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museu de território dos campos

de concentração no ceará

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museu de território dos campos
de concentração no ceará

ISABELLE VIANA COELHO


TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO
SOB ORIENTAÇÃO DE:
PROFESSORA DOUTORA SOLANGE SCHRAMM
museu de território dos campos
de concentração no ceará

banca examinadora:

PROFA. DRA. SOLANGE SCHRAMM


orientadora . dau ufc

PROF. DR. CLÓVIS RAMIRO JUCÁ NETO


professor convidado . dau ufc

PROF. DR. ANTÔNIO MARTINS DA ROCHA JÚNIOR


arquiteto professor convidado . dau unifor

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação


Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária

C616m Coelho, Isabelle.


Museu de Território dos Campos de Concentração no Ceará / Isabelle Coelho. – 2019.
147 f. : il. color.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Centro


de Tecnologia, Curso de Arquitetura e Urbanismo, Fortaleza, 2019.
Orientação: Profa. Dra. Solange Schramm.

1. Patrimônio Cultural. 2. Museu de Território.


ISABELLE VIANA COELHO
fortaleza, julho de 2019
CDD 720
AGRADECIMENTOS

À minha mãe, a mulher mais incrível que eu conheço, e maior incentivadora da mi-
nha jornada até aqui.

Aos meus avós Berto e Dida e meu irmão, por dividirem comigo a vida e doses diárias
de amor.

À família Viana, gigante em número e em afeto, em especial àqueles que nunca me-
diram esforços para me verem realizar meus sonhos.

Ao meu companheiro, peça fundamental no fechamento desse ciclo, por ser tão azul
na minha vida e trazer leveza até nos momentos mais difíceis.

Aos meus colegas de faculdade, amigos pra vida toda, que durante esses seis anos tan-
to me ensinaram sobre empatia e companheirismo e me proporcionaram momentos
inesquecíveis.

Aos demais amigos que se fizeram presente em todo esse processo, eu tenho muita
sorte em ter vocês por perto, eu sou mais porque sou por vocês.

Por fim, toda gratidão à minha orientadora, sem dúvida a pessoa que mais me ins-
pirou em sala de aula, por ter embarcado junto a mim nesse trabalho com tanto
entusiasmo.

Recordando a labuta do dia, o que o


dominava agora era uma infinita pre-
guiça da vida, da eterna luta com o sol,
com a fome, com a natureza.
(...)
Raquel de Queiroz
trecho do livro “O quinze”
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ 11

|fortaleza belle époque| 13

|políticas de isolamento e poder| 14

|currais do governo| 21

|o campo de concentração do patu| 27

|a caminhada da seca| 33

PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E MEMÓRIA 39

|lugares de memória| 40

|museu de território| 47

|o sagrado e o profano| 51

DIAGNÓSTICO 54

|contexto| 54

|levantamentos| 59

REFERÊNCIAS PROJETUAIS 82

MUSEU DE TERRITÓRIO 87

|masterplan| 88

|caminho sagrado| 90

|caminho profano| 106

DESDOBRAMENTOS 147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 148


O RETRATO DAS SECAS
NO CEARÁ

A seca é um fenômeno climático causado pela insuficiência de precipitação pluvio-


métrica numa determinada região por um período de tempo muito grande. Tal fe-
nômeno tem como principal consequência a privação de um elemento essencial à
vida humana, a água, causando diversos transtornos no funcionamento das atividades
realizadas pelo homem. No Brasil, a seca é uma realidade que atinge principalmente
as regiões de clima semiárido que estão incluídas no Polígono das Secas¹. Esta área
envolve parte de oito estados nordestinos (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernam-
buco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e do norte de Minas Gerais.

Além de fenômeno físico, a seca possui um caráter econômico e social, pois afeta
diretamente o meio de sustento do sertanejo, dificultando o desenvolvimento da agri-
cultura e da criação de animais. A terra não produz, o gado morre, a fome se revela,
obrigando a população a abandonar suas terras em busca de alimento e melhores
condições de vida nas cidades onde há maior desenvolvimento econômico e de infra-
estrutura, geralmente as capitais litorâneas.

Essa migração periódica, a partir da segunda metade do século XIX, transformou-se


num grande problema social a ser enfrentado por governantes, burgueses, intelectuais
e técnicos, sendo objeto da construção de um sem-número de saberes e práticas que
objetivavam evitá-la, impedi-la ou neutralizar seus efeitos.

1. O Polígono foi traçado em 1936, pelo


governo, para facilitar a criação de um
plano de defesa contra as secas anômalas
do Nordeste.

Figura 1.1 Vista da janela, casa do engenheiro-mor na Vila


dos Ingleses, Senador Pompeu.
(fonte: acervo Luiz Figueiredo)

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O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

|fortaleza belle époque|

A partir da segunda metade do século XIX, Fortaleza, a exemplo de outras capitais do


país, passou por diversas transformações que marcaram o início do mundo contem-
porâneo. A elite formada por comerciantes e profissionais liberais vindos de outras
regiões brasileiras e do exterior ajudou a promover mudanças importantes na capital
cearense. Alterações de ordem urbana, política e econômica, além das referentes ao
cotidiano e subjetividade das pessoas, marcaram o período compreendido entre 1860
e as primeiras décadas do século XX, que ficou conhecido como “Belle Époque”.

O ingresso de Fortaleza na “Belle Époque” teve como base econômica as exporta-


ções de algodão na década de 1860. A partir de então, a capital ganhou novos ares,
expandiu-se, e tornou-se um dos oito primeiros centros do Brasil. As transformações
ocorridas nesse período tiveram grande influência das ideias de modernidade estética
e comportamental, especialmente francesas, que circulavam pelo mundo a época. A
cidade se modernizou através de reformas e empreendimentos nos moldes dos pa-
drões europeus. Foram incorporados equipamentos como bondes, telégrafos, praças,
bulevares e cafés, além do surgimento de grandes sobrados, palacetes e mansões, que
marcavam a ornamentação do novo perfil urbano de Fortaleza.

As classes mais abastadas e os grupos oligárquicos da capital defendiam a ideologia


civilizatória, o regime republicano, o modo de vida europeu e o conhecimento cien-
tífico-tecnológico. Tais ideias serviram como ponto de partida para a forte disciplina
urbana ocorrida na província nesse período.

A Fortaleza que se modernizava, porém, não era para todos. Existia uma preocupação
constante, por parte das elites e do governo, de uma “limpeza” na cidade da presença
incômoda daqueles que sujavam e enfeavam os lugares de “gente do bem”. Diversas
instituições foram criadas para receber os indesejáveis habitantes da capital, sendo
eles pedintes, lazarentos, moleques de rua ou retirantes da seca. Assim surgiram O
Lazareto da Lagoa Funda, A Santa Casa da Misericórdia, o Dispensário dos Pobres
entre outros.

A capital aparecia como palco do progresso, onde acontecimentos glamourosos se


desenrolavam sem deixar pistas sobre a dolorosa miséria que assolava todo o estado
cearense.

Figura 1.2 Entrada passeio público de Fortaleza.


Figura 1.3 Sociedade no passeio público.
Figura 1.4 Antiga Rua Formosa, centro de Fortaleza
(fonte: acervo Iphan Ceará)
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O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

|políticas de isolamento e poder|

No final do século XIX, depois de mais de 50 anos de progresso econômico e urba- O ano de 1878 seria calamitoso! A continuação do flagelo, contra a previsão de todos, teria conse-
nístico, que proporcionaram grandes transformações no espaço público e no modo quências ainda mais desastrosas, se não caísse a situação conservadora e não fossem chamados os
liberais ao poder. [...] Na Fortaleza, mais de cento e quarenta mil almas estavam abarracadas em
de vida da população, a economia cearense entra em crise devido a uma série de roda da cidade. (TEÓFILO, 1980, p. 90).
acontecimentos: a queda do preço do algodão (o grande produto de exportação da
região) pela concorrência norte-americana, a falta de capitais capazes de elevar a eco-
nomia cearense ao plano industrial e, principalmente, a terrível seca de 1877 a 1879, A insuficiência de distribuição de alimentos, as ações paliativas sem planejamento a
que matou mais de 500.000 indivíduos² e provocou um deslocamento em massa de longo prazo, e toda a dramática luta dos retirantes pela sobrevivência, são apontadas
sertanejos para o litoral. por Rodolfo como decorrentes da implantação da “indústria das secas”, que diz res-
peito à políticas de enfrentamento da crise climática em que os interesses particulares
Thomas Pompeu apresenta uma descrição resumida dos efeitos da seca em 1877: são favorecidos em detrimentos das reais necessidades da população sertaneja. A For-
taleza de Teófilo é a cidade baseada na injustiça social, agravada pela irresponsabili-
Em março o sertão já acusava falta de chuvas, em abril, perdidas as esperanças de inverno, começou dade e desonestidade de seus governantes e funcionários públicos.
o êxodo dos habitantes do interior para o litoral. Os gados morriam à falta d”aguadas, as lavouras
extinguiram-se e a ligeira provisão de víveres, conservadas como reserva por muitos, pouco a pouco
esgotou-se. De setembro em diante a fome era geral, os socorros públicos, mal administrados, não As críticas ao governo passaram a ser bastante incisivas a partir de 1878, na medida
chegavam regularmente aos lugares mais afectados (sic); quem possuía algum bem ou valor des- em que este não reconhecia os mais variados problemas existentes na província, que
fazia-se dele a troco de farinha ou de outro gênero de primeira necessidade. As poucas e afetadas necessitavam de rápida solução. A elite fortalezense exigia do poder público medidas
aguadas, como açudes e poços deixados no leito dos rios depois das cheias, evaporaram-se, rara
ficando em um outro ponto da província. Mesmo as pessoas que eram reputadas abastadas, rece-
que fossem capazes de conter e administrar a imensa leva de flagelados que chegava
osas de ficarem bloqueadas e sem comunicação com o litoral, longe de qualquer auxílio, fugiram, à capital todos os dias.
desampararam suas casas e fazendas. O sertão tornou-se quase deserto. (POMPEU SOBRINHO,
1893, p. 33). Dentre as primeiras intervenções emergenciais e disciplinares do poder público local
para o controle da população retirante, está a criação de frentes de trabalho que usa-
A partir desse momento, a capital cearense, que pretendia ser moderna e civilizada, riam a mão de obra sertaneja para emprego nas mais diversas tarefas. Essa iniciativa
passou a ser ocupada por um indesejado fluxo de transeuntes que traziam a dor e o estava atrelada à fundação, em 1909, do primeiro órgão federal de peso a cuidar
sofrimento em suas aparências e gestos. Pouco a pouco a cidade foi se transformando dos múltiplos problemas das secas: a Inspetoria de Obras contra as secas. O IOCS
em um palco de miséria e luxo, onde os grandes casarões tinham suas calçadas ocu- era responsável por promover uma ocupação produtiva do território através de três
padas pelos flagelados e suas mazelas. pilares: ligações viárias, obras de capacitação e reserva hídrica e recomposição da
cobertura vegetal.
O cenário urbano de Fortaleza sofreu então esse impacto de maneira dramática e
alarmante. Crimes, desacatos à recatada moral das famílias provincianas e tragédias A idéia das frentes de trabalho era a de utilizar mão de obra disponível durante as
indescritíveis se desenvolviam a vista de todos. As ações governamentais eram de- secas para a realização de obras públicas, como prédios, açudes e estradas, pautan-
masiadamente demoradas e insuficientes para controlar os retirantes. A partir desse do nesse mecanismo o progresso da província. Havia, juntamente, a propagação do
quadro, a organização social, demográfica e produtiva da capital se desestruturou. discurso que apontava o trabalho como veículo de moralidade e disciplina social. A
preocupação em oferecer ocupação e educação aos retirantes mobilizou o governo e a
Foi nesse contexto de total instabilidade política, econômica e social na província sociedade comercial da cidade de Fortaleza, que passaram a utilizar o trabalho como
que Rodolfo Teófilo escreveu A Fome, romance que retrata os mais variados proble- eficiente ferramenta de controle dos flagelados.
2. Segundo estimativas de Rodolfo mas sociais vividos pelos cearenses. O livro é resultado de observações sobre a seca
Teóphilo em 1890. e as migrações que assolavam periodicamente o Ceará e os vários problemas sociais Também nesse período, alguns modelos e ações higienistas, aliados a teorias sanita-
ocorridos na capital no final do século XIX. O autor expõe no livro a tragédia de uma ristas, já haviam começado a serem articulados pelo governo, com a criação de asilos,
família de retirantes assolada pela seca, ao mesmo tempo em que lança seu protesto orfanatos e abarracamentos para isolar os retirantes que chegavam à capital. Esses
contra a indiferença do governo às abandonadas populações sertanejas. Essa temática abarracamentos podiam ser construídos em vários pontos da cidade, de maneira ale-
é retomada por outros autores brasileiros como Graciliano Ramos em seu Vidas Se- atória, conforme o movimento de chegada dos sertanejos.
cas e Raquel de Queiroz em O Quinze.

