Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
693 A 699)
11.1Introdução
Os arts. 693 a 699 do CPC/2015 trazem as regras que deverão ser aplicadas exclusivamente às
demandas mencionadas, quando contenciosas (ou não consensuais), ressalvando-se as
disposições estabelecidas em leis especiais.
Até 1977, no Brasil, o casamento válido somente se extinguia, ou, em outras palavras, o vínculo
conjugal somente se dissolvia, pela morte (art. 315, parágrafo único, do Código de 1916). Isso
porquanto a Constituição vigente, como todas as anteriores, consagrava a indissolubilidade do
casamento. Admitia-se apenas o rompimento da sociedade conjugal, com a manutenção do
vínculo, o que era possível por meio do desquite (art. 315, III, do Código Civil anterior). Com o
desquite, autorizava-se a separação dos cônjuges, e se extinguia o regime de bens (art. 322).
Todavia, os cônjuges permaneciam casados. Por conseguinte, podiam se relacionar com
terceira pessoa, sem que isso caracterizasse adultério, mas não podiam casar novamente.
O vocábulo “desquite” (de “não quite”) surgira com o Código de 1916, em substituição à
palavra “divórcio”, usada pelo Decreto nº 181/1890, com o intuito de distinguir o instituto
brasileiro, que não extinguia o casamento, do instituto representado pela palavra “divórcio” em
outros ordenamentos, o qual extinguia o vínculo conjugal.
Deve-se, contudo, compatibilizar os preceitos do Código Civil com o novo texto constitucional,
evitando-se contradições não toleráveis. Assim, seja na separação judicial (litigiosa ou
consensual), seja na extrajudicial, impõe-se levar em consideração as seguintes situações:
•Não mais persiste o requisito temporal de um ano de casamento para o pedido de separação
judicial por mútuo consentimento (art. 1.574 do CC): se o divórcio pode ser requerido de
imediato, não há motivos para se dificultar a decretação da separação, ainda mais havendo
consentimento de ambos os cônjuges.
•Não cabe a invocação de culpa como fundamento da separação judicial, ou para a negativa
desta, isto é, a discussão de culpa como motivo para a separação judicial não encontra mais
substrato de validade no ordenamento brasileiro, porque não há utilidade em se definir quem
deu causa à ruína do casamento. A facilitação da dissolução do casamento determinada pela
EC nº 66/2010 sobrepõe-se ao regramento civil de imputação de culpa.
Aliás, nos parece que foi esse o entendimento adotado pelas 3ª e 4ª Turmas do STJ (processo
em segredo de justiça). Conforme julgamentos noticiados, ambas as Turmas consideraram a
permanência da separação judicial em nosso ordenamento (decisões de março e setembro do
ano de 2017172).
Em relação à imputação de culpa, faz-se necessária uma ressalva: não se pode afirmar,
definitivamente, que a supressão desse requisito subjetivo para a separação judicial tenha
extirpado a apreciação da culpa em todas as questões relativas ao casamento.
Ainda que a culpa não seja mais elencada como motivo para a decretação da separação, é
preciso considerar que permanecem hipóteses em que a culpa poderá ser avaliada, como na
anulação do casamento por vício de vontade de algum dos contraentes. Nesse caso, a culpa
deve ser aferida para verificar a ocorrência de coação ou de erro essencial sobre a pessoa do
outro cônjuge. Nessa linha, é importante lembrar que o reconhecimento de culpa de um dos
cônjuges na anulação do casamento conduz à perda das vantagens havidas do cônjuge
inocente e ao dever de cumprimento das promessas constantes no pacto antenupcial (art.
1.564 do CC). Permite-se, ainda, a discussão acerca da culpa no que tange ao dever de prestar
alimentos (art. 1.704 do CC).
Conquanto disponha o art. 329, I, do CPC/2015 que depois de realizada a citação é defeso ao
autor modificar o pedido ou a causa de pedir sem o consentimento do réu, essa disposição não
pode ser invocada com a finalidade de inadmitir a conversão das separações em andamento
em ações de divórcio. Tendo havido a modificação da própria base jurídica de sustentação do
pedido, os princípios da instrumentalidade e efetividade, aliados ao princípio da adequação,
proclamam a necessidade de se abrir espaço para as mencionadas alterações.
Não se há de admitir, por certo, como querem alguns, a extinção dos processos que objetivem
a separação judicial, por se tratar de verdadeiro contrassenso a adoção de tal medida, máxime
diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Assim, em todos os processos de
separação, sejam litigiosos ou consensuais, deve o juiz facultar às partes a adequação da causa
de pedir ou do próprio pedido.
Ainda que os litigantes ou interessados quedem-se inertes, não poderá o juiz proceder à
extinção do processo sem julgamento de mérito. Entretanto, no julgamento do pedido
formulado não se levará em conta a culpa e o requisito temporal eventualmente invocados na
petição inicial ou na resposta. Assim, se um dos cônjuges pediu separação judicial com base na
culpa do outro consorte, não se levará em conta esse fundamento. Por outro lado, se o cônjuge
réu, na contestação, invocou a falta de requisito temporal para o divórcio, não se levará em
conta esse argumento da defesa.
De qualquer forma, no caso específico sob análise, deve o Tribunal aplicar o direito vigente no
dia do julgamento. É que, no caso específico que estamos a tratar, não se está a cogitar se o ato
(casamento) foi praticado ou não de acordo com estas ou aquelas regras. Em suma, não se está
a perquirir se o ato (do casamento) é ou não perfeito, ou seja, se foi ou não praticado de
acordo com o direito regente à época da celebração. O que se está a verificar é a causa
justificadora para a rescisão do casamento ou da cessação de alguns de seus efeitos, no caso de
separação judicial. E, nesse caso, porque se trata de requisitos para a dissolução do casamento,
devem ser averiguados à luz do direito vigente à época do ato judicial que o dissolve ou faz
cessar determinados efeitos.
Na separação litigiosa, a dissolução da sociedade conjugal era pedida por um dos cônjuges em
virtude da conduta do outro. Nessa espécie, perquiria-se, essencialmente, sobre o elemento
culpa, o que não mais se admite. A doutrina mais abalizada já repudiava com veemência a
discussão em juízo sobre a culpa, sob o fundamento de que todo indivíduo é livre para se casar
e permanecer ou não casado, pelo que se afigurava desarrazoado exigir a comprovação da
conduta culposa do consorte. Tratava-se de ranço da indissolubilidade matrimonial, em boa
hora extirpado pela EC nº 66/2010.
