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CONDENAÇÃO
CONTEÚDO
• RESUMO
• 1. INTRODUÇÃO
• 4. DA PALAVRA DA VÍTIMA
• 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
• REFERÊNCIAS
ARTIGO ORIGINAL
RESUMO
O presente artigo tem por escopo estudar a valoração da palavra da vítima de crimes
sexuais, pois, na maioria dos casos, em que não há sequer uma testemunha ocular,
o problema se concentra em saber qual o valor da palavra da vítima de crimes sexuais
e seu peso para a condenação. Neste contexto, tem-se como questão norteadora:
Qual o valor da palavra da vítima de crimes sexuais e seu peso para a condenação?
Assim, o presente artigo tem como objetivo analisar, de acordo com a literatura já
publicada, a valoração da palavra da vítima desses crimes e os riscos de uma
sentença fundamentada no depoimento desta. O método de abordagem a ser utilizado
será o racional dedutivo, onde pretende-se chegar a uma conclusão lógica. Portanto,
abordou-se, a importância da palavra da vítima nesses crimes, além de mostrar as
principais diferenças nos crimes sexuais antes e depois da Lei 12.015/2009, analisar
a revogação dos artigos 231 e 231-A do Código Penal Brasileiro de 1940 pela Lei nº
13.344/16 e as alterações trazidas pela Lei nº 13.718/18, contribuindo para o
conhecimento dos conceitos, características e penas adequadas às espécies de
crimes sexuais e, principalmente, para entender mais acerca do valor da palavra da
vítima nos crimes sexuais como principal prova para a condenação do acusado. Por
fim, concluiu-se que nos crimes sexuais a vida privada e a dignidade das vítimas são
desrespeitadas e violadas, portanto, o juiz deve levar em consideração o depoimento
da vítima e compará-lo com outros dados trazidos ao processo a fim de proferir uma
sentença justa e adequada ao caso. Além disto, constatou-se que embora a palavra
da vítima não tenha o mesmo peso que o depoimento de uma testemunha, pois esta
responde por crime caso mude a realidade dos fatos, deve ser dado o máximo de
atenção a cada detalhe narrado pela vítima, pois esta é sujeita passiva do crime.
1. INTRODUÇÃO
Neste contexto, o presente trabalho tem por escopo estudar a valoração da palavra
da vítima de crimes sexuais e os riscos da condenação fundamentada no depoimento
desta. Tendo como questão norteadora: Qual o valor da palavra da vítima de crimes
sexuais e seu peso para a condenação? A hipótese para este problema é de que nos
crimes de violência sexual onde, na maioria das vezes, só estão presentes o agressor
e a vítima, deve ser levado em consideração o depoimento da vítima como meio de
prova, pois é a primeira prova colhida e que embasa as investigações posteriores para
chegar à condenação.
Assim, o presente artigo tem como objetivo analisar, de acordo com a literatura já
publicada, a valoração da palavra da vítima desses crimes e os riscos de uma
sentença fundamentada no depoimento desta. Tendo como objetivos específicos:
conhecer conceitos, características e penas adequadas às espécies de crimes
sexuais; mostrar as principais diferenças nos crimes sexuais antes e depois da Lei
12.015/f; discorrer sobre a revogação dos artigos 231 e 231-A do Código Penal
Brasileiro de 1940 pela Lei nº 13.344/16 e as alterações trazidas pela Lei nº 13.718/18
(BRASIL, 2022).
Nos crimes sexuais que trata o Código Penal Brasileiro de 1940, é notório que o objeto
de tutela não são normas morais e costumes sociais, mas sim a liberdade do homem
e da mulher de terem autonomia quando o assunto é a conduta sexual (BRASIL,
2022). Paralelo a isto, as novas tipificações, penas e nomenclaturas, trazidas com a
lei 12.015/2009 mostram que há uma espécie de acordo entre as normas jurídicas e
a realidade social (BRASIL, 2009).
Será tratado, também, acerca da revogação dos artigos 231 e 231-A do Código Penal
Brasileiro de 1940 (BRASIL, 2022) pela Lei nº 13.344/16 (BRASIL, 2016).
