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I.

INTRODUÇÃO
1.1 Introdução do Tema

O presente trabalho tem como objecto de estudo fuga à paternidade no ordenamento jurídico
angolano, sendo a família o núcleo fundamental da sociedade, tem um papel imprescindível
para garantir o desenvolvimento físico, emocional e social da criança, sem a observância de
violência como a fuga a paternidade.

Consideramos o problema do abandono familiar como sendo grave; todavia, a investigação


científica em assuntos relacionados à criança; publicação de estudos, e o aconselhamento
jurídico na perspectiva da diminuição de casos de violência no seio das famílias, são acções
que podem ajudar a mudar comportamentos e levar melhor conhecimento da legislação
relativa à violência doméstica, direitos e deveres fundamentais plasmados nos instrumentos
jurídicos que visam a protecção dos direitos das crianças, bem como a materialização do
oitavo compromisso de protecção à criança, que prevê à adopção de medidas pertinentes de
carácter político, legislativo e educativo para prevenir e combater todas as formas de violência
contra as crianças.

São conhecidas as acções de mediação de conflitos intrafamiliares, muitos lares encontraram a


reconciliação nos centros de aconselhamento familiar do MINFAMU, da OMA, e do INAC e
nas esquadras policiais depois de terem procedido a trabalhos de aconselhamento jurídico,
Pedro (2014). Pelo prestígio de que gozam os centros de aconselhamento jurídico, é de supor
que, o trabalho tem sido bem recebido pela comunidade que aceita as diligências informais de
resolução de casos de violência doméstica. Trata-se de diligências que têm permitido
“desafogar” os tribunais, já sobrecarregados com processos, com a vantagem de os meios
informais de resolução de conflitos nos lares serem céleres e não implicarem custos em
termos financeiros.

Por outro lado, a prestação de alimentos deve ser baseado nos critérios ocupados pela
necessidade dos menores, passando assim a ideia de uma certa obrigação da outra parte criar
mecanismo para dar resposta a esta necessidade, sem que necessariamente se chega ao
extremo.

No entanto, importa frisar que são claras as demonstrações de incumprimento da obrigação de


alimentos pelo devedor originário, atento a isto, o Estado, quando de facto se assegura de que,

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há concreta necessidade e que o menor não obtém outro meio hábil para buscar os alimentos,
intervém através dos órgãos judiciais.

No país, não deve caber apenas ao Estado à resolução de problemas que, pela sua natureza,
extensão e complexidade, devem merecer também o concurso de membros da sociedade, quer
de forma isolada, quer integrados em associações.

O presente trabalho está estruturado pela introdução da pesquisa que apresenta a delimitação
do tema, justificação do tema, formulação do problema, hipóteses, e objectivos. A seguir o
capitulo da fundamentação teórica. No terceiro capítulo apresenta-se a caracterização da área
de estudo, já no quarto capítulo a metodologia utilizada para realização da pesquisa. No final
as conclusões, recomendações e bibliografia.

Delimitação do tema

O tema fuga à paternidade no ordenamento jurídico angolano, está delimitado no ramo do


Direito Privado em geral, em especial na área de Direito da Família.

I.1.1. Justificativa do tema

Este tema teve uma motivação pessoal porque, como professora, tive a ocasião de observar,
conversar e conviver com menores vítimas da fuga a paternidade, por sua vez desprovidas e
carenciadas de meios de sobrevivência.

Por sua vez, teve relevância jurídico-social, uma vez que fuga à paternidade é um fenómeno
que enferma a sociedade e algumas famílias e deve ser combatida para impedir que as vítimas
de hoje não se tornem, amanhã, agressores, transgressores e promotores, conscientes ou
inconscientes, de um mal que a todos nós enferma. Todavia, a falta de conhecimento jurídico
que ainda se verifica por grande parte da nossa sociedade, o que muitas vezes impossibilita o
agente que possui a guarda do menor de perceber os mecanismos que pode utilizar para fazer
valer o direito do menor.

1.2. Formulação do Problema

Quais os factores que estão na base da fuga à paternidade em angola?

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1.3. Formulação de hipóteses

H1: A relação familiar dos progenitores influencia no fenómeno da fuga a paternidade no


ordenamento jurídico Angolano.

H2: O extremo nível de pobreza das famílias contribui no fenómeno da fuga a paternidade no
ordenamento jurídico Angolano.

H3: A degradação dos valores morais e cívicos influencia o fenómeno da fuga a paternidade
no ordenamento jurídico Angolano.

H4: O consumo excessivo de bebidas alcoólicas contribui no surgimento do fenómeno da fuga


a paternidade no ordenamento jurídico Angolano.

1.4. Objectivos
1.4.1. Objectivo geral

Caracterizar a fuga à paternidade no ordenamento jurídico Angolano.

1.4.2. Objectivos específicos


 Abordar doutrinalmente a família e os deveres na mesma;
 Analisar a fuga à paternidade como fenómeno de desestruturação famíliar do
ordenamento jurídico Angolano;
 Identificar as causas e consequências da fuga a paternidade do ordenamento jurídico
Angolano;
 Descrever a evasão das responsabilidades paternais do ordenamento jurídico
Angolano,
 Descrever o sistema de acções para o combate a fuga a paternidade do ordenamento
jurídico Angolano.

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II. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Conceitos
2.1.1. Família

A priori, a temática da fuga à paternidade está intrinsicamente ligada à família. Em


conformidade com Pedro (2014), o vocábulo família é etimologicamente de origem latina
“famulus” que quer dizer “servidor”. De facto, a partir do século XVII, a concepção de
família é mudada, equivalendo a um grupo formado pelos pais e filhos. É válido afirmar que
falar de família e suas definições ou concepções é bastante complexo, pois esta não obedece a
uma ideia unívoca ou concepções homogenias. Assim, cabe pontuar que, segundo Pedro
(2014), “família é um grupo social no qual os membros coabitam, unidos por uma
complexidade de relações interpessoais, com uma residência comum, colaboração econômica
e, no âmbito deste grupo, existe a função da reprodução biológica e social”.

Neste sentido, percebe-se que, segundo autor, a família é um grupo que não se restringe ao
laço material e biológico, mas, inclui também, o laço social e afectivo através de uma
interação e colaboração mútua entre os membros. Sequencialmente, em conformidade com a
Jacquiline (2012), “a família é o ventre ou o berço dos valores da espécie humana, tais como:
valores culturais, religiosos, deveres e responsabilidade”. Assim, percebe-se que é na família
onde o homem e a mulher recebem as primeiras orientações de vida.

Sob o mesmo ponto de vista, Trapp e Andrad (2017, p. 75), “concebem a família como agente
socializadora da espécie humana, ou seja, é na família que se inicia a primeira socialização, a
primeira interação social, a primeira relação humana, que garante um desenvolvimento dos
seus integrantes”.

No entanto, concorda-se com Cunico e Arpim (2013) “quando contemplam a família como
um sistema complexo, directamente ligado a uma contínua transformação histórica, social e
cultural”. Dito de outro modo, a família acompanha a dinâmica do tempo, conhecendo assim
mudanças a nível afectivo, reprodutivo, valorativo, emocional e relacional. Neste sentido, é
importante salientar que as famílias estão em constantes mudanças e variam de sociedade para
sociedade, desde a estrutura, a formação, constituição e a relação entre os membros. De certo,
nesta pesquisa cabe pensar a família como lugar onde se fortalece os laços afectivos e a base
da nossa personalidade.

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2.1.2. Filiação

Segundo Medina (2013, p. 99), filiação pode ser entendida como “a relação jurídica que se
estabelece entre cada pessoa e os seus progenitores. Como os demais direitos familiares, é de
natureza intercorrente e recíproca e estabelece-se entre alguém e aquele homem e aquela
mulher que o concelebram”.

Podemos entender a filiação como a relação existente entre os progenitores e filhos,


independentemente de haver vínculo biológico. Vista sob a óptica da modernidade, entretanto,
nem sempre o vínculo de filiação provém da conjugação carnal entre as partes, pois estão em
pleno desenvolvimento as técnicas de inseminação artificial. Além disso, a filiação pode ser
também decorrente da adopção.

Filiação é a relação jurídica que se estabelece entre cada filhos e os seus progenitores. Como
os demais direitos familiares, é de natureza intercorrente e recíproca e estabelece-se entre
alguém e aquele homem e aquela mulher que o conceberam. A filiação constitui por isso, o
primeiro elo, certamente o mais profundo, entre todos os que constituem as relações de
parentesco. O vínculo de parentesco é, aliás, o resultado de um encadeado mais ou menos
alargado de sucessivas filiações.

Um dos efeitos fundamentais do estabelecimento do vínculo de filiação é a atribuição ao pai e


à mãe de filhos menores de autoridade paternal. Ela visa a prossecução do fim primordial da
célula familiar que é a concepção, criação e educação dos filhos.

Segundo Medina (2013, p. 137):


É o conjunto de direitos e de deveres específicos atribuídos aos pais para a
criação e educação dos filhos é de ordem natural, existe nas sociedades
humanas desde os seus primórdio, o qual no Direito Romano era designado
de “pátria potestas” ou “potestas genetoria”, caracterizada pelo poder
absoluto do pai sobre o filho, que se prolonga por toda a vida do filho,
independentemente da idade do filho e de ser ou não casado.

2.1.3. Paternidade

Juridicamente, a palavra paternidade designa a relação de parentesco que vincula o progenitor


a seus filhos, nos termos do art.º 139.º e seguintes do CF. No curso da história e das
sociedades, o pai assume diversas posições sociais de maior ou menor importância, as quais
permitem uma abordagem diferenciada e consagrada dos deveres paternais. Actualmente o

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conceito de pai tem outra dimensão, associada a um novo movimento masculino que pretende
incluí-lo como individuo e como “agente activo” na relação com os filhos. Em função da
definição apresentada é compreensível que ser o progenitor de uma criança não garante o
vínculo afectivo significativo entre ambos. Deve-se entender por pai, aquela figura masculina
que em seu constante intermédio com a criança (num espaço de tempo determinado) escolhe
construir junto do filho laços afectivos, sendo assim, escolhidos e reconhecidos pelo menor
como pai.

2.1.4. Maternidade

De acordo Borges (2011), é de frisar que, a maternidade é um dos principais papéis que a
sociedade requer da mulher. Diante dessa premissa a mulher já carrega em si a
responsabilidade e obrigação de procriar. A maternidade é alvo de investigações, ensaios e
dissertações realizadas pelas diferentes áreas que se interessam pelo estudo do homem;
antropologia, história, sociologia, psicanálise e psicologia são alguns exemplos. Nenhuma
delas fornece um quadro completo de respostas. A mesma surge-nos como um fenómeno
demasiado complexo para que qualquer uma das referidas áreas citadas possa fornecer
elementos explicativos para toda a sua dinâmica. É necessário recorrer aos contributos que
cada uma nos pode dar para se atingir um mais completo entendimento do fenómeno.

Ter um filho é considerado em cada civilização de um modo diferente; ser mãe pode ser visto
como uma experiência perigosa, dolorosa, interessante, satisfatória ou importante, numa
determinada mulher, numa determinada civilização. A forma de a vivenciar associa-se quer às
suas características individuais quer à atmosfera cultural que a circunda.

Segundo Bravo (2011, p.54)


A maternidade, tem como pano de fundo a dinâmica da sociedade num certo
momento historicamente determinado. Inscreve-se, deste modo, em padrões
de cultura nos quais concepções como infância, qualidade de vida, direitos e
deveres dos cidadãos. Têm uma importância primordial. O estilo de
maternidade, é uma expressão da cultura e engloba um sistema de valores
relacionados com o que é a mulher e, também com o que é o filho; as atitudes
para com ela variam de acordo com as classes sociais.

Falar de maternidade leva-nos de imediato a pensar num outro conceito – o de gravidez.


Frequentemente são tidos como sinónimos mas traduzem duas realidades bem diferenciadas
entre si, tecidas que são em imaginários diferentes. De acordo Leal, (1990, p. 86), “gravidez
será o período de cerca de quarenta semanas entre o momento da concepção e o parto; é uma
fase temporalizada e que se caracteriza por modificações no corpo acompanhadas das
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consequentes vivências psicológicas”. Maternidade não corresponde a um acontecimento
biológico, mas a uma vivência inscrita numa dinâmica sócio-histórica, ou seja, envolve
prestação de cuidados, envolvimento afectivo em medidas variáveis.

