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CONTEÚDO
• RESUMO
• 1. INTRODUÇÃO
• 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
• REFERÊNCIAS
ARTIGO ORIGINAL
RESUMO
A pandemia de COVID-19 tem consequências graves em todas as áreas da vida
social. O presente artigo apresenta uma análise do ponto de vista do Direito das
obrigações e dos contratos, diante de um acontecimento inesperado e de grande
repercussão, que suscita imediatamente as ideias de caso fortuito, de alteração súbita
das circunstâncias e as correspondentes figuras jurídicas. A questão norteadora do
tema busca responder à seguinte pergunta: A pandemia de COVID-19 ou os efeitos
das medidas associadas a evitar sua expansão, encaixam-se nos requisitos do caso
fortuito como exoneração da responsabilidade por descumprimento das obrigações
contratuais? Este questionamento concentrou a discussão com respeito à teoria da
imprevisão, do princípio da boa-fé contratual e da frustração do fim do contrato. Foram
objetivos deste artigo verificar se a pandemia ou os efeitos das medidas efetuadas
com o intuito de evitar sua expansão, encaixam nos requisitos do caso fortuito como
exoneração da responsabilidade por incumprimento das obrigações contratuais e,
discutir a respeito da utilização da teoria da imprevisão, do princípio de boa-fé
contratual e da teoria da frustração do fim do contrato. A metodologia utilizada foi a
revisão da literatura de publicações entre os anos de 2012 e 2020. Ao final do estudo
conclui-se que a pandemia de COVID-19 em si, não é passível de ser definida como
um caso fortuito, mas que a ação do Poder Público como resposta a esta pandemia,
pode ser considerada caso fortuito. Em seguida, trata de três teorias que podem ser
aplicadas no Direito Civil Brasileiro: teoria da imprevisão, teoria da frustração do fim
do contrato e a utilização do princípio da boa-fé. Estas, possibilitam interpretar que o
devedor teve sua capacidade de adimplir comprometida drasticamente pelos efeitos
da pandemia COVID-19, possibilitando a revisão ou resolução, o que obriga às partes
a um dever de renegociação, derivado “da função integrativa da boa-fé”. Estas, em si,
configuram uma solução menos gravosa, deixando-se claro que não se pode adotar
a mesma perspectiva para contratos paritários e contratos de consumo e que,
qualquer caminho para que se encontre uma solução negocial, deve passar pela
análise do caso concreto.
1. INTRODUÇÃO
A rápida escalada da crise de saúde pública gerada pela pandemia de COVID-19
derivou em uma situação sem precedentes, que propõe inumeráveis desafios jurídicos
tanto a nível internacional como nacional ao ramo do Direito imobiliário.
[…] (1) nos contratos imobiliários: (a) nulidades, (b) juros, (c) correção monetária, (d)
inexecução contratual e suas consequências, (e) revisão e (f) resolução contratual; (2)
nas locação não residenciais: (a) valor do aluguel, (b) inadimplemento, (c) multa pelo
pagamento em atraso, (d) devolução antecipada do imóvel pelo locatário, (e) locação
em shopping centers e (f) contrato built-to-suit (construído para servir); (3) na compra
e venda de imóveis: (a) prazos para pagamento, (b) inadimplemento, (c) prazo para
purgação da mora, (d) multa pelo pagamento em atraso, (e) atraso na entrega do
imóvel e (f) desistência da compra; (4) nos condomínios: (a) direito de propriedade,
(b) limitação ao uso de áreas comuns, (c) limitação de circulação de pessoas, (d)
cancelamento de assembleias ordinárias e extraordinárias e (e) suspensão de
autorização para obra (MARGOTO, 2020, p. 3).
É importante ressaltar que não se pode adotar a mesma perspectiva para contratos
paritários e para contratos de consumo. Os primeiros são regidos pelo Código Civil e
a legislação específica, sem amparo, em princípio, nas disposições do Código de
Consumidor, uma vez que é presumida a liberdade das partes em condições de
igualdade negocial.
De qualquer modo, qualquer caminho para que se encontre uma solução negocial
deve passar pela análise do caso concreto, tornando-se indispensável a análise de
cada relação contratual com vista à constatação da causa de tal ocorrência. Ou seja,
os contratos não foram atingidos da mesma forma pela pandemia do coronavírus e
não se deve deixar de considerar a excepcionalidade da situação e os efeitos
concretos em cada relação negocial.
