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24/05/2020 Envio | Revista dos Tribunais

A aplicação da teoria da imprevisão pelos árbitros nos litígios decorrentes de


contratos de construção

A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO PELOS ÁRBITROS NOS LITÍGIOS


DECORRENTES DE CONTRATOS DE CONSTRUÇÃO
Revista de Arbitragem e Mediação | vol. 17/2008 | p. 11 - 48 | Abr - Jun / 2008
Doutrinas Essenciais Arbitragem e Mediação | vol. 4/2014 | p. 33 - 78 | Set / 2014
DTR\2008\865

Arnoldo Wald
Professor Catedrático da UERJ. Membro da Corte Internacional de Arbitragem da CCI. Advogado.

Área do Direito: Civil; Arbitragem


Resumo: Nos contratos de construção de longo prazo tem sido muito comum que riscos que eram
imprevisíveis quando da contratação se manifestem e afetem o equilíbrio econômico-financeiro do
negócio jurídico. Com isso, surge também a necessidade de revê-los, com fundamento na teoria da
imprevisão, que foi acolhida expressamente pelo Código Civil para os contratos em geral e, em
disposições específicas, para os contratos de empreitada. O artigo traz uma visão geral sobre a
necessidade de manutenção da equação do contrato e a aplicação da teoria da imprevisão no direito
brasileiro e também no direito comparado, especialmente em relação aos contratos de empreitada.

Palavras-chave: Contrato de empreitada - Onerosidade excessiva - Fato imprevisível - Equilíbrio


econômico-financeiro - Equação do contrato - Revisão do contrato - Teoria da imprevisão - Arbitragem
Abstract: In long-term construction agreements it has been very common that risks that were
unpredictable at the moment of the execution of the contract appear and affect the economic-financial
equilibrium of the legal transaction. As a consequence, the necessity of their reassessment arises,
based on the doctrine of frustration of contracts, which has been explicitly embraced by the Civil Code
to be applied to agreements in general and, in specific provisions, to contracts for works of civil
engineering construction. The article brings a general view of the necessity of the maintenance of the
contract equation and the application of the doctrine of frustration of contracts in Brazilian law and also
in comparative law, mainly in relation to contracts for works of civil engineering construction.

Keywords: Contracts for works of civil engineering construction - Excessive onerousness - Unforeseen
circumstances - Economic-financial equilibrium - Contract equation - Contract review - Doctrine of
frustration of contracts - Arbitration
"Uma economia de mercado só pode funcionar corretamente num
quadro institucional, político e ético que assegure a estabilidade e a
regulação." (Maurice Allais, apud Michel Albert. Notre foi dans ce siècle.
Paris: Árlea, 2002, p. 120)
Sumário:

1. Introdução - 2. A equação econômico-financeira do contrato - 3. Da aplicação da teoria da


imprevisão - 4. Da evolução do regime legal da empreitada integral - 5. A interpretação e a aplicação
dos arts. 619, parágrafo único, e 625, II, do CC/2002 - 6. Conclusões

1. Introdução
1. No século XXI, que se caracteriza pela velocidade das transformações tecnológicas, pela volatilidade
financeira e até por mutações climáticas rápidas, é muito difícil manter a estabilidade das cláusulas
contratuais, especialmente nos contratos de longo prazo.
2. Por outro lado, a multiplicação das grandes obras, tanto na área privada como pública, exige um
planejamento técnico e financeiro prévio, que nem sempre consegue embutir as eventuais variações,
que poderão ocorrer nos próximos anos, durante a construção da obra. Assim, por mais minucioso que
tenha sido o planejamento e mesmo que comporte alguma flexibilidade, a construção pode sofrer um
bloqueio em virtude de circunstâncias totalmente imprevisíveis. Por outro lado, mesmo em relação a
eventuais dificuldades previsíveis, mas tendo pouca probabilidade de ocorrer, a tomada de medidas
preventivas ou a sua inclusão no cálculo do custo da obra, com excesso de pessimismo, poderia onerá-
la de tal modo que a tornasse inviável. Desse modo, na ausência de certeza ou na dificuldade de
previsão, opera-se com base nas probabilidades.
3. É preciso, aliás, reconhecer que as obras podem sofrer riscos muito variados e nem sempre
decorrentes de decisões econômicas ou políticas tomadas no local onde são realizadas. Riscos
ambientais, regulatórios, intervenções do Ministério Público, normas internacionais a respeito de

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determinados materiais usados, como o amianto, por exemplo, e dificuldades decorrentes da natureza
do terreno, que não puderam ser verificadas pelos estudos anteriores, podem impedir a manutenção do
ritmo da construção ou afetar seriamente o seu custo.
4. Se, em alguns casos, as cláusulas contratuais podem prever as soluções a serem dadas a todos os
eventos imprevisíveis, não é o que acontece em geral. Por outro lado, mesmo que haja previsão do
evento, as suas repercussões ou as suas dimensões podem não ter sido adequadamente quantificadas,
ensejando um prejuízo com o qual uma das partes não pode arcar e que até não era elemento
considerado pelos contratantes no momento em que realizaram o negócio.
5. Tais fatos ocorriam também no passado, mas eram menos freqüentes, não tinham o mesmo alcance
e representavam, em geral, valores menores. Acresce que, na fase em que as empresas eram geridas
diretamente pelo dono e na qual os Poderes Públicos tinham autoridade ilimitada para renegociar
contratos, as soluções eram evidentemente mais fáceis.
6. As situações que surgem, atualmente, não significam necessariamente um litígio entre as partes,
que, ao contrário, querem continuar a realizar negócios uma com a outra e manter vivo e operacional o
contrato da obra na qual ocorreu a dificuldade. Os interessados não querem, pois, recorrer à Justiça,
que, por sua vez, levaria muito tempo para proferir a sua decisão, dependendo, na maioria dos casos,
de perícias, que, além de demoradas, podem apresentar resultados controvertidos, deixando o
magistrado perplexo diante de problemas técnicos que não domina.
7. Verifica-se, assim, que o progresso técnico e a globalização ainda não conseguiram evitar o
crescente número de litígios em questões que são muito relevantes para a sociedade, como, por
exemplo, as obras de infra-estrutura.
8. Em tais casos, a arbitragem constitui certamente uma fórmula hábil, seja para dirimir a controvérsia,
seja, até, para funcionar como indutor ou catalisador de um acordo que permita a conclusão da obra.
9. Quando os contratos de construção se referem a obras a serem realizadas no Brasil, em geral, a lei
aplicável é a brasileira, que nos oferece boas soluções, adotando a teoria da imprevisão. Tendo surgido,
no direito brasileiro, há cerca de 80 anos, com os trabalhos doutrinários de Arnoldo Medeiros da
Fonseca e uma jurisprudência que se iniciou com uma decisão de Nelson Hungria, a teoria da
imprevisão foi explicitada no Código Civil (LGL\2002\400) de 2002, que dela tratou com muita
felicidade. Alguns pontos, seja na interpretação da lei, seja no que se refere ao seu campo de
incidência, continuam, todavia, sendo objeto de discussão por juízes e árbitros.
10. Já começamos, contudo, a ter, na matéria, ao lado dos julgados dos tribunais, uma verdadeira
jurisprudência arbitral que é das mais importantes. Infelizmente a confidencialidade das decisões dos
árbitros não permite a sua divulgação completa, a não ser quando ocorrem discussões judiciais a
respeito das sentenças arbitrais.
11. Entendemos, assim, que pode ser válido e útil um ensaio sobre a aplicação da imprevisão, que
estudamos há mais de meio século, desde a nossa tese de doutorado, publicada em 1956, e que agora
adquire maior importância e novas dimensões na arbitragem.
2. A equação econômico-financeira do contrato
2.1 A nova visão do contrato
12. Há muito, o contrato deixou de ser visto como um instrumento estático, rígido, alheio aos
acontecimentos e prevalecendo sobre as mudanças que se verificam nos fatos que a ele se relacionam.
Passou, então, a ser considerado um instrumento dinâmico "de cooperação que deve atender aos
interesses tanto das partes quanto da sociedade". 1
13. A idéia da "santidade dos pactos", com a intangibilidade das suas disposições, corporificada no
princípio do pacta sunt servanda, vem cada vez mais perdendo espaço para as novas correntes
contratuais, que consideram relevante manter a proporcionalidade das prestações e aceitam, como
inerente aos contratos, a necessidade de manutenção da equação econômico-financeira, reavivando a
antiga cláusula rebus sic stantibus, segundo a qual as convenções só deveriam ser obedecidas
enquanto as condições em que o contrato foi celebrado permanecessem inalteradas.
14. Neste contexto, a obrigatoriedade constitui uma projeção, no tempo, da liberdade contratual, pois
as partes são obrigadas a realizar as prestações futuras decorrentes do contrato. No entanto, o direito
contemporâneo também passou a limitar esta obrigatoriedade, interpretando-a de acordo com a
cláusula implícita rebus sic stantibus, ou seja, enquanto as situações das partes não sofrerem
modificações substanciais, e permitindo a revisão ou a resolução do contrato no caso de ocorrerem
transformações imprevisíveis.
15. A nova concepção do contrato tem prevalecido atualmente na melhor doutrina nacional e
internacional e na jurisprudência, que levam em consideração a realidade existente no momento da
celebração do contrato e as conseqüências da avença então previstas pelas partes.
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16. Por outro lado, durante muito tempo, considerou-se que, na maioria dos casos, o contrato
compunha interesses divergentes, que nele encontravam uma forma de solução, como acontece nos
casos da compra e venda, da locação, da empreitada, etc.
17. Nos últimos anos, deixou-se, no entanto, de conceber o contrato como instrumento
necessariamente decorrente ou representativo de interesses antagônicos, chegando os autores e a
própria jurisprudência a admitir, inicialmente nos contratos de longo prazo, mas, em seguida, em todos
eles, a existência de uma affectio - a affectio contractus -, com alguma semelhança com outras formas
de colaboração como a affectio societatis ou o próprio vínculo conjugal.
18. Em vez de adversários, os contratantes passaram, num número cada vez maior de contratos, a ser
caracterizados como parceiros, que pretendem ter, um com o outro, uma relação equilibrada e
eqüitativa, considerando até os ideais de fraternidade e justiça. Já no início do século passado, alguns
autores, como René Demogue, referiam-se ao contrato como "uma união de interesses equilibrados,
um instrumento de cooperação leal, uma obra de confiança mútua" (trad. livre). 2 Mais recentemente,
outros autores desenvolveram a tese da equação contratual, inspirada no direito administrativo, para
vislumbrar no contrato um instrumento de colaboração entre os contratantes, no interesse de ambos e
da própria sociedade.
19. Há, pois, uma evolução na qual, após termos abandonado a caracterização do contrato como
manifestação ilimitada da liberdade individual, lhe demos uma nova conceituação em que prepondera,
ou deveria preponderar, sobre a intenção e a vontade individual de cada um dos contratantes, o
consenso que entre eles se formou, sem que seja lícito, a qualquer um deles, tirar uma vantagem
maior do que a racionalmente aceitável, tanto no momento da celebração do contrato, como em todo o
período da sua execução.
20. Ademais, no passado, o contrato permitia às partes evitar todos os riscos futuros, garantindo-lhes a
imutabilidade das prestações convencionadas e a sobrevivência da convenção diante de fatos
imprevistos, mesmo quando alteravam substancialmente a equação contratual. Hoje, o contrato perdeu
essa perenidade, mas ganhou flexibilidade, sacrificando-se alguns benefícios eventuais ao interesse
comum das partes e ao interesse social.
21. Pretendeu-se, no passado, que o contrato era uma espécie de bolha ou uma ilha, sendo
independente, alheio aos acontecimentos e prevalecendo sobre as eventuais modificações fáticas e
legislativas. Atualmente, ao contrário, transformou-se num bloco de direitos e obrigações de ambas as
partes, que devem manter o seu equilíbrio inicial, constituindo um vínculo ou até uma entidade. 3
Vínculo entre as partes, por ser obra comum delas, e entidade constituída por um conjunto dinâmico de
direitos, faculdades, obrigações e eventuais outros deveres, que evolui como a vida, de acordo com as
circunstâncias que condicionam a atividade dos contratantes.
22. Assim, em vez do contrato irrevogável, fixo, estático e cristalizado de ontem, conhecemos um
contrato dinâmico e flexível, que as partes devem adaptar para que ele possa sobreviver, superando,
pelo eventual sacrifício de alguns dos interesses das partes, as dificuldades encontradas no decorrer da
sua existência. A plasticidade do contrato transforma a sua própria natureza, fazendo com que os
interesses divergentes do passado sejam agora convertidos numa verdadeira parceria, na qual todos os
esforços são válidos e necessários para fazer subsistir o vínculo entre os contratantes, respeitados,
evidentemente, os direitos individuais.
23. Dentro desse conceito de parceria, admite-se a anulação do contrato por lesão, a sua resolução ou
a sua revisão em virtude da excessiva onerosidade, a cessão do contrato e a assunção da posição
contratual, a oponibilidade das cláusulas contratuais a terceiros não contratantes, a vinculação ou a
relação de dependência que se estabelece entre contratos conexos e subordinados uns aos outros, 4
inclusive com a eventual substituição de cláusulas e a mitigação das sanções. O Supremo Tribunal
Federal chegou a admitir que determinados contratos estavam tão ligados uns com os outros que
poderiam ser considerados verdadeiros "irmãos siameses". 5
24. Trata-se de uma verdadeira nova concepção do contrato, já agora como ente vivo, como vínculo
que pode ter um conteúdo variável, complementado pelas partes, por árbitros ou até pelo Poder
Judiciário, e no qual, ao contrário do que acontecia no passado, a eventual nulidade ou substituição de
uma cláusula não põe necessariamente em perigo toda a estrutura da relação jurídica. Essas
modificações surgiram tanto na jurisprudência quanto em virtude do trabalho doutrinário realizado pela
extensão que se deu do conceito de boa-fé 6 e pelas obrigações implícitas de leal execução do contrato,
significando um dever, imposto às partes, de encontrar uma solução para os eventuais impasses que
possam surgir. Por outro lado, também exerceram importante influência sobre a nova conceituação do
contrato as normas extravagantes e as chamadas leis de emergência, assim como a inspiração de
certos ramos mais recentes da ciência jurídica, como o direito do consumidor e o desenvolvimento que
passou a ter a equação contratual no direito administrativo. 7