2.2. Características dos alimentos

As relações obrigacionais da natureza destas ora examinadas cobrem-se de particulares


contornos, sublinhados correntemente pela doutrina, cuidando eles, em sua maior parte, de
aspectos directamente vinculados à especial finalidade do crédito alimentar, à sua função
social e, sobretudo, aos alicerces de ordem ética e moral sobre os quais ela se edifica. Desta
maneira, se apontam algumas características dos alimentos a serem prestados, segundo a
doutrina jurídica, assim tais características são: Condicionalidade; variabilidade;
reciprocidade; actualidade; irrepetibilidade; transmissibilidade; divisibilidade;
impenhorabilidade.

a) Condicionalidade

Dessa característica se cogita porque o vínculo obrigacional depende fundamentalmente de


que os pressupostos iniciais, determinantes de sua constituição, vale dizer, necessidade de
quem os reclame e possibilidade de quem deva prestá-los, venham a existir, e a persistir, para
sua constituição e permanência, para tal prevê o legislador nacional nos termos do art.º 250.º
do CF, cujo seu teor é: “Os alimentos serão proporcionais à capacidade económica daquele
que houver de prestá-los e às necessidades de quem os receba”.

Assim, a obrigação apenas tem a sua gênese na efectiva situação de necessidade de quem os
reclame, subentendida na hipótese da inexistência de bens suficientes, ou na impossibilidade
do exercício de ocupação profissional de onde viesse a extrair meios para o seu sustento, tudo
isso sem prejuízo de aquele instado a assumir o encargo possa fazê-lo sem dano à sua própria
subsistência.

Para tal, Carvalho(2002), fundamenta o seguinte:


Os alimentos serão devidos apenas excepcionalmente, quando comprovada a
necessidade do alimentando, por sua ausência de recursos (insuficiência do
que ganha com seu trabalho), e bens (no caso de possui-los, insuficiência
com sua alienação), que justifique a impossibilidade de por si mesmo prover
à sua subsistência. assim, não serão devidos alimentos às pessoas que
podendo trabalhar não trabalham. demonstrada, ainda, essa necessidade, há
que se apurar a possibilidade do alimentante de arcar com a prestação

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alimentícia desde que sua capacidade financeira permita, sem desfalque do
necessário a seu próprio sustento e manutenção.

Vale acrescentar que dentro dessa óptica, a característica sob enfoque também exige que tais
condições se mantenham, pois de outro modo a superveniência de qualquer factor capaz de
extingui-las gera a inexorável extinção do vínculo.

b) Variabilidade
A relação obrigacional derivada da lei se aplica no tempo, permanecendo todo interregno no
qual se der necessidade do alimentando, sendo absolutamente previsível a possibilidade de
alteração das circunstâncias econômico-patrimoniais do alimentante ou do alimentando.
Destarte, se presente e importante fará incidir a regra do antes aludido art.º 258.º al. c) do CF.

Nesta medida, nesse caso, a observação de Veloso:


A obrigação de pagar alimentos é uma relação continuativa ou de trato
sucessivo. A mutabilidade ou variabilidade do valor da prestação alimentícia,
por força das circunstâncias supervenientes que determinaram a mudança na
situação financeira de quem os supre, ou na de quem a recebe, numa
adaptação que tem de respeitas o princípio da proporcionalidade e da
razoabilidade à nova realidade, é um verdadeiro princípio nessa matéria,
encontrado na generalidade dos códigos, daí afirmar-se que a revisibilidade é
da essência da obrigação alimentar (VELOSO, 2003, p. 33).

Assim, se pode entender a luz do conteúdo legal estabelecido na alínea c) do art.º 58.º do CF
que a lei estabelece o princípio da proporcionalidade ao estabelecer que a fixação de
alimentos deve atender às necessidades de quem os reclama e as possibilidades da pessoa
obrigada a presta-los. A exigência da obediência desse parâmetro permite a revisão ou
exoneração do encargo.

c) Reciprocidade
Falar da reciprocidade, ela se liga ao facto de que os sujeitos da relação obrigacional não
ocupam posição fixa na relação, podendo alternar a condição com que nela ingressem, ora
sendo sujeito passivo, e portanto devedor de alimentos quando a sua situação económica lhe
permita, ora passando à situação de credor, alimentando, na hipótese de já não mais poder
prover por si suas necessidades fundamentas. Por relevante, anota-se o carácter apenas
acidental dessa característica da relação obrigacional legal, pois, como afirma Gomes (2001,
p. 414):
A reciprocidade não é característica fundamental e natural da obrigação alimentar,
mas simples elemento acidental, que se apresenta em algumas situações. As

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obrigações de elementos originários de outras fontes não são recíprocas, senão
somente a que deriva da lei com fundamento na existência do laço familiar.

Desta maneira, importa realçar que outras características marcam também a relação
obrigacional alimentar sob estudo, dentre elas se destacando:
a) Incompensabilidade;
b) Impenhorabilidade.

Relacionado com isso, mesmo em se tratando de trabalho voltado à dimensão da tutela do


direito aos alimentos, julga-se oportuno recuperar a memória sobre esses seus atributos
peculiares, uma vez inegável sua influência naquela esfera, passando-se, então ao exame de
cada qual com a brevidade recomendável.
A par disso, o legislador ordinário angolano, nos termos do plasmado nos termos do art.º
259.º do CF, agrega as características legais afirmando que o direito a alimentos é
imprescritível, irrenunciável, intransmissível a terceiro e impenhorável.

d) Actualidade

Se torna indiscutível o facto de que as prestações alimentares se prestam ao atendimento de


necessidades actuais ou futuras daquele a quem devam ser entregues, sendo inconcebível a
sua projeção para o passado. Com efeito, não haveria por que admitir a retroação do vínculo
alimentar uma vez condicionada sua constituição a um quadro de necessidades a serem
atendidas, no mínimo, a partir de sua eclosão, sendo inadequado fixá-las para período
anterior.

Por esse motivo, Monteiro (1999 p. 307) apregoava:


Os alimentos objectivam a satisfação de necessidades actuais ou futuras e não
passadas (in praeteritur non vivetur ou nemo vivitur in praeteritum). Têm eles
finalidade prática, a subsistência da pessoa alimentada. Se esta, bem ou mal,
logrou sobreviver sem recorrer ao auxílio do alimentante, não pode pretender,
desde que se resolveu a impetrá-lo, se lhe concedam alimentos relativos ao
passado, já definitivamente transposto. A pensão alimentícia em hipótese
alguma poderá ser subministrada para Período anterior à propositura da
acção, não se atendendo, portanto, a necessidades passadas.

Neste sentido, por via de seu entendimento predominante, tem mesmo acentuado o
desaparecimento do carácter alimentar daquelas prestações vencidas que o credor adormecido
deixou de executar a tempo e a hora, caso em que resulta completamente interditada a vereda
da execução com vias constritivas mais rígidas.

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e) Irrepetibilidade

As prestações alimentícias devidamente entregues pelo devedor não podem ser restituídas,
como, aliás, consensualmente a doutrina admite. Fala-se, a propósito do fundamento dessa
característica, repousando para alguns no dever moral, para outros a quantia despendida a esse
título seria naturalmente irrestituível. Nesta medida, o incontestável, no entanto, é que essa
característica deriva do facto de se tratar a prestação alimentar de um bem consumível, sendo
então naturalmente inviável sua restituição.

Nesse caminho, aliás, faz boa anotação Dantas (1991, p. 338) quando fundamenta o seguinte:
Desde o momento em que o juiz reconheceu os alimentos contra determinada pessoa,
passam a ser devidos, e pode acontecer que posteriormente, por qualquer outro meio
de impugnação legal, o alimentante demonstre que não devia os alimentos, que já os
pagou, e pede então que os alimentos lhes sejam restituídos. Deve-se ou não atender?
A primeira regra é que o alimentando não deverá restituição alguma de alimentos, a
não ser que tenha já obtido a prestação de alimentos de outra pessoa, porque se tomou
os alimentos e os consumiu não se pode pretender tenha enriquecido a custa alheia, e,
por conseguinte, não está em condições de enriquecimento ilícito, que criaria a
obrigação de restituir o consumido.

No entanto, em consequência, que a denominada irrepetibilidade tem razão de ser localizável


em fundamento um tanto mais além das meras aparências, alicerçada, assim, nas funções às
quais se destina responsáveis por sua condição de bem consumível, tanto quanto pela
inviabilidade de sua percepção, salvo situações excepcionais.

Nessa premissa, diga-se, é que se pode admitir em caráter excepcional a restituição de


alimentos quando ferida a regra precitada, solução referendada por doutrina e jurisprudência
nas situações das quais se puder extrair conclusão seguríssima sobre a ausência de
pressuposto essencial necessidade.

f) Transmissibilidade

Outra característica da relação obrigacional alimentar é sua transmissibilidade aos herdeiros


do falecido, em consonância com as disposições do art.º 249.º do CF, que a determina de um
modo geral, com o fito de evitar solução de continuidade na entrega das prestações ao
alimentado. Considerado o alcance da regra, o encargo alimentar vincula os herdeiros do
alimentante falecido, sendo-lhes imposta na proporção dos respectivos quinhões o dever de

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responder pelas prestações vencidas e por se vencer após a morte do alimentante conforme o
plasmado nos termos do art.º 258.º al. a) do CF.
g) Divisibilidade

Quanto a esta característica, realça o dispositivo do art.º 253.º nº 1 e 2 do CF, veio consagrar
posição já assentada no sentido de se configurar a obrigação alimentar como divisível,
podendo ser imposta a diversos co-devedores, responsabilizados nesse caso cada qual por uma
específica quota-parte, proporcional à sua condição económica. Pois, o legislador traz a
seguinte redacção “. Quando a obrigação de alimentos recaia sobre mais do que uma pessoa, a
prestação de cada uma delas será proporcional à respectiva capacidade económica”. Para tal a
nossa legislação chama a essa generalidade de sujeitos prestadores de pluralidade de
obrigados.

Como se afirmou, tradicionalmente a opinião sobre a divisibilidade da obrigação alimentar se


fazia presente, independentemente de previsão legal, esclarecendo bem seus fundamentos,
neste sentido Cruz descreve que:
A obrigação da prestar alimentos nem é solidária, nem é indivisível. Antigos
autores, como Pothier, reputavam solidária a obrigação alimentar, mas hoje a
doutrina e a jurisprudência francesas já se firmaram no sentido contrário,
considerando-a não solidária e divisível, tendo em vista que a solidariedade
não se presume, tendo que resultar de um texto de lei ou de convenção das
partes e que o objecto da obrigação de alimento uma quantia em dinheiro é
essencialmente divisível. (CRUZ, 1961, p.31).

Sendo assim, vale a pena assinalar que apenas duas questões ainda comportam alguma
discussão, a primeira sobre a possibilidade de chamada dos co-responsáveis ou pluralidade de
obrigados a prestarem alimentos para a composição da lide, aspecto sobre qual, ao menos pela
norma, é possível enxergar hipótese de litisconsórcio passivo facultativo, sem definição exata
do modelo de intervenção de terceiros, dada que sui generis.

h) Impenhorabilidade
A destinação do crédito alimentar, realmente, o lança para fora do círculo dos bens
alcançáveis por virtuais credores do alimentando, naturalmente ficando ele inserido no
contexto do patrimônio mínimo, indispensável à guarnição de suas necessidades
fundamentais. De resto, há de ser lembrada, para finalizar, outra característica.

O direito aos alimentos se submete a um regime jurídico específico, como já visto,


notabilizando-se por ser personalíssimo, titularizando-o, assim, apenas aquele que em razão
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da relação parental ou da condição de cônjuge ou companheiro, aspecto em razão do qual ele
se torna insusceptível de cessão, ou incessível. “O crédito alimentar é inseparável da pessoa.
Não pode ser cedido a outrem. Tratando-se de crédito incessível, a transferência acaso
realizada não é somente inoponível a terceiros, como inválida entre as partes.” (PEREIRA,
2004, p. 501).

A prestação alimentar não tem ordinariamente o mesmo conteúdo em toda e qualquer


situação, assim como é igualmente verdadeiro que a julgar pela fonte de sua emanação se
torna possível estabelecer distinções importantes, tanto quanto se dá se apreciadas a partir das
respectivas finalidades.

Por isso, classificam-se as obrigações alimentares a partir de diversos critérios, produzindo-se


tecnicamente modelos de obrigação distintos em suas especificidades, a depender do ponto de
partida a partir do qual sejam avaliadas. Inventariar as espécies de alimentos a partir de seus
respectivos critérios se faz necessário, pois suas peculiaridades repercutem, sim, no tocante à
tutela indispensável ao direito em causa.

2.3. Concepção sobre a fuga à paternidade

A fuga à paternidade é um fenómeno complexo e recorrente nos órgãos de comunicação


social, sobretudo um problema sensível que exige uma reflexão profunda, quer por parte das
suas vítimas, quer por parte daqueles que intervêm como especialistas na resolução destes
casos. É um fenómeno frequentemente associado aos homens que se recusam assumir à
paternidade, as mulheres colocam-se igualmente como vítimas destes actos.

