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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
NÍVEL MESTRADO

LARA VANESSA DE CASTRO FERREIRA

ENXADAS E COMPASSOS

SECA, CIÊNCIA E TRABALHO NO SERTÃO CEARENSE


(1915-1919).

Salvador
2009
2

LARA VANESSA DE CASTRO FERREIRA

ENXADAS E COMPASSOS
SECA, CIÊNCIA E TRABALHO NO SERTÃO CEARENSE
(1915-1919).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


graduação em História, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia,
como requisito para obtenção do grau de Mestre em
História.

Orientador: Antonio Luigi Negro

Salvador
2009
3

Ferreira, Lara Vanessa de Castro


F383 Enxadas e compassos : seca, ciência e trabalho no sertão cearense (1915-
1919. -- Salvador, 2009.
155f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Luigi Negro
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, 2009.

1. Trabalhadores. 2. Secas – Aspectos políticos – Sertão (CE). 3. Secas –


Aspectos sociais – Sertão (CE). 4. Secas - Aspectos econômicos – Sertão (CE).
I. Negro, Antonio Luigi. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

CDD – 338.98131
______________________________________________________________________
4
5

À
minha mamãe que em meio aos trocados de bilros em sua “mufada”, bordava suas rendas e
tecia nelas o sonho de ter uma filha formada, e hoje se alegra grandiosamente por ter uma
filha Mestre. Obrigada minha flor por todas as lutas que travamos juntas em busca desses
sonhos. E que venham mais trocados, mais bordados e mais conquistas.
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AGRADECIMENTOS

À Deus por ter escancarado os caminhos, iluminado minha trajetória e ter colocado tantas
pessoas boas na minha vida.
Aos meus avós maternos pelo mimo. Ao avô Messias, por todas as tramas que narrou para
mim, quem dera um dia eu aprenda a contar histórias como você. À vovó Rita, por descortinar
sempre o que ele tentava esconder dessas histórias, também pelo arroz com coco e pelo pirão.
Aos meus avós paternos, Zé e Rosa, por dividirem as experiências sobre a vida na terra
semiárida.
À minha mãe Ritinha, por ser exemplo de coragem, persistência e força e, ao meu pai
Artenisio, no qual as histórias da infância e juventude me animam à luta. A vocês, por me
lembrarem de onde vim.
Aos meus irmãos Thiago e Jarbas pelas memórias das brincadeiras, alegrias e durezas, pelos
planos traçados juntos e pelos mil abraços e beijos nas chegadas e partidas. Amo muito vocês.
Ao meu Orientador Antonio Luigi Negro por ter me amparado e cuidado do meu mestrado com
paciência, atenção e dedicação, sempre me iluminando e me encorajando com palavras boas.
Ao Prof. Frederico de Castro Neves, por acreditar na minha pesquisa e pelas férteis discussões.
Aos meus professores da UFBA, em especial, às professoras e amigas Lina Brandão e Maria
Hilda pelo apoio e atenção e, ao Prof. Guerreiro, pela compreensão.
Aos professores que tive na UFC, em especial, a Profª. Edilene Toledo pela amabilidade e ao
Prof. Almir Leal de Oliveira, pelos compartilhamentos no grupo de pesquisa MECTSAB.
Aos colegas da Secretaria e Coordenação da Pós-graduação, em especial à professora Lígia
Belini e à Soraia Ariane pela atenção e prontidão.
A FAPESB pelo financiamento da minha pesquisa.
Ao Sr. Kleitom Cezar pelo continuo auxílio prestado desde o acesso à documentação do
DNOCS até as revistas Conviver doadas.
Aos meus tios “Neus” – Neuman, Neujarbas, Neuflávio, Neumario, Neudário, Neuberto – e as
minhas tias Marias – Maria Oneida, Maria Alcioneida e Maria Lucineida.
Em especial, à tia Oneida, sempre benevolente e amorosa, me orientando e provendo como
filha. Sem ela muitos sonhos não teriam se realizado; e à tia Lucineida e o tio Rinaldo pelas
doses diárias de força, perseverança e fé;
Também aos primos irmãos: Derec pelo “querer bem”; Virgínia, pelo amor dado e expressado
a mim desde que eu nem me entendia por gente; Gabi e Gui pela gentileza e carinho desde a
divisão dos brinquedos à divisão das complexidades de viver juntos na cidade grande.
Ao meu Sávio pelo amor, companheirismo e palavras de alento; por me suportar nos dias de
desanimo e mau humor; enfim, pelas experiências, lembranças e sonhos; e por me ensinar na
prática que toda história é fruto do “contexto e do processo”.
À família do Sávio, em especial, aos seus pais (Teresinha e Sinval), que me acolheram sempre
com carinho e cuidado, ensinando-me a cultivar integridade, generosidade e determinação;
7

À vózinha Mariinha pelas incansáveis orações e por ensinar o sentido do amor ao próximo.
Ao meu conterrâneo e amigo Marcílio Rocha pelo abrigo e afago na Bahia, pelas palavras de
ordem e força, pelas produtivas conversas e por lembrar de mim sempre; e à sua noiva Aline
Adorno pela leveza e carinho.
Aos amigos que comigo fizeram história, pequenos em estatura e grandes em meu coração. Ao
Alexandre pelo companheirismo, amor e presteza, e a Cris pela sinceridade, lealdade e
amizade. Que a nossa trajetória seja mediada sempre por esse amor sem medidas.
À amiga Glória pelo apoio, abrigo, benevolência, afabilidade e cuidado de mãe.
Aos amigos da UFBA, Bel, Joel, Brás, Tati e Luciano pelas conversas, carinhos, abraços e
sorrisos.
Aos amigos do coração, Gê, Tiço, Duzô, Priscila, Sue, Sam, Di e Gerly, pelos dias de trabalho,
de reza e de festa, pelos aprendizados juntos.
Às minhas adoráveis amigas de infância, Eris, Ju e Ana, pelas reuniões de estudo, pela hora do
recreio tomando sopa atrás da sala de aula, pelas brincadeiras no meio da rua, enfim, por
ajudarem a acreditar nos sonhos que eu tinha. Orgulho-me muito de vocês também.
Às minhas professoras de Canaã Tia Maria, que me ensinou os primeiros traços; também as
professoras Perla, Zefinha e a Marilene.
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Vozes da seca

“Seu doutô os nordestino têm muita gratidão


Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
Mas doutô uma esmola a um homem qui é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão
É por isso que pidimo proteção a vosmicê
Home pur nóis escuído para as rédias do pudê
Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê
Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê
Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage
Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage
Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage
Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage
Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão
Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação!
Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão
Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos”