A força maior ou caso fortuito tem importância como causa que exime da
responsabilidade o devedor frente ao incumprimento de suas obrigações contratuais.
O caso fortuito exime-se de responsabilidade também, frente a casos de
responsabilidade objetiva, nos quais nem sequer o atuar diligente do devedor lhe
serve como justificação; pelo que se constitui como limite frente à responsabilidade
pelo incumprimento. Isso significa que a possibilidade do devedor ser acobertado por
esta causa seja limitada, devendo cumprir requisitos estritos; caso contrário, estar-se-
ia afetando ao núcleo mesmo da noção de pacta sunt servanda, e a boa-fé contratual
(FARIAS; ROSENVALD, 2020).
Até onde pode chegar a autonomia das partes em sede contratual, no que respeita à
regulação do caso fortuito? Entende-se que as faculdades são amplas; por exemplo,
que as partes pactuem que uma delas assuma unilateralmente os efeitos do
imprevisto; que podem ser agravatórias, ou restritivas, atenuarem ou eximirem da
responsabilidade o devedor como parte do pacto prévio.
No caso de que nada se tenha pactuado pelas partes, opera-se o regime geral do art.
393 do Código Civil: “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de
caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles
responsabilizado” (BRASIL, 2002). Neste regime geral podem ser identificadas duas
funções do caso fortuito no âmbito contratual; em primeiro lugar, eximir do pagamento
de indenização de prejuízos pelo incumprimento o devedor, função que também é
aplicável no âmbito extracontratual e afeta à responsabilidade; e, em segundo lugar,
extinguir uma obrigação, se o caso fortuito ou força maior é definitivo, ou permitir ao
devedor a suspensão no cumprimento da obrigação, se o fato que suscita o caso
fortuito ou força maior é temporário (DINIZ, 2020).
São requisitos para considerar um fato como caso fortuito: primeiro, a externalidade,
quer dizer, que não haja sido a conduta do devedor a que haja provocado o fato que
se pretende apresentar como caso fortuito. O fato deve ser externo ao devedor e essa
externalidade pode ser medida a partir do distanciamento do mesmo respeito do
alcance de suas obrigações (FARIAS; ROSENVALD, 2020).
Existem registros de pandemias com influência global a cada certo tempo como o
SARS em 2003, MERS em 2014, ambas com expansão global e características
nocivas; entretanto, um fenômeno como o atual que obrigue ao isolamento domiciliar
de grandes grupos humanos e paralise a vida econômica de cidades inteiras,
provavelmente só se assemelha a outros ocorridos faz mais de cinquenta ou cem anos
como a gripe espanhola ou a gripe de Hong Kong; por outro lado, contribui também
para sua categorização como caso fortuito o desconhecimento generalizado sobre
suas características, porquanto apenas se tem uma aproximação geral a respeito de
seus sintomas e sequelas. Pelo assinalado se pode sustentar a qualificação da
pandemia de COVID-19 e seus efeitos como imprevisíveis, pelo menos para os
contratos vigentes antes que a emissão dos atos de autoridade ou prévios ao
momento em que se podia determinar a iminente chegada do vírus ao país, ainda que,
provavelmente, a imprevisibilidade já não seja um elemento facilmente apreciável
agora que transcorreram alguns meses (BERGER; BEHN, 2020).
Este último nos leva a determinar o momento do iter contratual em que deve verificar-
se a imprevisibilidade, sendo unânime a resposta de que é à celebração do contrato,
tanto porque é ali onde se plasma a negociação fixando-se direitos e obrigações para
as partes e se produz a assunção de risco.
Uma revisão mais recente deste requisito assume uma posição relativa que se
contrasta com a conduta exigível do devedor. Este postulado assinala que a
irresistibilidade não se refere a um conceito absoluto, mas medido através do prisma
da diligência do devedor que obriga a resistir qualquer evento que possa gerar um
incumprimento, inclusive os mais imprevistos (VALLEJO, 2020).
Por outro lado, esta discussão leva a desentranhar qual é a verdadeira conduta
exigível ao devedor frente a um fato que pode levar ao incumprimento, evitar que este
suceda ou resistir seus efeitos uma vez que seja produzido? Parece mais adequado
inclinar-se pela segunda opção, posto que a imprevisibilidade se concentre no
momento da celebração do contrato e se refere à capacidade das partes para
adiantar-se ao futuro e programar as respostas a eventos que têm uma importante
probabilidade de ser produzido e afetar o cumprimento das obrigações contratuais.