Dentre as várias implicações, a fuga à paternidade é uma das causas do elevado número de
casos de crianças fora do sistema de ensino, ou seja, inclusive muitas crianças chegam à idade
escolar, sem documentos de identificação, uma vez que, os pais se recusaram ou
negligenciaram-se proceder ao registo das mesmas, crianças de rua, elevado número de
crianças nos centros de acolhimento, delinquência juvenil e o consumo de drogas por parte de
menores. A dificuldade de integração dessas crianças, radica no facto de serem oriundas de
famílias monoparentais, e muito vivem com os respectivos parentes, tratando-se da família
alargada, como tios, primos, avós, tias ou outros membros da família, que na pior das
situações exercem a autoridade paternal.

A família é o grupo social no qual os membros coabitam unidos por uma complexidade de
relações interpessoais, com uma residência comum, colaboração económica, e no âmbito
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deste grupo existe a função da reprodução biológica e social. Segundo esta visão, a família é
considerada como sendo o primeiro grupo humano organizado, e como célula básica da
sociedade. Daí a importância que no passado e no presente se tem dado à família, e as
mudanças que caracterizam a sua estrutura, nas relações dentro e fora dela, com influências
recíprocas na mudança. Leandro (2021), realça que a noção da família, sendo
etimologicamente de origem latina, do vocábulo famulus cujo significado é servidor, só no
século XVII aparece com uma definição restrita, isto é, próxima aos nossos dias, o
equivalente a família firmada pelos pais e os seus respectivos filhos.

Entendemos, abandono parental como conduta, acto ou omissão de natureza criminal e social,
reiterada ou não de recusa de paternidade pelos pais biológicos ou adoptivos, que priva a
criança de condições indispensáveis ao seu desenvolvimento integral. A primeira entende-se o
acto em que os pais se recusam a estabelecer vinculo de filiação com a criança, do ponto de
vista legal e afectivo, ao passo que a segunda tem a ver com os casos em que os pais,
efectivamente estabelecem o vinculo de filiação com a criança, mas não exercem
adequadamente à paternidade.

Segundo Moreira (2009, p.74) “o conceito de fuga a paternidade contém sim um sentido de
exclusividade em relação ao pai que se recusa a assumir o filho, preferimos designá-lo de
abandono parental que é extensivo aos pais que abandonam os filhos, independentemente do
sexo”. O conceito de abandono parental é abrangente e adequado a tipologia dos casos
verificados em Angola, em que existem igualmente casos de mães que abandonam os filhos.

2.4. Fuga à paternidade como forma de violência

Se por um lado, consideramos a família como uma instituição social extremamente importante
para a socialização do individuo, por outro, devemos admitir que é uma instituição em que os
seus membros estão propensos à violência física, e profundamente a violência, é difícil de ser
identificada e principais alvos as mulheres e as crianças pela condição peculiar da sua
dependência psicológica e económica. A violência a que nos referimos é sinónimo de
violência psicológica, como refere o art.º 3.º alínea c), da Lei Contra a Violência Doméstica:
“A violência psicológica é toda conduta que causa dano emocional, diminuição de auto-
estima ou que prejudica e perturba o pleno desenvolvimento psicossocial”. A fuga à
paternidade é uma forma de exercício da violência simbólica porque expõe a criança a
situações que atentam a sua integridade física e moral.

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2.5. Abandono parental como forma de violência económica
A fuga a paternidade é a forma de violência económica porque implica também, a herança e
outras questões patrimoniais. É um fenómeno que exige uma reflexão profunda no sentido de
apelar à consciência dos pais, que as crianças não pediram para vir ao mundo, muitas vieram
de forma voluntária e outras, se calhar, não, em todo caso, são seres humanos, têm a sua
dignidade e direito à vida e merecem ser tratados como tal, nos termos dos artigos 30.º, 31.º e
32.º da CRA, conjugado com os artigos 3.º e 25.º da Lei Contra a Violência Doméstica.

A protecção das crianças contra todas as formas de violência, é um direito fundamental


garantido pela Convenção sobre os Direitos da Criança e de outros tratados e normas
internacionais de direitos humano. No entanto, independentemente da circunstâncias
económicas, sociais, culturais, religiosas ou étnicas das crianças, a violência ainda é uma parte
muito real da vida de milhares de crianças no seio das violências, porque a criança de bens
indispensáveis ao seu desenvolvimento.

Medina, (2013, p. 418) afirma que:


A pensão de alimentos é uma prestação paga mensalmente ao progenitor que
fica com a guarda das crianças em caso de divórcio ou separação, para que o
progenitor que não tem a guarda da criança contribua para as despesas de
sustento da criança.

Por forma, a guarda fica com os progenitores e o outro tem a obrigação de o sustenta. A
pensão de alimentos contempla todas despesas relacionadas com o menor: habitação,
alimentação, vestuário, saúde, transportes, calçado, etc. na falta de acordo dos pais, cabe ao
tribunal fixar o seu montante, segundo critérios de equidade e, apesar de não existir nenhuma
fórmula para o valor, os dois devem contribuir de igual forma.

Entretanto, os danos decorrentes do abandono familiar das crianças são irreparáveis para todo
seu desenvolvimento, incluindo aquelas transgeracionais que podem desencadear uma
perpetuação de acto semelhantes, aquando do exercício da função paternal, ou seja, um
individuo que não tenha sido educado pelos seus pais, tendem a reproduzir a mesma situação
nos seus descendentes.

2.6. Construção social da paternidade

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Deve-se desvincular a figura do pai da ideia do progenitor, ainda que o vínculo apareça como
desejo, e sem dúvida nenhuma como ideal, para muitos. As relações são determinadas pela
convivência permanente com a criança, a forma como as crianças se sentem queridas,
aconchegadas e amadas pelos pais define o respeito e admiração que têm pelos mesmos.
Trazer ao mundo um ser inocente exige de cada um de nós responsabilidade e maturidade.
Parafraseando Durkheim (2010, p. 27), podemos considerar que a responsabilidade paternal é
um facto social, abarcando todos dos pais são determinados socialmente e sendo independente
da vontade dos indivíduos.

Não nascemos pais, mas nos tornamos tais figuras mediante uma construção social baseando
no que a família, a sociedade e as pautas culturais vão depositando nas nossas histórias
pessoais, quer dizer, no processo de apreensão da cultura. Mais ainda, os filhos constituem um
guia orientador de tal construção, visto que as condutas e afectos podem nos afirmar ou não
ao vínculo parental que estabelecemos.

2.7. Formas e níveis de fugas à paternidade


2.7.1. Fuga afectiva

De acordo Bolieiro (2014, p.93)

Das cinco grandes áreas de desenvolvimento psicológico humano,


nomeadamente afectiva, sensorial, motora, social e cognitiva, gostaríamos, de
entre todas elas, destacar neste título o desenvolvimento afectivo, por ser a
base que determina o equilíbrio do funcionamento e desenvolvimento de
todos os outros. Isto porque é pelo afecto que os progenitores nutrem ou
deveriam nutrir, a sua relação, da qual nasce a pessoa; e é o facto que o pai e
demais sociedade dedicam à mãe que fazem com que esta transmita
mensagens de energias agradáveis ao bebé, que vão, por sua vez, alimentar
um cérebro e um corpo em formação.

Mas não basta que a gestante seja bem tratada pelo pai da pessoa que vai nascer, também
necessário é que, depois do parto, a mãe continue a receber boas energias por parte do pai da
criança assim como do meio familiar e social que a rodeiam. Pois são essas boas energia e a
estabilidade emocional da mãe que serão sentidas pela criança durante a amamentação, o
banho, a estabilidade emocional da mãe e demais actividades da rotina diária. Só assim haverá
a transmissão de segurança, sossego e bem-estar para a criança. Quer dizer, o afecto recebido
pela mãe é transmitido também no leite com que se amamenta a criança como oferta divina,
no suspiro agradável da mãe e do pai quando os três olhares se cruzam numa cumplicidade
misteriosa, isto é, o bebé aprende sensorialmente esta triangulação afectiva. O seu inocente

15
olhar que ainda pouco se fixa nos pormenores da realidade envolvente, aprende o olhar
sorridente de uma mãe amada e logicamente um olhar seguro de um pai assumido.

O facto é observado no sorriso da mãe e do pai, por estarem satisfeitos e, logicamente, alegres
com o nascimento de seu filho. Enfim, tudo o respira afecto e amor traduz-se um milagre
indescritível. Aliás, as primeiras tentativas do bebé de se sentar, de andar, de correr, de
balbuciar as primeiras palavras, as primeiras tentativas de levar a comida à boca de forma
mais autónoma, com as suas pequenas bonitas e mãos-inocentes e ainda isentas de qualquer
maldade, é de facto tudo mistério e beleza.

Todo o bebé de forma serena e segura se tiver como apoio uma plataforma familiar estável,
saudável. É de facto tudo bem bonito como se poderia com a vida de uma borboleta que poisa
sobre uma flor desabrochada, sobre o qual se deleita. Só assim poderia narrar o ministério que
encerra o lado da afectividade humana, sobretudo transmitindo como energia que se acumula
e se alicerça nos patamares da construção da personalidade em desenvolvimento desse
pequeno ser, que amanhã será grande homem, uma grande mulher por força e graça a essa
energia maravilhosa: o amor.

Segundo Santos (1999, p.73)

A pessoa humana nasce com um aparelho anatómico-fisiológico, que nos


permite receber e incorporar amor que, tempos depois, tal como quando
plantamos uma rosa de porcelana (rosa selvagem): se adubarmos
convenientemente e a regarmos com frequência, viremos que ao prazo de
menos de um ano, nos vai dando rosas atrás de rosas que exalam um aroma
caracteristicamente agradável, que vai do exótico ao sensual. Assim se parece
o amor e o afecto que se dá e que se recebe de uma criança. Isto porque no
“namoro dois assim foi”, uma relação de amor reciproco.

Portanto, o afecto da criança expressa-se em todo o comportamento social posterior que


estava desenvolver. É nesse comportamento que verão o que foi investido, ou não. Podemos
considerar como exemplo as seguintes expressões: “desculpa; muito obrigada; perdão; te amo;
gosto disto; não gosto disto, detesto desse.; eu amo você; és bonita; tu és um amor de pessoa;
tu és a razão da minha existência; Te sou grata pera vida toda; é graças a Deus que hoje sou o
que sou; Deus é a razão da minha existência; Sem Deus não vou a lado nenhum; a natureza é
linda; seja bem-vindo; volte outra vez; não gostei nada do que me fizeste...”

Por outro lado, expressões menos agradáveis: não volte mais; és parvo; és pacóvio; tu não
prestas para nada; tu não vales nada; tu és medíocre e odeio-te; esse aí não dá para nada; ele é
feio. Todas essas palavras expressam atitudes que foram assimiladas pelo individuo no seu
16
processo de socialização. Ora bem, ninguém dá o que não recebeu ou seja expressa essas
palavras em momento de alegria, regozijo ou bem-estar emocional se nunca lhe haviam sido
dirigidas em circunstâncias semelhantes. De igual forma ninguém expressa rancor, raiva, ódio
se em toda a sua vida nunca terá observado ou vivenciado em sua interação com os seus
congéneres hostilidade ou nunca alguém se lhe tenha dirigido ou manifestado essas emoções
negativas. Por tanto, ninguém dá o que não recebeu.

2.7.2. Fuga à pensão de alimentos

Segundo Melo (2010, p.97) “a pensão de alimentos tem sido o grande “calcanhar de Aquiles”,
no que tange à fuga a paternidade”. Nos últimos tempos as famílias, os tribunais e a igreja
debatem-se muito com esta temática. Todos podemos concordar com o facto de que ninguém
pode sobreviver sem comer. No entanto, quando se toca nesta matéria tende-se a generalizar a
questão e alguns, poucos muito poucos indivíduos, sobretudo os pais, quando pressionados
pelas instituições já referidas acima, apressam-se a colocar nos bancos alguma quantiazinha
de dinheiro para calar a boca da mãe das crianças. Há pouco falávamos de poucos homens.
Sim, poucos homens porque no universo de pais que abandonam os seus filhos menores, os
que ainda acedem doar alguma propina (mesmo que pequena), seja por terem sido
pressionados pelas autoridades ou por “autoconsciência”, são de facto uma gota de água no
oceano, dentro deste pacote do problema da fuga a paternidade.
De acordo Oliveira (2006, p. 65)
Uns alegam que não podem voltar a ver os filhos porque ela não deixa, e no
entanto não se dirige ás autoridades para recuperar o seu direito à
paternidade. Outros dizem que não podem dar dinheiro aos filhos baseando-
se no facto da mãe já terá arranjado marido e que, por causo disso, não
podem lá ir levar o dinheiro ás crianças, nem tão pouco falar com ela. Tudo
isso como se não existissem tribunais para se reivindicar o direito à
paternidade. Alguns outros alegam que não dão a pensão de alimentos porque
o que ganham também mal chega para si.