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O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

Foi na seca de 1915, porém, que o tratamento da questão da assistência aos desva- Em um quadrilátero de quinhentos metros de face estavam encurralados cerca de sete mil retiran-
lidos da seca apresentou um caráter mais organizado, pautado no desenvolvimento tes. Percorri todos os departamentos daquele depósito de seres humanos. Abrigavam-se à sombra
de velhos cajueiros. Via-se aqui e ali, uma ou outra barraquinha coberta de esteira ou de estopa,
dos saberes médico-sanitaristas, que pregavam a assepsia urbana, e nas técnicas ur- mas tão miserável era a coberta que não impedia que a atravessassem os raios de sol. A cozinha era
banísticas. Nessa ocasião foi criado o primeiro Campo de Concentração da história também ao tempo. Em algumas dúzias de latas, que haviam sido de querosene, ferviam em trempes
do Ceará. de pedra grandes nacos de carne de boi, misturados a maxixes, quiabos e tomates. Achei esquisitas
as verduras e mais ainda os tomates. Pendia de um galho de cajueiro um quarto de boi. Pude então
avaliar a péssima qualidade da carne, só digna de urubus. Informaram-me que aquela era boa,
A grande estiagem que se iniciou em 1913 trouxe a tona os mesmos problemas en- comparada a outras que mandara o fornecedor. Disse-me pessoa idônea que as reses que morriam
frentados na seca de 1879. Fortaleza mais uma vez foi invadida por uma onda de de magras ou do mal, eram mandadas para o “campo de concentração”. (TEÓFILO, 1980, p. 24).
flagelados, que ocupavam os espaços urbanos e traziam o caos e a desordem para
a modernizada capital. O centro a cada dia recebia novos integrantes, que vinham A partir do exposto, fica clara a inadequação das acomodações e refeições para aten-
em busca de auxílio e frentes de trabalho. Proprietários de terra, políticos, membros der os milhares de flagelados ali enclausurados. Eles ficavam a mercê de doações de
ilustres da sociedade, jornalistas e médicos traziam debates sobre a seca, exigindo comida e roupa realizadas pelos membros de caridade da sociedade, pois o que o
uma atitude capaz de manter a ordem e de afastar os retirantes das principais áreas de governo disponibilizava não supria nem metade da demanda existente e ainda sofria
contato com a população citadina. grandes desvios. Os pobres famintos ficavam expostos ao sol e entregues às péssimas
condições existentes de higiene e provisão de água.
O medo de saques e da violência gerada pela fome, e a propagação de doenças, eram
fatores que pressionavam o poder público a buscar medidas extremas para conter O Campo criado para fins humanitários chegou a comportar permanentemente mais
a leva de famintos que ocupava a cidade. O terror coletivo da população encon- de oito mil pessoas, e logo se mostrou incapaz de corresponder às expectativas de seus
trou em seu governo respostas em forma de saberes e experiências de controle social idealizadores e da população da cidade.
que apontavam para técnicas de isolamento e concentração. A criação do Campo de
Concentração foi assim uma tentativa do governo para controlar os retirantes e im- A falta de asseio se manifestava imediatamente através do olfato. As pessoas, cer-
pedir que estes chegassem ao centro de Fortaleza. cadas, comprimiam-se na busca da sobrevivência num precário estado de saúde. A
morte rondava o Campo de Concentração fazendo suas principais vítimas entre as
No ano de 1915 criou-se o Campo de Concentração do Alagadiço, na periferia oeste crianças. Os cadáveres empilhavam-se a espera de transporte, ao longo da linha de
da capital cearense. A ideia era facilitar a distribuição de socorros e permitir um tra- bonde que passava ao lado do Campo. De fato, não havia uma estrutura sanitária no
tamento melhor e mais humano aos atingidos pela seca, que encontrariam no Campo campo, que mais parecia um depósito de seres humanos.
trabalho e serviços organizados pelo governo, tendo por compensação o alimento.
Frederico de Castro (1995, p. 97) aponta que “o Campo tornara-se uma importante Em suma, o Campo de Concentração do Alagadiço aglomerou num terreno milhares
referência para aqueles que viam suas parcas condições de existência dissiparem-se de pessoas num ambiente de parcas instalações físicas e piores condições sanitárias,
rapidamente em função da seca [...]”. onde os números de morte também se concentraram. Era mais fácil morrer no Cam-
po do que fora dele. Mostrou-se assim uma iniciativa fracassada de uma política
Inicialmente apenas um local cercado por arame farpado, com algumas poucas árvo- de isolamento da pobreza e das doenças, tendo como saldo a morte de centenas de
res, o Campo recebia os retirantes que chegavam a Fortaleza, e lá estes construíam flagelados.
seus barracos com material que dispusessem ou encontrassem. Havia um interventor,
cujo papel era gerir o Campo, organizar aqueles que iriam para as frentes de trabalho, As atitudes tomadas pelo governo nas secas de 1879 e 1915 já apresentavam fortes
distribuir a ração e manter a ordem e a moral no acampamento. A vida desses con- indícios sobre as estratégias de isolamento em face da presença dos flagelados na
centrados era totalmente controlada pelos inspetores, eles tinham que seguir as regras cidade. De uma visão assistencialista confusa e descentralizada em 1879, chega-se ao
de convivência, de alimentação e higiene. A distribuição dos remédios aos doentes Campo de Concentração do Alagadiço em 1915. Deste, passando pela interiorização
também era da alçada dos inspetores. de algumas atividades e pela introdução de obras públicas conectadas à assistência
social, chegou-se à experiência ampla, interiorizada e centralizada dos Campos de
Rodolfo Teófilo, em relatório sobre a seca de 1915,descreveu sua primeira visita ao Concentração em 1932.
Campo do Alagadiço:

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O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

Tratava-se de uma densa concen- Em dezembro de 1931 já se anunciava a grande seca que se aproximava do estado do
tração humana em promiscuidade, Ceará. A partir de janeiro de 1932 os primeiros sertanejos foram se deslocando em
que o governo não podia manter em
boas condições de higiene e morali- direção à capital Fortaleza.
dade por falta de recursos financei-
ros e pessoal competente e honesto Durante grande parte do século XIX, o deslocamento dos retirantes se dava princi-
que o administrasse. (POMPEU
SOBRINHO, 1893, p. 32).
palmente pelas estradas de terra que ligavam o sertão à capital, a pé, e muitas eram
as mortes no meio do caminho. Com o advento das estradas de ferro, que se consoli-
daram no estado a partir do século XX, as extensas caminhadas dos sertanejos foram
substituídas pelas viagens de trem, o que muitas vezes garantiu que eles chegassem
vivos até a capital.

No ano de 1932, o Ceará era entrecortado por duas estradas de ferro: a Estrada de
F. 1.5 F. 1.6 Ferro de Baturité e a Estrada de Ferro de Sobral. A estrada de Baturité cortava o esta-
do de norte a sul, partindo de Fortaleza atingia as maiores cidades do Sertão Central
indo até o Vale do Cariri. Já a de Sobral possuía apenas um pequeno trecho que atin-
F. 1.7

gia a região mais abalada pelas secas. Seguindo esses trilhos é possível compreender
de onde viam os flagelados que chegavam até a capital. As regiões mais atingidas pela
seca aglomeravam nas suas estações de trem uma imensa quantidade de famintos.

No final de março de 1932, grandes levas de retirantes já enchiam de tristeza e fome


as estradas do Sertão. Das mais diversas áreas do interior do estado saíam homens e
mulheres a caminho da cidade, carregando suas famílias e alguns poucos pertences.
Muitos sertanejos se juntavam e formavam bandos de flagelados que caminhavam
longos trechos a pé em busca de uma cidade com estação de trem. As estradas de
poeira acabavam aonde começavam as estradas de ferro.

A partir do final do mês de abril, a distribuição de passagens para Fortaleza foi sus-
pensa em algumas cidades do interior, entretanto os vagões continuavam a chegar
tomados por flagelados. Os trens despejavam os flagelados na parte da cidade mais
próxima ao mar, desse modo muitos retirantes erguiam seus casebres nas proximida-
des da praia.

Nesse momento, o debate sobre a seca, que desde 1930 assolava o sertão do Ceará,
começava a ocupar mais espaço na imprensa de Fortaleza. O pavor com a chegada
dos retirantes estava presente diariamente nos jornais da capital. A população exigia
do governo medidas extremas para conter as levas cada vez maiores de flagelados que
chegavam à cidade.

O jornal O Povo do dia 13 de abril publicava: “Mais dois trens entulhados de famin-
tos se dirigem a essa capital”. Decididos a sair do Sertão, muitos sertanejos invadiam
trens para chegar ao destino previsto. No jornal O Nordeste do dia 08 de abril, a
manchete era a “tragédia da fome”.

Figura 1.5 Barracos na concentração do Alagadiço.


Figura 1.6 Vítimas da seca dispostas ao longo da via férrea em Fortaleza.
Figura 1.7 Flagelados na estação ferroviária de Iguatu à espera do trem para capital.
(fonte: http://valdecyalves.blogspot.com/campos-de-concentracao-no-ceara)
18 19
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

|currais do governo|

As manchetes dos jornais evidenciavam o clima alarmante que se pretendia com- Em meados de abril de 1932 foram criados sete Campos de Concentração por todo
por diante da chegada dos famintos: “Fortaleza é invadida pela onda faminta” (O o estado do Ceará, sendo dois na capital. De acordo com Kenia Rios (2014):
Povo, 13/04/32); “500 flagellados invadiram um trem em Afonso Pena” (O Povo,
16/03/32). Os enunciados revelam o pavor que já existia na cidade. Era cada vez mais Para barrar a marcha dos retirantes rumo a Fortaleza e a outras cidades do Estado, foram erguidos
difícil ignorar a tragédia da seca. sete “Campos de Concentração” (em Ipu, Quixeramobim, Senador Pompeu, Cariús, Crato e dois
em Fortaleza). Eram locais para onde grande parte dos retirantes foi recolhida a fim de receber
do governo comida e assistência médica. Dali não podiam sair sem autorização dos inspetores do
Vale ressaltar que nesse período Fortaleza passava por transformações do auge da Campo. Havia guardas vigiando constantemente o movimento dos concentrados. Ali ficaram “en-
Belle Époque com seus anseios higienistas. É digna de nota também a preocupação curralados” milhares de retirantes a morrer de fome e doenças. (RIOS, 2014, p.68).
da classe dominante em estampar nos jornais o apoio a projetos que protegessem
a cidade de modo humanitário, sem ferir os valores de uma burguesia que se dizia A instalação dos Campos se deu a partir de dois critérios básicos já mencionados: do
civilizada. O discurso de socorro aos flagelados indicavam uma preocupação com a ponto de vista da localização, as concentrações foram espalhadas pelo estado, evitan-
civilidade desses indivíduos. Nos jornais e em alguns documentos oficiais da época do o acesso à capital e as aglomerações urbanas, e do ponto de vista da organização, a
se debate o problema dos retirantes a partir de um discurso que pretende garantir o conexão com o trabalho nas obras públicas deveria ser o princípio fundamental.
controle e o disciplinamento dos corpos na medida em que busca ser humanitário,
se mantendo moderno, em sintonia com o progresso. A preocupação com a sorte dos Os currais do governo, como ficaram conhecidos, foram distribuídos de maneira es-
flagelados é um elemento sempre presente nas soluções propostas pela burguesia: tratégica ao longo das duas vias férreas que cortavam o estado, revelando uma nítida
preocupação em proteger a capital das invasões dos flagelados. Os Campos em Crato
Numerosas famílias a mendigar de porta em porta e num estado de inspirar compaixão. Essa gente e Cariús cobriam a zona sul do Ceará e toda a populosa região do Cariri, inclusive re-
não tem o abrigo de um tecto, não tem assistência e vive a tôa nas arterias da cidade, abandonada a cebendo gente de outros estados. Quixeramobim e Senador Pompeu se encontravam
sua propria sorte. Julgaríamos necessário que a interventoria estudasse um meio de localizar essas
familias e dar-lhes humana assistência [...] (O Povo, 30/03/32). no Sertão Central, uma área amplamente atingida pela seca e cortada pela estrada
de ferro de Baturité, principal meio de transporte para a capital. Ipu, enfim, era local
de passagem da zona norte e ponto de acesso à estrada férrea de Sobral, que liga
Esse cenário de terror que se criou em cima da vinda dos flagelados para a capital e a esta área a Fortaleza. Na capital, a instalação dos Campos se deu também próxima à
pretensa preocupação com o destino desses indivíduos deram respaldo e legitimidade linha férrea, encaminhando os flagelados para a concentração antes que eles tivessem
aos projetos da elite de controle da situação. O poder público e a burguesia entendiam chance de chegar ao centro. A ideia dos Campos era manter o controle sobre a vida
que era urgente conter a força demolidora da multidão que chegava de todas as partes do retirante, aprisionando-os nos arredores das estações, diluindo assim as tensões
do estado e promover assistência a essas famílias que se encontravam em situação de que se constituíam nos pontos de trem e ao mesmo tempo evitando a migração para
extrema miséria. a capital pelas vias férreas.

Os saberes constituídos sobre os retirantes já haviam chegado a conclusões impor- O Campo do Crato foi o maior de todos, chegando a abrigar sessenta mil retirantes.
tantes, devido às experiências das secas anteriores. Primeiro, se sabia que era preciso Já o Campo de Quixeramobim durou apenas três meses e chegou a concentrar quase
evitar a periódica invasão da capital pelo flagelado através de medidas que resultas- três mil pessoas. O Campo de Ipu estava organicamente ligado às obras de prolonga-
sem na sua fixação junto aos locais de trabalho e moradia. Um critério de localização mento da estrada de ferro de Sobral e chegou a concentrar mais de sete mil flagelados
deveria ser instalado. E segundo, se compreendia que só isolar não era mais suficiente, e o Campo de Senador Pompeu aproveitou as instalações da vila operária criada para
era preciso intervir no cotidiano desses invasores, disciplinar seus corpos e suas men- as obras de construção do açude do Patu.
tes, estabelecer um critério de organização. No meio de várias polêmicas, a construção
de novos Campos de Concentração foi uma das ideias colocadas em prática pelo Os Campos de Concentração deveriam ser interpretados a partir dos parâmetros de
poder público para tentar salvar a cidade e os flagelados. civilidade e modernidade que pairavam sobre os ares de Fortaleza no ano de 1932. Os
horrores retratados por Rodolfo Teófilo sobre o Campo do Alagadiço em 1915 não
condiziam com o novo projeto do governo. O poder público estaria preparado, em
face das experiências do passado, para gerir os Campos de Concentração através de
uma regulamentação rigorosa, da imposição de atividades incessantes, do controle de

20 21
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

movimentos e da adoção de novos hábitos higiênicos. Modelar e administrar o corpo


eram os objetivos desses novos e pesados investimentos de poder.

A distribuição dos equipamentos e prédios no interior dos Campos efetuava um


primeiro dispositivo de alteração dos hábitos, organizando uma normatização dos
costumes. O alinhamento dos barracos e o aproveitamento de instalações construti-
vas já existentes vinham romper com o método tradicional de autoconstrução comum

FORTALEZA
aos sertanejos e o uso de instalações coletivas pressupunha novas maneiras de rela-

1.800
cionar-se com o corpo. A cozinha e a distribuição de comida realizavam um reforço à
coletivização com a espera nas filas e a padronização dos paladares à ração.