A importância de tal modificação residiria no fato de que, por meio das seções,
capítulos e títulos do Código Penal, o intérprete conseguiria identificar o bem
juridicamente protegido. Tendo em vista que o Código Penal usa a expressão crimes
contra os costumes, devemos concluir serem os bens a ele ligados que almeja
proteger por meio da criação típica. No entanto, embora não se possa descartar
totalmente os costumes, podemos reinterpretar tal expressão de acordo com os
ditames da Constituição Federal, tendo como foco central do nosso raciocínio a
dignidade da pessoa humana, aqui entendida no seu sentido mais íntimo, vale dizer,
da liberdade sexual, isto é, a capacidade que a pessoa tem de dispor, livremente,
sobre o seu próprio corpo, devendo ser punido qualquer comportamento que, de
alguma forma, agrida a sua vontade.
Para Nucci (2012, p. 35), assim como para todos os autores de Direito Penal, a
dignidade sexual, englobada pela dignidade da pessoa humana, faz parte dos
princípios que regem a Ordem Jurídica Brasileira e está diretamente ligada ao respeito
e autonomia de escolha do ser humano, in verbis:
Nesse mesmo diapasão, Marcão e Gentil (2015, p. 31) discorrem acerca da dignidade
sexual:
Ao incluir os crimes sexuais num título denominado Dos Crimes contra a Dignidade
Sexual, parece inegável que os legisladores da reforma penal de 2009 quiseram
sinalizar uma diferente objetividade jurídica desses delitos. Ao situá-los no âmbito da
dignidade, remeteram o intérprete a um fundamento da República, inscrito logo no art.
1º da Constituição Federal.
O crime de estupro está previsto no artigo 213 do CP, que traz a maneira de execução
do crime, sua pena e suas qualificadoras, in verbis:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena –
reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1° Se da conduta resultar lesão corporal de
natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2° Se da conduta resultar morte: Pena
– reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
O tipo objetivo deste crime é o ato libidinoso obrigado, forçado, com a exclusiva
finalidade de manter conjunção carnal com a vítima. Para Cunha (2009, p. 38), estupro
é “conjunção carnal anormal, como o coito per num inter femora, a fellatio,
o cunnilingus, o anilingus, ou ainda a associação de fellatio e o cunnilingus, a cúpula
axilar, entre os seios, vulvar etc”.
Com a reforma da legislação, ocorreu uma relevante alteração quanto ao tipo legal do
estupro. O artigo acima descrito abrange, na mesma figura típica, não só a conjunção
carnal, mas também a prática de qualquer ato libidinoso diferente dela. No polo
passivo, a lei 12.015/2009 passou a admitir o homem como sujeito passivo, uma vez
que, ao mencionar a palavra “alguém” engloba o humano de modo geral,
independente de sexo, explica Capez (2010, p. 25).
O estupro é crime hediondo (Lei 8.072/90) que tem como sujeito ativo qualquer
pessoa, de acordo com a nova redação dada ao art. 213 pela Lei 12.015/2009. Não
se trata mais, portanto, de um crime próprio, já que tanto o homem quanto a mulher
podem ser sujeitos ativos. O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, homem ou
mulher, independentemente de qualquer outra qualidade pessoal.
Quando o autor acima coloca a expressão “qualquer outra qualidade pessoal” está se
referindo principalmente ao status civil da vítima e a condição em que está inserida na
sociedade, isto porque, pouco importa se a vítima do crime de estupro é viúva, solteira,
casada, divorciada, tão pouco se sua profissão está relacionada com atividades
sexuais. Em qualquer hipótese é ela quem determina as regras de seu corpo e possui
o livre arbítrio para entregar-se apenas a quem desejar. Assim, abre-se espaço para
uma pergunta: É possível que uma mulher seja estuprada pelo próprio marido?
Durante muito tempo entendeu-se que, com o casamento, o homem teria o direito de
exigir da mulher o consórcio sexual, inclusive se utilizando de violência ou grave
ameaça. Hoje em dia esse posicionamento se modificou na doutrina e na
jurisprudência, entendendo-se que, embora com o casamento surja para o homem o
direito de manter relações sexuais com sua mulher, esse direito não pode ser exercido
mediante o constrangimento com o emprego de violência ou grave ameaça.
(ANDREUCCI, 2014, p. 374).