Há uns que dizem que não podem dar a pensão de alimentos porque “eu não trabalho,
portanto, não posso roubar para sustentar filhos. Ela é que quis sair de casa. Ela que aguente.
Eu não tenho nada haver com isso”. Outros prófugos-progenitores, alegam não dar a pensão
de alimentos porque: “mudei de província pelo que nunca mais os vi. Nem a mãe nem os
filhos”.

Há aqueles, ainda que alegam “os pais não permitem que eu vá lá ver os filhos”. Certos
prófugos-progenitores mal terminaram a relação com a ex-mulher (mãe antigos filhos), já
estão envolvidos com outra ou outras mulheres que tomam as rédeas do poder, deixando-os
tão fragilizados em matéria de apoio aos filhos, que os vão fazendo afastar paulatinamente dos
17
mesmos em favor dessa nova mulher e novos filhos. Assim, alegam o seguinte: “a minha
mulher actual não permite que eu vá ver os meus antigos filhos para não me envolver outra
vez com a sua mãe. Eu não quero problema com a minha nova esposa”. Assim, começa uma
nova vida, novas esposas e novos filhos.

De acordo Pimenta (2012, p.88)

Há ainda aqueles que recebem conselho de outros prófugos-progenitores: “é


pá, deixa essa senhora não vais lá nada! Quanto as crianças não ti preocupes.
Eles nunca se vão esquecer que tu és mesmo o pai. Um filho nunca esquece o
seu pai. Olha os meus filhos e a minha ex-mulher também tinham muitas
maninhas. Larguei tudo, fui à minha vida e vê só: não é por isso que os meus
filhos não cresceram sem os meus olhos. Cresceram, tão formados e são
meus amigos. Procuraram-me, falam tão bem comigo! No outro dia até o
meu filho convidou-me para eu ir jantar lá em casa dele. E a minha filha até
já me ofereceu um grande relógio como prenda de anos. Uma vez ou outra,
telefona-me e convida-me: “papa vem jantar comigo!”. Portanto não te
chateies com o facto de ela não te deixar ver os filhos. Os filhos quando são
pequenos são sempre das mães. Larga a senhora com os filho dela e verás que
estarás com a tua consciência tranquila”.

Como é possível que uma criança tenha um bom rendimento escolar sem se alimentar em
condições? Como é possível uma mãe dar o sustento aos seus filhos sem a ajuda financeira do
pai dessas mesmas crianças? Quanto mais dar-lhes instruções e formação para o futuro? Criar
filhos e instruí-los para os validar para um futuro mais risonho quer esforço dos dois
progenitores: presença assídua, patrocínio financeiro e cooperação entre os dois!

2.7.3. Fuga póstuma à paternidade


Enfatiza Sá (2021) “essa fuga consiste no desaparecimento do progenitor, que se afasta da
província, do país ou da face da terra, sem deixarem um rastozinho, a partir do qual seja
possível identificar as pegadas do prófugo-progenitor”. Quanto aos que deixam a face da
terra, e por força da cultura do Berço Negro- estes tornam-se prófugos-progenitores póstumos,
ou seja, mesmo conhecendo os hábitos e costumes da sua região, etnia, tribo ou clã, nada
deixam escrito antes de partirem para eternidade. Infelizmente, mal o individuo fecha os
olhos, a primeira coisa que fazem os familiares (pais, irmãos e primos directos) do falecido é
usurpar tudo o que o recém-falecido construiu e angariou com o seu esforço e, muitas vezes
com a árdua colaboração da mãe dos órfãos, sua esposa.
Isto é o que acontece comumente na África do Berço Negro, Angola em particular. Inclusive,
em certas situações, mesmo tendo deixado o falecido um testamento e tendo as autoridades
jurídicas, com base nesse documento, aplicado a salvaguarda dos direitos dos filhos e da
esposa, ainda assim as leis costumeiras defendem os usurpadores, deixando os órfãos
18
herdeiros no olho da rua ou sem pão na boca. Os familiares não se coíbem de praticar esses
actos hediondos, nem tão poucos lhes passa pela cabeça que estão a praticar uma acção de
pura violência doméstica contra a família do falecido (mulher e filhos). Vejamos o artigo 25.º
da Lei contra a Violência Doméstica. Apesar da lei estar tão bem explicita, ainda assim
atenta-se de forma completamente destemida, contra o bem social que é a família num puro
desafio contra as leis convencionais (não têm nada a ver com as leis da África do Berço
Negro, Angola de modo mais especifico).

2.7.4. Paternidade e desconstrução da figura paterna


De acordo com Vieira (2015), “paternidade vem do latim, paternitas, refere-se à condição de
ser pai ou à figura paterna. Em geral, usa-se este termo para caracterizar qualidade ou efeito
de ser pai”. O pai, como progenitor, é projectado como um dos agentes promotores dos
direitos fundamentais da criança, garantindo assim um crescimento e desenvolvimento
harmonioso. Entretanto que, não existe um modelo próprio de paternidade, pois ela é
resultado da experiência vivida e sentida de modo subjectivo. Deste modo, cabe pensar: a
construção da paternidade, e os elementos que estão dentro desta construção.
No âmbito da paternidade, encontramos, ainda, o poder paternal. Segundo o autor angolano
Pintinho (2018, p.62):
“O poder paternal é um direito que cabe aos pais sobre os filhos. Este direito
exercido pelo pai, garante a criação do filho com amor, assistência,
afectividade e dignidade”. Adianta-se que “um filho desejado terá plenas
condições de se tornar um cidadão comprometido com o desenvolvimento da
sua comunidade”.

Contudo, tendo em conta a afirmação ora citada, nem sempre o filho desejado, amado e
acarinhado torna-se uma pessoa generosa com a sua comunidade. Em Angola, na província de
Luanda, já se constatou muitas crianças nascidas no berço de ouro, ou seja, lar bem
constituído, que tornaram-se adultos egocêntricos, marginais, fora da lei e não comprometidos
com o bem. Com isso, há necessidade de não se desenhar um quadro necessariamente
negativo com relacção às crianças que não crescem junto de uma família constituída. A
desconstrução da figura paterna começa quando desvincula-se a paternidade da ideia ou
princípio biológico. Certamente, é importante realçar, gerar o filho não garante a relação
afetiva com o mesmo, pois a constituição do laço afectivo não é algo que acontece de forma
automática, é necessários o empenho e a conquista.

De acordo com o autor Pedro (2014, p.38):

19
O pai é aquele que constrói com o filho laços afetivos duradouros. A figura
paterna não pode ser contemplada como construção biológica determinada,
porém construção social. Ademais, veja-se que “pai é aquele que desempenha
o papel de protector, educador e provedor e o progenitor é aquele que
simplesmente gera”.

Nesta óptica, o autor faz perceber a diferença entre pai e progenitor. Portanto, mostra também
o autor a necessidade de desconstruir o conceito tradicional que se tem de paternidade. Desta
forma, nesta pesquisa, cabe a proposta da desconstrução da figura paterna, pensar a
paternidade de uma outra visão, diferente da construída através de diversas narrativas. De
facto, levanta-se a questão: Na ausência do pai, qualquer outro membro da família, ou seja,
mãe, tio, tia, avô e outro, pode desempenhar o papel de pai? já que muitos progenitores não
conseguem dar conta da responsabilidade e peso que a função de pai carrega. És a questão a
ser analisada durante a pesquisa.

2.7.5. Esboço histórico da fuga à paternidade em Angola

A fuga a paternidade é uma problemática, que se enquadra ou pode ser compreendida na


ordem sociológica, psicológica, histórica e ainda antropológica. De certo que esta
problemática surge em Angola há várias décadas, todavia, nos últimos tempos, tem crescido
de forma descontrolada um pouco por todo o país. Angola é localizada na África central
ocidental a sul do equador, em tempos mais recuados, antes da chegada dos Europeus, frisa os
autores WHEELER, e PELISSIER, (2011, p.20), “os principais grupos etnolinguísticos em
Angola foram os bakongos, os kimbundos, os ovimbundos, os lunda-quioko, os nganguelas,
os nyaneka-Humbe, e os hereros”. Na província de Luanda, habitava o povo ambundo que
fala quimbundo e que também mantinha o sistema de parentesco forte.

Actualmente, a fuga à paternidade tem sido alvo de preocupações de muitos,


que por razões de sua exigência profissional (juízes, procuradores,
advogados, assistentes sociais, psicólogos e educadores) ou por gesto de
solidariedade, voltam-se para causa de crianças e adolescente angolanos em
situação de abandono, conflito com a lei e/ou de institucionalização.
(PINTINHO, 2018, p. 20)

Neste sentido, é possível realçar que, além de ser uma problemática local, isto é, no bairro da
Estalagem, ela transpassa município, província e se estende, um pouco, por todo o país. São
visíveis os numerosos casos discutidos em tribunais e as leis criadas em torno deste fenómeno
e da criança como a principal vítima. Existem factores que, de certo modo, têm grande
impacto no aparecimento deste fenómeno, dentre eles, a violência doméstica, divórcio,
bruxaria (feitiçaria) e a colonização.
20
2.7.6. Violência doméstica em Angola

De acordo com Pedro (2014) em princípio, cada família é única na sua forma, representação e
especificidade, embora esteja intrinsecamente ligada a qualquer que seja a sociedade. Por
conseguinte, reconhece-se que cada família tem os seus mecanismos ou métodos de resolução
de conflitos ou desentendimento. Porém, em Angola, sobretudo, na província de Luanda, um
fenômeno tem preocupado, nos últimos anos, várias instituições, este fenômeno é a violência
doméstica que afecta várias famílias e a sociedade em geral. Adianta-se que, violência
doméstica pode ser toda violência que ocorre no seio do lar ou da família. Em Luanda, os
números de casos têm crescido.

Na optica de Reis (2009) entende por violência doméstica, toda a acção ou omissão que cause
lesão ou deformação física e dano psicológico temporário ou permanente que atente contra a
pessoa humana, nos termos do artigo 3.º da Lei Contra a Violência Doméstica. O fenómeno
pode resultar de um desentendimento na família, tendo o confronto físico ou verbal como
forma de resolução do conflito. De certo, quando há conflito entre o casal, vezes sem conta,
ocorre violência entre eles que pode levar à separação parcial, divórcio, prisão do/a agressor/a
ou ainda à morte. Diante disto, o filho sofre as variadas consequências da situação. Outrossim,
pode ocorrer violência doméstica em direcção à criança, quando esta passa por maus-tratos,
ofensas físicas ou verbais. Como consequência muitas crianças fogem como tentativa de
livrar-se da violência no lar, por não aguentar tanta violência e, assim, tornam-se crianças
moradoras da rua, distantes do amor dos pais, da assistência afectiva e financeira, e ainda,
passam a viver em lares ou instituições acolhedoras.

Em Angola, a aprovação, pela Assembleia Nacional, da lei contra violência


doméstica configura-se como uma medida de grande alcance para a
pacificação e harmonização nos conflitos no seio da família, aliadas às outras
medidas de educação”. (PEDRO, 2014, p. 99).

Diante deste facto, é sabível afirmar que o Ministério da Família e Promoção da Mulher assim
como outras instituições voltadas à questão da família e da criança, em Angola, sobretudo, em
Luanda, tem-se empenhado na busca de soluções para o fenómeno. Actualmente, a violência
doméstica constitui crime, além disso, percebe-se que o governo angolano preocupado em
defender a criança e, neste sentido, tem buscado promover acções que permitam o seu
desenvolvimento harmonioso.
21
2.7.7. Divórcio no meio familiar

O divórcio aparece como o rompimento do casamento, é um dos factores que influencia a


fuga à paternidade, tem grande implicância nas relações entre pais e filhos inegavelmente. O
divórcio é um dos eventos que provoca grandes reações na vida dos filhos, ou seja, os filhos
(as) são as principais vítimas deste fenómeno. Entendemos que, há enfraquecimento na
participação financeira e moral dos pais separados na vida dos filhos, diferente de como era
antes de acontecer o divórcio. Dito de outra forma, o divórcio quebra a unidade familiar e
com isto fragiliza a boa relacção entre o pai e os filhos; muitos pais deixam de dar assistência
e de cumprir com a sua verdadeira responsabilidade, pois acabam se encontrando distante do
filho. O divórcio é o principal factor de fragilidade ou enfraquecimento das relacções
familiares, sendo que o casal separado tende a investir no novo relacionamento ou na nova
família em formação sem se importar com os filhos da relação passada. O divórcio é o
principal causador das famílias monoparentais, (KASLOW, 1995).

Segundo a convivência e observação diária, em muitos casos, na província de Luanda, após o


divórcio, o pai tende a perder o domínio das relacções e da responsabilidade com o filho
consequentemente, pode-se configurar a uma situação de “fuga à paternidade” ou, dito de
outro modo, o abandono afectivo. Entretanto, embora o divórcio possa prejudicar o filho, é de
salientar que, em muitos casos, o divórcio surge como solução de problemas que
determinadas famílias enfrentam. Por exemplo, uma família com constante violência
doméstica, vive um divórcio não oficializado. Assim, quando este é oficializado, acaba por
dar solução a um problema que terminaria em tragédia (morte). Com isto, é perceptível pensar
o divórcio como resultado de várias situações que afetam negativamente um casamento.

