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A guarda compartilhada enquanto


instituto assecuratório dos direitos
de pais e filhos

LUIZ CARLOS GOIABEIRA ROSA


Doutor em Direito Privado (PUC/MG).
Mestre em Direito Civil (UFMG). Professor (UFU).

FERNANDA DA SILVA VIEIRA ROSA


Mestre em Psicologia da Saúde (UFU). Professora (FEIT/UEMG).

MARIA HELENA SILVEIRA VAZ SOUZA


Graduada em Direito (Uniube). Advogada.

Artigo recebido em 25/04/2012 e aprovado em 25/08/2013.

SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Noções histórico-introdutórias sobre a família 3 Da guarda


compartilhada enquanto instituto assecuratório de pais e filhos 4 Conclusão 5 Referências.

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é analisar e discutir a guarda comparti-


lhada, inovação do Código Civil de 2002 e fruto do renovado Direito de Família à luz
da Constituição Federal de 1988. Por meio do método dedutivo, demonstrar-se-á tal
mister a partir da evolução do conceito de família em relação ao então previsto no
Código Civil de 1916, constatando-se, nesse ínterim, ser a família o alicerce para o
desenvolvimento do ser humano. Ao final, serão analisadas a guarda compartilhada,
sua importância na vida de pais e filhos, bem como a aplicação desse modelo de
guarda pelo Judiciário brasileiro, demonstrando-se que a guarda compartilhada é um
meio eficaz para evitar a alienação parental, e a que melhor atende aos interesses dos
filhos por possibilitar o convívio harmônico com ambos os genitores após a separação.

PALAVRAS-CHAVE: Família Afeto Guarda compartilhada Igualdade parental.

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Joint custody as a guarantee of rights between parents and sons

CONTENTS: 1 Introduction 2 Historical and introductory notions about the family 3 The joint
custody as a guarantee of rights between parents and sons 4 Conclusion 5 References.

ABSTRACT: The aim of this study is to analyze and discuss the joint custody as an
innovation of the 2002 Civil Code and as a result of renewed Family Law under the
influence of the Federal Constitution of 1988. Through the deductive reasoning, the
concept of family will be analyzed as an evolution in relation to the concept under
the Civil Code of 1916, considering in the meantime be the family the institution for
human development. In addition, it will also consider the importance of joint cus-
tody to parents and children lives, as well as the application of this model of custody
by Brazilian courts, demonstrating that joint custody is an effective mean to prevent
Parental Alienation, and that best serves the interests of the children by allowing
the harmonic living with parents after separation.

KEYWORDS: Family Affection Joint custody Parental equality.

Custodia compartida como instituto de garantia de derechos entre padres e hijos

CONTENIDO: 1 Introducción 2 Entendimiento histórico y de introducción sobre la familia 3 La


custodia del Instituto assecuratório como entre padres e hijos 4 Conclusión 5 Referencias.

RESUMEN: El propósito de este trabajo es analizar y discutir la custodia compar-


tida, la innovación del Código Civil de 2002 y el resultado del derecho de familia
renovada a la luz de la Constitución Federal de 1988. Por el método deductivo, lle-
gar a ser como una tarea de la evolución del concepto de familia en relación con
la continuación, bajo el Código Civil de 1916, hemos observado mientras tanto, la
familia es la base para el desarrollo humano. Al final, se considerará la custodia
compartida, su importancia en la vida de padres e hijos, así como la aplicación de
este modelo de protección por los tribunales brasileños, lo que demuestra que la
custodia compartida es un medio eficaz para prevenir la Alienación Parental, y que
mejor sirve a los intereses de los niños al permitir la convivencia armónica con
ambos padres tras la separación.

PALABRAS CLAVE: Familia Afecto La custodia compartida Igualdad de los padres.

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1 Introdução

H odiernamente, a sociedade passa por velozes e profundas transformações:


conceitos até então aceitos deixam de sê-lo, em razão de não mais suprirem os
anseios sociais. Uma das principais alterações no contexto jurídico-social brasileiro
correspondeu à elevação da dignidade humana ao status de princípio norteador do
ordenamento jurídico (BRASIL, 1988, art. 1o, inciso III) e, corolário lógico, da prote-
ção aos direitos da criança e do adolescente, sinteticamente previstos no art. 227 da
Magna Carta e ramificados na legislação infraconstitucional (Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA, Código Civil – CC, entre outros).
Por decorrência, a primeira parte do art. 229 da Constituição Federal infere ser
dever dos pais a assistência, a criação e a educação dos filhos menores, pelo que,
consequentemente, se deve proceder aos respectivos modos mais eficazes – o que
se convencionou dizer, por outras palavras, atender o mais eficazmente possível ao
interesse do menor. Nesse sentido, e especificamente quanto à questão da guarda
de menores, observa-se ser, em princípio, a compartilhada a menos traumática e
mais consentânea às diretrizes constitucionais aludidas, posto atender não só aos
mencionados deveres de assistência, criação e educação dos filhos menores, como
também privilegiar o elemento afetivo, característica decisiva e justificadora da
constituição e subsistência da relação entre pais e filhos.
Dessarte, por meio do método dedutivo, o presente trabalho tenciona demonstrar
ser a guarda compartilhada um instrumento que garante o melhor interesse do menor,
em face das inúmeras vantagens desse instituto que o tornam amplamente recomen-
dável. Inicialmente, far-se-á uma reflexão sobre a influência da Constituição Federal
de 1988 sobre o Direito de Família, a evolução desse instituto nas últimas décadas e
a importância da família para a sociedade. Em seguida, tecer-se-ão breves esclareci-
mentos sobre os tipos de guarda, a origem e o conceito da guarda compartilhada, e
sobre a aplicação desse modelo nos sistemas internacionais e no Brasil, para, ao final,
demonstrar-se ser a guarda compartilhada instrumento que melhor privilegia o afeto
entre pais e filhos e, principalmente, a dignidade da pessoa humana.