Composição: Luiz Gonzaga / Zé Dantas


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RESUMO

Esta dissertação conta a história de trabalhadores retirantes e engenheiros dentro das frentes
de serviços de açudagem da Comissão de Obras Novas Contra as Secas, em 1915, levando em
conta questões sobre a política e a atuação desta comissão e os conflitos decorrentes no
processo da edificação das obras. A problemática da seca ganha visibilidade nacional depois
da seca de 1877. Muitos discursos e ações surgiram depois desta estiagem prolongada,
associando os problemas dos estados semiáridos (atraso, pobreza, miséria e etc.) à calamidade
climática e tentando remediar seus problemas mediante obras hidráulicas. Em 1915, quando
foi reconhecida oficialmente a seca, uma comissão intitulada Obras Novas Contra as Secas foi
designada para combatê-la. Esta comissão deu início a várias construções. Eram preferidas as
que possibilitassem o escoamento de água e ocupassem um grande número de retirantes com
trabalho nas obras. Com base em pesquisas nas fontes de jornais cearenses sobre o período,
relatório de serviços executados pela comissão em estudo, documentos técnicos diversos,
correspondências, documentos oficiais e obras bibliográficas do período, é traçada a trajetória
da construção de alguns açudes dessa comissão, tendo como principais atores: retirantes
operários e engenheiros. De retirantes a trabalhadores, nos canteiros de obras de açudagem
contra as secas, os operários agiram na reivindicação de meios que garantissem a
sobrevivência, agregando diferentes experiências de trabalho, dentro das frentes de serviços.
Enquanto os engenheiros, crentes na sua racionalidade científica, ficavam diante de uma luta a
que não estavam acostumados: a calamidade da seca e os seus problemas sociais, o que
também provocava embates. No entanto, as questões da seca de 1915 não se limitavam aos
que se concentravam dentro das obras. Dentro desse contexto, outros sujeitos se envolveram
na trama. Presidente do Estado e autoridades locais – prefeitos, vigários, latifundiários e
outros atores da sociedade local –, na região Norte do Ceará, cidade de Sobral e
proximidades, onde foram realizadas as obras, evidenciaram posturas e sentimentos diversos
perante os retirantes da seca de 1915.

Palavras-chave: Seca, política, trabalho e ciência.


10

ABSTRACT

This dissertation tells the story of workers and engineers “migrants from the drought” fronts
within the service weir committee of New Works Against Drought in 1915, taking into
account issues on policy and actions of this committee and the conflicts arising in the process
of building the works. The problem of gaining visibility national drought after drought in
1877. Many speeches and actions that occurred after prolonged drought associated problems
of state semi-arid (delay, poverty, misery and etc.). A climate disaster and trying to remedy its
problems with hydraulic works. In 1915, when it was declared a drought, a committee was
formed to combat this drought: New Works Against Drought. The committee began the
various buildings. They were the favorite to enable the flow of water and occupy a lot of work
with “migrants from the drought” in the works. Based on research on the sources of
newspapers of the Ceará on time, report of services performed by the committee under study,
several technical papers, correspondence, official documents and bibliographical works of the
period is traced the trajectory of the construction of some dams that committee, with the main
actors “migrants from the drought” and engineers. “Migrants from the drought” of the
workers, an area of works of weirs against droughts, the workers claim to have acted in ways
that ensure the survival, adding different experiences of working within the service front,
while the engineers, believers in their scientific rationality, were front of a fight that was not
used: the scourge of drought and its social problems, which have caused collisions. However,
the issues of drought of 1915 were not limited to those that are concentrated in the works.
Within this context, other subjects were involved in the plot. President of state and local
authorities - mayors, vicar, landowners and other stakeholders of the local community - in the
northern region of Ceará, and nearby city of Sobral, where the works were performed,
demonstrated next to the attitudes and feelings “migrants from the drought” of 1915.

Keywords: Drought, politics, work and science.


11

ÍNDICE DE FIGURAS E TABELAS

FIGURAS

FIGURA 1: MAPA OBRAS NOVAS CONTRA AS SECAS

FIGURA 2: FOTOGRAFIAS DO PERÍODO DE CONSTRUÇÃO DO AÇUDE (CAVA DE FUNDAÇÃO)

FIGURA 3: FOTOGRAFIAS DO PERÍODO DE CONSTRUÇÃO DO AÇUDE (BARRAGEM)

FIGURA 4: PLANTA DO AÇUDE CAIO PRADO.

TABELAS

TABELA 1: DIÁRIAS DO PESSOAL TÉCNICO E ADMINISTRATIVO

TABELA 2: GASTOS COM O PESSOAL TÉCNICO /ADMINISTRATIVO E OPERÁRIO

TABELA 3: VALORES DOS GÊNEROS ALIMENTICIOS EM 1915.

TABELA 4: CUSTOS DE UM INDIVÍDUO EM TEMPO DE SECA.

TABELA 5: MOVIMENTO DO PESSOAL OPERÁRIO NA CONSTRUÇÃO DO AÇUDE PATOS


12

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 12
1.1 A PESQUISA: ECANTAMENTOS E DIFICULDADES 13
1.2 “A CAMINHO DA INSPETORIA DE OBRAS CONTRA AS SECAS - IOCS” 17

2. OBRAS NOVAS CONTRA AS SECAS: REPRESANDO ÁGUA E HOMENS. 23


2.1 A SECA DE 1915 E A CRIAÇÃO DA COMISSÃO DE OBRAS NOVAS 26
2.1.1 A NOVA REPARTIÇÃO DAS SECAS 30
2.1.2 AARÃO REIS 33
2.2 A POLÍTICA DA OBRAS NOVAS 36
2.2.1AÇUDE: “O ANTÍDOTO DA SECA” 37
2.2.2 OCUPAÇÃO E CONTROLE: REMEDIANDO OUTRO PROBLEMA 40
2.3 O FAZER DA OBRAS NOVAS E OS FINS DA ESTIAGEM DE 1915 47
2.4 A FALA E O FAZER 53

3. OS ENXADAS: DE RETIRANTES A OPERÁRIOS – TRABALHO, COTIDIANO E CONFLITOS NAS


OBRAS CONTRA AS SECAS. 55
3.1 AS AVALANCHES DE “FLAGELADOS” E O PERÍODO INICIAL DAS OBRAS 56
3.1.1 EM RETIRADA 58
3.1.2 MULTIDÃO DE FAMINTOS: “POIS A FOME NÃO ESPERA PELO AMANHÃ.” 62
3.1.3 AS PRIMEIRAS DIFICULDADES TÉCNICAS 66
3.2 TRABALHADORES RETIRANTES NA “TERRA DA PROMESSA” 68
3.2.1A TERRA DA PROMESSA 69
3.2.2 TORNANDO-SE OPERÁRIOS 72
3.2.3 TRABALHO = REMUNERAÇÃO = BÓIA 79
3.2.4 EDUCANDO... 85
3.3 E OS CONFLITOS ACIRRAM-SE 87
3.3.1 ENTRE A ESCUSA E A RECUSA 87
3.3.2 QUALIFICANDO A LABUTA. 94
3.4 AGINDO 97

4. E OS COMPASSOS: ENGENHEIROS NA LIDA COM A SECA E SEUS PROBLEMAS. 99


4.1 OS ENGENHEIROS DAS SECAS 100
4.2 O SOCORRO & A RACIONALIDADE TÉCNICA 103
4.2.1 POSTURA CIENTÍFICA E DESCOMPASSOS 103
4.2.2 POSTURA HUMANÍSTICA E EMBARAÇOS 109
4.3 SENTIMENTOS, SOCIEDADE LOCAL E RETIRANTES DA SECA DE 1915 117
4.4 EQUAÇÕES SEM ESQUEMA 124