Cabe frisar, também, que o dispositivo que trata o crime de estupro uniu em um só
artigo os antigos 213 e 214 do CP deixando, portanto, de existir o concurso material
dos dois crimes para tornar-se um crime único. Sendo assim, atualmente, o crime de
estupro aborda não apenas a cópula vaginal, mas a prática de qualquer ato libidinoso,
transformando em um único crime os dois atos. De acordo Mirabete (2010, p. 388), o
artigo 213 Código Penal Brasileiro de 1940 relata um tipo misto cumulativo, “punindo,
com as mesmas penas, duas condutas distintas, a de constrangimento à conjunção
carnal e a de constrangimento a ato libidinoso diverso”.
Nucci (2012, p. 37-38), ao discorrer sobre o conceito de estupro, diz que ao longo dos
anos várias significações foram atribuídas a este tema, desde o Direito Romano, onde
era definido estrupo qualquer ato carnal ilícito ou quando se aproveitavam de
mulheres virgens ou não casadas, mas honestas, até os dias de hoje, onde foi alterado
com a nova redação da Lei 12.015/2009. Para o autor, a lesão causada às vítimas
gera um impacto devastador em vários aspectos de suas vidas, in verbis:
Trata-se de crime grave, por abranger a lesão múltipla a bens jurídicos de crucial
relevância, tais como a liberdade, a integridade física, a honra, a saúde individual e,
em último grau, a vida. O estuprador subjuga a vítima a ponto de lhe tolher a liberdade
de querer algo, ferindo-a ou ameaçando-a, além de lhe invadir a intimidade, por meio
de relação sexual forçada, maculando sua autoestima e podendo gerar danos à sua
saúde física e mental.
O crime de estupro somente é punível a título de dolo. A violação sexual, como
mencionada no artigo, ocorre através de conjunção carnal (cópula vagínica) ou com a
prática de qualquer outro ato libidinoso. No caso de conjunção carnal, para que o crime
seja consumado, deve haver a introdução não sendo necessária a ejaculação. Já no
caso da prática de qualquer outro ato libidinoso, precisa da prática efetiva do ato. Em
ambos os casos, deve ocorrer o constrangimento, que é o verbo do artigo, mediante
violência ou grave ameaça. O conteúdo intencional da ação configura-se
independentemente dos motivos subjetivos que impulsionaram o agente a praticar o
ato. Pois a motivação pode ser outra, bem diferente da satisfação da lascívia, “como
o desprezo, o ridículo da vítima, embora a intenção seja sempre a mesma, que é
praticar o ato de natureza sexual”, segundo Mirabete (2010, p. 392).
Com esses dois crimes ocorreu quase o mesmo que com os anteriores estupros e
atentado violento ao pudor, tendo sido fundidos numa única figura típica. Foi
nitidamente alargado o alcance da conduta, acrescentando-se à fraude, como meio
de cometer o delito, qualquer outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação
de vontade da vítima.
O Artigo 215 – A foi inserido no Código Penal Brasileiro de 1940 (BRASIL, 2022) por
meio da Lei nº 13.818/18. O artigo menciona que:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo
de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena – reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
Tal delito, foi inserido com uma característica de médio potencial lesivo e em razão
dos diversos crimes que ao longo dos anos ocorreram no país, principalmente em
transportes públicos, que eram enquadrados como contravenção penal, por não
poderem ser considerados estupro. No entanto, a contravenção não era suficiente,
era necessário que fosse tipificado como crime. Destaca-se que a Lei das
Contravenções Penais foi revogada pela lei 13.818/18.
Em virtude da inserção deste tipo penal, a Lei 13.718/18 revoga a contravenção penal
do art. 61 do Decreto-lei 3.688/41 (importunação ofensiva ao pudor). Não se pode
falar, no entanto, em abolitio criminis relativa à contravenção, pois estamos, na
verdade, diante do princípio da continuidade normativo-típica. O tipo do art. 61 da LCP
é formalmente revogado, mas seu conteúdo migra para outra figura para que a
importunação seja punida com nova roupagem.
Dessa forma, resta claro que a consumação do crime se dá com o ato libidinoso.
