendidas e ampliadas,


para além da unidade pais e filhos e passa a ser compreendida também
como aquela formada por parentes próximos com os quais a criança ou
adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

Por exemplo, no antigo Código Civil brasileiro (1916), observa-se que o pai aparecia como a figura
dominante da família, cabendo-lhe o pátrio poder (chefe da sociedade conjugal), resultando na
denominação de família tradicional. Essa família era constituída de pai, de mãe e de filhos, gerada pelo
casamento. Na antiga legislação civil a lógica era de natureza patriarcal (hierárquica em sua constituição).
Nesse sentido, a mulher casada é vista como parcialmente incapaz. A incapacidade feminina refletia-se,
por exemplo, na criação dos filhos, em especial dos filhos homens. Impossível imaginar a separação do
casal, e quando ocorria, buscava-se investigar o culpado pelo fracasso do casamento. Portanto, a família
era um código moral assimétrico sexual, perdendo sua configuração durante o século XX.

Após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, muitos homens morreram na guerra, possibilitando,
mundialmente, que as mulheres assumissem postos de comando. Com a invenção de meios
anticoncepcionais mais seguros, a emancipação feminina desponta, tornando as mulheres mais
independentes e encarando com mais facilidade uma eventual separação do casamento. Esse contexto
possibilita novas formas de convívio familiar, dando lugar à família nuclear.

A Constituição Federal de 1988 contempla essas mudanças, quando esboça nos artigos 226
e seguintes a nova família que está sob a proteção da lei. Ela pode ser biparental, constituída
por casamento ou união estável, de natureza heterossexual ou homossexual. A seguir, veja o que
está previsto na legislação:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

§ 3. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável


entre homem e mulher como entidade familiar: devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.

§ 4. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada


por qualquer dos pais e seus descendentes. (Carta Magna de 1998) [...]

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao


adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.

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Figura 10

Disponível em: https://bit.ly/3ksCyP6. Acesso em: 24 fev. 2023.

O Supremo Tribunal Federal, em 2011, reconheceu a união estável homossexual. Por Resolução do
Conselho Nacional de Justiça, os cartórios do Brasil não podem mais recusar a celebração de casamentos
civis entre pessoas do mesmo sexo.

Figura 11

Disponível em: https://bit.ly/3Sub1JR. Acesso em: 24 fev. 2023.

A Constituição reconhece, igualmente, a família monoparental, constituída por um dos pais e


seu(s) filho(s). Portanto, a lei brasileira permite a constituição e reconstituição livre da família, não mais
obrigada a seguir um único modelo previsto em lei.

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Diante do exposto, o pátrio poder cede lugar ao poder familiar: a uma forma mais igualitária de
gerir a família.

O Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 2003, prevê a igualdade dos cônjuges, admitindo
a dissolução da sociedade conjugal: “Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com
base na igualdade de direito e deveres dos cônjuges” (Primeiro artigo do Capítulo I, Livro IV do Código
Civil, Direito de Família).

Além disso, a lei prognostica, apesar da separação do casal, a manutenção do vínculo de pais e filhos
pela guarda compartilhada ou não. Esse vínculo é importante ao legislador, uma vez que os filhos têm
o direito de convivência familiar:

Art. 19. [...] toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no
seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada
a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de
pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.

Art. 22 [...] aos pais o dever de sustento, guarda e educação dos filhos
menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e
fazer cumprir as determinações judiciais.

Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo


suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder.

Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si autorize a decretação
da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de
origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais
de auxílio (BRASIL, 1990).

Com relação à guarda dos filhos, ela pode ser realizada de três maneiras: a guarda única ou
exclusiva; a guarda compartilhada e a guarda alternada. A guarda única ou exclusiva (conferida a
só um dos genitores) passou a ser insatisfatória para atender as necessidades e interesses dos pais e
principalmente dos filhos. Com as mudanças na estrutura familiar, foi preciso buscar novas modalidades
de guarda capazes de assegurar aos pais uma divisão igualitária da autoridade parental, bem como
aos filhos, objetivando amenizar os efeitos dolorosos na maioria das separações. Surge então a
guarda compartilhada ou conjunta, estabelecendo a atuação da autoridade parental aos pais que
desejam continuar a relação com os filhos diante da cisão da estrutura familiar. Essa possibilidade se
justifica pela necessidade de garantir o melhor interesse da criança e a igualdade entre pais e mães na
responsabilização dos filhos. Nesse sentido, a continuidade do convívio da criança com ambos os pais
é indispensável para seu desenvolvimento saudável.

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Observação

Comparando os dois tipos de guarda (compartilhada ou exclusiva),


observa-se que as vantagens da guarda compartilhada são maiores que as
desvantagens: resulta em uma melhora da autoestima do filho, melhora do
rendimento escolar, diminuição da tristeza e do medo de abandono, além
de permitir o acesso a ambos os pais (convivência igualitária).

De acordo com Souza e Miranda (apud CARVALHO, 2014, p. 208):

A guarda jurídica compartilhada é um plano de guarda onde ambos


os genitores dividem a responsabilidade legal pela tomada de decisões
importantes relativas aos filhos menores, conjuntas e igualmente. Significa
que ambos os pais possuem exatamente os mesmos direitos e as mesmas
obrigações em relação aos filhos menores. Por outro lado, é um tipo de
guarda nos quais os filhos do divórcio recebem dos tribunais o direito
de terem ambos os pais, divididos de forma mais equitativa possível, as
responsabilidades de criarem e cuidarem dos filhos.

Os mesmos autores afirmam o seguinte sobre a guarda alternada:

Este tipo de guarda caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais


deterem a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo
que pode ser um ano escolar, um mês, uma semana, uma parte da semana,
ou uma repartição organizada dia a dia e, consequentemente, durante esse
período de tempo deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes‑deveres
que integram o poder paternal. No término do período, os papéis invertem‑se
(CARVALHO, 2014, p. 213).

A fim de contribuir com o desenvolvimento saudável dos filhos de pais separados, surge a proibição
da alienação parental, caracterizada pelo ato de afastar o filho do pai ou da mãe, conduta proibida por
lei. A justiça brasileira possibilita a intervenção nos casos em que ela ocorre.

Saiba mais

Para entender melhor o assunto, leia:

ASSOCIAÇÃO DE PAIS E MÃES SEPARADOS (APASE). Síndrome da


alienação parental e a tirania do guardião: aspectos psicológicos, sociais e
jurídicos. Porto Alegre: Equilíbrio, 2007.

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De acordo com a Apase (2007), a alienação parental é a exclusão de um “terceiro”, mantendo-o sem
contato com os filhos. Dessa forma, o comportamento passa a ter uma conotação negativa, pois coloca
o alienado alheio aos acontecimentos e preso ao alienador. O afastamento do progenitor que não detém
a guarda ocorre progressivamente, resultando no aparecimento de dois fenômenos:

• o desapego com o genitor ausente;

• a simbiose forçada com o genitor presente: nesse fenômeno ocorre uma dependência em que o
filho passa a nutrir os mesmos sentimentos que este em relação ao genitor afastado, podendo
resultar em desamparo.

Entre as características relacionadas ao alienador, destacam-se:

• Instabilidade emocional.

• Controle.

• Ansiedade.

• Agressividade.

• Perversidade.

• Uso da projeção como um mecanismo de defesa, projetando nos filhos todas as suas frustrações,
com o objetivo de atingir o outro progenitor.

• Intenção de formar com o filho uma aliança.

• Desejo de destruir o outro genitor.

• Ausência de reconhecimento dos filhos como seres humanos separados de si.

Em decorrência dessas características, alguns comportamentos clássicos da alienação parental


podem ocorrer:

• Recusar chamadas telefônicas.

• Organizar atividades com os filhos quando do período de visitas do outro genitor.

• Apresentar o novo relacionamento como “seu pai” ou “sua mãe”, em substituição ao genitor
descontínuo.

• Interceptar correspondências e/ou presentes.

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• Desvalorizar e insultar o outro genitor.

• Impedir o direito de visita.

• “Esquecer” de avisar o outro genitor de compromissos importantes da criança.

• Ameaçar os filhos caso estes mantenham contato com o outro genitor.

• Culpar o outro genitor por comportamentos inadequados dos filhos.

• Superproteger, fazer falsas denúncias de abuso sexual, físico, psicológico.

• Apresentar comportamento psicopático, impulsivo e agressivo injustificado.

• Sempre ter certeza de suas acusações.

O relacionamento desses genitores é caracterizado nos registros periciais ou no relato de testemunhas


como extremamente controlador e simbiótico: as crianças são incapazes de ter autonomia no fazer
e no pensar.

A síndrome de alienação parental (SAP) é, portanto, uma forma de violência psicológica e deixa
sequelas irreparáveis, em que o alienador é o real abusador. Ele necessita de cuidados psicológicos e
até o possível afastamento da criança, embora isso possa provocar mais um desamparo para a criança.

A seguir, apresentamos os principais pontos da Lei da Alienação Parental, reiterando as afirmações


relatadas anteriormente:

LEI N. 12.318, DE 26 DE AGOSTO DE 2010.

Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei n. 8.069, de


13 de julho de 1990.

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a alienação parental.

Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação


psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos
genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a
sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além


dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados
diretamente ou com auxílio de terceiros:

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I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício


da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes


sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações
de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou


contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança
ou adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a


dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com
familiares deste ou com avós.

