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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA

MARINA DUDA

O DISCURSO COMO LEGITIMADOR DAS POLÍTICAS DE MORTE

CURITIBA
2021
MARINA DUDA

O DISCURSO COMO LEGITIMADOR DAS POLÍTICAS DE MORTE

Monografia apresentada como requisito parcial à


obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro
Universitário Curitiba.

Orientador: Bortolo Valle

CURITIBA
2021
MARINA DUDA

O DISCURSO COMO LEGITIMADOR DAS POLÍTICAS DE MORTE

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção


do grau em Direito do Centro Universitário Curitiba,
pela Banca Examinadora formadas pelos
professores:

Orientador: _______________________

________________________________
Prof. Membro da Banca

Curitiba, de de 2021
E a deusa me acolheu benévola, e na sua a minha
mão direita tomou, e assim dizia e me interpelava:

Ó jovem, companheiro de aurigas imortais,


tu que assim conduzido chegas à nossa morada,
salve! Pois não foi mau destino que te mandou perlustrar
esta via (pois ela está fora da senda dos homens),
mas lei divina e justiça; é preciso que de tudo te instruas,
do âmago inabalável da verdade bem redonda,
e de opiniões de mortais, em que não há fé verdadeira.

(Parmênides de Eleia)
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo compreender as formas pelas quais os


discursos que compõem a opinião pública legitimam as políticas de morte pelo estado.
Antes de adentrar à questão central, pretende-se investigar o conceito de políticas de
morte a partir de três autores, quais sejam, Michel Foucault, Giorgio Agamben e
Achille Mbembe. Posteriormente, a partir do conceito de política de morte formulado
inicialmente, analisa-se de maneira crítica cinco casos sob a ótica dos discursos no
contexto brasileiro que, direta ou indiretamente, tocam a atuação do estado na decisão
sobre a morte. O primeiro deles refere-se à Vala de Perus e à sua relação com o
discurso do inimigo interno, seguido pelo caso da intervenção federal no estado do
Rio de Janeiro e a questão da segurança pública, o desmatamento e o discurso
econômico, e, por último, a questão da população negra e o discurso racial. Traçada
a relação entre os discursos e a legitimação das políticas de morte, investiga-se o
papel do Direito nesse contexto, a partir da relação entre estado e ordem jurídica
desenvolvida nas teorias de Hans Kelsen e Max Weber.

Palavras-chave: discursos, políticas de morte, legitimação, estado e ordem jurídica.


ABSTRACT

The present work intends to understand how the speeches that compose public
opinion legitimize the politics of death by the state. Before entering the central question,
it's intended to investigate the concept of politics of death from three authors, namely
Michel Foucault, Giorgio Agamben, and Achille Mbembe. Later, from the conception
of politics of death formulated initially, five cases are critically analyzed from the
perspective of speeches in the Brazilian context that, directly or indirectly, touch the
state's action in the decision on death. The first of these refers to the Vala de Perus
and its relation with the discourse of the internal enemy, followed by the case of federal
intervention in the state of Rio de Janeiro and the issue of public security, deforestation,
and economic speech, and, finally, the question of the black population and racial
speech. Outlined the relation between discourses and the legitimation of politics of
death, the role of law in this context is investigated, based on the relationship between
state and legal order developed in the theories of Hans Kelsen and Max Weber.

Keywords: speeches, politics of death, legitimation, state and legal order.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 7
2 AS POLÍTICAS DA MORTE ................................................................................. 9
2.1 A QUESTÃO BIOPOLÍTICA EM FOUCAULT ....................................................... 9
2.2 AGAMBEN E O PARADOXO DO HOMO SACER .............................................. 11
2.3 A NECROPOLÍTICA SOB A ÓTICA DE MBEMBE ............................................. 15
3 O DISCURSO E A LEGITIMAÇÃO DAS POLÍTICAS DA MORTE.................... 20
3.1 A VALA DE PERUS E O DISCURSO DO INIMIGO INTERNO........................... 20
3.2 A INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO DE JANEIRO E A QUESTÃO DA
SEGURANÇA PÚBLICA ........................................................................................... 24
3.3 A QUESTÃO DAS PERIFERIAS E O DISCURSO NEOLIBERAL ...................... 28
3.4 A QUESTÃO DOS DESMATAMENTOS COMO DISCURSO ECONÔMICO ..... 33
3.5 A QUESTÃO DA POPULAÇÃO NEGRA E O DISCURSO RACIAL ................... 37
4 O DIREITO FRENTE AOS DISCURSOS E ÀS POLÍTICAS DA MORTE .......... 43
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 52
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 55
7

1 INTRODUÇÃO

Pensar a organização política e social em prol do bem comum é atividade quase


tão antiga quanto a Filosofia. A partir da modernidade, entretanto, o tema ganha
contornos ainda mais significativos. Isso porque, conforme explicita Foucault, o estado
toma para si o poder de gerir não apenas a vida política dos cidadãos, mas o próprio
homem enquanto espécie ou, como diria Giorgio Agamben posteriormente, enquanto
ser vivente. Não se trata, portanto, do debate sobre a vida antes exercida na pólis
grega, mas daquela vida natural, biológica compartilhada pelos seres humanos.

No cenário atual brasileiro, é nítida essa apropriação, conferida inclusive pela


Carta Magna, quanto à garantia de um suporte mínimo de sobrevivência à população,
à gestão da saúde e higiene pública, ao controle de mortalidade entre outros. Diante
desse contexto, que a priori se mostra favorável, é difícil pensar o estado como
responsável por decidir, também, pela morte.

Afinal, a própria lei maior veda qualquer decisão que venha nesse sentido. Ao
mesmo tempo, é cada vez mais nítido que, mesmo em um estado democrático de
direito, é possível determinar, diante de algumas circunstâncias, a vida e a morte das
populações e possibilitar ou impossibilitar a concretização do direito à vida. O presente
trabalho, portanto, busca esclarecer esse marco da modernidade, fundamentado pelo
conceito de biopolítica em Foucault, para entender como o estado se apropriou do
poder sobre os processos biológicos.

Em segundo lugar, busca-se traçar um diálogo com outros dois autores


influenciados por Foucault e que, em certa medida, esclarecem e complementam sua
obra. São eles Giorgio Agamben e Achille Mbembe. Enquanto o primeiro estuda de
que modo a vida pode se tornar matável dentro da lógica biopolítica moderna, o
segundo reflete sobre o conceito de biopolítica inserido mais especificamente nos
países colonizados. Trazendo para o debate esses três autores e entendendo a
possibilidade da morte em um estado que tem como fundamento a promoção da vida,
é possível adentrar na questão central do trabalho, qual seja, entender de que maneira
os discursos podem legitimar essas políticas da morte.

Para tanto, serão desenvolvidas, em forma de estudo de caso, cinco situações


sob a ótica dos discursos, que tocam direta ou indiretamente a atuação do estado na
8

decisão sobre a morte. Em primeiro lugar, o estudo sobre o caso da Vala de Perus e
a sua relação com o discurso do inimigo interno, seguido pela intervenção federal no
Rio de Janeiro e a questão da Segurança Pública, a situação das periferias e o
discurso neoliberal, a questão dos desmatamentos como discurso econômico e, por
último, a população negra e o discurso racial.

Com isso, pretende-se investigar ações do estado no contexto brasileiro que


podem decidir pela inviabilidade da vida, bem como os discursos envolvidos que as
legitimam no meio social. Por último, investiga-se o papel que o Direito assume diante
desse contexto, uma vez que este regula o estado e está, ao mesmo tempo e diante
de algumas circunstâncias, submetido à sua vontade e discricionariedade.

Para tanto, dois autores que se distinguem no entendimento da relação entre


Direito e estado são trabalhados. A partir do confronto das teorias de Hans Kelsen e
Max Weber, busca-se resgatar a função do Direito como delimitador das ações do
estado e entender em que circunstâncias ele pode, também, se colocar à serviço das
políticas de morte.

As investigações contidas no trabalho buscam, essencialmente, contribuir para


o debate teórico sobre a atuação do estado no contexto contemporâneo brasileiro,
entendendo que ele assume papel central na vida da população, não apenas de modo
a regular as relações e condutas sociais, mas também de modo a decidir pela
existência digna ou, ao contrário, pela morte dos cidadãos.

Na prática, muito já se discute sobre ações ou omissões que vão de encontro


com a proposta do estado democrático de direito. A partir dessas reflexões, busca-se
levantar situações para identificar quais são os discursos envolvidos que legitimam
essas práticas e qual o papel do direito nesse contexto.
9

2 AS POLÍTICAS DA MORTE

2.1 A QUESTÃO BIOPOLÍTICA EM FOUCAULT

O termo morte, embora possa assumir sentido metafórico, refere-se a priori à


interrupção da vida orgânica. Por essa razão, falar sobre política de morte implica
pressupor um controle político sobre a biologia dos seres, ou seja, sobre algo que
escapa da mera regulação da conduta humana e que afeta a própria existência das
populações. Um dos filósofos que mais se dedicou a entender esse fenômeno foi
Michel Foucault. O professor do Collège de France, ao se debruçar sobre o tema,
reparou ser típico da Modernidade a assunção da vida biológica pelo poder.

Parece-me que um dos fenômenos fundamentais do século XIX é o que se


poderia denominar a assunção da vida pelo poder: se vocês preferirem, uma
tomada de poder sobre o homem enquanto ser vivo, uma espécie de
estatização do biológico, ou, pelo menos, uma certa inclinação que conduz
ao que se poderia chamar de estatização do biológico (FOUCAULT, 2005, p.
285 - 286)

Por essa constatação, o autor distingue a forma como o poder se exercia na


Idade Média ao final do século XVIII, e como passou a ser exercido a partir do
surgimento de uma série de tecnologias do poder no século XIX. Nesse sentido, deduz
o autor que revelar um certo controle sobre a vida e a morte dos sujeitos pelo poder
soberano quer dizer aceitar a possibilidade dele fazer morrer e deixar viver, e que o
poder sobre a vida “só se exerce a partir do momento em que o poder soberano pode
matar [...]” (FOUCAULT, 2005, p. 286).

Na modernidade, entretanto, esse direito teria se transformado. Se antes o


poder soberano fazia morrer e deixava viver, a partir da modernidade, com a
biopolítica, o poder faz viver e deixa morrer. A morte seria, então, algo exterior,
deixada de lado pela política. Cumpre destacar que, ao falar de modernidade,
10

Foucault não se atém à datação histórica, que geralmente considera fatos e


passagens relevantes para determinar períodos.

Quando Foucault refere-se à modernidade, estabelece o que é anterior e


posterior a ela com base em suas noções acerca da lógica do poder acima relatada.
O marco, portanto, é conceitual e não histórico. De qualquer modo, fica fácil
compreender o que foi enunciado por Foucault acerca do fazer morrer e deixar viver
ao pensar nas monarquias absolutistas e como o poder se operava através da morte
nesse modelo de governo. O rei, como representação máxima do poder soberano, a
qual foi eternizada nas palavras de Luís XIV da França “L'état c'est moi" ("O Estado
sou eu"), tem legitimidade divina para ordenar a morte, seja ela do inimigo externo
seja do considerados traidores internos.

Sem dúvidas, trata-se de um regime completamente distinto do que se observa


hoje nas democracias modernas. A mudança no papel exercido pela morte é evidente
e, inclusive, pouco se tolera no Ocidente o poder que, diretamente, é capaz de decidir
pela morte de um cidadão. Assim, para Foucault, esse novo direito soberano é cada
vez menos o de ditar a morte, ou seja, de fazer morrer, mas sim o de fazer viver.

A preocupação, agora, seria para aumentar a vida e potencializá-la ao máximo,


seja através da disciplina dos corpos produtivos para o trabalho e para o desempenho
nas fábricas seja através do controle fenômenos não previsíveis que acometem a vida
da população, de modo a mitigar ou modificar a sua potência. Como comprovação
dessa preocupação com o conjunto biológico pelo Estado, estão os processos de
gerenciamento da massa produtiva através do sistema previdenciário, o controle das
taxas de natalidade e de morbidade, a tentativa de mitigação das taxas de mortalidade
infantil e as regulamentações rígidas para garantir a higiene das famílias, como
exemplifica o próprio Foucault na aula de 17 de março de 1976.

São esses fenômenos que se começa a levar em conta no final do século


XVIII e que trazem a introdução de uma medicina que vai ter, agora, a função
maior da higiene publica, com organismos de coordenação dos tratamentos
médicos, de centralização da informação, de normalização do saber, e que
adquire também o aspecto de campanha de aprendizado da higiene e de
medicalização da população. Portanto, problemas da reprodução, da
natalidade, problema da morbidade também (FOUCAULT, 2005, p. 291).
11

O conceito de biopolítica sob a ótica de Foucault contribui para a compreensão


de como o poder pode se relacionar diretamente com processos biológicos, de modo
que as decisões tomadas pelo Estado venham a afetar a própria
existência/inexistência da vida. Ainda, quais são os mecanismos que podem ser
empregados para gerenciar essa vida, discipliná-la e potencializá-la, ainda que sob
outro discurso que não o exercício do poder, a exemplo dos conhecimentos científicos
e comprovados na realidade.