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25. Num mundo em que nada mais é absoluto, o contrato, para subsistir, aderiu ao relativismo, que se
tornou condição sine qua non da sua sobrevivência no tempo, em virtude da incerteza generalizada, da
globalização da economia e da imprevisão institucionalizada. A indeterminação das prestações
contratuais, que era inconcebível no passado, também está vinculada à inflação, à oscilação do câmbio
e às rápidas mudanças tecnológicas, fazendo com que as partes adotem determinados critérios para
definir os seus direitos, aceitando prestações indeterminadas no momento da celebração do contrato,
mas que deverão ser determináveis no momento de sua execução.
26. Por outro lado, a eventual necessidade de substituir certas cláusulas contratuais, sem afetar as
bases da equação contratual, obrigou os contratantes a realizar uma verdadeira sintonia fina para
distinguir as cláusulas principais ou essenciais das demais, destacando aquelas sem a presença das
quais o contrato não teria sido assinado das que inicialmente foram consideradas meramente
complementares ou acessórias. Por outro lado, cabe-lhes verificar se as eventuais mutações sofridas
pelas cláusulas principais permitem manter a equação contratual inicial ou se, ao contrário, as
modificações surgidas no contexto tornam imperativa a sua resolução.
27. O contrato, realidade viva, forma de parceria, com direitos e obrigações relativas, constitui uma
verdadeira inovação para os juristas, mas decorre de um imperativo categórico do mundo de hoje, que
é, como vimos, caracterizado como o da descontinuidade, da incerteza e da mudança. Assim, autores
recentes puderam afirmar que as regras do direito dos contratos se tornaram relativas, pois:
"O contrato é mais ou menos obrigatório, mais ou menos oponível (a terceiros), mais ou menos
sinalagmático ou mais ou menos aleatório e uma nulidade ou uma resolução é mais ou menos
extensa." (trad. livre) 8
28. Diante desta nova concepção do contrato, vem-se concluindo que a alteração da realidade além dos
limites do que era previsível pelas partes ocasiona uma desestruturação do acordo original,
desvirtuando-o, tornando suas conseqüências distintas daquelas que estavam sendo esperadas e que
haviam sido previstas pelas partes ou por uma delas.
29. Em outras palavras, passou-se a considerar que os resultados do contrato, diante da modificação
das circunstâncias em que foi firmado, acabam divergindo daquilo que se esperava, desestabilizando o
vínculo e causando desvantagens para uma ou mais partes, implicando, assim, injustiças que precisam
ser corrigidas.
30. Em decorrência dessa nova visão, o contrato deve ser analisado não só nos seus aspectos jurídicos,
mas também nos aspectos econômicos, ressaltando-se, neste ponto, que se está diante de um
mecanismo de eficiência econômica da circulação dos bens e da prestação de serviços, cujos custos de
transação devem ser reduzidos no interesse da sociedade.
2.2 Formação e manutenção da equação econômico-financeira do contrato
31. Quando duas ou mais partes decidem contratar, calculam os custos envolvidos, os lucros de cada
uma e os riscos aos quais estão sujeitas. Para tanto, levam em consideração diversas circunstâncias
que se apresentam no momento, assim como aquelas cujas probabilidades de afetar o negócio jurídico
são altas - esta é a alocação de riscos, que corresponde à álea normal do contrato.
32. Depois de analisados todos esses fatores, as partes calculam o preço e fixam as obrigações de cada
uma delas, planejando os efeitos do contrato no futuro e antevendo as situações que podem ocorrer e
se a sua remuneração será suficiente no momento em que for paga.
33. É o que ocorre, especialmente, no caso de contratos de execução continuada, como a empreitada.
Os riscos são estimados e a possibilidade de arcar com eles é calculada antes da celebração do
contrato. Assim, cada uma das partes assume os seus riscos, que se refletem no preço acordado.
34. Está traçada, assim, a equação econômico-financeira do contrato, que deve se manter equilibrada,
de modo dinâmico, até o seu final, com prestações e remunerações justas e adequadas para todas as
partes envolvidas.
35. A manutenção da equação econômico-financeira do contrato é determinação constitucional (art. 37,
XXI, da CF/1988 (LGL\1988\3)) e elemento do princípio da função social do contrato, 9 cláusula geral
inserida no Código Civil (LGL\2002\400), 10 que deve ser observada pelas partes, tanto na celebração
como na execução dos contratos.
36. Importante lembrar que a função social abrange a manutenção do equilíbrio entre as partes e o
bom funcionamento do mercado, sem prejuízo da obediência aos princípios éticos, pois a missão do
direito consiste em conciliar a economia e a moral, garantindo, assim, a segurança jurídica, sem a qual
nenhum país pode progredir.
37. Assim, para que o contrato cumpra a sua função social, é mister que se mantenha a equação
econômico-financeira inicialmente convencionada, a fim de que não haja lesão de direito em relação a

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qualquer das partes contratantes.


38. Finalmente, deve-se reconhecer que as considerações de equilíbrio, de comutatividade e de boa-fé
hão de variar conforme os usos e costumes, a natureza dos contratos e as condições em que foram
celebrados, 11 bem como que a interpretação dos negócios jurídicos deve repelir toda solução que não
seja eqüitativa e ética, e que não se coadune com a lealdade.
39. Uma vez rompido o equilíbrio, o contrato deve ser revisto ou resolvido, de modo a se evitar a
excessiva onerosidade para uma das partes, que não podia antever que certas circunstâncias afetariam
o contrato e a colocariam em uma situação de extrema desvantagem.
2.3 Do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo
40. O contrato administrativo também não é mais visto como um instrumento inflexível, que se deve
manter imutável do início ao fim da sua execução, principalmente porque envolve, em geral, prestações
continuadas, abrangendo serviços ou obras que duram por um longo período.
41. Assim, entende-se que o seu equilíbrio econômico-financeiro deve ser mantido durante toda a sua
execução, de modo a atender as necessidades públicas, de um lado, e a garantir o lucro do contratado
privado, de outro, conforme ensina Hely Lopes Meirelles:
" O contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades
públicas, mas, por parte do contratado, objetiva um lucro, através da remuneração consubstanciada
nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há de ser assegurado nos termos iniciais do ajuste,
durante a execução do contrato, em sua plenitude, mesmo que a Administração se veja compelida a
modificar o projeto, ou o modo e forma da prestação contratual, para melhor adequação às exigências
do serviço público." 12
42. Dadas as características peculiares do contrato administrativo, e considerando a complexidade que
as prestações podem atingir, assim como o longo período de sua duração, verifica-se a dificuldade de
manter a equação inicial, impondo-se a constante análise das condições estabelecidas e a possibilidade
de alteração dos seus termos.
43. A respeito da fragilidade do equilíbrio contratual no âmbito administrativo, cumpre observar os
ensinamentos de Maria Sylvia Zanella di Pietro:
"Nos contratos administrativos e nos contratos em geral de que participa a Administração, não existe a
mesma autonomia da vontade do lado da Administração Pública; ela tem que buscar sempre que
possível a equivalência material, já que não tem livre disponibilidade do interesse público. Além disso, é
mais difícil fazer, no momento do contrato, uma previsão adequada do equilíbrio, uma vez que os
acordos administrativos em geral envolvem muitos riscos decorrentes de várias circunstâncias, como a
longa duração, o volume grande de gastos públicos, a natureza da atividade, que exige muitas vezes
mão-de-obra especializada, a complexidade da execução etc. O próprio interesse público que à
Administração compete defender não é estável, exigindo eventuais alterações do contrato para ampliar
ou reduzir o seu objeto ou incorporar novas técnicas de execução.
Tudo isso faz com que o equilíbrio do contrato administrativo seja essencialmente dinâmico; ele pode
romper-se muito mais facilmente do que no direito privado." 13
44. Diante desta nova visão do contrato, a própria lei garante a revisão contratual. Primeiramente,
trata-se de uma imposição constitucional, em decorrência do art. 37, XXI:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições
efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica
e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (...)"
45. Especificamente sobre os contratos administrativos, a revisão deles foi acolhida expressamente pelo
art. 65 da Lei 8.666/1993, que prevê algumas hipóteses de alteração dos contratos por ela regidos,
abrangendo os casos de modificação unilateral pela Administração e a revisão por acordo entre as
partes. Sobre esta última hipótese, dispõe:
"Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos
seguintes casos:
(...)
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II - por acordo das partes:


a) quando conveniente a substituição da garantia de execução;
b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de
fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários;
c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias
supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao
cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou
execução de obra ou serviço;
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e
a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando
a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos
imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da
execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando
área econômica extraordinária e extracontratual. (...)." (grifos nossos)
46. Interessam-nos as alíneas b e d do inciso II. A primeira trata das alterações quantitativas do objeto
contratado, ou seja, relativas às quantidades previstas, e também das qualitativas, que "decorrem de
modificações necessárias ou convenientes nas quantidades de obras ou serviços sem, entretanto,
implicarem mudanças no objeto contratual, seja em natureza ou dimensão". 14 No caso de alterações
quantitativas, há o limite de 25% do valor inicial atualizado do contrato (§ 1.º do art. 65). 15
47. Já a alínea d trata das alterações necessárias à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do
contrato. Sobre esse direito ao restabelecimento da equação original, esclarece Marçal Justen Filho:
"Existe direito do contratado de exigir o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do
contrato, se e quando vier a ser rompido. (...) Significa que a Administração tem o dever de ampliar a
remuneração devida ao particular proporcionalmente à majoração dos encargos verificada. Deve-se
restaurar a situação originária, de molde que o particular não arque com encargos mais onerosos e
perceba a remuneração originariamente prevista. Ampliados os encargos, deve-se ampliar
proporcionalmente a remuneração." 16
48. O próprio Tribunal de Contas da União reconheceu a possibilidade de haver modificações no
contrato, inclusive fora dos limites estabelecidos no art. 65, §§ 1.º e 2.º, da Lei 8.666/93, entendendo
que se justificam:
"b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos
de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior,
observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos
patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos:
(...)
III - [quando] decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou
imprevisíveis por ocasião da contratação inicial; (...)" 17
49. No mesmo sentido, a decisão do Proc. 008.426/2002-1, que versa sobre obras de construção de
ponte sobre o Rio Madeira:
"Primeiramente, é importante ter em mente que, entre o projeto básico e o projeto executivo, houve, é
verdade, alteração na concepção e na metodologia de engenharia, provocada pela necessidade das
condições futuras de navegabilidade do rio Madeira, sem, contudo, violar dispositivo legal. Alterações
contratuais dessa natureza têm suporte no art. 65, I, da Lei 8.666/93: (...)
16. São lícitas, portanto, as alterações contratuais quando necessárias ao seu cumprimento. (...)
17. A jurisprudência do Tribunal de Contas da União também orienta-se nesse sentido. A Decisão n.
215/1999-Plenário é sempre citada e serve como referência. Colho do parecer do representante do
Ministério Público que atuou naquele processo, Dr. Lucas Rocha Furtado, a seguinte passagem:
'(...) Quase sempre, as alterações qualitativas são necessárias e imprescindíveis à realização do objeto
e, conseqüentemente, à realização do interesse público primário, pois que este se confunde com
aquele. As alterações qualitativas podem derivar tanto de modificações de projeto ou de especificação
do objeto quanto da necessidade de acréscimo ou supressão de obras, serviços ou materiais,
decorrentes de situações de fato vislumbradas após a contratação. Conquanto não se modifique o
objeto contratual, em natureza ou dimensão, é de ressaltar que a implementação de alterações
qualitativas requer, em regra, mudanças no valor original do contrato.' (...)

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19. É perfeitamente possível, portanto, a ocorrência de mudanças no objeto do contrato, desde que não
haja, evidentemente, desvirtuamento ou alteração radical do que foi ajustado. Este é o ponto." 18
(Grifos nossos.)
2.4 Revisão e resolução dos contratos
50. A lei prevê a revisão ou a resolução do contrato no caso de onerosidade excessiva, de modo a se
observar o propósito do legislador de "conferir aos contratos estruturas e finalidades sociais. É um dos
tantos exemplos da 'socialidade' do Direito". 19
51. De fato, o vínculo contratual pode ser rompido quando a prestação se tornar mais gravosa do que
era quando nasceu, liberando-se as partes.
52. Entretanto, geralmente não é interessante para as partes, nem para a sociedade, a resolução do
contrato. A manutenção do vínculo, com a sua revisão e conseqüente restabelecimento do equilíbrio
inicial, é, em geral, uma melhor alternativa, que deve ser amplamente considerada antes que se opte
pela extinção do vínculo.
53. Neste sentido, a lição de Luiz Roldão de Freitas Gomes:
"(...) porquanto, em economia de escala, caracterizada pela produção de bens e prestação de serviços
em série, na sociedade de massas, não interessa à Economia a ruptura dos elos daquela cadeia, que se
quer manter viva e atuante. Daí que, se advém ruptura do equilíbrio entre as prestações, menos
importando de que fato derive, releva mais procurar promover sua readaptação, na equivalência de sua
comutatividade, a fim de que se preserve o processo de produção econômica e a circulação de bens e
riquezas." 20
54. Julio Alberto Díaz tem a mesma posição:
"A lógica indica que se o vício a ser purgado é o de um desequilíbrio superveniente, a maneira mais
racional de fazê-lo, recuperando a proporção contratual devida, é reduzindo a prestação, ou
aumentando a contraprestação.
A resolução é a abdicação, a claudicação da Justiça que se revela impotente para recompor
eqüitativamente uma relação imprevistamente alterada por um evento extraordinário." 21

55. Tal medida tem sido cada vez mais adotada nesta "era de incerteza" 22 em que vivemos,
especialmente em contratos que se prolongam no tempo, de execução continuada, 23 como é o caso
dos contratos de construção, ao longo dos quais as circunstâncias podem mudar à medida que o
contrato vai sendo executado.
56. A revisão também tem sido uma boa alternativa no caso de contratos administrativos, quando a
realização de novo procedimento licitatório acarretaria prejuízos ao Poder Público e à sociedade como
um todo, tendo em vista não apenas a sua delonga, mas também as perdas que a paralisação e a nova
contratação das obras ou dos serviços em questão trariam.
3. Da aplicação da teoria da imprevisão
3.1 Evolução legal da teoria da imprevisão no Brasil
57. A teoria da imprevisão não foi acolhida pelo Código Civil de 1916 (LGL\1916\1) que, inspirado na
tradição liberal e individualista do Código Civil (LGL\2002\400) francês, era fiel ao princípio pacta sunt
servanda, só admitindo raras exceções. Entretanto, ela já era acolhida, desde os meados do século
passado, por renomados juristas, dentre os quais Arnoldo Medeiros da Fonseca, 24 Francisco Campos, 25
Eduardo Espínola 26 e Caio Mário da Silva Pereira, 27 como já salientamos em estudo que fizemos de
1959. 28
58. A primeira decisão sobre a imprevisibilidade foi proferida por Nélson Hungria, em 1930:
"Há, porém, a considerar, na espécie, que um evento extraordinário, imprevisto e imprevisível, veio
alterar profundamente o ambiente objetivo dentro do qual se operava o acordo de vontades, a voluntas
contrahendum. Ora, a resolubilidade dos contratos de execução futura, em virtude de subseqüente
mudança radical do estado de fato, não é contemplada expressamente em nossa lei civil, mas decorre
dos princípios gerais de Direito e exprime um mandamento de eqüidade. A jurisprudência, com o apoio
da doutrina, tem decidido que tais contratos devem entender-se rebus sic stantibus et in eodem statu
momentibus. É uma cláusula resolutória implícita, subentendida. Desde o momento que um fato
inesperado e fora da previsão comum destrói por completo a equação entre prestação e a
contraprestação ajustadas, deixa de subsistir o que Oertmann chama a base do contrato
(Geschäftsgrundlage), isto é, o pensamento das partes, manifestado no momento de celebrar-se o
contrato, acerca da existência das circunstâncias determinantes. (...)