2 Noções histórico-introdutórias sobre a família


Desde os tempos imemoriais, o ser humano vive em grupos. De acordo com
Aristóteles (2001, p. 14), o homem é um animal político por natureza, que deve viver
em sociedade; consequentemente, no convívio social, o comportamento individual

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interfere na vida dos outros, necessitando-se, portanto, de organização para se es-


tabelecer e manter a paz, tornando-se a obtenção destas – organização e paz - mais
complexas à medida que assim se torna a sociedade.
Nesse mister, os instintos herdados do reino animal fizeram com que o homem
se reunisse com seus iguais, primordialmente para o fim de reprodução e perpe-
tuação da espécie. Inicialmente, portanto, considerava-se família o grupo em que
os membros possuíam laços biológicos, unidos para os fins de autopreservação e
reprodução da espécie.
Com o evoluir da humanidade e a estruturação das sociedades, a família pas-
sou a ser considerada além do mero viés biológico, adquirindo assim feições mais
sociológicas. Por exemplo, na Grécia e na Roma Antiga, berços da concepção de
família para as culturas ocidentais, a religião constituía-se de crenças particulares
e ancestrais, fundamentadas na crença da vida após a morte física, conquanto o
espírito ainda se mantivesse unido ao corpo. Por isso, para honrar os antepassados e
velar pelo descanso eterno, os vivos precisavam, não só dar aos mortos um enterro
digno e com funerais apropriados, mas também recitar determinadas fórmulas e
rituais pois, do contrário, a alma do falecido partiria para a erraticidade ao invés de
repousar no túmulo.
Citado por Nogueira (2010, p. 117), Coulanges bem observa que “nas cidades
antigas punia-se os grandes culpados com um castigo considerado terrível: a priva-
ção da sepultura. Punia-se-lhe assim a sua própria alma, inflingindo-lhe um suplício
quase eterno”.
Vê-se, então, que a união dos membros familiares tinha por sustentáculo, não
mais somente os laços consanguíneos e, muito menos, a reprodução, mas prin-
cipalmente a necessidade de se perpetuar o culto aos antepassados. Nogueira
(2010, p. 119-120) bem alude a respeito:

Essa religião doméstica tinha como núcleo o culto aos mortos, que eram
os deuses “lares” protetores da família e só por ela poderiam ser adorados,
sendo representados pelo fogo sagrado, que existia em todas as casas. O
fogo sagrado era a providência da família, protegendo somente os seus.
Esse culto não era público, todas as cerimônias eram celebradas apenas
entre os familiares e possuía um caráter obrigatório além de secreto. Nin-
guém que não fosse da família podia presenciar tais ritos, nem tampouco
avistar o fogo sagrado. O primeiro filho era encarregado de continuar o
culto aos ancestrais; se deixasse de fazê-lo, traria, com sua conduta, infe-
licidade e morte para a família. Estabelecia-se, assim, um poderoso laço,
unindo todas as gerações de uma mesma família. [...] A religião doméstica

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– baseada no culto aos mortos – ao determinar a existência, em cada casa,


de um lar com o fogo sagrado sempre aceso, e a reunião diária da família
em torno dele para a adoração aos seus deuses, demonstra que o que ca-
racteriza a família é a possibilidade de cultuar e adorar os mesmos deuses,
sob o princípio da autoridade paterna.

Alargou-se e juridicizou-se a definição de família romana: essa passou a ser


“corpo que ia muito além dos pais e dos filhos. Sob a liderança do pai, a família era
o conglomerado composto da esposa, dos filhos, das filhas solteiras, das noras, dos
netos e demais descendentes, além dos escravos e clientes” (FIÚZA, 2006, p. 939).
Nogueira (2010, p. 121) completa:

O critério predominante na determinação do parentesco não era, portanto,


a consangüinidade, mas a sujeição ao mesmo culto, a adoração aos mes-
mos deuses-lares, a submissão ao mesmo pater familias. Dessa feita, a famí-
lia ou gens era um grupo mais ou menos numeroso subordinado a um chefe
único: o pater famílias, cujo poder ilimitado era concedido pela religião.

