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A conversão da união estável em casamento e a dispensa de pacto

antenupcial em caso de manutenção do regime vigente durante a


convivência

Letícia Franco Maculan Assumpção


quarta-feira, 13 de março de 2024

INTRODUÇÃO

O Provimento 141/23 da Corregedoria do CNJ1 veio regulamentar as disposições da lei


14.382/22 relativas à união estável, trazendo muitas inovações. No presente artigo
trataremos da questão da exigência ou não de pacto antenupcial quando da conversão da
união estável em casamento, apresentando decisão proferida pela MMª juíza da Vara de
Registros Públicos de Belo Horizonte/MG.

Sobre a escolha do regime de bens que vigorará no casamento, o Código Civil estabelece
a necessidade de pacto antenupcial quando a escolha do casal for de regime de bens
diverso do legal. O regime legal no Brasil desde a lei do divórcio, que entrou em vigor
em 27/12/77, é a comunhão parcial de bens, podendo ser o caso também de a lei
estabelecer a separação obrigatória de bens.

Ambos, comunhão parcial de bens e separação obrigatória de bens são regimes que
decorrem da lei, logo, dispensam o pacto, devendo ainda ser considerado que, para o
maior de 70 anos de idade, poderá ser lavrado pacto antenupcial ou escritura ou termo
declaratório de união estável afastando o regime da separação de bens, tendo em vista o
Tema 1.236 da repercussão geral do STF.2

O PACTO ANTENUPCIAL NA CONVERSÃO DA UNIÃO ESTÁVEL EM


CASAMENTO

O Código Civil determina que poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por
qualquer regime de bens, sendo que, quanto à forma, será reduzida a termo a opção pela
comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública nas demais
escolhas. Já no art. 1.653, o Código estabelece que é nulo o pacto antenupcial se não for
feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento.
O tema abordado neste artigo envolve a conversão da união estável em casamento,
procedimento no qual a celebração é dispensada e que tem por fundamento legal o
disposto no art. 226, § 3º, da Constituição da República, segundo o qual, para efeito da
proteção do Estado, é reconhecida a união estável como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento. A determinação constitucional foi regulamentada
pelo art. 8º da lei 9.278/96 e pelo art. 1.726 do Código Civil.

A forma administrativa de conversão da união estável em casamento, que se dá mediante


requerimento feito pelos conviventes ao Oficial do Registro Civil, não foi disciplinada
pelo Código Civil, mas a lei 9.278/96 não foi revogada no que se refere ao procedimento
administrativo, razão pela qual permanece a opção.

DA NÃO EXIGÊNCIA DE PACTO ANTENUPCIAL QUANDO FOR MANTIDO O


REGIME DE BENS EXISTENTE DURANTE A UNIÃO ESTÁVEL

No que se refere à conversão da união estável em casamento, o Provimento 141/CNJ,


hoje 149/CNJ, inovou, dispensando em certos casos o pacto antenupcial. O mencionado
provimento estipulou que a "conversão da união estável em casamento implica a
manutenção, para todos os efeitos, do regime de bens que existia no momento dessa
conversão, salvo pacto antenupcial em sentido contrário."

Foi esclarecido pelo Provimento do CNJ que somente será exigido pacto antenupcial
quando na conversão for adotado "novo regime, salvo se o novo regime for o da
comunhão parcial de bens, hipótese em que se exigirá declaração expressa e específica
dos companheiros nesse sentido". Entendemos que a mesma regra da comunhão parcial
se aplica aos casos de separação obrigatória de bens, ou seja, os nubentes manifestarão
ciência, em termo, de que o regime legal está sendo aplicado.

O Provimento do CNJ ordena que o regime de bens a ser indicado no assento de conversão
de união estável em casamento, quando a opção for por manter o mesmo regime escolhido
quando da união estável e esse regime for diverso do legal, deverá ser o mesmo
consignado em um dos títulos a seguir indicados: I - sentenças declaratórias do
reconhecimento da união estável; II - escrituras públicas declaratórias de reconhecimento
da união estável; III - termos declaratórios de reconhecimento de união estável
formalizados perante o oficial de registro civil das pessoas naturais. Assim, desde a
publicação do Provimento 141/CNJ, cujas disposições atualmente estão o Provimento
149/CNJ, somente esses três títulos são hábeis a definir o regime de bens na união estável
e, muito importante ressaltar, esses títulos têm força de pacto antenupcial quando o regime
de bens escolhido na convivência tiver sido diverso do regime legal e os nubentes optarem
pela manutenção do regime no casamento.
Somente se houver opção, após a conversão da união estável em casamento, por outro
regime, diferente, pois, daquele que vigorou na união estável, deverá ser lavrado pacto
antenupcial, sendo recomendada pelo provimento a partilha de bens.

