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Universidade Federal de Ouro Preto

Programa de Pós-Graduação em História

Dissertação

Um minhoto no sertão do São Francisco:


o livro de razão de Atanásio Cerqueira
Brandão, 1710 - 1730

Giselle Christine Fagundes

Mariana 2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Um minhoto no sertão do São Francisco:


o livro de razão de Atanásio Cerqueira Brandão, 1710 - 1730

Dissertação apresentada ao
Programa de Pós- Graduação em História
como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
História por Giselle Christine Fagundes

Orientador: Angelo Alves Carrara

2021

1
SISBIN - SISTEMA DE BIBLIOTECAS E INFORMAÇÃO

F156m Fagundes, Giselle Christine.


FagUm minhoto no sertão do São Francisco [manuscrito]: o livro de razão
de Atanásio Cerqueira Brandão, 1710 - 1730. / Giselle Christine
Fagundes. - 2021.
Fag258 f.: il.: color., tab., mapa.

FagOrientador: Prof. Dr. Angelo Alves Carrara.


FagDissertação (Mestrado Acadêmico). Universidade Federal de Ouro
Preto. Departamento de História. Programa de Pós-Graduação em
História.
FagÁrea de Concentração: História.

Fag1. São Francisco, Rio. 2. Minas Gerais. 3. Gado. I. Carrara, Angelo


Alves. II. Universidade Federal de Ouro Preto. III. Título.

CDU 94(815.1)

Bibliotecário(a) Responsável: Edna da Silva Angelo - CRB6 2560


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

REITORIA

INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE POS-GRADUACAO EM HISTORIA

FOLHA DE APROVAÇÃO

 
Giselle Christine Fagundes
 
Um minhoto no sertão do São Francisco:

o livro de razão de Atanásio Cerqueira Brandão, 1710 - 1730


 

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal


de Ouro Preto como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História
 

Aprovada em 25 de outubro de 2021


 
 
Membros da banca
 
 
[Doutor] - Angelo Alves Carrara - Universidade Federal de Ouro Preto
[Doutora] - Alexandra Maria Pereira - Faculdade Cidade de João Pinheiro
[Doutor] - Francisco Eduardo de Andrade - Universidade Federal de Ouro Preto
 
 
 
Angelo Alves Carrara, orientador do trabalho, aprovou a versão final e autorizou seu depósito no Repositório Institucional da UFOP
em 22/03/2022
 
 

Documento assinado eletronicamente por Francisco Eduardo de Andrade, COORDENADOR(A) DE CURSO DE PÓS-
GRADUACÃO EM HISTÓRIA/ICHS, em 05/05/2022, às 16:31, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no
art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

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Referência: Caso responda este documento, indicar expressamente o Processo nº 23109.004433/2022-45 SEI nº 0307999

R. Diogo de Vasconcelos, 122, - Bairro Pilar Ouro Preto/MG, CEP 35400-000

Telefone: (31)3557-9423   - www.ufop.br


Aos meus queridos pais, Joana e Sebastião (in memoriam), meus
mestres sertanejos, que me iniciaram nos segredos do sertão.

2
AGRADECIMENTOS

Este trabalho é resultado de uma longa caminhada que começou


despretensiosamente no início do ano 2000, quando algumas indagações sobre a história da
ocupação do norte de Minas me levaram até a Baixa de Quintas, bairro de Salvador, onde
se localiza o Arquivo Público do Estado da Bahia. Foi na Quinta do Tanque, onde viveu o
Padre Vieira, que conheci Marlene Oliveira, responsável por abrir às portas do mundo da
pesquisa para mim. Anos mais tarde, no Arquivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia,
Neuza Esteves, outra baiana, me daria o empurrão que faltava. Através dessas duas
arquivistas gostaria de agradecer pela atenção e paciência a todos os servidores das
instituições onde tive a felicidade de pesquisar.
Deixo aqui um agradecimento especial a Santa Casa de Misericórdia de Ponte de
Lima, na pessoa de seu provedor, Dr. Alípio Gonçalves de Matos, pela disposição e
empenho em localizar o testamento de Atanásio Cerqueira Brandão, e a Rodrigo Domingue z,
pela colaboração e orientações que nos levou até este documento tão importante. Também
a Luís Filipe Barbosa de Araújo, do Arquivo Distrital de Braga, da Universidade do Minho,
pela gentileza de disponibilizar os processos de genere dos irmãos de Atanásio Cerqueira.
Agradeço aos professores Alexandra Pereira e Francisco de Andrade, membros da
banca examinadora, pelo precioso tempo cedido, pelas observações e reflexões tão
oportunas e necessárias, e principalmente pela compreensão diante de minhas limitações.
Também aos professores Jefferson Queler, da UFOP, Rodrigo Pato, da UFMG, e Renato
Dias, da Unimontes, pela recepção e apoio na minha volta aos bancos escolares. Também
aos colegas do Mestrado, especialmente Mykon e Carolina, pela parceria e acolhida em
Mariana, e também aos servidores do Programa de Pós-graduação em História da UFOP,
sempre tão solícitos e generosos.
A Nahílson, parceiro fundamental, pela firmeza, seriedade e obstinação na
transcrição do Livro da Razão, e a minha doce Clarinha, pelo carinho, compreensão e
entusiasmo. Agradeço também a toda a minha família, em especial as queridas irmãs Mércia
e Neide, sempre prontas a me socorrer, e a Camila, pelo apoio na tradução do resumo. A
Cynthia, Danilo, Fábio, Éric, Patrícia, Flávia, Ângela e todos os colegas da Secretaria
Municipal de Planejamento e Gestão, pela torcida e paciência.
Para finalizar, gostaria de agradecer de maneira muito especial ao professor Angelo
Alves Carrara, meu orientador, sertanejo de alma, mestre exemplar, sempre absolutame nte

3
acessível, sem a ajuda de quem jamais teria chegado até aqui. Obrigada pela disponibilidade,
pelo estimulo e apoio constantes, por sempre me apontar novos caminhos e por divid ir
comigo a sua paixão pelo ofício.

4
RESUMO

Na segunda metade do século XVII, quando se intensificou o movimento das correntes


colonizadoras que partiam principalmente das capitanias de São Paulo, Bahia e Pernambuco
rumo ao rio São Francisco, em busca de metais preciosos, indígenas para o apresamento ou
novas terras para o estabelecimento de currais de gado, a região onde hoje se localiza o norte
de Minas Gerais tornou-se um importante ponto de convergência. O trabalho que hora
apresentamos, seguindo os passos sugeridos pelos preciosos assentos feitos pelo reinol
Atanásio Cerqueira Brandão, em seu "Livro da Razão", escrito entre os anos de 1710 e 1734,
procura dar uma contribuição no sentido de conhecermos melhor o perfil da sociedade que
emergiu desse poderoso encontro. A partir dos personagens, dos lugares, das mercadorias e
da movimentação comercial registrada pelo reinol e da documentação histórica reunida em
diversas instituições arquivísticas buscou-se traçar um panorama do sertão norte mine iro
ainda nos primeiros anos de sua ocupação, destacando suas características socioeconômicas
e a distribuição espacial de sua população. Tendo como pano de fundo a epopeia do minhoto
que se fixou no rio São Francisco, ao lado de seus primos Manuel Nunes Viana e Manuel
Rodrigues Soares, escrutinar o processo de ocupação do sertão norte mine iro,
destacadamente a presença dos baianos Antônio Guedes de Brito e Garcia de Ávila Pereira,
e do paulista Matias Cardoso de Almeida.

Palavras-chave: Rio São Francisco. Sertão norte mineiro. Currais de gado. Ocupação
territorial.

5
ABSTRACT

In the second half of the 17th century, when the movement of colonizing currents intensified,
departing mainly from the captaincies of São Paulo, Bahia and Pernambuco towards the São
Francisco River, in search of precious metals, seizure of indigenous peoples or new lands
for the establishment of cattle corrals, the area where the north of Minas Gerais is now
located became an important focal point. The work that we present here, following the steps
suggested by the precious entries made by the kingdom Atanásio Cerqueira Brandão, in his
"Livro da Razão" (Book of Reason), written between 1710 and 1734, seeks to contribute in
the sense of better understanding the society that emerged from this powerful encounter. We
sought to draw an overview of the north of Minas Gerais backlands back in the early years
of its occupation by highlighting its socioeconomic and cultural characteristics and the
spatial distribution of its population, based on the characters, the places, the merchand ise
and the commercial movement registered by the kingdom and the historical documentatio n
gathered in several archival institutions. The epic of the minhoto who settled on the São
Francisco River, alongside his cousins Manuel Nunes Viana and Manuel Rodrigues Soares,
is the backstory of the process of occupation of the north of Minas Gerais hinterland, which
we seek to scrutinize, notably the presence of the bahians Antônio Guedes de Brito and
Garcia de Ávila Pereira, and Matias Cardoso de Almeida from São Paulo.

Key-words: São Francisco River. Northern Minas Gerais hinterlands. Cattle corrals.
Territorial occupation.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01: Rio São Francisco - Pedras de Maria da Cruz/Januária/MG................................13


Figura 02: Folha de rosto do Livro de Notas de Atanásio Cerqueira Brandão ......................14
Figura 03: contas com o coronel Garcia de Ávila ...............................................................17
Figura 04: Contas de Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues Soares............................ 18
Figura 05: Ponte de Lima vista do Arcozelo....................................................................... 25
Figura 06: Assinatura e textos de Manuel Rodrigues Soares ...............................................37
Figura 07: Matriz de N. S. do Rosário – São Romão/MG ...................................................45
Figura 08: Matriz de N. S. do Bonsucesso e Almas da Porteira/Várzea da Palma/MG..... 46
Figura 09: Rio São Francisco em Manga/MG......................................................................53
Figura 10: Carta das idades dos filhos do capitão-mor Atanásio Cerqueira Brandão............57
Figura 11: Trechos de cartas de Isabel Pires Monteiro e Luís de Cerqueira........................73
Figura 12: Capa e parte da primeira página do testamento de Atanásio Cerqueira ...............92
Figura 13: Árvore genealógica de Atanásio Cerqueira Brandão .........................................96
Figura 14: Primeira página do índice do Livro da Razão ...................................................100
Figura 15: Anotações de Domingos Samora, Atanásio Cerqueira e Miguel de Freitas ......102
Figura 16: Altar da igreja de S. Caetano do Japoré e imagens sacras/Manga/MG .............116
Figura 17: Engenho abandonado na fazenda Tabua – Manga/MG ....................................118
Figura 18: Rio Verde Grande próximo da foz/ Malhada/BA/Matias Cardoso/MG............121
Figura 19: Fazenda de gado próximo ao rio Urucuia – São Romão/MG.............................122
Figura 20: Riacho do Escuro – São Romão/MG ...............................................................127
Figura 21: Mapa da capitania de Minas Gerais com a divisa de suas comarcas .................128
Figura 22: Contas de D. Perpétua da Silva Bezerra...........................................................132
Figura 23: Rio Jequitaí – Jequitaí/MG...............................................................................134
Figura 24: Fazenda próximo ao rio Jequitaí – Ibiaí/MG.....................................................136
Figura 25: Rio Pandeiros – Januária/MG ...........................................................................138
Figura 26: Mapa da região norte de Minas entre o rio das Velhas e o Verde Grande..........144
Figura 27: Rio das Velhas no distrito de Barra do Guaicuí/Várzea da Palma/MG..............174
Figura 28: Encontro dos rios S. Francisco e das Velhas – Barra do Guaicuí/Várzea da
Palma/Pirapora/MG...........................................................................................................187
Figura 29: Encontro dos rio São Francisco e Urucuia – São Romão ..................................190
Figura 30: Castelo de Garcia de Ávila – Tatuapara – Mata de São João/BA ......................194

7
Figura 31: Mapa do rio S. Francisco com fazenda de Atanásio Cerqueira, o arraial de Matias
Cardoso, São Caetano do Japoré, a fazenda de Tabuas e outras..........................................206
Figura 32: Moradores do Arraial do Meio – Matias Cardoso/MG .....................................208
Figura 33: Matriz de N. S. da Conceição – Matias Cardoso/MG.......................................216
Figura 34: Rio Japoré – distrito de São Caetano do Japoré – Manga/MG...........................221
Figura 35: Assinatura de Manuel Nunes Viana .................................................................229
Figura 36: Distrito de São Caetano do Japoré- Manga/MG................................................235
Figura 37: Assinatura de Atanásio Cerqueira Brandão ......................................................236

LISTA DE TABELAS

Tabela 01: Valores dos gados – 1711 – 1732 .....................................................................105


Tabela 02: Mercadorias e valores – 1711 – 1732...............................................................112
Tabela 03: Fazendas de Atanásio Cerqueira Brandão ........................................................120
Tabela 04: Fazendas e lugares citados no Livro da Razão .................................................140
Tabela 05: Compra e venda de gado ..................................................................................142

8
LISTA DE ABREVIATURAS

AAPEB: Anais do Arquivo Público do Estado da Bahia e Museu do Estado da Bahia


ABN: Anais da Biblioteca Nacional
AHU: Arquivo Histórico Ultramarino
ANTT: Arquivo Nacional da Torre do Tombo
APEB: Arquivo Público do Estado da Bahia
APM: Arquivo Público de Minas Gerais
BNRJ: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
DHBN: Documentos Históricos da Biblioteca Nacional
DI: Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo
IHGB: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
RAPM: Revista do Arquivo Público Mineiro
RIGHB: Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
RIHGB: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

9
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................11
Capítulo I - De Ponte de Lima às barrancas do São Francisco..............................21
1.1 - O reinol Atanásio Cerqueira Brandão.................................................................21
1.2 - Primeiros tempos ................................................................................................52
1.3 - Maria Brandão ....................................................................................................61
1.4 - Luís Cerqueira Brandão ......................................................................................66
1.5 - Caetana Maria Brandão ......................................................................................84
1.6 – O testamento de Atanásio Cerqueira Brandão ...................................................91
Capítulo II - O livro de razão – ano de 1710 ............................................................97
2.1 – O “Livro terceiro de contas que tenho com várias pessoas” .............................97
2.2 - Proprietários e homens de caminho ....................................................................107
2.3 - De enxadas a fazendas ........................................................................................120
2.4 – Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues Soares .............................................129
2.5 - Dona Perpétua da Silva Bezerra .........................................................................131
2.6 – O mestre-de-campo Januário Cardoso de Almeida ............................................136
Capítulo III - Rio dos Currais ..................................................................................145
3.1 – O sertão de Atanásio Cerqueira ........................................................................145
3.2 – O país da barra do rio das Velhas para baixo ......................................................153
3.2.1 – O governador das Esmeraldas .........................................................................153
3.2.2 – Potentados baianos: Ávilas e Guedes de Brito ................................................160
3.3 – Reinóis, paulistas, baianos e pernambucanos no sertão do São Francisco –
fazendas e povoações .................................................................................................198
3.3.1 – Matias Cardoso de Almeida ............................................................................199
3.3.2 – Guerras e patentes ...........................................................................................220
CONCLUSÃO ........................................................................................................ 237
ANEXOS .................................................................................................................. 244
FONTES ................................................................................................................... 252
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 253

10
INTRODUÇÃO

Foi na Semana Santa de 1997, quando conheci a igreja de Nossa Senhora do


Rosário, em Januária, e a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Matias Cardoso,
aquele “delumbrum mirae magnitudinis”, nas palavras do naturalista inglês Richard Burton1 ,
que o meu interesse pela pesquisa sobre o processo de ocupação do norte de Minas começou
efetivamente. Ter conseguido finalmente conhecer aquelas igrejas naquela ocasião talvez
não tenha sido apenas um mero acaso. Quem sabe não foi mesmo uma cuidadosa
maquinação do destino.
É que foi também em uma Semana Santa, no ainda arraial de Matias Cardoso,
duzentos e sessenta e um anos antes da minha chegada, que um dos episódios mais
marcantes da história do sertão norte mineiro começou a ser concertado. Tratava-se do
movimento sedicioso conhecido como “Motins do Sertão”, ocorrido em 1736, e que
movimentou tropas, teve episódios de grande barbárie, rendeu processos, prisões e
deportações e deixou uma documentação preciosa sobre os primórdios do sertão norte
mineiro. Tempos depois o tema se tornaria um dos mais caros para mim e renderia dois
importantes livros2 e muitas descobertas.
Naquela época a pesquisa sobre o processo de formação do território norte mine iro
e de suas primeiras povoações ainda deixava muito a desejar. Fora a literatura produzida por
escritores locais como Simeão Ribeiro Pires, Brasiliano Braz, Antonino da Silva Neves,
poucos autores, desde Diogo de Vasconcelos, em 1917, haviam dedicado um espaço
significativo para a história da formação desta região3 .
No prefácio ao livro de Márcio Santos, Bandeirantes Paulistas no Sertão do São
Francisco, resultado de sua dissertação de Mestrado em História, pela Universidade de
Federal de Minas Gerais - UFMG, Adriana Romeiro afirma o seguinte: “Raros foram os
autores que se ocuparam da história do norte e noroeste mineiro: dentre eles se destacam os

1 BURTON, Richard Francis. Viagem de canoa de Sabará ao Oceano Atlântico. Belo Horizonte: Itatiaia;
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1977.
2 FAGUNDES, Giselle e MARTINS, Nahílson. Alvará de Perdão Concedido a Dona Maria da Cruz, Viúva.

Montes Claros, Nahilson Martins Ramalho, 2006. FAGUNDES, Giselle e MARTINS, Nahílson. Motins
do Sertão: Documentos do Arquivo Público Mineiro (1736-1738). Montes Claros, Nahilson Martins
Ramalho, 2011.
3 PIRES, Simeão Ribeiro. Raízes de Minas. Montes Claros: Minas Gráfica e Editora, 1979; BRÁZ,

Brasiliano. São Francisco nos Caminhos da História. São Francisco. 1977; NEVES, Antonino da Silva.
Corografia do Município de Rio Pardo. FAGUNDES, G. e Martins, N. (orgs). Montes Claros: Nahílson
Martins Ramalho, 2008. NEVES, Antonino da Silva. Corografia do Município de Boa Vista do Tremedal.
FAGUNDES, G. e Martins, N. (orgs). Montes Claros: Nahílson Martins Ramalho, 2008.

11
escritores Bernardo Novais Mata-Machado, Carla Junho Anastásia e Luciano Raposo
Figueiredo. Apesar de sua importância econômica e estratégica, sobretudo por ser
atravessada pelo Caminho da Bahia, a principal ligação entre os distritos mineradores e a
Bahia, a região permanece uma espécie de grande enclave historiográfico, á espera de
historiadores corajosos, dispostos a abrir picadas e desbravar arquivos perdidos em igrejas
antigas ou em cartórios abandonados.” 4 .
A criação nos últimos anos de novos cursos, especialmente de pós-graduação, em
universidades instaladas na região, tem ajudado muito a mudar essa realidade, mas, ainda
assim, importantes acervos documentais sobre o assunto ainda permanecem quase intocados.
Em 2018, no artigo “Projeto Resgate: História e arquivística (1982-2014)” 5 , o
professor Caio Boschi, responsável pela coordenação e produção dos catálogos de fontes
manuscritas do Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, de Minas Gerais (embrião do
Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco), Maranhão, Pará e Rio
Negro, chama a atenção para o fato de que, embora todos os trabalhos – catálogos e
reproduções documentais – já estejam disponíveis on-line no site da Biblioteca Nacional do
Brasil6 , “apenas parte dos feitos do Projeto Resgate vem sendo apropriada pelos estudiosos”.
Segundo ele, as referências às fontes manuscritas do Arquivo Histórico Ultramar ino ,
relativas ao Brasil, são “quase que exclusivamente” relacionadas à documentação
denominada “avulsos das capitanias”.
De acordo com Boschi, são raras as citações de dados contidos em outros fundos
já inventariados, microfilmados e digitalizados no âmbito do projeto. Importante lembrar
que no acervo disponibilizado pelo Projeto Resgate Barão do Rio Branco existe uma
riquíssima documentação relacionada ao processo de ocupação do território norte mine iro,
ainda nos primeiros anos da colonização que, infelizmente, permanece inexplorado.
Neste trabalho tínhamos inicialmente a pretensão de buscar elementos que nos
permitissem entender melhor este processo de formação, no período entre o final do século
XVII e início do século XVIII, especialmente entre os anos de 1680 e 1750, traçando um
perfil da sociedade local nos primeiros anos de sua ocupação. Pretendíamos analisar as
diversas correntes colonizadoras que partiram de São Paulo, Bahia e Pernambuco e
identificar aqueles integrantes que se fixaram nas fazendas que originaram os atuais

4 SANTOS, Márcio. Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco, 1688-1734. São Paulo: Edusp, 2009,
p.10/1.
5 BOSCHI, Caio César. Projeto Resgate: História e arquivística (1982-2014). Revista Brasileira de

História [online]. 2018, vol.38, n.78, p.187-208, 2018. https://doi.org/10.1590/1806-93472018v38n78-09.


6 https://bndigital.bn.gov.br/dossies/ projeto-resgate-barao-do-rio-branco.

12
municípios, as características da economia e as relações de poder que se estabeleceram no
médio São Francisco, entre os rios das Velhas, o Paracatu, o Verde Grande e o Carinhanha.

Figura 01 – Rio São Francisco- Pedras de Maria da Cruz/Januária/MG – Acervo pessoal.

A partir da análise dos personagens, das famílias e de sua distribuição espacial no


território, pretendíamos desvendar a intricada rede de relações que se formou e traçar um
perfil da sociedade que emergiu desse encontro de culturas distintas e que passou a interagir
no sertão. À luz da historiografia e dos documentos cartoriais e arquivísticos, refletir sobre
as relações econômicas e políticas que se configuraram nessa sociedade apartada de seu
habitat original e geograficamente distante do poder oficial.
Após o início das pesquisas, contudo, um importante achado nos faria rever os
caminhos escolhidos e o tema central do trabalho. Foi num domingo de outubro,
pesquisando no acervo digital do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, seguindo os passos
de um dos personagens que acreditávamos ser bastante importante para o processo de
ocupação do território norte mineiro, mas que, em nossa opinião, ainda não havia recebido
a atenção merecida, que fomos surpreendidos por um dos documentos mais interessantes
que já havíamos colocado os olhos.
Tratava-se de um livro de notas com mais de trezentas páginas de anotações,
registradas ao longo de quase trinta anos, de 1710 a 1736, pelo reinol Atanásio Cerqueira

13
Brandão, e algumas pelo seu filho, Luís Cerqueira Brandão, após o falecimento do pai. O
livro que o Mestre-de-campo Regente do rio de São Francisco chama de “O livro de razam
– anno de 1710 - Livro terceiro de contas que tenho com várias pessoas”, é um registro
único e preciosíssimo da movimentação financeira de um dos mais importantes potentados
que se estabeleceu no norte de Minas, na época em que a região ainda pertencia às capitanias
de Pernambuco e Bahia.

Figura 02 - Folha de rosto do livro de notas do mestre de campo Atanásio Cerqueira Brandão/ ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.

Em seu prefácio ao livro Estudos de história (Ultramarina e Continental) – O Livro


de Rezão de Antônio Coelho Guerreiro7 , Virgínia Rau destaca o reconhecimento dos livros
de comércio e escrituração comercial como uma das mais importantes fontes para o estudo
da história econômica. Ela lembra que os registros contabilísticos de “outrora” são

7 ESTUDOS DE HISTÓRIA (Ultramarina e Continental) (n. 30) – O Livro de Rezão de Antônio Coelho
Guerreiro. Prefácio Virgínia Rau. Lisboa: Companhia de Diamantes de Angola, 1956.

14
repositórios e reflexos esquemáticos da iniciativa econômica individual, à margem da
administração do Estado, que constituem documentação ideal para alicerçar a “investigação
científica das conjunturas econômicas do passado, de a basear em elementos claros, precisos
e objetivos”.
Rau chama a atenção ainda para a importância deste acervo dada a sua raridade,
destacando que, apenas aqueles livros guardados como documentos de processos de falênc ia,
herança, penhora ou demandas, conseguiram escapar “da acção destruidora do tempo e a
incúria dos homens” que “conjuraram-se para promover a sua destruição”. E vaticina: “E a
este respeito devemos augurar as mais valiosas descobertas no dia em que o Arquivo dos
Feitos Findos seja patenteado sem reticências à consulta dos investigadores”.
O Livro de Razão de Atanásio Cerqueira Brandão é um exemplo concreto do que
diz Virgínia Rau. Guardado no Arquivo dos Feitos Findos por quase trezentos anos, vem a
lume agora, permitindo que vasculhemos os interstícios ainda obscuros desse período da
história norte mineira.
Natural de Ponte de Lima, freguesia de Santa Maria do Arcozelo, Viana do Castelo,
o mestre-de-campo Atanásio Cerqueira Brandão, era casado com D. Catarina de Mendonça,
natural da Vila de Santos, e irmã de Antônio Gonçalves Figueira, ambos cunhados do
Tenente General Matias Cardoso, importante bandeirante paulista, braço direito de Fernão
Dias Paes, e o maior responsável pela formação das primeiras povoações erigidas ao longo
do rio São Francisco, no norte de Minas, ainda no final do século XVII.
Mesmo tendo em vista suas ligações com Matias Cardoso e Antônio Gonçalves
Figueira e o fato de possuir grandes propriedades onde hoje se localiza m municípios como
Manga, Matias Cardoso, São Romão, em Minas Gerais, e Carinhanha, na Bahia, Atanásio
Cerqueira não figura como personagem na maioria dos trabalhos que abordam a história da
região. Apesar de ter sido responsável, ao lado do mestre-de-campo Manuel Nunes Viana,
entre os anos de 1715 e 1723, pela guerra contra os índios que ameaçavam os moradores do
rio de São Francisco e impediam o desenvolvimento das fazendas de criação de gado vacum
e cavalar, fundamentais para a manutenção das minas, e de ter uma patente de mestre-de-
campo, ele nunca recebeu mais que duas linhas nos livros de história.
Em toda a historiografia é raro encontrar alguma referência ao reinol. Basta ver
que, embora em sua genealogia Pedro Taques 8 tenha dedicado um capítulo inteiro aos

8 LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica. Belo Horizont e:
Itatiaia; São Paulo: Editora da USP. 1980. 3 v.

15
Afonsos Gaias9 , ele omite o nome de Atanásio Cerqueira quando fala de sua esposa D.
Catarina de Siqueira e Mendonça, filha de Manuel Afonso Gaia. O genealogista prefere dar
destaque ao seu filho, Luís Cerqueira Brandão e a sua esposa, D. Isabel Pires Monteiro. A
esta última, casada em segundas núpcias com João Fernandes de Oliveira, pai do contratador
dos diamantes de mesmo nome e que se tornaria famoso por causa de sua relação com a
escrava Chica da Silva anos mais tarde, e a sua filha, Caetana Maria Brandão, Pedro Taques
dedica seis páginas no capítulo que trata da família Campos10 .
A deferência se deve ao fato de ter sido na quinta de D. Isabel Pires que o autor se
hospedou em Portugal, entre os anos de 1755 e 1757, durante o grande terremoto de Lisboa.
É apenas quando fala de D. Isabel que o linhagista finalmente destina algumas linhas a
Atanásio Cerqueira. No entanto, Taques se limita a dizer o seguinte sobre o mestre-de-
campo quando se refere a Luís Cerqueira Brandão:
Foi filho daquele grande cavaleiro e mestre-de-campo, natural de Ponte de Lima,
capitão-mor da vila de Pitangui, e senhor da casa da Carunhanha, e sua mulher D.
Catarina de Siqueira e Mendonça, irmã direita do capitão -mor Manuel Afonso
Gaia (Vide em título de Gaias, n. 1o ., cap. 4o . , § 6o .), Miguel Gonçalves Figueira,
João Gonçalves Figueira e Antônio Gonçalves Figueira, que foram senhores da
maior parte das grossas fazendas de gados vacuns e cavalares do sertão do Rio
Verde de São Francisco, Currais da Baia. 11

Também nos estudos mais recentes o nome do reinol ainda não mereceu muito
destaque. Em seu livro, já citado anteriormente, o pesquisador Márcio Santos, menciona o
nome de Atanásio Cerqueira algumas poucas vezes, sempre de forma secundária. Prefere
dar destaque a personagens como Antônio Gonçalves Figueira, que, apesar de ter
acompanhado Matias Cardoso em suas andanças pelo sertão e de ter fundado fazendas que
se tornariam povoações importantes, como a de Montes Claros, permaneceu pouco tempo
no norte de Minas, tendo retornado para Santos com toda a sua família ainda nos primeiros
anos dos setecentos.
Embora não tenha despertado tanto interesse, existem várias cartas dirigidas a
Atanásio Cerqueira publicadas na coleção de Documentos Históricos, da Biblio teca
Nacional. A maioria delas relacionadas à tomadias feitas no sertão do São Francisco e à sua
participação na guerra contra os índios. Também a obtenção da patente de mestre-de-campo,
que motivou controvérsias, produziu algumas correspondências que estão entre os
documentos do Projeto Resgate Barão do Rio Branco.

9 Leme, Ibid, v. II, p. 113 a 143.


10 Leme, Ibid, v. II, p. 173 a 220.
11 Leme, Ibid, v. II, p. 190

16
Mas, certamente, será a partir da análise dos registros contidos no livro de notas
que poderemos finalmente dimensionar este personagem e entender melhor a sua
importância para o processo de ocupação e formação das primeiras povoações que surgira m
no vale do São Francisco, no norte de Minas Gerais. O grande volume e a diversidade das
mercadorias comercializadas em suas fazendas, as vultosas somas de recursos que o reinol
movimentava em suas atividades comerciais e a extensa rede de relacionamentos que ele
estabeleceu com proprietários, entre os mais importantes moradores da Bahia, de
Pernambuco, das Minas e até do Piauí, nos permite entrever a sua relevância nessa sociedade
ainda insipiente.

Figura 03 – Contas com o Coronel Garcia de Ávila/ ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feito s


Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.

Entre os poderosos que figuram em seu Livro de Razão estão nomes como os de
Matias Cardoso de Almeida, Garcia de Ávila Pereira (FIG. 03), Manuel Nunes Viana,
Manuel Rodrigues Soares (FIG.04) e outros. Entre todos os interlocutores do reinol, no
entanto, era com Matias Cardoso que ele mantinha uma das relações mais íntimas. Além de
ser seu cunhado – sua esposa, Catarina, era irmã da paulista Inês, casada com o famoso
bandeirante – ele também era seu compadre. O mestre-de-campo batizou a filha primogênita
de Atanásio Cerqueira chamada Maria Brandão, ainda em 1701. Sua filha também viria a
se casar com Januário Cardoso, filho e herdeiro do tenente general dos paulistas, anos mais

17
tarde.

Figura 04 – Contas de Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues Soares / ARQUIVOS NACIONAIS/TOR R E
DO TOMBO/Feitos Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.

Outro contemporâneo com quem Atanásio Cerqueira mantinha uma relação


extremamente importante era o poderoso e temido mestre-de-campo Manuel Nunes Viana,
o famigerado governador dos Emboabas. Viana que, segundo Taunay, “além dos grandes
rebanhos próprios dos latifúndios da Tábua e do Jequitaí, governava no sertão baiano, como
procurador das imensas fazendas de D. Isabel de Brito” 12 , assim como Manuel Rodrigues
Soares, que exerceu o cargo de secretário do então governador, também era primo de
Atanásio Cerqueira. No rol de relações do reinol ainda havia outro importante interlocutor :
o potentado baiano, Garcia de Ávila Pereira, proprietário do Morgado da Casa da Torre, um
dos homens mais ricos da colônia e com quem ele mantinha uma gama variada de negócios.
Cercado por personagens que se envolveram em inúmeros episódios
marcantes, em pontos distintos do país, e que nos legaram, por conseguinte, uma vasta

12TAUNAY, Afonso d’E. História das bandeiras paulistas . São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1961. (v. 1), p.
254.

18
documentação, o reinol, seu livro de razão e os quase 100 indivíduos que ele elenca, nos
permitem penetrar no passado e fazer uma composição preciosa, riquíssima em detalhes,
acontecimentos e dados, que possibilitam um conhecimento e uma análise muito mais ampla
da dinâmica da sociedade sertaneja.
O estudo que ora iniciamos é, sem dúvida, apenas o primeiro passo de um longo
caminho. Levado a termo em um momento de inúmeros desafios impostos pela pandemia
de Covid-19, que nos impediu de realizar pesquisas presenciais fundamentais em diversos
arquivos, o estudo acabou ficando limitado quase que completamente à pesquisa em acervos
digitais. Felizmente, nos últimos tempos, a disponibilização da documentação histórica tem
recebido cada vez mais atenção de algumas instituições, especialmente as ligadas ao
governo português, o que nos permitiu levantar um volume expressivo de informações e
avançar significativamente na pesquisa. Contudo, muito ainda há por se fazer, especialme nte,
como bem destacou Adriana Romeiro, a investigação nos acervos dos pequenos cartórios
espalhados pelo interior do país.
Para explorar satisfatoriamente esse material inédito, optou-se por dividir este
trabalho em três etapas. Em primeiro lugar buscamos conhecer melhor o nosso personagem.
Faremos então uma pequena incursão pela genealogia do mestre-de-campo Atanásio
Cerqueira Brandão, para sabermos de onde veio, como e quando chegou ao vale do São
Francisco, quais eram os seus laços familiares e as propriedades que fundou na região. Nesse
sentido, lançaremos mão da documentação existente em instituições como a Casa de Borba
Gato, o Arquivo Público Mineiro, o Projeto Resgate Barão do Rio Branco, o Arquivo
Nacional da Torre do Tombo, a Biblioteca Nacional, o Arquivo Público do Estado da Bahia
e outros. Entre a documentação pesquisada estão testamentos, patentes, sesmarias,
correspondências oficiais de diversos órgãos de governo, tanto das capitanias de Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco e outras, como do governo português, especialmente do
Conselho Ultramarino, além de processos de habilitação de genere, de admissão na Ordem
de Cristo e de Familiar do Santo Ofício.
Em seguida nos dedicaremos a nosso “segundo personagem”: o Livro de Notas ou
Livro da Razão de Atanásio Cerqueira Brandão. A partir da análise do conteúdo do livro,
das transações comerciais, suas características, dos períodos a que se referem, a forma como
eram feitas as anotações, o volume de recursos movimentado, os tipos de mercadorias e o
local de onde vinham e para onde iam, tentaremos compreender melhor as características
sociais e econômicas do sertão norte mineiro ainda na segunda metade do século XVII.

19
Também buscaremos traçar o perfil de alguns dos interlocutores mais significativos e que
compunham a extensa rede de relações do potentado.
Para finalizar o trabalho trataremos do espaço geográfico onde Atanásio Cerqueira,
seus familiares e interlocutores circularam e se estabeleceram. As primeiras fazendas, as
sesmarias e as novas povoações. A partir das informações disponibilizadas pelo livro do
reinol e da documentação levantada, procurar traçar um panorama da região ainda no
nascedouro de seus primeiros núcleos urbanos.

20
“A invasão flamenga constitui mero episódio da ocupação da costa. Deixa-a
na sombra a todos os respeitos o povoamento do sertão, iniciado em épocas
diversas, de pontos apartados, até formar-se uma corrente interior, mais
volumosa e mais fertilizante que o tênue fio litorâneo”.
(João Capistrano de Abreu - Capítulos de história Colonial, capítulo IX).

Capítulo I

De Ponte de Lima às barrancas do São Francisco

1.1 O reinol Atanásio Cerqueira Brandão

Ainda na segunda metade do século XVII, atraídos pelas riquezas do interior do


Brasil, levas de paulistas, baianos, pernambucanos e portugueses se encontrariam numa
garganta do rio São Francisco onde seriam plantados os alicerces das primeiras povoações
do vale deste grande rio no norte de Minas Gerais. Entre esses homens ferozes, capazes de
enfrentar as mais duras condições, um minhoto, nascido nas margens do rio de Lima, se
tornaria um dos personagens centrais dessa saga. Não só por vir a ser um dos mais
importantes potentados da região, mas também por ter registrado em detalhes, em seu "Livro
da Razão", entre os anos de 1710 e 1734, parte dessa epopeia.
O mestre-de-campo regente do São Francisco, Atanásio Cerqueira Brandão, nasceu
na freguesia de Santa Marinha de Arcozelo, Ponte de Lima, distrito de Viana do Castelo,
arcebispado de Braga, na província do Minho13 . Seu pai, Luís de Cerqueira de Araújo, como
consta em uma carta de Padrão existente no Registro Geral das Mercês, no Arquivo
Nacional da Torre do Tombo14 , era natural da freguesia de São Paio, termo da vila dos Arcos,
e, com sua esposa, Maria Correia Pinto, que também nasceu em Ponte de Lima, teve pelo
menos outros seis filhos. A primeira filha chamava-se Izabel Correia Pinto, a segunda, Luísa
Pinto Correia e a terceira, Maria Margarida Araújo. O casal tinha ainda três filhos homens,
que, de acordo com a inquirição de genere 15 , existente no Arquivo Público de Braga,
chamavam-se João Correia Pinto, José Cerqueira Pinto e Silvério Correia Pinto.

13 DILIGÊNCIA de Habilitação de Alexandre Luís de Sousa e Meneses - 1754 a 1761 - ARQUIVOS


NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas,
doc. 62.
14 LUÍS CERQUEIRA DE ARAÚJO - Carta de Padrão. Tença de 20$000 rs para sua filha Isabel Correia

Pinta. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II,


liv. 5, f.286.
15 INQUIRIÇÃO de genere de Silvério Correia Pinto e João Correia Pinto - PT/UM-
ADB/DIO/MAB/006/01598 - 03-08-1691- Filiação: Luís de Cerqueira Araujo e Maria Correia Pinto.
Natural e/ou residente em Arcozelo, Santa Marinha, actual concelho de Ponte Lima e distrito (ou país)

21
Foram três os processos de genere16 levados a termo pela inquirição da comarca de
Valença. O primeiro, iniciado no mês de maio de 1691, verificou a limpeza de sangue e
geração dos três irmãos, que alegavam necessitar do expediente “por haverem de ser
promovidos a ordem”. O segundo processo, de abril de 1695, investigou apenas os
antepassados do padre José Correia Pinto, e o terceiro, de setembro de 1701, os de João
Correia Pinto.
Quando os processos foram realizados os pais de Atanásio Cerqueira ainda estavam
vivos. No depoimento dado em 1691, Manuel de Crasto, pedreiro, natural e morador na
freguesia de Santa Marinha, de 66 anos, disse que conhecia “José Correia Pinto e seus
irmãos João Correia Pinto e Silvério Correa Pinto, moradores na rua do Arrabalde de Ponte
de Lima desta freguesia de Santa Marinha de Arcozelo” e também conhecia “muito bem a
Luís de Cerqueira de Araújo, furriel da tropa de Sua Majestade e sua mulher Maria Correia
Pinto, moradores que são na rua do Arrabalde nesta vila de Ponte de Lima, freguesia de
Santa Marinha de Arcozelo”.
Segundo depoimento das testemunhas, a família morava na “outra banda da Ponte
de Lima”, mesmo lugar onde residiram os avós maternos dos habilitandos, Antônio João,
que foi ferreiro, e sua mulher Catarina Pinto. Já o avô paterno dos justificantes, também
chamado Atanásio Cerqueira, era alfaiate e natural do lugar da Divisa, comarca de Valença,
tendo se mudado posteriormente para a povoação de Faquelo, arrabalde da vila dos Arcos
de Valderez, na freguesia de São Paio, onde nascera Luís de Cerqueira de Araújo.
Na primeira inquirição, o padre Cristóvão de Souza Coutinho, de 57 anos, disse
que conheceu muito bem os pais dos justificantes e também aos avós maternos dos mesmos.
Segundo ele, “ambos defuntos moradores que foram na rua do Arrabalde”. Já na inquir ição
do padre José Cerqueira, iniciada no dia 25 de abril 1695, na capela de Nossa Senhora da
Esperança da freguesia de Santa Marinha de Arcozelo, o padre Francisco de Araújo, de 78
anos, disse que falava com os pais do requerente quase todas as semanas. Já Simão de Araújo,
escrivão da Auditoria Geral da província, de 74 anos, afirmou ter conhecido Antônio João,
avô do padre, já falecido.

Viana do Castelo.Cota descritiva - A – 72. Série Inquirições de genere: Inquirição de Jose, feita em
1695.04.07 e Inquirição de João, feita em 1701.09.15. João Correia Pinto; José Cerqueira Pinto e Silvério
Correia Pinto, irmãos. Proc.1598.
16 Habilitação de genere era um processo eclesiástico no qual se investigava a "limpeza de sangue" de um

indivíduo, isto é, se não pesava sobre ele suspeita ou comprovação de ascendência judia ou moura
(Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: Tipografia Dois de Dezembro, 1853, livro
I, tít. L).

22
Algumas testemunhas mais velhas, ouvidas na diligência de João Correia Pinto,
iniciada em 12 de setembro de 1701, na igreja matriz de São Pedro de Souto dos Arcos,
termo dos Arcos de Valdevez, comarca de Valença, arcebispado de Braga, disseram ter
conhecido o bisavô paterno do habilitando, cujo nome seria João Cerqueira e que ele teria
sido lavrador, “dos principais” daquela freguesia. De acordo com os depoentes, a mãe de
Luís de Cerqueira, Inês Rodrigues, era “mulher solteira”, e morava na mesma povoação.
Seus pais, João e Ana Rodrigues, também eram lavradores, das principais famílias de
Faquelo.
Francisco Duarte, lavrador e morador no lugar chamado Laranjeira, de 71 anos,
disse que havia conhecido Atanásio Cerqueira, avô dos habilitandos e sabia que este era
“natural desta freguesia do lugar da Divisa e também fora morador no Arrabalde da vila dos
Arcos, lugar do Faquelo, fora alfaiate e descendente de lavradores e dos principais desta
freguesia”. Antônio Serveira, lavrador, de 94 anos, disse que conheceu Inês Rodrigues, “há
mais de 40 anos”, e que ela era descendente de lavradores “dos principais desta fregues ia ”.
Segundo ele, Inês teve “um filho chamado Luís de Cerqueira de Araújo o qual também
conhecera e o tivera de Atanásio Cerqueira, alfaiate o qual era natural da freguesia de Souto
dos Arcos e que o sobredito fora nesta freguesia sempre tido e havido por seu filho e de
presente estava morando na vila de Ponte de Lima”.
O site Famílias Cearenses, de autoria de Francisco Augusto de Araújo Lima,
transcreve o termo de casamento dos pais de Atanásio Cerqueira o qual teria sido retirado
do livro de “Batismos, Ponte de Lima. Cf. livro de Casamentos, Ponte de Lima”17 .
Em os vinte e quatro dias do mês de fevereiro do ano de mil seiscentos e sessenta
e seis recebeu na Capela de São Bartolomeu, (Ponte de Lima), de minha licença
o padre Amaro Cerqueira natural da Vila de Arco de Valdevez, a Luís Cerq ueira
de Araújo, filho legítimo de Atanásio Cerqueira de Araújo, e de sua mulher, Inês
Rodrigues, moradores na Vila dos Arcos de Valdevez, com Maria Correia, filh a
legítima de Antônio João e de sua mulher Catarina Pinta, meus fregueses.

O pai do mestre-de-campo, Luís de Cerqueira de Araújo, foi soldado infante, furrie l


e furriel- mor por vinte e sete anos, nove meses e doze dias, continuados, de 1653 até 1687,
como consta da carta de Padrão referida acima. De acordo com uma Provisão18 registrada

17 http://www.familiascearenses.com.br/index.php/2-uncategorised/20-atanazio-de-cerqueira-brandao. A
falta da referência precisa do livro e também da página de onde o assento foi anotado, infelizmente não nos
permitiu localizar o termo original.
18 LUÍS CERQUEIRA BRANDÃO - Provisão. Tença de 18$000 rs. Filiação: Atanancio de Cerqueira.

ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 35,


f.69.

23
em 1744, além deste tempo, ele também teria servido outros 18 anos, até 17 de junho de
1706, como furriel-mor, alferes e tenente da Cavalaria da Província do Minho.
Durante esses quase 45 anos participou de várias batalhas, algumas durante a
Guerra de Restauração, entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, entre os anos de
1640 e 1668. Em 1658, esteve em São Gregório; em 1661, nos ataques ao forte de São
Francisco do Prado; em 1662, na Batalha do Minho; em 1664, na emboscada das tropas da
guarnição de São Luís, dentre outras. Em algumas ocasiões chegou a ser ferido, como na
batalha da praia da Monção, em 1658, quando recebeu uma estocada no ombro direito que
lhe rendeu duas feridas.
Pelos serviços prestados, como consta da carta de 1689, obteve várias mercês19 . A
primeira, de 02 de fevereiro, destinada à sua filha mais velha, Isabel Correia Pinto, de uma
tença20 de 20 mil reis a cada ano, por toda a sua vida, ou para a pessoa que se casasse com
ela, além de outros 12 mil réis do Hábito da Ordem de Cristo. Também para sua segunda
filha, Luísa Pinto Correia, garantiu outra mercê em 03 de fevereiro do mesmo ano, de 20
mil de tença anuais para ela ou para o seu marido, além de outros 12 mil réis do Hábito de
Avis ou Santiago. Para a terceira filha, Margarida Maria de Araújo, assegurou, em 17 de
junho de 1689, outras duas tenças de 10 mil réis cada ano.
De acordo com a provisão, passada em 12 de junho de 174421 , os irmãos José de
Cerqueira Pinto, vigário da freguesia de Cabração, termo de Ponte de Lima, Atanásio
Cerqueira Brandão e sua irmã D. Maria Margarida abriram mão de uma das mercês
recebidas pelo seu pai em benefício de seu neto Luís Cerqueira Brandão, filho de Atanásio
Cerqueira. Por este documento, podemos verificar ainda que Luís de Cerqueira de Araújo,

LUÍS CERQUEIRA DE ARAÚJO - Carta de Padrão. Tença de 20$000 rs para sua filha Luísa Pinto Correia.
ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 5,
f.286v.
19 Mercê - Do latim mercede. Originalmente Mercê referia-se a graça divina alcançada em virtude de

merecimento espiritual. Em Portugal o termo ganhou outro conteúdo semântico, agregou valores de preço
ou de recompensa por trabalho; remuneração paga; favor, graça, benefício; bom acolhimento; benignidade,
indulgência, benevolência; remissão de culpa; perdão, indulto, graça. No Brasil colonial a prática da
concessão de mercês reporta-se a política clientelista de arrebanhar-se associados mediante nomeação para
emprego público; provimento em cargo oficial; concessão de títulos honoríficos e possessões de terras.
Historicamente a concessão de mercês foi entendida como sinal de status e poder, capricho e arbítrio de
senhores de terras, altos funcionários da burocracia colonial e nobres afazendados. LIMA, Marcos Galindo .
O governo das almas: a expansão colonial no país dos Tapuia : 1651- 1798. Tese (Doutorado em Línguas
e Cultura da America Latina) – Universidade de Leiden, Leiden, Bélgica, 2004, p. 336.
20 Tença – Pensão periódica que alguém recebe do Estado ou de particular para seu sustento. Miniaurélio

Século XXI: o minidicionário da Língua Portuguesa / Aurélio Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira Ano: 2000 - 4ª edição.
21 LUÍS CERQUEIRA BRANDÃO - Provisão de tença de 18$000 réis; 12 de junho de 1744. Filiação:

Atanásio Cerqueira - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês


de D. João V, liv. 35, fol. 69.

24
pai de Atanásio Cerqueira, morreu em combate, no ano de 1706, após ter sido ferido durante
uma batalha.
Segundo descreve Maria Marta Lobo22 , a vila de Ponte de Lima é cercada por uma
"cintura de muralhas" e manteve, “ao longo da Idade Moderna, uma configuração medieva l,
refletindo um crescimento harmonioso”. Localizada no Alto Minho, conseguiu preservar
"um dia a dia tranquilo", protegida "pelas torres e portas que articulavam a muralha”, que
foi mantido, apesar de algumas torres terem sido destruídas no final do século XVIII e XIX.

Figura 05 - Ponte de Lima vista do Arcozelo – foto: Flávio Menezes


https://www.visitepontedelima.pt/pt/recordar-e-partilhar/pagina-3

De acordo com a autora, ainda nas primeiras décadas do século XVI o


desenvolvimento da vila levou a população a transpor as muralhas e a se instalar "em novos
espaços, longe das apertadas ruas medievais", época em que teriam surgido novos
Arrabaldes; entre eles o de Além-ponte, onde viveu a família Araújo Cerqueira. Ela explica
que a ligação entre a vila e a nova povoação era feita através de uma ponte medieval, que
permitia "a circulação de pessoas, bens e serviços entre as duas margens". O transporte por
embarcações, contudo, continuou a existir e era feito em “diferentes pontos das margens do
rio Lima, nomeadamente entre Ponte de Lima e Santa Marinha de Arcozelo" (FIG. 05).

22ARAÚJO, Maria Marta Lobo de – Dar aos pobres e emprestar a Deus: as Misericórdias de Vila Viçosa
e Ponte de Lima (séculos XVI-XVIII). Vila Viçosa: Santa Casa da Misericórdia, 2000. p. 349 a 357.
Disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/8814. Acesso em: 14. jun. 2021. Acesso
em:21/10/2021.

25
Embora nunca tenha retornado para sua terra natal, Atanásio Cerqueira não se
esqueceu de suas raízes. É o que podemos perceber pela notícia do Boletim Informativo da
Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima, de julho de 201323 . Segundo o jornal, entre
as fortunas que a instituição recebeu destacam-se “as dos testamentos de Gaspar Dantas,
Índia (1591), Bento da Costa Tição (Brasil, 1694), Gaspar Pires Machado (salinas em
Aveiro, 1623), Paulo Pereira de Mesquita (India, 1704, vários bens) e Atanásio Cerqueira
Brandão (Brasil, idem, 1731) ”. A publicação diz que os bens herdados de tais benfeitores,
em dinheiro e propriedades de rendimento, “permitiram a instalação de novos serviços e
valências, bem como seu engrandecimento litúrgico e cultural, com o aumento da Igreja,
novas alfaias e imaginária, patrimônio que ainda hoje é salientado como um dos mais
valiosos, inventariado pela União das Misericórdias Portuguesas”.
Em seu livro, Lobo de Araújo destaca que Ponte de Lima atraía viajantes e
peregrinos por estar localizada no caminho de Santiago de Compostela, e era terra “de gente
nobre” que possuía “muitos solares”, alguns servidos por negros. Sua vida econômica era
significativa com "comerciantes de grande trato, homens que negociavam em tabaco ou em
açúcar e que fizeram fortuna". Sua feira quinzenal, iniciada em tempos medievais, "servia
de cruzamento de mercadorias a uma área geográfica alargada, integrando gente que vinha
da Galiza”.
O rio Lima, navegável até a foz, facilitava a circulação de homens, animais e
mercadorias e, através do cais de Ponte de Lima, como explica Lobo de Araújo, saíam
alguns produtos de origem local, como vinho, linho e peixe. Este último, vendido também
para "outras partes do reino". Segundo a autora, a navegabilidade do rio e o seu
aproveitamento era uma das preocupações dos moradores, que tinham uma “estreita
conexão com ele". Ela diz ainda que a maioria dos habitantes se dedicava a agropecuária,
especialmente a criação de gado bovino, a plantação de milho e a produção de vinho.
Como muitos portugueses que cruzaram o atlântico, atraídos pela possibilidade de
conquistar na nova terra poder e fortuna, uma grande leva de moradores do Minho
desembarcou no Brasil. Os parentes de Atanásio Cerqueira que aqui chegaram se fixara m,
principalmente, nas capitanias de Pernambuco24 e da Bahia, especialmente na região do

23 Boletim Informativo da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima, de Julho de 2013. Ano XII. N 25.
Disponível em https://docplayer.com.br/93744919-Bo letim-informat ivo-santa-casa-da-misericordia -d e-
ponte-de-lima-julho-2013-ano-xii-n -o-25.ht ml. Acesso em: 23.09. 2021.
24 Sobre isso Taunay diz o seguinte: “Em Pernambuco predominavam no século XVI os minhotos vianenses,

a ponto de lá se gritar “Aqui de Viana!” em lugar de “aqui d’el Rei!” diz um dos nossos primeiros cronistas,

26
recôncavo, em vilas como a de Nossa Senhora da Purificação de Sergipe do Conde, Santo
Amaro da Purificação e de São Gonçalo dos Campos da Cachoeira e também em
propriedades nos vales do rio São Francisco. Descendentes de lavradores e de comerciantes
que levavam uma vida estreitamente ligada ao rio Lima não tiveram dificuldades para
reproduzir aqui o seu modo de viver. Aproveitando as características geográficas formaram
uma intricada rede de relacionamentos que foi fundamental para garantir o estabelecime nto
de suas propriedades, o sucesso de seus negócios e o desenvolvimento econômico.
Além dos primos Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues Soares, já
mencionados anteriormente, Atanásio Cerqueira faz referência em seu livro a pelo menos
outros 17 parentes que viviam no Brasil. Entre os tios ele relaciona Manuel Carnoto Vilas
Boas, Pascoal Pereira Pinto e Manuel de Brito. Já o número de primos é bem superior. São
eles: Manuel Nunes Viana, Manuel Rodrigues Soares, Gregório de Abreu Pereira, Francisco
Pires Ribeiro Lima, João Correia do Lago, Antônio Correia do Lago, Francisco Carnoto
Vilas Boas, Joaquim Pereira, Dionísio Pereira do Lago, Francisco Alves, os padres Pedro
da Costa, Manuel de Cerqueira, Sebastião e José do Sacramento. Ele cita ainda dois
sobrinhos: Agostinho Fernandes da Costa Ramos e Agostinho Ferreira.
É importante lembrar que algumas dessas pessoas não tinham necessariame nte
parentesco consanguíneo com o reinol. Na verdade, alguns ganharam esse status por serem
parentes de sua esposa ou por terem se casado com um de seus parentes. Esse costume era
ainda mais comum naquela época, quando tanto tios quanto primos passavam a ser tratados
desta maneira pelo cônjuge, após o casamento.
Um dos primeiros parentes do reinol a desembarcar por aqui provavelmente foi o
seu tio, Manuel de Brito. Segundo carta de Padrão de 168925 , ele era capitão de infanta r ia
da guarnição da praça da Bahia e chegou em 1684 a Salvador. Em consulta do Conselho
Ultramarino, de 21 de março daquele ano, Manuel de Brito, também natural da vila de Ponte
de Lima, diz que “se embarcou para aquela praça na ocasião presente”, e que “é um soldado
pobre e não tem com que se poder saciar”. Ele pede ao rei uma ajuda de custo “para poder

mas em São Paulo muito embora a maioria dos portugues es do norte não havia a predominância acentuada
de nenhum elemento provinciano”. (TAUNAY, 1924, v. 01, p.120).
25 Serviu “por espaço de treze anos, nove meses e vinte e nome dias, de dois de novembro de 1666 até 27

de maio de 1687, na Província do Minho, em praça de soldado e depois no presídio de Cintra com a mesma
praça”. Foi ainda alferes no terço da guarnição da corte e capitão de infantaria na província do Minho e na
Bahia, MANUEL DE BRITO - Carta de Padrão. Tença de 12$000 rs anual, efectiva e hábito de Cris to.
Filiação: Domingos de Brito - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês,
Mercês de D. Pedro II, liv. 4, f.420 - 420v.

27
se preparar”, ou mesmo que ele lhe conceda uma provisão, “para que vença seus soldos
desde o dia que desta corte se embarcar para a Bahia” 26 .

Em seu livro, Atanásio Cerqueira fala também de sua prima, Helena de Brito, filha
de Manuel de Brito, e de seu marido, Inácio Pereira Bezerra. Este último recebeu, em 1720,
a patente de capitão-mor da freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Matuim27 .
Outro que chegou por aqui ainda no final do século XVII foi Manuel Carnoto Vilas
Boas, a quem Atanásio Cerqueira também se refere como tio. Dono de engenho e importante
comerciante em Pernambuco, Manuel Carnoto era natural de Viana e veio para o Brasil por
volta de 1686. A informação está no processo de habilitação 28 do padre Manuel Carnoto
Vilas Boas, comissário do Santo Ofício, cônego na igreja colegiada da vila de Viana do
Minho, de quem este outro Manuel é filho.
Em 1697, o cônego fez requerimento à Mesa da Consciência para que se procedesse
a sua diligência de habilitação de genere e, segundo este documento, quando ele ainda era
um jovem estudante teria tido um filho natural com “Francisca Gonçalves, moça solteira,
moradora na vila de Viana”. De acordo com o documento, Manuel Carnoto Vilas Boas vivia
em Pernambuco, para onde se transferiu “haverá 12 anos, e terá de idade 36 anos pouco
mais ou menos, é neto de Gaspar Dias Pais, familiar que foi do Santo Ofício e de sua mulher
Maria Mendes pela parte paterna”29 . O fato do padre Manuel Carnoto ter tido um filho não
foi impedimento para que este se tornasse comissário do Santo Ofício da vila de Viana.

26 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao Rei [D. Pedro II], sobre requerimento do Manuel de Brito,
Capitão de Infantaria da Bahia, solicitando ajuda de custo - AHU_CU_BAHIA-LF, Cx. 26, D. 3233.
27 REQUERIM ENTO do capitão-mor da freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Matuim Inácio Pereira

Bezerra ao Rei [D. João V] solicitando confirmação de Patente - 16-03-1720 - AHU_CU_BAHIA, Cx. 13,
D. 1122.
28 Aldair Rodrigues, no artigo “Os processos de habilitação: fontes para a história social do século XVIII

luso-brasileiro”, fala sobre três tipologias dos processos de habilitação: do Santo Ofício, habilitações para
cavaleiros das Ordens Militares (geridas pela Mesa de Consciência e Ordens) e habilitações diocesanas
para ordenação sacerdotal (ordens menores e ordens sacras). Tais processos, destaca, eram usados por
instituições do Antigo Regime para verificar se os interessados em “pert encer aos seus quadros, ou em obter
suas insígnias, atendiam aos seus critérios excludentes de admissão e recrutamento”. Segundo Rodrigues,
ser aceito nas instituições poderia garantir diversos privilégios, levando um número considerável de homens
a se submeterem aos processos. Ele cita alguns privilégios como isenções fiscais, o direito de portar armas
ofensivas e defensivas e a prerrogativa de foro privilegiado. O valor simbólico de tais insígnias distinguia
os seus detentores e lhes garantia lugares diferenciados na hierarquia social, diz o autor. Ele também destaca
o grande potencial das informações coletadas pelos processos de habilitação no auxílio aos pesquisadores
na reconstituição de complexas redes mercantis e de relacionamento s sociais. RODRIGUES. Aldair Carlos.
Os processos de habilitação: fontes para a história social do século XVIII luso -brasileiro. Revista Fontes .
Guarulhos, v. 1 n. 1, p. 28-40, 11/2014. Disponível em
https://periodicos.unifesp.br/index.php/fontes/article/view/9182. Acesso em: 21/03/2022.
29 DILIGÊNCIA de habilitação de Manuel Carnoto Vilas Boas (Padre) - ARQUIVOS NACIONAIS/

TORRE DO TOMBO/Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Manue l, mç. 44, doc. 978.

28
Francisco Carnoto Vilas Boas, a quem Atanásio Cerqueira trata como primo, é
natural da vila de Viana Foz do Lima e também foi familiar do Santo Ofício. Segundo o
termo assinado pelo cônego Manuel Fernandes da Cruz, responsável por ouvir as
testemunhas em Viana, na diligência de habilitação30 , em dezembro de 1703, “há alguns
anos se embarcou desta vila para a cidade da Bahia, por companhia de seu tio João Carnoto
Vilas Boas31 homem de negócio e lá residente e casado onde assistiu coisa de um ano e meio,
e daí o mandou passar o dito seu tio para o Recife de Pernambuco, a tratar com negócio com
que ele assiste”.
Segundo o documento, Francisco Carnoto era filho legítimo de João de Carvalho,
“já defunto, oficial maior que foi da contadoria e vedoria geral da gente de guerra da
província do Minho”, e de Maria Mendes Vilas Boas, também da vila de Viana. Assim como
Manuel Carnoto Vilas Boas, era neto, por via materna, de Gaspar Dias Paes e de Maria
Mendes e sobrinho do Cônego Manuel Carnoto Vilas Boas, Comissário do Santo Ofício.
Quando veio para o Brasil ele ainda era muito jovem. De acordo com a cópia de
seu batistério, inclusa no processo de habilitação, ele recebeu o sacramento do Cônego
Manuel Carnoto Vilas Boas “aos vinte e dois dias do mês de março de mil seiscentos e
oitenta e um”. O seu processo de habilitação só foi concluído em 1708, quando já tinha 22
anos e já residia em Pernambuco.
Manuel Rodrigues, responsável pela inquirição feita em Recife em agosto de 1704,
diz que, “vai por dois anos que veio a este Recife de Pernambuco vindo da cidade da Bahia ”.
Segundo ele, Francisco Carnoto “é moço solteiro não se sabe tenha filhos nenhum, de bens
não sabe os tenha mais que assistir em companhia de um seu primo, que é morador na
freguesia de Goiana distante deste Recife 14 léguas”.
João Franco de Oliveira, homem de negócio, de 34 anos, natural de Pernambuco,
ouvido em Lisboa, em 1707, disse que conhecia Francisco Carnoto há seis anos, “morador

30 DILIGÊNCIA de habilitação de Francisco Carnoto Vilas Boas - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO


TOMBO/Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, Francisco, mç. 35, doc. 780.
31 Proprietário do ofício de escrivão dos órfãos da Vila de São Francisco de Sergipe do Conde. (DHBN,

vol. XL, 1940, p. 204). Foi casado com Tereza Borges, irmã de Barbara Borges de Abreu. Esta última foi
a primeira esposa de Francisco Carnoto Vilas Boas. Suas filhas, Barbara Doroteia de Brito, Margarida Rosa
e Antônia Casimira de Brito, religiosas do Convento de Santa Clara de Lisboa, acusavam o tio de ter se
apoderado da herança deixada por sua avó. REQUERIM ENTO da Madre Abadessa do Convento de Santa
Clara de Lisboa ao Rei [D. João V] solicitando ordem para q ue os ministros concluam em um mês as
partilhas da herança de Bárbara Borges a fim de que os bens, que se encontram na posse de Francisco
Carnoto Vilas Boas, sejam entregues às três herdeiras e religiosas do referido convento. AHU_CU_BAHIA ,
Cx. 79, D. 6547.

29
em Pernambuco em casa de um seu tio senhor de engenho e homem de negócio”. Bernardo
Gonçalves, negociante, de 31 anos, disse que Francisco Carnoto vivia em “companhia de
seu tio Manuel a cujos negócios assiste por ser homem rico e senhor de engenho”.
A partir dos depoimentos prestados nos dois processos podemos perceber que o
padre Manuel Carnoto vivia com os pais, Gaspar Dias Pais e Maria Mendes, avós paternos
de Francisco Carnoto, e também com seus sobrinhos. Benta Maciel, viúva, de 80 anos, diz
que conheceu muito bem a Francisco Carnoto, “pelo ver criar em casa de seus pais, seu tio
o Cônego Manuel Carnoto até o tempo que se ausentou da dita terra e sabe que no dito
Recife é homem de negócio”.
O sacerdote de São Pedro, Manuel Correia de Crasto, de 73 anos, afirma ter
conhecido o habilitando, “pelo ver criar em casa do seu tio Cônego Manuel Carnoto Vilas
Boas e andar com outros rapazes folgando no adro da Colegiada”. Já Tomáz Coelho de
Araújo, de 74 anos, disse que conheceu muito bem a Francisco Carnoto e, apesar de não ter
conhecido o seu avô paterno, Francisco Alves Bandeira, que, como consta no documento,
“navegava para a Índia”, sempre ouviu dizer que o mesmo era “mandador de navio e que
falecera vindo do Brasil, em um encontro que tivera com os holandeses no tempo que este
reino tinha com eles guerra”.
Em 1721, Francisco Carnoto Vilas Boas, que já havia retornado para a Bahia, envia
ao Tribunal do Santo Ofício pedido de licença para se casar com Antônia Correia de Puga,
filha de Leonardo Pinto Correa, também minhoto, natural de Santo Estevão de Facha, termo
da Vila de Viana, arcebispado de Braga, e de Maria Pereira do Lago, natural da fregues ia
de São Gonçalo dos Campos, desmembrado da freguesia de Nossa Senhora da Oliveira,
termo da vila de Cachoeira32 .
Na diligência de habilitação de Antônia Correia, o comissário Antônio Rodrigues
Lima, que ouviu as testemunhas em março de 1722, na freguesia de Nossa Senhora da
Purificação do Recôncavo, afirma que pelo conhecimento que tinha da família, outros dois
irmãos da habilitanda eram religiosos da Companhia de Jesus. Um, chamado Manuel de
Cerqueira, “lente atual de filosofia no Colégio da Cidade do Rio de Janeiro”, e outro,

32Antônia Correia era neta por via paterna de Miguel Correia de Puga e de Maria Pinto da Costa, naturais
da freguesia de Santo Estevão da Facha, termo da Vila de Viana, arcebispado de Braga, e por parte materna
de João Dias Salomão, natural de Farmelão, termo de Bemposta, Bispado de Coimbra, e de Leonor de
Cerqueira do Lago, da freguesia de Nossa Senhora do Rosário, termo da Cachoeira. DILIGÊNCIA de
habilitação de Francisco Carnoto Vilas Boas - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Tribun al
do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, Francisco, mç. 35, doc. 780.

30
chamado João de Cerqueira, “ambos meus contemporâneos”. Também outro, por nome José
Pereira Pinto, seria sacerdote.
Esse Leonardo Pinto Correa, que tem o mesmo sobrenome da mãe de Atanásio
Cerqueira e de seus irmãos, era “lavrador de tabacos” e, segundo a cópia da certidão de
casamento inclusa no processo de habilitação, havia se casado na Matriz de Nossa Senhora
do Rosário da Cachoeira, aos quinze de julho de 1680. Uma das testemunhas foi o capitão-
mor Gaspar Rodrigues Adorno33 .
Na oitiva feita em 1722, Cristóvão Moreira da Costa, morador em Nossa Senhora
da Purificação de Sergipe do Conde, mercador de lojas, de 63 anos, disse que o conhecia há
trinta anos. Já Francisco Álvares Pereira, morador no Murucu, freguesia de Nossa Senhora
da Oliveira, também lavrador de tabacos, de 70 anos, disse que conhecia Leonardo Pinto
Correia “de cinquenta anos a esta parte e a Maria Pereira do Lago, sua mulher já defunta a
qual era natural da vargem da Cachoeira, freguesia de São Gonçalo”.
Além das irmãs, Antônia Correia de Puga, que era casada com Francisco Carnoto
Vilas Boas, e Ana Pereira do Lago, esposa de Francisco Pires Lima, com quem o mestre-
de-campo mantinha muitos negócios, também aparecem no livro de Atanásio Cerqueira
entre os seus primos o padre da Companhia, Manuel de Cerqueira e o Padre José Pereira,
citados acima, Dionísio Pereira do Lago e o sargento-mor João Correia do Lago.
Em 1735, o padre José Pereira Pinto, presbítero do hábito de São Pedro, filho de
Leonardo Pinto Correia, e então assistente em uma fazenda no sítio de São Francisco de
Ipojuca, solicita ao rei D. João V34 licença para passar às minas para continuar as “cobranças
de importante cabedal que tinha espalhado por mãos alheias, procedido da venda de gado
tirados de suas fazendas que tem perto das minas”.
De acordo com o clérigo, o seu pai estava já velho e “carregado de achaques e de
filhas” e que, por isso, se fazia necessário que ele desse prosseguimento à diligência que foi
interrompida porque o bispo do Rio de Janeiro havia mandado “despejar daquelas minas a
todos os clérigos que estivessem nelas”, entre os quais ele próprio. O padre pede então
licença para retornar e permanecer por cinco ou seis anos na região, “por serem tardos e

33 Gaspar Rodrigues Adorno, bisneto de Diogo Álvares, o Caramuru, participou de varias jornadas para
combater os índios no sertão e foi capitão-mor da vila de Cachoeira. CALMON, Pedro. Introdução e notas
ao catálogo genealógico das principais famílias de frei Jaboatão . Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 1985.
2 v. p. 260/7.
34 CARTA do [vice-rei e capitão-general do estado do Brasil, Vasco Fernandes César de Meneses], Conde

de Sabugosa ao Rei [D. João V] comunicando de que é verdadeiro e digno de ser atendido a solicitação do
presbítero do Hábito de Cristo, Padre José Pereira Pinto para assistir por tempo de cinco anos na
administração da fazenda de seu falecido pai Leonardo Pinto Correia. AHU_CU_BAHIA, Cx. 51, D. 4468.

31
morosas os pagamentos daqueles devedores, que não querem, nem costumam pagar sem
demandas, e execuções nas quais se gastam muitos tempos por serem os recursos longe para
a Relação deste Estado”. Na resposta à consulta feita pelo rei, datada de 28 de março de
1735, Vasco Fernandes César de Meneses, vice-rei e capitão-geral do Brasil, destaca que o
sacerdote está encarregado da administração “de várias fazendas de gado que tem nas
vizinhanças das Minas Gerais”, e considera justa a sua solicitação.
Outro primo de Atanásio Cerqueira que teria chegado ao Brasil ainda no final do
século XVII foi Gregório de Abreu Pereira. Segundo o seu processo de habilitação a familiar
do Santo Ofício35 , iniciado em 1724, ele era um homem de negócios, morador na cidade da
Bahia, na freguesia da Sé, e era natural da vila de Viana, freguesia de Nossa Senhora de
Monte Serrat, arcebispado de Braga. Era casado com Beatriz dos Santos, filha de José
Rodrigues Marrocos, marceneiro, natural da cidade de Lisboa, e de Joana dos Santos, natural
da vila de São Francisco de Sergipe do Conde, arcebispado da cidade da Bahia.
Em requerimento de novembro de 1700, Gregório de Abreu Pereira solicita ao rei
a confirmação do posto de capitão-mor das entradas do sertão da outra banda do rio Grande
do Sul. Antes de responder ao pedido do reinol, o monarca faz uma consulta ao governador
da capitania de Pernambuco que, em carta de maio de 170136 , diz o seguinte: “há dois rios
grandes e um do norte que demora para ele 60 léguas deste Recife, de que é capitão-mor
Bernardo Vieira Melo, e outro do sul que dista mais de 200 léguas do mesmo Recife para o
poente e a este e não daquele é que fiz capitão-mor das entradas a Gregório de Abreu Pereira,
e que é uma freguesia novamente e está no sertão por invocação São Francisco do Rio
Grande do Sul”.

35 Filho de António de Siqueiros de Abreu, natural do mesmo lugar, cavaleiro professo da ordem de Cristo,
sargento-mor de um Terço de Auxiliares e Juiz de Alfândega de Monção, e de Ana Maria da Cruz. Era neto
pela parte paterna de Pedro de Siqueiros de Abreu, natural e morador na vila dos Arcos de Valdevez, e de
Ana Pereira, e, pela parte materna, era neto de Marcos Fernandes e de Ana Lourença, que foram moradores
na vila de Viana, e eram naturais da freguesia de São Tiago de Gemieira, termo de Ponte de Lima. Beatriz
dos Santos, esposa de Gregório de Abreu Pereira, era neta paterna dos portugueses Francisco Antunes,
também marceneiro, da freguesia de Santo Estevão de Besteiros, do lugar chamado São Cláudio, termo de
Guimarães, e Antônia Rodrigues, natural da cidade de Lisboa, da freguesia da Sé, e moradora em São
Nicolau. Beatriz dos Santos era neta materna de Manoel Afonso Paiva e de Beatriz de Freitas, naturais da
Ilha Terceira, e moradores na vila de São Francisco do Conde. DILIGÊNCIA de habilitação de Gregório
Pereira de Abreu - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Tribunal do Santo Ofício, Conselho
Geral, Habilitações Incompletas, doc. 2160
36 CARTA do [governador da capitania de Pernambuco], Fernão Martins Mascarenhas de Lencastro, ao

Rei [D. Pedro II], sobre a falta de jurisdição para confirmar a Gregório de Abreu Pereira no posto de capitão -
mor das entradas do sertão da outra banda do Rio Grande do Sul. AHU_CU_PERNAM BUCO, Cx. 19, D.
1874.

32
Em 1725, como se vê de uma portaria do rei, remetida pelo governador geral
Marquês de Angeja, o capitão-mor Gregório de Abreu Pereira, ocupava o cargo de Juiz da
vila do Rio Grande do Sul. No documento, que trata da arrecadação dos bens dos defuntos
e ausentes, o rei ordena que não se devia alterar ou “inovar” coisa alguma “sobre a
arrecadação até segunda resolução minha”, nem dar cumprimento à ordem ou despacho
apresentada pela capitania de Pernambuco.37
Mas, entre todos os parentes citados por Atanásio Cerqueira em seu livro, era com
os primos Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues Soares com quem o reinol mantinha
uma relação mais estreita. Seja pela proximidade de suas propriedades, seja pela diversidade
ou pelo volume dos negócios que mantinham entre si.
Embora Rodrigues Soares tenha sido sócio e companheiro inseparável de Nunes
Viana, especialmente nos episódios da Guerra dos Emboabas 38 , a documentação sobre este
reinol é bem menos extensa e pouco foi possível saber sobre os seus antepassados. O seu
processo de habilitação para obtenção do Hábito de Cristo 39 , de 1719, conta apenas com
alguns poucos documentos e os autos de inquirição das testemunhas não estão anexos.
Basicamente só é possível saber que ele era filho de Pedro Rodrigues Soares, natural da vila
de Viana do Minho, “marinheiro de carreira do Brasil” e que seria “maior de cinquenta
anos”. Tais circunstâncias foram relacionadas como impedimento para que ele não fosse
aceito na ordem.
Segundo justifica Manuel Rodrigues Soares, em petição datada de 13 de maio de
1719, o título e a tença de trinta mil reis que estaria requisitando foram asseguradas pelo

37 DHBN, LIV, 1941. p. 5/6.


38 A Guerra dos Emboabas foi marcada por uma série de conflitos violentos entre paulistas e forasteiros
que disputavam o controle da região mineradora. Iniciada ainda nos últimos meses de 1707 se estendeu até
1709. Segundo Taunay, Manuel Nunes Viana, eleito para o cargo de governador em assembleia pelos
moradores, teria sido o grande coordenador da reação emboaba. TAUNAY, Afonso d’E. História das
bandeiras paulistas. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1961. (v. 1), p. 258. O reinol ocupou por quase um ano
o cargo de governador até a chegada de Dom Antônio de Albuquerque, em julho de 1709. Sobre o assunto
ver também: VASCONCELOS, Diogo de. História antiga das Minas Gerais. Belo Horizonte: ed. Itatiaia,
1974. v. 1; PITA, Sebastião da Rocha. História da América portuguesa. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
Edusp, 1976; MELLO, J. Soares de. Emboabas: crônica de uma revolução nativista - documentos inéditos.
São Paulo: São Paulo Editora, 1929; GOLGHER, Isaías. Guerra dos Emboabas: a primeira guerra civil nas
América. Belo Horizonte: ed. Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, 1982; BOXER, C. A Idade
de Ouro do Brasil: dores do crescimento de uma sociedade colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000;
ROMEIRO, A. Paulistas e emboabas no coração das Minas: ideias, práticas e imaginário político no século
XVIII. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008; Códice Costa Matoso. Belo Horizonte: Fundação João
Pinheiro/Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999.
39 DILIGÊNCIA de Habilitação para a Ordem de Cristo de Manuel Rodrigues Soares - Natural de Viana

do Minho, filho de Pedro Rodrigues Soares. Consulta sobre as suas provanças. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo,
Letra M, mç. 45, n.º 45.

33
governador geral da capitania de São Paulo e Minas, D. Braz Baltazar da Silveira, como
prêmio a quem conseguisse prender José Gurgel de Amaral, “homem régulo e facinoroso ”.
Para garantir a mercê ele apresentou, em novembro do mesmo ano, outra petição pedindo
dispensa dos impedimentos, alegando que estava servindo no posto de mestre-de-campo no
“estado das Minas”, e que ainda não havia completado 49 anos de idade. Também anexou
ao processo uma certidão do mesmo governador, datada de maio de 1717, de que ele servia
no terço dos auxiliares de Vila Nova da Rainha (Caeté), e havia conduzido para Salvador,
“a sua custa”, o preso José Pinto dos Reis, “facinoroso e capaz de resistir a qualquer
condutor”, condenado ao degredo em Benguela.
As justificativas foram acolhidas porque, em 26 de maio de 1719, ele recebeu a
confirmação da mercê com uma tença de 180 mil réis efetiva por ano e mais 120 mil do
hábito de Cristo. Neste mesmo ano, enquanto recebia as mercês reais e apresentava a carta
do governador, escrita dois anos antes, com elogios pelo seu empenho, o tenente de mestre-
de-campo João Ferreira Tavares de Gouveia, se vangloriava de ter conseguido prendê-lo,
“por sedições que intentou fazer naquele país” e também porque “movia nos seus parciais,
e em toda a comarca do Sabará sedições perniciosas” 40 . Atendendo assim aos intentos de
Dom Pedro de Almeida, o Conde de Assumar, que nessa altura já havia assumido o governo
de Minas.
A prisão, no entanto, parece não ter se confirmado. Em carta de Bartolomeu de
Souza Mexia, secretário das Mercês e Expediente, escrita de Lisboa, em 24 de março de
1720, para o conde de Assumar41 , ele faz referência à outra carta, de junho de 1719, em que
o conde teria afirmado que, embora ele tenha se empenhado na prisão de Manuel Rodrigues
Soares e de Nunes Viana, essas não teriam tido efeito42 .

40 JOÃO FERREIRA TAVARES DE GOUVEIA - AHU_CU_CONSULTAS DE MERCÊS GERAIS, Cod.


88, fl. 68.
41 CARTA de Bartolomeu de Souza Méxia ao Conde de Assumar. RAPM, Belo Horizonte, vol. 14, 1909,

p. 210/1.
42 Além dos eventos da guerra dos Emboabas, os primos também se envolveram em outras insubordinações

que provocariam a ira dos governadores de Minas. Adriana Romeiro relata que, em 1719, os reinóis
tentaram se apossar de datas e lavras minerais para passar um veio de água que beneficiaria suas minas em
Catas Altas. Segundo a autora, o episódio obrigou o conde de Assumar a proibir que os moradores
vendessem ou alienassem os seus bens que, do contrário, poderiam ser confiscados pela Coroa. Romeiro ,
Ibid, p. 121. O pedido de prisão, no entanto, foi decorrente de uma sublevação ocorrida no sítio do Pa pagaio,
entre os anos de 1717 e 19, quando Assumar pretendia estabelecer uma passagem na barra do rio das Velhas
para ampliar a arrecadação. Com o apoio do padre Antônio Curvelo de Ávila, primeiro cura do arraial de
Matias Cardoso, como se verá adiante, os reinóis teriam incitado os moradores a não reconhecer a jurisdição
de Minas. Mais informações em: ANASTASIA, Carla. “Extraordinário Potentado: Manoel Nunes Viana e
o Motim de Barra do Rio das Velhas”. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, vol. 03, n. 01, p. 98 a
107, 1997. https://periodicos.ufjf.br/index.php/locus/article/view/20442. Acesso em: 26/04/2021.

34
Também em 1719, o mestre-de-campo apresentou requerimento pedindo
confirmação de uma sesmaria de uma légua em quadra, principiando onde se localiza va m
“suas casas de vivenda”, seguindo pelas “cabeceiras do Sabará acima cortando o morro do
mesmo Sabará”. A sesmaria havia sido concedida pelo governador da capitania de Minas e
São Paulo, Dom Braz Baltazar, em 03 de em fevereiro de 171443 .
Manuel Rodrigues Soares teve pelo menos cinco filhos. Um homem chamado
Caetano Rodrigues Soares, e quatro mulheres chamadas Teresa Eugênia de Jesus, Maria
Clara do Sacramento, Antônia Maria da Encarnação e Antônia da Trindade, todos com
Antônia Alvarez de Mendonça, natural da vila Real do Sabará. Antônia Alvarez, como
consta de um requerimento feito por Caetano Rodrigues, em que solicita licença para
recolher suas irmãs em um convento em Portugal44 , era “mulher donzela”, com quem o seu
pai “teve ilícito trato”, apesar de não haver impedimento para “contraírem matrimônio por
serem ambos solteiros”. No pedido, feito em maio de 1753, Caetano afirma que, com o
falecimento do pai, as irmãs desejavam se recolher ao convento e acrescenta:
no rio de São Francisco, arcebispado da Bahia, aonde o suplicante assiste com as
ditas suas irmãs, não há mosteiro de religiosas, aonde possa recolhe-las, desejando
servir a Deus no estado de religiosas, e assim as querer o suplicante fazer conduzir
a este reino, para nele as recolher em qualquer mosteiro, em que se ajustar.

Embora a solicitação tenha sido feita apenas em 1753, Manuel Rodrigues Soares
havia falecido dez anos antes. Entre os documentos anexados a outro requerimento, feito
também por Caetano Rodrigues, em 1748, desta vez solicitando a sua legitimação como
filho do mestre-de-campo para que fosse habilitado a receber a herança do pai, constam
algumas certidões de julho de 1742 e de agosto de 174345 .
Um dos documentos é uma carta escrita pelo próprio Manuel Rodrigues pouco
tempo antes de morrer. No documento ele diz que, por temer não conseguir fazer o seu
testamento, desejava manifestar a intenção de legitimar o filho para que este pudesse ser seu
herdeiro. A letra da carta é reconhecida em 13 de julho de 1742 como sendo a do mestre-
de-campo por várias testemunhas. Todas afirmam tê-lo visto escrever, “repetidas vezes em

43 REQUERIM ENTO do mestre de campo Manuel Rodrigues Soares, em que ped ia a confirmação régia
das terras de que se lhe fizera mercê pela carta seguinte. AHU_CU_RIO DE JANEIRO-CA, Cx.18, D.
3790-3791.
44 REQUERIM ENTO de Caetano Rodrigues Soares, ao Rei [D. José] a pedir provisão para poder recolher

suas irmãs em um dos mosteiros do reino e tomarem o estado de religiosas. AHU_CU_BAHIA, Cx.114, D.
8951.
45 REQUERIM ENTO de Caetano Rodrigues Soares, filho de Manuel Rodrigues Soares, mestre de campo

e já falecido, solicitando a D. João V a mercê de o legitimar, para se habilitar como herdeiro de seu pai.
AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 51, D. 4235/COTA ANTIGA - AHU-Minas Gerais, cx. 51, doc. 5.

35
sua vida”, e também que possuíam em seu poder “cartas e letras suas”. Outras testemunhas
atestaram o desejo do mestre-de-campo de reconhecer o filho em um auto de justificação
feito no dia 15 de agosto de 1743, no arraial de São Romão também anexo ao processo.
No depoimento, o sargento-mor Antônio Nunes, de 36 anos, natural da Vila Real,
Arcebispado de Braga, que disse ser morador na fazenda do Jequitaí e ter “muita
familiaridade na casa de Rodrigues Soares por ser parente do mestre-de-campo Manuel
Nunes Viana, sócio em todos os bens do referido defunto”, confirma o desejo do falecido
de legitimar o filho, no “futuro testamento” que pretendia fazer.
Outro reinol, chamado José Vieira Lima, de 45 anos, natural da Vila de Viana,
Arcebispado de Braga, e também morador na fazenda do Jequitaí, disse que “assistia”, há
muitos anos, “até a hora da sua morte”, na casa do defunto Manuel Rodrigues Soares, e,
além de confirmar o desejo do mestre-de-campo de legitimar o filho, diz o seguinte:
dando-lhe e apertando a doença de que morreu lhe pediu a ele testemunha que viesse
com a maior brevidade possível a este arraial de São Romão buscar tabelião porque
queria aprovar seu testamento sendo a maior razão a vontade de que tinha de declarar
nele deferido o que com efeito fez ele testemunha e por mais pressa q ue se deu como
vinha em canoa por estarem os campos alagados do rio de São Francisco e serem 60
léguas por ele acima quando chegou o tabelião digo chegou a Tabua com o tabelião
Bernardo da Silva para esse efeito havia dois dias que havia falecido.

Como veremos ao longo deste trabalho, a presença dos reinóis no norte de Minas,
especialmente daqueles vindos da província do Minho, era bastante significativa. A rede de
relações que eles formavam certamente foi fundamental para que obtivessem sucesso no
estabelecimento e no desenvolvimento de suas propriedades e permitiu que muitos deles,
como Atanásio Cerqueira Brandão e Manuel Nunes Viana, que eram pessoas pouco
abastadas em suas comunidades de origem, se tornassem grandes potentados, senhores de
muitas propriedades e dos mais poderosos de uma vastíssima região.
Ao contrário do que afirma Caetano Rodrigues, o seu pai havia deixado um
testamento escrito em 08 de março de 1736, registrado no Cartório de Notas de Sabará,
como demonstra Alexandre Rodrigues de Souza em sua dissertação intitulada “A “dona” do
Sertão: mulher, rebelião e discurso político em Minas Gerais no século XVIII”. 46 Segundo
Souza, no documento o reinol teria confirmado ser natural da cidade de Viamão, fregues ia
de Nossa Senhora de Monserrat, e que era filho legítimo de Pedro Rodrigues Soares e de
Ana de Almeida, na época já falecidos.

46 SOUZA, Alexandre Rodrigues de. A “dona” do Sertão: mulher, rebelião e discurso político em Minas
Gerais no século XVIII. Dissertação de mestrado. UFF, Niterói, 2011, p. 94.