Assim, caso um dos cônjuges queira a separação de direito (extrajudicial, por exemplo) e/ou
outro não se aquiesça com essa providência, resta a ele, que não mais pretende permanecer
vinculado aos deveres do casamento, pouco importando a razão, propor demanda de
separação judicial, necessária diante da existência de conflito. Não se discutirá culpa, nem se
analisarão requisitos de ordem temporal. A única diferença em relação ao divórcio consistirá
nos efeitos da sentença, que não terão aptidão para dissolver o casamento, efeito próprio do
divórcio, mas tão só a sociedade conjugal, podendo o vínculo ser refeito, havendo
reconciliação, pela simples averbação em cartório.
Na hipótese de o cônjuge réu (em ação de separação judicial) preferir o divórcio, poderá ele
formular esse pedido em reconvenção, uma vez que há relação de continência entre as
pretensões de divórcio e de separação judicial, ou interpor demanda autônoma, que será
distribuída e apensada aos autos da separação judicial, para julgamento simultâneo. Frise-se
que, julgando-se procedente o pedido de divórcio, o de separação judicial restará prejudicado.
Não poderá o cônjuge autor (da ação de separação judicial) se opor ao pedido de divórcio,
porque este tem abrangência maior, eis que, sob o influxo do art. 226, § 6º, da CF, por si só,
tem força suficiente para dissolver o casamento. Isto é, não poderá o cônjuge que propôs a
ação de separação judicial alegar incabível a formulação do pedido de divórcio pelo outro
consorte, não obstante possa manejar os meios de defesa que entender necessários. O mero
fato do ajuizamento prévio da ação de separação não obsta o pleito do divórcio.
Ao revés, se a ação ajuizada em primeiro lugar é de divórcio, faltará ao outro cônjuge interesse
processual para intentar a ação de separação judicial, uma vez que os efeitos alcançados com
aquele abrangem os que poderiam ser obtidos com esta. Nessa hipótese, deve-se extinguir o
processo referente à ação de separação judicial sem julgamento do mérito, por falta de
interesse de agir, com base no art. 485, VI, do CPC/2015. Nada obsta, obviamente, que, com a
aquiescência das partes, o pedido de divórcio seja transmudado para separação judicial e vice-
versa.
Em resumo, pode-se dizer que não há mais requisitos para a separação judicial, o que ocorre
igualmente com o divórcio, fato que limita consideravelmente a defesa de mérito do cônjuge
réu em qualquer uma das duas ações. Por outro lado, o ajuizamento de uma ação de separação
judicial por um dos cônjuges não impede que o cônjuge réu formule pedido de divórcio, em
reconvenção ou em ação autônoma.
O divórcio judicial litigioso também se caracteriza pela ausência de acordo entre os cônjuges,
seja em relação à própria dissolução do casamento, seja com referência a questões essenciais a
serem definidas, como a guarda dos filhos, o cabimento e o quantum da pensão alimentícia e a
partilha dos bens comuns. Frise-se que, na hipótese de a divergência referir-se tão somente à
partilha, podem os cônjuges submetê-la a processo autônomo, segundo o rito do inventário e
partilha.
Observe-se, por outro lado, que se no divórcio litigioso houver ofensas ou danos morais a
ensejarem indenização, tais fatos devem ser discutidos em processo próprio, em atenção às
regras ordinárias de responsabilização civil, e não nos autos do procedimento do divórcio, que
possui finalidade própria e exclusiva.
Porque se trata de ação personalíssima, não se atribui legitimidade ad causam a ninguém além
dos próprios cônjuges. E assim o é porque, na qualidade de únicos integrantes da sociedade
que pretendem extinguir – a sociedade conjugal –, somente eles podem formular a pretensão
terminativa em juízo. Aliás, quem mais além dos próprios cônjuges seria capaz de avaliar a
conveniência de manter a vida em comum e o grau de suportabilidade da convivência dia a
dia?
11.3.2Contestação
A discussão sobre a culpa constituía a principal alegação de defesa nas ações de separação
judicial. Em razão de não mais se admitir discussão sobre a culpa, tampouco sobre qualquer
aspecto temporal, reduziu-se, sobremaneira, o campo de defesa. Para se separar de direito ou
divorciar, basta que os cônjuges estejam casados.
Em preliminar, o requerido poderá alegar todas as matérias previstas no art. 337. Se o autor, na
petição inicial, apresenta plano de partilha dos bens, ao réu caberá, na contestação, apresentar
também o seu esboço, a menos que concorde com a constante da inicial.
Em todos os casos, frise-se, é possível que o réu se oponha aos pedidos eventualmente
formulados na inicial a respeito da guarda dos filhos e dos alimentos em favor do cônjuge.
11.3.3Reconvenção
Segundo disposto no art. 343, o réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a
reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.
Um dos cônjuges, não pretendendo pôr fim em definitivo ao vínculo matrimonial, pede
separação judicial. Como fundamento, invoca a existência do casamento e a inconveniência,
por perda da afetividade ou qualquer outro motivo, de permanecer unido ao outro cônjuge. O
cônjuge réu, também com base na inconveniência de permanecer unido à parte autora
(conexão com a causa de pedir), apresenta reconvenção, na qual postula não o desfazimento
da sociedade conjugal, mas sim a dissolução do vínculo conjugal (divórcio).
Como se vê, essa situação constitui uma hipótese de reconvenção na separação judicial
litigiosa. Um dos cônjuges almeja a providência menor (separação judicial) e o outro, com base
nos mesmos fatos, a providência mais ampla (divórcio). Julgado procedente o pedido de
divórcio, a pretensão referente à separação judicial será julgada prejudicada. A reconvenção, na
hipótese cogitada, além de estar em conformidade com o regramento procedimental, vai ao
encontro do princípio da instrumentalidade. No caso, nada justifica que a parte tenha que
ajuizar novo processo, sendo que pode alcançar o mesmo resultado com a reconvenção.
A toda evidência, se o cônjuge autor formulou pedido de divórcio, não há interesse processual
do outro cônjuge de, em reconvenção, pleitear separação judicial, uma vez que a providência
judicial que poderia resultar desse pedido está contida na outra, do divórcio, que é mais
abrangente.
