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• BARBARA MACCARIO
• 19/04/2022
O dano moral no direito de família: a responsabilidade civil
(nucleodoconhecimento.com.br)
CONTEÚDO
• RESUMO
• 1. INTRODUÇÃO
• 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
• REFERÊNCIAS
ARTIGO ORIGINAL
RESUMO
Este trabalho analisa como se comportam os institutos da responsabilidade civil e do
dano moral, quando aplicáveis aos casos de alienação parental, para tanto, parte da
análise da família na contemporaneidade, da especial proteção do Estado a ela
garantida e dos princípios gerais e especiais que norteiam o Direito de Família.
Posteriormente contextualiza-se os temas, do poder familiar e da sua titularidade, da
alienação parental enquanto legislação, para adentrar nas questões do dano moral e
da responsabilidade civil para melhor compreensão da dinâmica dos institutos a fim
de responder à questão norteadora, qual seja: a responsabilidade civil por danos
morais é aplicável aos casos de alienação parental? O artigo tem por objetivo
esclarecer que a responsabilidade civil por danos morais se aplica aos casos de
alienação parental à medida que a prática viola direitos da personalidade e causa
danos a terceiros, deste modo preenchendo os requisitos de dano moral e de
responsabilidade civil. Desta forma, busca demonstrar que o ato de alienação parental
fere preceitos elementares do ordenamento jurídico brasileiro e causa danos extremos
a vida de crianças e adolescentes, caracterizando o abuso do exercício de poder
familiar do genitor alienante e a violação de direitos da personalidade do menor, de
modo a preencher os requisitos necessários à responsabilidade civil por danos morais.
Para isso, será feita uma análise das leis, do posicionamento doutrinário e da
jurisprudencial acerca do tema, partindo de uma interpretação constitucionalizada,
para, ao final, demonstrar que as entidades familiares, agora inseridas em um
ambiente constitucional livre e democrático que garante acentuada relevância a cada
indivíduo, passa a expor dramas antes abafados no núcleo familiar que demandam
instrumentos e remédio mais eficazes, concluindo que a responsabilidade civil pelos
danos morais sofridos pelos filhos menores vem sendo um eficaz meio de prevenir,
compensar, punir e advertir a sociedade das consequências da prática da alienação
parental.
1. INTRODUÇÃO
A família representa para as crianças e para os adolescentes base essencial para o
respectivo desenvolvimento físico, psíquico e social, pois é nesse ambiente, antes de
qualquer outro que, por meio dos exemplos que presenciam, pelo sentimento de
segurança em que estão imersos, pelo carinho que recebem e pela troca de valores
e aprendizagem constante a que estão expostos, são formadas as primeiras relações
sociais dos menores e seus primeiros traços de personalidade. (MADALENO;
MADALENO, 2019, p. 33-47).
Nesse cenário, a presença dos genitores traz harmonia à rotina das crianças, pois de
acordo com Rolf Madaleno (2020, p. 50), os pais desempenham conjuntamente
funções elementares, quais sejam: “1. Assegurar a satisfação de suas necessidades
físicas; 2. Satisfazer as necessidades afetivas; 3. Responder às necessidades de
segurança psíquica oferecendo à criança um ‘tecido psíquico grupal”.
O que, de acordo com o autor, significa oferecer um local onde restarão enraizadas
suas experiências psicológicas.
Tanto o exercício do poder familiar quanto o cumprimento dos deveres parentais não
cessam com a ruptura conjugal, mas pelo contrário, ganham maior importância na
observância, sendo imprescindível que os genitores se esforcem conjuntamente para
garantir às crianças e aos adolescentes, o menor abalo possível ao pleno
desenvolvimento de seus filhos.
Essa compreensão está ajustada como espírito da CF (BRASIL, 1988), que definiu
como fundamento da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana
que, desde então, passou a ser verdadeiro fio condutor de todo o ordenamento
jurídico.
Ocorre que muitas vezes os pais diante do cenário da dissolução afetiva, incorrem em
um dos mais frequentes problemas da relação de pais separados – a alienação
parental – qualificada pelas ações de um dos genitores contra o outro, utilizando-se
do menor com instrumento, na tentativa de se vingar, fazendo romper a relação
menor-genitor.