Em todos os Campos foram erguidas capelas, que além de abrigar as orações e ali-
mentar a fé dos concentrados, eram utilizadas para manter a vigilância sobre os cor-
IPÚ
6.507 pos. Essa medida contribuiu também para a conversão dos sertanejos a um catoli-
cismo ortodoxo de acordo com os preceitos de uma sociedade dita civilizada, pois a
religiosidade destes muitas vezes acontecia de forma diferente da que lhe era imposta
nos Campos.

O projeto das concentrações baseava-se em um controle que buscava parecer o mais


QUIXERAMOBIM
4.542 humanitário possível. Ele apresentava a disciplina como um benefício para os flage-
lados, uma forma de salvar o pobre sertanejo da fome e da sede. O discurso utilizado
SENADOR POMPEU pelo governo para justificar a criação dos Campos centra-se na saúde do flagelado,
16.221
não mencionando o interesse em proteger a capital diante da invasão de retirantes.
Em Relatório Oficial o Interventor do Estado aponta:

Para attender com efficiencia os serviços de socorro aos flagellados, evitar o deslocamentodeveras
temível para a saúde e a tranquilidade publicas das populações sertanejas que emigravam para
diversos pontos, principalmente para a capital, a interventoria tomou urgentes providências. Tratou
o governo de concentrar os flagellados em pontos diversos, afim de socorrelos com efficiencia e
CARIÚS no tempo opportuno. Foram criadas, sob a fiscalização do Departamento das Secas, sete concen-
28.648 trações: Burity, no Município do Crato; Quixeramobim, no Município do mesmo nome; Patu,
no Município de Senador Pompeu; Cariús, no Município de São Matheus; Ipú, no município de
mesmo nome; Urubu e Otávio Bonfim, no Município de Fortaleza.

CRATO (BURITI)
16.200
Todas as falas que procuram legitimar as concentrações se utilizavam do discurso mé-
dico. As comissões de higienistas que participavam do Departamento de Secas da-
vam a essas medidas o caráter de verdade. Era a aliança entre o poder administrativo
e o saber científico. A ciência procurava dar legitimidade aos projetos administrativos,
isentando o Estado de críticas.

A diminuição da miséria pelas ruas da capital fez com que a imprensa e a população
no geral acreditassem no sucesso da empreitada. Os comentários transcorriam sem
0 100 150 km muito arrodeio ou grandes polêmicas.

Mapa 1 Mapa dos campos de concentração na seca de 1932, indicando o número de


concentrados e as duas vias férreas que cruzavam o estado à época.
(fonte: mapa elaborado pela autora)

23
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

No jornal O Povo de 05 de Maio se expõe a seguinte avaliação:

[...] deixaram de chegar a esta capital comboios ferroviários especiais conduzindo quotidianamente
míseros retirantes [...] Felizmente, nós, os moradores desta “urbs”, devido a clarividência das auto-
ridades locais, estamos isentos de perigoso contacto com os flagelados que, agrupados em Campos
de Concentração, alimentados, higienizados, tratados até com relativo carinho (OPovo, 05/05/32).

Apesar de todo o esforço do governo em passar a imagem dos Campos de Con-


centração como sistemas altamente organizados, humanitários e preocupados com a
saúde e higiene dos flagelados, a realidade vivida pelos concentrados era outra com-
pletamente diferente da relatada pelos órgãos oficiais.

Os currais do governo, como ficaram conhecidos, eram na maioria das vezes terrenos
cercados apenas com varas e arames farpados, formando acampamentos insalubres.
Eles funcionavam como uma prisão, onde os que lá chegavam não tinham permissão
para sair, com exceção da convocação para algum trabalho como a construção de
estradas e açudes ou obras de melhoramento urbano de Fortaleza. Havia uma vigi-
lância atenta, dia e noite, para evitar fugas e rebeliões. Em algumas Concentrações
existia um lugar específico para o castigo e a punição exemplar.

O discurso da higiene servia de justificativa para quase todos os abusos de poder den-
tro dos Campos. Um dos principais conflitos entre os flagelados e os controladores
girava em torno de visões diferenciadas da doença e da cura. No discurso dos jornalis-
tas e médicos os homens e mulheres do sertão eram retratados como seres ignorantes,
que praticavam uma religiosidade deturpada, fanática. Isso porque, para o sertanejo, a
cura guardava relações com as forças do sagrado. Ele procurava se livrar das doenças
pedindo ajuda a um intermediário entre Deus e os homens.

Procurava-se assim criar um novo indivíduo, um corpo saudável e disciplinado para


a produção, dentro de uma determinada moralidade. A imposição de novas formas
de relação com o corpo significava para esses retirantes um redimensionamento geral
no seu modo de viver.

A fome era o elemento principal de controle da multidão. Segundo Kenia Rios


(2014):

A relação da comida com o poder se expressava também na arquitetura das cozinhas dos Campos
de Concentração de Fortaleza. Conforme a descrição dos jornais, o acesso à cozinha era constitu-
ído por um grande corredor estreito, onde os flagelados se comprimiam para receber a “comissão”.
(RIOS, 2014, p. 117).

Figura 1.8 Campo de concentração do Pirambu, em Fortaleza.


Figura 1.9 Campo de concentração de Buriti.
Figura 1.10 Campo de concentração de Ipú.
(fonte: http://valdecyalves.blogspot.com/campos-de-concentracao-no-ceara)
25
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

|o campo de concentração do patu|

Em meados de Junho de 1932, o número de concentrados começou a crescer expo- A cidade de Senador Pompeu, localizada na macrorregião definida como Sertão Cen-
nencialmente, preocupando as autoridades. Com pouco mais de um mês de funcio- tral, distante 231 km em linha reta da capital Fortaleza, foi ponto estratégico para a
namento, a inesperada quantidade de sertanejos concentrados fez com que os Cam- implantação do Campo de Concentração por alguns fatores dos quais se destaca: sua
pos ficassem saturados e as demandas fossem mais difíceis de serem supridas. Os localização privilegiada, em um ponto central do estado, a presença da linha férrea
grandes terrenos, geralmente planejados para alojar de dois a cinco mil flagelados, que cruzava a cidade e a existência de um complexo de edificações que se encontra-
chegaram a receber mais de 50 mil retirantes. É curioso que o projeto de evitar gran- vam sem uso e serviriam para acomodar as centenas de flagelados que chegavam à
des aglomerações chegasse a constituir populações maiores que praticamente todas as estação da cidade.
cidades no período, excetuando a capital. Conforme as estatísticas oficiais, os dados
eram os seguintes: Essas edificações foram construídas entre 1919 e 1923 para abrigar os trabalhadores
da construção da barragem do Patu, e distavam aproximadamente 3,5 km da sede do
6.507 em Ipu, 1.800 em Fortaleza, 4.542 em Quixeramobim, 16.221 em Senador Pompeu, 28.648 município.
em Cariús e 16.200 em Buriti, perfazendo um total de 73.918 flagelados (O Povo, 30/06/1932).
O projeto da barragem teve seus primeiros estudos de elaboração datados de 1919, e
A imagem que se tinha ao chegar a esses lugares era perturbadora. Centenas de pes- suas fundações escavadas dois anos depois pela firma inglesa Dwight P. Robinson &
soas amontoadas em condições precárias de higiene, expostas a doenças, morrendo Co, após a assinatura do contrato com a recém-criada Inspetoria Federal de Obras
de fome devido à insuficiência e má qualidade da alimentação. Homens, mulheres, contra as Secas (IFOCS)³. A construção tinha como objetivo sanar os efeitos da es-
velhos e crianças com cabeças raspadas para combater piolhos, alguns vestidos em cassez de chuvas, porém, por falta de verbas, foi paralisada em 1923, sendo retomada
sacos de farinha com buracos para enfiar o pescoço. Os corpos dos muitos que mor- em 1984 após reformulação do projeto e concluída apenas em 1987.Antes da cons-
riam todos os dias de fome e cólera eram enterrados em valas rasas, como indigentes, trução da barragem ter sido interrompida, os engenheiros ingleses contratados para
amontoados uns sobre os outros. Seus nomes e histórias perdidos na imensidão de a empreitada edificaram uma vila operária com pontos de apoio para seus trabalhos
dores e memórias de milhares de flagelados. na obra. O complexo de prédios erguidos ali ficou conhecido como Vila dos Ingleses
e foi aproveitado para instalação do Campo de Concentração de Senador Pompeu.
Analisando os Campos de Concentração de 1932 e as diversas tentativas anteriores
de controle dos retirantes por parte do governo, fica clara a opressão a que esses po- Este complexo constituía-se originalmente de 9 residências (casas dos apontadores,
bres flagelados eram submetidos de maneira cíclica durante os períodos de grande dos engenheiros e do engenheiro-mor), 1 hospital, 1 estação ferroviária, 1 armazém,
estiagem. O próprio nome que o sertanejo batizou os Campos, Curral do Governo, 1 oficina, 1 casa de geração de energia, 2 locais para armazenamento de pólvora e
mostra explicitamente a forma cruel pela qual o poder público costumava assistir uma vila operária composta por aproximadamente 200 casas, estas últimas de taipa.
aos despossuídos. A estrutura desses lugares remetia os retirantes para uma imagem Os retirantes foram distribuídos nas casas construídas para os operários da barragem.
muito familiar: currais para o aprisionamento e posterior abate dos animais. Quando já estavam lotadas, as famílias passaram a montar barracos na região. A casa
do engenheiro-mor virou o ponto de administração da concentração e de distribui-
Com as primeiras chuvas de 1933, todos os jornais fizeram campanha para o fim das ção de alimentos para os flagelados. As demais edificações oficiais abrigaram outras
concentrações. Ao que parece, a emergência na dissolução dos Campos era a mesma diversas funções relativas ao Campo.
da sua edificação. As poucas chuvas que começaram a cair no Sertão já forneciam
certa segurança para o fechamento das concentrações. Mesmo tendo como princípio fundamental da assistência aos retirantes a sistemati-
zação do trabalho nas obras públicas, há registros que no campo do Patu não havia
Como falado anteriormente, a maior parte dos Campos de Concentração era for- este tipo de obra em andamento, empregando-se a mão-de-obra apenas no serviço 3. O Departamento Nacional de Obras
mada por acampamentos insalubres e quase nada restou nos grandes terrenos que de olaria e barracas, a despeito da proposição da retomada da construção da barra- Contra as Secas - DNOCS, se constitui
na mais antiga instituição federal com
os abrigavam. Senador Pompeu, cidade situada no sertão central cearense, abrigou o gem enquanto os flagelados estavam no Campo. De acordo com o telegrama escrito atuação no Nordeste. Criado sob o nome
segundo maior Campo de Concentração da seca de 1932, e é a única cidade no esta- pelo interventor Carneiro de Mendonça, noticiado pelo jornal O Povo em maio de de Inspetoria de Obras Contra as Secas
- IOCSem 1909, foi o primeiro órgão a
do do Ceará ligada a esse infeliz episódio a possuir remanescentes arquitetônicos do 1932 – o qual narra as dificuldades provenientes do período da seca e da carência de
estudar a problemática do semi-árido.
período. O Campo de Concentração do Patu, como ficou conhecido, constitui hoje recursos financeiros – havia a necessidade de conclusão das obras da barragem e uma O DNOCS recebeu ainda em 1919 o
um sítio histórico de rico valor material e simbólico. solução seria a utilização da mão-de-obra disponível no local, porém, o Campo se nome de Inspetoria Federal de Obras
Contra as Secas - IFOCS antes de
desfez antes dessa ideia ter sido colocada em prática. assumir sua denominação atual.

26 27
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

O campo do “Patu”, em Senador O Patu esteve sempre presente na imprensa, sobretudo com denúncias da situação de
Pompeu, aproveitou as instalações maus tratos sofridos pelos concentrados. Os retirantes eram constantemente vigiados
da vila operária criada para as obras
de construção do açude de mesmo por homens armados que exerciam o serviço de polícia, evitando fugas e mantendo a
nome, interrompidas pela Inspeto- ordem geral. Este serviço era feito por duas turmas de 36 homens que se revezavam,
ria das Secas anos antes. Funcionou divididos em cinco postos durante o dia e seis no turno da noite. Havia punições para
durante todo o período da assistên-
cia oficial aos retirantes e chegou
os que não cumpriam a ordem, um local conhecido como “Sebo”, que funcionava
a reunir quase 20 mil pessoas em como uma espécie de cadeia, mas que não era oficialmente registrado pela imprensa
maio. O uso dos prédios não signi- da época. Há, porém, registros de relatos dos confinados, nos quais as reclamações
ficou a retomada da obra. (NEVES, relativas aos guardas e aos barbeiros são recorrentes.
1995, p. 110)

O padre João Paulo Giovanazzi, vigário da paróquia de Senador Pompeu no ano de


1998, reuniu diversos depoimentos dos sobreviventes do Campo de Concentração
F. 1.11 F. 1.12 do Patu em um livro intitulado Migalhas do Sertão. As últimas testemunhas vivas
do episódio narraram a sua dramática experiência, revelando um cenário de dor e
sofrimento bem diferente do que foi relatado nos documentos oficiais. Expomos aqui
F. 1.13

trechos desses depoimentos, a fim de melhor ilustrar a real situação dos Campos de
Concentração no Ceará, especificamente do Campo do Patu.

Maria Fernandes de Jesus, nasceu em Senador Pompeu no dia 14 de agosto de 1906

[...] Em 1932 foi declarada a seca, não tinha trabalho para ninguém. O ministro Zé Américo e o
Governador do estado do Ceará declararam a emergência e concentraram todo o pessoal de todo
canto nos casarões de Senador Pompeu. [...] Depois de ter enchido os casarões e as casas da vila
operária, construíram barrancamentos em todo canto. [...] Eu morava na casa com alpendre perto
da entrada da Concentração: meu pai trabalhava na rua e nos levava comida da rua, pois a comida
da comissão era bem ruim. [...] Quando chegou o inverno, em 1933, suspenderam tudo e terminou
a Concentração.