Em sua obra “Manual de Direito Penal”, Andreucci (2014, p. 380) conclui que:
Só existe crime de assédio sexual nas relações de laborais, tendo sido vetado o
parágrafo único do art. 216-A, que tratava o assédio sexual nas relações familiares,
domésticas, provenientes de coabitação, de hospitalidade e com abuso ou violação
de dever inerente a ofício ou ministério.
Para Nucci (2012, p. 89), a redação do tipo penal é recheada de defeitos, uma vez
que, apesar de possuir o verbo (ação), o sujeito (homem ou mulher) e a finalidade do
autor, não possui o objeto, in verbis:
Esse é o delito de assédio sexual, no Brasil. Uma lástima em relação à definição clara
que um tipo incriminador deve conter. Não se sabe qual é o constrangimento a ser
exercido pelo agente: físico, moral, direto ou indireto, por gestos ou palavras.
Por isso, o constrangimento não pode ser deduzido ou adivinhado. Se não está
expressamente contido em lei, foge ao âmbito da aplicação prática.
O que é dito pelos autores é que o núcleo do tipo é o verbo constranger de forma a
cercar a vítima ou perseguir com certa insistência com o intuito de obter vantagens,
que podem ser materiais ou imateriais. O delito é doloso e não existe forma culposa
(MARCÃO e GENTIL, 2015, p. 179).
O crime de estupro de vulnerável foi introduzido pela Lei 12.015/2009 que revogou o
artigo 224 do CP, o qual trazia as hipóteses de violência presumida. Neste caso, as
hipóteses de violência presumida foram englobadas pelo estupro de vulnerável, não
sendo mais definido como presumido esse tipo de crime, mas sim como uma
tipificação penal especifica, inclusive com pena mais severa (MARCÃO e GENTIL,
2015, p. 192).
O bem jurídico tutelado passou a ser a dignidade sexual da pessoa vulnerável e não
mais a sua liberdade sexual, uma vez que, quando a vítima é inserida nesta condição
de vulnerável, é considerada incapaz de expressar sua vontade ou consentimento
quanto ao ato sexual a ser praticado (BITTENCOURT, 2010, p. 93).
Ocorre que, muitas pessoas ainda questionam o fato de a realidade ser diferente da
que a Lei traz, uma vez que o cenário atual mostra que a vida sexual de um
adolescente pode iniciar antes mesmo dos seus catorze anos em que, em muitos
casos, o parceiro sexual é maior de dezoito anos.
Insta salientar que, apesar de a realidade ser diversa daquela trazida pela lei, como
já fora dito, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o sexo ou “qualquer ato
libidinoso” envolvendo adultos e menores de 14 anos é considerado estupro de
vulnerável, não cabendo falar acerca de consentimento da vítima. Bittencourt (2010,
p. 90), sobre este tema, diz que temos “duas espécies de vulnerabilidade, sendo uma
absoluta (menor de quatorze anos) e a outra relativa (menor de dezoito anos)”.
Como visto, a idade e o consentimento são dois assuntos sérios a serem analisados,
principalmente quando os olhares são voltados ao Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/1990), o qual dispõe que a pessoa com, pelo menos 12 anos,
é considerada adolescente, podendo ser internada. Este assunto é bem apontado por
Nucci (2012, p. 101) em uma de suas obras:
Os autores Marcão e Gentil (2015, p. 205) falam dos possíveis tipos de dolo para o
crime inserido no art. 217-A do Código Penal Brasileiro de 1940:
Cabe aqui destacar a inclusão do §5º por meio da Lei 13.278/18, o qual diz:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14
(catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
No art. 217-A pune-se o agente que tem conjunção carnal ou pratica outro ato
libidinoso com vítima menor de quatorze anos (caput) ou portadora de enfermidade
ou deficiência mental incapaz de discernimento para a prática do ato, ou que, por
qualquer outra causa, não tenha condições de oferecer resistência (§1º) – pouco
importando, neste último caso, se a incapacidade foi ou não provocada pelo autor.
O autor, no mesmo artigo, afirma que o novo parágrafo foi inserido para tornar
expresso na lei o fato de que o consentimento e a experiência sexual do vulnerável
são irrelevantes para a caracterização do crime.