Art. 3o A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da


criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a
realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui
abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos
deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.

Art. 4o Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento


ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou
incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará,
com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias
para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente,
inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva
reaproximação entre ambos, se for o caso.

Parágrafo único. Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor


garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há
iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou
do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo
juiz para acompanhamento das visitas.

Art. 5o Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação


autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica
ou biopsicossocial.
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§ 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou


biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista
pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do
relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação
da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou
adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor.

§ 2o A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar


habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico
profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.

§ 3o O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência


de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação
do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em
justificativa circunstanciada.

Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer


conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor,
em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não,
sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla
utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos,
segundo a gravidade do caso:

I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;

II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;

III - estipular multa ao alienador;

IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;

V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua


inversão;

VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;

VII - declarar a suspensão da autoridade parental.

Parágrafo único. Caracterizada mudança abusiva de endereço, inviabilização


ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a
obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do
genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.

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Art. 7o A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao


genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com
o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.

Art. 8º A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para


a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito
de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores
ou de decisão judicial.

5.1 Lei Maria da Penha

A violência doméstica foi reconhecida apenas na década de 1990 pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Ela pode ser física, sexual ou psicológica, cometidas por parceiros íntimos.

Alguns estudiosos como Soares (apud MOREIRA; PRIETO, 2010) acreditam que o comportamento
violento é transmitido entre as gerações, afirmando que é na família que os indivíduos recebem as
primeiras lições de violência. Essas lições ensinam, por exemplo, que aqueles que amam ou são amados
são também aqueles que batem. Dessa forma, a violência passa a ser permissível.

Com relação à violência feminina, observa-se que é, preferencialmente, na própria casa que as
mulheres correm o risco de serem agredidas, estupradas, ameaçadas e mortas, vivenciando um ambiente
cercado de medo, de dor e de silêncio. Essa situação pode resultar em relações patológicas que se
retroalimentam em decorrência de uma progressiva onda de violência carregada de ódio e rancor,
por exemplo.

De acordo com Borges (apud MOREIRA; PRIETO, 2010), o medo da perda do objeto “amado” pode
levar o indivíduo a utilizar como defesa atos que intimidam seu parceiro.

Para Safiotti (apud MOREIRA; PRIETO, 2010), há uma escala progressiva de tipos de agressões que
surge através dos anos de relacionamento: agressões verbais, ameaças de morte, agressões físicas,
sexuais, homicídio.

A violência contra a mulher pode ser classificada em:

• Violência física: surge quando a mulher resiste à violência psicológica. Caracterizada por:
empurrões, tapas, murros, queimaduras, braços torcidos, enforcamentos, socos, pontapés, puxar
cabelos. O objetivo é marcar o corpo; destruir o pensamento; anular o outro como sujeito.

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Figura 12

Disponível em: https://bit.ly/3XZV8fd. Acesso em: 24 fev. 2023.

Observação

Se não houver denúncia da violência, há uma escala da intensidade e


frequência das agressões.

• Violência psicológica: ela aparece de diversas maneiras: humilhação, questionamento quanto


a competência como mãe, mulher, esposa e profissional, isolamento, impedimento de trabalhar,
estudar, cativeiro, controle, ciúme patológico. Nesse tipo de violência, as vítimas têm dificuldades
em percebê-la e reconhecê-la, por ser um tipo de violência de natureza imprecisa e subjetiva,
propiciando significações distintas de um mesmo ato dependendo do contexto. O objetivo desse
tipo de violência é controlar, solucionar conflitos e manter a mulher sob o poder do agressor.

Figura 13

Disponível em: https://bit.ly/41r6Nqg. Acesso em: 24 fev. 2023.

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Observação

Hirogoyen (apud MOREIRA; PRIETO, 2010) ressalta que não existe violência
física sem que anteriormente tenha ocorrido a violência psicológica.

A característica comum dos homens que praticam abusos emocionais é a habilidade em encontrar
um ponto fraco na esposa. Esse ponto fraco passa a ser uma arma para mantê-la como sua propriedade.

• Violência cíclica: caracterizada por um processo contínuo e repetitivo de agressões. Ela é


composta de quatro fases distintas, que se retroalimentam:

— Fase da construção da tensão: é uma violência não direta, caracterizada por violências
verbais, silêncios hostis, olhares agressivos, ciúmes, ameaças, destruição de objetos e irritação
excessiva do agressor. Este tende a responsabilizar a vítima por todos os seus problemas e
frustrações. A vítima, (mulher) por sua vez, passa a atribuir a si mesma a responsabilidade
pela frustração e irritação do companheiro, desenvolvendo, inconscientemente, um processo
de constante autoacusação.

— Fase da agressão: nessa fase, a tensão atinge seu ponto máximo. A violência física inicia-se de
forma gradual, caracterizada, por exemplo, por empurrões, tapas, e a utilização de armas de fogo,
além de forçar a companheira a manter relações sexuais, como forma de dominação.

Observação

A vítima não esboça reação, pois o terreno já foi preparado na fase da


tensão, objetivando a não defesa da vítima.

— Fase de desculpas: o agressor tende a minimizar seu comportamento agressivo ou até


mesmo anulá-lo. Essa fase é acompanhada de arrependimento e o agressor tenta encontrar
uma explicação para o seu comportamento. O objetivo dessa fase, além de responsabilizar a
companheira pelo comportamento agressivo, é fazer com que ela não sinta mais raiva dele.
A vítima sente-se, mais uma vez, culpada, acreditando que se for mais atenciosa, se modificar seu
comportamento e evitar atitudes que aborreçam o agressor, evitará a perda de controle do agressor.

— Fase da lua de mel: nessa última fase, o agressor tem medo do abandono e de perder a companheira.
Dessa forma, cessam os ataques violentos, as agressões físicas, os pedidos de desculpas e as
promessas. Há ausência de tensão. Surge então um comportamento amoroso do agressor.
Nesse sentido, a vítima é levada a acreditar que é ela que detém o poder da relação. Ela acredita
que pode corrigir o agressor com seu amor, paciência e dedicação e passa a ter esperança de
que haverá uma melhora. Por isso, ela retira as queixas, tornando-se mais tolerante à agressão.

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Observação

Com a violência instalada, os ciclos (fases) se repetem e aceleram


tanto no tempo quanto em intensidade: surgem as fases mais curtas
e mais intensas.

A Lei Maria da Penha (Lei n. 1.1340/2006) originou-se de um caso


verídico. Maria da Penha é o nome de uma senhora que sofria agressões
do marido, que por duas vezes tentou matá-la. Diante dessa realidade, a
vítima lutou para conseguir que fosse promulgada a lei (ocorrida em 2006),
que, além de punir o agressor dos crimes cometidos no lar, procura fazer
com que esses crimes não aconteçam ou não sejam facilitados.

A lei trata de qualquer agressão contra a mulher, como: física; verbal; psicológica; relação sexual
indesejada; violência patrimonial. Dessa forma, se uma mulher se encontrar nessa situação, a justiça
deve tomar medidas para, principalmente, afastar a mulher de seu parceiro agressor. A lei garante, entre
outras medidas, o atendimento de uma equipe multidisciplinar que possa oferecer um tratamento.

Observação

A finalidade da Lei Maria da Penha é retirar a mulher não do seu lar, mas
da posição de vítima, para que ela possa se tornar sujeito de sua própria ação.

Pontuamos, a seguir, informações importantes a respeito da Lei n. 13.827, de 13 de maio de 2019:

Art. 1. Esta Lei altera a Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da
Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida
protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em
situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para
determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados
mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

Art. 2. O Capítulo III do Título III da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei
Maria da Penha), passa a vigorar acrescido do seguinte art. 12-C:

“Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à


integridade física da mulher em situação de violência doméstica ou familiar,
ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar,
domicílio ou local de convivência com a ofendida:

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Unidade II

I – pela autoridade judicial;

II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou

III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver
delegado disponível no momento da denúncia.

§ 1. Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será
comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá,
em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada,
devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.

§ 2. Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade


da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória
ao preso.”

Art. 3. A Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), passa a


vigorar acrescida do seguinte Art. 38-A:

“Art. 38-A. O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva


de urgência.

Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão registradas em


banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça,
garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos
de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à
efetividade das medidas protetivas.”

5.2 Feminicídio

Figura 14

Disponível em: https://bit.ly/3kp7sb8. Acesso em: 24 fev. 2023.

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Devido aos altos índices de crimes cometidos contra a mulher, houve a necessidade de leis que
tratassem desse tipo de crime. Diante dessa realidade, surge, em 2015, a Lei do Feminicídio (Lei n. 13.104/15),
que alterou o Código Penal brasileiro, incluindo dessa forma como qualificador do crime de homicídio o
feminicídio. A lei aplica-se nos casos de violência doméstica ou familiar e quando houver menosprezo
ou discriminação contra a condição de mulher.

O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher pelo fato de ela ser mulher, ou seja, ele é
motivado pela discriminação de gênero.

Observação

Quando o assassinato de uma mulher é originado de latrocínio (roubo


seguido de morte) ou de uma briga entre desconhecidos ou é praticado por
outra mulher, não é qualificado como feminicídio.