Em contraste ao assinalado, a irresistibilidade se refere à capacidade para aplicar
remédios a fatos que não puderam ser previstos no momento de contratar e se
produziram, contudo que as partes, com um esforço razoável que não implique um
desequilíbrio contratual importante, podem atender para procurar o cumprimento. Um
exemplo do mencionado poderia ser aplicado ao contrato de prestação de serviços
educacionais ante o fenômeno da pandemia de COVID-19; os centros educacionais
se valeram de ferramentas tecnológicas para procurar o ensino à distância, cobrindo
os elementos essenciais desta.
Em todo caso, a irresistibilidade supõe fazer o necessário para que o fato não afete o
cumprimento; e de fazê-lo, verificar se o devedor não tinha maneira de resistir-se ao
incumprimento, seja postergando-o ou oferecendo um substituto de igual qualidade.
A doutrina que se manifestou até o momento voltou sua atenção para o requisito de
fato irresistível; o que, de verificar-se, permitiria qualificar incumprimentos contratuais
objetivos por caso fortuito ou força maior (VALLEJO, 2020).
No Brasil opera para o caso fortuito o art. 393 do Código Civil que exime de
responsabilidade ao devedor por aqueles casos em que não foram possíveis ser
previstos ou que previstos foram inevitáveis. É claro que a crise da pandemia de
COVID-19 é um caso de caso fortuito e que o factum principis da declaração do Estado
de alarme, impede que os danos e prejuízos provocados a uma parte pela
impossibilidade de cumprir o contrato pela outra devem ser indenizados.
A teoria da imprevisão, portanto, é uma instituição que pode conviver com o pacta
sunt servanda, contudo se configura como limite do mesmo, permitindo às partes
renegociar por si mesmas o conteúdo do pacto e restabelecer o equilíbrio contratual,
ou em sua versão mais ampla, solicitar a revisão judicial do contrato, situação essa
que podia haver sido encarada como escandalosa no princípio do direito de contratos
do século XIX, mas que se torna não só recomendável, mas necessária em tempos
globalizados.
De acordo com a doutrina brasileira, há dois tipos de revisão contratual no Direito Civil
brasileiro: a do art. 478 e a do art. 317, ambos do Código Civil.
Posto isto, a verdade é que as dificuldades para o bom desenvolvimento das relações
contratuais podem não derivar tanto da pandemia em si, mas das medidas adotadas
pelas autoridades para responder à ameaça sanitária. Tais medidas poderiam
constituir um “fato do príncipe” (fait du prince). Essa noção consiste em uma decisão
tomada pelo poder público que dificulta o cumprimento das obrigações, podendo
ensejar um caso de força maior. Para isso, será necessário que os atos das
autoridades sejam imprevisíveis para o devedor no momento da celebração do
contrato, e que tenham caráter irresistível. No entanto, e aqui reside muito do seu
interesse no cenário atual, para considerar a força maior com base em um fato do
príncipe, não será necessário que ocorra um impedimento total. Bastará que a parte
afetada não possa continuar a exercer a sua atividade nas mesmas condições. É o
caso, por exemplo, dos profissionais da hotelaria que viram a sua atividade limitada à
venda de produtos para levar ou entregar a domicílio.
3.2 TEORIA DA FRUSTRAÇÃO DO FIM DO CONTRATO
Dentro dos casos de eficácia sobrevinda do contrato, a teoria da frustração do fim do
contrato (Zweckstörung) compartilha com a teoria da imprevisão a existência de um
fato externo, imprevisível e irresistível que sucede de maneira posterior à celebração
deste e que não foi assumido como risco por nenhuma das partes no pacto.
Diferentemente da teoria da imprevisão, na qual o fato que constitui caso fortuito
converte à obrigação de uma das partes em excessivamente onerosa e obriga à
revisão do contrato; neste caso, a causa do contrato é afetada, provocando que o
cumprimento do mesmo devenha em ilegal, impossível ou estéril economicamente
(MARINHO, 2020).
Pode-se ilustrar o assinalado com a revisão dos casos de deram origem à figura
(“frustracion of purpose of contrat”) no “commom law”, para logo verificar como foi
expandido sua regulação. O primeiro caso no qual se acunhou o termo frustração foi
Taylor v. Caldwell, no qual o primeiro demandou o segundo o pagamento de
indenização por descumprir o contrato de aluguel de uma sala de concertos que foi
destruída por um incêndio uma noite antes que começasse a ser usada para distintas
atividades programadas pelo locatário. O juiz modulou a regra de cumprimento
absoluto aplicada aos contratos que vinha regendo no direito inglês desde, ao menos,
dois séculos atrás e assinala que no caso dos contratos que dependem da existência
do objeto, não existe responsabilidade do locador se este perece sem culpa, já que
constituía uma obrigação conhecida desde a gênese mesma do contrato (COGO,
2012).