Também não se cogita de reconvenção com base no mesmo pedido, o que era muito comum
no sistema revogado. Um dos cônjuges pleiteava separação judicial imputando a culpa ao réu;
o réu, por sua vez, em reconvenção, também formulava pedido de separação, todavia,
imputando a culpa à parte autora. Como o elemento culpa não mais pode ser erigido a causa
de dissolução, não há o mínimo interesse em se formular o mesmo pedido em reconvenção.
11.3.4Revelia
Como sabido, verificada a revelia, o sistema processual impõe dois efeitos: um de ordem
processual, consistente na não intimação do réu para os atos vindouros, salvo se tiver
advogado constituído nos autos, e outro de índole material – a presunção de veracidade das
alegações de fato formuladas pelo autor (art. 344).
Destaque-se que o efeito material não se aplicará quando a causa versar sobre direitos
indisponíveis, tal como disciplina o art. 345, II.
Para definir se o efeito material será aplicado nos procedimentos de dissolução matrimonial,
há que se perquirir se o casamento ostenta ou não o caráter de indisponibilidade.
No contexto da nova ordem constitucional, que retirou definitivamente do casamento o seu
caráter de indissolubilidade e rebaixou-o a apenas uma das formas possíveis de constituição
familiar, não se afigura mais razoável sustentar a indisponibilidade do vínculo matrimonial.
Ademais, a presunção de veracidade dos fatos alegados na inicial não deve ser aplicada de
forma irrestrita. A doutrina baliza a aplicação do art. 344, de maneira que a presunção de
veracidade somente deve ocorrer dentro do campo do razoável, do verossímil.
Cabe registrar, contudo, que o Superior Tribunal de Justiça vem rechaçando a possibilidade de
alteração do nome civil nos casos de divórcio em que há revelia. Por exemplo: se Ana adotou o
sobrenome do marido e este propôs ação de divórcio, mas Ana permaneceu revel, não será por
vontade do ex-marido que o sobrenome lhe será retirado. Tratando-se de direito da
personalidade, somente Ana pode manifestar-se expressamente pela alteração.174
11.3.5Tutelas provisórias
A convivência em família, sobretudo quando a base afetiva já ruiu, pode dar azo a discórdias e
agressões. Com o fito de proteger a pessoa e evitar conflitos que resultem em violência física
ou moral, o sistema processual brasileiro permite que o interessado pleiteie a proteção judicial
para a posterior ação de separação judicial ou de divórcio.
Como já visto, não há mais previsão de procedimento cautelar autônomo no atual CPC. Sendo
assim, a medida denominada “separação de corpos”, que desobriga o cônjuge do dever de
coabitação quando seu cumprimento se mostra impossível ou arriscado à sua integridade física
e moral, deverá ser pleiteada na forma do art. 305.
Frise-se que, mesmo diante das mudanças trazidas pela EC nº 66/2010 e daquelas introduzidas
pelo CPC/2015, a separação de corpos ainda constitui medida útil, porque destinada a evitar a
causação de violência de um cônjuge contra o outro. Não há razões para a utilização da
separação de corpos para permitir a chamada “saída autorizada” de um dos cônjuges ou para
viabilizar a fixação do termo inicial para a conversão da separação em divórcio. Resta ao
instituto, pois, a função de servir de instrumento de proteção de um dos cônjuges diante da
possibilidade de sofrer lesões físicas ou morais que poderiam ser perpetradas pelo outro.
Há quem considere necessária a prévia manifestação da parte contrária para evitar, por
exemplo, a prolação de decisões diversas sobre uma mesma questão. Para essa corrente, é
possível que a parte contrária já tenha promovido ação de divórcio em outra Comarca ou que
pretenda, na verdade, promover a anulação do casamento. Por essas razões, seria prudente
aguardar a citação. Para aqueles que defendem o “divórcio liminar”, se não há dúvidas sobre a
vontade do autor em relação ao fim da relação conjugal, é perfeitamente possível a
decretação, in limine litis, do divórcio, e, se houver discussões posteriores, elas ainda podem
ser resolvidas.
A concessão da tutela antecipatória seguirá o regime traçado no art. 300, estando, portanto, a
depender da verossimilhança das alegações, do fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação e, ainda, da ausência de perigo de irreversibilidade da medida (art. 300, § 3º).
Por fim, importa esclarecer que o “divórcio liminar” não se confunde com o denominado
“divórcio impositivo”, vedado pelo Conselho Nacional de Justiça. Em 2019, um provimento do
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco admitiu a realização de divórcio não consensual
pela via administrativa, bastando a manifestação de um dos cônjuges e a inexistência de filhos
incapazes ou nascituro. Assim, poderia o cônjuge obter o divórcio em cartório, sem a
necessidade de anuência do outro consorte, que deveria ser comunicado posteriormente
sobre a dissolução. Para o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), essa providência
extrajudicial confere maior efetividade à Constituição Federal, que passou a adotar o divórcio
sem a exigência de qualquer requisito prévio (EC 66/2010). O CNJ, contudo, proibiu o “divórcio
impositivo” em todo o país (Recomendação 36/2019), argumentando que os Tribunais de
Justiça não podem criar novas atribuições para os serviços extrajudiciais sem que haja previsão
legal expressa nesse sentido. De qualquer forma, há em tramitação um Projeto de Lei no
Senado Federal (PL 3.457/2019) que pretende regulamentar a matéria e já conta com parecer
favorável da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).175
11.3.6Sentença
Importante asseverar que, na separação, o casamento pode ser retomado a qualquer tempo,
haja vista que o vínculo conjugal não é desfeito por essa modalidade dissolutória.
Também podem ser objeto de modificação as disposições acerca da guarda dos filhos, direito
de visita e pensão alimentícia. Isso porque tais questões caracterizam-se pela dinamicidade e
transitoriedade. Logo, havendo mudança no contexto fático em que foram fixados os
alimentos, a guarda ou o regime de visitas, nada obsta o ajuizamento de nova ação tendo como
objeto especificamente um desses pontos. Com efeito, a causa de pedir e o pedido declinados
nessa nova demanda são diferentes daqueles deduzidos na primeira ação, razão por que não
há que se falar em violação à autoridade da coisa julgada nesse ponto.
Inexistindo possibilidade de discussão de culpa, não obstante o fato de o art. 1.578 do CC/2002
estabelecer que o cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de
usar o sobrenome do outro, essa hipótese não mais pode ser aplicada. Aliás, antes mesmo da
reforma constitucional, já se afirmava que a perda do sobrenome por motivo de culpa violava o
princípio da dignidade da pessoa humana, em virtude de o direito ao nome – identificação da
pessoa perante a sociedade – consistir em um dos aspectos inerentes à sua personalidade.