Situações como essas configuram verdadeiro abuso moral e psicológico dos pais em
relação aos filhos, os quais resultam em consequências, muitas vezes, irreparáveis
na vida presente e futura das crianças e adolescentes que, por serem afastadas do
convívio familiar, terminam por perderem as referências paternas /maternas
necessárias nessa fase.
Os prejuízos da alienação parental são em primeira análise absorvidos pelos menores
e repercutindo de inúmeras formas e em inúmeras áreas da vida; por isso, o direito
brasileiro por meio da Lei nº 12.318/2010 – Lei de Alienação Parental (LAP) buscou
garantir a prevenção, interrupção e a sanção a esse tipo de conduta (BRASIL, 2010.
Deste modo, visto que os danos sofridos pelos menores são, inicialmente, de ordem
imaterial, o presente estudo busca analisar como se desenvolve na doutrina e na
jurisprudência a responsabilidade civil por dano moral nos casos de alienação
parental.
Afinal, a responsabilidade civil por danos morais é aplicável aos casos de alienação
parental? Dessa forma, o artigo tem por objetivo esclarecer que a responsabilidade
civil por danos morais se aplica aos casos de alienação parental à medida que a
prática viola direitos da personalidade e causa danos a terceiros, deste modo
preenchendo os requisitos de dano moral e de responsabilidade civil.
Para isso, a metodologia utilizada na pesquisa é dedutiva e tem por objetivo a análise
da doutrina, das leis e das jurisprudências, a partir do fenômeno da
‘constitucionalização do direito’, isto é, a interpretação das leis a partir da Constituição
Federal de 88. (BRASIL, 1988).
Nessa trilha, em período não tão distante, falar de filiação pressupunha falar de um
pai (de sexo masculino) e uma mãe (de sexo feminino) que se uniram em razão da
necessária procriação, tendo como fruto a filiação biológica.
Nota-se com isso que a família, antes entendida pela tradicional e estável tríade pai-
mãe-filho biológico, passa a ser apenas mais uma das inúmeras possibilidades de se
constituir um núcleo familiar, possibilidades que são fruto das inúmeras e profundas
transformações que a família, enquanto estrutura milenar, vem sofrendo no decorrer
da história, ora para se adaptar às demandas sociais, ora para constituí-las.
Por essa mesma ótica, Fachin e Ruzyk (2003, p. 16) explicam que:
Por isso, a consanguinidade passa a ser desnecessária para que seja estabelecido o
papel da filiação que agora inclui a socioafetiva espécie do gênero não biológico,
caminhando assim em uma via propícia à proteção da família, do desenvolvimento da
personalidade e da garantia da dignidade de cada pessoa que a compõe.
Cumprindo seu papel, o Brasil em sua Carta Magna, no art. 1, III, capítulo VII,
(BRASIL, 1988) erigiu como fundamento do Estado Democrático de Direito a
dignidade da pessoa humana, afirmando constitucionalmente seu compromisso com
o respeito que cada indivíduo merece ter com os atributos que são inerentes à
qualidade de ser humano e essenciais para manutenção de uma vida digna.
Isso porque é a estrutura familiar, em última análise, que garante ao indivíduo seu
primeiro contato social, posteriormente evoluindo para verdadeira estrutura de suporte
para todas as outras interações sociais, políticas comuns à vida em comunidade,
funcionando, portanto, como lugar de proteção, assistência e unidade de integração e
desenvolvimento.
Diante desse cenário, descortina-se a necessidade de o Estado agir de duas formas
distintas, mas complementares, exclusivamente para a proteção da família: ora por
meio da obrigação de respeitar a liberdade nas relações familiares, não interferir,
portanto, cumprindo com a obrigação do gênero negativa; ora por meio da obrigação
de promover meios eficazes de combater violações impetradas, tanto pelo poder
público, quanto nas relações entre privados (CANOTILHO; MOREIRA, 2007).
Ademais, no mesmo capítulo o art. 227 (BRASIL, 1988) é certeiro quando estabelece
para a sociedade, a família e o Estado, o dever de garantir a toda criança, adolescente
ou jovem, “com absoluta prioridade”, dentre outros direitos, o direito à vida, à saúde,
à dignidade, ao respeito, à convivência familiar, colocando-os a salvo de qualquer
violência, crueldade e opressão.