5. CONCLUSÕES 127

REFERÊNCIAS 133
ARQUIVOS E FONTES 133
BIBLIOGRAFIA 139
13

ANEXO A – DICIONÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS DA ENGENHARIA CIVIL 143


ANEXO B – ORGANOGRAMA DE FUNCIONAMENTO DA IOCS 145
ANEXO C – DESPESAS EFETUADAS PELA IOCS DE 1909 A 1919 146
ANEXO E – HISTÓRICO ESCOLAR DO CURSO DE ENGENHARIA CIVIL DA ESCOLA
POLITÉCNICA DA BAHIA DO ENGENHEIRO DOMINGOS RÔMULO DA S. CAMPOS 146
ANEXO F – FOTOGRAFIAS DO PERÍODO DE CONSTRUÇÃO DOS AÇUDES 147
ANEXO G – TABELA DE FREQUENCIA NO TRABALHO DE MULHERES E MENINOS DO AÇUDE
PATOS 152
14

1. INTRODUÇÃO

Filha de retirante, neta de trabalhador de obras contra as secas, e num Ceará marcado
pelas estiagens, as experiências trágicas das secas sempre fizeram parte do meu imaginário.
Contudo, nunca recordo ter presenciado uma grande seca na minha acanhada cidade Canaã 1,
ao contrário, as lembranças são de fartura, muita farinha, muita rapadura. Entretanto, minhas
experiências sobre as estiagens foram bem diferentes das dos meus avós e pais.

Meu avô materno, Messias, um narrador exemplar, sempre me embriagava com


histórias de sua vida e sobre as dos nossos antepassados, histórias estas que, na maioria,
relatavam os dramas vividos nos períodos de secas. Falavam de sujeitos que batiam em
retirada com suas famílias e de outros que não migravam, criando meios de lutar na terra,
enfim, eu acreditava que aquelas histórias não passavam de narrativas fantásticas. Lembra
meu avô, Messias, que a dificuldade da seca nunca o fez perder um filho, “nem para Deus e
nem para o mundo”. Trabalhava com a família, em terras próprias, e conseguia acumular
gêneros. O sofrimento vinha somente quando a seca durava mais de um ano.

As experiências de minha família paterna foram diferentes. Vivendo no sertão,


dependeram de relações de apadrinhamento durantes muitos anos. Morando e trabalhando em
terras alheias, plantavam algodão no sertão e forneciam parte da produção aos donos da terra.
Em períodos de secas, restava ao meu avô a alternativa das frentes de trabalho das secas2,
onde ele lembra que “lá a fome era grande”. Sem dúvida, os quadros da fome, da peste e da
morte sempre estiveram presentes em meu imaginário e foram importantíssimos no momento
de direcionamento e escolha de minha temática de pesquisa.

No início da minha graduação em História na Universidade Federal do Ceará, o


interesse pelas questões que envolviam a seca e seus problemas sociais foram se
multiplicando, principalmente a partir de meu ingresso no grupo de estudos Seca, Cultura e
Movimentos sociais, sob coordenação do prof. Frederico de Castro Neves. As discussões dos
textos familiarizaram-me com o tema, de um ponto de vista historiográfico; com estímulo
para a iniciação em pesquisa.

Do mesmo modo, devo citar que o grande passo para a gestão de minha pesquisa foi o
ingresso no grupo de pesquisa Memória Científica e Tecnológica do Semiárido Brasileiro

1
Canaã é distrito do município de Trairí, litoral oeste, localizado cerca de 130 km de Fortaleza.
2
Meu avô paterno trabalhou na construção de estradas e barragens na seca de 1951 e 1958.
15

(MECTSAB), coordenado pelo professor Dr. Almir Leal e pela professora. Drª. Ivone
Cordeiro, em cuja equipe trabalhei ajudando no inventário do acervo do Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) , referente às ações dessa instituição no
semiárido.

Com essa trajetória – e influenciada por intelectuais que enxergam a seca como um
processo histórico de práticas e discursos –, foi reforçado meu interesse por estudar algo que
tratasse da seca e suas repercussões históricas e sociais. Assim, nessa dissertação, meu estudo
trata de questões sobre a política e a atuação de uma comissão criada para combater a
calamidade da seca cearense de 1915: as Obras Novas Contra as Secas (1915-1919). Levo em
conta os conflitos ocorridos no processo de edificação das obras e a maneira como os sujeitos
sociais deram sentido às suas práticas e aos seus discursos.

A pesquisa envolveu diferentes grupos de trabalhadores num local peculiar: retirantes


operários e engenheiros dentro do espaço de obras de açudagem contra as secas. De um lado,
trabalhadores retirantes agindo enquanto sujeitos coletivos na reivindicação de meios que
garantissem a sobrevivência e modificando suas experiências de trabalho dentro das frentes de
serviços. De outro, os engenheiros que, comprometidos com a afirmação do dever social da
ciência, pelejavam diante da calamidade da seca e dos seus problemas sociais. No entanto, as
questões da seca de 1915 não se limitavam aos que se concentravam dentro das obras. Dentro
desse contexto, atentamos também para as posturas e os sentimentos frente aos flagelados das
secas vindos do presidente de estado e de autoridades locais – prefeitos, vigários,
latifundiários e outros atores da sociedade local –, na região Norte do Ceará, cidade de Sobral
e proximidades, onde foram realizadas as obras.

1.1 A PESQUISA

No processo de investigação, descobria minhas fontes como quem encontrava pedras


preciosas, mas o desafio estava posto na tarefa de fazer bom uso de documentos tão
instigantes. O encantamento pelo meu tema de estudo veio mesmo no processo de
investigação e numa relação de reciprocidade. Na medida em que ia adiante ao conhecimento
das fontes, apaixonava-me pelo exercício da pesquisa.

Acredito que a fonte encontrada é como um diamante que, ainda sem ser lapidado,
não oferece o brilho desejado. Sendo o diamante a substância mais dura da natureza, cortar e
lapidar este artefato não é uma tarefa fácil. É necessário encontrar as linhas que cada diamante
16

possui e isto requer um cuidadoso estudo de cada pedra. Do mesmo modo, os documentos
históricos necessitam de um minucioso estudo crítico para entender as contexturas dos
discursos.

Os diamantes e as fontes precisam ser lapidados/tratados para que adquiram um brilho


intenso, podendo essa lapidação/interpretação ser feita de diversas formas. Cabe aos
especialistas examiná-los cuidadosamente, trabalhando o conjunto dos reflexos existentes e
buscando o melhor aproveitamento possível conjugado à valorização dessa jóia, sob todos os
aspectos, para aproveitar ao máximo a capacidade de seu brilho. Enfim, os diamantes e as
fontes históricas sempre dependem da maneira pela qual eles são lapidados, isto é que os
torna tão significantes, refletindo tanta luz em cada uma de suas facetas.