Como se vê, conquanto a legislação insistisse em atrelar o uso do nome à culpa pela dissolução
matrimonial, a perda do apelido tinha caráter excepcional e somente ocorreria se houvesse
oposição do cônjuge dito inocente. Essa disposição, no entanto, parece tão desarrazoada que
daqui a alguns anos causará espanto aos futuros estudantes, que hão de estranhar a aplicação
dessa regra, questionando-se a si mesmos como isso era possível no passado. Por certo, se se
vislumbra a pessoa como destinatária de um conjunto normativo voltado a garantir-lhe
dignidade, afronta esse raciocínio a possibilidade de decretação da perda do apelido pelo
cônjuge considerado culpado. Em última análise, a perda do nome configura forma dissimulada
de vingança, de retaliação pelo fim do relacionamento, o que de modo algum pode ser aceito
pela ordem jurídica.
Assim, pode-se dizer que o cônjuge, ainda que culpado pelo fim do casamento – se é que isso
pode ser aferido, principalmente por um terceiro, estranho à intimidade da relação –, não
perderá o direito ao nome, que constitui um direito da personalidade e que envolve a própria
dignidade humana.176 Ademais, como já adiantado em linhas anteriores, mesmo revel o
cônjuge não perde automaticamente esse direito.
Em outro caso, o STJ admitiu que a esposa voltasse a utilizar o nome de solteira ainda durante
a constância da sociedade conjugal. No caso concreto, por razões de ordem sentimental e
existencial, uma mulher pretendia retornar ao nome de solteira, sem, no entanto, divorciar-se
de seu cônjuge. Para solucionar o caso, a Min. Nancy Andrighi (REsp 1873918/ SP, 3ª Turma, j.
02.03.2021, DJe 04.03.2021) se valeu da interpretação extensiva do art. 1.565, § 1º, do Código
Civil, sustentando que o direito a acrescer não inviabiliza o direito de desistir desse mesmo
acréscimo, especialmente quando o pedido for devidamente justificado e houver baixo risco à
segurança jurídica ou ao direito de terceiros. No caso, a requerente demonstrou que o
patronímico do cônjuge se tornou protagonista de seu nome civil, em detrimento do seu
sobrenome familiar, causando-lhe dificuldades de adaptação. Ainda de acordo com a decisão,
havia inquietação justificada da autora em relação à perda de entes próximos, com a
possibilidade de esquecimento do sobrenome familiar.
11.4.2Os alimentos
No que tange aos feitos litigiosos, importante observar que, antigamente, a culpa pela
separação tinha o condão de afastar a obrigação alimentar. Não é difícil vislumbrar o absurdo
de tal regra, flagrantemente ofensiva à dignidade da pessoa humana, na medida em que pune
o indivíduo considerado culpado pelo insucesso da vida em comum, privando-lhe de verba de
caráter alimentar.
Mais tarde, o CC tratou de desvincular o dever de prestar alimentos da culpa pela separação,
de sorte que até mesmo aquele considerado culpado pela separação pode pleitear o
pagamento de pensão. Ocorre que, nesse caso, o valor do pensionamento há de ser reduzido
ao montante estritamente necessário à sobrevivência do alimentando, quando este não tiver
condições de trabalhar e inexistirem parentes capazes de prover o seu sustento (art. 1.704 do
CC).
Por outro lado, o consorte considerado inocente faz jus ao pensionamento em valor compatível
com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de educação (art. 1.694 do
CC).
Como se vê, não obstante a evolução no tratamento dado à matéria, o ranço da culpa ainda
impõe diferenças no que tange aos alimentos.
Mesmo com o advento da EC nº 66/2010, tem se considerado vigente o art. 1.704 do Código
Civil. Dessa sorte, o cônjuge culpado continuará a ser punido em termos alimentares e
somente receberá os alimentos mínimos à manutenção se não puder prover o próprio sustento
e nem tiver familiares que possam fazê-lo.
Assim, se houver descumprimento dos deveres do casamento (como fidelidade recíproca, vida
em comum, mútua assistência, consideração e respeito mútuos, dentre outros – art. 1.566 do
CC), a sanção terá lugar em matéria de alimentos. É que não se considera que o art. 1.704,
parágrafo único, do Código Civil tenha sido revogado ou alterado pela Emenda Constitucional.
Na ação de alimentos, há uma sanção ao cônjuge que descumpre seus deveres conjugais, qual
seja, a perda dos alimentos que lhe garantiriam a manutenção do padrão de vida até então
existente.179
O debate sobre a culpa, ressalte-se, ocorrerá na ação de alimentos em que os consortes são
partes, não afetando ou delongando a decisão relativa ao divórcio,180 ou, como temos
defendido, à separação judicial. Isto é, o divórcio (ou separação) pode ser decretado de
imediato, mas aos interessados será permitido discutir e buscar o reconhecimento da culpa
pelo fim do casamento para reduzir o encargo alimentar.
Importante salientar que o Superior Tribunal de Justiça tem dado especial atenção à questão
dos alimentos para ex-cônjuges, considerando a obrigação uma exceção à regra, que deve
incidir apenas quando configurada a dependência do outro ou a carência de assistência alheia
e, ainda, pelo prazo necessário para que o outro cônjuge adquira condições para prover a sua
própria manutenção. Ou seja, para o STJ, os alimentos possuem caráter excepcional e
transitório. Há quem entenda ser possível inclusive a prisão em razão do débito relacionado
aos alimentos entre ex-cônjuges ou companheiros. A posição é do Min. Luis Felipe Salomão,
mas não há consenso na jurisprudência. A propósito, a Min. Nancy Andrighi já se manifestou
em sentido contrário.
Mais recentemente, no RHC 117.996/RS, julgado em 02.06.2020, o Min. Marco Aurélio Bellizze,
da 3ª Turma do STJ, reforçou que a prisão civil do devedor de alimentos é medida drástica e
excepcional, admitindo-se, tão somente, quando imprescindível à subsistência do alimentado.