A Lei 12.015/2009 trouxe esse pequeno equívoco muito bem analisado pelo autor
Nucci (2012, p. 119), in verbis:
O equívoco gerado pelo novo art. 218 é visível. Criou-se uma modalidade de exceção
pluralística à teoria monística, impedindo a punição de partícipe de estupro de
vulnerável, pela pena prevista no art. 217-A, quando se der na modalidade de
induzimento (participação moral).
A análise do autor foi baseada no art. 29 do Código Penal Brasileiro de 1940 (BRASIL,
2022) que dispõe que: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas
penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Por isso, há duas formas
em que o agente concorre, ou é autor, ou é partícipe. Em um breve exemplo, aquele
que induz alguém a matar outrem, responde por homicídio, então qual seria a lógica
de responder por outro crime, de pena menor, aquele que induz o menor a satisfazer
a lascívia de outrem?
Quando, porém, a lei entende que o induzimento deve ser punido de modo
diferenciado, costuma capitular um tipo penal específico, do qual o verbo induzir
constitui o núcleo. Dessa maneira é que se define, por exemplo, os crimes dos art.
122, 218-A, 218-B, 227, 228, 248. Note-se que são todos crimes de resultado, contra
vítima determinada (como o do art. 218), e, o mais importante, que em todos os casos
o induzimento é da vítima. Num deles, especialmente, o de participação (induzimento,
instigação ou auxílio) em suicídio (art. 222), é visível o caráter de modalidade
privilegiada de crime mais grave, que é o homicídio, no qual o agente estaria incurso
(por força do art. 29) se não fosse pela existência da figura penal mais específica,
descrita no art. 122. Quer dizer, que não há problema algum em ter a lei estabelecido,
para determinada conduta, um tipo penal mais leve do que aquele em que o agente
estaria incurso como partícipe, utilizando como critério o fato de que o induzimento da
vítima é considerado menos reprovável que o do autor do delito.
Por esse motivo que induzir menor a satisfazer a lascívia alheia é menos grave do que
satisfazer a própria lascívia com o mesmo menor, ou do que induzir terceiro a
satisfazer sua lascívia com dito menor. Pode-se discordar da opção escolhida pela lei
penal, mas ela induvidosamente possui uma lógica interna, compatível com o
tratamento legal dado a outras situações, como visto. (2015, p. 216-217).
O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa e o passivo somente pode ser o
menor de 14 anos, independentemente de ser homem ou mulher. A conduta vem
impressa no verbo “induzir” e esta indução está voltada a satisfazer a lascívia de
outrem. O crime é doloso, não existindo sua forma culposa. A tentativa é admitida
apesar de ser difícil sua comprovação e a ação penal é pública incondicionada nos
termos do art. 25, parágrafo único do CP (ANDREUCCI, 2014, p. 383).
Ao analisar o crime descrito pelo revogado artigo 218 do CP, Cunha (2010, p. 55)
descreve que:
O art. 218 do CP, antes da Lei 12.015/1009, punia a corrupção “sexual” de menores,
isto é, a sua precoce iniciação nos prazeres chamados “carnais”, tendo como potencial
vítima pessoa maior de 14 e menor de 18 anos, com quem o agente, sem violência,
ameaça ou fraude, com ela praticava ato de libidinagem, ou a induzia a praticá-lo ou
presenciá-lo. A vítima não maior de 14 anos não estava abrangida pelo tipo, pois, em
regra, sua corrupção gerava o crime de estupro ou atentado ao pudor, com violência
presumida.
A nova disposição legal introduzida pela Lei 12.015/2009 vem prevista no art. 218-A
do CP e busca punir a conduta da pessoa considerada sexualmente desequilibrada,
que vier a satisfazer sua lascívia na presença de menores de 14 anos ou obrigar que
o menor de 14 anos assista o ato sexual que o agente realiza com outra pessoa com
o objetivo de se satisfazer ou de satisfazer a outra pessoa que participa do ato sexual
(NUCCI, 2012, p.122-123).
Cabe salientar que neste caso não há nenhum contato físico com o menor de 14 anos
e este também não é obrigado a se despir ou esboçar qualquer reação que gere
atração sexual, o que dessa forma, caracterizaria o crime de estupro de vulnerável.