Durante a catalogação de documentos do acervo da 2ª Diretoria Regional do DNOCS3,


fiz minhas primeiras descobertas, especialmente, as séries documentais do fundo “açudes
públicos Ceará” muito me inquietaram. Os discursos diversos sobre as obras do DNOCS,
sendo no período estudado nominado Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), levantaram
questionamentos pertinentes.

Em meio àquele arquivo mal arquitetado, mas que a equipe do MECTSAB, com gosto,
estava organizando, encontrei várias pastas de açudes com fontes que evidenciavam os
mesmo problemas: os aperreios em tempos de secas, principalmente os que envolviam a
ocupação dos retirantes. , por questão de praticidade, iniciei a pesquisa estudando um açude, o
Caio Prado, localizado em Santa Quitéria, Ceará. Posteriormente foi pesquisada a
documentação de outros açudes. Essas pastas do fundo “açudes públicos Ceará” apresentam
desde orçamentos, telegramas, históricos, memórias justificativas, ofícios, até documentos
técnicos, como quadros de cubação, análise de amostra de terra, de amostra de água,
medições, mapas e outros. Estas fontes me forneceram importantes reflexões sobre a relação
estabelecida entre engenheiros das obras, poderes públicos e retirantes da seca. Uma
documentação rica, muito importante para minha pesquisa e de extremo valor para a história
do semiárido, mas que precisa ser mais explorada por outros pesquisadores.

Outro espaço de pesquisa – no qual comecei a investigação, ainda na graduação – foi a


Biblioteca do DNOCS4. Nesse lugar, encontrei desde documentos raros referentes à flora
brasileira até relatórios atuais. Lá, obtive para meu trabalho documentos importantes como
Memórias de Açudagens, boletins técnicos e manuais de instruções. Estes documentos foram

3
Este arquivo está localizado na Praia de Iracema, Fortaleza, Ceará.
4
Esta biblioteca fica localizada na Avenida Duque de Caxias, Fortaleza, Ceará.
17

importantes para compreender o funcionamento burocrático da Inspetoria de Obras Contra as


Secas e a figura do profissional engenheiro, suas posições e limitações dentro da instituição.

No acervo dessa biblioteca, pude encontrar um importante documento: o Relatório de


Obras Novas Contra as Secas5. Este relatório é relevante para o entendimento da política e da
postura da Comissão de Obras Novas Contra as Secas em 1915, fora a importância por
constar discursos que defendem o dever social da ciência na seca. Esta fonte apresenta um
parecer de todas as obras, dentre açudes e estradas de rodagem, realizadas pela Comissão de
Obras Novas, nos estados mais atingidos pela calamidade entre o ano de 1915 e o fim do ano
de 1918. Dentro do relato do processo de cada construção, existem dados referentes ao
histórico da obra, organização da comissão, exame técnico da obra, orçamento e custo final de
todos os açudes da citada comissão e as instruções a serem seguidas, em particular, dentro das
obras. 6

A partir desse relatório, percebi que as questões aparentes na edificação do açude Caio
Prado eram recorrentes no processo de construção de outras obras, porém optei por restringir
o número de açudes estudados7, já que eram inúmeras as realizações daquela comissão. Os
açudes escolhidos, além do Caio Prado, em Santa Quitéria Ceará, foram: Patos, em Sobral –
CE, e Mulungu, em Itapipoca - Ce. Todas estas obras estudadas foram construídas em regiões
e períodos próximos.

Com essas fontes foi construído o recorte temporal e espacial do meu estudo. O
primeiro foi demarcado pelo ano de criação da Obras Novas e entrega de algumas das obras
concluídas ao estado, entre dois anos de notáveis secas (1915 a 1919). No entanto, esta
pesquisa dar maior ênfase aos efeitos da seca de 1915, já que os açudes em pesquisa foram
construídos para combater os problemas da seca daquele ano.

A comissão estudada atuou em vários estados: Piauí, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Rio
Grande do Norte e Sergipe, mas, levando em consideração o grande acervo documental sobre
as obras executadas entre o ano de 1915 a 1919, nos estados semiáridos, pela IOCS e pela
Obras Novas e percebendo a impraticabilidade de dar conta dessa pesquisa num mestrado,
optei por recortar minha pesquisa dentro do espaço cearense. A escolha do estudo de obras de

5
REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas: Trabalhos executados de 3 de setembro de 1915 a 31 de outubro
de 1918 – Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Aug. Tavares Lyra ministro da Viação e Obras Públicas. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1920.
6
O presente relatório é composto de introdução de 48 páginas, mais 246 de desenvolvimento. Fora isto tem dois
anexos: O anexo A (4 páginas), referente ao ofício de envio dos créditos especiais, e o anexo B(24 páginas)
concernente a um parecer do Clube de Engenharia sobre as secas.
7
A escolha pelos açudes e não pelas estradas de rodagem ficará clara no decorrer dos capítulos.
18

açudagem da região Norte é justificada pela proximidade territorial das construções e pela
recorrência maior de questões similares entre a documentação. Fora isso, não se pode negar
que a escolha por pesquisar açudes do norte do Ceará também foi norteada por sentimentos.

Um importante diálogo foi iniciado mediante reflexões possibilitadas pelas fontes de


jornais do Ceará (1915-1919), que se encontram na Biblioteca Pública do Estado do Ceará,
Governador Meneses Pimentel. Neste encontro, pude entender melhor a problemática que
envolvia a utilização da mão-de-obra dos retirantes e apreender aspectos de seu cotidiano
enquanto trabalhadores nas obras de açudagem. Sem dúvida, estas fontes permitiriam a
ampliação da visão acerca das minhas problemáticas de pesquisa, a partir da releitura das
fontes anteriormente pesquisadas.

O olhar crítico sobre documentos oficiais, como os decretos-lei e os relatórios de


Presidente de Estado8, foi importante para entender discursos e posicionamentos dos poderes
públicos sobre a questão da seca e os retirantes. Paralelo a isso foi realizada uma análise
interpretativa de obras produzidas no período (trabalhos científicos, literatura), fontes
fundamentais para entender o contexto histórico daquele momento e os sentimentos
envolvidos naquela trama. Por meio destas produções bibliográficas, pude reelaborar a crítica
sobre os documentos oficiais (relatórios e decretos-lei) e fontes institucionais da IOCS, que
tratavam do funcionamento da Comissão Obras Novas, avaliando as questões políticas e
sociais do fazer e do discurso.

À medida que as fontes eram estudadas questões eram levantadas. Os problemas


envolviam as medidas contra os efeitos das secas, o papel do engenheiro e seu saber científico
e a ação dos retirantes. Qual era a política defendida pela comissão e esta era praticada? Quais
interesses e confusões envolviam o emprego de mão-de-obra dos retirantes das secas? Que
motivos levavam os engenheiros a utilizar inúmeros retirantes nas obras, mais do que estas
podiam comportar? Como era o cotidiano dos trabalhadores nas obras? Como estes obreiros
exigiam e resistiam dentro do espaço social das construções? Que emoções motivavam
autoridades políticas e sociedade local a travar discussões em prol da ocupação dos famintos?
Quais as pelejas dos engenheiros das obras entre a racionalidade e a sensibilidade de lidar
com sujeitos em estado de calamidade? Estas são questões que motivaram a iniciar a pesquisa
e em muitos momentos a manter a empolgação na redação do texto desta dissertação.