Feitiçaria

De acordo Pintinho (2018, p.54)

Primordialmente, é necessário salientar que Angola faz parte do grupo


africano “bantu” que situa em toda África central e austral. Assim sendo, a
feitiçaria é algo profundamente enraizado na cosmogonia Bantu, ou seja, faz
parte de uma concepção organizada na ideia de reciprocidade entre os dois
mundos: o mundo material e o mundo espiritual.

22
Concebe-se na cultura bantu a feitiçaria como uma manifestação, uma realidade e acção
credível, pois interfere nas relacções pessoais. O fenomeno é tida, na visão de mundo bantu,
como manipulação de forças advindas do outro mundo para fins individualistas. Certamente,
muitas vezes, os fins individualistas, para os quais se usa a manipulação das forças, estão
ligados às atitudes nocivas a outrem, ou seja, a feitiçaria pode ter um cunho maléfico.

Adicionalmente, a feitiçaria, em Angola, como já se referenciou, é uma realidade. Assim, o


feiticismo é uma questão cultural, e que se reproduz através da educação. Dito de outro modo,
embora a feitiçaria não seja estudada nos currículos escolares de forma directa, indirectamente
se aprende, se conversa sobre isso e, em muitos casos, ela é subterfúgio para explicar os
infortúnios constantes e comportamentos sociais que não possuem uma explicação concreta,
quer dizer, que não se esgota em uma explicação acadêmica. Em função dos elementos
destacados, a grande questão que se coloca é a seguinte: como a feitiçaria pode ser um factor
que influencia a fuga a paternidade?

Decerto, para responder hipoteticamente a esta pergunta, é fundamental trazer duas formas
pelas quais a feitiçaria ou bruxaria pode ser factor que influencia a fuga a paternidade, em
Angola, na província de Luanda. Em primeiro lugar, “crianças que são acusadas de feitiçaria”
e, em segundo lugar, “pais que por obra da feitiçaria”, seja feita pelo parente ou outra pessoa
(amante, esposa,) abandonam o(a) filho(a) sem dar qualquer satisfação. Sobre as crianças
acusadas de feitiçaria, o autor diz que estas acusações:

[...] acontecem dentro das famílias ou entre os vizinhos. Elas são acusadas de
manipular forças advindas do mundo noturno, ocasionando infortúnios dentro
das famílias como doenças, mortes, abortos e fracassos econômico dos
membros da família. As crianças acusadas situam-se na faixa etária entre 8 a
13 anos. (PEDRO, 2014, p. 87).

Normalmente, as crianças são acusadas devido certos comportamentos considerados


desviantes e estranhos à sua faixa etária, tais como: agressividade, indolência, inquietude e
outros. Por conseguinte, diante das acusações e de supostas comprovações (feita nas igrejas,
por curandeiros ou outras entidades), as crianças são afastadas do lar, da família e da
responsabilidade parental. Muitas são dadas à sorte ou acolhidas por lares institucionais,
outras tornam-se crianças de rua. Pois, quando os pais estão certos de que a criança possui
feitiço, desliga-a da família, da afectividade, da assistência e de outros direitos que a criança
possui dentro das instituições familiares.

23
Em conformidade com Pintinho (2014, p.33):

As crianças acusadas de feitiçaria tem sido um dos graves problemas que a


sociedade angolana tem enfrentado. Há uma preocupação do governo, pois
centenas de casos de abandono de crianças acusadas de feitiçaria foram
reportados ou notificados nos últimos 10 anos.

Instituições como, por exemplo, o INAC e a UNICEF têm envidado esforços para garantir o
combate a este fenómeno, principalmente, através de um estudo realizado como parte do
Programa Nascer com Registo, citado pelo página - unicef.org/angola.

Outrossim, quanto a feitiçaria como possível causa do abandono afetivo ou fuga à paternidade
em Angola, na província de Luanda, em um segundo momento, pretende-se refletir sobre o
caso dos pais que, por obra da feitiçaria, abandonam os filhos. Dito de outro modo, segundo
várias explicações (populares), muitos são os pais que abandonam o filho independentemente
de suas vontades, pois forças que foram manipuladas atuam sobre eles, fazendo-os afastar-se
parcial ou totalmente da criança.

Na província de Luanda, a sociedade aponta, como factor que influencia a


fuga à paternidade, a feitiçaria que é incitada por ciúme, inveja, ódio ou
cobiça vinda de uma mulher, estranha a relação conjugal que fazendo de tudo
para ter (como esposo) o homem, pai de família (com lar constituído) recorre
às práticas da bruxaria ou feitiçaria, manipulando forças, buscando ocultismo
de modo a destruir o lar ou a família deste mesmo homem. Por conseguinte,
na visão da sociedade, como resultado, o homem abandona a sua família, o
seu lar, o seu papel de esposo e pai, a sua responsabilidade e vai viver com a
mulher que o conseguiu pelas forças da feitiçaria. Nesta concepção, detecta-
se a fuga à paternidade ou abandono afectivo nestas situações, pois o pai
esquece totalmente dos filhos, não dando assistência nem tão pouco afecto.
PINTINHO (2014, p.66)

É importante realçar que, na perspectiva daqueles que recorrem à feitiçaria para justificar a
fuga à paternidade, o pai abandona o filho involuntariamente, independentemente do seu
querer, pois há uma justificativa de manipulação de forças ou substâncias ocultas, através de
rituais, cerimónias e sacrifícios de animais ou pessoas para que a suposta mulher feiticeira
consiga alcançar os seus objetivos. Nota-se que, nesta perspectiva, o homem é
desresponsabilizado de sua decisão de deixar a família e, concomitantemente, a mulher
feiticeira é, por este olhar social, culpabilizada. Assim, a culpa pelo abandono familiar,
justifica-se por via da feitiçaria, que passa do homem que deixou a família para a mulher que
o desejaria. De facto, é curioso notar como a posição da mulher é pouco problematizada pelos
autores que consideram a feitiçaria um factor que causa a fuga à paternidade.
24
Segundo a realidade ds centros de acolhimento os mesmos têm recebido muitas crianças em
diferentes condições, crianças abandonadas cujos familiares não tem condições para sustento,
outras são acusadas de “feiticeiras” e também existem as que fogem de casa por maus-tratos a
que são vítimas. Quando é feito o acompanhamento das crianças junto das respectivas
famílias, descobre-se que as leva a desistirem dos menores sob a sua tutela. Reconhece-se o
quanto é complexo esmiuçar sobre este fenômeno que é visto por muitos autores e pela
sociedade como influente na fuga à paternidade em Angola. Entretanto, o certo é que esta é
uma realidade visível na sociedade e que tem chamado a atenção do governo angolano, da
mídia e de muitos(as) pesquisadores (as) sociais.

2.7.8. Consequências da fuga à paternidade

Segundo Cardoso (2008, p.45), entende-se “abandono afectivo ou fuga à paternidade como a
negligência de suportes emocionais e afectivos necessários ao desenvolvimento infantil por
parte de pais”. Diante desta citação, pode se considerar que toda irresponsabilidade, falta de
cuidado, falta de filiação, falta de assistência (material ou afectiva), todo dever não cumprido
do pai para com o filho é abandono afectivo ou uma fuga a paternidade. Assim:

[...] os pais têm papel fundamental na formação do indivíduo, do seu caráter,


dos seus valores, os pais são a referência da criança, as pessoas com quem se
identificará. Isso porque as crianças são como viajantes recém-chegados a um
país estranho, do qual nada sabem. Crianças e adolescentes necessitam,
assim, de uma base familiar sólida. (TRENTIN apud TRAPP e ANDRAD,
2017, p. 35).

Deste modo, é possível dizer que a ausência do pai pode interferir diretamente no
desenvolvimento do filho. Inegavelmente, a fuga à paternidade pode gerar várias
consequências, dentre elas, na vida do pai que foge, da mãe que sente a fuga e, sobretudo, na
criança que é abandonada.
Segundo Trapp e Andrad (2017), sem a figura paterna, o filho pode conhecer várias
consequências, tais como: perca de equilíbrio e uma série de conflitos psíquicos, no seu
desenvolvimento, fruto da ausência paterna. Vale pensar que, estas e muitas outras
consequências podem não ser imperativas, mesmo que a presença da figura paterna seja
importante para a vida da criança e futuro adulto.

Diante destas ideias acima destacadas pelos autores sobre as consequências da fuga à
paternidade, é importante não se generalizar os casos, pois nem todas as crianças abandonadas
pelo pai desenvolvem tais comportamentos. De facto, cabe pensar nesta pesquisa, como
25
muitas crianças conseguem, com a ajuda ou auxílio de outra figura familiar superar a ausência
do pai?
Outrossim, será que relação mãe-filho pode superar a ausência do pai, seja qual for o motivo
desta ausência? São questões a se levar em conta quando se fala das consequências.

Por outro lado, a ideia de que as crianças abandonadas pelos pais, em Angola, tendem ao
desvio de comportamento está muito ligada a um modelo ocidental de comportamento que
norteia a psicologia do desenvolvimento da criança no campo cognitivo, sexual e social.
Assim sendo, todo comportamento fora de uma conduta socialmente pré-estabelecida como
normal é considerado desvio. Por outra:
É importante destacar que a ausência paterna decorrente de falecimento do pai
desperta sentimentos diferentes nos filhos em comparação aos casos em que a
ausência é motivada por uma separação conjugal e/ou divórcio. Enquanto no primeiro
caso os sentimentos dos filhos estão ligados à sensação de perda e tristeza, no segundo
têm-se também sentimento de revolta e indignação, já que estes entendem que o pai
poderia reverter tal situação, caso quisesse, o que é inviável no primeiro caso.
SGANZERLA; LEVANDOWSKI (2010) apud CUNICO;ARPIN (2013, p. 36).

De certo, cabe pensar; como a presença da figura paterna é importante no desenvolvimento


harmonioso do filho, na formação da sua personalidade, carácter, atitude. Além disso, cabe
também compreender como a ausência do pai pode trazer várias consequências, na vida do
filho. Portanto, nesta pesquisa está criado os factores que se seguirá para compreensão deste
fenómeno, da fuga à paternidade, nos levará perceber como a paternidade vai além de
questões biológicas, envolvendo a vida material, afectiva e psicoemocional.

2.8. Factores que influenciam a fuga à paternidade

Apresentaremos alguns factores que contribuem para aumento de casos a fuga à paternidade
em Angola, podendo existir outros que eventualmente não tenham sido referenciados neste
trabalho, porém acreditamos que abordagem servirá de paradigma na descoberta de outras
variáveis que influenciam o comportamento dos pais que se recusam assumir à paternidade.

2.8.1. Pobreza das famílias

De acordo Reis (2009, p.76) “após três décadas de guerra e de privações, no decurso das quais
morreu um grande número de pessoas, as condições de sobrevivência e de saúde em Angola,
tornaram-se precárias”. A guerra e o colapso dos serviços sociais, exercem efeitos nefastos no
26
que diz respeito ao bem-estar das crianças, directamente a sua sobrevivência e a saúde; o
perfil é demasiado sombrio, marcado por altas taxas de mortalidade infantil, baixa esperança
de vida e exposição das pessoas a doença que podem ser evitadas.

Aliada à crise política, registou-se êxodo rural ou deslocamento das populações em direcção
aos principais centros urbanos, com particular destaque em Luanda e arredores, como
consequência aumento do índice de pobreza e de desemprego. Devido a estas circunstâncias,
os cidadãos viram-se esforçados a engendrar em fontes de rendimentos alternativos (comércio
informal) até meios menos dignos como a criminalidade e prostituição. A guerra que assolou
o país, além de devasta-lo em sentido material, quebrou o sentido de pertença a uma
instituição familiar, degradação de valores morais e aos laços afectivos que norteiam a
convivência no seio familiar.

Segundo Pintinho (2018, p.64)

O conflito armado interrompeu as actividades agrícolas, levou o


encerramento da maioria do parque industrial, à destruição das pontes,
estradas, barragens e caminhos-de-ferro e à ruptura gradual do sistema de
saúde e de educação. O Estado não se mostrou capaz de garantir a segurança
da população camponesa e todo o cenário de violência, medo dos massacres,
da queima das habitações, das pilhagens, dos raptos e das violações fez com
que parte significativa desta população abandonasse o interior do país e
emigrasse para os centros urbanos em busca de melhores condições de vida.