36
Manuel Rodrigues teria determinado ainda que, em qualquer parte do rio São
Francisco em que viesse a falecer, fossem seus testamenteiros, além de Manuel Nunes
Viana, “senhor principal sobrinho (...) Luis de Serqueira Brandão e a Miguel de Freitas
Lopes e ao Mestre de campo Faustino Rabelo Barbosa e meus primos a Manoel Gomes Frire
(Alves) e meu sobrinho capitão Antônio Carvalho de Almeida ”47 . Na cidade da Bahia o
testamenteiro deveria ser o capitão José Ferreira Araújo, na cidade de Rio de Janeiro,
Antônio da Costa, José da Silva Costa e o sargento-mor Manoel Fernandes da Costa e, em
Pernambuco, os seus procuradores, os padres da Companhia da Jesus. Ele também teria
pedido que o seu corpo, “depois de passado dez anos de seu falecimento fosse levado para
a cidade da Bahia” e enterrado na “capela da irmandade da freguesia de meu padre São
Francisco”.
Caetano Rodrigues, que vivia em Salvador, parece desconhecer o testamento feito
anteriormente pelo seu pai ou então omitiu a sua existência. Mas, ao que tudo indica, a carta
é realmente legítima. Comparando a letra de uma carta escrita por Manuel Rodrigues Soares
existente no acervo da Torre do Tombo, entre os documentos dos Manuscritos do Brasil,
escrita em 26 de setembro de 173648 , e a cópia da carta anexada por Caetano Rodrigues,
podemos ver que, provavelmente, se trata da mesma letra (FIG. 06). Embora a assinatura da
cópia do documento existente no acervo do Conselho Ultramarino não esteja legíve l,
observando outros trechos da carta é possível verificar muitas semelhanças. Resta saber
porque Manuel Rodrigues não fez nenhuma menção a este testamento feito em 1736 na carta
que escreveu a seu filho.

Figura 06 – Assinatura e textos de Manuel Rodrigues Soares . AHU-Minas Gerais, cx. 51, doc.
5/ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Manuscritos do Brasil, Livro 10, fl.105-106V.

47 TESTAMENTO de Manoel Rodrigues Soares. Arraial de São Romão. 08/03/1736. Casa de Borba
Gato/CPO. CPO LT2(06) fl. 124-143. In. Souza, Ibid. p. 94. Infelizmente a qualidade deste documento não
é muito boa. Além de estar bastante danificado, com muitos trechos ilegíveis, a tinta é muito clara o que
dificulta enormemente a transcrição.
48 CARTA de Manuel Rodrigues Soares. Jequitaí, Almas do Rio das Velhas , 22 de setembro de 1736.

ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Manuscritos do Brasil, Livro 10, fl.105-106V.

37
Em dezembro de 1740, o síndico dos religiosos Capuchinhos dos dois Conventos da
vila de Viana, Manuel Moreira, requereu junto a D. João V que ele solicitasse ao ouvidor-
geral de Sabará que fizesse a arrecadação do legado de Manuel Rodrigues Soares. Segundo
o documento, que infelizmente está ilegível, o mestre-de-campo havia deixado em
testamento uma quantia em dinheiro, “na fazenda Tábua, do rio São Francisco, Bispado de
Pernambuco”49 , para os conventos de Santo Antônio e São Francisco. A existência deste
documento pode indicar a existência de uma cópia do testamento na cidade de Lisboa ou no
convento dos Capuchinhos, em Viana.
Afirmando ser testamenteiro do mestre-de-campo, Caetano Rodrigues Soares,
requer ao rei, em maio de 1753, que este determine ao ouvidor geral do Serro Frio que faça
o inventário e a partilha dos bens deixados pelo seu pai, alegando que ele tinha irmãos
menores de idade, todos moradores naquela comarca. Rodrigues Soares pede que,
primeiramente, seja feita a partilha da sociedade universal que o seu pai tinha com o mestre-
de-campo Manuel Nunes Viana, já falecido, de quem também haviam ficado filhos 50 .
Na carta de sesmaria passada ao tenente-coronel Gabriel Álvares de Carvalho, pelo
governador Gomes Freire de Andrade, em 19 de outubro de 1742, podemos ver que ele
havia adquirido uma das propriedades do mestre-de-campo Rodrigues Soares. Segundo a
carta, Álvares de Carvalho arrematou, no juízo dos ausentes do Serro Frio, a fazenda Olhos
D’água, localizada próximo ao riacho da Porteira, que fazia parte da herança “do defunto
mestre-de-campo Manuel Rodrigues Soares” 51 . As terras ficavam entre os rios das Velhas,
o Jequitaí e o riacho Corrente, na divisa com uma fazenda chamada da Piedade, do mestre-
de-campo Faustino Rebelo Barbosa, e outra pertencente ao sargento-mor, José de Queirós
de Abreu, já falecido, e também chamada Corrente. A sesmaria fazia confrontação ainda
com uma fazenda chamada Jequitaí, que teria pertencido aos “defuntos Manuel Nunes Viana
e Manuel Rodrigues Soares”.
Quando recebeu a sesmaria da fazenda Nossa Senhora da Piedade, nas margens do
rio das Velhas, em 08 de janeiro de 1728, o mestre-de-campo Faustino Rabelo Barbosa,

49 REQUERIM ENTO do síndico dos religiosos Capuchinhos dos dois Conventos da vila de Viana, Manuel
Moreira, ao rei [D. João V], pedindo provisão ao ouvidor-geral de Sabará, jurisdição das Minas, para que
faça arrecadação do legado do mestre-de-campo Manuel Rodrigues Soares, que deixou em testamento aos
Conventos de Santo António e São Francisco, uma quantia em dinheiro na fazenda Tábua, do rio São
Francisco, Bispado de Pernambuco. AHU_CU_PERNAMBUCO, Cx. 56, D. 4871.
50 REQUERIM ENTO de Caetano Rodrigues Soares, testamenteiro de Manuel Rodrigues Soares, pedindo

provisão para que o ouvidor-geral da comarca do Serro do Frio faça a partilha dos bens que ficaram do seu
falecido pai. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 62, D. 5214. Cota Antiga - AHU-Minas Gerais, cx. 62, doc.
66.
51 RAPM, Belo Horizonte, vol. IX, fasc. I, 1904, p. 486/7.

38
declarou que a propriedade fazia divisa com a fazenda Capão dos Espinhos, de Manuel
Rodrigues Soares, e as terras de Antônio Monteiro da Silva. Segundo Rabelo Barbosa, ele
havia adquirido a fazenda de Francisco de Araújo Velho e esta ficava entre o rio das Velhas
e uma serra, “que o cobre que terá de comprido quatro léguas pouco mais ou menos,
correndo rio acima”.
É possível que esta seja a mesma sesmaria confirmada por Dom Lourenço de
Almeida, em julho de 1727, a Manuel Rodrigues Camelo e seus irmãos Francisco Rodrigues
Velho, Gualter Rodrigues Velho e José Rodrigues Velho. Esta propriedade estaria
localizada “na paragem chamada S. Lourenço dos Geraes”52 . Provavelmente o nome foi
grafado erradamente, porque deve se tratar do local chamado São Lamberto, existente nesta
região e que aparece citado em outras sesmarias. Os irmãos, que alegam terem sido os
primeiros povoadores das terras, há cerca de sete anos, e que possuíam “muita criação de
gado”, pedem duas léguas de terra, “abaixo do riacho”, até as cabeceiras do rio Pacuí. A
propriedade seguia pela beira deste rio até a divisa das terras do ajudante Miguel Nunes
Vassalo, para o norte, e com o coronel João da Cunha Vasconcelos, na “paragem chamada
Babilônia”, pelas vertentes do rio Verde.
Gabriel Álvares de Carvalho também possuía outra fazenda que fazia divisa com
uma propriedade de Atanásio Cerqueira Brandão. A sesmaria, confirmada em 19 de junho
de 1729, pelo governador Dom Lourenço de Almeida, ficava no rio Curumataí, acima da
barra do rio das Velhas, e foi adquirida por compra a Bernardo Ribeiro Guimarães. Segundo
o documento, as terras, onde era criada grande quantidade de gado vacum e cavalar, “de
uma parte confina com o Mestre-de-campo Atanásio Cerqueira Brandão e da outra com o
Coronel Manuel de Almeida Coutinho” 53 .

Em 1741, Gomes Freire de Andrade também concedeu uma sesmaria a Antônio


Carvalho e Faria, na beira do rio Jequitaí que, segundo o requerente, confrontavam com
umas terras devolutas do “defunto capitão Antônio de Carvalho de Faria”, até “confrontar
com a fazenda do defunto mestre-de-campo Manuel Rodrigues Soares”. Segundo afirma, as
terras principiavam na beira do riacho Fundo e seguiam até a serra de São Lamberto 54 .
As relações entre os primos, contudo, nem sempre foram pacíficas. Como podemos
ver em uma petição de Luís de Cerqueira Brandão, de 04 de novembro de 1737, ele denuncia
Manoel Rodrigues Soares por ter mandado queimar “uma casa e currais no Paranã,

52 RAPM, Ouro Preto, vol. IV, 1899, p. 183/5.


53 RAPM, Ouro Preto, vol. IV, 1899, p. 212/3.
54 RAPM, Belo Horizonte, vol. VII, 1902, p. 517/8.

39
esbulhando da sua posse”. Atendendo à petição, Martinho de Mendonça determina ao
capitão-mor Roberto Pires Maciel, “ou qualquer outro morador”, que faça a restituição da
propriedade, “prendendo as pessoas ou escravos que foram os principais agressores”. O
governador determina ainda que os infratores fossem remetidos “à cadeia do Sabará e esta
se apresentará ao ministro que passar ao sertão na futura seca para concluir da matéria e
proceder nela”55 .
Manuel Nunes Viana56 era natural da vila de Viana, freguesia de Santa Maria Maior,
filho de Antônio Nunes Viegas, natural de Folhadela, termo de Vila Real, e de Antonia
Marinho, também natural da vila de Viana. As informações constam do processo de
habilitação para a Ordem de Cristo de seu filho Miguel Nunes de Souza, realizado em 1756.
Embora tenha obtido a mercê, com direito a 12 mil réis de tença anual, o processo de
habilitação está incompleto. Apenas algumas testemunhas foram ouvidas na vila de Viana
na inquirição de limpeza de sangue de Manuel Nunes Viana e de sua mãe, Antonia Marinho,
em novembro daquele mesmo ano57 .
No processo, o reverendo Francisco Leite Lobo, presbítero do hábito de S. Pedro,
de 91 anos, disse que conheceu a Manuel Nunes Viana e a sua mãe, pessoalmente, e que
estes eram naturais da vila de Viana, e que sua mãe vivia “do que agenciava pelo seu
trabalho”. Segundo ele, o mestre-de-campo “fora moço para o Brasil”, e que, “vindo a
Lisboa depois”, obteve o Hábito de Cristo. O reverendo Manoel Barbosa Lima, também
presbítero do hábito de S. Pedro, de 65 anos, disse que, embora não tenha conhecido os dois
pessoalmente, sabia que eles teriam morado na rua nova de Santa Ana e que o mestre-de-
campo era cavaleiro do Hábito de Cristo e que “fora rapaz para as partes da América aonde
se fez bem conhecido".

55 APM, SC-59, p.17v e 18.


56 Para descrever o reinol, Taunay recorre a um trecho de Pedro Calmon no qual o baiano escreve o seguinte:
“Não há vida tão romanesca da história brasileira como a desse português ambicioso, "mascate",
bandeirante e mineiro. Creso e caudilho, um pouco soldado e um pouco estadista, que na aurora do século
1700 organizou a invasão "emboaba" das montanhas do ouro”. O paulista prossegue dizendo que Nunes
Viana era um plebeu que chegou pobre à Bahia “com um surrão murcho às costas e a escopeta do sertão.
Inteligente e insinuante granjeou de pronto confiança, algum crédito, a responsabilidade de um
carregamento para ser vendido pelos caminhos centrais, por onde os pastores tangiam o seu gado, cruzando
os campos solitários. Foi parar ao rio de São Francisco”. Taunay, Ibid, p. 257.
57 DILIGÊNCIA de habilitação para a Ordem de Cristo de Miguel Nunes de Sousa. 23-09-1756 - Natural

de Rio Grande do Sul e morador na cidade da Baía, doutor, filho de Manuel Nunes Viana, natural da
freguesia de Santa Maria Maior, Viana, mestre-de-campo e alcaide-mor, cavaleiro da Ordem de Cristo, e
de Maria Álvares de Sousa, natural de Cachoeira, Baía; neto paterno de António Nunes Viegas, natural de
Folhadela, termo de Vila Real, e de sua mulher Antonia Marinho, natural de Viana; neto materno do capitão
Sebastião Álvares de Sousa e de sua mulher Iria Pereira, naturais de Cachoeira. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo,
Letra M, mç. 38, n.º 2.

40
Provavelmente por temer não garantir a mercê, Miguel Nunes, que era clérigo in
Minoribus, fez algumas afirmações controversas em seu processo de habilitação. Em
primeiro lugar ele anexou uma cópia da certidão de batismo feita pela Câmara Eclesiástica,
apresentada quando se ordenou, e que diz o seguinte:
Consta do livro dos batizados desta Freguesia do Rio Grande do Sul hoje repartida
para Santo da Manga, bispado de Pernambuco, que em oito de novembro de
setecentos e quinze batizou com minha licença Padre Manoel Marques [...] por
nome Miguel a um menino filho do mestre-de-campo Manuel Nunes Viana, e fui
eu o padrinho. Brejo nove de maio de mil setecentos e vinte e dois, digo de mil
setecentos e vinte três. Cura Miguel de Lima Mendes 58 .

No entanto, em agosto de 1738, quando apresentou um requerimento ao rei D. João


V, pedindo a sua emancipação, ele apresentou uma cópia de outra certidão de batismo,
assinada pelo padre Inácio Xavier Dias Costa, presbítero de São Pedro, escrivão da Câmara
Eclesiástica do Arcebispado da Bahia, de 20 de agosto de 1733, onde consta que ele teria
sido batizado na vila da Cachoeira. Vejamos a certidão:
certifico que em meu poder e cartório se acham os livros da matriz de N. S. do
Rosário da vila da Cachoeira que serviram no ano de setecentos e quinze para
setecentos e dezesseis em um deles a folha 20 verso, se acha um assento cujo teor
é o seguinte: aos 15 dias do mês de junho de 1715 batizei e pus os santos óleo s a
Miguel filho do alcaide-mor Manoel Nunes Viana e de Maria Álvares de Souza
foram padrinhos o coronel Joseph Antunes de Carvalho e sua mulher D. Maria de
Jesus de que fiz este assento. O vigário Inácio da Costa Lessa. 59

Nessa ocasião seu pai já havia falecido e ele era estudante na Universidade de
Coimbra, onde se formaria advogado. Tudo indica que Nunes Viana tenha falecido depois
de agosto de 1737. Neste mesmo mês Manuel Mendes da Costa, nomeado para o cargo de
escrivão da Ouvidoria da Comarca do rio das Velhas por Nunes Viana, pediu prorrogação
do exercício do cargo por mais um ano 60 .
Em sua petição, Miguel Nunes informa ainda que o mestre-de-campo teria sido
casado com sua mãe, Maria Alvarez de Souza, natural da Vila de Cachoeira, freguesia de
Nossa Senhora do Rosário, Arcebispado da Bahia, filha do capitão Sebastião Fernandes de
Souza e de Iria Pereira, ambos naturais da mesma vila. No entanto, segundo afirma o próprio
Nunes Viana em seu testamento, ele nunca teria sido casado e todos os seus filhos seriam
naturais. A cópia do testamento foi anexada ao processo levado a efeito em 1801 por Manuel

58 O Brejo a que se refere provavelmente é o de São Caetano do Japoré e o padre é o mesmo que, como
veremos adiante, batizou Teodoro, filho de Atanásio Cerqueira, em 13 de maio de 1712, e que na ocasião
já era cura do Rio Grande do Sul.
59 REQUERIM ENTO de Miguel Nunes de Souza Viana ao rei D. João V solicitando carta de emancipação.

AHU_CU_BAHIA, Cx. 62, D. 5312.


60 REQUERIM ENTO de Manuel Mendes da Costa, Pedindo a prorrogação de sua serventia no ofício de

escrivão da Ouvidoria da Comarca do rio das Velhas, dada a nomeação que nele fez o propriet ário Manuel
Nunes Viana. Anexo: bilhete, requerimento, certidões. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 33, D. 2667.

41
Teixeira de Toledo Piza, marido de Ana Bernardina de São Joaquim, neta do mestre-de-
campo, e que reivindicava os serviços do pai de seu sogro 61 .
Nunes Viana tinha pelo menos onze filhos, sete mulheres e quatro homens. No
testamento ele declara que, além de Miguel Nunes, “havido em Maria Álvares de Souza que
na Universidade de Coimbra se acha de meu mandato”, ele tinha ainda uma filha chamada
Ana Maria de São Joaquim, e mais outros três filhos chamados Manuel Nunes Marinho,
Vicente Nunes Marinho e Inácio Nunes Marinho. Sobre os três últimos Nunes Viana declara
o seguinte:
um menino branco chamado Manuel que se acha nesta praça em casa de Catarin a
Nunes a quem o entreguei para o criar e tratar como meu filho e outro chamado
Vicente havido na crioula [...] de que neste testamento se faz menção e outro com
que se completa o número dos quatro se chama Inácio havido em uma crioula
chamada Caetana, escrava de Luiza de Figueiredo, filha de João de Figueiredo, já
defunto, morador nesta praça da Bahia o qual menino Inácio se acha ainda no
senhorio e posse de sua senhora.

Segundo ele, o filho Inácio, que ainda se encontrava “na escravidão”, deveria ser
“resgatado” e colocado, “em franca liberdade”, por seu testamenteiro, assim como a sua
mãe. Depois de dizer que nunca fora casado, “circunstância porque não tenho filho legítimo
algum nem herdeiro necessário”, e de renunciar à propriedade do ofício de escrivão da
ouvidoria da vila de Sabará, na comarca do rio das Velhas, em nome do filho Manuel Nunes
Marinho, o mestre-de-campo determina que os filhos sejam reconhecidos como legítimos e
herdeiros de todo “o remanescente da minha fazenda”. Diz ainda que se reparta tudo “com
igualdade entre os quatro mencionados”.
Embora não faça nenhuma menção em seu testamento a outros descendentes,
Nunes Viana tinha ainda outras seis filhas, todas reclusas no Mosteiro de São Domingos das
Donas da vila de Santarém, em Portugal, segundo atestam vários documentos existentes no
Arquivo Histórico Ultramarino, resultado de uma longa disputa pelos seus bens. As freiras,
Vitória Tereza, Isabel Inácia, Mônica do Amor Divino, Maurícia de Jesus, Quitéria
Peregrina de Jesus e Maria Olinda da Soledade, segundo consta de requerimento de 18 de
abril de 1756, encaminhado por Pedro Francisco Lima, tesoureiro geral do Estado, ao vice-
rei, Conde dos Arcos62 , eram “filhas do mestre-de-campo Manuel Nunes Viana, morador

61 AUTOS DE JUSTIFICAÇÃO de Manuel Teixeira de Toledo Piza, marido de Ana Bernardina de São
Joaquim (filha de Manuel Nunes Marinho Viana, já falecido). ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO/Conselho da Fazenda, Justificações do Reino, Letra M, mç. 10, n.º 36.
62 OFÍCIO do Vice-Rei, Conde dos Arcos, sobre um requerimento do tesoureiro geral, Pedro Francisco

Lima, relativo à liquidação de contas. Ofício do Vice-Rei, Conde dos Arcos, ao Diogo de Mendonça Corte
Real, informando sobre um requerimento das religiosas professas do Mosteiro de São Domingos das Donas,
da Vila de Santarém, e filhas do mestre de campo, Manuel Nunes Viana, Vitória Tereza Nunes Viana e

42
que foi no rio de São Francisco, distritos das Minas Gerais do Rio de Janeiro”. As religio sas
teriam sido recolhidas no Mosteiro pelo “dito seu pai”, no ano de 1726. Um ano depois,
segundo Carta de Padrão passada pelo rei D. José, em 12 de maio de 172763 , Nunes Viana
destinou às suas filhas, Maria Olinda da Soledade e Quitéria Peregrina de Jesus, “educandas
no convento de São Domingos das Donas da Vila de Santarém”, 48 mil réis de tença efetivas
anuais, 24 mil para cada uma, retiradas de uma verba de 100 mil réis do Hábito da Ordem
de Cristo que ele havia recebido. Em janeiro de 1728, outros 28 mil réis da mesma tença
seriam destinados ao filho Miguel Nunes de Souza64 .
As determinações feitas por Manuel Nunes Viana em seu testamento, contudo, não
seriam seguidas à risca por Miguel Nunes, seu testamenteiro. É o que podemos depreender
das disputas que se arrastariam nos anos seguintes entre Miguel Nunes, as freiras, e também
pelos outros irmãos, Manuel Nunes Marinho e Ana Maria de São Joaquim. Todos
precisaram recorrer à justiça para receberem a parte que lhes cabia da herança.
A demanda das religiosas, que foram levadas para o convento quando ainda eram
menores de idade e se mantinham graças ao rendimento de um capital no valor de 16 mil
cruzados, depositado a juros, “na mão dos Cônegos Regrantes de Santo Agostinho”, foi
iniciada no ano de 1740, depois que elas foram vítimas de um golpe. Segundo o processo,
um sujeito havia apresentado aos cônegos uma procuração assinada por Manuel Nunes
Viana, conseguindo destratar o acordo e resgatar o dinheiro, “fugindo não só com este
capital, mas com muitos de outras muitas religiosas de outros conventos”. As freiras ficaram
então “reduzidas a maior miséria”, e buscaram o auxílio do irmão que teria assinado, por
determinação de seu pai, uma escritura que o obrigava a ajudá-las em caso de “falência do
dito capital”.
Ainda de acordo com o documento, embora as religiosas, que eram “tratadas e
assistidas em vida do dito pai com a maior estimação e grandeza”, estivessem “padecendo
graves necessidades e fomes”, e ser o seu irmão “muito rico e abastado”, ele não cumpriu a
obrigação determinada e “trouxe as suplicantes em uma horrível demanda”. No processo,

suas irmãs, solicitando a conclusão de uma execução pendente em juízo. AHU_CU_BAHIA -CA, Cx. 12,
D. 2180-2182.
63 MANUEL NUNES VIANA - Carta de Padrão. Tença de 24$000 rs efectivas Quiteria Peregrina de Jesus.

ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 18,


f.345. Em 04 de junho de 1761 foi feita uma cópia da mesma carta das religiosas por causa do incêndio que
se sucedeu ao terremoto de novembro de 1755.
64 MIGUEL NUNES DE SOUSA. Carta de Padrão. Tença de 28$000 rs efectivos. Filiação: Manuel Nunes

Vieira. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V,


liv. 18, f.346.

43
as freiras pediam a penhora de “uma morada de casas grande na rua de baixo de S. Bento,
outra morada de casas de dois sobrados na rua direita de Palácio, e os seus aluguéis”, todos
na cidade de Salvador. O dinheiro arrecadado com a venda dos imóveis serviria para custear,
com o resultado dos juros do capital, as suas despesas.
Além de diversos embargos impetrados por Miguel Nunes, outras duas demandas
fariam o processo se arrastar ainda mais. Em 1756, Caetano Rodrigues Soares entraria na
disputa pelos mesmos bens alegando que, “as duas moradas de casas penhoradas”,
pertenceriam a sociedade universal “que de todos os seus bens fizeram o mestre-de-campo
Manuel Rodrigues Soares e o alcaide-mor Manuel Nunes Viana” 65 . Caetano Rodrigues
Soares conseguiu uma sentença favorável na instância inferior, mas a demanda foi
interrompida alguns anos depois devido ao seu falecimento e só voltou a correr depois de
31 de agosto de 1769, com a habilitação de seus herdeiros.
Nesse meio tempo um novo revés atrasaria ainda mais o processo. Ana Maria de
São Joaquim, filha do mestre-de-campo, também pediu a penhora dos mesmos bens para
obrigar seu irmão a lhe dar “alimentos” com base “em uma verba do testamento do dito seu
pai”. Miguel Nunes, não se opôs ao processo, confessou possuir uma dívida que teria sido
avaliada em cinco contos e duzentos mil réis. O fato levaria o juiz a determinar a venda de
um dos imóveis, mas a decisão seria contestada pela Madre Prioresa de São Domingos das
Donas, o que levou a nova paralisação do processo.
Em 1782 a disputa ainda não havia sido concluída e, em mais um dos interminá ve is
agravos, as madres, apelando para os “relevantes serviços” prestados pelo seu pai, que,
segundo alegavam, havia descoberto “naquele tempo o continente das Minas, fazendo
obedecer aqueles povos”, afirmavam que “somente de hábito a mais moça tem cinquenta
anos”. Segundo resumo feito a pedido do Governador, Marquês de Valença66 , a Martinho
de Melo e Castro, Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, em cumprimento a uma carta

65 Diogo de Vasconcelos afirma que Nunes Viana possuía “lavras fertilíssimas a légua e meia distante do
Caeté, nas abas da Serra da Piedade”, e outras em sociedade com Rodrigues Soares, em Catas Altas.
(VASCONCELOS, 1974, p. 32). Anastasia, fazendo referência a uma carta de D. Pedro de Almeida, diz
que Nunes Viana pretendia arrematar o contrato dos direitos das passagens de carg as, negros e gados do
sertão em sociedade com Rodrigues Soares. Segundo ela, D. Pedro de Almeida, “ciente do intento de
arrematar o contrato do gado e carregações, e das ameaças do potentado “para que ninguém se atrevesse a
lançar com ele”, incentivou alguns indivíduos de posses a arrematar o contrato das passagens em partes”,
o que teria elevado o valor do contrato, “impedindo os lances de Viana e Rodrigues”. CARTA de D. Pedro
de Almeida para o conde de Vimieiro de 16 de outubro de 1718. APM, Seção Colonia l. Códice SG 11 p.
61-62. Apud Anastasia, Ibid, p. 105.
66 OFÍCIO do Governador, Marquês de Valença, Ao [Secretário de Estado da Marinha e Ultramar]

Martinho de Melo e Castro, sobre a execução que as filhas do mestre-de-campo , Manuel Nunes Viana,
moviam contra seu irmão, Doutor Miguel Nunes Viana. AHU_CU_BAHIA -CA, Cx. 57, D. 10999-110 0 4.

44
precatória expedida pelo juízo dos órfãos da vila de Santarém, como resultado do
requerimento da Madre Prioresa de São Domingos das Donas, o processo estava paralisado
desde julho de 1768. De acordo com o documento, as religiosas não haviam conseguido
nomear um novo procurador após o falecimento do Desembargador José Ferreira Cardoso
da Costa, em 1767, que desempenhava a função. A dificuldade se daria, de acordo com o
documento, porque Miguel Nunes era “uma pessoa muito potentada e destemida não
havendo procurador que queira tomar conta da procuração por temerem perderem a sua
vida”.
No sertão do São Francisco, Miguel Nunes travaria outra disputa, em 1779, com o
seu irmão, o capitão Manuel Nunes Marinho, e outros dois sócios de seu pai, o capitão José
Caetano Nunes Macedo e o bacharel José da Cunha, moradores no lugar chamado Corrente,
nas margens do rio Jequitaí, “varges do distrito do arraial das Barras do Rio das Velhas,
comarca da vila do Serro Frio”67 . Alegando ser herdeiro e testamenteiro de seu pai, “e como
tal em posse e cabeça de casal de todos os bens que se acharam por sua morte”, o bacharel
pede licença para “querelar” com os três homens porque eles haviam tomado, “violenta e
temerosamente”, a fazenda Corrente e outras chamadas Santa Ana, Espírito Santo e Santo
Alberto, “além de outros muitos bens e escravos”, pertencentes ao seu pai.
Segundo Nunes de Souza, para assegurar a posse indevida, os três haviam mandado
alguns escravos, “por invasão de tropas armada”, destruir a fazenda da Tabua, onde ele
residia, e o engenho do Carindó, “matando muitos escravos”, e que ele só não teria sido
morto porque conseguira fugir. Os homens, diz, estariam vivendo como “opulentos régulos”
e que, as “rixas e os pleitos”, só acabariam quando as fazendas lhes fossem “retiradas”.

Figura 07 – Matriz de N. S. do Rosário – São Romão/MG – Acervo pessoal.

67REQUERIM ENTO do bacharel Miguel Nunes Viana, solicitando provisão para se fazer o sequestro dos
bens que o seu pai deixou em Jequitaí, a fim de serem entregues a quem de direito. AHU_CU_MINA S
GERAIS, Cx. 114, D. 9076/COTA ANTIGA - AHU-Minas Gerais, cx. 114, doc. 55.

45
Embora não saibamos qual foi o desfecho da disputa, em 14 de janeiro de 1784,
Miguel Nunes, já com quase 70 anos, seria realmente assassinado com um tiro de espingarda
em São Romão. A informação consta de certidão anexada por Manuel Teixeira de Toledo
Piza no processo já citado. Diz o documento o seguinte:
Francisco da Cunha Reis, Presbítero Secular vigário da vara e cura deste distrito
de São Romão [...] certifico que revendo os livros dos assentos das mortes nele a
folhas onze achei o assento do teor e forma seguintes: A os quatorze dias do mês
janeiro de 1784 faleceu da vida presente sem sacramentos por morrer de um tiro
de espingarda repentinamente neste arraial de São Romão, freguesia de Santo
Antônio da Manga, bispado de Pernambuco o Doutor Miguel Nunes Viana filh o
natural do falecido Manuel Nunes Viana de idade de cinquenta anos pouco mais
ou menos e foi sepultado na igreja desta matriz de Santo Antônio amorta lhado
por digo amortalhado com chimarra sobrepeles por ser clérigo in Minoribus e não
se continha mais coisa alguma em o dito assento ao qual me reputo 68 .

Ao mesmo processo foi anexada a certidão de batismo de Ana Bernardina de São


Joaquim, filha de Manuel Nunes Marinho e de sua mulher D. Maria Clara do Sacramento.
A menina foi batizada em 14 de setembro de 1760, pelo padre Antônio Gomes de Oliveira,
“no oratório da casa do Brejo”69 .

Figura 08 – Matriz de N. S. do Bonsucesso e Almas/arraial da Porteira - Várzea da Palma/MG – Acervo


pessoal

Também consta uma cópia do registro de seu casamento, realizado no dia 23 de


Novembro de 1776, na matriz de Bonsucesso e Almas, no arraial da Porteira, localizado a

68 AUTOS DE JUSTIFICAÇÃO de Manuel Teixeira de Toledo Piza, marido de Ana Bernardina de São
Joaquim (filha de Manuel Nunes Marinho Viana, já falecido). ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO/Conselho da Fazenda, Justificações do Reino, Letra M, mç. 10, n.º 36.
69 Provavelmente o oratório a que se refere é o do Brejo de São Caetano do Japoré.

46
cerca de seis quilômetros da barra do rio das Velhas, no atual município de Várzea da Palma.
Diz o seguinte o registro:
nesta matriz de N. S. do Bonsucesso e Almas o reverendo padre coadjutor Jacinto
Machado da Silva em minha presença aos nubentes Manuel Teixeira de Toledo
Piza filho legítimo do capitão Manuel Teixeira Ribeiro e de sua mulher D. Maria
Rosa de Toledo, nascido e batizado na freguesia de Santo Antônio do Rio Verde,
bispado de Mariana, com D. Ana Bernardina de São Joaquim, filha legítima do
alferes Manuel Nunes Marinho Viana, e de sua mulher D. Maria Clara do
Sacramento nascida e batizada nesta dita matriz e freguesia estando presentes
estas testemunhas Genoveva Francisca de Queiroz, casada e seu marido Manuel
Gomes da Silva Aranha e o padre Manuel de A ndrade Fontele, Maria Jacinta,
solteira e muitas mais que presentes estavam de que para constar fiz este assento
dia era e lugar. O vigário Nicolau Pereira de Barros aos treze dias do mês de
fevereiro de 1779 anos de N. S. Jesus Cristo, neste arraial da Porteira da Barra do
Rio das Velhas, eu padre Jacinto Machado da Silva escrivão deste juízo
eclesiástico que escrevi.

Na contramão da maioria dos historiadores, Capistrano de Abreu, destaca que, após


Nunes Viana ter sido aclamado governador das minas, durante a Guerra dos Emboabas, ele
teria se mostrado “capaz do cargo”, passando de “chefe de partido a cabeça de governo”70 .
Apesar de ter praticado excessos, “necessariamente”, diz o autor, teria criado juízes,
distribuído postos, ofícios e patentes, também teria regularizado as concessões nas minas,
cobrado os quintos, arrecadado os direitos sobre os gados e as fazendas importadas,
extinguido a “anarquia reinante” e promovido o “arrefecimento da barbárie universa l”.
Afirma ainda que sua obra “foi benéfica”, e que possuía “um espírito de certa cultura ”
porque gostava de ler a “Cidade de Deus e obras congêneres”. Também teria mandado
imprimir, “a suas expensas”, o livro Peregrino da América, de Nuno Marques Pereira, “um
dos mais apreciados livros para nossos avós do século XVIII, como provam suas numerosas
edições”.
Nesse sentido, Adriana Romeiro diz que, apesar de Nunes Viana ter sido descrito
como um homem “extremamente violento, despótico, responsável por mais de “mil mortes”,
autor de latrocínios, implacável com os inimigos, insidioso e traidor” 71 , os seus
subordinados “lhe devotavam respeito genuíno e, apesar de o temer, também reconhecia m
a sua autoridade e a sua legitimidade política”. Até mesmo o governador, afirma, admitia
que ele não era apenas um “amotinador de povos”, mas que teria estabelecido alguma ordem
no sertão, apaziguado conflitos e instaurado a autoridade.

70 Abreu, Capistrano de. Capítulos de história colonial: 1500-1800. Brasília: Conselho Editorial do Senado
Federal, 1998, p. 157.
71 ROMEIRO, Adriana. Paulistas e emboabas no coração das Minas: ideias, práticas e imaginário político

no século XVIII. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008. p. 150.

47
Em 1703, Nunes Viana já ocupava o posto de capitão-mor da Freguesia de Nossa
Senhora do Bom Sucesso do Arraial, como podemos ver da carta patente passada em 04 de
janeiro de 170372 . Terminada a guerra, em 1709, ele continuaria a se envolver em diversas
disputas com os governadores de Minas, especialmente com Dom Pedro de Almeida, o
conde de Assumar, que chegou a tentar prendê-lo e expulsá-lo das minas por causa de sua
insubmissão.
No entanto, pelo menos até 1722, Nunes Viana e Rodrigues Soares continua va m
no sertão do São Francisco. É o que podemos ver por uma carta escrita por Dom Lourenço
de Almeida, em outubro daquele ano, para Dom João. Na correspondência o governador dá
notícias dos desmandos do mestre-de-campo Faustino Rebelo, que havia expulsado o
contratador da passagem do Papagaio, e estaria aterrorizando os moradores daquele sítio.
Segundo ele, o mestre-de-campo era “sócio e procurador dos dois régulos: Manuel Nunes
Viana e Manuel Rodrigues Soares”73 , e sugere que os dois sejam exterminados do Brasil.
No entanto, em carta de 29 de janeiro de 1726, em resposta à carta do governador, o monarca
recomenda a prisão apenas de Faustino Rabelo 74 .
Após ter a sua prisão confirmada por ordem real, Nunes Viana se apresentou em
Salvador, onde garantiria o perdão do Conselho Ultramarino. Mas ficou impedido de
retornar para o sertão. Vasco César de Menezes, em carta para Pedro Barbosa Leal, de
dezembro de 1723, diz que Nunes Viana estaria na cidade, “com termo feito de não sair dela
sem se examinarem as culpas de que é arguido”. O governador adverte ao coronel que é
necessário “livrar-nos de tudo o que pode ocasionar a Dom Lourenço de Almeida queixar -
se de que se entra na jurisdição das Minas Gerais”. Segundo ele, o governador de Minas se
utilizava de qualquer pretexto “para encobrir os seus descuidos”75 .
Em maio de 1725, o mestre-de-campo pede licença para ir a Portugal se defender
junto ao rei e, além de levar as filhas para o convento, aproveita para solicitar várias benesses.
Em 1727, receberia então a confirmação da habilitação para a Ordem de Cristo e dos cargos
de alcaide-mor da Vila de Maragogipe e de escrivão da ouvidoria do rio das Velhas76 .

72 PATENTE de capitão-mor da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Arraial, concedida a


Manuel Nunes Viana, 04/01/1703. APB. Seção do Arquivo Colonial e Provincial, livro 336. SANTOS,
Marcio. Fronteiras do sertão baiano: 1640 - 1750. Tese (Doutorado em Historia Social) – Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2010, p. 142.
73 RAPM, Belo Horizonte, vol. XXX, 1979, p. 230/1.
74 RAPM, Belo Horizonte, vol. XXXI, 1980, p. 144/5.
75 CARTA que se escreveu ao Coronel Pedro Barbosa Leal. DHBN, Rio de Janeiro, vol. 45, p.155/160.

1939.
76 CARTA do vice-rei e capitão-general do Brasil, Conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Menezes

ao Rei [D. João V] informando sobre o pedido de Manuel Nunes Viana para ir a corte depois de sofrer uma

48
Além das terras do norte de Minas e das minas de Caeté e Catas Altas, Nunes Viana
também estava presente na região do alto Paraguaçu, onde possuía as fazendas Palma e Pau-
a-Pique, como podemos verificar no roteiro feito por Joaquim Quaresma Delgado, em
173077 . Quando descreve o caminho iniciado na Vila do Rio de Contas, na Bahia, que segue
até São Pedro da Muritiba, no rio Cachoeira, Delgado diz que, da fazenda da Capivara até a
“fazenda do Páo a Pique que é de gado do mestre de campo Manuel Nunes Viana”, são
cinco léguas. Desta propriedade até a das Flores, “fazenda de gado, que fica da outra banda
do rio”, mais uma légua. Das Flores até a fazenda da Palma, “que é do mesmo mestre de
campo”, mais quatro léguas. Segundo o roteiro, a fazenda da Palma ficaria há seis léguas da
vila de João Amaro Maciel Parente, “caminho plano por entre catingas e o rio ao pé como
sempre à parte do norte da estrada”.
Quando deveria assumir o posto de escrivão da ouvidoria do rio das Velhas, do
qual era proprietário, depois de assumir o posto de alcaide-mor da vila de Maragogipe,
Nunes Viana solicita ao rei licença para tomar posse por procuração. O mestre-de-campo
alega que está muito “pesado” e com muitos “achaques”, o que dificultaria a longa jornada
da Bahia até as Minas78 . O pedido foi deferido em 23 de fevereiro de 1728.
Entre os parentes relacionados por Atanásio Cerqueira está ainda um tio chamado
Pascoal Pereira Pinto, que ele diz ser morador no Serro Frio. De acordo com a sua diligê nc ia
de habilitação ao Santo Ofício79 , assim como o seu pai, chamado Antônio Moreira, ele era
natural da freguesia de São Julião de Moreira, termo de Ponte de Lima e sua mãe, Andreza
Pereira, era natural da freguesia de São João de Nogueira, termo da Vila de Viana.

devassa e ser perdoado pelos seus crimes. AHU_CU_BAHIA, Cx. 21, D. 1939. DILIGÊNCIA de
Habilitação para a Ordem de Cristo de Manuel Nunes Viana - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO/Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra M, mç. 44, n.º 13;
CARTA. Alcaidaria Mor da Vila de Maragogipe. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 18, f.345; CARTA. Escrivão da Ouvidoria
do Rio das Velhas. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de
D. João V, liv. 18, f.345v.
77 FREIRE, Felisbello. História territorial do Brasil [1906]. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo.

Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, 1998. p. 502. O roteiro, feito no início dos anos de 1730, foi
publicado ainda por Urbino Vianna (VIANNA, Urbino. Bandeiras e Sertanistas Bahianos . São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1935) e também foi amplamente estudado em dois importantes trabalhos:
NEVES, Erivaldo Fagundes; Miguel, Antonieta. Caminhos do sertão: ocupação territorial, sistema viário e
intercâmbios coloniais dos sertões da Bahia. Salvador: Editora Arcadia, 2007 e SANTOS, Marcio.
Bandeirantes paulistas no sertão do São Francisco: povoamento e expansão pecuária de 1688 a 1734. São
Paulo: Edusp, 2009.
78 RAPM, Belo Horizonte, vol. IV, 1899, p. 99/100.
79 Era neto, por via paterna, de Pascoal Moreira, sapateiro, e de Catarina Pereira, também de São Julião e,

por parte materna, de João Martins, lavrador, natural da freguesia de Sampaio, e de Maria Gonçalves,
também de São João de Nogueira. DILIGÊNCIA de habilitação de Pascoal Pereira Pinto. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO. Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitações, Pascoal, mç.
2, doc. 23.

49
Quando fez o seu requerimento ao Santo Ofício, em 1726, Pascoal Pereira Pinto
tinha aproximadamente 30 anos de idade e disse ser morador na cidade da Bahia, “onde usa
de seu negócio para as Minas Gerais dela e da vila de Cachoeira”. Em 1730, segundo declara
o comissário João Calmon, responsável pela inquirição em Salvador, teria sido difícil obter
notícias sobre o habilitando porque ele já estaria morando nas Minas. Contudo, de acordo
com as averiguações, ele possuía, “de seu cabedal até 20 mil cruzados”, grande parte
“granjeado de carregações que fazia e levava para as ditas Minas do ouro”.
Uma das testemunhas ouvidas no processo foi Manoel Pereira Machado, de 36 anos,
natural da freguesia de São Salvador de Rubiães, termo de Barcelos, arcebispado de Braga,
que também vivia “de seu negócio de vir e ir as Minas de ouro”. Segundo ele, Pascoal
Pereira teria sido morador no rio São Francisco, “onde chamam as Pedras dos Angicos ”
(atual município de São Francisco), onde vivia de “sua [loja] de fazendas secas”, tendo se
mudado posteriormente para as Minas. José Rabelo de Oliveira, natural do Conselho de
Filgueiras, arcebispado de Braga, e morador na cidade da Bahia, outra testemunha ouvida,
disse que conheceu o habilitando em suas viagens às Minas, “passando pelo sertão do rio de
São Francisco”, e que este havia adquirido duas fazendas de gado no sertão daquele rio “por
quarenta mil cruzados”.
Em 1737, Pascoal Pereira Pinto, já familiar, e se dizendo “morador no sertão do rio
São Francisco”, faz novo requerimento ao Santo Ofício pedindo consentimento para se casar
com Rita Pedrosa. Segundo o documento, ela era filha “legítima do defunto o capitão
Estevão Raposo Bocarro” e de Maria do Prado. Neta, pela parte materna do Mestre de
Campo Mathias Cardoso de Almeida e de Isabel de Siqueira, natural da vila de Santos,
bispado do Rio de Janeiro80 .
De acordo com o processo, Rita Pedrosa era “irmã do familiar Domingos do Prado
de Oliveira” e, em uma nota lateral, aparece escrito o seguinte: “meia irmã filhos da mesma
mãe”. Pelo que podemos depreender, Maria do Prado é a mesma Catarina do Prado, irmã
do paulista Matias Cardoso de Almeida, e que teria sido casada em primeiras núpcias com
Manuel Francisco de Oliveira, sendo mãe também de Salvador Cardoso, marido de Maria
da Cruz.
Para verificar a limpeza de sangue de Rita Pedrosa foram feitas diligências na
cidade de São Paulo e na vila de São Sebastião, bispado do Rio de Janeiro. Nesta última

80DILIGÊNCIA de habilitação de Pascoal Pereira Pinto. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO.


Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas, doc. 4962.

50
para verificar os antepassados de Estevão Raposo Bocarro. Segundo o processo, ele era
natural da vila de São Sebastião, “de onde se ausentou para as partes da Bahia”, filho
legítimo “de outro Estevão Raposo Bocarro e de sua mulher Maria de Abreu Pedrosa, já
defuntos, naturais e moradores desta dita vila de S. Sebastião dos principais dela, onde
sempre assistiram vivendo de suas lavouras, e ocupando os cargos mais honrosos”.
Já a diligência relacionada aos antepassados do avô materno de Rita Pedrosa foi
bastante confusa. Além dos inquiridores afirmarem não ter encontrado pessoas vivas
capazes de dar informações fidedignas, eles também confundiram o irmão de Maria Cardoso,
o bandeirante Matias Cardoso de Almeida, que acompanhou Fernão Dias Pais, com o seu
pai de mesmo nome.
Pedro Taques, quando se refere a Estevão Raposo Bocarro, confirma as
informações relacionadas aos seus pais e diz que ele teria se estabelecido no sertão dos
currais da Bahia, no rio São Francisco, onde possuiu “grossas fazendas de gados vacuns e
foi um dos mais potentados daquele sertão”81 . O genealogista destaca o fato de Raposo
Bocarro ter aberto a estrada pelo sertão do Urucuia para as minas de Vila Boa de Goiás, mas
omite o nome de sua esposa. No entanto, diz que ele teve três filhos.
A primeira, chamada Francisca Leite, falecida ainda jovem, teria se casado com
Pedro Cardoso, filho de Salvador Cardoso e Maria da Cruz. Taques diz que o casal não teve
filhos e que Pedro Cardoso, “passando para a Índia, obrou ações de valor em uma pequena
fortaleza no rio de Sena”. Na verdade, o filho de Maria da Cruz foi deportado para a África
por causa dos motins de 173682 . O marido de Francisca Leite seria então, como sabemos
agora, seu sobrinho.
A segunda filha do casal, chamada Rita, diz o autor, teria se casado com Tomás da
Costa Ferreira de Alquimi, fidalgo, natural da vila de Viana, irmão de João da Costa Ferreira,
mestre-de-campo e governador de Santos. Pedro Taques não se refere ao casamento com
Pascoal Pereira, nem aos descendentes de Rita Pedrosa. No entanto, em documentos
existentes nos arquivos do Conselho Ultramarino podemos ver que o casal teve pelo menos
um filho chamado Tomás da Costa Alcami Ferreira83 . Com relação ao terceiro filho de

81 Taques, Ibid, vol. III, p. 89/90.


82 Coleção das ordens mais necessárias ou curiosas que se acham dispersas e em confusão na Secretaria de
Governo do Rio de Janeiro reduzidas à sua ordem natural. De 1597 a 1779. BN, Rio de janeiro, LXXXVI I
– Códice 3,4,1 – 7.
83 REQUERIM ENTO de Tomás António da Costa Alcami Ferreira, capitão dos dragões auxiliares de Minas

Gerais, solicitando a prorrogação da licença que lhe permitia retirar-se para a Bahia e autorização para levar
sua mulher, Maria Vitória de Almeida Pinto Ferreira Forjaz. AHU-Minas Gerais, cx. 169, doc. 16.

51
Raposo Bocarro, o genealogista anota apenas o seguinte: “N... que mataram no sertão dos
currais da Bahia seus cunhados, os filhos do Roboredo”.
Além de ser proprietário da fazenda do Retiro da Ilha (FIG.21e 31), como podemos
ver de uma denúncia feita pelo padre Manuel Álvares84 , em novembro de 1732, Raposo
Bocarro recebeu em 1727, de Dom Lourenço de Almeida, carta de sesmaria de outras quatro
fazendas no sertão do rio São Francisco. De acordo com a carta, o capitão havia povoado,
há cerce de três anos, as terras localizadas nas cabeceiras no riacho Palmeirinha até “as
catingas do rio Verde”, que compreenderiam cerca de 16 léguas de comprido e três de
largura.
Em carta a D. João V, de 30 de junho de 1734, o vice-rei Vasco César de Menezes
dá notícia do falecimento de vários potentados importantes do sertão, entre eles estão
Estevão Raposo e o coronel Salvador Cardoso de Oliveira.85 Em um curto espaço de tempo
Maria do Prado, ou Catarina, perderia o segundo marido e o seu filho.
Embora não tenha sido possível determinar os laços consanguíneos entre Atanásio
Cerqueira e os diversos primos que aparecem em seu livro, podemos observar que além de
todos serem originários da região do rio de Lima, na província do Minho, os sobrenomes se
repetem constantemente. Entre eles se destacam Pereira, Cerqueira, Pinto, Correia, Nunes e
Lago.

1.2 - Primeiros tempos

Provavelmente foi acompanhando um de seus parentes que Atanásio Cerqueira


desembarcou no Brasil. De acordo com uma certidão assinada por Antônio Brabo da Gama,
juiz do Crime de Lisboa, datada de 30 de janeiro de 1733, inclusa em um requerimento que
o mestre-de-campo fez ao rei D. João V solicitando a propriedade do ofício de escrivão do

REQUERIM ENTO de Tomás António da Costa Alcamy Ferreira solicitando a propriedade vitalícia do
ofício de administrador da alfândega da Bahia.sAHU_CU_BAHIA-CA, Cx. 130, D. 25723-25733.
84 DENÚNCIA contra o capitão Estevão Raposo Bocarro - Acusado de ofensas aos inquisidores do Santo

Oficio, morador na Fazenda do Retiro da Ilha, bispado de SãoFrancisco, freguesia do Bom Suc esso do
Arraial, arcebispado da Baía. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO.Tribunal do Santo Ofício ,
Inquisição de Lisboa, proc.13.609.
85 CARTA do [vice-rei e capitão-general do estado do Brasil, Vasco Fernandes César de Meneses], conde

de Sabugosa ao rei [D. João V] sobre a morte do coronel Garcia de Ávila Pereira, por uma apoplexia; do
coronel Pedro Barbosa Leal, no seu engenho do recôncavo vitima de uma doença que durou alguns dias;
no sertão faleceu o mestre de campo Atanario de Siqueira Brandão, o mestre de campo Januário Cardoso,
Estevão Raposo e o coronel Salvador Cardoso de Oliveira. AHU_CU_BAHIA, Cx. 48, D. 4264.

52
juízo ordinário da freguesia de São Francisco do Rio Grande do Sul86 , Atanásio Cerqueira
afirma ter 60 anos de idade e que teria chegado ao sertão do rio São Francisco há mais de
30 anos. “Atanásio Cerqueira Brandão, Mestre-de-campo morador no rio de São Francisco
capitania de Pernambuco donde é morador há mais de 30 anos, de idade de sessenta”.
Como já dissemos, Atanásio Cerqueira se casou com a santista Catarina de Siqueira
e Mendonça, filha de Manuel Afonso Gaia, que, segundo afirma Pedro Taques no capítulo
dedicado aos Affonsos Gayas87 , foi capitão de infantaria da ordenança de Santos, “onde
viveu muito abastado. Foi senhor de engenho para a fábrica dos assucares na sua opulenta
fazenda do Piraiqueguassú”. O linhagista afirma que, em 1640, ele teria se declarado
protetor dos jesuítas, então duramente perseguidos por paulistas e vicentinos, fato que
garantiu para ele e sua família um lugar privilegiado para serem enterrados na igreja do
Colégio dos Jesuítas, em Santos.

Figura 09 – Rio São Francisco - Manga/MG – Acervo pessoal.

Casado com Maria Gonçalves Figueira, natural de Itanhaém, Afonso Gaia teve dez
filhos. Oito deles se transferiram para o norte de Minas e foram proprietários, ainda na
primeira metade do século XVII, das mais opulentas fazendas que dariam origem a
importantes povoações que se formariam posteriormente na região. O mais conhecido dos

86 REQUERIM ENTO do mestre-de-campo regente do rio de São Francisco Atanázio Cerqueira Brandão
ao rei [D. João V] a pedir a propriedade do ofício de escrivão do juízo ordinário da freguesia de São
Francisco do Rio Grande do Sul que se acha vago, tendo em consideração a oferta que fez da sua igreja de
São Caetano do Japoré para matriz da dita freguesia. 17-08-17 30. - AHU_CU_ALAGOAS, Cx. 1, D. 64.
87 Leme, Ibid, vol. II, p. 113 a 143.

53
filhos foi o bandeirante Antônio Gonçalves Figueira, fundador, entre outras, da fazenda de
Montes Claros, e que, como veremos a seguir, acompanhou Fernão Dias Pais na busca pelas
esmeraldas entre os anos de 1673 e 1678. Também foi alferes de um dos terços formados
por seu cunhado o tenente-general Matias Cardoso de Almeida, entre os anos de 1690 a 94,
para combater os índios do Rio Grande do Norte88 .
Eram irmãos de Catarina de Siqueira e Mendonça, além do alferes, Manuel Afonso
de Siqueira, Pedro Nunes de Siqueira, Miguel Gonçalves de Siqueira, João Gonçalves de
Figueira, Maria das Neves, Inês Gonçalves, esposa de Matias Cardoso e, segundo Pedro
Taques, outras duas irmãs, “N cega a natividade, faleceu solteira” e Francisca. Em seu livro
o linhagista registra o seguinte sobre a esposa de Atanásio Cerqueira:
2 – 6 D. Catarina de Siqueira e Mendonça
3 – 1 Luís Cerqueira Brandão, natural de Santo Antônio da Manga dos currais da
Bahia.
3 – 2 Jacó Araújo
3 – 3 Teodoro, foi jesuíta no colégio da Bahia.
3 – 4 N... faleceu no seminário de Belém.
3 – 5 D...
3 – 1 – Luís Cerqueira Brandão, cavaleiro professo da ordem de Cristo e capitão-
mor da Vila de Pitangui, onde casou a 24 de fevereiro de 1724 com Is abel Pires
Monteiro, de cujo matrimônio nasceu filha única a exma. Sra. D. Caetana Maria
Brandão, mulher de Alexandre de Souza e Menezes, o que temos escrito em título
dos Campos, cap. 5º, § 2º, n. 3 – 6 a n. 4.
3 – 2. Jacó de Araújo, foi coronel no rio de São Francisco do sertão da Bahia e
nessa cidade casou com ...
4 – 1. A.89

Provavelmente o casamento de Atanásio Cerqueira e Catarina de Siqueira foi


realizado na igreja de Bom Sucesso do arraial de Matias Cardoso, no mesmo lugar onde
posteriormente seus primeiros filhos seriam batizados. Segundo as informações dadas pelas
testemunhas ouvidas pelo padre João da Mata, na vila de Santos, em outubro de 1757, na
diligência de genere de Caetana Maria Brandão, filha de Luís Cerqueira, como parte do
processo de habilitação de seu marido90 , Alexandre Luís de Sousa e Meneses, seus avós

88 Verba que se acha à margem deste alvará. Na companhia do Capitão João Freire Farto se proveu para
seu alferes Antônio Gonçalves Figueira. Registro do Alvará de alferes de infantaria da Companhia de
Infantaria do que é Capitão Manuel Francisco de Oliveira do Terço que V. Illma. mandou formar ao mestre -
de-campo Matias Cardoso de Almeida provido na pessoa de Bartolomeu do Prado. DHBN, XXX, 1935, p.
113/4.
89 Leme, Ibid, vol. II, p. 127/8.
90 DILIGÊNCIA de Habilitação de Alexandre Luís de Sousa e Meneses - Pretendente a familiar,

proprietário, capitão de Dragões, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, natural da vila de Marialva,
morador na de Arcos, arcebispado de Braga, filho de Luís de Sousa de Meneses, capitão -mor de Marialva
e familiar do número da Inquisição de Coimbra, e de D. Maria de Sousa de Meneses. Casado com Caetana
Maria Brandão, filha do capitão-mor Luís de Sequeira Brandão e D. Isabel Pires Monteira. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas,
doc. 62

54
maternos, Manuel Afonso Gaia e Maria Gonçalves Figueira, teriam se transferido para o
sertão do rio São Francisco com toda a família por volta do ano de 1697.
No resumo feito em 1758, após a inquirição, o padre diz que a averiguação foi feita
em apenas quatro dias, sem que tenha sido preciso ir à vila da Conceição, onde teria nascido
Catarina de Mendonça, porque as testemunhas haviam afirmado que seria difícil encontrar
pessoas que teriam vivido na época de Maria Gonçalves Figueira. Foram inquiridos apenas
João Correia, viúvo de 80 anos e Tomé Pinto, de 71 anos, ambos naturais da vila de Santos ;
Leonor de Oliveira, de 70 anos, natural da cidade da Bahia, mas criada também na mesma
vila; Tomázia da Silva de Jesus, de 80 anos, e o padre André da Cunha, clérigo do hábito de
São Pedro, de 62 anos. Também foram feitas diligências na cidade de São Paulo e, entre os
ouvidos, consta o sargento-mor Pedro Taques de Almeida.
De acordo com o padre, todos os ouvidos confirmaram que Catarina de Mendonça
era filha de Manuel Afonso Gaia, natural e morador na vila de Santos, e que, sua mãe, Maria
Gonçalves Figueira, era natural da freguesia da Conceição, distrito da mesma vila e que
teriam se transferido para o rio São Francisco, sertão de Pernambuco. Diz o clérigo:
Achei mais que ambos es tes, isto é, Manuel Afonso Gaia e sua mulher Maria
Gonçalves Figueira, se ausentaram desta vila de Santos há mais de 60 anos para
o rio de São Francisco no sertão de Pernambuco juntamente com D. Catarina de
Mendonça sua filha e demais família.
Achei mais que este Manuel Afonso Gaia ocupou nesta vila os lugares da Câmara
dela, e que ele e sua mulher viviam das suas lavouras. Do ofício ou ocupação de
que viveram no rio de São Francisco no sertão de Pernambuco depois que para lá
se ausentaram, não pode aqui cons tar pela grande distância e nem há comércio
que há entre esta vila e aquele lugar.

A presença do patriarca da família Afonso Gaia no norte de Minas também é


reforçada por um documento existente no processo que investigou o confisco de uma boiada
que Miguel Nunes Siqueira e seu irmão João Gonçalves, filhos de Manuel Afonso Gaia,
levaram para as minas91 . Segundo o termo de autuação, feito pelo guarda-mor das Minas, o
mestre-de-campo Domingos da Silva Bueno, em 13 de dezembro de 1701, no Ribeirão de
São Bartolomeu, os irmãos conduziam 50 cabeças de gado pelo caminho do sertão. Numa
petição feita por João Gonçalves ao governador Artur de Sá e Menezes, anexa ao processo,
justificando o transporte do gado, este diz que, “naquele tempo”, o caminho não estava
proibido e que a boiada não seria dele, “se não de seu pai o capitão Manuel Afonso Gaia,
por ordem do qual veio ele suplicante a estas Minas".

91 ABN, Rio de Janeiro, 65, p. 29 – 43.

55
Na diligência, em relato feito pelo padre Antônio Mendes Santiago, escrito “nas
Minas de Paracatu”, em 02 de agosto de 1760, este afirma que o mestre-de-campo Atanásio
Cerqueira era cavaleiro professo na Ordem de Cristo. Mas, no entanto, a sua diligência de
habilitação não consta na relação de processos dos Arquivos da Torre do Tombo.
Tudo indica que, em 1699, Atanásio Cerqueira já estava casado com Catarina de
Mendonça. A informação pode ser presumida a partir de um trecho existente no testamento
do capitão Manuel de Brito, tio do mestre-de-campo. Em seu testamento, anotado no ano de
1701, anexo a uma série de documentos reunidos pelo seu genro, Inácio Pereira Bezerra,
que reivindicava o recebimento de vencimentos do sogro, pai de sua esposa, Helena de Brito,
o capitão diz o seguinte:
Declaro que há dois anos me entrou nesta cidade da Bahia meu sobrinho Atanásio
Cerqueira Brandão umas setenta oitavas de ouro declarando me que [...] fazer um
cordão digo que mas mandava para fazer um cordão o mestre-de-campo Matias
Cardoso e porque eu me vali deste ouro e o [...] a [...] por carta que tenho escrito
mando e peço ao dito meu sobrinho que em caso que seu cunhado o dito mes tre-
de-campo lhe [...] conta do dito ouro lhe satisfaça [...]92 .

Manuel de Brito, que escreveu o seu testamento na cidade da Bahia, onde morava,
pede para ser amortalhado no hábito de Cavaleiro da ordem de Cristo e ser sepultado pelos
irmãos da confraria de Nossa Senhora do Rosário no mosteiro de São Bento, na mesma
sepultura de sua esposa. Ele declara ainda que é natural da vila de Ponte de Lima,
Arcebispado de Braga, filho legítimo de Domingos de Brito e de sua mulher Ana Fiúza. Seu
testamenteiro, Nicolau Lopes Fiúza, além de sua filha e de seu genro, como já dissemos,
também estão entre os nomes relacionados por Atanásio Cerqueira em seu livro.
Na última página do Livro da Razão o reinol anotou com detalhes o nome de cada
um dos filhos, a data de nascimento, o dia do batismo e o nome dos padrinhos, com o
sugestivo título: Carta das idades dos meninos filhos do senhor capitão-mor Atanásio
Cerqueira Brandão. Entre os padrinhos podemos ver nomes bastante conhecidos como os
de Matias Cardoso de Almeida, Salvador Cardoso, que, como já ficou dito, era filho da irmã
de Matias, e o de sua mulher, Maria da Cruz, personagem que se tornaria emblemático por
ter sido considerada uma das cabeças do movimento sedicioso ocorrido no rio São

92 REQUERIM ENTO de Inácio Pereira Bezerra ao Rei [D. João V] solicitando que mande examinar pela
Chancelaria da Relação os papéis enviados referente aos serviços do seu sogro, o capitão Manuel de Brit o
- 24-08-1717 - AHU_CU_BAHIA, Cx. 11, D. 946.

56
Francisco93 . Pedro de Siqueira e Maria das Neves, irmãos de Catarina de Siqueira, também
aparecem entre padrinhos.

Figura 10 - Carta das idades dos filhos do senhor capitão mor Atanásio Cerqueira Brandão - ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.

O casal teve nove filhos, sete homens e duas mulheres, nascidos entre os anos de
1701 e 1720, e que estão listados assim no Livro da Razão:

93 Sobre os motins do sertão ver: ANASTASIA, Carla Maria Junho. Vassalos Rebeldes: Violência Coletiva

nas Minas na Primeira Metade do Século XVIII. Belo Horizonte, C/Arte, 1998; ANASTASIA, Carla Maria
Junho. A Sedição de 1736: Estudo comparativo entre a zona Dinâmica da Mineração e a zona marginal do
Sertão agro-pastoril do São Francisco. Departamento de Ciência Política, UFMG, 1983; SOUZA ,
Alexandre Rodrigues de. A “dona” do Sertão: mulher, rebelião e discurso político em Minas Gerais no
século XVIII. Dissertação de mestrado. UFF, Niterói, 2011; ROGRIGUES, Gefferson Ramos. No sertão,
a revolta: Grupos sociais e formas de contestação na América portuguesa, Minas Gerais – 1736. Niterói-
RJ: UFF/Departamento de História, 2009; FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Revoltas,
fiscalidade e identidade colonial na América portuguesa. (Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais, 1640-
1761). São Paulo: USP, 1996 (tese de doutoramento). FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida.
Narrativas das rebeliões: linguagem política e ideias radicais na América Portuguesa moderna. Revista USP
/ Coordenadoria de Comunicação Social,Universidade de São Paulo. – n.º 57 (mar./mai. 2003). São Paulo:
USP / CCS, 2003. FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Furores sertanejos na América portuguesa:
rebelião e cultura política no sertão do rio São Francisco, Minas Gerais – 1736. Lisboa, Revista Oceanos,
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugues es, nº 40, dez. 1999.

57
Nasceu Maria, que foi a primeira a onze de dezembro de mil setecentos e um e
batizou o padre cura do Arraial Paulino Pestana, aos 30 do mesmo ano, de que
foram padrinhos o mestre de campo Matias Cardozo e madrinha Catarina do
Prado.
Nasceu Luís a vinte e quatro de julho do ano de mil setecentos e três e o batizou
o padre cura acima, aos dois de agosto e foi ele o padrinho e madrinha Maria das
Neves.
Nasceu o Caetano a dezoito de abril de mil e setecentos e oito, e o batizou o padre
Manuel Pereira Barboza a 30 do mesmo mês, de que foram padrinhos o capitão
Pedro Nunes e madrinha sua mulher Isabel Antunes.
Nasceu Atanásio Cerqueira a vinte e sete de julho do ano de mil setecentos e dez
e o batizou o reverendo padre Joseph Brandão a 10 de agosto do mesmo ano, de
que foram padrinhos o [...] Antônio Pereira e Maria das Neves.
Nasceu Teodorio a treze de maio de mil e setecentos e doze; batizou -o reverendo
padre cura do Rio Grande do Sul Miguel de Lima Mendes Galvão ; de que foram
padrinhos Salvador Cardozo de Oliveira e sua mulher Maria da Cruz.
Nasceu Natanael a dezesseis de outubro de mil setecentos e catorze e o batizou o
[...] reverendo padre Manuel de Crasto e Morais aos 25 do mesmo mês e ano, de
que foram padrinhos Domingos do Prado e Oliveira e a irmã do dito batizado.
Nasceu Jacob a quatro de março deste ano de 1716 e o batizou meu compadre o
reverendo vigário geral e cura desta freguesia o reverendo padre Manuel
Rodrigues Neto, padrinhos foram [...] reverendo padre Domingos Martins Neiva
e madrinha a irmã do dito Jacob.
Eustáquio nasceu a 15 de maio de 1717 anos e se batizou dia do senhor Santo
Antônio por meu compadre o reverendo padre Manuel [...] Pimenta; padrinho foi
o [...] Antônio Francisco da Silva por procuração ao irmão Luís e madrinha foi a
irmã.
Nasceu Catarina a 7 de maio de 1720 em uma terça feira pelas duas horas a tarde
em segundo dia de lua nova. Nasceu no Brejo Novo indo com a mãe [...] Tem
carecido do necessário. Batizou o padre Manuel Alves Pimenta a 26 de maio .
Padrinhos a irmã e o marido.

Infelizmente não conseguimos saber ao certo em que ano Atanásio Cerqueira teria
desembarcado no Brasil. No entanto, podemos afirmar que em 1695 ele já havia se fixado
nas barrancas do rio São Francisco e já se dedicava à criação de gado. Na página 114 do seu
livro, anotando as transações com Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues Soares,
registradas no ano de 1717, ele afirma ter pagado os dízimos referentes ao ano de 1695. O
mestre-de-campo escreve o seguinte:
as contas de gado que tenho com os senhores meus primos da Tabua o senhor
mestre-de-campo Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues Soares e devem pelo
que por eles paguei ao capitão André Gomes Raposo.
Por o que paguei ao dito André Gomes Rapos o pelo dízimo de 95 por os ditos
senhores o que os ditos eram de resto devedores cuja conta a perdi e só me lembra
lhe dei um potro e não sei se alguma égua lhe paguei e cinco bois que recebeu nos
Morrinhos. [a conta de André Gomes apareceu e está no livro do gado].94

Ou seja, em 1695, Atanásio Cerqueira e seus primos já pagavam dízimos pela


venda do gado criado na região e também já possuíam a fazenda Tabuas, no atual munic íp io
de Manga. Ele também já seria proprietário da fazenda Morrinhos, localizada nas duas

94LIVRO de receita e despesa de Atanázio Sequeira Brandão. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO


TOMBO/Feitos Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.

58
margens do rio São Francisco (FIG. 21), origem do arraial novo de Januário Cardoso ou,
posteriormente, arraial de Domingos do Prado, onde hoje se localiza o município de Matias
Cardoso95 .
Tudo indica que Atanásio Cerqueira Brandão tenha falecido entre outubro de 1733
e janeiro de 1734. Em outubro daquele ano ele faria uma das últimas anotações no livro de
notas, a qual diz o seguinte:
Em outubro de 733 me emprestou o senhor meu sobrinho Agostinho Fernandes
duzentos mil réis para mandar para a Bahia satisfazer umas encomendas digo
satisfazer cem mil réis que me pediu o reverendo padre [...] de Santana e se
obrigou a pagá-los a quem os deu meu primo Francisco Carnoto e ao dito os hei
de remeter, e outros cem que deu ao dito reverendo o sargento -mor meu primo
Francisco Pires Lima e a ele os hei de remeter96 .

Existem no livro, contudo, algumas anotações com data posterior a esta, mas, todas
feitas por Luís Cerqueira Brandão. Também existem alguns recibos passados por credores
que tiveram suas dívidas quitadas pelo seu filho.
No final da mesma página citada acima, onde o mestre-de-campo fez as anotações
que se referiam às transações que ele mantinha com o seu sobrinho Agostinho Fernandez,
vimos a seguinte nota: “Em primeiro de janeiro de 1734 mandou o senhor capitão-mor Luís
Cerqueira os duzentos mil réis em frente a Agostinho Fernandes por Inácio dos Santos
Marques de que passou recibo”. Já na página onde constam os apontamentos relacionados
aos negócios com o sargento-mor João Correa do Lago, encontramos o seguinte assento:
“Ajustou contas o senhor capitão-mor Luiz Cerqueira com o dito senhor acima em 26 de
fevereiro de 1734 e passou novo crédito do que restou nas destas contas”.
Mas é no recibo escrito no pé da página 86, onde Atanásio Cerqueira relaciona os
negócios com o padre Francisco Veloso, que encontramos a informação mais decisiva. O
padre, que era responsável por rezar, desde janeiro de 1732, as missas dominicais, dos dias
santos e também as das segundas-feiras, “por obrigação da irmandade das almas deste
oratório”, e recebia a quantia de “duzentos mil réis por ano”, escreve o seguinte no recibo:

95 Fazendo referência a uma carta patente de capitão-mor da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso
do Arraial, passada em nome de Nunes Viana, em 1703, Santos diz que essa seria “até o momento, a
primeira referencia documental encontrada da atuação sertanista de Manuel Nunes Viana”. O autor destaca,
no entanto, que o próprio reinol teria afirmado, em uma petição de 1722, que ele seria “morador nos sertões
do São Francisco “ha melhor de 32 anos”, informação que, se verdadeira, nos permitiria concluir que se
instalara nesse espaço por volta de 1690”. Patente de Capitão-mor da Freguesia de Nossa Senhora do Bo m
Sucesso do Arraial, concedida a Manuel Nunes Viana, 04/01/1703. APB. Seção do Arquivo Colonial e
Provincial, livro 336. Santos, Ibid, p. 142. Como podemos constatar a partir do registro do pagamento dos
dízimos e da referência a Matias Cardoso, cunhado de Atanásio Cerqueira, no testamento de Manuel de
Brito, os reinóis já estariam no sertão do São Francisco provavelmente antes mesmo de 1690.
96 Brandão, Ibid, p. 127v.

59
Estou pago de todo o tempo que estive por capelão nesta casa do defunto senhor
mestre-de-campo Atanásio Cerqueira Brandão que o senhor capitão maior Luis
Cerqueira Brandão me ajustou contas. Hoje, aos 24 de maio de 1734 anos. Padre
Francisco Veloso das Neves.

Em 1736, como aponta Alexandre Rodrigues de Souza, na lista da capitação97 feita


naquele ano, é Catarina de Mendonça quem paga o tributo. A cobrança da capitação nas
fazendas localizadas entre a barra do Carinhanha e Itacarambi, do lado pernambucano, e nas
propriedades da barra do rio Verde até a fazenda do Retiro, no lado baiano, foi feita por
Domingos do Prado de Oliveira, a pedido do intendente André Moreira de Carvalho. Na
ocasião, Atanásio Cerqueira já havia falecido e é ela quem faz a declaração dos escravos.
Segundo Souza, ela administrava três propriedades: dois engenhos no Brejo do Japoré e uma
fazenda no Rio Pardo.
Importante dizer que não se trata do rio Pardo que nasce na Serra Geral, no
município de mesmo nome. Este rio onde fica a fazenda de Atanásio Cerqueira é afluente
do São Francisco e se localiza no município de Januária, entre os rios Pandeiros e o Urucuia.
Em um dos engenhos do Brejo do Japoré, Catarina de Mendonça declara possuir
três escravos e, no outro, mais quinze. Já na fazenda do rio Pardo declara ter sete escravos,
tendo pagado “a quantia de setenta e seis oitavas de ouro”.
Não conseguimos saber a data precisa do falecimento de Catarina de Mendonça.
Podemos afirmar apenas que em 1754 ela já havia morrido, como podemos verificar no
processo de Habilitação de Alexandre Luís de Sousa e Meneses, marido de sua neta Caetana
Brandão98 . No requerimento, de julho daquele ano, está dito o seguinte:
Neta pela parte paterna do Mestre-de-Campo Atanásio de Siqueira Brandão,
natural de Ponte de Lima, arcebispado de Braga, e de D. Catarina de Mendonça,
natural da vila de Santos, bispado da cidade de S. Paulo, e ambos assistentes em
a freguesia de Santo Antônio da Manga, bispado de Pernambuco, no sertão do rio
de São Francisco, e aí ambos faleceram.

97 LISTA de Capitação. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Livro 10, fl. 310. Apud, Souza,
Ibid. p. 58. A referência parece ter sofrido alteração e hoje podemos encontrar o documento em
ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Livro 01, fl. 307/314.
98 DILIGÊNCIA de Habilitação de Alexandre Luís de Sousa e Meneses. Pretendente a familiar, proprietário,

capitão de Dragões, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, natural da vila de Marialva, morador na de
Arcos, arcebispado de Braga, filho de Luís de Sousa de Meneses, capitão -mor de Marialva e familiar do
número da Inquisição de Coimbra, e de D. Maria de Sousa de Meneses. Casado com Caetana Maria Brandão,
filha do capitão-mor Luís Cerqueira Brandão e D. Isabel Pires Monteira. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/ Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas,
doc. 62.

60
1.3 – Maria Brandão e Januário Cardoso

Como está dito no livro de Razão, a primeira filha do mestre-de-campo, Maria


Brandão, nasceu no dia 11 de dezembro de 1701, e foi batizada pelo padre Paulino Pestana,
primeiro cura do arraial de Matias Cardoso 99 , no dia 30 dezembro daquele mesmo ano. Os
padrinhos foram o mestre-de-campo Matias Cardoso de Almeida e sua irmã Catarina do
Prado. Maria Brandão se casou com Januário Cardoso de Almeida, filho de Matias Cardoso,
provavelmente entre os anos de 1717 e 1720.
De acordo com o que declara Atanásio Cerqueira, a sua filha batizou, no dia de
Santo Antônio, 13 de junho, o seu irmão Eustáquio, que havia nascido no dia 15 de maio de
1717. Nessa época ela ainda não devia estar casada com Januário Cardoso porque o padrinho
foi “Antônio Francisco da Silva por procuração ao irmão Luís”. Já no dia 26 de maio de
1720 é ela, juntamente com o marido, quem batiza a sua irmã mais nova, Catarina, nascida
em 07 de maio de 1720, “em uma terça-feira pelas duas horas a tarde em segundo dia de lua
nova”. A filha caçula teria nascido no Brejo Novo. Esta povoação deve ser a mesma que
mais tarde passaria a ser designada como Brejo de São Caetano do Japoré, hoje distrito do
município de Manga. O Brejo “velho” provavelmente deveria ser o do Salgado, atual distrito
de Brejo do Amparo, no município de Januária, ou o Brejo Grande, localidade que ficaria
um pouco mais afastada do rio São Francisco (FIG. 31).
Do casamento de Maria Brandão com Januário Cardoso nasceram dois filhos, como
anota Atanásio Cerqueira. Caetano Cardoso de Almeida e Rita Josefa Brandão. Pedro
Taques, contudo, registra apenas um filho.
3 – 1. Januário Cardoso de Almeida, que foi mestre de campo no Rio de São Francisco,
senhor do arraial e igreja chamada de Januário Cardoso (...) casou com D... sua prima
co-irmã, filha do mestre de campo Atanásio Cerqueira Brandão do § 6º. E teve:
4 – 1. Caetano Cardoso de Almeida, coronel do Rio de São Francisco, casou com D.
Inez de Campos Monteiro. Em título de Campos, cap. 5º., § 2º., n. 3 – 9. Com sua
descendência de 4 filhos, que são:
5 – 1 - Caetano Cardoso de Almeida
5 – 2 - Francisco Cardoso de Almeida
5 – 3 - D. Maria Sancha de Campos

99Diz o reverendo Antônio Curvelo de Ávila, sacerdote do hábito de São Pedro, que sendo D. João Franco
de Oliveira arcebispo da Bahia e constando-lhe que a freguesia de Santo Antônio da Jacobina compreendia
mais de trezentas léguas de sertão todo povoado de currais de gado e que um só pároco não podia acudir a
tantos fregueses com os sacramentos desmembrou no ano de 1699 da dita freguesia da Jacobina uma porção
e parte daquele sertão com mais de cem léguas para a parte do rio das Velhas, erigindo nela um curato na
capela de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Arraial, nomeando por cura ao padre Paulino Pestana -
CARTA do [provedor-mor da Fazenda Real do estado do Brasil], Bernardo de Sousa Estrela ao rei [D. João
V] sobre o pagamento feito a Antônio Curvelo de Ávila referente a côngrua ordinária do tempo de sete anos
em que serviu de cura na matriz de Nossa Senhora do Bonsucesso – 14/08/1726 - AHU_CU_BAHIA, Cx.
28, D. 2513.

61
5 – 4 - José Thomaz100

O linhagista Borges da Fonseca, contudo, já havia afirmado que João Peixoto


Viegas se casou “no arraial de Matias Cardoso com D. Rita, neta do mestre-de-campo que
deu nome ao lugar, filha de Januário Cardoso”101 . Em uma provisão de D. João V, passada
a João Peixoto Viegas, em 1741102 , podemos ver o seguinte trecho:
Tendo requerido o coronel João Peixoto Viegas, morador no Arraial do rio de São
Francisco, termo da Vila de Serro Frio, por cabeça de sua mulher D. Rita Josefa
Brandão e como tutor do menor Caetano Cardoso de Almeida, seu cunhado, filho
do mestre-de-campo Januário Cardoso de Almeida, morador no termo da mesma
vila, e me representar na petição escrita na outra meia desta folha que por
falecimento deste se fizera inventário de s eus bens no ano de mil setecentos e
trinta, pelo juiz dos órfãos da Vila do Serro Frio (...).

Em uma das anotações feita na página 97v do seu livro 103 , entre os registros
relacionados a Januário Cardoso, seu sobrinho e genro, Atanásio Cerqueira escreve que este
já havia falecido. A nota diz que “neste ano de agosto me mandou meu compadre Domingos
do Prado ajustar o resto do gado que me havia comprado o defunto que Deus haja meu
sobrinho acima para Antônio Bernardes e assim estou satisfeito ”. Embora não especifiq ue
o ano do falecimento, podemos ver que a anotação foi feita depois do dia três de dezembro
de 1728. Nesta data o mestre-de-campo afirma ter recebido um pagamento de quinhentos e
quatro mil e trezentos e vinte réis, feito por Januário Cardoso relativo à outra parte da boiada.
Como vimos, o casamento de Januário Cardoso e Maria Brandão não durou muito.
Em outro trecho da provisão, fica dito que os filhos de Januário Cardoso ainda eram bem
jovens quando o pai faleceu. Segundo o documento, em 1731, quando o inventário de
Januário Cardoso foi redigido, Domingos do Prado de Oliveira era tutor “da menor Dona
Rita, mulher do suplicante, e do menor Caetano Cardoso, filhos do dito mestre-de-campo”.
Em 1741, ano da petição, João Peixoto Viegas já havia se tornado tutor de Caetano Cardoso
que ainda era menor.
Em seu testamento, redigido em 02 de julho de 1758, existente no acervo da Casa
Borba Gato, em Sabará104 , João Peixoto Viegas, declara que é natural da freguesia de São
José das Itapororocas, arcebispado da Bahia, filho legítimo de Francisco de Sá Peixoto e D.

100 Leme, Ibid, vol II, p. 128.


101 FONSECA, Antônio Vitoriano Borges da. Nobiliarquia Pernambucana. ABN, Rio de Janeiro: Biblioteca
Nacional, VOL. 47, 1925. p. 69.
102 Manuscritos da Biblioteca Nacional, II - 30, 20, 51.
103 LIVRO de receita e despesa de Atanázio Sequeira Brandão. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO

TOMBO/Feitos Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.


104 Livro 16 (26) - folhas 76v a 92, do Cartório de Primeiro Ofício – Museu Casa Borba Gato – Sabará/MG

62
Ângela Bezerra Melo, já defuntos, e que é casado com D. Rita Josefa Brandão, “de cujo
matrimônio não temos filhos, por cuja razão não tenho herdeiros forçados”.
Entre os bens declarados por ele está um engenho de nome Caioba, “com todas as
suas fábricas e acessórios”, e ainda as fazendas dos Morrinhos, de Itacarambi, e uma terceira
onde estaria localizada a igreja de São Caetano, “tudo neste rio de São Francisco”. Ele
declara ainda que, “na ribeira do Gorutuba a fazenda do Juazeiro e dos Angicos com todas
as suas fábricas”, também pertenceriam ao casal e ainda “as casas de sobrado citas no arraial
dos Morrinhos em que mora meu cunhado o mestre-de-campo Caetano Cardoso de Almeida
Brandão são minhas”.
O casal afirma que morava nas terras do Brejo Grande do Japoré, as quais haviam
recebido como parte da herança deixada pela mãe de Maria Brandão, “dos bens que nos
couberam pela morte da senhora Dona Catarina, eu e meu cunhado, mestre-de-campo
Caetano”105 .
Em carta já referida anteriormente, escrita pelo vice-rei Vasco Cezar de Menezes,
em 30 de junho de 1734 106 , D. João V é comunicado sobre o falecimento de Atanásio
Cerqueira, do seu genro Januário Cardoso, de seu cunhado Salvador Cardoso e de Estevão
Raposo Bocarro.
No sertão faleceu o mestre-de-campo Atanásio Cerqueira Brandão, o mestre-de-
campo Januário Cardoso, Estevão Raposo e o coronel Salvador Cardoso de
Oliveira, bem conhecidos por ricos e pela distinção com que serviam a Vossa
Majestade, por cuja razão me pareceu fazer-lhe presente esta notícia.

105 É possível que Catarina de Siqueira e Mendonça tenha recebido as terras do Brejo Grande do Japoré, as
quais se refere Peixoto Viegas, como dote de seus pais, Manuel Afonso Gaia e Maria Gonçalves Figueira .
Este pode ser o local onde o casal residiu após deixar a vila de Santos. Como ficou dito, foi Catarina
Mendonça quem pagou a capitação pelos seus escravos do engenho do Brejo do Japoré. Como também
veremos mais adiante, quando falaremos do testamento de Atanásio Cerqueira, ele diz que os seus netos,
filhos de Maria Brandão, só poderiam herdar os bens da “legítima” de Catarina de Mendonça, que faziam
parte do dote que esta recebeu quando se casou com ele. Segundo o reinol, Maria Brandão já havia recebido
um rico dote quando se casou com Januário Cardoso. Pedro Taques diz que Antônio Gonçalves Figueira ,
“foi o primeiro que levantou engenho no rio de São Francisco do sertão da Bahia, no sítio chamado Bre jo
Grande”. Taques, Ibid, p. 114/5. Sabemos que Gonçalves Figueira não permaneceu no norte de Minas,
tendo retornado para Santos. Talvez as terras do Brejo Grande tenham sido adquiridas pelos seus pais bem
antes de sua partida. Taques diz também que Gonçalves Figueira teria “descoberto a sua custa os dois
sertões e ribeira do rio Verde e rio Pardo”. Como já vimos, Catarina de Mendonça é quem paga a capitação
da fazenda do Rio Pardo. Mas, como já destacamos, este rio está localizado no município de Januária. Isso
nos leva a crer que também tenha sido este o rio conquistado por Gonçalves Figueira, e não o rio Pardo que
nasce na Serra Geral e corta o município de Rio Pardo de Minas, como afirma Pedro Taques.
106 CARTA do [vice-rei e capitão-general do estado do Brasil, Vasco Fernandes César de Meneses], conde

de Sabugosa ao rei [D. João V] sobre a morte do coronel Garcia de Ávila Pereira, por uma apoplexia; do
coronel Pedro Barbosa Leal, no seu engenho do Recôncavo vitima de uma doença que durou alguns dias;
no sertão faleceu o mestre-de-campo Atanario de Siqueira Brandão, o mestre-de-campo Januário Cardoso,
Estevão Raposo e o coronel Salvador Cardoso de Oliveira. AHU Bahia, cx. 48 doc. 4264.

63
Rita Josefa Brandão, que foi casada pela segunda vez com Teodoro Pereira Lima,
como consta de seu testamento, existente no Arquivo Municipal de Diamantina107 , faleceu
no arraial de Santana do Inhaí, freguesia da Vila do Príncipe, bispado de Mariana, hoje
distrito do município de Diamantina, aos “cinco dias do mês de janeiro de 1808 com seu
solene testamento”. No documento, que foi “cozido e lacrado com pontas de [...] linha azul
e outros tantos pingos de lacre vermelho”, ela diz:
Declaro que sou natural e batizada na igreja de Nossa Senhora do Bom Sucesso
dos Morrinhos do Rio São Francisco abaixo, arcebispado da Bahia, termo do
julgado do Rio das Velhas, comarca da Vila dos Príncipes, filha legítima do
mestre-de-campo Januário Cardoso de Almeida e de sua mulher, Maria Brandão,
já defuntos.
Declaro que não tenho herdeiros alguns necessários, descendentes ou ascendente.
Declaro mais que sou viúva do falecido Teodoro Pereira Lima de cujo matrimô n io
não tivemos filhos algum.

Seu espólio foi deixado a um seu sobrinho de nome Atanásio de


Siqueira Brandão. Duas de suas escravas também foram especialmente lembradas pela viúva.
Diz o testamento:
Deixo que se reparta toda a minha roupa e móveis de casa como também as
mesmas casas em que moro [...] sobrado que possuo em igual parte com Francisca
da [...] Brandão e sua filha Catarina Josefa Brandão minhas escravas que foram e
hoje forras. Deixo mais a Catarina Josefa Brandão duzentos mil réis por esmola e
bons serviços.