Para o Ministro, seguido pela unanimidade da Turma, “o inadimplemento do alimentos
compensatórios (destinados à manutenção do padrão de vida do ex-cônjuge que sofreu
drástica redução em razão da ruptura da sociedade conjugal) e dos alimentos que possuem por
escopo a remuneração mensal do ex-cônjuge credor pelos frutos oriundos do patrimônio
comum do casal administrado pelo ex-consorte devedor não enseja a execução mediante o rito
da prisão positivado no art. 528, § 3º, do CPC/2015, dada a natureza indenizatória e
reparatória dessas verbas, e não propriamente alimentar”.
Quando a sociedade conjugal ou a união estável termina, ou quando os pais não vivem juntos,
é necessário que se determine com quem permanecerá a guarda dos filhos menores ou
incapazes.182 A matéria aplica-se tanto aos casos de divórcio, separação judicial e dissolução
da união estável (art. 1.584, I, do CC) quanto aos casos de anulação ou declaração de nulidade
do casamento (art. 1.587 do CC).
Historicamente, somente se discutia o tema com relação ao fim do casamento, e a guarda era
atribuída ao cônjuge “inocente” – conceito discutido nos casos de desquite e de separação
judicial. Posteriormente, houve alterações na matéria, mas a guarda continuava sendo
predominantemente unilateral, ou seja, concedida a apenas um dos pais, cabendo ao outro o
direito de visita.
A partir da alteração promovida no Código Civil pela Lei nº 11.698/2008, a matéria ganhou
nova disciplina, com o estabelecimento da guarda compartilhada. Em 2014, a matéria ganhou
novíssima disciplina, com as alterações trazidas pela Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de
2014, a qual entrou em vigor na data da sua publicação, em 23 de dezembro de 2014. A nova
lei alterou os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil. Sobre o tema, conferir o item
11.6 deste Capítulo.
Nos procedimentos amigáveis, a questão atinente à guarda dos filhos deverá, necessariamente,
ser contemplada no acordo. A chancela judicial, contudo, estará a depender dos termos do
referido acordo, devendo-se atentar para os interesses do menor. De qualquer forma, a parte
despojada da guarda dos filhos terá direito à visitação, a ser definida pelos próprios consortes
em acordo ou pelo juiz (art. 1.589 do CC).
No entanto, vez que o Direito não tem meios para conduzir a vida privada das pessoas – nem
deve ter! –, sempre houve outras formas de vínculos conjugais, que não apenas o originado do
matrimônio.
No Brasil, apesar de o Código Civil de 1916 somente reconhecer a família formada pelo
casamento, um número assustador de ações pleiteando direitos em razão do rompimento de
um vínculo conjugal não oriundo do casamento levou a doutrina e a jurisprudência à
inescapável conclusão de que o Direito não podia fechar os olhos para a realidade social.
No entanto, muito faltava ainda a ser discutido. Como o leitor pode perceber, até mesmo o
constituinte foi tímido e infeliz na redação do dispositivo, primeiramente por especificar que a
união deveria ser “entre o homem e a mulher”, e, ademais, por ressalvar que a lei deveria
“facilitar sua conversão em casamento”. Ora, diante dos princípios da proteção da dignidade da
pessoa humana e da não discriminação, que servem de sustentáculo à Constituição, nem se
pode deixar de reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo, nem colocar o
casamento em posição privilegiada no rol das entidades familiares.
Em 1996, então, editou-se a Lei nº 9.278, cuja ementa assevera: “regula o § 3º do art. 226 da
Constituição Federal”. Em seis artigos apenas, a lei realmente esclareceu certos pontos, e
trouxe alguns avanços. Primeiramente, deixou de estabelecer prazo mínimo de convivência
para que se configure a união estável (art. 1º). No art. 2º, elencou os chamados “direitos e
deveres iguais dos conviventes”: respeito e consideração mútuos; assistência moral e material
recíproca; e guarda, sustento e educação dos filhos comuns. Além disso, estatuiu a presunção
de que o patrimônio adquirido onerosamente na constância da união estável o foi em
condomínio (art. 5º), o que instaurou um verdadeiro regime de comunhão parcial de bens na
união estável. Por fim, encerrou o debate sobre a competência, fixando a das varas de família,
para toda a matéria relativa à união estável (art. 9º da Lei).
Finalmente, em 2011, o Supremo Tribunal Federal deu mais um passo na disciplina jurídica da
união estável, reconhecendo como tal a união homoafetiva, dando à Constituição a
interpretação sistemática que lhe é devida: por mais que o art. 226, § 3º se refira à união entre
homem e mulher, a própria Constituição funda o Estado na proteção da dignidade da pessoa
(art. 1º, III), proíbe a discriminação (art. 3º, IV) e ainda equipara homens e mulheres em
direitos e deveres (art. 5º, I).
A tentativa conceitual do que se chama de união estável esbarra em um grave óbice: cuida-se
de um vínculo conjugal livre. Se, por um lado, o casamento se dá no plano jurídico – tanto o
casamento-ato quanto o casamento-estado são institutos do Direito –, por outro, a união
conjugal entre as pessoas, seja estável ou não, é um instituto fático-social, cuja existência
independe do Direito. Daí que o ordenamento pode determinar o que se deve entender por
casamento, mas não o que seja a união livre entre as pessoas. Aliás, se coubesse ao Direito
tratar da união não matrimonial como trata da matrimonial, seria preferível que se extinguisse
a diferença entre o vínculo conjugal oriundo de casamento e os demais.
Ficou a cargo do intérprete, então, distinguir a união considerada estável da não estável. Isso
foi feito pela doutrina e pelas Leis nº 8.971/1994 e 9.278/1996, bem como pelo Código Civil.
Lamentavelmente, no entanto, as caracterizações não chegaram a um consenso.
A Lei nº 9.278/1996, por sua vez, deixou de fazer referência à duração ou à existência de filhos,
bem como às pessoas cuja união poderia ser considerada estável (art. 1º). Passou-se a requerer
apenas o objetivo de constituição de família.
O Código Civil de 2002, por fim, conceituou o vínculo não matrimonial reconhecido como
entidade familiar como “a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência
pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família” (art.
1.723).
Ressalte-se que todas essas expressões – convivência pública, contínua e duradoura – são
abertas e genéricas, demandando análise caso a caso. Existem julgados, por exemplo, que
consideram desnecessária a existência de prole comum, de coabitação ou de prazo mínimo
para o reconhecimento, eis que, nos casos concretos, outras circunstâncias foram capazes de
demonstrar a necessidade de tutela da união como entidade familiar. Veja, a propósito, as
teses divulgadas pelo Superior Tribunal de Justiça, na Edição n. 50 da Jurisprudência em Teses,
especificamente sobre a caracterização da união estável:
(i)A coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável;
(iii) A existência de casamento válido não obsta o reconhecimento da união estável, desde que
haja separação de fato ou judicial entre os casados.
Não há requisito temporal para a configuração da união estável. Contudo, é claro que o tempo
é um dos fatores que deve ser analisado pelo julgador. Um relacionamento de poucas semanas,
ainda que existente o elemento subjetivo – desejo de constituição de família – não revela a
continuidade exigida pelo art. 1.723 do Código Civil.
“Nem sempre é fácil distinguir essa situação – a união estável – de outra, o namoro, que
também se apresenta informalmente no meio social. Numa feição moderna, aberta, liberal,
especialmente se entre pessoas adultas, maduras, que já vêm de relacionamentos anteriores
(alguns bem-sucedidos, outros nem tanto), eventualmente com filhos dessas uniões pretéritas,
o namoro implica, igualmente, convivência íntima – inclusive, sexual –, os namorados
coabitam, frequentam as respectivas casas, comparecem a eventos sociais, viajam juntos,
demonstram para os de seu meio social ou profissional que entre os dois há uma afetividade,
um relacionamento amoroso. E quanto a esses aspectos, ou elementos externos, objetivos, a
situação pode se assemelhar – e muito – a uma união estável. Parece, mas não é! Pois falta um
elemento imprescindível da entidade familiar, o elemento interior, anímico, subjetivo: ainda
que o relacionamento seja prolongado, consolidado, e por isso tem sido chamado de ‘namoro
qualificado’, os namorados, por mais profundo que seja o envolvimento deles, não desejam e
não querem – ou ainda não querem – constituir uma família, estabelecer uma entidade
familiar, conviver numa comunhão de vida, no nível do que os antigos chamavam de affectio
maritalis. Ao contrário da união estável, tratando-se de namoro – mesmo do tal namoro
qualificado –, não há direitos e deveres jurídicos, mormente de ordem patrimonial entre os
namorados. Não há, então, que falar-se de regime de bens, alimentos, pensão, partilhas,
direitos sucessórios, por exemplo”.187
O procedimento para o reconhecimento da união estável seguirá as mesmas regras relativas à
separação e ao divórcio não consensuais. Será necessária a realização de audiência de
conciliação e mediação antes mesmo do oferecimento da contestação, conforme veremos
adiante. Não havendo composição, a parte contrária será intimada para apresentar
contestação, sujeitando-se o processo, a partir deste momento, às regras relativas ao
procedimento comum.
O procedimento previsto nos arts. 693 a 699 deve ser aplicado somente quando não houver
consenso entre os companheiros quanto à dissolução do vínculo. Caso haja acordo, a extinção
da relação entre companheiros poderá ocorrer por escritura pública, independentemente de
homologação judicial.
JURISPRUDÊNCIA TEMÁTICA
“[...] O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à
constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado
‘namoro qualificado’ –, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de
constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a
convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e
material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. 2.2.
Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa
vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a
particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a
trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados
que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se
absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos
estigmas, adequar-se à realidade social [...]” (STJ, REsp 1.454.643/RJ, Rel. Min. Marco Aurelio
Bellizze, j. 03.03.2015).
Os pedidos relativos à guarda, visitação e filiação podem ser pleiteados em ação autônoma ou,
incidentalmente, em processos como os de divórcio, de reconhecimento e extinção de união
estável ou de separação.
Se, por exemplo, o autor pretender ajuizar ação de reconhecimento de paternidade, cumulada
ou não com pedido de alimentos, serão observadas as disposições especiais previstas nos arts.
693 a 699 do CPC/2015. Do mesmo modo, existindo pedido autônomo de guarda ou de
regulamentação de visitas, devem ser observadas tais disposições.
Segundo o art. 1.583 do Código Civil, a guarda será unilateral ou compartilhada. A lei cuidou,
ademais, de conceituar cada uma dessas espécies:
Como já explanado, é dado aos pais dispor sobre a guarda dos filhos, na ação de divórcio, de
separação judicial, de dissolução de união estável ou, ainda, em medida cautelar de separação
de corpos (arts. 1.584, I, e 1.585 do CC), cabendo ao juiz decidir, atentando para as
necessidades específicas do filho e para a distribuição de tempo necessária ao convívio deste
com o pai e com a mãe (art. 1.584, II, do CC).
Segundo a nova redação do § 2º do art. 1.584 do Código Civil, dada pela Lei nº 13.058/2014,
“quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se
ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada,
salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”. Cabe
destacar, para fins de comparação, a redação anterior do dispositivo, dada pela Lei nº
11.698/2008: “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será
aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada”. Veja-se que o texto atual, além de
contemplar a hipótese de guarda unilateral no caso de um dos pais declarar que não deseja a
guarda, omitiu o “sempre que possível” do preceito anterior, o que nos faz concluir que a
guarda compartilhada será a regra, só podendo ser afastada em casos excepcionais.188
A guarda compartilhada não pode ser confundida com a guarda alternada. Na primeira, ocorre
tanto o compartilhamento da guarda jurídica quanto da guarda material, de modo que todas as
demandas em relação aos filhos devem ser discutidas de forma conjunta pelos genitores. Na
guarda alternada, há o gozo de períodos exclusivos de guarda jurídica e material. Assim, na
guarda alternada, enquanto a criança estiver na companhia de um dos genitores, caberá a este,
com exclusividade, tomar as decisões de interesse dos filhos. O Enunciado 604 da VII Jornada
de Direito Civil do CJF reforça a diferença ao estabelecer que “a divisão, de forma equilibrada,
do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o pai, imposta na guarda compartilhada pelo
§ 2º do art. 1.583 do Código Civil, não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto
pelo instituto da guarda alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de
permanência dos filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor
que se encontra na companhia do filho”.
Com relação ao direito de visita, veja-se que a Lei nº 12.398/2011 acrescentou o parágrafo
único ao art. 1.589, o qual preceitua que “o direito de visita estende-se a qualquer dos avós, a
critério do juiz, observados os interesses da criança ou do adolescente”.
Fixadas as regras relativas à guarda, se houver alteração não autorizada ou se for verificado o
descumprimento imotivado de cláusula estabelecida na sentença, seja a guarda unilateral ou
compartilhada, o juiz poderá reduzir o número de prerrogativas atribuídas ao infrator (art.