Aquém, portanto, do grande poder absoluto, dramático, sombrio que era o


poder da soberania, e que consistia em poder fazer morrer, eis que aparece
agora, com essa tecnologia do biopoder, com essa tecnologia do poder sobre
a "população" enquanto tal, sobre o homem enquanto ser vivo, um poder
continuo, cientifico, que é o poder de "fazer viver" (FOUCAULT, 2005, p. 294).

2.2 AGAMBEN E O PARADOXO DO HOMO SACER

Fazendo uma leitura de Foucault e, em certa medida, complementando seus


postulados, Agamben contribui para a compreensão do conceito de biopolítica
situando o que seria o limiar da sua história na modernidade: A Declaração dos
Direitos do Homem no ano de 1789.

Para entender o fundamento do autor quanto ao fato histórico, vale fazer uma
diferenciação relevante suscitada por ele no livro Homo Sacer: O poder soberano e a
vida nua - entre a vida nua, ou seja, a natural e comum a todos os seres a que ele
denomina zoé, e a vida politizada, que seria a inserida na comunidade como uma
maneira de viver, a que ele denomina bíos. Ambos os termos são contemplados a
partir da tradição grega e da leitura de Platão e Aristóteles.

Quando Platão, no Filebo, menciona três gêneros de vida e Aristóteles, na


Ethica nicomachea, distingue a vida contemplativa do filósofo (bíos
theoreticós) da vida de prazer (bíos apolausticós) e da vida política (bíos
politicós), eles jamais poderiam ter empregado o termo zoé (que,
significativamente, em grego carece de plural) pelo simples fato de que para
ambos não estava em questão de modo algum a simples vida natural, mas
uma vida qualificada, um modo particular de vida (AGAMBEN, 2002, p. 9).
12

Na obra Meios sem fim: notas sobre a política, então, Agamben relaciona estes
termos para justificar a razão pela qual considera a Declaração dos Direitos do
Homem relevante nesse sentido:

Os direitos do homem representam, de fato, antes de tudo, a figura originária


da inscrição da vida nua natural na ordem jurídico-política do Estado-nação.
Aquela vida nua (a criatura humana), que, no Ancien Régime, pertencia a
Deus e que, no mundo clássico, era claramente distinta (como zoé) da vida
política (bíos), entra agora em primeiro plano no cuidado do Estado e se torna,
por assim dizer, seu fundamento terreno. Estado-nação significa: Estado que
faz da natividade, do nascimento (isto é, da vida nua humana) o fundamento
da própria soberania (AGAMBEN, 2015, p.28).

Como o próprio Agamben revela, o motivo pelo qual a Declaração dos Direitos
do Homem assume um marco na história da biopolítica é a inscrição de um
acontecimento da vida natural (o nascimento), na ordem do Direito. A partir de então,
o simples fato de nascer implicará pertencer a uma comunidade política, sendo o
estado a instituição responsável por resguardar a vida biológica ou vida nua, como
Agamben se refere. Essa vida nua que, na antiguidade, estava sob o cuidado dos
deuses e que na Grécia antiga, por exemplo, se distinguia da vida política exercida na
pólis, agora é inserida na ordem jurídica.

O simples nascimento faz o homem pertencer a uma nação, ou seja, o inscreve


em uma comunidade ao ponto de a vida nua e política serem difíceis de distinguir.
Nesse sentido, retomando os estudos de Foucault e citando o autor na obra Homo
Sacer, afirma Agamben (2002, p. 125) que “Por milênios o homem permaneceu o que
era para Aristóteles: um animal vivente e, além disso, capaz de existência política; o
homem moderno é um animal em cuja política está em questão a sua vida de ser
vivente”.

Uma das maiores contribuições de Agamben, nesse sentido, foi a tentativa de


compreender a biopolítica moderna e, principalmente, de que maneira a ordem
jurídica se coloca como instrumento legitimador entre o poder soberano e a lógica
biopolítica para tornar certas vidas descartáveis, ou matáveis. Para desenvolver este
13

raciocínio, o autor se aprofunda no paradoxo do Homo Sacer. Trata-se de uma figura


do Direito Romano, especificamente da Lei das XII Tábuas. Tal conceito é extraído
por Agamben de Sexto Pompeu Festo, gramático da Roma Antiga que ajudou a
elucidar diversos termos arcaicos.

Festo, no verbete sacer mons do seu tratado Sabre o significado das


palavras, conservou-nos a memória de uma figura do direito romano arcaico
na qual o caráter de sacralidade liga-se pela primeira vez a uma vida humana
como tal (AGAMBEN, 2002, p. 79).

Copiando o trecho em latim de Festo, Agamben extrai da passagem que Homo


Sacer é o cidadão que, julgado por um delito, pode ser declarado sacer (sacer esto).
Isso significaria, à época, reconhecer a indignidade da vida em questão, que jogada à
sorte dos deuses, poderia ser morta sem que esse fato configurasse assassinato e
sem qualquer punição ao que cometesse tal crime. O homo sacer, como se pode
perceber, é uma figura controversa. Afinal, como poderia uma vida inserida na ordem
do sagrado ser eliminada por qualquer indivíduo sem que este seja julgado por
assassinato. Nesse sentido, Agamben pondera sobre o paradoxo.

Tem-se discutido muito sobre o sentido desta enigmática figura, na qual


alguns quiseram ver "a mais antiga pena do direito criminal romano" (Bennett,
1930, p. 5), mas cuja interpretação é complicada pelo fato de que ela
concentra em si traços à primeira vista contraditórios. Já Bennett, em um
ensaio de 1930, observava que a definição de Festo "parece negar a própria
coisa implícita no termo" (Ibidem. p. 7), porque, enquanto sanciona a
sacralidade de uma pessoa, autoriza (ou, mais precisamente, torna
impunível) sua morte [...] (AGAMBEN, 2002, p. 79).

Apesar de carregar o paradoxo, Agamben fundamenta que o conceito foi


transportado para a atualidade. Ainda, que essa decisão sobre a vida indigna de ser
vivida tem lugar quando cessa para o Estado a relevância política de tutela sobre
determinadas vidas. Dessa forma, o homem, ainda que submetido ao poder soberano,
está alheio à ordem jurídica e pode ser eliminado. De acordo com Agamben, todas as
nações definem quem são seus homens sacros.
14

Toda sociedade fixa este limite, toda sociedade - mesmo a mais moderna -
decide quais sejam os seus "homens sacros". É possível, aliás, que este
limite, do qual depende a politização e a exceptio da vida natural na ordem
jurídica estatal não tenha feito mais do que alargar-se na história do Ocidente
e passe hoje - no novo horizonte biopolítico dos estados de soberania
nacional - necessariamente ao interior de toda vida humana e de todo
cidadão. A vida nua não está mais confinada a um lugar particular ou em uma
categoria definida, mas habita o corpo biológico de cada ser vivente
(AGAMBEN, 2002, p. 146).

Outro aspecto interessante trazido pelo autor e que contribui para as reflexões
sobre políticas de morte é quanto o papel que o estado de exceção ocupa nas
democracias modernas, de modo a definir quem está ou não submetido às leis, ou
seja, quem é o homo sacer. Nesse sentido, em diálogo com as obras de Hannah
Arendt, Agamben utiliza o paradigma dos campos de concentração para demonstrar
como há espaços institucionalizados onde a lei pode não ser aplicada.

Hannah Arendt uma vez observou que, nos campos, emerge em plena luz o
princípio que rege o domínio totalitário e que o senso comum recusa-se
obstinadamente a admitir, ou seja, o principio segundo o qual "tudo é
possível". Somente porque os campos constituem, no sentido que se viu, um
espaço de exceção, no qual não apenas a lei é integralmente suspensa, mas,
além disso, fato e direito se confundem sem resíduos, neles tudo e
verdadeiramente possível. Se não se compreende esta particular estrutura
jurídico-política dos campos, cuja vocação é justamente a de realizar
estavelmente a exceção, o incrível que aconteceu dentro deles permanece
totalmente ininteligível (AGAMBEN, 2002, p.117).

Os campos, nesse sentido, são ambientes nos quais o estado de exceção não
mais é provisório, mas definitivo, é a própria regra. Mbembe1, posteriormente, retoma
essa ideia ao afirmar que na estrutura jurídica e política do campo de concentração,
“[...] o estado de exceção deixa de ser uma suspensão temporal do estado de direito.
De acordo com Agamben, ele adquire um arranjo espacial permanente, que se
mantém continuamente fora do estado normal da lei” (MBEMBE, 2018, p. 124).

1Achille
Mbembe, filósofo e teórico político camaronês, dialoga com as obras de Foucault e Agamben
para desenvolver seu conceito de necropolítica
15

Inserido nesse espaço, o homo sacer, apenas revestido da vida nua, é


insacrificável, mas matável. Assim como na Alemanha nazista, também haveria
espaço na democracia para a suspensão da norma a determinados indivíduos, talvez
não tão evidentes, mas também significativos. O estado de exceção, dessa forma,
sobre o qual decide o poder soberano, teria se tornado a regra, um verdadeiro
instrumento de poder que, sob o argumento do combate ao terror se justifica para
fazer imperar a um grupo de pessoas um estado permanente de suspensão de
direitos.

Quem entrava no campo movia-se em uma zona de indistinção entre externo


e interno, exceção e regra, lícito e ilícito, na qual os próprios conceitos de
direito subjetivo e de proteção jurídica não faziam mais sentido; além disso,
se era um hebreu, ele já tinha sido privado, pelas leis de Nuremberg, dos
seus direitos de cidadão e, posteriormente, no momento da "solução final",
completamente desnacionalizado. Na medida em que os seus habitantes
foram despojados de todo estatuto político e reduzidos integralmente a vida
nua, o campo é também o mais absoluto espaço biopolítico que jamais tenha
sido realizado, no qual o poder não tem diante de si senão a pura vida sem
qualquer mediação. Por isso o campo é o próprio paradigma do espaço
político no ponto em que a política torna-se biopolítica e o homo sacer se
confunde virtualmente com o cidadão (AGAMBEN, 2020, p.177-178).

A esse grupo de pessoas, sobre o qual impera um estado de exceção


permanente suspendendo-se a ordem jurídica, tal como no Direito Romano, pode-se
declarar a sacralidade. A elas caberá a sorte dos deuses, sendo que sua morte não
assume relevância política e pode ser operada sem que se cometa crime.

2.3 A NECROPOLÍTICA SOB A ÓTICA DE MBEMBE

Mbembe, em diálogo com todas as obras até aqui mencionadas, consolida o


conceito de “necropolítica”, fazendo uma análise sobre como operam as políticas de
morte em nações colonizadas, cuja história se fundou sob o regime de escravidão.
Em sua análise, então, parte do seguinte pressuposto:
16

[...] a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e


na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar
ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos
fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e
definir a vida como a implantação e manifestação de poder (MBEMBE, 2018,
p. 123).

Como se extrai da premissa de Mbembe, a capacidade de determinar a


vida e da morte são atribuições inerentes ao exercício do poder soberano, as quais se
revelam em sua máxima expressão na realidade. Nesse sentido, o próprio autor deixa
claro o seu alinhamento ao conceito de biopolítica formulado por Foucault ao
reconhecer que “Alguém poderia resumir nos termos acima o que Michel Foucault
entende por biopoder: aquele domínio da vida sobre o qual o poder tomou o controle”
(MBEMBE, 2018, p.123).

Entretanto, entende o filósofo que o conceito desenvolvido por Foucault


não é suficiente para compreender as formas pelas quais o Estado e as instituições
atuam de modo a ter controle sobre a morte e as formas de morrer, ou seja, como o
Estado pode se apropriar da morte como verdadeiro objeto de gestão. Diante dessa
problemática, que ele próprio elabora, busca investigar as formas modernas de
exercício do poder que se estabelecem a partir das relações imperialistas e coloniais.

[...] sob quais condições práticas se exerce o direito de matar, deixar viver ou
expor à morte? Quem é o sujeito dessa lei? O que a implementação de tal
direito nos diz sobre a pessoa que é, portanto, condenada à morte e sobre a
relação antagônica que coloca essa pessoa contra seu ou sua assassino/a?
Essa noção de biopoder é suficiente para contabilizar as formas
contemporâneas em que o político, por meio da guerra, da resistência ou da
luta contra o terror, faz do assassinato do inimigo seu objetivo primeiro e
absoluto? (MBEMBE, 2018, p. 123).