Além de Francisca e Catarina, a filha de Januário possuía outros oito escravos,


algumas joias, prataria e um bom número de cabeças de gado vacum e cavalar nas fazendas
dos Angicos e Juazeiro, localizadas no atual município de Janaúba.
Embora João Peixoto Viegas afirme que o casal era proprietário das referidas
fazendas, na lista de bens avaliados no testamento de Rita Josefa Brandão existe referência
apenas ao gado. As fazendas não aparecem na lista dos bens avaliados.
E tem na fazenda chamada do Juazeiro 803 (oitocentas e três) cabeças de gado
vacum [...] avaliadas na quantia de três mil e seiscentos cada cabeça [...]
importância de dois mil réis e seiscentos e noventa mil e oitocentos [...] que se vai
a margem 2:890$800. [...] e tem nove cavalos de toda qualidade vistos e avaliados
na quantia de dez mil réis, sua importância e quantia de noventa mil reis [...] com
que se vai fora a margem - 90$000.
Na fazenda dos Angicos 438 (quatrocentas e trinta e oito) cabeças de gado vacum
[...] vistas e avaliadas na quantia de três mil e seiscentos reis cada uma sua
importância da quantia de um cento e quinhentos e setenta e seis mil e oitocentos
reis [...] com que se vai fora na margem - 1:576$800
Mais uma morada de casas no campo, vista e avaliada pelos avaliadores na quantia
de sessenta mil reis com que se [...] na margem 60$000.

107
INSTITUTO DO PATIMÔNIO HISTÓRIO ARTÍSTICO NACIONAL. BIBLIOTECA ANTÔNIO
TORRES (Diamantina). Testamento de Rita Josefa Brandão, 1810 [Segundo Ofício, maço 228].

64
Segundo a relação de imóveis pertencentes aos Guedes de Brito, descritos no
“Livro do Tombo da Casa da Ponte no sertão do rio Pardo”, de 1819 108 , a fazenda do
Juazeiro estaria “arrendada” a D. Rita Josefa Brandão, por seu procurador, Marcelo Mendes
Cavaleiro e a dos Angicos, arrendada ao mesmo Marcelo Mendes.
Juazeiro – sítio arrendado a D. Rita Josefa Brandão, por seu procurador Marcelo
Mendes Cavaleiro, pela quantia de quinze mil réis por ano, como do arrendamento
do L º à fls 21 em 23 de outubro de 1806 que se extrema com o sítio dos Angicos
na boca caatinga do Jacaré Grande em rumo direito de uma e outra parte do rio
Gorutuba a extremar nas caatingas que estão entre o dito rio e o rio Pacuí para a
parte do nascente, e com as caatingas do rio Verde para a parte do poente, e
seguindo o dito rio Gorutuba abaixo faz extrema com o sítio dos Mártires, na
Canabrava abaixo de sepultura em um capãozinho de jatobá (...) por incultas se
não faz ponto certo que terá de cumprimento (nota do pesquisador: o restante foi
arrancado do original) valor 1:000$000.
Angicos – sítio de que paga renda Marcelo Mendes Cavaleiro, a quantia de dez
mil réis como arrendamento no L º à fls . 20v, em 22 de outubro de 1806, o qual
extrema com o sítio do Mosquito, em estreito de mato que está junto ao campo
que se apelida “o rancho da Páscoa”, cortando rumo direito, e atravessando o rio
do Gorutuba para a parte do nascente a extremar nos matos que estão entre o dito
rio e o de Pacuí ainda por cultivar se não faz ponto certo, e do dito estreito pelo
rumo direito para a parte do poente até fazer extrema com as caatingas do Rio
Verde Grande (...) que terá de comprimento três léguas, com largura incerta, e
assim confrontado o seu valor é de quinhentos mil réis – 500$000.

Já no roteiro feito por Joaquim Quaresma Delgado, em 1730109 , ao se referir às


mesmas fazendas, ele afirma que estas seriam dos “órfãos do defunto Januário Cardoso”.
Segundo ele, a distância entre a fazenda da Sussuapara, “seguindo o caminho da caatinga
ou travessia”, até a dos Angicos, que era de criação de gado, seria de 10 léguas, e, desta
fazenda até a do Juazeiro, “que é dos mesmos órfãos”, e também cria gado, seria de quatro
léguas de bom caminho. Do Juazeiro a fazenda dos Mártires, que pertencia ao capitão-mor
Tomaz Correia, seria outras duas léguas pela estrada, também de bom caminho de várzeas
e algumas caatingas. A menção ao sítio dos Mártires, tanto no livro do Tombo, quanto no
roteiro, não deixa dúvida de que se trata das mesmas propriedades.
Na lista da capitação de 1736, Rita Josefa Brandão declara possuir 28 escravos.
Três na fazenda dos Morrinhos, dois na fazenda de Itacarambi e dez no engenho, no Brejo
do Japoré. Cinco deles seriam decrépitos e oito trabalhavam em sua casa110 .
Caetano Cardoso de Almeida, como já ficou dito anteriormente, segundo Taques,
se casou com Inês de Campos Monteiro, irmã caçula de Isabel Pires Monteiro, esposa do
seu tio Luís Cerqueira Brandão. Além dos filhos citados pelo genealogista, Caetano,
Francisco, Maria Sanchas e José Thomaz, Caetano provavelmente teve mais outro para

108 Pires, Ibid. p.342/3.


109 Freire, Ibid. p. 504.
110 Souza, Ibid. p. 60.

65
quem Rita Brandão deixou sua herança, como fica dito em seu testamento: “Instituo para
meu universal herdeiro depois de pagas todas as minhas dívidas e satisfeitos os meus legados
o meu sobrinho Atanásio Cerqueira Brandão”.
Segundo a lista da capitação, o órfão Caetano de Almeida pagou 252 oitavas de
ouro por 53 escravos, apesar de constarem 54 aptos a pagar. Na declaração feita
provavelmente pelo próprio Domingos do Prado, que era tutor dos órfãos, fica dito que ele
possuía, na fazenda dos Morrinhos, 37 escravos; no engenho dos Angicos, outros 15, e na
fazenda de mesmo nome, mais cinco. Já na fazenda do Morro, seriam quatro, dos quais, um
havia fugido há dois anos e outro seria doente.
Também no arquivo de Diamantina existe um inventário de um Atanásio Siqueira
Brandão, morador em Inhaí, possivelmente o herdeiro a que se refere Rita Josefa Brandão.
Segundo o documento, feito em 20 de março de 1846, e que registra uma longa disputa entre
os herdeiros, ele era casado com Maria da Trindade de Carvalho Guedes, mas no documento
não existe referência aos seus pais, nem tão pouco ao local de seu nascimento.
De acordo com o documento ele teria tido oito filhos: Manuel Siqueira de Brandão,
Lauriana Siqueira, Maria Carlota Siqueira, Atanásio de Siqueira, Rita Siqueira, casada com
Manuel Ferreira, Cecília de Siqueira, casada com Modesto Rodrigues, Margarida de [...] e
Camilo, falecido. Em uma nota no final do inventário podemos ver que o casal possuía “nas
Gorutubas, termo da vila de Montes Claros”, umas terras que não entraram na partilha, “por
não haver quem as avaliasse”. Talvez uma referência às fazendas Juazeiro e Angicos, que
estão localizadas no arraial de São José do Gorutuba, atual município de Janaúba.

1.4 - Luís Cerqueira Brandão

O segundo filho do mestre-de-campo, Luís Cerqueira Brandão, nasceu em 24 de


julho de 1703, e foi batizado no dia 02 de agosto do mesmo ano, também pelo cura Paulino
Pestana. Foram seus padrinhos o próprio padre e Maria das Neves, sua tia, irmã de Catarina
Mendonça. Em 24 de fevereiro de 1724, ele se casou na capela de Nossa Senhora da Penha,
em Pitangui, com Isabel Pires Monteiro, filha de Margarida de Campos e Antônio Rodrigues
Velho. Segundo Taques, Rodrigues Velho era natural de Curitiba, neto de Garcia Rodrigues
Velho, irmão de Maria Garcia que era esposa de Fernão Dias Paes111 , e havia se transferido
para Pitangui, onde foi capitão-mor e minerador.

111 Leme, Ibid. vol II, p. 186

66
No capítulo dedicado à genealogia da família Campos112 , Taques faz um longo
relato sobre a esposa de Luís Cerqueira. Segundo o autor, ela ainda estaria viva e morava
em uma imponente residência em Lisboa, “onde fez construir depois do ano de 1757 uma
nobre e famosa quinta, com magnífico palácio no sítio de Buenos Aires, na qual tem
excelente pomar até de frutas do Brasil”. Diz o seguinte o linhagista:
casou Izabel Monteiro duas vezes, primeira com Luís Cerqueira Brandão,
cavaleiro professo da ordem de Cristo, capitão-mor da Vila de Pitangui, pessoa
de muito grande respeito, senhor da Carinhanha, e de outras grandes e rendosas
fazendas estendidas pelos rios Paraná e São Francisco, cujos rendimentos
passavam de vinte mil cruzados.
(...) segunda vez com o sargento-mor João Fernandes de Oliveira. Sem geração.
(Gomes Freire de Andrade, que protegia a João Fernandes, foi empenhado neste
casamento danoso a D. Caetana Maria Brandão, única herdeira da casa de seus
pais).

No processo de habilitação de Caetana Maria, realizado para comprovar a sua


filiação e permitir que ela fosse instituída como herdeira de sua mãe 113 , podemos ver a cópia
do assento de casamento de seus pais.
constituíram em matrimonio o capitão-mor Luiz Cerqueira Brandão natural da
freguesia de Santo Antônio da Manga dos currais da Bahia filho do Mestre-de-
campo Atanásio de Sequeira e de sua mulher Catarina de Mendonça com Dona
Izabel Pires Monteiro filha legitima do Capitão Antônio Rodrigues Velho e de
sua mulher Margarida de Campos Bicuda natural [...] e batizada em Mato Dentro
na freguesia de Nossa Senhora de Nazaré do Inficionado termo da vila do Ribeirão
de Nossa Senhora do Carmo.

Embora Luís Cerqueira tenha se casado em 1724, pelo menos desde 1721 ele já
morava em Pitangui. É o que podemos ver em um assento feito por Atanásio Cerqueira em
seu livro de notas, em abril daquele ano. Ao se referir a uma dívida do padre Antônio de
Meireles Ribeiro ele diz o seguinte:
Eu devo ao dito senhor o de que constar de um crédito meu e o dito deve cem
oitavas com que mandei lhe as sistir nas minas por meu filho Luis Cerqueira e
deve mais catorze patacas que lhe dei quando foi neste mês de setembro para as
minas.
Recebeu mais em Pitangui quarenta oitavas que lhe deu meu filho Luis Cerqueira
como se vê da sua carta que o dito senhor trouxe. [Recebi do dito senhor ao depois
que veio de Pitangui uma moeda de ouro velha]114 .

112 Leme, Ibid, vol II, p. 190/6.


113 AUTOS de Habilitação de D. Caetana Maria Brandão - Naturalidade: Pitangui, Sabará. Filiação:
capitão-mor Luís de Sequeira Brandão e D. Isabel Pires Monteiro Cônjuge: o tenente de dragões, Alexandre
Luís de Sousa e Meneses. A acção prende-se com a herança do padrasto, o sargento-mor, João Fernandes
de Oliveira, contratador dos diamantes, falecido no Rio de Janeiro. Escrivão: Francisco da Silva Braga.
ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos Findos, Juízo da Índia e Mina, Justificações
Ultramarinas, Brasil, mç. 112, n.º 6.
114 Brandão, Ibid. p. 85v.

67
Apesar de ser capitão-mor de Pitangui, e de ter se casado na mesma vila, Luís
Cerqueira nunca se afastou definitivamente do norte de Minas. Segundo informa o padre
Antônio Mendes Santiago, em certidão anexa ao processo de habilitação de Alexandre Luís
de Sousa e Meneses115 , o casal também teria vivido nas barrancas do rio São Francisco. O
pároco diz que estava em Pernambuco quando recebeu o pedido para realizar a diligê nc ia
de genere, por isso não poderia inquirir as testemunhas, mas afirma que conhecia a família
há mais de vinte anos e declara que Caetana Brandão era filha legítima do capitão-mor Luís
Cerqueira Brandão e de Isabel Pires Monteiro e que eles foram moradores “na minha
freguesia de Santo Antônio da Manga, de que sou pároco colado, Bispado de Pernambuco ”.
Também por várias cartas relacionadas aos Motins do Sertão, escritas entre os anos de 1736
e 1737, como veremos adiante, podemos ver que ele continuaria cuidando de suas fazendas
no sertão do São Francisco.
Caetana Maria Brandão, filha única do casal, foi batizada na Capela de Nossa
Senhora da Penha, em Pitangui, em 13 de janeiro de 1726. Em seu batistério consta que seus
pais eram, na época, moradores naquela vila e os padrinhos teriam sido “João Veloso de
Carvalho por procuração que apresentou de Atanásio Cerqueira Brandão e Antônio
Rodrigues Velho”. Este último o avô materno.
Segundo Taques, por ser a única herdeira de um patrimônio significativo, ela teria
sido “pretendida de muitos”, e acabou se casando com Alexandre Luís de Sousa e Menezes,
“em quem além das qualidades do sangue e do espírito, e figura insinuante, concorriam as
circunstancias de ser pessoa por quem tanto se interessava Gomes Freire de Andrade,
governador e capitão-general do Rio de Janeiro e Minas o qual de propósito tinha passado
a Pitanguy a ajustar aquele casamento”116 . O empenho do governador foi de tal ordem que,
no dia 20 de janeiro de 1743, ele batizaria o filho primogênito do casal, Luís de Sousa
Brandão e Menezes, na igreja matriz da vila de Pitangui, como consta de cópia do batistério,
anexa ao processo de habilitação de Caetana Maria. Diz o seguinte a certidão:
retirei e pus os santos óleos a Luiz filho legitimo do Tenente de Dragõe s e
Cavaleiro da Ordem de Cristo Alexandre Luiz de Souza e Menezes e de sua
mulher Dona Caetana de Cerqueira Brandão foi seu padrinho o senhor Gomes
Freire de Andrade Sargento-mor de Batalhas e General das Capitanias do Rio de
Janeiro e destas Minas de que foi este assento e me assinei = o vigário
encomendado Ignácio Gonçalves 117 .

115 DILIGÊNCIA de Habilitação de Alexandre Luís de Sousa e Meneses - 1754 a 1761 - ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações Incompletas,
doc. 62.
116 Leme. Ibid, vol II, p. 193.
117 AUTOS de Habilitação de D. Caetana Maria Brandão - Naturalidade: Pitangui, Sabará. Filiação:

capitão-mor Luís de Sequeira Brandão e D. Isabel Pires Monteiro Cônjuge: o tenente de dragões, Alexandre

68
Como ficou dito anteriormente, Luís Cerqueira Brandão recebeu a mercê do hábito
da Ordem de Cristo, em 1734, que havia sido destinada por seu avô, Luís de Cerqueira e
Araújo, a seus tios José de Cerqueira Pinto e Maria Margarida, e também a seu pai, os quais
renunciaram a mercê em seu favor118 . Segundo a provisão ele recebeu uma tença efetiva de
18 mil réis, cada ano em vida, além de outros 12 mil, “a título do Hábito da Ordem de
Cristo”, como complemento dos “30 com que lhe deferiu pelos serviços do dito seu avô”.
No resumo da diligência que havia feito em abril de 1755 para o processo de
habilitação de Alexandre Luís, marido de sua filha, já mencionado, o padre Calisto Mendes
de Proença, vigário da vila de Pitangui, diz que o capitão-mor e sua família “sempre tiveram
fama de cristãos velhos e sempre de tratamento a lei de nobreza vivendo de suas rendas,
fazendas de gado e lavras de tirar ouro”. Embora alguns autores afirmem que Atanásio
Cerqueira e seu filho também possuíam datas minerais em Pitangui, este foi o único
documento em que encontramos uma referência a este fato.
Embora Luís Cerqueira tenha se tornado, assim como o pai, um dos mais
importantes proprietários de terras do sertão, e que também teria ocupado o cargo de
capitão-mor da vila de Pitangui, não encontramos muitos documentos sobre ele nos acervos
pesquisados. Não conseguimos localizar a sua carta patente nem o seu processo de
habilitação à Ordem de Cristo, embora este provavelmente tenha sido feito quando ele
recebeu a carta de padrão citada acima, em julho de 1734. Segundo consta na diligência de
habilitação de Luís de Souza Brandão e Menezes, feita em 1765, ele era “neto materno de
Luís Cerqueira Brandão, cavaleiro da Ordem de Cristo, e de sua mulher, D. Isabel Pires
Monteiro de Campos, naturais da vila de Pitangui” 119 .

Luís de Sousa e Meneses. A acção prende-se com a herança do padrasto, o sargento-mor, João Fernandes
de Oliveira, contratador dos diamantes, falecido no Rio de Janeiro. Escrivão: Francisco da Silva Braga.
ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos Findos, Juízo da Índia e Mina, Justificações
Ultramarinas, Brasil, mç. 112, n.º 6.
118 LUÍS CERQUEIRA BRANDÃO - Provisão. Tença de 18$000 rs. Filiação: Atanancio de Cerqueira.

ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 35,


f.69.
LUÍS CERQUEIRA DE ARAÚJO - Carta de Padrão. Tença de 20$000 rs para sua filha Luísa Pinto Correia.
ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 5,
f. 286 v.
119 DILIGÊNCIA de Habilitação para a Ordem de Cristo de Luís de Sousa Brandão e Menezes - Natural da

vila de Pitangui, Minas Gerais, e morador em Lisboa, filho de Alexandre Luís de Sousa e Menezes, natural
de Marialva, cavaleiro da Ordem de Cristo, governador da capitania de Santos e cidade de São Paulo, e de
sua mulher D. Caetana Maria Brandão, natural da vila de Pitangui; neto paterno d e Luís de Sousa de
Menezes e de sua mulher D. Maria Jacinta de Sousa e Sampaio, naturais de Marialva; neto materno de Luís
Cerqueira Brandão, cavaleiro da Ordem de Cristo, e de sua mulher D. Isabel Pires Monteiro de Campos,
naturais da vila de Pitangui. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Mesa da Consciência e
Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra L, mç. 7, n.º 3.

69
Não fosse sua morte prematura, certamente Luís Cerqueira seria o grande sucessor
de seu pai. Em uma carta de 1736, escrita da fazenda da Carinhanha pelo seu irmão Jacob
de Araújo de Mendonça120 , onde este dá notícias de sua mãe, da cunhada e do seu filho, de
quem Luís Cerqueira era padrinho, ele diz o seguinte:
nesta matéria em tudo o mais estou de acordo seguir as insinuações de v. m. como
verdadeiro norte do meu remédio pois o reconheço a v. m. não no lugar de irmão
mais sim de pai pois assim o tenho experimentado.

Pedro Taques também destaca que Luís Cerqueira era proprietário de várias
fazendas, “cujos rendimentos passavam de vinte mil cruzados”, e que poderiam chegar ao
dobro, “se a morte não tirasse desta vida na flor dos seus anos”121 . O linhagista lembra que
o seu genro, Alexandre Luís Menezes, quando foi para Portugal acompanhando a sua sogra,
“vendeu fiado” para o segundo marido de Isabel Monteiro, o sargento-mor João Fernandes
de Oliveira, primeiro contratador dos diamantes do Serro Frio, “todas as belíssimas fazendas
de gados, que lhe tinham cabido pela legítima de sua mulher, depois da morte de seu sogro ”.
De acordo com Taques, por menos de um terço do valor.
Não foi possível precisar a data em que Luís Cerqueira morreu, mas podemos ver
por um requerimento de Manuel Jorge Azere122 que, em 1747, ele já havia falecido. No
documento, Jorge Azere, que era sargento-mor, pede confirmação da carta patente passada
pelo governador da capitania do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, no posto de
capitão-mor da vila de Pitangui, comarca de Sabará, no lugar de Luís Cerqueira Brandão.
Segundo a patente, passada em 07 de maio de 1747 e confirmada em 21 de julho de 1748,
Azere foi provido “por se achar vago o posto de capitão maior da vila de Pitangui por
falecimento de Luís Cerqueira Brandão que o exercitava”.
As fazendas sobre as quais Pedro Taques faz referência certamente são as mesmas
citadas por João Fernandes de Oliveira em vários documentos produzidos entre os anos de
1751 e 1754. Em um dos documentos, datado de maio de 1751, o sargento-mor solicita a D.
João V a exclusividade sobre a venda de alguns cortes de gado na vila de Pitangui e seus
distritos, alegando que possui “muitas fazendas no sertão das Minas em que cria muitos
gados e que ocupam grande número de escravos”. Ele garante que sempre ofereceu “um

120 CARTA de Jacob de Araújo de Mendonça para seu irmão o capitão Luís Cerqueira Brandão .
ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos Findo s, Diversos (documentos referentes ao
Brasil), mc. 19, n.º 65.
121 Leme. Ibid, vol II, p. 190.
122 REQUERIM ENTO do capitão-mor do regimento da vila de Pitangui, Manuel Jorge Ázere, ao Rei [D.

João V], solicitando confirmação no posto que vagou por falecimento de Luís de Siqueira Brandão.
AHU_CU_BRASIL-GERA L, cx. 11, D. 967.

70
bom gado”, vendido “pelo preço ordinário dos mais vizinhos das outras terras”, e pede para
que só ele possa dispor o gado, “conservando na posse em que tem estado”, da mesma
maneira como fazia o seu antecessor, “o capitão-mor Luís Cerqueira Brandão, senhor que
foi das mesmas fazendas”123 . No requerimento, ele destaca ainda que teria sido a primeira
pessoa “que arrematou, criou e deu caminho ao Real contrato dos diamantes do Serro”,
empreitada que, afirma, nenhum outro vassalo teria se animado a levar a cabo.
Em outro documento, de junho de 1754, é o ouvidor-geral de Goiás, Sebastião José
da Cunha Soares, que dá notícias das fazendas. Trata-se de um ofício para o Secretário de
Estado dos Negócios Estrangeiros, Sebastião José de Carvalho e Melo, em resposta a duas
cartas. Uma de 06 de agosto e outra de 08 de outubro de 1752, onde Carvalho e Melo pede
informações sobre uma petição feita por João Fernandes de Oliveira. Na petição o
contratador diz que está na Corte, “tratando das contas do primeiro contrato”, e afirma que
havia nomeado o capitão-mor Domingos Alves Ferreira como seu procurador para que ele
cuidasse da administração de suas fazendas e da arrecadação dos gados e dos seus escravos.
Segundo o contratador, o capitão-mor era morador no lugar chamado Paranã, próximo de
onde estavam localizadas as fazendas da Ilha, de Santa Ana, Santa Rita, Santo Estevão, do
Jenipapo, São Domingos, Santa Clara e São Teodoro, “todas de gados vacuns e cavalares e
escravatura”, e estaria “arrematando, vendendo, e dispondo assim a seu arbítrio” de todos
os seus bens.
João Fernandes acrescenta ainda que havia nomeado o Capitão Domingos Moreira
Granja e Miguel Fernandes como novos procuradores para que estes recuperassem as suas
propriedades, mas que estes haviam dito que Domingos Ferreira os havia ameaçado e
expulsado das fazendas. Em sua resposta o ouvidor informa que o capitão-mor Domingos
Alves Ferreira havia falecido há mais de um ano e que, em janeiro de 1753, atendendo a
uma petição do próprio João Fernandes, já havia feito um auto cível de justificação para
arrematar os bens do capitão-mor e recuperar os danos sofridos pelo contratador. O processo
estaria então sendo acompanhado pelo vigário do Paranã, Tomás Lourenço Aguiar,
nomeado procurador pelo contratador.
Em uma certidão inclusa, passada por Bento Nicolau de Oliveira, escrivão da
Ouvidoria Geral e Correição da Comarca de Vila Boa de Goiás, consta que João Fernandes

123REQUERIM ENTO de João Fernandes de Oliveira, possuidor de muitas fazendas de criação de gado em
Minas Gerais, solicitando a D. João V a mercê de ordenar que só ele possa fazer uso das dita s terras,
comprometendo-se a continuar a produzir bom gado. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 58, D. 4806/COTA
ANTIGA - AHU-Minas Gerais, cx. 58, doc. 4.

71
havia afirmado que todos os seus bens, inclusive as fazendas de gado da ribeira do Paranã,
teriam servido como fiança para a arrematação do contrato dos diamantes pelo tempo de
seis anos.
Pelo menos uma das fazendas citadas por João Fernandes também aparece entre as
propriedades de Atanásio Cerqueira. Segundo uma das anotações do reinol, a fazenda
Jenipapo teria sido dada por ele a Luís Cerqueira como dote de casamento.
Mais lhe dei a fazenda do Jenipapo com o gado que consta pela conta que me
mandou, em que está assinado o capitão Antônio Coelho e dela se verá o cômputo
de gados e cavalos e escravos que recebeu na mesma fazenda e de mais coisas
que a ela pertencia 124 .

Esta fazenda parece ser uma das propriedades mais importantes de Luiz de
Cerqueira. Além de ser citada inúmeras vezes pelo seu pai, ela também é mencionada pelo
governador interino de Minas, Martinho de Mendonça, em 1736, quando este trata da
repressão aos moradores que se rebelaram durante o movimento sedicioso que ocorreu no
rio São Francisco contra a cobrança da capitação. Em uma carta de 21 de agosto125 , onde o
governador avisa ao capitão de dragões, José de Morais Cabral, que estaria lhe enviando
cerca de 20 dragões para auxiliá-lo na repressão aos insurgentes de São Romão, palco
principal da rebelião, ele diz que o pelotão poderia esperar pelas ordens do capitão em Sete
Lagoas ou “se Vossa Mercê passar a São Romão, podem ficar no sítio do Jenipapo (FIG.
21), e passagem de Luís Cerqueira ou aonde Vossa Mercê julgar a propósito para cobrirem
a marcha”. Martinho de Mendonça acrescenta ainda que poderia ordenar que o pelotão
“invernasse” no sertão, porque seria necessário “pisar bem e repisar com a cavalaria para
que saibam que El-rei a tem”.
Em outra carta, escrita por José de Morais Cabral para o governador, datada de 03
de novembro de 1736, com informações sobre o andamento da prisão dos envolvidos nos
motins, a cobrança da capitação e as apurações dos tumultos, ele afirma não ter sido possível
saber sobre a “fidelidade” de Luís de Cerqueira, que estaria “retirado de suas fazendas do
Paracatu quando passei e ainda ali se conserva”. Segundo ele, no entanto, a sua esposa,
Isabel Monteiro, “com cuidado mandou o milho a este arraial que lhe pedi vendesse para os
cavalos e com ele um refresco para os soldados”126 .

124 Brandão, Ibid. p. 313.


125 CARTA de Martinho de Mendonça para José de Morais Cabral – APM, SC 54 – FLS. 55, 56V. Apud.
Fagundes/Martins. Ibid. p. 98.
126 CARTA de José de Morais Cabral para Martinho de Mendonça – APM, SC 54 – fls. 171 a 172v. idem,

p. 189/192.

72
Essa passagem merece comentário especial porque está envolta em certa névoa.
Quando mandou o milho a que Morais Cabral se refere, Isabel Monteiro também enviou
uma carta, escrita da fazenda Jenipapo, em 22 de setembro de 1736. Na carta ela afirma que,
“por ausência de meu marido o capitão-mor Luís Cerqueira Brandão, que se acha visita ndo
as suas fazendas do Paranã”, ela teria aberto a carta enviada por Morais Cabral, onde este
pedia “todo o milho que tiver”. Se dizendo sentida, “na alma”, porque o seu marido não
estaria em casa para “ir pessoalmente aos seus pés”, e, “mais sensível este pesar”, por não
poder oferecer “mais que só mãos de milho (...) gratuitamente”, ela se coloca à disposição
do capitão de dragões127 . Além das referências relacionadas às fazendas do Jenipapo, que
parece ser a residência “oficial” do casal no norte de Minas, e também às fazendas do Paranã,
a carta traz um novo ingrediente.
O fato é que Isabel Monteiro não sabia escrever, como ela mesma declararia em
documento redigido em Portugal e sobre o qual falaremos mais adiante. O detalhe não teria
importância não fosse o fato de a letra desta carta ser exatamente a mesma de outra, escrita
no mês anterior, no dia 09 de agosto, pelo próprio Luís de Cerqueira, também da fazenda
Jenipapo, dirigida ao intendente André Moreira de Carvalho.

Figura 11 – Trechos das cartas de Isabel Pires Monteiro e Luís Cerqueira - ARQUIVOS NACIONAIS/TOR R E
DO TOMBO/Manuscritos do Brasil, Livro 10/ fl. 106.

Na correspondência, o capitão-mor diz que, “estando eu fora de casa”, havia


tomado conhecimento de que o oficial havia chegado à barra, possivelmente se referindo à

127
CARTA de Isabel Pires Monteiro para José de Morais Cabral/ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO /Manuscritos do Brasil, Livro 10, fl. 106.

73
barra do rio das Velhas, para fazer a capitação, e que ele, não querendo incorrer em
desobediência ao “edital que v.m. mandou pregar nestas partes”, havia deixado a lista dos
escravos sobre os quais ele deveria pagar o tributo. Na data em que escreve esta carta fazia
exatamente um mês que cerca de 600 revoltosos haviam tomado o arraial de São Romão,
publicado bandos sediciosos e perpetrado várias barbáries, em um dos episódios mais
violentos do movimento que agitou a região naquele ano.
Poderíamos pensar simplesmente que as duas cartas foram escritas por uma terceira
pessoa não fosse o fato de o comportamento de Luís Cerqueira durante as apurações dos
acontecimentos relacionados aos motins não tivesse deixado tantas dúvidas. Apesar do seu
envolvimento ter sido ventilado algumas vezes nas correspondências trocadas pelo
governador e seus interlocutores, ela não ficou comprovada. Segundo Martinho de
Mendonça, exatamente porque ele estaria “retirado para os matos quando passou o minis tro
e se conservou retirado”.
Em carta de 1º de maio de 1737, de Martinho de Mendonça para o intendente da
Fazenda Real da comarca de Sabará, Manuel Dias Torres, com instruções de como proceder
para prender os três cabeças dos motins, Maria da Cruz, seu filho Pedro Cardoso e seu
cunhado Domingos do Prado, o governador diz que, apesar de Luís Cerqueira ser parente
destes e ser “homem poderoso”, logo se retiraria novamente para o sertão, “com a primeira
notícia de que vai ministro segunda vez”128 . Manuel Dias Torres, em resposta ao governador,
escrita de São Romão, em 27 de julho de 1737, depois de já “sossegado o sertão”, critica a
postura do capitão-mor e diz: “E, quanto a mim, tenho achado prontidão na obediência em
todos, ainda que a política muitos tem faltado, como Luís Cerqueira Brandão, afastando- se
para o mato na minha vinda; porém o medo, ainda que injusto, tudo faz” 129 . Quanto à
verdadeira autoria das cartas, fica a dúvida.
É importante destacar que a região chamada Paranã, que hoje é conhecida como
microrregião do Vão do Paranã, está localizada na divisa entre os estados de Goiás, Minas
Gerais e Bahia, exatamente onde Atanásio Cerqueira e vários de seus parentes estavam
estabelecidos. Em seu livro História da Terra e do Homem no Planalto, Paulo Bertran,
citando as Memórias do Distrito Diamantino, de Joaquim Felício dos Santos, diz que,
quando o segundo João Fernandes de Oliveira instituiu o Morgado de Grijó, ele teria

128 CARTA de Martinho de Mendonça para Manuel Dias Torres – APM – SC, 61 – fls 60 a 61. Idem p.
219/221.
129 CARTA de Manuel Dias Torres apara Martinho de Mendonça – APM, SC – fls 153 a 154v. idem p.

228/230.

74
relacionado sete fazendas situadas na ribeira do Paranã, as mesmas que teriam sido
mencionadas nas “Cartas Régias para Goiás no ano de 1748” 130 .
Segundo Bertran, fazendo uma confrontação entre um documento citado por Luiz
Palacin, em seu livro Goiás 1722-1822131 , com as fazendas relacionadas por Felício dos
Santos e a relação de sesmarias goianas, ele teria chegado a uma “identificação precária de
algumas delas”, e que as mesmas teriam sido adquiridas de “dois dos maiores latifundiár ios
do Paranã, na década de 1740”. De acordo com o autor, um destes proprietários seria Luiz
Cerqueira Brandão, sobre quem ele afirma erroneamente não ser “afeito à vida agrária” e
que por isso teria vendido as fazendas. Bertran relaciona as seguintes propriedades, “citadas
por Felício dos Santos”:
1ª. Santa Rita, no Paranã, cuja aquisição pelo contratador resulta da venda de
Luiz Cerqueira Brandão: ...<<um sítio na ribeira do Paraná, chamado Santa
Rita...>> registrado por Brandão em 27.06.1741. São 18 quilômetros à beira do
Paranã, na mesma latitude da cidade de São Domingos, a cerca de 80 quilômetros
a Oeste.
2ª. Fazenda do Riacho das Areias cabe como uma luva ao sítio de Dionísio
Martins Soares ...<<principiando na cabeceira do dito riacho das Areias, e
correndo por ele abaixo três léguas...>> registrado por Dionísio em 23.01.17 40 .
O riacho das Areias é tributário da margem esquerda do São Domingos, a cerca
de 40 quilômetros a noroeste de Arraias.
3ª. Fazenda de São Domingos...<<um sítio na ribeira do Paranã chamado S.
Domingos...>> como consta do registro de uma das sesmarias de Luiz Cerqueira
Brandão, emitida em 21.06.1741. Os mapas modernos ainda mostram a fazenda
São Domingos aos pés do rio Manso, a cerca de 70 quilômetros da cidade de São
Domingos.
4ª. Fazenda de Santo Estevam, mais uma vez originária do capitão Lu iz
Cerqueira Brandão: ...<<um sitio na ribeira do Paranã chamado S. Estevam...>>,
também registrado em 1741, situada a cerca de 60 quilômetros a oeste de Posse.

Para Bertran, as outras três sesmarias, as quais João Fernandes se refere, seriam de
“localização mais incerta”, provavelmente devido às lacunas das petições do outro sesmeiro,
Dionísio Martins Soares. Mas o autor afirma que, todas, estariam no rio Formoso, um
afluente da margem direita do rio Arraias, e teriam sido doadas em 1740. Uma delas seria a
do Jenipapo, que poderia ser “originárias de Dionísio Martins Soares no mesmo
rio ...<<principiando na barra do Jenipapo>>”.
Quanto a esta fazenda não é possível fazer nenhuma afirmação conclusiva já que,
como dissemos anteriormente, Luís Cerqueira também possuía uma fazenda de mesmo
nome, recebida como dote de casamento e referida nos documentos dos motins do sertão,
que ficaria próximo a São Romão (FIG. 21).

130 BERTRAN, Paulo. História da terra e do homem no Planalto Central: eco-história do Distrito Federal,
de Paulo. Brasília, Editora Verano, 2000, p. 103/5.
131 Este documento parece ser o mesmo que citamos anteriormente, relacionado ao processo movido por

João Fernandes de Oliveira contra o administrador das fazendas do Paranã.

75
Destacando que todas as fazendas ficavam ao norte de Arraias, fundado pelo
governador D. Luiz Mascarenhas, em 1740, após a descoberta de ouro no local, Bertran
lembra que João Fernandes de Oliveira arrematou o contrato dos diamantes em sociedade
com o seu filho, o segundo João Fernandes, em 1753, cinco anos depois de adquirir as
fazendas. O autor afirma que os Oliveira teriam se tornado, ainda no século XVIII, “quase
que os únicos proprietários do médio Paranã” e levanta a hipótese de o ouro das “recém-
inauguradas minas do Tocantins”, gasto na compra do gado, “caríssimo”, de suas fazendas
terem garantido “os recursos necessários para o mesmo arrematar o contrato do Tijuco,
talvez o mais caro de toda a colônia.” Ao que perguntamos se não teria sido o casamento
vantajoso com a viúva e herdeira de Luís de Cerqueira, arranjado pelo governador Gomes
Freire de Andrade, que realmente teria garantido a João Fernandes as condições necessárias
para arrematar o tão rendoso contrato.
O número de fazendas relacionadas no vínculo do Morgado de Grijó, apresentado
por Joaquim Felício dos Santos, no entanto, é bem mais extenso e consta de 14 fazendas .
São elas: Santa Rita, Riacho das Areias, São Domingos e Santo Estevão (localizadas no
Paranã), Jenipapo e Rio Formoso (também citadas por Bertran, mas não localizadas), rio de
São Francisco, Paracatu, Jequitaí, São Thomaz, Santa Clara, Ilha, Formiga, Ponte Alta de
Pitangui132 . Dessas fazendas sabemos que pelo menos a de Jequitaí era de propriedade de
Atanásio Cerqueira. As propriedades do rio São Francisco, a de Paracatu, a Ilha e a de
Pitangui provavelmente também deveriam pertencer a Luís Cerqueira como fica dito no
documento em que João Fernandes pede a exclusividade no comércio do gado e também
pelas repetidas referências a tais fazendas que aparecem no livro de notas de Atanásio
Cerqueira.
Segundo Felício dos Santos, em 21 de agosto de 1775, João Fernandes, o segundo
contratador, obteve provisão que permitiu que ele instituísse o morgado. Este teria ficado
sob a administração de seu filho, também chamado João Fernandes de Oliveira, tido com
Chica da Silva, e que teria sido legitimado. O autor relaciona todos os bens pertencentes ao
vínculo e afirma possuir uma cópia da escritura de sua instituição, feita em Lisboa, a 04 de
setembro de 1775. Esta primeira escritura, diz, teria sido alterada por outra de 12 de
setembro de 1776.

132 SANTOS, Joaquim Felício dos – Memórias do Distrito Diamantino – Rio de Janeiro, Typographia
Americana, 1868, p. 153. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/242729. Acesso em
06.09.2021.

76
Em seu estudo “Contribuição para a História Agrária de Minas Gerais - séculos
XVIII-XIX”, Angelo Alves Carrara, faz referência a apenas uma sesmaria pertencente a
Luís Cerqueira Brandão. Segundo ele, o título teria sido concedido em 1730, mas a única
informação relacionada a ela seria a sua dimensão, que seria de meia légua. Por esse motivo
a sesmaria não consta da lista elaborada no estudo. No entanto, na relação de sesmarias
publicada, vimos referência a duas que deveriam pertencer a Atanásio Cerqueira.
A primeira, concedida em 1719, apesar do nome do proprietário vir grafado como
Atanásio [Ribas] de Siqueira Brandão (talvez porque o autor acreditasse se tratar de
Atanásio Ribas de Siqueira, proprietário de outra sesmaria no rio Baependi), teria quatro
léguas e havia pertencido a Domingos de Moura, Miguel de Atoleiro e ao capitão José
Antunes Vieira. Esta propriedade estaria localizada “Paraopeba acima”, entre a passagem
do ribeirão dos Macacos e a barra do riacho das Abóboras, no caminho dos currais 133 . As
terras teriam sido abandonadas pelos primeiros povoadores “que as largaram e não mais
cultivaram”134 .
Atanásio Cerqueira faz diversas anotações em seu livro relacionadas ao sargento -
mor Domingos de Moura Miguel, seu compadre. O mestre-de-campo mantém com ele um
extenso rol de negócios como a compra de gado, o empréstimo de dinheiro, a venda de
tecidos e até o transporte de ouro para pagamento de terceiros. Em seu livro há referência a
uma fazenda chamada Boa Vista, no Paraopeba, pertencente ao seu filho Luís Cerqueira
Brandão.
Em 1741, Gomes Freire de Andrade concedeu a João Jorge Rangel uma sesmaria
da fazenda Riacho de Areia, distante cerca de 15 léguas da comarca de Sabará, na fregues ia
do Curral de El-Rey (atual Belo Horizonte). A propriedade ficava localizada entre “o veio
de água do Ribeirão dos Macacos”, principiando na barra deste rio no riacho das Pedras,
seguindo até a sua barra no riacho de Areia. De acordo com o documento, as terras possuíam
a mesma demarcação de quando o seu antigo proprietário, o mestre-de-campo Atanásio de
Cerqueira Brandão, a comprou de Manuel de Sobral. Descoberta por este último no ano de

133 No mapa (FIG. 21) podemos ver a localização do Riacho das Areias entre o rio Paraopeba, o São João
e o lugar denominado Macacos, bem próximo à vila de Pitangui. Talvez seja esta sesmaria o local da
fazenda Riacho de Areias, referida na relação de propriedades relacionada por Felício dos Santos, citada
acima.
134 CARRARA, Angelo Alves. Contribuição para a História Agrária de Minas Gerais — séculos XVIII-

XIX. Núcleo de História Econômica e Demográfica, Série Estudos – 1. Mariana: Eufop, 1999, p.22 e
seguintes. [apud sesmaria (SC 72, 186v): vendida a fazenda Riacho da Areia, freg. do Curral del Rei,
distante quinze léguas da Vila de Sabará no ribeirão dos Macacos, ao cap .-mor João Jorge Rangel e este a
comprou de Manuel de Sobral, que a povoara desde 1713]. Esta sesmaria está no livro SC 12, p. 18v, APM.
Anexo

77
1713, as terras foram adquiridas há cerca de quinze anos, “com fábrica de escravos, gados
vacum e cavalar”135 .
Quanto à segunda sesmaria a única informação anotada por Carrara é de que esta
fazia confrontação com a fazenda do Buriti, de Francisco de Souza Ferreira, concedida em
1730, na vargem do Paracatu. Esta sesmaria fazia confrontação com outra de Domingos do
Prado de Oliveira, com a fazenda de São Romão, também de Francisco de Souza Ferreira,
e com uma do capitão-mor Antônio Pacheco da Costa. Neste caso não há dúvida com relação
ao nome do proprietário que vem grafado como mestre-de-campo Atanásio de Siqueira
Brandão136 .
Na confirmação de uma sesmaria do capitão Antônio do Rego Tavares, da fazenda
chamada São Romão, situada no “Ribeirão do rio São Francisco”, feita por Dom Lourenço
de Almeida, em 20 de fevereiro de 1729 137 , podemos ver que esta propriedade também fazia
divisa com uma de Antônio Pacheco da Costa. Segundo o documento, Rego Tavares possuía
a fazenda por “título de compra”, e a teria livrado da invasão contínua do gentio. As terras
se dividiam, “com o veio d’água do rio chamado Claro”, da fazenda de Antônio Pacheco da
Costa, seguindo até a sua última nascente, e daí até os capões da fazenda Boa Vista (FIG.
21), de Domingos Martins da Cunha. As terras, que seguiam rumo às cabeceiras do riacho
São Romão até a barra do rio São Francisco, faziam “extrema” com a fazenda do Urucuia
de cima, de Manuel Pereira da Cunha.
Dez anos depois, na carta de confirmação de uma sesmaria de Manuel Pereira da
Cunha, “na barra do Urucuia e beira do rio de São Francisco”, este diz que recebeu as terras
por herança de seu pai, de mesmo nome, e que ele teria sido o seu descobridor, “há quarenta
e tantos anos”. Na mesma ocasião também Januário Pereira da Cunha solicita sesmaria de
uma fazenda chamada Boa Vista. As terras faziam divisa, no riacho de São Romão, “acima
do Brejinho até o lugar chamado Capões”, com a propriedade de Domingos Martins da
Cunha e as cabeceiras do riacho Extrema. As duas sesmarias foram passadas por Gomes
Freire de Andrade, em 20 e 21 de novembro de 1738138 .

135 RAPM, Belo Horizonte, vol. VII, fasc. 1, 1902, p. 476/7. Esta é a mesma sesmaria citada por Carrara,
transcrita do documento SC 72, 186v..
136 Em 21 de novembro de 1738, uma senhora de nome Rosa Maria obteve do governador Gomes Freire de

Andrade a confirmação de uma sesmaria situada no Capão,“correndo o rio São Francisco assim até a barra
do riacho chamado São Romão”, e que fazia divisa com a fazenda de mesmo nome de Francisco de Souza.
A propriedade seguia pelo “Brejinho”, que forma o riacho do Galho, e estaria entre o lugar chamado
Forquilha, o riacho do Escuro e o rio Urucuia. RAPM, Ouro Preto, vol. III, 1898, p. 867/8.
137 RAPM, Ouro Preto, vol. IV, 1899, p. 211/2.
138 RAPM, Ouro Preto, vol. III, 1898, p. 864/7.

78
É importante lembrar, como destaca Carrara, que a doação de sesmarias não era o
único meio de garantir a propriedade das terras. Segundo ele, existia em Minas, desde os
primeiros tempos da colonização, “um extenso mercado de terras, dadas as condições
peculiares da circulação monetária realizada pela mineração”139 , fazendo com que as terras
mudassem de mãos com uma rapidez surpreendente.
Em documento que relaciona as pessoas que ocupam postos militares no sertão,
elaborada em 1737, Luís Cerqueira é localizado como capitão-mor da parte do norte do rio
São Francisco, em suas fazendas da Porteira ou Jenipapo (FIG. 21). Segundo consta, ele
teria feito a cobrança da capitação dos moradores da barra do Paracatu para cima, pela parte
do rio Abaeté até onde o rio Paraopeba faz barra no São Francisco, “cobrança de grande
trabalho, executada com exação e boa inteligência tudo mandado executar por sua mulher
em obediência do dito capitão-mor seu marido”140 .
Fazendo referência à cobrança feita nas passagens que ficavam na estrada das
minas para Goiás, passando pelo rio Paracatu, considerada a mais frequentada, em carta para
o provedor da Fazenda Real de Sabará, Matinho de Mendonça afirma que estas estariam
sendo exploradas por particulares141 . Entre as passagens estavam a do rio de São Francisco,
a da Porteira e a de Pirapora, localizadas “nas fazendas de Luís de Cerqueira, acima da barra
do rio das Velhas”, e a passagem do Paracatu, em Santa Ana. Também em outras duas
passagens do rio Preto, “no Boqueirão e no Cavaco”, e no rio do Sono, os donos estariam
fazendo a cobrança.
O governador recomenda então que o provedor publique editais para que as
passagens sejam arrematadas, “por algum preço se obrigue a ter canoa pronta, ainda que a
princípio seja diminuto o rendimento da Fazenda Real”. Segundo ele, deveriam ser
arrematadas ainda as passagens “do caminho do Urucuia para os mesmos Goiases”, embora
estivessem sendo menos utilizadas, porque já havia um novo caminho; e as passagens “do
rio São Francisco, nas vizinhanças de São Romão”, que ficariam no mesmo caminho.
Em sua dissertação, ““O ardente desejo de ser livre”, escravidão e liberdade no
sertão do São Francisco (Carinhanha, 1800-1871)”, Simony Oliveira Lima, analisa o
inventário de Caetana de Siqueira Brandão, filha de Angélica de Siqueira, sobre a qual
falaremos mais adiante. No documento existente no Arquivo Público da Bahia, segundo a

139 Carrara, Ibid, p. 12.


140 LISTA das pessoas que tem postos militares no sertão e das que tem capacidade para serem providos
neles para melhor execução das ordens que lhe forem cometidas. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO /Manuscritos do Brasil, Livro 10, fl. 183/199.
141 APM. SC-66, p. 35v.

79
autora, Caetana teria herdado uma fazenda chamada Riacho, adquirida pelo seu tio Jacob
Araújo dos herdeiros de Luís de Cerqueira, cuja escritura, lavrada em 1748, se acha anexa
ao inventário. Diz a escritura:
Dizemos nós Alexandre Luis de Souza Meneses e Dona Caetana Maria Brandão
únicos herdeiros do Capitam Mor Luis de Siqueira Brandam que por faleciment o
de nossa avó a Senhora Dona Catharina de Mendonça nos tocou em folha de
partilha a fazenda do Riacho, que por isto vendemos com os escravos e gados
vacum que consta de huma obrigação que nos passou o nosso tio o coronel Jacob
Araujo Brandam ao mesmo pelo preço declarado na mesma obrigação. Cuja
venda lhe fazemos de hoje para todo sempre ficando lhe pertencendo toda posse
e domínio que nela temos e nos obrigamos a fazer a dita venda boa. Tijuco, 31 de
dezembro de 1748. 142

Segundo Lima, Caetana teria herdado ainda as fazendas da Barra e a da


Pindobeira143 . Esta primeira, graças a sua “grande extensão territorial”, teria originado o
arraial de Carinhanha, “situado próximo à foz do rio Carinhanha”, além de outro núcleo
“que continuou sendo denominado de fazenda da Barra”144 .
Não foi possível saber quando Isabel Pires Monteiro se casou com o sargento- mor
João Fernandes de Oliveira145 , mas, em 1750, os dois já viviam em Ouro Preto. No dia 23
de junho daquele ano o tabelião do público judicial e notas da Vila Rica de Nossa Senhora
do Pilar de Ouro Preto, João Cerqueira, registrou um testamento feito por João Fernandes146 .
Uma cópia desse documento foi anexada ao processo de habilitação de Isabel Pires Monteiro,
quando esta requereu o direito a receber a herança do marido.
No testamento, João Fernandes confirma que havia comprado do capitão-de-
dragões, Alexandre Luiz Souza e Menezes, “as fazendas e escravos que lhe ficaram no
sertão”, e que pertenceriam à Caetana Brandão. No entanto, o que fica dito é que o
pagamento só seria feito posteriormente, em Lisboa, por mão de Manuel Nunes da Silva
Tojal, que deveria quitar parte da dívida, ou o equivalente a 48 mil e quinhentos cruzados,
“por não ter lá dinheiro meu líquido para o tal pagamento”. A outra parte deveria ser paga
pelo testamenteiro, que “lhes satisfarão e ao dito capitão o que se lhe restar”. O sargento-

142 APEB. Seção Judiciário. Série Inventários. ID: Caetana de Siqueira Brandão. Est. 02, cx. 730, maço
1196, doc. 06, 1828. In. LIMA, Simony Oliveira. “O ardente desejo de ser livre”, escravidão e liberdade
no sertão do São Francisco (Carinhanha, 1800-1871). Dissertação de mestrado. UFBA, Salvador, 2017,
pág. 46.
143 Atanásio Cerqueira faz diversas referências a esta fazenda em seu livro.
144 Lima, Ibid. p. 43.
145 João Fernandes de Oliveira era filho de outro João Fernandes de Oliveira, natural de Santa Maria de

Oliveira, termo de Barcelos, e de Ângela Fernandes. Foi casado pela primeira vez com Maria de São José
e teve outras três filhas chamadas Helena, Francisca e Rita, além do filho de mesmo nome, que assumiria
o contratato dos diamantes e que se casaria com Chica da Silva.
146 AUTOS de Habilitação de D. Isabel Pires Monteiro, viúva de João Fernandes de Oliveira, Moradora em

Lisboa. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos Findos, Juízo da Índia e Mina,


Justificações Ultramarinas, Brasil, mç. 209, n.º 3.

80
mor diz ter comprado também a metade, “do que tocava das mesmas fazendas e escravos”,
a Isabel Pires Monteiro, “pelo preço que da mesma escritura se mostra”. Mas, a sua esposa
também só receberia o pagamento posteriormente, como fica dito: “e por meu falecime nto
meus testamenteiros pagarão a dita, ou a seus herdeiros, tudo o que da dita escritura se
mostrar dever”.
Apesar de ainda não ter pagado pelas terras e nem pelos escravos, de poder vir a
quitar o débito só depois que falecesse, de ter usado as fazendas como fiança para assegurar
o contrato dos diamantes e de, como insinua Pedro Taques, ter comprado as propriedades
por um terço do valor, João Fernandes afirma o seguinte em seu testamento:
Declaro que tenho as fazendas que comprei no sertão que constam das escrituras
o que faço menção neste testamento, e nelas tenho metido mais de 40 escravo s.
Declaro que possuo nesta Vila Rica sete moradas de casas e, em São Bartolomeu
uma roça.

Além de declarar diversos negócios e várias dívidas, o contratador pede ao filho,


João Fernandes de Oliveira, que trate a sua segunda esposa “como sua própria mãe”, e lhe
recomenda que entregue a ela “metade da prata que se achar em minha casa”, um escravo
por nome Antônio Barbeiro, os móveis que ela quiser, e “tudo o que for de seu uso”. Ele
também determina que lhe seja reservado 15 mil cruzados, “que se lhe darão da minha tença
ao tempo de entrar para um convento e assim mais cinco mil cruzados para o seu transporte
para Portugal”. Apesar das recomendações, Isabel Monteiro e seus herdeiros enfrentar ia m
uma longuíssima batalha judicial com o filho do sargento-mor e seus descendentes pelos
bens que o casal adquiriu durante o matrimônio.
Em seu livro, Pedro Taques, escrevendo sobre Rosa Maria de Campos, sobrinha de
Isabel Monteiro, diz que em 1751 esta religiosa teria ido para Portugal, acompanhando “sua
tia D. Isabel Pires Monteiro, que com o seu marido, o sargento-mor João Fernandes de
Oliveira, desembarcou na cidade de Lisboa no dia 24 de agosto de 1751”147 . Taques, que
conhecia bastante o casal, conta em detalhes a longa batalha que a viúva e a filha, Caetana
Maria Brandão, travaram contra os herdeiros do contratador. Segundo ele, o sargento-mor,
arrependido, já perto da morte, teria feito um novo testamento, “posto que o peso da
consciência fez emendar depois o erro”. Mas, após a morte de João Fernandes, o seu filho
tentaria excluir a viúva da partilha dos bens adquiridos depois do casamento.
João Fernandes viveu muitos anos casado com Isabel Pires Monteiro e os
sucessivos contratos dos diamantes, especialmente depois que o filho passou a cuidar dos

147 Leme, Ibid. vol. II, p. 190.

81
negócios, lhe garantiu a formação de uma fortuna bastante considerável. Júnia Ferreira
Furtado 148 destaca que o filho do sargento-mor, o desembargador João Fernandes de
Oliveira, seria muito mais bem preparado, tendo por isso feito os negócios prosperarem,
enquanto o pai seria inábil e que viveria folgadamente na corte, esbanjando, ao lado da
segunda esposa, os grossos cabedais conquistados nas minas.
Segundo uma certidão passada por Antônio de Figueiredo Lacerda, cura da
freguesia da Lapa, inclusa no processo de habilitação já citado, João Fernandes de Oliveira,
na época morador na rua do Sacramento, morreu no dia 08 de setembro de 1770, “com todos
os sacramentos e com testamento”, e foi sepultado no Convento de Nossa Senhora de Jesus,
em Lisboa.
Em texto publicado na revista Varia História149 , Furtado diz que “poucos dias antes
de morrer, a madrasta conseguiu que o Sargento Mor alterasse seu testamento, concedendo -
lhe direito à metade de seus bens”. A autora diz ainda que, “os nubentes estabeleceram um
pacto pré nupcial”, segundo o qual “a noiva Isabel Pires Monteiro incorporava seu rico
patrimônio ao do marido, em troca, quando da morte deste, caso não houvesse filhos do
matrimônio, ela retiraria da herança somente o montante correspondente à então realizada
avaliação de seus bens”.
A autora diz também que a alteração do testamento não teria sido nenhuma
“retaliação ao filho Desembargador”, ou uma tentativa de impedir que os filhos mulatos ,
tidos com a escrava Chica da Silva, “entrassem futuramente na posse dos bens”, mas sim,
“influência de Isabel, que vivia confortavelmente no Reino às custas da riqueza do marido,
e certamente não gostaria que, com sua viuvez, visse ser privada da casa, das joias e do
reconhecimento social que desfrutava”.
Esta é, no entanto, exatamente a versão que o filho do contratador apresentaria a
aos tribunais e que era contrária à da viúva. Segundo Taques, o sargento-mor teria feito, um
ano após o casamento, uma escritura dotal que prejudicava substancialmente a viúva e que
havia sido feita à sua revelia. Segundo o linhagista, João Fernandes “fez lavrar uma escritura
sem sua mulher ser sabedora, e em cujo nome assinou um clérigo, por ela não saber ler nem
escrever”.

148 FURTADO, Júnia Ferreira. Chica da Silva e o contratador dos diamantes – O outro lado do mito. São
Paulo: Companhia das Letras, 2003.
149 FURTADO, Júnia Ferreira, Família e relações de gênero no Tejuco: O caso Chica da Silva. VARIA

HISTÓRIA, Belo Horizonte, n. 24, p. 33-74.

82
Podemos confirmar o que diz Pedro Taques sobre Isabel Monteiro não saber ler
nem escrever em uma procuração passada por ela ao neto Luís de Souza Brandão e Menezes,
em 04 de julho de 1787, também anexa a seu processo de habilitação. Na procuração, feita
na casa da viúva, “na travessa do Guarda-mor, ao pé das Trinas, freguesia de Santos Velhos”,
na cidade de Lisboa, o tabelião, Felipe de Carvalho Sotomaior, escreve que “todos
conhecemos ser ela constituinte a própria, que por dizer não sabia escrever assinou a seu
rogo Domingos de Carvalho Sotomaior”. Foram testemunhas José Luís Teles, morador no
Salitre, freguesia de Coração de Jesus, e Joaquim José do Rego.
No processo de habilitação a defesa de Isabel Monteiro afirma que, antes de
contrair o matrimônio, ela não teria feito “carta de ameação como determina a Lei”, nem,
tão pouco, escritura de pacto dotal, não podendo a dita escritura, feita um ano após o
casamento, como queria o seu enteado, substituir tais instrumentos, excluindo “a suplicante
da meação dos bens adquiridos durante o matrimônio”.
Em 1783, Isabel Monteiro obteve uma sentença favorável a seus interesses, mas,
ainda assim, não conseguiria garantir a posse de seus bens. João Fernandes, que a essa altura
gozava de muito poder e prestígio, lançaria mão de diversos expedientes e embargos que a
impediriam de receber a sua parte da herança.
Em um processo aberto por Isabel Monteiro, quando esta tentava resgatar “um
prédio de casas nobres sito a rua do Guarda-mor”, localizado na freguesia de Santos Velhos,
e uma quinta no sítio da Portela, ela apelaria à rainha D. Maria. No requerimento ela afirma
ter sido “exterminada de meeira do casal em pleito intempestivo e sumário ”, movido pelo
seu enteado, mas que a “injustiça da primeira sentença” teria sido revogada. Mesmo tendo
recebido uma sentença favorável, o seu enteado teria arrendado ao desembargador João
Fernandes Nunes os imóveis aos quais ela teria direito a receber, por um prazo de seis anos,
mesmo depois que o veredito já havia sido dado. Alegando ser a quinta “seu único retiro”
para o seu “desafogo” e da sua família, a viúva afirma o seguinte no documento:
Cansada a suplicante de viver quase mendiga e desamparada, sem decoroso
abrigo, e em apertado domicílio, estando com sua filha e bisnetos, pediu com a
política por escrito ao dito Desembargador que se compadecesse do seu
desarranjo e da sua avançada idade para efeito de buscar outras casas para o seu
acomodamento e largar aquelas para a suplicante ir morar nelas .

Segundo o documento, o desembargador, que era juiz das causas do casal, havia se
“mancomunado com o filho bastardo e herdeiro do enteado da suplicante” e, além de ter
arrendado os imóveis por valores muito inferiores, ainda pagava os aluguéis “com várias
contas de obras inúteis”. A quinta, segundo o documento, era uma propriedade notável, que

83
contava com vinhas, hortas, olivais, “além de uma boa casa de vivenda e seis moradas que
se alugavam a dinheiro”.
Nessa época a disputa pelos bens, que se arrastaria até depois de 1821, já estaria
sendo comandada por João Fernandes de Oliveira Grijó, neto do sargento-mor, porque o seu
pai havia falecido em 21 de dezembro de 1779150 .
Em 12 de novembro de 1788, como consta de cópia de uma certidão anexa ao
processo de Habilitação de Caetana Maria Brandão 151 , faleceu Isabel Pires Monteiro “de
repente de uma apoplexia, sem sacramento”. A viúva morava então no lugar chamado
Castelo Picão e foi sepultada “em caixão”, na igreja de Santos Velhos, da mesma fregues ia,
como consta do assento feito à folha 219, do livro 12 dos óbitos.
Deixaremos de lado temporariamente a disputa entre Isabel Monteiro e os herdeiros
de João Fernandes para falarmos um pouco sobre a sua filha Caetana Maria Brandão, que
posteriormente assumiria a demanda pelos bens.

1.5 - Caetana Maria Brandão

Como já ficou dito, Caetana Maria Brandão, filha única de Luís Cerqueira Brandão
e Isabel Pires Monteiro, nasceu na vila de Pitangui e foi batizada na Capela de Nossa
Senhora da Penha, em 13 de janeiro de 1726. No dia 04 de fevereiro de 1742, com apenas
16 anos, se casou com Alexandre Luiz de Souza e Menezes152 , na matriz de Nossa Senhora
do Pilar, na mesma vila.
Alexandre de Menezes recebeu carta patente de capitão de Dragões das Minas
Gerais em julho de 1748153 e, antes disso, já havia ocupado o posto de 1º e 2º tenente da
mesma companhia e de soldado na cavalaria da província da Beira, em Portugal. Nesses
postos, segundo requerimento de Caetana Maria e seus filhos, que requisitavam o

150 Furtado, Ibid. p. 70.


151 AUTOS de Habilitação de D. Caetana Maria Brandão - Filiação: capitão-mor Luís de Sequeira Brandão
e D. Isabel Pires Monteiro. Cônjuge: o tenente de dragões, Alexandre Luís de Sousa e Meneses. A acção
prende-se com a herança do padrasto, o sargento-mor, João Fernandes de Oliveira, contratador dos
diamantes, falecido no Rio de Janeiro. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos Findos,
Juízo da Índia e Mina, Justificações Ultramarinas, Brasil, mç. 112, n.º 6.
152 Natural e batizado na igreja de São Pedro da vila de Marialva, no bispado de Lamego, em Portugal,

Alexandre era filho do capitão-mor de Marialva, Luiz de Souza e Menezes Vasconcelos, familiar do número
da Inquisição de Coimbra, e de Maria de Sousa de Meneses, natural de Moimenta da Beira.
153 REQUERIM ENTO de Luís Cardoso de Meneses e Sousa Brandão e outro, solicitando a remuneração

de serviços do seu pai, Alexandre Luís de Sousa e Meneses, Capitão de Dragões. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Ministério do Reino, mç. 958, proc. 16.

84
recebimento de soldos vencidos, ele teria atuado por 13 anos e seis meses, entre 16 de março
de 1734 e 26 de abril de 1751154 .
Se os documentos relacionados a Luís Cerqueira são escassos, o mesmo não se
pode dizer de sua esposa, de sua filha e do marido desta. Seja por causa dos postos que este
último ocupou, seja por causa da disputa interminável pela herança de Isabel Pires Monteiro
e de João Fernandes de Oliveira ou pela incansável busca por títulos e mercês movidas pelo
próprio Alexandre Menezes e por seus filhos, uma extensíssima relação de processos,
certidões, inquirições e outros papéis relativos à família foram produzidos ao longo dos anos.
O material certamente merece um trabalho dedicado apenas ao tema para que toda a
documentação seja devidamente explorada. Aqui anotaremos apenas algumas informa ções
mais relevantes.
Quando o processo de habilitação para familiar do Santo Ofício de Alexandre Luiz
de Souza e Menezes foi levado a efeito, entre os anos de 1754 e 1761, ele já era cavaleiro
professo da Ordem de Cristo e tinha cerca de 30 anos, como afirma o padre Antônio Mendes
Santiago. Nesta época o casal já vivia na vila de Arcos, no arcebispado de Braga, para onde
havia se mudado, acompanhando a mãe de Caetana Maria. Segundo o depoimento das
testemunhas ouvidas, ele vivia “dos cabedais grandes que trouxe do Brasil, e de fazendas
que valem mais de vinte mil cruzados, posto que algumas são litigiosas”.
Bem antes de seguirem para o Reino o casal já tinha dois filhos. O primeiro, Luiz
de Souza Brandão e Menezes, que, como já dissemos, foi batizado em 20 de janeiro de 1743,
na matriz da Vila de Pitangui pelo governador Gomes Freire de Andrade, e o segundo,
Alexandre José de Menezes Brandão, também batizado na mesma freguesia de Nossa
Senhora do Pilar de Pitangui e que, segundo sua diligência de habilitação para a Ordem de
Cristo, teria seis anos de idade quando seguiu com os pais para Portugal. O padre Afonso
Moreira da Cruz, presbítero do hábito de São Pedro, uma das testemunhas ouvidas no
processo, disse que, "a esta corte chegou no ano de 1751 e daqui foi para um colégio de
Roma e depois da proibição voltara para outro colégio de França”155 .

154 ESCRITO do [Conselheiro do Conselho Ultramarino], Francisco da Silva Corte Real, ao Fiscal das
Mercês, Gonçalo José da Silveira Preto, para que responda sobre o requerimento de Caetana Maria Brandão,
viuva do coronel e ex-governador da praça de Santos, Alexandre Luís de Sousa, que solicita os documentos
originais do processo de seu marido para poder receber o pagamento dos soldos dos serviços prestado
naquela praça. AHU_CU_SÃO PAULO, Cx. 11, D. 536. Anexo: 9 requerimentos, escrito de secretário,
registo, 12 certidões, informação de serviço, 2 cartas, instrumento de justificação.
155 DILIGÊNCIA de Habilitação para a Ordem de Cristo de Alexandre José de Menezes Brandão - Filho

do Coronel Alexandre Luís de Sousa e Menezes, Governador de Santos, Cavaleiro da Ordem de Cristo e
de sua mulher D. Caetana Maria Brandão, natural de Arcos de Valdevez; neto paterno de Luís de Sousa de
Menezes, Capitão-Mor de Marialva, e de sua mulher D. Maria de Menezes e Sousa; neto materno de Luís

85
Em 1757, Alexandre Menezes assumiria o posto de governador da praça de Santos
com administração em todo o militar das comarcas de São Paulo, Paranaguá e mais confins,
com soldo de três mil cruzados por ano e, em 09 de janeiro daquele ano, ele embarcaria para
o Brasil. Provido pelo Rei D. José I, ocupou o posto por exatos 08 anos, dois meses e seis
dias, até 1765156 . Durante esse tempo participou da resistência aos espanhóis e também
comandou o cerco e expulsão dos padres jesuítas da vila de Santos e de São Paulo, em
novembro de 1759. De acordo com documentos anexos ao processo aberto por Caetana
Brandão, ele teria seguido as ordens do Conde de Bobadela, governador da capitania, para
prender os padres e fazer o inventário de suas fazendas e dos bens que os jesuítas tinha m
nas aldeias de toda a comarca e daqueles pertencentes ao Colégio. Depois de concluídas as
“diligências”, Alexandre Menezes teria acompanhando os padres até uma embarcação, em
Santos, de onde foram enviados para o Rio de Janeiro, no dia 29 de janeiro de 1760.
Em reconhecimento aos serviços do marido sua esposa e seus filhos receberam uma
tença efetiva de 200 mil réis anuais, sendo 100 mil réis para Caetana Brandão e suas netas,
Ana, Caetana e Maria do Carmo, filhas de Luiz de Menezes, e órfãs de mãe, e outros 100
mil réis para os filhos, com o foro da Ordem de Cristo. Nesta época Luiz de Souza Brandão
de Menezes ocupava o posto de tenente da guarda real e escrivão supranumerário do
Conselho da Fazenda e Alexandre José de Souza Brandão Menezes, que vivia na fregues ia
de Sam Martinho de Gandra, termo de Ponte de Lima, na comarca de Viana, ainda era
estudante.
Em 1765, quando o seu filho, Luís de Sousa Brandão e Menezes, fez a sua
habilitação para garantir uma tença anual de 12 mil réis e a mercê do Hábito da Ordem de
Cristo, ele afirmou que era morador em Lisboa, na casa de João Fernandes de Oliveira, na
Cruz de Buenos Aires, freguesia de Santos Velho.
Ao que tudo indica Caetana Brandão não retornou mais ao Brasil, nem mesmo para
acompanhar o marido quando este assumiu o governo da vila de Santos. Quando seu filho
Alexandre José de Menezes fez o requerimento para a habilitação a Ordem de Cristo, em

de Sequeira Brandão, Capitão-Mor de Pitangui, Brasil, e de sua mulher D. Isabel Pires Monteiro de Campos.
ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a
Ordem de Cristo, Letra A, mç. 17, n.º 4.
156 ESCRITO do [Conselheiro do Conselho Ultramarino], Francisco da Silva Corte Real, ao Fiscal das

Mercês, Gonçalo José da Silveira Preto, para que responda sobre o requ erimento de Caetana Maria Brandão,
viúva do coronel e ex-governador da praça de Santos, Alexandre Luís De Sousa, Que solicita os documentos
originais do processo de seu marido para poder receber o pagamento dos soldos dos serviços prestado
naquela praça. AHU_CU_SÃO PAULO, Cx. 11, D. 536.

86
abril de 1766, ele diz que a sua mãe era moradora na vila dos Arcos de Valderez, comarca
de Viana, Foz do Lima, e seu pai “atualmente governador da Vila de Santos e cidade de São
Paulo”.
Alexandre de Menezes faleceu em 1785, com 65 anos, e o casal, segundo diz
Caetana Maria em sua petição, estaria morando em “sua casa e quinta de Novais termo de
Ponte de Lima”, na mesma vila de onde o seu avô teria partido quase cem anos antes em
busca de fortuna na América. De acordo com a certidão de óbito do seu marido, eles vivia m
“nas suas casas de Aquém da Ponte”, bem perto do lugar chamado de Além da Ponte, onde
Atanásio Cerqueira havia nascido. Diz a certidão:
Alexandre Luís de Souza e Menezes Coronel de presente que era assistente nas suas
casas de Aquém da Ponte, arrabalde desta vila da freguesia de São Paio da vila dos
Arcos, comarca de Valença deste arcebispado primaz, faleceu da vida presente com
todos os sacramentos aos 23 do mês de outubro de 1785, fez testamento o qual vai
copiado abaixo, e foi amortalhado no seu hábito de cavaleiro professo na ordem de
Cristo, e enterrado em caixão. Fez-se lhe um ofício final de corpo presente de 152
padres; foi sepultado nos claustros do Convento dos Religiosos de São Bento desta
vila. Tudo feito na forma deposta no seu testamento e não se continha mais. São Paio
da vila dos Arcos 30 de dezembro de 1785.

Com a morte de sua mãe, em 1788, Caetana Brandão assumiria a disputa pela
herança do padrasto. No ano seguinte, ela solicita a nomeação de um juiz administrativo
para fazer a gestão dos bens e na petição afirma que, apesar de sua mãe ter obtido “uma
sentença em grau de Revista, em 05 de março de 1783, que a julgou meeira e cabeça de
casal em todos os bens de seu defunto marido”, que também determinou a restituição de
todos os seus direitos, a decisão só teria sido proferida em 29 de abril de 1786. A demora,
segundo declara, teria se dado devido aos “enredos e cavilações que iniquamente se
amontoaram contra o progresso da mesma liquidação” e pela “tenacíssima oposição” de
João Fernandes de Oliveira, neto do sargento-mor, que teria oferecido “impertinentes e
tendenciosos embargos”157 .
Caetana Brandão diz que, nesse tempo a sua mãe havia falecido, e que, “tendo-se
passado mais de seis anos”, a execução se achava ainda “quase no seu princípio”. De acordo
com a petição, além desta ação principal, existiam outras 24 ações correndo em diversos
juízos, todas relacionadas à disputa pelos bens. Ela alega ainda que já estaria em uma idade
avançada, “reduzida à pobreza”, privada dos bens e com “despesas cotidianas”, geradas

157REQUERIM ENTO de Caetana Maria Brandão, solicitando a nomeação de um juiz administrativo que
faça a gestão dos bens da casa do sargento -mor João Fernandes de Oliveira Neto. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Ministério do Reino, Mç. 693, Proc. 13.

87
pelos “pleitos complicados”, e não tinha mais forças para continuar, “com um adversário
obstinado e que tem em seu poder os meios de fazer a mais vigorosa resistência ”.
Para finalizar, ela lembra que estaria “provida com o incontestável direito de uma
sentença que passou em julgado”, e que o seu adversário vivia, “em sossego”, consumindo
os bens e os avultados rendimentos, enquanto ela estaria “privada dos alimentos
indispensáveis à sua natural conservação”. Caetana Brandão pede então que seja constituído
um novo juiz administrativo e um curador para todos os bens do sargento-mor e de seu filho,
o Desembargador do mesmo nome, e que os rendimentos fossem divididos entre ela e João
Fernandes de Oliveira, neto de seu padrasto, até que se extinguissem as ações.
À ação, Caetana Brandão anexa uma certidão com data de 05 de março de 1783,
segundo a qual João Fernandes de Oliveira teria sido notificado para deixar, em 10 dias, a
Quinta da Enxara do Bispo, “onde o mesmo se achava”. Ela também anexa os autos de
execução de sentença de Isabel Pires Monteiro segundo os quais essas e outras propriedades,
com exceção de uma chácara situada no Arraial do Tejuco, identificadas no processo de
liquidação dos bens do sargento-mor, teriam sido compradas ou edificadas por ele e que
teriam sido conservadas em sua posse, “por todo o tempo da sua vida”, e que, por seu
falecimento, deveriam ser transferidas à viúva. Segundo o processo, a posse do
Desembargador João Fernandes de Oliveira “foi posterior a morte de seu pai”.
Em 1793, Caetana Maria Brandão requereria a sua habilitação como filha única e
universal herdeira de Isabel Monteiro para receber tudo que lhe pertencia, especialmente os
bens herdados como meeira do sargento-mor. Quando redige a procuração para o advogado
Antônio Mendes Bordalo, que irá representá-la junto à justiça, em outubro de 1794, ela diz
ser moradora na Quinta da Portela, na freguesia dos Olivais. Havia finalmente conseguido
recuperar a propriedade que a sua mãe disputava com o seu enteado. No entanto, a batalha
ainda não estaria encerrada.
Vinte anos depois, Caetana Brandão ainda não havia conseguido receber os bens
que foram determinados pela sentença favorável que a sua mãe havia recebido em 1783. No
ano de 1803, em um Auto de Justificação de Impedimento e abonação de seu novo
procurador, o Padre Silvestre Lopes e Aparício 158 , feito após a morte do desembargador
João Fernandes de Oliveira, filho de seu padrasto, no Rio de Janeiro, ela ainda era moradora

158AUTOS de Justificação de D. Caetana Maria Brandão - Filiação: D. Isabel Pires Monteiro. Cônjuge: o
coronel Alexandre Luís de Sousa e Meneses, falecido. Residência: Olivais. A ação prende -se com a herança
do padrasto o sargento-mor João Fernandes de Oliveira, contratador dos diamantes, falecido no Rio de
Janeiro. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos Findos, Juízo da Índia e Mina,
Justificações Ultramarinas, Brasil, mç. 112, n.º 7.

88
na Quinta do Portela, e diz que, como herdeira de sua mãe se achava habilitada a receber a
herança que estaria “depositada no Cofre dos Defuntos e Ausentes” e que, por causa da
idade avançada e de “suas moléstias”, não poderia ir pessoalmente fazer a cobrança e, por
isso, desejava habilitar o seu procurador.
No dia 22 de junho do mesmo ano, o Inquiridor do Juízo das Justificações
Ultramarinas, Francisco Pires da Fonseca, interrogaria várias testemunhas para confirmar
as declarações. Manuel Inácio da Costa, negociante, morador no largo de Santo Antônio da
Sé de Lisboa, de 52 anos, diz que a conhecia há muitos anos e que ela “padece muitas
moléstias e é de avançada idade impossibilitada de andar, e que nunca sai de casa por não
poder”.
Caetana Maria Brandão faleceu no dia primeiro de janeiro de 1813, em sua casa da
rua de Santa Quitéria, em Lisboa, com sacramentos, e foi sepultada na igreja de Santa Isabel,
segundo consta do livro 90 dos óbitos da mesma freguesia. A cópia da certidão, feita pelo
Coadjutor Francisco de Sá, foi anexada ao processo de Justificação de Luís de Sousa
Brandão e Meneses 159 , que pretendia se habilitar para receber a herança de seus pais.
Segundo a certidão ela teria deixado testamento e o próprio Luís de Souza seria o
testamenteiro.
A morte de Caetana Brandão, no entanto, não extinguiria o processo pela posse dos
bens do contratador dos diamantes. Em 1821 os netos e bisnetos de Isabel Pires Monteiro e
do Sargento-mor João Fernandes de Oliveira ainda disputavam a herança. Em petição de 17
de janeiro de 1821, “os menores e órfãos netos e bisnetos de D. Isabel Pires Monteiro e do
Sargento-mor João Fernandes de Oliveira” alegam que, embora a partilha da herança feita
em 17 de setembro 1770, após a morte do sargento-mor, pelo Desembargador Fernando José
Cunha, tenha sido revogada em 12 de setembro de 1771, após 50 anos a partilha ainda não
havia sido concluída160 .
Com relação ao padre Teodoro de Mendonça e Catarina de Mendonça Brandão,
filhos de Atanásio Cerqueira, não localizamos nenhuma documentação relacionada aos
mesmos. Sobre Jacob Araújo de Mendonça, além da carta escrita para Luís Cerqueira, citada
anteriormente, encontramos apenas a referência da compra da fazenda Riacho na escritura
relacionada no inventário de Caetana de Cerqueira Brandão, também já mencionada.

159 AUTOS de justificação de Luís de Sousa Brandão e Meneses, Filho de Alexandre Luís de Sousa e
Meneses e de Caetana Maria Brandão, ambos já falecidos - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO/Conselho da Fazenda, Justificações do Reino, Letra L, mç. 7, n.º 33.
160 REQUERIM ENTO de D. Isabel Pires Monteiro, netos e bisnetos de, sobre a administração dos bens de

sua casa - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Ministério do Reino, mç. 754, proc. 42.

89
Simony Lima em sua dissertação diz que Caetana de Siqueira, “possivelme nte ”
seria neta de Atanásio de Siqueira Brandão e de Catarina de Mendonça 161 . Na árvore
genealógica que ela organiza fica sugerido que Caetana de Siqueira seria filha de Angélica
de Siqueira. Talvez a informação esteja no inventário a que a autora teve acesso, mas que,
no entanto, não consta do texto. Sendo realmente filha da dita Angélica, fica descartada a
possibilidade de Caetana de Siqueira ser neta do mestre-de-campo já que este não tinha
nenhuma filha com este nome.
Como na escritura de compra está dito que ela era sobrinha de Jacob, possivelme nte
se trata de uma sobrinha-neta. Neste caso ela poderia ser neta de Maria Brandão e Januário
Cardoso, tendo a sua mãe, Angélica de Siqueira, sido omitida da relação de filhos do casal,
feita por Pedro Taques. Outra possibilidade, talvez a mais provável, é que ela seja filha de
Catarina de Mendonça Brandão, sobre a qual nada sabemos.
Caetana de Siqueira, segundo Lima, era casada com um português chamado
Joaquim de Amorim Castro da Gama, morador em Carinhanha, com quem teve seis filhos :
Manoel Francisco Gomes, juiz de paz da vila de Carinhanha, Thomas Gomes Marinho,
Atanásio Siqueira Brandão, Francisco Moreira da Gama, Maria e Ana. Seu patrimônio total,
avaliado pela autora, era de “24:855$918 reis, divididos entre os bens da família: escravos,
gados vacum e cavalar, bens de raiz, móveis, joias e valores relativos a dívidas”162 .
Na fazenda do Riacho, chamada de “fábrica”, a família Siqueira Brandão, destaca
a autora, se dedicava a produção de açúcar e rapadura, “o que pode ser evidenciado através
dos objetos inventariados: instrumentos para o trabalho agrícola e utensílios de cobre: como
caldeirões, bacias, formas, dentre outros”. Já na fazenda da Barra, “a principal atividade
desenvolvida era a pecuária”163 . No inventário foram listados 51 escravos, 20 apenas na
“Fábrica do Riacho”.
Em sua dissertação, Simony Lima também faz referência a uma carta escrita por
Caetana de Siqueira Brandão e seu esposo ao presidente da Província onde o casal reclamava
dos moradores que não estariam pagando foros pelas casas construídas na vila da
Carinhanha, alegando que as terras seriam de propriedade da Câmara Municipal. No
documento o casal diz que eram proprietários de uma “fazenda de criar gados vacum e
cavalar na beira do Rio de S. Francisco denominada Barra extremando com o pontal da

161 Lima, Ibid. p. 40.


162 Lima, Ibid. p. 36.
163 Lima, Ibid. p. 47.

90
Carinhanha” 164 . No local teria sido construído um “oratório de S. Caetano”, que foi
convertido em capela pelos provedores da comarca, “havendo-se passado para o terreno e
Cazas do oratório e do Supp. Hum Arrayal, hoje criado Villa de S. Jose da Carinhanha”.
Em outro documento, também citado pela autora, escrito por Manoel Francisco
Gomes, filho de Caetana de Siqueira, em resposta a um requerimento do presidente da
Província da Bahia, em 1º de março de 1841, relacionando as capelas de Carinhanha, o juiz
de paz diz que a única existente na jurisdição seria a de São Caetano, construída por Atanásio
de Siqueira Brandão. Segundo o documento, o mestre-de-campo teria deixado para o
oratório metade da fazenda da Barra, “situada nesta vila”, compreendendo meia légua de
terras, “com gados para conservação de um sacerdote que administrasse os sacramentos aos
necessitados”165 . O restante do rendimento seria de propriedade de seus filhos e de sua
família, tendo sido a última administradora Caetana de Siqueira, “já falecida”, e, com a sua
morte, seu marido Joaquim de Amorim, que teria dado continuidade a dita administração.

1.6 – O testamento de Atanásio Cerqueira Brandão

Em março de 1731, na fazenda da Barra da Carinhanha, Atanásio Cerqueira ditaria


o seu testamento, cuja cópia se encontra no Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Ponte
de Lima166 . Seguindo os padrões da época, onde, como era de costume, no início do texto
se demonstrava as prioridades espirituais e salvacionistas 167 , exortando à Santíssima
Trindade e às divinas chagas do Senhor morto “na árvore da Vera Cruz”, ele pede que,
“falecendo neste sertão”, seu filho Luís Cerqueira Brandão, seja o seu testamenteiro e, em
caso de impedimento deste, sejam nomeados Jacob de Araújo Mendonça, também seu filho,
ou seu sobrinho, Agostinho Fernandes da Costa Ramos. Caso venha a falecer na cidade da
Bahia, ele pede então que o sargento-mor Francisco Pires Lima ou Francisco Carnoto Vilas
Boas, ambos seus primos, sejam os testamenteiros.
No testamento, que possui 12 páginas e traz uma lista interminável de
determinações, o mestre-de-campo pede para ser enterrado, coberto com o manto e as armas

164 APEB. Seção Colonial e Provincial. Documentação Câmara de Carinhanha (1831-1862), maço nº 1297.
Lima, Ibid. p. 40.
165 APEB. Seção Colonial e Provincial. Documentação Câmara de Carinhanha (1831-1862), maço nº 1297.

Lima, Ibid. p. 41.


166 Arquivo da Santa Casa de Misericórdia de Ponte de Lima - livro 67. Ponte de Lima. Portugal.
167 RODRIGUES, Cláudia. Os testamentos setecentistas do Rio de Janeiro enquanto fontes para uma

História da morte. ANPUH, XXVII Simpósio Nacional de História; Ano: 2012;

91
de “cavaleiro professo”, na matriz de Japoré e, caso isso não seja possível, e tendo ele sido
“enterrado no cemitério que tem nessa barra”, que os seus ossos sejam trasladados “para a
dita Matriz”, para a sepultura que ele possuía na capela-mor. No documento, Atanásio
Cerqueira afirma que, dos onze filhos que teve com Catarina de Mendonça, estariam vivos
na ocasião apenas, Luís de Cerqueira Brandão, Teodoro de Mendonça, padre da Companhia
de Jesus, Jacob Araújo de Mendonça e Catarina de Mendonça Brandão.

Figura 12: Capa e parte da primeira página do testamento de Atanásio Cerqueira Brandão - Arquivo da Santa
Casa de Misericórdia de Ponte de Lima - livro 67 - Ponte de Lima/Portugal.