Vejamos algumas determinações da Lei:

LEI N. 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015.

Altera o art. 121 do Decreto-Lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940 – Código


Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime
de homicídio, e o art. 1 da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir
o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

Art. 1 O art. 121 do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código


Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

Homicídio simples

Art. 121 [...]

Homicídio qualificado

§ 2 [...]

Feminicídio

VI- contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

[...]

§ 2-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando


o crime envolve:

I – violência doméstica e familiar;

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Unidade II

II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

[...]

Aumento de pena

[...]

§ 7 A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o


crime for praticado:

I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos


ou com deficiência;

III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)

Art. 2 O art. 1 da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a


seguinte alteração:

“Art. 1 [...]

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de


extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado.”

5.3 Violência

A violência se configura basicamente de três formas: violência velada, que engloba o assédio moral
e o assédio sexual; violência doméstica; e violência intrafamiliar.

O assédio moral engloba qualquer comportamento abusivo e repetitivo que afeta a plenitude
física ou psíquica de uma pessoa, em especial no ambiente de seu trabalho (CONSELHO NACIONAL
DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2016). Por se tratar de uma violência velada devido a seu caráter invisível e
subjetivo, dificulta a sua constatação para uma posterior penalização.

De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (2016, p. 6):

O objetivo do assediador, em regra, é motivar o trabalhador a pedir


desligamento, exoneração ou remoção, mas o assédio pode configurar‑se
também com o objetivo de mudar a forma de proceder do trabalhador
simplesmente visando, por exemplo, à humilhação perante a chefia e demais
colegas, como uma espécie de punição pelas opiniões, atitudes manifestadas
ou por discriminação. O importante, para a configuração do assédio moral,
é a presença de conduta reiterada que humilhe, ridicularize, menospreze,
inferiorize, rebaixe, ofenda o trabalhador, causando-lhe sofrimento
psíquico e físico.
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Saiba mais

Leia mais sobre assédio em:

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Assédio moral e sexual:


previna-se. Brasília: CNMP, 2016.

Observação

O assédio moral ainda não faz parte, expressamente, do ordenamento


jurídico brasileiro quanto às empresas de iniciativa privada. Contudo,
existem projetos de lei em diferentes cidades e estados a fim de
regulamentá-lo, a exemplo do Projeto de Lei n. 4.591/01, que dispõe sobre a
aplicação de penalidades à prática de assédio moral por servidores públicos
da União, Autarquias e Fundações Públicas Federais em desfavor de seus
subordinados, alternado o Estatuto dos Servidores Públicos Federais
(Lei n. 8112/90) (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2016).

Figura 15

Disponível em: https://bit.ly/3SrLEIu. Acesso em: 24 fev. 2023.

Para Guimarães e Rimoli (apud MESSA, 2010), há três tipos de assédio moral:

• Ascendente: uma pessoa pertence a um nível hierárquico superior da organização, se vê agredida


por um ou vários subordinados. Comum quando alguém de fora é introduzido na empresa em um
cargo superior, porque seus métodos ainda não são conhecidos e aceitos pelos trabalhadores ou
porque o cargo é desejado por eles. Acontece também quando uma pessoa é promovida e passa a
comandar seus antigos companheiros de trabalho. Pode acontecer o assédio contra os chefes que
mostram características autoritárias e arrogantes.
65
Unidade II

• Horizontal: acontece quando o trabalhador assedia um companheiro com o mesmo nível


hierárquico. O ataque pode ocorrer por problemas pessoais, ou porque alguns não aceitam as
regras aceitas pelos demais. Nesse caso, pessoas mais frágeis psicológica ou fisicamente são
exploradas para causar aborrecimentos ou simplesmente passar o tempo.

• Descendente: situação mais habitual que ocorre quando a pessoa que tem poder, através de
depreciação, falsas acusações, insultos e ofensas, mina a esfera psicológica do assediado para se
destacar ou manter sua posição hierárquica. Pode ser também uma estratégia empresarial, que
força o indivíduo ao abandono voluntário do emprego (MESSA, 2010).

Para Nakamura e Fernández (apud MESSA, 2010), o assediador faz uso de alguns métodos para
impedir que a vítima reaja:

• Desqualificação: o agressor desqualifica continuamente a vítima, levando-a a duvidar de suas


próprias habilidades e percepções quando o comportamento é não verbal.

• Desacreditação: o agressor desacredita a vítima publicamente.

• Isolamento da vítima: facilita sua destruição psicológica pelo agressor.

• Humilhação: frequente, com designação de tarefas inúteis ou degradantes.

• Indução ao erro: com o propósito de criticar ou humilhar o trabalhador, oferecendo-lhe uma má


imagem de si mesmo.

• Assédio sexual: o agressor acredita que a vítima não pode negar suas imposições
(MESSA, 2010, p. 49).

Figura 16

Disponível em: https://bit.ly/3IwZNzP. Acesso em: 24 fev. 2023.

66
PSICOLOGIA JURÍDICA

Complementando o tema, além dos tipos e dos métodos utilizados pelo assediador, Leymann (apud
MESSA, 2010) apresenta as fases que compõem o assédio moral:

• Fase de conflito: conflitos interpessoais normais entre pessoas com objetivos e interesses
diferentes, gerando problemas pontuais e atritos que poderiam ser resolvidos com diálogo. Com
a estigmatização desses conflitos pontuais, produz-se um ponto de partida para enfrentamentos
maiores posteriores. Fase em que o indivíduo vai progressivamente perdendo a confiança em si
mesmo. Envolve influência intelectual ou moral, e a pessoa passa a não reagir espontaneamente.
• Fase de mobbing ou estigmatização: fase de grande duração, em que ocorre o assédio
propriamente dito. O ódio do agressor, que era velado na fase anterior, torna-se manifesto.
O agressor passa a humilhar a vítima, com comportamentos perversos, durante um tempo
prolongado, com o objetivo de ridicularizá-la e isolá-la socialmente. O assediado não consegue
acreditar no que está acontecendo e pode negar as evidências mediante passividade ou evitação
do fenômeno para o resto do grupo.

• Fase de intervenção da empresa: momento em que a direção da empresa toma conhecimento


do conflito e, caso não se trate de uma estratégia empresarial planejada, são sugeridas soluções.
As soluções podem ser positivas, no caso de a empresa investigar mais profundamente o conflito e
decidir pela transferência do trabalhador ou assediador, tomando medidas de punição para que as
humilhações não mais ocorram; ou negativas, em que a direção não aprofunda a investigação do
caso e encara a vítima como o problema a ser resolvido, sem investigar que o problema pode estar
em outro fator. Nesse caso, a direção se alia ao meio que assedia ativa ou passivamente a vítima.

• Fase de marginalização ou exclusão da vida laboral: fase em que a vítima abandona seu
emprego, provavelmente depois de várias licenças. Quem persiste no trabalho pode se submeter a
altos níveis de estresse, comprometendo sua saúde. Alguns sofrem o agravamento do problema,
dentro ou fora da empresa. Casos mais extremos podem levar ao suicídio (MESSA, 2010, p. 50).

Uma outra categoria de violência velada diz respeito ao assédio sexual, que compreende uma
conduta relacionada à sexualidade que acomete o espaço de uma outra pessoa, sem pedir permissão.
Esse assédio ocorre em diferentes ambientes: trabalho, relações de docência; relações domésticas;
religiosas ou de confiança. Frequentemente, é cometido por pessoas que apresentam condição
hierárquica de superioridade do emprego, do cargo ou da função. O assediador faz uso de propostas
inadequadas, causando embaraço e constrangimento para a vítima.

De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (2016), os requisitos para a configuração
do assédio sexual são:

a) Constrangimento provocado por agente que assim age favorecido pela


ascendência exercida sobre a vítima, para fins de responsabilidade penal.
Do ponto de vista trabalhista, o assédio sexual entre colegas da mesma
hierarquia pode ser caracterizado e gerar responsabilidade ao empregador/
Poder Público, ainda que por omissão, porque não garantiu um meio
ambiente de trabalho psicologicamente saudável e isento de assédio;
67
Unidade II

b) De forma dolosa;

c) Pelo comportamento do agente que visa à vantagem sexual;

d) Sem o consentimento da vítima (CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO


PÚBLICO, 2016, p. 18).

Observação

As mulheres são as que mais sofrem assédio sexual, e a relação sexual é


exigida pelo assediador.

O assédio sexual faz parte do assédio moral e é definido na Lei n. 10.224, de 15 de maio de 2001,
que introduziu no Código Penal a tipificação do crime de assédio sexual, dando a seguinte redação
ao art. 216-A: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual,
prevalecendo‑se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao
exercício de emprego, cargo ou função”. A pena prevista é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Ainda, o assédio sexual pode terminar em estupro. As consequências dessa violência são profundas,
resultando em dificuldades no comportamento sexual, afetivo e social da vítima.

De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público (2016), a vítima de assédio deve:

• Resistir. Dizer, claramente, não ao assediador.

• Anotar, com detalhes, todas as humilhações sofridas: dia, mês, ano, hora, local ou setor, nome
do(a) assediador(a) e dos colegas que testemunharam os fatos, conteúdo das conversas e o que
mais achar necessário.

• Reunir provas, como bilhetes, e-mails, presentes e outros.