Em diálogo com as obras de Agamben, ao qual ele confere especial


importância, e tendo em vista as noções de estado de exceção permanente
elaboradas pelo filósofo italiano, Mbembe encontra nas colônias europeias um
precedente significativo da estrutura política da exceção. Nessas colônias, em geral,
vigoram a economia monoculturista montada sobre o regime de escravidão. Nesse
sistema, o escravo é elemento necessário para o trabalho produtivo, mas é mantido
em constante estado de terror.
17

Como instrumento de trabalho, o escravo tem um preço. Como propriedade,


tem um valor. Seu trabalho é necessário e usado. O escravo, por
conseguinte, é mantido vivo, mas em “estado de injúria”, em um mundo
espectral de horrores, crueldade e profanidade intensos. O sentido violento
da vida de um escravo se manifesta pela disposição de seu supervisor em se
comportar de forma cruel e descontrolada, e no espetáculo de dor imposto ao
corpo do escravo (MBEMBE, 2018, p.131).

Nesse sentido, conclui que “a vida de um escravo, em muitos aspectos, é uma


forma de morte em vida” (MBEMBE, 2018, p.132), e que este sujeito é,
verdadeiramente, produto de relações biopolíticas. Trata-se de uma vida cujos direitos
foram violados em inúmeros aspectos e que é colocada em uma categoria política
alheia à comunidade, o que Agamben chamaria “vida nua”. Franco2, em sua tese de
doutorado, analisando a obra “Necropolítica” do filósofo camaronês, nos revela que,

Para Mbembe, no imaginário europeu, as colônias e as vidas coloniais


representavam o outro da Europa. Enquanto no Velho Continente, como
extensamente analisou Foucault em Segurança, Território e População,
estava se consolidando uma ideia de razão de Estado, em que esse se
tornava uma unidade garantida, internamente, pela polícia, e, externamente,
por um aparelho diplomático-militar, as colônias estão para além dessa razão,
fora das fronteiras da racionalidade que fundava o pensamento político
moderno. Por isso, para governá-las, pode-se suspender as leis, fazer da
polícia a própria forma de uma política que não conhece mais distinções entre
guerra e paz, ordem e caos (FRANCO, 2018, p.83-84).

Ainda, Franco interpreta sob a ótica de Mbembe que nas nações colonizadas
habitam os “selvagens”, cujas vidas são “entregues às necessidades e às
determinações que a natureza lhes impunha” (FRANCO, 2018, p. 84). Essas vidas,
assim, são estrangeiras, estranhas, ameaçadoras. Nesse contexto, não há espaço
para o reconhecimento da morte do “selvagem”. Mbembe, partindo dessa
compreensão, identifica essa forma de operar do estado de exceção nas colônias em

2Fábio Luís Ferreira da Nóbrega Franco, psicanalista e doutor em Filosofia, desenvolve a sua tese
sobre os dispositivos de desaparecimento no Brasil a partir dos casos da vala clandestina em Perus,
São Paulo. Para tanto, investiga os limites das elaborações de Foucault, Agamben e Mbembe.
18

contextos mais tardios. Um deles, explicitado em sua obra, é o Apartheid, consolidado


na África do Sul a partir de1948.

Se as relações entre vida e morte, a política de crueldade e os símbolos do


abuso tendem a não se distinguir nas fazendas, é notadamente na colônia e
sob o regime do apartheid que se instaura uma formação peculiar de terror
[...] A característica mais original dessa formação de terror é a concatenação
do biopoder, o estado de exceção e o estado de sítio (MBEMBE, 2018, p.132).

Um elemento importante trazido pelo autor, ao justificar o Apartheid, é a forma


como o poder também se utiliza do território para definir quem está ou não submetido
à ordem, quem faz jus ao status de humano e quem pode ser excluído. A delimitação
dos espaços onde a população negra pode ou não circular na política de segregação,
nesse sentido, é uma maneira de decidir quem importa, tal como nas colônias.

A “ocupação colonial” em si era uma questão de apreensão, demarcação e


afirmação do controle físico e geográfico – inscrever sobre o terreno um novo
conjunto de relações sociais e espaciais. Essa inscrição (territorialização) foi,
enfim, equivalente à produção de fronteiras e hierarquias, zonas e enclaves;
a subversão dos regimes de propriedade existentes; a classificação das
pessoas de acordo com diferentes categorias; extração de recursos; e,
finalmente, a produção de uma ampla reserva de imaginários culturais.
(MBEMBE, 2018, p. 135)

Todas essas considerações trazidas por Mbembe contribuem, finalmente, para


a compreensão do conceito de necropolítica, que seria “formas contemporâneas que
subjugam a vida ao poder da morte” (MBEMBE, 2018, p. 146). Além disso, as análises
a partir das novas relações imperialistas e coloniais permitem compreender estruturas
históricas capazes de conferir aos cidadãos status de mortos-vivos, inserindo certas
populações em um estado de exceção permanente, como descrito por Agamben.

As elaborações de Mbembe ainda permitem verificar as limitações do conceito


de biopolítica em Foucault e atribuir um novo sentido às políticas de morte para além
do “fazer viver e deixar morrer”, compreendendo que o Estado, em certa medida,
também pode ser responsável pelo fazer morrer.
19

A análise de Mbembe, cumpre destacar, também contribui muito para o estudo


das políticas de morte no contexto brasileiro. Como se sabe, há similaridade histórica
entre a interpretação formulada pelo filósofo e a colonização portuguesa no país até
o ano de 1822. Colonização essa que ainda encontra reflexos na atualidade a partir
da divisão espacial das periferias e do discurso racial, como veremos mais adiante.
Esses reflexos dão base a discussões, por exemplo, sobre reparação histórica, cotas
sociais e políticas públicas específicas para determinadas populações.
20

3 O DISCURSO E A LEGITIMAÇÃO DAS POLÍTICAS DA MORTE

3.1 A VALA DE PERUS E O DISCURSO DO INIMIGO INTERNO

Em setembro de 1990, iniciava-se um trabalho escavação em uma periferia ao


noroeste da cidade de São Paulo que resultaria em uma grande descoberta sobre a
história do Brasil no período da ditadura militar (1964 – 1985). Após o trabalho
investigativo para a produção de uma reportagem, realizado pelo jornalista Caco
Barcelos, a prefeitura do município decidiu, então, averiguar oficialmente a região
onde teriam sido depositadas diversas ossadas de desaparecidos políticos no período
de repressão. Os resultados, como era de se esperar, foram notícia em todo país. Na
vala clandestina de Perus foram encontrados centenas de corpos não identificados,
enterrados na qualidade de indigente.

Nas palavras de Teles e Lisboa3, “Das 1.049 ossadas encontradas na vala,


aproximadamente 450 eram de crianças menores de 10 anos de idade. Suas ossadas
estavam de tal forma danificadas que não foi possível realizar o processo de
identificação” (2012, p. 63). Muitas delas, como afirma Franco, que tem como tema
central de sua pesquisa o caso da vala de Perus, “foram vítimas de uma epidemia de
meningite que a ditadura procurava ocultar para que o crescimento da taxa de
mortalidade infantil não expusesse o governo à críticas nacionais ou internacionais.”
(FRANCO, 2018, p. 23).

De qualquer maneira, é nítida a violação de direitos fundamentais neste caso


em específico, e a presença do Estado não apenas no sentido de gerenciar a morte
no período ditatorial, ou seja, em dizer quem e como irá morrer, mas também na falta
de empenho em resgatar, dar identificação aos corpos e ressignificar a História já no
período de redemocratização.

3TELES, Maria Amélia de Almeida; LISBOA, Suzana Keniger. A vala de Perus: um marco histórico na
busca da verdade e da justiça. In: Vala Clandestina de Perus: desaparecidos políticos, um capítulo
não encerrado da história brasileira. São Paulo: Instituto Macuco, 2012.
21

Como visto, o ponto de partida para as pesquisas na periferia da zona noroeste


de São Paulo se deu por equipes de reportagem e familiares de desaparecidos da
Ditadura Militar, muito embora, posteriormente, fosse criada a Comissão Nacional da
Verdade4 como órgão temporário instituído pela Lei 12.528, de 18 de novembro de
2011. Como foco deste trabalho, entretanto, cabe investigar quais foram os discursos
envolvidos que sustentaram ou, ainda, que legitimam esses processos. De acordo
com Foucault:

[...] numa sociedade como a nossa – mas, afinal de contas, em qualquer


sociedade - múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam,
constituem o corpo social; elas não podem dissociar-se, nem estabelecer-se,
nem funcionar sem urna produção, uma acumulação, uma circulação, um
funcionamento do discurso verdadeiro. Não há exercício do poder sem uma
certa economia dos discursos de verdade que funcionam nesse poder, a
partir e através dele.” (FOUCAULT, 2005, p. 28)

Nesse sentido, vale resgatar os discursos de celebração do período ditatorial,


bem como as justificativas trazidas pelos militares a partir de 1964 para tornar legítimo
o motivo pelo qual o regime foi considerado necessário à manutenção da ordem. Antes
disso, é importante situar o contexto internacional que se passava. Desde 1945, ao
final da segunda guerra mundial, haviam sido formados dois blocos ideológicos
liderados por Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),
os quais lutavam pela hegemonia dos sistemas capitalista e socialista,
respectivamente.

Tal disputa teve reflexos históricos significativos também na América Latina,


interferindo na política interna e externa de diversos países. O Brasil, deste então,
havia se aliado aos Estados Unidos. Entretanto, quando o presidente João Goulart, à
época na ocupação máxima do executivo, propôs as reformas de base, entre elas a
agrária, o aumento da tensão para a tomada de ações consideradas de caráter

4 A Comissão Nacional da Verdade teve como propósito maior, conforme a própria lei que o institui, o
resgate da verdade histórica durante os períodos ditatoriais acerca das várias violações de direitos, de
modo a tornar efetivo o direito de memória. Foram esclarecidos, até a sua extinção, mortes,
desaparecimentos e torturas promovidas pelo Estado brasileiro.
22

socialista foi nítido. Nas palavras de João Goulart em 13 de março de 1964, transcritas
pela Empresa Brasileira de Comunicações, pedia-se:

Não apenas pela reforma agrária, mas pela reforma tributária, pela
reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de
todos os brasileiros, pela pureza da vida democrática, pela emancipação
econômica, pela justiça social e pelo progresso do Brasil. (EBC, 2014)

As tensões levariam, pouco tempo depois, à deportação de Jango e à


instauração de um período repressivo que, embora apresentasse a intenção de ser
temporário, durou até o início de 1985. Voltando-se à questão central acerca dos
discursos, eternizou-se a justificativa do poder violento no artigo “A Nação que se
salvou a si mesma5” de Clarence W. Hall. O texto foi publicado pela primeira vez na
revista Reader’s Digest e reeditada pela Biblioteca do exército. Nele se exaltava a
vitória atribuída ao povo brasileiro sobre a ameaça comunista.

Raramente uma grande nação esteve mais perto do desastre e se recuperou


do que o Brasil em seu triunfo sobre a subversão vermelha. Os elementos da
campanha comunista para a dominação – propaganda, infiltração, terror –
estavam em plena ação. A rendição total parecia iminente...e então o povo
disse: Não! [...] (HALL; WHITE, 1964, p. 95)

O artigo de 24 páginas mantém um tom heroico e otimista do início ao fim, e


busca justificar a ação dos brasileiros frente à uma revolução se teria se aproximado:
“E então, de repente – e arrasadoramente para os planos vermelhos – algo aconteceu.
No último instante, uma contra-revolução antecipou-se à iniciativa deles.” (1964, p.96).
É interessante notar a persistência ao longo do texto em atribuir a responsabilidade
pela tomada do poder pelos militares a um inimigo comum que não necessariamente
é externo, como acontece nas guerras por território, mas que está de alguma forma
infiltrado, que está próximo.

5HALL, Clarence W; WHITE, Willian L. “A nação que se salvou a si mesma”. In: Seleções do Reader’s
Digest, nº 274, nov. de 1964, p. 93-120.
23

Por fim estava tudo preparado. A inflação piorava dia a dia; a corrupção
campeava; havia inquietação por toda a parte – condições perfeitas para os
objetivos comunistas. O governo do presidente João Goulart estava crivado
de radicais; o Congresso, cheio de instrumentos dos comunistas. Habilmente,
anos a fio, os extremistas de esquerda tinham semeado a idéia de que a
revolução era inevitável no Brasil. Dezenas de volumes eruditos foram
escritos acerca da espiral descendente do Brasil para o caos econômico e
social; a maioria concordava em que a explosão que viria seria sangrenta,
comandada pela esquerda e com um elenco acentuadamente castrista.
(HALL; WHITE, 1964, p. 96)

Outra característica é a tentativa de atribuir o protagonismo na chamada


“revolução” aos brasileiros, e não aos militares que estavam sob o comando ou
qualquer outra autoridade. Ainda, o reforço acerca do benefício do momento histórico
tendo em vista a sua aparente pacificidade.