Este progressivo movimento migratório aumentou a procura de emprego nas áreas urbanas.
Apesar de mais seguras as cidades ainda assim, não abandonavam empregos, abrindo-se deste
modo o caminho ao enorme desenvolvimento do mercado informal. No campo a
responsabilidade de cuidar dos filhos é da mulher por meio de cultivo da terra, da busca por
água e por lenha. Na cidade a mulher continuou com estas responsabilidades confiando-se ao
trabalho doméstico e comércio informal. Com níveis muito baixos de escolaridade, sem
disporem de um capital para iniciarem uma actividade legal e, por vezes, utilizando-se da
experiência adquirida no pequeno comércio agrícola. O mercado informal foi a alternativa
encontrada pela mulher angolana para sobreviver na cidade e contribuir para o sustento da
família.

Com os acordos de paz de Bicesse em 1991 e as primeiras eleições multipartidárias em 1992,


existia a enorme esperança de que a situação pudesse ser revertida, a produção retomada e a
reconstrução iniciada. O conflito armado atingiu então proporções muito superiores, em

27
relacção aos 16 anteriores anos de guerra, afectando pela primeira vez de forma directa os
centros das cidades e estendendo-se à quase totalidade do território. As zonas rurais foram
intensamente minadas, sendo as mulheres e crianças as principais vítimas destes engenhos
explosivos; as mulheres em virtudes de trabalharem nas lavras e as crianças por
acompanharem as mães. Em consequência do aumento da violência dos confrontos, da
insegurança e da instabilidade, o fluxo migratório em direcção às cidades, aumentou, sendo
que à medida que o controlo destas era retomado pelas forças governamentais. As cidades
mais visadas pelas novas vagas migratórias eram as cidades litorais e em especial a cidade
capital, Luanda.

A falta de emprego nas áreas urbanas e o aumento da procura por trabalho causado por todas
as vagas de migração, continuou a afectar as camadas mais vulneráveis, fundamentalmente as
mulheres, que constituem a maioria da população angolana e exercem um importante papel na
economia nacional, e muitos agregados familiares são chefiados por mulheres (na maioria dos
casos viúvas da guerra civil e mulheres divorciadas). O comércio informal e prostituição são
prova evidente da feminiza da pobreza. Ser zungueira, é uma alternativa para comaltar à fome
num país de poucos empregos e de desigualdade sociais. A protecção das crianças no contexto
da pobreza é insignificante. A luta diária pela sobrevivência negou a muitas crianças o direito
de serem tratadas com dignidade; muitas crianças são forçadas a trabalhar desde tenra idade,
enquanto outras enfrentam o problema de abandono parental.

Muitos pais por razões de vária ordem, não dispõe de recursos para sustentar os filhos. Alguns
não cresceram com os seus pais biológicos; deste modo não foram educados em ambientes
familiares alternativos, e esta situação tende a reproduzir-se nos seus descendentes, uma vez
que não foram educados num ambiente familiar, que lhes permitisse perceber o significado da
existência de um pai ou de uma mãe da vida dos filho. Como vimos, têm sido apontadas
diversas causas para a pobreza em Angola dentre as quais destacamos os seguintes factores:
políticos, históricos, demográfico, administrativos e os socioeconómicos. O êxodo rural
constitui uma das principais causas do elevado número de desempregado. Durante e após o
fim do conflito armado houve a imigração de cidadãos das demais províncias do país para
Luanda à procura de melhores condições sociais.

28
2.8.2. Educação sexual

A educação sexual é um assunto presente na vida do ser humano, e constitui o tema central de
diversas manifestações artístico-culturais, tais como músicas, filmes, poemas e romances
entre outros. O amor é algo que permite o levantamento de inúmeras questões, a começar pela
sua própria definição. A sexualidade é a energia que nos leva a procurar afecto, contacto,
prazer, ternura e intimidade. A sexualidade influência os nossos pensamentos, sentimentos e a
saúde física e mental. A orientação sexual ocorre de um processo sistemático nas escolas, nos
hospitais ou outras instituições especializadas em transmitir informações sobre o uso
adequado dos métodos contraceptivos, anatomia do corpo, aborto e consequência em gerar
uma vida. Enquanto que a educação sexual resulta de informações obtidas nas intervenções
sociais relacionadas ao sexo.

Em nosso quotidiano, quase que freneticamente, procura-se cada vez mais o amor. Na
verdade, na vivência e sua busca tendem a perdurar indeterminadamente, não se restingindo a
uma fase ou século. Braz (2006, p. 68), refere que o “amor é a condição fundamental para o
nascimento ontogenético da pessoa”. Ele participa activamente da evolução e estruturação da
personalidade, dado que é capaz de aproximar a pessoa de sua essência e proporciona o
desenvolvimento de relações sociais.

No entanto, vivemos numa sociedade que tende a banalizar este nobre sentimento. Tratamos
do amor como algo transitório, supérfluo, sem importantes repercussões na construção de
relacionamentos e da vida. Banalizar os sentimentos que são a essência de uma relacção
sólida, fazendo com que, paulatinamente, ele perca o sentido de sustentáculo na construção de
uma família equilibrada. Essa é, indubitavelmente, uma séria ameaça que paira sobre os seres
humanos ao vulgarizar o amor, reduzindo-o a efémeros prazeres que conduzem a uma
satisfação mais egoísta do que altruísta, comprometendo a vida dos filhos que resultam desta
relacção.

Segundo Pintinho (2018) enfatiza que as meninas evolvem-se prematuramente em actos


sexuais, resultando destas practicas gravidez precoce, mesmo sem preparação adequada para
educar o novo ser, ficam num cenário de duas crianças a educar outra criança que acaba de
nascer. Os pais não conversam com os filhos, não lhes dão oportunidades de exprimirem as
suas frustrações e desânimos, nem as suas ansiedades e sonhos. Não falam com eles sobre
29
sexualidade porque e tabu e, depois na rua cometem “atrocidades sexuais” por curiosidades.
Pais, padrastos, tios violam filhas e sobrinhas, algumas em tenra idade, praticamente bebés, o
que é arrepiante.

Muitos pais são exemplo negativo de falta de moral para os filhos. Para combater o ciclo de
abandono familiar, é necessário estudar o meio onde as crianças estão inseridas, pois, tem
uma importância decisiva, porque as crianças são o produto de meio, os pais que as geraram
são resultado desta influência, ou seja, produtos desta socialização. Para moldar essas atitudes
na criança, precisamos fazer um corte, introduzir valores e apelar a responsabilidade dos seus
progenitores, para que possam ter boas referências paternais.

Na óptica de Sá (2005) a curiosidade sexual, está ao alcance dos olhos de qualquer um por
toda a parte: na internet, na televisão, no cinema, nas revistas e nos outdoors espalhados pelas
ruas. Diante desta realidade, estamos perante alienação das relacções sexuais, instrumento
facilitador para quase todas as evoluções do mundo moderno, a internet contribui para
vulgarizar o sexo. Sites de sexo explicito abundam em toda a rede, enquanto os blogues e as
novelas atiçam a ansiedade sexual.

A educação sexual busca ensinar e esclarecer questões relacionadas ao sexo, livre de


preconceito e tabus. Em muitas famílias angolanas, falar sobre sexo é um tabu, pela falta de
conversas constantes e adequada dos pais, inclusive alguns professores de educação moral e
cívica não estão preparados para lidar com temas relacionados a educação sexual. A
dificuldade de diálogo com os pais tem a ver com as diferenças geracionais, nas quais os
jovens tendem a considerar os seus pais mais rígidos, apelando para as punições e castigos.

Para Foucoult (1984, p. 98), há duas formas de apropriação da sexualidade:

Uma scientia sexualis e outra ers erótiva. Na ers erótica, a sexualidade


prevalece sobre a preocupação com o prazer e a subjectividade, enquanto na
scientia sexual a tónica seria o discurso científico e preocupação com a
reprodução, realçando o papel da moral na educação corporal ou dos
prazeres.

Actualmente na escola, a sexualidade remete para a ambivalência dos sentimentos e interesses


individuais, opondo-se aquilo que é moralmente aceite. A educação sexual visa preparar os
adolescentes para a vida sexual de forma segura e responsável, chamando-os à
responsabilidade de cuidar do seu próprio corpo que não ocorram situações indesejadas, como

30
contrair doença sexualmente transmissível, gravidez precoce e indesejada. Na cultura Bantu,
os jovens durante a circuncisão recebem preparação específica a vida adulta:

Na Mukanda os meninos são isolados, de resto da comunidade, eles


convivem com os adultos do mesmo sexo (os tios maternos) durante o
período de reclusão e aprendizagem que envolve situações de ensino rigoroso
de iniciação. Os meninos, entre treze a catorze anos, entram mascarados na
Mukanda sem a possibilidade de serem identificados. O início da Mukanda
acontece nas vésperas do inverno. Por falta de chuvas nesta época do ano em
Angola, a actividade agrícola é de pouco porte, e por ser tempo seco,
favorece a cicatrização das feridas no prepúcio dos meninos circuncisados
(…), Esta prática representa uma das instruções de ritos masculinos de
passagem de idade jovem para adulta, além de ser o local onde vários ofícios
eram aprendidos para que os jovens fossem integrados na comunidade
(NETO, 2012, p.89).

À semelhança da Mukanda, outro acto digno de registo é o Tchicumbi.

A menina completa os seus quinze anos de idade, a família a prepara para


realizar o rito de iniciação que terá permissão para a vida adulta. Durante o
acto a menina é isolada por um período que varia de seis a oito meses, em
local a que somente a iniciadora que geralmente é uma tia da menina, tem
acesso sem esta passagem no Tchicumbi a menina não está autorizada a ter
relações sexuais e nem a casar-se. Caso isso aconteça estará sujeita por parte
das outras meninas, sujeita a ser abandonada pela família ou então a mãe da
menina sofre as consequências que podem custar o seu próprio casamento.
(NETO, 2012, p.54)

2.8.3. Degradação dos valores morais e cívicos

O termo valor deriva do latim valere, que significa “ser forte.” Assim, o termo pode ser
compreendido como a qualidade e importância que reconhecemos na realidade. Uma vez
definidos, os valores justificam as nossas escolhas e acções, “Os valores são modos de ser e
agir que uma pessoa ou grupo reconhece como ideal e que faz com que as condutas às quais
ele é atribuído sejam desejáveis” (MIRANDA, 2010, p.45). As dimensões valorativas são
várias: podemos falar de valores a honestidade; temos valores religiosos, relacionados com a
ligação do homem com o outro (o transcendente), por exemplo, a santidade e os valores éticos
e morais. Diante destas indagações, podemos considerar a fuga à paternidade como um contra
valor, é uma conduta socialmente inaceitável. A família tem um papel crucial na organização,
transmissão e uma afronta as regras de convivência social.

A palavra moral tem origem latina, “mor, mores” cujo significado é costume, carácter ou
forma habitual de agir. Assim, a moral pode ser compreendida como as regras de conduta
humana que radicam da sua capacidade em distinguir o bem do mal. O papel da educação em
relação aos valores morais é anterior ao de resgate. A educação tem um papel basilar. A

31
educação, enquanto processo humanizante e socializante, desperta o homem para os valores
morais. É a mesma educação que é chamada a entrar em acção quando os valores morais são
julgados perdidos. Neste âmbito, o processo de educação aparece como o recuperador de
valores perdidos.

A transmissão dos valores morais e a cívicos sempre foi uma preocupação do povo angolano.
No entanto, a nossa própria história é testemunha do quanto a educação moral foi degradada
na família, onde a negação contínua e a superação constante são uma realidade, como nível do
processo histórico pelo qual Angola passou e que desestruturou muitas famílias. A luta
armada, e as suas consequências, são prova da nossa imperfeição no exercício da educação
moral, alicerçada na desestruturação das famílias comprometendo a sã convivência entre
membros no seio familiar.

Na cultura Bantu, o filho é visto como um bem e a continuidade da família, actualmente


alguns pais encaram-no como obstáculo a sua realização social. Este conflito que inicia com a
gravidez da parceira, é um momento caracterizado por preocupação, angústia e incerteza, por
parte da mulher. O período de gestação parece anunciar um grande teste aos jovens, que
encaram o filho como um obstáculo às suas aparições. A paternidade tem implicações
relevantes na vida de um homem, modificando para sempre a identidade, o seu modo de ver a
vida, a sua relação com trabalho, casamento, a interacção com os seus pais e com a sociedade.
A paternidade é também uma oportunidade de crescimento, de assumir uma masculinidade
positiva e suas consequentes responsabilidades. Porém, além de cuidado consigo mesmo, e
com o relacionamento conjugal, é um momento de cuidar dos filhos, velar pela sua educação
e responder por ele até a maioridade.