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É certo que quem assume uma obrigação a ser cumprida em tempo futuro sujeita-se à alta dos valores,
que podem variar em seu proveito ou prejuízo; mas, no caso de uma profunda a inopinada mutação,
subversiva do equilíbrio econômico das partes, a razão jurídica não pode ater-se ao rigor literal do
contrato, e o juiz deve pronunciar a rescisão deste. A aplicação da cláusula rebus sic stantibus tem sido
mesmo admitida como um corolário da teoria do erro contratual." 29 (grifos nossos)
59. A consagração de tal teoria, em 1941, no Anteprojeto de Código das Obrigações, foi considerada
como sendo "uma conquista definitiva do direito moderno". 30
60. No campo do direito civil, várias normas legais consagraram a teoria da imprevisão, que foi objeto
de numerosos julgados e estudos doutrinários nos últimos 60 anos.
61. Neste sentido, vale destacar a lição de Francisco Campos, em obra publicada em 1956:
"O contrato se forma e se conclui no pressuposto de que entre a sua conclusão e a sua execução não
sobrevenham acontecimentos estranhos, independentes da vontade das partes e que elas não
poderiam prever, e que de tal forma alteram as circunstâncias, que na execução o contrato deixa de
corresponder não só à vontade dos contraentes, que se previssem aquêles acontecimentos não teriam
contratado, como à natureza objetiva do contrato considerado como instrumento econômico em que
uma das partes não consente, obrigando-se à prestação estipulada, a um sacrifício ilimitado do seu
patrimônio, senão a um sacrifício que corresponde, na medida do possível, do razoável ou do normal, à
contraprestação prometida pela outra parte. Esta a função normal do contrato, este seu fundamento
econômico, este, o pressuposto que inspira ambas as partes a se deixarem prender para o futuro pelo
vínculo contratual. (...) O risco que os contraentes assumem no contrato não pode ser concebido como
excedendo o risco normal, isto é, aquele que se compreende nos limites da previsão humana. Levar
mais longe o dogma da intangibilidade do contrato seria, sob o pretexto de garantir a liberdade
contratual, destruir o fundamento mesmo do contrato, a sua base econômica e moral, como
instrumento de comércio e de cooperação entre os homens, o elemento de boa-fé e de justiça, sem a
qual a liberdade dos contratos seria apenas uma aparência destinada a legitimar o locupletamento
injusto de uma parte à custa do patrimônio da outra, sobre esta recaindo de modo exclusivo os riscos
estranhos à natureza do contrato e que, se previsíveis na ocasião de atar-se o vínculo contratual,
teriam impedido sua formação." 31 (Grifos nossos.)
62. Inspirando-se nos textos legislativos, a doutrina e a jurisprudência consideram como requisitos
necessários para a aplicação em geral da teoria da imprevisão:
(i) que o contrato seja bilateral; e
(ii) que ocorra um empobrecimento relevante, imprevisível e inevitável de uma das partes contratantes,
com o correspondente enriquecimento da outra.
63. A obediência a esses requisitos garante um justo equilíbrio entre as necessidades de segurança da
sociedade contemporânea e a eqüidade, que, ao lado da Justiça, deve desempenhar papel importante
nas relações jurídicas. Daí por que os doutrinadores têm advertido acerca dos limites da revisão
contratual baseada na teoria da imprevisão, de modo a evitar-se o conflito com outros princípios de
direito. 32
64. Ainda na vigência do Código Civil de 1916 (LGL\1916\1), os tribunais reconheciam o cabimento da
revisão do contrato com base na teoria da imprevisão. Ilustra a assertiva aresto emanado do Superior
Tribunal de Justiça, cuja ementa e trecho do voto do relator são transcritos a seguir:
"Teoria da imprevisão - Aplicabilidade, mesmo à míngua de texto expresso, posto que exigência da
eqüidade. Necessidade, entretanto, de que se apresentem todos seus pressupostos. Entre eles, o de
que os fatores imprevisíveis alterem a equivalência das prestações, tal como avaliadas pelas partes, daí
resultando empobrecimento sensível para uma delas com enriquecimento indevido da outra.
(...)
Trata-se de imposição da eqüidade, a informar o modo por que se devem compor os litígios. A
observância da regra pacta sunt servanda não deve conduzir à ruína econômica de um dos
contratantes, quando fatores imprevistos e imprevisíveis alteraram de tal sorte a situação de fato que
se possa ter como rompido o equilíbrio contratual, assentado na equivalência das prestações.
Equivalência essa, não como a possa eventualmente entender o juiz, mas como a avaliaram os
contratantes." 33 (Grifos nossos.)
65. Verifica-se, portanto, que, mesmo antes de adotada pelo Código Civil (LGL\2002\400) de 2002, a
teoria da imprevisão já era, desde muito, acolhida pela doutrina e jurisprudência pátrias, admitindo-se
a resolução ou a revisão de contrato cujo equilíbrio econômico inicialmente pactuado pelas partes
tivesse sido rompido por circunstâncias extraordinárias e imprevisíveis surgidas durante sua execução,
com o fim de restabelecê-lo. Passa-se a analisá-la, assim, sob a ótica atual, tendo em vista as novas

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disposições trazidas pelo Código Civil (LGL\2002\400) de 2002, que a consagrou como princípio geral
de nosso sistema legal e previu casos especiais de sua incidência com regime distinto, neles
dispensando o enriquecimento de uma das partes.
3.2 A teoria da imprevisão no Código Civil de 2002
66. Em relação à imprevisão, o Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 operou a transformação de uma
norma, que, no passado, foi considerada excepcional, 34 em verdadeiro princípio geral do direito, que,
no fundo, deflui dos princípios da boa-fé na celebração e execução do contrato (art. 422), 35 da função
social do contrato (art. 421, CC/2002 (LGL\2002\400)) e da vedação de enriquecimento sem causa, de
modo a admitir a resolução ou a revisão do contrato por excessiva onerosidade.
67. O legislador, inspirado no texto constitucional, admite a resolução ou a revisão do contrato por
excessiva onerosidade, adotando a tese consolidada na jurisprudência e seguindo o modelo do Codice
Civile italiano. 36
68. O Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 trata da resolução e da revisão dos contratos em geral por
excessiva onerosidade nos arts. 478 a 480. 37 O novo texto legal permite tanto o reajustamento do
contrato como a sua resolução, no caso de agravamento extraordinário da onerosidade da prestação de
uma das partes, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos imprevisíveis.
69. Sobre a onerosidade excessiva, cumpre mencionar a conceituação de Ricardo Pereira Lira:
"Ocorre a onerosidade excessiva quando uma prestação de obrigação contratual, em razão de
acontecimento extraordinário e imprevisível no momento da formação do contrato, se torna, no
momento da execução, notadamente mais gravosa do que era quando surgiu.
(...)
A apuração da onerosidade excessiva se faz através da avaliação objetiva da prestação, em si e por si,
em confronto com a contraprestação." 38
70. Nos contratos de execução continuada ou diferida, nos quais a prestação de uma das partes se
tornar excessivamente onerosa ou extremamente vantajosa para a outra parte, poderá a parte
prejudicada pleitear a redução de sua prestação ou a alteração do modo de execução, a fim de evitar a
onerosidade excessiva.
71. As referências, no Código Civil (LGL\2002\400), à boa-fé na celebração e execução do contrato
(art. 422) e ao regime de proteção e favorecimento do contratante mais fraco no caso dos contratos de
adesão (arts. 423 e 424) 39 complementam um quadro de renovação do contrato, dando-lhe, como
vimos, caráter dinâmico, flexível e eqüitativo. 40
72. Sintetizando a posição do projeto do novo Código Civil (LGL\2002\400) nesse sentido, na sua fase
de revisão pelo Senado Federal, esclarece o Prof. Josaphat Marinho que:
"Repele o Projeto, pois, a majestade do contrato, da velha cláusula pacta sunt servanda, para imprimir
às obrigações assumidas caráter compatível com o alcance social do direito. Adota o espírito de justiça,
que desenvolveu Duguit, já em 1911, na Faculdade de Direito de Buenos Aires, e se alargou, pelo
tempo afora, com Ripert, Savatier e tantos outros mestres. Mas transmitindo flexibilidade às relações
jurídicas, o Projeto não as desguarnece de segurança." 41
73. Nesse contexto, cabe reconhecer que a resolução ou a revisão do contrato por onerosidade
excessiva, ocasionada por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, tem por finalidade manter a
equação contratual, ou seja, a relação inicialmente estabelecida entre as partes. 42

74. Também o art. 317 do Código Civil (LGL\2002\400) de 2002, 43 que trata do objeto do pagamento e
mantém uma forma de correção monetária do valor devido, foi inspirado na idéia de manutenção do
equilíbrio do contrato e do valor real da prestação inicialmente estabelecida, assegurando a
continuidade da situação contratual inicial durante toda a execução do contrato.
75. Neste sentido, explica Judith Martins-Costa:
"Ora, as 'normas de direcionamento' têm relevantíssimo peso na hermenêutica infraconstitucional. É
precisamente o que ocorre com a concreção e interpretação do art. 317: no seu momento aplicativo, o
intérprete deve levar em conta os princípios que orientam a ordem econômica, traduzidos no
solidarismo ou na socialidade antes apontados e que, no campo contratual, encontram maximização no
princípio do equilíbrio contratual, do qual decorre o dever de re-equilibrar o contrato quando a relação
entre os 'pesos' originais da operação jurídico-econômica venha a ser manifestamente distorcida pelo
correr do tempo e da incidência de certas circunstâncias. É justamente esse direcionamento
hermenêutico que deve incidir na análise das condições de incidência da regra ora comentada." 44
(Grifos nossos.)
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76. A evolução realizada pelo Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 corresponde a um movimento de
caráter internacional, que se inspira na maioria das legislações elaboradas recentemente. Assim, entre
outros, o novo Código Civil (LGL\2002\400) holandês e a reforma do Código Civil (LGL\2002\400)
alemão também dão maior ênfase à boa-fé e apresentam uma nova visão do contrato. 45
77. Note-se, entretanto, que, como visto, o que fez o novo Código foi explicitar um princípio geral já
anteriormente acolhido, doutrinária e jurisprudencialmente, pelo nosso direito, como elemento
importante para readequação dos contratos, diante de radical modificação da situação das partes,
rompendo o equilíbrio contratual inicialmente pactuado e ensejando o empobrecimento de uma delas e,
na maioria dos casos, o enriquecimento da outra.
78. Importante destacar, a respeito do empobrecimento de uma das partes e do correspondente
enriquecimento da outra, que não há necessidade de que se comprove a ruína de uma parte e a
conseqüente pujança da outra parte, ou mesmo uma ou outra individualmente, mas que tenha sido
caracterizado um custo excessivo, de um lado, e, na maioria dos casos, um ganho, de outro, em
relação ao que se previa no momento da celebração do contrato, quando fora calculado o equilíbrio
contratual. 46
79. Feitas estas considerações gerais sobre o alcance e a aplicação da teoria da imprevisão e sua
adoção pelo Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 como causa para revisão e resolução de contratos
em geral, passa-se a examinar o regime legal da empreitada integral, matéria que tem ensejado,
recentemente, muitas arbitragens.
4. Da evolução do regime legal da empreitada integral
80. No que tange ao contrato de empreitada, é perfeitamente aplicável a resolução ou a revisão por
onerosidade excessiva previstas nos arts. 478 a 480 do CC/2002 (LGL\2002\400), bastando, para
tanto, que sejam verificados, no caso concreto, os requisitos para sua aplicação. Nesse sentido, o
Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 traça três regimes legais distintos, que podem ser aplicados
concomitantemente ou não, conforme o caso, se presentes os requisitos previstos para a aplicação de
cada um deles:
(i) o dos arts. 478 a 480, que prevêem a teoria da imprevisão baseada na onerosidade excessiva, como
regra geral, para a revisão dos contratos, estabelecendo requisitos específicos para sua aplicação;