Sem precedentes nos anais dos levantes políticos sul-americanos, a


revolução foi levada a efeito não por extremistas, mas por grupos
normalmente moderados e respeitadores da lei. Conquanto sua fase
culminante fosse levada a cabo por uma ação militar, a liderança atrás dos
bastidores foi fornecida e continua a ser compartilhada por civis. Sua ação foi
rápida (cerca de 48 horas do início ao término), sem derramamento de
sangue e popular além de todas as expectativas. (HALL; WHITE, 1964, p. 96
– 97)

Deixando de lado as questões sobre a existência ou não da ameaça descrita


no artigo, embora alguns historiadores indiquem se tratar de uma tensão irreal já que
a União Soviética não teria condições militares de se expandir em razão de sua derrota
na segunda guerra, nota-se que os trechos discursivos até hoje presentes na
sociedade atribuem legitimidade ao período ditatorial e seus reflexos, em sua maioria,
sob a justificativa de uma ameaça interna. De acordo com Mbembe,

[...] o estado de exceção e a relação de inimizade tornaram-se a base


normativa do direito de matar. Em tais instâncias, o poder (e não
necessariamente o poder estatal) continuamente se refere e apela à exceção,
emergência e a uma noção ficcional do inimigo. Ele também trabalha para
produzir semelhantes exceção, emergência e inimigo ficcional. (MBEMBE,
2018, p. 128)
24

A partir dessa perspectiva, os discursos adotados têm reflexos no que mais


tarde, viria a ser a Vala de Perus, no qual eram depositados inimigos políticos e outros
corpos sem que se soubesse de sua destinação e gerenciamento pelo Estado. Nesse
ponto, Noam Chomsky6, ao analisar a criação da Guerra Fria pelos Estados Unidos
com a finalidade de intervir legitimamente em outros países e barrar o
desenvolvimento daqueles que se colocavam fora da lógica capitalista, pondera:

A confrontação da Guerra Fria forneceu fórmulas fáceis para justificar ações


criminosas ao nível externo e o entrincheiramento do privilégio e do poder do
Estado em casa. Sem a necessidade inoportuna de consideração e evidência
crível, apologistas em ambos os lados puderam explicar reflexivamente que,
mesmo lamentáveis, os atos foram empreendidos por razões de “segurança
nacional” em resposta à ameaça do superpoderoso inimigo, ameaçador e
cruel. (CHOMSKY, 1996, p. 12)

3.2 A INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO DE JANEIRO E A QUESTÃO DA

SEGURANÇA PÚBLICA

A intervenção federal no Rio de Janeiro, que ganhou forma através do Decreto


nº 9.288, esteve em vigor entre 16 de fevereiro de 2018 e 31 de dezembro do mesmo
ano. O objetivo da assinatura presidencial, conforme a própria redação do decreto,
seria “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de
Janeiro”. O instrumento legal, que invoca o artigo 34, III da Constituição Federal foi
alvo de polêmica por ter sido utilizado pela primeira vez desde a promulgação da Carta
Magna nesta ocasião.

Por se tratar de uma quebra do pacto federativo no que se refere à autonomia


dos estados sobre a segurança pública, o que deve ocorrer apenas em casos
excepcionais, muito se questionou a necessidade da aplicação do dispositivo visto
que não foram esgotadas todas as alternativas de resolução de conflito anteriormente
e que outros estados do país contavam com taxa de criminalidade maiores.

6 CHOMSKY, Noam. Novas e Velhas Ordens Mundiais. São Paulo, Scritta, 1996.
25

Ainda, questionou-se o estabelecimento de cargo interventor com natureza


militar, o qual esteve subordinado à presidência da República. As críticas se traduzem
na declaração de Eloísa Machado7, professora de Direito Constitucional da Fundação
Getúlio Vargas, transcritas em uma matéria do Consultor Jurídico (Conjur):

“A intervenção trata da substituição temporária e excepcional de uma


autoridade estadual civil por uma federal civil. Não de uma autoridade civil
por uma militar. O interventor tem poderes de governo, e governo, pela
Constituição, até agora, só é civil [...] O interventor pode ser militar, mas se
submete às regras e à jurisdição civil, ocupando temporariamente cargo civil,
como já menciona a Constituição. Deixar que todas as decisões do
interventor, durante todo o tempo que durar a intervenção, sejam submetidas
à jurisdição militar é um atentado à Constituição, ao poder civil e à
democracia.” (CONJUR, 2019)

Apesar das críticas, o decreto teve seus efeitos até o final de 2018, enquanto a
Reforma da Previdência (PEC 287/2016) havia sido travada no Congresso Nacional e
o número de crimes patrimoniais em áreas nobres do estado do Rio de Janeiro eram
amplamente divulgados após o carnaval. Segundo relatório elaborado pelo Centro de
Estudos de Segurança e Cidadania8, da Universidade Candido Mendes, “a injeção de
1,2 bilhão de reais de recursos federais não produziram mudanças significativas na
segurança pública do Rio” (CESeC, 2019, p. 1) e que,

Durante esses dez meses de 2018, não foram feitos investimentos


significativos no combate aos grupos de milícias e à corrupção policial. A
modernização da gestão das polícias também não foi priorizada – a
renovação se restringiu à compra de equipamentos. Ao mesmo tempo,
práticas violentas da polícia fluminense continuaram e se agravaram. Em vez
de modernizar, reformar ou mudar, a intervenção levou ao extremo políticas
que o Rio de Janeiro já conhecia: a abordagem dos problemas de violência e
criminalidade a partir de uma lógica de guerra, baseada no uso de tropas de
combate, ocupações de favelas e grandes operações. (CESeC, 2019, p. 1)

7 RODAS, Sérgio. Para especialistas, intervenção federal no RJ é inconstitucional e não dá


resultados. Conjur, 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-fev-16/intervencao-federal-
rio-inconstitucional-nao-dara-resultados. Acesso em: 25 de nov. de 2020.

8 CENTRO DE ESTUDOS DE SEGURANÇA E CIDADANIA (CESeC). Intervenção Federal: um


modelo para não copiar. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em:
http://www.observatoriodaintervencao.com.br/dados/relatorios1/. Acesso em: 24 de out. 2020.
26

Conforme aponta o relatório, foram contabilizadas 1.375 mortes por intervenção


de agentes do estado, “valor +33,6% maior do que o contabilizado em 2017 no mesmo
período” (CESeC, 2019, p. 5). Isso quer dizer que, de todas as mortes violentas
ocorridas no estado de fevereiro a dezembro do mesmo ano, 22,7% foram cometidas
por agentes de segurança, ou seja, policiais e militares. Em contrapartida, o número
de agentes mortos também foi significativo.

As estatísticas de mortes violentas também incluem as vitimizações de


agentes de segurança. Durante a intervenção, o Observatório contabilizou 99
agentes mortos e 140 feridos. Segundo dados da Polícia Militar, o número de
policiais militares mortos em 2018 (92 óbitos) foi o menor da série histórica.
A Diretoria de Assistência Social atribuiu a redução a capacitações e cursos
ministrados internamente. Apesar dos números serem menores do que os de
anos anteriores, permaneceram em um patamar muito alto. (CESeC, 2019,
p. 6)

Outro ponto interessante destacado pelo relatório é que a intervenção dedicou-


se em grande parte à prevenção de crimes patrimoniais, como roubo de carga, que
teve queda de 17,2% em todo estado. Os crimes contra a vida, por outro lado, tiverem
resultados pouco expressivos, cerca de -1,7% em relação ao ano anterior. Nesse
caso, as maiores quedas foram na capital, enquanto no interior do estado as mortes
aumentaram em mais de 15%.

Tendo esse cenário em mente, quanto à pouca eficiência da intervenção


durante sua vigência e após, que inclusive ocasionou morte de civis e agentes de
segurança, cumpre avaliar quais foram os discursos que deram base à intervenção.
Nesse sentido, declarações de autoridades durante a cerimônia que marcou fim do
decreto oferece indícios importantes.

De acordo com o governador Francisco Dornelles, em exercício à época, o


suporte das Forças Armadas teria sido bem-sucedida, e sua presença teria evitado
consequências drásticas. “O estado do Rio estava à beira da convulsão social” (EBC,
2018). Durante a cerimônia, ainda foi apresentado um áudio gravado pelo então
presidente da república, no qual é destacado o “brilhante trabalho”: “Não foi sem razão
27

que a população do Rio de Janeiro em todas as pesquisas revelava o aplauso à


intervenção” (EBC, 2018).

Declarações similares, durante todo o evento, rememoram o apelo social do


artigo sobre o golpe de 64 da Reader’s Digest, no sentido de legitimar determinados
atos do Estado que seriam realizados em prol de um bem maior. Diante dessa
perspectiva, a morte de civis é algo que não cabe comentar. Não se trata, aqui, de
julgar verdadeiro ou não os comentários destacados, mas entender como eles dão
causa a determinadas políticas que podem vir em malefício da população.

Conforme relatório do Ipea9 de 2012, que revela a percepção em relação à


sensação de insegurança no Brasil, 62,4% da população revela ter “muito medo” de
ser vitimada por assassinato. Quando questionada em relação aos demais crimes, a
porcentagem foi similar. Aproximadamente 62,3% declararam “muito medo” de assalto
à mão armada e 61,6% de arrombamento em residência. Como se extrai dos dados
acima mencionados, há uma parcela significativa da população vivendo sob medo
constante e, apesar da pesquisa ter um caráter subjetivo, pode revelar como essa
insegurança pode ser utilizada para tornar legítima a morte de civis.

Esse medo generalizado, afinal, que ganha forma na paisagem urbana de


muros altos e condomínios fechados, tem respostas biológicas no corpo humano,
tanto químicas quanto psicológicas. Um artigo publicado na Revista de Pesquisa da
Fapesp10, sobre estudos realizados pelo médico Newton Canteras, nos revela que,
“além de existirem circuitos cerebrais distintos para cada tipo de medo [...] a memória
também está envolvida no processo que leva a reações que diferem conforme a
situação”.

9 Todos os dados foram extraídos do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) sobre
segurança pública de 2012. Disponível em:
https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/120705_sips_segurancapublica.pdf. Acesso
em: 25 de nov. de 2020.

10 GUIMARÃES, MARIA. Cada medo é um medo. Pesquisa Fapesp, São Paulo, 2012. Disponível em:
https://revistapesquisa.fapesp.br/cada-medo-%C3%A9-um-medo/. Acesso em: 25 de nov. de 2020.
28

Quando um animal é posto numa situação que percebe como risco de perder
a vida – um rato dentro de uma gaiola com um gato, por exemplo –, ele
rapidamente a memoriza. Nos dias seguintes, basta pôr o rato na gaiola,
ainda que sem o gato, para suscitar uma reação idêntica de pânico
paralisante. (FAPESP, 2012)

A instrumentalização do medo, nesse sentido, pode ser uma resposta à


legitimação de políticas como a estabelecida no Rio de Janeiro. O discurso muitas
vezes inflamado, os noticiários e manchetes de jornais, que evocam a urgência e
necessidade de reagir rapidamente a uma situação de risco, reforçam a legitimidade
para atuar em nome da segurança pública, ainda que o resultado seja mais de mil
mortos por agentes do Estado.