Elizeu Fernandes Paiva, nasceu em Senador Pompeu no dia 14 de junho de 1915

[...] Meu irmão Firmino e minha irmã Maria Fernandes trabalhavam na farmácia da Concentra-
ção, que era no casarão grande, e todos nós moravamos na casa de alpendre perto da grota. A vida
era de presos: a Concentração era cercada, com guardas nas entradas. A ninguém era permitido sair
para a rua; durante o dia não tinha nada a fazer a não ser receber a comida e cozinha-lá em casa. A
comida era muito grosseira: feijão preto, farinha massa, que provocava doença no povo. Tudo era
à toa, não existia higiene, a água do rio que a gente bebia era contaminada e por isso aconteceu a
epidemia. Morreu muita gente, tanto que precisou formar uma turma de homens encarregados só
para enterrar os mortos. [...] Além da péssima qualidade, a comida também era pouca e as pessoas
apareciam tão magrinhas que a pele nem cobria os dentes.

Figura 1.11 Casa do engenheiro-mor, local de distribuição da ração aos flagelados.


Figura 1.12 Manchete do jornal O Povo no dia 25 de Maio de 1932.
Figura 1.13 Campo de concentração do Patu.
(fonte: http://valdecyalves.blogspot.com/campos-de-concentracao-no-ceara)
28 29
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

Afonso Ligório do Nascimento, nasceu em Senador Pompeu no dia 31 de janeiro de 1929

No começo de novembro de 1932, por causa da seca que tinha queimado tudo, todos escaparam
da roça, rumo a assim chamada “Concentração”, lá onde agora são os grandes casarões e onde a
Inspetoria tinha o armazém de todos os alimentos para a manutenção do povo. Havia gente de
Solonópole, Milhã, Pedra Branca, Mombaça e Piquet Carneiro que tinha saído de seus lugares por
causa da seca, recebendo a comida da Comissão. Começou a epidemia. Faleciam de trinta a qua-
renta pessoas a cada dia, ninguém podendo sair do lugar da barragem. No cemitério faziam valetas
de toda largura, carregando os mortos. Ninguém tomava nota dos nomes deles;quase não eram
considerados pessoas e cristãos. Havia também minha irmã mais velha; foi jogada numa valeta e
coberta de terra. [...]

Carmela Gomes Pinheiro, nasceu no dia 01 de abril de 1921 em Quixeramobim

[...] Em 1932 eu tinha onze anos quando começou a Concentração da Seca. Eram barracos de
folhas cobertos de ramos em todo canto e multidões de pessoas. Aconteceu a doença e começou a
morrer gente: dor de barriga, diarréia e os pobres inchavam e morriam. Às vezes o povo enterrava
no mato escondido, por medo de que nas valetas do cemitério tirassem o fígado dos mortos. Muitas
crianças, também uma prima minha e um irmãozinho, um anjinho de três meses, morreram, mas
foi de Sarampo. [...] A comida passada pelo Governo era feijão preto, farinha amarguenta, rapadura
mascavo, mas tudo era comida grosseira e fazia mal. Quando em 1933 chegou o inverno e terminou
a Concentração, os flagelados foram levados embora de trem, com a máquina a lenha, para várias
destinações.

Francisca Cosma do Nascimento, nasceu no dia 05 de julho de 1910 em Gerimum, a cinco légua
de Quixeramobim

[...] Casei em 1930. Meu marido tinha terra, gado, criação e muitos moradores. Durante a seca
de 1932 precisou vender tudo: os trabalhadores tinham saído ou para a Concentração de Senador
Pompeu ou em busca de trabalho, e não tinha mais nada para comer. Fomos então para Fortaleza
e meu marido encontrou trabalho de rodagem. No início de 1933 fui para Senador Pompeu visitar
muita gente da família de meu marido na Concentração da barragem. Vi só tristeza: povo tirando
um prato de farinha, feijão e rapadura, sujeira e mal cheiro em cada canto. Moravam em barraqui-
nhas de galho secos e papelões sem paredes. Não tinha sanitários. [...] Era gente, mas era gente,
que fazia tristeza ver! O atual cemitério é só um dos lugares onde sepultavam os falecidos. Muitas
valetas ficaram nos lugares hoje cobertos pelas águas da barragem.

Maria das Dores da Silva, nasceu em Candoca no dia 06 de janeiro de 1926

Em 1932 eu morava em Candoca. Foi seca e não tinha nada de comer, nem água pra beber. Meu
pai levou a família, a mãe com cinco crianças, para a Concentração da barragem. [...] A família foi
hospedada nos barracamentos. Os barracamentos eram amparos feitos com paus fixados no terreno,
com uma cobertura de folhas e de palhas, às vezes com uma flandagem de zinco, onde moravam
os assim chamados “flagelados”. [...] Depois que surgiu a epidemia da cólera, começaram a morrer
um bocado de pessoas. [...] Uma vez levaram para o cemitério um velhinho, pensando que tinha
morrido. Depois de tê-lo jogado na valeta, pois as sepulturas eram num buraco comum, o velhinho
deu um suspiro e disse: “Meus filhos, deixem-me morrer primeiro”. Estava ainda vivo, o tiraram da
valeta, o colocaram na sombra e ali acabou de morrer. [...]

Figura 1.14 Corredor casa do engenheiro-mor.


(fonte: acervo Luiz Figueiredo)

31
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

|a caminhada da seca|

Zacarias Benevides de Carvalho, nasceu no Sítio Pedra Preta - Mombaça em 25 de setembro de A maior parte dos sertanejos que ocupavam os Campos não eram adeptos de um
1920 catolicismo ortodoxo, sendo isso fruto do meio em que viviam antes de para lá serem
levados. Nesses lugares, a presença de um padre era rara, logo, os sacramentos não
[...] Eles davam ao povo uma farinha massa e feijão preto; aí começou a doença, dor de barriga, possuíam a importância fundamental que a Igreja Católica atribui.
febre que matava ligeiro. [...] Mas o tempo em que estivemos aqui foi todo tempo naquela agonia
horrível. Eu vim nesse cemitério umas duas ou três vezes; era só quem tinha o coração forte para
suportar e ver aquele clamor. O choro do povo: choravam as mães de famílias, choravam como Suas vivências religiosas eram constituídas sobretudo por um relacionamento com o
crianças com medo da morte e vendo a família se acabando sem poder dar jeito. [...] A gente cavava sagrado sem a mediação de sacerdotes, compostas por uma tessitura de ligações com
as valetas à tardinha, quase de noite; encostava ali aqueles corpos e tinha mais uma coisa que cada o santo protetor, diante do qual eram realizados os pedidos, agradecimentos e ora-
vez deixava mais tristeza de fazer pena e choro: eles abriam os corpos para tirar o fígado. [...] Os
gemidos se ouviam em toda aquela Concentração, em todos os lados. [...] Era uma imensidade de
ções. O sertanejo, em busca de apaziguar sua dor e enfrentar as angústias da vida sem
pessoas de todos os lados dos sertões. Nós éramos presos; era até proibido sair para olhar alguma chuva, buscava, por intermédio dos santos, a cura para todos os seus males do corpo
coisa. Todos com camisola de saco e cabeça raspada. Aquele sofrimento, quanta vida eu tiver, eu não e da alma. Segundo Kenia Rios (2014):
esqueço. [...] Ah tempo horrível!

Para o sertanejo, não só a cura guardava relação com as forças do sagrado. A realização de determi-
Mauro Antônio de Morais, nasceu em Riacho de Sangue Solonópole no dia 08 de dezembro de nados rituais religiosos poderia, também, acabar com uma seca. Realizar procissões, promessas ou
1913 roubar a imagem do santo da Igreja e só devolvê-la com a chegada das chuvas eram (e são) práticas
de fundamental importância nas estratégias de combate à seca. E, nessa perspectiva, a noção de
êxito da estratégia possui características próprias. Mesmo sem o sucesso desejado, o sertanejo não
[...] No ano de 1932, eu morava lá perto onde agora está a ponte da barragem. Começou a epidemia abandonava sua fé. Em linhas gerais, a fé continuava produzindo esperança e arrefecendo as dores...
da cólera. Os mortos eram levados em redes para o cemitério e jogados dentro das valetas, até que Tudo indica que essa “crendice” não era vulnerável às “dificuldades do momento”: a religiosidade era
ficassem cheias. [...] Quando era de madrugada, ninguém podia dormir em casa por causa do choro, uma das formas de enfrentar as agruras da seca. (RIOS, 2014, p. 107).
dos gritos e das lamentações das pessoas que começavam a levar seus mortos para o cemitério. [...]
As pessoas não podiam sair da área do Patu, mesmo com toda a seca, e quando um “pobre-cristo” se
enfezava, era levado para o “Sebo”, uma espécie de prisão feita com três paus, rodeada de estopas e No catolicismo vivenciado no Sertão, ser devoto de um santo é reafirmar que o mun-
cercada de guardas. [...] Em 1933, todo o pessoal que vivia na área da barragem foi liberado e cada
família tomou o rumo de suas terras.
do tem sentido, ou melhor, que a vida está inserida em uma complexa tessitura de
protetores e protegidos. Além disso, ser devoto é, também, compor ou improvisar tá-
ticas de sobrevivência. Nesse sentido, essa experiência religiosa é, em alguma medida,
Após o fim da seca de 1932, o Campo de Concentração do Patu foi imediatamente uma das formas pelas quais os fiéis procuravam resolver os mais variados problemas
desfeito, e os retirantes voltaram para suas terras ou se estabeleceram na região. do cotidiano, uma das maneiras de enfrentar as agruras e desafios colocados pelo
viver.
A utilização da estrutura da Vila dos Ingleses para abrigar o Campo de Concentração
do Patu deixou fortes marcas no imaginário de todos os cidadãos pompeuenses, ha- Diante da morte dos seus entes queridos e do tratamento desumano a que foram
vendo uma vinculação imediata da área a este acontecimento. As construções na área submetidos seus corpos, coube aos sobreviventes do Campo de Concentração do
de entorno do açude ali estão como um registro do que foi a política de assistência Patu, seguindo uma tradição da fé católica, devotar especial atenção a estes mortos,
adotada pelo Governo, marcada pela exclusão e exploração da miséria. ao ponto de santificá-los popularmente.

Com o fim da seca de 1932, os retirantes se dispersaram pelo sertão do Ceará, e de-
ram inicio de forma silenciosa a devoção às almas daqueles que padeceram durante a
seca. Os devotos acreditavam que o povo que sofreu seria um caminho de intercessão
a Deus. Durante os anos que se seguiram a dissolução do Campo, tomou corpo esse
culto individual e familiar, próprio das tradições da religiosidade popular.

Essa é uma prática comum no Sertão, resultante da força inventiva da devoção popu-
lar, que por apropriação e assimilação do costume católico de santificar, converte em
santos indivíduos, mesmo sem a oficialidade da igreja. Aqueles sofredores anônimos,
sem identidade pessoal, coletivizados desde o momento da morte, foram santificados
sob o epíteto de Almas da Barragem.

32 33
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

Tendo em conta que a experiência religiosa ali desenvolvida se deu no âmbito do ca-
tolicismo popular, onde os agentes são os próprios fiéis, surgiu então a possibilidade
de desenvolver-se uma devoção própria aos santos mais próximos da realidade local,
propiciando a partilha de costumes religiosos singulares. É por meio dessa devoção
que cada retirante sobrevivente e sua família, inicialmente criou, a seu modo, as prá-
ticas devocionais, preservando por meio de suas lembranças uma memória dos acon-
tecimentos vividos. Memória que posteriormente seria compartilhada, apropriada e
reinventada.

Essa devoção fez com que em 1973 fosse edificado o Cemitério da Barragem do
Patu, uma construção simbólica realizada em mutirão pelos moradores da região, no
local onde os mortos eram enterrados na época da seca de 1932. O objetivo de tal
edificação era a sagração dos flagelados da seca mortos no Campo do Patu, oferecen-
do aos familiares e devotos um lugar onde pudessem render suas orações às “Santas
Almas da Barragem”.

No ano de 1982, o padre Albino, vigário da Paróquia de Nossa Senhora das Dores,
igreja matriz da cidade, em memória às vítimas do Campo de Concentração do Patu,
concretizou a primeira Caminhada da Seca, dando início a uma manifestação ritua-
lística que perdura até os dias de hoje e só cresce a cada ano. Todo segundo domingo
de novembro a romaria realiza uma procissão em louvor as Santas Almas da barra-
gem, saindo da igreja matriz da cidade ainda de madrugada em direção ao cemitério
do Patu. Segundo depoimentos, essa data foi escolhida devido à proximidade com o
dia de finados.

A fé nas almas da barragem é o principal elemento para entendermos a Caminha-


da. Os fiéis que frequentam a Caminhada e o Cemitério do Patu acreditam que os
mortos na seca de 1932 são santos e suas almas realizam milagres. Essa manifestação
partiu primeiramente da fé do povo na santidade das almas da barragem, estando em
estado de latência até a iniciativa do padre. Muitas promessas são cumpridas todos os
anos durante a procissão. Os fiéis caminham descalços na estrada de terra que leva até
o cemitério e lá chegando oferecem pão e água para a alma dos flagelados, acendem
velas e entoam orações e cânticos. Logo depois uma missa é celebrada, em agrade-
cimento às graças alcançadas por intercessão das almas.Muitos são os depoimentos
de milagres realizados. Pessoas voltaram a andar após grave acidente de cavalo, mães
encontraram a cura da hepatite para os filhos através de um chá, outros tiveram a
possibilidade de se tornarem pais entre outros.

Figura 1.15 Fiéis na 35ª Caminhada da Seca em 2017.


(fonte: acervo pessoal)

35
O RETRATO DAS SECAS NO CEARÁ

Percorrendo as ruas da cidade, orações e cânticos são puxados por uma senhora que se encontra no
carro. O padre também conduz algumas orações. Pessoas que se encontram na calçada unem-se a
grande procissão. Alguns que apenas observam o movimento cumprimentam quem está no interior
da celebração. A expressão “viva as almas da barragem” é falada por todos a todo o momento[...]
Após quatro quilômetros, a procissão chega ao Patu. Em frente ao Cemitério da Barragem, cons-
truído em memória dos flagelados do Campo de Concentração, há um palco montado para o
encerramento da romaria com uma missa campal. O cemitério é tido como o “marco fundante” da
Caminhada da Seca[...]Muitas pessoas se dirigem ao cemitério para fazerem orações e acenderem
velas no crucifixo e na capela que se encontram no centro do local. Na capela, há muitas imagens de
santos, fotos de pessoas, pedaços de roupa, rosas, tudo trazido pelo povo e muitos ex-votos. Além
disso, são muitos os que realizam a caminhada sem calçados, em pleno sol escaldante para pagar
suas promessas[...]Durante a missa, todos estão atentos, alguns com suas mãos erguidas entoando
orações[...]No final da celebração, um ritual é proposto pelo padre e prontamente realizado por
todos. Quem possui uma garrafa de água em suas mãos deve fazer um pedido e derramar um pouco
no chão logo em seguida. Segundo ele, seu pedido feito às almas da barragem será atendido e a água
serve para “dar vida” à terra seca. (QUEIROZ, 2015, p. 04).