No ano em que Atanásio Cerqueira fez o seu testamento o mestre-de-campo


Januário Cardoso de Almeida já havia falecido. O reinol determina que, além dos bens que
couberam aos órfãos, “seus netos Caetano e Rita”, do dote “que consta do assento do meu
livro”, estes deveriam herdar apenas o que constasse “da legítima de sua mãe”, que fazia
parte do dote que ela recebeu quando se casou com ele.
O mestre-de-campo afirma que, “junto com minha mulher”, teria dado ao seu filho,
Luís Cerqueira Brandão, a fazenda de Jenipapo, com “escravos e cavalos”, mas que os seus
rendimentos lhe pertenceriam, “até a minha morte”. Não deveriam entrar no cômputo dos
bens “as vacas”, que Luís Cerqueira “devia” à fazenda Jequitaí, e que constariam dos
“assentos dos meus livros”, porque essas teriam sido dadas a ele por sua mãe, “em
remuneração dos serviços que fez a casa em utilidade dos irmãos”. É oportuno chamar a

92
atenção aqui para a referência às fazendas, lembrando que ambas aparecem na lista das
propriedades do Morgado de Grijó.
Dois trechos do testamento merecem ser destacados pelo inusitado das
determinações. No primeiro deles Atanásio Cerqueira diz que, para desencargo “de minha
consciência e de minha mulher”, que eles teriam uma dívida, “por satisfazer”, com “as almas
do fogo do purgatório e a São Caetano e a Santo Antônio”. A dívida seria a seguinte: quando
ele e Isabel Mendonça se casaram teriam feito um “contrato de ajustamento” com as Almas,
segundo o qual se comprometeram a pagar, “uma missa cotidiana na matriz da vila de Ponte
de Lima com a esmola de cento e cinquenta reis”, caso eles conseguissem conquistar 20 mil
cruzados.
Também fizeram outro “contrato com São Caetano”, segundo o qual, “possuindo
outros vinte mil cruzados além dos acima ditos lhe daríamos cinco mil cruzados para as
obras de seu convento na cidade de Lisboa”. Além desses acordos, também teriam feito um
“conserto com o senhor Santo Antônio”, se comprometendo, “em possuindo mais outros
vinte mil cruzados além dos acima ditos”, dariam cinco mil cruzados para as obras da igreja
da irmandade a qual pertencia o irmão de Isabel Monteiro, na cidade de Lisboa.
O mestre-de-campo determina então que, “por quanto se encheram as condições
acima declaradas”, e o casal possuísse “mais do que pedi aos ditos santos”, ou seja, mais de
60 mil cruzados, uma fortuna bastante considerável para a época, em cinco anos, o seu
testamenteiro e os seus herdeiros deveriam cumprir as promessas, porque “os ditos santos e
almas me ajudaram”.
Mesmo não tendo retornado a Ponte de Lima, o reinol não deixa de demonstrar o
seu apreço pela sua cidade natal, nem o desejo de ser lembrando pelos seus paisanos.
Primeiramente ele deixa cinco mil cruzados para que seja rezada, pelo tempo de oito anos,
uma missa cotidiana, “por minha intenção e de minha mulher pelas almas do purgatório no
Colégio da Vila de Ponte do Lima com a esmola de duzentos reis”. A missa deveria ser
proferida por um sacerdote pobre, de bons costumes, “da dita vila ou arrabalde dalém da
Ponte”, preferencialmente, um seu parente.
Em segundo lugar ele recomenda que fosse rezada outra missa cotidiana, na matriz
de Ponte de Lima, com esmola de 240 réis, com detalhes especiais. A missa deveria ser
rezada por 10 anos, sempre “as dez horas em ponto”, e, assim como era de costume na missa
das onze, o sino deveria ser tocado todos os dias. Nos dias em que fossem realizadas festas,

93
e o sino não pudesse ser tocado, a missa deveria acontecer “antes ou depois de se terminar
a dita”.
Para concluir, Atanásio Cerqueira pede que seja celebrada uma missa cantada todos
os sábados em honra de Nossa Senhora, também na matriz da vila de Ponte de Lima, após
a reza do coro, dando-se a esmola costumada. Para esta missa ele determina que seus
testamenteiros remetam “dinheiro que for necessário a dita confraria” para que estes façam
as “escrituras necessárias” e, com tal patrimônio, “o satisfaçam da dita missa enquanto o
mundo for mundo”.
Atanásio Cerqueira também não se esqueceu dos familiares que ficaram em Ponte
de Lima. Ele destina cinco mil cruzados para que sejam rezadas missas no Colégio de Ponte
de Lima, com esmola de 240 reis, “pela alma de meu pai e de minha mãe e irmãos defuntos”,
cem mil réis para a Irmandade do Bom Jesus e duzentos mil réis para as obras ao convento
de São Francisco do Monte, ambos na Vila de Viana.
Como demonstração de sua grande devoção e do seu poderoso cabedal, o reinol
deixa ainda cem mil réis para a Irmandade do Santíssimo Sacramento, da freguesia de São
Pedro da vila da Cachoeira, onde era irmão; cem mil réis para os “lugares santos de
Jerusalém” e mais quatro mil cruzados para as obras do seminário de Belém, no colégio da
Companhia de Jesus da cidade da Bahia.
As missas, no entanto, não se restringiriam a Ponte de Lima. Também no oratório
de São Caetano, que teria sido transferido para a fazenda da barra do Carinhanha, Atanásio
Cerqueira determina que, “o capelão que aqui se achar no tempo do meu falecimento ”, diga
durante um ano, “fora as da obrigação da capela de domingos e dias santos e natal”, uma
missa com esmola de dez tostões. Para a manutenção do oratório, como já havíamos visto
pela declaração do juiz de paz Manoel Francisco Gomes, filho de Caetana de Siqueira, em
1841, o mestre-de-campo deixa os rendimentos de metade da fazenda da Barra, pertencente
a sua terça, para pagar “a pensão que se der ao capelão que aqui assistir”, sendo que, o
restante dos rendimentos, como ficou dito, deveriam ser destinados “ao filho ou filha que
nela assistir”.
Ao declarar que possuía muitos créditos e algumas dívidas, “que constam do meu
livro por assentos”, as quais deveriam ser pagas, “com a brevidade possível”, Atanásio
Cerqueira acrescenta que várias pessoas possuíam dívidas com ele, e que estas deveriam ser
cobradas pelos seus testamenteiros “com suavidade, com que não apertem os pobres”.

94
Para sua neta, Caetana Maria Brandão, filha de Luís Cerqueira Brandão, que,
alguns anos mais tarde seria disputada por vários pretendentes, como diz Pedro Taques,
tendo inclusive despertado o interesse do governador Gomes Freire, o mestre-de-campo
determina que se dê dez mil cruzados de dote. Cinco mil de sua terça e os outros cinco, da
terça de sua esposa. Para o mulato João (...), filho de Simoa, que ele havia criado, além de
determinar a sua alforria, deixa 50 vacas.
Por diversas vezes o reinol se refere às anotações do seu Livro de Razão e
recomenda aos herdeiros e testamenteiros que confirmem as anotações no livro. No
testamento o reinol chama a atenção ainda para algumas demandas que possui. Uma delas
se refere ao Capitão Nicolau Lopes Fiúza e a cobrança de dízimos feita em seu nome. Este
processo foi aberto pelo capitão Francisco Muniz Barreto, que havia se casado com a viúva
de Lopes Fiúza, e alegava que o reinol havia se apossado de um gado que este teria
comprado a pedido do defunto.
De acordo com o reinol, grande parte do gado de Lopes Fiúza e de seu sócio,
capitão Manuel Dias, estava distribuído em quatro propriedades do capitão Francisco
Mendes Pereira, “das Barreiras até a Boa Vista”. Parte do gado havia morrido, por causa
das enchentes ocorridas em 1712, e os que escaparam estariam reunidos na fazenda chamada
das Povoações (FIG. 21), “que fica do Paracatu para cima”.

95
Figura 13 – Árvore genealógica de Atanásio Cerqueira Brandão

96
Capítulo II - O livro de razão – ano de 1710

2.1 Livro terceiro de contas que tenho com várias pessoas

“O Livro de Razão: Ano de 1710”, também chamado por Atanásio Cerqueira


Brandão de “Livro terceiro de contas que tenho com várias pessoas”, não é um livro
tradicional de contabilidade. Nele não estão descritas apenas transações de compra e venda
de mercadorias, nem tão pouco a relação de despesas e lucros de um determinado
empreendimento, ou mesmo os gastos para a produção de um produto. Apesar de conter,
ainda que parcialmente, anotações relacionadas à compra e a venda de gado, o livro vai
muito além do simples registro de transações comerciais. Os assentos, feitos
sistematicamente a partir de 1711 até 1734, ano do falecimento de Atanásio Cerqueira, estão
relacionados, principalmente, às dívidas decorrentes das transações realizadas entre o reinol
com mais de uma centena de pessoas que orbitavam numa ampla área do sertão do rio São
Francisco.
Tais dívidas poderiam ser fruto da aquisição de uma ou de até de 800 cabeças de
gado, ou poderiam ser simplesmente referentes ao empréstimo de dinheiro para a aquisição
de uma meada de linha, uma vara de tecido de algodão ou mesmo uma saia de Serafina. Esta
variedade de transações e a riqueza de detalhes das anotações, feitas por um período de
tempo tão significativo, numa época em que esta vasta área do norte de Minas ainda se
encontrava nos primórdios de sua ocupação, é que faz deste livro uma verdadeira joia
preciosa.
A partir da análise das notas podemos perceber que, ao contrário do que sabíamos
até aqui, Atanásio Cerqueira não era somente um mestre-de-campo envolvido na guerra
contra os índios, nem tão pouco apenas um importante fazendeiro criador de gado. Na
verdade, o reinol financiava inúmeras atividades como se fosse um verdadeiro banqueiro.
Emprestava dinheiro para que os moradores pudessem satisfazer desde as suas necessidades
mais básicas, como adquirir ferramentas, enxadas, machados, uma carga de surrões de sal
para a alimentação do gado ou até mesmo uma fazenda.
Ao mesmo tempo em que emprestava quatro mil réis a José Fernandez, “que
assistiu na fazenda dos Campos de São João”, para que este pudesse pagar pelo feitio de
uma imagem de Santa Luzia, ele garantia outros 46.880 réis a Damásio Fonseca para pagar
“o pano de algodão que veio do Maranhão”, ou dez oitavas de ouro, ao mestre pedreiro

97
Domingos Gonçalves, para que este pudesse pagar “o doutor licenciado Dom Pedro” pela
cura “do seu moleque”.
Ao estudarmos as anotações podemos verificar que o reinol foi um dos principa is
motores do desenvolvimento econômico da região, tendo possibilitado o estabelecime nto
de uma ampla rede de relações que seriam fundamentais para a permanência de muitas
pessoas no norte de Minas. O livro, no entanto, não se limita aos registros de dívidas. Traz
também uma complexa contabilidade que detalha a movimentação financeira de uma
extensa gama de compradores, fornecedores, produtores e moradores; expondo as
intrincadas relações existentes e permitindo que tenhamos uma ideia bem mais precisa do
volume, dos valores e dos produtos negociados.
Infelizmente é muito difícil fazer um balanço dos valores movimentados
anualmente porque Atanásio Cerqueira não era muito rigoroso com relação aos números e
as datas das transações. Ainda que na maioria das páginas ele tenha indicado o ano em que
as anotações foram iniciadas, os dias e os meses nem sempre são identificados, e também
podemos perceber grandes saltos entre uma nota e outra. Também encontramos diversas
expressões como “salvo erro”, “será o que o dito senhor disser” ou “e por não está certo na
conta não a ponho”. Também a letra apagada pelo tempo e muitas vezes ruim, especialme nte
das anotações feitas pelo reinol após 1730, e a qualidade das tintas usadas, dificultam a
obtenção de dados precisos.
O Livro de Razão também não era o único local onde o reinol fazia os seus
registros. Além dos dois livros anteriores, aos quais ele se refere como sendo os livros
velhos, ou simplesmente, “conta velha a qual está tirada do outro livro”168 , ele fala do “maço
das contas”, do “maço dos créditos”, do “maço de cartas dos meus primos”, do “maço das
quitações”, do “maço das contas do Rio de São Francisco”, dos “papéis do rio Corrente”,
do “livro comprido”, do “livro da fazenda”, do “livro dos gados” e das “contas do caderno”.
O livro terceiro de contas possui 348 páginas, protegidas por uma capa dura,
forrada de tecido de linhagem de cor marrom, já bastante danificada, mas, apenas a primeira
página e a folha de verso, colada à capa, estão parcialmente rasgadas nas pontas. O livro
apresenta algumas manchas e a costura começa a se desfazer em alguns cadernos.
O corpo do livro está dividido em três partes: o índice, a contabilidade e as
anotações diversas. As 21 páginas iniciais, intituladas “Abecedário”, foram destinadas a

168
LIVRO de receita e despesa de Atanázio Sequeira Brandão/ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO/ Feitos Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250. P. 99v.

98
anotação dos nomes dos interlocutores e o número das respectivas páginas onde foram feitos
os registros relacionados a cada um deles. As páginas seguintes, de 23 até 144, foram
destinadas as anotações relacionadas aos negócios.
Os registros foram feitos no modo de partida dobada, onde os débitos, “Deve”, são
dispostos no verso, no lado esquerdo da folha, e os créditos, “Haver”, na parte da frente, no
lado direito. A partir da página 145, são feitas diversas anotações aleatórias referentes às
disposições testamentárias, aos dotes de seus filhos, a disputas judiciais e, para encerrar, na
última página, como já dissemos, ele faz a relação dos seus filhos.
São listadas no índice 151 pessoas com as quais o reinol manteve algum tipo de
negócio, mas, ao longo do livro, ele faz referência a mais de duzentas pessoas. Entre elas,
42 padres, 27 capitães, cinco sargentos-mor, cinco alferes, quatro mestres-de-campo, cinco
coronéis e um tenente, além, é claro, de diversos comerciantes, fazendeiros e moradores do
sertão. Apesar de ser bastante preciso, o índice possui inconsistências, especialmente porque
algumas vezes o anotador não coloca a letra “v” para indicar que a anotação começa no
verso da página.
Embora a numeração comece no verso da página 23, esta recebe o número 01 e a
página ao lado o número 02. A partir do número 03, apenas a página da direita passa a ser
numerada. A página da letra J está faltando e os nomes iniciados por esta letra estão anotados
junto com os iniciados com a letra I.
Apesar de o livro ter várias folhas em branco, em algumas estão anotadas contas
de várias pessoas. Na primeira página, por exemplo, podemos ver os registros relacionados
à Diogo Nunes Henriques, do ano de 1713, os de D. Maria Fonseca Teles, de 1729, e
também duas anotações relacionadas a dívidas de Manuel Amorim Teixeira.
Em alguns casos o número da página está simplesmente errado, como acontece nas
contas do Padre Pedro da Costa, que, segundo o índice, deveriam estar na página 03v, mas
estão na página 02v. Já as contas de D. Perpétua Bezerra, cujas anotações são feitas em três
páginas, no índice só estão registradas duas. Esses pequenos desencontros exigem uma
atenção redobrada daqueles que analisam o livro, mas não prejudicam a qualidade das
informações.
A numeração das páginas começa após a conclusão do índice, na página 23, e segue
até o número 313, mas estão faltando 163 páginas, entre os números 146 e 309.
Provavelmente as páginas foram suprimidas pelo próprio reinol porque no índice não existe
referência a essas páginas. Mesmo tendo folhas vazias, Atanásio Cerqueira também fez

99
anotações na contracapa, na frente e no verso da primeira página, e nas três últimas páginas
do livro que não estão numeradas.

Figura 14 – Primeira página do índice do Livro da Razão - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO


TOMBO/Feitos Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.

De um modo geral as notas foram feitas por Domingos Pereira Samora, por Miguel
de Freitas, dois anotadores contratados para fazer o serviço, e pelo próprio mestre-de-campo.
Após a morte do reinol também foram acrescentadas algumas anotações, provavelme nte
feitas pelo seu filho e testamenteiro, Luís de Cerqueira, responsável pela quitação de
algumas dívidas, cujos recibos foram assinados pelos credores no próprio livro. A existênc ia
dos recibos, muitos deles escritos e assinados pelos próprios credores, é outra característica
muito interessante do documento, o que torna o material ainda mais precioso.
Nos primeiros anos de anotações o responsável pelos assentos foi Domingos
Pereira Samora, personagem bastante presente. É ele quem escreve o título do livro na

100
segunda página e os primeiros nomes do índice. Samora, além de ter anotado grande parte
do texto, também foi professor dos filhos do reinol. Na página referente às suas contas
podemos ver que, no mês de junho de 1715, ele recebeu 60 mil réis pelo trabalho e, a partir
daí, passou a receber 100 mil réis. Diz o assento:
“Dei-lhe pelo ano de 1715 acabando em o São João desse ano sessenta mil réis de
me ensinar os rapazes e daí para diante por o ano lhe dou a cem mil réis por o ano
de ensinar os rapazes e me escrever como até aí o fazia” 169 .

Em 1718, ele faria outro recibo referente a seus créditos onde diz que recebeu o
pagamento por três anos de trabalho. “Recebi de meu senhor capitão-mor Atanásio
Cerqueira Brandão tudo o que me prometeu dar dos três anos que findam em 24 de junho
deste ano de 1718. Hoje, 18 de novembro do dito ano. Domingos Pereira Samora”170 .
Novamente, em 1720, em outro recibo ele diz que havia ajustado as contas até abril
de 1720. “Ajustei conta com meu senhor capitão-mor e delas todas que tinham estou pago
e satisfeito assim do tempo como das mais contas que tínhamos até hoje, 20 de abril de
1720”. Samora, no entanto, continuaria prestando seus serviços pelo menos até 1721, como
podemos ver por vários registros feitos como a sua letra e também por uma anotação onde
está escrito que “principia outra vez o senhor Domingos Pereira Samora, 09 de novembro
de 1720, com a mesma porção”.
A partir de 1721, os registros passariam a ser feitas pelo próprio reinol, mas o antigo
anotador continuaria mantendo negócios com seu patrão. Em 1724, ele assinou um recibo
onde diz: “No ano de 1724 me fez o dito senhor acima mercê emprestar em ouro 100/8as.
Domingos Pereira Samora”.
Até por volta de 1731 os registros são feitos pelo próprio reinol e, a partir daí a
maioria das notas passaria a ser redigida por Miguel de Freitas Lopes. O novo anotador,
contudo, serviria ao mestre-de-campo por pouco mais de dois anos. Seu nome aparece na
última linha do índice, espremido no canto direito da página destinada à letra M. No
primeiro registro, de janeiro de 1732, Atanásio Cerqueira escreve que ajustou com ele o
referente a cinquenta mil réis por ano “por me escrever”.

169 Brandão, Ibid, p. 15.


170 Brandão, Ibid, p. 15.

101
Figura 15 – Pagina anotada por Domingos Samora, Atanásio Cerqueira e Miguel de Freitas. - ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.

Além de anotador, Miguel de Freitas também comerciava diversos produtos. Nos


assentos o reinol anota que estaria devendo a ele, entre outras coisas, um corte de pano fino,
14 côvados de forro, um côvado de baeta, dez pratos e um machado. O corte de pano fino,
com o seu forro, que custaram 32 mil réis, e os nove côvados de baeta, a 6.840 réis, aparecem
em um acerto anotado na página 139v.
Segundo esta conta, Miguel de Freitas, juntamente com João Correia do Lago,
primo de Atanásio Cerqueira, teria comprado a fazenda pertencente ao defunto Daniel da
Cunha Rego, também morador na Carinhanha, e de quem o reinol era testamenteiro. Os bens
de Cunha Rego, falecido em 09 de maio de 1732, estão devidamente discriminados, com os
valores, a relação dos que foram vendidos, e o nome do respectivo comprador. Na relação
Miguel de Freitas escreve:
O senhor meu primo o sargento mor João Correia do Lago, e Miguel de Freitas
Lopes ambos em igual parte do abono que lhe fiz para a compra do c omboio do
defunto Daniel da Cunha Rego cujo dinheiro dei logo ---//----//----- Devem.
Por dinheiro que compraram a fazenda acima dita --//---//---- 1.534$560.
Cada um dos ditos acima me passou crédito do que tocava a sua parte por em
cheio, sem fazer menção do que já me deram e se lhe levará em conta o que

102
constar da conta de Miguel de Freitas do que vai dando em fazenda e dinheiro 171 .

Logo abaixo desta nota, grafado com a mesma letra, mas com outra tinta, está
escrito que, “do resto passaram novo crédito em 26 de fevereiro de 1734”. Nesta data
Atanásio Cerqueira já havia falecido. Também na página 14, na margem direita, Miguel de
Freitas anotou e assinou um recibo onde ele diz que “por os cem mil réis acima toda esta
conta está justa e se me não resta nada por me pagar o senhor capitão-mor Luiz Cerqueira
todo o tempo que servi a casa. Miguel de Freitas Lopes”.
Apesar de ter escrito na capa “ano de 1710”, não existe referência de negócios
realizados nesta data. Entre os anos de 1711 e 1712 são feitas pouquíssimas anotações.
Nesse período existem alguns raros assentos e, o mais relevante deles, referente às contas
do padre Bartolomeu Pimenta, foi copiado posteriormente por Miguel de Freitas. A conta,
“tirada bem fielmente de livros e assentos, que tudo estava por letra de Domingos Pereira
Samora”, teria sido anotada em 27 de abril de 1711, e demonstra que, já naquela época,
Atanásio Cerqueira mantinha negócios bastante significativos.
O padre recebeu entre outros pagamentos, 160 oitavas, pela “assistência que me
fez na capela”, mais outras 75, “pela esmola de três capelas de missas pela defunta minha
cunhada Isabel Antunes”. Também possuía uma dívida de 1.976 oitavas e um quarto, grande
parte dela advinda da compra de 199 cabeças de boi, vendidas a quatro mil réis cada,
totalizando 796 mil réis. Além disso, mais 510 oitavas por 170 surrões de sal, outros 20 mil
réis pelo pagamento de tangedores da boiada e 16 mil réis pagos a dois índios que teriam
levado o sal.
A riqueza das informações deste único assento nos ajuda a entender a
importância deste material. Por ele podemos saber o preço cobrado pelos tangedores de
boiada, o valor pago pela mão-de-obra indígena, o preço do boi e do sal praticado na região
ainda nos primeiros anos do século XVIII, o valor das esmolas pagas pelas missas em
memória dos mortos, o nome do padre que prestava assistência no arraial de Atanásio
Cerqueira, quanto ele recebia por isso, e ainda que a sua cunhada, Isabel Antunes, casada
com Pedro Nunes de Siqueira, irmão de sua esposa, já havia falecido em 1711.
Em 1712, o reinol anota uma transação feita com o padre Antônio Rodrigues que
adquire 54 bois, por quatro mil réis a cabeça, ficando com uma dívida de 216 mil réis. Na
página seguinte, Domingos Samora escreve que o padre havia enviado ao reinol, pelo padre

171 Brandão. Ibid, p. 139v.

103
Sebastião, seu primo, 148 oitavas de ouro, a doze tostões, que importariam 168 mil réis.
Este primo de Atanásio Cerqueira só aparece em mais uma citação no livro e novamente
sem o sobrenome.
É a partir de 1714 que as anotações começam a se intensificar, tornando-se mais
significativas até o ano de 1719. A partir de 1721, quando Atanásio Cerqueira passa a redigir
os assentos, a frequência diminui um pouco. Contudo não podemos afirmar que isso seja
em decorrência da redução do volume de negócios, já que grande parte das transações não
foi datada. Fato é que, como veremos mais adiante, nesta época o reinol estaria envolvido
na guerra contra os índios que estariam ameaçando os moradores do rio São Francisco .
Também em 1723 ele faria uma viagem a Salvador, atendendo à solicitação do governador
geral, Vasco Fernandes Cesar de Menezes. Tais fatos podem ter prejudicado o andamento
dos seus negócios. No ano de 1724 os registros voltam a aumentar paulatinamente e, entre
1729 e 1732, chegam aos mesmos patamares dos primeiros anos. Importante destacar que
não estamos analisando aqui os montantes negociados, mas apenas a quantidade de assentos
anotados.
Na folha de rosto do livro, antes do título, Atanásio Cerqueira fez algumas
anotações aleatórias. A primeira se refere aos bens de Luís de Meira Fernandes, já falecido,
mas está pouco legível porque, além da tinta apagada, a letra é bastante ruim. No verso da
página as anotações dizem respeito aos pagamentos feitos à Santa Casa de Misericórd ia.
São três notas com tintas e letras diferentes. Embora não deixe claro a qual Santa Casa se
refere o reinol escreve o seguinte:
Declaro que o que vou remetendo à Santa Casa dos pagamentos se achará a conta
junto com os recibos e escritura, que tudo es tá junto.
E demais paguei ou pagou o capitão-mor Manuel de Almeida o ano de 1723 por em
dia.
Mandei ajustar neste ano de 25 tudo que devia das fazendas a Santa Casa. Ajustou -
se tudo como consta dos recibos.

104
Tabela 01
Valores dos gados – 1711 - 1732
PRODUTO VALOR OBS ANO

01 boi 4.000 1711


01 boi 4.000 1712
01 boi de açougue 3/8ase½ 1714
01 boi leve 06 1714
01 boi 06as e ½ 1715
01 boi 4.000 Na Carinhanha 1716
01 boi 06 Nas Salinas 1716
01 boi magro 04 4.800 No rio das Velhas 1716
01 boi 04 1717
01 boi 04 Nas Salinas 1718
01 boi 06 1719
01 boi 03 Na Ipueira até 2/8as 1720

01 boi 07 1721
01 boi 6.750 No rio das Velhas 1725
01 boi 7.000 p/ Domingos de1726
Moura
01 boi 6.000 No rio Corrente 1726
01 boi 6.000 No sítio das 1727
Jabuticabas
01 boi 6.000 1729
01 boi 6.000 173?
01 boi 8.000 Na faz. do Picão 1730
01 Cavalo russo 64 1716
01 cavalo 32 1716
01 cavalo 32 1717
01 Cavalo melado 32 1719
01 cavalo 32 1719
01 Cavalo russo 38
pombo
01 cavalo 40 Povoações
01 cavalo 25
01 cavalo 60.000 1724
01 égua 10 1716
01 vaca 05 6.500 1719
01 vaca 58
01 vaca 4.600 1729
Uns Potros 27 1716

105
O principal negócio de Atanásio Cerqueira é, sem dúvida, a criação de gado,
especialmente o vacum. Ainda que o valor dos cavalos fosse bastante superior, podendo
chegar a 32 oitavas, enquanto um boi era vendido por cerca de seis oitavas, o número de
cavalos comercializados pelo reinol é insignificante. Como podemos observar, o preço do
gado variava muito. Segundo as anotações, em 1715, um boi no pasto era vendido por cerca
de 6/8as e ½ e, em 1721, o valor chegou a 7/8as. Em 1716, enquanto um boi nas Salinas
custava 6/8as, um animal magro, depois de ser conduzido por uma longa distância, não
ultrapassava as 4/8as. Já o boi de açougue era comercializado a 3/8as e ½.
O comércio de gado, no entanto, representava apenas parte dos negócios
registrados no Livro de Razão. A grande maioria das anotações se refere a empréstimos que
poderiam ser em espécie, em ouro, ou como pagamento de mercadorias adquiridas junto a
mercadores. Vários assentos também dizem respeito à transferência de dívidas.
Não é possível afirmar que o reinol cobrasse juros pelos empréstimos porque isso
não fica explicito nas anotações. Grande parte dos pagamentos registrados corresponde
exatamente ao mesmo valor da dívida anotada. Em 1714, por exemplo, na página 7v, dos
débitos, está anotado um empréstimo de dez oitavas e meia de ouro a João Pereira de Souza.
Na página ao lado, dos créditos, em 03 de novembro de 1717, ele teria pagado “as dez
oitavas e meia de ouro”. Ou seja, a dívida só foi quitada três anos depois, mas ainda assim
os valores são exatamente os mesmos. Muitos dos pagamentos são feitos em parcelas ,
algumas vezes são quitados com produtos, ou, como dissemos com o remanejamento de
créditos junto a terceiros.
Ainda nas contas de João Pereira podemos ver que, em dezembro de 1714, ele teria
ficado devendo a Atanásio Cerqueira, 175 oitavas referentes à compra de 50 bois de açougue,
“que para o senhor Pedro da Silva lhe mandei dar a preço de três oitavas”. O pagamento
referente a esta aquisição só seria feito quase três anos depois, e, ainda assim, teria sido
parcial. Diz o assento: “Recebi aos 22 de março do senhor João Pereira cento e cinco oitavas
de ouro, a saber, cem que lhe remeteu o alferes Carlos Correa e cinco de um resto de outra
conta”.
Em apenas três situações Atanásio Cerqueira se refere ao pagamento de juros. Na
mais objetiva delas é o próprio reinol que afirma ter pegado dinheiro emprestado a juros.
De acordo com o assento, feito na página 25v, entre os débitos de Manuel Fernandes Coelho,
em 1727, ele teria pegado 300 mil réis a juros. Diz a nota:
Em 24 de fevereiro do ano acima tomei ao Sr. Manuel Fernandes Coelho 300 mil
réis da conta do crédito acima, a razão de juro a seis e quarto por cento na forma

106
da lei, de que os juros deste ano o recebeu.

O crédito teria sido feito em 1725, e se refere à compra de alguns escravos. Na


página ao lado, um ano e oito meses depois, o reinol anotaria o pagamento da dívida.
“Recebeu o senhor Manuel Fernandes Coelho em frente o seu dinheiro em frente e por
verdade se assinou comigo aos 07 de dezembro de 1728 anos”.
A outra referência relacionada à cobrança de juros está na página 23v, entre os
débitos de Silvestre da Rocha Leão, e diz respeito a uma dívida que Atanásio Cerqueira
havia quitado para ele na Bahia. Diz o assento: “Deve-me neste ano de 1723 o dito senhor
acima o que consta do que paguei por ele na cidade da Bahia, como consta do seu crédito e
corre os juros”. A terceira referência ao pagamento de juros não é muito clara. Está na página
dos créditos de André Rodrigues. Diz o seguinte o assento feito em abril de 1719:
O senhor André Rodrigues Nogueira há de haver:
Por o que recebi assim nas suas sortes como em juro que recebido tinha como
constava do crédito o conteúdo do que devia o dito senhor assim aqui com no
crédito neste dito mês acima. Brandão. Justo.

2.2 - Proprietários e homens de caminho172

Além da venda a crédito do gado e do empréstimo de grandes e pequenas somas


de dinheiro e oitavas de ouro, Atanásio Cerqueira também garantia aos moradores da região
o acesso a diversos produtos. Por estar estabelecido nas proximidades do rio São Francisco,
seja no arraial de Santo Antônio da Manga, seja no Brejo do Japoré, ou na fazenda da Barra,
no encontro do rio Carinhanha com o São Francisco, e de ter crédito e capital disponível, o
reinol se tornaria um importante fornecedor de mercadorias. Os produtos podiam ser
adquiridos junto aos mercadores para atender ao pedido de moradores que viviam em locais
distantes, como também podiam ser recebidos como pagamento de dívidas e ser repassados
a terceiros. Podiam ser novos ou usados e até pertencer ao espólio de algum falecido.
Alguns registros são exemplares nesse sentido. Na mesma página referente às
contas de Silvestre da Rocha Leão, citado acima, o reinol anota, em 12 de abril de 1716, que
este lhe devia 300 oitavas de ouro, parte delas referente à venda de três cavalos de sua

172 Segundo Isnara Pereira Ivo os homens de caminho “iam e vinham de um a outro lado dos sertões durante
o século XVIII, conduzindo todo o tipo de mercadorias, arrematando contratos, conduzindo ouro e fazendo
circular os mais diversos tipos de sabores”. Podiam ser “viandantes, comboieiros, tropeiros, comerciantes
e contratadores” que transitavam por vias terrestres e fluviais “levando informações, produtos e pessoas de
uma parte a outra dos sertões”. IVO, Isnara Pereira. Homens de caminho: trânsitos culturais, comércio e
cores nos sertões da América Portuguesa – Século XVIII. Vitória da Conquista: UESB, 2012.

107
propriedade. Segundo o assento, Rocha Leão teria recebido o pagamento de dois cavalos
em ouro, “ficando- lhe dos três, um, por uma canoa que aqui deixou e eu lhe vendi por um
cavalo a Manuel Soares Pardo, que está no Piauí”. Ou seja, o cavalo virou uma canoa, que,
por sua vez, tornou a ser um cavalo.
Na conta do anotador Domingos Pereira Samora, fica dito que, em 1715, ele devia,
entre outros valores, “12 mil réis menos meia pataca”, de um empréstimo em dinheiro, e
outros quatro mil réis “por um capote de pano azul usado”173 . Francisco de Arruda Cabral,
devia, entre outras coisas, 18 oitavas, “por uma sela bastarda de pano já usada com suas
estribeiras de latão” e mais outras seis oitavas, “por uma sela gineta usada de João
Pereira”174 .
Já na página 35v, junto às contas do capitão-mor Manuel Afonso de Siqueira,
cunhado do reinol, está anotado que em 1716, ele devia, entre outras coisas, 80 mil réis “por
uma sela já usada com estribeiras de latão”. Em outra anotação, feita entre as contas do
capitão Matias de Souza, na página 27v, o reinol anota que o mesmo Manuel Afonso devia
outros 48 mil réis de “um rolo de pano de algodão de 150 varas, com rolo a preço de 320 a
vara”.
É bom lembrar que o seu cunhado era morador na fazenda Tabua, próximo à
nascente do rio Verde, ao lado da fazenda Montes Claros, pertente ao seu irmão Gonçalves
Figueira, localizada há aproximadamente 200 quilômetros do arraial de Santo Antônio da
Manga. As fazendas do rio São Francisco também forneciam gado para Manuel Afonso.
Entre seus débitos podemos ver que, em 1716, ele comprou 20 bois, a quatro mil réis cada,
na Carinhanha, e, em 1720, mais 30 bois, na fazenda da Ipueira, localizada na barra do
Carinhanha. Por esses últimos, o reinol afirma ter pagado 90 mil réis, três oitavas cada
cabeça, valores que foram devidamente quitados posteriormente.
As cartas com pedidos de empréstimo, de gado ou de mercadorias são remetidas
ao reinol sistematicamente. Em 21 de agosto de 1714, ele anota que o alferes Manoel
Ferreira da Silva, “fora as mais contas velhas”, lhe devia 200 mil réis, “que lhe mandei por
um seu preto os quais entreguei ao dito por assim me ordenar por uma carta sua estando
presente Miguel Gomes da Silva e João Pereira de Souza”175 . Em outro assento, feito em

173 LIVRO de receita e despesa de Atanázio Sequeira Brandão/ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO


TOMBO/ Feitos Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250. P. 14v
174 Brandão, Ibid, p. 21.
175 Brandão, Ibid, p. 05.

108
1718, o reinol anota: “o senhor Inácio Gonçalves deve por 10/8as que mandou pedir
emprestado por uma carta sua e eu lhas mandei por Josias dos Santos”176 .
No livro é possível encontrar registros principalmente de três tipos de
interlocutores: dos proprietários de fazendas, dos moradores das povoações e dos
mercadores. Esses últimos eram responsáveis por trazer da cidade da Bahia os mais diversos
produtos. Entre eles estavam Manuel Francisco Miranda, Manuel Nunes Velho, Veríssimo
Teixeira, Francisco Rodrigues, Thomé Ribeiro de Carvalho e também Francisco Carnoto
Vilas Boas, primo do reinol.
Os produtos relacionados nos assentos são bastante variados e, além de ser
adquiridos dos mercadores, também eram fornecidos pelos produtores locais, ou mesmo
produzidos pelo próprio reinol, especialmente no engenho do Brejo. Em 1727, por
exemplo, Thomé Gomes, morador nas Pindombeiras, devia “não sei quantas varas de
pano de algodão se me não engano e oito patacas que por ele paguei no Jequitaí” e mais
“do que tomou no engenho”177 . Na página 18v, podemos ver que Domingos de Moura
Miguel devia ao mestre-de-campo 238 oitavas de ouro por 53 bois e uma vaca, compradas
“da boiada do capitão Francisco Martins Pereira”; 300 oitavas, “do sítio que lhe vendi”;
outras cem oitavas por dez éguas; além de outros “três créditos” por cortes de três vestidos
“com seus aviamentos”, um deles de pano fino.
As referências aos mercadores são bastante frequentes. Relacionaremos algumas a
seguir. Na página 12v, em outubro de 1715, Atanásio Cerqueira escreveu que, João Álvares
Barreiros, “camarada do mercador Manoel Francisco de Miranda, de quem neste ano recebi
carta sobre o assistir ao senhor João Álvares com o que lhe fosse necessário”, havia levado
oito cavalos, “para me os tornar a entregar ou o seu procedido com que comprasse outros”.
Francisco Soares Campos devia 8.800 réis por vinte varas de pano de linho, a 420
réis a vara, e mais 50 réis de cinco meadas de linha, a 70 réis cada, “como se vê da conta de
Francisco Carnoto”178 . Na página seguinte, onde o reinol anotou os “haveres” de Soares
Campos, está escrito que o reinol havia recebido, “um dobrão de vinte e quatro que mandei
por José Martins a entregar a Francisco Carnoto Vilas Boas com um rolzinho para lhe vir
um manto e um corte de saia de crepe e como se perdeu o rolzinho não veio o referido”.
Nas contas do seu primo Manuel Rodrigues Soares, retiradas “do livro velho”,
podemos ver o registro de uma dívida de cinco oitavas de ouro por uma carga de marmelada,

176 Brandão, Ibid, p. 66v.


177 Brandão, Ibid, p. 119v
178 Brandão, Ibid, p. 120v

109
compradas do comboio de Veríssimo Teixeira, “que lhas mandei por mandar pedir”, e outras
seis oitavas, “que custaram três machados, que o dito senhor me mandou pedir e os comprei
do comboio do dito Veríssimo Teixeira”179 .
Entre as notas do alferes Manuel Ferreira da Silva, podemos ver uma referência ao
comerciante Manuel Nunes Velho. Segundo o apontamento o alferes devia duzentos mil
réis “que por ele dei ao mercador Manoel Nunes Velho como consta da quitação e de mais
deve o dito mercador o que do seu crédito se vê o qual trouxe este ano de 1715”180 . Já nas
contas do padre Pedro da Costa, primo do reinol, ele anota que este lhe devia 380.450 réis,
“que de minha conta recebeu de Manoel Nunes Velho, morador na cidade da Bahia, como
consta das suas cartas e clareza”.
Nas contas do capitão João Henriques podemos ver referência a outros mercadores.
Além de uma dívida de 21.600 réis pagos em seu nome ao padre Alexandre Alves, “de
coisas que por sua ordem deu a sua mulher”, ele também devia ao reinol “dois surrões de
farinha que me vendeu Francisco Rodrigues”, cada um a oito patacas, além de um “camisão
e mais aviamentos” para o “vestidinho do menino” e ainda quatro patacas “que dei ao
alfaiate de fazer o vestido”, tudo “pelo que assisti a sua mulher neste ano de 1731”181 . Em
outra ele escreve que este lhe devia mercadorias entregues pelo seu compadre Thomé
Ribeiro, “a sua mulher no mês de maio de 1728”, e também por Francisco Rodrigues, “que
se verá do seu livro”. Entre os produtos, mandados, “vir de casa do dito meu compadre para
a senhora sua mulher”182 , estão três côvados de baeta vermelha, a três patacas cada côvado;
dez varas de pano de linho, a duas patacas cada vara; duas meadas de linhas, a meia pataca
cada uma; dez côvados e meio de baeta, por 2.400 réis; dois côvados de forro, a 960 réis;
duas oitavas de retrós, a 320 réis; uma vara de linhaça fina, a 400 réis e seis varas de pano
de ló, a 640 réis.
Na conta de Luís Cerqueira Lima, morador “nos Pandeiros”, fica dito que este
devia, em 1723, quatro oitavas de ouro de duas camisas pagas a Thomé Ribeiro, e mais três
oitavas e meia, “a dinheiro ou ouro”, referente a quatro côvados de baeta “que lhe deu
Francisco Rodrigues por minha conta” 183 . Também Manoel Fernandes Coelho devia, em
1721, quatro oitavas “que por o dito paguei a meu compadre Tomé Ribeiro de duas camisas”

179 Brandão, Ibid, p. 48v


180 Brandão, Ibid, p. 05v
181 Brandão, Ibid, p. 24v
182 Brandão, Ibid, p. 43 v
183 Brandão, Ibid, p. 97v

110
e mais duas e meia oitavas de ouro em dinheiro “que lhe emprestei para cinco varas de pano
de algodão”184 .
Entre as principais povoações citadas no Livro de Razão estão o Brejo do Japoré,
Brejo do Salgado, Morrinhos, Malhada, Pedras, sítio do Paracatu e sítio de São Romão.
Nesses locais vivem os principais prestadores de serviços do reinol. Mestre carapina,
professores, mestre pedreiro, ferreiro, anotador, seleiro, ajudantes e outros.
Em 1716, o mestre carapina Antônio Coelho possuía uma dívida de 41.600 réis,
“por uma quarta de ouro que a dinheiro importa 1.300 réis, que era o preço porque corria o
ouro aqui”185 e um crédito de 80.000 réis referente à confecção de dois carros de boi, “que
me fez de que está obrigado a fazer quatro cangas, duas para cada um”186 .
Domingos Gonçalves, mestre pedreiro, além da prestação de serviços também
negociava gado com o reinol. Em 24 de abril 1717, ele tinha um crédito de duzentas oitavas,
“por o que está feito até hoje do dito ano que suposto pedisse cem oitavas e eu achasse que
era pouco lhe mandei assentar duzentas oitava, que tantas lhe devo”187 . Já no ano seguinte,
este estaria devendo 400 mil réis por 100 bois “que lhe larguei nas Salinas em o mês de abril
de 1718 a 4.000 réis”.
O pedreiro morava no Brejo, provavelmente do Japoré. Em uma das notas o reinol
escreve que ele havia mando pedir dinheiro que foi entregue “ao Brejo”. É importante
destacar que nesta época Atanásio Cerqueira já vivia na fazenda da Barra da Carinhanha.
Na conta de Estevão de Oliveira, de 1716, Atanásio Cerqueira escreve o seguinte: “aqui
nesta Carinhanha assistiu nesta casa” 188 .
Parte da dívida de João Henriques foi descontada de créditos ajustados em 1717,
segundo o qual ele havia se comprometido a “dourar e pintar o oratório, imagens e tudo
mais”189 , ao preço de 500 mil réis. Na nota anterior o reinol escreve que ele devia 100 bois
no valor de quatrocentos mil réis, entregues no mês de maio, “com os quais lhe ajustei a
conta do que lhe prometi de me dourar e pintar este oratório de que lhe falta acabar o que
está por fazer e só está feito imagens e retábulo, exceto frontal e o mais está obrigado a fazê-
lo até lanceiro e grades e o teto todo do oratório”.

184 Brandão, Ibid, p. 25v


185 Brandão, Ibid, p. 46v
186 Brandão, Ibid, p. 47
187 Brandão, Ibid, p. 51.
188 Brandão, Ibid, p. 17v
189 Brandão, Ibid, p. 44

111
Em 1717, o reinol registra que havia pagado ao ferreiro Francisco Gomes da Silva
8.800 réis “de consertar a ferramenta” 190 . Outro prestador de serviço muito presente nas
notas do reinol é o licenciado Dr. Dom Pedro, médico responsável pelo tratamento da
maioria dos moradores. Em 03 de janeiro de 1718, ele teria, “de haver”, 350.000 réis “por
dinheiro que lhe fiquei de dar por ano de curar os meus doentes o qual principiou em
novembro passado”191 . Em seguida o reinol anota que teria pagado 40 oitavas, por Bento
Cardoso, outras 14, por Bento Pires, e mais 15 oitavas, por Antônio Ribeiro.
Também o seleiro Eugênio Teixeira Pinto realizava muitos negócios com o reinol.
Em 1721, ele devia 50 oitavas de ouro e um crédito de 24 oitavas, de uma “sela jerônima ”.
Além de quatro mil réis, “por não sei se dois bois que lhe ficaram nas fazendas quando levou
delas o gado”. Entre outros créditos, possuía ainda uma quantia não discriminada pelo
“feitio de uma sela bastarda bem feita e duas Jerônimas”. Em 1724, Atanásio Cerqueira
anota que estaria devendo ao seleiro 40 mil réis de “um cavalo do Candeal”, três côvados e
meio de baeta vendidos a três quartos de ouro cada côvado, um retrós para uma saia com
seu forro, cinco e meio côvados de brim, “para forro de dois calções para mim”, entregues
por Miguel Nunes, “o qual me parece vende a cruzado mas se for de mais se lhe pagará”.

Tabela 02
Mercadorias e valores – 1711 - 1732
PRODUTO VALOR OBS DATA
Oitava Pataca Reis Dobrão Conversão
10 Pratos 4 mil 4$000 1732
03 machado 06 7$200 +/- 2$400 cada 1714
01 machado 04 1$280 1716
01 machado 03 $960 1732
01 ferramenta 31$660 1724
01 faca 01 1$200 1721
01 faca grande 1$280 1730
03 faca de cabo de 2$880 +/- $ 960 1732
chapa
01 canoa 12$000 1730
01 Sela bastarda 18 De pano usada c/1716
estribeira de latão
01 sela gineta 6 Usada 1716
01 sela 10 1717
01 Sela jerônima 24 1721
02 Ferros 3 aparelhados 1716
01 Machado 04 1$280
04 machados e 2 12 1716
foices

190 Brandão, Ibid, p. 55v


191 Brandão, Ibid. p. 62

112
01 par de esporas 1 e ½ /8as 1721
01 par de esporas 1 e ½ /8as 1722
Uma pouca de sola 3$000 1714
Uma pouca de sola 2$880 1717
Uma pouca de cera 2$560 1718
Uma cangalha 800 0$800 2 cruzados
02 carros de boi e 4 80$000 1717
cangalhas
02 enxadas 14 4$480 1730
01 alavanca 05
01 vara de droguete 8$500
01 catana 10 3$200 1731
01 chapéu 03 e ½ 1728
01 vestido 50 mil 50$000 1716
01 vestido 04 1731
01 vestido 12/8as/e 1/2 1716
01 saia de serafina 14$080 c/ 08 varas de
pano de linho
02 saias de serafina 20$000 1729
Capote usado 06
01 Capote de pano 4$ Azul usado 1715
02 Chitas 4.800 4$800 1731
02 camisas 04 1721
02 camisas 16 1728
04 Camisa/02 09 Camisa 1 e ¾ 1717
ceroula Ceroula 1/8as
01 Camisa/02 3$840 1732
Ceroula
02 ceroulas 02 1721
02 ceroulas 02 1722
01 casaca de baeta 13 1715
05 varas Pano de 02/ 1/2 1721
algodão
01 Rolo de pano de 48$000 320 cada vara 1719
algodão
c/ 150 varas
01 Vara de algodão 480 1714
03 varas de algodão 1$440 480 cada 1714
03 varas de algodão 1/8ª e ½ 1722
10 varas de pano de 10 1728
algodão
01 vara de pano de 560 1732
linho
03 Vara de linho 01 e 1/2 /8as 1715
03 vara de pano de 01 e 1/2 /8as 1719
linho
03 vara de pano de 01 e 1/2 /8as 1720
linho
20 Vara de pano 8$800 1727
linho
01 vara de pano de 440 $440 1727
linho
01 vara de pano de 02 1728
linho
01 vara de pano de 700 1729
linho bom
02 varas de linhaça 400 $400 1730
fina

113
10 côvados de baeta15 8ª e ½ cada 1717
03 côvados de baeta03 1723
01 Côvado de baeta 03 1728
vermelha
03 côvados de baeta 12 3$870
03 côvados de baeta 2$880 1730
02 côvados de baeta 1$920 1730
01 Côvado de baeta 1500 Rosa mais cara 1732
rosa
5 e ½ côvado de 3dobrões
brim de 12.800
01 côvado de brim 480
03 côvado de brim 960 1730
Corte de pano fino 09 1732
02 côvados de forro 0$950 475 cada 1730
forro 750 1732
06 varas de pano de 3$840 640 cada 1730

01 peça de bretanha 14 4$480 1730
Linha de costura 01/8as 1724
1/8ª de retrós 160 1730
01 meada de linha 80
02 meadas de linha 1/2 1728
05 meadas de linha 350 0$350 70 réis cada 1727
04 meadas de linha 800 0$800 02 tostões cada 1729
01 meada de linha 0$160 1732
04 varas de fita 20 800 1$440 1729
04 varas de fita 1$440 1730
10 varas de fita 05/8as e ¼ 20 02 patacas cada 1717
37 Lenço de tabaco 7.400 7$400 1731
Uma negra 130
Um moleque 130 1714
Um moleque 48.000 1729
Um moleque 128
Um escravo 32 150$000 1732
Um negro 36$885 1716
Um negro 128 1718
Um negro 200 De ouro quintado 1725
02 surrões farinha 08
Uma pouca farinha 16
01 e ½ alqueire de 06 1711
farinha
02 e ½ alqueires de 7/1/2 /8as 1717
farinha
Um alqueire Farinha 1$920 1732
46 rapaduras 4.600 1715
20 frascos de 12$400
aguardente
170 surrões de sal 510 01 surrão 56/8as 1711
SERVIÇOS
Pela cura / 15 1721
licenciado
Aluguel de um 08 mil 1719
negro
Tangedor de boiada 20$000 1711
Tangerdor de bois 12 mil cada 1732
Capitão dos 14 mil 1732
tangedores

114
Frete do gado 500 por cabeça até o
rio Verde
Frete do gado 96$000 192 cabeças até
o rio das Velhas
Por ajuntar o gado 10 1711
Por escrever 50$000 Um ano
Ensinar os meninos 25$000 padre
Conserto de 8$800 1715
ferramentas
Dourar e pintar 500$000
oratório
25 missas 12 e ½ 1711
01 Capela de missa 25 1711
01 Capela de missa 23
78 missas 49$920
16 missas 188$880 1726
04 missas 08 1726
02 pares de 04 1$280 ½ oitava cada.1729
bentinhos Tem de 1/8as
Uma imagem de S. 21
Miguel

Outro grupo que tem presença marcante no livro de Atanásio Cerqueira é o de


padres. Ao longo do texto aparecem referências a mais de quarenta religiosos. Nem todos
têm negócios com o reinol, alguns apenas recebem ou transportam quantias em dinheiro ou
ouro para terceiros, ou mesmo possuem dívidas com algum credor do reinol. Alguns, no
entanto, mantêm negócios importantes com o mestre-de-campo. É o caso de seu primo padre
Pedro da Costa que por diversas vezes teria vendido ouro para ele. Em 08 de julho de 1714,
o padre lhe devia 458 oitavas e meia de ouro, “as quais lhe entreguei em outubro de 1713
como consta da sua quitação para me levar para a cidade da Bahia a tirar das tais 1.506
oitavas de ouro limpo que lhe devia” 192 . Logo adiante, diz que ele lhe devia 298.350 réis,
entregues pelo padre Bento de Souza Pereira, referente ao rendimento de 229 oitavas e meia
de ouro, “que de minha conta levou para vender o qual diz vendera a 1.300 réis”.
No ano de 1714 diz que havia remetido pelo alferes Estevão de Oliveira Lima
outras “quatrocentas oitavas de ouro limpo” para vender, além de outras mil oitavas,
remetidas antes, “por via de Veríssimo Teixeira tendo sido portador João Martins Guerra”.
No mesmo dia, 08 de julho, ele anota que havia recebido 721.700 réis, “que importou tudo
o que me tem remetido até hoje primeiro dia que foi o que me remeteu pelo João [de Roque]
como consta da conta que me mandou assinada”.

192 Brandão, Ibid. p. 02

115
Ao cônego Pedro Lelou de Lanoi, o reinol diz estar devendo, em janeiro de 1721,
“trezentos oitavas de bom ouro e limpo”193 . Posteriormente ele teria entregado a Lourenço
Gomes Lanoi, sobrinho do dito padre, 450 mil réis pelas trezentas oitavas, dos quais ele
“passou quitação que se acha nos recibos”194 .
Algumas anotações são especialmente relevantes. A primeira delas é relacionada
ao padre Bartolomeu Pimenta, sobre a qual falamos anteriormente. Este é o primeiro
religioso citado no livro a prestar assistência na capela do mestre-de-campo. Segundo o
assento, copiado por Miguel de Freitas, da “conta tirada bem fielmente de livros e assentos,
que tudo estava por letra de Domingos Pereira Samora”195 , e que teria sido anotada em 27
de abril de 1711, o padre teria recebido 160 oitavas por este serviço, além das esmolas e
pagamentos pelas capelas de missas.

Figura 16 – Altar da igreja de São Caetano do Japoré e imagens sacras/Manga/MG - Acervo pessoal .

Em 17 de novembro de 1716 é o padre Manoel Alves Pimenta que assumiria a


assistência da Capela do Brejo. Segundo o assento de seus haveres, feito em 1717, ele
receberia uma libra de ouro por ano de assistência. Em um dos assentos Atanásio Cerqueira
escreve que ele lhe devia 25 oitavas em dinheiro, dados “na ocasião que de outro tanto dei
ao senhor seu irmão e meu compadre” 196 , o padre Domingos Martins Neiva. Este último

193 Brandão, Ibid. p. 80v


194 Brandão, Ibid. p. 81
195 Brandão, Ibid. p. 132v
196 Brandão, Ibid. p. 45v

116
padre era padrinho de Jacob de Araújo, nascido em março de 1716. O padre Manuel Alves
foi quem celebrou o batizado de seu filho Eustáquio, em 13 de junho de 1717, e de Catarina,
em maio de 1720.
Em 18 de junho de 1717, Atanásio Cerqueira escreve que teria ajustado todas as
contas com o padre Domingos Martins Neiva, seu compadre, “de todas as que tínha mos
assim da aplicação de dois anos que finalizaram em 05 de maio de 1717”. Em 02 de março
de 1720, os dois ajustariam as contas novamente, “com a libra de ouro que acaba em maio
a qual paguei”. No último assento o reinol diz que o padre tinha um crédito por “oito meses
que se devem deste ano que corre até o último de dezembro deste ano de 720”, de 85 oitavas
e um quarto, “as quais lhe dei no dito dia”.
A partir de abril de 1721, é o padre Antônio de Meireles Ribeiro que assumiria a
assistência no oratório, também recebendo uma libra de ouro para “dizer as missas de
domingos e dias santos por cada ano”197 . O pároco seria responsável também por dizer “as
missas das segundas feiras por as almas e por tenção desta casa”, recebendo “a esmola
costumada de meia oitava por missa”, além de outros cem mil réis para “ensinar os rapazes”
por cada ano, “principiando do dia que deixou Domingos Pereira de os ensinar”.
Em 18 de novembro de 1722, o reinol anota que o padre tinha um crédito de 128
oitavas da “libra de ouro no qual mês acima ajustou o ano de sua assistência ”. No final do
mês de fevereiro de 1724, após Atanásio Cerqueira voltar da cidade da Bahia, o pároco fez
uma viagem para a Lapa, de onde teria voltado doente, e, segundo diz o reinol, “se acabou
todo o nosso ajuste da assistência pois nos fins de março deu a alma a Deus”.
Já no mês seguinte, em 08 de abril de 1724, o reinol escreve: “ajustei com o
reverendo padre mestre frei Arcângelo que consta do papel que lhe dei de me dizer as missas
de domingos e dias santos”198 . Além da assistência na capela do Brejo, frei Arcângelo de
Santa Tereza assumiria outras duas funções. Em pelo menos duas ocasiões acompanhar ia
Luís Cerqueira à Pitangui e também se responsabilizaria por cuidar do engenho do Brejo.
Em um dos assentos o reinol escreve que o religioso carmelita lhe devia “cem oitavas com
que mandei lhe assistir nas minas por meu filho Luís Cerqueira e deve mais catorze patacas
que lhe dei quando foi neste mês de setembro para as minas”. Logo em seguida ele diz que
o padre havia recebido mais quarenta oitavas em Pitangui, “que lha deu meu filho Luís
Cerqueira como se vê da sua carta que o dito senhor trouxe”, e completa que havia recebido

197 Brandão, Ibid. p.85v.


198 Brandão, Ibid. p 86v.

117
do frei “ao depois que veio de Pitangui uma moeda de ouro velha”. Em outra anotação diz
que, além do que o padre havia recebido, “do que constar da conta da Irmandade das Almas”,
outras duas “moedas novas”, dadas “quando foi para o Brejo neste mês de janeiro”.
Em 30 de janeiro de 1726, o reverendo assina um recibo referente ao acerto
reconhecendo que devia de resto 13 oitavas e meia, “fora o que devia à irmandade e por
clareza se assinou aqui. Frei Arcângelo de Santa Tereza”199 . Em seguida Atanásio Cerqueira
escreve: “Declaro dei uma clareza ao dito senhor para a assistência do Brejo para a qual lhe
dou uma libra de ouro da assistência da capela” e também que o padre lhe havia prometido
“ter cuidado com o engenho e tudo mais. Razão por onde não mandei para lá homem”.

Figura 17 – Engenho abandonado na fazenda Tabua – Manga/MG – Acervo pessoal.

Em uma anotação referente às contas de Francisco de Sá Barbosa, do ano de 1731,


o mestre-de-campo anota que ele lhe devia 200 oitavas por 50 bois, “que lhe larguei lá em
cima o ano passado” e mais 60 mil réis “das rapaduras que lhe deu o reverendo padre senhor
Frei Arcângelo por ordem minha”200 .
Em maio o reinol declara que o frei lhe devia quatro mil réis “que por ele paguei
ao capitão Felipe Rodrigues” e, em junho escreve o seguinte:
Pagou por minha ordem e a conta em frente meu primo Francisco Carnoto como
se vê da carta sua cinquenta mil réis pela oferta que mandou oferecer o reverendo
padre mestre a seu convento por cada um ano mandando -lhe licença para poder

199 Brandão, Ibid. p.110v


200 Brandão, Ibid. p. 58v

118
por cá assistir e como lhe mandaram por via do dito meu primo mandou o dito
senhor os ditos cinquenta mil réis do ano de 1725 que é no que principiou e me
avisa todos os anos [...] da dita ordem há de mandar da minha conta e pela do dito
reverendo padre mestre os ditos cinquenta mil réis o que tudo se lhe há de abater
na porção da libra de ouro pago que a dinheiro a mil e duzentos e oitenta que é a
[...] de quatro patacas e nas minas quando cá não queira receber o dinheiro se lhe
dará em ouro o que se lhe dever abatendo em cada ano os ditos cinquenta mil réis
como ajustamos.

Desde 1726, o frei Arcângelo de Santa Tereza não prestava mais assistência na
capela do Brejo. A função estaria sendo desempenhada pelo padre Domingos de Amorim.
Neste mesmo ano, em 31 de outubro, além de declarar que pagou uma capela de missas pelo
seu filho Caetano, e outras 16 missas pela alma do “defunto Jeremias”, e mais 20, por alma
de Veríssimo Teixeira, ao frei Luís Amado, ou Luís da Ascensão, como este assina, o reinol
afirma ter dado nova “clareza” ao padre Domingos de Amorim, “da assistência deste
oratório, de que já recebeu a conta da Irmandade da capela de missas das almas o que se
verá no assento da dita irmandade”201 .
Quinze dias antes, no dia 14 de outubro de 1726, o padre Domingos Amorim já
havia declarado que havia recebido do mestre-de-campo “o procedido da minha porção e
assim mais o procedido da capela de missas que disse da confraria das Santas Almas e de
todas mais que me mandou dizer”. No mesmo dia o reinol escreve que “dou daqui em diante
ao dito senhor reverendo padre de porção trezentos mil réis por ano entrando as missas de
natal e a capela das missas das almas por conta da irmandade e outras mais dos sábados; as
quais capelas de missas são fora dos ditos duzentos mil réis da porção”.
Em julho de 1728, passaria novo recibo afirmando ter recebido 528 mil réis,
“procedidos da minha porção de dois anos de capelas e de quatro capelas de missas que lhe
disse duas cada ano cujo tempo se acaba a 14 de outubro de 1728”. Passados mais dois anos,
o reverendo assinaria novo recibo, dessa vez encerrando as contas com o mestre-de-campo.
Segundo ele, Atanásio Cerqueira havia quitado “todo o tempo que estive por seu capelão
até hoje 22 de março de 1730 anos de que estou pago satisfeito e por verdade passei esta de
minha letra e sinal”202 .
Logo depois o reinol escreve: “No mesmo dia e hora que largou o senhor reverendo
Domingos de Amorim entrou o senhor doutor Alexandre Álvares com a mesma porção que
estava o dito senhor acima ficando com a mesma obrigação”, no entanto, o reverendo não

201 Brandão, Ibid. p. 113v


202 Brandão, Ibid. p.114.

119
quis se “sujeitar a dita obrigação como era conveniência sua”, sendo assim, não seria
“devedor do acima apontado”.
O derradeiro religioso a assumir a função, antes do falecimento de Atanásio
Cerqueira, foi o padre Francisco Veloso das Neves. Em janeiro de 1732, o mestre-de-campo
escreveu: “Ajustei com o senhor reverendo padre Francisco Veloso a lhe dar a duzentos mil
réis por ano de porção dizendo as missas de domingos e dias santos do ano por tenção desta
casa e as das segundas feiras do ano por obrigação da irmandade das almas deste oratório
pelo breve que tenho”203 . Em maio de 1732, o reinol anotou que o prelado devia 150 mil
réis por um escravo de nome João, 102.400 réis em dinheiro que teria pedido, “para mandar
para a sua pátria”, e mais cinco mil réis “que deve no Engenho do Brejo”. O último assento,
feito em maio de 1734, citado anteriormente, é onde este diz que estaria pago “de todo o
tempo que estive por capelão nesta casa do defunto senhor mestre-de-campo Atanásio
Cerqueira Brandão”, ajustados pelo capitão-mor Luís Cerqueira Brandão, em 24 de maio de
1734.
Tabela 03
Fazendas de Atanásio Cerqueira Brandão
FAZENDAS LOCALIZAÇÃO
Pandeiros Januária
Rio Pardo Januária/Chapada Gaúcha
Brejo do Japoré Manga
Barra Carinhanha
Porteira Várzea da Palma
Jequitaí Jequitaí
Urucuia Urucuia
Paracatú São Romão
Morrinhos Matias Cardoso
Jenipapo São Romão
Tabua Manga
Boa Vista Paraopeba
Barra do rio Corrente Sítio do Mato/Bom Jesus da
Lapa
Povoações Buritizeiro
Riacho Itacarambi
Pindombeiras

2.3 - De enxadas a fazendas


O maior número de interlocutores do reinol, no entanto, era de fazendeiros. Com
estes o reinol mantinha uma intensa relação financeira, fosse vendendo o gado para

203 Brandão, Ibid. p. 20v

120
pagamento posterior, fosse emprestando dinheiro para a compra de rebanhos de terceiros ,
ou mesmo para o pagamento de dívidas com os mercadores, com os padres ou mesmo entre
eles próprios. Observar essa triangulação financeira nos permite perceber que existia um
movimento frenético de comercialização nesta região já nos primeiros anos do século XVIII.
Também demonstra que a produção local já era bastante significativa e que os moradores já
haviam criado uma importante rede de relações que garantia a sobrevivência da população
e sua permanência no local.
A área de abrangência dessa movimentação era bastante ampla, podendo
eventualmente chegar até o Piauí, a vila da Cachoeira, no Recôncavo, ou a região
mineradora, especialmente a Pitangui e ao Serro Frio. No entanto, era mais constante na
região localizada no entorno do rio São Francisco entre a barra do rio Grande, do Carinhanha
e do rio Corrente, pelo lado pernambucano, e, pelo lado baiano, até a Lapa, Malhada e a foz
do rio Verde Grande, ao norte. Pelo Sul, ultrapassava a foz do rio das Velhas e do Paracatu,
chegando ao riacho do Curvelo e ao Paraopeba. Pelo Oeste, seguia até as nascentes do
Paracatu, do Pandeiros e do Paranã, inclusive parte da região ocupada hoje pelo estado de
Goiás. Pelo Leste chegava até Itacambira, Montes Claros e Curumataí, incluindo aí o
Gorutuba.

Figura 18– Rio Verde Grande próximo da foz – Malhada/BA/Matias Cardoso/MG – Acervo pessoal .

Os negócios do reinol com os fazendeiros podiam envolver quantias vultosas em


empréstimos, comercialização de até 800 cabeças de gado ou de uma propriedade, ou
mesmo se referir a venda de uma enxada ou de uma sela usada. Na mesma página poderia
vir anotada uma dívida de muitas oitavas de ouro ao lado de outra de poucos réis.
Em 22 de agosto de 1714, o mestre-de-campo anota que “ajustou” as contas com
Manuel da Mota Soares, com quem ele mantinha negócios há muitos anos e diz: “não

121
valerão os assentos que nos livros velhos se acharem por ser este o resumo de todos e o que
resta liquidamente”. Em 1719, Manuel da Mota teria de “haver”, dez bois e três vacas “ou
do que constar a conta têm aparecido nas Pedras e Morrinhos”204 . Esta dívida deveria ser
descontada de uma “letra”, passada ao seu primo, capitão-mor Gregório de Abreu Pereira,
de 200 mil réis, de onde deveriam se abater “as rezes acima e algumas se constar se
deverem”. Neste assento podemos ver como as dívidas são remanejadas entre eles e que, a
maioria, negociava entre si, formando uma grande rede garantidora de recursos e produtos.

Figura 19 – Fazenda de gado próximo ao rio Urucuia – São Romão/MG – Acervo pessoal.

Nas contas de Thomé Rodrigues da Fonseca, de 1729, ele devia 23.520, dado “por
sua conta” a João Alves para “ajustar” uma sua dívida. Outros 32.280, dados a Pascoal
Pereira, em 1º de outubro de 1730, mais 24.640, entregues posteriormente, e ainda 11.160
réis, dados a Francisco Rodrigues. Uma dívida total de 90.600 réis que foi paga em três
parcelas, em 1731.
Em julho de 1732, o sargento-mor Antônio Rabelo de Sepúlveda devia 165.640
réis. Desses, 25 mil réis pagos a “um moço que veio com a boiada”205 , mais 134.800 réis
pelo pagamento de onze tangedores, “a doze mil réis cada um”, e 14.880 réis, a “um que
chamam o capitão”. Também devia 1.920 réis, por um alqueire de farinha, e outros 3.840
réis de “uma camisa e umas ceroulas para o índio”. Em maio de 1732, o reinol anotou que
havia emprestado ao coronel Francisco de Almeida Cabral 409.600 réis em dinheiro e este
teria “passado” um crédito e deixado “três escravos hipotecados a dívida”206 .

204 Brandão, Ibid. p. 07


205 Brandão, Ibid. p. 10v
206 Brandão, Ibid. p. 12

122
Outro fazendeiro com que Atanásio Cerqueira mantinha vários negócios era
Martinho Afonso de Melo207 , morador no Papagaio, atual município de Curvelo, e que entre
1718 e 1720 se envolveria nas disputas entre o padre Curvelo de Ávila e o Conde de
Assumar, durante a tentativa da criação de uma vila naquela povoação. Entre os seus débitos,
registrados em 1717, o mais significativo trata da aquisição de 800 cabeças de gado pelas
quais ele teria ficado devendo 2.000 mil oitavas de ouro.
Ao que parece, Martinho de Melo também criava gado nas Povoações. Segundo
um dos registros, o reinol teria entregado a João Pinheiro Ribeiro, por ordem de Martinho
de Melo, três cavalos para serem levados até as Povoações e ainda uma cangalha, comprada
a “dois cruzados por conta do senhor coronel”, o correspondente a 800 réis. O coronel teve
uma sesmaria confirmada por Martinho de Mendonça, em 10 de maio de 1737, de uma
fazenda localizada no rio São Francisco, na parte de Pernambuco, chamada Nossa Senhora
da Vitória. As terras faziam divisão com uma fazenda chamada Barra do Paraopeba, de José
Faria Pereira, e outra do Capitão-mor [...] Costa Madureira e o rio “Andajá”208 .
Também com os seus primos Gregório de Abreu Pereira, João Correia do Lago e
Dionísio Correia do Lago o reinol mantinha negócios importantes. Pelo assento de Dionís io
Martins, de setembro de 1725, podemos ver a relação dos primos. Segundo a nota, Dionís io
Martins devia 600 mil réis que o reinol havia lhe emprestado para comprar gados, “a meu
primo João Correia do Lago dos que largou no Rio Corrente fazenda do capitão-mor
Gregório de Abreu”209 .
Em 11 de dezembro de 1728, anotando as contas do “primo sargento-mor João
Correa do Lago”, o reinol diz que este lhe havia pedido emprestado 400 mil réis para

207 CARTA de sesmaria de Antônio Francisco da Silva - Dom Pedro de Almeida etc. - Faço saber aos que
esta minha carta de sesmaria virem que havendo respeito ao que por sua petição me enviou a dizer o
Brigadeiro Antônio Francisco da Silva, representando-me que ele comprara ao Coronel Martinho Afonso
de Melo um sítio nos campos do rio das Velhas chamado Papagaio que o dito descobrira e povoara havia
12 anos sem contradição nem oposição de pessoa alguma possuindo -o de paz pacífica os nãos referidos, e
de presente o vendera a ele o dito Brigadeiro por uma arroba de ouro e porque ele o queria haver por
sesmaria na forma de um bando que eu mandara publicar em outubro do ano passado para nele criar gados
vacuns e cavalares, e todas as mais criações incluindo em sua demarcação a posse conservada até o presente
confrontando da barra do rio Papagaio pelo das Velhas acima até a barra do rio do Picão e deste pelo sertão
até a estrada velha geral que foi do sertão do rio de S. Francisco e por ela abaixo até o Brejinho da mesma
sorte e maneira que até o presente o possuira o dito vendedor, p ortanto, me pedia fosse servido mandar lhe
passar carta de sesmaria das terras do dito sítio, ficando estas livres de todo o foro, pensão ou tributo, e só
dízimos a Deus nosso senhor, e visto seu requerimento, e informação que sobre ele tomei em que se não
ofereceu dúvida. Hei por bem fazer mercê ao dito Antonio Francisco da Silva em nome de sua mag. que D.
G. de lhe dar de sesmaria as terras referidas do dito sítio do Papagaio na mesma forma em que possuía o
dito Martinho Afonso de Melo. Vila do Carmo, 13 de junho de 1719 - Conde D. Pedro de Almeida - SC -
Liv. 12, pag. 15 v. APM
208 RAPM, Ouro Preto, vol. III, 1898, p. 841/2.
209 Brandão, Ibid. p. 103v.

123
“mandar a seu cunhado e meu primo Francisco Carnoto Vilas Boas”210 . Como já dissemos,
João Correia do Lago e Dionísio Correia do Lago, eram filhos do reinol Leonardo Pinto
Correa, lavrador de tabacos, em Sergipe do Conde, e irmão de Antônia Correia de Puga,
esposa de Francisco Carnoto Vilas Boas, e de Ana Pereira do Lago, casada com Francisco
Pires Lima.
Segundo as contas do reinol, em 22 de maio de 1732, João Correia devia 453.460
mil réis. Ao comentar sobre o envio deste dinheiro o reinol escreveria que “ao depois de
mandar para o Piauí o dinheiro em frente vi o meu erro na conta”. Na carta de sesmaria de
1728, passada por João da Gama, governador do Maranhão, consta que João Correia era
morador na capitania do Piauí, e teria “terras próprias” nos campos do Iguatu, para “povoar
uma fazenda” e criar “gado vacum e cavalar”211 . Algumas vezes o reinol se refere ao Brejo
Novo do Piauí. Quando fala das contas do alferes Carlos Correia, em 1719, ele anota que
este lhe devia três moedas novas, “que lhe mandei do Brejo Novo do Piauí que mandou
pedir do (saque?) dos bezerros como se vê do seu escrito em que me mandava pedir nove
ou dez mil réis”212 . Antes mesmo de quitar este débito, João Correia pediria mais 800.000
réis, desta vez em dinheiro, levados à Bahia por João Barboza.
A maioria dos débitos referentes ao capitão-mor Gregório de Abreu Pereira, que
era juiz da vila do Rio Grande do Sul, é referente a oitavas de ouro e um deles chegou a mil
oitavas. Em 1716, o reinol diz que o primo lhe devia 200 oitavas de ouro, “que por carta sua
dei a saber a Nicolau de Souza”. Em 1719, ele teria quitado uma dívida de 328 oitavas e
meia com o capitão Manoel Nunes Pereira, “assistente nas minas”, para o primo, e outra de
19.520, com Pedro Nunes da Silva.
Em julho de 1719, o reinol registra que teria recebido 1.040 oitavas e também
outros 24 mil réis, “para o dito senhor”, remetidos pelo seu compadre o padre Domingos
Martins Neiva, do “aluguel de três negros que levou até o Rio das Velhas a 8.000 cada um”,
além de outros 24 mil, “por uma quarta de ouro que recebi de um cavalo que seu que vendi
ao negro da Malhada”.
Em 1723 Atanásio Cerqueira afirma ter passado “uma letra ao senhor meu primo”
para que este pagasse ao capitão Francisco Correa de Brito uma conta “pertencente” ao
mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior, e diz que: “pagando-a lhe sou devedor

210 Brandão, Ibid. p. 129v.


211 CARTA de Sesmaria. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês,
Mercês de D. João V, liv. 19, f.267.
212 Brandão, Ibid. p. 44v.

124
do que dela constar que são umas mil e trezentas e tantas oitavas ou quatrocentas e tantas o
que dela se há de ver”. Em seguida o reinol escreve o seguinte:
Recebeu o capitão Francisco Correa de Brito que por ordem minha e a conta do que
eu for devedor ao defunto o mestre-de-campo Antônio da Cunha Souto Maior
morador no Piauí do gado que me vendeu [...] mil e novecentas e setenta e cinco
oitavas e meia de ouro com o qual e quatrocentas que o capitão Gaspar Álvares por
minha ordem ao dito capitão [...] ajustei tudo o que devia ao dito defunto as quais
quatrocentas (?) sou eu devedor ao dito capitão Gaspar Álvares.

Em 1723, o reinol anotou que o seu primo havia lhe pedido 124 oitavas de ouro
que lhe haviam sido enviadas de Minas Novas, “as quais me escreveu carecia delas”. Ao
que ele teria respondido que “folgar fossem muitas arrobas para se valer delas por
empréstimo”. Como podemos ver, as quantias envolvidas nos negócios eram bastante
vultosas.
Atanásio Cerqueira também mantinha negócios significativos com Dona Perpétua
Bezerra da Silva, viúva de Francisco de Araújo de Aragão, coronel do regimento da
ordenança dos distritos de Jacobina e do Paramirim213 e neto do alcaide-mor da Bahia de
mesmo nome214 , e João Jorge Rangel215 . Em um dos primeiros assentos referente a Jorge
Rangel, anotado em 1716, podemos dimensionar a extensão dos negócios entre os dois.

213 CARTA-PATENTE de confirmação do posto de coronel do regimento de infantaria da ordenança dos


distritos de Jacobina e do Paramirim (Brasil), concedida a Francisco de Araújo Aragão - ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 5, f. 61v.
214 Calmon, Ibid. p. 190.
215 REQUERIM ENTO do capitão-mor das Ordenanças dos distritos desde a freguesia do Curral Del Rei

até a barra do rio das Velhas, João Jorge Rangel, solicitando confirmação da patente. AHU_CU_BRA SIL -
GERAL, cx. 7, D. 660. Teria descoberto ouro na serra que deságua no rio Paracatu, tendo sido responsável
pela partilha das terras e ouro. CARTA do governador do Rio de Janeiro [e Minas Gerais], Gomes Freire
de Andrade, ao rei [D. João V], informando ter descoberto ouro na serra que deságua no rio Paracatu, tendo
entregue a partilha de descoberta das terras e ouro ao capitão -mor João Jorge Rangel, ao juiz ordinário da
vila de Sabará, José Ferreira Brazão, e ao escrivão João Freire Rebelo, após parecer da Ouvidoria Geral
daquela comarca; referindo as fraudes cometidas por estes durante a expedição, apossando-se
indevidamente dos direitos reais sobre o ouro e as terras descobertas, cujo processo de devassa já havia sido
instaurado pela Ouvidoria. AHU_CU_RIO DE JANEIRO, Cx. 37, D. 3876. Foi tabelião e escrivão dos
órfãos do arraial de São Romão. Requerimento do intendente comissário da Fazenda Real do sertão distrito
da comarca do rio das Velhas, capitão-mor João Jorge Rangel, ao Rei [D. João V], solicitando ordenado e
ajuda de custa do tempo que tem servido o referido emprego, ou a mercê da propriedade dos ofícios de
tabelião e escrivão dos órfãos do arraial de São Romão, Comarca de Sabará. AHU_CU_BRASIL-GERA L,
cx. 9, D. 787. Segundo sua Diligência de habilitação para a Ordem de Cristo, feita em 1740, vivia de seus
negócios de meter gados naquelas minas e tem fazendas suas de gado e que é rico. Natural da freguesia de
Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, termo da cidade de Sergipe d'el-Rei, Baía, e morador nas suas
fazendas de Paracatu, termo da vila de Sabará, filho de Manuel Jorge Rangel, natural da freguesia de São
Miguel da Palmeira, termo da cidade do Porto, e de sua mulher Rufina de Barros, natural da freguesia de
Nossa Senhora da Piedade do Lagarto; neto paterno de Manuel Jorge e de sua mulher Ana Rangel, naturais
de São Miguel da Palmeira; neto materno de Sebastião de Barros, natural da freguesia de São Salvador,
Bertiandos, termo de Viana, e de sua mulher Catarina de Oliveira, natural da freguesia de Paripe, termo da
cidade da Baía. Diligência de habilitação para a Ordem de Cristo de João Jorge Rangel - ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo,
Letra I e J, mç. 41, n.º 1.

125
De acordo com a nota, além de 12 oitavas de ouro, “de quatro machados e duas
foices”, ele lhe devia 2.062 oitavas, “do que me deu conta, e passou-se crédito” e mais 6.560
réis, em dinheiro, de uma “matalotagem que mandei dar a um pardo do padre Francisco
Barreto e Menezes”216 . Já nas notas do alferes Alexandre Monteiro, também de 1716, consta
que ele devia 200 oitavas por 50 bois magros, “entregues no Rio das Velhas” 217 , e mais 180
oitavas, referentes a 30 bois, pertencentes a D. Perpétua Bezerra, entregues por Jorge Rangel.
Em seguida o reinol escreve: “recebi da conta dos trinta bois oitenta oitavas pertencentes a
D. Perpétua as quais remeti logo”218 .
Também em 1716, Atanásio Cerqueira anotaria que o tenente Antônio Coelho
estaria devendo 278 oitavas, “do resto dos cem bois que João Jorge por ordem minha lhe
entregou de Dona Perpétua”219 , e outras 278 oitavas, “do que me deve das rezes que comeu
no Jequitaí e farinha, que se deu no Jenipapo”, além de mais 52 oitavas de farinha e rezes.
Na página dos créditos o mestre-de-campo diz que o tenente pagou 100 oitavas em ouro,
“48 oitavas da conta de D. Perpétua e 52 oitavas de minha conta”220 e, em 1720, mais 100
oitavas, enviadas para D. Perpétua pelo alferes José Cardoso, irmão do alferes Manoel
Cardoso. Nas contas dos primos, Nunes Viana e Rodrigues Soares, consta que estes deviam
ao reinol 828 oitavas de ouro, “por 92 cabeças que mais recebeu de João Jorge como consta
da sua quitação”221 .
Na sesmaria passada a João de Souza Soares, por Dom Lourenço de Almeida, em
22 de agosto de 1725, ele declara que as suas terras, localizadas no distrito de Pitangui,
principiavam “na barra do ribeirão das Pedras”, correndo pelo rio Paraopeba acima, “a partir
com terras do capitão João Jorge Rangel”222 .
O capitão também recebeu do governador Lourenço de Almeida, pelos menos mais
duas sesmarias na região do rio Paracatu. Uma em 14 de julho de 1728, de três léguas, na
fazenda de São José, que ele teria descoberto, povoado com gado e cultivado as terras com
seus escravos, “livrando da invasão do gentio que continuamente a está invadindo”. A
fazenda ficava localizada entre um “veio de água chamada o da caatinga”, que faz barra no
Paracatu, “e por este acima até a barra do rio da Prata”. Seguindo por este rio até a sua última

216 Brandão,Ibid. p. 30v.


217 Brandão, Ibid. p. 31v.
218 Brandão, Ibid. p. 30
219 Brandão, Ibid. p. 33v
220 Brandão, Ibid. p. 34
221 Brandão, Ibid. p 38v
222 RAPM, Belo Horizonte, vol. IX, 1904, p. 433.

126
nascente do rio do Sono, “com todos os riachos e logradouros que se acharem entre os dois
rios”.
Figura 20 – Riacho do Escuro – São Romão/MG – Acervo pessoal.

A segunda sesmaria, de duas léguas, da fazenda chamada Santa Ana, também


descoberta por ele, principiava na “barra do rio chamado do Sono que mete no rio do
Paracatu”, e seguia até a barra do rio chamado da Catinga223 . O rio do Sono está localizado
entre os atuais municípios de Buritizeiro e São Romão.
Em 07 de abril de 1737, foi o governador Martinho de Mendonça que confirmou a
Jorge Rangel uma sesmaria de três léguas onde se localizava a fazenda Pirapetinga. As terras
ficavam no caminho novo “dos Goiases”, principiando no ribeirão dos Enforcados, no rio
das Mortes, seguindo até o ribeirão do Pirapetinga 224 .
Gomes Freire de Andrade também passaria outras duas sesmarias a João Jorge. A
primeira, em 17 de maio de 1738, na beira do rio das Velhas, chamada fazenda da Garça,
adquiridas por arrematação e que ficava localizada entre o córrego Bicudo, o riacho das
Pedras e o caminho que seguia para o Curralinho 225 . A segunda, em 17 de março de 1741,
já citada anteriormente na referência ao estudo feito por Angelo Carrara, ficava na fregues ia
do Curral de El-Rey e foi adquirida juntamente com Paulo Araújo da Costa.

223 RAPM, Belo Horizonte, vol. IV, 1899, p. 185/7 e 203/5.


224 RAPM, Ouro Preto, vol. III, 1898, p. 821/2.
225 Teve sesmaria no lugar chamada a Garça, hoje Morro da Garça, situada na beira do rio das Velhas -

REQUERIM ENTO do capitão-mor João Jorge Rangel ao rei [D. João V], solicitando confirmação de
sesmaria chamada a Garça, sita na beira do rio das Velhas, comarca do Sabará. AHU_CU_BRA SIL -
GERAL, cx. 8, D. 749. Foi Capitão-mor das Ordenanças dos Distritos desde a Freguesia do Curral de El
Rei até a barra do Rio das Velhas.

127
Figura 21: Mapa da capitania de Minas Gerais com a divisa de suas comarcas, 1778 [detalhe].
Fonte: APM, Documentos Cartográficos, 085 (1).

128
LEGENDA
01 - Faz. Ipueira 07 - Brejo do Salgado 14 - Passagem do Paracatu
02 - Faz. Tabua 08 - Faz. Canabrava 15 - Faz. Povoação
03 - São Caetano do Japoré 09 – Rio Pardo/Faz.Pandeiros* 16 – Faz. Jequitaí/Lajes**
04 - Morrinhos/(Arraial de Matias/ 10 - Faz. Acari 17 - Faz. Jenipapo
Januário Cardoso) 11 - Faz. Urucuia 18 – Faz. Porteira***
05 - Ilha de Estevão Bocarro 12 - São Romão 19 – Faz.Riacho de Areias/Macacos
06 - Faz. Pindaíbas 13 - Faz. Boa Vista 20 – Vila de Pitangui

* O rio Pandeiros não aparece no mapa. Ele está localizado entre o rio Pardo e o Brejo do
Salgado, atual município de Januária.
** Tanto o rio Jequitaí quanto as duas fazendas ficam localizados na margem oposta do rio São
Francisco.
*** O povoado conhecido como Porteira fica localizado na margem oposta do rio das Velhas.