(ii) o do art. 619, 47 que consagra a revisão do preço do contrato no que tange à realização de serviços
suplementares, quando resultarem de instruções do dono da obra ( caput) ou se este tinha ciência dos
serviços excedentes que estavam sendo realizados pelo empreiteiro e nunca se opôs (parágrafo único);
48
e
(iii) o do inciso II do art. 625 do CC/2002 (LGL\2002\400), que prevê uma hipótese específica de
revisão por onerosidade excessiva no contrato de empreitada, que independe do enriquecimento do
dono da obra - tendo neste aspecto certa analogia com o art. 6.º, V, do CDC (LGL\1990\40) (Lei 8.078,
de 11.09.1990) -, também estabelecendo requisitos específicos para sua incidência.
4.1 Da evolução da legislação brasileira
81. O Código Civil de 1916 (LGL\1916\1), inspirado na matéria pela legislação francesa do século XIX,
elaborado em outra fase da evolução tecnológica, na qual ainda não se realizavam as construções
modernas, fixou dogmaticamente o princípio da intangibilidade do preço acertado na empreitada
integral. O art. 1.246 do Código revogado adotou a redação do art. 1.793 do Código Civil
(LGL\2002\400) francês, que, como já se disse, protegia o proprietário e o credor, baseando-se em
uma posição individualista exacerbada. Numa época em que as construções eram mais simples do que
as atuais, os redatores do art. 1.793 entenderam que protegiam o dono da obra contra a eventual
ganância do arquiteto e do construtor, impedindo a revisão do preço global da construção quando
previamente convencionado. 49
82. A partir de 1930, com a gradativa aceitação da teoria da imprevisão, à qual aludimos, houve uma
flexibilização na interpretação e aplicação do art. 1.246 do CC/1916 (LGL\1916\1). Examinando o
assunto, há mais de meio século, escrevemos que, já então, se reconhecia que o mencionado artigo
não era de ordem pública, e podia, portanto, ser afastado pela vontade das partes, admitindo-se a
inclusão de cláusulas que previssem a revisão do preço, seja em virtude da depreciação da moeda, seja
em decorrência de mudanças do projeto, ou até da ocorrência de situações não previstas pelas partes
que tornassem mais onerosa a prestação de uma delas. 50 No fundo, já era o pensamento
anteriormente exposto por Clóvis Beviláqua, que entendia ser imutável o preço, "salvo nos casos em
que a situação se tenha alterado consideravelmente". 51
83. Por ocasião da elaboração do Código Civil (LGL\2002\400) de 2002, o individualismo excessivo da
legislação civil anterior foi superado, passando a prevalecer a socialidade, com importantes reflexos na

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52
empreitada, em relação à qual pôs fim aos "odiosos privilégios" do passado.
84. Verifica-se, pois, que o Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 adotou a teoria da imprevisão
baseada na onerosidade excessiva, considerando as peculiaridades do contrato de empreitada global ou
integral, prevendo-a em seu art. 625 53 com o fim de manter o equilíbrio inicialmente estabelecido
entre as partes. 54
85. Os comentadores do Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 salientam essa finalidade do referido
artigo. Nesse sentido, afirmam os Ministros Nancy Andrighi e Sidnei Beneti e a Des. Vera Andrighi que:
"O Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 busca o equilíbrio contratual por entender que as relações
sociais devem ser calcadas na dignidade humana, único caminho para se construir uma sociedade livre,
justa e solidária, sendo inaceitáveis a usura e toda forma de locupletamento às custas do sacrifício
alheio. As relações contratuais comutativas haverão de ser, portanto, harmoniosas e equilibradas.
(...)
Ora, como tivemos oportunidade de observar ao comentar o art. 619, CC/2002 (LGL\2002\400), supra,
o empreiteiro, em empreitada por preço fixo, não pode exigir majoração de preço caso aumentem seus
custos com mão-de-obra e materiais. A regra, como havíamos mencionado, sofre exceções por força do
princípio do equilíbrio contratual, e o art. 625, II, do CC/2002 (LGL\2002\400), traz expressa tal
exceção. O fato extraordinário ou imprevisível, que sobrecarregue os custos do empreiteiro, com
vantagem econômica para o comitente, subsume-se à regra geral da teoria da imprevisão (art. 478,
CC/2002 (LGL\2002\400)) e à regra específica do art. 625, II, em tela." 55 (Grifos nossos.)
86. Na busca do equilíbrio contratual, que atende às condições próprias das partes e aos usos e
costumes do mercado, o legislador estabeleceu, ao lado da responsabilidade pela culpa, o dever de
indenizar decorrente do risco assumido. O princípio geral que se aplica a todos os contratos é o da
responsabilidade pelo ato culposo praticado por um dos contratantes (arts. 395 do CC/2002
(LGL\2002\400) e seguintes), mas, em determinados casos, por necessidades econômicas ou sociais, o
legislador adota o princípio da responsabilidade pelo risco.
87. Há até uma evolução, assinalada pela doutrina, de acordo com a qual a base da responsabilidade
civil evoluiria, nas últimas décadas, da culpa para o risco e a garantia. Assim, estabeleceu a lei que a
responsabilidade, nos acidentes de trabalho e de transporte, é objetiva, baseada no risco assumido. Do
mesmo modo, a do produtor e a do comitente ou empregador, pelos atos do preposto ou empregado,
também independem de culpa.

88. Na sociedade de risco na qual vivemos, 56 ao legislador cabe atribuir a responsabilidade pelos riscos
decorrentes dos contratos. É o que fez o legislador brasileiro, no art. 625, II, do CC/2002
(LGL\2002\400), em virtude da complexidade crescente do contrato de construção, quando o
contratado encontra riscos geológicos ou hídricos ou outros semelhantes, determinando que, em tais
casos, o risco corre por conta do proprietário da obra, que será o beneficiário final do negócio jurídico,
pois terá o uso, o gozo e a disposição da obra quando terminada.
89. A norma do Código Civil (LGL\2002\400) (art. 625, II) se justifica não só considerando os princípios
gerais da justiça comutativa e distributiva, mas também em virtude de exigência do mercado, ao qual
não interessa que as partes tenham que se precaver contra riscos imprevisíveis (o que aumentaria o
preço da obra), especialmente no setor da construção, cuja importância para o desenvolvimento é
primordial para o desenvolvimento nacional.
90. Sobre o assunto, já salientavam os Professores Alpa, Bessone e Roppo:
"O risco da iniciativa contratual não pode abranger a eventualidade de circunstâncias imprevisíveis, sem
que a coerência do sistema ceda ao irracional." (trad. livre) 57
91. No mesmo sentido, afirmam Eros Grau e Paula Forgioni que as rotas de correção do princípio pacta
sunt servanda, que o relativizam, em muitos aspectos, dão testemunha, na verdade, "da vida dos
contratos e não de sua morte". 58
92. Veremos, agora, que esta posição do direito brasileiro é a mesma que tem sido consagrada no
direito internacional e no direito estrangeiro, que, na época da globalização, não deixam de influenciar
a doutrina e a jurisprudência.
4.2 Do direito internacional e do direito comparado
93. Conforme visto, o Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 foi inspirado em ordenamentos jurídicos
estrangeiros que tradicionalmente influenciam nosso direito - sobretudo o italiano, seguindo o modelo
da codificação civil de 1942 -, e consolida posição da nossa doutrina e da jurisprudência. Assim sendo,
consagrou a aplicação da teoria da imprevisão fundada na onerosidade excessiva e a conseqüente

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recomposição do equilíbrio contratual inicial, com regras próprias para o contrato de empreitada global
ou integral.
94. Assim, o art. 625 do CC/2002 (LGL\2002\400), ao prever a aplicação da teoria da imprevisão e
impor a recomposição do equilíbrio inicial do contrato, no caso de este se tornar excessivamente
oneroso em razão de risco geológico imprevisível, coaduna-se perfeitamente com a prática
internacional e com os ordenamentos jurídicos nacionais que mais nos influenciaram na matéria, como
veremos em seguida.
4.2.1 Direito internacional e regras profissionais
95. Como bem assinala Phillipe Fouchard, os contratos relativos à construção, sobretudo os contratos
turn key, que versam sobre a construção de grandes complexos e instalações industriais, e, mais
precisamente, a disciplina da responsabilidade do construtor neste tipo de contrato, por se tratar de
matéria de grande complexidade, não são profundamente explorados pelos diversos ordenamentos
jurídicos nacionais, sendo mais influenciados pela prática internacional. 59
96. Diversos órgãos de classe e organismos internacionais se dedicaram à confecção de guias e
modelos para a elaboração e redação deste tipo de contrato, em que se traça, de forma minuciosa, o
quadro de obrigações e responsabilidades do construtor e do contratante, dando origem a um
verdadeiro direito internacional na matéria, notadamente composto pelos usos e costumes dos
profissionais da área. Estes guias e modelos, baseados nos preceitos e diretrizes das legislações
nacionais e na prática internacional, definem as questões a serem abordadas no contrato, dispensam
recomendações para sua redação e tratam das cláusulas importantes a serem nele incluídas.
97. No que concerne à repartição de responsabilidades em relação a riscos extraordinários e
imprevisíveis, sobretudo aqueles atinentes a aspectos hídricos e geológicos, tais guias e modelos
freqüentemente contêm ou cláusulas ou recomendações dispondo que o dono da obra deverá pagar ao
construtor os custos suplementares em que este tenha incorrido em razão de fatores daquela natureza,
não revelados por estudos prévios e descobertos no curso da obra. 60
98. É, portanto, elemento comum na prática internacional, refletida nesses guias e modelos, a revisão
do preço global inicialmente pactuado com o fim de restaurar o equilíbrio contratual rompido por riscos
materiais extraordinários e imprevisíveis, especialmente os geológicos e hídricos, que não são, assim,
considerados como estando incluídos na álea normal do negócio, tal como definida pela lei ou pelo
contrato.
99. Orientação análoga encontraremos em algumas legislações nacionais do século XX e na
jurisprudência estrangeira.
4.2.2 Direito italiano
100. Conforme já exposto, o Codice Civile italiano em muito influenciou o Código Civil (LGL\2002\400)
de 2002, inclusive no que tange ao contrato de empreitada, tendo o art. 625 se inspirado na parte final
do art. 1.664 daquele Código, 61 que prevê a aplicação da onerosidade excessiva especificamente a
este tipo contratual, em função de desequilíbrio na economia do contrato, causado por fator geológico,
hídrico ou similar, imprevisível à época da contratação. 62 Estes podem se caracterizar por dificuldades
provenientes do terreno, como, por exemplo, encontrar-se nas escavações terreno de dureza superior à
prevista e previsível, ou se as escavações exigirem uma profundidade superior àquela originalmente
esperada e, ao final, tratar-se de terreno muito desfavorável à obra; encontrar-se lençóis freáticos que
não podiam ser conhecidos com antecedência; adversidades atmosféricas, como chuvas torrenciais,
nevascas e calor exagerado que fossem imprevisíveis em relação à estação e ao local em que foram
verificados. 63
101. Conforme lição de Oreste Cagnasso, a regra do art. 1.664 do CC italiano teve origem na segunda
metade do século XIX, em vista de obras de grande relevo ligadas à infra-estrutura, sobretudo a
construção de estradas de ferro, o que explica se ter dado especial atenção à onerosidade excessiva
causada por dificuldades de execução oriundas de causas naturais, e, em particular, de natureza
geológica e hídrica. 64
102. O projeto de Código de Comércio de Vivante, já no início do século XX, no Livro dedicado às
obrigações e aos contratos, consagrou a regra, prevendo o direito do empreiteiro à revisão do preço em
decorrência de dificuldades na execução da obra, oriundas de causas imprevisíveis, de natureza
geológica, hídrica ou similar, que tenham tornado o contrato excessivamente oneroso para uma das
partes, em fórmula que ficou, finalmente, inalterada no texto definitivo do Código Civil (LGL\2002\400)
de 1942. 65
103. Conforme ensinam Domenico Rubino e Giovanni Iudica, é inerente ao contrato de empreitada que,
em certa medida, a álea econômica do contrato fique a cargo do empreiteiro. O limite, que pode
decorrer da previsibilidade do risco ou do seu dimensionamento, é dado pela lei e pelo contrato;
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transbordado esse limite, a responsabilidade não mais caberá ao empreiteiro, mas ao dono da obra. No
caso de circunstâncias imprevisíveis de natureza geológica ou hídrica, que correspondam à hipótese da
segunda parte do art. 1.664, do CC italiano, os autores observam que o empreiteiro terá direito à
revisão do preço global inicialmente pactuado, com o fim de reequilibrar a economia do contrato,
rompida pela onerosidade excessiva. 66
104. Neste contexto, embora seja válida cláusula por meio da qual o empreiteiro renuncie à revisão de
preço nas hipóteses previstas pelo art. 1.664, parte final, esta, para que produza efeitos, deve ser
expressa, precisa e específica em tal sentido. Do contrário, pressupõe-se que, tratando-se de
circunstâncias imprevisíveis, o empreiteiro não está obrigado a antever os trabalhos excedentes e
extraordinários delas resultantes, de forma que os custos suplementares daí decorrentes, geradores da
onerosidade excessiva, ficam a cargo do contratante, impondo-se a revisão do preço para que se
restaure o equilíbrio contratual. 67
105. Por fim, observe-se que as circunstâncias geológicas ou hídricas a que se refere o art. 1.664,
parte final, do CC italiano podem ser supervenientes ou anteriores à celebração do contrato, contanto
que sejam imprevisíveis, tendo sido descobertas apenas no curso de sua execução. Rubino e Iudica
notam que é o caso, por exemplo, de extrato de rocha dura que se descobre, em dado momento, a
certa profundidade, na escavação de um terreno mole, caso sua existência não fosse previsível
originalmente. 68
4.2.3 Direito francês
106. No ordenamento jurídico francês, também tradicional inspirador do nosso, a tendência é a mesma.
Embora a revisão do preço decorrente da ruptura do equilíbrio contratual, causada por circunstâncias
imprevisíveis na época da contratação, não seja reconhecida pelo Código, a jurisprudência francesa
exerceu papel amplamente construtivo para admiti-la, invocando a "teoria das sujeições imprevistas" ("
sujétions imprévues"). 69
107. André de Laubadère esclarece que as sujeições imprevistas são dificuldades materiais de caráter
absolutamente anormal, que não puderam ser previstas pelas partes, por meios razoáveis, quando da
conclusão do contrato, e que tornaram mais onerosa sua execução. Neste caso, tratando-se de
empreitada a preço global (" marché à forfait"), o empreiteiro terá direito à revisão do preço global
inicialmente pactuado, cabendo-lhe indenização correspondente aos gastos suplementares em que tiver
incorrido, uma vez que tenha havido o rompimento do equilíbrio econômico do contrato. 70
108. A jurisprudência francesa, por sua vez, consagrou a aplicação da teoria das sujeições imprevistas
para o fim de atribuir ao empreiteiro indenização correspondente aos custos suplementares resultantes
de circunstâncias materiais extraordinárias e imprevisíveis; 71 primeiro, na esfera administrativa, em
contratos de empreitada global celebrados com a Administração Pública; 72 e, em seguida, na esfera
privada, com decisões mais recentes da Corte de Cassação no mesmo sentido. 73
4.2.4 Síntese
109. Verifica-se, portanto, que a regra geral da teoria da imprevisão (art. 478, CC/2002
(LGL\2002\400)) e, mais precisamente, a regra específica relativa à onerosidade excessiva nos
contratos de empreitada (art. 625, CC/2002 (LGL\2002\400)), além de consagradas por nossa doutrina
e jurisprudência antes mesmo de codificadas pelo legislador, encontram integral respaldo na prática
internacional relativa aos contratos dessa natureza, e nos principais ordenamentos estrangeiros
inspiradores do nosso. Coadunam-se, pois, com a regra geral que privilegia a manutenção do equilíbrio
econômico contratual inicialmente pactuado pelas partes e veda que este seja rompido em favor de
uma das partes e em detrimento da outra. Este equilíbrio dá maior ênfase à compensação da excessiva
onerosidade sofrida pelo empreiteiro, independentemente de existir ou não enriquecimento do dono da
obra.
5. A interpretação e a aplicação dos arts. 619, parágrafo único, e 625, II, do CC/2002
5.1 A regra do parágrafo único do art. 619 do CC/2002
110. Ao confrontar-se com o aparente conflito entre a essência da empreitada por preço fixo, que veda
a alteração do preço inicialmente acordado, e o problema do desequilíbrio de prestações, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que rompe o sinalagma funcional do contrato,
acarretando excessivo ônus a uma das partes, Teresa Ancona Lopez assevera que:
"Devemos conciliar os princípios aparentemente antagônicos de acordo com a função social do contrato
de empreitada que, por força do art. 421, CC/2002 (LGL\2002\400), significa elemento limitador da
liberdade de contratar.
Se entendêssemos que a regra do artigo 619, bem como aquela já prevista no art. 1.246, do CC/1916
(LGL\1916\1), tem o condão de afastar a teoria da imprevisão, bem como da onerosidade excessiva,
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forçosa seria a conclusão do império do princípio do pacta sunt servanda e que o empreiteiro deveria
cumprir a avença a qualquer custo, ainda que isso significasse a sua ruína e mesmo que isso
inviabilizasse a sua atividade profissional. Essa idéia não pode prosperar.
(...)
74
Cabe ao contrato, por sua função social, garantir a viabilidade da empreitada e seu sinalagma."
(Grifos nossos.)
111. Cumpre distinguir a imprevisibilidade da imprevisão. O fato imprevisto não se confunde com o fato
imprevisível. Deveras, o "fato imprevisto será todo aquele que poderia ter sido previsto e não o foi;
imprevisível, aquele a que faltou a possibilidade normal de previsão". 75 A previsibilidade, por sua vez,
pode ser caracterizada como "a possibilidade de representação de um ato ou de um fato como
resultado de análise e compreensão dos elementos disponíveis em determinadas situações". 76
112. Quanto à responsabilidade pelos custos adicionais de serviços não previstos no projeto
inicialmente contratado entre as partes, decorrentes de circunstância superveniente ou pré-existente,
de caráter extraordinário e imprevisível, cabe a aplicação do parágrafo único do art. 619, do Código
Civil (LGL\2002\400), que dispõe:
"Art. 619. (...)
Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da obra é obrigado a pagar ao
empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre presente à obra, por
continuadas visitas, não podia ignorar o que se estava passando, e nunca protestou."
113. Conforme exposto no capítulo anterior, ainda na vigência do Código Civil de 1916 (LGL\1916\1), já
se discutia a possibilidade de se aplicar a teoria da imprevisão ao contrato de empreitada por preço
fixo. A doutrina 77 e a jurisprudência 78 já interpretavam de forma mais liberal o art. 1.246 do revogado
Código Civil de 1916 (LGL\1916\1). 79 Esta exegese se consolidou com a redação do parágrafo único do
art. 619..
114. Com efeito, independentemente de norma legal expressa, tal orientação vem sendo acolhida pelos
pretórios nacionais desde meados do século passado. É o que se conclui pela leitura do julgado do
Supremo Tribunal Federal, de relatoria do saudoso Min. Luiz Gallotti, datado de 1949, do qual se
transcreve o trecho abaixo:
"Empreitada. Acréscimo. Autorização escrita. Exigir, rigorosamente, autorização escrita do dono da obra
em todos os casos de acréscimo, importaria locupletamento com a jactura alheia. Inteligência do art.
1.246 do CC/1916 (LGL\1916\1).
(...)
Por isso e porque, à falta de documento escrito, não seria de boa moral jurídica impor ao autor
inadequada rigidez da regra do art. 1.246 do Código Civil (LGL\2002\400), com o que se facilitaria a
locupletação de um contratante com a espoliação do outro, a sentença julgou em parte procedente a
ação." 80 (Grifos nossos.)
115. Assim, desde meados do século passado, a melhor doutrina, na qual se destacam autores como
Serpa Lopes, 81 Alfredo de Almeida Paiva, 82 Washington de Barros Monteiro 83 e Hely Lopes Meirelles,
84
entre outros, também já afirmava não haver necessidade de autorização escrita nesta hipótese, caso
houvesse ciência inequívoca da realização do serviço extraordinário pelo dono da obra.
116. Como não poderia deixar de ser, o Superior Tribunal de Justiça, ao tratar do tema, firmou
entendimento reconhecendo a desnecessidade de autorização expressa do dono da obra para a
realização de serviços extraordinários, caso estes tenham sido realizados com a ciência e fiscalização do
dono da obra, sendo, portanto, justificada a cobrança dos valores a tal título. É o que se depreende da
ementa de julgado daquela Corte Superior, em que figura como relator o Min. Sálvio de Figueiredo
Teixeira:
"Direitos civil e econômico. Contrato de empreitada. Subempreitada. Alteração do valor do preço
extraordinário. Execução à vista do subempreiteiro que inclusive fiscalizou e acompanhou a obra.
Autorização tácita. Validade. interpretação ao art. 1.246 do CC/1916 (LGL\1916\1). Doutrina. Recurso
desacolhido.
- Interpretando o art. 1.246, do antigo Código Civil (LGL\2002\400), a doutrina acolhe a tese de que,
se o serviço extraordinário foi executado às claras, inclusive sob a supervisão de prepostos da
subempreiteira, tem-se como pertinente a cobrança dos seus valores, independentemente de
autorização por escrito ." 85