Da interação entre o sagrado e o patrimônio cultural, fica o ensinamento de que


estes são duas potências de significação para a memória e para a identidade dos nos-
sos sujeitos.Elas se encontram, se atraem e se retraem continuamente nos diversos
contextos em que são desenvolvidos. Nesse ponto, tanto a Caminhada da Seca como
as ruínas do Campo de Concentração do Patu, servem de instrumento da memória,
fortalecendo a identidade cultural local e promovendo visibilidade para a história que
se quer contar.

Hoje em dia, o que restou do Campo de Concentração de Senador Pompeu são ru-
ínas esquecidas na periferia da cidade. O sítio onde estão localizadas se tornou um
local onde a população tem receio de permanecer devido ao abandono e ao descaso
por parte do governo e até da própria população que não estabelece com as ruínas
uma relação formadora de identidade para a comunidade. Por outro lado, a Caminha-
da da Seca se tornou um ato simbólico com a capacidade de manter vivo na memória
o martírio ocorrido, articulando-se também como um modo de fortalecimento da
resistência popular em relação às injustiças sociais cometidas no passado e nos dias
atuais. Pela sua importância narrativa, os vestígios materiais e simbólicos desse passa-
do devem ser protegidos, promovendo uma maior visibilidade a essas materialidades,
histórias e dinâmicas ainda preservadas e reproduzidas, bem como às que foram apa-
gadas pelo tempo, sobretudo por interesses políticos.

No começo do ano de 2017, o Ministério Público no Ceará (MPCE) e a Prefeitura


de Senador Pompeu firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para
o tombamento do sítio arquitetônico da Barragem do Patu, da Vila dos Ingleses, do
Cemitério e do Campo de Concentração do Patu, além do registro do bem imaterial
da Caminhada das Almas. O objetivo é proteger o patrimônio histórico-cultural do
município. Com a recente proposta, torna-se ainda mais evidente a importância de
estudos que registrem e discutam o potencial social, histórico e arquitetônico do con-
texto que se pretende trabalhar.

Figura 1.16 Cemitério do Patu.


Figura 1.17 Oferecimento de água para as santas almas da barragem.
Figura 1.18 Fiéis acendem velas e fazem promessas após o fim da Caminhada.
(fonte: acervo pessoal)
37
PATRIMÔNIO, IDENTIDADE
E MEMÓRIA

O patrimônio cultural pode ser definido como um bem (ou bens) de natureza ma-
terial e imaterial considerado importante para a identidade da sociedade como um
todo. Segundo o artigo 216 da Constituição Federal brasileira, configuram patrimô-
nio cultural “as formas de expressão; os modos de criar; as criações científicas, artísti-
cas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços desti-
nados às manifestações artístico-culturais; além de conjuntos urbanos e sítios de valor
histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”

A noção de que os bens materiais carregam consigo uma força simbólica permitiu
uma diluição das diferenças abruptas entre a produção material e imaterial. Essa
riqueza simbólica irá caracterizar o bem cultural como único, proporcionando uma
concepção mais rica e ampla sobre patrimônio cultural. Assim, com base nos concei-
tos de patrimônio como herança, cultura, criação e produção de um grupo social em
um determinado espaço e tempo, chegamos à atual noção de Patrimônio Cultural
como um conjunto de bens baseados nos valores simbólicos que lhe são atribuídos,
constituídos e reconhecidos por uma sociedade como representativos de sua história.
O bem é preservado não apenas para evocar a sua história, mas também sua memória
cultural para os contemporâneos ou seus descendentes, sendo significativos para a
formação de sua identidade. A memória, nesse sentido, deve ser ativa e imaginativa,
pois só se justifica a continuidade da vida de um artefato quando são restabelecidas
relações deste com a nova vida que flui, relações que, portanto, também serão novas,
ainda que se reportem à preexistência.

Levando-se em consideração as discussões globais contemporâneas sobre a preser-


vação do patrimônio e as novas categorias de patrimônio existentes, abre-se espaço
para a reflexão de como patrimônios materiais ou imateriais estreitamente vinculados
a minorias étnicas e culturais podem promover a valorização de identidades nacionais
e locais. No caso de Senador Pompeu, a memória coletiva da população não está ape-
nas nas lembranças, nos discursos, nas histórias contadas de geração a geração, mas
também nas práticas sociais, nos hábitos anuais dos moradores que insistem em não
deixar esquecido esse passado desolador. E toda essa história também ficou impressa
nas ruínas edificadas que se tornaram testemunhas físicas desse episódio. A caminha-
da e as ruínas, constituindo-se como patrimônio imaterial e material respectivamen-
te, tornam-se indissociáveis, e permitem a propagação da voz de todos os flagelados
que padeceram nas secas do Nordeste e servem também como importante meio de
divulgação e registro do patrimônio sertanejo cearense.

Figura 2.1 Detalhe piso casa do engenheiro-mor.


(fonte: acervo Luiz Figueiredo)

39
PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E MEMÓRIA

|lugares de memória|

A valorização do passado, da memória e do patrimônio das cidades tem sido uma Ele introduz em seu texto Entre memória e história – a problemática dos lugares, o
característica comum observada desde o final do século XX. Ela reflete uma série de conceito de “Lugares de Memória (Lieux de Mémoire)”:
novas relações que se desenvolvem entre os grupos humanos e os conjuntos espaciais
que lhes dão ancoragem no mundo. Conforme apontam alguns estudiosos, temos na Os lugares de memória são, antes de tudo, restos. A forma extrema onde subsiste uma consciência
contemporaneidade uma verdadeira onda memorialística em que se nota um cresci- comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora. (Nora, 1932, p.50).

mento na produção e difusão de diferentes tipos de narrativas de cunho memorial


ou testemunhal, bem como a uma crescente proliferação de diversas instituições e Esse conceito se identifica como um recurso que tem a finalidade de manter a memó-
lugares de memória. ria viva e se refere aos diferentes tipos de apoio para resgate da lembrança de vítimas
que foram sujeitas a supressões de direitos ou que foram submetidas à violência. O
Em meio a esta profusão de práticas e lugares memoriais destaca-se o surgimento, apelo que nossa sociedade faz de preservação de sua memória é, em última instância,
principalmente a partir de um discurso patrimonial, de novos espaços vinculados a a necessidade de reconstituição de si mesma, encarada como algo formado do pas-
memórias traumáticas, a dor e ao sofrimento. Este boom da memória, no que se refe- sado para o presente, por isso, preservar vestígios, trilhas, fósseis, etc. Nora apresenta
re à patrimonialização da dor e do sofrimento, tem talvez como seu exemplar maior sua categoria de “Lugares de Memória” como resposta a essa necessidade de iden-
a questão do Holocausto e a criação de espaços de memória relacionados. Na mesma tificação do indivíduo contemporâneo. São nos grupos “regionais”, ou seja, étnicos,
direção outros acontecimentos tem despertado uma série de memórias e narrativas comportamentais, de gerações, de gêneros entre outros, que se procura ter acesso a
como, o período ditatorial nos países da América Latina, o Apartheid na África do uma memória viva e presente no dia-a-dia. Os Lugares de Memória se configuram
Sul, o Onze de Setembro nos EUA, bem como uma gama de outros eventos a nível essencialmente ao serem espaços onde a ritualização de uma memória-história pode
internacional, nacional ou local. ressuscitar a lembrança, tradicional meio de acesso a esta e, portanto, definidos por
este critério: “só é lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica
Michael Pollak (1989, p.4) aponta que “ao privilegiar a análise dos excluídos, dos [...] só entra na categoria se for objeto de um ritual”. Portanto, o ritual teria, nessa
marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância de memórias definição, o papel narrativo de consolidação e totalização, e é através de sua práti-
subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e dominadas, se ca que se reúnem elementos característicos de um grupo, conferindo-lhe sentido,
opõe à memória oficial [...]”. Hugo Vezzeti (2009, 6 p.37) exalta que a memória é unificando-o.
uma forma de trazer, até o presente, o que já foi vivido, sendo possível, entretanto,
recuperar o que foi vivenciado sem que as ações do passado tenham que ser repetidas, Segundo Michael Pollak (1989), os Lugares de Memória são locais que contém
como se houvesse a criação de um novo elemento, uma nova acepção, a partir da os vestígios da memória, criando assim um reconhecimento de sua história e um
pré-existência do fato. laço com sua identidade social. De acordo com Nora (1932), os lugares de memória
abrangem três aspectos específicos e que sempre estarão presentes e interligados, sen-
Evidencia-se assim uma obrigação de prestar contas ao passado, principalmente atra- do os seguintes: material, funcional e simbólico. Em decorrência de sua perspectiva
vés de uma necessidade de marcar a época com a criação de lugares de memória. física, justifica-se o aspecto material; o aspecto funcional se refere à garantia da pró-
Esses espaços diversificados comumente constituem-se com o intuito de que as ge- pria lembrança e de sua transmissão, não passando em momento inicial de uma mera
rações futuras conheçam e não permitam que violações com o mesmo cunho voltem conjectura; e, por derradeiro, evidencia-se o aspecto simbólico pelo fato de as lem-
a ocorrer, além de compor um dos eixos estruturantes da reparação moral às vítimas branças provenientes de determinados acontecimentos estarem restritas a um peque-
da violência de Estado outrora sofrida. Geralmente tais lugares de memória surgem no número de pessoas, não havendo acesso direto pela maioria que não os vivenciou.
a partir de movimentos sociais e políticos, na defesa de suas memórias. Instituem-se Para além disso, a proteção de lugares de memória, quando em decorrência de situa-
para evitar o esquecimento. ções advindas de ações provenientes do poder público, acompanha duas importantes
compreensões, o reconhecimento estatal dos atos cometidos no passado e que não
Pierre Nora (1932) fala sobre a necessidade da ritualização de uma memória e como estavam em concordância com as ações que devidamente deveriam ter sido adotadas
este processo necessita de um espaço físico como âncora na formação de um tipo de e a garantia de não repetição, decorrendo principalmente da visibilidade atribuída a
memória exigida na sociedade contemporânea: a coletiva, que permite ao indivíduo partir da proteção estatal, evitando que fatos semelhantes venham a ocorrer no futuro.
ter acesso a um processo de identificação.

40 41
PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E MEMÓRIA

A idealização de um mecanismo contra os efeitos do esquecimento é fundamental


para se estabelecer a importância de determinadas memórias e consequentemente das
bases a que estas se apegam, constatando-se a importância do patrimônio material à
manifestação cultural. O impulso necessário está, portanto, no resgate dos resquícios
que sobreviveram ao tempo, ainda quando longínquos.O trabalho investigativo da
busca pela verdade não se basta apenas pela oralidade dos depoimentos. O apoio
nessa forma de recontar uma história está na materialização e, por consequência, na
imortalização da memória através de monumentos, memoriais e museus. Para que
não ocorra o temido esquecimento, a vontade coletiva de voltar ao passado e atar os
elos do tempo rompidos pelo evento traumático mantém presente uma certeza do
que não deve se repetir. O papel dos lugares de memória é justamente o de manter
acesa a lembrança do ocorrido através do compartilhamento da memória individual
para o grupo, promovendo aos envolvidos cura e fortalecimento e, aos que se engajam
ao tema proposto, conhecimento social.

Segundo Rodrigues e Machado (2010):

Os lugares de memória, então, podem ser considerados esteios da identidade histórica, contribuin-
do consideravelmente para evitar o esquecimento e o desprendimento do passado. De outro lado,
nota-se que a memória dos vencidos é pouco explorada, estudada e perpetuada; ela é chamada de
memórias subterrâneas ou marginais, e, normalmente, o que se vê é a perpetuação da memória do
grupo dominador (vencedor), da classe social hegemônica de uma determinada região, e é essa
memória que é documentada, monumentalizada, e sua história está concretamente amparada por
textos e obras de arte, tornando-se história oficial. Visto que é a diversidade cultural que forma a
memória e a identidade do local e constrói o patrimônio histórico, a memória marginal deve ser
mais explorada para que uma boa parte da história não desapareça. (RODRIGUES E MACHA-
DO, 2010, p.25).

Existem inúmeras estratégias para se trabalhar a memória do trauma como forma-


dora de uma identidade coletiva local. É essencial a promoção de uma nova política
cultural da memória, que por seu caráter transnacional e abrangente, pode alimentar
uma prática internacional de Direitos Humanos. As representações de traumas his-
tóricos propõem grandes desafios teóricos, éticos e políticos, que se refletem nas ações
que tem como objetivo uma prestação de contas com o passado.

Dentre esses mecanismos de valorização de tal memória, surge o conceito dos Sítios
de Consciência que são espaços que informam sobre eventos traumáticos que im-
pactaram a sociedade e que contribuem, dessa forma, para a valorização dos Direitos
Humanos de forma a preservar a memória e gerar reflexões sobre o futuro, compreen-
dendo eventos do passado. É, portanto, de grande importância, tanto para as pessoas
que viveram determinados eventos como para as futuras gerações, uma vez que utiliza
o lugar de memória como ferramenta pedagógica em uma dinâmica diferente da
apresentada por outros meios. Além disso, é uma forma de estimular as comunidades
a se unirem para a recuperação de suas memórias coletivas.

Figura 2.2 Antigo campo de concentração de judeus, em Madjanek, na Polô-


nia, transformado em museu.(fonte: http://rjasiocha.blogspot.com/2013/10/
campo-de-concentracao-de-majdanek)
Figura 2.3 Museu do Apartheid em Joanesburgo, África do Sul. (fonte: https://guiade-
viagem.net/turismo-em-johannesburg-africa-do-sul/museu-do-apartheid)
Figura 2.4 Memorial e Museu Nacional do 11 de setembro em Nova York, EUA.
(fonte: https://edition.cnn.com/2012/09/11/us/9-11-anniversary) 43
PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E MEMÓRIA

Os sítios de consciência podem ser qualquer memorial, museu, local histórico, ini-
ciativa de memória ou organização não governamental que se comprometam com a
promoção da cultura dos direitos humanos e com a reparação simbólica. Seu conceito
envolve muito mais do que o lugar onde aconteceram os eventos traumáticos, e seu
objetivo principal é o de criar a consciência.