8
Os relatórios de Presidente de Estado estão disponibilizados no site do projeto “Brazilian Government
Document Digitization” no site: http://www.crl.edu/content/provopen.htm. E os Decretos-lei estão localizados na
Plataforma do Senado Federal no site: http://www.senado.gov.br/sicon/PreparaPesquisaLegislacao.action.
19

Os encantos e desencantos fizeram parte da trajetória da minha pesquisa. O gosto pelo


tema, a descoberta de documentos como a alegria de ter encontrado diamantes, a boa sensação
de manusear papéis empoeirados e cheios de ácaros como se fossem essas jóias a serem
lapidadas no processo de interpretação e a constante provocação de fazer bom uso, dando o
merecido brilho a estes artefatos, são boas emoções da pesquisa. Do mesmo modo surgiram
dificuldades, como a falta de acesso temporário a acervos, desafios na elaboração da análise
das fontes, fora outros percalços de uma iniciante.

1.2 “A CAMINHO DA INSPETORIA DE OBRAS CONTRA AS SECAS - IOCS”

O estudo da seca e de seus problemas sociais tem levado a refletir sobre vários temas.
Esta diversidade tem sido significante para entender questões desafiadoras. As tentativas de
amenização do problema da seca têm sido pensadas desde o século XIX e atualizadas por todo
o século XX, o que faz a temática uma questão atual.

Os poderes públicos têm conhecimento do fenômeno da seca desde o período colonial,


mas é somente na segunda metade do século XIX que esta questão se tornou uma
problemática nacional. A partir desse momento, a seca foi evidenciada e dramatizada por
muitos, tornando-se uma das principais pautas dos discursos acerca do Norte, demandando,
assim, uma efetiva ação governamental.

Em 1877 o Ceará enfrentou uma longa estiagem. Nesta ocasião, a exportação do


algodão foi abalada e, com ela, a economia cearense, já que, desde a década de 1850, este
produto era o principal movimentador da economia da Província do Ceará. Essa crise levou a
falência muitos pequenos proprietários e até maiores fazendeiros, que resultou na miséria de
vários trabalhadores do sertão cearense. Foi na seca de 1877 que cenas de tragédias e horrores
foram descortinadas. Fome, falência, migrações vultosas, furto, prostituição, peste e morte
compuseram este quadro. Um dos motivos para as proporções que tomou essa seca foi o
contexto de mudanças nas relações existentes no campo9. Essas relações, baseadas num

9
O historiador Frederico de Castro Neves alega que “por todo o século XIX as obrigações dos proprietários de
terras no âmbito da relação de reciprocidade desigual – submissão versus proteção – foi se tornando um encargo
cada vez maior. As heranças dos períodos anteriores da colonização haviam se transformado. Dentro da
organização baseada na produção agropastoril sobressaía a parceria, a divisão do gado em 1 para 4, no caso da
agricultura o parceiro cultiva uma parte da terra para o proprietário, e em troca cede uma parte da produção ou
alguns dias de serviço.” Os pequenos proprietários ficavam com as terras que não eram destinadas as mais
importantes atividades da fazenda, sendo assim, o conjunto de relações era mantido desde que “houvesse uma
disponibilidade de terras e recursos para serem aproveitados”. Contudo, dois acontecimentos ocasionaram o
desmantelo dessas relações. Primeiro, a lei de terras de 1850, pela qual a terra passou a ter valor monetário
20

sistema de “troca de favores”, asseguravam alguma forma de socorro providencial, nos


tempos difíceis, aos sertanejos, principalmente mediante a disponibilização de terras férteis
nos tempos de crise.

Sem a proteção dos terratenentes, sem terra para trabalhar e sem comida, as
alternativas encontradas pela maioria dos que sofriam com os flagelos da seca de 1877 foram
as retiradas para cidades litorâneas cearenses, especialmente a capital, e também para outros
estados do Brasil. Milhares de retirantes formaram uma multidão que se aglomerou
especialmente na capital do Ceará (Fortaleza), criando cenas pavorosas nos corações e mentes
cearenses. A elite ficou comovida e assustada. A desgraça mexeu com o imperador que
pronunciou a famosa frase repetida inúmeras vezes pela historiografia da seca: “venda-se as
jóias da coroa, mas não morra de fome um cearense” 10.

Os conflitos logo tiveram lugar e a proteção garantida pela relação paternalista


costumeira foi sendo transferida para o Estado. As autoridades públicas foram cobradas para
deter a calamidade e apaziguar os ânimos dos retirantes e das elites, organizando algumas
medidas como: a distribuição de socorros públicos aos famintos, na forma de alimentação, a
doação de passagens para os retirantes movimentarem-se para fora da província e a
construção de obras públicas, aproveitando a mão-de-obra dos famintos das secas nessas
construções.

Diante das tragédias e dos dramáticos debates em torno da calamidade, os poderes


públicos e os homens letrados perceberam a seca como um problema nacional, elucidando
sobre as formas de resolver essa questão. Dessa forma, logo emergiu um forte movimento
liderado pelo Instituto Politécnico do Rio de Janeiro. Em outubro de 1877, ocorreram várias
sessões tendo como meta o estudo do fenômeno climático e a execução de um plano para a

estimado. A limitação dos espaços ocorreu de forma rápida, tomando terras de posseiros e pequenos
proprietários, restringindo, dessa forma, os espaços a serem ocupados pelos camponeses na época das secas.
Depois deve ser considerado o crescimento da agricultura comercial do algodão, que ampliou as áreas destinadas
ao mercado externo, principalmente com a guerra civil dos EUA, em 1860. Esses acontecimentos impediram a
proteção dada por latifundiários e a concessão de terras em períodos de estiagem. Para maiores esclarecimentos
leia: NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massas no Ceará. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2002., p. 42.
10
STUDART, Guilherme (barão de). Climatogia, epidemias e endemias no Ceará. Apud RIOS, Kênia Souza.
Apresentação. IN: Estudos Sobre Secas/ Escritos de Guilherme Schurch Capanema e Giacomo Raja Gabalia..
Fortaleza: Secretaria de Cultura do estado do Ceará, Museu do Ceará, 2006., p. 15.
21

resolução deste11. Os debates apontaram para a construção de açudes, portos, estradas e


reflorestamento12.

Se, por um lado, esse momento marca o início do movimento que proclama a seca
como um problema de responsabilidade nacional, ele desperta um sentimento que transforma
a região do semiárido numa região problema. O Norte e a instabilidade climática passavam a
ser entendidos como um problema que barrava o avanço do Brasil, sendo um desafio a ser
resolvido pelo saber científico. Muitas pesquisas se avolumaram, quando vários intelectuais,
discorrendo sobre o problema das secas, falando das falências provocadas por estas, das
migrações de famílias em grande número, do desleixo dos homens públicos, elaboraram
propostas de resolução para estas calamidades.