Em Angola, podemos situar a crise de valores morais e cívicos dentro da grande dinâmica de
reconstrução nacional. A reconstrução da razão em nós alicerçada pelos factores supracitados.
Muito tem sido feito pelas instituições do Estado e os seus parceiros sociais, no sentido de
resgate dos valores morais e cívicos. O curriculum educativo, no seu todo revela, um esforço
no sentido de resgate dos valores morais. Com efeito a população mais jovem, e não só, é
constituída do que chamaríamos de “ignorante cívicos”, ou seja, indivíduos que têm pouca
informação e compreendem muito menos, sobre os conteúdos dos direitos e deveres dos
cidadãos, da economia, da cultura e política; são indivíduos alheios a realidade social e física
envolvente. A ignorância a que nos referimos tem a ver com o elevado índice de

32
analfabetismo falta de hábitos de leitura, que impede os jovens de obterem informações sobre
vários temas que afectam nossa a pessoa humana.

A família, como núcleo da sociedade, é o grupo primário na transmissão dos


valores morais. É na família que começamos a despertar aos valores morais e
mesmo cívicos. Com efeito, tem sido quase unânime a afirmação da crise da
sociedade moderna, e da família em particular. Neste sentido, a crise da
sociedade tem implicações nas relacções estabelecidas pelos membros da
família. As igrejas em Angola e as demais instituições, têm sido uma das
mais interessada na recuperação e resgate dos valores cívicos. (REIS. 2009,
p.34)

Constatamos esse interesse e empenho nas celebrações, nas pregações, na criação de cursos de
educação moral e cívica, etc. No entanto, reconhece-se que a crise também pode afectar as
igreja e urge criamos mecanismo de recuperação dos valores religiosos fundamentais.

A fuga a paternidade é um fenómeno multicausal, a degradação dos valores, na sociedade


angolana afigura-se como um dos factores que contribui para elevado número de casos. A
pobreza em si, não significa o abandono dos filhos. Os nossos antepassados criaram as suas
famílias na mais completa miséria, um pobre digno, dotado de valores morais, dificilmente
abandonado o filho. O filho na cultura Bantu é apresentado como um bem valioso.

Em Angola, a poligamia se deve ao factor económico e político e faz parte da


cultura; quanto maior o número de esposas, maior seria o número de filhos e
consequentemente maior será a produção agrícola e prestígio familiar. No
contexto da cultura Bantu os filhos são sinónimos de riqueza e status social.
(NETO, 2012. p.85),

A questão da crise dos valores morais está presente em quase todos os dominios da sociedade,
como é do conhecimento público, em matéria de corrupção nem as melhores leis são
suficientes. Há todo um “modus operandi” das instituições públicas, que é preciso rever, para
evitar a impunidade dos pais que se furtam assumir à paternidade para este atoleiro da
corrupção, “tráfico de criança” e do compadrio (nepotismo), pessoa, a fim, de ser atacado e
comece a ser destruído de uma vez por todas. O que é grave na corrupção, não é o funcionário
que se deixa “subornar” para perdoar uma multa, atenuar um pai ou uma mãe que abandonou
o filho. A corrupção é problema sério, repercute-se na descrença nos órgãos competentes para
punir os infractores que se recusam a assumir os filhos.

A sociedade funciona como um todo, ou seja, cabe a família o papel de projectar a mudança e
criar um novo espaço para os seus membros; isto porque elementos da sociedade produziram
e continuaram a produzir as suas consequências, trazendo mudanças profundas na família,
segundo o tipo de organização estrutural da sociedade. A família resulta, assim, de um
33
conjunto dinâmico e complexo de variáveis estruturais intrafamiliares (dentro da família), mas
também de realidades extrafamiliares. Assim, a família, nas suas relacções com o contexto
sócio-cultural, passa pela evolução que caracteriza de modo significativo o mundo de hoje.
Portanto, não pode ser vista fora deste contexto e desta realidade social.

2.8.4. Consumo excessivo de bebidas alcoólicas

De acordo Pereira (2004, p.32)

É sabido que o uso de álcool pode prejudicar o individuo em diversas moldes


da vida social. O uso indevido de álcool, está relacionado a inúmeras
consequência negativas tanto na vida do cônjuge daquele que bebe quanto na
vida de seus filhos. Exemplos dessas complicações na vida do filho são:
Sídrome fetal alcoólica, abuso infantil e impacto nas esferas sociais,
psicológica e económica.

No caso do cônjuge daquele que faz uso excessivo, como pai ou mãe, como marido ou mulher
ou ainda como provedor da casa. Em muitos casos, o consumo de álcool se dá fora do
ambiente familiar e faz com que o tempo e o dinheiro gasto com prática desfalquem a família
em suas necessidades básicas.

Abordar sobre álcool e do seu consumo, implica distinguir entre o consumo moderado e o
consumo excessivo. Ao contrário de outras substâncias tóxicas, como heroína e a cocaína, o
álcool é uma substância em que se aceita um consumo moderado, em adultos saudáveis. A
maior parte das famílias angolanas lidam com esta substância de forma descontrolada, sofrem
os malefícios de uma substância que se assume como droga quando é consumida em excesso.

O abuso é hoje um padrão de consumo frequente nos adolescentes e jovens adultos, que se
caracteriza pelo beber com intenção de ficar intoxicado e com alterações de comportamento.
A instabilidade, a insegurança, o ambiente tenso, são características frequentes no ambiente
familiar do indivíduo que consome de forma excessiva o álcool e que têm repercussões
negativas ao nível do relacionamento com os filhos. Quando os pais são alcoólatras, estão
comprometidas em termos, materiais e mentais, as relacções com os filhos com esta figura de
referência. São frequentes situações de carência de afecto e de cuidados, negligência e
abandono, nas famílias em que um dos progenitores é toxicodependente.

Segundo Reis (2009, p.72)

Entre as implicações directamente tóxicas do consumo excessivo de álcool


sobre os filhos, deve-se distinguir as acções tóxicas pré-natais (consumo de

34
álcool durante a gravidez) e que podem levar a aborto espontâneo,
nascimento de criança morta, parto prematuro, má formações que podem
constituir o síndroma fetal alcoólica. Por outro lado, temos as acções pós-
nascimento (ingestão de álcool durante a amamentação e a sua influência),
que provoca atraso no desenvolvimento geral, falta de cuidados necessários
ao seu desenvolvimento e a predisposição ao consumo de bebidas alcoólicas
pelos filhos pela imitação.

Os tóxicos dependentes são frequentes negligentes, em relação às responsabilidades familiares


e sentimentos para com a família, passam muito tempo fora da família, não acompanham a
educação dos filhos e chegam a gastar recursos económicos que fazem falta a família.
Dependendo da fase da progressão do alcoolismo, chega a um momento em que o alcoólatra
bebe para viver e vive para beber, tudo é pensando em função do álcool, que se assume como
a prioridade da sua vida em detrimento do cuidado com os filhos. É uma questão que deve
preocupar todo angolano, o nível de consumo de bebidas alcoólicas em todo país, de modo
particular em Luanda, Município de Talatona, no distrito urbano do Benfica é cada vez maior,
o baixo custo das bebidas alcoólicas funcionam como motivação ao consumo.

2.8.5. Prostituição
De acordo Pimenta (2021, p. 85) “ considera a prostituição como uma da mais antigas práticas
no mundo, por outra temos que admitir, que actualmente algumas jovens enveredam pela
prostituição como meio de sobrevivência”. As praticantes da prostituição afirmam que aquilo
que as motiva é a falta de emprego e a difícil situação financeira em que se encontram; fazem-
no em zonas mais distantes da residência. Muitas das jovens não têm formação académica que
lhes permita conseguir um emprego com condigno, e encaram a prostituição como estratégia
de sobrevivência.
Nota-se que as mulheres que recorrem a prostituição exigem dos clientes o uso do
preservativo, apesar disso, há indivíduos que se predispõem a pagar mais para fazer sexo sem
preservativo e algumas jovens acabam aceitando, apesar de consciência que desta relação
pode resultar doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejáveis. Como vimos, os
jovens evolvem-se em relações sexuais desprovidos de afecto, em muitos casos praticados sob
efeitos de álcool, e naturalmente que os filhos resultantes destes relacionamentos, são
vulneráveis a fuga a paternidade.
A prostituição proliferou em circunstâncias de extrema pobreza. Assim muitas jovens
separaram-se das famílias e procuraram formas alternativas de sobrevivência, diferentes das
dos seus pais, devido a escassez de emprego; algumas enveredaram pela prostituição em
tempo integral, outras em tempo parcial conciliando com actividade mal remunerada. Além

35
de exploradas pela entidade patronal pelos baixos salários que auferem, são igualmente
abusadas sexualmente pelos seus eventuais clientes, por exemplo, clientes dos restaurantes
onde trabalham e que vulgarmente chamam de “tio”, em certos casos, nem a casa dos mesmos
conhecem. Desses relacionamentos têm resultado, gravidez indesejáveis e por uma questão de
ocultar a desonra, deixam de frequentar os respectivos locais e consequentemente fogem à
paternidade.

Situação da mulher em Angola, à semelhança dos países subdesenvolvidos em África, é


caracterizada por morosidade na relação dos principais problemas que a afectam. Diferentes
factores estão na base desta situação, sendo os principais a remissão ao tradicional estatuto de
procriação e mão-de-obra barata na actividade laboral no campo, o analfabetismo, o baixo
nível de escolaridade e de formação profissional e, ainda, as distorções políticas, económicas
e sociais mais recentes causadas pela exclusão social.

Tem-se observado um aumento de número de mulheres chefes de família, devido à viuvez ou


à separação dos cônjuges por razões socioeconómicas e a consequente desestruturação das
famílias, provocando essas situações o surgimento de crianças e jovens de rua, expostas a
todos os riscos, inclusivamente a prática do roubo e o uso de drogas.

Quadro legal
Para elaboração do presente trabalho, consultamos os seguintes artigos:
 Constituição da República de Angola. Promulgada aos 5 de Fevereiro de 2010.
 Lei n.º 25/11, de 14 de Julho. Aprova a Lei contra a Violência Doméstica.
 Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro. Aprova o Código da Família.
 Lei n.º 38/20, de 11 de Novembro. Aprova o Código Penal Angolano.

36
III. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A actual República de Angola, foi também conhecida até o ano de 1975 como província
ultramarina portuguesa, é um país da costa ocidental da África, cujo território principal é
limitado a norte e a nordeste pela República Democrática do Congo, a leste pela Zâmbia, a sul
pela Namíbia e a oeste pelo Oceano Atlântico. Inclui também o enclave de Cabinda, através
do qual faz fronteira com a República do Congo, a norte. Para além dos vizinhos já
mencionados, Angola é o país mais próximo da colónia britânica de Santa Helena.

A independência do domínio português foi alcançada em 1975, depois de uma longa guerra de
libertação pelos movimentos de libertação nacional (FNLA, UNITA e MPLA). O país tem
vastos recursos naturais, como grandes reservas de minerais e de petróleo e, desde 1990, sua
economia tem apresentado taxas de crescimento que estão entre as maiores do mundo,
especialmente depois do fim da guerra civil.

3.1. Etimologia do nome Angola


Etimologicamente o nome Angola é uma derivação portuguesa do termo Bantu N’gola, título
dos reis do Reino do Ndongo existente na altura em que os portugueses se estabeleceram em
Luanda, no século XVI.

3.1.1. Clima
A República de Angola, localizar-se numa zona tropical, tem um clima que não é
caracterizado para essa região, devido à confluência de três factores:
 A Corrente de Benguela, fria, ao longo da parte sul da costa;
 O relevo no interior;
 Influência do deserto do Namibe, a sudoeste.
Portanto, o clima de Angola é caracterizado por duas estações que são:
 Chuvas, que ocorre de Outubro a Abril
 Seca, conhecida por cacimbo, esta que ocorre de Maio a Agosto, mais seca, como o
nome indica e com temperaturas mais baixas.

3.1.2. Demografia
37
A população de Angola em 2014, depois do primeiro censo pós-independência e dos
resultados definitivos do Recenseamento Geral da População e Habitação 2014, é de 25 789
024, 00 habitantes, sendo 52 % da população angolana do género feminino. Nos dias de hoje,
fruto das migrações e das taxas de natalidade e mortalidade, estima-se em aproximadamente
30.000.000, 00 de habitantes.

3.1.3. Línguas
O português é a língua oficial da República de Angola. De entre as línguas africanas faladas
no país, algumas têm o estatuto de língua nacional. Estas assim como as outras línguas
africanas são faladas pelas respectivas etnias e têm dialectos correspondentes aos subgrupos
étnicos. A língua étnica com mais falantes em Angola é o umbundo, falado pelos ovimbundu
na região centro-sul de Angola e em muitos meios urbanos. É língua materna de cerca de um
terço dos angolanos.

O kimbundu (ou quimbundo) é a segunda língua étnica mais falada - por cerca da quarta parte
da população, os ambundu que vivem na zona centro-norte, no eixo Luanda-Malanje.