Assim, junto com o advento da Carta Magna e nela do princípio fundante da dignidade
da pessoa humana “se fizeram novas todas as coisas”. Nesse impulso, o Direito Civil
não ficou de fora e foi fortemente alcançado, então “repersonalizado”, nomeadamente
pelo fenômeno da constitucionalização do direito.
Desse modo, a Carta Magna inverteu a ordem antes imposta pelo Código Civil
(BRASIL, 2002) realocando a pessoa humana para primeiro plano de todas as
relações jurídicas. Embalado por esse processo, foram promulgados princípios novos
para uma nova leitura do Direito de Família, dos quais trataremos adiante.
Além disso, vale destacar que nem todos os princípios aplicáveis ao Direito de Família
estão escritos, mas são fruto de uma interpretação ética e fundamentada a partir da
essência das leis, razão pela qual são reconhecidos diversos princípios implícitos
na Lex Fundamentalis de 88 (DIAS, 2021).
Para Maria Berenice Dias (2021), perfazem o rol de princípios gerais e especiais: a
dignidade da pessoa humana, a liberdade, a igualdade e respeito à diferença, a
solidariedade familiar, o pluralismo das entidades familiares, a proteção integral a
crianças, adolescentes e idosos, a proibição do retrocesso social e a afetividade.
No entanto, outros autores adicionam a este rol, princípios não menos importantes
como a parentalidade responsável, o melhor interesse da criança, o direito à
convivência familiar por Rolf Madaleno (2020); os princípios da função social da
família e da boa-fé objetiva incluídos por Flávio Tartuce (2017, p. 779-791), ou da
responsabilidade familiar como complemento de Lôbo (2017, p. 65).
O direito à convivência familiar é um direito recíproco entre pais e filhos, não se limita
à família nuclear, converge com o exercício do poder familiar, mas alcança outras
relações como de avós e netos e outras a depender do caso concreto; não cessa com
a separação conjugal, aliás fica assegurado à convivência pós-separação, sobretudo,
pelas Leis nº 11.698/2008 (BRASIL, 2008) e 13.058/2014 (BRASIL 2014) sobre
guarda-compartilhada.
Trata-se de uma autoridade temporária que os pais desempenham sobre os filhos até
que esses alcancem a maioridade ou sejam emancipados que, diferentemente do
passado vai ao encontro do interesse dos filhos e no mesmo sentido de toda evolução
das relações de família que agora se compõem de vínculos complexos
destacadamente de deveres e responsabilidades (LÔBO, 2017).
Nesta lógica, o poder familiar emerge como uma autoridade que emana da
responsabilidade dos pais, na qualidade de, segundo Paulo Lôbo (2017, p. 290),
“defensores legais e protetores naturais” de velar pelos interesses do filho.
É esse o espírito do art. 1589 do CC (BRASIL, 2002), que preceitua o poder/dever dos
pais que não residam com os filhos, de visitá-los, tê-los em sua companhia, fiscalizar
sua manutenção e sua educação, sempre dentro de um acordo estabelecido
preferencialmente pelos genitores ou por um juiz.
Dessa forma, no que diz respeito aos pais separados, o exercício do poder familiar
pressupõe harmonia e equilíbrio das decisões, já que se trata de uma função a ser
exercida em conjunto, visando diuturnamente nada além do melhor interesse da
criança, caso contrário a criança sempre será a parte mais atingida nessa relação,
sendo a desarmonia entre os genitores extremamente prejudicial ao seu
desenvolvimento.
Assim, na prática, o conteúdo do exercício do poder familiar, nos termos dos arts. 227
e 229 da CF (BRASIL, 1988), diz respeito ao dever de: criar, educar, assistir os filhos
menores de modo a lhes garantir o direito à dignidade em sentido macro, mas também
à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à liberdade, à convivência familiar, ao
respeito, ao lazer, à profissionalização. E, ainda, de os resguardar de qualquer abuso,
negligência, discriminação, crueldade, exploração e opressão.