2.4 – Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues Soares

Além de vislumbrar a dimensão dos negócios realizados no sertão do São Francisco


nos primeiros anos dos setecentos, talvez a informação mais preciosa entre as anotações do
reinol diga respeito ao pagamento de 32 oitavas de ouro referente às “rendas dos sítios do rio
Corrente”, ao mestre-de-campo Manoel Nunes Viana. Como veremos mais detalhadamente no
próximo capítulo, Nunes Viana era procurador de Garcia de Ávila Pereira, que se dizia
proprietário das terras existentes entre a barra do rio Grande do Sul até o rio Urucuia. Além de
receber os pagamentos pelos arrendamentos referentes às terras de Isabel Guedes de Brito, do
lado baiano, ele também era o responsável pelos aforamentos do lado pernambucano.
As contas desses primos do reinol consumiram duas páginas de seu livro. A primeira
recebeu o título: “Conta com o senhor meu primo o mestre-de-campo Manuel Nunes Viana e o
senhor meu primo Manuel Rodrigues Soares tiradas do livro velho”226 . Na segunda página
estão anotadas as contas pagas por Atanásio Cerqueira para os seus primos, relacionadas ao
gado da fazenda Tabua. Além de serem citados em suas contas próprias, os reinóis aparecem

226 Brandão, Ibid. p. 48v

129
em inúmeros outros assentos ao longo do livro, especialmente nas referências sobre a cobrança
dos arrendamentos da Casa da Torre.
As contas retiradas dos livros velhos iniciavam em 1709 e a primeira delas diz respeito
a uma dívida de 1.046 oitavas pagas a Lourenço da Rocha por “gados” que o reinol teria
comprado para os primos. Em seguida ele anota o pagamento a Manuel Ferreira por 10 côvados
de baeta e mais 10 varas de fita, “que paguei para gente de sua casa”. Também 170 oitavas, por
conta de “um crioulo” que Rodrigues Soares havia se “obrigado” a pagar, e outras 65 oitavas e
meia ao padre Manoel Pereira Barboza, “de missas” que o mesmo lhe havia mandado rezar.
O rol de pagamentos feitos a pedido dos primos é bem extenso. Além de pequenas
contas como a compra de marmelada ou machados, ou a quitação de débitos, também havia
pagamentos por escravos e ainda créditos bastante significativos como um de 400 oitavas ao
padre Antônio Rodrigues, anotado em 1712. Até este ano os débitos chegariam a 2.211 oitavas
e um quarto, embora o reinol faça uma advertência de que ele não sabia “se irá erro contra mim
por me parecer ter sido mais o que paguei daí será o que da conta dos ditos senhores meus
primos se vir”.
Nos créditos o mestre-de-campo anota que, em 1709, eles tinham de “haver”, 2.111
oitavas de ouro, “salvo erro”. Desse montante, 760 oitavas, “que das minas me remeteu”227 ;
mais 400 mil réis, “que por sua conta e a minha ordem deu o senhor Domingos Maciel de Brito ,
na cidade da Bahia, a João de Souza Campos”; outras 117 oitavas, “que recebi da mão de
Manoel de Souza Meirelles por conta dos ditos senhores” e também 765.200 réis mandados por
Manoel Rodrigues Soares, a João de Souza Campos, na cidade da Bahia.
Na página das contas da fazenda Tabua consta que, em 1717, além de 92 cabeças, na
mão de Jorge Rangel, a 828 oitavas, o reinol teria pagado a Manuel Dutra, já defunto, três
partidas de gado. Uma de 171 cabeças, totalizando 1.538 oitavas, outra de 141 cabeças,
perfazendo 1.269 réis, e mais 162 bois, por 1.452 réis. Para finalizar o mestre-de-campo diz que
os seus primos lhe deviam um cavalo trazido da Bahia por Francisco Pires Ribeiro Lima e
“umas coisinhas que me deu para lhe vender”.
Este Francisco Pires, antes de se tornar capitão de auxiliares em Vila Nova da Rainha
(Caeté), em 1718, era comerciante e trazia da Bahia além de diversos produtos, muitos

227 Brandão, Ibid. p. 49

130
escravos228 . Como já dissemos, ele era casado com a irmã de João Correia do Lago, Ana Pereira
do Lago, e de Antônia Correia de Puga.
Como podemos ver, os primos estavam sempre se ajudando. Em 1723, o reinol informa
que teria mandado entregar ao primo, “o padre da companhia Manuel de Cerqueira meia arroba
de ouro”229 , para que esse pudesse “seguir a ordem”. Na página seguinte ele escreve: “Depus o
ouro em frente neste ano de 1725, segundo se verá dos meus assentos”.
Com Dionísio Pereira do Lago, que parece ter morrido ainda jovem, o reinol não
manteve muitos negócios, mas, em 1717, este estaria lhe devendo 400 oitavas referentes a 100
bois230 . Quando anota o pagamento dessas dívidas o reinol afirma que havia lançado essas
contas nas do irmão de Dionísio Pereira, “meu compadre Manuel Pereira de Souza, o qual por
carta sua me ordenou as abonasse na sua conta como herdeiro que era do irmão”.
Em relação ao seu sobrinho, Agostinho Fernandes da Costa Ramos, existem poucas
notas, mas todas de quantias significativas. Infelizmente não conseguimos saber de quem este
Agostinho Fernandes é filho, mas, em 22 de outubro de 1728, o reinol anota que ele havia lhe
emprestado 314.900 réis, “para eu mandar a Bahia”231 . Quatro anos depois, em 20 de outubro
de 1732, ele anota novo débito de 921.600 réis, referentes a 72 dobras que lhe foram trazidas
pelo sargento-mor João Correa do Lago, e quitadas em 28 de abril de 1733.
Em outubro do mesmo ano o seu sobrinho lhe emprestaria 100 mil réis para mandar
para a Bahia, “que me pediu o reverendo padre Joaquim de Santana e se obrigou a pagá-los”.
Também Francisco Pires Lima havia lhe emprestado outros cem mil réis para enviar ao padre.
A última nota, de 1º de janeiro de 1734, diz que o capitão-mor Luís Cerqueira havia mandado
os duzentos mil réis a Agostinho Fernandes.

2.5 - Dona Perpétua da Silva Bezerra

Segundo Frei Jaboatão, Dona Perpétua da Silva, filha de Domingos da Silva Moro e

228 DILIGÊNCIA de habilitação para a Ordem de Cristo de Francisco Pires Lima. Natural de Santa Eulália,
Refóios do Lima, termo de Ponte de Lima, sargento-mor na Baía, primo do tenente Brás Vieira Mendes, natural
de Olivença, filho de João Vieira Mendes, filho de Manuel Pires e de sua mulher Antônia Cerqueira de Lima.
Consulta sobre as suas provanças. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Mesa da Consciência e
Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra F, mç. 37, n.º 12.
229 Brandão, Ibid. p. 94v
230 Brandão, Ibid. p. 57v
231 Brandão, Ibid. p. 127v.

131
Dona Úrsula Bezerra, era a segunda esposa de Francisco de Araújo Aragão, vereador da cidade
da Bahia, neto do alcaide-mor de mesmo nome, e descendente de importantes proprietários de
engenhos na região da Vila da Cachoeira. Este Francisco de Aragão, de acordo com o
genealogista, teria sido assassinado em 1711 de forma escandalosa na cidade da Bahia232 . Ao
que parece, além de manter muitos negócios com a viúva, Atanásio Cerqueira teria comprado
em sua mão a fazenda da Barra do Carinhanha. É o que podemos ver do assento feito entre as
contas relacionadas à Garcia de Ávila Pereira. Na nota o reinol escreve que, além das “rendas
dos sítios de julho para cá” também estaria devendo “o que devia o defunto Francisco de Araújo
de Aragão da renda destes sítios da Carinhanha”233 . Também nas próprias contas de Dona
Perpétua o reinol diz que esta teria uma dívida de 17.200 réis, “que paguei a Manoel Ferreira
de selas que comprou para fazenda no tempo em que esta pertencia à dita”234 .

Figura 22 – Contas de D. Perpétua da Silva Bezerra - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos


Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.

232 Calmon, Ibid. p.177 a 190.


233 Brandão, Ibid. p. 74.
234 Brandão, Ibid. p. 16 v.

132
As anotações começam no ano de 1716, mas o reinol escreve: “Conta nova fora as mais
fora deste livro” 235 , o que deixa claro que os negócios teriam começado bem antes,
provavelmente com Francisco Aragão. No primeiro assento o mestre-de-campo anota que a
viúva lhe devia dois mil cruzados, “que aos procuradores da dita senhora se houveram de
entregar” e que teriam sido dados por ordem do capitão Pedro da Fonseca, “sendo o condutor
do ouro deste rio até a casa do dito capitão meu primo o capitão-mor Manoel Nunes Viana”. O
ouro deveria ser entregue aos procuradores de Dona Perpétua, o cura da Sé da Bahia, ou a seu
pai, o sargento-mor Domingo da Silva Moro.
Em novembro de 1715, nova remessa, dessa vez de 300 oitavas, levadas pelo capitão
Francisco Simões, das contas de Antônio de Barros, e mais 32 e meia oitavas de cinco bois
pertencentes “a dita senhora”, enviados às minas. Em janeiro de 1717, o reinol diz ter feito
nova remessa, dessa vez mais 173 oitavas de ouro, do pagamento por 100 bois vendidos ao
alferes Manoel Cardoso. Na margem o reinol anota: “declaro que todo este ouro e dinheiro que
pertencia a dita Senhora era de cobranças que dela fiz e de algum que mandei meu”.
Na página dos créditos, Atanásio Cerqueira escreve que, no ano de 1716, o cura da Sé,
João Borges, teria recebido todas as remessas relacionadas acima, mais 255 enviados em agosto
do gado miúdo do Jequitaí; 60 oitavas, “por ouro que recebi do que devia Antônio Barbosa de
Barros”; 48 oitavas, do tenente Antônio Coelho; e 80 de Alexandre Monteiro, que tudo “fazem
188 oitavas”, abatidas as 5 e meia das selas referidas acima.
As contas seguem com novas remessas algumas bastante significativas como uma feita
a propósito do pagamento de um gado adquirido pelo próprio reinol no valor de 800 mil réis e
outra feita depois de 1720, de 226.500 réis, sobre a qual Atanásio Cerqueira diz que havia
pagado “à Torre das rendas dos sítios”.
Em um assento o mestre-de-campo escreve:
Aos 27 do mês de abril de mil setecentos e trinta e três ajustei todas as contas que tive
com a senhora Dona Perpétua da Silva Bezerra, com seu procurador o senhor [...] Caetano
Bittencourt como consta do seu recibo que me passou as costas da mesma procuração que
da dita senhora para isso me apresentou. Dia e era, supra” 236 .

Não podemos afirmar que D. Perpétua Bezerra também possuía outros sítios no norte
de Minas, além da fazenda Carinhanha, ou se o seu gado estaria disposto em propriedades que

235 Brandão, Ibid. p. 16v.


236 Brandão, Ibid. p. 71v.

133
posteriormente Atanásio Cerqueira também adquiriu. Pelo que fica dito, no entanto, é bem
possível que ela também possuísse sítios em Jequitaí, no rio das Velhas e no Paracatu.
Quando fala das dívidas do alferes Alexandre Monteiro, por exemplo, de 180 oitavas,
“por 30 bois que lhe entregou Jorge Rangel os anos passados a 6/8as cada”237 , ele diz que os
bois eram “pertencentes a D. Perpétua”. Como já vimos, Jorge Rangel possuía propriedades na
região de São Romão e Paracatu238 , e provavelmente cuidava do gado da viúva que ficava
naquelas fazendas. Na conta o reinol escreve, em 25 de agosto de 1717, que havia mandado à
viúva, 255 oitavas de ouro, “procedidas do gado miúdo do Jequitaí pertencente a dita
senhora”239 . Também no ano de 1725, ele escreve que recebeu, “para D. Perpétua”240 , vinte mil
réis do que se lhe devia no Rio das Velhas.

Figura 23 – Rio Jequitaí – Jequitaí/MG – Acervo pessoal.

237 Brandão, Ibid. p. 31v.


238 Além da sesmaria já citada anteriormente, o capitão João Jorge Rangel recebeu pelos menos mais duas
sesmaria na região do rio Paracatu, passadas em Vila Rica, pelo governador Lourenço de Almeida. Uma em 14
de julho de 1728, de três léguas, na fazenda de São José, que ele teria descoberto, povoado com gado e cultivado
as terras com seus escravos, “livrando da invasão do gentio que continuamente a está invadindo”. As terras
estariam localizadas entre um “veio de água chamada o da caatinga, que mete e faz barra no Paracatu, e por
este acima até a barra do rio da Prata” seguindo por este rio acima até a última nascente e “cortando desta a
última do rio do Sono, com todos os riachos e logradouros que se acharem entre os dois rios”. A segunda, de
duas léguas, na fazenda chamada Santa Ana, também descoberta por ele, principiando na “barra do rio chamado
do Sono que mete no rio do Paracatu até a barra do rio chamado da Catinga”. O rio do Sono está localizad o
entre os atuais municípios de Buritizeiro e São Romão. RAPM, vol. IV, 1899, p. 185/7 e 203/5.
239 Brandão, Ibid. p. 63v.
240 Brandão, Ibid. p. 71.

134
O mestre-de-campo também possuía fazendas no rio das Velhas. Nas notas do coronel
Garcia de Ávila Pereira, em um dos primeiros assentos, o reinol diz que este lhe devia 96 mil
réis pelo frete do gado, “que dei a Paschoal de Souza de me pôr no Rio das Velhas pelo mesmo
preço e não chegaram à dita fazenda mais que 192 cabeças”241 . Também Luís de Cerqueira,
como já dissemos, era dono de uma fazenda no lugar chamado Porteira. Esta povoação fica a
cerca de oito quilômetros da Barra do Guaicuí, hoje distrito de Várzea da Palma e, como
veremos adiante, o padre Antônio Curvelo de Ávila havia transferido a sede da freguesia de
Bom Sucesso para o local, que também era chamado de Capela das Almas ou Almas da Barra
do Rio das Velhas242 .
Em outro assento, feito em 1719, o reinol diz que Garcia de Ávila teria de “haver”,
174 oitavas, “por o que importam vinte e quatro bois a seis oitavas e seis vacas a cinco do gado
que se dispôs no Rio das Velhas”243 . O frete da boiada foi feito em 1719 e custou 101 mil réis,
até o rio Verde, e mais 96 mil até o rio das Velhas, pagos pelo reinol. O gado foi levado por
Bartolomeu Gomes Casado, por 500 réis cada cabeça, um total de 202 cabeças.
Além da compra e venda de gado, a principal relação que o reinol mantinha com Garcia
de Ávila era relacionado ao arrendamento das terras. O reinol pagava por seus próprios
aforamentos e também recebia o pagamento de outros moradores que eram remetidos, na
maioria das vezes, a seu primo, procurador da Casa da Torre. Trataremos deste assunto no
próximo capítulo, mas adiantaremos aqui os pagamentos feitos ao reinol à dita casa.
Segundo anota Atanásio Cerqueira, o baiano lhe devia 10 mil réis, por dinheiro que
Antônio Cerqueira Campos, também procurador de Garcia de Ávila, havia recebido de
Francisco Alves Ferreira, e da conta de Januário Cardoso, “do sítio do Paracatu”, os quais já
teriam sido pagos em 1711. Também outros 20 mil réis, recebidos por Nunes Viana, pelo sítio
de São Romão, referente ao arrendamento da propriedade por dois anos. De acordo com o reinol,
todas as contas deveriam ser “abonadas”, ou descontadas, nos créditos que o coronel possuía
com ele.
Nesses créditos estariam, “as rendas dos sítios de julho para cá”, e também “dos mais
sítios que comprei do dito tempo para cá” e os débitos referentes ao arrendamento dos “sítios
da Carinhanha”, devidos pelo “defunto Francisco de Araújo de Aragão”. Em seguida o reinol

241 Brandão,Ibid. p.73v.


242 APM, SC 54 – Apud. Fagundes/Martins, Ibid. p. 82/5
243 Brandão, Ibid. p. 74

135
diz que as contas teriam sido “ajustadas” até o ano de 1721, “como consta da quitação do mestre
de campo Manoel Nunes Viana”. Em outra nota, diz ainda que ele teria pagado “as quitações
até o ano de 25”.

Figura 24 – Fazenda no vale do rio Jequitaí – Ibiaí/MG – Acervo pessoal .

Para encerrar, Atanásio Cerqueira afirma que havia feito o pagamento à Casa da Torre
do arrendamento das fazendas “do Paracatu para cima”, mas que estas não pertenceriam à
Garcia de Ávila. Segundo ele, as terras “do rio Urucuia para cima”, não faziam parte das
propriedades da “dita Torre” e esta seria devedora do que ele havia pagado “na suposição de
que eram suas”.

2.6 – O mestre-de-campo Januário Cardoso de Almeida

Também Januário Cardoso mantinha diversos negócios com o seu sogro,


interrompidos pela sua morte prematura. Já no primeiro assento, feito em 1724, o reinol anota
que o sobrinho lhe devia quatrocentas oitavas pela compra do sítio dos Macacos (FIG. 21),
propriedade que, no entanto, Januário Cardoso acabaria não adquirindo. Em outubro de 1725,

136
ele escreveria que “o sítio dos Macacos me tornei a ficar com ele e não deve do dito nada”244 .
Vários negócios entre os dois envolviam quantias vultosas. O segundo assento diz
respeito a uma dívida de Januário Cardoso de 749 oitavas e meia de ouro e o seguinte de mais
1.400 oitavas, emprestados em julho de 1724. As contas teriam sido quitadas em outubro de
1725. Dois anos depois, em agosto de 1727, o sobrinho havia comprado 308 bois, entregues
“no sítio das Jabuticabas”, ao preço de seis mil réis cada, totalizando um conto e oitocentos e
quarenta e oito mil réis. De acordo com a anotação, o gado teria sido adquirido para Antônio
Bernardes que pagaria “daqui a um ano”.
Januário Cardoso possuía um vultoso crédito havido de seu dote de casamento com
Maria Brandão e de um empréstimo de mil e duzentas oitavas, feito em 1723, quando Atanásio
Cerqueira foi para a cidade da Bahia. O seu dote de casamento seria de uma arroba de ouro e
muitos outros bens.
Em 03 de dezembro de 1728, o reinol recebeu 504.320 réis, das mãos de “João mulato”,
por quem ele teria enviado uma carta a Januário Cardoso, “em resposta de uma sua em que me
ordenava mandasse buscar quinhentos mil réis da boiada que lhe vendi”. Nos assentos seguintes
estão anotados mais dois pagamentos, um de 362.750 réis, “da boiada do capitão Antônio
Simões de Oliveira” e mais 437.200 réis. Os restos da boiada do Bernardes, transferidos em
“uma letra”, a Bento Lopes, morador do Brejo do Japoré, seriam no valor de quarenta mil réis.
Logo em seguida, escrito com outra tinta, o que indica que a nota teria sido posterior,
o reinol diz: “Neste ano de agosto me mandou meu compadre Domingos do Prado ajustar o
resto do gado que me havia comprado o defunto que Deus haja meu sobrinho acima para
Antônio Bernardes e assim estou satisfeito”.
As contas com o filho Luís Cerqueira são anotadas pelo próprio reinol. Em 1726, ele
tinha uma dívida de dois contos e seiscentos e cinquenta mil e quinhentos réis, referente a gados
da fazenda da Boa Vista de Paraopeba; 10.640 réis, dados “ao frei Luís de um breviário que lhe
comprou”245 ; 640 réis de uma capa, e mais 17 oitavas de ouro em dinheiro, dados ao Dr. João
Calmon246 . Nos créditos, em 1725, quando o filho, “veio com a sua mulher”, ele havia pagado
550 mil réis e o “procedido do breviário se me não engano”.

244 Brandão, Ibid. p. 96v.


245 Brandão, Ibid. p. 117
246 Além de procurador de Atanásio Cerqueira na cidade da Bahia, o Dr. João Calmon, de acordo com o Roteiro

de Quaresma Delgado, era proprietário das fazendas da Malhada, Riacho e Canabrava, localizadas próximo à
foz do rio Verde Grande. Freire, Ibid. p. 505.

137
A partir da página 135v não está anotada nenhuma nova conta. Além de assentos
aleatórios, ele detalha as dívidas, os créditos e o dinheiro arrecadado com a venda dos bens de
Daniel da Cunha Rego e de Veríssimo Teixeira, dos quais é testamenteiro. A partir da página
309v, passa a fazer anotações relativas ao seu próprio testamento.
Na primeira dessas anotações, feita em 28 de maio de 1726, ele declara que a fazenda
dos Pandeiros, “com o que se achar por minha morte de gados e cavalos e os escravos que com
ela comprei”247 , deveria ser destinada aos religiosos de São Caetano da cidade de Lisboa, ou a
sua importância, “em quartéis a dois mil cruzados por ano até se ajustar o cômputo da sua
importância”, caso os religiosos não quisessem ficar com a fazenda. Tal determinação teria o
consentimento de sua esposa, “para que o dito glorioso santo se lembre da alma de meu filho
Caetano para quem a comprei a dita fazenda”. Como retribuição os padres deveriam “rogar a
Deus e ao bem aventurado santo [...] pelo dito defunto”.

Figura 25 – Rio Pandeiros – Januária/MG – Acervo pessoal.

Também anota que prometeu, em 1723, que daria mil cruzados ou dois para que o filho
de Helena de Brito, filha de seu tio, o capitão Manuel de Brito, e do capitão-mor Ignácio Pereira,
pudesse se ordenar padre. Segundo afirma, ele teria custeado os seus estudos no seminário, o
que deveria ser abatido do montante, “tudo com que lhe tenho assistido de dinheiro assim do

247 Brandão, Ibid. p. 309v

138
que se dá ao seminário como do mais de roupas e tudo o mais na dita conta do dito escrito que
passei”. Adverte ainda que, caso o rapaz não se ordenasse, “se lhe não dará nada”, nem o pai
teria “direito em procurar coisa alguma” e diz que “a porção por ano do seminário é de 58.000,
fora as roupas que de tudo se fará a conta”.
Nas páginas 312v e 313, anota os bens dados a Januário Cardoso e a Luís Cerqueira
como dote de casamento. Com Januário Cardoso e Maria Brandão ele foi bastante generoso.
Apesar de não anotar o ano, ele afirma ter dado a fazenda dos Morrinhos, “com o gado que se
achasse que creio foram mil e trezentas e tantas cabeças ou o que realmente se achasse em uma
arroba de ouro”248 ; um negro vaqueiro avaliado em 200 oitavas; doze cavalos a 220 oitavas;
duas “crioulas e uma mulata”, compradas do Padre José Brandão, “a duas libras de ouro cada
uma”, totalizando 384 oitavas; “mais outra mulata em uma libra de ouro”, o equivalente a 128
oitavas, e também uma salva e um púcaro249 de prata, um prato feito na Índia, colheres, garfos
e algumas facas de cabo de prata, no valor de 300 mil réis. Também outros dois mil contos,
“que gastei na despensa” e mais 15 mil cruzados em dinheiro, “e não falo mais nada de roupas
e joias”.
À Luís Cerqueira deu, “depois de casado”, doze éguas, em 1725; outras 50, em
março de 1727; dois bois; várias escravas, entre elas, “a crioula [...] costureira e duas filhas
mulatas, uma de peito e outra de nove para dez anos, mais outra se me não engano [...] mais a
crioula Felícia boa costureira, mais duas crioulinhas e uma mestiçazinha filha da Luiza”; 67
vacas, do Jequitaí, “com as quais pagava duzentas e setenta vacas que devia”, e ainda a fazenda
do Jenipapo, com gados, cavalos e escravos e “mais coisas que a ela pertencia” 250 .

Para finalizar, o reinol adverte que os bens doados deveriam ser considerados na
partilha como valores recebidos em caso de sua morte ou da esposa, ou de ambos, entrando “o
referido nos seus valores com os mais irmãos exceto os rendimentos que esses voluntariame nte
lhes demos”.

248 Brandão, Ibid. p. 312v.


249 Pequeno vaso com alça e bandeja. https://michaelis.uol.com.br.
250 Brandão, Ibid. p. 313.

139
Tabela 04
Fazendas e lugares citados no Livro da Razão

FAZENDA LOCALIZAÇÃO PROPRIETÁ RIO/ MORADOR

Jenipapo Francisco da Costa Andrade


Jenipapo Domingos Pereira Samora
Jenipapo Matias de Souza
Atanásio Cerqueira/Luiz
Jenipapo
Cerqueira
Acari Atanásio Cerqueira
Sítio dos Macacos Atanásio Cerqueira
Tabua Atanásio Cerqueira
Rio Pardo Atanásio Cerqueira
Faz Pandeiros Atanásio Cerqueira
Jequitaí Atanásio Cerqueira
Rio das Velhas Atanásio Cerqueira
Carinhanha Atanásio Cerqueira
Juazeiro Atanásio Cerqueira
Sítio de São Romão Atanásio Cerqueira
Penha Rio Correntes
Pitangui Luís de Cerqueira
Boa Vista Paraopeba Luís Cerqueira
Brejo do Japoré Manoel Ferreira da Silva
Pandeiros Manoel Ramos
Luís Sequeira Lima/Gaspar
Rio Pandeiros
Pereira
Malhada Manoel da Silva Fiuza
Japoré Manoel Gomes Ribeiro
Rio Corrente Felipe Rodrigues
Pedro Caetano/ do Piauí
Povoações Silvestre da Rocha Leão
Povoações Nicolau Lopes Fiúza
Piauí Valentim de Sá
Campos de S. João José Fernandes
Pindombeiras negro Garcia
Salinas Senhoras/ negro

Candeal Eugênio Teixeira Pinto


Lagoas do rio Corrente André Rodrigues
Salinas Antonico forro
Barra do rio Corrente Manoel Ramos
Brejo do Salgado Miguel Gomes
Brejo Manoel Ferreira
Acari Antônio Barbosa
Carinhanha Estevão de Oliveira
Riacho do Escuro Domingos de Moura Miguel
Alferes Manuel Cardoso de
Jenipapo Paracatu
Almeida
Engenho do Brejo

140
Piauí Manoel Soares
Fazenda Ipueira
Rio Corrente André Rodrigues
Sítio do Riacho Leandro de Melo Figueiredo
sítios do rio Corrente Gregório de Abreu Pereira
Malhada Manuel da Silva Fiúza
Brejo novo do Piauí João Correa do Lago
Morrinhos André Gomes Raposo
Salinas Domingos Gonçalves
Faz. Morrinhos Antônio da Silva Moura
Malhada Francisco de Sá Barbosa
Urucuia Domingos Rodrigues Justiniano
Jequitaí D. Perpétua Bezerra
Brejo Novo Manoel Costa
Acari Antônio Barbosa
Rio das Velhas Antônio Coelho
Sítio do Paracatú Januário Cardoso
Buritis Manoel Rodrigues Soares
Rio das Velhas Carlos Correia
Carinhanha Francisco de Araújo Aragão
Carinhanha Francisco da Costa
Taquaril Manoel Soares
Eugênio Teixeira/Atanásio
Candeal
Cerqueira
Faz. dos Pandeiros Domingos Miranda
Manuel Nunes Viana/Manuel
Tabua
Rodrigues Soares
Rio das Rãs Salvador Cardoso
Sítio das Jabuticabas
Brejo do Japoré Bento Lopes
Juazeiro Rio Corrente João dos Santos
Faz. Picão Domingos do Prado
Fazenda Rio Corrente Gregório de Abreu Pereira
Sítio da Bonacica rio abaixo Madalena Fróis
Salinas Alexandre de tal
Sítio das Almas/ caminho
Teodósio Álvares
novo
São Romão José do Sacramento
Faz. do Paracatu João Santos
Carinhanha Daniel da Cunha Rego
Carinhanha Amaro Ferreira
Malhada Manuel Nunes
faz. do rio Verde Veríssimo Teixeira
faz. da Barra Veríssimo Teixeira
Vila da Cachoeira Manoel da Costa Pinheiro
Atanásio Cerqueira / Januário
Faz. Morrinhos
Cardoso

141
Na penúltima página do livro o mestre-de-campo faz um longo relato das demandas
judiciais, iniciadas em 1723, pelo capitão Francisco Muniz Barreto, sobre as quais falamos
anteriormente e que são tratadas também em seu testamento. Depois de detalhar cada uma delas,
o reinol diz que havia constituído como seus procuradores na cidade da Bahia o capitão-mor
Manuel de Almeida Costa, o reverendo Chantre Dr. João Calmon e o reverendo padre Francisco
Xavier Filgueira, além dos letrados, Dr. Antônio Correia Ximenes, Rafael Soares Barbosa e
Luís Ventura Álvares Carvalho, sendo os requerentes, Francisco Ferreira de Melo, Sebastião
Ribeiro de Magalhães e Manoel de Barros. Diz ainda que havia deixado no cartório de Manoel
Afonso, “que mora nas portas ou junto a elas da cidade que dão para São Bento”, os documentos
relativos à demanda. Na última linha ele escreve: “recebi os papéis tirados em pública forma,
cartas e recibos, que tudo tenho agora”.

Tabela 05
Compra e venda de gado

P Comprador Quantidade Vendedor Valor Data Fazenda

Thomé Rodrigues 10 bois e três vacas Atanásio Cerqueira 1719 Pedras e


06v da Fonseca Morrinhos
07v João Pereira de 50 bois de açougue a Atanásio Cerqueira 175 / 8ª s
Souza 03/8ª s e 1/2.
08 André Rodrigues 40 bois de açougue a Atanásio Cerqueira 140 / 8as ??/12/1714
03/8ª s e 1/2
08 André Rodrigues Uns bois 161/8ª s 1720
16 vManoel de Barros 05 bois Atanásio Cerqueira por D. 32/ 8ª s para as minas
Perpétua da Silva Bezerra
16 v alferes Manoel 100 bois D. Perpétua da Silva 147.600 réis ??/01/1717
Cardoso Bezerra
16 v Antônio Barbosa 12 bois D. Perpétua da Silva 60 /8as ??/02/ 1718 Acari
Bezerra
18v Domingos de 53 bois e uma vaca Cap. Francisco Martins 230/ 8as
Moura Miguel Pereira
26v Antônio da Silva 46 bois e 12 vacas Atanásio Cerqueira 17/05/1726
Portilho
alferes Alexandre 50 bois magros no a Atanásio Cerqueira 200/8as 1716 R. das Velhas
31v Monteiro 4/8as .
31v alferes Alexandre 30 bois a 6/8as cada João Jorge Rangel 180/8as
Monteiro
32v Amaro Ferreira 21 bois a 04 mil réis Atanásio Cerqueira 84$000 1716 Carinhanha
33v Tenente Antônio 100 bois João George por D. 278/8as+??? 1716 Jequitaí/Jenipa
Coelho Perpétua po
34v ajudante Antônio 100 bois a 04 mil réis. Atanásio Cerqueira 400$000 1716 Carinhanha
de Fonseca
35v Manoel Afonso de 20 bois a 04 mil réis Atanásio Cerqueira 80$000 1716 Carinhanha
Siqueira cada

142
38v Martinho Afonso 800 bois 2.000/8as + ?
de Melo
43v João Henriques 100 bois Atanásio Cerqueira 400$000 ??/05/1717
47v padre Antônio 54 bois a 04 mil réis 216$000 1712
Rodrigues cada
48 Atanásio Cerqueira 25 bois a 04 mil réis João Maia Baldim 100$000 1717
48v Nunes Viana e 171 cabeças a 9/8as Atanásio Cerqueira 1538/8as
Rodrigues Soares
48v Nunes Viana e 92 cabeças João Jorge Rangel 828/8
Rodrigues Soares
48v Nunes Viana e 162 bois Atanásio Cerqueira 1452/8as
Rodrigues Soares
50v Domingos 100 bois a 04 mil réis 400$000 ??/04/1718 Salinas
Gonçalves mestre cada
pedreiro
52v Manoel Furtado gado Veríssimo Teixeira 100/8as
53v Antônio da Silva 20 bois Atanásio Cerqueira 80/8as 1717 Morrinhos
Moura
57v Dionísio Pereira do100 bois a 04 oitavas Atanásio Cerqueira 400/8as 1717
Lago/primo
58v Francisco de Sá 50 bois Atanásio Cerqueira 200/8as 1717
Barbosa
59v Domingos Gado Atanásio Cerqueira 36 ½ /8as 1717 Urucuia
Rodrigues
Justiniano
60v Cap. Antônio uns bois 30 e tantas/8as 1717 Acari
Barboza Leão
70v alferes Manuel 100 bois D. Perpétua da Silva 123/8as ??/01/1717
Cardoso Bezerra
70v Antônio Barboza 12 bois D. Perpétua da Silva 60 /8as ??/02/1718 Acari
Bezerra
70v Atanásio Cerqueira Gado miúdo do D. Perpétua da Silva 255/8as ??/08/1718 Jequitaí
Bezerra
70v Atanásio CerqueiraGados que sobram da D. Perpétua da Silva 800$000
dita casa. Bezerra
73v Atanásio Cerqueira 202 cabeças coronel Garcia de Ávila 1719
74 Atanásio Cerqueira 24 bois a 06/8as e 06 coronel Garcia de Ávila 174/8as 1719 R. das Velhas
vacas a 05/8as
77v Francisco da Costa 20 bois 50/8as 31/04/1720 Ipueira
Andrade
96v Januario Cardoso 308 bois a 06 mil réis Atanásio Cerqueira 1.848$000 ??/08/1727 sítio das
p/ Jabuticabas
Antônio Bernardes
104 Dionísio Martins 04 bois Atanásio Cerqueira 27$000 R. da Velhas
Soares
104 Sarg. mor 96 bois Atanásio Cerqueira 672.000 réis 1726
Domingos de
Moura Miguel
114v pardo Pascoal 26 dos do Piauí a 6 Atanásio Cerqueira 120$000 1726 R. Corrente
mil réis
Sarg.mor 19 bois a 07 mil réis Atanásio Cerqueira 133$000
Domingos de cada
Moura Miguel
116 Padre Caetano 17 bois a 07 mil réis Atanásio Cerqueira 119$000 1726
cada

143
117v Luis Cerqueira Gados Atanásio Cerqueira 2.650$500 1724? Boa Vista/
Paraopeba
130v Nicolau de Souza 09 bois a 6.000 réis e capitão mor Gregório de 67$800
Ferreira 03vacas a 4.600 Abreu Pereira
132v padre Bartolomeu 199 bois a 04 mil réis. Atanásio Cerqueira 796$000 1711
Pimenta
TOTAL 3.368 + valores
indefinidos

Figura 26 – Mapa da região norte de Minas / rio São Francisco entre os afluentes das Velhas e Verde Grande. Sirgas
2000. Juiz de Fora. 2020.

144
Capítulo III

Rio dos currais


3.1 - O sertão de Atanásio Cerqueira
(...) Com o desembargador Rafael Pires havia eu ponderado que poderia convir
levantar algumas vilas neste Sertão e vim com esse pensamento. Porém a experiência
me tem mostrado que nenhuma forma encontro para este projeto; que estes sertões
não se podem reduzir a formalidade alguma regular pela dispersão dos seus poucos
moradores e intratável do país, onde não pode haver jamais coisa alguma bem
ordenada nem fazer-se conceito dele por informações; porque nenhum julgo bastante
a concluir o seu desconcerto, que só é próprio para animais ou para sujeitos que têm
a mesma natureza e ferocidade. Capela das Almas, 07 de agosto de 1736. Senhor
Martinho de Mendonça de Pina e de Proença, de Vossa Senhoria mais fiel criado, //
Francisco da Cunha Lobo // - Carta de Francisco da Cunha para o Governa dor
Martinho de Mendonça - APM - SC 54 – 127 a 129. 251

A região a qual se acostumou a chamar de sertão norte mineiro abrange uma área
bastante variável, podendo chegar a mais de 100 municípios. Algumas pessoas incluem cidades
como Salinas, Minas Novas e até o Serro, que ficam no Vale do Jequitinhonha; outros amplia m
a sua área até Paracatu, Unaí e Buritis, a noroeste; e ainda há aqueles que a estendem a
municípios como Curvelo e Augusto de Lima, na região central.
Assim como a [in]definição do próprio termo sertão 252 , que usamos para nos referir a
qualquer terra ignota, qualquer terreno árido, desconhecido, ou região interior ou inóspita;
quando falamos em sertão norte mineiro esse aspecto adaptável e oscilante é claramente visíve l.
Ora pode abarcar tudo que seja um pouco mais desconhecido, mais árido ou longínquo, ou se
restringir aos municípios localizados nos limites formados pela Serra Geral, entre Bocaiúva e

251 Fagundes/Martins, Ibid. p. 80/1.


252 Quando trata da noção de sertão, Cláudia Damasceno chama a atenção para o fato de que no início do século
XIX o dicionário Larousse já registrava a definição de sertão como um nome dado, no Brasil, "a certas partes
do território de algumas províncias pouco povoadas ou incultas, entre outras, aos ermos do São Francisco, na
Província de Minas Gerais”. Os “raros habitantes” dessas regiões, definidas como “deserto”, seriam chamadas
de sertanejos. Fonseca, Claudia Damasceno. Arraiais e vilas d'el rei: espaço e poder nas Minas setecentistas.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011, p. 53. Grand dictionnaire universel du XIXe siècle. Paris: Ed.
CNRS/Gallimard,1974-1994. 17 v.
Muitos autores abordaram este tema, entre eles: NEVES, Erivaldo Fagundes. Sertão como recorte espacial e
como imaginário cultural. Revista Politéia: História e Sociedade. Vitória da Conquis ta: UESB, v. 3, n. 1, 2003,
p. 153-162. Em seu artigo, “Os segredos do sertão da terra: um longe perto”, Jerusa Pires Ferreira faz uma
análise das considerações de diversos estudiosos que refletiram sobre o tema, entre eles Câmara Cascudo e
Gustavo Barroso. FERREIRA, Jerusa Pires. Os segredos do sertão da terra: um longe perto. Légua & meia:
Revista de literatura e diversidade cultural. Feira de Santana: UEFS, v. 3, n. 2, 2004, p. 25- 39. Disponível em:
http://www2.uefs.br/leguaemeia/2/2_25-39longe.pdf. Acesso em: 25/02/21.

145
Espinosa; a Serra do Cabral, em Buenópolis; as veredas de Chapada Gaúcha e São Romão,
atingindo a divisa com Goiás e Bahia, em Montalvânia e Matias Cardoso.
Por hora, no entanto, o sertão que nos interessa aqui é aquele que fica no trecho em
que o São Francisco atravessa o norte de Minas e que se localiza no entorno dos seus principa is
afluentes: o Verde Grande, desde sua nascente nos municípios de Bocaiúva, Glaucilândia e
Montes Claros, até a sua foz em Matias Cardoso; o rio das Velhas, entre os municípios de
Curvelo e Várzea da Palma; o Paracatu e o Urucuia, em São Romão, e também a região banhada
pelos rios Pacui, Jequitaí, Pandeiros e Carinhanha, este último já na divisa com a Bahia. Foi
nesta região, que fica no centro desta área mais ampla a que nos referimos anteriorme nte,
localizada nas margens esquerda e direita do São Francisco, que Atanásio Cerqueira e seus
interlocutores encontraram as condições ideais para se fixarem.
Embora sempre que falamos do norte de Minas a primeira ideia que nos venha à cabeça
seja a de uma terra árida e bruta, especialmente quando tratamos de um período tão remoto, é
certo que nem tudo neste lugar é deserto. É inegável que a aridez, a falta de chuva e a brabeza
do sol são verdades absolutas nesta parte do sertão. Mas também é fato que, em meio a esta
vastidão, existe, como destaca Euclides da Cunha 253 , impressionantes itambés, serros de
quartzitos, matas estonteantes, enormes rios e chapadas misteriosas; lugares que escondem
verdadeiros oásis.
Esses primeiros aventureiros que chegaram na região souberam vislumbrá- los muito
bem. Ainda no início dos anos de 1700 inúmeras famílias já estavam instaladas ao longo de
mais de uma centena de caminhos tortuosos que cruzavam de norte a sul a região, como bem
destaca o texto “Informações Sobre as Minas do Brasil”, documento anônimo publicado em
1939, nos Anais da Biblioteca Nacional254 .
Logo nos primeiros tempos os paulistas passaram a se referir à região como “a joia
mais preciosa do Brasil”255 . A expressão não foi cunhada apenas por causa das minas de ouro

253 CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Nova Cultural, 2002.
254 Informações sobre as minas do Brasil. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro , v.57,
p.173-183, 1935.
255 CARTA do governador da Bahia ao rei de Portugal sobre a importância das terras do sertão da capitania;

desde as minas do rio de Contas ao rio Pardo, Verde e cabeceiras do São Mateus, reputadas pelos paulistas a
“joia mais preciosa do Brasil”, contendo várias minas de ouro e pedras preciosas e terrenos de grande
fecundidade para as lavouras, a respeito das expedições feitas há dois anos com vários troços ou bandeiras tendo
a frente Pedro Leolino Mariz, por sua grande capacidade e po r cabo principal da empresa o Cel. André da Rocha
Pinto, valente e prático de muitas conquistas na luta contra o gentio bravo que muito tem perturbado as regiões
próximas; sobre as plantações e criações feitas nos caminhos desbravados, para sustento dos exploradores em

146
e pedras preciosas das cabeceiras do rio das Velhas e do vale do Jequitinhonha, mas também
por causa das terras de “grande fecundidade para as lavouras, localizadas ao longo dos rios
Verde Grande, Pardo e outros”. Esse imenso território que nos parece intratável, especialme nte
durante os longos períodos de seca, que podem se prolongar por vários anos, possui também
extensas porções de terras fertilíssimas, principalmente junto às escarpas do Espinhaço e dos
seus muitos rios. Além disso, conta com inúmeros brejos onde a cultura da cana-de-açúcar
permitiu, desde os primeiros tempos, o surgimento de centenas de pequenos engenhos que se
dedicaram a produção de rapadura e cachaça das mais famosas do país.
Foi a existência desses inúmeros rios e córregos e as terras planas de vegetação esparsa,
tanto do cerrado, que predomina em quase toda a margem direita do São Francisco, e da
caatinga, presente na margem esquerda do rio e também no extremo norte, à medida que se
aproxima da Bahia, que despertaram o interesse desses primeiros povoadores. Essas eram as
características fundamentais para a criação do gado vacum e cavalar, nova base econômica que
ganharia força na Colônia a partir do século XVII e garantiria o alargamento das fronteiras para
além da “tênue linha litorânea”.
Para Felisbello Freire foi a esperança de encontrar a Serra Resplandecente ou o Sol da
Terra, que levou os moradores a procurá-la junto ao rio São Francisco. Assim, o grande rio
tornou-se ponto de atração para parte considerável de desbravadores a procura de esmeraldas,
pedras preciosas, ouro ou prata. Partindo de pontos diversos, ora buscando a serra de onde
grandes pedras de ouro rolavam para o leito do rio ou uma imensa lagoa dourada que escondia
tesouros incalculáveis, esses aventureiros palmilharam grande parte do sertão. Gabriel Soares
diz o seguinte sobre o São Francisco:
Depois que este Estado se descobriu por ordem dos reis passado s, se trabalhou muito
por se acabar de descobrir este rio, por todo o gentio que n'elle viveu, e por elle andou
afirmar que pelo seu sertão havia serras de ouro e prata; á conta da qual informação
se fizeram muita entrada de todas as capitanias sem poder ninguém chegar ao cabo.
256

A primeira expedição a alcançar o rio foi a de Espinhosa-Navarro257 , em 1553/54,

grande número; acerca das grandes vantagens resultantes dessas expedições para Deus, na cristianização do
gentio e Sua Majestade, na economia das descobertas, sem nenhuma despesa para a fazenda real, por ser a
expedição financiada pelo referido bandeirante. Bahia, 12 de agosto de 1727. - APEB – Ordens Régias – Vol.21
- Doc. 46.
256 SOARES, Gabriel, Tratado Descriptivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Typographia de João Ignacio da

Silva, 1879. p. 31. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4792. Acesso em: 31.08.2020.


257 A carta do padre Navarro foi publicada em diversas obras, entre as quais nosso livro “Capítulos Sertanejos ”,
de 2002, a partir da versão disponível no livro de Capistrano de Abreu. Ângelo Carrara utiliza a versão original

147
composta por treze homens brancos, entre os quais o próprio Espinhosa e o jesuíta João de
Azpilcueta Navarro, além de “índios amigos”. A bandeira, segundo escreve o Padre Navarro,
chegou ao rio Pará, o qual os índios afirmavam ser o de São Francisco, possivelmente na foz
do rio Mangai, entre os atuais municípios de Pedras de Maria da Cruz e São Francisco. Neste
ponto, no entanto, foram obrigados a retornar, tomando o mesmo caminho pelo qual vieram,
por temor aos índios, “mui bárbaros e cruéis”, que habitavam a região, como afirma o jesuíta.
Vários desbravadores buscaram o São Francisco, entre eles Vasco Rodrigues Caldas,
em 1561, pelo rio Paraguassú258 e os paulistas comandados por Brás Cubas259 , partindo de
Santos 260 . Segundo trecho de carta escrita pelo coronel Pedro Barbosa Leal, ao Conde de
Sabugosa, vice-rei do Brasil, em 1725, sobre as suas andanças em busca das famosas minas
imaginadas de Belchior Dias Moreira, naquela época era conhecida uma versão de que o
paulista Brás Cubas realmente teria chegado ao São Francisco na altura do Paramirim.
Uma e outra coisa tenho por sem dúvida ser coisa de Belchior Dias porque costumava
por marcos e padrões no que des cobria pois de tudo fez Roteiro, e tudo lhe era
necessário para o seu governo do seu Roteiro. Nem há notícia de que ali andasse outro
descobridor, e só há tradição de que um paulista fulano de Cubas chegara ao

em espanhol publicada por Francisco Álvares na História de las cosas de Etiopia. Saragossa: Agostin Millán,
1561, fols.79-80. CARRARA, Ângelo Alves. Antes das Minas Gerais: conquista e ocupa ção dos sertões
mineiros. Varia História, Belo Horizonte, v. 23, n. 38, p. 574-596, dez. 2007. A carta também foi traduzida e
publicada por Varnhagen na 1ª.ed. de sua História do Brasil. Diversos autores estudaram o itinerário da
expedição entre eles: TAUNAY, Afonso de Escragnole. História geral das bandeiras paulistas . São Paulo:
Edições Melhoramentos, 1924-1950, 10 vol.; CALÓGERAS, João Pandiá. As minas do Brasil e sua legislação.
Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904-5; ABREU, João Capistrano de. Os primeiros descobridores de Minas.
Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v.6, p.365-377, p.375, 1901; MAGALHÃES, Basílio de.
Expansão geográfica do Brasil colonial. 2ª.ed. São Paulo: Nacional, 1935. NEVES, Antonino da Silva.
Corografia do Município de Rio Pardo. FAGUNDES, G. e MARTINS, N. (orgs). Montes Claros: Nahilson
Martins Ramalho, 2008. VIANNA, Urbino de Souza. Monografia do município de Montes Claros. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial, 1916.
258 Freire, Ibid. p. 69.
259 Em artigo publicado na revista do Arquivo Público Mineiro, em 1902, Francisco Lobo Leite Pereira, tenta

refazer o trajeto que Brás Cubas fez em 1562. O autor acredita que o paulista, fundador de Santos, tenha
percorrido o rio São Francisco até a barra do Paramirim, na Bahia, se guindo o mesmo itinerário que
posteriormente seria conhecido como o caminho velho. O percurso partia de Santos ou de São Paulo, e, subindo
pela serra da Mantiqueira, chegava até a barra do rio das Velhas, de onde seguia pelo São Francisco rumo à
barra do Parámirim, “ou algum lugar tanto adiante, donde voltaram pelo mesmo caminho”. PEREIRA ,
Francisco Lobo Leite. Descobrimento e devassamento do território de Minas Gerais , Revista do Arquivo
Público Mineiro, Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais , vol. VII, 1902, p. 549-594.
260 Senhor, Por hua nao, que desta capitania de São Vicente partio para esse Reyno ho año pasado, escrevy a

Vossa alteza como vindo a esta capitania ho Governador men de Saa lhe parecera voso serviço, queu fose por
este sertão demtro com hú home que V. A. de lá mandou a buscar minas douro e prata; e como fora á minha
custa a gente que levara comiguo, he que amdaria de jornada trezentas legoas; e por respeito das augoas que se
vinhão me torney; e as amostras que trouxe mandeu a V. A. e ao Governador á Bahia, para que por ambaias
vias soubese ho que achara da quela viagem.
(...) beyjo as Reays mãos de V. A. desta vila do porto de Samtos, oije 25 de abryl 1562.
Do provedor da capitania doe São Vicente. Bras Cubas. Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo
Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais , vol. VII, 1902, p. 593/4.

148
Paramirim aonde descobrira um grande haver voltando para S. Paulo a convocar
vários parentes e amigos, e atravessara do sertão de S. Paulo para este, cuja tropa
tivera mau sucesso e não chegara ao Paramirim, mas este paulista não pôs marcos, e
só o fez Belchior Diaz.261

De acordo com Freire também buscaram o São Francisco Antônio Dias Adorno, em
1574, pelo rio Doce; João Coelho de Souza, em 1580, partindo também do Paraguassú, e seu
irmão, Gabriel Soares, em 1590; Sebastião Fernandes Tourinho, pelo rio Doce e, pelo rio
Cricaré e São Mateus, Martins Carvalho262 .
Os primeiros povoadores acessavam o rio pelo nordeste, partindo das capitanias da
Bahia e de Pernambuco e, segundo Capistrano de Abreu, foi o governador Mem de Sá que
iniciou, ao norte da Bahia, a conquista de Sergipe, seguido por Luís de Brito de Almeida, em
1574, e Cristóvão de Barros, em fins de 89.
... penetraram alguns aventureiros até o rio São Francisco. No território devoluto
Cristóvão de Barros separou uma enorme sesmaria para o filho; esta serviu de craveira
para outras, e dentro em pouco não havia mais o que distribuir. Com esta campanha
os franceses perderam as antigas ligações no rio Real.
Na capitania de Duarte Coelho continuou o movimento para o rio São Francisco.
Fazendas de gado ou canaviais avançaram pelo território das Alagoas . 263

Outras bandeiras com o objetivo de cativar índios também exploraram o São Francisco
partindo de Pernambuco. Basílio de Magalhães264 destaca a de Luiz Álvares Espinha, as de
Francisco de Caldas e Gaspar Dias de Ataíde, e, em 1578 e a de Francisco Barbosa da Silva.
Gabriel Soares fala de duas entradas ainda no século XVI. Segundo ele, quando Luiz
de Brito de Almeida assumiu o governo geral, ele teria mandado “entrar por este rio acima a

261 Index de varias notícias pertencentes ao estado do Brasil, e do que nele se obrou o Conde de Sabugosa ao
tempo do seu governo, códice n. 346 do Arquivo Histórico e Geográfico Brasileiro, fls. 138 e segs. In. p. 59.
262 Pero de Magalhães Gandavo diz o seguinte sobre Martins Carvalho: “A esta Capitania de Porto Seguro

chegaram certos índios do sertão a dar novas dumas pedras verdes que havia numa serra muitas léguas p ela
terra dentro, e traziam algumas delas por amostra, as quais eram esmeraldas, mas não de muito preço. E os
mesmos índios diziam que daquelas havia muitas, e que esta serra era muito formosa e resplandecente. Tanto
que os moradores desta capitania disto foram certificados, fizeram-se prestes cinqüenta ou sessenta portugueses
com alguns índios da terra e partiram pelo sertão dentro com determinação de chegar a esta serra onde estas
pedras estavam. Ia por capitão desta gente um Martim Carvalho, que agora é morador da Bahia de Todos os
Santos; entraram pela terra algumas duzentas e vinte léguas, onde as mais das serras que acharam e viram eram
de muito fino cristal e toda a terra em si muito fragosa, e outras muitas serras de uma terra azulada, nas quais
afirmaram haver muito ouro, porque indo eles por entre duas serras, desta maneira foram dar num ribeiro que
pelo pé duma delas descia, no qual acharam entre a areia uns grãos miúdos amarelos, os quais alguns homens
apalparam com os dentes e acharam-nos brandos, mas não se desfaziam.” GANDAVO, Pero de Magalhães.
Tratado da Terra do Brasil: história da província Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil, Brasília:
Senado Federal, Conselho Editorial, 2008. p. 75/6.
263 Abreu, Ibid, p. 66.
264 MAGALHÃES, Basílio de. Expansão geográfica do Brasil colonial, São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1935, p. 32.

149
um Bastião Álvares, que se dizia do Porto Seguro”265. Apesar de ter gastado quatro anos nas
andanças, ele não teria chegado ao sumidouro, e teria sido morto, “com quinze ou vinte homens
entre o gentio Tupinambá”. De acordo com Soares, já João Coelho de Souza teria conseguido
chegar acima do sumidouro “mais de cem léguas”.
Anos mais tarde, Belchior Dias Moreira, neto de Caramuru e primo de Gabriel Soares,
que colaborou com Cristóvão de Barros na conquista de Sergipe entre 1587 e 1590, teria se
estabelecido nas margens do rio Real266 , seguindo os passos de seu parente rumo ao São
Francisco.

Em abril de 1623, Francisco Dias de Ávila267 obteve alvará do rei D. Filipe III para
descobrir as minas de prata, ouro, pedras e mais minerais, em qualquer parte, a qualquer tempo,
sem precisar prestar contas aos governadores ou outros ministros 268 . Em seu manuscrito,
Barbosa Leal garante que Francisco Dias de Ávila, sobrinho de Belchior Dias Moreia, dirigiu
uma entrada a mando do governador-geral do Estado do Brasil, Diogo Luiz de Oliveira, "depois
do ano de 1628".
Explorar o rio São Francisco também era a intenção dos paulistas para quem, segundo
Felisbello Freire, caberia, posteriormente, “a glória de abrir as vias de comunicação com a
Bahia, quando a indústria dos fazendeiros das margens desse rio exigiu o mercado de consumo
para seus produtos”269 .
No início dos seiscentos, a fama do Sabarabuçu já habitava os sonhos dos aventureiros.
Orville Derby270 diz que, em 1599, quando Dom Francisco de Souza se transferiu para São
Paulo, ele intentava buscar a serra do “Sabará-bussú”. Márcio Santos271 destaca os esforços do
governador-geral, que, interessado em descobrir riquezas minerais em suas cabeceiras,

265 Magalhães, Ibid. p.31


266 Magalhães, Ibid. p. 48.
267 Francisco Dias de Ávila é neto de Garcia de Ávilla, português que desembarcou no Brasil em 1549, ao lado

do primeiro governador-geral, Tomé de Souza. Fundador do Morgado e Casa da Torre, que, além das sesmarias
herdadas do seu avô na Tatuapara e no Itapecuru, na região nordeste da Bahia, era formado por grandes
extensões de terras no Piauí e na margem direita do rio São Francisco, tendo se tornado um dos maiores
proprietário de terras do Brasil colônia.
268 [ALVARÁ de concessão do rei D. Filipe III] a Francisco Dias de Ávila da descoberta no Brasil de minas de
prata, oiro, pedras e mais minerais, sem ter de dar contas aos governadores ou outros ministros. 21-04-162 4.
AHU_CU_BAHIA-LF, Cx. 3, D. 313.
269 Freire, Ibid. p. 67.
270 DERBY, Orville. O roteiro de uma das primeiras bandeiras paulistas. Revista do Instituto Histórico e

Geográfico de São Paulo, São Paulo, 1899. v.4, p.319-350, p.341-343.


271 Santos, Ibid. p. 60.

150
organizou duas bandeiras, em 1596 e 1601. A primeira, comandada pelo capitão-mor de São
Vicente, João Pereira de Souza Botafogo, teria se dividido, e um dos grupos, sob as ordens de
Domingos Rodrigues Carvalho Franco, atingiu o vale do São Francisco, rumando depois para
o território goiano.
Dom Francisco teria organizado ainda outras duas entradas que partiram de São Paulo.
A primeira comandada por André de Leão e outra por Nicolau Barreto272 . Para Pandiá Calógera
esta é a primeira jornada feita de São Paulo rumo ao norte, em busca das riquezas de Minas
Gerais, e teria sido “capital para a história das minas”273 . Apesar de não ter encontrado as
riquezas minerais, teria determinado os caminhos que orientaram os futuros desbravadores.
Sobre o percurso da expedição de Nicolau Barreto, entre 1601 e 1604, Santos destaca
a controvérsia gerada entre os historiadores, especialmente Orville Derby e Alfredo Ellis Júnior .
O primeiro defendendo que, os cerca de “trezentos homens “brancos” e mamelucos e alguns
milhares de índios frecheiros”274 , teriam atravessado o rio das Velhas e chegado ao rio São
Francisco. Já o segundo 275 , com base em rica argumentação, que a bandeira teria tomado
direção oposta, seguindo para o vale do Guairá, hoje território paranaense, e chegado até terras
bolivianas e peruanas.
Carrara, com base em dois documentos citados por Orville Derby276 , assevera que a
expedição de Nicolau Barreto, teria durado cerca de dois anos e, em 1603, já teria atingido os
vales dos rios das Velhas e Paracatu. Diz o autor:

“Foi às margens do rio das Velhas, em 17 de fevereiro de 1603, que Brás Gonçalves,
o moço, escreveu uma obrigação de dívida em favor de Domingos Barbosa, ap ensa
ao seu inventário, e foi no “sertão e rio de Paracatu” que, entre 22 de março e quatro
de abril de 1603, Manuel de Chaves, membro da expedição, ditou seu testamento e

272 Márcio Santos, a partir do estudo realizado por Orville Derby, acredita que o primeiro teria chegado até o
alto São Francisco seguindo pelo vale do rio Pará. Diz o autor: “Baseia-se Orville Derby no relato feito sobre a
bandeira por um dos seus participantes, o holandês Wilhelm Glimmer, na época radicado em Santos. Segundo
Glimmer, entre setenta e oitenta paulistas fizeram parte da expedição, que durou nove meses, nos anos de 1600
e 1601, e não chegou a encontrar os minerais preciosos que buscava. (...) André Leão e seus homens teriam
partido de São Paulo e seguido pelo vale do Paraíba do Sul até a zona onde hoje está a cidade de Cachoeira
paulista. Daí os expedicionários deixaram o rio e galgaram a serra da Man tiqueira, transpondo-a pela depressão
que mais tarde se tornaria conhecida como garganta do Embaú e daria passagem para a região das minas gerais.
Rumaram então para o norte, passando pela área onde estão hoje as cidades mineiras de Pouso Alto e Baependi
e chegando á zona onde décadas depois Fernão Dias fundaria o arraial de Ibituruna. Daí seguiram
acompanhando o vale do rio Pará, de onde atingiram o alto São Francisco . Santos, Ibid. p.61.
273 Calógeras, Ibid. p. 30/1.
274 Santos, Ibid. p. 62.
275 ELLIS JUNIOR, Alfredo. O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1938.
276 DERBY, Orville. As bandeiras paulistas, de 1601 a 1604, p.399-425.

151
seu inventário foi autuado” 277 .

Não resta dúvida de que algumas dessas primeiras bandeiras chegaram até o São
Francisco ainda no início do século XVII. Contudo, a maioria não deixou caminhos abertos,
feitorias ou núcleos de povoação. Também é certo que o caminho entre São Paulo e Salvador,
passando pelo rio, já era frequentado pelos paulistas. Destacando três cartas do governador-
geral do Brasil, Antônio Telles da Silva, citadas por Pedro Taques 278 , Calógeras chega a afirmar
que, em meados dos seiscentos, a expansão geográfica paulista tomaria tal fôlego que se
começava a pensar na criação de vias de comunicação entre São Paulo e o norte do país.
As cartas a que se refere são de 08 e 21 de novembro de 1646, e de 11 de março de
1647. Foram endereçadas aos camaristas de São Paulo e solicitavam o apoio destes na guerra
contra os holandeses. O governador pedia reforços de cem homens, depois outros cem, além de
dois mil índios flecheiros, que deveriam ir pelo sertão do São Francisco se juntar ao mestre de
campo Francisco Rebelo.
Felisbello Freire diz que, em 1649, Antônio Pereira de Azeredo, atendendo ao
chamado do governador, teria seguido pelo caminho terrestre. Em uma das cartas Teles da Silva
diz que a jornada, “segundo me dizem pessoas praticas”, seria breve, “porque se fazem entradas
ao sertão mais interior por caminhos tão dilatados em busca de índios” e, embora pudessem
fazer “a mesma presa de mais perto”, além de fazerem uma demonstração de “bons vassalos”,
poderiam recolher os índios no caminha de volta. 279

Em 1657, o governador-geral, Francisco Barreto de Meneses, convocou os paulistas


para combater os índios que estariam atacando os moradores do Recôncavo, na capitania da
Bahia. Em 1669, é o governador Alexandre Souza Freire, que também escreve à Câmara de São
Paulo e ao capitão Pedro Vás de Barros pedindo ajuda para defender as povoações de Boipeba,
Cairu e Camamu280 . Segundo ele, com o malogro das operações, os tapuias voltariam a fazer

277 CARRARA, Ângelo Alves. Antes das Minas Gerais: conquista e ocupação dos sertões mine iros. Varia
História, Belo Horizonte, v. 23, n. 38, p. 574-596, dez. 2007. p. 584.
278 Leme, Ibid. p.
279 Freire, Ibid. p. 75.
280 Capistrano de Abreu resume assim a participação dos paulistas nas guerras contra os índios no sertão da

Bahia: “Melhores serviços prestaram os paulistas na Bahia e ao norte do rio São Francisco. Em torno do
Paraguaçu reuniram-se tribos ousadas e valentes, aparentadas aos aimorés convertidos no princípio do século,
que invadiram o distrito de Capanema, trucidaram os moradores e vaqueiros do Aporá, e avançaram até
Itapororocas. Pouco fizeram expedições baianas mandadas contra eles, e houve a ideia de chamar gente de São
Paulo. Acudindo ao convite Domingos Barbosa Calheiros embarcou em Santos; na Bahia se dirigiu para
Jacobinas, mas deixou-se iludir por paiaiás domesticados, e nada fez de útil. Acompanhando -o na jornada mais
de duzentos homens brancos, raros tornaram do sertão”. Abreu, Ibid. p. 113

152
novas incursões, e, em março de 1669, seria declarada guerra contra os indígenas. Novamente
os paulistas seriam chamados.
O autor afirma que chegaram vindos pelo mar em agosto de 1671, comandados por
dois chefes principais: Brás Rodrigues de Arzão e Estêvão Ribeiro Baião Parente. A vila da
Cachoeira foi a “base das operações”, que duraram alguns anos.
Afonso de Taunay destaca ainda que as descobertas realizadas por Basílio de
Magalhães não deixaram dúvidas quanto ao fato de que o sertanista baiano, Francisco Dias de
Ávila, senhor da Casa da Torre (1645-1695), teria contado com a ajuda do paulista Domingos
Jorge Velho, entre os anos de 1662 e 1663, para expulsar os índios “bravios” do rio São
Francisco281 . De acordo com o autor, com base nas descobertas documentais de Pereira da Costa,
seria possível afirmar que Domingos Jorge Velho já fazia suas incursões às terras do atual
estado do Piauí desde 1662.

3.2 – O país da barra do rio das Velhas para baixo

3.2.1 – O governador das Esmeraldas

A ocupação do vale do São Francisco, no norte de Minas, foi marcada especialme nte
pela atuação de três exploradores: o paulista Fernão Dias Paes e os baianos Francisco Dias de
Ávila e Antônio Guedes de Brito. Os baianos por terem financiado e comandado diversas
entradas fundamentais para a abertura dos caminhos que permitiriam o estabelecimento das
primeiras propriedades na região, e o paulista por ter, ele próprio, realizado uma das incursões
mais longas e que foi capital para o desbravamento definitivo do território. Fernão Dias e
Guedes de Brito também foram os principais responsáveis pela presença de Matias Cardoso de
Almeida no sertão norte mineiro, lugar onde este acabaria se estabelecendo definitivamente e
para onde traria grande parte de sua família e muitos dos paulistas de seu terço.
Em 1672, Afonso VI, que substituiu D. Pedro II no trono português, em carta enviada
aos camaristas paulistas, conclamou os mais importantes nomes da capitania para que fizesse m
expedições com o objetivo de descobrir as minas de ouro, prata e esmeraldas no sertão de São

281 Taunay, Ibid. p.134

153
Paulo282 . Fernão Dias Paes, apesar de já ter completado 64 anos de idade, se dispôs a realizar a
jornada283 .
Como consta de carta escrita pelo próprio bandeirante, dirigida ao secretário do Estado
do Brasil, Bernardo Vieira Ravasco, no dia 21 de julho de 1674 - um dia antes de sua partida
de São Paulo - ele iria acompanhado de seu filho, Garcia Rodrigues Pais, e de mais quarenta
homens brancos. Também outro filho seu, chamado José Dias, que era bastardo, seu genro
Manuel de Borba Gato e seu irmão, padre João Leite da Silva, participariam da empreitada.
Um ano antes da partida, demonstrando a verdadeira intenção de devassar o sertão e
abrir definitivamente os caminhos, Fernão Dias mandou quatro tropas de homens para que
fizessem plantações de milho e feijão para se manterem durante a jornada. Essa primeira leva
partiu sob o comando de Matias Cardoso de Almeida, considerado na época um dos paulistas
mais experientes nas entradas dos sertões.
Na carta escrita a Vieira Ravasco, Fernão Dias revela que pretende deixar o caminho
aberto e franqueado, e “todo o deserto povoado de gente assistente para que Sua Alteza o mande
ver e examinar sem gasto nem dilação, havendo muito o que comer e bastante criação para que
se faça fácil o ir e vir aos homens de São Paulo”284 .
A grande epopeia, talvez a mais longa jornada do período colonial, tendo durado cerca
de sete anos, é considerada por historiadores como Basílio de Magalhães e Francisco Lobo
Leite Pereira como a mais importante do Brasil. Segundo Magalhães, porque, além de ter

282 CARTAS régias (minutas) para Matias da Cunha, Fernão Dias Pais, Brás Rodrigues de Arzão, João Peixoto
Viegas, Pedro César de Meneses, Inácio Coelho da Silva e Francisco da Silva, acerca do descobrimento das
minas. AHU_CU_BAHIA-LF, Cx. 23, D. 2802.
283 Vários autores estudaram a bandeira de Fernão Dias , entre eles: CANABRAVA, Eduardo. Roteiro das

Esmeraldas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979; PEREIRA, Francisco Lobo Leite. Em busca das Esmeraldas,
In Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, 1897, ano II, fascículo 3º, p. 519-520; TAUNA Y,
Afonso de E. A Grande Vida de Fernão Dias Paes. São Paulo: Melhoramentos, INL. 1977; BARBOSA ,
Waldemar de Almeida. Roteiro da bandeira de Fernão Dias. Revista de História e Arte, n. 8, Belo Horizonte,
1975. P. 15 – 21; VASCONCELOS, Salomão de. O fim de Fernão Dias e as dúvidas sobre o seu jazigo, Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de minas Gerais, Ano I, n. 1, 1943. P. 156 – 166. Também autores como
Taunay, Derby, Calógeras, Magalhães, Ellis Junior, Vasconcelos e etc. Sobre o assunto existe farta
documentação em diversos arquivos entre os quais no Arquivo Histórico Ultramarino, em Portugal,
disponibilizado pelo Projeto Resgate Barão do Rio Branco. Um dos documentos mais curiosos é uma carta
escrita por Fernão Dias, no dia 18 de dezembro de 1679, já no caminho de volta p ara o Sumidouro, pouco tempo
antes da sua morte. Entre os documentos estão ainda atestações, cartas patentes, inclusive as de 1639 e 1643, a
patente de governador dos descobrimentos, de 30 de outubro de 1672 e o auto de juramento, de 02 de fevereiro
de 1673. A Revista do Arquivo Público Mineiro publicou a documentação, transcrita pelo historiador
Capistrano de Abreu, em seus volumes XIX e XX, de 1921 e 1924, com o título Fernão Dias Paes – Descobridor
das Esmeraldas – Conselho Ultramarino – 1682. (Anexo C).
284 TAUNAY, Afonso de. “A Grande Vida de Fernão Dias Pais”. São Paulo, Melhoramentos; Brasília, INL,

1977, p. 111.

154
deixado abertos e “vadeáveis” os caminhos para o interior do país, também explorou “uma zona
mais ampla do coração da nossa pátria, onde estavam escondidos tesouros incalculáveis, logo
depois revelados por outros paulistas”. 285

Apesar de não haver documentação precisa sobre o trajeto, diversas hipóteses foram
formuladas por historiadores como Derby, Calógeras e Basílio de Magalhães. Todos concordam
que seguiram pela estrada real do sertão, como ainda hoje é conhecida, porque, como enfatiza
Calógeras, “não conheciam outras linhas de penetração por São Paulo”286 . Também porque o
nome de três das localidades não foi alterado. São eles: Vituruna, Peraopeba e Sumidouro.
“Ibituruna, pouco acima da confluência do rio das Mortes com o Grande, e um sítio
pouco conhecido do Paraopeba 287 , provavelmente o que Antonil designou, alguns
annos depois, sob o nome de roças de Garcia Rodrigues . Também não pode haver
dúvidas sobre o Sumidouro do rio das Velhas, apes ar de serem estes frequentes na
zona calcarea desta caudal; os acontecimentos posteriores, como a morte de D.
Rodrigo Castel-Blanco perpetuada na tradição pelo nome de Fidalgo dado a um arraial
pertencente ao município de Santa Luzia.” 288

Magalhães também não tem dúvidas quanto ao fato de que, até o rio das Velhas, a
bandeira tenha seguido o mesmo caminho que André de Leão percorreu, em 1601, e que foi
descrito pelo holandês Wilhelm Glimmer. O autor destaca, no entanto, que a grande diferença
entre essa expedição e as demais foi a determinação de Fernão Dias de fazer pousos que
garantissem a permanência dos exploradores por um período mais longo, permitindo a fixação
definitiva da rota, e beneficiando as bandeiras posteriores, “iniciando o povoamento da região
devassada”.
Alguns pontos sobre a jornada sempre geraram controvérsias e especulações: a
localização de algumas povoações; o trajeto percorrido pela expedição, especialmente quando
retornaram para o Sumidouro; o tempo de permanência da bandeira em cada um dos locais; o
ano em que Matias Cardoso, principal cabo de Fernão Dias abandonou a expedição, e,
principalmente, onde o chefe da expedição teria morrido.
Mas, sem dúvida alguma, esta bandeira foi fundamental para o processo de ocupação
do norte mineiro. Além de ter devassado uma ampla área, destacadamente nos municípios de
Serro, Diamantina, Bocaiúva, Araçuaí, Itacambira e Itamarandiba, a presença de Matias

285 Magalhães, Ibid. p. 102.


286 Calógeras, Ibid. p. 45.
287 Não confundir com o município de Paraopeba, na região central de Minas, localizado já próximo a foz do

rio de mesmo nome no São Francisco.


288 Calógeras, Ibid. p. 45/6.

155
Cardoso e de seu cunhado, Antônio Gonçalves Figueira, seriam determinantes para a ocupação
do território no período subsequente.
Ao retornarem para a região, anos mais tarde, os dois bandeirantes se tornariam peças
fundamentais para a implantação das primeiras povoações nos vales dos rios Verde Grande e
São Francisco e também para a abertura dos caminhos que ligariam definitivamente o sul ao
norte da Colônia.
Basílio de Magalhães, tendo como referência um manuscrito de 1757, escrito por
Pedro Dias Paes Leme, neto de Fernão Dias, e reproduzido por Roberto Soutey289 , afirma que
as roças teriam sido feitas em “Vituruna, Paraopeba, Sumidouro do Rio-das-Velhas, Roça-
Grande, Tucambira, ltamerendiba, Esmeraldas, Matto-das-Pedrarias e Serra-Fria” 290 . Para
Calógeras, a bandeira teria entrado pelo alto rio Grande, se fixou em Ibituruna, e, seguindo
posteriormente por um caminho de índios, se dirigiu ao norte até a segunda parada no rio
Paraopeba, onde estabeleceu nova feitoria. Passando para o rio das Velhas, fez novas plantações
no Sumidouro, onde hoje se localiza o município de Santa Luzia291 .
Eduardo Canabrava diz que o local da feitoria de São Pedro do Paraopeba seria no
atual distrito de Vargem de Santana, onde está localizado hoje o município de Belo Vale, e que,
Roça Grande, seria a localidade de Santo Antônio do Bom Retiro da Roça Grande, fundado por
Borba Gato, e hoje pertencente ao município de Sabará 292 .
Quanto ao Sumidouro, Canabrava, citando o artigo Roteiro da bandeira de Fernão Dias,
de Waldemar de Almeida Barbosa, diz o seguinte:
De um lado da lagoa (do Sumidouro) fica o povoado que, hoje, tem o nome de Fidalgo,
distrito do município de Pedro Leopoldo. Essa denominação – Fidalgo – é artificial;
foi dada ao arraial de Sumidouro, pela lei estadual n. 843, de 7 de setembro de 1925.
Posteriormente, o decreto n. 148, de 17 de dezembro de 1938, devolveu -lhe a
denominação de Sumidouro. Mas o descreto-lei n. 1.058, de 31 de dezembro de 1943,
determinou que se chamasse de novo Fidalgo. Do outro lado, no alto de uma colina,
está o velho prédio em ruínas, a Quinta do Sumidouro, onde o velho bandeirante
residiu por quatro anos” [Prosseguindo, diz o mesmo autor]: “A pequena distância da
Quinta, mas já no município de Lagoa Santa, localiza-se a fazenda do Fidalgo, onde
se vêem restos dos alicerces de muitas casas e a velha, histórica e pitoresca capela de
Santana; aí fora sede do antigo distrito de Fidalgo. E, a pequena distância, numa colina,
velha e estragada cruz de aroeira assinala o túmulo do fidalgo S. Rodrigo de Castelo
Branco. A cruz, já bem velha, não vai demorar a desaparecer” 293 .

289 SOUTEY, Roberto. História do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria de B. L. Garnier, 1862, Tomo V.
290 Magalhães, Ibid. p. 102.
291 Calógeras, Ibid. p. 404.
292 CANABRAVA, Eduardo. Roteiro das Esmeraldas – A bandeira de Fernão Dias Paes . Rio de Janeiro: José

Olympio, 1979. p. 60.


293 Canabrava, Ibid. p. 68/9.

156
Em janeiro de 1976, o Instituto Estadual de Patrimônio Histórico de Minas Gerais –
IEPHA/ MG, tombou o conjunto arquitetônico da Quinta do Sumidouro e pelo Decreto 20.375,
de 04 de janeiro de 1980, o governo do estado criou o Parque Estadual do Sumidouro, uma
unidade de conservação localizada nos municípios de Pedro Leopoldo e Lagoa Santa. Além de
grutas como a da Lapinha e da Arruda, no local estão localizados o Museu Peter-Lund, a Casa
Fernão Dias e a Lagoa do Sumidouro.
Para Basílio de Magalhães, após atingir as nascentes do rio das Velhas, na região do
atual município de Ouro Preto, Fernão Dias teria seguido para o norte, em busca da serra de
Itacambira e das cabeceiras do rio Itamarandiba. Subindo pelo rio Araçuaí, teria atravessado o
vale do Jequitinhonha, chegando à lagoa de Vupabuçú e ao Serro Frio.
Embora não haja consenso com relação à localização da lagoa, no município de
Itacambira existe uma com o nome de Vapabuçú, situada ao lado de uma serra que é conhecida
como Serra Resplandecente. O município, e também Itamarandiba, no vale do Jequitinho nha,
preservaram seus topônimos não deixando dúvidas quanto aos dois locais onde Fernão Dias
teria feito algumas plantações.
A jornada de Fernão Dias foi marcada por inúmeros reverses. Além de ter gastado toda
a sua fortuna, tendo, inclusive, ordenado a sua esposa que vendesse até a prataria da casa, e de
ter sido paulatinamente abandonado por grande parte dos paulistas que o acompanharam, ele
também assistiu à execução do próprio filho, José Dias, acusado de liderar uma conspiração
contra ele. Abandonado por Matias Cardoso e pelos sacerdotes, entre eles o próprio irmão,
padre João Leite, o governador passou a contar apenas com o apoio de seus índios, do filho,
Garcia Rodrigues Paes, e do cunhado, Borba Gato, e outros poucos companheiros. Apesar de
todas as dificuldades, não desistiu das explorações fazendo valer sua promessa de que só
tornaria a São Paulo após a descoberta das minas.
Em sua última carta, escrita em 27 de março de 1681294 , em uma feitoria existente
entre os municípios de Itacambira e Pedro Leopoldo, ele diz ter deixado abertas as covas das
esmeraldas “no mesmo morro de onde as levou Marcos de Azeredo”. Segundo ele, a “feitor ia ”

294 Canabrava, Ibid. p. 89. O original desta carta se encontra entre os documentos anexos ao requerimento de
Garcia Rodrigues Pais, de 1700. REQUERIM ENTO do Capitão-Mor Garcia Rodrigues Paes, filho de Fernão
Dias Paes, natural da vila de São Paulo, no qual pede o foro do Fidalgo da Casa Real e o Hábito da Ordem de
Cristo para si e para dois filhos, pelos serviços que prestara no descobrimento das minas de ouro. 1700?
AHU_CU_RIO DE JANEIRO-CA, Cx. 13, D. 2434-2500.

157
a qual acabara de chegar, “de recolhida para o Sumidouro, em busca de Dom Rodrigo de Castel
Branco ou recado seu”, ficava há 80 ou 100 léguas do serro onde ele havia encontrado as pedras,
local que havia ficado sob as ordens do capitão José de Castilho e Marcelino Coelho, com
“muito milho que lhes deixei, com obrigação de me plantarem outra vez a roça”.
Depois de advertir aos capitães de que não deveriam seguir para o local, preservando
as cavas que havia deixado abertas até a chegada dos representantes da coroa, Fernão Dias
escreve o seguinte:
... deixei em Tucambira cinquenta aves e doze porcos alavancos e marronis, milh o
bastante do ano passado em casa e uma roça para colher com cinco negros e duas
negras e a tenda armada, para com a chegada de Dom Rodrigo e nova ordem que
trouxer ter ali mantimentos para ir com o capitão José de Castilho à minha roça onde
este ficou com a obrigação de a plantar de novo. E para este efeito e porque agora
acho aqui em meio do caminho, na feitoria do capitão José da Costa, que os muitos
capitães têm ido para o dito serro em busca do milho, talvez com falsas informações.

Em carta para D. Pedro, de fevereiro de 1680 295 , Dom Rodrigo de Castelo Branco, já
ocupando o cargo de Administrador Geral das Minas, comunicou ao monarca que estava em
Paranaguá e que pretendia ir para a vila de São Paulo e seguir para a Serra de Sabarabuçu. Nesta
ocasião também Matias Cardoso já se encontrava na cidade. No dia 04 de abril ele participou
de uma reunião presidida por D. Rodrigo para tratar dos preparativos.
Ellis Júnior, com base nas Atas e Livros de Registro da Câmara de São Paulo 296 , diz
que D. Rodrigo partiu no dia 19 de março de 1681, levando mais de 200 índios e tendo como
chefe da expedição Matias Cardoso, com a patente de tenente general.
Segundo uma atestação escrita no arraial do Sumidouro por Castelo Branco, em 08 de
outubro de 1681, Garcia Rodrigues Paes, entregou a ele, no arraial de “Paraubipeba”, “umas
pedras verdes” que o seu pai havia descoberto. Na ocasião Garcia Paes também lhe comunico u
o falecimento de Fernão Dias, “a largas jornadas deste arraial”. No documento, Dom Rodrigo
afirma que Garcia Paes teria lhe mandado tomar posse em nome de “Sua Alteza”, das pedreiras
e de umas roças de milho e feijão de seu pai no Sumidouro e Tucambira e matos das Pedrarias.
“Assim mesmo há nas roças do Sumidouro abundância de milho e feijão e princípio
de mandioca, como também criação de porcos, que o dito governador Fernão Dias
Paes havia mandado fabricar por seus escravos, e com grande dispêndio de sua

295CARTA do (Administrador Geral das Minas), Dom Rodrigo de Castel Branco (Blanco), para o (Príncipe
Regente D. Pedro), dizendo que já em carta, de 10 de setembro de (1679), lh e dera conta do que fizera no sertão,
e que agora o informa, novamente, do que tem realizado na averiguação das minas (de prata e ouro de
Paranaguá), e de como intenta sair desta vila, onde está, ir para junto da vila de São Paulo e daqui passar á serra
de Sabarabusú". 14-02-1680. Paranaguá. AHU_CU_SÃO PAULO-MG, Cx. 1, D. 35.

296 Ellis Junior. Ibid. p. 219.

158
fazenda em tão dilatado tempo, como havia estava neste sertão, buscando as
esmeraldas; e me consta que quando deu ao dito Fernão Dias Paes a peste de que
morreu, perdeu, com os que antes havia perdido, até trinta escravos seus e assim
mesmo trouxe a este sertão índios pagos a oito mil réis cada um e nunca os enviaram
da Vila de São Paulo”.297

Taunay acredita que Fernão Dias, “atingido pelo impaludismo que lhe roubara muita
gente”, teria falecido antes de 26 de junho de 1681, em lugar incerto, perto das barrancas do
Rio das Velhas.
“Como demonstram vários documentos, os seus despojos naufragaram numa canoa
que remontava o Rio das Velhas , mas Garcia Rodrigues conseguiu salvá-los das águas,
e "embalsamar" à moda bandeirante e em piedosa romaria os conduziu a São Pau lo
onde se inumaram na capela-mor da igreja abacial de São Bento, talvez por novembro
ou dezembro de 1681” .298

Segundo o autor, em 11 de dezembro de 1681, Garcia Rodrigues chegou a São Paulo


com os despojos do pai para sepultá-los em seu jazigo no São Bento. Na ocasião apresentou à
Câmara “quarenta e sete pedras verdes grandes e pequenas, num total de pouco mais de uma
libra (477g) e ainda outras, agulhas finas, pedras miúdas e imperfeitas pesando cerca de cinco
vezes mais. Pretendia tudo levar ao Príncipe Regente”299 .
Em 1682, D. Rodrigo foi assassinado, em uma tocaia numa estrada. Segundo carta do
Conselho Ultramarino, de 29 de abril de 1683, o governador do Rio de Janeiro, Duarte Teixeira
Chaves, havia recebido aviso do sertão de São Paulo, em 25 de novembro, de que no dia 28 de
agosto o administrador, “indo marchando por uma estrada lhe deram três tiros do mato e logo
caíra morto e que ainda se não sabia quem fossem os matadores”300 .
De acordo com Ellis Júnior, em carta escrita ao Príncipe Regente, a Câmara paulista na
informa que "a vinte um de outubro deste presente ano nos vem por leves notícias vulgarme nte
que haviam morto o administrador geral das minas Dom Rodrigo Castelo Branco na paragem
chamada Sumidouro distante desta vila mês e meio de viagem”301 .
O mandante do crime teria sido Manuel de Borba Gato, genro de Fernão Dias,
insatisfeito com as intenções do administrador de tomar posse das novas descobertas. O
bandeirante teria fugido para o sertão onde ficaria escondido por vários anos só saindo quando

297 Revista do Arquivo Público Mineiro: Belo Horizonte. 1924, ano XX, p. 161/2.
298 Taunay. Ibid. p.161.
299 Taunay. Ibid. p.165.
300 COMUNICAÇÃO do Cons elho Ultramarino, da notícia, que recebera do governador do Rio de Janeiro, de

ter sido morto a tiro, no sertão de São Paulo, o administrador das Minas D. Rodrigo De Castelo Branco.
AHU_CU_RIO DE JANEIRO-CA, Cx. 8, D. 1477.
301 Ellis Junior, Ibid. p.223.

159
finalmente já havia descoberto vários terrenos auríferos. Tempos depois ele assumiria a
administração das minas como guarda-mor do distrito do rio das Velhas302 .
As esmeraldas encontradas por Fernão Dias eram na realidade eram berilos, águas-
marinhas e turmalinas, mas a sua epopeia abriu definitivamente os caminhos, garantindo
finalmente a descoberta dos tão sonhados tesouros minerais.

3.2.2 – Potentados baianos: Ávilas e Guedes de Brito

Capistrano de Abreu diz que, ainda nos primeiros tempos, a criação de gado crescia
somente entre as margens do baixo São Francisco, tendo se ampliado quando se separou da
lavoura e invadiu os campos e as caatingas do interior. Segundo ele, os proprietários rurais e os
lavradores de mantimento, “ocupavam um lugar modesto”303 e a criação de gado, que florescia
nos terrenos impróprios para a cana de açúcar, em regiões mais ásperas, só ganharia importânc ia
mais tarde.
Desenvolvendo-se primeiro nas cercanias da cidade de Salvador e estendendo-se
depois da conquista de Sergipe pela margem direita do São Francisco, a criação de gado, destaca
Abreu, podia ser feita por “pessoal diminuto, sem traquejamento especial, consideração de alta
valia num país de população rala”. Além de também não necessitar de grandes capitais e
fornecer alimentação constante.
Depois de atingir as regiões do Itapecuru, Jeremoabo e do Vaza-barris, seguindo o
curso do rio São Francisco, os currais chegaram às terras pernambucanas. Também o vale do
Parnaíba e a Paraíba, nos sertões de Pajeú, Piancó e Piranhas, foram ocupados e novas fazendas
se multiplicaram na região da serra de Jacobina e de Juazeiro.
As propriedades da Casa da Torre, fundada por Garcia de Ávila, do lado
pernambucano do São Francisco, ocupariam duzentas e sessenta léguas e, na outra margem,

302 Sobre o assunto Márcio Santos destaca o trecho do relato de Bento Fernandes Furtado - Notícias dos
primeiros descobridores das primeiras minas do ouro pertencentes a estas Minas Gerais, pessoas mais
assinaladas nestes empregos e dos mais memoráveis casos acontecidos desde os seus princípios - existente no
Códice Costa Matoso. Segundo o paulista, Borba Gato “teria negociado, por volta de 1700, a informação sobre
a localização das minas em troca do perdão pelo envolvimento no assassinato de Dom Rodrigo Castelo Branco,
ocorrido 16 anos antes”. In: Códice Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das
minas na América que fez odoutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que
tomou posse em fevereiro de 1749, & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de
Estudos Históricos e Culturais, 1999. v. 1, p. 166-193. Santos, Ibid. p. 123.
303 Capistrano. Ibid. p. 78.

160
Antônio Guedes de Brito ampliaria suas possessões que rapidamente chegariam a atingir 160
léguas, como escreve Antonil.
Sendo o sertão da Bahia tão dilatado, como temos referido, quase todo pertence a duas
das principais famílias da mesma cidade, quê são a da Torre e a do defunto Mestre de
Campo Antônio Guedes de Brito. Porque a casa da Torre tem duzentas e sessenta
léguas pelo Rio de S. Francisco acima, á mão direita, indo para o Sul; e indo do dito
rio para o norte, chega a oitenta léguas. E os herdeiros do Mestre de Campo Antonio
Guedes possuem, desde o morro do Chapéu até a nascença do Rio das Velhas, cento
e sessenta léguas. E nestas terras, parte os donos delas tem currais próprios; e parte
são dos que arrendam os sítios 304 .