Já na Idade Média, a concepção de família sofreu forte influência da Igreja Cató-


lica e das classes mais abastadas então no poder: a entidade familiar só seria assim
considerada se proveniente de um casamento celebrado por autoridade eclesiástica
regularmente investida de poderes pela Igreja, e consubstanciado no consenso en-
tre as partes, precedido da autorização das respectivas famílias dada a repercussão
econômica que o matrimônio acarretava.
No Brasil, essa ideia patriarcal e patrimonialista de família perdurou até o ad-
vento da Constituição Federal de 1988, a qual destituiu o paradigma patrimonial e
patriarcal e instituiu o paradigma da dignidade da pessoa humana enquanto norte-
ador do sistema jurídico, gerando assim toda uma revolução nos conceitos atinentes.
Com efeito, o art. 1o, III da Magna Carta fez com que o ser humano enquanto eixo
norteador impusesse à personalidade um significado bem mais abrangente que o
técnico-formal: a ideia de pessoa é vinculada ao ser humano em si considerado,
enquanto valor juridicamente tutelado – no que se observa ser a personalidade uma
decorrência da própria dignidade da pessoa humana.
Enquanto instituição, a família surgiu submetida à ideia do patriarcado, em que
o homem era o chefe. Conforme assevera Leite (2010, p. 76):

Ideia se tem de que com o passar do tempo e o início da chamada civilização,


homens e mulheres começaram a ter o sentimento de posse a partir do adven-
to da propriedade, como retrata Friedrich Engels na obra A Origem da Família,
da Propriedade Privada e do Estado. A mulher iniciou seu trabalho na agricultura

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e daí, defendem alguns sociólogos, houve a necessidade de se mudar de um


lugar para outro. O homem, dotado de força, começou a trabalhar com reba-
nhos, os quais eram tangidos para acompanhá-los para outro lugar não muito
frio e, assim, este poder de força e coragem ensejou o patriarcado.

Em linguagem religiosa, a expressão pater poder aplicava-se a todos os deuses;


já na linguagem do foro, o pater poder se referia a todo homem que não dependia de
outro, que tivesse autoridade sobre uma família e sobre um domínio (COULANGES,
1975, p. 71). Tendo-se a última acepção por referência, o modelo patriarcal perdu-
rou ao longo da evolução social; no Brasil, o Código Civil de 1916, sob inspiração
liberalista e de cunho eminentemente patrimonialista e patriarcal, normatizou o
Direto de Família norteado pelo paradigma do pater poder: ao homem, cabiam as
prerrogativas advindas do casamento, inclusive a chefia da família, status que lhe
conferia praticar atos segundo sua única vontade e ao alvedrio da esposa e dos
filhos – tais quais a eleição de bem de família (art. 70), a administração dos bens
comuns e dos particulares da mulher (art. 233, II), entre outros. Lado outro, à mulher,
suprimiam-se em grande parte seus direitos, fazendo-a uma espécie de serviçal de-
pendente do homem a ponto de ter que pedir a este permissão para o exercício de
vários direitos – dentre eles, por exemplo, exercer profissão (art. 242, VII).
Ainda, a família à qual o Estado dava proteção era apenas a formada pelo ca-
samento: os demais grupos compostos por parentes ficavam à mercê da sorte, sem
amparo legal. Em outras palavras, sem o reconhecimento legal, as famílias que se
constituíam fora do âmbito do casamento eram discriminadas social e legalmen-
te: nesse sentido, o art. 229, do revogado diploma civilista de 1916, preconizava
que, “criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele
nascidos ou concebidos”, pelo que a situação dos filhos era condicionada ao estado
civil dos pais, somente considerados legítimos os resultantes do casamento válido,
negando-se aos demais (naturais e espúrios) os direitos advindos da filiação.
Posto de outra forma, nos dizeres de Colcerniani (2008, p. 227):

A família, patriarcal e hierarquizada, exibia um homem como chefe da família


e a mulher e filhos ocupando posições inferiores na comunidade familiar. Era
matrimonializada, ou seja, a única forma de se constituir família era através
do casamento e se os membros desta família quisessem pôr fim ao vínculo
matrimonial, só poderia ser feito por meio de desquite, que punha fim à
comunhão de vida sem atingir o vínculo jurídico. Família era vista não como
um núcleo de amor e sim como um núcleo de produção econômica.

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Com o advento do Estado Social, o intervencionismo estatal influenciou direta-


mente o sistema jurídico: o Direito Privado passou a ser permeado por elementos
de Direito Público, e os preceitos constitucionais passaram a regrar e influenciar
as relações jurídicas privadas, posto o laissez-faire não mais ser o referencial numa
sociedade que passou a exigir a proteção estatal de seus direitos. Somem-se a isso
as trágicas experiências advindas dos horrores das duas Grandes Guerras e, em es-
pecial, da Segunda Guerra Mundial, as quais fizeram com que a humanidade des-
pertasse efetivamente para a necessidade de tutela do ser humano quanto aos seus
valores e individualidade.
Erigiu-se então a pessoa humana ao centro do sistema social e normativo: o
processo de fundamentalização, constitucionalização e positivação dos direitos fun-
damentais colocou o indivíduo, a pessoa, o homem, como centro da titularidade de
direitos (CANOTILHO, 1999, p. 380). Houve uma mudança radical nos elementos
básicos e estruturantes do sistema: mudou-se do patrimônio para a pessoa humana
enquanto pedra angular do sistema jurídico; a Constituição passou a se alicerçar em
princípios e valores humanitários, notadamente o da dignidade da pessoa humana,
acerca do qual prudentemente observou Sarmento (2010, p. 90-91):