Por fim, embora seja um poder a ser exercido pelos pais, recai sobre o Estado o dever
de fiscalização da devida adimplência, podendo, em caso de inadimplência, aplicar-
lhes as sanções cabíveis, a exemplo da suspensão e até da destituição desse poder.
Apesar das respectivas sanções sugerirem uma espécie de punição, não é esse o
objetivo, senão o melhor interesse da criança, de forma que apesar de qualquer dos
genitores serem sancionados, não se extingue ou suspende o direito dos filhos aos
alimentos, exceto no caso em que outra pessoa assume de fato a posição de
responsável, a exemplo da adoção (MADALENO; MADALENO, 2019).
Quanto à suspensão, ela pode ser total ou parcial, quer dizer, a alguns atos, e sua
causa pode se dar em decorrência de: abuso de autoridade, ou não cumprimento dos
deveres inerentes ao poder familiar como sustento, educação, em caso de
condenação do genitor que detém o poder familiar a crime com pena superior a dois
anos de prisão.
A doutrina de Rolf Madaleno e Ana Carolina Madaleno (2019, p. 36), chama atenção
para o fato de que apesar do uso indistinto pela legislação dos termos perda e
extinção, esta é consequência daquela, pois a perda é a sanção imposta àquele que
infringe um dever.
Não obstante, a privação do poder familiar será sempre a última alternativa a casos
excepcionais nos quais não existe outra hipótese de reconstituição dos laços
familiares, por ser medida deveras prejudicial ao desenvolvimento dos filhos, crianças
que o ordenamento jurídico, sociedade e Estado buscam, sobretudo proteger.
Em que pese a definição de Gardner ser médica, por isso denominada síndrome, o
ordenamento jurídico brasileiro se restringiu ao termo “Alienação Parental”, visto que
a síndrome trata dos sintomas da alienação parental, ao passo que a legislação visa
tratar a alienação propositada dos filhos em relação a um dos genitores.
Por fim, nas situações mais graves, o direito ainda busca atribuir sanções a quem
descumpra as respectivas regras, atendendo com isso à proteção integral da criança,
ao seu melhor interesse e, em última análise, aos princípios gerais e especiais do
Direito de Família.
Explicam Rolf Madaleno e Ana Carolina Madaleno (2017, p. 74), especialistas na área
jurídica da alienação parental, que diante da situação de ruptura conjugal:
se os pais retomam a rotina, mais ou menos como antes, por serem maduros o
suficiente e terem digerido melhor sua ruptura afetiva, a angústia e a ansiedade que
os menores que sofrem tendem a desaparecer. Já os pais que não superam seus
conflitos ou que iniciam um processo característico de síndrome de alienação parental
tendem, por anos a fio, estabelecer péssimas rotinas com seus filhos, que, ao
vivenciarem experiências ruins, mudanças imprevisíveis, ambiente instável e
interrupções no seu processo normal de desenvolvimento, passam a ter uma visão
distorcida do mundo, sendo frequente o medo do abandono – emoção mais
fundamental do ser humano – a ansiedade e, em especial, a angústia que podem
gerar diversas fobias na fase adulta. (…) as crianças crescem com o sentimento de
vazio, e ainda perdem todas as interações de aprendizagem, de apoio e de modelo.
Ademais, no que diz respeito à área psicológica, a alienação parental pode afetar de
forma contundente a noção que a criança e, posteriormente, o adulto tem de si próprio,
evidenciada pela baixa estima e a carência, desencadeando doenças como
“depressão crônica, transtornos de identidade, incapacidade de adaptação” e ainda,
“consumo de álcool e drogas, e em casos extremos podem levar até mesmo ao
suicídio” (MADALENO; MADALENO, 2017, p. 74).
Por fim, relatos que traduzem um abuso emocional capaz de deixar marcas eternas
na vida do abusado e que, por assim ser, merece o cuidado da lei.
Como visto, a lei não se restringe aos genitores, mas traz à tona a consciência de que
possam existir outros possíveis alienantes como os avós ou outras pessoas que
detenham a autoridade sobre a criança ou adolescente e que “intencionalmente”
busquem desqualificar o outro genitor para o menor.