Os domínios da Casa da Torre começaram a se formar ainda em 1573, quando Thomé


de Souza, primeiro governador geral do Brasil, concedeu a Garcia de Ávila sesmarias que se
estenderiam por mais de 15 léguas na região da Tatuapara, no norte da Bahia, seguindo rumo à
Sergipe. Gabriel Soares305 diz que Garcia de Ávila possuía 10 currais de gado, com “grandes
edifícios”, ocupando uma área que iria do rio Jacuípe, ao sul, até o Itapecuru, ao norte.
A expansão deste latifúndio, que se tornaria o maior da América Latina, teve grande
impulso com Francisco Dias de Ávila, filho de Isabel de Ávila e Diogo Dias, e neto do primeiro
Garcia, que obteve mais dez léguas de terra, com seis de largura, no rio Inhambupe 306 . A partir
de 1654, outro Garcia de Ávila, filho de Francisco, daria continuidade à ampliação dos
territórios da Torre. Naquele ano ele recebeu uma sesmaria de seis léguas de largo e dois de
comprido do rio Subauma até o mar, na região do atual município de Mata de São João, onde
foi construído o famoso Castelo da Torre.
Mas foi com as concessões dadas a Garcia de Ávila, Francisco Dias de Ávila, Catarina
Fogaça, Bernardo Pereira Gago e ao padre Antônio Pereira, todos membros da Casa da Torre,
em 1658 e 1659, que o grande latifúndio se consolidaria. Em 20 de dezembro de 1658, em
Olinda, os cinco obtiveram cartas de sesmarias no rio São Francisco até o lugar chamado
“Zaripe”, em frente ao rio Salitre.
Em 02 de janeiro de 1659, receberam outra doação, dessa vez com 10 léguas de terra
para cada um, também no rio Salitre, até o rio São Francisco. O Padre Pereira também já havia
recebido outra porção de terras, com 20 léguas, dez para cada lado, na mesma região. A família

304 ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo Editora da
USP,1982, p. 199.
305 Soares, Ibid. p.
306 Freire. Ibid. p. 33

161
ocuparia então toda a região do rio Salitre, de Geremoabo, Inhambupe, Itapecuru, Juazeiro e
Jacobina.
A presença dos Dias de Ávila no sertão do São Francisco se intensificou ainda mais a
partir de 1674. Neste ano, diante das hostilidades que os índios das aldeias Guarguaes ou Gesgés
estariam promovendo contra os moradores do rio São Francisco, o governador geral, Afonso
Furtado de Castro do Rio de Mendonça, concedeu uma patente de capitão-mor a Francisco Dias
de Ávila para que ele combatesse os índios às suas custas. Segundo a patente307 , de julho de
1674, os Gesgés e outras “diferentes nações bárbaras” viviam em paz e “amizade” nas terras
onde João Peixoto da Silva308 possuía vários currais no rio São Francisco, mas que, nos últimos
tempos, estariam se “levantado” contra os moradores e provocando grandes danos.
Francisco Dias de Ávila partiu acompanhado de “cem homens brancos armados e
índios bastantes a sua custa”. Em sua patente o governador recomendou a todos os capitães de
infantaria das ordenanças do sertão da capitania da Bahia, desde o rio Real até o São Francisco,
que estivessem “a sua ordem” e o servissem com todo o necessário, tanto de gente quanto
mantimentos e dinheiro. Entre os oficiais que auxiliaram o capitão-mor estavam Domingos
Afonso Sertão, Domingos Rodrigues de Carvalho, Manuel Gonçalves e Lourenço de Matos.
Na patente de capitão de infantaria da ordenança da mesma leva, passada a Domingos
Afonso Sertão, por Furtado de Mendonça, também em julho de 1674, o governador diz que o
próprio Dias de Ávila deveria lhe dar posse e juramento. Diante da importância da entrada, não
seria possível que ele viesse “tomá-lo na Câmara desta cidade”. Ao que parece, Afonso Sertão
já se encontrava no rio São Francisco e já tinha bastante conhecimento da região.
Cinco meses antes de sua nomeação, em fevereiro de 1674, Domingos Sertão e o seu
irmão, Julião Afonso Serrão, já haviam recebido sesmarias na barra do rio das Velhas, ou
Guaiben309 , no atual distrito de Barra do Guacuí, município de Várzea da Palma. A presença

307 PATENTE de capitão-mor da entrada que V.S. manda fazer as aldeias do Guarguaes, provido em o capitão
Francisco Dias de Ávila. – DHBN, XII, 1929. p. 313/5.
308 Segundo Pedro Calmon, em nota do Catálogo Genealógico de Frei Jaboatão, este João Peixoto da Silva foi

capitão da infantaria da vila de Ilhéus, em 1650, capitão da ordenança do distrito de Sergipe do Conde, em 1665,
e juiz ordinário da Bahia. “Tinha terras no alto São Francisco, invadidas em 1671 pelos índios gurguéias, o que
motivou a conquista do Piauí”. CALMON, Pedro. Introdução e notas ao catálogo genealógico das principais
famílias de frei Jaboatão. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 1985. 2 v. p. 552.
309 Freire, Ibid. p. 52. Domingos Affonso Sertão – Alvará de 12 de fevereiro de 1674. Tres e meia léguas em

quadra, com suas águas, campos, Mattos etc., salvo prejuízo de terceiros, e das terras para povoações. No
Guaiben, ou rio das Velhas, começando na barra por um e outro lado, rumo direito pelo rio acima, reservando
serras; e estando já ocupadas, será pelas cabeceiras das que antes desta foi dada pelo rio acima do lado do poente
ou nascente, ou norte ou sul. Pagar dizimo, dar livre caminho ao Conselho para fontes, pontes, e pedreiras, dar

162
dos irmãos na região, contudo, parece não ter se efetivado depois da guerra. Domingos Sertão
acabou se fixando posteriormente no Piauí, tornando-se, ao lado de Domingos Jorge Velho, um
dos principais responsáveis pela ocupação das terras daquele estado310 .
Ao se referir as nomeações, Márcio Santos, citando Pereira da Costa, diz que a
organização de uma entrada oficial “as aldeias dos gurguaes, gurguas ou guruguea, hoje
gurgueia, provariam que o território do Piauí já era conhecido em 1674”311 . De acordo com o
autor, naquele ano, Domingos Afonso já havia instalado fazendas de gado no São Francisco,
“sendo a principal delas a denominada Sobrado”. Santos prossegue destacando os estudos de
Odilon Nunes312 , segundo o qual Dias de Ávila e Rodrigues de Carvalho, teriam combatido os
índios do São Francisco, da foz do rio Salitre para cima, passando por Sento Sé e pelo rio Verde,
chegando a transpor o rio Grande, na Parnaíba. As sesmarias recebidas na região das margens
do rio Gurgueia, quatro meses depois por Francisco Dias de Ávila, Bernardo Pereira Gago e os
irmãos Domingos Afonso Sertão e Julião Afonso Serra, seriam resultado dessas entradas.
Capistrano de Abreu destaca que do rio São Francisco até o Salitre, “por léguas sem
conta na margem esquerda logo acima do trecho encachoeirado, a casa da Torre chamou a si
territórios mais vastos que grandes reinos”313 , e que, Domingos Afonso Sertão, morava nas
proximidades dessas terras. Diz o autor:
A procura de campos novos, ou no encalço dos índios, adiantou -se, tanto que passou
das águas do S. Francisco para as do Paraíba. Encontrou-se no rio Piauí, e este nome
estendeu-se posteriormente à capitania e ao estado. No território assim descoberto o
gado multiplicou-se de modo maravilhoso. Domingos Affonso fundou e possuiu
dezenas de fazendas; trinta legou aos jesuítas.

Um documento citado por Santos nos faz crer que as relações de Francisco Dias de
Ávila e Afonso Sertão se iniciaram bem antes da guerra contra os Guarguaes. Trata-se de uma
carta do ouvidor da comarca do Piauí ao rei, datada de 02 de maio de 1754. Segundo o
documento, Domingos Afonso Sertão teria sido “vaqueiro de uma Maria Raimoa primeiro

parte dos confrontes e rumos dentro de seis mezes da data da posse para as notas precisas, visto não dar agora
ellas, e povoar no termo da lei sob pena de perdel-as. Julião Affonso Serra. Alvará de 12 de fevereiro de 1673(4).
Tres e meia léguas de terra em quadra. No Guaiben, ou rio das Velhas, começando na barra por um e outro lado ,
rumo direito pelo rio acima.
310 Vários autores tratam do assunto, especialmente Barbosa Lima Sobrinho, no livro O devassamento do Piauí

e F. A. Pereira da Costa, no livro Cronologia histórica do estado do Piauí.


311 Santos, Ibid. p. 70/1.
312 Nunes, Odilon. Pesquisas para a história do Piauí. 1º. vol./ Costa, F. A. Pereira. Cronologia histórica do

estado do Piauí. Rio de Janeiro: Arte Nova, 1974.


313 ABREU, J. Capistrano de. Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo:

Ed. da Universidade de São Paulo, 1989, p. 54.

163
móvel da Casa que hoje chamam Gracia [sic] de Avila, ou casa da Torre”314 .
Segundo a patente de sargento-mor, datada de 06 de outubro de 1674315 , Domingos
Rodrigues de Carvalho, que era capitão de uma das companhias dos distritos do sertão do São
Francisco, da qual Balthazar dos Reis Barrenho era coronel 316 , já havia enfrentado
anteriormente os mesmos índios, na região do rio Verde, com a ajuda dos moradores. De acordo
com a carta, o sargento-mor já estaria “metido de posse do dito posto”, apesar de não ter feito
o juramento, o qual lhe deveria ser dado pelas “mãos do dito capitão-mor Francisco Dias de
Ávila, tanto que chegar aquele rio”. Diz a patente:
...os mesmos bárbaros galaches, que com mais de sessenta arcos, e grande número de
gente por terra, veio matando muita gente branca, e escravos, queimando casas, e
senhoreando quarenta e duas fazendas, até o rio Verde, donde o dito capitão os
investiu, e desbaratou, matando grande número, e aprisionando outros, e parte do
mulherio, não lhe escapando mais que sessenta e oito espingardeiros, de trinta e sete
(sic) que traziam, e algumas mulheres, vitória de muito importante (sic) por ser sertão
tão distante, e difícil de se lhe mandar socorro.

Rodrigues de Carvalho já havia se estabelecido na região do São Francisco pelo menos


desde o ano de 1671. Na carta levada pelo capitão João de Castro Fragoso e Manuel Pacheco 317 ,
quando estes iam explorar a região da serra de Piçacará, o governador Afonso Furtado, ordena
que o padre Antônio Pereira, seu sobrinho Francisco Dias de Ávila, o capitão de Massacará,
Tomé Rodrigues, e o capitão Domingos Rodrigues de Carvalho, “no seu distrito do rio de São
Francisco”, deem toda a ajuda, “de mantimentos, índios, cavalgaduras, escravos e tudo o mais
que lhe for necessário”, para o empreendimento.
Quando o governador Alexandre de Souza Freire decidiu criar uma nova companhia
de infantaria da ordenança dos distritos de Xingó até Sento Sé e Jacobina, em dezembro de
1679, Domingos Carvalho foi conduzido ao posto de capitão da ordenança. Segundo a sua carta

314 [Carta do ouvidor da comarca do Piaui ao rei], 02/05/1754. ANTT. Ministerio do Reino, maco 312, caixa
417. Apud, Santos. Ibid, p. 139.
315 Patente de Sargento maior de toda a gente branca, e Índios que leva a Entrada o Capitão -Mor Francisco Dias

de Ávila, provida na pessoa de Domingos Roiz de Carvalho – DHBN - Vol 12 p. 336.


316 Em 1671 é Barrenho que dá posse ao capitão João de Freitas Brito na companhia de infantaria da ordenança

da Freguesia de Santo Amaro da Pitanga, desde o rio de Joannes até o Jacuípe. DHBN v. 12 p. 131/2, 1929. O
coronel tinha sob o seu comando várias ordenanças entre elas a de Jacobina, criada em 1674, todas pertencentes
à Companhia da Torre, ao qual o seu partido pertencia, como podemos ver na patente do posto de capitão da
Companhia da Torre provido em Amador Aranha, que substituiu Francisco Dias de Ávila, quando este foi
promovido a capitão-mor da Entrada do Sertão. DHBN, Rio de Janeiro, v. XII, p. 323/4. 1929.
317 Ordem que levou o capitão João de Castro Fragoso, e Manuel da Silva Pacheco que vão ao descobrimento

das minas. DHBN, Rio de Janeiro, IV, p. 204/6, 1928.

164
patente318 , ele tinha “prática da disciplina militar e experiência da guerra” e havia reconduzido
“várias nações de tapuias, que ora mando vir para a jornada do sertão”.
Em 1688, o governador de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior, concede patente
de coronel das ordenanças do descoberto da Cachoeira até as povoações das Rodelas, termo do
Rio de São Francisco a Rodrigues Carvalho. Além de ser “pessoa de satisfação e merecime ntos
e ter servido na cidade da Bahia em o posto de capitão-mor da conquista dos sertões”, ele
combateu por muitos meses os índios “dos sertões do rio de São Francisco”319 .
Outro baiano que também teria apoiado Dias de Ávila na guerra contra os índios
Gesgés, em 1674, foi Antônio da Silva Pimentel, genro de Antônio Guedes de Brito e coronel
do regimento da ordenança da Freguesia de Santo Amaro da Pitanga da Bahia. Em uma certidão,
datada de 20 de dezembro de 1676320 , Dias de Ávila relata que Antônio da Silva Pimentel havia
lhe enviado um seu criado chamado Luiz Gomes Cortês, administrador das suas fazendas da
Japaratuba, além de “três mulatos e quatorze negros todos armados e cavalos para as cargas da
sua passagem”, para auxiliá- lo na batalha.
Durante todo o tempo que estiveram combatendo no Pajeú, “que passou de ano e meio”,
os homens enviados por Silva Pimentel, não teriam aceitado ajuda, nem de pólvora e bala, e se
mantiveram “à custa do dito Antônio da Silva Pimentel”. Segundo o capitão-mor, eles
assentaram um arraial há mais de cento e cinquenta léguas da cidade de Salvador, onde foram
mortos muitos índios. Em duas ocasiões, há mais de cento e vinte léguas do arraial, os índios
teriam sido reduzidos, “por força de armas”, tendo sido aprisionados “quatrocentos e vinte e
quatro entre homens, mulheres e meninos”.
Como podemos ver na carta patente do alferes Manuel Gonçalves321 , datada de agosto
de 1674, Furtado de Mendonça havia formado duas companhias de infantaria de ordenança para
auxiliar o capitão-mor Francisco Dias de Ávila. Uma delas comandada pelo capitão Francisco

318 Carta patente de capitão de infantaria da ordenança provida em Domingos Rodrigues de Carvalho. DHBN,
Rio de Janeiro, v. XII, p 71/2. 1929.
319 DOMINGOS RODRIGUES DE CARVALHO - Carta confirmando-o no posto de Coronel de Infantaria da

ordenança do distrito de Cachoeira até à povoação de Rodelas, termo do rio de S. Francisco (Brasil).
ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/ Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 1,
número de ordem 37, f.476.
320 [REQUERIM ENTO do coronel de regimento da ordenança da Freguesia de Santo Amaro da Pitanga da

Bahia, Antônio da Silva Pimentel ao Rei [D. Pedro II], filho de Antônio da Silva Pimentel, solicitando mercê
por serviços prestados contra os Gêges e outros índios, no rio de São Francisco, onde foi por mandado de
Francisco Dias De Ávila]. 22-07-1699 - AHU_CU_BAHIA-LF, Cx. 33, D. 4224. Anexo 2.
321 Patente de Manuel Gonçalves – DHBN, Rio de Janeiro, v. XII. p. 318. 1929.

165
Rodrigues Carvalho, para a qual o alferes foi nomeado. Em carta de julho de 1675322 , dirigida
a Dias de Ávila, em que comenta o falecimento do alferes, Furtado de Mendonça diz ter
conhecimento dos excessos e sucessos dos paulistas, e garante que pretendia escrever à
capitânia de São Vicente, ordenando que estes não viessem “perturbar as aldeias mansas”.
Provavelmente o governador se referia a Estevão Ribeiro Baião Parente e Domingos Rodrigues
de Arzão, que já estariam por essas paragens desde 1671, combatendo os índios Maracás na
serra de Orobó323 , e a Domingos Jorge Velho que frequentava as terras do atual estado do Piauí
desde 1662.
Em carta de janeiro de 1675, para o Príncipe Regente D. Pedro, dando notícia da guerra
contra os Galachos324 , o governador-geral afirma que muitos índios, dos quais não se tinham
notícias, haviam descido o rio em sessenta canoas, “de umas ilhas que estão no rio de São
Francisco muito distantes da barra pelo sertão dentro”, e atacado as povoações que ficavam “da
parte do Sul”, sujeitando “ao seu furor mais de quarenta currais, com morte de alguns moradores
brancos e escravos”. Os índios teriam vindo de lugares que estariam a mais de 80 léguas, “das
aldeias que ultimamente mandei conquistar”, em campos desertos, onde “só alguns paulistas
tem descoberto”. As notícias haviam sido dadas por carta de Domingos Rodrigues de Carvalho,
“capitão dos moradores daqueles distritos”, que havia combatido com sucesso os mesmos
índios e para quem ele havia enviado alguns espingardeiros e munições.
Na mesma carta o governador dá notícia de que, também ao norte do rio, outros índios
haviam se rebelado, e que Francisco Dias de Ávila havia se oferecido para conquistá-los. Diz
que o havia mandado como capitão-mor para pacificar a região, recomendando-lhe que
persuadisse os índios a vir com ele para a vizinhança da Bahia. Mendonça afirma que pretendia
evitar novas guerras provocadas pela “malícia dos curraleiros”.
No mesmo ano, após o triunvirato formado por Agostinho de Azevedo Monteiro,
Álvaro de Azevedo e Antônio Guedes de Brito assumir o governo geral, com a morte de Furtado
de Mendonça, o alferes Lourenço de Matos recebe patente de capitão da Infantaria da
Ordenança dos distritos dos Nocós, Pindaosituba, Jacobina da parte do sul, Itapecuru, pelo rumo

322 Carta para o capitão-mor Francisco Dias de Ávila. DHBN, Rio de Janeiro, VIII, p. 416, 1929.
323 Freire, Ibid. p.40.
324 CARTA do governador-geral do Brasil [Visconde de Barbacena], Afonso Furtado de Castro do Rio de

Mendonça, ao Príncipe Regente [D. Pedro], sobre o bom sucesso que houve com o gentio bárbaro, índios
Galachos, do rio de São Francisco. 1675. AHU_CU_BAHIA-LF, Cx. 23, D. 2691.

166
do nascente até o rio de São Francisco, e dele nas povoações novas do rio Verde para cima325 .
A ordenança pertencia ao regimento do capitão-mor Francisco Dias de Ávila e tinha como
sargento-mor Domingos Rodrigues de Carvalho.
De acordo com Pedro Calmon, em dezembro de 1675, Francisco Dias de Ávila
receberia a patente de coronel e, em maio de 1677, seria novamente encarregado da guerra
contra os índios do Pajeú, e aos amoipirás (ou Manpiraz).326 Em setembro de 1683, recebeu
patente de coronel de parte do Regimento do coronel Baltazar Barrenho, “no distrito de Catinga
Grande do rio Itapicuru correndo pela estrada direita, até o rio de São Francisco, e a dita estrada
para cima até as últimas passagens que hoje há”327 .
Embora nesse período a atuação do capitão-mor Dias de Ávila se concentrasse
principalmente no alto São Francisco, tendo sido fundamental para o estabelecimento de seus
currais na capitania do Piauí, a sua presença na região permitiu que, nos anos seguintes, o
movimento em direção aos rios Verde Grande e o das Velhas se intensificasse.
O povoamento das terras do entorno do Verde Grande e do das Velhas seria definitiva
a partir da década de 80 dos seiscentos, tanto a partir da Bahia e Pernambuco, quanto de São
Paulo. Segundo Calmon, em novembro de 1683, Antônio Vieira de Lima receberia confirmação
real da patente de capitão da ordenança dos distritos do Rio Verde Pequeno e Rio Verde Grande,
no Regimento de Francisco Dias de Ávila, “onde serve há mais de quatro anos”328 . Em janeiro
de 1684, passaria a sargento-mor do mesmo distrito329 , e, posteriormente a coronel. Antonil,
em seu roteiro do caminho da cidade da Bahia para as minas do rio das Velhas, diz o seguinte:
Partindo da cidade da Bahia, a primeira pousada é na Cachoeira; da Cachoeira vão à
aldeia de Santo Antônio de João Amaro; e daí a Tranqueira. Aqui divide-se o caminho :
e, tomando-o à mão direita, vão aos currais do Filgueira logo à nascença do Rio das
Rãs. Daí passam ao curral do Coronel Antônio Vieira Lima, e deste curral vão ao
arraial de Matias Cardoso 330 .

Em 1688, após assumir o cargo de governador geral, o Marquês das Minas decide
recriar algumas companhias de ordenança e, entre elas, uma que abrangeria a região desde o
Rio Verde Grande até o das Velhas, anexa ao Regimento do Coronel Francisco Dias de Ávila
e, em março daquele ano, Miguel Monteiro de Sá receberia a confirmação real para o posto de

325 Patente Lourenço de Matos. DHBN, Rio de Janeiro, v. XII, p. 375, 1929.
326 Calmon, Ibid. p. 167/8.
327 Registro de patentes de 1678 a 1688, fl. 159 verso. APB. Idem, p. 168.
328 Registro de patentes de 1684 a 1697, fl. 67. APB. Idem, p. 673.
329 Registro de patentes de 1678 a 1688, fl. 251. APB. Idem, p. 673.
330 Antonil, Ibid. p. 181.

167
capitão da Companhia de Infantaria da ordenança do distrito do Rio Verde Grande até o das
Velhas, por ser “pessoa de experiência daquele sertão” 331 . A maioria dos oficiais dessas
ordenanças não recebia remuneração pelos seus serviços, mas as patentes lhes garantia m
“honras, privilégios, liberdades, isenções e franquezas”, que eram determinantes para poderem
exercer livremente o seu poder e impor as suas vontades aos moradores do sertão.
Com a posse do arcebispo geral do Brasil, Dom Frei Manuel da Ressurreição, como
governador geral, e a crescente pressão dos moradores do sertão, por causa dos frequentes
ataques dos indígenas, o religioso determina a André Pinto Correia que recolhesse trezentos
índios e cinquenta brancos das duas margens do rio São Francisco, desde a cachoeira grande
(Paulo Afonso) até as últimas povoações do sertão de Carinhanha, para auxiliar no socorro a
capitania do Rio Grande 332 . André Pinto recebeu patente de capitão-mor de todos os moradores
e aldeias de uma e outra parte do rio de São Francisco 333 com a determinação de se juntar a
Domingos Jorge Velho, comandante dos paulistas, e ao coronel Antônio de Albuquerque da
Câmara. Na patente, datada de 19 de novembro de 1688, o Frei Dom Manuel diz o seguinte:
... sou informado que nas ribeiras de uma e outra banda do rio de São Francisco, desde
a cachoeira grande, até as últimas povoações da Carinhanha, há muita gente branca
valorosa e índios de diversas aldeias, de que se pode formar um bom Terço, para se
socorrer com ele aquela guerra. E para reconduzir a gente de uma e outra qualidade,
e dispor a marcha é preciso eleger uma pessoa cuja autoridade, experiência e poder se
fie o bom efeito deste particular s erviço que tanto convém se faça a S. M.. Tendo eu
consideração ao bem que estas partes concorrem na do capitão -mor André Pinto
Correia e a singular opinião que tenho de seu valor e prática dos gentios, e respeito
dos bárbaros que por aqueles distritos moram (...).

De acordo com o documento, o capitão-mor teria “poder e jurisdição” sobre os


moradores e aldeias das duas ribeiras, “de uma e outra parte do rio”, nas capitanias de
Pernambuco e da Bahia. Na parte da Bahia, no entanto, somente enquanto durasse a
“recondução dos índios e levas de gente branca”, e se colocassem em marcha. Quanto aos
moradores e as aldeias, “da outra parte”, poderia exercer o posto “enquanto S. M. o houver
assim por bem, ou este governo não mandar outra coisa”.
André Pinto deveria reunir até 150 homens brancos e até trezentos arcos, “os mais

331 MIGUEL MONTEIRO DE SÁ - Carta. Confirmando-o no posto de Capitão da Infantaria da Ordenança do


distrito de Rio Verde Grande até ao das Velhas (Brasil) - 24-03-1688 - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 1, número de ordem 37, f.420 v.
332 PORTARIA para os oficiais da Câmara desta cidade darem cem mil réis de ajuda de custo ao capitão -mor

André pinto Correia. 26 de novembro de 1688. Livro de Portarias de 1688, Arquivo Público da Bahia. AAPB,
v. 4 e 5, p. 128/9, 1919.
333 Antonil, Ibid. p. 190/2.

168
armados de flecharia”, conhecidos “como mais valentes”, das aldeias de “Cajurú, Tacurá,
Geremoabo, Caribes, Kareri, Guayazes, Curapos, Tamaquinz e toda a nação dos Rodelas e
Jacuabina, os Sacacarinhans e Papayazes”, e os levar “de socorro” aos arraiais do Rio Grande,
e os entregar ao governador dos paulistas, Domingos Jorge Velho.
Em carta para o capitão-mor do Rio Grande, Agostinho César de Andrade, de maio de
1689334 , o governador informa que, logo depois que André Pinto havia organizado o seu terço,
uma grande seca que assolou o sertão durante nove meses, “impossibilitando os caminhos”. O
socorro teria se desvanecido e ele “mandara todos para suas casas”.
Segundo narra o coronel Pedro Barbosa Leal, em carta escrita ao Conde de Sabugosa,
vice-rei do Brasil, em 1725335 , o capitão-mor Marcelino Coelho, em 1697, havia atravessado o
sertão do Rio de Contas até o rio Verde, de onde teria tirado “sessenta e tantas almas do gentio
Topim que ali andavam brabos”. Barbosa Leal, afirma que conversou diversas vezes sobre esta
entrada com o vigário de Jacobina, Antônio Gomes Cardoso, companheiro de Marcelino Coelho,
e, em 1698, ele próprio fez uma nova expedição à região e encontrou no morro do Chapéu os
índios “Jacacriu”, que teriam fugido de Marcelino Coelho. Diz Barbosa Leal:
tirei deles alguma notícia daquele sucesso, e fiquei sabendo a parte por onde tinham
atravessado por cuja razão agora quando fui de Jacobina para o Rio das Contas mandei
abrir a estrada por onde passei a aquelas Minas.

O coronel diz ainda que, após procurar algumas pessoas que acompanharam a
Marcelino Coelho, encontrou um homem mameluco e dois índios, “Tubayaras mui velhos”,
que lhe deram “notícias individuais e todos os sinais e Roteiro”. Segundo ele, no entanto, a
seca o impediu de procurar o rio, que “sai daquela pedreira tem a água verde, as ervas que
dentro dele se criam o são também, e até o peixe ali é verde, e por isto é chamado o rio Verde”336 .
Em requerimento de 1703, Antônio da Silva Pimentel pede ao Rei D. Pedro II duzentos
mil réis de tença efetiva com o Hábito da Ordem de Cristo e o posto de alcaide-mor da vila de
São Francisco ou da Cachoeira pelos serviços prestados por ele e por seu sogro, o Mestre-de-

334 CARTA para o capitão-mor do Rio Grande Agostinho César de Andrade – DHBN, v. X, p. 356/8, Rio de
Janeiro, 1929.
335 Index de varias noticias pertencentes ao estado do Brazil, e do que n’elle se obrou o Conde de Sabugoza ao

tempo do seo governo, códice n. 346 do Arquivo Histórico e Geográfico Brasileiro, fls. 138 e segs. Versão
impressa - Documentos Interessantes, São Paulo, v. 48, p. 59-121,1929. p. 93.
336 Possivelmente o coronel se refere ao rio Verde Pequeno que faz a divisa entre os estados de Minas e Bahia

e que nasce no Pau D’arco, na Serra Geral, entre os municípios de Montezuma, Mortugaba e Jacaraci. Em sua
narrativa, Barbosa Leal diz que Belchior Dias também havia explorado a região entre o rio Verde e o Paramiri m,
ainda em 1604.

169
campo Antônio Guedes de Brito337 . O coronel afirma ter realizado uma expedição ao rio São
Francisco em busca das minas de ouro, por “um áspero e dilatado caminho em distância de
quatrocentas léguas” 338 . Quase 2.000 quilômetros, distância suficiente para chegar a regiões
localizadas além da foz do rio das Velhas.
Pimentel diz que serviu no posto de coronel de um dos regimentos da ordenança da
Bahia por espaço de 15 anos, dois meses e vinte dias efetivos 339 , e que, tendo “notícias por
tradições antigas que no rio de São Francisco da jurisdição do governo da Bahia havia minas
de ouro”, se ofereceu prontamente para fazer a “diligência”, acompanhado de muitos homens
“levados a sua custa”.
Ao requerimento ele anexou duas certidões passadas pelo governador geral do Brasil,
Dom João de Lencastro. Uma datada de 03 de agosto de 1701 e outra de 20 de maio de 1702,
ambas com quase o mesmo conteúdo. Nas certidões o governador afirma ter enviado o coronel
ao rio São Francisco por ser ele “senhor daquelas terras e pessoa pela sua qualidade, suficiê nc ia
e poder dos colonos e escravos”. Diz ainda que ele havia levado consigo muitos homens,
“inteligentes daqueles sertões”, tendo arriscado a sua própria vida, “por entrar em lugares
infestados de gentio bárbaro, antepondo a todas as moléstias, riscos e despesas de sua fazenda”.
O governador diz ainda o seguinte:
Com efeito partiu desta cidade da Bahia para esta diligencia, mandando fazer a sua
custa alavancas, picões, enxadas, picaretas, e todos os mais instrumentos necessários
e sem reparar na distância do lugar e aspereza do sertão, andou nele cinco para seis
meses, sustentado a sua custa muitos homens brancos e escravo s nas cavas e abertos
que fez nos ditos riachos e ribeiros, em que se descobriu algumas faíscas de ouro, e
vestígios de que poderiam dar mais lucro houvesse mineiros peritos que pudessem
com mais ciência obrar esta averiguação.

As terras as quais o governador afirma pertencer a Silva Pimentel eram fruto da


herança recebida por sua esposa, Isabel Maria Guedes de Brito, do seu pai, o mestre-de-campo
e alcaide-mor da Bahia, Antônio Guedes de Brito. O latifúndio começou a ser formado pelos
antepassados de Guedes de Brito ainda nos primeiros anos do século XVI. Primeiramente pelo
seu avô, Antônio Guedes, e depois por seu pai, o capitão Antônio de Brito Correia, tabelião do

337 REQUERIM ENTO de António da Silva Pimentel ao Rei [D. Pedro II] solicitando 200 mil réis de tença
efetiva com o Hábito da Ordem de Cristo e alcaide-mor da vila de São Francisco ou da Cachoeira. 22-11-170 3
- AHU_CU_BAHIA, Cx. 4, D. 366.
338 Segundo certidão inclusa ao requerimento, recebeu patente de coronel do Regimento da Companhia da

Ordenança do partido das freguesias do Rio Vermelho, Santo Amaro, Torre, Inhambup e e Itapecurú em seis de
maio de 1687, em substituição Baltazar dos Reis Barrenho, ocupando o posto até agosto de 1701.
339 Patentes de 1678 a 1683, fl. 263. APB. Idem, p.207.

170
Judicial e Notas da cidade do Salvador, ofício recebido por herança do pai e que seria
transmitido ao mestre-de-campo.
Ainda em abril de 1609, Antônio Guedes obteve, nas cabeceiras do rio Real, uma
sesmaria de seis léguas nos campos de Jabeberi até o rio Piauhy, segundo Felisbelo Freire,
provavelmente em Sergipe. Em julho do mesmo ano teria recebido outra, começando nas
cabeceiras das terras do rio Real, seguindo por “toda a mais que houver entre os rios Inhambupe
e Itapecurú e para o sertão 10 léguas”340 . Três anos depois, em abril e maio de 1612, acrescenta
Freire, ele teria aumentado em quase 50 léguas os seus domínios entre os mesmos rios.
Guedes de Brito é sem dúvida um dos mais importantes personagens da nossa história
colonial, tendo sido estudado por diversos autores341 . Daremos destaque aqui a apenas dois
documentos do Arquivo Histórico Ultramarino, disponíveis no acervo do Projeto Resgate Barão
do Rio Branco. No primeiro documento342 , de 1667, Guedes de Brito diz ser natural da cidade
da Bahia, provido, em 1644, pelo governador do Brasil, Antônio Teles da Silva, no posto de
capitão de uma companhia de estudantes. Em 1647, foi transferido, pelo mesmo governador,
para outra companhia de ordenança, tendo participado dos combates ao cerco que o general
holandês, Segismundo von Schkoppe, havia imposto à Bahia.
Entre 25 de fevereiro de 1667, já sob a administração do conde de Óbidos, teria
assumido o posto de capitão de infantaria e promovido, pelo governador Alexandre de Souza
Freire, ao posto de sargento-mor do terço do mestre-de-campo Álvaro de Azevedo. Segundo
afirma, “por espaço de muitos anos” teria feito grandes despesas com gado, farinha e comboios
para a infantaria durante a guerra. Também teria sustentado com “todos os mantimentos e

340 Freire, Ibid, p. 28.


341 Sobre Guedes de Brito ver: COSTA, Afonso. Guedes de Brito, o povoador (história de Jacobina). Anais do
APEB. Bahia, n. 32, p., 318-381, 1952; COSTA, Afonso. As Terras de Guedes de Brito – Revista do Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, vol. XI, Salvador, n. 42, p. 69 – 74, 1916; COSTA FILHO, Miguel. Dois
séculos de um latifúndio. Rio de Janeiro: Livraria São José e Departamento de Imprensa Nacional, 1958.
COSTA FILHO, Miguel. As terras dos Guedes de Brito nas Minas Gerais. RIHGB, Rio de Janeiro, v. 241, p.
136, 1958; PIRES, Simeão Ribeiro. Raízes de Minas. Montes Claros: [s. n.], 1979; NEVES, Erivaldo Fagundes.
Estrutura Fundiária e Dinâmica Mercantil. Alto Sertão da Bahia, séculos XVIII e XIX. Salvador:
EDUFBA/URFS, 2005;
342 INFORMAÇÃO do Conselho Ultramarino sobre os serviços de Antônio Guedes de Brito, De 1644 a 1667,

como capitão e sargento-mor e vereador de câmara, na guerra da restauração na Bahia e em Pernambuco; requer
também os serviços de seu pai Antônio de Brito Correia, de 1624 A 1638, como alferes na restauração da cidade
da Bahia em 1624 E nos cercos desta em 1638, assistiu com seus escravos na construção das fortificações e
lutou na guerra de Pernambuco. AHU_CU_SERVIÇO DE PARTES, Cx. 2, D. 227 – 1667.

171
carruagens, assim de ida como de volta, com muita largueza, tudo à sua custa”, a mesma
infantaria quando esta teria ido ao sertão, “por vezes”, conquistar “os tapuias rebeldes”.
Constam do documento também os serviços prestados pelo seu pai, Antônio de Brito
Correia que, além de ter combatido contra os holandeses a partir de 1624 e participado de
batalhas contra Maurício de Nassau, teria sustentado seus criados e escravos durante os
combates, fornecendo “muita quantidade de gado, mandando fazer de comer em sua casa para
a infantaria e para a gente que trabalhava nas fortificações, aonde também assistiam seus
escravos”. Também teria gastado grande soma de recursos com os feridos e o sustento de um
hospital, colaborado com muitas outras campanhas para o sertão para combater os índios tapuias,
e trazido muitos que viviam nas vizinhanças de suas fazendas para abrir os caminhos para “os
matos” e “fazer guerra aos bárbaros”.
No segundo documento, de 1679, sobre o pedido de licença para fundar uma vila em
Santo Amaro de Pitanga343 , as certidões apresentadas dizem que ele era “pessoa de qualidade e
das principais famílias daquele estado, e dos mais ricos dele”, também teria sido, “por muitas
vezes”, provedor da Santa Casa de Misericórdia, vereador, juiz do senado da Câmara, e
“ultimamente ser um dos governadores que ficaram eleitos por falecimento de Afonso Furtado
de Mendonça”. Também era cavaleiro do Hábito de Cristo, com foro de fidalgo, e senhor de
muitas terras na mata de São João, há 12 léguas da cidade, “em que se produzem ricos tabacos
e mantimentos e ter nelas fabricado um engenho de fazer açúcar, e plantado muitos canaviais,
com muitos colonos”.
Esses e outros serviços, de pai e filho, lhes garantiram muitas benesses entre elas a
concessão de propriedades incomuns. Antes mesmo de receber a polêmica sesmaria que se
estenderia pelo rio São Francisco acima, desde a altura da nascente do Paraguaçu, no sertão da
Bahia, até alcançar o rio Vanhú (rio das Velhas ou Pará) 344 , na região central da capitania de
Minas, concedida pelo capitão-mor de Sergipe, Brás da Rocha Cardoso, em 1684, Guedes de
Brito já era um dos mais importantes proprietários da Bahia.
Em 1675, o desembargador Sebastião Cardoso de Sampaio, foi enviado ao Brasil para
realizar uma sindicância para apurar a legitimidade da posse da terra dos sesmeiros da capitania

343 Consulta do Conselho Ultramarino ao Príncipe Regente [D. Pedro], sobre requerimento de Antô nio Guedes
de Brito, natural e morador na Bahia, solicitando licença para levantar à sua custa uma vila nas terras de Santo
Amaro de Pitanga e ser seu senhorio, com o título de alcaide -mor para si e seus descendentes.
AHU_CU_BAHIA-LF, Cx. 24, D. 2875 – 1679.
344 Pires, Ibid. p. 110.

172
da Bahia. Em relato de julho de 1676 ele destaca o depoimento dos maiores proprietários :
Antônio Guedes de Brito, Garcia de Ávila, Gaspar Rodrigues Adorno, Pedro Borges Pacheco,
Sebastião Barbosa de Almeida, Manuel de Almeida, Francisco Barbosa Leal, Pedro Gomes,
João Peixoto Viegas, Lourença Faria e seu filho Baltazar Fonseca, Lourenço de Brito
Figueiredo, Francisco Gil de Araújo e Agostinho Pereira 345 .
Guedes de Brito teria declarado que possuía 111 léguas de terra, “que houve por
heranças, compras e sesmarias” e ainda “metade da mata de São João”, que havia comprado.
Também declarou que possuía uma sesmaria, dada pelo conde de Óbidos, que começaria no rio
Itapecuru, seguia até o rio de São Francisco e, daí, até o rio Paraguaçu, mas “não declarou as
léguas” 346 . Ao que o sindicante diz o seguinte:

Porém, conforme informação que se tomou, é a maior sesmaria que ainda se deu, e
está quase toda inculta, sem achar-se ocupada, nem ainda com gados. Foram seus pais
e avós os primeiros povoadores que principiaram a penetrar o sertão e a domesticar o
gentio dele, em que gastaram, e o dito Antônio Guedes, considerável fazenda, como
também de presente tem feito grande despesa em abrir caminhos não só para benefício
de suas fazendas mas para o comum de todos que têm gados naquele sertão; por esta
razão e por ser dos mais ricos e de maior cabedal dos moradores desta capitania se
deve haver respeito em caso que se faça uma repartição das terras, como também a
seu primo Lourenço de Brito de Figueiredo, que atrás fica declarado, em que
concorrem as mesmas razões.

Em carta de 15 de maio de 1675, dando conta da sindicância, Cardoso de Sampaio,


impressionado com o tamanho incalculável das sesmarias, diz que seria não só convenie nte,

345 CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre as diligências que se encarregaram a Sebastião Cardoso de
Sampaio, no Brasil, e licença que pede para voltar ao reino. AHU_CU_BAHIA -LF, Cx. 23, D. 2739-2741.
346 Em texto escrito por Afonso Costa, com base em “cópia textual” de documentos pertencentes a particulares,

ele diz que Guedes de Brito declarou as seguintes propriedades: as fazendas “de currais de gado” no rio Real,
recebidas por herança de seus pais, Antônio de Brito Correia e Maria Guedes, recebidas após o falecimento de
seu avô Antônio Guedes, em 07 de setembro de 1621, e que faziam divisa com os religiosos do Carmo e com
o rio Real, “da parte de Sergipe Del Rei”; as fazendas do Itapecuru, “da parte da Bahia”, que seu pai havia
comprado do capitão Francisco Barbosa de Paiva e de sua mulher Sebastiana de Brito, em 10 de agosto de 1649,
e as do Itapecurú-mirim, que herdara por falecimento de sua avó, Felipa de Brito, em 09 de dezembro de 1659.
Também possuía outra sesmaria, pedida em 26 de outubro de 1652, por ele e por seu pai ao governador geral,
conde de Castel-Melhor, de oito léguas, também no Itapecuru-mirim, “principiando no Caguague, ou
Caguaguena, até a serra Tuiuiuba”, e outra, recebida em 02 de março de 1665, de seis léguas, n o mesmo local
até as nascentes do Itapecuru, com “muitos matos e serras”, não habitadas, as quais ele as povoou “de meus
próprios gados”. Também, de acordo com a declaração, possuía fazendas em Tocós, por herança de sua mãe e
de seu tio, o padre Manuel Guedes Lobo, recebidas por sesmaria em 14 de dezembro de 1612, e outra que
pertenceu à sua tia, D. Sebastiana de Brito, recebida na mesma ocasião, e que fora comprada pelo seu pai em
16 de junho de 1652. Todas, afirma, haviam sido descobertas e povoadas por e le, que também teria sido
responsável por fazer estradas e as pazes com os índios “cariocas, orizes, sapóias e caparaus, descendo aldeias
para as mesmas terras, com as quais seguraram as fronteiras do Inhambupe e Natuba, que por algumas vezes
tinham infestado os bárbaros rebeldes”. COSTA, Afonso. As Terras de Guedes de Brito – Revista do Instituto
Geográfico e Histórico da Bahia, vol. XI, Salvador, n. 42, p. 69 – 74, 1916.

173
mas necessário, que todas as concessões que tivessem mais de quatro léguas fossem canceladas
e que se fizesse um exame rigoroso para saber quais seriam produtivas e qual a área ocupada
por cada uma. No entanto ele sugere que, aos “poderosos que possuem grandes cabedais e que
dizem haverem feito os referidos dispêndios e diligências”, deveria ser dado um tratamento
diferenciado, permitindo que continuassem na posse das propriedades, “com condição de cada
cinquenta ou sessenta anos serão obrigados por si ou por seus vindouros a confirmar de novo
suas sesmarias com prova de como as ocupam e cultivam”347 .

Figura 27 - Rio das Velhas no distrito de Barra do Guaicuí - Várzea da Palma/MG – Acervo pessoal.

347 O desembargador Cardoso Sampaio diz que a capitania da Bahia estava dividida em du as partes. O
Recôncavo, com trinta léguas de extensão por dez ou doze de largura no entorno da cidade, onde os moradores
tinham cerca de 130 engenhos, “com muitos canaviais e algumas roças de farinha”. A segunda parte, a qual
chamavam sertão, continha toda a terra, “que corre para o ocidente”, chegando até “a demarcação do Peru e
nova Espanha”. No sertão, apenas alguns moradores teriam, “descoberto e penetrado”, de acordo com o a
capacidade de “seu cabedal e indústria”, e ocupado áreas em que havia, “águas e pastos”, para os seus gados.
Segundo ele, nos primeiros anos de estabelecimento da capitania da Bahia, as sesmarias foram distribuídas com
“igualdade”, e não passavam de quatro léguas. No sertão teria acontecido, “até o presente”, o contrário. As
terras foram distribuídas “com notável demasia e excessiva desigualdade”, sem qualquer “limitação de braças
ou léguas”. Os limites seriam por “confrontações”, serras ou rios, não permitindo saber “seu comprimento ou
largura”, e que algumas teriam “mais terra que uma província inteira de Portugal”. Destacando a injustiça e o
excesso de desigualdade, diz que, alguns moradores teriam mais de cem ou duzentas léguas de terra e que a
maioria das sesmarias, estava em “poder e domínio de 10 ou 12 moradores”. Tal situação desestimularia os
moradores, especialmente os menos abastados, a se aventurarem na conquista de novas terras, cada vez mais
distantes, e os obrigava a se sujeitarem a ser tratados como verdadeiros “súditos” dos grandes proprietários.

174
Garcia de Ávila havia declarado que possuía 81 léguas de terra de compra e de
sesmarias dadas por vários capitães-mores, e que também seus três filhos teriam outras trinta
léguas de terras, “capazes de povoação”. Também possuía mais de 80 léguas, por título de
sesmaria, de “todas as terras que se acharem do rio de São Francisco até a Carioca, com todas
as ilhas, matos, e águas”, e uma data de mais de cem léguas no rio Salitre, “até onde se mete o
rio de São Francisco”. Disse ainda que ele, seus filhos, o padre Antônio Pereira e seu irmão
Garcia de Ávila, possuíam toda a terra da “banda do sul na jurisdição de Sergipe de El Rei”,
começando nas terras que estavam povoadas no rio São Francisco, “até a última aldeia do gentio
Mapurú”. Segundo o sindicante um total de quatrocentas léguas.
Também alegando que os pais e avós de Garcia de Ávila teriam sido “os primeiros
povoadores que principiaram a penetrar o sertão e a domesticar o gentio”, tendo gastado
“considerável fazenda”, abrindo caminhos, “não só para benefício de suas fazendas mas para o
comum de todos os gados”, e que eram “dos mais ricos e de maior cabedal dos moradores desta
capitania”, o desembargador sugere que também deveriam ser tratados com respeito quando se
fizesse nova repartição das terras.
A ambição desses baianos, contudo, estava longe de ser aplacada. Nos anos seguintes
eles iriam ampliar ainda mais os limites de suas posses chegando a dominar grande parte da
região onde hoje se localiza o norte de Minas.
A presença dos Guedes de Brito se concentrou na margem esquerda do rio São
Francisco, na jurisdição da capitania da Bahia, e foi garantida em maio de 1684 quando o
capitão-mor de Sergipe, Brás da Rocha Cardoso, fez a doação, já citada anteriormente, e que
faria do mestre-de-campo um dos maiores proprietários de terras do Brasil. Apesar da atribuição
de doar sesmarias ser exclusiva de governadores e dos capitães-generais, e das terras recebidas
por Guedes de Brito estarem localizadas na capitania da Bahia, a família assegurava ser
proprietária das terras e travou inúmeras disputas para garantir a sua posse.
Na margem direita do São Francisco, na jurisdição de Pernambuco, os herdeiros da
Casa da Torre também alargaram suas propriedades chegando a dominar parte do norte de
Minas, especialmente a região entre a barra do rio Grande do Sul e o rio Urucuia.
Para manter a posse de tão extensa porção de terra os potentados despenderam muito
tempo e recursos em numerosos processos. Governadores das capitanias de Minas, Bahia,
Pernambuco, Piauí, Paraíba e até do Maranhão, religiosos de diversas ordens eclesiásticas,
autoridades judiciais e militares, colonos, indígenas e toda sorte de moradores buscaram por

175
diversos meios garantir a posse de parte desse gigantesco latifúndio. Muitos deles, contudo,
acabariam sendo obrigados a deixar as suas propriedades, algumas delas cultivadas por muitos
anos e com diversas benfeitorias, porque o poder e o peso da grande fortuna dessas famílias, na
maior parte das vezes, se sobrepunham aos interesses dos moradores.
As disputas apresentavam basicamente os mesmos componentes. Descendentes de
desbravadores que participaram de guerras contra os índios ou de comerciantes que formaram
seus próprios currais de gado em terras incultas, em regiões remotas, entravam em atrito com
os procuradores responsáveis por cobrar o pagamento dos arrendamentos anuais e distribuir as
terras. Algumas demandas surgiam devido à formação de núcleos urbanos que se desenvolvia m
naturalmente junto a igrejas ou descobertos minerais como o caso da vila de Jacobina que
provocou uma longa batalha entre moradores e herdeiros da Casa da Torre. Também a formação
de missões de diversas ordens religiosas ou mesmo a presença de aldeias indígenas, alvos
constantes de grandes disputas, deflagravam contendas que poderiam se arrastar por anos.
Muitos desses embates, especialmente aqueles que envolviam pessoas mais poderosas
e abastadas, acabavam sendo levados aos tribunais e geravam processos judiciais intermináve is.
Na maioria deles as duas famílias sempre repetiam os mesmos argumentos para justificar a
posse das propriedades: que as terras teriam sido descobertas pelos seus antepassados, que estes
teriam gastado grossos cabedais para desbravá-las e desinfestá- las dos indígenas, que teriam
financiado várias batalhas e aberto estradas. Na maioria das vezes, os moradores acabavam
sendo obrigados a continuar pagando pelos arrendamentos e, em outras, chegavam mesmo a ser
sumariamente despejados.
Nas disputas envolvendo os herdeiros da Casa da Torre eles apresentavam a cópia das
cinco cartas de sesmarias dadas pelo governador de Pernambuco a Francisco Dias de Ávila, a
Bernardo Pereira Gago, a Domingos Afonso Sertão e a seu irmão Julião Afonso Serrão entre
os anos de 1676 a 1684.
Os herdeiros de Guedes de Brito repetiam os argumentos e em alguns processos
afirmavam que a cópia das sesmarias estaria inclusa. Ao contrário das sesmarias da Casa da
Torre, cujas cópias foram anexadas diversas vezes, em nenhum processo existente no acervo
do Projeto Resgate encontramos a reprodução das cartas dos Guedes de Brito. Em uma provisão
passada por Dom João V, em maio de 1723, em resposta a um requerimento de Isabel Guedes
de Brito, pedindo confirmação da sesmaria, o monarca diz que, após verificar “justificações e
mais documentos” e “certos pontos conducentes a certificar- me dos títulos que a suplicante me

176
apresentara”, ficou demonstrado que “todas as terras das vertentes do rio das Velhas foram
descobertas, povoadas e conquistadas ao gentio à custa da fazenda do seu pai, na boa fé de lhe
pertencerem, e se continuarem na sua sucessão e descendência”348 .
Em agosto de 1749, em requerimento feito por Manuel de Saldanha e sua esposa, Joana
da Silva Guedes de Brito, filha de Isabel Guedes de Brito, também solicitando a confirmação
da mesma sesmaria, o casal afirma o seguinte:
eles são senhores e possuidores das terras conteú das na sesmaria incerta no
instrumento a fl. 15 que começam nas cabeceiras da outra sesmaria a fl. 20 e continua
pelo rio de São Francisco acima até o rio Vanhinhu, que se mete no dito rio de São
Francisco acima do rio das Velhas, e dali cortando direito a nascente do rio Paraguaçu
e daí buscando o princípio a fechar a quadra nele, cuja data se fez em nome de V. M.
que Deus guarde ao mestre-de-campo Antônio Guedes de Brito, avô da mulher do
suplicante, no primeiro de maio de 1684” 349 .

Embora nos dois documentos fique patente que a carta de sesmaria teria sido
apresentada, infelizmente não foram anexadas cópias das mesmas aos processos. Em toda a
literatura pesquisada também não foi possível encontrar cópia dessa sesmaria.
No requerimento citado acima, Isabel Guedes afirma que seu pai havia descoberto,
“por si e seus colonos as ditas terras”, e que teria mandado os paulistas João Peres de Morais e
seu irmão José Peres Bueno continuarem o “descobrimento de novos sítios, por haver muitos
mais nas ditas terras capazes de se aproveitarem”. Segundo ela, os paulistas teriam descoberto
“os sítios chamados da [..] passagem do rio das Velhas, Curumataí, dos [Morrinhos], o sítio de
Santo Hipólito, do Pissarão (atual Senhora da Glória, distrito de Santo Hipólito), do [..], do
Bananal, e outros mais, que correm pelo rio das Velhas acima, reconhecendo todos estarem os
ditos sítios nas terras da suplicante”.
Seu pai também teria povoado as terras com colonos que lhe pagavam “foro dos ditos
sítios”. Ela afirma, então, ter anexado ao processo um “memorial e atestações dos ditos João
Peres de Morais e José Peres Bueno”. O memorial teria sido encaminhado pelo dois ao seu
genro, D. João Mascarenhas, quando os paulistas pediam o pagamento pelo trabalho e pelos
gastos que haviam feito.

348 REQUERIM ENTO de Isabel Maria Guedes de Brito, viúva do Coronel António da Silva Pimentel,
solicitando a confirmação das sesmarias das cabeceiras do rio São Francisco e rio das Velhas, que herdou de
seu pai, António Guedes Brito. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 5, D. 434.
349 REQUERIM ENTO de Manuel de Saldanha e sua mulher Joana da Silva Guedes de Brito, ao Rei [D. João

V], solicitando confirmação de carta de sesmaria, localizadas pelo rio de São Francisco até o rio [Vanhinhu],
em direção ao rio das Velhas até o rio Paraguaçú. AHU_CU_BRASIL-GERA L, cx. 11, D. 1004.

177
Isabel Guedes diz que os descobrimentos foram interrompidos, apesar das ordens em
contrário, porque algumas pessoas haviam “tomado posse com violências” das terras,
patrocinadas por “governadores e ministros das minas”, que estariam concedendo sesmarias em
suas terras, alegando que seriam “sem domínio certo”. A herdeira afirma ter anexado cartas
comprobatórias de seus colonos como o sargento-mor Luís Tenório de Medina (filho do
capitão-mor de Sergipe, Brás da Rocha Cardoso), morador no sítio do Papagaio, e de Domingos
Alves Guimarães, onde estes diziam reconhecer a sua posse e confirmavam que não se opunham
a pagar as rendas e os foros de suas terras.
No despacho de 08 de agosto de 1724, o governador Lourenço de Almeida, afirma que,
após “escrever a muitas pessoas práticas neste país e em todo sertão”, todos haviam confirmado,
“uniformemente”, que Antônio Guedes de Brito, havia descoberto, conquistado e povoado
“muitas terras do sertão em que hoje há considerável quantidade de fazendas de currais de gado”.
No entanto, parte das terras havia sido descoberta e conquistada, do “gentio”, por pessoas mais
pobres, que teriam feito seus sítios, e estes teriam sido “injustamente possuídos” pelo mestre-
de-campo que alegava que estariam em sua sesmaria.
O governador afirma ainda que, no rio das Velhas e suas cercanias, todos haviam dito
que “os descobridores de Antônio Guedes não chegaram a este rio, senão à parte aonde faz
barra no rio de São Francisco”. No local teriam feito uma pequena povoação com gado, que
“logo lhe morreu por doença”, e que tudo teria ficado despovoado, “sem que a sua gente
passasse nunca rio acima, e muito menos às suas vertentes, que são nesta vila”.
De acordo com as testemunhas, as terras teriam sido conquistadas por paulistas, “que
vieram à conquista do gentio, alguns anos antes do descobrimento destas Minas”. Segundo eles,
os descobridores de Guedes de Brito não chegaram as vertentes do rio das Velhas e só teriam
descoberto regiões “distantes da sua barra mais de duzentas léguas”. Para o governador a
pretensão de Isabel Guedes de se apoderar de um número tão grande de léguas de terras, e de
cobrar foros numa área com tantas fazendas instaladas, seria absurda porque ela teria mais
“senhorio” que o próprio monarca. Finalizando o seu despacho ele diz o seguinte:
... como as vertentes do rio das Velhas é no coração destas minas; conseguindo a dita
Isabel o pagar-se-lhe foro de todas as fazendas, fará uma renda tão extraordinária, que
seja desigual ao ser de vassalo, e causará uma perturbação nestas minas, que possa
prejudicar o sossego público, e pelo que entendo todo o continente destas minas não
deve ter mais senhorio do que V.M..

178
As polêmicas provocadas por esta fantástica propriedade envolveram vários
governadores da capitania de Minas e a mais acirrada delas teve como protagonistas D. Pedro
de Almeida, o conde de Assumar, e Manuel Nunes Viana. Mas, quando a região ainda pertencia
à capitania de São Paulo e Minas de Ouro, e Antônio de Albuquerque Coelho era o seu
governador, Isabel Guedes já enfrentava resistência.
Uma das controvérsias foi deflagrada quando Albuquerque Coelho resolveu doar a
um seu criado, chamado José de Seixas, terras que pertenceriam a Isabel Guedes e que estariam
sendo cultivadas por ela e “seus colonos”, no rio das Velhas. De acordo com Isabel Guedes, o
criado do governador havia repassado as terras a um clérigo francês chamado Felipe de La
Contria, que, “armado e com seus escravos”, havia expulsado “violentamente os caseiros da
suplicante, servindo-se das casas e currais que os seus antecessores haviam feito”350 . Segundo
a herdeira, o governador Dom Braz Baltasar da Silveira, que substituiu Albuquerque Coelho,
em 1713, teria mandado publicar um bando recomendando que ninguém a reconhecesse como
senhora das terras.
Em 20 de janeiro de 1718, respondendo a um requerimento feito por Isabel Guedes,
quando D. Pedro de Almeida já era governador, D. João V ordenou ao ouvidor da comarca do
rio das Velhas que averiguasse as denúncias. O monarca afirma que o governador procedeu
contra a sua “expressa resolução”, porque ele já havia determinado que “a suplicante ficasse
conservada nas posses das terras que se achavam cultivadas e que só não lhes permitiu cultivar
outras de novo”.
Em junho de 1719, o ouvidor-geral do rio das Velhas, Bernardo Pereira Guimarães,
que já estaria a caminho do “sítio do Papagaio” (atual distrito de Tomaz Gonzaga, munic íp io
de Curvelo), localizado próximo a barra do rio das Velhas, quando recebeu a ordem real, ouviu
as testemunhas. Foram ouvidos Francisco Monteiro Guimarães, o capitão Antônio Ribeiro da
Silva, o capitão-mor Manoel da Rocha de Castro, o mestre-de-campo Antônio Pinto de
Magalhães e o sargento-mor Alexandre Gomes Ferreira. Todos considerados pessoas
“desinteressadas, fidedignas e antigas naquele país”, e que teriam dito, “uniformemente”, que,

350 CARTA do Ouvidor-Geral do Rio das Velhas, Bernardo Pereira Guimarães, ao Rei [D. João V], dando
informações sobre a devolução das terras pertencentes a Isabel Maria Guedes de Brito e sobre a expulsão de
um clérigo francês, Phelipe de La Contria. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 2, D. 98/COTA ANTIGA - AHU-
Minas Gerais, cx. 2, doc. 24.

179
“da barra do rio das Velhas para cima”, a filha de Guedes de Brito “não havia cultivado terras
alguma por si e seus colonos”.
As terras teriam sido cultivadas “por vários homens que vinham da Bahia pelos sertões
com seus comboios e gados”, e que teriam estabelecido “casas, roças e currais, cujos sítios
vendiam a outros quando se retiravam”. Dessa forma “todas as terras da dita barra do rio das
Velhas para cima até estas minas” teriam sido povoadas. De acordo com o relato, assim que os
novos ocupantes se estabeleciam nas terras, os procuradores da herdeira exigiam que estes
pagassem arrendamentos, no que eram prontamente atendidos porque todos temiam ser
“espoliados” pelos representantes da herdeira.
Em março de 1720, no entanto, o Conde de Assumar passaria uma provisão ordenando
aos moradores do sítio de Papagaio e da barra do rio das Velhas, que continuassem a pagar os
arrendamentos a Isabel Guedes351 . Na provisão, o governador informa que estava revogando
um bando que ele próprio havia expedido em 15 de outubro de 1718, ordenando que os
moradores não pagassem foros antes de uma nova resolução de D. João V. O bando teria sido
publicado porque o conde tinha dúvidas de que a propriedade pudesse se estender até tão longe
e também porque, a herdeira e seus procuradores, não haviam apresentado os títulos que
comprovariam a posse.
Em requerimento de maio de 1720, enviado a Lisboa, a herdeira denunciou a
intromissão dos governadores alegando que estava “de posse mansa e pacífica das terras do rio
das Velhas por si e seus colonos desde o tempo de seu pai”352 . Segundo ela, Guedes de Brito
teria descoberto, conquistado e povoado, “tudo a sua custa com despesa de mais de cem mil
cruzados”, trazendo gente, “pelas montanhas”, para abrir as estradas e conquistar e domesticar
os gentios. A empreitada, que “não parecia possível”, foi executada no mais recôndito sertão, e
este seria o modo comum de adquirir “o domínio pelo direito das gentes”, o qual não poderia
ser contestado.
Para comprovar a posse das terras, Isabel Guedes afirma que estaria enviando os títulos
das sesmarias, dadas ao seu pai pelo vice-rei, Conde de Óbidos, em 1663, e também os dados

351 PROVISÃO do governador de São Paulo e Minas, Conde de Assumar, D. Pedro de Almeida e Portugal,
ordenando aos moradores de Papagaio e aos da Barra do Rio das Velhas, que continuem a pagar foros a Isabel
Maria Guedes de Brito, das terras pertencentes a mesma. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 2, D. 125/COTA
ANTIGA - AHU-Minas Gerais, cx. 2, doc. 51.
352 REQUERIM ENTO de Isabel Maria Guedes de Brito, viúva do co ronel António da Silva Pimentel, ao Rei

[D. João V], solicitando a mercê de ordenar ao governo das minas que não conceda sesmarias em terras que lhe
pertençam. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 2, D.136/COTA ANTIGA -AHU-Minas Gerais, cx. 2, doc. 62.

180
ao Capitão Bernardo Vieira Ravasco, pelo mesmo governador, e que o seu pai havia comprado.
Ao processo, segundo afirma a herdeira, também teria sido anexada uma cópia da polêmica
sesmaria que se estendia até o rio Vainhú.
Com relação a esta sesmaria, ao contrário do que comumente se diz, a filha de Guedes
de Brito, afirma que ela teria sido dada ao seu pai pelo “sesmeiro”, o capitão-mor Brás da Rocha
Cardoso. As terras começariam nas cabeceiras “da sua data”, no rio São Francisco, e abarcaria
“toda a terra que havia por este rio acima até o rio Vainhú”, seguindo da nascente deste rio até
a nascente do rio Paraguaçu353 .
O rio Paraguaçu, nasce no Morro do Ouro, na Serra do Cocal, no município de Barra
da Estiva, na Chapada Diamantina, e fica a uma distância de aproximadamente 1.050
quilômetros, em linha reta, de Ouro Preto, onde se localiza m as nascentes do rio das Velhas. O
local fica a aproximadamente 830 quilômetros da barra do rio das Velhas. Caso a posse desta
sesmaria viesse a ser confirmada, ela seria, possivelmente, a maior propriedade do planeta.
Comentando um parecer do chanceler da Relação do Estado do Brasil, de 1738, que
aceitou a argumentação de que a doação teria sido feita pelo capitão-mor de Sergipe, Erivaldo
Fagundes diz que o entendimento do chanceler sugere “a possibilidade de Brás da Rocha
Cardoso, na condição de sesmeiro dessa área, que extrapola as dimensões permitidas pela
legislação para uma sesmaria, ter transferido sua donataria para Antônio Guedes de Brito”354 .
O autor diz também que as cartas de doação, de confirmação ou transferência das terras de
Guedes de Brito ou de Rocha Cardoso, “por qualquer meio”, não são conhecidas.
No processo, Isabel Guedes diz ainda que é do “conhecimento dos moradores da barra
do rio das Velhas para cima e terras anexas até o sítio do Rodeador” (distrito de Monjolos,
município localizado entre Diamantina e Augusto de Lima), que as terras seriam de sua
propriedade e que todos pagavam arrendamento, como constava de uma declaração passada
pelos mesmos colonos. Depois de relatar a “perturbação” causada pelo governador Antônio de
Albuquerque, ela afirma que o Conde de Assumar, além de conceder sesmarias em suas terras,
teria pretendido “levantar nelas uma vila”.

353 Diz o seguinte o documento:... e da outra que lhe concedeu o sesmeiro o capitão -mor Brás da Rocha Cardoso
no ano de 1684 em confirmação e isenção da que [...] mente tinha das cabeceiras da sua data do rio de São
Francisco de toda a terra que havia por este rio acima até o rio Vainhú e sua nascença com águas [vertentes] de
uma e outra banda e da nascença do dito rio Vainhú até a do rio Paraguaçu toda a terra que entre estas nascenças
houvesse pelo rumo que direitamente lhe tocasse como melhor consta do traslado da mesma s esmaria fol. 2 e
seguinte e pela justificação que fez o mesmo Antônio Guedes de Brito no ano de 1684.
354 Neves, Ibid. p. 120.

181
A vila que Assumar intentou fundar em 1718, a qual se refere Isabel Guedes, deveria
ficar em uma das povoações localizadas entre a barra do rio das Velhas e o sítio do Papagaio, e
seria parte da estratégia do governador para fortalecer a presença das autoridades mineiras e
conter as insolências dos reinóis Manuel Nunes Viana e Manuel Rodrigues Soares, alargando
as fronteiras da capitania.
A iniciativa encontrou grande resistência dos moradores e gerou um conflito que
tomaria grandes proporções. Destacaremos aqui um termo escrito pelo ouvidor geral e
corregedor da Comarca do rio das Velhas, Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha, no dia 20
de novembro, quando, acompanhado do escrivão e dos oficiais de justiça, foi até o Riacho de
Santo Antônio (atual município de Curvelo) com a intenção de fundar a vila.
Segundo o documento, as autoridades foram recebidas por cerca de 400 pessoas,
vindas “do arraial da dita barra, Jabuticabas, Papagaio e mais distritos deste”355 , e, apesar de
terem sido tratadas com toda “veneração e respeito”, foram informadas por um procurador
eleito, chamado Bernardo de Souza Vieira e um capitão de nome Antônio Coelho Ferreira, que
“o povo não consentia na dita vila que vinha levantar”, e que “a impugnaria se fizesse”.
De acordo com os moradores, “o dito país da barra até o Rodeador”, pertenceria a
Bahia, “para onde pagavam tributo assim pelo eclesiástico como pelo secular, digo, como pela
fazenda real”. A decisão teria sido comunicada pelos governadores e vice-reis da Bahia, que
teriam recomendado que não fosse reconhecida nenhuma outra jurisdição. Se dizendo leais
vassalos, teriam afirmado que só consentiriam na fundação da vila com “ordem expressa do
governador do estado da Bahia”. O episódio, que teria sido incitado pelos primos Manuel Nunes
Viana e Manuel Rodrigues Soares, com o apoio do padre Antônio Curvelo de Ávila, provocaria
a ira de Dom Pedro de Almeida e Portugal e renderia uma longa disputa.
Até 1709, a região onde hoje se localiza o norte de Minas, se dividia entre as capitanias
do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. A região mineradora, como destaca Cláudia
Damasceno356 , estava subordinada ao governo da capitania do Rio de Janeiro, e foi Artur de Sá
e Menezes, que governou entre 1697 e 1701, o primeiro representante da coroa a visitar a região.

355 TERMO (traslado) que mandou fazer Bernardo Pereira de Gusmão e Noronha, Ouvidor-geral e corregedor
da Comarca do rio das Velhas, s obre a criação da vila que vinha estabelecer no sítio do Papagaio ou na parte
mais conveniente ao povo barra do rio das Velhas para cima. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 1, D. 70.
356 Damasceno, Ibid, p. 134.

182
Márcio Santos, citando Marcos Paraguassu, diz que, no século XVIII, a capitania da
Bahia se estendia da costa de Sergipe até a foz do rio Pardo e, seguindo pelo leste até o rio São
Francisco, atingiria, pelo sul, uma área disputada com Minas Gerais, entre os vales dos rios
Mucuri, Jequitinhonha, Pardo e Verde Grande357 . Já a capitania de Pernambuco seguia pela
margem esquerda do rio São Francisco até o rio Carinhanha.
Os conflitos deflagrados pela Guerra dos Emboabas, no entanto, forçaram a criação de
uma nova capitania. Diante dos insultos, o Conselho Ultramarino recomendou ao rei que fosse
criado, inicialmente, um conselho ou junta independente do governo do Rio de Janeiro e da
Bahia. Os conselheiros acreditavam, no entanto, que, apesar do pouco rendimento dos quintos,
o ideal seria eleger “uma pessoa de primeira nobreza do reino para governador de São Paulo e
distritos das minas”358 .
Para garantir o reestabelecimento da ordem e a arrecadação dos quintos e dos dízimos,
o governador deveria contar ainda com a colaboração de dois ministros para levantar terço de
infantaria paga. Também deveriam ser fundadas vilas, povoações e igrejas e constituídos
párocos, milícias e justiças. Damasceno lembra que os conselheiros também teriam proposto a
criação de “presídios” e alfândegas em regiões como o Serro Frio e “no curral de Matias
Cardoso (norte de Minas Gerais), de modo a controlar o comércio com a Bahia”359 .
Em 09 de novembro de 1709, o rei, seguindo o parecer de seus conselheiros,
determinou a criação da capitania de São Paulo e das Minas do Ouro e nomeou Antônio de
Albuquerque Coelho de Carvalho como governador, além de dois ministros como auxiliares 360 .
O estabelecimento dos limites da nova capitania geraria uma série de controvérsias e
desentendimentos entre os governadores e a população que vivia ao longo do rio São Francisco,
especialmente com os moradores da região da barra do rio das Velhas.
O conde de Vimieiro, em diversas cartas escritas a Dom Pedro de Almeida, sobre as
insubordinações de Nunes Viana e os distúrbios promovidos para impedir a criação da vila de
Papagaio, afirma que a barra do rio das Velhas não estaria sob a jurisdição da nova capitania.

357 Paraguassu, Marcos. Roteiros de viagem para os sertões da Bahia no século XVIII. In: Neves, Erivaldo
Fagundes; Miguel, Antonieta. Caminhos do sertão: ocupação territorial, sistema viário e intercâmbios coloniais
dos sertões da Bahia. [Salvador]: Editora Arcádia, 2007. p. 201-237. Apud. Santos, Ibid, p. 27.
358 Consultas do Conselho Ultramarino, 1687 – 1710. DHBN, Rio de Janeiro, vol. XCIII. p. 219 a 242. 1951.
359 Damasceno, Ibid, p. 140.
360 Carta régia referente a nomeação de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho para o governo

das capitanias de São Paulo e das Minas do Ouro e sobre o envio de dois ministros do seu conselho para auxiliar
em seu governo e na cobrança do quinto. APM. SG-CX.01-DOC.01.

183
Em carta de 22 de março, o conde aconselha ao governador de Minas que ele se abstenha da
criação da vila, sem “expressa ordem de Sua Majestade”, porque, alega, “todo esse distrito e
ainda a outra parte do rio das Velhas é pertencente e da jurisdição desta capitania da Bahia” 361 .
Segundo ele, os moradores estariam pagando o dízimo à Bahia, condição suficiente para
confirmar a qual jurisdição estariam subordinados.
Atendendo a um pedido do ouvidor geral do rio das Velhas, Dom João já havia
determinado, em carta de 17 de novembro de 1714, ao vice-rei, Marquês de Angeja, que
avaliasse a conveniência de se criar uma ouvidoria no rio São Francisco e uma vila no arraial
de Matias Cardoso. A nova ouvidoria abrangeria uma área de quatrocentas léguas, da barra do
rio das Velhas até a vila de Penedo, e, segundo sugere o ouvidor, para que a “administração ”
da justiça fosse estabelecida na região, bastaria ordenar “a Manuel Nunes Viana que assiste no
tal distrito desse toda a ajuda e favor para que fosse respeitada”362 .
Simeão Ribeiro Pires faz referência a uma carta do Conde de Assumar, dirigida ao
ouvidor do Rio das Velhas, de março de 1720, onde o governador fala da intenção da coroa
portuguesa de estender a capitania de Minas pelo rio São Francisco abaixo, não se detendo
“apenas na barra do rio das Velhas”. Segundo o “aviso de Lisboa”, que ele teria recebido,
“faltava somente ficar assentado os limites pela parte de Pernambuco e Bahia” 363 .

Erivaldo Neves destaca que o conde de Assumar não desistiria de ampliar sua
jurisdição até a barra do rio das Velhas. Segundo ele, teria continuado a “fustigar” a Isabel
Guedes, “estimulando intrigas entre posseiros e seus procuradores”. Com a Ordem Régia de 16
de março de 1720, que separaria a capitania de Minas Gerais de São Paulo364 , o conde sairia
finalmente vitorioso.

361 Carta que se escreveu ao conde de Assumar, governador de Minas. DHBN. Rio de Janeiro, vol. LXXI. p.
52/4. 1946.
362 Criação de ouvidoria no rio de São Francisco. APEB - Ordens régias - vol 08, doc 90.

363 Pires, Ibid. p. 170.


364 Trecho do alvará régio de 02 de Dezembro de 1720, de Dom João V, que separou a capitania de Minas
Gerais de São Paulo. “Eu El Rei Faço saber aos que este meu Alvará virem que tendo consideração ao que me
representou o meu Conselho Ultramarino e as representações que também me fizeram o Marquês de Angeja do
meu Conselho de Estado do Brasil e Dom Braz Baltazar da Silveira no tempo que foi Governador das Capitanias
de São Paulo e Minas, e o Conde de Assumar Dom Pedro de Almeida, que ao presente tem aquele Governo, e
as informações que tomaram de várias pessoas que todas uniformemente concordam em ser muito conveniente
a meu serviço e bom governo das ditas Capitanias de São Paulo e Minas e a sua melhor defesa, que as de São
Paulo se separem das que pertence às Minas, ficando dividido todo aquele distrito que até agora estava na
jurisdição de um só Governo em dois Governos e dois Governadores”; Revista Várias Minas: Encruzilhad a
de histórias. Formação do Território e povoamento dês Minas. Belo Horizonte: Superintendência de Bibliotecas,

184
Os limites da nova capitania de Minas com a Bahia seriam estendidos até a barra do
rio Verde Grande, incorporando o rio das Velhas, e, posteriormente, o rio Pardo e o Verde
Pequeno. Neves destaca que tais limites não avançaram mais “porque os habitantes do Sertão
da Ressaca reagiram, reivindicando a permanência da sua vinculação político-administrativa à
Bahia”365 .
Em abril de 1721, o governador Dom Lourenço de Almeida manda publicar um bando
dando cumprimento à ordem real que determinava fossem observadas as divisões da capitania
de Minas sugeridas pelo Conde de Assumar. O limite com a capitania de Pernambuco seria
definido pela comarca do rio das Velhas, se estendendo da barra daquele rio, no São Francisco,
até o rio Carinhanha. Já o limite com a capitania da Bahia seria determinado pela comarca do
Serro Frio, que seguiria todo o curso do rio Verde Grande até o arraial de Matias Cardoso366 .
O alargamento da jurisdição da capitania de Minas não agradaria a população do vale
do São Francisco. Vasco César de Menezes, em carta de 26 de agosto de 1721, para Januário
Cardoso, confirma o recebimento do edital do governador de Minas, remetido por Cardoso, e
insinua que ele também lhe havia apresentado as queixas dos moradores. Diz o documento:
será preciso que alguns homens mais práticos , e inteligentes nesses distritos , façam
representação, ou requerimento dobre esta matéria, expondo com individuação o
prejuízo que se segue de serem sujeitos à jurisdição das Minas, e não à desta Bahia,
de onde o foram desde a criação daquele governo 367 .

Mais uma vez, em 25 de fevereiro de 1725, Vasco César de Menezes escreve a Januário
Cardoso comunicando que estaria enviando o edital sobre até quais os distritos deveria chegar
a jurisdição de Minas pela parte da Bahia, e também outro de sua autoria, “em virtude da
Provisão que tive de Sua Majestade que Deus guarde, de que ele faz menção para fazer observar
provisionalmente aquela divisão”368 . O edital deveria ser publicado nos lugares mais públicos
dos distritos.
Eclesiasticamente a região norte mineira continuaria sendo subordinada aos
arcebispados da Bahia e de Pernambuco até 1854, quando seria criada a arquidiocese de

Museus, Arquivo Público e Equipamentos Culturais da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas
Gerais. p.23. 2020. Disponível em: https://www.secult.mg.gov.br/minas300anos. Acesso em: 11.02.202.
365 Neves, Ibid. p.162.
366 Revista do APM, vol. VI. p.591/4, apud. Pires, Ibid. p. 175/6. Anexo G.
367 Carta que se escreveu a Januário Cardoso de Almeida. DHBN. Rio de Janeiro, vol. XLIV. p. 136. 1939.
368 Carta para Januário Cardoso de Almeida com edital de decisão dos governos. DHBN. Rio de Janeiro, vol.

LXXII. p. 45. 1946.

185
Diamantina. Até essa data, a região localizada na margem esquerda do rio São Francisco ,
pertencia ao arcebispado de Pernambuco, e a da margem direita, ao arcebispado da Bahia.
Em mais uma tentativa de confirmar a posse das terras localizadas nos distritos da
parte de cima da barra do rio das Velhas, em janeiro de 1723, Isabel Guedes encaminharia novo
requerimento a D. João V, solicitando que as sesmarias fossem certificadas e declaradas como
sendo suas. A herdeira pede que não seja mais inquirida quanto a posse das terras localizadas
no governo de Minas Gerais e também que fossem restituídos os sítios que lhe haviam sido
retirados “por falsas informação de estarem desocupadas”369 .
Para solucionar o caso, D. João determina ao governador das Minas que se informe,
para confirmar a veracidade “dos títulos que a suplicante apresentou”. De acordo com o
documento, nas justificações e documentos, “apensos”, a herdeira havia demonstrado que o seu
pai, o mestre-de-campo, Antônio Guedes de Brito, havia conquistado as terras.
Em resposta à petição, em agosto de 1724, será realizado um auto de inquirição de
testemunhas pelo corregedor Luís de Souza Valdes, da comarca do Rio das Velhas. No dia 11
daquele mês, na Vila Real de Nossa Senhora da Conceição (Sabará), seriam ouvidas três
testemunhas: o coronel Martim Afonso de Melo 370 , de 52 anos, “morador no mato dentro [...]
digo morador dentro do mato das minas”, o padre Paulino Pestana de Souza, de 54 anos,
morador na mesma vila, e o padre Manoel das Neves Fontes, clérigo do hábito de São Pedro,
de 56 anos, morador no lugar chamado Pompeu371 .
Afonso de Melo disse ter sido procurador de Antônio Guedes de Brito, e que há 17
anos pagava “rendas à dita casa e de todo o tempo que possuiu a fazenda que [teve] no sítio do
Papagaio”. Afirmou que conhecia os Guedes de Brito há 38 anos, e que o mestre-de-campo
teria sido o “descobridor do rio de São Francisco e rio das Velhas, extinguindo das ditas partes
o gentio bárbaro, gastando no dito descobrimento quantidade de cabedal”. Disse que Guedes
de Brito teria comprando “a metade das ditas terras a Bernardo Vieira Ravasco, secretário de
estado do governo da Bahia”, e que teria sido sucedido nos descobrimentos pelo seu genro, o

369 REQUERIM ENTO de Isabel Maria Guedes de Brito, viúva do Coronel António da Silva Pimentel e
moradora na cidade da Bahia ao Rei [D. João V] solicitando provisão onde se certifiquem e declarem as suas
sesmarias. AHU_CU_BAHIA, Cx. 16, D. 1407.
370 Afonso de Melo, como já vimos, possuía inúmeros negócios co m Atanásio Cerqueira.
371 AUTOS de inquirição de testemunhos feitos pelo corregedor Luís de Sousa Valdez, da Comarca do rio das

Velhas, sobre Isabel Maria Guedes Brito, filha do mestre-de-campo Antônio Guedes de Brito, descobridor dos
sertões da Bahia, rio de São Francisco e rio das Velhas. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 5, D. 440/COTA
ANTIGA - AHU-Minas Gerais, cx. 5, doc. 47.

186
coronel Antônio da Silva Pimentel, que teria “vindo em própria pessoa à diligência, e mandara
continuar nela por seus feitores e administradores até a barra do Rio das Velhas”, tendo,
inclusive, mandado abrir estradas até o Curral Del Rei (lugar onde hoje se localiza o munic íp io
de Belo Horizonte) 372 .

Figura 28 – Encontro do rio São Francisco e das Velhas na Barra do Guaicuí, visto do Morro da Manga, no
distrito de Porteira – Várzea da Palma/Pirapora/MG – Acervo pessoal .

De acordo com a testemunha, Manuel de Borba Gato, Domingos Rodrigues da Fonseca


e o padre Paulino Pestana de Souza eram procuradores de Antônio da Silva Pimente l,
responsáveis pelo arrendamento para a lavoura das terras “descobertas e ocupadas”, que não
“fossem capazes de darem ouro”. Toda a renda deveria ser destinada à viúva Isabel Guedes,
“por ordem de Manoel Nunes Viana”, procurador da família.
A segunda testemunha, o padre Paulino Pestana de Souza373 , pároco na igreja de Nossa
Senhora do Bom Sucesso, no arraial de Matias Cardoso, disse que, como havia nascido na

372 É possível que esta seja a estrada construída por Antônio Gonçalves Figueira e que tenha sido financiada
por Guedes de Brito. Como veremos, o baiano teria sido responsável pela ida de Matias Cardoso para o norte
de Minas em 1684.
373 Primeiro cura da igreja do arraial de Matias Cardoso, o mesmo que batizou Maria Brandão, em 1701, e Luís

de Cerqueira, em 1703, filhos de Atanásio Cerqueira.

187
cidade da Bahia, sempre ouviu dizer que o próprio Antônio Guedes de Brito teria sido
responsável pelo descobrimento “dos sertões da Bahia para o rio de São Francisco e rio das
Velhas”, e que também teria mandado outras pessoas “a esta diligência à sua custa para
extinguir o gentio bárbaro”.
Contudo, a afirmação mais relevante feita pelo clérigo seria a de que ele teria ouvido,
do próprio mestre-de-campo Matias Cardoso de Almeida, que há “vinte quatro anos, pouco
mais ou menos”, ele havia vindo de São Paulo por ordem de Guedes de Brito, juntamente com
o baiano Marcelino Coelho, “desinfestar os ditos sertões do gentio bravo, ao qual se chamava
naió”. De acordo com o pároco, ele sabia de tais fatos porque nessa época já era morador no
arraial, localizado “há cerca de duzentas léguas de sertão à cidade da Bahia”. Segundo ele,
Guedes de Brito, além de financiar a batalha, teria dado “um grande prêmio” ao mestre-de-
campo paulista.
O cura afirma ainda que o coronel Antônio da Silva Pimentel, marido de Isabel Guedes,
teria continuado a conquista e, posteriormente, teria chamado o paulista João de Góis, para
continuar o descobrimento do rio das Velhas, “ao qual deu todo o necessário para vir neste
descobrimento até estas minas, as quais havia breve anos estavam descobertas pelos paulistas ”.
Pestana informou ainda que há aproximadamente 24 anos, ou seja, por volta de 1700, Antônio
da Silva Vasconcelos havia arrendo ao coronel Antônio da Silva Pimentel um sítio que fica va
a seis léguas da barra do rio das Velhas e outro no rio Pacuí. Disse ainda que, há dezenove ou
vinte anos, ele próprio também teria pedido os “aforamentos de dois sítios na barra do rio
Parauna, quatro ou cinco dias de jornada destas minas”.
Por fim, o pároco confirmou que o coronel havia passado procuração nomeando Borba
Gato e Domingos Rodrigues da Fonseca como seus representantes para arrendarem as terras,
mas que estes foram impedidos pelo governador Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho,
que começou a “passar cartas de sesmarias”.
O padre Manoel das Neves Fontes, terceira testemunha a depor, disse ser morador no
rio São Francisco há muitos anos, e também confirmou que Guedes de Brito teria sesmarias “da
barra do rio das velhas para cima”. De acordo com ele, Salvador Fernandes de Quadros, que
teria sido procurador de Guedes de Brito, havia lhe dito que o mestre-de-campo lhe ordenou
que “viesse descobrir sítios pela barra do rio das Velhas acima, de uma banda e outra”. A
informação mais relevante dada por este padre, no entanto, é a de que as terras conquistadas

188
por Guedes de Brito, no São Francisco, faziam “divisa com as terras do coronel Francisco Dias
de Ávila”.
A presença dos Dias de Ávila no norte de Minas ainda é um assunto pouco abordado,
mas alguns documentos sobre os quais trataremos aqui não deixam dúvida de que os domínios
desta família também se estenderam até esta região. Embora nos processos existentes nos
arquivos do Conselho Ultramarino os Ávila tenham apresentado sempre a cópia das sesmarias
das terras do rio São Francisco até a foz do Salitre, na região localizada entre as capitanias da
Paraíba, Pernambuco e Piauí, eles também garantiram propriedades no norte de Minas. Como
afirmou o padre Manoel das Neves Fontes, os potentados baianos também conseguira m
assegurar a posse de terras localizadas nas margens do São Francisco, entre a barra do rio
Grande do Sul até a barra do rio Urucuia, já bem próximo da barra do rio das Velhas, em terras
mineiras.
Isto é o que declara o próprio Garcia de Ávila Pereira em um requerimento datado de
04 de março de 1728, no qual ele pede licença a D. João V para erigir uma vila, “em suas terras
do rio Grande do Sul”374 , que estariam sendo invadidas pelos índios que viviam naquela região.
Garcia de Ávila diz que ele era “senhor e possuidor na capitania de Pernambuco das terras que
começam na barra do Rio Grande e acabam no rio Urucuia, por si e seus antecessores” e que
tais terras estariam sendo arrendadas, “mansa e pacificamente de mais de cinquenta e cem
anos”, a várias pessoas que “pagavam renda”, onde criavam gados e faziam “os mais usos que
lhes parecem convenientes”.
No documento, Garcia de Ávila afirma que pretendia criar uma povoação de índios
mansos, como já havia feito bem sucedidamente no Piauí, onde mantinha, há quase 12 anos, à
sua custa, um arraial. Ávila Pereira afirma que os índios mansos que teriam sido levados para
o Piauí para socorrer seus colonos haviam sido reunidos na região do rio São Francisco pelo
governador dos índios Francisco Dias Mataroá.
A criação do arraial deveria ser feita com urgência porque os índios estariam
praticando “repetidos assaltos” nos sítios, comentendo “continuadas hostilidades” contra os

374 REQUERIM ENTO do Coronel Garcia de Ávila Pereira ao Rei [D. João V], pedindo que se ordene ao
governador da capitania de Pernambuco, [Duarte Sodré de Pereira Tibão], ponha, à custa do suplicante, um
arraial de índios mansos nas suas terras do Rio Grande [de São Francisco], para proteção dos seus colonos e
rendeiros contra os gentios bravos, inquietados pela guerra que lhes tem feito o capitão -mor do distrito, Manuel
Alves de Sousa. AHU_CU_PERNAMBUCO, Cx. 37, D. 3312.