A diferença entre esses dois últimos conceitos apresentados se encontra no próprio


espaço físico visto que os Lugares de Memória consistem nos locais em que outrora
aconteceram esses eventos traumáticos, enquanto que os Sítios de Consciência são
os locais que utilizam da comunicação experiencial para trabalhar a memória. Isto
posto, todo Lugar de Memória é também um Sítio de Consciência pela possibilidade
comunicativo-pedagógica de evocar a memória. Por outro lado, um Sítio de Consci-
ência não é necessariamente um Lugar de Memória por não estar, obrigatoriamente,
localizado no espaço físico de episódios de grande comoção.

Analisando-se o conceito de Lugares de Memória e de Sítios de Consciência des-


taca-se o papel fundamental exercido pela arquitetura, que assume um papel central
como um dos principais meios de comemoração de eventos traumáticos por todo
mundo. Museus, memoriais e monumentos são construídos com o objetivo de “abri-
gar” estas memórias para que as gerações futuras conheçam e não permitam que
violações com o mesmo cunho voltem a ocorrer. Tornam-se espaços de representa-
ção que carregam a mensagem central das narrativas do trauma, “nunca mais”. Estas
instituições permitem o entrelaçamento entre as esferas privadas e públicas destas
memórias e compõem um dos eixos estruturantes da reparação moral às vítimas.

A ligação entre indivíduos, os agrupamentos humanos e o universo material ao seu


redor constitui-se como fator potencialmente significativo no estabelecimento dos
processos da memória. Tal associação se estabelece de modo que nossa capacidade de
lembrança está diretamente determinada por referentes espaciais. Esta é dependente
e determinada pela aderência dos indivíduos e dos grupos sociais dos quais fazem
parte, aos espaços e ao meio material circundante, não há, portanto, memória que se
desenvolva fora de um quadro espacial. O meio material se estabelece, por excelência,
como nosso suporte temporal.

Conforme Pollak (1992), os lugares ao atuarem como suportes de memória, podem


ser lugares vividos pessoalmente, lugares que digam respeito a um período “vivido
por tabela” ou ainda lugares relacionados a uma memória fora do espaço-tempo do
indivíduo ou grupo.Dessa forma fica claro que um ponto fundamental que habilita
os lugares de memória a atuarem como importantes referências para a memória diz
respeito à durabilidade do meio material.

Figura 2.5 Memorial do Holocausto em Berlim, Alemanha.


(fonte: https://www.archdaily.com.br/memorial-do-holocausto)

45
PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E MEMÓRIA

|museu de território|

O capítulo das secas no Ceará aqui apresentado, que possui Senador Pompeu como A totalidade do espaço em que vivemos abarca particularidades que se manifestam
testemunha e território, vêm ao longo dos anos sendo deixado às margens da histó- nos locais em que as pessoas estabelecem vínculos mais íntimos, fortes e intensos,
ria do Brasil, silenciando as vozes excluídas e marginalizadas dos flagelados da seca. dotando-os de significados e dando-lhes uma importância maior em relação a outros
Esse processo de desaparecimento de memórias e narrativas merece ser tratado com locais, o que acaba por fazer com que um espaço indiferenciado até então passe a ser
a importância devida, sendo combatido veementemente através da promoção de uma singularizado, tornando-se o que podemos chamar de lugar . Nós experienciamos o
maior visibilidade dos acontecimentos passados às gerações atual e futura, com uma espaço a partir do lugar.Embora cada indivíduo possa reconhecer um local como sen-
reflexão acerca dos acontecimentos traumáticos ocorridos e de como o conhecimento do um lugar e não partilhar isso com outra pessoa, há muitos espaços que podem ser
destes pode interferir em decisões futuras mais responsáveis humana e politicamente. considerados lugares para um grande número de pessoas. Esse conjunto de lugares
cria uma rede de significados, gera uma significância para uma área, e contribui para
Uma das formas de inserir as narrativas das memórias marginais é por meio de uma a construção da identidade da referida comunidade. A apropriação e a articulação
política pública cultural voltada ao social, que tenha o compromisso de monumenta- desses diferentes lugares vão constituindo um território.
lizar essas narrativas, valorizando-as simbolicamente na cidade, fazendo-as sentir-se
parte do todo social, da diversidade cultural. O Campo de Concentração do Patu e a A concepção política de território está relacionada com uma ou várias relações es-
Caminhada da Seca, por seus legados da memória e sua significação aos pompeuen- paciais de poder. Já na perspectiva cultural, o território é uma expressão simbólica,
ses, tem sua existência condicionada à preservação dessa memória, tanto em relação manifestação da identidade de um povo e local de construção dessa própria identi-
ao patrimônio material quanto em relação ao patrimônio imaterial, estando tal pro- dade. Nessa linha há uma apropriação social do espaço por um grupo que estabele-
teção obrigada à coletividade e ao Estado. ce vínculos com ele através de um processo de vivência e consequente valorização
cultural. Esse território, por sua vez, pode ser encarado enquanto um museu. Não o
Essa existência condicionada, embasada nos conceitos de Lugares de Memória e museu tradicional, reconhecido por um edifício e uma coleção que abriga, aberto a
Sítios de Consciência apresentados, e a necessidade da monumentalização dessas um público visitante, mas um novo processo museológico que serve a uma comuni-
narrativas aponta para o estabelecimento de uma dinâmica no espaço que as abriga dade de pessoas segundo os referenciais patrimoniais que constituem sua identidade.
em que ambas atuem como ferramentas para o engajamento do público local. Este
pode participar de maneira ativa, podendo ser incluído no projeto, a partir da execu- Esse território entendido enquanto um processo museológico é um meio de atingir determinado
ção de ações de mediação, programas educativos, discussão e execução entre outros. fim como a superação de diferenças sociais, a reabilitação de uma prática cultural, a manutenção de
determinados hábitos e costumes, a preservação de uma história local. (OLIVEIRA, 2015, p. 40).
Tal dinâmica pode ser institucionalizada em um museu, que coloque em questão o
papel social dos museus e que vá além das instâncias de representação das experiên-
cias humanas, assumindo uma boa dose de “ativismo”. Através desta instituição e de A partir dessa percepção do território como um processo museológico, chegamos ao
sua forma de atuação deve ser ressaltado o sentido da patrimonialização da memória conceito do Museu de Território. Os museus de território podem ser considerados
como forma de luta social. como construções teóricas relativamente recentes, no contexto da história da muse-
ologia, uma vez que as suas origens programáticas surgiram já em finais do séc. XIX,
A mensagem central defendida por esta instituição deve ser de que a lembrança des- tendo como base de inspiração as exposições universais que se realizaram nesse sécu-
tes acontecimentos funcione como catalisadora de um movimento que impeça a re- lo, sobretudo a partir da Exposição Universal de Paris, realizada em 1867.
petição de situações semelhantes. Ao mesmo tempo em que oferece um espaço físico
e uma oportunidade para o luto, cicatrização e reflexão para as perdas decorridas do Por todo o mundo podemos encontrar, hoje em dia, variadíssimas experiências mu-
evento, possui um efeito potencialmente significativo para os familiares, no que re- seológicas no campo desta nova realidade de museus. No Brasil temos casos bem
fere as perdas humanas. Constitui-se assim como local em que memórias, por vezes sucedidos como o Museu de Território de Paraty, Museu do Homem do Nordeste
legadas a clandestinidade, podem ascender ao espaço público de forma a garantir e o Museu da Maré. São museus que, independentemente da sua designação, estão
uma instância de preservação e compartilhamento, revelando um entendimento da especificamente vocacionados para a representação de uma dada população, num âm-
memória como instância de resistência e obstáculo a ocultação. bito territorial específico, fazendo sobressair os traços fundamentais que caracterizam
a natureza e a essência dessa mesma comunidade, diferenciando-a das demais, num
processo evolutivo de permanente descoberta e construção, em simultâneo, da sua
própria identidade cultural.

46 47
PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E MEMÓRIA

Estes novos museus têm, como atributos específicos, a sua capacidade especial de nos
traduzirem novos olhares sobre os objectos, convidando-nos a repensar toda a museo-
grafia tradicional, para que possamos reinterpretar a história do território que serve e
representa, na perspectiva do desenvolvimento sócio-económico das suas populações,
aqui percebidas como agentes ativos e dinâmicos na construção das suas próprias rea-
lidades materiais e imateriais. Aliás, é fundamental sublinhar que, na sua relação com
a museologia tradicional, esta nova museologia reinventa alguns dos conceitos mais
caros à museologia clássica, contrapondo com outros de natureza complementar – ao
conceito clássico de coleção contrapõe-se o de patrimônio, ao edifício contrapõe-se o
território e ao público contrapõe-se a comunidade.

Embora não tenha necessariamente uma coleção, o museu de território possui sim um acervo, um
conjunto de objetos sob um tratamento museológico, incorporado a um ciclo curatorial. As ações
do processo curatorial iniciam-se com a formação de acervo, sendo que qualquer patrimônio pode
vir a constituir um acervo museológico, o qual é definido pelo trato diferenciado com esse patri-
mônio e não apenas por sua eventual retirada de seu contexto original. Nesse sentido, o patrimônio
inventariado já tem um trato museológico definido e contribui na constituição de um acervo, esteja
ele in situ ou não. (CAFÉ, 2007, p.73).

A pesquisa também é fundamental no processo curatorial, pois é ela que permitirá


conhecer mais a fundo dado patrimônio e a relação das pessoas com ele bem como
a realidade em que essas pessoas estão inseridas. Tal pesquisa deve ser relevante para
essa comunidade, colaborando para sua autoafirmação e para apontar soluções para
os problemas que enfrenta – não carece necessariamente que essa contribuição seja
de grande vulto, mas que seja significativa, que contribua na formação crítica dos
indivíduos, que gere um conhecimento pertinente.

A salvaguarda também é parte integrante desse processo. É comum concebê-la como


a guarda e conservação de objetos materiais retirados de seu contexto, extinguindo
seu valor de uso e muitas vezes de troca, conservando apenas sua carga simbólica.
Isso é útil e importante, inclusive nos museus de território, mas não deve ser encara-
do como obrigação perante todo patrimônio musealizado. A adoção de inventários
e de políticas patrimoniais permite que um patrimônio seja conservado ainda que
permaneça em uso. Aliás, algumas formas de patrimônio necessitam permanecer em
uso para que sejam preservadas, é o caso do patrimônio imaterial (como hábitos ali-
mentares, danças, cantos, ritos, etc.).

Por fim, a comunicação, comumente dada através da exposição e de serviço educa-


tivo (mas também através de publicações e da elaboração de outros materiais e por
outros meios), é outra ponta desse mesmo processo. Em um museu de território ela
pode se dar simplesmente através do exemplo, na vida cotidiana dos habitantes do
território de ação. Mas também pode se efetivar através da mediação para visitantes,
em que haja a tomada de consciência do que vai ser comunicado, de seus processos

Figura 2.6 Sinalização Museu de Território de Paraty, no Rio de Janeiro.


(fonte: http://www.museudoterritoriodeparaty.org.br)
Figura 2.7 Museu do Homem do Nordeste ,em Pernambuco, voltado para a valorização das tradições de mino-
rias étnicas e sociais.
(fonte: http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=250&Itemid=238)
Figura 2.8 Museu da Maré, com ações voltadas para o registro, preservação e divulgação da história das
comunidades da Maré, em seus aspectos culturais e sociais.
(fonte: http://www.museudamare.org.br) 49
PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E MEMÓRIA