Nesse sentido, vale a análise de Bauman sobre o medo: “Há muito mais
infortúnios sendo proclamados iminentes do que aqueles que acabam realmente
ocorrendo, de modo que sempre podemos esperar que este ou aquele desastre
recentemente anunciado acabe nos ignorando.” (BAUMAN, 2008, p.14)

3.3 A QUESTÃO DAS PERIFERIAS E O DISCURSO NEOLIBERAL

O neoliberalismo pode ser definido como uma doutrina econômica e social que
resgata conceitos e ideais do liberalismo clássico para se opor ao Estado de Bem-
Estar e propor um modelo de governo no qual a sua presença no mercado e na
sociedade é reduzida, ou seja, a intervenção de tudo o que é público se dá em limites
restritos e previamente definidos. De acordo com Marilena Chauí11:

A economia política neoliberal, nasceu nos anos 1930 com um grupo de


economistas, cientistas políticos e filósofos que, no final da Segunda Guerra,
reuniu-se, em 1947, em Mont Saint Pélérin, na Suíça, à volta do austríaco

11
Chauí, Marilena de Souza. O totalitarismo neoliberal. Revista Anacronismo e Irrupción: Revista de
teoría y filosofía política clásica y moderno, Buenos Aires, vol. 10, Nº 18, p. 307-328, maio – out.
2020. Disponível em: https://publicaciones.sociales.uba.ar/index.php/anacronismo/article/view/5434.
Acesso em: 25 de nov. de 2020.
29

von Hayek e do norte-americano Milton Friedman. Esse grupo opunha-se


encarniçadamente contra o surgimento do Estado de Bem-Estar de estilo
keynesiano e social-democrata e contra a política estadunidense do New
Deal e, para tanto, elaborou um detalhado projeto econômico e político no
qual atacava o chamado Estado Providência com seus encargos sociais e
com a função de regulador das atividades do mercado, afirmando que esse
tipo de Estado destruía a liberdade dos indivíduos e a competição, sem as
quais não há prosperidade. (2020, p. 308-309)

De acordo com a filósofa, entretanto, esses ideais teriam ganhado força maior
a partir dos anos de 1970, quando as reduzidas taxas de crescimento econômico e
altas taxas de inflação foram a causa de crises e lançaram dúvidas sobre o sistema
capitalista. O neoliberalismo, nesse cenário, oferecia explicações para os problemas
que surgiam e as crises. Conforme Chauí,

[...] estas, diziam eles, fora causada pelo poder excessivo dos sindicatos e
dos movimentos operários que haviam pressionado por aumentos salariais e
exigido o aumento dos encargos sociais do Estado. Teriam, dessa maneira,
destruído os níveis de lucro requeridos pelas empresas e desencadeado os
processos inflacionários incontroláveis. (2020, p. 309)

Foram muitas as propostas formuladas por essa corrente de pensamento para


ultrapassar os desafios. Uma das principais é a existência de um Estado que dá
liberdade para que o próprio mercado se regule e que se afasta do controle sobre as
atividades econômicas, inclusive desonerando as organizações dos encargos sociais.
Daí o interesse pela privatização ou desestatização de instituições públicas que
passam, então, a ser integradas ao setor privado e às grandes empresas gestoras.

A questão que se coloca em relação ao neoliberalismo, entretanto, é que tal


ideologia permeia também a esfera individual. Isso porque a lógica de empresa passa
a ser aplicada aos cidadãos, de modo a tornar o que era antes um trabalhador e,
portanto, portador de direitos, em um prestador de serviços. Nessa perspectiva, ele
se torna empresa de si mesmo. Nesse sentido, Foucault12 discorre em sua obra
Nascimento da Biopolítica que

12FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008. (Coleção
Tópicos)
30

Não é uma concepção da força de trabalho, é uma concepção de capital-


competência, que recebe, em função de variáveis diversas, certa renda que
é um salário, uma renda-salário, de sorte que é o próprio trabalhador que
aparece como uma espécie de empresa para si mesmo (2008, p. 310).

Trata-se, a partir de então, de “uma economia feita de unidades-empresas, uma


sociedade feita de unidades-empresa” (FOUCAULT, 2008, p. 310). Essa preposição
se coloca em perfeita oposição à lógica de Estado de Bem-Estar, especialmente
quando se pensa na possibilidade de o estado privatizar não apenas bens, mas
também direitos, que agora passam a se tornar serviços. Sob essa ótica, Chauí
complementa que:

Com o termo “desregulação”, o capital dispensa e rejeita a presença estatal


não só no mercado, mas também nas políticas sociais, de sorte que a
privatização tanto de empresas quanto de serviços públicos tornou-se
estrutural. Disso resulta que a ideia de direitos sociais como pressuposto e
garantia dos direitos civis ou políticos tende a desaparecer porque o que era
um direito converte-se num serviço privado regulado pelo mercado e,
portanto, torna-se uma mercadoria a que têm acesso apenas os que tem
poder aquisitivo para adquiri-la. Numa palavra: o neoliberalismo é o
encolhimento do espaço público dos direitos e o alargamento do espaço
privado dos interesses de mercado. (2020, p. 312)

A partir do que poderia se chamar de privatização de direitos, a lógica


neoliberal parte do pressuposto de que cada indivíduo, como empresa de si mesmo,
tenha condições de investir no próprio ‘negócio’ e através dos seus rendimentos
adquirir esses serviços no mercado. O que antes era um direito garantido
constitucionalmente e, portanto, prestado pelo Estado, agora pode ser lançado no
mercado como um serviço a ser adquirido pelo próprio mérito enquanto empresa
individual.

[...] o instrumento dessa política social, se é que podemos chamar isso de


política social, não será a socialização do consumo e da renda. Só pode ser,
ao contrário, uma privatização, isto é, não se vai pedir à sociedade inteira
para garantir os indivíduos contra os riscos, sejam os riscos individuais, do
tipo doença ou acidente, sejam os riscos coletivos, como os danos materiais,
por exemplo [...] Vai-se pedir à sociedade, ou antes, à economia,
simplesmente para fazer que todo indivíduo tenha rendimentos
31

suficientemente elevados de modo que possa, seja diretamente e a título


individual, seja pela intermediação coletiva das sociedades de ajuda mútua,
se garantir por si mesmo contra os riscos que existem, ou também contra os
riscos da existência, ou também contra essa fatalidade da existência que são
a velhice e a morte, a partir do que constitui sua própria reserva privada.
(FOUCAULT, 2008, p. 197)

Com essa ideologia, consequentemente, surgem os discursos que atribuem a


responsabilidade pelo sucesso/fracasso ou capacidade/incapacidade de dar conta
desses direitos ao indivíduo, desonerando, ainda que parcialmente, o Estado da
garantia de direitos que são importantes para a sobrevivência digna, especialmente
em países mais pobres. Nesse contexto, é o próprio mercado, através da demanda
por trabalhadores, quem dará condições para que cada um adquira esses direitos.

Para melhor visualizar essa ideia, que se perpetua em todas as instâncias


políticas e tem grande espaço no país, vale retomar a fala de uma das grandes
influências neoliberais na história. Em resposta à entrevista da Veja13, em 1994,
Margaret Thatcher retomava essas noções. O entrevistador havia questionado a ex-
primeira-ministra britânica acerca da limitação de suas ideias no que se refere às
condições de bem-estar social da população, oportunidade em que esta afirmou não
poder dar uma resposta breve.

Veja - Às vezes tem-se a impressão de que os objetivos liberais terminam no


equilíbrio dos gastos públicos, no controle da inflação, na estabilidade da
moeda e nas privatizações. Onde ficam o bem-estar da população, as
necessidades básicas dos menos favorecidos e a solidariedade social?

Thatcher - Não posso dar uma resposta breve. Acho que o senhor parte de
suposições totalmente erradas. Os objetivos principais da sociedade na qual
acredito são a liberdade, a justiça e a livre iniciativa. Nada disso pode ser
obtido fora do império da lei e sem um Judiciário independente. A
prosperidade de uma nação provém da livre iniciativa de cada um e de uma
situação em que a lei é igual para todos. Governos não criam riqueza, quem
faz isso são as indústrias e os serviços. É o povo, com sua própria bagagem
e sua própria capacidade de iniciativa, que cria empresas. (VEJA, p. 8-9)

13 Thatcher, Margaret. A receita da leoa. Veja, São Paulo, n. 10, p. 7-10, 9 de mar. de 1994. Entrevista
concedida a Marco Antônio de Rezende. Disponível em:
https://veja.abril.com.br/acervo/#/edition/33211?page=8&section=1. Acesso em: 15 de nov. de 2020.
32

Na mesma entrevista, Thatcher ainda afirma que

Thatcher - Se você tem um governo competente, não há regulamentação


atrapalhando a vida das pessoas. O objetivo do governo não deve ser só
manter as coisas públicas funcionando. É preciso estimular a capacidade
empresarial da população, fazer nascer novos negócios, o agricultor tem de
confiar no valor de sua produção, a moeda deve ser vista com confiança.
(VEJA, p. 9)

O discurso de que a prosperidade e o desenvolvimento de um país dependem


unicamente da atuação do mercado e do pleno emprego sem intervenção do Estado,
entretanto, ignora populações que vivem à margem da sociedade com condições
mínimas de existência, especialmente em países subdesenvolvidos como o Brasil. Se
olharmos para a realidade do país no contexto de pandemia, decretada a partir de
março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde, torna-se clara a impossibilidade
de aplicar esses discursos, embora eles legitimem políticas que negam assistência.

Com a queda do consumo e a suspensão das atividades, o IBGE estimou que


entre as empresas que estavam com as portas fechadas nas duas primeiras semanas
de junho de 2020, seja temporária seja definitivamente, cerca de 522,7 mil encerraram
suas atividades em razão da pandemia14. Muitos desses trabalhadores, inclusive,
precisaram recorrer ao auxílio emergencial liberado pelo governo para informais,
microempreendedores individuais, desempregados ou autônomos.

Mesmo em tempos de normalidade, entretanto, é de conhecimento geral a


insuficiência do salário-mínimo para suprir direitos básicos, como educação, saúde e
alimentação segura. Isso ocorre de modo especial para quem vive nas periferias,
muitas vezes com formação escolar deficitária e pouco acesso aos centros urbanos e
outras regiões onde a empregabilidade é maior.

14Os dados foram retirados da Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas realizada
pelo IBGE. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-
agencia-de-noticias/releases/28294-pesquisa-pulso-empresa-entre-as-empresas-que-estavam-
fechadas-na-1-quinzena-de-junho-39-4-encerraram-atividades-por-causa-da-pandemia. Acesso em:
15 de nov. de 2020.
33

Para se ter ideia da dificuldade de ingresso ao mercado de trabalho formal,


cabe destacar os dados de evasão escolar. Estima-se que o abandono escolar seja
cerca de 8 vezes maior entre estudantes inseridos em famílias pobres. De acordo com
o IBGE, em 2019, a evasão dos jovens mais pobres foi de 11,8%15, enquanto entre
os mais ricos o percentual foi de apenas 1,4%.

Entre os motivos, é possível destacar o acesso limitado às escolas, que pode


ser por falta de transporte ou vagas próximas à residência, e a necessidade de buscar
renda para o sustento. A questão das periferias, nesse contexto, aparece como
referência de como a ideologia de estado mínimo e o discurso neoliberal podem
ignorar, em determinados contextos, populações em países com extrema
desigualdade, onde o investimento nessa fictícia ‘empresa individual’ encontra
barreiras na fome, na dificuldade de inserção no mercado, na violência e na própria
geografia das cidades. Esses trabalhadores que, mesmo inseridos no mercado, nem
sempre são capazes de suprir necessidades vitais garantidas constitucionalmente.

3.4 A QUESTÃO DOS DESMATAMENTOS COMO DISCURSO ECONÔMICO

O desmatamento no Brasil é uma questão histórica que se choca com


interesses econômicos desde o período colonial. Poucos anos após a descoberta por
Portugal das novas terras americanas, já se passou a explorar as matas ao longo da
costa brasileira com o objetivo de obter lucro com a venda do pau-brasil no mercado
europeu. Tratava-se de uma árvore nativa muito usada para a confecção de móveis e
tingimento de tecidos a partir de sua seiva avermelhada.

15A estatística foi extraída da Síntese de Indicadores Sociais 2019, divulgada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-
agencia-de-noticias/noticias/25883-abandono-escolar-e-oito-vezes-maior-entre-jovens-de-familias-
maispobres#:~:text=No%20pa%C3%ADs%2C%20cerca%20de%20737,menor%20no%20Sudeste%2
0(6%25). Acesso em: 15 de nov. de 2020.
34

Santos16, autor do livro “História da capitania de Porto Seguro: Novos estudos


sobre a Bahia colonial, Séc. XVI – XIX”, discorre em sua tese de mestrado que “o
primeiro produto com grande valor comercial explorado pelos europeus na costa do
Brasil foi o pau-brasil” (SANTOS, 2015, p. 36)

A Coroa portuguesa instituiu monopólio sobre a exploração da madeira


tintorial e arrendou os direitos de exploração a um consórcio de comerciantes
liderados por Fernão de Loronha ou Noronha. Esse consórcio ficaria também
responsável pelo despacho de seis navios por ano para explorar pau-brasil e
outros produtos comercializáveis. (SANTOS, 2015, p. 37)

Atualmente, as maiores causas de desmatamento no país são: agropecuária e


corte ilegal de árvores. Um estudo realizado em 2014 pela Florest Trends revela que
quase metade (49%) do desflorestamento tropical atualmente é causado pelo
desmatamento ilegal destinado à agricultura de comércio. Muito disso, conforme
relatório publicado, é motivado pela demanda por commodities no exterior, a exemplo
da soja, da madeira e da carne bovina.

O estudo Consumer Goods and Deforestation: An Analysis of the Extent and


Nature of Illegality in Forest Conversion for Agriculture and Timber Plantations 17 ainda
indica que, no total, 90% do desmatamento no Brasil entre 2000 a 2012 foi ilegal. Isso
nos revela que a questão vai muito além da mera liberalidade de produzir em terras,
mas um verdadeiro problema ambiental que há muito tempo vem sendo
negligenciado, indicando baixa fiscalização pelos órgãos competentes e, por vezes,
certa conveniência econômica por parte de autoridades.