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117. A regra do parágrafo único do art. 619 do CC/2002 (LGL\2002\400) veio, portanto, consagrar e
explicitar regra já acolhida pela doutrina e pela jurisprudência sob a égide do Código Civil de 1916
(LGL\1916\1), que foi mantida a fortiori nas decisões mais recentes, para reconhecer ao empreiteiro o
direito ao pagamento, pelo dono da obra, dos custos extraordinários em que tiver incorrido em
decorrência de trabalhos suplementares necessários à conclusão da obra, quando forem realizados com
a ciência e sob a fiscalização do dono da obra, sem necessidade de sua autorização escrita.
118. Com respaldo em remansosa jurisprudência e na melhor doutrina, a incidência do parágrafo único
do art. 619, do Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 depende, para a sua configuração, da conjugação
dos seguintes elementos:
(i) existência de um contrato de empreitada;
(ii) ocorrência de aumentos e acréscimos nos serviços objeto desse contrato;
(iii) ciência presumida do dono da obra; e
(iv) ausência de qualquer oposição à execução do serviço por parte do dono da obra.
119. É também importante investigar a conduta das partes posterior à celebração do contrato, para que
se verifique a aplicação do parágrafo único do art. 619. Aliás, esse critério, que constava do art. 131 do
CCo (LGL\1850\1) revogado, 86 continua a nortear a interpretação e a aplicação de normas contratuais.
87

5.2 O art. 625, II, do CC/2002


120. A idéia de revisão do contrato de empreitada já estava presente no Projeto de Código de
Obrigações de 1964, redigido por Caio Mário da Silva Pereira. O autor propôs dispositivo que concedia
ao empreiteiro a faculdade de suspender a obra no caso de onerosidade excessiva. Em sua Exposição
de Motivos, afirmou:
"Na disciplina do contrato de empreitada aproveitei para resolver algumas questões que a prática civil
veio suscitando e que reclamam constantes atenções.
(...)
Mantida a inalterabilidade do preço ajustado, foi admitida a modificação convencional, bem como a
decorrente dos princípios inspiradores da resolução por onerosidade excessiva. A prática dos negócios,
que é também fonte de direito (René David), mostra que nos períodos de instabilidade a empreitada é
arma perigosa. A faculdade de reajuste por excessiva onerosidade pode emendar os seus efeitos." 88
89
121. Na revisão do Projeto de Código de Obrigações de 1965, manteve-se tal orientação, em
dispositivo que dizia:
"Art. 512. Sob pena de responder por perdas e danos, não pode o empreiteiro suspender a execução da
empreitada iniciada, salvo por motivo de fôrça maior ou excessiva onerosidade e ainda por culpa do
dono da obra."
122. Diante do abandono da idéia de se promulgar um Código específico para as obrigações, as suas
disposições foram incorporadas ao Projeto de Código Civil (LGL\2002\400). 90 Na versão de 1973, que
foi mantida no Projeto de Lei 634-A, 91 de 1975, a redação do dispositivo era quase idêntica à atual:
"Art. 624. Poderá o empreiteiro suspender a obra:
(...)
II - quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução,
resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada
excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço; (...)."
123. Afinal, o Código vigente, considerando os princípios que informam a disciplina dos contratos,
inclusive os da boa-fé objetiva, da função social do contrato e o que prevê a revisão do contrato no
caso de onerosidade excessiva, não poderia deixar de estabelecer regra que, no âmbito da empreitada,
desse plena operatividade a esses princípios, prevendo:
"Art. 625. Poderá o empreiteiro suspender a obra:
(...)
II - quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução,
resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada
excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele
elaborado, observados os preços; (...)"