• Romper o silêncio, procurando a ajuda dos colegas, principalmente daqueles que testemunharam
o fato ou que já sofrem humilhações do(a) assediador(a).

• Evitar conversar e permanecer sozinho(a) – sem testemunhas – com o(a) assediador(a) (CONSELHO
NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2016, p. 23).

Trataremos agora da denominada violência doméstica, que se diferencia da violência intrafamiliar


por envolver outros membros do grupo, aqueles que não têm função parental, mas que convivem no
espaço doméstico, como empregados e agregados.

68
PSICOLOGIA JURÍDICA

Conforme Siqueira, Jaeger e Kruel (2013), na violência intrafamiliar, outra forma de violência,
observa‑se que as maiores vítimas são as crianças, os adolescentes e as mulheres. Estudos mostram que
a violência é um fenômeno complexo, pois é necessário compreendê-la a partir de vários fatores. Ao
mesmo tempo, é através do trabalho realizado com a família que temos a oportunidade de reconhecer
como essa problemática se manifesta para, posteriormente, estruturarmos uma estratégia preventiva.

Saiba mais

Para saber mais sobre o tema, leia a obra a seguir, que relata os principais
estudos desenvolvidos no Brasil sobre a violência contra os mais jovens:

HABIGZANG, L. F.; KOLLER, S. H. Violência contra crianças e adolescentes:


teoria, pesquisa e prática. Porto Alegre: Artmed, 2012.

5.4 Separações litigiosas e guarda dos filhos

Figura 17

Disponível em: https://bit.ly/3IuXvkp. Acesso em: 24 fev. 2023.

Em nosso mundo de furiosa “individualização”, os relacionamentos são


bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como
determinar quando um se transforma no outro. Na maior parte do tempo,
esses dois avatares coabitam – embora em diferentes níveis de consciência.
No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os
representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente
sentidos da ambivalência (BAUMAN, 2004, p. 8).

Espera-se em uma separação conjugal, em condições não litigiosas, que ela se torne uma possível
solução para todos os envolvidos. No entanto, quando a separação é de natureza litigiosa, percebemos,
69
Unidade II

em muitos casais, uma série de dificuldades para reorganizar suas vidas e de administrar as suas
responsabilidades perante os filhos. Se as dificuldades não são resolvidas, poderão desencadear distúrbios
emocionais, em especial, nos filhos do casal.

Diante desse cenário, o casal decide procurar um profissional que avaliará uma ação para
posteriormente prosseguir até a sentença judicial ou homologação para estabelecer, por exemplo, quem
ficará com a guarda dos filhos, as formas de visita, o pagamento de alimentos e a partilha dos bens.

De acordo com Antunes, Magalhães e Feres Carneiro (2007), os sujeitos que vivem litígios familiares
apresentam algumas características como: agressividade; postura resistente diante de intervenções;
discurso que tem como base uma lógica adversarial e muitas vezes têm os filhos como objetos do
pedido judicial.

Dias e Souza (apud ANTUNES; MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007) afirmam que, em uma separação
litigiosa, cada uma das partes tem a necessidade de comprovar sua versão, e consequentemente
atribuindo à outra parte a culpa pelo término da relação conjugal para que, posteriormente, busque
a absolvição do juiz. Inclusive, os autores explicam que algumas das longas disputas judiciais têm a
intenção de prolongar os vínculos conjugais.

Kaës (apud ANTUNES; MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007) chama a atenção para o fato de
que a escolha amorosa não seria consciente porque ela obedeceria a um “determinismo familiar”.
No entanto ele aponta para a possibilidade de transformação, quando da interação das subjetividades.
Importante destacar, ainda, que para o autor, o vínculo do casal se concretiza a partir da identificação
de características comuns, baseado no que ele denominou “noção de complementaridade”.

Puget (apud ANTUNES; MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007) nos apresenta três tipologias
de conjugalidade:

• Dual: o autor a resume através da expressão “Somos um só”, caracterizada pelo vínculo fusional,
modelo do objeto único, relação de simetria ou assimetria, e de idealização mútua.

• Terceiridade limitada: é um tipo de vínculo indiscriminado, mas não autossuficiente,


apresentando uma angústia catastrófica, que é amenizada pela presença de um terceiro
elemento (geralmente o filho).

• Terceiridade ampla: em que encontramos os egos suficientemente discriminados, oferecendo


possibilidade de desfazer mal‑entendidos sem a presença de angústia. Um ponto favorável a
destacar é a construção de um código comum em que as dificuldades são ajustadas. Nessa tipologia,
admite-se o lugar do terceiro elemento com alguns momentos de exclusão. De acordo com Puget,
a exclusão possibilita que os parceiros se reencontrem e reelaborem o vínculo enquanto casal.

Para Antunes, Magalhães e Feres Carneiro (2007), em uma separação conjugal ocorre o processo de
“des-ilusão amorosa”, caracterizada por um desdobramento da ilusão de completude ocorrida na escolha
dos parceiros. Nesse sentido, o objeto amoroso com quem a pessoa se identificou ou que foi idealizado
70
PSICOLOGIA JURÍDICA

apresentará sua alteridade (natureza), promovendo uma conturbação na ilusão da completude do


casal. Para o autor, a “des-ilusão amorosa” pode resultar em dois caminhos:

• Um crescimento mútuo com a discriminação dos “eus” e, consequentemente, com o reconhecimento


da alteridade.

• Podem ser desencadeados estados patológicos da conjugalidade.

Lemaire (apud ANTUNES, MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007), complementando, aponta três
saídas possíveis para a ilusão do casal:

• O casal que não resiste à desilusão e interrompe a relação.

• Nomeada de “via perpétua”, o casal manteria o estado ilusório que sustenta o estado amoroso
e a relação.

• O casal se confronta com a desilusão, e esse confronto o levaria a construir uma relação menos
defensiva, permitindo o fortalecimento do vínculo.

Observação

Para que ocorra a dissolução do vínculo, o desejo de ruptura deve


se sobrepor ao desejo de complementaridade, pois, caso contrário, o
casal se manterá em uma eterna tentativa de separação (ANTUNES,
MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007).

Posteriormente, na fase pós-separação amorosa, vivencia-se um luto, segundo Caruso (apud ANTUNES;
MAGALHÃES; FERES CARNEIRO, 2007). Esse luto é vivenciado independentemente de quem promoveu a
ruptura amorosa. Para o autor a separação conjugal é sentida como uma “vivência psíquica de morte”,
desencadeando duas formas de luto: o primeiro diz respeito ao luto provocado com a vivência da morte
do outro em sua consciência e com a constatação de sua morte na consciência do outro (dor narcísica).

Para Bauman (2004, p. 46):

A afinidade nasce da escolha, e nunca se corta esse cordão umbilical. A menos


que a escolha seja reafirmada diariamente e novas ações continuem a ser
empreendidas para confirmá-la, a afinidade vai definhando, murchando
e se deteriorando até se desintegrar. A intenção de manter a afinidade
viva e saudável prevê uma luta diária e não promete sossego à vigilância.
Para nós, os habitantes deste líquido mundo moderno que detesta tudo o
que é sólido e durável, tudo que não se ajusta ao uso instantâneo nem
permite que se ponha fim ao esforço, tal perspectiva pode ser mais do que
aquilo que estamos dispostos a exigir numa barganha. Estabelecer um

71
Unidade II

vínculo de afinidade proclama a intenção de tornar esse vínculo semelhante


ao parentesco – mas também a presteza em pagar o preço pelo avatar na
moeda corrente da labuta diária e enfadonha. (BAUMAN, 2004, p. 46).

A seguir, apresentamos a lei que regula a dissolução conjugal:

Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977:

Regula os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus


efeitos e respectivos processos, e dá outras providências.

Art. 1. A separação judicial, a dissolução do casamento, ou a cessação de


seus efeitos civis, de que trata a Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho
de 1977, ocorrerão nos casos e segundo a forma que esta Lei regula.

CAPÍTULO I

DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

Art. 2 – A Sociedade Conjugal termina:

I – pela morte de um dos cônjuges;

II – pela nulidade ou anulação do casamento;

III – pela separação judicial;

IV – pelo divórcio.

Parágrafo único – O casamento válido somente se dissolve pela morte de


um dos cônjuges ou pelo divórcio.

SEÇÃO I

Dos Casos e Efeitos da Separação Judicial

Art. 3 – A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação,


fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento
fosse dissolvido.

§ 1. – O procedimento judicial da separação caberá somente aos


cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados por curador,
ascendente ou irmão.

72
PSICOLOGIA JURÍDICA

§ 2. – O juiz deverá promover todos os meios para que as partes se


reconciliem ou transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas
e, a seguir, reunindo-as em sua presença, se assim considerar necessário.

§ 3. Após a fase prevista no parágrafo anterior, se os cônjuges pedirem,


os advogados deverão ser chamados a assistir aos entendimentos e
deles participar.

Art. 4 – Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos


cônjuges, se forem casados há mais de 2 (dois) anos, manifestado perante o
juiz e devidamente homologado.

Art. 5 – A separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando
imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave
violação dos deveres do casamento e tornem insuportável a vida em comum.

§ 1 A separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges


provar a ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo, e
a impossibilidade de sua reconstituição. (Redação dada pela Lei n. 8.408,
de 1992)

§ 2 – O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro


estiver acometido de grave doença mental, manifestada após o casamento,
que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após
uma duração de 5 (cinco) anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de
cura improvável.