Não se trata, afinal, de impedir o exercício de atividades produtivas em terras


autorizadas e da livre iniciativa, mas o próprio cometimento ou não de crimes

16Uiá Freire Dias dos Santos, historiador social, desenvolve sua tese de mestrado no tema “Negociação
e conflito na administração do Pau-Brasil: a Capitania de Porto Seguro (1604 – 1650)”. Para tanto,
retoma a dinâmica inicial na história do Brasil.
17As informações relativas ao desmatamento tropical e ilegal no Brasil foram extraídas do relatório da
Florest Trends, instituição sem fins lucrativos sediada em Washington DC – EUA que atua na
preservação ambiental. Disponível em: https://www.forest-trends.org/wp-
content/uploads/imported/for168-consumer-goods-and-deforestation-letter-14-0916-hr-no-crops_web-
pdf.pdf. Acesso em: 15 de nov. de 2020.
35

ambientais. Conforme revela o portal de notícias do INPE18, a taxa de desmatamento


para apenas os nove estados da Amazônia Legal por corte raso, em 2019, foi de
10.129 Km2. Para além dos impactos nos biomas nativos, entretanto, o desmatamento
por corte raso ou queimada também são prejudiciais e ameaçam a existência humana.
Isso porque modificam o clima ao contribuir para o efeito estufa, uma vez que são as
árvores as grandes responsáveis pela absorção de gás carbônico na atmosfera, o
qual intensifica o fenômeno.

A vegetação, do mesmo modo, contribui para a umidade do ar e o controle do


regime de chuvas. Isso sem considerar a sua importância para povos nativos que
vivem e extraem da floresta recursos para a sua subsistência. Dessa forma, a
negligência quanto às questões relacionadas ao meio ambiente pode ser analisada
sob a ótica das políticas de morte, tanto por ignorarem a fauna e flora como forma e
manifestação da vida, quanto por desconsiderarem os graves efeitos de curto ou longo
prazo para a saúde e a própria vida dos cidadãos.

Conforme reza a Constituição Federal, em seu artigo 225, “Todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Na contramão dessa necessidade de preservar os biomas nativos, inclusive


reconhecida na Constituição, surgem discursos que constantemente confrontam
interesses econômicos para contornar a legislação ambiental e inseri-la como a
grande barreira ao desenvolvimento econômico. A título de exemplo de ações como
essa repercutindo nas esferas políticas, vale destacar a fala proferida pelo governador
do Acre, Gladson Cameli, divulgada pelo portal de notícias G119 em junho de 2019,
quando este solicitou aos produtores rurais que avisassem a ele em caso de multa

18 Dados extraídos de tabelas publicadas pelo portal de notícias do INPE. Disponível em:
http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=5465.
19 O comentário foi divulgado pelo portal de notícias da Globo em julho de 2019, esclarecendo que a
declaração teria sido feita em maio do mesmo ano. Disponível em:
https://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2019/07/31/governador-do-ac-diz-a-produtores-para-nao-
pagarem-multas-de-crimes-ambientais-quem-manda-sou-eu.ghtml.
36

recebida, garantido que não deixaria que o Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac),
afetasse de alguma maneira quem deseja trabalhar.

A declaração do governador, embora este tenha reiterado posteriormente que


não toleraria o cometimento de crimes ambientais, revela um certo apelo ao
descumprimento de normas como protesto ao que seria um empecilho ao
desenvolvimento do trabalho e das atividades econômicas.

O mesmo portal divulgou em maio de 2020 uma declaração do ministro Ricardo


Salles20, no qual ele sugere aproveitar o foco que a imprensa vinha dando à pandemia
para simplificar ou desregulamentar através de reformas infralegais a legislação
ambiental. Importante notar que comumente esses discursos confrontam a proteção
ambiental com o desenvolvimento do país, induzindo a pensar que, ao conceder
liberdade aos grandes proprietários de terras desmatarem ou explorarem ao máximo
os recursos naturais, o crescimento econômico se tornaria realidade.

Seria quase como se a natureza fosse algo contra o qual se precisa lutar para
extrair riquezas, o que nem sempre procede na realidade. Sabe-se, por exemplo, que
o extrativismo vegetal não-madeireiro pode gerar bom retorno financeiro aos estados,
movimentando a economia regional e contribuindo para a renda das populações
locais. Como exemplo, cabe mencionar o comércio do açaí no norte do país.

De acordo com a agência de notícias do IBGE21, em 2018 o fruto continuou


apresentando “o maior valor de produção (R$ 592,0 milhões), com alta de 2,5% em
relação a 2017”. Ainda, conforme o portal:

20 Declaração transcrita pelo portal de notícias G1. Disponível em:


https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/ministro-do-meio-ambiente-defende-passar-a-boiada-
e-mudar-regramento-e-simplificar-normas.ghtml

21 Trechos e dados extraídos da agência de notícias do IBGE. Disponível em:


https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-
noticias/releases/25437-pevs-2018-producao-da-silvicultura-e-da-extracao-vegetal-chega-a-r-20-6-
bilhoes-e-cresce-8-0-em-
relacaoa2017#:~:text=Os%20produtos%20extrativos%20n%C3%A3o%2Dmadeireiros,5%25%20em%
20rela%C3%A7%C3%A3o%20a%202017. Acesso em: 27 de nov. de 2020.
37

Esse tipo de atividade extrativista exerce grande relevância para os povos e


comunidades tradicionais, contribuindo para a ocupação da mão-de-obra e
distribuição de renda. O grupo dos produtos alimentícios, maior entre os não-
madeireiros da extração vegetal, novamente apresentou valor de produção
crescente (4,1%), totalizando R$ 1,3 bilhões. O açaí foi o produto que
registrou maior participação no valor de produção dentro deste grupo
(46,3%). (IBGE, 2019)

3.5 A QUESTÃO DA POPULAÇÃO NEGRA E O DISCURSO RACIAL

O Brasil conta com um longo histórico de escravidão, que perdurou desde o


período colonial até após a declaração da independência do país em 1822.
Oficialmente, a escravidão teve fim a partir de uma lei, conhecida como “Lei Áurea”,
votada no Senado em 1888 e aprovada pela princesa Isabel. Dados do IBGE22 acerca
das estatísticas de povoamento no Brasil em 500 anos, apontam que entre o século
XVI e o início do século XIX, desembarcaram no país cerca de 4 milhões de escravos
africanos, entre mulheres, homens e crianças.

Conforme informações fornecidas pelo próprio portal do IBGE, isso equivale a


mais de 1/3 de todo o comércio negreiro, o que nos revela a força que o regimento
escravagista teve no território em comparação ao restante da América Latina,
constituindo a grande base da economia brasileira por um longo período e
submetendo populações, com determinadas características físicas em razão de sua
origem, a trabalhos forçados. Sabe-se que, atualmente, tal prática é vedada por lei, o
que, em princípio, afastaria a face da política de morte na realidade brasileira.

Por outro lado, cumpre analisar estatisticamente as condições de vida e


sobrevivência da população preta e parda hoje, que é maioria no Brasil. Conforme

22 Dados extraídos do Canal Brasil 500 anos, do IBGE, que apresenta um panorama sobre a ocupação
no território brasileiro ao longo de sua história, com vistas a demonstrar por meio de gráficos e
estatísticas a contribuição por grupos étnicos distintos no país. Disponível em:
https://brasil500anos.ibge.gov.br/territorio-brasileiro-e-povoamento/negros.html. Acesso em 27 de nov.
De 2020.
38

informativo elaborado pelo IBGE23, embora constitua significativa parcela dos


cidadãos, o acesso ao mercado de trabalho e as condições de renda são desiguais
em comparação aos indivíduos brancos. Para se ter ideia, dentre os ocupantes de
cargos gerenciais em 2018, cerca de 68,6% eram ocupados por brancos, contra
apenas 29,9% eram ocupados por pretos ou pardos.

A distribuição de renda em razão da raça também revela distorções


importantes. Entre a população branca, cerca de 19% vivem abaixo da linha da
pobreza, enquanto entre os pretos e pardos esse número é de 41,7%, ou seja, mais
que o dobro em relação ao primeiro grupo. As taxas de analfabetismo e homicídio
também alertam para cenários distintos. A primeira indica que cerca de 9,1% dos
pardos ou pretos com mais de 15 anos são analfabetos. Do mesmo modo, esse grupo
também apresenta maior risco de morte violenta.

Conforme relatório, a taxa de homicídio por 100 mil jovens em 2017 foi de 98,5,
enquanto entre a população branca esse número era de 34,0. Esses e outros dados
que se repetem ao longo dos anos reforçam a existência de desigualdades que
apontam para questões de raça que encontram fundamento na história do país e no
relativamente recente histórico de escravidão. Deixando de lado, por um breve
momento, a constituição das questões raciais na atualidade, especialmente em
relação à população negra, cumpre trazer à tona alguns teóricos já mencionados que
buscaram explicar essas questões no campo da política.

Foucault que, como visto, desenvolve a sua teoria com fundamento nas
relações de biopoder, desenvolvidas na Modernidade, entende que o racismo é a
chave para explicar como um poder que em princípio tem a função de potencializar a
vida, pode exercer a sua função de morte. Na aula de 17 de março de 1976, descrita
no livro “Em defesa da Sociedade”, o autor nos traz a seguinte problemática:

23 Dados referentes ao informativo divulgado pelo IBGE, com os resultados centrais do estudo
Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101681_informativo.pdf. Acesso em: 28 de nov. de
2020.
39

Como um poder como este pode matar, se é verdade que se trata


essencialmente de aumentar a vida, de prolongar sua duração, de multiplicar
suas possibilidades, de desviar seus acidentes, ou então de compensar suas
deficiências? Como, nessas condições, é possível, para um poder político,
matar, reclamar a morte, pedir a morte, mandar matar, dar a ordem de matar,
expor à morte não só seus inimigos, mas mesmo seus próprios cidadãos?
Como esse poder que tem essencialmente o objetivo de fazer viver pode
deixar morrer? Como exercer o poder da morte, como exercer a função da
morte, num sistema político centrado no biopoder? É aí, creio eu, que
intervém o racismo. (FOUCAULT, 2005, p. 304)

A partir dessa constatação, Foucault deixa claro que não pretende afirmar que
o racismo surge apenas nesse contexto ou que seria algo relativamente recente, mas
que este passou a cumprir um papel central dentro da lógica do biopoder que,
oportunamente, se pôde detalhar. Para ele, o racismo se inseriu como mecanismo de
funcionamento do Estado na Modernidade, de modo que se pode afirmar que: “quase
não haja funcionamento moderno do Estado que, em certo momento, em certo limite
e em certas condições, não passe pelo racismo.” (FOUCAULT, 2005, p. 304) e, assim
poderíamos complementar, independentemente do grupo alvo.

Com isso, justifica que tal constatação se dá pelo fato de que o racismo permite
decidir o que deve viver ou morrer, e que ele assume duas funções fundamentais
dentro dessa lógica do poder estatal. Em primeiro lugar, a qualificação de
determinadas raças como de inferiores pode “fragmentar, fazer cesuras no interior
desse contínuo biológico a que se dirige o biopoder.” (FOUCAULT, 2005, p. 305). Em
segundo lugar, como explica o próprio Foucault, o racismo tem como papel

permitir uma relação positiva, se vocês quiserem, do tipo: [...] "quanto mais
você deixar morrer, mais, por isso mesmo, você viverá". Eu diria que essa
relação ("se você quer viver, é preciso que você faça morrer, é preciso que
você possa matar") afinal não foi o racismo, nem o Estado moderno, que
inventou. É a relação guerreira: "para viver, é preciso que você massacre
seus inimigos". (FOUCAULT, 2005, p. 305)

O racismo, portanto, seria um mecanismo que faz funcionar essa lógica da


guerra, na qual para viver, é preciso que o “outro” morra, ou melhor,
40

“quanto mais as espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais os


indivíduos anormais forem eliminados, menos degenerados haverá em
relação à espécie, mais eu - não enquanto indivíduo, mas enquanto espécie
- viverei, mais forte serei, mais vigoroso serei, mais poderei proliferar”
(FOUCAULT, 2005, p. 305)

Isso permitiria, dentro da lógica do biopoder e do seu exercício pelo Estado,


criar condições de enfrentamento entre determinados grupos em que a morte de
alguns representaria a própria segurança pessoal de outros. Desse modo, a morte de
uns, ou, como Foucault se refere, “a morte da raça ruim” (2005, p. 305) é o que faria
a vida em geral ser sadia.

Trata-se de uma relação biológica, que se alinha às teorias formuladas por


Darwin, quando da análise da evolução das espécies, mas que agora passa a ser
apropriada pelo Estado para que este possa exercer a sua função de morte na
sociedade de forma relativamente normal. Seria uma forma de operar tal como nos
antigos regimes, uma maneira de fazer morrer que se exerce direta ou indiretamente.