Caso concreto foi apresentado à exma. sra. juíza da Vara de Registros Públicos de Belo
Horizonte. Um casal que já vivia em união estável e que já tinha, por escritura pública,
definido que o regime naquela união seria o da separação consensual de bens, requereu
que, na conversão, fosse mantido o mesmo regime, sem apresentar pacto antenupcial. Foi
suscitada dúvida pelo Registrador Civil, posto que o atual Código de Normas de Minas
Gerais ainda exige o pacto antenupcial. A MMª juíza, em decisão publicada em 20/6/23,
interpretando o Provimento do CNJ, proferiu a seguinte sentença3:

É certo que o Código Civil estabelece a obrigatoriedade de realização de pacto


antenupcial no caso de opção dos nubentes por regime de bens diverso do legal, o que
aqui se verifica.

Todavia, não há como ignorar que, em face da edição da lei 14.382/22, que tratou da
conversão da união estável em casamento, o CNJ publicou o recente Provimento 141,
justificando-o, dentre outros motivos, para "facilitar aos companheiros a declaração de
existência da união estável, a sua conversão em casamento", estabelecendo, de forma
clara e objetiva que:

Art. 9º-D. O regime de bens na conversão da união estável em casamento observará os


preceitos da lei civil, inclusive quanto à forma exigida para a escolha de regime de bens
diverso do legal, nos moldes do art. 1.640, parágrafo único, da lei 10.406/02 (Código
Civil).

§ 1º A conversão da união estável em casamento implica a manutenção, para todos os


efeitos, do regime de bens que existia no momento dessa conversão, salvo pacto
antenupcial em sentido contrário.

§ 2º Quando na conversão for adotado novo regime, será exigida a apresentação de pacto
antenupcial, salvo se o novo regime for o da comunhão parcial de bens, hipótese em que
se exigirá declaração expressa e específica dos companheiros nesse sentido.

Ora, a regulamentação previu que somente será exigido pacto antenupcial no caso de
conversão de união estável em casamento "se for adotado novo regime" e se não for ele
o legal - comunhão parcial de bens. No caso em tela, os nubentes firmaram escritura de
união estável em 11/4/23 e nela estabeleceram como regime da relação deles o da
separação e bens, pretendendo, agora, manter o mesmo regime, de modo que, nos termos
daquele Provimento, não se faz mesmo necessário firmar o pacto, já que não estão
alterando o regime anteriormente estabelecido.

Aliás, seria mesmo muito preciosismo e um ônus desnecessário para o cidadão, obrigá-lo
a firmar escritura pública para nela estabelecer o que já está estabelecido em idêntico
instrumento.

É certo que a ausência do pacto poderia acarretar problemas futuros em especial no caso
de transação imobiliária pelos nubentes, mas, para tal, basta a informação no assento de
casamento de que o pacto foi suprido, nos termos do art. 9º-D, do Provimento 141/23 do
CNJ, pela escritura pública de união estável.

CONCLUSÃO

Perfeita a sentença que, reconhecendo a exceção prevista na norma expedida pela


Corregedoria do CNJ, afastou a necessidade de pacto antenupcial apenas no caso da
conversão da união estável em casamento em que mantido o regime anterior, diverso do
regime legal, escolhido por título qualificado4 durante a união estável.

Portanto, desde a publicação do Provimento 141/CNJ e atualmente na vigência do


Provimento 149/CNJ, nas hipóteses em que na união estável já existir um dos três títulos
qualificados previstos naquele Provimento, fixando regime de bens diverso do legal, e o
casal pretender manter esse mesmo regime quando da conversão da união estável em
casamento, não será necessária a lavratura de pacto antenupcial. Como bem afirmou a
MMª juíza da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte/MG, o pacto foi suprido,
pelo título no qual foi escolhido regime de bens para a união estável.

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1 O referido Provimento foi revogado em setembro 2023 tendo em vista o surgimento do


novo Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho
Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial (CNN/ CN/CNJ-Extra), Provimento nº 149, mas
o conteúdo das suas normas permanece o mesmo, somente compiladas no novo Código
Nacional.
2 Para aprofundamento ver artigo de nossa autoria disponível em:
https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/401508/a-
separacao-obrigatoria-para-o-maior-de-70-anos-nao-e-mais-obrigatoria

3 Na sentença são mencionados os artigos do Provimento 37/CNJ, pois a decisão foi


proferida antes da publicação do Provimento nº 149/CNJ

4 Os títulos qualificados são: sentença judicial, escritura pública lavrada por tabelião de
notas ou termo declaratório lavrado perante registrador civil das pessoas naturais.

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