A visibilidade da seca como escassez de água evidenciou como solução mais viável a
empreitada da açudagem. Acreditava-se que essas obras mudariam as ocorrências das
estiagens prolongadas. Dessa forma, ainda no fim do século XIX, vários estudos foram
realizados e açudes, como o Boqueirão de Lavras, o Itacolomi e o Quixadá, foram projetados.
Somente o Quixadá foi iniciado, tendo suspensos seus serviços diversas vezes, foi concluído
em 1906.

Muitas cenas das secas de 1898, 1900 e 1903 se assemelham às da seca de 1877. As
medidas objetivando não somente o combate às estiagens, mas também à desocupação e ao
isolamento de retirantes se avolumaram na medida em que outras secas assolavam o Ceará.
Rodolfo Teófilo13 alega que, na seca de 1898, alguns “mil famintos perambulavam pelas ruas”
à procura de socorro e a “população de Fortaleza assistia revoltada à indiferença do governo”
Accioly. Entretanto ele documenta que a seca de 1900 não foi tão desastrosa por conta do
bom inverno do ano anterior e os retirantes foram auxiliados principalmente com passagens

11
Dentre outros, participaram dos debates: André Rebouças, Conde D´Eu Beaurepaire Rohan, João Martins da
Silva Coutinho, José Rebouças, Carneiro Cunha, entre outros.
12
Um importante acontecimento antes da seca de 1877 foi o envio da Comissão Científica de Exploração.
Criada pela Lei 884, de outubro de 1856, organizada pelo governo imperial por iniciativa do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, tinha como objetivo explorar algumas províncias pouco conhecidas naquele período. A
questão da seca foi citada. Isto é um indício de que estas já começavam a ter uma repercussão cada vez maior em
todo o território, mesmo não tendo ainda tanto destaque como problema nacional e não mobilizando enormes
esforços do governo imperial. De acordo com Renato Braga, em História da Comissão Científica de Exploração,
por mais que o Ceará fosse conhecido por registros de secas, não foi esse o motivo principal do início do estudo
pelo o Estado, mas, sim, porque a província era conhecida como diversa em recursos minerais. Haveria em suas
montanhas ferro e carvão, além de grandes jazidas de minerais preciosos.
13
Rodolfo Teófilo foi um farmacêutico e intelectual do fim do século XIX e início do século XX que deixou
registradas várias ocorrências das secas e seus problemas, em obras literárias e científicas. Um dos seus livros,
intitulado “ A seca de 1915”, foi uma importante produção para a construção dessa dissertação. Teófilo era
opositor da oligarquia acciolyna, o autor alegava que esse grupo fazia “vista grossa” ao sofrimento do sertanejo
retirado pela seca. O grupo de Accioly perseguia-o sob a justificativa de que o farmacêutico agia
desmoralizando o governo.
22

para fora do Ceará. Mas – uma vez encerrada – o governo e os particulares esqueceram
imediatamente que “o Ceará está sempre entre uma seca e outra que vem”14 e não tomaram
providências contra futuras ocorrências.

Com o advento da República, foi reforçada a necessidade da busca de soluções para a


seca. A atuação do Estado continuava a ser focada nas obras públicas, mas as ações, quase
sempre, somente aconteciam quando a seca era declarada. De 1900 a 1909, alguns
reservatórios e poços profundos foram construídos, várias comissões de estudos e obras foram
criadas e extintas até a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas, em 1909.

A IOCS surgiu como uma divisão especial do Ministério da Viação e Obras Públicas
(MVOP) pelo decreto nº. 619, de 21 de outubro de 1909. Este órgão deveria organizar o
combate às secas da região semiárida, compreendida entre os estados do Piauí e norte de
Minas Gerais. A criação do órgão, diferente do que muitos dos estudos apontam, não teve
como objetivos únicos a organização – centralização e unificação dos serviços – das ações
contra as secas que se encontravam naquele momento desordenadas, mas, acima disso, levar o
progresso ao semiárido, tomando “a questão das secas como um problema nacional de caráter
social e econômico15”. As ações do Estado passaram a ser mais diretas, mas isto não significa
que se tornaram mais diligentes.

Inicialmente, a IOCS atuou com estudos sobre a região semiárida. O primeiro inspetor
foi o engenheiro Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa16, ele defendia que a seca era “um
fenômeno muito vasto, de natureza tanto física como econômica e social17”. Assim, na sua
administração, o semiárido virou campo de investigação e atuação. Foram elaborados estudos
detalhados da flora, estudos geológicos e mapeamento dos recursos hídricos. O projeto
também teve como meta realizações de obras de açudagem, perfuração de poços, construção
de estradas de rodagem, construção de canais de irrigação e arborização. Arrojado, Lisboa
chefiou a inspetoria até o ano de 1912. Depois dele assumiu o cargo Ayres de Souza ficando
até 1913. Neste mesmo momento foi nomeado para gerenciar a IOCS o engenheiro Aarão

14
TÉOFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Fortaleza: edições UFC, 1980., p. 38, 40, 41.
15
OLIVEIRA, Almir Leal de, BARBOSA Ivone Cordeiro e GADELHA Georgina da Silva (organizadores).
Ceará, Ciência, Saúde e Tecnologia. Fortaleza: Expressão gráfica e Editora, 2008., p. 16.
16
O referido engenheiro foi formado pela Escola de Minas de Ouro Preto. O modelo adotado por Henrique
Gorceix, na escola de Minas, visava a uma sólida formação nas áreas de Matemática, Química e Física.
Inspirava-se na Escola Superior Francesa e na Escola de Minas de Saint-Ettienne. Pretendia oferecer formação
de base científica associada a princípios práticos de mecânica de máquinas e metalurgia. A maior parte do
currículo era dedicada à formação de base. Idem, ibidem. p., 18.
17
LISBOA, Miguel Arrojado. “O problema das secas sobre vários aspectos” (publicado nos Anais da Biblioteca
Nacional de 1913). In: DNOCS – pensamentos e diretrizes. Fortaleza, 1984., p.1.
23

Reis, deixando o cargo em 1915 para assumir uma comissão especial, que tinha por objetivo
combater a seca daquele ano.

Assim, esta dissertação alcançará sua finalidade se inquietar o leitor sobre os


conflitos que envolveram políticas de socorros da Comissão de Obras Novas Contra as Secas
(1915 a 1919), atentando à trama da relação entre engenheiros das secas e obreiros retirantes
dentro dos espaços dessas construções. Dessa forma, o primeiro capítulo deste trabalho busca
esclarecer o que foi a Comissão de Obras Novas e sua representatividade no combate à crise
de 1915. Analisam-se os aspectos políticos da comissão e suas realizações, fora a rápida
apreciação da figura do inspetor da comissão, o engenheiro Aarão Reis.

No capítulo posterior parte-se para a reflexão sobre problemáticas ocorridas dentro


da obra envolvendo trabalhadores retirantes e engenheiros. Evidenciam-se as experiências
diversas dos obreiros retirantes, levando em consideração a ação destes, enquanto sujeitos
coletivos – as retiradas, as “avalanches de flagelados” a procura de trabalho, os conflitos
envolvendo a escusa e a recusa de trabalhadores, considerando alguns aspectos do cotidiano
nas obras: o ambiente de trabalho, quem eram estes trabalhadores, as diferentes funções que
ocupavam, a alimentação, o rigor no trabalho, o alojamento e outros.