[...] o reconhecimento de que tal princípio situa-se no vértice axiológico da


ordem jurídica vai acarretar a consagração da primazia dos valores exis-
tenciais da pessoa humana sobre os patrimoniais do Direito Privado. [...]
É nesse sentido que se fala na “despatrimonialização” do Direito Privado
[...] A despatrimonialização implica, isto sim, o reconhecimento de que os
bens e direitos patrimoniais não constituem fins em si mesmos, devendo
ser tratados pela ordem jurídica como meios para a realização da pessoa
humana. Antes, prevalecia o ter sobre o ser, mas agora vai operar-se uma
inversão, e o ser converter-se-á no elemento mais importante do binômio.

Nessa nova concepção, o ser humano passa a ser sujeito das relações privadas,
e não mais um ser preterido em relação aos bens patrimoniais: a dignidade da pes-
soa humana torna-se um valor moral basilar ao Estado e à sociedade. Ato contínuo,
diferentemente do que ocorria na legislação civil de 1916, a Constituição Federal
de 1988 “humanizou” a família: as entidades familiares formadas fora do casamento
passaram a ser reconhecidas e amparadas; os filhos passaram a ter direitos iguais
entre si; os pais passaram a ter direitos e obrigações iguais, no tocante à criação, à
proteção e ao sustento dos filhos.

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Deixa-se de priorizar a vontade do outrora chefe de família para proteger o


interesse dos filhos, e surge o afeto enquanto pedra-de-toque da estruturação da
família, ideia que até então era inimaginável. Nos dizeres de Sarmento (2010, p. 97):

A família se democratiza, com o reconhecimento da igualdade entre os


cônjuges e do direito dos filhos de serem consultados nas decisões que
lhes afetarem. Destaca-se a preocupação com o afeto nas relações familia-
res e com a tutela prioritária do interesse da criança.

O interesse da criança envolverá sempre o afeto a esta dedicado por seus pais
– entenda-se, o amor dispendido. Tal será a tônica da guarda e, notadamente, da
compartilhada – o que se discutirá a seguir.

3 Da guarda compartilhada enquanto instituto assecuratório dos direitos


de pais e filhos

3.1 Da guarda compartilhada


Por guarda compartilhada, entende-se a oriunda da cooperação entre pais se-
parados em que ambos se responsabilizam pela assistência, pela criação e pela
educação conjunta dos filhos, sempre no melhor interesse destes, mediante maiores
convívio e presença. É o que explica Quintas (2009, p. 31):

Guarda compartilhada é um arranjo legal em que os pais exercem plena-


mente o poder familiar, promovendo uma convivência maior entre eles e
os filhos e gerando um ambiente saudável para o crescimento da criança.
É, por isso, o arranjo de guarda mais propenso a assegurar o interesse dos
filhos e dos pais, tanto na ruptura do casal como quando os pais nunca
viveram juntos.

Sérgio Eduardo Nick, citado por Grisard Filho (2009, p. 131), complementa:

O termo guarda compartilhada ou guarda conjunta de menores (joint custo-


dy, em inglês) refere-se a possibilidade dos filhos de pais separados serem
assistidos por ambos os pais. Nela, os pais têm efetiva e equivalente auto-
ridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem estar de seus
filhos e frequentemente têm uma paridade maior no cuidado a eles do que
os pais com guarda única.

Conforme aponta Silva (2008, p. 61), a noção de guarda conjunta ou comparti-


lhada surgiu no direito inglês na década de sessenta, quando houve a primeira deci-
são sobre guarda compartilhada (joint custody). A seu turno, nos Estados Unidos (EUA),

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a guarda compartilhada surgiu no início da década de 1970, em razão de um mo-


vimento conduzido por pais que objetivavam a continuação da relação presencial
com seus filhos, ainda que divorciados, que culminou na extinção da então vigente
presunção material de atribuição de guarda, igualando-se homem e mulher em tal
mister e no tocante aos direitos e obrigações, migrando-se assim o foco para a busca
do melhor interesse da criança (QUINTAS, 2009, p. 108).
Também é necessário apontar a importância da França, país em que surgiu a
primeira lei sobre guarda compartilhada. Nos dizeres de Silva (2008, p. 80-81):

Foi na França que surgiu a primeira lei, sobre guarda compartilhada que
harmonizou o Código Civil francês com a jurisprudência existente desde
1976. Chamada de “Lei Malhuert”. Na França, se o casal se separa, o exer-
cício da guarda tanto pode ser exclusivo a um dos pais, concedendo-se ao
outro o direito de visita, ou compartilhado por ambos. Sobre essa moda-
lidade (guarda conjunta), a nova lei veio para confirmar a jurisprudência,
fazendo da guarda compartilhada uma referência legal.