|o sagrado e o profano|

constituintes que permitam reconhecer e questionar a própria comunidade e assim A oposição sagrado/profano traduz se muitas vezes como uma oposição entre real
levá-la aos visitantes, fazendo não apenas com que eles a percebam, notem suas ca- e irreal ou pseudo real. Mircea Elide em seu livro O sagrado e o profano fala sobre
racterísticas, mas gerando uma reflexão crítica que inclusive permita aos mediadores a experiência do sagrado na realidade profana em que vivemos. Segundo o autor, o
e aos demais indivíduos, reconhecerem a própria comunidade na qual estão inseridos. homem toma conhecimento do sagrado porque este se manifesta, se mostra como
algo absolutamente diferente do profano. Eis que é uma realidade que não pertence
Ao falarmos aqui de musealização do território, entendemo-lo como território patri- ao nosso mundo “natural” porém se manifesta através de objetos que fazem parte
monial, como bem cultural pertencente a uma coletividade humana, como expressão integrante desse mundo.
de vida das pessoas. Podemos compreender esse território como um objeto possível
de ser musealizado, encarado ele mesmo como patrimônio pela sociedade, ou ainda Manifestando o sagrado, um objeto qualquer torna-se outra coisa e, contudo, conti-
podemos identificá-lo como sendo um território de ação, em que se dará o processo nua a ser ele mesmo, porque continua a participar do meio cósmico envolvente.Para
de musealização de objetos devidamente identificados como patrimônio e que es- aqueles que têm uma experiência religiosa, toda a Natureza é suscetível de revelar se
tejam contidos ou que constituam o território em questão. Desta forma, a noção de como sacralidade cósmica. Sendo assim, o espaço em que vivemos não é homogêneo,
acervo e patrimônio é ampliada, incorporando territórios inteiros (os quais podemos pois existem porções de espaço qualitativamente diferentes das outras. Há, portanto,
chamar de territórios patrimoniais) bem como seus testemunhos naturais e culturais. um espaço sagrado, e por conseqüência “forte”, significativo, e há outros espaços não
Nesse sentido, convém que ele seja apropriado pela população, não puramente em um sagrados, e por conseqüência sem estrutura nem consistência, em suma, amorfos. No
sentido de posse particular, mas no sentido de uma vivência comunitária. espaço sagrado, o mundo profano é transcendido, existe uma irrupção do sagrado que
tem como resultado destacar um território do meio cósmico que o envolve.
Diferente de um museu tradicional, o museu de território, embora aberto a um pú-
blico amplo, é voltado prioritariamente para a comunidade na qual ele está instalado, Mircea fala também sobre a experiência do tempo sagrado, o tempo das “festas” (na
servindo para que ela se reconheça nele, e que através disso ela seja por si mesmo sua grande maioria, festas periódicas) e do tempo profano, que corresponde à duração
valorizada, contribuindo para a manutenção de sua identidade. Assim a tríade tra- temporal ordinária na qual se inscrevem os atos privados do significado religioso.
dicional formada por edifício, coleção e público é ampliada para território de ação, Participar religiosamente de uma festa implica a saída da duração temporal ordinária
patrimônio coletivo e comunidade de habitantes. Dessa forma o museu pode ser e a reintegração no tempo sagrado, que é indefinidamente recuperável e repetível.
entendido enquanto instituição ou processo que lida com o patrimônio material e
imaterial através de sua coleta ou registro, salvaguarda, pesquisa e difusão, atuando O homem religioso vive assim em duas espécies de Tempo, das quais a mais importante, o Tempo
com a sociedade e visando seu desenvolvimento cultural e socioeconômico. sagrado, se apresenta sob o aspecto paradoxal de um Tempo circular, reversível e recuperável, es-
pécie de eterno presente mítico que o homem reintegra periodicamente pela linguagem dos ritos.
(ELIDE, 1992, p.39).
Analisando as questões relacionadas aos lugares de memória e sítios de consciencia
expostas anteriormente e os ideiais e dinâmicas de um museu de território, podemos
encontrar nesse modelo de instituição uma forma de construção de uma identidade O homem religioso sente necessidade de mergulhar por vezes nesse tempo sagrado
coletiva ligada ao episódio das secas no Ceará que aqui vamos trabalhar. Através da e indestrutível. Para ele, o tempo sagrado é que torna possível o tempo ordinário, a
musealização do território que faz parte dessa história, e de suas particularidades, dimensão profana em que se desenrola toda a existência humana. É o eterno presente
com envolvimento direto da comunidade, chegamos a um modelo de museu que do acontecimento mítico e sua ritualização que torna possível a duração profana dos
atuará a partir da patrimonialização da memória como forma de luta social. Além eventos históricos. Na festa reencontra-se plenamente a dimensão sagrada da vida,
de fortalecer a identidade dos diretamente envolvidos com esse território, o museu experimenta-se a santidade da existência humana como criação divina.
funcionará como um sítio de consciência, em que memórias por vezes legadas a clan-
destinidade, podem ascender ao espaço público de forma a garantir uma instância de
preservação e compartilhamento.

50 51
PATRIMÔNIO, IDENTIDADE E MEMÓRIA

A caminhada da seca, por seu caráter ritualístico e religioso, está inserida no tempo
sagrado que se reporta à santificação das almas dos flagelados vítimas da seca no
Campo de Concentração do Patu. Como já comentado anteriormente, para além
da experiência religiosa, a caminhada possui um forte apelo social de luta contra as
injustiças cometidas no passado pelo governo. O cemitério do Patu por sua vez foi
erguido em uma porção de espaço que se destaca qualitativamente de outros espaços
por ter sido palco de um dos episódios mais tristes e significativos da história das
secas no Ceará, sendo posteriormente apropriado como lugar sagrado.

As ruínas da Vila dos Ingleses que foram utilizadas para abrigar o Campo de Con-
centração do Patu, apesar de não fazerem parte diretamente do ritual da Caminhada,
estão inscritas no mesmo território que esse ocupa, e possuem forte ligação com a
memória que envolve todo o processo da Caminhada.

Como objetos que fazem parte do meio cósmico envolvente, os edifícios em ruínas
reforçam a sacralidade atribuída ao cemitério e ao ritual. Porém não podemos con-
siderá-los como objetos sagrados pois a estes não foi atribuído um critério religioso.
Temos então uma dualidade de significância dos objetos que compõem o território
em estudo. O sagrado e o profano se complementam na narrativa dos acontecimentos
históricos que marcaram esse lugar.

O presente trabalho terá como principal premissa trabalhar essa dualidade, promo-
vendo a interação entre diferentes significâncias em prol de uma unidade conceitual
em que serão explorados todos os aspectos referentes ao território e à memória cole-
tiva a ele atribuída.

Figura 2.9 Pedras sobre bíblia no cemitério do Patu.


(fonte: acervo pessoal)

53
DIAGNÓSTICO N

|contexto|

O recorte espacial do projeto está inserido na área rural do município de Senador


Pompeu, a aproximadamente 5 km da zona urbana. A distância, o difícil acesso e o
fato de que existe um grande vazio de edificações e usos nessa área, contribui para
o abandono das ruínas e transformação dessas em espaços inseguros. A população
praticamente só as visita uma vez ao ano, na ocasião da Caminhada da Seca. A CE
363 é a via que passa mais próxima das edificações, porém o acesso a estas por ela está
obstruido pela vegetação, excetuando o caso da Estação que fica na beira da estrada.

Mapa 2 Contexto área de intervenção.


(fonte: mapa elaborado pela autora)
0 1 1,5 km

54
N

USINA GÓTICA

CEMITÉRIO

CASA DO ENGENHEIRO-MOR

FARMÁCIA

OFICINA

BARRAGEM
ARMAZÉM
ESTAÇÃO

Mapa 3 Área de intervenção.


(fonte: mapa elaborado pela autora)

Figura 3.1 Vista aérea área 0 100 150 m


de intervenção.
(fonte: google earth)
DIAGNÓSTICO

|levantamentos|

Foi feito o levantamento de todas as edificações que fazem parte da Vila dos Ingleses
e do cemitério do Patu, com excessão da usina gótica e da farmácia (acesso impedido).
A partir dos dados coletados produziu-se um mapa de danos da casa do engenheiro-
-mor e o desenho das demais edificações que se encontram em estado de ruína.

O edifício correspondente à fármacia foi a única edificação da Vila dos Ingleses que
recebeu um uso nos últimos 30 anos, abrigando durante muito tempo um restaurante
de comidas típicas. Sendo propriedade do DNOCS, hoje em dia ele está cedido para
moradia de uma família, que ainda preserva alguns elementos do antigo restaurante.

O acesso para a usina gótica está impedido pela vegetação, mas da estrada de terra é
possível avistar seus contornos.

Figura 3.2 Levantamento


casa do engenheiro-mor. 59
(fonte: acervo próprio)
F3
MAPA DE DANOS CASA DO ENGENHEIRO-MOR N

F2
F4

Figura 3.3 Vista fachada frontal.


Figura 3.4 Alpendre na fachada oeste da casa. PLANTA BAIXA
Figura 3.5 Estrutura telhado. ESC. 1/250
(fonte: acervo Luiz Figueiredo)
60
F1
DIAGNÓSTICO

F1

F. 3.4

F. 3.5 F. 3.6

PERDA DE ORNATO INTEGRADO

ESQUADRIA INEXISTENTE

AUSÊNCIA/PERDA DE REBOCO

TELHAS QUEBRADAS OU AUSENTES

INFLORESCÊNCIA

GRAFITAGEM

Figura 3.6 Esquadrias ausentes.


Figura 3.7 Grafitagem na fachada frontal (F1).
Figura 3.8 Ausência de reboco e inflorescên-
cia na fachada posterior (F3).
F3
62 (fonte: acervo pessoal)
DIAGNÓSTICO

F4

F. 3.7

F. 3.8 F. 3.9

PERDA DE ORNATO INTEGRADO

ESQUADRIA INEXISTENTE

AUSÊNCIA/PERDA DE REBOCO

TELHAS QUEBRADAS OU AUSENTES

INFLORESCÊNCIA
F2

GRAFITAGEM

Figura 3.9 Fachada oeste (F4).


Figura 3.10 Mancha de umidade e ausên-
cia de reboco na fachada leste (F2).
Figura 3.11 Piso interno.
64 (fonte: acervo pessoal)
LEVANTAMENTO CEMITÉRIO

N
1

2 1

PLANTA BAIXA VISTA ELEMENTOS CEMITÉRIO


Figura 3.12 Vista lateral direita do cemitério. ESC. 1/200 ESC. 1/50
Figura 3.13 Cemitério do Patu.
Figura 3.14 Interior da capela.
(fonte: acervo pessoal)
66
LEVANTAMENTO OFICINA F3 N

F2
F4

PLANTA BAIXA
ESC. 1/250
Figura 3.15 Fachada frontal. F1
(fonte: acervo pessoal) 69
DIAGNÓSTICO

1922

F1 F2

F3 F4

Figura 3.16 Fachada frontal e fachada


leste (F1 e F2).
Figura 3.17 Fachada oeste (F4).
Figura 3.18 Interior da oficina.
70 (fonte: acervo pessoal)
F3

LEVANTAMENTO ARMAZÉM N

F2
F4

PLANTA BAIXA
ESC. 1/250
Figura 3.19 Interior armazém.
(fonte: acervo pessoal)
F1
DIAGNÓSTICO

F1 F2

F3 F4

Figura 3.20 Fachada leste.


Figura 3.21 Detalhe interno alvenaria.
Figura 3.22 Janela alta.
(fonte: acervo pessoal)
74
F3

LEVANTAMENTO ESTAÇÃO

N
F2
F4

PLANTA BAIXA
ESC. 1/250
Figura 3.23 Fachada frontal.
(fonte: acervo pessoal)
F1
DIAGNÓSTICO

F1 F2

F3 F4

Figura 3.24 Fachada frontal e fachada oeste.


Figura 3.25 Interior estação.
Figura 3.26 Janela fachada oeste.
78 (fonte: acervo pessoal)
FARMÁCIA USINA GÓTICA DIAGNÓSTICO

Figura 3.27 Fachada frontal. Figura 3.30 Acesso impedido para a


Figura 3.28 Fachada oeste. usina gótica.

Figura 3.29 Detalhe frontão. (fonte: acervo pessoal)

(fonte: acervo pessoal)


80 81
REFERÊNCIAS
PROJETUAIS

SESC POMPÉIA (INTERVENÇÃO EM FÁBRICAS) - SÃO PAULO CAPELA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO - RECIFE
LINA BO BARDI PAULO MENDES DA ROCHA E EDUARDO COLONELLI
Das antigas fábricas restam os antigos materiais: tijolos de barro e telhado de madei- Das ruínas de um casarão do século 19, Paulo Mendes da Rocha e Eduardo Colonelli
ra. Lina se aproveita também do movimento topográfico poético. O projeto possui projetaram uma capela para os Brennand, no Recife. O partido proposto por Mendes
uma forte identidade através da memória industrial preservada pelas engenhosas so- da Rocha e Colonelli, de mínima intervenção no restabelecimento da condição de
luções de restauro, reciclagem e novas intervenções. Seu mérito, além da admirável abrigo, já era sugerido pelas ruínas do antigo casarão. Da construção sobravam apenas
arquitetura, é sobretudo o de um espaço respaldado pela efetiva apropriação pela as paredes de pedra, envoltas por trechos da arcada feita com blocos cerâmicos. Ex-
população, que ali assistiu a eventos, shows, exposições e desfiles que entraram pra a ternamente, destaca-se o trabalho de restauração das alvenarias. Camadas de massa e
crônica cultural paulistana. de outros revestimentos foram removidas das paredes de pedra, que tiveram recupe-
radas as alturas totais de seus vãos de janelas e de passagem. As arcadas passaram por
processo de consolidação e complementação em certos pontos. Também a cobertura,
outro elemento essencial à idéia de abrigo, esmera-se em desempenhar papel coadju-
vante na arquitetura, em proveito da intervenção minimalista.

F. 4.1 F. 4.2 F. 4.4 F. 4.5

F. 4.3 F. 4.6

Figura 4.1 Teatro. Figura 4.4 Fachada leste.


Figura 4.2 Restaurante. Figura 4.5 Arcada.
Figura 4.3 Detalhe coberta. Figura 4.6 Interior capela.
(fonte: https://www.archdaily.com.br/ (fonte: https://www.arcoweb.com.br/projetode-
82 br/01-153205/classicos-da-arquitetura- sign/arquitetura/paulo-mendes-da-rocha-e-eduar- 83
-sesc-pompeia-slash-lina-bo-bardi) do-colonelli-capela-recife-31-07-2007)
REFERÊNCIAS PROJETUAIS

ALTAR AO AR LIVRE - SANTUÁRIO DE FÁTIMA PROJETO EXPOGRÁFICO MUSEU CAIS DO SERTÃO - RECIFE
PAULA SANTOS BRASIL ARQUITETURA
Obra permanente para cerimônias ao ar livre. O projeto inclui uma sacristia, uma Com recursos de tecnologia inovadores, automação e interatividade, além da leitura
capela da sagrada reserva e áreas de apoio para os sacerdotes. O projeto também generosa de cineastas, escritores, artesãos, artistas plásticos, artistas visuais e músicos
permitiu mobilidade, a melhoria das colunatas existentes e o redesenho da escada de todo o país, o Cais apresenta os fortes contrastes que marcam a vida nos ser-
para acessar todas as estruturas religiosas. A cobertura possui 600 metros quadrados tões nordestinos, proporcionando aos visitantes uma experiência de imersão nesse
de área suspensa, suportada apenas por um bloco de concreto branco dentro do qual universo.
estão todos os acessos. A intervenção arquitetônica tem uma grande importância
cenográfica em um lugar sagrado e é sublime e harmoniosa na relação com o vasto
espaço de oração.

F. 4.7 F. 4.8 F. 4.10 F. 4.11

F. 4.9 F. 4.12

Figura 4.7 Estrutura coberta. Figura 4.10 Exposição.


Figura 4.8 Vista frontal altar. Figura 4.11 Exposição.
Figura 4.9 Vista lateral altar. Figura 4.12 Exposição.
(fonte: https://www.archdaily. (fonte: http://www.caisdosertao.org.br/)
84 com/890203/outdoor-altar-in-the- 85
-prayer-area-paula-santos)
MUSEU DE TERRITÓRIO DOS CAMPOS
DE CONCENTRAÇÃO NO CEARÁ

O Museu de Território dos Campos de Concentração no Ceará é um conjunto de


ações voltadas para o registro, preservação e divulgação da história ligada às secas no
estado da qual os campos de concentração fazem parte. Além disso, ele busca valori-
zar a comunidade local do território em que se insere, em seus diversos aspectos se-
jam eles culturais, sociais ou econômicos. As ações propostas no plano museológico,
contemplam o programa institucional, de acervos, de exposição, educativo cultural, de
pesquisa e de divulgação da iniciativa.