Por fim, o último capítulo, traz à baila discussões sobre os engenheiros chefes nas
obras públicas das secas, que eram vistas como celeiros do trabalho e do progresso, diante do
problema da estiagem que significava atraso. Estes profissionais enfrentaram o desafio de
conciliar seu saber científico e as questões sociais da necessidade e do dever de amparo aos
retirantes. Fora isso, atenta-se também às posturas governamentais diante dos flagelados das
secas e os sentimentos que envolveram diversos setores da sociedade local cearense.

A valorosa experiência da pesquisa e da redação da dissertação trouxe muitos


encantamentos, mas também impasses. Fora os embaraços de uma iniciante no enfrentamento
com as fontes e as idas e vindas na concatenação das idéias, a paralisação das atividades de
alguns acervos, impossibilitando, por meses, o contato com os documentos, como já citado,
foi um empecilho. Um dos maiores dilemas era provocado a partir do conhecimento mais
profundo das situações vividas evidenciadas nas fontes. É complicado não se comover diante
de relatos sobre indivíduos dentro de um quadro de calamidade, sabendo que situações
similares sob novas formas com pessoas diferentes continuam ocorrendo. No entanto,
esforcei-me na tarefa de não assumir uma plataforma meramente militante e, em segundo
lugar, não vitimizar os sujeitos da pesquisa, tentando mostrá-los como realizadores de ações
no processo histórico.
24

Desse modo, decidi evitar o uso do termo “flagelado”. Essa nomenclatura é criticada
pelo farmacêutico e intelectual Rodolfo Teófilo, que acreditava que o termo retirante designa
melhor o sujeito das secas. O historiador Frederico de Castro Neves também não é simpático
ao termo, explanando que a nomenclatura “flagelado dilui os sofrimentos e a própria
configuração sociológica das maiores vítimas das secas.18” De fato essa termo dá margem
para minimizar a condição dos retirantes enquanto sujeitos históricos atuantes, suas ações,
agonias e pelejas.

As secas do fim do XIX e do início do XX trouxeram mudanças no imaginário social e


marcaram o surgimento de um novo sujeito coletivo – os retirantes. A seca tornou-se um
fenômeno social, isto significa que as autoridades públicas, os homens letrados e as elites
deixaram de perceber e se preocupar somente com os efeitos que a estiagem provocava sobre
a natureza – animais, solo e vegetação –, incomodando-se com os problemas sociais que esse
fenômeno causava sobre a população faminta. Assim, a seca e o retirante passaram a ser
vistos como elementos importantes dos discursos e práticas políticas comprovando a
necessidade de recursos urgentes que pudessem amenizar o quadro. Essas transformações na
forma de perceber a seca e os retirantes com suas ações vão ser fundamentais para entender as
mudanças ocorridas na relação entre os retirantes e o Estado, as políticas públicas
desenvolvidas em outras crises climáticas e a forma de agir dos retirantes nos espaços das
obras contra as secas.

18
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massas no Ceará. Op. Cit., p.
83.
25

2. OBRAS NOVAS CONTRA AS SECAS: REPRESANDO ÁGUA E


HOMENS.

Fazia cerca de dez anos que uma grande seca não assolava o Ceará e outros estados na
região do semiárido quando chegou o flagelo de 1915, gerando problemas em diversas esferas
e de graves proporções. O desmantelamento das relações sociais no campo, que
desestabilizou a proteção dada por fazendeiros a sertanejos em períodos de estiagem, somado
ao contexto social, político e econômico do Ceará, no início da década de 1910, auxilia no
entendimento do desencadeamento das políticas contra essa seca, na compreensão da
mudança no modo de ver os retirantes e da postura perante os retirantes.

Inicialmente, é importante mencionar algumas questões econômicas. De acordo com


Benjamim Barroso, desde 1913, o Ceará tinha seus problemas econômicos agravados, quando
a receita orçada era inferior à arrecadada. “Enquanto esse fenômeno se passava, elevava-se,
entretanto por cálculos otimistas o orçamento da receita, agravando-se mais a situação
financeira para anos subseqüentes19.” O déficit, em 1914, foi de cerca de 800.000$000.

Rodolfo Teófilo, farmacêutico, literato e intelectual da época, relata que outros dois
fatores vão agravar a crise de 191520. Primeiro, “as sociedades mutuárias”, chamadas
“solidarísticas”. Fundadas em Fortaleza e em outros pontos do Ceará, estas sociedades
arruinaram a vida financeira do estado. “Os estelionatários que as criaram recebiam uma
quantia e, no fim de trinta dias, pagavam a quantia recebida, porém decuplada. Quem recolhia
quatro mil réis recebia quarenta mil réis”. “A insânia do jogo dominou a população” e
aconteceu um “verdadeiro contágio”. “Ninguém refletia no absurdo dos juros decuplando em
trinta dias a quantia depositada. Os que pensaram no caso e fizeram entradas estavam de má
fé, sabiam que os que viessem por último seriam logrados.” As “sociedades mutuárias”
espalharam-se por todo o estado e, com seus “efeitos maléficos”, causaram enormes prejuízos,
levando muitos comerciantes da capital de cidade do interior à ruína.

Outro fator apontado era “a guerra da Europa”, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
“Os produtos que importávamos subiram assombrosamente de preço e os que exportávamos”,
a exemplo do algodão, “ficaram muito tempo sem livre saída”, trazendo mais complicações

19
ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa, em julho de 1916, pelo presidente do
Estado Cel. Benjamim Barroso. Fortaleza: Typographia Moderna, 1915, p. 12
20
TÉOFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Op. Cit., p. 44
26

econômicas. Estes problemas financeiros fragilizaram a economia do Ceará, colocando-o à


beira de uma crise ainda maior com a chegada da seca de 1915.

Fora isso, é relevante aludir ao tenso panorama político de 1915. De acordo com
Frederico de Castro Neves – numa referência a Raymond Williams –, dois conflitos vão ser
importantes para a mudança na “estrutura de sentimentos” com relação à seca de 1915: a
deposição de Accioly e a sedição de Juazeiro. Fora isso, deve-se levar em consideração, em
acréscimo, o processo de aformoseamento da cidade.

No relatório do Presidente de Estado Benjamim Barroso é informado que o estado


passava por um “período de paz altamente significativo” 21. Entretanto, o cenário político por
que o Ceará passara nos anos anteriores a 1915 foi marcado por grandes confusões.

A centralização e a repressão política do governo de Nogueira Accioly estiveram


presentes no Ceará desde o fim do século XIX até início da década de 1910. Accioly
governou de 1896 a 1900, terminando este mandato foi substituído por Pedro Borges que fez
um acordo com Accioly, possibilitando que Accioly continuasse a influenciar poderosamente
a política cearense. Em 1904, Nogueira Accioly novamente foi eleito a presidente do Ceará
ficando no poder até 1912 quando foi deposto. Seu governo foi marcado por práticas de
corrupção, estelionato, nepotismo, fraudes, deportações, espancamentos e assassinatos.