No Brasil, a partir da segunda metade da década de sessenta, os tribunais come-


çaram a construir entendimento que resultaria na adoção da guarda compartilhada.
Exemplo disso é decisão do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário no
60.265/RJ, onde já se manifestava orientação no sentido de superação do sistema
guarda/visita:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – DESQUITE E MANUTENÇÃO DE RELAÇÕES


COM O FILHO DO CASAL - O juiz, ao dirimir divergência entre pai e mãe,
não deve se restringir a regular visitas, estabelecendo limitados horários
em dia determinado da semana, o que representa medida mínima. Preocu-
pação do juiz, nesta ordenação, será propiciar a manutenção das relações dos
pais com os filhos. É preciso fixar regras que não permitam que se desfaça a re-
lação afetiva entre pai e filho, entre mãe e filho. O que prepondera é o interesse
dos filhos, e não a pretensão do pai ou da mãe. (BRASIL, 1967, grifos nossos)

Entretanto, a aplicação da guarda compartilhada no Brasil era mitigada em de-


corrência da inexistência de uma lei específica que regulasse tal instituto, diver-
samente do que ocorria nos países europeus, onde o instituto era adotado ampla-
mente, apesar da ausência de lei. Mesmo com o advento do Código Civil de 2002 e
seus artigos 1.583 e 1.584, e ainda que ambas as partes propugnassem pela guarda
compartilhada, havia juízes que não a deferiam ao prosaico argumento de falta de
previsão legal específica ao instituto. De acordo com Silva (2008, p. 94), as partes
eram obrigadas a disfarçar o exercício da guarda compartilhada por meio da expres-

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são “visitação ampla”, constando na ata da separação consensual a guarda única,


materna, e cabendo ao pai visitação quinzenal.
Tal lacuna fora sanada por ocasião da Lei no 11.698, de 13 de junho de 2008, a
qual alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil e conferiu, à guarda compar-
tilhada, expressa previsão legal, possibilitando assim maior frequência na adoção
de tal modalidade pelos magistrados. As alterações dos referidos artigos permitem
ao juiz, nas audiências de conciliação, informar aos genitores sobre a importância
da guarda compartilhada, os direitos e as obrigações que cada um deve assumir, in-
centivando os genitores a adotar esse tipo de guarda e, quando não houver acordo
entre a mãe e o pai sobre a guarda dos filhos, sempre que possível, aplicar-se tal
modalidade de guarda com as devidas ponderações.
A guarda compartilhada propicia uma melhor convivência entre pais e filhos,
como se não houvesse a ruptura da relação conjugal ou, no caso de pais solteiros,
como se, entre estes, sempre houvesse existido a convivência comum. Por meio da
garantia de maior presença dos genitores e da igualdade de direitos e deveres nas
decisões relacionadas à vida social dos filhos, tal instituto protege de modo mais
eficaz os vínculos afetivos que a criança ou o adolescente deve ter no meio de qual-
quer núcleo familiar.
Posto de outra forma, na guarda compartilhada o menor mora com um dos
genitores, mas tem o outro presente, pois este tem maior liberdade para assisti-lo
pessoal e fisicamente: há maior maleabilidade no tocante às visitas, à custódia, à
assistência, à criação, entre outros. A guarda é planejada entre os pais, de modo a
que se distribuam de forma equânime os respectivos direitos e obrigações.
Ressalte-se que as sanções previstas nos parágrafos do artigo 1.584 do Código
Civil, as quais inicialmente dão a impressão de mera e exclusiva punição ao genitor
ou ambos que descumprirem as cláusulas atinentes à guarda compartilhada, têm, em
verdade, “natureza pedagógica que serve à conscientização da manutenção dos víncu-
los paterno/materno-filiais como direito da criança” (GRISARD FILHO, 2009, p. 204):
impõem-se tais sanções não para prejudicar os direitos da prole, mas para alertar os
pais de sua negligência quanto ao compromisso feito em sede de decisão judicial.
Exemplo disso é o § 4o do referido artigo, quando prevê redução quanto ao nú-
mero de horas de convivência com o filho por descumprimento imotivado de cláu-
sula da guarda compartilhada: entendemos que, a partir do momento em que o juiz
toma essa drástica medida de reduzir o tempo de convívio com o filho, seu intuito
não é desvirtuar os fins da guarda compartilhada, e sim evitar um iminente fracasso

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da adoção pelos pais desse modelo de guarda. A redução do convívio de pais e filhos
feita pelo juiz não é para prejudicar a aplicação e o objetivo da guarda, mas com o
intuito de chamar a atenção dos pais, posto não estarem conseguindo concretizar os
verdadeiros objetivos perseguidos pela guarda compartilhada.
Com efeito, situações de grave negligência emocional praticada por alguns pais,
ocorridas voluntária ou involuntariamente contra seus filhos – eis que um dos pais
pode envidar esforços para impedir a presença do outro na vida dos menores - , tra-
rão desastrosas consequências para a vida dos infantes. Destaca-se a Síndrome de
Alienação Parental (SAP), processo identificado pelo psiquiatra norte-americano Ri-
chard Gardner, em que o ex-cônjuge detentor da guarda, não satisfeito com a sepa-
ração, usa os filhos como “arma” para atingir o ex-parceiro: a criança é condicionada
a ter ódio do genitor que não detém a guarda, sem nenhuma justificativa além da
tão-só malquerença do genitor guardião que assim “programa” a criança.
Colcerniani (2008, p. 230) bem aponta:

Em algumas dessas ocasiões, há um manancial de problemas emocionais,


tais como a raiva, o ciúme, o medo, o ódio, a retaliação ou a vingança de um
cônjuge contra o outro e a chamada Síndrome de Alienação Parental (SAP)
ou implantação de falsas memórias é um exemplo, segundo Dias (2006).
A autora, referindo-se ao psiquiatra americano Richard Gardner, relata que,
muitas vezes, a ruptura da vida conjugal gera sentimento de abandono em
um dos pais, o que pode causar uma tendência vingativa e, em razão disso,
criar uma série de situações visando dificultar ou impedir a visitação, obje-
tivando levar o filho a rejeitar o outro.

Perissini da Silva (2010) complementa:

A síndrome age sobre duas frentes: por um lado, demonstra a psicopatolo-


gia gravíssima do genitor alienador que, como será visto adiante, utiliza-se
de todos os meios, até mesmo ilícitos e inescrupulosos, para atingir seu in-
tento; por outro, o ciclo se fecha quando essa influência emocional começa
a fazer com que a criança modifique seu comportamento, sentimentos e
opiniões acerca do outro pai (alienado). Nesse processo, ocorrem graus de
ambivalência de sentimentos; a criança sente que precisa afastar-se do pai
porque a mãe tem opiniões ruins a respeito dele, mas também se sente
culpada por isso. Aos poucos, porém, essa ambivalência vai diminuindo, e
a própria criança contribui para o afastamento. Ela também é responsável
por estabelecer os diferentes graus de intensidade da SAP, necessitando,
portanto, de diferentes recursos de intervenção profissional para deter sua
ação e reverter seus efeitos. O genitor alienador não se importa com as
decisões judiciais que o obrigam a permitir as visitas da criança com o genitor

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550 A guarda compartilhada enquanto instituto assecuratório dos direitos de pais e filhos

alienado, e descumpre-as com freqüência, sob a égide da impunidade: acredita


que as leis, as ordens, as obrigações e as decisões judiciais existem apenas
para os outros, não para ele. Por outro lado, quando há uma norma ou sentença
que o beneficie, ele procura todos os meios para impô-la aos demais.

Como se vê, a alienação parental pode levar a criança a odiar para sempre um
dos seus genitores, algumas vezes de forma irreversível. As consequências da SAP
na vida de uma criança envolvem incapacidade de adaptação em ambiente psicos-
social normal, transtornos de identidade e de imagem, sentimento de culpa (quando
adultos) e, não raras vezes, suicídio.
Objetivando reprimir tal conduta, a Lei no 12.318, de 26 de agosto de 2010,
conceituou em seu art. 2o a alienação parental1, considerando indevida qualquer in-
terferência na formação psicológica da criança ou adolescente no sentido de colocá-
-lo contra seu genitor. Dá-se destaque ao rol do mencionado artigo, de caráter me-
ramente exemplificativo: quem quer que exerça qualquer tipo de autoridade sobre
a criança ou adolescente – portanto, não só pai e mãe - e que se valha de tal para
tentar colocar o filho contra um dos genitores, terá a conduta caracterizada como
alienação parental e sofrerá as respectivas sanções legais, desde a advertência (art.
6o, I) até a declaração de suspensão da autoridade parental (art. 6o, VII), sem prejuízo
de outras sanções civis ou criminais.
Vê-se, portanto, que a guarda compartilhada é um instrumento que poderá im-
pedir ou reduzir o risco do surgimento da Síndrome da Alienação Parental, vez que
o papel dessa modalidade de guarda é justamente o de atribuir igualitária e equa-
nimemente os direitos e obrigações aos pais, ensejando assim maior intensidade
na presença e no convívio com os filhos. A democratização das responsabilidades e
prerrogativas parentais em que se constitui a guarda compartilhada proporciona a
manutenção dos laços de afetividade entre pais e filhos, diminuindo sobremaneira
os efeitos negativos que a separação dos pais causa aos filhos.
Assim, a guarda compartilhada consubstancia-se num eficaz meio de, o Estado,
a família e a sociedade, protegerem e assegurarem os direitos dos menores em
idade tenra. Não é demais lembrar que a guarda não é um direito dos pais, mas um
conjunto de atribuições a serem exercidas sempre no interesse do menor, conforme

1 Art. 2o: Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança
ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a
criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que
cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

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Luiz Carlos Goiabeira Rosa – Fernanda da Silva Vieira Rosa – Maria Helena Silveira Vaz Souza 551

sabiamente o Ministro Cândido Motta Filho asseverou, no já mencionado Recurso


Extraordinário no 60.265/RJ:

A guarda dos filhos, mais do que direito dos pais, é dever. O Código Civil
enumera, entre os deveres de ambos os cônjuges, a guarda e educação dos
filhos. A guarda é dever, enquanto ela significa não só a presença física
dos pais, mas a presença na educação, na formação dos filhos. Isso impor-
ta, evidentemente, para a solução dos problemas concernentes aos filhos.
(BRASIL, 1967)