3.1.4. Governo e política


O regime político vigente em Angola é o presidencialismo, em que o Presidente da República
é igualmente chefe do Governo, que tem ainda poderes legislativos. Os governadores das 18
províncias são nomeados pelo presidente e executam as suas directivas. O sistema legal
baseia-se no português e direito consuetudinário, mas é fraco e fragmentado. Existem
tribunais só em 12 dos mais de 140 municípios do país.

Entre os aspectos que merecem uma atenção especial estão os decorrentes das políticas
chamadas de descentralização e desconcentração, adoptadas nos últimos anos, e que remetem
para a necessidade de analisar a realidade política a nível regional (sobretudo provincial) e
local. Por outro lado, começa a fazer sentir-se certo peso internacional de Angola,
particularmente a nível regional, devido à sua força económica e ao seu poderio militar.

3.2. Direitos humanos


Entretanto, a guerra civil de 27 anos causou grandes danos às instituições políticas e sociais
do país. As Nações Unidas estimam em 1,8 milhão o número de pessoas internamente
deslocadas, enquanto que, o número mais aceite entre as pessoas afectadas pela guerra atinge
38
os 4 milhões. As condições de vida quotidiana em todo o país e especialmente em Luanda
(que tem uma população de cerca de 4 milhões, embora algumas estimativas não oficiais
apontem para um número muito superior) espelham o colapso das infra-estruturas
administrativas, bem como, de muitas instituições sociais. A grave situação económica do
país inviabiliza um apoio governamental efectivo a muitas instituições sociais.

3.3. Cultura
A cultura Angolana é por um lado tributária das etnias que se constituíram no país há séculos,
principalmente os ovimbundu, ambundu, bakongo, côkwe e ovambo. Por outro lado, Portugal
esteve presente na região de Luanda e mais tarde também em Benguela a partir dos séculos
XVI, ocupando o território correspondente à Angola de hoje durante o século XIX e
mantendo o controlo da região até 1975.

Esta presença redundou em fortes influências culturais, a começar pela introdução da língua
portuguesa e do cristianismo. Esta influência nota-se particularmente nas cidades onde hoje
vive mais de metade da população. No lento processo de formação uma sociedade abrangente
e coesa em Angola, que continua até hoje, registam-se por tudo isto "ingredientes" culturais
muito diversos, em constelações que variam de região para região.

A literatura de Angola nasceu antes da independência de Angola em 1975, mas o projecto de


uma ficção que conferisse ao homem africano o estatuto de soberania surge por volta de 1950
gerando o movimento novos intelectuais de Angola.

39
IV. METODOLOGIA
4.1. Tipo de estudo
Para realização deste trabalho foi feita uma pesquisa bibliográfica, considerando o objectivo
Explicativo/analítico, com abordagem qualitativa.
4.2. Métodos utilizados
Na elaboração deste trabalho utilizou-se os métodos dedutivo e indutivo, no suporte da
aplicação zelosa, na abordagem do método histórico.

4.3. Procedimentos e instrumentos ou técnicas para a colecta de dados

Esta pesquisa bibliografica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituido,


principalmente, de livros acessos em 16 de Fevereiro de 2019 à 12 de Novembro, de 2021.

E artigos cientificos, acesso em 13, 18, 25 de Fevereiro de 2020 e 8, 13 de Setembro de 2022.

E teses de mestrado acesso em: 26 de Julho de 2022.

O estudo dirigiu-se com base a uma compilação de livros, monografias, teses de mestrado,
artigos informáticos, relatórios e revistas científicas.

4.4. Processamento de dados

Os dados foram processados e redigidos a partir do programa Microsoft office vulgo Word,
pois e o programa recomendado para elaboração de trabalho científico conforme a norma
científica utilizada pela Universidade de Belas.

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V. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A fuga à paternidade está a preocupar a sociedade e é preciso sensibilizar os pais para
assumirem as sua responsabilidades, enquanto educadores, sendo esta uma das problematicas
que hoje enfreta a sociedade angolana.

A infância determina toda a vida do ser humano e por isso deve ser bem instruida e
encaminhada pelo pais. Ser pai ou mãe não significa apenas gerar filhos, mas é saber instruir,
educar, garantir saúde, habitação e alimentação aos menores até atingirem pelo menos a
maioridade, ou seja os 18 anos de idade.

O pai desempenha um papel fundamental na vida da criança, servindo de exemplo, em termos


de valores cívicos, morais, culturais e de responsabilidade social e familiar. A fuga à
paternidade é a abstenção do pai em assumir a sua responsabilidade e apelo a mudança de
comportamentos e atitudes, uma vez, que quando surge a situação os menores tornam-se
indefesos, frágeis, e facilmente se perdem em más companhias e condutas que prejudicam o
seu futuro.

Um pai responsável faz-se presente na vida do menor, paciente e carinhoso. Ele efectua o
registo civil do menor e participa do seu desenvolvimento, ou seja, acompanha a criança no
momento das vacinas, nas tarefas da escola, educa com paciência e participa dos momentos
de lazer.

Entres as causas da fuga à paternidade no nosso ordenamento juridico estão a pobreza das
familias, degradação dos valores morais e civicos, consumo excessivo de bebidas alcoólicas
falta de sustento da familia, a prostituição que conduz a negação da responsabilidade paternal,
a infidelidade conjugal, dentre outras.

O Estado deve apoiar as familias, mas estas também têm a sua responsabiliadde que devem
assumir por inteiro. O desemprego, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e os conflitos
familiares, constituem de igual modo factores nan base dos casos de fuga a paternidad e o não
pagamento da pensão de alimentos. Actos de infracção à Lei Contra a Violência Doméstica.

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Em Angola, a fuga à paternidade constitui crime de violência doméstica. A Lei n.º 25/11, de
14 de Julho (Lei Contra a Violência Doméstica) considera a fuga à paternidade como o
abondono familiar, nos termos da alínea f) do artigo 3.º. Portanto, a falta reiterada de
prestação de alimentos: educação, vestuário, registo civil, protecção, saude à criança e
assistencia à mulher grávida, constitui crime, punida com a pena de prisão. E de acordo ao
diploma referenciado o infractor é obrigado a indemnizar os alimentos (filhos ou mulher
grávida).

Muitos pais, mesmo tendo recursos financeiros, abandonam os seus filhos, situação que tem
provocado o desvio comportamental dos crianças durante o seu crescimento. Uma crianca que
convive com falta de responsabilidade dos pais é propensa a tornar-se num indivíduo em
conflito com a lei.

A fuga à paternidade tem penalizado muitas crianças, sobretudo no acesso ao registo civil, o
que provoca atraso a entrada de muitas no sistema normal de ensino. Hoje existe a
necessidade de sensibiliar os pais, permitindo que se quebre o silêncio, fazendo com que as
pessoas tenham a cultura e o espírito de denunciar, sem medo de sofreram represálias.

Depois da reflexão sobre a fuga a paternidade, a situação da mulher angolana é a semelhança


da maior parte dos países subdesenvolvidos em África, caracterizada por morosidade na
resolução dos principais problemas que afectam.

A falta de emprego nas áreas urbanas e o aumento da procura por trabalho causado por todas
as vagas de migração, continuou a afectar a camada mais vulneráveis, fundamentalmente as
mulheres, que constituem a maioria da população angolana e exercem um importante papel na
economia nacional, e muitos agregados familiares são chefiados por mulheres (na maioria dos
casos viúvas da guerra civil e mulheres divorciadas).

Outrossim, é notório a não aplicabilidade com rigor dos 11 compromissos com a criança
angolana, visto que, as acusações de feitiçaria às crianças e adolescentes têm sido recorrente
na sociedade angolana, por ser um fenómeno presente em todas as dimensões da vida, no
trabalho, nas crenças, maneiras de pensar, estar, na visão sobre o mundo.

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Os órgãos de direitos devem gizar acções para que os direitos das crianças não sejam lesados,
porquanto dificultam o seu crescimento saudável, psicológico e social.
Campanhas de sensibilizacão permitiriam a chamada de atencão da sociedade, de que a fuga à
paternidade deve ser banida nos lares acometidos com este fenómeno.

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VI. CONCLUSÕES

Ao concluir este trabalho percebeu-se que a fuga a paternidade é um realidade em Angola,


sendo ela a abstenção de um pai assumir a sua responsabilidade paternal, de alimentar, vestir,
educar, dar amor, e reconhecê-lo juridicamente como filho. A fuga a paternidade continua a
ser um problema que se vive em muitos lugares do mundo e o nosso País, não está isento a
ela. A nossa sociedade regista muitos casos de “fuga a paternidade”, que é a negação ou
rejeição de assumir as suas responsabilidades paternais ou materiais em relação aos filhos
nascidos.

Podemos destacar que, as crianças e as mulheres constituem os grupos mais vulneráveis


atingidos por esses flagelos ou fenómeno social. Podemos igualmente concluir que a
desestruturação familiar, o divórcio, o desemprego e a violência intrafamiliar são factores
determinantes que concorrem para a elevada taxa de fuga à paternidade na sociedade
angolana.
A fuga à paternidade afecta a sobrevivência e o desenvolvimento das crianças angolanas. Um
exemplo é o registo de nascimento. Em Angola, apenas uma em cada quatro crianças com
menos de cinco anos são registadas, de acordo com o Recenseamento Geral (Censo 2014). A
falta de registo tem consequências graves no acesso a outros direitos como educação, saúde,
protecção e desenvolvimento da criança.

As reclamações das mulheres sobre a atitude negativa dos homens (maridos, pais), que as
engravidam e abandonam sem assumir o fruto de suas relações e decisões comum, no
momento do acto sexual. A Lei angolana impõe ao pai que não coabita com a mãe do filho, a
prestar-lhe alimentos, quando ela (mulher grávida) deles (alimento) careça, nos termos do
artigo 264.º do Código da Família.

Os filhos são iguais, têm direitos à educação, alimento, protecção, registo, entre outros
direitos, como clarificam os n.s 5.º e 6.º do artigo 35.º da Constituição da República de
Angola, conjugando com os artigos 120.º, 127.º, 128.º e 131.º, ambos do Código da Família.
A perda de valores morais por parte de certos progenitores, tem sido a causa de muitos casos
de fuga à paternidade registrados em Angola. Em suma, a falta de valores morais, éticos,

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culturais e sociais, isto é: a pobreza nas famílias (falta de emprego), crianças acusadas de
feitiçarias, a infidelidade conjugal, são as principais causas de fuga à paternidade, que se
regista nos últimos tempos em Angola. A falta de um dos elementos da família,
particularmente o pai, causa à criança um desvio de conduta, criando nela um sentimento de
rejeição por todos que o rodeiam. Além disso, provoca-lhe traumas e reduza-lhe a autoestima,
deixando-a vulnerável a várias situações. A infância, determina toda a vida do ser humano e
por isso, deve ser bem instruída e encaminhada pelos pais, para o bem comum.

Ora, em Angola, a fuga à paternidade constitui crime de nos termos do artigo 247.º da Lei n.º
38/20, de 11 de Novembro, que aprova o Código Penal Angolano, conjugado com o artigo 3.º
da Lei n.º 25/11, de 14 de Julho, que aprova a Lei Contra a Violência Doméstica. Portanto, a
falta reiterada de prestação de alimentos: Educação, vestuário, registo, protecção, saúde, etc, à
criança e a assistência a mulher grávida, constitui crime e punido com pena de dois à oito
anos de prisão maior, nos termos dos números 2 e 3 do artigo 25.º da mesma Lei. E, à luz da
mesma Lei, o infractor também é obrigado a “indemnizar” os filhos ou mulher grávida com os
alimentos.

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VII. RECOMENDAÇÕES

Após análises referentes à factores que estão na base da fuga a paternidade. Recomenda-
se:
 Aos progenitores e encarregados de educação assumirem a sua verdadeira
responsabilidade para com os os seus filhos;
 Aos educadores sociais (professores, órgãos de comunicação e líderes religiosos) que
enfatizam desde cedo a importância da família e conservação dos valores morais;
 As mulheres devem ser firmes e denunciar actos do género;
 Aos progenitores que têm estes comportamentos que abandonem tais práticas erradas e
constituam familias estáveis e hamoniosas.

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VIII. BIBLIOGRAFIA

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WHEELER, e PELISSIER, (2011).

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GLOSSÁRIO

Família – é etmologicamente de origem latina ``famulus`` que quer dizer servidor.


Paternitos – condição de ser pai ou figura paterna
Pátria potertos – segundo o direito romano é o conjunto de direitos e deveres específicos
atribuidos aos Pais para criação e educação dos filhos.
Paternidade – Vem do latim paternitos, refere-se a condiçãp de ser Pai ou a figura paterna,
usa-se esse termo para caracterizar qualidade ou efeito de ser Pai.
Mor mores – costume; carácter ou forma de agir
Valor – o termo valor deriva do latim ``valere``, que significa ser forte
Modus operandi – maneira de proceder
Sexualis – sexual
Erótiva- erótico

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