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124. A explicação para a redação final da norma foi dada na Exposição de Motivos, esclarecendo que o
legislador pretendeu:
"i) No capítulo relativo à empreitada, estabelecer disposições mais adequadas às exigências
tecnológicas hodiernas, de modo a atender às finalidades sociais do contrato e às relações de equilíbrio
que devem existir entre o dono da obra, o projetista e o construtor, tais como revelado pela experiência
dos últimos anos."
125. E acrescentou:
"Também neste capítulo, como nos demais, foi dada especial atenção aos casos de onerosidade
excessiva, prevendo-se regras capazes de restabelecer o equilíbrio dos interesses em conflito, segundo
critérios práticos para a sua solução. Embora se pudesse considerar tal matéria implícita nos preceitos
relativos à 'resolução dos contratos por onerosidade excessiva', atendeu-se a algumas particularidades
da matéria no âmbito do negócio de empreitada." 92 (Grifos nossos.)
126. Esta era a posição, aliás, de Miguel Reale:
"Por outro lado, firme consciência ética da realidade socioeconômica norteia a revisão das regras gerais
sobre a formação dos contratos e a garantia de sua execução eqüitativa, bem como as regras sobre
resolução dos negócios jurídicos em virtude de onerosidade excessiva, às quais vários dispositivos
expressamente se reportam, dando a medida do propósito de conferir aos contratos estrutura e
finalidade sociais. É um dos tantos exemplos de atendimento da 'socialidade' do Direito. (...)
Nesse contexto, bastará, por conseguinte, lembrar alguns outros pontos fundamentais, a saber: (...)
i) No capítulo relativo à empreitada, estabelecer disposições mais adequadas às exigências tecnológicas
hodiernas, de modo a atender às finalidades sociais do contrato e às relações de equilíbrio que devem
existir entre o dono da obra, o projetista e o construtor, tais como reveladas pela experiência dos
últimos anos. (...)
Também neste capítulo, como nos demais, foi dada especial atenção aos casos de excessiva
onerosidade, prevendo-se regras capazes de restabelecer o equilíbrio dos interesses em conflito,
segundo critérios práticos para a sua solução." 93 (Grifos nossos.)
127. A decisão do legislador inspirou-se na jurisprudência que se sedimentou na matéria.
128. Efetivamente, no final da década de 70, a aplicação da cláusula rebus sic stantibus aos contratos
de empreitada já era amplamente difundida, conforme se verifica em acórdão do Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro:
"Cláusula rebus sic stantibus - Teoria da imprevisão. Modificadas as condições vigentes ao tempo do
contrato de empreitada, de forma a provocar prejuízo para o empreiteiro, é lícito invocar a cláusula
implícita 'rebus sic stantibus'. Em tempos inflacionários é possível invocar a cláusula rebus sic stantibus
se a inflação, em lento desenvolvimento, assume subitamente proporções de crise com efeitos
calamitosos, inclusive prejuízos para o construtor e este, ainda assim alienando bens e fazendo
empréstimos, cumpre a obrigação assumida." 94
129. Muito antes já se tinha decidido no mesmo sentido:
" O risco assumido pelo empreiteiro no contrato de empreitada é o risco normal e próprio do contrato, e
não o risco criado contra a vontade e a intenção das partes, por acontecimento extraordinário e
inevitável que elas não poderiam prever e que, se estivesse na sua previsão, teria impedido a formação
do contrato." 95 (Grifos nossos.)
130. O art. 625 estabelece as condições segundo as quais o empreiteiro, nas hipóteses em que o
equilíbrio do contrato é abalado por circunstâncias imprevisíveis, pode valer-se do direito de paralisar a
obra, que, se prosseguir, haverá de acarretar-lhe prejuízos. Assim, o empreiteiro pode se valer do art.
625, II, do CC/2002 (LGL\2002\400), suspendendo a obra, quando:
(i) pendente o contrato, manifestarem-se dificuldades imprevisíveis de execução;
(ii) tais dificuldades tornarem a empreitada excessivamente onerosa para ele; e
(iii) houver discordância do dono da obra com o reajuste do preço do projeto elaborado.
131. O inciso II do art. 625 faculta ao empreiteiro a suspensão da execução do contrato, tendo como
requisito apenas a imprevisibilidade, além da recusa do dono da obra em reajustar o preço e da
onerosidade excessiva. Note-se que há um distanciamento do art. 478, do CC/2002 (LGL\2002\400),
que exige, como requisito de aplicação, o enriquecimento de um contratante e o empobrecimento do
outro.
132. Outro ponto de diferença decorre do fato da regra do art. 625, II prever apenas a resolução
judicial ou rescisão consensual do contrato, enquanto o art. 478 autoriza o empreiteiro a, mediante
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decisão unilateral, "suspender a obra", tendo, assim, uma modalidade de execução específica que a
norma geral não prevê, pois resolve sempre o litígio, determinando o pagamento de perdas e danos e
não admitindo, em tese, a suspensão da obra.
133. Deve-se atentar, ainda, para o fato de que a revisão à qual se refere a regra geral do art. 478
prevê uma "modificação eqüitativa", que, pela mencionada adjetivação, pode não ser completa,
enquanto o art. 625, II, exige, para que a obra não seja suspensa, que o dono da obra pague "o preço
inerente" ao projeto, ou seja, o preço justo e adequado.
134. Com efeito, ao assegurar a suspensão do contrato de empreitada, nas hipóteses do art. 625, II,
do CC/2002 (LGL\2002\400), o que objetivou o legislador foi propiciar ao empreiteiro fundamento
adequado para exigir a imediata recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, rompido
por causas extraordinárias e imprevisíveis verificadas após a sua celebração. 96
135. Obviamente, o fato de não ter ocorrido a suspensão da execução do contrato, não constitui
obstáculo ao restabelecimento do seu equilíbrio, mesmo após a entrega da obra, com base neste
dispositivo legal. Nada impede que as conseqüências do desequilíbrio sejam sanadas a posteriori,
considerando-se a função social do contrato, a boa-fé objetiva, a onerosidade excessiva criada para
uma das partes e o interesse de ambas na mais rápida conclusão da obra. Efetivamente, o Código Civil
(LGL\2002\400) sempre favorece a continuidade do contrato, em vez da sua suspensão ou ruptura, 97
que, no caso, não atenderia à vontade das partes, nem à função social do acordo por elas firmado.
136. Tal como ocorre, portanto, com o parágrafo único do art. 619, do CC/2002 (LGL\2002\400), o
princípio do equilíbrio contratual impõe que o fato extraordinário ou imprevisível que venha a
sobrecarregar os custos do empreiteiro imponha a revisão do preço e, em havendo inviabilidade de
negociação entre as partes, autorize a suspensão da execução da obra. Nesse sentido têm se
manifestado a doutrina e a jurisprudência, considerando que a regra atinente à impossibilidade de
revisão do preço na empreitada por preço fixo sofre exceções por força do princípio do equilíbrio
contratual, sendo que o art. 625, II, consigna expressamente tal exceção.
5.3 Alocação de riscos do contrato
137. Não se pode esquecer que, nos contratos de empreitada, os riscos são analisados e a possibilidade
de arcar com eles é calculada antes da celebração do contrato. Assim, cada uma das partes assume os
seus riscos, embutindo-os no preço acordado.
138. Não é, todavia, possível que as partes prevejam todos e quaisquer atos que eventualmente
venham a ocorrer durante a execução do contrato. Nem seria economicamente viável a inclusão de
todos os riscos no preço de um contrato. Por isso, são realizados estudos prévios, que se destinam a
identificar os eventos que efetivamente podem influenciar a execução do contrato.
139. Ocorre que outras circunstâncias, que se consideravam impossíveis ou extremamente improváveis
e que, por isso, não foram embutidas no preço do contrato, podiam se manifestar, tornando-o
extremamente oneroso para uma das partes, que não tinha como antever tais acontecimentos.
140. Como o dono da obra é o beneficiário final do empreendimento, no caso do contrato de
empreitada, é ele que deve arcar com tais riscos imprevisíveis. Caso contrário, estará caracterizado o
seu enriquecimento sem causa.
141. Sobre a álea natural do contrato de empreitada, Domenico Rubino e Giovanni Iudica ensinam:
"Ma puramente e semplicemente per um critério di sopportazione del rischio (economico) cioè perché è
conforme alla natura dell'appalto che, entro un certo limite, quell'alea economica sia a carico
dell'appaltatore. Oltre tale limite, invece, e in presenza di determinate cause, tutela l'appaltatore contro
di essa, riconoscendogli il diritto ad um proporzionato aumento del prezzo." 98 (Grifos nossos.)
6. Conclusões
142. Num seminário realizado na década de 80, o Prof. Serge Lazareff fez uma excelente palestra
referente ao respeito do contrato, entendendo que estava superada a fase das crises e da instabilidade,
decorrente da inflação e dos conflitos mundiais. 99 Assim sendo, não haveria mais motivo para
renegociação ou revisão dos contratos, que deveriam ser cumpridos sem qualquer modificação.
143. Decorridos quase 30 anos, chegamos, infelizmente, a uma conclusão contrária em relação aos
fatos. Jamais o mundo evoluiu tão rapidamente. Nunca o capitalismo e a globalização ensejaram tantas
alterações nas relações jurídicas, na organização do trabalho, nas migrações humanas. As
modificações, além de se multiplicarem, se tornaram cada vez mais rápidas. E, por outro lado, cada vez
mais são necessários e indispensáveis os contratos de longo prazo para permitir o planejamento
econômico.
144. A solução consiste, pois, em admitir o contrato flexível, que mantém o espírito das partes, a
equação inicial no seu espírito e na sua proporcionalidade, mas adapta as cláusulas às novas
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24/05/2020 Envio | Revista dos Tribunais

realidades.
145. No momento em que os constitucionalistas defendem a democracia do possível e os magistrados
se referem à Justiça possível, também os árbitros têm como função salvar a permanência dos negócios
jurídicos, mediante a construção a mais justa e eqüitativa possível do contrato, o que se torna uma
necessidade inadiável na atual fase de renovação da nossa infra-estrutura.
146. Neste sentido, a arbitragem tem um papel importante a desempenhar, pois não é somente um
método de solução dos conflitos, como os demais, mas se caracteriza por um espírito próprio.
Instituição de paz e também "uma instituição necessária para remediar ao estado subdesenvolvido do
direito", como já afirmava o Prof. René David. (trad. livre) 100 Ora, "a essência da paz reside na
aproximação dos contrários, consistindo em estabelecer um sistema de compreensão entre dois
adversários" que seja justo e razoável. (trad. livre) 101
147. Enquanto o juiz determina, na sua sentença, o modo de reparação de uma lesão de direito e
eventualmente impede que ela continue a produzir efeitos, o árbitro deve também construir o futuro
pacífico de uma relação jurídica.
148. Cabe-lhe conciliar a economia e o direito, mantendo os valores que constituem o alicerce da nossa
sociedade, 102 e deve fazê-lo num mundo em constante mudança. Para tanto, a aplicação da teoria da
imprevisão aos contratos pode ser-lhe útil, permitindo que realize a sua difícil função não só no
interesse das partes, mas também no da própria sociedade civil.

1. Arnoldo Wald, A dupla função econômica e social do contrato, Revista Trimestral de Direito Civil 17/
5. Rio de Janeiro: Padma, jan.-mar. 2004.

2. René Demogue chega a caracterizar a relação entre o credor e o devedor como um verdadeiro
microcosmo, uma sociedade na qual ambas as partes devem trabalhar para atingir um fim comum,
surgindo entre eles um dever de colaboração ( Traité des obligations en general: effets des obligations.
Paris: Librarie Arthur Rousseau, 1931, t. VI, n. 3, p. 9).

3. J. Mestre, L'évolution du contrat en droit privé français, L'évolution contemporaine des contrats.
Journées Savatier, 1985. Paris: Presses Universitaires de France, 1986, p. 45 e ss.; Cathérine
Thibierge-Guelfucci, Libres propos sur la transformation du droit des contrats, Revue Trimestrielle de
Droit Civil 2/357 e ss. Paris: Sirey, 1997; Denis Mazeaud, Loyauté, solidarité, fraternité: la nouvelle
devise contractuelle, L'avenir du droit. Paris: Dalloz, 1999, p. 603 e ss.

4. Bernard Teyssié, Les groupes de contrats. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence,
1975, passim; e, Georges Virassamy, Les contrats de dépendance. Paris: Librairie Générale de Droit et
de Jurisprudence, 1986, passim.

5. STF, 1ª T., RE 73.208, rel. Min. Barros Monteiro, j. 10.12.1971, Revista Forense 249/165 e Arnoldo
Wald. Estudos e pareceres de direito comercial. 2ª série. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 184
e ss. A expressão "irmãos siameses" havia sido adotada pelo Min. Cunha Peixoto, ainda quando
desembargador do TJMG.

6. Judith Martins-Costa . A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999; e, Arnoldo
Wald. La bonne foi: dans l'exécution du contrat, rapport brésilien. Travaux de L'Association Henri
Capitant, XLIII, La bonne foi (journées louisianaises). Paris: Litec, 1994, p. 252-264.

7. Arnoldo Wald. O equilíbrio econômico e financeiro no direito brasileiro: a contribuição do Professor


Caio Tácito. In: Carlos Alberto Menezes Direito (Org.). Estudos em homenagem ao Prof. Caio Tácito.
Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 95-97.

8. P. Malaurie e L. Aynes, apud Catherine Thibierge-Guelfucci, Libres propos sur la transformation du


droit des contrats, cit., p. 363, nota 45.

9. A Constituição de 1988, ao determinar que a propriedade atenderá a sua função social (art. 5.º,
XXIII, CF/1988 (LGL\1988\3)), também atribuiu função social ao contrato, abrangendo a garantia de
que ele será equilibrado para cumprir as suas finalidades. Conforme escrevemos em outra
oportunidade: "A ênfase dada à função social do contrato deve, portanto, garantir o equilíbrio das
prestações. É no equilíbrio que se fundamenta a justiça contratual, de caráter substancial e não
meramente formal. Mas essa justiça não pode ser medida de forma subjetiva, baseada no que uma das
partes entende ser equilibrado ou justo, mas sim analisando-se, objetivamente, a equivalência das

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prestações" (Arnoldo Wald. O interesse social no direito privado. Revista do Tribunal Regional Federal
3ª Região 77/142, Separata. São Paulo: TRF 3ª Reg., maio-jun. 2006, grifos nossos).

10. Art. 421 do Código Civil (LGL\2002\400) de 2002: "A liberdade de contratar será exercida em razão
e nos limites da função social do contrato."

11. Arnoldo Wald. O interesse social no direito privado, já citado; e Clóvis V. do Couto e Silva. A
obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2007, p. 32-34.

12. Hely Lopes Meirelles. Licitação e contrato administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p.
166.

13. Maria Sylvia Zanella di Pietro. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 257.

14. TCU, Decisão 215/1999, Plenário, Proc. 930.039/1998-0, rel. Min. José Antonio B. de Macedo, j.
12.05.1999, DOU 21.05.1999, relatório do ministro relator.

15. Conforme TCU, Decisão 215/1999, cit.

16. Marçal Justen Filho. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos (com comentários à
MP 2.026, que disciplina o pregão). 7. ed. São Paulo: Dialética, 2000, p. 556.

17. TCU, Decisão 215/1999, cit. Note-se que esta decisão tem natureza normativa e pacificou a
questão no âmbito do TCU, tornando-se referência para as decisões posteriores do tribunal sobre a
matéria, que a citam recorrentemente. Neste sentido: TCU, Plenário, Proc. 013.350/2005-7, rel. Min.
Marcos Bemquerer, j. 28.06.2006, DOU 30.06.2006; TCU, 1ª Câm., Proc. 015.793/1992-3, rel. Min.
Augusto Nardes, j. 18.10.2005, DOU 26.10.2005; TCU, 2ª Câm., Proc. 015.296/2000-9, rel. Min.
Lincoln Magalhães da Rocha, j. 27.05.2004, DOU 14.06.2005; TCU, Plenário, Proc. 575.503/1998-0,
rel. Min. Humberto Souto, j. 23.06.1999.

18. TCU, Plenário, Proc. 008.426/2002-1, rel. Min. Marcos Vinicios Vilaça, j. 06.12.2006, DOU
13.12.2006.

19. Miguel Reale. História do novo Código Civil (LGL\2002\400) - estudos em homenagem ao Professor
Miguel Reale. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. v. 1, p. 92.

20. Luiz Roldão de Freitas Gomes. Contrato: de acordo com o novo Código Civil (LGL\2002\400). 2. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 162-163.

21. Julio Alberto Díaz. A teoria da imprevisão no novo Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro. Revista
de Direito Privado 20/209. São Paulo: Revista dos Tribunais, out.-dez. 2004.

22. John Kenneth Galbraith. A era da incerteza. Trad. brasileira. São Paulo: Pioneira, 1982.

23. A doutrina italiana também reconhece a necessidade do reequilíbrio do contrato: "Na realidade,
liberando-se do condicionamento falsamente dogmático acerca da suposta intangibilidade do conteúdo
do contrato e vislumbrando-se, ao contrário, a concreta dinâmica dos contratos que produzem os seus
efeitos por um período de tempo mais ou menos longo (portanto, contratos de execução continuada,
periódica ou diferida, para permanecer nos termos do art. 1.467 do CC italiano, ou de execução
prolongada, como se prefere definir a empreitada), nota-se que a disciplina 'especial' da revisão do
preço, ou seja, a compensação pelos trabalhos posteriores na empreitada, não é exceção ao sistema
ou, mais precisamente, aos princípios gerais abstratos, dentre os quais figuram por exemplo a
imutabilidade das condições contratuais, mas contribui, ao contrário, para desenhar um sistema próprio
e verdadeiro, diverso daqueles meios predispostos pelo legislador, isto é, reconhecidos pelo
ordenamento enquanto elaborados no âmbito da autonomia privada, tendente à gestão do
relacionamento contratual durante a execução" (trad. livre de Giovanni Iudica, Appalto Pubblico e
Privato - Problemi e Giurisprudenza Attuali, p. 171).

24. Arnoldo Medeiros da Fonseca. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1958, p. 345-346.

25. Francisco Campos. Direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 6-7.

26. Eduardo Espínola. A cláusula rebus sic stantibus no direito contemporâneo. Revista Forense 137/
291. Rio de Janeiro: Forense, set. 1951.
https://revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document# 19/26
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27. Caio Mário da Silva Pereira. Cláusula rebus sic stantibus. Revista Forense 92/797-800. Rio de
Janeiro: Forense, out. 1942.