189
seus colonos, promovendo grandes danos, e atemorizando os moradores que estariam vivendo
“em grande desassocego”. Os colonos estariam exigindo que ele os defendesse ou então lhes
entregasse as terras para que eles próprios pudessem fundar à sua propria custa o arraial com
“gentio manso que os defenda”.

Figura 29 – Encontro dos rios São Francisco e Urucuia - São Romão/MG – Acervo pessoal .

O coronel solicita a D. João que ordene ao governador de Pernambuco que mande


índios de sua capitania para formar o arraial em suas terras no Rio Grande, e que, se necessário,
também peça ajuda ao vice-rei, tudo à sua custa. De acordo com ele, os ataques haviam
começado depois que o capitão-mor do Rio Grande do Sul, Manuel Alvares de Souza, inicio u
uma guerra contra os índios da região e, além de não ter conseguido destruí-los, nem domesticá-
los, teria inquietado ainda mais um “outro muito que não fazia dano algum”.
Segundo a sua diligência de habilitação a familiar do Santo Ofício, feita em 1701,
Manuel Alvares de Souza também era minhoto, natural de Santo André de Molares, termo da
vila de Celorico de Bastos, comarca de Guimarães, no arcebispado de Braga e morava no
distrito de Paranaguá, freguesia de São Francisco da Barra do Rio Grande do Sul, do bispado
de Pernambuco. Quando o processo de habilitação teve efeito ele já era capitão-mor do Rio
Grande do Sul375 .
De acordo com um dos depoentes ele vivia no sertão do São Francisco há cerca de 14
anos. No livro de notas de Atanásio Cerqueira ele faz referência a um capitão-mor chamado

375
DILIGÊNCIA de Habilitação de Manuel Álvares de Sousa. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO /Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Manuel, mç. 264, doc. 1813.

190
“Manuel Alvres”, que possívelmente é o mesmo a que Garcia Pereira faz referência. Em carta
escrita pelo Marquês de Angeja para Atanásio Cerqueira, em novembro de 1715, tratando sobre
a guerra contra os índios que estariam atacando os moradores daquela região, o governador
geral pede a este informações sobre a capacidade e experiência do capitão-mor Manuel
Alvares376 .
A richa entre o potentado da Casa da Torre e Alvares de Souza deve ter surgido quando
Garcia de Ávila pretendia fazer do paulista Mateus Leme capitão-mor do Rio Grande do Sul e
também comandante da guerra contra os índios que estariam descendo do Maranhão e
ameaçavam se juntar aos índios do rio São Francisco. Em carta do Marquês de Angeja, escrita
ao governador de Pernambuco, Dom Lourenço de Almeida, em dezembro de 1715, este diz que
havia concedido licença a Garcia de Ávila para fazer a guerra, mas que já havia enviado pela
frota pedido de confirmação ao rei da patente de capitão-mor do Rio Grande em nome de
Manuel Álvares377 .
Também teria determinado ao capitão que este comandasse a guerra, porque outros
moradores da Bahia, importantes fazendeiros naquela região, estariam interessados em
financiar a empreitada. Além disso, argumenta o governador, ele estava em Salvador, era
experiente e muito empenhado “em evitar a ruína”, porque possuía “muitos currais” na região.
O marquês diz ainda que os sertões são muito “dilatados”, e seria impraticável que Garcia de
Ávila “possa ao mesmo tempo mandar fazer guerra ao gentio por toda a parte”.
Em 1716, Manuel Álvares de Sousa foi reconduzido ao posto de capitão-mor da
freguesia de São Francisco do Rio Grande do Sul, por mais três anos, por Dom Lourenço de
Souza, governador de Pernambuco 378 . Os desentendimentos entre Manuel Álvares e os
mandatários da Casa da Torre se acirraram ainda mais em 1739, quando ele ocupava o posto de
mestre-de-campo da conquista do gentio bárbaro dos sertões da capitania de Pernambuco e
Bahia, e denunciou os excessos de João de Araújo Costa, procurador da Casa da Torre na região
da barra do rio Salitre e na vila de Jacobina379 .

376 Carta que se escreveu a Atanásio Cerqueira de Serqueira Brandão. DHBN, Rio de Janeiro, vol. 42, p.298/9.
1938.
377 Carta que se escreveu ao governador de Pernambuco Dom Lourenço de Almeida. DHBN, Rio de Janeiro,

vol. 40, p. 67/9. 1938.


378 MANUEL ÁLVARES DE SOUSA - Carta. Capitão-mor da freguesia de S. Francisco do Rio Grande do Sul,

por 3 anos. Filiação: Francisco Álvares de Sousa. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Regist o


Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, f.63v.
379 REQUERIM ENTO do mestre-de-campo da conquista do gentio bárbaro dos sertões da capitania de

Pernambuco e Bahia, Manuel Alvares de Sousa ao rei [d. João v] solicitando que o [vice-rei e capitão-general

191
A afirmação de Garcia de Ávila Pereira de que seus antepassados já possuiam as terras
da barra do Rio Grande até o rio Urucuia380 há mais de 50 anos talvez tenha ligação direta com
a doação da sesmaria para os irmãos Sertão em 1674. É bom lembrar que cinco meses após
receber a carta de doação, Domingos Afonso Sertão seria nomeado capitão da infantaria da
ordenança do terço que Francisco Dias de Ávila formou para combater os índios Guarguas.
Também foi ao lado desses dois irmãos que os Ávila receberam suas sesmarias e estabeleceram
fazendas no rio Salitre até o Piauí.
Não podemos nos esquecer ainda, como já ficou dito, de que Afonso Sertão também
teria sido vaqueiro “de uma Maria Raimoa primeiro movel da Casa que hoje chamam Gracia
[sic] de Avila, ou casa da Torre”381 . É possível que Afonso Sertão tenha explorado as terras da
região do rio Verde Grande até o rio das Velhas antes mesmo de 1674, financiado pelo próprio
Francisco Dias de Ávila e recebido a sesmaria como prêmio.
Ao comentar as concessões das sesmarias dadas aos irmãos Sertão, Santos questiona
a afirmação feita por Carrara de que, tais consessões, poderiam indicar a existência de um
movimento partindo do Piauí em direção ao vale do rio das Velhas, no norte de Minas, ainda
no ano de 1674382 . Segundo ele, apenas duas cartas de sesmaria não chegariam a configurar um
movimento a partir do Piauí em direção a Minas Gerais. “Para isso seria necessaria a existenc ia
de outras concessoes semelhantes, para a mesma região e no mesmo periodo, em que se
pudessem identificar tendencias de deslocamento ”383 .
Como poderemos verificar ao longo deste trabalho, além das sucessivas patentes
concedidas aos colaboradores do regimento de Garcia de Ávila que estiveram no Piauí, para
atuarem no norte de Minas, vários outros proprietários de terras do Piauí também estabelceria m
currais de gado na região. A partir das anotações de Atanásio Cerqueira podemos identificar

do Estado do Brasil], conde de Sabugosa Vasco Fernandes César de Meneses execute a diligência contra os
excessos de João de Araújo Costa. AHU_CU_BAHIA, Cx. 66, D. 5553.
380 É bom destacar que a distância entre o município da Barra, no estado da Bahia, onde o rio Grande encontra

o São Francisco, até a foz do rio Urucuia, no norte de Minas, é de aproximadamente mil quilômetros em linha
reta.
381 [Carta do ouvidor da comarca do Piauí ao rei], 02/05/1754. ANTT. Min istério do Reino, maço 312, caixa

417. Apud, Santos, Ibid. p. 209.


382 Carrara, Angelo Alves. Minas e currais: produção rural e mercado interno em Minas Gerais: 1674-1807.

Juiz de Fora: Editora UFJF, 2007. p. 116. Apud, Santos, Ibid. p. 139.
383 Santos, Ibid. p. 210.

192
alguns nomes como Nicolau Lopes Fiúza384 , João Correia do Lago385 , Dionísio Correia do Lago
e outros.
Entre os colonos que arrendavam as terras de Garcia de Ávila na região estavam o
próprio Atanásio Cerqueira e o seu genro e sobrinho Januário Cardoso de Almeida. Como já
vimos, o reinol faz várias anotações sobre o pagamento dos arrendamentos à Casa da Torre. Em
uma delas, já citada, referente ao ano de 1719, ele diz que Ávila Pereira lhe devia dez mil réis
pelo pagamento do arrendamento das terras ocupadas por Francisco Alves Ferreira e Januário
Cardoso, no sítio do Paracatu. Atanásio Cerqueira afirma que já havia feito o pagamento, em
1711, e os arrendatários teriam pago novamente ao procurador da Torre, Antônio Serqueira
Campos. Também em outra anotação já referida, do ano de 1719, o reinol confirma os limites
das terras da Casa da Torre no norte de Minas. Atanásio Cerqueira diz:
Declaro que das fazendas do Paracatu para cima não se devem rendas à Torre por as
terras não lhe pertencerem do Rio Urucuia para cima e a dita Torre me é devedora em
boa consciência do que de mim tem recebido o que eu lhe tenho pago na suposição de
que eram suas.

Em seu livro “A idade do ouro do Brasil”, Boxer escreve que “Manuel Nunes Viana
conseguiu fama e fortuna como agente ou administrador das fazendas de criação que pertenciam
à herdeira de Antônio Guedes de Brito, no vale do Rio São Francisco”386 . É assim que o reinol
é comumente conhecido. Mas o fato das fazendas da Tabua e do Escuro, pertencentes a Manuel
Nunes Viana, estarem localizadas na capitania de Pernanbuco, apesar dele ser sempre referido
como procurador de Isabel Guedes de Brito chamou a atenção de alguns historiadores. Urbino
Viana, fazendo referência à Capistrano de Abreu, diz que Manoel Nunes Viana era uma
interrogação sem resposta para aquele historiador que afirmava ser preciso elucidar alguns

384 Carta de sesmaria lavrada pelo governador de Pernambuco Francisco de Castro Morais, concedendo ao
capitão Nicolau Lopes Fiúza e a João Lopes Fiúza, moradores no Recife, quatro léguas de terra de comprido
sobre outras tantas de largura, no sertão de Parnaguá, que a sua custa descobriram, desde a serra Vermelha, s
pelo rio Gurguéia, por uma parte e outra do dito rio, partindo peio lado do sul com os campos
de São Pedro, povoação pertencente a Baltasar Carvalho da Cunha, e das cabeceiras do dito rio e nascenças dos
gerais até o rio da Parnaíba e seus riachos, de um rio a outro, até partir com as povoações do Piauí. p. 71.
385 CARTA de Sesmaria. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês

de D. João V, liv. 19, f.267. Carta de sesmaria passada em 1728, por João da Gama, governador e capitão geral
do Maranhão, a João Correia, morador na capitania do Piauí que possui “terras próprias” nos campos do Iguatu,
para “povoar uma fazenda” e criar “gado vacum e cavalar”.

386 Boxer. Ibid. p. 245

193
pontos obscuros sobre a sua vida. Entre eles destaca o motivo de “sua residência à esquerda do
São Francisco, quando sua constituinte era proprietária na margem oposta?”387 .
Algumas anotações feitas por Atanásio Cerqueira e um documento existente nos
arquivos do Conselho Ultramarino esclarecem este fato. Como podemos ver, o seu primo,
Nunes Viana, já atuava em nome de Garcia de Ávlia Pereira, desde muito antes de se tornar
procurador da herdeira dos Guedes de Brito. É bom lembrar que Atanásio Cerqueira afirma ter
pagado os restos dos dízimos referentes ao ano de 1695, que Manoel Nunes Viana e Manoel
Rodrigues Soares haviam ficado devendo ao capitão André Gomes Raposo, referente as contas
do gado da fazenda Tabua.

Figura 30 – Castelo de Garcia de Ávila – Tatuapara – Mata de São João/BA – Acervo pessoal.

Esta propriedade fica localizada entre a foz do rio Carinhanha e o rio Urucuia, em
terras reivindicadas por Ávila Pereira. Este fato pode indicar que a atuação do mestre-de-campo
como procurador da Casa da Torre deve ter se iniciado ainda nesta época. Certo é que, tanto

387 Viana, Ibid. p. 51.

194
Atanásio Cerqueira quanto os seus dois primos, já eram foreiros dos Ávilas antes mesmo de
1695.
Na página 73v de seu livro, destinada às contas com os Ávila, o reinol diz que pagou
ao potentado baiano 20 mil réis por dois anos de arrendamento, “que recebeu meu primo o
mestre-de-campo Manoel Nunes Viana pelo sítio de São Romão”. Nos assentos seguintes,
todos de 1719, ele diz que devia “as rendas dos sítios de julho para cá, o que se verá da clareza
do senhor meu primo, e dos mais sítios que comprei do dito tempo para cá”. Ou seja, naquele
ano Atanásio Cerqueira já havia adquirido algumas propriedades pertencentes à Casa da Torre
e insinua que também ele recebia alguns aforamentos.
Na mesma página, como já dissemos, ele afirma que estaria devendo a Ávila Pereira,
“o que devia o defunto Francisco de Araújo de Aragão da renda destes sítios da Carinhanha ”.
Ao que parece, Francisco de Araújo não havia feito o pagamento à Casa da Torre antes de
vender a propriedade a ele. No final das notas desta página ele escreve que já havia ajustado “a
conta das rendas até este ano de 1721”, como constaria das quitações do mestre-de-campo
Manuel Nunes Viana.
Em algumas anotações anteriores, referentes as contas do ano de 1716, na página 40v,
Atanásio Cerqueira diz que Leandro de Melo e Figueiredo devia a ele 125 mil réis que ele havia
pagado a Nunes Viana, “da conta dos arrendamentos que o dito senhor devia do sítio do Riacho
como consta do recibo que me passou o senhor mestre-de-campo o qual está no maço dos
recibos”. Na sequência, na página 41v, também referente ao mesmo ano, quanto trata das contas
de seu primo, o capitão-mor Gregório de Abreu Pereira, o reinol anota que ele lhe devia 32
oitavas de ouro, “que por sua ordem mandei ao mestre de campo Manuel Nunes por conta das
rendas dos sítios do rio Corrente”.
Na página 104v, do ano de 1725, Luis Gomes devia 45 mil réis de um crédito que
havia passado de parte dos arrendamentos do ano de 1724 e 1725. Os valores anotados pelo
reinol correspondem exatamente ao apontado por Antonil, segundo o qual os herdeiros de
Antonio Guedes cobravam dos seus arrendatários, “cada ano dez mil réis de fôro”388 , em um
sítio “ordinariamente” de uma legoa.
Em um requerimento de 1724, em que o coronel Garcia de Ávila Pereira solicita ao rei
D. João V o traslados das ordens relacionadas às terras que deveriam ser destinadas às missões

388 Antonil, Ibid. p. 200

195
dos índios, ele afirma que Nunes Viana possuia uma procuração que lhe dava poderes para
arrendar as suas terras, “da Barra do Rio Grande para cima”389 . O documento trata de uma
disputa entre Ávila Pereira e os moradores da ilha de Pambú, localizada no rio São Francisco,
no sertão das Rodelas. De acordo com o requerente, ele teria separado “a porção consignada
pela ordem de S. M.” à missão indígena para os párocos, mas que algumas pessoas, sem
“consentimento e permição”, teriam se estabelecido na ilha, e suas “casas, roças e criações”,
lhe causavam grande dano, impedidno que ele fizesse pastos para a instalação de um curral de
éguas.
O coronel diz que já teria recebido sentença favorável do juiz de Rodelas em fevereiro
de 1723 para a desocupação, mas os moradores haviam “subornado” o escrivão, e impedido a
desapropriação. Entre elas estaria Pascoal Maciel de Faria, “levantados e postos com arma”,
que alegava ser o capitão do distrito e que teria autorização do mestre-de-campo Manuel Nunes
Viana para residir na ilha. Ao que Ávila Pereira contesta dizendo que, “a companhia do distrito
não compreende só aquela ilha, senão todo o mais sertão daquela freguesia ”, e que, a licença
dada a Nunes Viana, não deveria ser considerada “porque a procuração que tem do suplica nte
só lhe dá poderes da Barra do Rio Grande para cima, distante da dita ilha mais de 150 léguas”.
Ao contrário do que verificamos em outras regiões, onde as disputas pelas terras entre
os moradores e os membros das famílias dos Ávila e dos Guedes de Brito eram constantes, não
identificamos nenhum processo relacionado a área pernambucana pertencente aos Ávilas no
norte de Minas. Atanásio Cerqueira, seus primos e os diversos proprietários que são citados no
livro do reinol, e que viviam na região, ao que parece, não faziam objeção a posse das terras
pela Casa da Torre, e pagavam religiosamente os seus aforamentos, tendo adquirido
posteriormente as terras. Provavelmente por temor a presença de Nunes Viana e seus primos.
Dois outros documentos produzidos posteriormente reforçam ainda mais a posse dos
Ávilas da mergem pernambucana do rio São Francisco no norte de Minas. O primeiro deles
trata de um pedido feito ao rei pelo vigário da igreja de Santo Antônio da Manga, Padre Manuel
Rodrigues Neto, e pelos moradores da freguesia do rio de São Francisco, solicitando ao monarca
que este intercedesse junto aos proprietários da Casa da Torre de Garcia de Ávila, para que

389 REQUERIM ENTO do coronel Garcia de Ávila Pereira ao rei [D. João V] solicitando que se lhe mande dar
os traslados das ordens sobre terras sinaladas ao gentio das missões que se acham registradas na secretaria do
Estado do Brasil. AHU_CU_BAHIA, Cx. 20, D. 1784.

196
estes lhes concedessem uma légua de terra para a construção “dos aposentos do padre e casas
para os moradores”390 .
No requerimento, feito em maio de 1727, o vigário alega que o rei já havia determinado
aos herdeiros da Torre que concedessem, “uma légua de terra para no circuito dela fazerem
povoação”, em todas as freguesias do sertão situadas no rio São Francisco, “pelo grande número
de moradores de que todas se compõem”. De acordo com o pároco, as freguesias de Rodelas,
Rio Grande do Sul, Pambú, Piauí e Urubu, todas situadas em terras pertencentes “a casa da
Torre, de Garcia de Ávila” já haviam sido beneficiadas.
O religioso afirma que, “naqueles sertões tem a dita casa seiscentas léguas de terra”, e
que a freguesia de Santo Antônio da Manga também está situada “no mesmo sertão da Casa da
Torre e nas referidas terras dela”, mas que ainda não havia conquistado a légua de terra.
Insinuando que também no local havia um grande número de moradores que desejavam
construir suas moradas junto à igreja, ele sugere o local onde deveria se localizar a doação:
“Tendo a dita légua de terra princípio na dita igreja por estar à beira do rio de São Francisco, a
[...] pela terra acima e de largura meia légua de cada parte da dita igreja”.
Em novembro do ano seguinte é a vez do capelão Pedro Fernandes de Inojoza Velasco,
também vigário de Santo Antônio da Manga, de se dirigir ao rei, solicitando ornamentos para a
igreja. O pároco diz que “achou a dita vigaria sem matriz, nem ornamentos algum para se poder
celebrar os cultos divinos”391 e que os moradores estariam construindo o templo à sua custa,
gastando “muito cabedal”, e não teriam condições de arcar com os ornamentos. O religioso
pede então que o monarca mande “dar um ornamento rico, com todo o seu necessário para
poder celebrar os cultos divinos”.
O segundo documento que relaciona a Casa da Torre ao norte de Minas é bem posterior.
Trata-se de um requerimento feito no ano de 1746 pelo ouvidor-geral do Serro Frio, Custódio
Gomes Monteiro. No documento, o ouvidor solicita ao rei que fosse criada uma nova vila, com

390 REQUERIM ENTO do vigário da igreja de Santo de Manguá na freguesia do rio de São Francisco, Padre
Manuel Rodrigues Neto, e dos moradores da dita freguesia ao rei [D. João V], pedindo a concessão de u ma
légua de terra pertencente à casa da torre de garcia d’ ávila para construção dos aposentos do padre e casas para
os moradores. AHU_CU_PERNAMBUCO, Cx. 35, D. 3236.
391 REQUERIM ENTO do Pe. Pedro Fernandes de Inojosa Velasco, vigário de Santo António de Ma nga,

Comarca do Serro do Frio, solicitando a mercê da doação de um ornamento rico para poder celebrar os cultos
divinos. AHU_CU_MINAS GERAIS, Cx. 13, D. 1101.

197
juiz ordinário, tabelião, alcaide, escrivão e porteiro, no arraial de Jequitaí, Almas ou Barreiras,
ou que seja nomeado juiz para o sertão da comarca392 .
O requerimento motivou uma provisão real datada de 08 de julho de 1748
determinando uma inquirição de testemunhas que conhecessem profundamente o sertão do rio
São Francisco e que fossem capazes de dizer quais os arraiais e aldeias existiam na região.
Também se as terras seriam de sesmarias de particulares, devolutas ou “realengas”; qual o
número de casas e de moradores de cada arraial; qual a invocação de suas paróquias; o número
de fregueses e as divisas entre estes, a vila do Príncipe e as demais vilas.
Foram ouvidos Luís Mendes Teixeira de Miranda, que havia servido como juiz de
órfãos trienal da Vila do Príncipe (Serro Frio) e João Freire da Fonseca, juiz em exercício ,
ambos naturais da cidade do Rio de Janeiro e moradores na vila. Segundo as testemunhas, a
última povoação da comarca seria o arraial velho dos Morrinhos, que ficava há 152 léguas da
vila do Serro Frio, na beira do rio São Francisco, “em terras de sesmarias pertencentes a João
de Saldanha da Cidade da Bahia e à Casa da Torre da mesma cidade”. Em uma distância de
pouco mais de 70 léguas, rio acima, também em terras de “sesmarias foreiras ao mesmo João
de Saldanha e Casa da Torre”, ficaria a fazenda chamada Barreiras, “de sesmarias, mas de
particulares”, que teria “duas ou três casas albergues de passageiros” para as pessoas que faziam
a passagem de São Romão, distrito localizado na outra margem do rio São Francisco.

3.3 – Reinóis, paulistas, baianos e pernambucanos no sertão do São Francisco – fazendas


e povoações

No documento citado acima, as testemunhas afirmam que o arraial Velho era assim
chamado “porque em outro tempo existia ali uma pequena povoação”, mas que esta havia sido
transferida por Januário Cardoso para outro ponto, duas léguas acima. No local, onde residiam
cerca de 20 moradores, Januário Cardoso havia construído um “templo” por invocação de Nossa
Senhora da Conceição, que ainda não teria sido elevado a paróquia, sendo ainda “uma capela”,

392 CARTA do ouvidor-geral do Serro do Frio, Custódio Gomes Monteiro, ao rei [D. João V], sobre ser preciso
criar-se no sertão da sua comarca dois juízes pedaneos [juízes locais] nos arraiais de São Romão e Papagaio.
AHU_CU_BRASIL-GERA L, cx. 10, D. 900.

198
cujo capelão seria pago por Caetano Cardoso, filho de Januário Cardoso e que era o atual
“senhor da dita capela”.
Três léguas da fazenda das Barreiras, pelo rio acima, ficava a foz do rio Jequitaí, onde,
segundo os depoentes, “há tal ou qual comércio de sal que para aí se transporta em canoas, e
habitam ali três ou quatro moradores”. Mais quatro léguas, também subindo o rio São Francisco,
ficava a barra do Rio das Velhas, onde, declaram, existia um pequeno arraial chamado a Porteira
das Almas, com cerca de 20 moradores, com uma paróquia e matriz em invocação a São Miguel,
“situado em terras de sesmarias de um João Queiróz de Abreu”. No local existia um “frequente
comércio de gente, uns que trazem canoas com sal e peixe para vender e outros que vão destas
minas comprar estes gêneros”.
O ouvidor afirma que este seria o melhor local para a fundação da vila por ser a maior
paróquia do sertão, com “cento e trinta léguas rio abaixo e acima, e setenta léguas para o centro
do sertão”, embora o clima do local não fosse “sadio”. Segundo ele, os arraiais localizados nas
margens do rio São Francisco estariam “sujeitos a doenças em a quadra de dezembro até maio
por causa das enchentes e vazantes do mesmo rio”.
Para reforçar a necessidade da criação da vila, o ouvidor afirma ainda que em apenas
quatro meses do ano, quando “os ares são menos nocivos”, é que era possível aplicar a justiça
aos moradores, devido à “falta de saúde” causada pelas sezões, que, “infalivelmente padecem
os viandantes no tempo das águas”. A situação facilitaria “mortes contínuas e levantes”, como
o que havia acontecido “anos passados”. Provavelmente se referindo aí aos motins ocorridos
no ano de 1736, contra a cobrança da capitação.
Em parecer de outubro de 1747, o governador Gomes Freire de Andrade reconhece os
incômodos que os moradores dos arraiais enfrentam por causa da grande distância até a vila do
Príncipe, mas se manifesta contrário à fundação da vila dizendo que os arraiais não contam com
mais de cinquenta casais e que a maioria dos homens vivem em suas fazendas que ficam em
grande distância uma das outras. Para ele, “as continuadas doenças daquelas paragens não dão
lugar a residirem ali gentes”.

3.3.1 - Matias Cardoso de Almeida

Desnecessário discutir aqui a primazia entre paulistas e baianos no processo de


ocupação do sertão norte mineiro. Ainda que algumas correntes historiográficas tenham se

199
debatido intensamente sobre esta questão é inegável que, já nos primeiros tempos, podemos
verificar um grande número de moradores oriundos das duas capitanias, além de muitos
pernambucanos e portugueses. Como já vimos, o estabelecimento de homens brancos na região
se deu de maneira efetiva a partir da segunda metade do século XVII, tendo se intensificado
depois que o paulista Matias Cardoso de Almeida obteve do governador geral Souza de
Menezes a patente de governador e administrador de todas as nações que reduzisse e situasse,
para ele e seus descendentes, desde a capitania de Porto Seguro até o rio de São Francisco, em
12 de maio de 1684393 .
A instalação definitiva de Matias Cardoso na barra do rio Verde Grande no final do
século XVII é inquestionável, mas a sua presença na região sem dúvida foi garantida pelo
baiano Antônio Guedes de Brito. Podemos entrever as relações do chefe dos paulistas com o
potentado baiano por três documentos.
O primeiro é a carta patente citada acima, concedida onze dias após Guedes de Brito
ter recebido a famosa sesmaria que se estendia pela margem direita do São Francisco na mesma
região onde o bandeirante paulista se fixaria. Como já vimos na declaração feita por Joana da
Silva Guedes de Brito, no requerimento de 1749, a doação da sesmaria feita por Brás da Rocha
Cardoso, teria sido no dia 1º de maio de 1684.

Na carta patente de 1684, o governador geral Antônio de Souza e Menezes não faz
referência à guerra contra os índios do Rio Grande do Norte. Ao contrário, ele destaca “os danos,
hostilidades, mortes, roubos, desamparo de fazendas, destruição de famílias e escravos”, que os
bárbaros estariam fazendo “nos recôncavos desta cidade e vilas circunvizinhas”, e que o senado
da câmara havia determinado prover Matias Cardoso no dito posto para a “defesa desta praça”.
Na patente, o governador destaca a grande experiência que o paulista tinha “daqueles
sertões”, sendo perito nas línguas, e tendo ocupado o posto de tenente-general da leva de Dom
Rodrigo Castelo Branco. Também por ter se oferecido a fazer a sua custa uma redução de índios,
“aldeando na parte que parecer mais cômoda todas as nações bárbaras que se achassem e
reduzissem”. Além de nomear Matias Cardoso governador e administrador de todas as aldeias
de Porto Seguro até o rio São Francisco, com exceção da capitania de Ilhéus, cujo donatário
seria o conde de Castanheira, o governador promete ao paulista, os soldos devidos, terras
“competentes ao número de casas para sua vivenda e conservação”, todas as “honras, graças,

393 VIANA, Urbino. Bandeiras e Sertanistas Baianos. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1935, p. 38/42.

200
franquezas, preeminências, privilégios, autoridade e poder que se concederam ao governador
da conquista, Estevão Ribeiro Baião Parente”, e também o poder de nomear capitães e capelães
nas aldeias que estabelecesse.
A carta publicada por Urbino Viana está no terceiro volume dos Anais do Museu
Paulista, mas grande parte dos historiadores da época não faz menção a ela. A maioria destaca
a participação do bandeirante paulista nas entradas de Fernão Dias e de Dom Rodrigo de Castelo
Branco, e cita outra carta patente, datada de 1690, passada por Dom Frei Manuel da
Ressurreição, quando Matias Cardoso foi nomeado para o posto de governador absoluto da
guerra dos bárbaros do Rio Grande do Norte.
Talvez a ausência de referências a esta carta se deva exatamente ao fato das tratativas
relacionadas à patente terem sido feitas pelo próprio Guedes de Brito junto ao governador da
Bahia, sem interferência da câmara de São Paulo. Pedro Taques ignora a patente e os
acontecimentos deste período. Ele diz que, depois da morte de D. Rodrigo de Castelo Branco,
Matias Cardoso teria voltado a São Paulo em 1682, e “nela desfrutou o sossego da quietação”
até 1689, quando teria sido lembrado na Bahia para combater, “os bárbaros gentios”, no Rio
Grande, na capitania do Ceará394 .
Alfredo Elis diz que é do ano de 1689 a “última referência ao bandeirismo seiscentista ”
que ele havia encontrado nos documentos publicados pelo governo paulista. “Trata-se da
bandeira de Mathias Cardoso, o destemido bandeirante que acompanhou ao sertão das
esmeraldas Fernão Dias e dirigiu a expedição de D. Rodrigo para o mesmo sertão”. Segundo
ele, em 19 de fevereiro de 1689, a câmara paulista recebeu uma carta do Arcebispo governador
solicitando que “fizesse gente para o sertão ou conquista do Rio Grande”, tendo sido então
organizada a expedição que Matias Cardoso levaria aos sertões do nordeste, “a debelar a crise
por que atravessavam Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará”395 .
Na mesma reunião em que a Câmara de São Paulo discutia as providências
relacionadas ao pedido do Arcebispo e quem seria o comandante da empreitada, o irmão do
mestre-de-campo, Salvador Cardoso, apresentou outra carta enviada pelo governador geral para
Matias Cardoso onde este encarregava a ele a conquista do Rio Grande396 . Ao que parece, o

394 Taques, Ibid. vol.II, p. 54.


395 Junior, Ibid. p. 214.
396 Atas da Câmara da Vila de São Paulo - 1679-1700. São Paulo, Arquivo Municipal de São Paulo, 1915, vol.

VII, p. 314/5.

201
futuro comandante da expedição não estava em São Paulo, já que não participou da reunião.
Provavelmente já estaria de volta ao rio São Francisco.
De acordo com Ellis Júnior, “calam-se os documentos sobre a partida da bandeira
guerreira, bem como quanto à sua composição”. Mas, a documentação relacionada à guerra
contra os índios das capitanias de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará,
que duraria mais de vinte anos, é bastante extensa. Muitos historiadores dedicaram importantes
estudos sobre o tema397 , mas aqui, no entanto, nos limitaremos a falar da presença de Matias
Cardoso no norte de Minas.
Carvalho Franco diz que, como sertanista, Matias Cardoso “conhecia as trilhas para o
norte, varando Minas Gerais, desde antes de 1664”398 . Mas, sobre o período que vai de 1684 a
1688, o historiador não faz qualquer menção. Como se vê da carta do Frei Manuel da
Ressureição, de 1688, Mathias Cardoso parece ter retornado a São Paulo para “buscar farinha ”
para a sua povoação. Também teria organizado os terços que seguiriam para o nordeste. No
entanto, se ele realmente esteve em São Paulo, a sua presença na cidade não durou muito. É o
que podemos ver na patente de 03 de abril de 1690, que diz o seguinte:
Tendo eu consideração ao bem que todas essas qualidades concorrem na pessoa de
Mathias Cardoso de Almeida, que hora chegou pelo sertão, chamado por ordem deste
governo, da capitania de São Vicente, ao rio de São Francisco, trazendo mais de cem
homens brancos com seus oficiais, de que se formou um regimento e grande número
de índios armados para aquele efeito.

Não resta dúvida de que Matias Cardoso já havia fundado uma povoação no norte de
Minas antes mesmo de 1688, mas os registros da sua atuação na região são muito escassos. Não
é possível afirmar que a carta patente passada por Antônio de Souza tenha sido efetivada.
Contudo, a ligação entre o bandeirante paulista e Guedes de Brito é inquestionável.
O segundo documento que reforça essa ligação é a carta do arcebispo e governador
geral frei Manuel da Ressurreição, de dezembro de 1688, citada anteriormente, quando este
requisitou o apoio dos paulistas para a guerra contra os índios do Rio Grande que diz o seguinte :
Procurando vossa mercê para lhe encarregar (como o Sr. Matias da Cunha, governador
e capitão geral que foi deste estado, em cujo lugar sucedi, determinava) o socorro que
com a sua gente havia de fazer à guerra dos bárbaros do Rio Grande; supondo esta
vossa mercê no rio de São Francisco, me disse o mestre-de-campo Antônio Guedes
de Brito que já as ordens que eu mandasse a vossa mercê o não haviam de achar na

397 PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: Povos Indígenas e a Colonização do Sertão Nordeste do Brasil,
1650-1720. São Paulo: Hucitec: Editora da USP: Fapesp, 2002.
398 CARVALHO FRANCO, Francisco de Assis. Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo. São Paulo - Rio de

Janeiro - Recife - Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1940. p. 111/2.

202
povoação do dito rio, por ter notícia que era vossa mercê partido para esta capitania a
busca farinhas para a dita povoação 399 .

A relação entre os dois, no entanto, fica patente no depoimento do padre Paulino


Pestana feito ao ouvidor-geral da comarca do Rio das Velhas, em agosto de 1724, sobre o qual
já falamos. O padre afirma ter ouvido do próprio paulista, por volta do ano de 1700, que ele
viera ao sertão para “desinfestá- lo” dos índios anaiós, por ordem de Antônio Guedes de Brito.
Como podemos ver no mapa “Demonstração dos afluentes do rio São Francisco em
Minas Gerais”, do século XVIII (FIG. 31), existiam duas aldeias de “gentio manso anaió”
próximas aos arraiais de Matias Cardoso e de São Caetano do Japoré. Provavelmente faziam
parte do “grande prêmio” prometido por Guedes Brito, como afirmou o padre Pestana.
Em carta de Domingos Alves Ferreira, morador do Brejo do Acari, próximo a São
Romão, para o governador Martinho de Mendonça, em 09 de setembro de 1736, sobre os motins
ocorridos no sertão, ele faz referência a uma aldeia situada junto ao arraial de Januário Cardoso.
Alves Ferreira diz que o levante teria reunido grande número de moradores, “pela muita gente
que há vagamunda”, e que havia no sertão “uma aldeia de gentio manso, na paragem chamada
arraial do defunto Januário Cardoso, e como se achavam juntos, vieram e foram os que mais
insultos fizeram”400 .
Os pedidos de socorro aos paulistas para combater os Anaiós vinham desde 1677
quando Guedes de Brito participou do triunvirato que governou o Brasil. Em carta de 20 de
fevereiro daquele ano, dirigida aos homens de São Paulo, os três governadores escrevem que
havia chegado o tempo em que era necessário, “rogar a Vossa Mercê para o mesmo que em
outro tempo se lhe proibia que é passar ao Rio de São Francisco”, porque era “notável o dano
que estes bárbaros (Anaiós) fazem, não só com as armas, mas ainda o temor em todos os
moradores de uma e outra parte daquele rio”401 .
O mestre-de-campo Matias Cardoso foi fundamental para a ocupação do território
norte mineiro, tendo trazido consigo para a região vários parentes e colaboradores que também
lutaram ao seu lado na guerra do Rio Grande e que, terminados os combates, acabaram se
estabelecendo definitivamente em fazendas e arraiais no sertão do São Francisco. Entre os

399 CARTA do frei Manoel da Ressurreição, arcebispo e governador geral para Matias Cardoso. DHBN, Rio de
Janeiro, vol. XI, p.146-148. 1929.
400 APM, SC 54, fls 156 -157, apud. Fagundes/Martins, Ibid. p.144/7.
401 CARTA que se escreveu aos homens de São Paulo cujos nomes estão à margem. DHBN, Rio de Janeiro,

vol. XI, p. 71/2. 1929.

203
principais estavam seus cunhados Manoel Francisco de Oliveira, casado com sua irmã Catarina
do Prado, Antônio Gonçalves Figueiras e Manoel Afonso de Siqueira. Isso fica muito claro no
processo de habilitação de familiar do Santo Oficio do paulista Domingos do Prado de Oliveira,
sobrinho de Matias Cardoso, que tramitou entre os anos de 1713 e 1718.
Em sua tese de doutoramento, Márcio Santos diz o seguinte sobre este processo:
(...) O habilitando tinha, em 1713, 30 anos de idade e vivia de suas fazendas de gado
no arraial de Matias Cardoso, que constituiu o enclave luso-brasileiro mais importante
do médio superior São Francisco. Declara ter deixado São Paulo ainda menino, com
os pais, Manoel Francisco e Catarina do Prado, e dois irmãos. A informação que nos
interessa de perto e que, continua o habilitando, foi o mestre-de-campo dos paulistas
Matias Cardoso, seu tio por parte materna, depois de ter se estabelecido no arraial, o
responsável por retornar a vila de São Paulo e de lá trazer, por volta de 1688, a famí lia
de Domingos do Prado 402 .

Segundo a habilitação403 , em 1713, quando Domingos do Prado fez o requerimento ao


Tribunal do Santo Ofício, ele era morador no arraial de Matias Cardoso, onde também residiam
os seus pais. Algumas testemunhas disseram que o arraial ficava numa “garganta” do rio São
Francisco e era passagem “obrigatória” para quem se dirigia às minas e teria sido Matias
Cardoso, por “seu poder e indústria”, que havia extinguido “o gentio que infestava aquelas
terras”, e teria dado, “terras e gados no mesmo sitio do arraial aonde inda hoje vivem”, aos pais
do requerente que possuíam “muitos grandes cabedais”.
A inquirição das testemunhas foi feita pelo padre visitador José Peixoto Viegas, e o
escrivão do processo foi o padre Miguel de Lima, sacerdote de São Pedro, morador no Brejo
do Japoré404 .
A forte presença dos paulistas no sertão é reforçada pelo texto anônimo “Informações
sobre as Minas do Brasil”405 , segundo o qual, mais de cem famílias paulistanas já viviam nos
currais do rio São Francisco no norte de Minas naquela época.

402 Santos, Ibid, p. 130/1.


403 DILIGÊNCIA de Habilitação de Domingos do Prado de Oliveira. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO
TOMBO/Tribunal do Santo Oficio, Conselho Geral, Habilitaçõ es, Domingos, mç. 22, doc. 435.
404 O mesmo pároco batizou Teodoro Brandão, filho de Atanásio Cerqueira, em 13 de maio de 1712 e, nesta

ocasião, ele era cura do Rio Grande do Sul. Os padrinhos de Teodoro foram Salvador Cardoso de Oliveira,
irmão de Domingos do Prado, e sua esposa, Maria da Cruz.
405 Informações sobre as minas do Brasil. Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro , v.57,

p.173-183, 1935. Márcio Santos destaca uma passagem de Capistrano de Abreu para determinar a data provável
que o texto teria sido escrito. “Não é difícil inferir que a aproximação de datação feita por Capistrano partiu da
seguinte passagem do texto: “Em primeiro lugar é necessário considerar-se que este caminho se acha vedado
ou proibido com graves penas e nestes anos próximos passados trabalhou para impedir a comunicação por ele
D. Rodrigo da Costa governador-geral que foi do Estado do Brasil [...]”. Dom Rodrigo da Costa foi governador-
geral de 03/07/1702 a 08/09/1705”. Santos, Ibid. p. 82.

204
“Das Vilas de São Paulo para o Rio de São Francisco descobriram os paulistas
antigamente um caminho a que chamavam Caminho Geral do Sertão, pelo qual
entravam e cortando os vastos desertos que medeiam entre as ditas Vilas, e o d ito Rio
nele fizeram várias conquistas de Tapuias, e passaram a outras para os sertões, de
diversas Jurisdições, como foram Maranhão, Pernambuco e Bahia sendo para todas
geral o dito caminho até aquele termo fixo que faziam nesta, ou naquela parte do Rio
de São Francisco, em o qual mudavam de rumo conforme a Jurisdição, ou Capitania
a que se encaminhavam, ou conveniência que se lhe oferecia; e com tão continuada
frequência facilitaram o transito daquele caminho que muitos deles transportando por
ele suas mulheres e famílias mudaram totalmente os seus domicílios de São Paulo
para as beiras do dito rio de São Francisco, nos quais hoje se acham mais de cem
casais todos Paulistas, e alguns deles com cabedais muito grosso.”

A localização do arraial de Matias Cardoso tem sido motivo de polêmica entre os


historiadores. Há aqueles que acreditam que a primeira povoação fundada pelo bandeirante
ficaria na barra do rio Verde Grande e teria sido transferida para um ponto mais distante do rio
para evitar as constantes enchentes. Urbino Viana afirma que, “terminada a campanha do norte”,
Matias Cardoso teria se estabelecido “próximo à foz do Verde Grande”406 , mas em um ponto
“mais afastado do rio, para dentro da caatinga”.
Segundo ele, “o da caatinga dizia-se arraial velho de Januário Cardoso, herança de seu
pai, transferido para o ribeirinho, que se chamou arraial novo”. Neste arraial novo Januário
Cardoso, afirma Viana, “edificou moradas e construiu a igreja, que é um belo templo, onde está
sepultado”. Posteriormente o arraial teria passado a se chamar Morrinhos e seria o mesmo onde
hoje está o município de Matias Cardoso. Como já vimos anteriormente no depoimento dos
juízes ao ouvidor do Serro Frio, o arraial velho também ficava na margem do São Francisco, há
duas léguas pelo rio abaixo. É de se estranhar que o historiador afirme que o arraial velho ficaria
na caatinga, porque ele próprio publicou em seu livro o roteiro de Joaquim Quaresma
Delgado 407 , escrito entre os anos de 1730 a 1732, onde este confirma a informação das
testemunhas ouvidas no documento citado acima. Diz o seguinte o roteiro:
Da passagem do rio Verde Grande à venda de Manoel Pereira, onde se supre de
mantimentos e já não pertence à Bahia, duas léguas e três quartos.
Da venda ao arraial velho do defunto Januário Cardoso, duas léguas e um quarto, bom
caminho por várzeas e catingas.
Do arraial velho ao arraial novo dos Morrinhos de Domingos do Prado, duas léguas e
um quarto; bom caminho à beira do rio São Francisco. Neste arraial há uma igreja,
cercada a roda com seu muro. Tem o arraial seis vizinhos. Pertence ele e o velho às
gerais.

406Viana, Ibid. p.50 e seguintes.


407O códice, pertencente ao Instituto Histórico Brasileiro, denomina-se índex de várias notícias, é do governo
de Vasco Cezar e traz o n.° 346. Viana, Ibid. p.55/61.

205
Figura 31 – Mapa do rio São Francisco onde se vê a fazenda de Atanásio Cerqueira, o arraial de Matias Cardoso,
São Caetano do Japoré, a fazenda de Tabuas e outras. Fonte: [Demonstração dos afluentes do rio São Francisco,
em Minas Gerais]. [entre 1700 e 1750], Cart. 523.954 - acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.

Legenda:
01 - Fazenda de Atanásio Cerqueira Brandão 08 - Brejo do Salgado
02 - Castelo da Tabua de Manuel Nunes Viana 09 - Sítio das Pedras
03 – Aldeia de Anaiós 10 – Rio Pardo
04 - Brejo Grande do Japoré 11 – Pandeiros de Baixo*
05 - Arraial de Matias Cardoso 12 – Angicos
06 - Aldeia de Anaiós 13 - São Romão
07 - Ilha de Estevão Bocarro 14 – Fazendas de João Jorge Rangel

* O rio Pandeiros não aparece neste mapa. Existe apenas a indicação de uma fazenda localizada na região. O rio,
que é afluente do São Francisco está localizado entre o rio Pardo e o Salgado, no município de Januária.

206
Quando Quaresma Delgado passou pelo arraial, Januário Cardoso e sua esposa Maria
Brandão já haviam falecido e Domingos do Prado era tutor dos órfãos e teria assumido o
comando do arraial até a maioridade de Caetano Brandão. Foi de lá que ele, ao lado de sua
cunhada, Maria da Cruz, e seu sobrinho, Pedro Cardoso, comandou os levantes ocorridos no
São Francisco, em 1736.
Em terras do município de Jaíba, no lugar chamado Mocambinho, a aproximadame nte
30 quilômetros de Matias Cardoso existe uma ruína de uma igreja, tombada pelo Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), que reforçou a
crença de alguns pesquisadores de que o arraial velho teria sido construído em um ponto
distante do rio.
Simeão Ribeiro Pires afirma que, durante a implantação de um sistema rodoviário pela
Empresa Rural Mineira (Ruralminas) na Jaíba, em 1979, foram encontrados vestígios de um
arraial que, diz, “julgamos ser o de Matias Cardoso”408 . O escritor se referia à ruína de
Mocambinho. Contudo, as pesquisas levadas a efeito para o tombamento do imóvel pelos
técnicos do IEPHA concluíram que a ruína estaria localizada na fazenda denominada Retiro409 .
No documento citado anteriormente, datado de 30 de novembro de 1732, no qual o
padre Manuel Álvares apresenta denúncia ao Tribunal do Santo Ofício contra Estevão Raposo
Bocarro, ele faz referência a uma igreja que, ao que tudo indica, é a mesma da ruína de
Mocambinho. No documento o denunciante diz que o mestre pedreiro, Manuel da Silve ira,
“assistente por ora na fatura de uma capela na fazenda do Retiro da Ilha no rio de São Francisco,
freguesia de Bom Sucesso do Arraial, arcebispado da Bahia”410 , teria sido testemunha de que
Estevão Bocarro havia dito que “todos os ministros dos tribunais de Sua Majestade seriam uns
ladrões”.
O documento foi redigido no Retiro da Ilha, no rio de São Francisco, e, como podemos
ver no mapa (FIG. 31), Estevão Bocarro é proprietário de uma ilha localizada no rio São
Francisco, próximo à Mocambinho, no município de Jaíba.

408 Pires, Ibid. p. 89.


409 Quarto Relatório do Projeto de Pesquisa Ruínas de Mocambinho (IEPHA/CODEVA SF). Belo Horizonte.
1993.
410 DENÚNCIA contra o capitão Estevão Raposo Bocarro - Denúncia - Acusado de ofensas aos inquisidores

do Santo Oficio, morador na Fazenda do Retiro da Ilha, bispado de São Francisco, freguesia do Bom Sucesso
do Arraial, arcebispado da Baía. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/ Tribunal do Santo Ofício ,
Inquisição de Lisboa, proc.13609.

207
Há aproximadamente 16 quilômetros da sede do município de Matias Cardoso, ao lado
do porto da balsa, onde os moradores fazem a travessia para o município de Manga, existe ainda
hoje um povoado chamado Arraial do Meio. Os moradores do local afirmam existir ali vestígios
dos alicerces de várias construções. No povoado é possível encontrar restos de tijolos antigos
em diversos pontos. Quando visitamos o local em 2001, tivemos oportunidade de ver vários
desses tijolos que mediam cerca de 30x15 cm.

Figura 32 – Moradores do Arraial do Meio – Matias Cardoso/MG – Acervo pessoal.

No Arquivo do Fórum Edmundo Lins, no município de Serro, no Livro de Testamentos


nº 09, página 68, é possível ver o registro do testamento com que faleceu Antônia da Silva dos
Santos, no dia 08 de maio 1756, moradora “no lugar do Arraial do Meio, freguesia de Nossa
Senhora da Conceição [..] dos Morrinhos”.
Importante destacar que em todos os mapas do século XVIII que analisa mos,
especialmente aqueles existentes no acervo da Biblioteca Nacional, não existe indicação de um
arraial localizado na foz do rio Verde Grande. Outra circunstância que dificultaria a instalação
de uma povoação na foz do rio é a existência de uma lagoa localizada entre o atual Arraial do
Meio e a foz do rio, que no período chuvoso inunda a região.
A existência de um lugar chamado Arraial do Meio, no local onde antes possivelme nte
ficaria o arraial velho, no entanto, pode indicar que Matias Cardoso tenha realmente fundado
uma primeira povoação, seja na foz do rio Verde Grande, cerca de 20 quilômetros rio abaixo ,
ou mesmo em outro local próximo.
Um mês antes de obter a patente de governador absoluto da guerra dos bárbaros, em
02 de março de 1690, Matias Cardoso e outras 19 pessoas receberam uma sesmaria de 80 léguas,

208
quatro léguas para cada, nas cabeceiras do rio Pardo até o rio Doce. Além do mestre-de-campo
foram beneficiados o seu irmão Salvador Cardoso, Domingos Soares de Albuquerque, Manoel
Soares Ferreira, João Cardoso de Almeida, Domingos Pires de Carvalho, Matias Furtado,
Matias de Albuquerque, José de Albuquerque, Domingos de Figueiredo Calheiros, Pedro de
Andrade Pereira, Francisco de Lima Pinto, o vigário Antônio Filgueiras, Manoel de Aguiar da
Costa, Francisco Martins Pereira, Cristóvão Barbosa Villas Boas, Francisco Teixeira Cabral,
Matias Rodrigues, João de Almeida e Domingos Escórcio 411 .

Carvalho Franco afirma que Matias Cardoso teria lutado contra os índios da
confederação dos cariris, no Ceará e Rio Grande do Norte, de 1690 até 1697412 , e destaca que,
em 1696, quando ainda estaria na Bahia, o mestre-de-campo teria sofrido um grande revés no
rio Jaguaribe, onde lhe mataram um filho natural. Pedro Puntoni, em seu estudo sobre a Guerra
dos Bárbaros, delimita a atuação de Matias Cardoso entre os anos de 1690 a 1695 e afirma que
seu filho foi assassinato em 1º de novembro de 1693, em um combate contra os índios do Ceará.
Na carta patente passada em 26 de junho de 1694, nomeando Francisco Dias de
Carvalho, soldado da Companhia do capitão Antônio da Silva Barbosa, do terço do mestre-de-
campo Zenóbio Acioli de Vasconcelos, para fazer guerra ao gentio, passada pelo capitão-mor
da capitania do Ceará Grande, Fernão Carrilho, este afirma que Matias Cardoso estaria no rio
Jaguaribe e havia, “de presente”, se retirado, depois ter sido ferido e de seu filho ter sido
assassinado. Diz o seguinte o documento:
porquanto os Paiacus, Janduins, Icós e outros bárbaros de corso que infestam as
jurisdições desta capitania, fazem despovoar os limites e terras do rio Jaguaribe e
Banabuiu, com perda de muitas fazendas e gados e vidas dos moradores que lá
assistem, e outrossim de presente vindos e retirando do rio Grande o mestre-de-camp o
e governador das armas dos paulistas Matias Cardoso de Almeida, no dito Jaguaribe,
jurisdição desta capitania, feriram os ditos bárbaros ao mestre-de-campo, que vinha
acompanhado com 180 homens, e lhe mataram um filho seu e três ou quatro mais da
companhia, e por que estão ousados e insolentes, resolvi, mediante Deus, que é o
senhor das vitórias, mandar fazer guerra aos ditos bárbaros e outros seus aliados com
alguma infantaria paga deste presídio e infantaria da ordenança413 .

Após se retirar da guerra contra os índios do nordeste, Matias Cardoso se fixaria


definitivamente em seu arraial no rio São Francisco. Mas, quando isso teria se dado

411 Freire, Ibid, p. 51.


412 Franco, Ibid, p. 114.
413 Documentos para a História do Brasil e especialmente a do Ceará/Collecção Studa rt. Revista do Instituto do

Ceará - ANNO XXXV - 1921. p. 30/1 - Disponível em https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev -


apresentacao/RevPorAnoHTML/1921indice.html.

209
efetivamente é difícil precisar. Puntoni discorda de Studart Filho para quem Matias Cardoso
teria abandonado a guerra em 25 de abril de 1694, como informa Pedro Taques.
Fazendo referência a uma carta do governador João de Lencastro, escrita para Matias
Cardoso, em 04 de junho de 1694414 , ele considera que até esta data o paulista ainda estaria em
combate no nordeste. De acordo com ele, seguindo as orientações de uma ordem real de 27 de
dezembro de 1693, o governador teria ordenado que Matias Cardoso “procurasse de uma vez
uma solução, fosse ela pacífica ou a guerra “com todos os meios que se sustentar””415 .
Bernardo Vieira Ravasco, secretário de Estado do Brasil, em carta escrita da Bahia,
para o Conde de Alvor, em 05 de agosto de 1694, afirma que Matias Cardoso estaria muito
velho, enfermo e incapaz e, tanto ele, como os demais paulistas, haviam abandonado a guerra,
“desesperados de a sua mesma fineza não ter prêmio algum, sustentando-se só da esperança de
o terem” 416 . Segundo Ravasco, durante os cinco anos em que lutaram, “tendo vindo por terra
e caminhos de mais de 600 léguas”, enfrentado “fomes e sedes”, os paulistas não haviam
recebido os seus soldos, nem, tão pouco, mantimentos ou fardas, “para se cobrirem”. Também
não teriam conquistado “as presas”, que o rei havia determinado que fossem “restituídas” à
liberdade.
Pedro Taques, apesar de dizer que Matias Cardoso teria se retirado “para sua casa por
faltar já pólvora e bala e se haver ateado a epidemia, que já lhe havia morto muita parte da sua
gente”417 , na data referida acima (25 de abril de 1694), com base na carta patente de Antônio
Gonçalves Figueira418 , também afirma que o mestre-de-campo teria lutado por sete anos no
sertão do Ceará. O linhagista escreve que, começada a guerra no sertão do Rio Grande, “onde
se matou e destruiu a maior parte do inimigo por espaço de sete anos”, os paulistas estiveram
sempre sob o comando e “disposições militares do governador Matias Cardoso”.
Em relato enviado a D. João narrando os serviços prestados como missionário junto
aos indígenas de diversas partes do sertão, feito de Pernambuco em 15 de maio de 1696, o padre

414 CARTA escrita ao mestre-de-campo Matias Cardoso de Almeida. DHBN, Rio de Janeiro, vol XXXVIII, p.
302/305. 1937
415 Puntoni, Ibid. p.163.
416 REGISTO da carta do Secretário Bernardino Vieira Travasco, escrita ao Conde de Alvor, sobre a disposição

de Sua Majestade ordenar que para se defender a Capitania do Rio Grande dos bárbaros se pusessem três aldeias
de 200 casais, cada uma, com 20 soldados e um cabo nos três sertões do Açu, Goguari e Piranhas. DHBN, Rio
de Janeiro, vol LXXXIV, p. 123/7. 1949.
417 Taques, Ibid. vol. II, p. 56/7.
418 Carta patente de capitão passada a Antônio Gonçalves Figueira, em 05 de março de 1729. Livro 3º do Registo

Geral, fl. 120v.

210
paulista João Leite de Aguiar, clérigo do hábito de São Pedro, diz que, em 1689, ele teria sido
nomeado pelo bispo do Rio de Janeiro como capelão-mor de um terço formado para combater
os índios do Rio Grande do Assú e Jaguaribe, tendo “assistido no serviço de Deus e de V.M.”
por mais de quatro anos, até que os paulistas abandonaram a guerra419 .
De acordo com o sacerdote, que afirmou ter vivido todo o tempo a sua custa, “sem o
menor dispêndio” da fazenda real, o terço, composto por cerca de 600 pessoas, “entre paulistas,
índios e cativos”, partiu de São Paulo por ordem do Arcebispo da Bahia, D. Frei Manuel da
Ressurreição, quando este era governador geral, para combater os índios que estariam
levantados em distância de aproximadamente novecentas léguas.
Embora não fale especificamente sobre Matias Cardoso, o missionário afirma que os
paulistas teriam se retirado porque “lhes faltava o necessário, principalmente pólvora e bala”,
tendo seguido para outras conquistas no Maranhão e nos Palmares. Um ano antes deste relato,
em carta de 18 de agosto de 1695, o governador D. João de Lencastro escreveu a Matias Cardoso
recomendando que ele providenciasse um sacerdote para a sua aldeia. Diz o seguinte o
documento:
Na consideração do serviço que V. M. faz a Sua Majestade, que Deus guarde, nessa
capitania onde assiste, me pareceu encarregar-lhe com muito encarecimento a paz,
quietação e sossego com que V. M. deve conservar a sua gente de tal sorte que não
tenham os moradores motivo algum da menor queixa; e do mesmo modo advirto a
Vossa Mercê busque logo sacerdote para sua aldeia, que trate do bem espiritual das
almas dos índios, porque além de mui particular serviço de Deus, são repetidas as
ordens de Sua Majestade sobre este particular.420

Ao que parece, o mestre-de-campo já estaria em seu arraial no rio São Francisco. A


afirmação, no entanto, não é totalmente conclusiva porque Matias Cardoso também havia
fundado um arraial no Jaguaribe, no Ceará. Em 02 de abril de 1690, Antônio da Câmara
Coutinho em carta para o capitão-mor do Rio Grande, Agostinho César de Andrade, diz que
não seria necessário fundar um segundo arraial, por “ter feito Matias Cardoso no Jaguaribe
donde tem poder para acabar de extinguir as relíquias dos Janduins, Paiacus e Icós” 421 .

419 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao Rei [D. Pedro II], sobre o que escreveu o padre João Leite acerca
do seu trabalho nas missões do ceará. AHU_CU_CEARÁ, Cx. 1, D. 34.
420 CARTA escrita ao mestre-de-campo Matias Cardoso de Almeida. DHBN, Rio de Janeiro, vol XXXVIII, p.

349/350. 1937.
421 CARTA para o capitão-mor do Rio Grande Agostinho César de Andrade. DHBN, Rio de Janeiro, vol X, p.

408. 1929.

211
Pedro Taques afirma que, acabada a guerra, o mestre-de-campo não voltou mais para
São Paulo, tendo ficado “estabelecido no sertão do rio de São Francisco, onde teve copiosas
fazendas de gados vacuns e cavalares”.
Certo é que em maio de 1696, Manuel Álvares de Morais Navarro, sargento-mor do
terço de Matias Cardoso, receberia patente de mestre-de-campo do terço dos paulistas para dar
continuidade à guerra. Na carta fica dito que Morais Navarro havia se conservado em seu posto
de sargento-mor “depois de o terço do mestre-de-campo Matias Cardoso se extinguir pela
desesperação de não serem pagos, nem socorridos os oficia is, e soldados em tantos anos de
guerra contínua, como se lhe havia prometido”422 .
Em agosto de 1698, em carta do governador D. João de Lencastro, escrita a Arthur de
Sá e Menezes, ele afirma que Matias Cardoso já estaria no seu arraial do rio São Francisco. De
acordo com a carta, ao procurar saber “quem era o fuão Cardoso, dono dos primeiros currais
aonde se recolhe os índios, que fogem aos moradores daquelas vilas (de São Paulo) ”, ele teria
sido informado de que se tratava de Matias Cardoso, “que assistia nos ditos currais e porque
estão da banda de Pernambuco, se ignorava quem o tal sujeito fosse”423 .
Também não foi possível precisar a data de falecimento de Matias Cardoso. Mas, em
27 de junho de 1701, ele ainda deveria estar vivo. Nesta data foram quintados em seu nome,
em Sabará, duas mil e cinquenta e cinco oitavas de ouro em pó. Sabemos, no entanto, que em
1705, ele já havia falecido. Em carta escrita de Minas do Mato Dentro, hoje Conceição do Mato
Dentro, em 31 de julho de 1705, Baltazar de Godoi Moreira, faz referência ao “arraial do
defunto mestre-de-campo Matias Cardoso de Almeida”.
Na carta ele narra diversos acontecimentos relacionados às minas, especialmente os
problemas provocados pela grande falta de alimentos por causa da proibição da comercialização
de mercadorias vindas do sertão, principalmente do gado. Em seguida sugere a reabertura dos
caminhos, a cobrança dos impostos pelo Rio de Janeiro, e se acudir “com reparo de oficina no
arraial do defunto mestre-de-campo Matias Cardoso de Almeida”. Godoy Moreira destaca ainda
a impossibilidade de se impedir “a passagem do gado” dos currais da Bahia para as minas, por

422 REGISTO da Carta Patente do posto de mestre de Campo do Terço de paulistas brancos índios armados que
por ordem de Sua Majestade que Deus guarde há de vir da Capitania de São Vicente para a guerra dos Bárbaros
do Rio Grande provido na pessoa do sergento-maior Manuel Alves de Moraes Navarro aprovado pelo mesmo
senhor para se lhe encarregar aquela guerra. DHBN, Rio de Janeiro, vol. LVII, p. 84/93. 1942.
423 Carta para Artur de Sá e Menezes governador e capitão geral do Rio de Janeiro sobre vários particulares.

DHBN, Rio de Janeiro, vol XI, p. 264/8. 1929.

212
causa da “muita largura do sertão e campos gerais” e dos “muitos caminhos que hoje há abertos
por várias partes”, interligando o rio São Francisco ao rio das Mortes424 .
Em novembro de 1725, em um requerimento do padre Antônio Curvelo de Ávila,
sacerdote do hábito de São Pedro, ele afirma que, em 1699, o arcebispo da Bahia, D. João
Franco de Oliveira, desmembrou, “mais de cem léguas para a parte do rio das Velhas”, da
freguesia de Jacobina, criando um curato no arraial. O religioso, que reivindica o pagamento
por sete anos de côngruas atrasadas do tempo em que havia atuado como cura da matriz de
Nossa Senhora do Bom Sucesso do Arraial de Matias Cardoso, diz que o padre Paulino Pestana
foi nomeado cura da capela, tendo permanecido na função por alguns anos.
Após Dom Sebastião Monteiro da Vide assumir o arcebispado, ele o teria nomeado
como cura da dita matriz, por ser ele “graduado em filosofia e ter estudado teologia moral e
especulativa”425 . Sem especificar o ano, o pároco diz ainda que, por Provisão Real, o curato foi
elevado em vigária, e ele teria sido nomeado vigário dela.

424 CARTA do Juiz da Casa da Moeda do Rio de Janeiro Manuel de Sousa, sobre a compra do ouro, cobrança
dos quintos e despesas da fundição. Anexo: INFORMAÇÃO do Procurador da Fazenda sobre os vencimentos
do Guarda-mor das Minas. - CARTAS do Guarda-mor das Minas Garcia Rodrigues Paes, nas quais dá
informações relativas aos serviços da exploração das minas e a forma de evitar os descaminhos do ouro; sobre
a melhor arrecadação e rendimento dos quintos e a concessão de sesmarias nas terras do caminho que descobrira .
- RELAÇÃO das pessoas de quem o Guarda-mor das Minas pretendia obter auxilio para os seus trabalhos nas
minas. - INFORMAÇÃO do Procurador da Fazenda, sobra a cobrança dos quintos, descaminhos do ouro,
ensaiador da casa da Moeda, etc. - CARTA do Desembargador João Pereira do Valle, sobre a arrecadação dos
quintos da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, estado das minas e concessões. - CARTAS (6) de Balthazar de
Godoy Moreira, sobre a falta de mantimentos que havia nas minas, a proibição da passagem do gado da Bahia,
as novas descobertas nas minas, os caminhos do sertão por onde passavam os negociantes, a falta de justiça,
etc. - CARTAS de Filippe de Barros Pereira sobre os descaminhos dos quintos do ouro das minas e os meios
suaves a empregar para se evitarem. - CARTAS do Juiz Ordinário da Vila de Santos Manuel Rodrigues de
Oliveira, relativas a cobrança dos quintos do ouro. - BANDO que o Governador da Praça de Santos mandou
publicar, sobre o estabeleci- mento da casa dos quintos do ouro naquela vila e o manifes to e registro do ouro. -
"REQUERIM ENTO para se usar com as pessoas que trouxerem ouro e passarem com ele para a Vila de Santos
ou para fora dela". - INFORMAÇÃO de José Moreira Freire sobre diversos assuntos referentes a Vila de Santos
e Capitania de São Vicente, de interesse para a Fazenda Real. - INFORMAÇÕES (2) dos Procuradores da Coroa
e Fazenda, sobre os diferentes assuntos referidos no documento anterior. - INFORMAÇÃO de Francisco Dantas
Pereira, sobre os alvitres que o Guarda-mor das minas Garcia Rodrigues Paes, o escrivão Filippe de Barros
Pereira e Balthazar de Godoy Moreira tinham apresentado nas suas cartas. - CARTAS (2) do Juiz da Casa da
Moeda Manuel de Sousa, sobre a compra do ouro, vencimentos dos oficiais e contas da mesma casa. -
INSTRUÇÃO sobre a forma como se há de quintar o ouro na Casa da Moeda do Rio de Janeiro. - RELATÓRIO
do juiz da Casa da Moeda Manuel de Sousa, acerca das minas do ouro, da sua extração, da sua compra, etc. -
CARTA régia pela qual se estipulou o preço de 1$200 para a compra de cada oitava de ouro que fosse
apresentada a venda na Casa da Moeda do Rio de Janeiro. - CONTAS (5) da Casa da Moeda do Rio de Janeiro,
relativas a compra do ouro em pó, as despesas de fundição e cunhagem das moedas e do seu rendimento líquido.
AHU_CU_RIO DE JANEIRO-CA, Cx. 15, D. 3091-3127.
425 REQUERIM ENTO do sacerdote do Hábito de São Pedro, António Curvelo de Ávila ao rei [D. João V]

solicitando o pagamento de cura da matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Arraial.


AHU_CU_BAHIA, Cx. 24, D. 2210.

213
Em outro requerimento, de autoria do coronel Martinho Afonso de Melo, existe uma
cópia de uma Provisão Real datada de 1711, na qual o rei determina a elevação do curato em
vigaria. Afonso de Melo solicita que o padre Antônio Curvelo de Ávila seja investigado por
causa dos distúrbios provocados na barra do rio das Velhas contra a determinação do Conde de
Assumar para que os moradores observassem a jurisdição da capitania de Minas. No documento
consta que o padre Antônio Curvelo teria sido nomeado cura da capela de Nossa Senhora do
Bom Sucesso do Arraial de Matias Cardoso há cinco anos. Diz o seguinte o documento:
... o qual [padre Antônio Curvelo] está servindo há cinco anos por provisão do
arcebispo da dita cidade D. Sebastião Monteiro David em boa satisfação;
administrando com cuidado os sacramentos aos fregueses pedindo -me mandasse
erigir o dito curato em vigaria.
Hei por bem [...] o que esta matéria me constou por informação do arcebispo da cidade
da Bahia, provedor da fazenda dela, como também do procurador de minha fazenda
nesta carta inclusa do meu Tribunal da Mesa do Conselho e Ordens que o dito cu rato
se erija e vigaria com côngrua e ordinária [...]426

Para finalizar é importante destacar que Januário Cardoso recebeu a fazenda


Morrinhos como dote de casamento, como declarou Atanásio Cerqueira em seu livro de notas.
Conta do que dei de dote ao senhor meu sobrinho Januário Cardoso de Almeida.
Primeiramente a fazenda dos Morrinhos com o gado que se achasse que creio foram
mil e trezentas e tantas cabeças ou o que realmente se achasse em uma arroba de ouro.

Também no testamento de João Peixoto Viegas, marido de Rita Josefa Brandão,


herdeira de Januário, já referido anteriormente, ele diz: “declaro que nos bens há neste nosso
casal há o engenho da [...] com todas as suas fábricas e acessórios, a Fazenda dos Morrinhos, a
fazenda da Itacarambi e a em que [...] a igreja de São Caetano, tudo neste rio de São Francisco”.
Os documentos não deixam dúvida de que o lugar onde hoje se localiza o munic íp io
de Matias Cardoso é o mesmo onde Januário Cardoso fundou o arraial novo, provavelme nte
após o seu casamento com Maria Brandão. Pedro Taques afirma que a matriz de Nossa Senhora
da Conceição teria sido construída pelo filho de Matias Cardoso. O linhagista diz que “Januário
Cardoso era senhor do arraial e igreja chamada de Januário Cardoso no rio de São Francisco” e
que, a “sustentação” do templo, estaria garantida por um “seguro e rendoso patrimônio em
várias fazendas de gado”, cuja administração seria de responsabilidade do filho primogênito do
seu fundador, “e primeiro padroeiro”, o mestre-de-campo Januário Cardoso. A descrição que o

426REQUERIM ENTO do coronel Martinho Afonso de Melo ao rei [D. João V] solicitando ordem para devassar
o padre António Curvelo de Ávila e sequestrar seus bens. AHU_CU_BAHIA, Cx. 12, D. 1072.

214
autor faz da igreja e do arraial é extremamente rica e vale ser transcrita integralmente. Diz o
genealogista paulistano:
A construção desta obra é de excelente arquitetura, formadas as paredes de tijolo e
cal, com altura proporcionada ao corpo da igreja e sua capela-mor: é toda circulada
de nobres tribunas, com altares colaterais de ricos paramentos, e banquetas com
castiçais de prata à moderna, e da mesma forma as lâmpadas. Esta obra serve de
admiração aos viandantes, que seguem aquela estrada com o comércio, que gira
atualmente de numerosos comboios de escravos e fazendas suas (vem tudo da cidade
da Bahia não só para a capitania de Minas Gerais, mas também para a dos Goiases, e
a causa do reparo consiste pela distância em que se acha estabelecido este arraial, que
sem um grosso dispêndio se não podia conseguir semelhante obra. É tão grande o
arraial de Januário Cardoso, que bem merecia o caráter de vila, porque o interesse do
negócio faz conservar nele muitas casas de lojas de fazenda secas e outras de viveres,
além de muitos oficiais de artes fabris, o que tudo forma maior aumento para a vista
e para a comunicação 427 .

A transferência da sede da freguesia de Bom Sucesso para a barra do rio das Velhas
foi feita pelo padre Antônio Curvelo de Ávila em data que não conseguimos precisar. Sabemos
apenas que em 1718 ele já havia saído do arraial de Matias Cardoso. Nas cartas escritas pelo
governador D. Pedro de Almeida para o ouvidor-geral de Sabará, Bernardo Pereira de Gusmão,
sobre os distúrbios ocorridos quando da tentativa de se fundar a vila de Papagaio, podemos ver
que o padre já estaria residindo naquele distrito. Em 06 de novembro daquele ano o governador
ordena ao ouvidor que, “tanto que chegar ao país da barra do rio das Velhas tomará exatas
informações do procedimento do padre Antônio Curvelo que de presente serve de pároco
daquele distrito”428 .
A imponência da igreja também é destacada em documento recolhido por Caetano
Costa Matoso escrito por Manuel Ribeiro Soares ou Vicente George de Almeida,
provavelmente antes de 1747429 . Diz o relato:
a igreja de Morrinhos tem cinco altares; é templo de estupenda arquitetura e está
ricamente paramentada de prata e ouro e ornamentos, assim como o está a do Bo m
Jesus, acima dita. É essa igreja dos Morrinhos filial da matriz das Almas, da Barra do
Rio das Velhas.

O naturalista inglês Richard Burton, que passou pelo arraial de Morrinhos em 1867,
também ficou impressionado com a grandiosidade da igreja, afirmando que esta era

427 TAQUES, Ibid. p. vol. II, p. 197.


428 CARTA do governador D. Pedro de Almeida ao ouvidor-geral Bernardo Pereira de Gusmão. APM. Sc.li.
11, p. 70. RAPM vol. P. 347/8.
429 Códice Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América, que fez o

doutor Caetano da Costa Matoso, sendo ouvidor-geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de
1749 & vários papéis. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estu dos Históricos e Culturais, 1999,
p. 942.

215
um “delubrum mirae magnitudinis, 430 que goza de grande fama, o que leva o forasteiro a
perguntar como isso veio parar aqui”431 .
Embora diga que o templo teria sido erguido por Matias Cardoso, e depois por seu
filho, Januário Cardoso, “naturalmente com o suor dos índios”, o viajante conta que, este último,
teria mandado trazer da Bahia pedreiros e carpinteiros para trabalharem na obra. Em seguida
faz uma descrição detalhada da igreja que, segundo afirma, já se encontrava bastante
deteriorada. De acordo com Burton, “as quatro capelas laterais na nave da igreja pareciam
oratórios portáteis”, e um arco, “ousado e bem construído, revestido de madeira de qualidade e
grades de jacarandá torneado”, conduziria até a capela-mor.
Ao contrário do que dizem os religiosos citados acima, o inglês destaca que a igreja
“não mostrava nenhum sinal de ter sido dourada ou pintada”, mas, de acordo com ele, o coro
estaria “em ruínas”, e os púlpitos pareciam “que iam cair”. Mas, a informação mais importante
que o inglês nos legou, foi à descrição do que ele encontrou embaixo do púlpito. Diz o seguinte
o viajante:
Debaixo dele, uma laje quebrada de ardósia da Malhada, exibia a inscrição:

“AQVI IAS
JANVARIO C
ARDOZO DE
ALMEIDA”
Figura 33 – Matriz de N. S. da Conceição – Matias Cardoso/MG – Acervo pessoal.

430Templo espantoso pelo tamanho.


431BURTON, Richard Francis. Viagem de canoa de Sabará ao Oceano Atlântico. Belo Horizonte: Itatiaia;
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1977. p.83/4.

216
Urbino Viana diz que também visitou a sepultura em 02 de janeiro de 1926, mas, na
ocasião, no entanto, não teria encontrado a inscrição anotada por Richard Burton. Viu apenas
“uma lápide, já sem inscrição, partida, medindo 76 cm de largo por 90 cm de comprido. Está
ao pé do altar, depois de subidos os degraus: entre o último e o estrado. A pedra é um cisto
calcário; e, talvez, não seja a primitiva. ”432
Como já dissemos, nós visitamos a igreja na semana santa de 1997, mas a lápide já
havia sido retirada. Também não conseguimos saber quando isso aconteceu. A igreja passou
por um amplo processo de restauro em 1942, quando foi tombada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e também em 2019.
Embora tenha herdado o título de mestre-de-campo de seu pai, a documentação que se
refere a Januário Cardoso é bastante escassa. Fato que deve ter sido reforçado pela sua morte
prematura. Um dos poucos documentos relacionados ao filho de Matias Cardoso foi publicado
no livro “São Francisco nos Caminhos da História”, por Brasiliano Braz, e trata de uma doação
de terras feita no arraial de Morrinhos, em 15 de fevereiro de 1728, aos índios da missão de São
João do riacho do Itacarambi, hoje município de São João das Missões, e onde se localiza a
reserva indígena Xacriabá.
As terras, que seriam suficientes para que “não andem em terras alheias”, iriam do
riacho do Itacarambi, localizado no município de mesmo nome, até as suas cabeceiras na Serra
Geral, “da parte do Peruaçú”, fazendo extrema com a “Boa Vista onde deságua”. No documento,
Januário também determina ao capitão Domingos Dias que conduza à missão todos os índios
que se encontrassem fora dela, e o instrui sobre o tratamento que deveria ser dado aos mesmos.
De acordo com o documento os índios, “amancebados”, deveriam se casar de acordo com as
leis da igreja e “havendo impedimento, fazendo que se case com outro que não tenha
impedimento”. Também deveriam trabalhar, “para terem o que comer e não furtarem”, e,
aqueles que fossem rebeldes a tal “doutrina”, deveriam ser presos e castigados, “como merecer
sua culpa”433 .
No requerimento feito por Martinho Afonso de Melo, morador no distrito de Papagaio,
citado acima, o coronel também faz referência a Januário Cardoso, sugerindo que ele e seus

432 Viana, Ibid. p. 50.


433 Certidão transcrita em 1968 do livro 10, folha 38 e verso, pelo escrivão de paz e oficial do registro de
Itacarambi, Francisco Nunes Pacheco, in BRAZ, Brasiliano. São Francisco nos caminhos da história, São
Francisco, 1977, p. 609.

217
primos façam a devassa e prendam o padre. No documento ele diz que Januário Cardoso não
ocupava nenhum posto militar, “mas é uma tal pessoa que por filho de Matias Cardoso de
Almeida, mestre-de-campo pago das conquistas dos sertões [de] Piancó, lhe são cometidas
muitas diligências dos governadores e justiças das Minas e ainda da Bahia”. Afonso de Melo
acrescenta ainda que Domingos do Prado Oliveira, primo de Januário Cardoso, também seria
“sargento e alferes pago do dito mestre-de-campo”, assim como Estevão Raposo Bocarro,
capitão da ordenança, e Salvador Cardoso, todos, “pessoas nobres com respeito, abastados de
bens e muito observantes e obedientes das ordens e justiças de V.M.”434 .
Quando faz a capitação, em 1736, Domingos do Prado, anota, entre as fazendas da
parte da Bahia, a fazenda do Arraial, “pertencente a terça do defunto mestre-de-campo Januário
Cardoso aplicada nesta capela de nossa Senhora do Bom Sucesso neste arraial Morrinhos ” 435 .
Segundo a relação, a fazenda contava com 27 escravos saudáveis e um decrépito e teria sido
pago 109 oitavas e ¼ de quintos reais.
Em 1742, o ouvidor da comarca de Jacobina, Manuel da Fonseca Brandão, faz uma
série de requerimentos ao rei pedindo que seja criada uma vila na povoação a que chamam
“arraial”, argumentando que esta ficaria, “em distância de mais de cem léguas”, e estava sob a
jurisdição do juiz e ouvidor da vila de Jacobina. O que, alega, representava grande dano para
os moradores e prejuízo para o “bem público e do meu serviço” 436 . Segundo informa o
desembargador Pedro Gonçalves de Cordeiro Pereira, em seu parecer feito no ano de 1724, o
Conde de Sabugosa havia determinado que ele fosse até o rio São Francisco e “erigisse o sitio
do Arraial em vila”. Isso não teria sido possível por causa de uma grande seca. Segundo ele, “a
necessidade que há de se criar aquele sitio em vila, é ainda muito maior por se achar com maior
número de moradores e fazendas de gado”.

434 REQUERIM ENTO do coronel Martinho Afonso de Melo ao rei [D. João V] solicitando ordem para devassar
o padre António Curvelo de Ávila e s equestrar seus bens. AHU_CU_BAHIA, Cx. 12, D. 1072.
435 LISTA de Capitação. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Livro 01, fl. 307/314.
436 CARTA do vice-rei e capitão-general do Brasil, Conde das Galveas, André de Melo e Castro ao rei [D. João

V] dando parecer sobre o requerimento do ouvidor da comarca da Bahia da parte do sul Manuel da Fonseca
Brandão, em que pede para criar uma vila na povoação do distrito do rio de São Francisco. AHU_CU_BAHIA ,
Cx. 73, D. 6156. O ouvidor Manuel da Fonseca Brandão foi nomeado qu ando a ouvidoria da parte Sul da Bahia
foi criada em 1734. Segundo a resolução do Conselho Ultramarino, homologado pelo rei por carta régia de 03
de julho de 1742, sua sede ficava em Jacobina e compreendia mais de 100 léguas do rio São Francisco desde a
vila de N. S. do Livramento das Minas do Rio de Contas até o distrito de Minas Novas e a comarca do Serro
Frio. Freire, Ibid, p. 146-147.

218
Embora admita que o arraial “é um dos melhores daquele país e tem muitos moradores
com casas estabelecidas”, e que, “aquele grande continente”, estaria “cheio de moradores”,
André de Melo e Castro, Conde das Galveas, considera que não seria hora para fazer “inovação ”.
De acordo com o vice-rei, “todos os que primeiro povoaram estes vastos sertões, foram os
criminosos e delinquentes”, que teriam se estabelecido nas margens do rio São Francisco,
buscado, “aquelas remotas e incultas paragens”, para fugir do rigor da justiça. Segundo ele,
“começar a inquirir e devassar culpas sepultadas há tantos anos”, poderia espantar os moradores,
como já havia acontecido na comarca do Ceará, na capitania de Pernambuco, que teria ficado
“quase despovoada”.
Certo é que o arraial de Matias Cardoso nunca seria elevado à vila. Em 1734 a região
sofreria um duro golpe com a morte de seus principais comandantes como vimos na carta do
Conde de Sabugosa, de 30 de junho daquele ano. Domingos do Prado, tutor dos órfãos de
Januário Cardoso e seu sucessor, abandonou o arraial, fugindo para a capitania de Pernambuco,
para evitar a sua prisão por causa do seu envolvimento nos motins do sertão. Pedro Cardoso,
seu sobrinho, que também era um importante proprietário de terras no sítio das Pedras de Baixo,
atual município de Pedras de Maria da Cruz, foi deportado para a África, também por causa da
sua participação no movimento sedicioso.
Em 1725, dando cumprimento à portaria real de 20 de janeiro de 1699, que determino u
que se criassem em todas as freguesias dos sertões da capitania um capitão-mor e os demais
cabos de milícia, o governador geral, Vasco Fernandes César de Menezes, passaria patente a
Manuel Pereira de Carvalho no posto de sargento-mor da freguesia de Nossa Senhora do Bom
Sucesso do Arraial, em lugar de David Soares de Albuquerque, que havia falecido 437 . Na
ocasião, José Correia do Vale ocupava o posto de capitão-mor. Em outubro de 1729, o mesmo
governador nomearia Domingos Gonçalves Barreiros, sargento-mor da freguesia de Nossa
Senhora do Bom Sucesso do arraial de Matias Cardoso 438 .
Em 20 de setembro de 1736, na carta patente de sargento-mor da freguesia de Nossa
Senhora do Bom Sucesso do Arraial de Matias Cardoso, passada a António José Vilela consta

437 REQUERIM ENTO de Manuel Pereira de Carvalho ao Rei [D. João V] solicitando confirmação da patente
do posto de sargento-mor da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Arraial. AHU_CU_BAHIA, Cx.
21, D. 1893
438 REQUERIM ENTO de Domingos Gonçalves Barreiros ao Rei [D. João V] solicitando confirmação de carta

patente do posto de sargento-mor da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Arraial de Matias Cardoso.
AHU_CU_BAHIA, Cx. 35, D. 3203.

219
que a freguesia possuía 60 moradores e se entendia por 25 léguas. José Vilela teria sido
conduzido ao posto porque Domingos Gonçalves Barreiros havia sido promovido a Coronel do
Regimento da infantaria de ordenanças do distrito do Geremoabo 439 . Já na patente de sargento-
mor do regimento da infantaria da ordenança dos distritos da barra do rio Verde, “onde se divide
a capitania da Bahia das Minas”440 , passada em maio de 1748, a Silvestre Fernandes dos Reis,
podemos ver que o regimento abrangia uma área de 50 léguas com mais de 250 moradores.
Em carta de Pedro Barbosa Leal, de 20 de fevereiro de 1727, ao conde de Sabugosa,
informando as distancias entre as minas e a cidade da Bahia, o coronel escreve que, do arraial
de Matias Cardoso até a cidade da Bahia, seguindo “por linha reta de Leste a Oeste se poderão
se achar 90 léguas, e pela linha tortuosa seguindo pela estrada das Minas do rio das Contas se
contam pelas jornadas 208 léguas”. Já pela “mesma linha tortuosa pelo rio de São Francisco
abaixo a sair pela estrada de Jacobina” seriam 258 léguas”441 . De acordo com o coronel, “das
Minas do rio das Contas ao Arraial há 96 léguas em que se gastam 15 dias de jornada”, e, de
Jacobina até o Arraial, “se contam 146 léguas pela linha tortuosa em que se gastam 24 dias de
jornada”.

3.3.2 - Guerra e patentes

Em 1710, ano em que o mestre-de-campo Atanásio Cerqueira deu início ao seu livro
de notas, ele já era um dos homens mais ricos e um dos mais importantes proprietários de terras
do sertão do rio São Francisco. Em 28 de junho de 1707, mesmo ano em que seus cunhados
Antônio Gonçalves Figueira, Pedro Nunes de Siqueira, Miguel Gonçalves Siqueira, João
Gonçalves Figueira e Manuel Afonso de Siqueira receberam sesmarias nas nascentes do rio
Verde e Pacuí442 , Sebastião de Caldas, então governador de Pernambuco, concederia a Atanásio

439 REQUERIM ENTO de António José Vilela ao rei [D. João V] solicitando confirmação de carta patente do
posto de sargento-mor da freguesia de Nossa Senhora do Bom Sucesso do Arraial de M atias Cardoso.
AHU_CU_BAHIA, cx. 57, d. 4879.
440 Silvestre Fernandes dos Reis. Carta de Confirmação. Sargento Mor de Infantaria na Barra do Rio Verde na

Baía. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 38,
f.166.
441 Index de várias notícias pertencentes ao estado do Brazil, e do que n'elle obrou o Conde de Sabugoza ao

tempo do seo governo. Códice n. 346 do Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fls 162. In.
Publicação Oficial de Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo. Volume XLVIII.
Arquivo do Estado de São Paulo, 1929. p. 105/7.
442 Alvará de 12 de abril de 1707. Capitão Pedro Nunes de Siqueira: uma légua de largo e três de comprido, nas

terras dos campos Tuatingas [Tabatinga], vizinhos das vertentes do rio Verde e Itaqui [Pacuí], principiando de

220
Cerqueira uma sesmaria com uma légua em quadra no lugar chamado Japoré, localizado há
cerca de 25 quilômetros do rio São Francisco, no município de Manga.
Em sua petição, o reinol afirma o seguinte:
que ele descobriu umas terras em um baixo a que chamam Japoré, quatro léguas
distantes, do Rio São Francisco para dentro e por serem terras muito capazes para
planta de canas de açúcar, que para criações de gados levantou nelas um engenho de
fazer açúcar de que já este ano [...] em que vive sua família, e sem contaminação de
pessoa alguma, e por serem terras devolutas quer o suplicante continuar com todas as
benfeitorias necessárias ao dito engenho, e outro sim quer fazer um Hospital no
mesmo lugar a sua custa para agasalho dos passageiros que vão e vem dos sertões em
que perecem muitos por falta de hospício e agasalho por ser obra de caridade para
estes 443

Figura 34– Rio Japoré – distrito de São Caetano do Japoré – Manga/MG – Acervo pessoal.