É claro, por tirar a vida não entendo simplesmente o assassínio direto, mas
também tudo o que pode ser assassínio indireto: o fato de expor à morte, de
multiplicar para alguns o risco de morte ou, pura e simplesmente, a morte
política, a expulsão, a rejeição, etc. (FOUCAULT, 2005, 306)

Para o autor, isso está em perfeito acordo com a lógica do biopoder, justamente
porque invoca o fortalecimento biológico como dependente da eliminação de vidas
que enfraquecem essa sociedade, esse corpo social. Tudo isso a partir de uma
hierarquização entre indivíduos enquanto espécie, fomentada pelo discurso racial. É
interessante transportar essas explanações de Foucault para pensarmos, na realidade
brasileira, a normalização da exclusão de determinados indivíduos da sociedade, seja
do mercado de trabalho seja do espaço público, ou mesmo uma afirmação de sua
existência como um risco à própria segurança.
41

Tal constatação encontra fundamento, inclusive, na face da população


carcerária e nas mortes policiais. Conforme Anuário Brasileiro de Segurança Pública
de 201924, “Constituintes de cerca de 55% da população brasileira, os negros são
75,4% dos mortos pela polícia.” (FBSP, 2019, p. 58). Nesse sentido, Mbembe também
reconhece que a raça tem lugar na razão biopolítica e na lógica de estado moderna.

Que a “raça” (ou, na verdade, o “racismo”) tenha um lugar proeminente na


racionalidade própria do biopoder é inteiramente justificável. Afinal de contas,
mais do que o pensamento de classe (a ideologia que define história como
uma luta econômica de classes), a raça foi a sombra sempre presente sobre
o pensamento e a prática das políticas do Ocidente, especialmente quando
se trata de imaginar a desumanidade de povos estrangeiros – ou dominá-los.
(MBEMBE, 2018, p. 128).

Por essas constatações, bem desenvolvidas por ambos os filósofos, pode-se


identificar os discursos que fazem diferenciação entre raças, situando indivíduos em
hierarquias no corpo social como uma forma de normalizar a violência, tanto direta
quanto indireta. Como se extrai da análise de Foucault, em especial, é essa a lógica
discursiva que normaliza, ou melhor, torna aceitável, a exclusão de indivíduos de
determinados ambientes. O racismo, do mesmo modo, pode ser utilizado como
mecanismo de poder para que o Estado possa exercer o seu direito de matar, tal como
no antigo regime.

Uma morte que pode não ser propriamente biológica, mas também política,
social. A partir das observações formuladas por Foucault, assim como outros autores
que o tiveram por base, entre eles o próprio Mbembe, e comparando os dados
relacionados à realidade brasileira, se pode considerar as políticas de morte nesse
contexto. Vale ressaltar, ainda, a questão cultural implícita que perpetua violências
diretas ou indiretas e que dão causa a condições de existência restritas, dificuldade

24FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (FBSP). Anuário Brasileiro de Segurança


Pública 2019. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario-
2019-FINAL_21.10.19.pdf>. Acesso em: 27 de nov. de 2019.
42

de acesso ao mercado de trabalho, assim como em outros ambientes no qual é


possível se fazer representar, colocando em pauta interesses comuns.
43

4 O DIREITO FRENTE AOS DISCURSOS E ÀS POLÍTICAS DA MORTE

Quando da análise do conceito de política da morte, se obteve uma boa


resposta a esse questionamento a partir da obra de Mbembe. De acordo com o autor,
necropolítica faz referência às “formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder
da morte” (MBEMBE, 2018, p. 146). Poder este que pode, também, ser exercido pelo
Estado em determinadas circunstâncias a partir da apropriação de discursos
legitimadores. Diante dessas noções desenvolvidas nos capítulos anteriores, é
razoável perguntar qual papel o Direito assume nesse contexto.

Para responder à questão, parece necessário entender, primeiramente, qual a


relação conceitual entre Direito e Estado. Nesse sentido, cabe desenvolver a
dualidade suscitada por Hans Kelsen em sua obra “Teoria Pura do Direito 25” e que
revela de maneira objetiva a indistinta relação hierárquica entre ambos, bem como
seus entrelaçamentos.

O Estado deve ser representado como uma pessoa diferente do Direito para
que o Direito possa justificar o Estado – que cria este Direito e se lhe submete.
E o Direito só pode justificar o Estado quando é pressuposto como uma ordem
essencialmente diferente do Estado, oposta à sua originária natureza, o
poder, e, por isso mesmo, reta ou justa em qualquer sentido. Assim o Estado
é transformado, de um simples fato de poder, em Estado de Direito que se
justifica pelo fato de fazer direito. (KELSEN, 1998, p. 316)

Do trecho se extrai que as entidades Direito e Estado são representadas como


diferentes para que uma possam se justificar. O Estado, tendo como natureza
originária o poder é quem pode instituir a ordem jurídica para, somente então, se
submeter a ela. Seria por meio deste processo que surge o Estado de Direito, o qual
se auto justifica pelo fato de dar causa à ordem jurídica. Trata-se de uma situação
dual, ou paradoxal, no qual fica difícil estabelecer uma relação hierárquica a priori que

25 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª Edição - São Paulo: Martins Fontes, 1998.
44

permita localizar o Direito frente às políticas de morte. Nesse sentido, Dutra26,


professor da UFSC e pesquisador nas áreas da Filosofia e Direito, pondera que:

A teoria que separa direito e Estado, Kelsen a chama de bilateral, segundo a


qual o Estado vincula-se aos direitos que ele mesmo produziu. Assim, o
Estado existiria independentemente do direito, em seguida ele criaria o direito
e se autovincularia a ele. (DUTRA, 2004, p. 62)

Mais adiante, a partir dessa constatação, Kelsen analisará que o Estado,


portanto, necessita de legitimação. E para que isso ocorra, é necessário que o Direito
seja considerado uma ordem ou tenha uma natureza distinta dele próprio. Entretanto,
considera que a noção de Estado e Direito como entidades diferentes é irreal.

Seu argumento é que os atos de Estado, como criar leis, são, na verdade,
atos de indivíduos que criam leis. Esses indivíduos são autorizados
juridicamente a fazer tais atos. Dizer que o Estado cria o direito, significa
apenas dizer que estes indivíduos, autorizados juridicamente, criam o direito.
E isso só quer dizer, no fundo, que o direito regula a sua própria criação.
(DUTRA, 2004, p. 62)

A partir dessa noção de que os atos do Estado, na verdade, estão


representados na vontade do indivíduo, e “[...] se todo Estado é um Estado de direito,
esta última expressão não passa de um pleonasmo”. (DUTRA, 2004, p. 62). Kelsen,
a partir dessa constatação bem analisada por Dutra e explorada ao longo da referida
obra, funde os conceitos de Direito e Estado em sua máxima expressão.

O poder do Estado não uma instância mística para além da eficácia de sua
ordem jurídica. O poder do Estado funde-se com a eficácia da norma jurídica.
Portanto, o Estado não existe independentemente da ordem jurídica,

26 DUTRA, Delamar José. A legalidade como forma do estado de direito. Kriterion: Revista de
Filosofia, Belo Horizonte, v. 45, nº 109, p. 57-80, jun. de 2004. Disponível em:
<https://www.scielo.br/pdf/kr/v45n109/v45n109a04.pdf>. Acesso em: 22 de nov. de 2020.
45

podendo ou não, ser enformado pelo direito e exercido por ele; não, eles
(Estado e direito) são a mesma coisa. (DUTRA, 2004, p. 63)

Diante dessa análise de que o Estado é a própria eficácia da norma jurídica, e


lançando um olhar sobre as políticas de morte, poderia se extrair que a vontade do
Estado e do Direito são, em última análise, a mesma coisa. Isso, entretanto, nos traz
alguns problemas práticos. Entre eles, a identificação daquelas situações em que a
um agente à serviço da administração pública, por exemplo, tem seus atos anulados
quando eivados de vício que o tornem contrários à norma jurídica. Deixando um pouco
de lado a controvérsia, vale trazer à análise uma teoria que se contrapõe àquelas
formuladas por Kelsen. De acordo com Dutra, no mesmo artigo publicado acerca da
legalidade como forma do estado de direito,

Na contramão de Weber, o qual separa Estado de direito [...] Kelsen funde


direito e Estado na sua maior profundidade. Kelsen critica a separação que
Weber faz entre uma consideração sociológica do Estado, o qual poderia ser
exercido, seja legalmente, seja de qualquer outro modo. (2004, p. 62)

Ainda, de acordo com o autor, “Para Weber, pode haver Estado sem direito,
mas não direito sem Estado” (DUTRA, 2004, p. 59). Vejamos, então, como se constitui
o raciocínio de Weber formulado em sua obra Economia e Sociedade27.

Do ponto de vista da consideração sociológica, uma associação "política", e


particularmente um "Estado", não pode ser definida pelo conteúdo daquilo
que faz. Não há quase nenhuma tarefa que alguma associação política, em
algum momento, não tivesse tomado em suas mãos, mas, por outro lado,
também não há nenhuma da qual se poderia dizer que tivesse sido própria,
em todos os momentos e exclusivamente, daquelas associações que se
chamam políticas (ou hoje: Estados) ou que são historicamente as
precursoras do Estado moderno. Ao contrário, somente se pode, afinal, definir
sociologicamente o Estado moderno por um meio específico que lhe é

27WEBER, Max. Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. São Paulo:


UnB, 2004, vol. 2.
46

próprio, como também a toda associação política: o da coação física.


(WEBER, 2004, p. 525)

A partir dessa análise sociológica, Weber constata que o Estado não pode ser
definido por seu conteúdo material. Isso porque ao longo da história cada um tomou
para si tarefas distintas, das quais não se pode fazer uma análise unificada. Identifica,
entretanto, que se pode definir os estados modernos por seu meio específico de estar
na sociedade, que é o uso legítimo da força.

Ou seja, por óbvio, essa entidade não é a única capaz de usar da força para
impor a sua vontade, mas o único autorizado a fazê-lo, enquanto “[...] a todas as
demais associações ou pessoas individuais somente se atribui o direito de exercer
coação física na medida em que o Estado o permita” (WEBER, 2004, p. 525-526).
Dando continuidade ao raciocínio, Weber, assim como Kelsen, conclui que o Estado
se constitui por uma relação entre indivíduos sobre indivíduos com suporte na coação.

No entanto, sob seu ponto de análise, entende que “Para que ele subsista, as
pessoas dominadas têm que se submeter à autoridade invocada pelas que dominam
no momento dado.” (WEBER, 2004, p. 526). E para compreender como isso se dá,
elenca em sua obra fundamentos de legitimidade pelo qual se pode sustentar essa
dominação. São eles: a tradição, o carisma e a legalidade.

Primeiro, a autoridade do "eterno ontem", do costume sagrado por validade


imemorável e pela disposição habitual de respeitá-lo: dominação "tradicional",
tal como a exerciam o patriarca e o príncipe patrimonial de antigamente.
Segundo, a autoridade do dom de graça pessoal, extracotidiano (carisma): a
entrega pessoal e a confiança pessoal em revelações, heroísmo ou outras
qualidades de líder de um indivíduo: dominação, "carismática" , tal como a
exercem o profeta ou - na área política - o príncipe guerreiro eleito ou o
soberano plebiscitário, o grande demagogo e o chefe de um partido político.
Por fim, a dominação, em virtude de "legalidade", da crença na validade de
estatutos legais e da "competência" objetiva, fundamentada em regras
racionalmente criadas, isto é, em virtude da disposição de obediência ao
cumprimento de deveres fixados nos estatutos [...] (WEBER, 2004, 526)
47

Como se extrai do trecho destacado, a legalidade para Weber é um dos


legitimadores da existência do Estado, mas não o único. Isso retoma e reforça a ideia
de que ele possa existir, ainda que historicamente, como entidade autônoma. Por essa
ótica, se poderia afirmar que, uma vez autônomo, também pode o Estado ter vontade
própria, desvinculada do Direito. Tendo em vista essas duas noções distintas acerca
do papel da relação entre Estado e Direito, cumpre agora lançar olhar para a realidade
brasileira, diante das políticas da morte, e observar qual papel o Direito assume
nesses contextos.

Quando da análise dos discursos que legitimam as políticas de morte, várias


vezes se percebe que os discursos apropriados pelo Estado e incorporados como sua
vontade, muitas vezes, se chocam com a vontade do Direito, ou com o que é posto
na ordem jurídica. Retomando, como exemplo, o agente público que diz em nome do
Estado, mas tem seus atos anulados por vício, nos parece haver uma distinção
importante entre o Estado como entidade e a ordem jurídica que regulamenta a todos,
inclusive ao próprio Estado que o originou.