SEÇÃO II

Da proteção da Pessoa dos Filhos

Art. 9 – No caso da dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial


consensual (art. 4.), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a
guarda dos filhos.

Art. 10 – Na separação judicial fundada no “caput” do art. 5, os filhos


menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa.

§ 1 – Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges: os


filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal
solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.

§ 2 – Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem


do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea da família
de qualquer dos cônjuges.

73
Unidade II

Art. 11 – Quando a separação judicial ocorrer com fundamento no § 2 do


art. 5, os filhos ficarão em poder do cônjuge em cuja companhia estavam
durante o tempo de ruptura da vida em comum.

Art. 12 – Na separação judicial fundada no § 2 do art. 5, o juiz deferirá


a entrega dos filhos ao cônjuge que estiver em condições de assumir,
normalmente, a responsabilidade de sua guarda e educação.

Art. 13 – Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a


bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos
anteriores a situação deles com os pais.

[...]

Art. 15 – Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los


e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua
manutenção e educação.

6 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n. 8.069/90) e a Constituição Federal de 1988


(art. 227) enfatizam a proteção integral às questões relacionadas à infância, destacando o interesse da
criança em qualquer situação:

Título I

Das disposições preliminares

Art. 1 – Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

Art. 2 – Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze
anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos
de idade.

Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente


este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.

Art. 3 – A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais


inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

74
PSICOLOGIA JURÍDICA

Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas


as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação
familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência,
condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica,
ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie
as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem (incluído pela
Lei n. 13.257, de 2016).

Art. 4 – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do


poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a


proteção à infância e à juventude.

Art. 5 – Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma


de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,
punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais.

Art. 6 – Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que


ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais
e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas
em desenvolvimento.

O ECA desenvolve o programa de abrigo, designando tarefas, em seu art. 92:

I. preservação dos vínculos familiares;

II. integração em família substituta, quando esgotados os recursos de


manutenção na família de origem;

III. [...].

75
Unidade II

Ainda, o ECA determina, nos casos de abrigamento e desabrigamento de


crianças e adolescentes:

Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:

[...]

VII – conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as


medidas cabíveis.

Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas


hipóteses do art. 98 é também competente a Justiça da Infância e da
Juventude para o fim de:

a) conhecer de pedidos de guarda e tutela;

b) conhecer de ações de destituição do pátrio poder, perda ou modificação


da tutela ou guarda;

c) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em


relação ao exercício do pátrio poder;

d) designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou


representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em
que haja interesses de criança ou adolescente;

e) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de


nascimento e óbito (BRASIL, 1990).

Independentemente das teorias psicológicas, todas de alguma forma concordam e dão importância
à infância. A infância deve ser compreendida e inserida em um contexto cultural, em que a criança se
desenvolve e inicia o estágio de formação da sua personalidade. Portanto, a infância é uma construção
cultural. O significado do que é ser criança vai se diferenciando no decorrer do tempo, como ocorre com
o conceito de família, que, igualmente, pode variar com o tempo.

Observação

Garantir ao filho a convivência familiar significa respeitar seu direito


de personalidade e dignidade, na medida em que não depende apenas
materialmente de seus genitores.

Hoje a criança é vista como uma cidadã, um ser humano com direitos que devem ser respeitados.
No contexto jurídico ela necessita de atenção, configurada em uma rede de proteção: do Estado, da
sociedade, da família.

76
PSICOLOGIA JURÍDICA

No mesmo sentido, como vimos anteriormente, o ECA estende sobre a criança e o adolescente uma
verdadeira rede de proteção que tem como núcleo a família e a rede familiar, passando pela comunidade,
representada pelas organizações não governamentais, pela sociedade, que se faz representar nos
conselhos tutelares, e finalmente pelo Estado, que ampara os direitos dos jovens pela administração
pública e pela Justiça da Infância e da Juventude.

Criado e decretado quase que concomitantemente com a Convenção da ONU, o ECA (BRASIL, 1990)
traz mudanças significativas no trato de crianças e adolescentes que “gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana” (art. 3). Merecem a atenção da família, da comunidade, da
sociedade e do Estado, enfim, sua “proteção integral” (art. 1º).

A Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU, 1989) destaca:

• A criança é definida como todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, em
conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes.

• Em seu preâmbulo, a Convenção relata a importância da dignidade e dos direitos iguais e


inalienáveis de “todos os membros da família humana”.

• A família, nesse sentido, é entendida como “um grupo fundamental da sociedade e ambiente
natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros, e em particular das crianças”.

• Cabe aos pais, aos demais membros da família ampliada e à comunidade a responsabilidade de
proporcionar à criança instrução e orientação adequadas (art. 5º).

• A família e, no sentido mais amplo, a comunidade têm uma dupla função: a de inserir a criança
na cultura e a de defender seus direitos, uma vez que a criança está limitada na capacidade do
exercício de seus direitos.

• O direito à vida (art. 6º) implica a responsabilidade do Estado de não somente garantir a
sobrevivência, como também o desenvolvimento da criança.

• Garante à criança um nome e uma nacionalidade; em outras palavras, uma identidade, no sentido
jurídico e psíquico.

• Essa identidade está estreitamente ligada à família e ao direito de “conhecer os pais e ser cuidada
por eles” (art. 7º).

• O Estado é obrigado, pelo art. 8º, a preservar a identidade, a nacionalidade, o nome e as relações
familiares da criança e do adolescente com suas leis e políticas públicas.

• A criança tem hoje o direito de formular seus próprios pontos de vista. Deve ser ouvida em todos
os assuntos que lhe dizem respeito (art. 12).

77
Unidade II

• Garante como seus direitos: a liberdade de expressão, de crença, de associação, de reunião pacífica,
a inviolabilidade de seu lar, de sua correspondência e de sua honra; proteção contra violência;
direito à assistência, à saúde, ao lazer e à educação.

• A Convenção enfatiza, em seu art. 29, o exercício dos direitos culturais, sobretudo do
direito à educação.

Portanto, podemos observar que o ECA amplia sobre a criança e o adolescente uma verdadeira rede
de proteção que tem como núcleo a família e a rede familiar; passa pela comunidade, representada pelas
organizações não governamentais; pela sociedade que se faz representar nos conselhos tutelares; e até o
Estado que ampara os direitos dos jovens pela administração pública e pela Justiça da Infância e da Juventude.

A ideia da função repressiva, punitiva e discriminatória do Estado cede, portanto, a outra, a da


dignidade e da cidadania da criança e do adolescente. Quando o jovem entra em conflito com a
lei, quem merece proteção é a criança ou o adolescente. Diferentemente da Convenção da ONU, o
Estatuto faz a distinção entre a criança, “a pessoa até doze anos de idade incompletos” e o adolescente,
pessoa “entre doze e dezoito anos de idade” (art. 2º). As medidas protetivas, no art. 101 do Estatuto,
são aplicadas às crianças em situação de risco. O risco é descrito no art. 98 como sendo ameaça
ou violação dos direitos reconhecidos no próprio estatuto. A ameaça pode partir da sociedade e do
Estado, dos pais ou responsáveis ou, ainda, da “própria conduta” da criança e do adolescente.

Quando a criança ou o adolescente entra em conflito com a lei, são aplicadas as medidas
socioeducativas, previstas no art. 112.

Observação

A criança pode cometer delitos. No entanto, presume-se que a criança


não sabe o que faz, enquanto o adolescente tem capacidade para saber,
mas não o discernimento pleno “para entender o caráter ilícito do fato e
governar a própria conduta” (AMARANTE, 2010).

Para Amarante (2010), se o indivíduo passa, aos 18 anos, a entender ou não o caráter ilícito é uma
questão que, até para a justiça, não está clara, portanto, não há como estabelecer um critério genérico
para diferenciar se um jovem é imputável ou não.

O ECA (BRASIL, 1990) prevê, portanto, para jovens infratores da lei até 18 anos, a possiblidade de
“requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial”
(inciso V) e da “inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente” (inciso IV do art. 101). Em casos excepcionais, esses medidas podem ser aplicadas a jovens de
até 21 anos (parágrafo único do art. 2º).

Espera-se, dessa forma, educação em vez de punição, tratamento em vez de disciplina, pois assim
determina a lei.
78
PSICOLOGIA JURÍDICA

6.1 Adoção

Figura 18

Disponível em: https://bit.ly/3Z0975Y. Acesso em: 24 fev. 2023.

A adoção é um processo que deriva quando da impossibilidade dos pais biológicos de criarem seus
filhos e pela disponibilidade de outras pessoas de cuidarem dessas crianças.

Observação

A disponibilidade de outras pessoas é baseada em diferentes razões.

Não é difícil compreender o quanto a ruptura com as pessoas importantes e a institucionalização


passam a ser fatores de risco para o desenvolvimento dessas crianças, cujos pais não as querem, não podem
ou foram destituídos do poder de permanecer com elas. Muitas dessas crianças desconhecem, inclusive,
alguns dados da própria história.

O desenvolvimento inadequado pode produzir comprometimentos psicológicos e de relacionamentos,


dificultando o aparecimento de vínculos afetivos. Dessa forma, a adoção passa a ser uma alternativa
com o intuito de a criança reconstruir sua identidade.