Além de ser importante referência para os moradores da região, Atanásio Cerqueira


também mantinha uma intensa comunicação com os governadores do Brasil, sendo procurado
para resolver inúmeras demandas relacionadas a diversos assuntos. Em uma série de cartas
publicadas na coleção de Documentos Históricos da Biblioteca Nacional podemos entrever a
dimensão dessas relações.

onde acaba a dada a Antônio Gonçalves Figueira. Seguem-se a essas as sesmarias dos outros irmãos, todas
vizinhas. Freire, Ibid, p. 111/2.
443 Sesmaria que se passou ao capitão-mor Atanásio Cerqueira de uma légua de terra na Capitania do rio de São

Francisco, freguesia do Rio Grande do Sul. (Livro Diversos I - 1689/1730 - Sesmarias V. 1 - Arquivo Público
do Estado de Pernambuco). Também disponível em Documentação histórica pernambucana: sesmarias. Recife:
[s.n.], 1954. p. 151-152. Anexo C.

221
Em outubro de 1704, Dom Rodrigo da Costa, então governador geral do Brasil, envia
uma carta para Atanásio Cerqueira tratando de uma tomadia que este havia feito ao capitão
Gaspar de Lima.444 A notícia do confisco do gado foi dada por Atanásio Cerqueira em outra
carta datada de dois de agosto do mesmo ano, quando o capitão-mor também teria enviado o
termo de arrematação da boiada. Segundo a correspondência, a tomadia foi realizada com o
auxílio do capitão Manuel Francisco de Oliveira445 e seu filho, Domingos do Prado.
Além de agradecer o cuidado e o zelo com que os mesmos executaram a diligência, o
governador garante que o empenho será recompensado, “caso continuem de maneira que
mereçam justamente a satisfação que devem esperar da real grandeza”. O governador, embora
reconheça que a arrematação tenha rendido “apenas trezentos e cinquenta mil e oitocentos réis”,
o que seria de pouco proveito para a Fazenda Real, e também para os seus executores, os
parabeniza por terem, eles mesmos, arrematado o gado. “Vossas Mercês obraram bem em
arrematar, por ser só bois, e cavalos e evitar, que na remessa dela para esta cidade (estando já
com tanto prejuízo) pudesse ter maior diminuição, no rigor da seca, e dilatados caminhos por
que se havia de conduzir”.
A quantia arrecadada deveria ficar depositada, “em mão de Domingos do Prado”, e,
metade, “que é o que lhes toca”, deveria ser dividida por Atanásio Cerqueira, “com a igualdade
que é justo”, com os demais participantes. O governador determina que a outra metade seja
remetida, “com toda a segurança a esta cidade, a entregar à ordem do provedor-mor da Fazenda
Real para mandar por a sua importância em arrecadação”. Dom Rodrigo pede que Atanásio
Cerqueira continue agindo com total vigilância e cuidado, para que não escape nada “do que
for para as minas, como do que delas vier, na forma da ordem de Sua Majestade”.
Ele lembra que eles devem fazer não apenas tomadias 446 de “bois, cavalos, fazendas
secas, e gêneros comestíveis”, mas também, e “muito especialmente”, de escravos, porque “de

444 CARTA para o capitão-mor Atanásio Serqueira Brandão, sobre a tomadia que se fez ao Capitão Gaspar de
Lima, parte que toca dela aos executores, fazer que não escape nenhuma, nem o ouro que das minas vier por
quitar. DHBN - vol. 40 - p. 212/214
445 Como já dissemos, o Capitão Manuel Francisco de Oliveira era casado com Catarina do Prado, irmã do

tenente general Matias Cardoso de Almeida. Além de Domingos do Prado, os dois também eram os pais de
Salvador Cardoso de Oliveira, marido de Maria da Cruz.
446 A utilização do caminho pela capitania da Bahia e de Pernambuco como rota mercantil para as minas e para

São Paulo foi proibida por duas cartas régias de 07 de fevereiro de 1701. CARTA sobre se não comunicar a
capitania da Bahia pelos sertões com as minas de S. Paulo, 07/02/1701. APB. Seção do Arquivo Colonial e
Provincial, Ordens regias, livro 6, doc. 114. CARTA não devem consentir que esta capitania se comunique
pelos sertões com as minas de São Paulo, 07/02/1701. ANTT. Manuscritos do Brasil, livro 43, fls. 163. Apud
Santos, Ibid, p. 182.

222
os levarem para as ditas minas, resulta a este Estado, e aos seus moradores, a última ruína, que
já se experimenta na falta deles, e dos mantimentos e mais lavouras de que se conserva o Brasil”.
Para finalizar, lembra a importância de se fazer vigilância muito cuidadosa para confiscar o
ouro, “que sai das minas por quintar”, o qual, segundo ele, se transportaria grande quantidade
pelos caminhos do sertão, mas que, “até o presente”, não se havia confiscado “nenhum”. Na
mesma ocasião o governador envia outra carta, tratando do mesmo assunto, para Domingos do
Prado de Oliveira447 .
Na tentativa de impedir o descaminho do ouro a coroa proibiu a utilização dos
caminhos que ligavam a Bahia às minas pelo sertão em 1701. Basílio de Magalhães diz que os
primeiros bandos nesse sentido foram publicados por Artur de Sá e Meneses em 23 e 25 de
setembro de 1701, tendo sido confirmados por carta régia de 09 de dezembro do mesmo ano 448 .
Em 1702, D. Álvaro da Silveira de Albuquerque teria reforçado a decisão através de atos
publicados em 16 e 25 de setembro daquele ano, e em 10 de 13 de março de 1703449 .
Márcio Santos afirma que a comunicação foi totalmente proibida em 1701, tendo sido
vedado “o transito de gado, mantimentos e mesmo pessoas”450 . Segundo o autor, também a
utilização dos caminhos pela capitania de Pernambuco teria sido proibida na mesma data e, em
1702, no entanto, teria sido publicado o “Regimento das Minas”, liberando o caminho para o
gado451 .
O controle da passagem, como destaca Santos, estava diretamente ligada a “conivê nc ia
ou a omissão dos proprietários que habitavam o sertão do São Francisco” e, para garantir a
efetividade da decisão, Dom Rodrigo da Costa teria enviado várias cartas ao tenente general
Matias Cardoso de Almeida, entre 1701 e 1703, para que este colaborasse com a fiscalização.
O autor chama a atenção para a posição estratégica do arraial de Matias Cardoso, na barra do

447 CARTA para Domingos do Prado de Oliveira sobre tomadia que se fez ao Capitão Gaspar de Lima, parte
que toca dela aos executores, fazer que não escape nenhuma, nem o ouro que das minas vier por quintar. DHBN
Vol. 40 p.210/1
448 Arquivo Nacional. Coleção Governadores do Rio de Janeiro, VII, 78 v., 131 e 132. Apud. Magalhães, Ibid,

p. 153.
449 Arquivo Nacional. Coleção Governadores do Rio de Janeiro, XIII e XIII - A, 27, 47 v e 100. Ibidem.
450 O autor faz referência aos seguintes documentos: Carta sobre se não comunicar a capitania da Bahia pelos

sertões com as minas de S. Paulo, 07/02/1701. APB. Seção do Arquivo Colonial e Provincial, Ordens regias,
livro 6, doc. 114; Não devem consentir que esta capitania se comunique pelos sertões com as minas de São
Paulo, 07/02/1701. ANTT. Manuscritos do Brasil, livro 43, fls. 163. Santos, Ibid, p. 182/3.
451 “Regimento das minas do ouro”, 19/04/1702. DH, Rio de Janeiro, v. LXXX, p. 329-344. Apud Mello, Ceres

Rodrigues. O sertão nordestino na longa duração (séculos XVI a XIX) . 1985. 265 f. Tese (Mestrado em Historia
do Brasil). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
1985. p. 54. Ibidem, p. 183.

223
rio Verde Grande, e diz que em uma das cartas fica sugerido que o general não estaria fazendo
cumprir a ordem régia. No documento o governador diz que, “muito encarrego a V. M. o efeito
deste negócio; porque obrando V. M. o contrário, o hei de sentir muito, estrando- lhe
[estranhando-lhe] faltar a dar execução as minhas ordens...”452 .
Santos destaca também uma carta escrita por Dom Rodrigo da Costa, em 1704, dirigida
a Domingos do Prado. Na carta, o governador pede ao paulista que forneça “algum gentio de
guerra”, para os capitães-mores Manuel da Rocha, Manuel Nunes Viana, Atanásio de Cerqueira
Brandão, o sargento-mor Domingos Lopes Guimarães e os capitães Manuel Francisco de
Oliveira e Manuel João de Carvalho para colaborar com as tomadias de escravos, cavalos, gado,
fazendas secas e gêneros comestíveis453 .
Em agosto de 1705, em carta para o capitão-mor Antônio Soares Ferreira, guarda-mor
das Minas de ouro454 , Dom Rodrigo parabeniza a este por sua iniciativa de escrever carta ao
capitão-mor Atanásio Cerqueira, e ao sargento-mor Domingos Lopes Guimarães, solicita ndo
que “dessem buscas às pessoas que viessem dessas minas, por aquelas partes, e que achando-
se algum ouro em pó, sem carta de guia o tomassem, e remetessem ao provedor-mor da Fazenda
Real deste Estado”, evitando, assim, os descaminhos.
A fiscalização também foi um desafio para o governador geral Luís César de Menezes.
Em carta de abril de 1709, ele demonstra a sua preocupação com os descaminhos, embora os
governadores que o antecederam tivessem publicado diversos bandos ameaçando os infratores
com penas graves. Segundo ele, os transgressores continuavam a “comerciar para as ditas minas,
levando grossos comboios de negros, cavalos e mais fazendas proibidas sem receio”455 . Embora
a carta não tenha o nome do destinatário, o governador pede todo o cuidado e vigilância na
apreensão, e que todos os oficiais, soldados e pessoas sejam alertados. Ele também repete a

452 Carta de Dom Rodrigo da Costa para o Mestre de Campo Matias Cardoso de Almeida, 07/05/1703. APB.
Seção do Arquivo Colonial e Provincial, livro/maço 149, s.f.; Carta de Dom João de Lencastro para o Mestre
de Campo Matias Cardoso de Almeida, 15/02/17. APB. Seção do Arquivo Colonial e Provincial, livro/maço
149, s.f.; Carta de Dom João de Lencastro para o Mestre de Campo Matias Cardoso de Almeida, 04/05/1701.
APB. Seção do Arquivo Colonial e Provincial, livro/maço 149, s.f.; Carta de Dom Rodrigo da Costa para o
Mestre de Campo Matias Cardoso de Almeida, 27/12/1702. APB. Seção do Arquivo Colonial e Provincial,
livro/maço 149, s.f.. Apud. Santos, Ibid, p. 184.
453 CARTA de Dom Rodrigo da Costa para Domingos do Prado. 16/01/1704. APB. Seção do Arquivo Co lonial

e Provincial, livro 149. Ibidem, p. 142/3.


454 CARTA para o Capitão-mor Antônio Soares Ferreira Guarda-mor das Minas de ouro, sobre se não poderem

acrescentar mais penas, àqueles que não quintam o ouro que prenderem-no, e remetê-los presos. DHBN, Rio
de Janeiro, vol. 41, p. 126/7. 1938.
455 Carta para os Coronéis sobre apresar combois. DHBN, Rio de Janeiro, vol. 41, p. 239/241. 1938.

224
ameaça de que, caso os oficiais não procedam ao confisco, eles próprios seriam considerados
transgressores, e pede a remessa da transcrição da ordem assinada por todos os oficiais, para
que não aleguem desconhecimento da ordem.
Em janeiro de 1713, é o governador geral, Pedro de Vasconcelos, que, em carta para
Antônio de Albuquerque, governador da capitania do Rio de Janeiro, pede notícias de Atanásio
Cerqueira e de seu primo, Manuel Nunes Viana456 .
Já em 1715, é o governador e vice-rei, D. Pedro Antônio de Noronha, o Marquês de
Angeja, que escreve ao reinol. Na primeira correspondência, de maio de 1715457 , confirma o
recebimento de uma carta enviada por Atanásio Cerqueira onde ele dá conta “do estado e aperto
em que se acham os moradores da Vila do Rio Grande do Sul”, por causa de novas ordens que
um sujeito a quem ele não teria nomeado havia trazido de Pernambuco.
As ordens, que determinavam a alteração da forma como se praticava a arrecadação
das fazendas dos defuntos e ausentes na vila, segundo o governador, poderiam provocar
inquietações entre os vassalos, e não deveriam ser observadas. Demonstrando contentame nto
pelo zelo e cuidado do capitão-mor, e por mantê-lo informado, avisa que estaria mandado nova
Portaria, juntamente com a carta, que determinava que não se devia “inovar ou alterar coisa
alguma sobre a arrecadação dos bens dos defuntos e ausentes”458 .
O governador também determina que Atanásio Cerqueira examine pessoalmente junto
ao juiz da Vila do Rio Grande do Sul como é feita a arrecadação e “tudo o que entender é preciso
para se pôr remédio às desordens que se podem seguir”. O juiz da Vila do Rio Grande do Sul,
como já dissemos, era o Capitão-mor Gregório de Abreu Pereira, primo de Atanásio Cerqueira.
Em setembro de 1715, o Marquês de Angeja escreve novamente a Atanásio Cerqueira,
desta vez para tratar do combate aos índios que causavam inquietação aos moradores do rio São
Francisco459 . Na ocasião, o governador dá notícia de já ter recebido, em seis de julho daquele
mesmo ano, uma carta do capitão-mor onde este confirma já ter recebido as suas ordens para o
combate, e que já estaria “montando a cavalo para se ir opor ao gentio bárbaro”. O governador

456 CARTA para Antônio de Albuquerque, Governador da Capitania Geral do Rio de Janeiro. DHBN, Rio de
Janeiro, vol. 70, p.138 a 140. 1945.
457 CARTA que se escreveu ao Capitão-mor Atanásio de Serqueira Brandão com a portaria que nela se cita.

Sobre as fazendas dos defuntos, e ausentes da vila do Rio Grande do Sul. DHBN, Rio de Janeiro, vol. 42, p.
243/4. 1938.
458 PORTARIA que se remeteu por via do Capitão-mor Atanásio Cerqueira CerqueiraSerqueira Brandão ao

Capitão-mor Gregório de Abreu Pereira, Juiz da Vila do Rio Grande do Sul. DHBN, Rio de Janeiro, vol. 54, p.
5/6. 1941.
459 CARTA que se remeteu a Atanásio de Serqueira Brandão. DHBN, Rio de Janeiro, vol. 70, p. 258 a 260.

225
elogia a “pontualidade e zelo” com que Atanásio Cerqueira “se opõe a invasão desses bárbaros”,
fala da necessidade de se formar uma “fronteira” que garanta o “sossego” da região e promete
se empenhar para buscar o reconhecimento real.
Além de Atanásio Cerqueira também o seu primo, Manuel Nunes Viana, participar ia
da empreitada. Em 20 de setembro, dois dias depois da carta dirigida a Atanásio Cerqueira o
Marquês escreve outra a Nunes Viana. Nas correspondências, Angeja afirma que o capitão
Garcia de Ávila Pereira lhe havia pedido para nomear um capitão paulista, “cujo nome não sei,
que me diz assiste desta parte”, para integrar a tropa. Contudo, diz o governador, ele só
nomearia após receber informações dadas pelos reinóis.
... assim espero me informe sobre este sujeito e de todas as ordens que vossa mercê
julgar lhe serem necessárias para eu as expedir porque só com informações de vossa
mercê e do Capitão Manuel Nunes Viana determino dar o provimento que for mais
conveniente a conquista desses bárbaros e fico com grandes esperanças de que vossa
mercê me mande boas notícias de tudo.

O capitão paulista a quem o governador se refere é Mateus Leme, mas, como ficou
dito anteriormente, ao contrário do que desejava Garcia de Ávila, o marquês acabaria nomeando
Manuel Álvares de Souza. Antes de nomeá-lo, contudo, Angeja também pede a opinião dos
reinóis. Em carta de 02 de novembro de 1715, escrita a Atanásio Cerqueira, o governador
encaminha a cópia de uma petição feita pelos moradores sugerindo o nome de Álvares de Souza
para comandar a guerra e indaga sobre a “capacidade e suficiência” dele para impedir a invasão
dos “gentios bárbaros”. Ele pede “brevidade” na resposta “para a vista dela resolver”460 .
A Nunes Viana461 , o Marquês lastima que não recebe cartas dele, “há mil tempos” e
comunica que enviou por Domingos Maciel, “um seu parente”, algumas correspondências.
Segundo ele, Garcia de Ávila Pereira havia lhe dito que recebera carta dele sobre as investidas
para evitar “os insultos que o gentio bárbaro vem fazendo sobre o Rio São Francisco”. O
Marquês pede a Nunes Viana que lhe informe sobre qual seria a melhor forma de combater os
indígenas e se será necessário enviar algum socorro de “pólvora e bala”, ou mesmo “puxar- se
por alguns índios mansos”, do Piauí.

460 CARTA que se escreveu a Atanásio Cerqueira de Serqueira Brandão. DHBN, Rio de Janeiro - vol. 42 -
p.298/9. 1938.
461 CARTA que se escreveu ao Capitão-mor Manuel Nunes Viana. DHBN, Rio de Janeiro - Vol. LXX, p. 262

a 264. 19.

226
Após comentar a insinuação feita por Nunes Viana de que a defesa da região era de
grande importância e que Garcia de Ávila estaria se omitindo, o governador repete a sugestão
do paulista como capitão-mor da guerra, e diz que só tomaria qualquer decisão após saber a
opinião dele. Além de dizer que não conhece, “o tal paulista”, nem a sua “capacidade”, ele
afirma ter conhecimento de que Atanásio Cerqueira já estaria “em marcha”, sendo “pessoa de
merecimento e capacidade”. O vice-rei diz que aguarda as informações, destacando a “grande
experiência, e o conhecimento” que Nunes Viana teria dos distritos e de todos os moradores, e
diz que, “só com os seus informes poderei segurar as minhas disposições”.
Enquanto os governadores de Minas se empenhavam em tentar expulsar Nunes Viana
do país, o marquês de Angeja demonstrava grande respeito pelo reinol. Chega inclusive a pedir
a sua opinião sobre assuntos diversos como a intenção da Câmara da Bahia de mandar para
aquela cidade todo o gado de alguns distritos da capitania. Se dizendo indeciso, sobre o “dano
ou proveito” da decisão, solicita que o capitão-mor sugira de quais distritos seria mais
apropriado enviar o gado, e de quais este deveria continuar seguindo para as minas. O
governador pede ainda a opinião de Nunes Viana sobre a alteração do método de cobrança do
quinto do ouro, que deveria passar a ser cobrado por bateias e não por trinta bateias anuais, e
fala ainda sobre o perdão concedido pelo juiz de Vila Nova da Rainha aos moradores que se
rebelaram contra a cobrança.
No regimento passado a Manuel Nunes Viana, em 30 de abril de 1717, sobre o seu
procedimento na guerra contra os índios do São Francisco, o Marquês afirma ter colocado sob
seu comando, “todos os capitães-mores, coronéis, sargentos-mores, e mais oficiais de milíc ia,
e assim mais todas as justiças daquelas vilas e lugares”462 . Além de determinar que o mestre-
de-campo faça uma lista de todos os homens e dos escravos que podem lutar, ele informa que
Garcia de Ávila havia indicado o paulista Mateus Lemes para capitão-mor e que, como Nunes
Viana havia lhe dado boas informações sobre ele, lhe concedeu a patente. Contudo, afirma que
havia declarado que este ficaria subordinado ao reinol. O governador informa ainda que as
despesas da guerra correriam por conta de Garcia de Ávila, que havia se oferecido “a fazer a
despesa desta guerra à sua custa”.

462REGIMENTO que há de seguir o mestre de campo comandante Manuel Nunes Viana. DHBN. Rio de Janeiro.
vol. 54, p. 233/8. 1941.

227
Nos Anais da Biblioteca Nacional existe a referência a três cartas do marquês de
Angeja sobre este episódio. Em uma das cartas, escrita em 13 de março de 1717, para Manuel
Álvares de Souza, capitão-mor do Rio Grande do Sul, ele diz que não poderia socorrê-lo com
pessoal para o combate aos índios. Em outra carta, do mesmo dia, essa escrita ao governador
de Pernambuco, D. Lourenço de Almeida, o marquês determina que este socorra ao capitão-
mor na luta contra os índios. A terceira, dirigida ao mestre-de-campo Manuel Nunes Viana, de
26 de julho de 1717, o governador aprova a sua decisão de ter marchado até a barra do Rio
Grande do Sul e as providências tomadas "para prevenir os ataques dos índios"463 .
Nesta última carta, o governador confirma o recebimento de outra do mestre-de-campo
informando da sua marcha até o rio Grande, o apoio reduzido que recebeu das missões e dos
moradores, e do regimento passado ao capitão-mor Mateus Leme. Com relação ao último, o
governador recomenda que este, além de combater os índios também deveria “aldear alguns ”464 .
Em novembro do ano seguinte é o Conde de Vimieiro, novo vice-rei do Brasil, que
escreve a Nunes Viana. Além de afirmar que foi informado por Garcia de Ávila de que o seu
antecessor o havia nomeado comandante da conquista dos bárbaros do rio Grande 465 , ele
determina que o mestre-de-campo dê prosseguimento à guerra, observando o regimento que lhe
fora passado pelo Marquês de Angeja.
Segundo a carta de alcaide-mor de Maragogipe, passada em 24 de maio de 1727 466 , a
Nunes Viana, ele teria servido nos postos de “capitão-mor e mestre-de-campo comandante da
guerra do gentio do rio de São Francisco e ribeira do Rio Grande desde o ano de 1703 até o de
1724”. Neste período, o reinol teria “impedindo as hostilidades” dos índios, que, intimidados e
destruídos, haviam se retirado do sertão, “deixando aquela ribeira livre e desembaraçadas para
o comércio dos vassalos, e cultura dos campos e nos sertões do rio de São Francisco”.
Na carta patente de capitão-mor das povoações novas de São Domingos até o rio Pardo,
passada a Antônio Pinheiro Pinto, anexa a seu pedido de confirmação feito a D. João V, em
janeiro 1724, podemos ver que foi “o mestre-de-campo comandante Manuel Nunes Viana” que

463 Anais da Biblioteca Nacional. Vol. 99, p. 8. Rio de Janeiro, 1979.


464 CARTA que se escreveu ao mestre-de-campo Manuel Nunes Viana sobre a marcha que fez à barra do Rio
Grande do Sul, e do que dispôs em ordem a embaraçar os insultos do gentio bárbaro. DHBN. Rio de Janeiro.
vol. 43, p. 65/66. 1939.
465 Carta que se escreveu ao mestre-de-campo comandante sobre prosseguir-se a conquista dos bárbaros. DHBN.

Rio de Janeiro. vol. 43, p. 169/70. 1939.


466 MANUEL NUNES VIANA. Carta. Alcaidaria Mor da Vila de Maragogipe. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 18, f.345.

228
o havia indicado ao posto e foi ele quem lhe deu posse no Rio de São Francisco, em março de
1720467 .

Figura 35 – Assinatura de Manuel Nunes Viana. AHU_CU_BAHIA, Cx. 18, D. 1622.

Ao contrário dos seus antecessores, Vasco César de Menezes não trataria Nunes Viana
da mesma forma. Em carta destinada a Januário Cardoso e Domingos do Prado, em março de
1722, ele demonstra descontentamento com as atitudes do reinol e chega a afirmar que ele
estaria se apelidando, “injustamente”, do título de mestre-de-campo. Segundo ele, como os
excessos do reinol fossem contínuos, estaria buscando “todos os meios para que se embaracem
os seus insultos” 468 . O governador afirma estar encaminhando um edital para que fosse
publicado, “em todos os arraiais e distritos”, sobre o assunto.
O edital, de 06 de fevereiro de 1722, teria sido originado por causa de uma disputa
entre Antônio da Silva Portilo e o padre Antônio Pereira, na qual Nunes Viana teria tomado o
partido do religioso, segundo o vice-rei, “em notório prejuízo da justiça, das leis e da razão”.
César de Menezes determina que nenhum morador obedeça, “em coisa alguma o referido
Manoel Nunes Viana”, nem que este seja reconhecido como mestre-de-campo, “porque o privo
daquele posto que indevidamente ocupava”469 . Com a determinação, que previa a restituição a

467 REQUERIM ENTO de Antônio Pinheiro Pinto ao rei [D. João V] solicitando confirmação da patente do
posto de capitão-mor das povoações novas de São Domingos até o rio Pardo do sertão da Bahia.
AHU_CU_BAHIA, Cx. 18, D. 1622.
468 CARTA que se escreveu a Januário Cardoso, Domingos do Prado, e justiças do rio de São Francisco com

um edital sobre Manuel Nunes Viana. DHBN. Rio de Janeiro. vol. 44, p. 232. 1939.
469 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. João V sobre o procedimento que se devia ter contra as

violências praticadas no sertão da Bahia pelo mestre de campo brigadeiro da conquista do gentio Manuel Nunes
Viana e Francisco do Amaral Gurgel. AHU_CU_BAHIA, Cx. 21, D. 1856.

229
Silva Portilo do “que indevidamente foi despojado”, o governador esperava acabar com as
“vexações, tiranias e violências” de Nunes Viana. Posteriormente, o vice-rei exigiria que Nunes
Viana se apresentasse, dentro de cinco meses, em Salvador. Do contrário, o mestre-de-campo
seria obrigado a pagar seis mil cruzados para as obras das naus da Ribeira. Como já vimos, após
chegar à cidade, Nunes Viana seria inocentado, mas se veria obrigado a pagar uma fiança de
vinte mil cruzados caso quisesse se ausentar. Tal decisão o levaria a buscar o perdão real em
Lisboa470 .
Também Atanásio Cerqueira teria problemas para garantir a patente de mestre-de-
campo regente do rio São Francisco. Em petição encaminhada ao rei solicitando o posto, em
março de 1719, o reinol diz que é “morador do sertão do rio de São Francisco estado do Brasil
duzentas léguas distante da cidade da Bahia”471 e que já havia iniciado o combate aos indígenas.
No documento, afirma ainda que, para “continuar a guerra contra o gentio à sua custa, sem que
V. M. haja de despender coisa alguma”, necessitava ser nomeado no posto para que todos os
capitães dos distritos, “de uma e outra parte do rio”, ficassem sujeitos ao seu mando.
Segundo declara, os índios ainda estariam “indômitos”, e andavam “para a parte do rio
Grande”, provocando destruição “em várias partes”, com grandes “insultos de mortes, roubos
e destruição dos gados”. O mestre-de-campo diz que já teria feito uma “entrada com a sua
gente”, e, os indígenas, “tímidos” haviam se retirado “a Serra”. De acordo com a petição, ele
estava disposto a continuar a defender os moradores e se “empregar na conquista”, fazendo para
isso todo o gasto por sua conta, “dando gente, armas e tudo o mais que necessário for”, mas que
os cabos não estariam lhe obedecendo.
Em carta enviada por Dom João a Dom Sancho de Faro, governador e capitão geral do
Brasil, em 09 de maio de 1719, respondendo ao requerimento, o monarca determina que, tendo
em vista os fatos expostos pelo capitão-mor, seja feita uma consulta ao Conselho Ultramar ino .
Diz ainda que, em se “achando que esta guerra que Atanásio Cerqueira Brandão intenta fazer

470 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. João V sobre o procedimento que se devia ter contra as
violências praticadas no sertão da Bahia pelo mestre de campo brigadeiro da conquista do gentio Manuel Nunes
Viana e Francisco do Amaral Gurgel. AHU_CU_BAHIA, Cx. 21, D. 1856; CONSULTAS DO CONSELH O
ULTRAMARINO – Rio de Janeiro – Bahia – Códice I-6,3,22. DHBN. Rio de Janeiro. vol. 90, p. 60/4. 1950.
471 CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. João V sobre a petição do capitão-mor Atanázio de Siqueira

Brandão em que pede o posto de mestre-de-campo regente sem soldo. AHU_CU_BAHIA, Cx. 12, D. 1021.

230
ao gentio é justa e é capaz de se lhe encarregar o posto” 472 , e tendo ele se oferecido para “fazê-
lo a sua custa”, seja passada a patente, “com as expressões que requer”.
Novamente em 24 de novembro de 1721, Dom João voltaria a remeter carta sobre o
assunto, dessa vez para o vice-rei, Vasco Fernandes César de Menezes. Depois de repetir os
argumentos, o rei comunica que, por resolução de 05 de maio de 1719, havia determinado ao
Conde do Vimieiro, ex-governador geral, que avaliasse se a guerra seria justa e se Atanásio
Cerqueira seria capaz de assumir o posto. Diz ainda que, em nova petição, o capitão-mor havia
lhe informado que não teria conseguido ir à cidade da Bahia se apresentar ao seu antecessor
para assumir o posto porque os moradores o haviam impedido. Segundo ele, temendo que, “com
a sua falta”, e sabendo da sua ausência, pudessem “experimentar” maior “prejuízo” por não
haver “quem lhe reprimisse o seu orgulho com maior ousadia invadiria todos aqueles povos, e
destruiriam as fazendas, e matariam gente”473 . O capitão-mor pede licença para que pudesse
tomar posse “por seu procurador bastante que o suplicante para isso constituir”.
Em 1723, contudo, Atanásio Cerqueira ainda não havia assumido o posto e o caso lhe
renderia alguma dor de cabeça. Em 15 de março Vasco Fernandes Cesar de Menezes lhe
escreveria pedindo que, “sem demora alguma”, fosse a sua presença porque ele não admitir ia
“desculpa alguma que se oponha a esta resolução”474 .
A carta foi entregue ao reinol por via do Coronel Pedro Leolino Mariz, que na mesma
data recebeu a seguinte determinação: “Logo que Vossa Mercê receber esta sem a menor
demora remeterá por um Oficial do seu Regimento a inclusa a Atanásio Cerqueira Brandão, de
quem cobrará recibo da sua entrega, o qual me mandará Vossa Mercê com a brevidade
possível”475 .
Como já vimos em seu livro de notas, o reinol segue para a cidade da Bahia ainda em
1723. Em 11 de outubro daquele ano, já na capital, ele apresentou um requerimento ao
governador onde diz ser “morador no sertão do rio de São Francisco nas suas fazendas

472 CARTA a respeito dos assaltos e depredações praticados pelos índios, nos sertões do S. Francisco, tendo o
capitão-mor, Atanazes de Siqueira Brandão, solicitado mercê do posto de mestre-de-campo sem vencimentos,
a fim de guerrear os índios. Lisboa, 09 de maio de 1719. APEB. Vol. 14, doc. 53p.
473 CARTA em que o Rei de Portugal declara Atanásio de Siqueira Brandão pretendido o posto de mestre-de-

campo regente a fim de combater o gentio bárbaro nas zonas do rio São Francisco onde reside, para evitar os
danos que os mesmos estão praticando; ordena o Rei se atenda ao suplicante se for justa a pretenção. Lisboa,
24 de novembro de 1721 – APEB. Vol. 15, doc. 48.
474 CARTA que se escreveu a Atanásio de Siqueira Brandão. DHBN. Rio de Janeiro. Vol. 45 p. 60, 1945.
475 CARTA para o coronel Pedro Leolino Mariz mandar entregar a carta acima. DHBN, Rio de Janeiro. Vol. 45

p. 60. 1945.

231
chamadas Barra de Carinhanha, distante desta cidade mais de duzentas léguas” e que ele teria
recebido uma ordem do dito governador “para que logo viesse a esta Bahia por ser assim do
serviço de S. M.”476 . De acordo com a petição, quando o decreto chegou às suas mãos, ele
estaria “gravemente enfermo” e que, ainda “mal convalescido”, teria se posto a caminho e pedia
“seja servido por sua grandeza conceder-lhe a faculdade para se por aos pés de V. Excelênc ia ”.
De acordo com o despacho anexo, o capitão-mor havia sido chamado até a cidade da
Bahia porque estaria se intitulando e exercendo o posto de mestre-de-campo regente da
conquista, sem ter sido provido nele. Devendo então declarar “os fundamentos que tem para
obrar semelhante excesso, justificando-se em tal forma da sua culpa que se execute o castigo
que merece”.
Em carta do rei, de 28 de junho de 1724, para Vasco Fernandes César de Menezes,
parece que o imbróglio finalmente teria sido resolvido. Segundo escreve Dom João, ele teria
tomado conhecimento, por duas cartas de 07 de junho e 29 de outubro de 1724, escritas pelo
governador, que o padre Frei Francisco dos Santos Freire, da Ordem de Cristo, teria apresentado
um requerimento, em nome de Atanásio Cerqueira, segundo o qual o capitão-mor teria se
oferecido para “tomar a sua custa a guerra do gentio bárbaro continente naqueles sertões”477 .
Requerimento que ele havia feito “em muitas ocasiões”. Segundo o pedido, o serviço seria feito
“sem mais prêmio que o de se lhe passar patente de mestre-de-campo da dita expedição, sem
soldo algum”.
Embora não seja muito claro, o monarca dá a entender que o governador teria se
persuadido de que o capitão-mor não só não teria “os requisitos que alegava para ser provido
no posto que pretendia”, como também só estaria requerendo o posto, “por interesses
particulares”. Tal entendimento teria se dado porque o padre não lhe pareceu “demasiadame nte
sincero”, e que, “sua pouca capacidade”, o teria induzido a acreditar “que exercitava o dito

476 PETIÇÃO de um morador da barra do Carinhanha. Livro 8º de Portarias – 1722 – 1724. Anais do Arquivo
Público e do Museu do Estado da Bahia, Imprensa Oficial do Estado. Ano III, vols. IV e V, p. 225. 1919.
477 CARTA do vice-rei e capitão-general do Brasil, Conde de Sabugosa, Vasco Fernandes César de Menezes

ao Rei [D. João V] informando sobre as averiguações necessárias para se saber a composição da gente que há
no sertão do São Francisco. AHU_CU_BAHIA, Cx. 22, D. 2018. CARTA do Rei de Portugal ao Governador
da Bahia sobre ser concedida a patente de mestre-de-campo para combater o gentio bravo a Atanásio Cerqueira
de Cerqueira Brandão, morador no distrito do Rio de S. Francisco; acerca das vilas que se podem formar no
referido distrito. Lisboa, 28 de junho de 1725 (4). APEB, Vol. 19 – Doc 64.

232
posto com os privilégios de tirar e de por os vigários, cometendo outros excessos dignos de
maior castigo”.
Por causa do acontecido, diz o documento, o governador teria mandado chamar o
capitão-mor “a sua cidade para examinar os motivos que tivera” e que, depois de ouvir as
explicações, teria compreendido que, “todas estas desordens” teriam nascido “da indústria com
que o referido padre pretendeu tirar-lhe bastante porção de oitavas”. Nas cartas, o governador
teria dito ainda que o Cabido “procedera a prisão” do padre Francisco Freire, “por algumas
culpas de que devia conhecer”.
No documento, Vasco Fernandes teria dito que Atanásio Cerqueira lhe havia provado,
“com os documentos que remeteis, e com a natural materialidade de que é composta a sua
ignorância que bem se mostrava que as quimeras do dito Freire tem sido a causa de alguns
distúrbios”, e que ele não teria “circunstâncias indignas ao emprego que solicitava”, nem tão
pouco, “culpas para lhe dares maior castigo que o da marcha de duzentas e cinquenta léguas”.
O rei, aprova a conduta do governador e ordena que ele faça um levantamento da
“gente de que se compõe os arraiais que há nos sertões do rio de São Francisco e que fregues ias
há neles e as vilas que se podem formar e a distância em que ficam dessa cidade da Bahia para
se poder tomar neste particular a resolução que for mais útil”.
Em seu despacho, de 20 de junho de 1725, Vasco Fernandes diz que ficava entendendo
que o rei teria aprovado, “o expediente que tomei sobre Atanásio Cerqueira Brandão”. Diz ainda
que, para declarar “a gente de que se compõem os arraiais que há nos sertões do rio de São
Francisco”, as freguesias e as distancias que essas ficavam da cidade da Bahia, necessitava fazer
“algumas averiguações”, e que essas não poderiam ser feitas naquele momento. No que dizia
respeito às vilas, “que nele se podem formar”, executaria tudo, como mandava a provisão de 09
de fevereiro daquele ano.
Em outra correspondência, dirigida ao mestre-de-campo, em 16 de dezembro de 1726,
Vasco César de Menezes, diz que havia recebido carta enviada pelo reinol com informações
sobre a chegada dos paulistas que ele havia mandado, “para com eles desalijar o gentio que se
avizinhava às fazendas do Rio de São Francisco”. O governador aprova a decisão e diz que
espera que sejam empregados, “nesta diligência”, todo o cuidado, zelo e atividade, “para que
se fique evitando o prejuízo daqueles moradores”478 .

478 CARTA que se escreveu a Atanásio de Siqueira Brandão. DHBN, Rio de Janeiro. Vol. 45 p. 152. 1945

233
Em 1730, Atanásio Cerqueira faria um novo requerimento ao rei, desta vez solicita ndo
a propriedade do ofício de escrivão do juízo ordinário da freguesia de São Francisco do Rio
Grande do Sul. Neste mesmo ano, em 19 de agosto, D. João encaminharia uma consulta ao
ouvidor geral da Capitania de Pernambuco e a cópia da petição pedindo o seu parecer sobre o
assunto e indagando se o cargo estaria vago e qual seria a sua lotação. Na petição feita pelo
reinol, cuja cópia infelizmente é muito ruim, podemos ver que Atanásio Cerqueira se apresenta
como “mestre-de-campo regente do Rio de São Francisco, cavaleiro professo da Ordem de
Cristo e morador na freguesia de São Caetano do Japoré, capitania de Pernambuco” 479 .

Em retribuição ao serviço, o mestre-de-campo teria oferecido “a sua igreja de São


Caetano do Japoré de que é senhor com todos os sacramentos e ornamentos necessários como
matriz da dita freguesia”. Segundo o documento, por resolução de 10 de maio de 1727, da Mesa
da Consciência e Ordem, a igreja já havia sido elevada a matriz da freguesia, “e dela estão de
posse os párocos, fazendo outras paróquias e oratórios”, tendo o mestre-de-campo, como afirma,
ficado privado do direito de padroado480 .
Em resposta à consulta real, escrita de Recife, em 18 de abril de 1732, o ouvidor geral
de Pernambuco afirma que o ofício de escrivão do juiz ordinário dos órfãos e ausentes da dita
freguesia havia sido criado, “assim como outras semelhantes”, pela resolução real de 20 de
janeiro de 1699, mas que nunca havia tido proprietário. De acordo com ofício, o provimento do
cargo era de responsabilidade do governo da Capitania, que, no entanto, não teria avaliação do
valor pago pelo seu rendimento, mas que, “pelo sumário incluso”, poderia render “duzentos mil
reis cada ano”. O ouvidor finaliza dizendo que, pelos serviços prestados pelo suplica nte,
“mencionado na petição inclusa”, este lhe parecia “merecedor do referido ofício”.
Ao processo foram anexos vários documentos, entre eles uma cópia feita em 08 de
janeiro de 1733 de um registro transcrito do “Livro dos Registros das Mercês que fez El Rei D.
João 5º”, de 1º de abril de 1722. Segundo o registro, “no título referente a Atanásio Cerqueira
de Brandão, filho de Luís Cerqueira de Araújo, natural de Ponte de Lima”, está anotada uma

479 REQUERIM ENTO do mestre-de-campo regente do rio de São Francisco Atanázio Cerqueira Brandão ao
Rei [D. João V] a pedir a propriedade do ofício de escrivão do juízo ordinário da freguesia de São Francisco do
Rio Grande do Sul que se acha vago, tendo em consideração a oferta que fez da sua igreja de São Caetano do
Japoré para matriz da dita freguesia. AHU_CU_ALAGOAS, Cx. 1, D. 64.
480 O direito de Padroado dá ao rei poderes para nomear bispos, cônegos e párocos, de arrecadar os dízimos, e

organizar a paróquia. Segundo Lana Lage da Gama Lima, tal direito “conferia à Coroa o direito de arrecadar e
redistribuir os dízimos devidos à Igreja e indicar os ocupantes de todos os cargos eclesiásticos, inclusive infra
episcopais”. LIMA, Lana Lage da Gama, “O Padroado e a sustentação do clero no Brasil colonial. Seculum -
Revista de História, vol. 30. João Pessoa, jan./jun. 2014. p. 47.

234
Portaria Real concedendo ao “mestre-de-campo regente no rio de São Francisco, sertão do
Brasil”, a serventia do ofício de Momposteiro- mor481 dos cativos do Rio de São Francisco pelo
tempo de três anos.

Figura 36 – Distrito de São Caetano do Japoré- Manga/MG – Acervo pessoal.

No final do documento está anotado que não havia outro assento referente a nenhuma
outra mercê, “que lhe fosse feita a ele nem a outra pessoa por respeito de seus serviços até o
presente”. Como podemos ver, na Portaria Real está dito que Atanásio Cerqueira seria mestre-
de-campo regente do São Francisco. Embora a data do documento seja de 1722, anterior ao
questionamento do governador, tudo indica que o capitão-mor tenha sido conduzido ao cargo,
ainda que em janeiro de 1733, data da cópia, não houvesse confirmação real. Mas, voltemos ao
provimento de momposteiro- mor482 .

481 Também nos arquivos da Torre do Tombo a provisão está disponível. ATANÁZIO DE SEQUEIRA
BRANDÃO. Provisão. Serveira do ofício de Momposteiro. Filiação: Luís Sequ eira. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 13, f.406.
482 Houve S. Majestade por bem tendo respeito ao que se lhe representou por parte do dito Atanásio Cerqueira

Brandão mestre-de-campo regente no rio de São Francisco, sertão do Brasil, aonde é morador em razão de que
por ser dilatado aquele distrito se pediram inumeráveis esmolas, e bens pertencentes a cativos por nele não

235
Nesse mesmo processo, além de uma certidão negativa assinada por todos os escrivães
do crime da corte e das cidades, datada de 07 de fevereiro de 1733, também consta uma certidão
do juiz do crime da cidade de Lisboa, Antônio Brabo da Gama, passada no dia 30 de janeiro de
1733, onde fica dito que, segundo informação do mestre-de-campo, ele era morador no rio de
São Francisco há mais de 30 anos e teria sessenta anos de idade.
Se o reinol foi oficializado no cargo não sabemos, mas é bem provável que, caso tenha
sido, ele não deve ter tido tempo de exercer a função porque, como já ficou dito, antes de
terminar o ano de 1733 Atanásio Cerqueira já havia falecido.

Figura 37 – Assinatura de Atanásio Cerqueira Brandão. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Feitos


Findos, Livros dos Feitos Findos, liv. 250.

haver Momposteiro mor nem pessoa que as arrecadasse e tendo Sua Majestade consideração ao deferido e ao
mais que se lhe representou resposta do promotor procurador geral dos cativos e ao que sobretudo se representou
pelo Tribunal da Mesa da Consciência e por esperar do dito Atanásio Cerqueira de Brandão que em tudo do
que se encarregar servirá bem e fielmente a S. M. convém fazer-lhe mercê da serventia do dito ofício de
Momposteiro mor dos cativos do Rio de São Francisco e distrito de que é mestre -de-campo regente por tempo
de três anos se o [...] antes não mandar o contrário e que haja com ele o ordenado e mais (provisões) e (percalços)
que diretamente e conforme ao Regimento do dito ofício que será obrigado a ter lhe pertencer e o gozará dos
privilégios, liberdades e franqueza concedidas ao dito ofício por Regimento provisões e sentenças; e assim
convir de tudo usam e gozam aos mais Momposteiros mores a correr os lugares da sua (mompostaria) para
neles arrecadar [...] o que por qualquer via pertencer a cativos perante o Escrivão de seu cargo que [...] carregará
[...] para tudo [...] Tesoureiro Geral da [...] na forma do regimento do dito [...] do qual [...] da mesa da
Consciência e ordens dará fiança a seu recebimento segura e abonadamente o Ouvidor daquela Comarca, o qual
lhe nomeará Escrivão que com ele sirva de que lhe foi passada provisão. Primeiro de Abril de 1722.

236
Conclusão

Para o conhecimento geográfico deste país, talvez prejudique em muitos sentidos o


fato de encontrarem os colonos só uns poucos nomes de lugares dados pelo s índios
espalhados ou ambulantes, razão por que é extremamente comum a repetição dos
mesmos nomes para rios, montanhas, povoados e fazendas diversas. Os nomes de
certos santos ocorrem tão frequentemente, que apenas se podem diferençar pelos mais
diversos epítetos; são igualmente abundantes certos nomes correspondentes às
condições físicas, como Cachoeira, Ipueira (vocábulo índio que significa lagoa),
Capão (trecho de mato isolado), Mato e Campo com diversos apelidos, Olho -d’água,
Poções, Pedras, Ribeirão e Riachão, Pilar, Bocaina e Boqueirão, Escadinhas, Lajes,
Curral e Curralinho, Retiro, Tapera (lugares de muda, para onde os rebanhos são
tocados, em determinadas épocas); outros mais, como Angico, Angelim, Juazeiro ,
Mangabeira, Gameleira, Aroeira, nomes de árvores; ou de animais, como Curimat á,
Piau, Capivari, Araras, Inhumas. Com outras denominações, os colonos eternizaram
o estado de espírito do momento em que se estabeleceram ali, como: Bonfim,
Bemposta, Boa-Morte, Sossego, Sem-Dentes, Foge-Homem, Arrependido e muitas
são as recordações votadas à pátria, de sorte que os nomes da maioria dos lugarejos
de Portugal se encontram de novo no Brasil483 .

Nessa viagem que começou na província do Minho, nas vilas localizadas nas margens
do rio de Lima, e veio dar nas barrancas do rio São Francisco, no norte de Minas, guiados pelo
“Livro de Razão” de Atanásio Cerqueira Brandão, tivemos a oportunidade de fazer descobertas
muito significativas. Três delas, no entanto, talvez mereçam destaque especial. Em primeiro
lugar, mas não mais importante que as demais, a constatação da forte presença portuguesa na
região, ainda no final do século XVII, especialmente dos minhotos. Possivelmente estimulados
pelas características regionais comuns, garantida pela existência de importantes rios que
permitiriam a reprodução aqui da estrutura socioeconômica a qual estavam acostumados no
vale do rio de Lima, os forasteiros se fixaram em uma extensa área no entorno do São Francisco
e de seus tributários.
Se no além-mar seus familiares se dividiam entre a vida militar, a produção agrícola e
o comércio, estes últimos beneficiados pela proximidade com o rio, também aqui eles
encontraram condições semelhantes e criaram uma ampla rede de colaboração baseada na
criação de gado, na produção de rapadura, aguardente e outros, e na comercialização de
produtos trazidos da cidade de Salvador. Este tripé, além de permitir o seu estabelecimento na
região, também garantiu a formação de fortunas opulentas.

483 MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von e SPIX, Johann Baptiste von. Viagem pelo Brasil (1817-1820). Belo

Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1981. vol. II, p. 142

237
Ao contrário da dicotomia que marcou a discussão entre a primazia paulista ou baiana
no processo de formação desta região, podemos agregar um novo elemento que teve um papel
extremamente significativo. Não só por impulsionar a formação dos currais de gado, mas
também por fortalecer o eixo comercial que assegurou aos moradores o acesso a produtos
essenciais para sua permanência na região. Enquanto reinóis e paulistas disputavam poder e
espaço nas minas, nos gerais essa relação se desenvolveu de forma muito mais pacífica e
colaborativa. Pelos registros de Atanásio Cerqueira podemos ver que o dinheiro e os produtos
circulavam entre eles de forma frenética, num processo contínuo de troca, comercialização e
empréstimo.
Em segundo lugar podemos destacar a comprovação documental da presença efetiva
da Casa da Torre na margem esquerda do rio São Francisco, no norte de Minas. A partir dos
assentos onde foram registrados os pagamentos pelos arrendamentos realizados pelos foreiros
estabelecidos na região, desde a barra do Rio Grande até a barra do Urucuia, e da confirmação
de que Manuel Nunes Viana também teria sido procurador dos Ávila, podemos asseverar de
forma inequívoca, como muitos já suspeitavam, que os domínios dessa família também se
estenderam até bem próximo a foz do rio das Velhas, pela margem esquerda do São Francisco.
Importante lembrar que, ao contrário da presença dos Guedes de Brito no norte de
Minas, sobre a qual nunca pairou dúvidas, graças à existência de farta documentação produzida
pelas disputas entre a família, os governadores e os moradores, e também pela existência do
Livro do Tombo484 , as referências do vínculo dos Ávila com a região eram bastante frágeis.
Em terceiro lugar, a oportunidade de conhecer em detalhes algumas relações
comerciais e territoriais estabelecidas na região ainda nos primeiros anos do século XVIII, que
se mostraram muito significativas. O volume de produtos e recursos que circularam pelas notas
do reinol demonstra a existência de uma sociedade muito mais complexa, robusta e vibrante do
que aquela que podíamos vislumbrar. Também o rol de pessoas citadas pelo reinol, nos permitiu
estabelecer novas conexões e trilhar caminhos ainda inéditos, enriquecendo a pesquisa.

484 PIRES, Simeão Ribeiro. Raízes de Minas. Montes Claros, Minas Gráfica e Editora, 1979. Tombo da Casa
da Ponte. “Tombamento dos prédios arrendados situados no Sertão do Rio de São Francisco, Termo da Villa
de Santo Antônio do Urubu, que pertencem à Casa do Ilmo. e Exmo. Senhor Conde da Ponte, de 1819”. Anais
do APEB. Salvador, n. 34, p. 9-83, 1957. Originais no APEB. Colonial e Provincial, 4.638. Tombo da Casa da
Ponte – 1819. Neves, Ibid, p. 40; Tombo da Casa da Ponte. “Tombamento dos prédios arrendados ou devolutos,
situados no Certão do Rio Pardo, Districto do Rio pardo, Districto de Minas novas, Comarca da Villa do
Príncipe do Serro Frio, Capitania de Minas Geraes”. Revista do IGHB. Salvador, n. 55, p. 431-485, 1929.

238
Além da confirmação do parentesco entre Nunes Viana e Atanásio Cerqueira, as
anotações do “Livro da Razão” nos permitiram perceber que a atuação de ambos na região foi
muito mais ampla. Tanto como procuradores da Casa da Torre e da Casa da Ponte, quanto para
o fortalecimento da criação de gado e do comércio local, funcionando como importante s
motores da expansão econômica regional.
Também a presença dos outros parentes do reinol, que possuíam rebanhos
significativos e promoveram uma intensa movimentação comercial na região. Em certidão
anexa ao processo de habilitação do sargento-mor Francisco Pires Lima, que era comerciante
de produtos e também mercador de escravos, podemos ver que, em 13 de fevereiro 1719, ele
pagou 270 mil reis pelo direito de trazer para as minas 60 escravos, “a razão de quatro mil e
quinhentos reis por cabeça”485 . Em 09 de maio de 1722, ele pagou outros 553.500 réis pelo
direito de mais 123 escravos, a quatro mil e quinhentos réis cada, e, em 14 de março de 1725,
mais um conto e quarenta e quatro mil reis, por 116 escravos, a nove mil réis cada, todos trazidos
para as minas.
As relações do reinol com Garcia de Ávila Pereira e Dona Perpétua Bezerra abrem
uma nova possibilidade de investigação e reforça a presença baiana no norte de Minas486 . A
partir das notas do mestre-de-campo, podemos ver que a presença de Francisco Aragão e
Perpétua Bezerra na região foi intensa. O casal, além de ter currais em Carinhanha, também
possuía grandes rebanhos no rio das Velhas, no Jequitaí, no Urucuia e no Paracatu.
Vários assentos e três personagens demonstram a relação comercial que os moradores
mantinham com os criadores de gado do Piauí. O primeiro é João Correia do Lago, um dos
primos do reinol, que possuía uma sesmaria naquela capitania; o segundo é o mestre-de-campo
Antônio da Cunha Souto Maior487 , “morador no Piauí”, a quem Atanásio Cerqueira afirma estar

485 DILIGÊNCIA de Habilitação para a Ordem de Cristo de Francisco Pires Lima - Natural de Santa Eulália,
Refoios do Lima, termo de Ponte de Lima, sargento-mor na Baía, primo do tenente Brás Vieira Mendes, natural
de Olivença, filho de João Vieira Mendes, filho de Manuel Pires e de sua mulher Antónia Cerqueira de Lima.
Consulta sobre as suas provanças. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Mesa da Consciência e
Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra F, mç. 37, n.º 12.
486 Uma sobrinha de Francisco de Araújo de Aragão, marido de Dona Perpétua Bezerra, chamada Catarina

Francisca Correia de Aragão Vasqueanes, filha do Coronel Francisco Barreto de Aragão, foi casada com
Francisco Dias de Ávila, filho de Garcia de Ávila. Calmon, Ibid. p. 190.
487 Pereira da Costa citando Bernardo Pereira Berredo, cronista português que governou o Maranhão e escreveu

os Anais Históricos do Maranhão, diz o seguinte sobre o mestre-de-campo: “seguia-se a nova sucessão de 1713,
e a ela também a fatalidade da lastimosa morte de António da Cunha Souto Maior, que, servindo o emprego de
mestre-de-campo da conquista do Piauí, os mesmos tapuias de sua obediência, com quem fazia a guerra a todos
os de corso daquele vastíssimo país, aleivosamente lhe tiraram a vida, que tinha fe ito merecedora de larga
duração, assinalada honra do seu procedimento". Costa, Ibid. p.78.

239
devendo 1.975 oitavas e meia de ouro, “do gado que me vendeu” 488 , e o terceiro é Nicolau
Lopes Fiúza.
Este último, também reinol, do Minho, primo e testamenteiro de Manuel de Brito,
tio de Atanásio Cerqueira, foi casado com Isabel Maria de Aragão 489 , em primeiras núpcias, e
com Francisca Isabel Barreto de Menezes, e era dos principais homens de negócio da Bahia.
Segundo Jaboatão, obteve carta de sesmaria no Parnaguá, no Piauí, “para nela acomodar 14 mil
cabeças de gado procedido do contrato dos dízimos arrematado pelo casal”490 . Segundo a carta
de sesmaria, teria descoberto à suas custas as terras da serra Vermelha pelo rio Gurguéia.
Além de anotar que devia aos herdeiros do capitão Nicolau Lopes Fiúza oito oitavas
de ouro, “fora das mais contas que com ele tenho”491 , tanto em seu testamento quanto nas
últimas páginas do seu livro, o mestre-de-campo faz uma extensa narrativa sobre três disputas
judiciais movidas pelo segundo marido de Isabel, o capitão Francisco Muniz Barreto.
Uma das disputas trata de uma dívida relacionada à cobrança do dízimo que o mestre -
de-campo teria feito para Lopes Fiúza. Segundo Atanásio Cerqueira, ele teria recebido dois mil
cruzados referentes a um gado que havia sido levado para a região do Paracatu, para povoar as
terras de Lopes Fiúza, e que deveriam ser retirados, “como me ordenou por carta sua o dito
defunto”, dos dízimos que ele havia cobrado ou mandado cobrar. Os dízimos seriam devidos
pelo capitão Francisco Martins, “como constará das minhas cartas que em sua vida lhe escrevi
e avisos que lhe fazia em resposta das suas”.
O reinol diz que a fazenda da Tabua ainda devia o tributo e que, quando ele teria feito,
“o negócio de cobrar ou mandar cobrar estes dízimos”, havia combinado retirar do que fosse
“apurado” o “meu quarto”, como poderia se ver do “escrito que em meu poder está”. De acordo
com ele, os recibos de tudo o que foi cobrado e remetido e ainda daquilo que se devia dos
dízimos dos gados, constavam, “das contas ou clarezas que tirei das fazendas os quais lançava”,
e também das “notificações” no livro dos gados. O ouro referente ao pagamento, diz, teria sido
entregue ao caixeiro Francisco Álvares e ao Capitão João Lopes Fiúza, testamente iro do irmão.

488 Brandão, Ibid. p. 41.


489 CALMON, Ibid. p. 623.
490 Segundo Calmon, Francisca Isabel Barreto de Menezes seria irmã de Eugênia Tereza, casada com João

Lopes Fiúza. João Lopes Fiúza. Capitão da Companhia de Infantaria da Ordenança dos distritos de Nª Srªda
Ajuda da cidade da Baía. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/ Registo Geral de Mercês, Mercês
de D. João V, liv. 7, f.505.
491 Brandão, Ibid. p. 89.

240
O capitão Francisco Martins, citado acima, e em outros assentos do reinol, é um
importante proprietário de terras no Recôncavo Baiano, dono de engenhos na vila de Nossa
Senhora da Purificação. Natural da cidade da Bahia, cavaleiro da Ordem de Cristo e familiar do
Santo Ofício, ele é pai de Domingos Martins Pereira, marido de uma das filhas de Maria da
Cruz e Salvador Cardoso, chamada Catarina do Prado 492 . Seu filho, em 1716, era coronel de
infantaria do Sertão de Rodelas, jurisdição do mato para cima, e, posteriormente chegou a
capitão-mor493 .
Em março de 1726, o provedor-mor da Fazenda Real, Bernardo de Souza Estrela diz
que os moradores costumavam arrematar o contrato dos dízimos dos gados, “que principia no
sertão na fazenda chamada a [...] na beira do Rio de S. Francisco e por ele acima até a barra do
Rio das Velhas” 494 , por cerca de quatorze a dezesseis mil cruzados. No ofício sobre o
rendimento do contrato dos dízimos da Bahia e Pernambuco, em que Souza Estrela relata as
perdas dos contratadores dos dízimos, depois que as capitanias foram separadas de Minas
Gerais, pelo Conde de Assumar, este diz que o contrato abrangeria cerca de 190 léguas. A área
compreendia “todas as fazendas que há pelos sertão”, as quais pagam o dízimo por cerca de
2.400 cabeças de gado, mais ou menos, “conforme é o ano”, além de 20 cabeças de cavalos e
seiscentos mil reis de miunças.
Segundo o documento, a parte desmembrada pelo Conde de Assumar, “do rio Verde
para cima para a comarca do Serro do Frio”, costumava pagar o dízimo por cerca de 500 cabeças
de gado vacum e cavalar e mais 300 mil réis de miunças, num total de 1.497.810 réis. Já na
parte desmembrada, na capitania de Pernambuco, que compreendia a barra do rio Carinhanha
para cima até a comarca do rio das Velhas, na Vila de Sabará, os moradores costumavam pagar
os dízimos por cerca de 450 cabeças de gado vacum e 20 cabeças de gado cavalar, num total de
227.480 réis, e de miunças mais 400 mil réis. De acordo com Souza Estrela, cada cabeça de
gado vacum seria vendida por 3/8as e ½ de ouro e o gado cavalar a 16/8as cada uma, “nos seus
pastos”. Mas, nas Minas, cada cabeça de vacum era vendida pelo contratador por 8/8as, “cada
uma livres dos dízimos” e o cavalar a 32/8as.

492 DILIGÊNCIA de Habilitação para a Ordem de Cristo de Domingos Martins Pereira. ARQUIVOS
NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/ Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo,
Letra D, mç. 1, n.º 16. D.
493 DOMINGOS MARTINS PEREIRA. ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/ Registo Geral de

Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, f.367. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. João V, liv. 28, f.229
494 OFÍCIO sobre o rendimento do contrato dos dízimos da Bahia e Pernambuco. AHU_CU_ULTRAMAR, Cx.

2, D. 148.

241
Antes da capitania ser desmembrada o contrato dos dízimos de Pernambuco, que
começava no sertão da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Cabrobó e seguia pelo rio
São Francisco até a barra do rio das Velhas, num total de 409 léguas, costumava render cerca
de 8.000 mil cruzados, de aproximadamente quatro mil cabeças de gado vacum e 130 cavalar,
e mais três mil cruzados de miunças.
Como podemos ver, a região norte mineira seria responsável por pouco mais de 10%
da arrecadação dos dízimos do contrato pernambucano, e por pouco mais de 20% da parte
baiana. Embora seja difícil precisar a quantidade de cabeças comercializadas anualmente a
partir das notas de Atanásio Cerqueira, é possível intuir que este número seria bem maior que
500 cabeças. Possivelmente grande parte do rebanho comercializado escapava ao pagamento
do dízimo.
Em seu texto, “Paisagens de Um Grande Sertão: A Margem Esquerda do Médio São
Francisco nos Séculos XVIII a XX”, Angelo Carrara, diz que, com relação à margem esquerda
do rio São Francisco, “não possuímos registros de ocupação por meio de concessões
sesmariais”495 . Citando Inácio Acioli, ele destaca que a posse da terra teria se dado a partir da
simples ocupação, segundo a qual, os primeiros que teriam povoado a região, “apoderaram- se
da porção de terras que quiseram para situar fazendas de gado”. Estas terras iam, posteriorme nte,
sendo transferidas por venda, doação ou herança, “sem contendores”. Acioli diz ainda que
existiam algumas porções de “campos devolutos”, nos “Gerais do Rio Preto” e ainda “matos
no termo do julgado de Carinhanha”, onde ninguém ainda havia se interessado ocupar, “nem
de sesmaria e nem de foro”, e os terrenos ainda não haviam sido medidos, nem tão pouco
demarcados.
Embora acerte ao dizer que as terras pertenceriam à Casa da Torre, Acioli erra ao
afirmar que as terras estariam abandonadas. Como podemos ver pelo livro de Atanásio
Cerqueira, já nos primeiros anos do século XVIII, elas estavam largamente ocupadas por
importantes currais de gado e a maioria dos moradores pagavam forro aos Ávila. Também
podemos observar que as terras entre a barra do rio Grande do Sul e o Urucuia, inclusive as do
Carinhanha, foram paulatinamente adquiridas pelos foreiros.

495 Acioli. RAPM, v. p. 702, Apud. CARRARA, Angelo. “Paisagens de um grande sertão: A margem esquerda
do médio - São Francisco nos séculos XVIII a XX”, Ci. & Tróp., Recife, v. 29, n. 1, p. 61-123, jan./jun., 2001.
P. 79.

242
Ao contrário de Acioli, em seu texto, Carrara lembra que a região “mantinha uma
produção pecuária à roda dos meados do século XVIII, conforme se vê nos registros do dízimo
das fazendas situadas nos vales dos rios Formoso e Carinhanha”. Ele chama a atenção para a
baixa densidade demográfica da região, lembrando que isso pode ser relativo. Nesse sentido ele
destaca um texto escrito em dezembro de 1698, que é bastante pertinente para finalizarmos este
trabalho. Peço licença ao autor para reproduzir também aqui o trecho destacado por ele. Diz o
seguinte o texto:
todos os sertões que ficam dentro destes braços [norte e sul, d esde a Barra do Rio
Grande do Sul] estão povoados de moradores brancos, os quais situaram suas fazendas
e casas em todas as partes daqueles desertos, em que acharam águas, campos e terras
capazes de criarem seus gados e cultivarem suas plantas, exceto algu ns lugares que
defende o grande número de bárbaros que os habitam. ( ... ) O rio São Francisco está
descoberto e de uma e outra banda povoado até distância de trezentas léguas; e isto se
entende, computando-o somente por dimensão direta, seguindo o curso ao comprido
da mesma água; porque computando-se pelos lados, não se lhe sabe conta certa, assim
porque a vastidão dos campos transversais parece quase imensa, como também porque
neste rio maior vão a desaguar e a incorporar-se por uma e por outra banda outros
muitos rios os quais vão cruzadamente retalhando esses sertões; esses rios transversais
também por uma e outra banda estão em mui grande distância de légua descobertos e
povoados, porque a água é o reclamo que convida para a habitação de suas margens,
por ser na sua vizinhança mais cômoda a vivenda 496 .

496 CONSULTAsobre o estado das missões do sertão da Bahia; in: ABBN, 31, docs. 343 e 344, de 18.12.169 8.
Apud, CARRARA. Ibid. p. 79/80.

243
Anexos

A - Luís Cerqueira Brandão - Provisão de tença de 18$000 réis; 12 de junho de 1744. Filiação :
Atanásio Cerqueira - ARQUIVOS NACIONAIS/TORRE DO TOMBO/Registo Geral de
Mercês, Mercês de D. João V, liv. 35, fol. 69
Observação: existe aqui provavelmente um erro de anotação na primeira data que aparece
grafada como 1726 no original existente na Torre do Tombo. O ano correto provavelmente é
1706, como aparece na segunda linha, já que seria difícil imaginar que uma pessoa pudesse
servir na cavalaria por mais de 65 anos.

Houve Sua Majestade por bem tendo respeito aos serviços do dito Luís Cerqueira e Araújo
depois de despachado pelos serviços obrados na Cavalaria da Província do Minho por mais de
18 anos até 17 de junho de 1726 (1706)* em praça de Furriel mor em os postos de Alferes e
tenente, e no ano de 1706 receber do inimigo no Alentejo duas feridas em um braço de que
morreu, cuja ação de serviços foi julgada por ... de juízo das justificações a José de Cerqueira
Pinto, vigário da freguesia de Cabração, Termo de Ponte de Lima e Atanásio Cerqueira Brandão
e a D. Maria Margarida filhos do dito Luís Cerqueira e Araújo os quais por escritura
renunciaram as [...] que lhes tocavam nos [...] serviços em Luís Cerqueira Brandão, neto do
mesmo Luís Cerqueira e Araújo em satisfação de tudo e do mais que por sua pessoa se lhe
representou [...] S. M. por bem fazer mercê ao dito Luís Cerqueira Brandão de 18$000 réis de
tença [...] cada ano em vida a complemento dos 30 com que lhe deferiu pelos serviços do dito
seu avô por quanto dos 12$000 réis que faltam para complemento deles se lhe há de passar
padrão de [...] pela Repartição das ordens a que pertence [...] o lugar o título [...] Hábito da
ordem de Cristo [...] que lhe tem mandado lançar com este 18$000 réis lhe [...] de ser assentados
em um dos [...] em que couberem sem prejuízo de terceiro o não haver proibição e o vencime nto
de [...] de 23 de junho do ano de 1734 dia em que lhe fez esta mercê [...] de anexo [...] na forma
que S. M. for servido resolver na consulta do Conselho da Fazenda esta mercê lhe faz com a
cláusula geral na forma do Decreto de 17 de janeiro de 689 de que lhe foi passado padrão a 12
de junho de 1744.

B - Requerimento do coronel de regimento da ordenança da Freguesia de Santo Amaro da


Pitanga da Bahia, Antônio da Silva Pimentel ao Rei [D. Pedro II], filho de Antônio da Silva
Pimentel, solicitando mercê por serviços prestados contra os Gêges e outros índios, no rio de
São Francisco, onde foi por mandado de Francisco Dias De Ávila. 22-07-1699 -
AHU_CU_BAHIA-LF, Cx. 33, D. 4224

244
Francisco Dias de Ávila Cavaleiro professo da ordem de Cristo e Coronel do Regimento desta
cidade da Bahia

Certifico que tendo notícias no ano de 674 o governador e Capitão que foi deste Estado Afonso
Furtado de Castro do Rio e Mendonça que as aldeias do gentio Guesgues com outras mais se
haviam rebelado contra os moradores do Rio de São Francisco destruindo lhes e matando lhe
os gados e todos se queriam ausentar, o que resultaria grande prejuízo não só a fazenda real por
respeito dos dízimos, mas a esta capitania pela falta de gado que atualmente desse daqueles
sertões. Por fazer esse serviço a V. M. me oferece ao dito governador e capitão a fazer esta
guerra a minha custa para o que mandou passar patente de Capitão maior durante a dita guerra
(se eles se não quisessem reduzir) e indo a darem […] a dita ordem me saíram ao caminho hum
homem branco e três mulatos e quatorze negros todos armados e cavallos para as cargas da sua
passage dizendo me se chamava Luiz Gomes Cortes e era criado de Antonio da Sylva Pimente l
fidalgo da Caza de S. Mage. que lhe administrava as suas fazendas da Japaratuba e os mais seus
escravos e lhes ordenava me acompanhasse sua custa como o fizerão todo o tempo que me foy
necessário assistir a dita deligencia que passou de anno e meyo e achando se todos sempre
comigo assy na peleia do Pajahu que dista desta cidade mais de cento e sincoenta legoas donde
tinha assentado arayal e por se não quererem reduzir a paz se matarão muitos indios, como em
duas ocazoins mais que tem seguindo os mais de cento e vinte legoas donde os acabey de reduzir
por forsa de armas e trazendo prezos coatrocentos e vinte e coatro entre homens, mulheres e
meninos; e em todas estas occazioins me acompanhou sempre o dito criado Luís Gomes Cortes
e escravos do dito Antonio da Sylva Pimentel havendo se em todas com grande valor em tudo
o que se lhes encarregou do serviço de S. Mage. e oferecendo lhes por vezes assy o sustento
como polvera e balla para as ocazioins por eu hir fazer aquella guerra a minha custa o não
aceitarão dizendo me não necessitavão de couza algua, porque tinhão ordem para se lhe dar
tudo a custa do dito Antonio da Sylva Pimental por querer fazer este serviço a S. Mage. Pello
que o julgo digno e merecedor de toda a honra e merce que o dito .. for servido fazer lhe. Passa
o referido na verdade pelo juramento dos evangelhos e por me ser pedida mandey passar a
prezente sob o meu signal e sello de minhas armas. Bahya 20 de dezembro de 1676. Francisco
Dias de Ávilla

245
C - Sesmaria que se passou ao capitão-mor Atanásio Cerqueira de uma légua de terra na
Capitania do rio de São Francisco, freguesia do Rio Grande do Sul. (Livro Diversos I -
1689/1730 - Sesmarias - V. 1 - Arquivo Público do Estado de Pernambuco). Também disponíve l
em Documentação histórica pernambucana: sesmarias. Recife: [s.n.], 1954. p. 151-152.

Sebastião de Caldas do Conselho de S. M. commendador da Commenda de S. Maria de


Covilham, da ordem de Christo, Governador de Pernambuco e mais capitanias anexas, e etc.
faço saber aos que esta carta de doação de sesmaria virem que o cap. mor Atanásio Cerqueira
Brandão me representou a petição cujo teor é o seguinte: Sr. Diz o Capitão – mor Atanásio
Cerqueira Brandão, morador no rio de S. Francisco, freguezia do Rio Grande do Sul, que elle
descobrio umas terras em um baixo a que chamão Japoré, quatro léguas distantes, do Rio S.
Francisco p.ª dentro e p.r serem terras mui capazes para planta de cannas de assucar, que para
creações de gados levantou nellas um engenho de fazer assucar de que já este anno [...] em que
vive sua família, e sem contaminação de pessoa alguma, e por serem terras devolutas quer o
suplicante continuar com todas as bemfeitorias necessárias ao dito engenho, e outro sim quer
fazer um Hospital no mesmo lugar a sua custa para agasalho dos passageiros que vão e vem dos
certões em que perecem muitos por falta de hospício e agasalho p.r ser obra de caridade p.ª
estes, com augmento dos dízimos reaes de S. M. portanto pede a VS.ª que attendendo ao que
relata conceder-lhe em nome de S.M. uma legôa de terra em quadro no dito brejo Japoré ,
fazendo pião da caza do engenho do suplicante, E. R. M. ce = Informe o Provedor da fazenda
real, ouvindo o Procurador da coroa. R.e 27 de junho de 1707 = Barros. = Não tenho dúvida,
sendo a data feita na forma da ord. Iº ...4º. tº. 43 = e pagando foro na forma das ordens de S. M.
e assento da junta. R.e 27 de junho de 1707. = Pereira. = Sr. Conformo-me com o parecer do
Procurador da fazenda de S. M. que Ds Ge. E VSª mandará o que for servido. R.e 28 de junho
de 1707. João do Rego Barros. Na forma que aponta o Procurador da Coroa, e informação do
Provedor da fazenda real, se passe a carta que pede o suplicante. R.e 28 de junho de 1707 =
“Rubrica. = E havendo outro sem respeito ao que S. M. me concede no Capitulo 15 do
Regimento deste governo. Hei p.r bem de fazer mercê ao suplicante acima nomeado, como pela
presente dou sesmaria em nome de S. M. que Ds G.e, nos mesmos lugares, confrontados em
sua petição uma legôa de terra em quadro, fazendo pião na caza do engenho de novo fabricado,
pagando de foro quatro mil reis p. r cada legôa, o qual suplicante povoará dita terra no tempo
de cinco annos, aliás se darão p. r devolutas, e as possuirá o dito supp.e e seos herdeiros, não

246
prejudicando a terceiro, com todas as suas agôas, campos, mattas, testadas, logradouros, e mais
úteis que nellas se acharem e será obrigado a dar pela dita terra caminhos livres ao Conselho
p.ª fontes, pontes, ou pedreiras, e a requerer a confirmação desta data p.r S. M. no termo de
dous annos. Pelo que ordeno a todos os ministros da fazenda e justiça destas capitanias, a que
o conhecimento desta carta pertencer lhe facão dar a posse real effectiva, e actual, na forma
costumada e debaixo das clausulas referidas, e das mais da ord. t.º de sesmarias que p.r firme za
de tudo lhe mandei passar a presente p.r mim assignada e selada com sinete de minhas armas,
a qual se registrará nos livros da Secretaria deste Gov.º nos da fazenda e foral real, e sem esta
precisa circustancia não terá vigor nem validade a presente carta de sesmaria. Dada neste Recife
de Pernambuco em os trinta dias do mez de junho de 1707 = José de Brito Menezes a fez = o
secretario Antonio Barboza de Lima e fez escrever = Sebastião de Castro Caldas =

D - Sesmaria Atanásio Cerqueira Brandão – APM - SC 12, p. 18v.

Dom Pedro de Almeida, etc. Faço Saber aos que esta minha carta de sesmaria virem que
havendo respeito ao que por sua petição me enviou a dizer o capitão mor Atanásio de Sequeira
Brandão morador no caminho dos currais representando-me que na passagem do ribeirão dos
[Mossus] até sair da barra do riacho chamado das Abóboras se acham três capoeiras deixadas
há muito tempo que foram uma de Domingos de Moura e Miguel de Atoleiro, outra do capitão
José Antunes Vieira, e outra donde chamam os Macacos de um fulano de Sobral e pelo curso
do tempo em que foram deixadas se acham devolutas pelos primeiros povoadores delas ao
largarem e as não cultivarem como eram obrigados, e porque convinha ao bem comum e não
prejudicava a terceiro o darem se as ditas terras a qualquer pessoa que quiserem fabricá-las, e
se tinha bastantes escravos como que o fazer e se queria situar nelas passando-se lhe carta de
sesmaria das ditas terras e todas suas partilhas, principiando na barra do ribeirão dos Macacos
que faz na Paraopeba acima até a barra do riacho das Abóboras com quatro léguas em toda a
distância por lhe ser necessário assim para a cultura como para trazer os seus gados, ficando lhe
as ditas terras livres de todo o foro, pensão, ou tributo e só dízimos a Deus nosso Sr., e visto
seu requerimento e informação que sobre ele tomei em que se não ofereceu dúvida. Hei por
bem fazer mercê de lhe dar de sesmaria quatro léguas de terras em quadra na paragem e forma
declarada em sua petição, e esta mercê lhe faço sem prejuízo de terceiros nem dos moradores
que de presente houver nas ditas terras, aos quais havendo-os se reservarão os seus sítios como

247
as vertentes que por direito lhes tocarem, e com condição de que por nenhum título. Dada em
Vila Real de N. S. do Carmo aos 9 de novembro de 1719. Domingos da Silva Secretário do
Governo a fez// Conde D. Pedro de Almeida.

F - Requerimento do Capitão-Mor Garcia Rodrigues Paes, filho de Fernão Dias Paes, natural
da vila de São Paulo, no qual pede o foro do Fidalgo da Casa Real e o Hábito da Ordem de
Cristo para si e para dois filhos, pelos serviços que prestara no descobrimento das minas de
ouro. 1700? AHU_CU_RIO DE JANEIRO-CA, Cx. 13, D. 2434-2500 - Cópia microfilmada
AHU e Biblioteca Nacional do Brasil, mf. 12
Anexo: REQUERIMENTO de João Leite da Silva, sobre a justificação do serviços de seu irmão
Fernão Dias Paes. - CARTA de sentença de justificação do falecimento de Partido Dias Paes e
de ter deixado viúva e filhos, como herdeiros de seus serviços. - PROVISÃO pela qual o
Capitão-mor e Governador da Capitania de São Vicente Antonio de Aguiar Barrigo nomeou
Partido Dias Paes capitão da ordenança. - AUTO de posse e juramento do Capitão da Ordenança
Fernão Dias Paes. - ATESTADO do Capitão-mor e Governador da Capitania de São Vicente
João Luiz Mafra sobre serviços prestados por Partido Dias Paes. - CARTA patente pela qual o
Capitão-mor da Capitania de São Vicente Gaspar de Souza Uchôa nomeou Partido Dias Paes
capitão da ordenança. - CARTA régia pela qual se recomendou ao Capitão Fernão Dias Paes
que prestasse todo o possível auxílio a Agostinho Barbalho Bezerra no descobrimento das
minas. - CARTA de Agostinho Barbalho Bezerra, para Fernão Dias Paes, em que lhe pede todo
o seu auxilio para Clemente Martins da Mattos obter os mantimentos de que necessitava para a
jornada de exploração das minas. - DECLARAÇÃO de Clemente Mastins de Mattos acerca dos
gêneros que Partido Dias Paes oferecera generosamente para a viagem do Governador
Agostinho Barbalho Bezerra. - CARTA patente pela qual o Capitão Fernão Dias Paes foi
nomeado Governador da gente de guerra e civil, ocupada no descobrimento das minas de prata
e esmeraldas - AUTO do juramento que o Capitão Fernão Dias Paes prestou para exercer o
cargo, em que fora provido pela patente antecedente. - CARTAS regias (4) dirigidas a Fernão
Dias Paes, sobre os serviços que prestara no descobrimento das minas. - ALVARÁ de folha
corrida de Garcia Rodrigues Paes. - AUTO da inquirição de testemunhas a que procedeu o juiz
ordinário da vila de São Vicente, sobre a ascendência e nobreza do padre João Leite da Silva,
filho de Pedro Dias Leme. - CARTA de D. Rodrigo Castello Branco para Fernão Dias Paes, em
que o felicita pelos seus serviços no descobrimento das esmeraldas. - CARTA de Fernão Dias

248
Paes, em que da diversas informações a respeito da sua viagem, na exploração das minas. -
CARTA de sentença de abonação e fidalguia de Pedro Leme, pai de João Leite da Silva e Fernão
Dias Paes. - AUTOS da inquirição de testemunhas a que se procedeu para averiguação da
ascendência e linhagem de Garcia Rodrigues Paes. - ATESTADOS (11) dos Senados das
Câmaras das vilas de São Vicente, São Paulo, San- tos, São Francisco de Taubate, e Santa Ana
da Parnaiba, de D. Rodrigo de Castello Branco, dos Protonatarios Apostólicos Mateus Nunes
de Sequeira e Francisco de Almeida Lara, do apontador das minas Francisco João da Cunha,
do Capitão-mor Diogo Pinto do Rego e do Abade do Convento da Ordem de S Bento da vila
de São Paulo Fr. Francisco da Conceição, sobre a nobreza de nascimento e serviços do capitão
Fernão Dias Paes. - ATESTADOS (2) do Padre Domingos Dias, Reitor do Colégio dos Jesuítas
da vila de São Paulo, e do ouvidor geral André da Costa Moreira, sobre a linhagem e serviços
do Capitão Fernão Dias Paes. - ALVARÁS de folha corrida de Fernão Dias Paes e Garcia
Rodrigues Paes. - ATESTADO do Capitão-mor Diogo Pinto do Rego, carta de D. Rodrigo de
Castello Branco, carta de sentença, termo e certidão, relativos aos serviços de Fernão Dias Paes.
- CARTA régia, na qual se louva Fernão Dias Paes pelos serviços que havia prestado. - CARTA
patente pela qual se fez mercê a Garcia Rodrigues Paes do cargo de capitão-mor da entrada e
descobrimento das minas de esmeraldas. - PROVISÃO régia pela qual se ordenou a todos os
capitães-mores e menores do distrito da repartição do sul, e. aos das vilas e capitanias de
Donatários e Câmaras, por onde Garcia Rodrigues Paes passasse para o descobrimento das
minas de esmeraldas, obedecessem em tudo às suas ordens, tocantes à dita jornada, e que
acudissem e fizessem acudir com tudo o que pedisse para conclusão da sua empresa. -
PROVISÃO régia pela qual se fez mercê a Garcia Dias Paes do cargo de administrador das
minas de esmeraldas, que tinha descoberto. - CARTAS (4) do Governador do Estado do Brasil,
Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça para Fernão Dias Paes, sobre o descobrimento
das minas de prata e de esmeraldas. - ATESTADOS (3) dos oficiais da Câmara das vilas de São
Paulo e de Santa Ana da Parnaiba e do D. Abade do Mosteiro de Nossa Senhora de Monserrate
de vila de São Paulo, sobre os serviços de Fernão Dias Paes e de Garcia Rodrigues Paes. -
ATESTADO do Dr. André Baruel, Juiz dos Resíduos e Vigário da vara, eclesiástica da vila de
São Paulo, sobre os serviços de Garcia Rodrigues Paes. - CARTAS trocadas entre D. Rodrigo
de Castelo Branco e Fernão Dias Paes, acerca do descobrimento das minas. - PROVISÃO pela
qual o Governador Artur de Sá e Menezes fez mercê a Garcia Rodrigues Paes de só ele poder
utilizar-se do caminho novamente descoberto para os campos gerais. - ATESTADO dos oficia is

249
da Câmara do Rio de Janeiro, sobre os serviços prestados por Garcia Rodrigues Paes. -
ALVARÁS de folha corrida de Garcia Rodrigues Paes. - CARTA régia de agradecimento a
Garcia Rodrigues Paes pelos serviços que prestara. - ALVARÁ de folha corrida do Capitão-
mor Garcia Rodrigues Paes, natural da vila de São Paulo, filho de Fernão Dias Paes, de 39 anos.
- CERTIDÕES (2) em que Amaro Nogueira de Andrade atesta que Fernão Dias Paes e seu filho
Garcia Rodrigues Paes nenhuma mercê haviam recebido, em recompensa de seus serviços. -
INFORMAÇÃO de Augusto de Goes Ribeiro, sobre a justificação de serviços de Fernão Dias
Paes e Garcia Rodrigues Paes.

G – Trecho da carta do governador de Minas Dom Lourenço de Almeida de 26 de abril de 1721.


Sobre se observar a divisão das comarcas do rio das Velhas e do Serro Frio pela parte da Bahia
e de Pernambuco, feita pelo Conde de Assumar. Revista do APM, vol. VI, fls. 591/4.

Se assentou ser conveniente que a comarca do rio das Velhas se estenda pelo rio do mesmo
nome até onde se chama barra que desemboca no rio de São Francisco, ficando na jurisdição
da dita comarca todas as povoações que ficam para a banda do oeste entre o dito rio das Velhas,
rio do Paraopeba até a vila Pitangui e seus descobrimentos e para a parte do norte seguindo o
curso do rio São Francisco se estenderá a jurisdição da dita comarca por todas as povoações
que estão a oeste do rio de São Francisco até o rio Carinhanha, cujo rio lhe servirá de limites
com o governo de Pernambuco, e pela parte de leste confinando com o Serro do Frio servirá de
limite a dita comarca do rio das Velhas o rio Paraúna, e o rio do Cipó que desemboca no
primeiro ficando na jurisdição da dita comarca todos as povoações que estão ao longo destes
dois rios, olhando para a parte da Vila Real (Sabará) e de Vila Nova da Rainha (Caeté) e a nova
comarca do Serro Frio em virtude de outra ordem de S. M. de 16 de março de 1720 deve ficar
unida a este governo se dividirá da comarca do rio das Velhas pelo mesmo rio do Cipó pela
parte oposta que se limitou a comarca do rio das Velhas, e assim mesmo pelo rio Paraúna até
onde desemboca no rio das Velhas, a todas as povoações desde o rio Paraúna a leste do rio das
Velhas, pertenceram a comarca do Serro Frio e assim mesmo todas as povoações que estão a
Leste do rio São Francisco opostas a que se limitarão a comarca do rio das Velhas até o rio
Verde pouco distante do arraial chamado de Matias Cardoso servindo-lhe todo o curso do dito
rio Verde de limite como governo da Bahia cuja divisão das duas comarcas na forma sobredita

250
será guardada e observada provisionalmente até nova ordem de S. M. que Deus Guarde... Vila
do Carmo, 26 de abril de 1721. Conde D. Pedro de Almeida.

251
Fontes

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Arquivo Público do Estado de São Paulo
Arquivo Nacional
Arquivo Público Municipal de Caetité
Arquivo Público Municipal de Rio de Contas
Arquivo do Fórum Edmundo Lins – Serro – MG
Arquivo da Casa de Borba Gato – IPHAN – Sabará – MG
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa (Projeto Resgate)
Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - Rio de Janeiro

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ESTUDOS DE HISTÓRIA (Ultramarina e Continental) (n. 30) – O Livro de Rezão de Antônio


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BOLETIM INFORMATIVO DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE PONTE DE
LIMA. Ponte de Lima: Santa Casa de Misericórdia de Ponte de Lima. Julho de 2013. Ano XII.
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REVISTA VÁRIAS MINAS: Encruzilhada de histórias. Formação do Território e povoamento
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2020. Disponível em: https://www.secult.mg.gov.br/minas300anos. Acesso em: 11.02.2022.

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