Assim, pode o Direito tanto reforçar a vontade do Estado quanto negá-la. Ou


seja, seguindo esse raciocínio, o Direito pode tanto dar aval às políticas de morte
quanto combatê-las, o que dependerá do conteúdo da norma jurídica e dos
mecanismos legais de controle do poder e de uso da força pelo Estado. Até aqui,
portanto, conclui-se que a ordem jurídica deva ter prevalência sobre todos, inclusive
o Estado, ainda que para reforçar a sua vontade ou dar aval aos seus atos.

Há, entretanto, uma segunda hipótese que é a transgressão dessa ordem


jurídica, ou seja, quando o Estado suspende a norma temporariamente e impõe a sua
vontade, o que é bem elaborado por Agamben28 e que retoma as noções de estado
de exceção exploradas anteriormente. O autor, inclusive, se utiliza do exemplo da
instituição das Medidas Provisórias na Itália, colocando situações nas quais o próprio
Direito pode ampliar poderes originalmente não autorizados e que fogem ao seu
controle.

28AGAMBEN, Giorgio. Trad. Iraci D. Poleti. Estado de Exceção. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2004.
(Estado de Sítio).
48

Apesar do abuso na promulgação dos decretos de urgência por parte dos


governos fascistas ser tão grande que o próprio regime sentiu necessidade
de limitar seu alcance em 1939, a Constituição Republicana, por meio do art.
77, estabeleceu com singular continuidade que, "nos casos extraordinários
de necessidade e de urgência", o governo poderia adotar "medidas
provisórias com força de lei", as quais deveriam ser apresentadas no mesmo
dia às Câmaras e perderiam sua eficácia se não fossem transformadas em
lei dentro de sessenta dias, contados a partir da publicação. Sabe-se que a
prática da legislação governamental por meio de decretos-Iei tornou-se,
desde então, a regra na Itália. Não só se recorreu aos decretos de urgência
nos períodos de crise política, contornando assim o princípio constitucional
de que os direitos dos cidadãos não poderiam ser limitados senão por meio
de leis [...] como também os decretos-lei constituem a tal ponto a forma
normal de legislação que puderam ser definidos como "projetos de lei
reforçados por urgência garantida" (AGAMBEN, 2004, p. 32)

Agamben ainda nos coloca um ponto interessante para a reflexão, que é


justamente essa possibilidade, no próprio plano do Direito, de suspender a ordem
jurídica (ou seja, decretar o estado de exceção) sob determinadas circunstâncias e
permitir a tomada de decisão por entidades alheias a ela própria, ou seja, que não são
a vontade da lei posta. Medida esta que, como analisado no capítulo dedicado à
questão do homo sacer, pode fazer com que a ordem seja suspensa a um
determinado grupo de pessoas.

[...] as medidas excepcionais encontram-se na situação paradoxal de


medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no plano do direito, e o
estado de exceção apresenta-se como a forma legal daquilo que não pode
ter forma legal. (AGAMBEN, 2004, p. 12)

Conforme o filósofo, “[...] no estado exceção, o que realmente está em jogo é


problema do significado jurídico de uma esfera de ação em si extrajurídica”
(AGAMBEN, 2004, p. 24). Na Constituição brasileira, os dispositivos excepcionais são
estado de defesa, estado de sítio e intervenção federal, disciplinados nos artigos 136
a 141 e 34 a 36 do mesmo diploma. Assim como em outros países, o Brasil permite
que determinados direitos sejam suspensos, como se observa no artigo 136, §1º:
49

§ 1º O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua


duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e
limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:

I - restrições aos direitos de:

a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;

b) sigilo de correspondência;

c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;

II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de


calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

Assim, se tem em mente duas hipóteses: a primeira que o Direito, a todo tempo,
regula a vontade do Estado, estando este submetido à ordem jurídica, sendo que o
Direito pode tanto reforçar a sua vontade quanto negá-la no contexto das políticas de
morte. A segunda é que o Direito regula em partes a vontade do Estado, deixando
certa zona de incerteza e discricionariedade para que a vontade deste prevaleça, a
exemplo dos dispositivos excepcionais, entre outros. O Estado, por meio do próprio
Direito, então, poderia impor a sua vontade, invocando a necessidade ou urgência.

Pergunta-se, então, qual relevância os discursos assumem diante dessas


hipóteses. Como visto, parece razoável fazer uma distinção entre Estado e Direito
enquanto entidades que se encontram, mas que podem divergir em sua manifestação
de vontade. Assim, é a partir da análise dos discursos adotados por ambos, diante de
situações práticas, que se pode verificar confrontos ou concordâncias no que se refere
às políticas de morte.

Sabe-se que a norma é produzida por legisladores, que são cidadãos e estão
inseridos na sociedade, vivenciando contextos e experiências em comunidade. Sendo
assim, os discursos predominantes em uma determinada conjuntura podem dar causa
a conteúdos jurídicos com força de lei. Um exemplo recente que demonstra a relação
entre discurso, vontade do Estado e vontade do Direito é a adoção, por parte das
autoridades, de falas que alertam para a necessidade de combate à corrupção e a
criminalidade no país por meio de um sistema penal rígido.
50

Sendo necessário, entretanto, o aval do congresso para que isso fosse


concretizado, encaminhou-se um projeto, conhecido como “Projeto de Lei Anticrime29”
para a apreciação dos deputados e senadores. A lei entrou em vigor em janeiro de
2020 e teve como uma das principais mudanças na legislação penal o aumento da
condenação máxima de 30 para 40 anos, o que está em perfeito acordo com o
discurso que clama pela urgência do endurecimento das penas como forma de conter
a criminalidade no país. A medida, inclusive, já tinha sido proposta anteriormente pelo
ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Conforme informações
divulgadas pela Agência Brasil30, em maio de 2018,

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes


apresentou [...] na Câmara dos Deputados, um conjunto de propostas para
endurecer a legislação penal no combate ao crime organizado, ao tráfico de
drogas e de armas e no enfrentamento às milícias. [...] Entre os principais
pontos do anteprojeto, está o aumento do período máximo de cumprimento
de pena no país. O prazo atual de 30 anos seria estendido para 40 anos de
detenção em regime fechado. (AGÊNCIA BRASIL, 2018)

Ainda, conforme relatado pelo portal de notícias, “Segundo Moraes, essa


medida acompanha o crescimento da expectativa de vida dos brasileiros e poderá
evitar que membros do crime organizado presos jovens deixem a prisão ainda aptos
a cometerem novos crimes.” (AGÊNCIA BRASIL, 2018)

Nesse caso em específico, a vontade dos agentes do Estado não foi


integralmente admitida pelo Direito, sendo parcialmente acolhido o projeto inicial
conhecido como “Anticrime”, o qual encontra fundamento em discursos presentes na

29Aprovada em dezembro de 2019, a lei nº 13.964/2019 aperfeiçoa a legislação penal e processual


penal brasileira, propondo medidas de endurecimento sob a justificativa do combate à criminalidade.
Entre elas, o aumento do tempo máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade, conforme
redação do artigo 75 do Código Penal brasileiro.

30 CRISTALDO, Heloisa. Alexandre de Moraes entrega ao Congresso propostas para combater


crime. Agência Brasil, 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-
05/alexandre-de-moraes-entrega-ao-congresso-propostas-para-combater-
crime#:~:text=O%20ministro%20do%20Supremo%20Tribunal,e%20no%20enfrentamento%20%C3%
A0s%20mil%C3%ADcias. Acesso em: 25 de nov. de 2020.
51

sociedade. Apesar disto, é razoável pensar no Direito como instrumento para


readaptar políticas que podem decidir pela vida ou pela morte. Ou seja, embora este
também possa acolher a vontade do Estado, que muitas vezes vai de encontro às
garantias fundamentais e os Direitos Humanos, é possível por meio dele, também,
estabelecer limites razoáveis para assegurar condições de existência às populações.

É pelo Direito que se pode barrar atos e delinear cenários possíveis de escolha
ao Estado, assim como estabelecer sanções àquelas vontades pelas quais, como diz
Mbembe, “as populações são submetidas a condições de vida que lhes conferem o
status de “mortos-vivos”.” (MBEMBE, 2018, p. 146). Cabe ao jurista estar atento às
normas postas, fazendo uma análise crítica sobre o contexto de sua elaboração, os
discursos que foram tecidos em sua edição e os reflexos práticos que ela pode vir a
ter quando inserida na realidade brasileira.
52

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio das investigações formuladas ao longo deste trabalho, conclui-se que,
de fato, a partir da modernidade, o estado passa a se apropriar da vida biológica dos
cidadãos como objeto de gestão, tomando como sua a responsabilidade. Enquanto
na Idade Média ao final do século XVIII o estado exerce seu poder sobre a vida por
meio do “fazer morrer e deixar viver”, sem uma preocupação maior, portanto, com
outros aspectos da vida natural, a partir do século XIX nota-se uma inversão de lógica.

O poder passa a ser exercido para o “fazer viver e deixar morrer”. Preocupa-
se, portanto, com a potencialização da vida humana. Seja porque a vida é sinônimo
de produtividade seja porque passa a ser considerada, em determinado momento
histórico, como princípio máximo de um estado justo. O conceito nos faz compreender
os mecanismos pelos quais o poder pode interferir na vida biológica.

Entretanto, por si só é insuficiente para entender como, atualmente, o estado


pode exercer seu poder sobre a morte. Nesse sentido, Giorgio Agamben e Achille
Mbembe têm grande contribuição. O primeiro, trazendo a figura do homo sacer
extraído do direito romano, releva como, ainda hoje, algumas pessoas podem ser
colocadas fora da ordem jurídica quando cessa para o Estado a relevância política de
tutelar certas vidas. Ainda, que o estado de exceção pode ser um mecanismo para
fazer suspender a lei à determinadas populações.

Mbembe, por outro lado, diz que nos países colonizados, em especial, a
necropolítica encontra como precedente a escravidão, na qual o estado de exceção é
permanente para determinados indivíduos considerados “selvagens” e, portanto,
entregues à vida nua, e não à vida política europeia. Para estes, é possível suspender
a norma, uma vez que estão fora da racionalidade humana. Esse imaginário colonial
explicaria relações que, atualmente, pode expor à morte determinados grupos.

Esse conjunto de mecanismos de poder pelos quais os autores se debruçam


permitem, finalmente, perceber na realidade algumas situações que podem ser
analisadas sob a ótica das políticas de morte e perceber os discursos que as
envolvem. Em primeiro lugar, coube refletir sobre o caso da Vala de Perus e como as
53

estratégias discursivas ressaltando o perigo iminente e o inimigo interno legitimou um


gerenciamento direto sobre a morte pelo estado, inclusive no período de
redemocratização, pela falta de interesse na identificação de corpos. Em segundo
lugar, coloca-se a intervenção federal no Rio de Janeiro pela instrumentalização de
medos e o apelo social diante do caos.

Em terceiro lugar, a desoneração do estado na atuação em periferias e áreas


vulneráveis pelo fortalecimento de discursos que atribuem responsabilidade pelo
sucesso/fracasso aos méritos próprios e a transformação de direitos em serviços pela
analogia entre estado e empresa. Outro exemplo trabalhado como política da morte é
a ineficaz gestão ambiental a partir do confrontamento discursivo entre meio ambiente
e desenvolvimento econômico. Tais confrontamentos reforçam práticas que não
apenas induzem à violação das leis, mas também justificam a colocação em segundo
plano dos graves danos à vida que a degradação do meio pode provocar.

Por último, o discurso racial também se constitui como política da morte,


revisitada por Foucault como forma do estado exercer o poder de morte em um
contexto biopolítico e que, em diálogo com Mbembe, remonta ao histórico colonial que
expõe ao risco determinadas populações. Uma vez identificadas as políticas de morte
e as técnicas discursivas envolvidas, restou questionar o papel do Direito entre a
vontade do Estado e as práticas elencadas.

Nesse sentido, há duas hipóteses centrais. A primeira, defendida por Kelsen é


que o Estado nada mais é do que a eficácia da norma jurídica. Nesse sentido, se
poderia afirmar que a vontade do Direito é predominante, sendo que o estado se
submete a ela a todo tempo. A segunda, partindo da análise sociológica de Weber, é
que o Direito é um dos meios pelos quais o Estado se legitima, mas não o único.

E, embora a primeira seja condizente com a doutrina do direito brasileiro, foram


analisadas hipóteses em que, ainda que seja para revogá-lo posteriormente, o estado
pode evocar uma vontade diversa. Poderia o Direito, portanto, tanto ser causa para a
legitimação das políticas de morte quanto um delimitador eficaz de atos nesse sentido.

Diante desse impasse, faz-se necessária uma análise contextual pelo aplicador
do Direito. É preciso entender que tanto as pessoas que compõem a entidade estado
54

quanto os legisladores se inserem em um contexto discursivo. Sendo necessário


identificar, na prática, não apenas a legitimidade dos atos, mas também a sua causa
e reflexos na realidade concreta.
55

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