28. Naquela ocasião, mencionamos que: "[à] teoria da imprevisão, ou seja, à cláusula rebus sic
stantibus cabe o honroso e eficiente papel de permitir que, não obstante a insegurança monetária, os
homens possam continuar a negociar e a estabelecer prestações futuras e que os contratos assim
realizados possam continuar a obedecer aos princípios da Justiça" (Arnoldo Wald. Teoria da imprevisão.
Revista Jurídica, da Faculdade Nacional de Direito, 17/151-168. Rio de Janeiro: UFRJ, 1959, e Arnoldo
Wald, Questões de responsabilidade civil. Belém: Cejup, 1990, p. 46).

29. Decisão prolatada pelo então Juiz Nélson Hungria, 5ª Vara Cível do Distrito Federal (Rio de Janeiro),
em 27.10.1930, publicada na Revista de Direito 100/178.

30. Exposição de Motivos do Anteprojeto de Código das Obrigações, Rio de Janeiro: publicação da
Imprensa Nacional, 1941, p. 19.

31. Francisco Campos. Direito civil, cit., p. 6-7.

32. Veja-se a lição de Tito de Oliveira Hesketh, que observa que: " Assim, é de ver-se que a cláusula
rebus sic stantibus , como preceito derrogatório daquele princípio tradicional e necessário à segurança
da vida jurídica, deverá ser usada com muita prudência, com grande moderação, só merecendo ser
invocada em casos realmente excepcionais, e com raias o mais estreitas possível, evitando-se assim
que, com o seu emprego abusivo, venha a causar a desordem na esfera obrigacional, infundindo a
desconfiança e a má-fé no espírito dos contratantes" (grifos nossos), Da cláusula rebus sic stantibus,
RT 302/22, ano 49. São Paulo: Revista dos Tribunais, dez. 1960.

33. STJ, 3ª T., REsp 5.723-MG, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 19.08.1991. No mesmo sentido: STJ, 6ª T.,
REsp 177.018-MG, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 21.09.1998; STJ, 6ª T., REsp 98.673-SP, rel.
Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 17.03.1997.

34. Ver, nesse sentido, Arnoldo Medeiros da Fonseca. Caso fortuito e teoria da imprevisão, cit., p. 323-
329; e Paulo Carneiro Maia. Da cláusula rebus sic stantibus. São Paulo: Saraiva, 1959, p. 215.

35. "Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé."

36. A Exposição de Motivos do Código Civil (LGL\2002\400) de 2002, ao tratar das novas disposições
relativas ao direito das obrigações e dos contratos, menciona expressamente que, nesta matéria, o
projeto final adotou diversas soluções inspiradas em codificações e reformas legislativas estrangeiras,
aplicáveis às nossas circunstâncias (Miguel Reale. História do novo Código Civil (LGL\2002\400), cit., p.
91.)

37. "Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se
tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença
que a decretar retroagirão à data da citação. Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o
réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato. Art. 480. Se no contrato as obrigações
couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado
o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva."

38. Ricardo Pereira Lira. Onerosidade excessiva nos contratos. Revista de Direito Administrativo 159/
11. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar. 1985.

39. "Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á
adotar a interpretação mais favorável ao aderente. Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as
cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do
negócio."

40. Arnoldo Wald. A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil (LGL\2002\400).
Aspectos controvertidos do novo Código Civil (LGL\2002\400): estudos em homenagem ao Ministro
José Carlos Moreira Alves. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 59-77.

41. Josaphat Marinho. O projeto de novo Código Civil (LGL\2002\400). Revista de Informação
Legislativa 146/8, ano 37. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, abr.-jun. 2000.
https://revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document# 20/26
24/05/2020 Envio | Revista dos Tribunais

42. Vale lembrar a lição do Prof. Luiz Gastão Paes de Barros Leães: "No entanto, exceções ao princípio
da intangibilidade [do conteúdo do contrato] têm sido admitidas, principalmente a partir do século
anterior, por razões de eqüidade, sem que se queira com isso sinalizar que se pretenda bani-la do
direito atual dos contratos, até porque a função de certeza e segurança jurídicas do princípio do pacta
sunt servanda é que garante a sobrevivência do instituto. Ocorre que acontecimentos futuros podem
sobrevir, alterando de tal modo as circunstâncias dentro das quais foi pactuado o contrato, que tornam
extremamente gravoso o cumprimento da obrigação por parte de um dos contratantes, no momento de
sua execução. Neste sentido, a alteração radical das condições econômicas, nas quais o contrato foi
celebrado, tem sido considerada uma das causas possíveis que, com concurso de outros fatores, podem
determinar a resolução ou a revisão do ajuste" (Resolução por onerosidade excessiva. Revista de
Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 140/24. São Paulo: Malheiros, out.-dez. 2005).

43. "Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da
prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de
modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação."

44. Judith Martins-Costa. Comentários ao novo Código Civil (LGL\2002\400) - do direito das obrigações.
In: Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Do adimplemento e da extinção das obrigações. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2006. v. 5, t. I, p. 300.

45. Jean-Louis Baudouin. Justice et équilibre: la nouvelle moralité contractuelle du droit civil Québécois.
Le contrat au début du XXIe siècle: études offertes à Jacques Ghestin. Paris: LGDJ, 2001, p. 29 e ss., e
Georges Flécheux, Renaissance de la notion de bonne foi et de loyauté dans le droit des contrats, na
mesma obra, p. 341 e ss. No mesmo sentido, o relatório de Diana Dankers-Hagenaars sobre a boa-fé
na execução dos contratos em direito holandês (La bonne foi, Travaux de l'Association Henri Capitant:
la bonne foi - Journées louisianaises. Paris: Litec, 1994, p. 311 e ss.).

46. Sobre o assunto, ver a lição de Lily Frah e Miriam Smayevsky: "(...) la comparación de la
onerosidad de las prestaciones es intrínseca a la propia relación contractual y que allí se va a encontrar
la mutación sufrida por una prestación en relación con la otra, que excede las fluctuaciones que se
puede considerar normales para ese tipo de negocios" ( Teoría de la imprevisión. Buenos Aires:
Depalma, 1989, p. 27).

47. "Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra,
segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que
sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do
dono da obra. Parágrafo único. Ainda que não tenha havido autorização escrita, o dono da obra é
obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre
presente à obra, por continuadas visitas, não podia ignorar o que se estava passando, e nunca
protestou."

48. Este posicionamento já era defendido pela jurisprudência antes da vigência do Código Civil
(LGL\2002\400) de 2002, conforme se verifica no acórdão do REsp 103.715-MG, 4ª. T., rel. Min. Sálvio
de Figueiredo Teixeira, DJ 28.02.2000, infra transcrito.

49. Jérome Huet. Les principaux contrats spéciaux. In: Jacques Guestin (Dir.). Traité de droit civil.
Paris: LGDJ, 1996, n. 32.455, p. 1.365, in fine.

50. Arnoldo Wald. A cláusula de escala móvel. São Paulo: Max Limonad, 1956, n. 84, p. 136.

51. Clovis Beviláqua. Código Civil (LGL\2002\400) dos Estados Unidos do Brasil comentado. 8. ed. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1950, v. 4, p. 434.

52. Miguel Reale. Estudos preliminares do Código Civil (LGL\2002\400). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 31-34.

53. "Art. 625. Poderá o empreiteiro suspender a obra: I - por culpa do dono, ou por motivo de força
maior; II - quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução,
resultantes de causas geológicas ou hídricas, ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada
excessivamente onerosa, e o dono da obra se opuser ao reajuste do preço inerente ao projeto por ele
elaborado, observados os preços; III - se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e
natureza, forem desproporcionais ao projeto aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o
acréscimo de preço."

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54. Note-se que, neste ponto, o Código Civil (LGL\2002\400) de 2002 também se inspirou na tradição
brasileira dos contratos administrativos, nos quais a manutenção da equação econômico-financeira
inicial é imperativo constitucional e legal.

55. Nancy Andrighi, Sidnei Beneti e Vera Andrighi. Comentários ao novo Código Civil (LGL\2002\400) -
Artigos 570 a 652, Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 328 e 347.

56. Ulrich Beck, Risk society towards a new modernity, tradução inglesa da obra em alemão
Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine andere Moderne, Londres: Sage, 1992, passim.

57. Alpa, Bessone e Roppo. Rischio contrattuale e autonomia privata. Nápoles: Jovene, 1982, p. 282.

58. Eros Grau e Paula A. Forgioni. Ainda um novo paradigma dos contratos? Estado, empresa e
contrato. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 15-23.

59. Phillipe Fouchard. La responsabilité des constructeurs. Travaux de l'Association Henri Capitant de
1991 (Journées Egyptiennes). Paris: Litec, 1991, t. XLII, p. 311-316.

60. Nesse sentido, a Federação Internacional dos Engenheiros Civis ("Fédération Internationale des
Ingénieurs-Conseils - Fidic") elaborou documento intitulado "Conditions génerales applicables aux
marchés de travaux de génie civil, avec modèle de soummission et de convention", conhecido como
"Condições Fidic", largamente utilizado pelos profissionais da área, em que prevê expressamente a
obrigação do contratante de pagar ao empreiteiro custos suplementares decorrentes de fatores
extraordinários e imprevisíveis, de natureza física, artificial ou outra, sobretudo hídrica ou geológica,
que estudos prévios não tenham sido capazes de revelar, apesar de empregados os esforços e as
técnicas adequados para tanto, e que tenham levado à ruptura do equilíbrio econômico inicialmente
pactuado pelas partes (Conditions of contract for works of civil engineering construction - The red book.
Londres, Thomas Telford, 1999, cláusulas 1.1.6.8 e 4.12.). Regra similar também está prevista no
modelo de contrato turn key para grandes projetos da Câmara de Comércio Internacional (CCI), em
que há previsão expressa de revisão do preço global inicialmente pactuado em caso de fatores
materiais extraordinários e imprevisíveis que venham a onerar excessivamente o empreiteiro,
ocasionando-lhe custos suplementares consideráveis, de forma a reequilibrar a economia do contrato
(ICC Model Turnkey contract for major projects, Publicação CCI n. 659, ICC Business Bookstore, 2007,
p. 30, cláusula 23.2). Em guia para a elaboração de contratos internacionais relativos à construção de
instalações industriais, elaborado pela UNCITRAL ("United Nations Commission for International Trade
Law") em 1988, recomenda-se às partes que o contrato preveja a forma de repartição da
responsabilidade em caso de risco geológico imprevisível, podendo prever a revisão do preço em caso
de custos suplementares derivados de fatores imprevisíveis de natureza física ou outra, descobertos no
curso da execução do contrato (Guide Juridique pour l'établissement de contrats internationaux de
construction d'installations industrielles, 1988, Publicação ONU, v. 10, p. 91, fev. 1987). Finalmente, o
Centro de Estudos e Pesquisas Internacionais - CERI, em estudo sobre a prática dos contratos
internacionais, igualmente recomenda às partes que seja prevista cláusula de revisão de preço em caso
de modificação sensível dos dados iniciais disponíveis, notadamente aqueles relativos ao solo,
importando um aumento considerável nos custos da obra ( Pratique des contrats internationaux. Paris:
Éditions et Gestions, 1983, t. II, livro I, p. 12).

61. "Art. 1664 Onerosità o difficoltà dell'esecuzione Qualora per effetto di circostanze imprevedibili si
siano verificati aumenti o diminuzioni nel costo dei materiali o della mano d'opera, tali da determinare
un aumento o una diminuzione superiori al decimo del prezzo complessivo convenuto, l'appaltatore o il
committente possono chiedere una revisione del prezzo medesimo. La revisione può essere accordata
solo per quella differenza che eccede il decimo (1467). Se nel corso dell'opera si manifestano difficoltà
di esecuzione derivanti da cause geologiche, idriche e simili, non previste dalle parti, che rendano
notevolmente più onerosa la prestazione dell'appaltatore, questi ha diritto a un equo compenso."
(Grifos nossos.)

62. Trata-se de aplicação particular, especial, prevista pela lei em vista das especificidades do contrato
de empreitada, da regra geral do art. 1.467 do Código Civil (LGL\2002\400) italiano, que prevê a
resolução ou a revisão de contratos que tenham seu equilíbrio econômico rompido por circunstância
imprevisível, superveniente ou descoberta no curso da execução do contrato, que o tenha tornado
excessivamente oneroso para uma das partes. Ver, a respeito, Helène Courtois. Rapports Nationaux -
Italie. Les modifications du contrat au cours de son exécution en raison des circonstances nouvelles.
Paris: Pédone, 1986, p. 112; e, no mesmo sentido, Domenico Rubino e Giovanni Iudica, Appalto -
Commentario del Codice Civile Scialoja-Branca, Libro quarto: Obbligazioni - art. 1.655-1.677, 4. ed.
Roma: Il Foro Italiano, 2007, pp. 320-321.

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63. Domenico Rubino e Giovanni Iudica, Appalto, cit., p. 336-337.

64. Oreste Cagnasso. Appalto e sopravenienza contrattuale - Contributo a una revisione della dottrina
dell'eccessiva onerosità. Milano: Giuffrè, 1979, p. 102.

65. Idem, ibidem, p. 102.

66. Domenico Rubino e Giovanni Iudica, Appalto, cit., p. 324.

67. Idem, ibidem, p. 325.

68. Idem, ibidem, pp. 336-337.

69. Hely Lopes Meirelles, entendendo-a aplicável ao direito brasileiro, conceitua a teoria, bem como o
fundamento jurídico da revisão de preço nela baseada: "Interferências imprevistas ( sujétions
imprévues, dos franceses; changed conditions, dos norte-americanos), para autores pátrios agravações
ou sujeições imprevistas, são ocorrências materiais não cogitadas pelas partes na celebração do
contrato, mas que surgem na sua execução de modo surpreendente e excepcional, dificultando e
onerando extraordinariamente o prosseguimento e a conclusão dos trabalhos. É o que se verifica, por
exemplo, com o encontro de um subsolo rochoso e inesperado para o local, ou de um lençol anormal de
água subterrânea, ou de canalizações de serviços públicos não indicados no projeto e que exigem
remoções especiais. O que caracteriza a interferência imprevista e a distingue das demais
superveniências é a descoberta de obstáculos materiais, naturais ou artificiais, depois de iniciada a
execução do contrato, embora sua existência seja anterior ao ajuste, mas só revelada através das
obras ou serviços em andamento, dada sua omissão nas sondagens ou sua imprevisibilidade para o
local em circunstâncias comuns de trabalho. Essas interferências imprevistas, sendo excepcionais e
criando dificuldades e encargos extraordinários para a normal execução do contrato, ensejam sua
revisão e a recomposição de preços, por não serem válidos os que foram estabelecidos sem abranger
as novas e onerosas ocorrências" (grifos nossos-, Licitação e contrato administrativo. 12. ed. São
Paulo: Malheiros, 1999, p. 226-227).