Observação

É necessário que os pais adotivos estejam preparados para adotar uma


criança, possibilitando, assim, o aparecimento de vínculos saudáveis e
satisfatórios. No entanto o processo de adoção não é simples e rápido.
79
Unidade II

De acordo com Messa (2010, p. 72):

A fantasia de um filho perfeito pode interferir no processo de adoção e


adaptação do relacionamento entre os pais e o filho adotivo. A expectativa
por uma criança saudável, semelhante fisicamente e que poderá ser
facilmente moldada pelos adotantes podem apontar para a necessidade de
aproximação desse modelo ao processo de reprodução biológica, dificultando
a aceitação do filho real.

Observação

O abrigo, uma alternativa a partir da destituição do poder familiar,


cumpre uma função por período determinado, até que haja decisão sobre o
retorno da criança à família ou sua colocação em família adotiva.

Messa (2010) pontua que as motivações dos adotantes podem variar:

As motivações dos candidatos podem variar e a adoção pode significar


tanto a ampliação da família, como uma forma de evitar o contato com a
dor psíquica da infertilidade ou a compensação pela morte do filho. A tentativa
de resgatar um casamento desgastado, o desejo de praticar o bem, o
cumprimento de promessa religiosa, ou mesmo situações fortuitas, em
que vizinhos ou parentes deixam os filhos desamparados, e fuga da solidão
podem constituir os motivos. Enfim, existe uma diversidade de argumentos
que permeiam as adoções, algumas motivações são expressas, e outras são
mais profundas e inconscientes e funcionam como pano de fundo para essa
escolha (MESSA, 2010, p. 74)

Segundo Paiva (2014), o ECA destina ao Judiciário todas as providências e procedimentos referentes
à adoção. Nesse sentido, prevê e obriga a existência de uma equipe interprofissional composta, em geral,
por assistentes sociais e psicólogos, ambos assumindo uma atividade pericial e avaliativa para auxiliar o
juiz. Entre as atividades esperadas por esses profissionais, destacam-se:

• Entrevistas com os candidatos a pais adotivos.

• Entrevistas de acompanhamento com as crianças e adolescentes com perspectivas de serem


colocados em lares substitutos.

• Acompanhamentos dos genitores que apresentarem a alternativa de entregar o filho para a


adoção ou que estão em vias de serem destituídos do pátrio poder.

• Aproximação gradual dos pretendentes habilitados à adoção com crianças e adolescentes.

80
PSICOLOGIA JURÍDICA

• Assessoria à recém‑família formada durante o estágio de convivência.

• Acompanhamento das famílias adotivas que apresentarem dificuldades.

Observação

O Tribunal de Justiça de São Paulo distribui em todas as Comarcas do


Estado um roteiro contendo sugestões e uma relação de itens e critérios a
serem contemplados no estudo psicossocial no contexto da adoção.

Um estudo (apud PAIVA, 2014) realizado em 2003 descreve alguns dados estatísticos a respeito da
adoção no Brasil:

• Querem apenas uma criança: 76,2%

• Querem crianças saudáveis: 88,2%

• Preferem crianças do sexo feminino: 45,3%

• São indiferentes pelo sexo: 33,5%

• São indiferentes à cor da pele: 5,6%

• Querem crianças menores de 2 anos: 79,6%

Além disso, o ECA relata os requisitos necessários tanto aos adotantes quanto aos adotandos.

A seguir, destacamos pontos importante do ECA sobre a adoção:

Lei n. 12.010, de 3 de agosto de 2009:

Dispõe sobre adoção: altera as Leis n. 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto


da Criança e do Adolescente, 8.560, de 20 de dezembro de 1992: revoga
dispositivos da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, e da
Consolidação das Leis de Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452,
de 1 de maio de 1943: e dá outras providências.

Art. 1 Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para


garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes,
na forma prevista pela Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da
Criança e do Adolescente.

81
Unidade II

§ 1 A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226


da Constituição Federal, será prioritariamente voltada a orientação, apoio e
promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente
devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por
decisão judicial fundamentada.

§ 2 Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o


adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou guarda, observadas as
regras e princípios contidos na Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e na
Constituição Federal.

Art. 19. [...]

§ 1 Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de


acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo,
a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade jurídica competente, com base
em relatório elaborado pela equipe interprofissional ou multidisciplinar,
decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar
ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas
no art. 28 desta Lei.

§ 2 A permanência da criança e do adolescente em programa de


acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo
comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente
fundamentada pela autoridade judiciária.

§ 3 A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família


terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será
está incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo
único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do
caput do art. 129 desta Lei. (NR)

“Art. 25. [...]

Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se


estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada
por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e
mantém vínculos de afinidade e afetividade.” (NR)

“Art. 28. [...]

§ 1 Sempre que possível, a criança ou adolescente será previamente ouvido


por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e
grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião
devidamente considerada.

82
PSICOLOGIA JURÍDICA

§ 2 Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu


consentimento, colhido em audiência.

§ 3 Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco


e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as
consequências decorrentes da medida.

§ 4 Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da


mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso
ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução
diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo
dos vínculos fraternais.

§ 5 A colocação da criança ou adolescente em família substituta será


precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior,
realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da
Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos
responsáveis pela execução da política municipal de garantia ao direito à
convivência familiar.

Art. 39. [...]

§ 1 A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer


apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou do
adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único
do art. 25 desta Lei.

§ 2 É vedada a adoção por procuração. (NR)

Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente


do estado civil. [...]

§ 2 Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados


civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade
da família. [...]

§ 4 Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem


adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime
de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na
constância do período de convivência e que seja comprovada a existência
de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda,
que justifiquem a excepcionalidade da concessão.

83
Unidade II

Art. 46. [...]

§ 1 O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver


sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que
seja possível avaliar a convivência da constituição do vínculo.

§ 2 A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização


do estágio de convivência.

§ 3 Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do


País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no
mínimo, 30 (trinta) dias.

Art. 50. [...]

§ 3 A inscrição de postulantes à adoção será precedida de um período de


preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça
da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos
responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à
convivência familiar.

Seção VIII

Da habilitação de Pretendentes à Adoção

Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão


petição inicial na qual conste:

I – qualificação completa;

II – dados familiares;

III – cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou


declaração relativa ao período de união estável;

IV – cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas;

V – comprovante de renda e domicílio;

VI – atestados de sanidade física e mental;

VII – certidão de antecedentes criminais;

VIII – certidão negativa de distribuição cível (BRASIL, 1990).

84
PSICOLOGIA JURÍDICA

Finalizando, podemos destacar Ferreira (apud MESSA, 2010), que pontua o papel do psicólogo jurídico:

A atuação do psicólogo, nos casos de adoção, equivale ao perito


judicial e envolve atuações que visam assessorar a Justiça da Infância
e da Juventude, fornecendo subsídios que auxiliem na apreciação da
situação da criança, do adolescente ou da sua família. Em sua função, o
psicólogo observa, investiga e conclui seu trabalho com a apresentação
de um laudo, diagnosticando as situações que envolvem a criança ou
o adolescente e sua família, com os encaminhamentos pertinentes ao
caso. Também desempenha funções de execução, acompanhamento,
orientação, encaminhamento para promover mudanças nas constatações
do procedimento (MESSA, 2010, p. 75).

6.2 Pedofilia e abuso sexual

A palavra pedofilia é de origem grega e significa “amar ou gostar de crianças”. Portanto, o termo, na
concepção original, estava ligada a um sentimento nobre e positivo (PINHEIRO, 2016).

Somente no século XIX é que o termo pedófilo surge como adjetivo para designar a atração sexual
de adultos por crianças ou a prática efetiva de sexo com meninos ou meninas.

Em sua obra, Pinheiro (2016) nos apresenta informações importantes a respeito desse tema. Vejamos:

• Atualmente, o termo pedofilia é utilizado em seu sentido negativo, ou seja, qualquer referência
ao desejo sexual por crianças e adolescentes. Isso inclui desde a fantasia e o desejo sexual até a
consumação do ato sexual, propriamente dito, com crianças e adolescentes.

• Com o surgimento da internet, o âmbito e o alcance das práticas pedófilas assumiram dimensões
assustadoras. Na rede virtual, a pedofilia encontra suporte e impunibilidade no anonimato.
Ainda, nessa rede, o comércio da pornografia infantil se expandiu.

• O assédio, a pornografia, o abuso, o programa e a exploração comercial constituem crime.


Todos eles estão tipificados na legislação do ECA.

Observação

Um aspecto importante envolvendo a pedofilia é a confusão acerca de


sua caracterização: ela é um crime ou uma doença?

• A pedofilia em sua concepção atual, como sendo o desejo de manter relações sexuais com crianças
ou adolescentes, é considerada uma doença.

85
Unidade II

• O desejo em si do pedófilo somente pode ser moral ou socialmente punido.

• A lei penaliza a prática de violência sexual, ou seja, o abuso sexual.

Neste sentido, é importante diferenciar o crime de abuso sexual da pedofilia.

• O abuso sexual é contra menores e é crime estabelecido pelo Código Penal.

• A pedofilia é um diagnóstico clínico. Isso porque uma pessoa pode ser pedófila e nunca chegar a
praticar o abuso sexual.

• A confusão da pedofilia como doença com a execução dos atos fantasiados pelo pedófilo, ou
seja, com o abuso sexual propriamente dito, é comum entre os profissionais como médicos,
psicólogos e juristas.