Se o agente se masturbar na frente da vítima, mas não tiver contato físico, não será
configurado delito. “Nesses casos, poderá configurar-se o crime de constrangimento
ilegal ou o novo artigo 218-A”, se a vítima for menor de 14 anos (CAPEZ, 2010, p. 26).
Neste crime, o sujeito ativo pode ser homem e mulher e somente pode ser passivo
aquele menor de 18 anos e pessoa deficiente mental ou enferma que não tenha
capacidade de manifestar vontade para tal ato (MARCÃO e GENTIL, 2015, p. 245).
O artigo 218-B, em seu parágrafo 1°, aborda o crime quando há intenção de obter
vantagem. Neste caso, aplica-se cumulativamente a multa.
No parágrafo 2º, encontra-se a punição ao agente que mantém conjunção carnal ou
prática de atos libidinosos com pessoas menores de 18 (dezoito) anos e maiores de
14 (quatorze) anos e ao proprietário, o gerente ou responsável pelo local em que se
verifiquem as práticas referidas no caput do artigo.
Neste crime é também admitida a tentativa, não é exigida a habitualidade para sua
consumação e o processo é dado através de ação penal pública incondicionada
(ANDREUCCI, 2014, p. 386).
Outra relevante alteração trazida pela Lei nº 13.718/18 foi a inclusão do artigo 218-C
que diz:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado
por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou
com o fim de vingança ou humilhação.
§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo
em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção
de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia
autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 13.718, de
2018).
Tal alteração se deu em razão da expansão das redes sociais e sites, inclusive
pornográficos, que facilita a divulgação de mídias da natureza tipificadas no artigo.
Dessa forma, em que pese a pena do artigo 218-C ser de até cinco anos, é imperioso
observar a conduta praticada, podendo ser enquadrada em um crime de pena máxima
inferior, qual seja, o 241-A.
Ao analisar o art. 227 do Código Penal Brasileiro de 1940 (BRASIL, 2022), o autor
Nucci (2012, p.140), em seu livro diz que: “A construção do tipo incriminador é uma
das mais pobres do Código Penal, mal permitindo captar, realmente, qual seria a
intenção legislativa, à luz do princípio da intervenção mínima”.
Este tipo penal não sofreu alterações com a Lei 12.015/2009. O Sujeito ativo pode ser
qualquer pessoa e o passivo qualquer pessoa que satisfaça a lascívia de outrem. O
verbo deste delito é induzir, caracterizando um crime doloso, sendo exigido para a
consumação, o seu fim de satisfazer a luxúria de outrem. A tentativa é admitida e o
processo ocorre por meio de Ação Penal Pública Incondicionada (ANDREUCCI, 2014,
p.389).
É necessário analisar quando o crime se consuma de acordo com cada verbo presente
no art. 228 do CP, para isto, explica Andreucci (2014, p.390-391):
c) na modalidade facilitar, quando o agente pratica qualquer ato tendente a tornar mais
fácil a prostituição ou outra forma de exploração sexual da vítima;
O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. Como dito acima, o crime
é doloso, sendo admitida a tentativa, exceto nas formas de induzir e atrair, por ser
crime que depende da real ocorrência da prostituição ou exploração sexual. O crime
previsto neste artigo é processado através de Ação Penal Pública Incondicionada
(NUCCI, 2012, p. 147-148).
A Lei 12.015/2009 também não trouxe muitas alterações para o art. 228 do Código
Penal Brasileiro de 1940 (BRASIL, 2022), apenas acrescentou ao texto a parte “ou
outra forma de exploração sexual”, o verbo “dificultar”, duas qualificadoras de pena e
aplicação cumulativa de multa (MARCÃO e GENTIL, 2015, p. 308).
Ocorre que, com o objetivo de adaptar o Código Penal Brasileiro de 1940 (BRASIL,
2022) à legislação internacional, a Lei nº 13.344/2016 revogou formalmente os artigos
231 e 231-A, acrescentando-os como novo tipo penal, previsto no artigo 149-A do
Código Penal, presente no Título I – dos crimes contra a pessoal – Capítulo IV – dos
crimes contra a liberdade individual – englobando, dessa forma, não só a exploração
sexual, mas, também, a remoção de órgãos, trabalho em condições análogas à de
escravo, servidão e adoção. A pena do crime de tráfico de pessoas quando praticado
dentro do território nacional passou a ser de reclusão, de quatro a oito anos, e multa
(CUNHA e PINTO, 2017, p. 11).