Em 1912, a oposição apontou como candidato o tenente-coronel Franco Rabelo


representante da “política das salvações” do presidente Hermes da Fonseca. O candidato
opositor de Accioly teve grande apoio e aceitação da população da Capital. Iniciou-se, assim,
uma campanha eleitoral conturbada. Os acciolystas combateram as campanhas ferozmente,
sufocando três passeatas “pró-Rabelo”, inclusive uma liderada por mulheres cearenses,
reunindo 600 menores. Então, gerada pelo descontentamento em relação ao governo de
Accioly, começou uma revolta popular que foi marcada por tiroteios, barricadas, trincheiras,
depredações e mortes pelas ruas da Capital Fortaleza, o que provocou a deposição do governo
Accioly22. As eleições aconteceram logo após a revolta, sendo eleito para presidente do
Estado o tenente-coronel Franco Rabelo. No entanto, o candidato da oposição não ficaria mais
de dois anos no poder estadual, por causa da sedição de Juazeiro.

21
ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa, em julho de 1916, pelo presidente do
Estado Cel. Benjamim Barroso. Fortaleza: Typographia Moderna, 1915, p. 14.
22
Muitos oligarcas foram depostos no governo do presidente da República do Brasil Hermes da Fonseca com a
chamada “política das salvações”, que visava impedir governos opositores nos estados, entre eles: Nogueira
Accioly, do Ceará, Euclides Malta, de Alagoas, Monsenhor Alfredo Leal e João Lopes Machado, da Paraíba,
Aurélio Viana, da Bahia, e João Antonio Luís Coelho, do Pará. LUSTOSA, Izabel. História de presidentes da
República no Catete. Rio de Janeiro: editora vozes-fundação casa Rui Barbosa, 1989.
27

Verificada em 1914, esta sedição aconteceu na tentativa de depor o novo governo.


Milhares de sertanejos, comandados por coronéis accyolistas e com “a benção de padre
23
Cícero”, invadiram a Capital. A sedição de Juazeiro aterrorizou a população cearense ao
ponto de abandonar suas casas e fugir com medo do levante. Os revoltosos marcharam da
região do Cariri, no sul do estado, até a entrada da Capital. “Em um percurso de mais de cem
léguas tudo ficou arrasado, destruído, como se um incêndio tivesse lavrado naquelas paragens,
excetuando as casas dos amigos dos sediciosos24.” Plantações arrasadas, gado morto,
passando “desde o Crato até Fortaleza, em uma extensão de mais de cem léguas, tudo foi
saqueado”.

Somada a esses acontecimentos, é relevante mencionar a influência dos ideais


orientados pelo signo do aformoseamento que valorizavam um modo de comportamento, de
vestir, falar e o bom estado dos bens públicos. Seus idealizadores estavam pautados nos
ideários do desenvolvimento, da civilização e do progresso e vão direcionar esses ideais para
as mais diversas situações. Fortaleza, assim como outros grandes centros urbanos do Brasil,
iniciara uma série de reformas urbanas e sociais. A cidade passava por uma intensa
remodelação urbana: multiplicação de bondes e automóveis, em 1910, calçamento de ruas,
embelezamento de praças.

E todo esse aformoseamento conflita com os “feios e sujos” da seca; era preciso
proteger os signos da modernidade. De acordo com Olivenor, “a presença de milhares de
retirantes na cidade, antes de ser a expressão de uma suposta modernidade, era o retrato vivo
da miséria.”25 Assim, os mesmos “flagelados da seca” que iam de encontro aos símbolos do
moderno, contribuíam com essa tal “modernização” e modificavam os espaços de maneira
ambígua. Com suas ações, trabalhando na capital Fortaleza, em obras públicas nos períodos
de estiagens prolongadas, as mãos dos retirantes das secas iam erigindo melhoramentos
urbanos e ao mesmo tempo incutindo medos e receios aos citadinos.

Dessa forma, os ideais de aformoseamento, que excluíam os sujeitos pobres das secas,
somados às confusões e choques sangrentos causados pela deposição do governo Accioly e a
sedição de Juazeiro, adicionados às mazelas das secas anteriores, enraízam-se na memória de

23
PONTE, SEBASTIÃO Rogério. Fortaleza Belle Èpoque: Reformas Urbanas e Controle Social. - 3ª Ed.
Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001. Para maiores informações sobre esses acontecimentos ver: o I
capítulo do livro.
24
TÉOFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Op. Cit., p. 43.
25
OLIVENOR, José. “Metrópole da fome: a cidade de Fortaleza na seca de 1877-1879. SOUSA, Simone e
NEVES, Frederico de Castro. (orgs) Fortaleza: história e cotidiano - Seca. Fortaleza: edições Demócrito Rocha,
2002. pág. 50.
28

muitos cearenses – tanto da Capital como do Interior – e inserem neles o medo de multidões
que possam gerar revoltas26.

No fim do século XIX e início do XX, além das estiagens que assolavam o Ceará,
perturbando as elites e incutindo medo em relação aos retirantes, a ação de cangaceiros já era
presente, como é visto em relatórios de Presidente de Estado do Ceará desse período. Saques e
invasões abalavam o Interior do estado. Dessa forma, a seca de 1915 vai ser marcada pelo o
medo de que a grande massa de sertanejos, banidos pela estiagem e tomados pela fome,
invadisse e saqueasse propriedades públicas e particulares. Uma parcela da população,
autoridades políticas e religiosas, desconfortáveis com os retirantes, tinha temor que o quadro
de outras secas – fome, prostituição, doenças, criminalidade, destruição e revoltas – repetisse-
se. Foi dentro dessa conjuntura de perturbações econômicas e conflitos políticos e sociais que
a seca de 1915 incorreu, abrindo as portas a uma grande calamidade.

2.1 A SECA DE 1915 E A CRIAÇÃO COMISSÃO DE OBRAS NOVAS

Os anos de 1912, 1913 e 1914 foram de chuvas abundantes. Também o ano de 1915 se
iniciou com boas aparências, com chuvas em janeiro e fevereiro. Contudo, no mês de março,
que é visto como definidor, as chuvas não foram expressivas, desdobrando-se um longo
período de estiagem. Para muitos, não havia dúvida sobre a chegada de uma grande seca.
“Alguns espíritos otimistas apelaram para abril”, e até caíram algumas chuvas, mas, como
alega Rodolfo Teófilo, não foram suficientes para “minorar os efeitos dos flagelos”.27 Passou
maio e veio junho,

...o verdadeiro mês da estação invernosa. No litoral os campos eram verdes,


porém um verde de folha prestes a estiolar. No sertão a pouca árvores o
inverno tinha vestido. Os açudes tinham água velha e os rios tinham leitos
entupidos de folhas secas...entrava o verão, e a terra estava quase tão seca
como em começo de janeiro.

26
Para entender como os retirantes da seca se constroem enquanto multidão na história ver: NEVES, Frederico
de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massas no Ceará. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
2002.
27
TÉOFILO, