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Processo nº ______-18.2012.814.

0301
Autos Cíveis de Ação de Divórcio Consensual
Requerentes: M D D C e H S S D

MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Tratam os presentes autos de Autos de Ação de Divórcio Consensual requerida


por M D D C e H S S D, já qualificados nos autos.

Narra a petição inicial que os Requerentes ajustaram, de comum acordo, a


dissolução da sociedade conjugal, estabelecendo as cláusulas que regerão os efeitos presentes e
futuros do fim da relação assim resumidas:

 Partilha de bens – Não há bens a partilhar.


 Guarda de filho(s) – Filho M. A. S. D. ficará sob guarda
compartilhada, com residência fixada com o Divorciando (“guarda
principal”).
 Pensão para filhos(s) – Despesas compartilhadas.
 Direito de visita (convivência) do genitor – Livre, principalmente
em, face da modalidade de guarda.
 Pensão entre os divorciandos – Dispensada.
 Nome da Requerente – Voltará a usar o nome de solteira, H. S. T. DE
S.

Sem designação de audiência, vieram os autos a esta Promotoria de Justiça para


exame e manifestação.

Primeiramente cabe assentar que o divórcio consensual se dá mediante processo


de jurisdição voluntária. Assim dispõe o artigo 40, §2º, da Lei nº 6.515/77, verbis:

Art. 40 ( . . . )

§ 2º - No divórcio consensual, o procedimento adotado será o previsto nos


artigos 1.120 a 1.124 do Código de Processo Civil, observadas, ainda, as
seguintes normas:

I - a petição conterá a indicação dos meios probatórios da separação de


fato, e será instruída com a prova documental já existente;

II - a petição fixará o valor da pensão do cônjuge que dela necessitar para


sua manutenção, e indicará as garantias para o cumprimento da obrigação
assumida;

1
III - se houver prova testemunhal, ela será produzida na audiência de
ratificação do pedido de divórcio a qual será obrigatoriamente realizada.

IV - a partilha dos bens deverá ser homologada pela sentença do


divórcio.

Entre a chamada Lei do Divórcio, de 26 de dezembro de 1977, e os tempos


atuais, o Direito de Família sofreu uma verdadeira revolução legislativa. Nesta grande
transformação da legislação se destaca o advento da Lei nº 11.441/2007, que criou o artigo
1.124-A do CPC, estabelecendo a possibilidade de formalização do divórcio e da separação
consensuais sem a necessidade de chancela do Poder Judiciário.

Mais recentemente, com o advento da emenda constitucional nº 66, de 13 de


julho de 2010, adotou o Brasil claramente a Teoria Contratual do Casamento. Seguindo este
entendimento, para o Divórcio basta a manifestação unilateral de vontade de um dos cônjuges,
sem necessidade de expor os motivos ou do decurso de qualquer prazo. Neste sentido, verbis:

“A partir de agora, com a vigência da Emenda Constitucional nº 66, os


processos de separação judicial em exame se extinguem, bem como aqueles
em que os casais já obtiveram esta decisão, estando na fase de cumprir os dois
anos para o pedido do divórcio, de maneira que essas pessoas também
poderão requerer de forma direta e imediata o próprio divórcio.”
“A partir de 14 de julho de 2010, data da publicação da emenda nº 66, quem
tiver pedido a separação judicial ou estiver cumprindo o chamado período de
‘pedágio’ para pedir o divórcio fica livre das restrições que vinham
vigorando.”1

Tais alterações normativas não poderiam deixar de refletir no processo, posto


que este é, antes de tudo, o instrumento para a efetivação do direito material.

Partindo destas premissas, indaga-se da necessidade e obrigatoriedade da


realização de audiência de ratificação diante das relevantes alterações no direcionamento do
casamento e da sua dissolução.

O mestre Carlos Celso Orcesi da Costa2, em obra editada em 1987, consigna a


importância e o fundamento da audiência de ratificação, sob o enfoque do direito vigente à
época, verbis:

( . . . ) O §2º do art. 3º da Lei do Divórcio pressupõe que o juiz deva


promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou
transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada um dos consortes, ao
depois reunindo-os na sua presença, se assim considerar necessário.
Ainda que pese o valioso significado social da conciliação, mesmo
que às vezes sem grande resultado prático, toda tentativa de
reaproximação deve ser buscada, por questão de princípio.”

1
SANTOS, Ozéias J. Divórcio Constitucional, Syslook editora, Petrópolis-RJ, 2010, p. 46.
2
COSTA, Carlos Celso Orcesi da, Tratado do Casamento e do Divórcio – Constituição, Invalidade, Dissolução, 2º volume, editora
Saraiva, São Paulo, 1987, p. 656/657.

2
E a única maneira do juiz exercer semelhante atividade consiste em
ouvir dos cônjuges os motivos eficientes da sua deliberação. Do
contrário, sem elementos, não poderia o juiz exortá-los à desistência
do seu intento de separação.

Constata-se do texto que a audiência de ratificação seria obrigatória porque o


divórcio era uma exceção legal, que deveria ser evitado ao máximo pelo Estado, mediante a
atuação do Juiz e do chamado “curador do vínculo”. Ainda prevalecia nessa época o princípio
da máxima intervenção do Estado na família e no casamento.

Diferentemente, hoje o Código Civil expressamente abraça o princípio de não


intervencionismo, posto que “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado,
interferir na comunhão de vida instituída pela família”. Cumpre destacar e esclarecer que a
“família” não se extingue com o divórcio, apenas se transforma, razão pela qual o princípio tem
vigência ainda na dissolução do vínculo matrimonial, ao contrário do que dizem alguns autores.

Em suma, antes a orientação do sistema jurídico era de que cabia ao Estado


dificultar ao máximo a dissolução do matrimônio, agora a orientação é de que o Estado deve
facilitar o divórcio. Neste sentido escreve a juíza Maria Luiza Póvoa Cruz3:

“Portanto, ao tempo em que se elimina qualquer discussão sobre a causa do


divórcio, é justo que seja oferecido às partes um caminho simplista, para a
dissolução da sociedade conjugal, afastando a intromissão do Estado e
possibilitando ao casal o fim do casamento, por um simples ato notarial”.
(...)
“O reconhecimento da forma simplificada para por fim a união do casal (sem,
porém, desnaturar a importância do ato, ao contrário, prestigiando o casal, na
sua intimidade, no momento do fim da comunhão plena de vida) admite o
casamento como um ‘contrato de direito de família, de trato sucessivo, onde
predomina a autonomia das partes, ao início do processo de habilitação e
celebração do matrimônio, como no momento da dissolução’. Sob a ótica
constitucional , quem dita as normas para o início e o fim do relacionamento
conjugal são os cônjuges (obviamente seguindo o procedimento determinado
por lei).
“Portanto, ‘casamento é contrato de direito de família, onde preponderam
relações de ordem privada, negociais. A tutela jurisdicional somente há de ser
invocada em caso de litígio entre os cônjuges”.

Seguindo a mesma orientação, leciona o promotor de Justiça Dimas Messias de


Carvalho4, ipsis litteris:

“O novo direito de família afasta a intervenção judicial e, com a mesma razão,


o Ministério Público na vida das pessoas, inclusive no casamento, não sendo
necessária a presença em todas suas relações jurídicas, especialmente se existe
consenso entre as partes. A Lei 11.441/2007 já sinalizava, de forma
inequívoca, que o moderno direito de família não tem mais o interesse em
manter, a todo custo, o casamento, tanto que o Código Civil atual afastou a

3
CRUZ, Maria Luiza. Separação, Divórcio e Inventário por Via Administrativa; Editora: Del Rey; 3ª ed.; Belo Horizonte, 2010.
4
CARVALHO, Dimas Messias. Divórcio Judicial e Administrativo; Ed. Del Rey; Belo Horizonte, 2010. p. 57.

3
figura do curador ao vínculo e o Estado reconhece e ampara outras formas de
constituição de família, o que foi reafirmado pela EC n. 66/2010, ao facilitar,
sobremaneira, o divórcio, tornando-se uma das legislações mais liberais do
mundo”.
(...)
“A Lei 11.441/2007 afastou o formalismo e a morosidade judicial nas
separações e divórcios consensuais, notadamente a necessidade de designação
de audiência de instrução para comprovação do prazo de separação de fato, o
que foi mantido na EC n.66/2010, dispensando-se a exigência de prazos e
permitindo a decretação do divórcio a qualquer tempo e sem motivos,
simplificando a dissolução do vínculo matrimonial”.

A partir dessas premissas, cresce na doutrina e na jurisprudência o


entendimento de que a audiência de reconciliação ou ratificação do divórcio é dispensável.
Assim já se manifestou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, verbis:

Em se tratando de divórcio consensual, se há nos autos declaração de


testemunhas de que o casal encontra-se separado de fato por mais de dois
anos, além de ratificação do pedido de divórcio consensual com assinatura de
ambos os requerentes com firma reconhecida em cartório, dispensável a
realização de audiência de ratificação, merecendo ser confirmada a sentença
de primeiro grau que homologa o acordo realizado entre os ex-consortes e
decreta o divórcio.
PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(TJDF, 3ª Turma Cível, Ap 20090710347497APC, Acórdão 481.244, relator
Des. João Batista Teixeira, julgado em 09/02/2011)

1. Encontrando-se devidamente comprovados nos autos o decurso do tempo


da separação de fato do casal e a intenção de dissolver o vínculo conjugal,
desnecessária a realização de audiência de ratificação para a decretação
do divórcio direto.
(...)
3. Recurso conhecido e improvido. Unânime.” (20100710005590APC,
Relator MARIA DE FÁTIMA RAFAEL DE AGUIAR RAMOS, 1ª Turma
Cível, DJ 13/07/2010)

1. Não há necessidade das partes comparecerem em Cartório para reconhecer


firma das assinaturas apostas na petição inicial, que pretende ver decretado o
divórcio do casal, quando não há indícios de vício na manifestação de vontade
das partes, mormente quando existente, nos autos, duas declarações com
firmas reconhecidas, atestando a separação do casal há mais de dois anos.
2. Encontrando-se devidamente comprovados nos autos o decurso do tempo
da separação de fato do casal e a intenção de dissolver o vínculo conjugal,
desnecessária a realização de audiência de ratificação para a decretação
do divórcio direto. (TJDF, 1ª Turma Cível, Ap. nº 20090710197985APC,
Acórdão nº 480.559, relator Des. Esdras Neves, julgado em 09/02/2011)

Mostra-se prescindível que o julgador exponha exaustiva fundamentação na


sentença, podendo validamente indicar, de forma objetiva e breve, os motivos
de seu convencimento, sem que isso signifique ausência de fundamentação.
Em observância aos princípios da economia processual, da efetividade da
prestação jurisdicional e da razoável duração dos processos, mostra-se
desnecessária a realização de audiência de ratificação em ação de divórcio
direto, se as provas documentais carreadas aos autos são suficientes para
evidenciar a separação de fato do casal, há mais de dois anos.

4
Apelo conhecido e não provido. (TJDF, Ap. nº 20090710324872APC,
Acórdão nº 483.958, rela. Des. Ana Maria Duarte Amarante Brito, julgado em
23/02/2011)

O próprio Superior Tribunal de Justiça, em decisão muito anterior ao advento da


Lei nº 11.441/2007 e da emenda constitucional nº 66, já decidiu:

“O Juiz dispensará a ratificação do pedido de separação se verificar que


os cônjuges estão firmes em sua disposição. Sobrevindo retratação, antes da
homologação, evidencia-se que não havia aquela segurança de propósito.
(STJ, Recurso Especial nº 24.044-3/RJ, 3ª Turma, relator Min. Eduardo
Ribeiro, julgado em 15/12/1992, DJ de 08/03/1993)

Em decisão mais recente, o STJ reafirmou a possibilidade de não realização da


audiência de ratificação, embora tenha anulado o processo em função da imediata reclamação de
um dos cônjuges, proferindo decisão assim ementada:

“DIVÓRCIO CONSENSUAL. AUDIÊNCIA DE RATIFICAÇÃO.


A falta de audiência de ratificação do pedido de divórcio consensual é causa
de nulidade da sentença proferida logo após a manifestação do Ministério
Público, se o Juiz não teve condições de aferir de outro modo a firme
disposição dos cônjuges em se divorciarem e se, tomando conhecimento da
sentença, o marido manifesta o seu arrependimento com os termos do acordo.
Art. 40, § 2º, III, da Lei 6.515/77.
Recurso conhecido e provido.” (REsp 268.665/RJ, Rel. Ministro RUY
ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, DJ 12/02/2001)

O desembargador Carlos Roberto Gonçalves5 é objetivo ao asseverar que “não


havendo mais provas a serem produzidas sobre o tempo da separação, não há necessidade da
realização da audiência de ratificação mencionada no art. 40, §2º, III, da Lei do Divórcio”.

O projeto de lei nº 2.285/2007, denominado de “Estatuto das Famílias”, já


parcialmente defasado em relação à emenda nº 66, dispõe em seu artigo 172 que “no divórcio
consensual, não existindo filhos menores ou incapazes, ou estando judicialmente decididas as
questões a eles relativas, é dispensável a realização de audiência”.

Nem mesmo a existência de interesse de menores, com a estipulação de pensão


alimentícia, justifica a obrigação de realização de audiência de ratificação, posto que há muito
que se entende conciliáveis estes direitos. Assim leciona o Desembargador Yussef Said Cahali
(Dos Alimentos, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2a edição, 1994, p. 653/657) que
“como a ação de alimentos pode ser de iniciativa seja do credor, seja do devedor, nada obsta a
que, chegando ambos a um acordo extrajudicial, reclamem em juízo a sua homologação” (no
mesmo sentido Vladimir Passos de Freitas, Acordo em Alimentos, in Justitia 96/49; TJSP, RT
571/65; TJPR, RT 673/138; TJSC, RT 645/170)

Por derradeiro, nunca é demais lembrar que no processo de jurisdição voluntária


o juiz não está “obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso
a solução que reputar mais conveniente ou oportuna” (art. 1.109 do CPC).

5
Direito Civil Brasileiro – Direito de Família, 8ª edição. Editora Saraiva, São Paulo, 2011, 287.

5
Ultrapassada a questão da prescindibilidade da audiência de ratificação,
verifica-se que a petição inicial preenche os requisitos e formas legais, as partes são capazes,
não havendo motivo para o Ministério Público se opor à homologação do ajuste.

ANTE O EXPOSTO, considerando a manifestação de vontade das partes, o


Ministério Público se manifesta pelo DEFERIMENTO E HOMOLOGAÇÃO DO PEDIDO
DE DIVÓRCIO.
Belém-PA, 11 de maio de 2012.

ALEXANDRE BATISTA DOS SANTOS COUTO NETO


5º Promotor de Justiça de Família de Belém

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