Acresça-se que só se concederá e se conservará a guarda compartilhada se os


pais mantiverem entre si um bom ou, pelo menos, cordial relacionamento, sem refle-
tir nenhuma de suas desavenças aos filhos, e cooperação e consenso quanto à cria-
ção, à assistência e à educação dos menores, devendo sempre prevalecer o melhor
para a criança. Esse é o entendimento jurisprudencial:

CIVIL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO LITIGIOSA. GUARDA COMPARTILHADA. IMPOS-


SIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE BOA CONVIVÊNCIA E DIÁLOGO ENTRE OS
PAIS. NÃO-ATENDIMENTO AOS INTERESSES DA CRIANÇA. 1 - A guarda com-
partilhada somente pode ser concedida na medida em que os pais, mesmo
separados, mantêm uma boa convivência e diálogo a permitir a preservação
dos interesses da criança. 2 - Recurso não provido. (BRASIL, 2008)

APELAÇÃO CÍVEL - MODIFICAÇÃO DE GUARDA DE MENOR - Procedente a


ação em primeira instância para outorga da guarda ao genitor - Apelação
interposta pela mãe postulando a fixação de guarda compartilhada - Prova
a demonstrar que melhor assistência ao menor é provida pelo pai - Dis-
pensa da realização de prova testemunhal e de depoimentos pessoais não
caracterizadora de cerceamento de defesa - Inviabilidade da guarda com-
partilhada, diante da relação conflituosa entre os pais - Negado provimento
ao recurso. (BRASIL, 2008).

Dessa forma, o filho é beneficiado, há a conservação da responsabilidade pa-


rental e a possibilidade de maiores convívio, proximidade e participação ativa dos
pais na vida dos filhos. A convivência permanece a mesma (como se os pais ainda
vivessem juntos), fato esse que privilegia o afeto entre pais e filhos.

3.2 Guarda unilateral


Em contraposição à compartilhada, na guarda unilateral somente um dos geni-
tores possui a guarda do filho menor. Conforme explica Akel (2008, p. 91):

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552 A guarda compartilhada enquanto instituto assecuratório dos direitos de pais e filhos

Tradicionalmente, a guarda dos filhos, nos casos de separação e divórcio,


sempre coube a apenas um dos genitores, ou seja, sempre se reconheceu
como certa a utilização da guarda única, exclusiva, ou, ainda, uniparental,
na qual a criança é colocada sob a guarda de um dos pais, que exercerá
uma relação contínua com o filho, enquanto o outro, adstrito apenas a vi-
sitas, mantém o afastamento entre eles. Percebe-se, assim, que no regime
tradicional de guarda, ocorre a efetiva quebra dos vínculos de intimidade,
bem como a continuidade na relação entre pai e filho.

Tal espécie tem a desvantagem de minorar o direito da criança à convivência


saudável e harmoniosa com um dos seus genitores – o que não dispõe da guarda.
Isso é prejudicial para o desenvolvimento intelectual, moral e psicológico do ser
humano em formação, na medida em que não tem presente o elemento masculino
ou feminino para a construção de seu caráter, conforme seja quem detenha a guarda.
Bem explana a respeito Canezin, citada por Dias (2007, p. 395):

A guarda unilateral afasta, sem dúvida, o laço de paternidade da criança


com o pai não guardião, pois a este é estipulado o dia de visita, sendo que
nem sempre esse dia é um bom dia, isso porque é previamente marcado, e
o guardião normalmente impõe regras.

Consoante o § 3o do artigo 1.583 do Código Civil, “a guarda unilateral obriga o


pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar o interesse dos filhos”. Entretanto,
o cotidiano fático destoa da teoria legal: infelizmente e com certa frequência, em
razão das desavenças entre os pais, quem possui a guarda dificulta as visitas e a
presença do que não a detém, quando do encontro com os filhos menores. Conse-
quentemente, o genitor não detentor da guarda fica consideravelmente tolhido na
supervisão, nem sempre podendo participar ou observar eficazmente o que os filhos
necessitam para seu progresso.
Essa modalidade de guarda impede uma aproximação efetiva e afetiva entre
pais e filhos, não atendendo portanto ao melhor interesse do menor. A respeito, bem
obtempera Canezin (2009):

Neste modelo não se exige sequer que o guardião consulte o outro (pai ou
mãe) não guardião sobre as decisões importantes a tomar relativamente
ao menor. O não-guardião não pode nem direta e nem indiretamente par-
ticipar da educação dos filhos, nem goza de um direito a ser ouvido pelo
seu ex-cônjuge em relação às questões importantes da educação do menor.