70. André de Laubadère. Traité théorique et pratique des contrats administratifs. Paris: LGDJ, 1956, t.
III, p. 9 e 15 e ss.

71. Há diversas decisões envolvendo situações dessa natureza, nas quais o fato imprevisível e
excepcional, que ensejou o desequilíbrio econômico do contrato e a conseqüente aplicação da teoria
das sujeições imprevistas, está ligado à situação do subsolo ou à dureza de formações rochosas. Essas
decisões aplicam a teoria da imprevisão para o fim de atribuir ao empreiteiro direito a indenização com
fundamento, dentre outras, nas seguintes situações: (i) em caso de sujeições imprevistas encontradas
pelo empreiteiro oriundas da natureza de certas rochas, que, pela amplitude de suas conseqüências,
tenham causado um desequilíbrio na economia do contrato ( Conseil d'État, 21.07.1970,
em[www.legifrance.gouv.fr]); (ii) em caso de dificuldades materiais não previstas, relativas a lençóis de
água mais abundantes que o previsto e/ou à dureza de rochas superior àquela anunciada pelos estudos
de solo previamente realizados ( Cour de Cassation, 3eme Civ, 04.05.1995; no mesmo sentido, ver:
Cour Administrative d'Appel de Marseille, 6eme ch, 03.05.2006; Cour Administrative d'Appel de Douai,
12.02.2004; Cour de Cassation, 3e civ, 16.05.2001; Conseil d'État, 17.02.1992; Conseil d'État,
30.6.1976, em[www.legifrance.gouv.fr]); e (iii) mesmo havendo disposição contratual que obrigue o
empreiteiro a buscar todas as informações complementares sobre todos os pontos relativos ao projeto
inicial que lhe pareçam duvidosos ou incompletos, tal cláusula não pode ter o efeito de atribuir ao
empreiteiro a responsabilidade por prejuízos decorrentes de problemas extraordinários e imprevisíveis
decorrentes da natureza do terreno, que não foram constatados ou previstos pelas empresas
especializadas contratadas para os estudos do solo ( Conseil d'État, 22.12.1967, in: Jacques Georgel,
Exécution du contrat administratif - Situation du co-contractant de l'Administration, Juris-Classeur
Administratif, fasc. 512, maio 1991).

72. Sobre a construção jurisprudencial desta regra na esfera administrativa pelo Conselho de Estado
francês, como exceção ao princípio da intangibilidade do preço, ver André de Laubadère, Traité
théorique et pratique des contrats administratifs, cit., p. 9 e 15.

73. A aplicação da regra ora tratada aos contratos de empreitada não celebrados com a Administração
Pública é tendência relativamente recente, que vem se delineando na Corte de Cassação, a despeito da
resistência à aplicação da teoria da imprevisão aos contratos privados. Conforme observa Hugues
Périnet-Marquet, embora, em princípio, a empreitada contratada a preço global ( marché forfaitaire)
não admita qualquer revisão do preço contratado, a Corte de Cassação entende que o empreiteiro tem
direito a remuneração suplementar caso se depare, no curso da execução, com anomalias
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imprevisíveis, mesmo para empresa altamente especializada, que dêem origem a sujeições imprevistas
(Marchés privés de travaux, In: Philippe Malinvaud (Dir.). Droit de la construction. Paris: Dalloz, 2000/
2001, p. 863).

74. Teresa Ancona Lopez. Comentários ao Código Civil (LGL\2002\400): parte especial - Das várias
espécies de contrato. Antônio Junqueira de Azevedo (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2003. v. 7, p. 618-
619. Confira-se, também, no mesmo sentido, Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro: teoria
das obrigações contratuais e extracontratuais. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 3, p. 300-301.

75. Nelson Borges. A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 309, trazendo à colação posicionamento de Luís Alberto Carvalho Fernandes.

76. Idem, ibidem, p. 307.

77. Nesse sentido, veja-se a lição de Francisco Campos, ainda na vigência do Código Civil de 1916
(LGL\1916\1): "O art. 1.246 do Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro, na parte em que dispõe que o
arquiteto ou construtor não terá direito a exigir acréscimo no preço ainda que o dos salários ou o do
material encareça, é uma regra igualmente válida para todos os contratos. Deve ser interpretada nos
mesmos termos em que o é a regra implícita em todos os contratos em que é fixado o valor da
prestação. Não impede, portanto, que em relação aos contratos de empreitada se façam sentir os
efeitos da imprevisão. O risco assumido pelo empreiteiro no contrato de empreitada é o risco normal e
próprio do contrato e não o risco criado, contra a vontade e a intenção das partes, por acontecimento
extraordinário e inevitável, que elas não poderiam prever e que se estivesse na sua previsão teria
impedido a formação do contrato. É o caso típico da imprevisão" ( Direito civil, cit., p. 10). No mesmo
sentido, ver Alfredo de Almeida Paiva. Aspectos do contrato de empreitada. Rio de Janeiro: Forense,
1955, p. 56 e 66-67.

78. Vale conferir, a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal Federal, em que o Ministro Relator
Hermes Lima afirmou que "a cláusula [ rebus sic stantibus] aplica-se aos contratos de empreitada. A
cláusula só ampara o contratante contra alterações fundamentais, extraordinárias das condições
objetivas, em que o contrato se realizou" (STF, 2ª T., RE 56.960-SP, rel. Min. Hermes Lima, DJ
08.12.1964).

79. "Art. 1.246. O arquiteto, ou construtor, que, por empreitada, se incumbir de executar uma obra
segundo plano aceito por quem a encomenda, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que o
dos salários, ou o do material, encareça, nem ainda que se altere ou aumente, em relação à planta, a
obra ajustada, salvo se se aumentou, ou alterou, por instruções escritas do outro contratante e
exibidas pelo empreiteiro."

80. STF, RE 11.442, rel. Min. Luiz Gallotti, j. 26.12.1949. Revista Forense 132/93-94. Rio de Janeiro:
Forense, 1950. No mesmo sentido, confira-se o RE 17.908, 1ª T., rel. Min. Barros Barreto, j.
10.10.1950. Revista Forense 139/119-120. Rio de Janeiro: Forense, 1952.

81. José Maria de Serpa Lopes. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999. v. 4, p. 241-
242.

82. Alfredo de Almeida Paiva. Aspectos do contrato de empreitada, cit., p. 82-83.

83. O Prof. Washington de Barros Monteiro elucida: "Duas correntes disputam a verdadeira inteligência
desse texto legal. A primeira, mais ortodoxa, aplica-o ad litteram: o empreiteiro-construtor, para
receber acréscimo, não contemplado no plano primitivo, há de necessariamente exibir instrução escrita
do outro contratante. (...) Segunda corrente, mais liberal, manda pagar o serviço extraordinário, ainda
que não autorizado por escrito, se executado à vista do proprietário, sem qualquer impugnação de sua
parte, ou por ele mesmo confessado. É a orientação merecedora de acolhida, porque, realizado o
serviço em tais condições, se subentende autorizado. De outro modo, consagrar-se-ia ilícito
locupletamento do proprietário, à custa do empreiteiro, condenado pelo direito" (grifos nossos - Curso
de direito civil - Direito das obrigações. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1975, v. 2, p. 198-199. No mesmo
sentido, Luiz Roldão de Freitas Gomes. Contrato: de acordo com o novo Código Civil (LGL\2002\400),
cit., p. 259.

84. Assevera o mestre Hely Lopes Meirelles: "Diante dessa realidade, a jurisprudência tem atenuado o
rigor da lei, para permitir a cobrança dos acréscimos da construção desde que o empreiteiro
demonstre, por qualquer meio de prova, que os fez com aquiescência do dono da obra" ( Direito de
construir. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 221-222).

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85. STJ, 4ª T., REsp 103.715-MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 05.10.1999, DJ 28.02.2000,
p. 84. O mesmo posicionamento consta de voto do Min. Nilson Naves, do Superior Tribunal de Justiça,
que conclui: "Ora, na minha compreensão, como afirmei linhas atrás, é a de que não é necessária a
autorização por escrito, desde que, como no caso em comento aconteceu, tornou-se inequívoca a
realização do serviço. O que então se busca é amenizar o rigor da norma, qual o estatuído nos
acórdãos paradigmas e nas lições de Washington e de Hely" (STJ, 3ª T., voto vencido proferido pelo
Min. Nilson Naves no REsp 94.609-SP, j. 27.03.2000, DJ 22.05.2000, p. 105). Alinhando-se ao mesmo
entendimento, estão os arestos emanados dos Tribunais Estaduais: TJSP, Ap c/ rev 929.216-0/3, 35ª
Câm., Seção de Direito Privado, rel. Des. Melo Bueno, j. 18.06.2007; TJRJ, 6ª Câm. Cív., ApCív
2002.001.00531, rel. Des. Gilberto Rego, j. 21.05.2002; TJRJ, 5ª Câm. Cív., ApCív 1999.001.19450,
rel. Des. Carlos Raymundo Cardoso, j. 08.02.2000; TJMG, 14ª Câm. Cív., ApCív 1.0024.01.541389-1/
001, rel. Des. Valdez Leite Machado, j. 20.07.2006; TJMG, 8ª Câm. Cív., ApCív 1.0000.00.334084-1/
001, rel. Des. Duarte de Paula, DO 04.05.2005, entre outros.

86. "Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras
sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: (...) 3 - o fato dos contraentes posterior ao
contrato, que tiver relação com o objeto principal, será a melhor explicação da vontade que as partes
tiverem no ato da celebração do mesmo contrato; (...)."

87. "O art. 131 do Código Comercial, por sua vez, traz importantes pautas para interpretação e
integração contratual. Sua revogação formal, como é logo de se perceber, não logrou extirpá-las de
nosso sistema jurídico. Assim como é impossível revogar as regras de Pothier, acima estudadas, não se
pode extirpar a penadas a tradição que existe nas entranhas de nosso direito mercantil." (Paula A.
Forgioni. Apontamentos sobre algumas regras de interpretação dos contratos comerciais: Pothier, Cairu
e Código Comercial de 1850. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro 141/37.
São Paulo: Malheiros, jan.-mar. 2006.)

88. Projeto de Código de Obrigações, apresentado por Caio Mário da Silva Pereira. Rio de Janeiro, 1964,
p. 30.

89. A Comissão Revisora era composta pelos seguintes juristas: Orosimbo Nonato, Caio Mário da Silva
Pereira, Theophilo de Azeredo Santos, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes, Nehemias Gueiros e Francisco
Luiz Cavalcanti Horta.

90. Anteprojeto de Código Civil (LGL\2002\400), 2. ed., 1973. Coordenador da Comissão de Estudos
Legislativos: Almiro do Couto e Silva. Comissão Elaboradora e Revisora: Miguel Reale, José Carlos
Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Clóvis do Couto e
Silva e Torquato Castro.

91. Neste projeto, o dispositivo encontrava-se no art. 634, II.

92. Explicando, ainda, as razões que justificaram essa evolução legislativa, ficou consignado na
Exposição de Motivos que: "Mantida, em linhas gerais, a sistematização da matéria proposta pelo
ilustre Professor Agostinho Alvim, e por ele tão minuciosa e objetivamente fundamentada, apresenta a
redação final do projeto algumas modificações, resultantes da orientação seguida nas demais partes do
sistema, bem como para acentuar o atendimento às já apontadas exigências de socialidade e
concreção, em consonância com o imperativo da função social do contrato, ad instar do que se dá com
o direito de propriedade. Outras alterações resultam do estudo de sugestões recebidas por órgãos
representativos de diversos campos de interesse, como se dá, por exemplo, quanto ao contrato de
empreitada. As reivindicações dos construtores foram atendidas, sem se deixar de salvaguardar,
concomitantemente, os direitos dos proprietários. Este é, dentre muitos, um exemplo de como se
procurou sempre compor os imperativos do bem individual com os do bem comum" (grifos nossos -
Miguel Reale. História do novo Código Civil (LGL\2002\400), cit., p. 91 e 94).

93. Idem, ibidem, p. 94.

94. Acórdão citado no RE 85.714-RJ, STF, 1ª T., rel. Min. Soares Muñoz, j. 19.06.1979, Revista
Trimestral de Jurisprudência 96-02/668. Brasília: STJ, maio 1981.

95. TJRJ, 5ª Câm., ApCív 3.147, rel. Des. A. Sabóia Lima, j. 23.08.1943, RT 151/719. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1944.

96. A previsão de suspensão da obra pelo empreiteiro tem como finalidade assegurar-lhe não só o
equilíbrio econômico, que é apurado no fim do contrato, abrangendo a garantia de rentabilidade, mas
também o equilíbrio financeiro, que exige que a toda despesa ou custo ( output) corresponda de
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imediato uma receita ( input) (ver Arnoldo Wald. O equilíbrio econômico e financeiro no direito
brasileiro, cit., p. 88 e ss.).

97. Nesse sentido, analisando o mencionado preceito legal, Jones Figueiredo Alves destaca que a regra
insculpida no presente dispositivo refere-se, na verdade, a hipóteses de rescisão motivada do contrato
de empreitada, em que fica excluída, desde já, a responsabilidade do empreiteiro ( Novo Código Civil
(LGL\2002\400) comentado, Ricardo Fiúza (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2002, p. 562-563).

98. Domenico Rubino e Giovanni Iudica. Dell'Appalto: art. 1.655-1.677. 4. ed. Roma: Il Foro Italiano,
2007, p. 324.

99. Serge Lazareff, Le respect du contrat. Revue de l'Arbitrage 2/201 e ss. Paris: Comité Français de
l'Arbitrage, 1984.

100. René David, L'arbitrage en droit civil, technique de régulation des contrats. Mélanges dediés à
Gabriel Marty, publicação da Université des Sciences Sociales de Toulouse, sem data, p. 406.

101. Amos Oz. Les deux mortes de ma grand-mère. Paris: Gallimard, 1995, p. 314.

102. Jean Paillusseau, L'influence de la mondialisation sur le droit des activités économiques,
Conferência proferida na Corte de Cassação em 04.02.2008, em fase de publicação, p. 19.

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