• Da mesma forma, nem sempre aquele que comete abuso sexual é pedófilo, ou seja, se enquadra
no diagnóstico clínico de pedófilo.

• A mídia potencializa a confusão estabelecida entre os conceitos de pedofilia e de abuso sexual


usando os termos de forma indiscriminada. Ora chama o abusador de pedófilo e ora se dirige
ao pedófilo como abusador. Isto serve para beneficiar o abusador que pratica a violência sexual
contra crianças e adolescentes, quando este usa a pedofilia como estratégia de defesa: se diz
pedófilo em juízo para escapar da imputabilidade e da punição.

Observação

Mesmo que a pedofilia seja considerada doença, o pedófilo não perde,


em todos os casos, a consciência crítica acerca do que é certo e errado, na
perspectiva do que é socialmente compartilhado sobre o assunto.

Dessa forma, o pedófilo deve tomar medidas para prevenir a prática do abuso sexual assim como
tomar medidas no sentido de tratar a doença.

O Código Penal e o ECA não preveem redução de pena ou da gravidade do delito se for comprovado
que o abusador é pedófilo.

A violência sexual praticada contra crianças e adolescentes é uma violação dos direitos sexuais e
pode ocorrer de duas formas:

• Abuso sexual: prática do ato propriamente dito.

86
PSICOLOGIA JURÍDICA

• Exploração sexual: envolve o turismo sexual, a pornografia, o tráfico e a prostituição. É um


crime sexual contra crianças e adolescentes, caracterizando-se com alguma forma de pagamento.
Pode envolver, além do próprio agressor, o aliciador ou o intermediário. Ela pode acontecer de
quatro formas básicas:

— Redes de prostituição.

— Tráficos de pessoas.

— Pornografia.

— Turismo sexual.

Entre as principais características desse crime, encontram-se:

• O agressor, na maioria das vezes, é uma pessoa aparentemente normal, até mesmo querida
pelas crianças.

• O abusador é quem comete a violência sexual, independentemente de qualquer transtorno de


personalidade. Podem ser os pais, os padrastos, os primos, os vizinhos, os professores, os pastores,
os padres, por exemplo.

• O espaço físico, onde ocorre a concretização do abuso é, com frequência, o da própria casa do
abusado ou mesmo em um local perto da casa da vítima ou do agressor.

• As vítimas e os agressores costumam ser, muitas vezes, do mesmo grupo étnico e socioeconômico.

• A pedofilia não ocorre predominantemente entre pessoas de baixo nível socioeconômico. Os níveis
de renda familiar e de educação não são indicadores de abuso.

Cabe destacar que a violência física sexual contra crianças e adolescentes, ao contrário do que o
senso comum entende, não é a mais frequente, pois a violência psicológica vem em primeiro lugar, por
meio de ameaças e/ou conquista da confiança e do afeto da criança. Essa violência psicológica não
somente antecede a prática da violência como também deixa sequelas.

Observação

O que é alarmante, no que diz respeito ao abuso sexual infantil, é que


o poder público toma conhecimento de um número bem menor de abusos
ocorridos do que o número real, principalmente quando há o envolvimento
de familiares, pois existe pouca probabilidade de que a vítima se manifeste,
seja por motivos afetivos, seja por medo do agressor.

87
Unidade II

Lembrete

As vítimas e os agressores costumam ser, muitas vezes, do mesmo grupo


étnico e socioeconômico.

Conforme Brandão e Gonçalves (2004), a violência contra a criança e o adolescente apresenta


algumas características, como:

• Depende de observação atenta.

• Os maus-tratos e a violência são encobertos pela criança ou adolescente, principalmente quando


são vítimas dos próprios pais ou parentes.

• O agressor e a vítima compactuam do silêncio.

• Tanto os maus-tratos quanto a violência devem ser desvendados no momento certo e com as
devidas precauções do profissional, o que é denominado fase da revelação.

• Parece que muitos agressores foram vítimas de violência em sua infância e adolescência e na fase
adulta reproduzem esse quadro.

• Muitos agressores são usuários de álcool e drogas.

Os autores ainda classificam a violência em quatro tipos:

• Física: com o objetivo de ferir, lesar ou destruir, deixando ou não marcas.

• Sexual: consiste em todo ato sexual ou jogo, tem por intenção estimulá-la sexualmente ou
utilizá-la para obter satisfação sexual. Pode variar desde atos em que não se produz o ato sexual
até diferentes ações que incluem contato sexual visando lucros, como é o caso da prostituição e
da pornografia.

• Negligência: omissões dos pais ou de outros responsáveis pela criança ou adolescente (inclusive
instituição), quando deixam de prover as necessidades básicas para o seu desenvolvimento físico,
emocional e social.

• Psicológica: trata a forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, cobranças


exageradas, punições humilhantes e utilização da criança/adolescente para atender as necessidades
psíquicas do adulto. É um dos mais difíceis de serem identificados.

88
PSICOLOGIA JURÍDICA

Complementando com Siqueira, Jaeger e Kruel (2013, p. 110):

O abuso sexual é compreendido como todo ato ou jogo sexual,


relação heterossexual ou homossexual cujo agressor está em estágio
de desenvolvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o
adolescente. Tem por intenção estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para
obter satisfação sexual. Estas práticas eróticas e sexuais são impostas à
criança ou ao adolescente pela violência física, por ameaças ou pela indução
de sua vontade. Podem variar desde atos em que não exista contato sexual
(voyeurismo, exibicionismo), até os diferentes tipos de atos com contato
sexual sem ou com penetração.

6.3 O adolescente infrator

Figura 19

Disponível em: https://bit.ly/3EEAVEX. Acesso em: 24 fev. 2023.

O ECA determina que o adolescente infrator não receberá uma pena, e sim uma medida
socioeducativa.

Nesse sentido, o adolescente infrator passa a ser inimputável, porém não fica impune.

Entre as medidas socioeducativas, destaca-se o art. 112 do ECA, que dispõe do grupo de medidas
em meio aberto, entendidas como não privativas de liberdade, compostas de advertência, reparação do
dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Ainda, no grupo de medidas privativas
de liberdade, incluem-se a semiliberdade e a internação em estabelecimento educacional.

89
Unidade II

Como destaca Messa (2010):

Ato infracional é a ação tipificada como contrária à lei que tenha sido
efetuada pela criança ou adolescente, sendo que todos os menores de 18 anos
são inimputáveis e não poderão ser condenados a penas. Recebem um
tratamento legal diferente dos réus imputáveis, como medidas de orientação,
apoio e acompanhamento temporários, frequência obrigatória em ensino
fundamental, requisição de tratamento médico e psicológico, entre outros
(MESSA, 2010, p. 59).

Observação

O ato infracional cometido pelo adolescente pode ser entendido como


uma tentativa de existir e de pertencer, de fazer parte do mundo, como se
através da transgressão o adolescente pudesse ser reconhecido e acolhido,
seja pelo sistema jurídico, seja pela assistência social (MESSA, 2010).

Para Castro (apud MESSA, 2010, p. 59):

[...] a trajetória de vida destes adolescentes, via de regra, é marcada por


uma sucessão de faltas e de exclusões. Repete-se, então, a fragilidade
das referências familiares, o uso abusivo de drogas lícitas e ilícitas pelos
familiares, o convívio com famílias substitutas, maus-tratos, negligências
relativas à educação e saúde, trabalho infantil, dentre outras situações.

Nesse sentido, Pinheiro (2016) destaca a importância da família:

É no seio da família que se instalam os valores, os costumes, os modelos de


conduta, os fundamentos, enfim, os comportamentos da pessoa que refletirão
no futuro e na postura do indivíduo perante a sociedade e, consequentemente,
na prática ou não de atos delituosos (PINHEIRO, 2016, p. 124).

Lembrete

O ECA determina que o adolescente infrator não receberá uma pena, e


sim uma medida socioeducativa.

90
PSICOLOGIA JURÍDICA

Resumo

Inicialmente, destacamos nesta unidade que a estrutura da família e


seu conceito foram se desenvolvendo ao longo da história humana.

Muitos autores têm analisado o papel da família no que tange à sua


importância na construção do indivíduo em muitos aspectos, como:
emocionais, intelectuais, sociais e interacionais.

No antigo Código Civil brasileiro (1916), observa-se que o pai aparecia


como a figura dominante da família, cabendo-lhe o pátrio poder (chefe
da sociedade conjugal), resultando na denominação de família tradicional.
Essa família era constituída de pai, de mãe e de filhos, gerada pelo casamento.
Na antiga legislação civil, a lógica era de natureza patriarcal (hierárquica na
sua constituição). Nesse sentido, a mulher casada é vista como parcialmente
incapaz. A incapacidade feminina refletia-se, por exemplo, na criação dos
filhos, em especial dos filhos homens. Era impossível imaginar a separação
do casal e, quando ocorria, buscava-se investigar o culpado pelo fracasso do
casamento. Portanto, a família era um código moral assimétrico sexual,
perdendo sua configuração durante o século XX.

Após a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, muitos homens morreram


na guerra, possibilitando, mundialmente, que as mulheres assumissem postos
de comando. Com a invenção de meios anticoncepcionais mais seguros, a
emancipação feminina desponta, tornando as mulheres mais independentes,
encarando com mais facilidade uma eventual separação do casamento.
Esse contexto possibilita novas formas de convívio familiar, dando lugar à
família nuclear.