4. DA PALAVRA DA VÍTIMA
Ainda segundo Marcão e Gentil (2015, p. 120), deve ser dada credibilidade ao que é
dito pela vítima, pois é um assunto vergonhoso e que ao ser levado ao judiciário deve
ser dada a devida relevância. In verbis:
Távora e Alencar (2016, p. 954) defendem que o ofendido e o titular do direito lesado
ou posto em perigo é a vítima, sendo que suas declarações, indicando a versão que
lhe cabe dos fatos, têm natureza probatória, sendo de suma importância o
interrogatório da vítima para confirmação dos primeiros relatos colhidos durante a fase
de investigação até chegar à condenação do acusado.
Ainda nas palavras dos autores, Távora e Alencar (2016, p. 954), é de extrema
importância que todos entendam que, embora não haja hierarquia entre as provas,
como dito anteriormente, e mesmo que a palavra da vítima tenha validade, há uma
valoração maior no depoimento de uma testemunha, pois esta é compromissada com
a lei. Segue o pensamento dos autores a respeito desse assunto:
O ofendido, que não é testemunha, e não pode ser tratado como tal, presta suas
declarações sempre que possível, sendo qualificado e interpelado acerca das
circunstâncias da infração, de quem presuma ser o infrator, das provas que possa
indicar, sendo tudo reduzido a termo. Não será compromissado a dizer a verdade, e
caso minta, não incide em falso testemunho (art. 342, CP), podendo ser
responsabilizado, dando ensejo à instauração de inquérito ou processo contra pessoa
sabidamente inocente, pelo crime de denunciação caluniosa (art. 339, CP). Também
não poderá invocar o direito ao silêncio, salvo se suas declarações puderem incriminá-
lo, como na hipótese da existência de lesões corporais recíprocas, o que o transforma
também em agressor, ou por medo de eventual retaliação, em face da fragilidade
estatal de possibilitar o amparo efetivo às vítimas coagidas ou ameaçadas.
Nucci (2016, p. 311) segue a mesma linha de raciocínio de que não se pode dar o
mesmo valor à palavra da vítima, que se costuma conferir ao depoimento de uma
testemunha, esta, presumidamente, imparcial. Por outro lado, a prática forense nos
mostra haver vítimas muito mais desprendidas e imparciais do que as próprias
testemunhas, de forma que suas declarações podem se tornar fontes valiosas de
prova.
De maneira geral é muito difícil a comprovação da ocorrência dos crimes sexuais por
meio de outras provas além do depoimento da vítima, por isso as provas devem ser
avaliadas de forma diferente nesses casos, dando maior importância à palavra da
vítima. É indispensável que sejam colhidas o máximo de informações sobre o caso
para que não se aplique uma pena sobre uma pessoa que nada de errado fez, ferindo
princípios fundamentais ao direito penal (GRECO FILHO, 2015).
Nas palavras de Marcão e Gentil (2015, p. 165), a palavra da vítima assume grande
importância, considerando que, geralmente praticado na clandestinidade, o crime não
chega ao conhecimento de estranhos que possam ser testemunhas. Todavia, hão de
ser tomadas cautelas na avaliação das declarações da vítima, que podem
eventualmente ocultar intenções escusas.
Nucci (2016, p. 311) destaca que há alguns pontos de cautela para o juiz analisar na
fala do ofendido. Inicialmente, a vítima é a pessoa diretamente envolvida pela prática
do crime, pois algum bem ou interesse seu foi violado, razão pela qual pode estar
coberta por emoções perturbadoras do seu processo psíquico, levando-a à ira, ao
medo, à mentira, ao erro, às ilusões de percepção, ao desejo de vingança e outros
sentimentos.
O ofendido nada mais é do que o réu visto ao contrário, vale dizer, a pessoa que foi
agredida querendo justiça, enquanto o outro, a ser julgado, pretendendo mostrar a
sua inocência, almeja despertar as razões para que não lhe seja feita injustiça com
uma condenação. Em conclusão, pois, sustentamos poder a palavra isolada da vítima
dar margem à condenação do réu, desde que resistente e firme, além de harmônica
com as demais circunstâncias colhidas ao longo da instrução.