1.584, § 4º). Destaque-se que a nova redação, atribuída pela Lei nº 13.058/2014, revogou a
parte final do texto, que previa a possibilidade de redução do número de horas de convivência
com os filhos.
É possível, ainda, como punição para o genitor que descumprir os termos da guarda, a fixação
de multa, na forma do art. 536 do CPC. Trata-se de providência confirmada pelo STJ, para quem
a medida coercitiva pode ser aplicável a toda e qualquer relação jurídica de obrigação de fazer
e de não fazer, inclusive ao direito de visitas, com o objetivo de conferir efetividade a um
direito fundamental da criança ou adolescente.189
11.6.2Investigação de paternidade
O reconhecimento da condição de filho pode ser feito de forma voluntária e, nesse caso, regra
geral, é considerado um ato irrevogável (art. 1.610, CC). Excepcionalmente, o Código Civil
permite que se conteste a paternidade (arts. 1.601 e 1.604, CC), mas, para tanto, deve ser
comprovado o erro no momento da realização do registro. Ademais, consoante entendimento
fixado pelo STJ, para que o pai registral induzido a erro possa pleitear a retificação do registro,
é indispensável que, tão logo tenha conhecimento da verdade, ele também tenha se afastado
do suposto filho, rompendo imediatamente o vínculo afetivo. Caso contrário, se o pai registral,
mesmo enganado, manteve vínculos com o filho registral, a paternidade socioafetiva restará
configurada, inviabilizando a desconstituição do registro (STJ, 3ª Turma, REsp 1.330.404/RS,
Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 05.02.2015).
Situação diversa ocorre, por exemplo, quando uma pessoa, ao atingir a maioridade, busca o
reconhecimento da paternidade biológica ciente de que mantém vínculos de afetividade com o
pai registral. Nesse caso, é possível a convivência entre a paternidade socioafetiva e a
paternidade biológica. Com efeito, “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro
público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem
biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (STF, Plenário, RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, j.
21 e 22.09.2016, Informativo 840).
Por fim, importante registrar que a pretensão quanto à descoberta sobre a origem biológica
persiste até mesmo nos casos em que há presunção legal de paternidade. O art. 1.597 do
Código Civil elenca hipóteses nas quais se presume a paternidade em decorrência do
casamento e de técnicas de reprodução assistida. A título de exemplo, o inciso I estabelece
presunção relativa de que os filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a
convivência conjugal, foram concebidos na constância do casamento. Igualmente, os filhos
nascidos nos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação,
divórcio, nulidade e anulação de casamento, consideram-se concebidos no período de
convivência (inciso II). Mesmo nessas hipóteses o filho terá direito de ter reconhecida a sua
verdadeira filiação, podendo ingressar com ação de investigação de paternidade contra o
suposto pai biológico, pois “a presunção legal de que os filhos nascidos durante o casamento
são filhos do marido não pode servir como obstáculo para impedir o indivíduo de buscar a sua
verdadeira paternidade” (STF, Plenário, AR 1244 EI/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.09.2016,
Informativo 840).
JURISPRUDÊNCIA TEMÁTICA
11.7.1Foro competente
Quanto aos primeiros – divórcio e separação –, a regra prevista no CPC/1973 estabelecia como
foro competente o da residência da mulher (art. 100, I), o que acabou gerando algumas
discussões, especialmente no campo constitucional, por suposta ofensa ao princípio da
isonomia.190
No que concerne às ações de reconhecimento e extinção de união estável, como não havia
previsão expressa no CPC/1973, a jurisprudência passou a considerar como competente o foro
da residência da companheira, por aplicação analógica do comando inserto no art. 100, I, do
CPC/1973. No caso das uniões homoafetivas, os tribunais mantiveram o mesmo entendimento,
sendo que com adaptações, consoante trecho de ementa a seguir transcrito:
“[...] Cuidando-se de união estável homoafetiva, de acordo com a ADI 4277 do e. STF, o art.
1.723 do Código Civil deve ser interpretado conforme à Constituição Federal para excluir dele
qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura
entre pessoas do mesmo sexo como família. 4. Objetivando equilibrar o poder dos litigantes
nas ações que visam reconhecer o estabelecimento das uniões estáveis homoafetivas, cabe
analisar o art. 100, I, do CPC conforme a Constituição Federal para que seja interpretado à luz
do princípio da isonomia, aplicando-o também na fixação de competência das ações de
reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo. 5. Atualmente, tendo sido
conferido às uniões homoafetivas os mesmos direitos dos relacionamentos heteroafetivos,
também deve ser garantido aos envolvidos em relacionamentos familiares de pessoas do
mesmo sexo, o foro privilegiado conferido à parte mais vulnerável financeira ou juridicamente
nessas relações, quando, examinando cada caso concreto, de fato, verificar-se que a pretensão
da parte menos favorecida ficará manifestamente prejudicada caso tenha que litigar em local
diferente da sua residência [...]” (TJDF, Rec 2013.00.2.019467-8, Ac. 748.333, 1ª Turma Cível,
Rel. Des. Alfeu Machado, j. 15.01.2014).
De acordo com o CPC/2015 (art. 53, I), o foro competente deixará de ser o da residência da
mulher para ser o do domicílio do guardião de filho incapaz. Não existindo filho incapaz, será
competente o foro do último domicílio do casal. Se, no entanto, nenhuma das partes residir no
antigo domicílio, será competente o foro de domicílio do réu (regra geral do art. 46 do
CPC/2015). Com a nova redação, o legislador retira o foco da proteção dos interesses da
mulher e o dirige, em um primeiro momento, para a proteção dos interesses do incapaz, ou, na
inexistência de filho incapaz, o do casal.
Conforme comentários inseridos na parte geral desta obra, em 30.10.2019 foi publicada a Lei
nº 13.894, de 29.10.2019, que acrescentou a alínea “d” ao inciso I do art. 53 do CPC. De acordo
com o novo dispositivo, para as ações de divórcio, separação, anulação de casamento,
reconhecimento e dissolução de união estável, será competente o foro da residência da mulher
vítima de violência doméstica. Pela localização topográfica, trata-se de foro secundário, de
modo que, se houver filho incapaz e o detentor da guarda for o companheiro, mesmo nos
casos de violência doméstica, o foro competente será o do guardião. Essa, contudo, não nos
parece a interpretação mais adequada, já que em muitos dos casos envolvendo a violência
descrita na Lei nº 11.340/2006 – Lei Maria da Penha –, o companheiro (ou cônjuge) permanece
com o filho incapaz para forçar uma reaproximação com a vítima. Certamente os Tribunais irão
se debruçar sobre essa questão. De toda forma, tratando-se de competência territorial,
portanto, relativa, poderá ser arguida pela parte contrária.