Para Karl Larenz há uma base objetiva e outra subjetiva. Esta, se identifica com a
reapresentação mental dos contratantes no momento de concluir o negócio e que influi
nas partes para a definição do conteúdo do contrato. A base subjetiva representa a
pressuposição de circunstâncias presentes ao momento de contratar ou passadas e
a expectativa de que se mantenham no futuro; o erro de uma das partes a respeito da
suposição e o aproveitamento desleal do mesmo pela outra é o que faculta o devedor
a solicitar o remédio, sob o fundamento final da boa-fé como princípio central. Por sua
parte, a dimensão objetiva é um estado geral das coisas cuja existência dota de
sentido o negócio realizado e o conteúdo mesmo do contrato. A dimensão objetiva do
negócio jurídico é afetada por ruptura grave na equivalência das prestações mútuas;
ou porque o fim objetivo do contrato é impossível apesar de que as partes cumpram
suas obrigações (LARENZ, 2002). Da perspectiva do exposto no presente trabalho, a
teoria da imprevisão seria utilizada do primeiro caso (equivalência das prestações) e
a frustração do fim do contrato do segundo (inutilidade sobrevinda do contrato).
Para Larenz (2002) o contrato e seu conteúdo respondem a uma realidade objetiva
correspondente ao momento em que se celebra; assim como, a uma reapresentação
mental conjunta das partes a respeito de como deve ser desenvolvida a execução e o
resultado esperado, para o qual se intenta precautelar que existam soluções frente a
variações que possam afetar gravemente ao mesmo. Podem-se verificar na teoria da
base do negócio jurídico de Larenz os casos de erro comum, frustração das
expectativas razoáveis das partes, a ruptura da equivalência das prestações,
equiparável à teoria da imprevisão; e, a perda da finalidade do contrato que abarcaria
a frustração de seu fim.
De acordo com o Enunciado nº 166, na III Jornada de Direito Civil, realizada pelo
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal: “art. 421 e 422 ou 113:
A frustração do fim do contrato, como hipótese que não se confunde com a
impossibilidade da prestação ou com a excessiva onerosidade, tem guarida no Direito
brasileiro pela aplicação do art. 421 do Código Civil” (CJF, 2005, p. 58). O Enunciado
431 da V Jornada de Direito Civil reza que: “A violação do art. 421 conduz à invalidade
ou à ineficácia do contrato ou de cláusulas contratuais” (CJF, 2012).
Para responder esta pergunta se deve indagar sobre os fundamentos finais do direito
de contratos que se assenta em seus princípios gerais. Os princípios, diferentemente
das regras, constituem mandatos de otimização que procuram ser cumpridos no
máximo possível, mostram a direção na qual pode ser oferecida a solução a um
conflito; por isso, a colisão entre princípios não se resolve por exclusão de um deles
mas por ponderação, o peso designado a cada um corresponde à base axiológica sob
a qual são avaliados e cedem mutuamente até chegar à solução mais equitativa, por
fim, têm correspondência com valores e se constituem como racionalização das
regras.