Visto de uma ótica constitucional, isto é, qualquer pessoa que, em decorrência da sua
posição de autoridade ou influência sobre a criança ou adolescente cause lesão ao
seu direito fundamental de convivência familiar, atingindo, com isso, a dignidade que
lhe pertence, está agindo de forma cruel, opressiva e violenta, indo de encontro ao
que dispõe o art. 227 (BRASIL, 2002), descumprindo, portanto, um dever
constitucional.\
Já à luz do art. 3º da LAP (BRASIL, 2010), a conduta fica caracterizada como ato de
alienação parental que poderá, se necessário, ser comprovada por perícia técnica
conforme o art. 4º (BRASIL, 2020) e, para o qual a lei define que o juiz da causa
poderá, cumulativamente ou não, utilizar-se da ampla gama de instrumentos
processuais capazes de inibir ou dirimir os efeitos.
Por sua vez, o respectivo ato é reconhecido como ilícito por ir contra preceitos de uma
ordem jurídica, violando direitos e gerando prejuízo a terceiros, ainda que
exclusivamente moral, resultando em um dever de indenizar, nomeadamente a
responsabilidade civil que, em alguns casos específicos de lei precede a culpa,
conforme art. 927 do CC (BRASIL, 2002).
O dano moral é uma relativa novidade para o ordenamento jurídico pátrio, visto que,
apesar de antes mesmo da CF de 88 já fosse possível vislumbrar as raízes da
reparação pecuniária da lesão imaterial, é a partir do advento da Carta Cidadã que tal
reparação foi elevada a direito fundamental, dispersando com isso névoa de
incertezas formada pelas doutrinas que se contrapunham a esse respeito
(MADALENO, 2020; CAHALI, 2011).
Assim, para Flávio Tartuce (2017, p. 353): “a melhor doutrina é aquela que conceitua
danos morais como lesão a direitos da personalidade, sendo essa a visão que
prevalece na doutrina brasileira”.
Entretanto, no que diz respeito, especificamente à litigância dos danos em sede dos
direitos das famílias, há certa temeridade a respeito da banalização das relações
afetivas e do possível entrave que se criaria no desenvolvimento natural e sadio dos
relacionamentos, visto que os envolvidos estariam sempre preocupados em não
incidirem em danos morais (MADALENO, 2020).
Em que pese essa ser uma corrente doutrinária que se move por uma lógica
convincente, principalmente, no que diz respeito aos danos advindos das relações
afetivas, há contraposições relevantes e, a princípio, mais adequadas ao presente
momento dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana como núcleo
duro do direito.
É o caso do questionamento levantado e respondido por José de Castro Bigi apud Rolf
Madaleno (2020, p. 621). É que, segundo o primeiro autor, no caso em que um dos
consortes praticasse um ato ilícito gerador de dano injusto ao outro, tudo se resolveria
em um processo de separação? Evidente que não, já que a ofensa dirigida à dignidade
caracteriza um dano moral e como tal deverá ser indenizado.
Contudo, para a autora Graciela Medina (2002, p. 21) não há dúvida, tanto doutrina e
jurisprudência já obtiveram o êxito de expungir da concepção jurídica a ideia de que
os danos causados por entes de uma mesma família não são passíveis de reparação,
sob o fundamento de que assim como todo direito, a responsabilidade civil igualmente
alcançou, iluminada pela CF e por seus princípios, uma sensível evolução.
A responsabilidade civil, por sua vez, é um instituto do direito que surge para alcançar
aquelas condutas humanas desviantes do direito e causadoras de dano. Assim, há
um dever preexistente de observância às normas que quando não cumprido gera o
dever sucessivo de indenizar.
A LAP dispõe que a prática de alienação parental pode gerar a suspensão do poder
familiar em decorrência do abuso moral conduzido pelo alienador que age tanto de
forma negligente face ao dever de proporcionar um ambiente propício ao
desenvolvimento mental, como abusa do direito de exercício do poder familiar,
praticando, portanto, ato ilícito (MADALENO; MADALENO, 2015).
Além disso, não há dúvidas de que a alienação parental fere direitos fundamentais da
personalidade da criança e do adolescente, porque obstruindo propositadamente a
possibilidade da convivência familiar, o genitor atua prejudicando severamente a
construção dos laços familiares necessários ao desenvolvimento infantil com o genitor
que se busca atingir, produzindo com isso um dano imaterial indubitável à saúde
psíquica da criança, muitas vezes irreparáveis, a depender do grau das artimanhas
utilizadas pelo genitor alienante.