Conforme narrado, deve-se ter a máxima cautela para ouvir a mulher estuprada, o
homem violentado ou a criança violada. Motivos de toda ordem podem encobrir tanto
o culpado, quanto o inocente. A mulher, pretendendo vingar-se da rejeição
experimentada após o ato sexual consentido, acusa o ex-namorado ou ex-amante de
tê-la estuprado, criando histórias mirabolantes e invocando a grave ameaça, que não
deixa marcas, nem a possibilidade de um exame de corpo de delito. O homem, no
limiar da sua vergonha, por ter consentido num ato sexual com outro, pode invocar o
atentado violento ao pudor (hoje, incorporado ao crime de estupro) para explicar à
sociedade o que foi inicialmente consentido, mas que deve ficar encoberto. A criança
fantasia por natureza, podendo ser instigada por adultos a fazê-lo, ainda com maior
precisão e riqueza de detalhes, sem ter maturidade suficiente para compreender o
significado e as consequências da sua atitude. Podem, pois, essas pessoas quererem
a condenação de um inocente, que, caso ocorra, desestrutura e retira a credibilidade
do Direito Processual Penal Brasileiro (NUCCI, 2016, p. 312).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse contexto, este artigo também possibilitou o estudo aprofundado dos crimes
sexuais e das principais mudanças trazidas pelas Leis, tendo sido analisadas em seus
pontos positivos e negativos sob a perspectiva de diversos autores do Direito
brasileiro.
Por último, o estudo possibilitou um maior conhecimento acerca da importância da
palavra da vítima, principalmente em crimes que não deixam vestígios, para a
realização de prova pericial. E apontou, ainda, os riscos de uma denunciação
caluniosa trazer prejuízos ao réu e ao direito por causa de uma condenação
inadequada.
Portanto, retomando a questão norteadora, que visou responder sobre qual é o valor
da palavra da vítima de crimes sexuais e seu peso para a condenação, verificou-se
que, de um modo geral, nos crimes sexuais, a vida privada e a dignidade das vítimas
são desrespeitadas e violadas, seja através de violência ou grave ameaça ou com a
ausência destas, de modo que, por muitas vezes esses crimes ocorrerem na
clandestinidade, o juiz deve levar em consideração o depoimento da vítima e
compará-lo com outros dados trazidos ao processo, como o interrogatório do acusado
e até mesmo o estudo social de como é a vida da vítima e do possível agressor, para
que ao final, esses dados sejam comparados e uma sentença justa e adequada ao
caso seja proferida.
Estudando o ponto de vista dos autores citados neste artigo, os tipos de crimes
sexuais e a palavra do ofendido, restou clara a importância do conhecimento desses
crimes, como acontecem e suas formas de punição. É necessário saber que a
violência sexual, seja lá qual for seu intuito, não deve ser abafada e escondida, pois o
sistema penal brasileiro possui meios para punir aqueles que descumprem o que diz
a Lei e a vítima possui sim amparo legal para que sua palavra tenha validade diante
de um crime sem outras provas.
Diante de tudo o que foi abordado, conclui-se que a palavra da vítima possui relevante
valor durante a fase investigativa e instrutória do processo e que é possível chegar
até a condenação apenas com esse meio de prova, quando outros documentos
processuais não a contrariarem. Além disso, é preciso que seja dada uma atenção
maior aos que foram vítimas de abusos e que seja tomado devidos cuidados para
evitar que o número de crimes sexuais aumente.
REFERÊNCIAS
ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Manual de Direito Penal, 10. ed. rev. e atual.. São
Paulo: Saraiva, 2014.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte especial, v. 3, 8. ed., São Paulo:
Saraiva, 2010.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, 11ª edição. São Paulo. Editora
Saraiva, 2015.
LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal comentado, 2. ed. rev. e
atual. Salvador: Juspodivm, 2017.
MARCÃO, Renato; GENTIL, Plínio. Crimes contra a dignidade sexual. São Paulo:
Saraiva, 2011.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas S.A, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 15. ed. rev.,
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual, 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.