A Constituição Federal de 1988 contempla essas mudanças, quando


esboça nos artigos 226 e seguintes a nova família que está sob a
proteção da lei. Ela pode ser biparental, constituída por casamento ou
união estável, de natureza heterossexual ou homossexual.

A Constituição reconhece, igualmente, a família monoparental,


constituída por um dos pais e seu(s) filho(s). Portanto, a lei brasileira permite
a constituição e reconstituição livre da família, não mais obrigada a seguir
um único modelo previsto em lei.

Diante disso, o pátrio poder cede lugar ao poder familiar: a uma forma
mais igualitária de gerir a família.

91
Unidade II

O Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 2003, prevê a igualdade


dos cônjuges, admitindo a dissolução da sociedade conjugal. Além disso,
prognostica, apesar da separação do casal, a manutenção do vínculo de
pais e filhos pela guarda compartilhada ou não.

Com relação à guarda dos filhos, ela pode ser realizada de três
maneiras: a guarda única ou exclusiva; a guarda compartilhada e a guarda
alternada. A guarda única ou exclusiva (conferida a só um dos genitores)
passou a ser insatisfatória para atender as necessidades e interesses dos
pais e principalmente dos filhos.

A fim de contribuir com o desenvolvimento saudável dos filhos de pais


separados, surge a proibição da alienação parental, caracterizada pelo ato
de afastar o filho do pai ou da mãe, conduta proibida por lei. A justiça
brasileira possibilita a intervenção nos casos em que ela ocorre.

A violência doméstica foi reconhecida apenas na década de 1990


pela OMS. Ela pode ser física, sexual ou psicológica, cometidas por
parceiros íntimos.

Com relação à violência feminina, observa-se que é preferencialmente na


própria casa que as mulheres correm o risco de serem agredidas, estupradas,
ameaçadas e mortas, vivenciando um ambiente cercado de medo, de dor
e de silêncio. Essa situação pode resultar em relações patológicas que se
retroalimentam em decorrência de uma progressiva onda de violência
carregada de ódio e rancor, por exemplo.

A violência contra a mulher pode ser classificada em: física, psicológica


e cíclica.

A Lei Maria da Penha (Lei n. 1.1340/2006) originou-se de um caso


verídico. Maria da Penha é o nome de uma senhora que sofria agressões
do marido, que por duas vezes tentou matá-la. Diante dessa realidade, a
vítima lutou para conseguir que fosse promulgada a lei (ocorrida em 2006),
que, além de punir o agressor dos crimes cometidos no lar, procura fazer
com que esses crimes não aconteçam ou não sejam facilitados.

Devido aos altos índices de crimes cometidos contra a mulher, houve


a necessidade de leis que tratassem desse tipo de crime. Diante dessa
realidade, surge, em 2015, a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15), que alterou
o Código Penal brasileiro, incluindo, dessa forma, como qualificador do
crime de homicídio o feminicídio. A lei aplica-se nos casos de violência
doméstica ou familiar e quando houver menosprezo ou discriminação
contra a condição de mulher.
92
PSICOLOGIA JURÍDICA

O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher pelo fato de ela


ser mulher, ou seja, ele é motivado pela discriminação de gênero.

A violência se configura, basicamente, de três formas: violência velada,


que engloba o assédio moral e o assédio sexual; a violência doméstica e a
violência intrafamiliar.

O assédio moral envolve qualquer comportamento abusivo e repetitivo


que afeta a plenitude física ou psíquica de uma pessoa, em especial no
ambiente de seu trabalho. Por se tratar de uma violência velada devido
a seu caráter invisível, subjetivo, dificulta a sua constatação para uma
posterior penalização.

Uma outra categoria de violência velada diz respeito ao assédio sexual,


que compreende uma conduta relacionada à sexualidade que acomete o
espaço de uma outra pessoa, sem pedir permissão. Esse assédio ocorre em
diferentes ambientes: trabalho, relações de docência; relações domésticas;
religiosas ou de confiança. Frequentemente, é cometido por pessoas que
apresentam condição hierárquica de superioridade do emprego, do cargo
ou da função. O assediador faz uso de propostas inadequadas, causando
embaraço e constrangimento para a vítima.

A denominada violência doméstica se diferencia da violência intrafamiliar


por envolver outros membros do grupo, aqueles que não têm função parental,
mas que convivem no espaço doméstico, como empregados, agregados,
por exemplo.

Espera-se em uma separação conjugal, em condições não litigiosas, que


ela se torne uma possível solução para todos os envolvidos. No entanto,
quando a separação é de natureza litigiosa, percebemos, em muitos casais,
uma série de dificuldades para reorganizar suas vidas e de administrar
as suas responsabilidades perante os filhos. Se as dificuldades não são
resolvidas, poderão desencadear distúrbios emocionais, em especial, nos
filhos do casal.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n. 8.069/90) e a


Constituição Federal de 1988 (art. 227) enfatizam a proteção integral
às questões relacionadas à infância, destacando o interesse da criança em
qualquer situação.

Independentemente das teorias psicológicas, todas de alguma forma


concordam e dão importância à infância. A infância deve ser compreendida
e inserida em um contexto cultural, em que a criança se desenvolve e inicia
o estágio de formação de sua personalidade. Portanto, a infância é uma
93
Unidade II

construção cultural. O significado do que é ser criança vai se diferenciando


no decorrer do tempo, como ocorre com o conceito de família, que,
igualmente, pode variar com o tempo.

Hoje, a criança é vista como uma cidadã, um ser humano com direitos
que devem ser respeitados. No contexto jurídico, ela necessita de atenção,
configurada em uma rede de proteção: do Estado, da sociedade, da família.

A adoção é um processo que deriva quando da impossibilidade dos pais


biológicos de criarem seus filhos e pela disponibilidade de outras pessoas
de cuidarem dessas crianças.

Não é difícil compreender o quanto a ruptura com as pessoas


importantes e a institucionalização passam a ser fatores de risco para o
desenvolvimento dessas crianças, cujos pais não as querem, não podem ou
foram destituídos do poder de permanecer com elas. Muitas dessas crianças
desconhecem, inclusive, alguns dados da própria história.

O desenvolvimento inadequado pode produzir comprometimentos


psicológicos e de relacionamentos, dificultando o aparecimento de vínculos
afetivos. Dessa forma, a adoção passa a ser uma alternativa com o intuito
de a criança reconstruir sua identidade.

Vimos que a palavra pedofilia é de origem grega e significa “amar ou


gostar de crianças”. Portanto, o termo, na concepção original, estava ligada
a um sentimento nobre e positivo (PINHEIRO, 2016). Somente no século XIX
é que o termo pedófilo surge como adjetivo para designar a atração sexual
de adultos por crianças ou a prática efetiva de sexo com meninos ou
meninas. O Código Penal e o ECA não preveem redução de pena ou da
gravidade do delito se for comprovado que o abusador é pedófilo.

O ECA determina que o adolescente infrator não receberá uma pena,


e sim uma medida socioeducativa. Nesse sentido, o adolescente infrator
passa a ser inimputável, porém não fica impune.

Entre as medidas socioeducativas, destaca-se o art. 112 do ECA, que


dispõe do grupo de medidas em meio aberto, entendidas como não privativas
de liberdade, compostas de advertência, reparação do dano, prestação de
serviços à comunidade e liberdade assistida. Ainda, no grupo de medidas
privativas de liberdade incluem-se a semiliberdade e a internação em
estabelecimento educacional.

94
PSICOLOGIA JURÍDICA

Exercícios

Questão 1. O Código Civil de 2002 pressupõe a igualdade dos cônjuges na responsabilidade de


criação dos filhos. Prevê também, quando da dissolução da sociedade conjugal, a manutenção do vínculo
de pais e filhos. Nesse sentido, é incorreto afirmar:

A) O pátrio poder dá lugar ao poder familiar.

B) A alienação parental é um fato esperado e permitido.

C) O novo código prevê a manutenção do vínculo entre pais e filhos.

D) Proíbe o ato de afastar o filho do pai ou da mãe.

E) A família pode ser biparental ou monoparental.

Resposta correta: alternativa B.

Análise da questão

A alienação parental não é permitida pela legislação brasileira, uma vez que proíbe o ato de afastar
o filho do pai ou da mãe.

Questão 2. Assinale a alternativa correta com relação à pedofilia e ao abuso sexual:

A) Não há a possibilidade de diferenciarmos pedofilia de abuso sexual.

B) A pedofilia não pode ser entendida a partir de um diagnóstico clínico, pois trata-se de um crime.

C) A pessoa que abusa sexualmente de menores de idade é inimputável perante a lei.

D) Nem todo pedófilo é um abusador sexual.

E) O Código Penal e o ECA preveem redução de pena para o pedófilo abusador.

Resposta correta: alternativa D.

Análise da questão

Nem todo pedófilo é um abusador sexual. A alternativa A está incorreta, pois é possível diferenciarmos
pedofilia de abuso sexual. A alternativa B está incorreta, pois é possível entender a pedofilia a partir de
um diagnóstico clínico. A alternativa C está incorreta, pois o abusador é imputável. E a alternativa E está
incorreta, pois o ECA não prevê redução de pena para o pedófilo.

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