Por fim, o magistrado deverá estimar o valor tendo por norte os preceitos da
razoabilidade e da proporcionalidade para que a compensação seja equivalente à
gravidade do ilícito e do seu resultado por ele gerado, sem importar eventual
enriquecimento sem causa (CAVALIERI, 2015).
Assim, por exemplo, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no julgamento
da apelação cível nº 7007366567 RS que atendiam aos critérios de razoabilidade e
proporcionalidade, observando a gravidade dos fatos, o montante de R$ 9.370,00 em
razão da comprovação dos indícios de alienação parental perpetrados pela genitora
que levaram pai e filha a perderem a convivência familiar.
No caso em tela, tudo iniciou com uma denúncia de abuso sexual feita pela mãe da
menor contra o respectivo pai, diante disso a autoridade judiciária iniciou o processo
de investigação no qual a criança foi entrevistada e submetida a exames que tiverem
resultado negativo, sendo o processo arquivado.
Por lógica semelhante no Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul um caso foi
julgado e o pedido de reconhecimento de alienação parental foi deferido, quando
ficaram demonstrados atos de alienação na conduta do genitor de registrar boletins
de ocorrência sem justificativa plausível contra a genitora que detinha a guarda da
filha.
Ocorre que, tanto os relatos da psicóloga pela qual passaram mãe e filha, quanto às
informações concedidas pela criança de que o pai se referia à mãe como
“desequilibrada, frustrada” fizeram prova do ato alienador.
Deste modo, a alienação parental por parte do pai foi reconhecida, bem a
compensação por danos morais foi acolhida pelo Desembargador Relator que assim
decidiu:
considerando o ocorrido, a intensidade do dano, a duração do sofrimento, a
repercussão e as consequências, bem como as condições pessoais das partes, fixo a
indenização em R$ 50.000,00, pois mostra-se razoável. Tal valor deve ser corrigido
pelo IGPM/FGV desde sua fixação até o efetivo pagamento, bem como juros de mora
desde a citação. (STOLZE, 2018).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A alienação parental é um exemplo de abuso do poder familiar que fere frontalmente
os direitos fundamentais relativos à personalidade da criança, portanto respondendo
à questão norteadora deste estudo, constatou-se que ela é passível de
responsabilidade civil que visa tanto a respectiva compensação, fruto da lesão
imaterial, quanto a punição e a prevenção, visto o potencial que possui de refletir o
desencorajamento da prática.
Trata-se de um tipo sofisticado de abuso que pode passar despercebido por longo
período até que suas consequências se tornem visíveis, representadas por
comportamentos “inesperados” dos menores que sofrem imensuravelmente de forma
silenciosa enquanto se transformam em algo, não raras vezes, posteriormente
incompreendido.
Por isso, parece adequado pensar que o direito, enquanto ciência que busca regular
a vida em sociedade garantindo a segurança das relações humanas, deva buscar
novos caminhos para que dano sofrido pelos filhos menores em caso de alienação
parental sejam compensados.
Nesse sentido, a responsabilidade civil e criminal daquele que viola preceitos
fundamentais pode representar uma trincheira aos sentimentos negativos que
subvertem o valor das relações familiares. (DIAS, 2015).
Por sua vez, o dano moral é um instituto que se comporta diferente do dano
patrimonial, que visa restituir o status quo, mas caminha a partir do reconhecimento
da violação a uma espécie de bem jurídico amplamente tutelado como o direito da
personalidade, compensar a dor e sofrimento de quem os vivencia por meio de outras
experiências mais agradáveis, além de objetivar punir o ofensor e advertir a sociedade
que a alienação parental é repudiada pelo ordenamento jurídico, desestimulando
novas práticas.
Dessa forma, estimar o valor da compensação é um desafio complexo que, tem sido
executado pelo judiciário a partir de critérios como as circunstâncias do caso, a
extensão do dano, o poder socioeconômico do lesante, bem como os critérios
clássicos da razoabilidade e proporcionalidade.
REFERÊNCIAS
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