A boa fé, desde sua função integradora, parece ser o fundamento mais adequado de
um dever de renegociação das partes frente à excessiva onerosidade sobreveniente
no cumprimento das obrigações, por motivo do advento de um caso fortuito. Este
princípio fundamenta-se, principalmente, nos art. 113, 187 e 422 do Código Civil. A
boa fé como princípio geral exerce suas funções informadora, interpretativa e
integradora. Nas palavras de Scavone Junior (2019, p. 592) “os negócios jurídicos,
antes de qualquer princípio e antes mesmo da obrigatoriedade do que foi
convencionado, devem respeito à boa-fé”
Dessa forma, nos casos dos contratos nos quais a pandemia de COVID-19 houvesse
causado um desequilíbrio contratual, haveria o dever de renegociar que é derivado
“diretamente da função integrativa da boa-fé” (PIANOVSKI, 2020). Essa renegociação
pode ocorrer por acordo mútuo ou recorrendo-se à Justiça. Não havendo acordo em
prazo razoável, o juiz pode, a requerimento de uma das partes, rever o contrato ou
rescindi-lo a partir da data e nas condições que fixar.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. São requisitos para se considerar um fato como caso fortuito: a externalidade,
a imprevisibilidade e a irresistibilidade. Com fundamento em Berguer e Behn
(2020) foi verificado que a pandemia da COVID-19, embora externa e
irresistível, era um fato previsível. Já houve pandemias em épocas recentes e
passadas. Entretanto, o que não era previsível foi o ato das autoridades que
adotou medidas restritivas da liberdade de movimentos de seus cidadãos, que
limitaram ou restringiram a entrada de viajantes procedentes de países com
surtos de COVID-19 e que aprovaram diversos tipos de disposições, com a
dupla finalidade de proteger a saúde dos cidadãos e mitigar, no possível, as
consequências econômicas derivadas desta situação, a gravidade da crise foi
crescendo. Se o proposto é certo, os atos de autoridade emanados devido à
pandemia reúnem as características do caso fortuito, a saber, imprevisibilidade,
externalidade e irresistibilidade.
2. A teoria da imprevisão e a frustração do fim do contrato e o princípio da boa-fé
são figuras úteis frente a situações anormais, podem conviver com o princípio
de pacta sunt servanda. A primeira está relacionada aos atos estatais que
inviabilizaram o cumprimento. Ocorrendo a impossibilidade jurídica
superveniente, possibilitará o pedido de resolução sem imputação de culpa às
partes. São os casos dos cinemas, teatros, casas de espetáculos, estádios ou
relacionados à onerosidade excessiva a uma das partes. Casos em que o
devedor teve sua capacidade de adimplir comprometida drasticamente pelos
efeitos da pandemia COVID-19, possibilitando a revisão ou resolução, diante
da imprevisão ou da onerosidade excessiva; A segunda está relacionada com
os contratos em que há absoluta perda do interesse original da prestação.
Trata-se dos casos dos passageiros de transporte aéreo e dos hóspedes de
hotéis, que em virtude da pandemia, viram a inutilidade das prestações
contratadas, possibilitando a sua resolução. A terceira obriga as partes a um
dever de renegociação em virtude de desequilíbrios contratuais advindos da
pandemia de COVID-19, derivado “da função integrativa da boa-fé”.
3. A reação do direito de contratos imobiliários deve ser dúctil, como a realidade
mesma, entender o direito de contratos por princípios e a estes como
racionalização das regras, pode ser fundamental para o desafio imediato dos
julgadores, especialmente sem normas à medida.
Esgotada assim a explanação acerca do tema proposto, considera-se como resposta
à questão norteadora inicial: a pandemia de COVID-19 ou os efeitos das medidas
associadas a evitar sua expansão, encaixam-se nos requisitos do caso fortuito como
exoneração da responsabilidade por incumprimento das obrigações contratuais?
Conclui-se que sim, uma vez que os atos de autoridade emanados devido à pandemia
reúnem as características do caso fortuito, a saber, imprevisibilidade, externalidade e
irresistibilidade. E, de forma complementar, vislumbra-se como uma possível solução
menos gravosa, com base nas teorias da imprevisão, do princípio de boa-fé contratual
e da teoria da frustração do fim do contrato, a possibilidade de revisão ou resolução
contratual, o que obriga às partes a um dever de renegociação em virtude de
desequilíbrios contratuais advindos da pandemia de COVID-19, derivado “da função
integrativa da boa-fé”.
Por fim, é importante deixar claro, a despeito de todas as teorias acima expostas que,
não se pode adotar a mesma perspectiva para contratos paritários e contratos de
consumo e que, qualquer caminho para que se encontre uma solução negocial, deve
passar pela análise do caso concreto.
REFERÊNCIAS
BERGUER, Klaus Peter; BEHN, Daniel. Force majure and hardship in the age of
corona: a historical and comparative study. McGill Journal of Dispute
Resolution (2019/2020), n. 4, p, 79-130, 20 abr. 2020. Disponível em:
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3575869. Acesso em
10/12/2020.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V.3: teoria das obrigações
contratuais e extracontratuais. 36 ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p.936.
EISAQUI, Daniel Dela Coleta. Revisão judicial dos contratos: A teoria da
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RIZARDO, Arnaldo. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. p.1456
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito Imobiliário: teoria e prática. 15 ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. p.1736
VALLEJO, Antonio Orti. Riesgo contractual en los contratos privados después o Covid-
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