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Luiz Carlos Goiabeira Rosa – Fernanda da Silva Vieira Rosa – Maria Helena Silveira Vaz Souza 553

3.3 Guarda alternada


Na guarda alternada, ambos os pais gozam da companhia dos filhos, sendo atri-
buído alternadamente o poder familiar a um dos genitores por determinado espaço
de tempo. Conforme a própria denominação de tal modelo, alternam-se entre os
pais as guardas jurídica e material, de forma a que o menor more ora com um geni-
tor, ora com outro.
A guarda alternada em muito tem sido confundida com a compartilhada. Naque-
la, há uma divisão de tempo e tarefas: cada um dos genitores, no tempo estipulado,
exerce sozinho todas as atribuições relacionadas ao filho; quando um dos pais está
com a guarda, o outro não detentor não tem nenhuma responsabilidade para com a
criança. Na guarda compartilhada, sempre serão ambos os genitores os responsáveis
pelo filho, ensejando-se, dessarte, a cooperação entre os pais em busca do melhor
interesse do menor.
Em verdade, a guarda alternada nada mais é do que uma espécie modificada
de guarda unilateral: ainda que os pais revezem-se na guarda, sempre haverá um
genitor com direito à guarda e outro desprovido desta, porém com o direito às
visitas e à supervisão.
A guarda alternada é vedada no ordenamento jurídico pátrio, e inúmeras críticas
são feitas a esse modelo de guarda. A principal delas é aquela segundo a qual tal
modalidade atende apenas ao interesse dos pais, relegando a segundo plano o dos
filhos – no que Dias (2007, p. 397) bem afirma que, ao se proceder prioritariamen-
te ao interesse dos pais em detrimento ao dos filhos, procede-se praticamente à
divisão da criança .
Grisard Filho (2009, p. 125) aponta representar, tal divisão, claro obstáculo à
consolidação dos hábitos, dos valores, dos padrões e das ideias na mente do me-
nor e à formação de sua personalidade, o que resultaria em prejuízos e traumas à
psique da criança. Segundo o mencionado autor, se por um lado há a vantagem de se
permitir aos filhos manter relações com os dois pais evitando-se a preocupação do
genitor que não está com a guarda, por outro lado, as desvantagens são o elevado
número de mudanças e as repetidas separações na vida cotidiana dos filhos, o que
torna esse modelo um verdadeiro inconveniente para a criança.
Em outras palavras, nesse tipo de guarda, a criança não tem residência fixa: ora
está com um, ora está com o outro, perdendo por completo seu referencial e geran-
do-se, assim, uma instabilidade emocional no menor. Quando a criança começa a
se acostumar com os hábitos de um lar, vem a troca, começando tudo novamente.

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554 A guarda compartilhada enquanto instituto assecuratório dos direitos de pais e filhos

Tal instituto não atende aos interesses do menor, que se torna um verdadeiro
“mochileiro” conforme esclarecem Tartuce e Simão (2008, p. 214):

Alguns a denominam como a guarda do mochileiro, pois o filho sempre


deve arrumar a sua malinha ou mochila para ir para a outra casa é alta-
mente inconveniente, pois a criança perde seu referencial, já que recebe
tratamentos diferentes quando na casa paterna e materna.

4 Conclusão
É cediço que o Direito de Família trata de laços afetivos e emocionais, de cujo
desfecho dependerá o destino das pessoas. Nessa área, revestida por aspectos sub-
jetivos, o operador do Direito deve ter sensibilidade, despir-se do excesso de for-
malidades, buscar conceitos e colaboração nas demais áreas do conhecimento. Tal
profissional deve incentivar e orientar os pais, visando à melhor solução para man-
ter os laços parentais.
Por isso, o operador do universo jurídico, em especial o atuante na seara do Di-
reito de Família, deve conhecer e buscar compreender o real alcance e a dimensão
do instituto da guarda compartilhada. É necessário que entenda o verdadeiro espí-
rito da lei instituidora desse modelo de guarda, o qual, conforme explanado, busca
democratizar entre os pais separados o exercício do poder familiar, distribuindo,
entre ambos equanimemente, os direitos e obrigações advindos dos misteres de
assistência, criação e educação dos filhos menores.
Dessarte, a guarda compartilhada tem objetivos contrários aos demais mode-
los de guarda: nesse modelo, apesar da ruptura da sociedade conjugal, o poder
familiar continua sendo exercido por ambos os pais. Esse tipo de guarda tem se
mostrado uma inovação benéfica, pois obedece a todos os princípios do Direito de
Família, bem como aos mandamentos constitucionais, do Estatuto da Criança e do
Adolescente e das convenções e tratados internacionais sobre o direito da criança.
O advento da guarda compartilhada significou um avanço, por atender às rápidas
transformações nas relações sociais.
Não se deve esquecer, contudo, que, apesar de a finalidade do modelo de guar-
da compartilhada ser incentivar e auxiliar os pais a manterem inalterada a relação
parental com seus filhos – promovendo-se assim a igualdade parental na criação e
educação dos filhos –, deve-se sopesar as circunstâncias do caso concreto, pois ha-

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Luiz Carlos Goiabeira Rosa – Fernanda da Silva Vieira Rosa – Maria Helena Silveira Vaz Souza 555

verá situações em que a guarda compartilhada poderá não ser o modelo ideal. Con-
forme é ressabido, o que se deve priorizar é o interesse do menor, e não o dos pais.

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556 A guarda compartilhada enquanto instituto assecuratório dos direitos de pais e filhos

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