Nas ações envolvendo pedido de guarda prevalece a regra insculpida no art. 147, I, do Estatuto
da Criança e do Adolescente e na Súmula nº 383 do STJ, ou seja, o foro de domicílio de quem
exerce a guarda será competente para julgar ações sobre interesse de menores. O mesmo
entendimento se aplica aos pedidos de visitação e filiação. Com relação ao último cabe uma
ressalva: questões sobre filiação que não envolvam menores devem ser propostas nos
seguintes foros:
•do domicílio do réu, como regra, nos termos do art. 46, caput, do CPC/2015;
•do domicílio do autor, se for cumulada com pedido de alimentos (art. 53, II);
•do foro do inventário, caso o pedido seja cumulado com petição de herança.
Como regra, essas ações tramitarão na Vara de Família, se houver, ou em Vara Cível. É
importante, no entanto, estabelecer a seguinte diferença: uma ação de guarda proposta por
um dos genitores ou pelos avós, por exemplo, seguirá essa orientação. Se, no entanto, esse
pedido de guarda envolver criança ou adolescente que se encontra em situação de risco (art.
98, ECA), a competência será da Vara da Infância e Juventude (art. 148, parágrafo único, “a”,
ECA). Em outras palavras, a competência da Vara da Infância e da Juventude será sempre
excepcional, devendo ser reservada para os casos em que haja ameaça ou violação dos direitos
da criança ou do adolescente.191
Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução
consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de
conhecimento para a mediação e conciliação.
Parágrafo único. A requerimento das partes, o juiz pode determinar a suspensão do processo
enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento
multidisciplinar.
Anote que, pela redação do art. 694 c/c o art. 695, a tentativa de conciliação é etapa
obrigatória nesse tipo de procedimento. Tal obrigatoriedade traz reflexos inclusive no trâmite
processual, porquanto até o momento da audiência não se exigirá a contestação da parte ré,
que só deverá apresentá-la quando não for possível a conciliação (art. 697). Nessa hipótese, a
parte ré será intimada na própria audiência, passando a incidir, a partir de então, o prazo de 15
dias para apresentação de sua defesa (art. 335, I).
Também como decorrência da ideia expressa no atual art. 694, o CPC/2015 possibilita que a
audiência de mediação e conciliação seja cindida em tantas sessões quantas sejam necessárias
para viabilizar a solução consensual (art. 696).
11.7.3Citação
Nas ações de família vale a regra de citação pessoal, que deve ocorrer com antecedência
mínima de quinze dias da data designada para a audiência (art. 695, § 2º). No procedimento
comum, esse interregno é de pelo menos vinte dias (art. 334, parte final, do CPC/2015).
No ato da citação não mais será entregue ao réu cópia da petição inicial (art. 695, § 1º), sendo
assegurado a este, contudo, o direito de examinar o seu conteúdo a qualquer tempo. Tal
medida visa evitar o contato imediato do réu com as alegações do autor, o que poderia
dificultar uma possível solução consensual da controvérsia em virtude da alta carga emocional
aduzida nas peças processuais desse tido de demanda. Apesar disso, há vozes na doutrina que
já defendem a inconstitucionalidade dessa previsão.
Nos termos do art. 82, II, do CPC/1973, o membro do Ministério Público deveria intervir “nas
causas concernentes ao estado da pessoa, ao pátrio poder, à tutela, à curatela, à interdição, ao
casamento, à declaração de ausência e às disposições de última vontade”. De acordo com o
Código atual, a intervenção do Parquet como custos legis se dará nos seguintes casos:
Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como
fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos
processos que envolvam:
Art. 698. Nas ações de família, o Ministério Público somente intervirá quando houver interesse
de incapaz e deverá ser ouvido previamente à homologação de acordo.
Parágrafo único. O Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas ações de família em
que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de
7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).
Agora, se uma ação de família envolver em um dos polos da relação processual uma vítima de
violência doméstica, mesmo se não houver interesse de menor envolvido, o Ministério Público
intervirá como fiscal do ordenamento.
11.7.5Alienação parental
•a prova pericial nesse tipo de demanda é ampla. O laudo terá base em ampla avaliação
psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal
com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da
separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da
forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor
(art. 5º da Lei nº 12.318/2010). O acompanhamento psicológico ou o biopsicossocial deve ser
submetido a avaliações periódicas, com a emissão, pelo menos, de um laudo inicial, que
contenha a avaliação do caso e o indicativo da metodologia a ser empregada, e de um laudo
final, ao término do acompanhamento;
•o prazo para entrega do laudo pericial é de 90 dias, podendo ser prorrogado exclusivamente
por autorização judicial (art. 5º, § 3º). O juiz deve, então, ao aplicar o art. 465 do CPC/2015 (“o
juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a
entrega do laudo”), observar o prazo designado na legislação especial;
JURISPRUDÊNCIA TEMÁTICA
“É possível a homologação de sentença estrangeira de divórcio, ainda que não exista prova de
seu trânsito em julgado, na hipótese em que, preenchidos os demais requisitos, tenha sido
comprovado que a parte requerida foi a autora da ação de divórcio e que o provimento judicial
a ser homologado teve caráter consensual. O art. 5º, III, da Res. 9/2005 do STJ estabelece como
requisito à referida homologação a comprovação do trânsito em julgado da sentença a ser
homologada. Todavia, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, quando a sentença a
ser homologada tratar de divórcio consensual, será possível inferir a característica de trânsito
em julgado”. Precedentes citados: SEC 3.535-IT, Corte Especial, DJe 16.02.2011; e SEC 6.512-IT,
Corte Especial, DJe 25.03.2013 (STJ, SEC 7.746/US, Rel. Min. Humberto Martins, j. 15.05.2013).
Súmula nº 197 do STJ: “O divórcio direto pode ser concedido sem que haja previa partilha dos
bens”.
Súmula nº 336 do STJ: “A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito
à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica
superveniente”.