O Museu envolve vários núcleos de ação que têm como centro a exposição perma-
nente, mas que se desdobram em outras ações como a organização de acervo docu-
mental; a realização de pesquisa em história oral; o desenvolvimento de atividades
lúdicas e educativas, além da realização de outros eventos diversos como exposições
itinerantes, seminários, oficinas e produção de material temático.

Os projetos desenvolvidos pelo programa visam favorecer a criação de canais que


fortaleçam os vínculos comunitários entre os moradores da cidade de Senador Pom-
peu, orientados principalmente pela identidade histórica e cultural. Para além disso,
a intervenção em outros espaços ligados à temática do museu (principalmente nas
demais cidades que possuíam campos de concentração) promove o desenvolvimento
cultural através da construção de uma identidade local

O Museu de Território em Senador Pompeu surge assim a partir do desejo de criação


de um lugar de memória, um lugar de imersão no passado e de olhar para o futuro,
com reflexão sobre os desdobramentos do episódio por ele relatado e testemunhado..

A intenção do Museu de Território dos Campos de Concentração no Ceará é romper


com a tradição de que as experiências a serem rememoradas e os lugares de memória
a serem lembrados são aqueles eleitos pela versão oficial, “vencedora”, da história e
por isso, uma versão que limita as representações da história e da memória de grandes
parcelas da população. Por isso, o Museu, como uma iniciativa pioneira no cenário da
cidade, se propõe a ampliar o conceito museológico, para que este não fique restrito
aos grupos sociais mais intelectualizados e a espaços culturais ainda pouco acessíveis
à população em geral. O sertão é lugar de memória e por isso nada mais significativo
do que se fazer uma leitura museográfica a partir de tal percepção.

Figura 5.1 Pés descalços Caminhada da Seca.


(fonte: acervo pessoal)

87
N

USINA GÓTICA

|masterplan|
CEMITÉRIO

O projeto tem como principal premissa trabalhar a dualidade sagrado/profano, pro-


movendo a interação entre esses dois universos a partir de uma unidade conceitual
que se encontra materializada no Museu de Território dos Campos de Concentração
no Ceará.

O partido levou em consideração essa dualidade, e a partir da pré existência de um


caminho sagrado (estrada onde ocorre a Caminhada da Seca), foi proposto um cami-
nho profano que ligasse as ruínas da Vila dos Ingleses. As intervenções seguem esses
dois caminhos.

A criação de novos acessos para as ruínas da Vila dos Ingleses a partir da CE 363 e a
pavimentação do trecho da estrada de terra que liga o cemitério do Patu à via asfal-
tada, além da proposição de uma área de contemplação e lazer próxima a barragem,
potencializa o movimento de pessoas na região durante todo o ano e o uso efetivo dos
equipamentos que fazem parte do museu.

CASA DO ENGENHEIRO-MOR

FARMÁCIA

OFICINA

BARRAGEM
CAMINHO SAGRADO ARMAZÉM

CAMINHO PROFANO
ESTAÇÃO

NOVOS ACESSOS

ALTAR MISSA CAMPAL

ÁREAS DE DESCANSO COM TOTENS

ÁREA DE CONTEMPLAÇÃO BARRAGEM

PAVIMENTAÇÃO ESTRADA DE TERRA

Mapa 4 Masterplan.
(fonte: mapa elaborado pela autora)
0 100 150 m

88
PONTOS DE DESCANSO - ISOMÉTRICAS

|caminho sagrado|

O caminho sagrado, representado pela estrada de terra que liga o núcleo urbano de
Senador Pompeu ao cemitério do Patu foi mantido em seu atual estado, devido à sa-
cralidade a ele atribuída pela crença popular, o que o isenta de interferências. Ao lon-
go do caminho porém foram criadas áreas de descanso, marcadas por totens e ligadas
à estrada por um curto trecho em terra, que possuem bancos, arborização e espaço
para instalação de banheiro químico, visando atender aos peregrinos que participam
da caminhada em uma eventual necessidade. Os totens marcam tanto a entrada dos
trechos que levam às áreas de descanso, indicando em que ponto da estrada você está,
como também estão presentes nos próprias bolsões, contendo gravadas orações reti-
radas do livro Migalhas do Sertão já citado anteriormente.

Ponto de Descanso - Isométrica 1 Ponto de Descanso - Isométrica 2


SEM ESCALA SEM ESCALA

90
N
CEMITÉRIO E ALTAR - PLANTA BAIXA

Seguindo a mesma linha de respeito à sacralidade, a interferência no cemitério é mí-


nima, apenas com a criação de uma espécie de pomério¹ na parte externa (3 metros)
e interna (0,8 metros), utilizando pedras de seixo abundantes no local, a fim de criar
uma fronteira simbólica para o lugar sagrado. A estrutura onde se depositam as velas
foi aumentada e deslocada do eixo central do cemitério para não interferir na com-
posição entre a entrada, a cruz e a capela.

B
1. Pomério, na Roma Antiga, era uma
designação para a fronteira simbólica da
cidade de Roma.
2 3

1. Altar missa campal


2. Banheiro acessível 1

3. Sacristia

1m 5m 10m

92
CEMITÉRIO - ELEVAÇÕES

Cemitério - Elevação Frente


Esc.: 1:100

Cemitério - Elevação Lateral 1


Esc.: 1:100

1m 5m 10m
CEMITÉRIO - ELEVAÇÕES

Cemitério - Elevação Fundos


Esc.: 1:100

Cemitério - Elevação Lateral 2


Esc.: 1:100

1m 5m 10m
CEMITÉRIO - CORTES

Cemitério - Corte A
Esc.: 1:100

Cemitério - Corte B
Esc.: 1:100

1m 5m 10m
CEMITÉRIO - ISOMÉTRICA

Cemitério - Isométrica
SEM ESCALA
ALTAR - ELEVAÇÕES

Foi proposto um espaço altar para a missa campal que ocorre após a chegada da ca-
minhada ao cemitério, que contemple também uma sacristia e banheiro acessível. A
idéia é criar uma estrutura que dialogue visualmente com o cemitério e seu entorno, e
crie um espaço de sombra para os membros do clero que realizam a missa. A estrutu-
ra em concreto da coberta, e a forma que dela surge, proporciona um emolduramento
da paisagem, com foco de um lado na casa do engenheiro-mor que possui local de
destaque devido à sua localização topográfica, e do outro na imponente serra do Patu.

Altar cemitério - Elevação Frontal Altar cemitério - Elevação Fundos


Esc.: 1:100 Esc.: 1:100

Altar cemitério - Elevação Lateral 1 Altar cemitério - Elevação Lateral 2


Esc.: 1:100 Esc.: 1:100

1m 5m 10m

102
ALTAR - ISOMÉTRICAS

Altar cemitério - Isométrica 1 Altar cemitério - Isométrica 2


SEM ESCALA SEM ESCALA
N
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - PLANTA BAIXA

|caminho profano|

O caminho profano criado é uma espécie de trilha, com 1,5 metros de largura, que
segue a topografia acidentada do terreno e interliga as ruínas. A idéia é que ele sirva

A
B
apenas para deslocamentos a pé ou de pequenos carros auxiliares do museu.

O projeto prevê a intervenção em apenas dois edifícios do complexo que forma a Vila
dos Ingleses, sendo eles o armazém e a casa do engenheiro-mor, seguindo o programa
de necessidades estabelecido para o Museu de Território. As demais ruínas passarão
por um processo de consolidação e proteção da estrutura remanescente, dando con-
tinuidade ao seu papel de testemunhas materiais dos acontecimentos narrados pelo
museu. Isso não significa que, surgindo a eventual necessidade de outros equipamen-
tos para o museu, venha a se intervir nessas ruínas posteriormente.

2
9

7
D

1
2

2
6

4
5
1. Recepção
2. Exposição fixa
3. Café
4. Exposição antiga cozinha
5. Almoxarifado
6. Apoio café
7. Banheiro masculino
8. Banheiro feminino
9. Banheiro acessível

1m 5m 10m

106
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - ELEVAÇÕES

A casa do engenheiro-mor, por ser o edifício com melhor estado de conservação, pas-
sará por um processo de restauro completo. A intervenção aqui proposta visa então
recuperar a materialidade desse edifício, com todas as simbologias que ela implica,
seguindo o testemunho da estrutura pré-existente.

A estrutura do telhado foi toda recuperada, assim como os ornatos integrados. As


esquadrias propostas são semelhantes às originais, em madeira bruta, assim como a
pintura da fachada é similar à pintura descoberta através da prospecção no edifício.

Casarão - Elevação Frontal (Sul) Casarão - Elevação Fundos (Norte)


Esc.: 1:100 Esc.: 1:100

1m 5m 10m

108
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - ELEVAÇÕES

Casarão - Elevação Lateral (Oeste)


Esc.: 1:150

Casarão - Elevação Lateral (Leste)


Esc.: 1:150

1m 5m 10m
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - CORTES TRANSVERSAIS

Casarão - Corte A Casarão - Corte B


Esc.: 1:100 Esc.: 1:100

1m 5m 10m
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - CORTES LONGITUDINAIS

Casarão - Corte C
Esc.: 1:150

Casarão - Corte D
Esc.: 1:150

1m 5m 10m
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - ISOMÉTRICA
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - ISOMÉTRICA SEM COBERTA

Os cômodos do volume principal do casarão foram adaptados para receber a expo-


sição fixa do Museu de Território, que narra todo o episódio da história das secas no
Ceará ligado aos campos de concentração. O volume anexo que se encontra na parte
posterior do casarão abriga a parte de serviços e os banheiros do museu.

118
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - ISOMÉTRICA CORTADA
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - PERSPECTIVA EXTERNA
CASA DO ENGENHEIRO-MOR - PERSPECTIVA INTERNA

O piso externo foi mantido e o interno foi substituído pelo cimento queimado. No
corredor central, que passa por todos os cômodos do casarão e dá acesso à antiga
cozinha aonde era distribuída a ração para os flagelados, foi feita uma intervenção
artística no piso com o fim de representar a logística opressora e de controle existente
à época aonde as pessoas eram obrigadas a ficar em fila, de cabeça baixa, na esperança
de que a comida durasse até chegar a sua vez de pegar. Os nomes das vítimas do cam-
po de concentração do Patu que conseguiram ser identificadas, constroem filas com
os símbolos que representam os milhares de flagelados que foram enterrados como
indigentes, corpos sem nome.

124
N
ARMAZÉM - PLANTA BAIXA

O edifício do armazém foi escolhido para ponto final do caminho profano, e a inter-
venção nele feita propõe a complementação do programa de necessidades do museu
de território. Ele abrigará também a Secretaria de Cultura de Senador Pompeu, inte-
grada à administração do museu.

2
A

5
3
B

C
1. Sala de projeção
2. Banheiro feminino
3. Banheiro masculino
4. Administração do Museu
5. Secretaria de Cultura e
sala de reuniões
1m 5m 10m

126
ARMAZÉM - ELEVAÇÕES

Armazém - Elevação Lateral (Sul) Armazém - Elevação Lateral (Norte)


Esc.: 1:100 Esc.: 1:100

1m 5m 10m
ARMAZÉM - ELEVAÇÕES

Foi proposta a consolidação da ruína existente e a criação de uma coberta metálica


criando um grande galpão com volumes soltos em seu interior. As aberturas da ruína
receberam uma moldura em aço corten, mas se mantêm abertas para livre circulação
de ar e entrada de luz. Apenas as entradas da extremidade direita e esquerda foram
fechadas com vidro para manter a privacidade dos blocos que se localizam nas pontas.

Armazém - Elevação Frontal (Leste)


Esc.: 1:200

Armazém - Elevação Fundos (Oeste)


Esc.: 1:200

1m 5m 10m

130
ARMAZÉM - CORTES

Os blocos internos possuem estrutura simples com parede de gesso e esquadrias em


vidro.

Armazém - Corte A
Esc.: 1:200

Armazém - Corte B
Esc.: 1:200

1m 5m 10m

132
ARMAZÉM - CORTE

Armazém - Corte C
Esc.: 1:100

1m 5m 10m
ARMAZÉM - ISOMÉTRICA
ARMAZÉM - ISOMÉTRICA SEM COBERTA
ARMAZÉM - ISOMÉTRICA CORTADA
ARMAZÉM - PERSPECTIVA INTERNA

No centro do galpão se propôs um vão livre que permitisse diversos usos para esse
espaço, podendo abrigar eventos, oficinas, exposições temporárias e muitos outros.

142
ARMAZÉM - PERSPECTIVA EXTERNA
DESDOBRAMENTOS

O trabalho aqui apresentado não tem pretensão de ser fim. Ele é fruto de um sem
número de pesquisas e reflexões e tem o intuito de provocar quem o leia a refletir
sobre as questões expostas tanto do ponto de vista histórico, como do ponto de vista
da inserção da arquitetura como transformadora de realidades. O patrimônio para
além de dogmas, regras, e de uma suposta intelectualidade excludente, mas sim como
objeto de empoderamento de uma comunidade, fortalecendo a identidade local e
priorizando aqueles que atribuíram valor àquele elemento.

O fim é o começo.

Sertão é isto: o senhor empurra para


trás, mas de repente ele volta a rodear
o senhor dos lados. Sertão é quando
menos se espera.
(...)
Guimarães Rosa
trecho do livro “Grande Sertão
Veredas”

Figura 6.1 Peregrino Caminhada da Seca.


(fonte: acervo pessoal)
147
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS

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Martins Fontes, 1992. VEZZETTI, Hugo. Sobre la violencia revolucionaria: memorias y olvidos. Buenos
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mônio: atualizando o debate, IPHAN, São Paulo, 2006.

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OLIVEIRA, Carlos. A musealização do território como estratégia de gestão do pa-


trimônio e administração da memória. Revista Memorare, Tubarão, SC, v. 2, n. 2, p.
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200- 212. Rio de Janeiro, 1992.

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François [et al.]. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.

RIOS, Kênia. Isolamento e Poder, Fortaleza e os campos de concentração na seca


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(UFC).

148 149
150

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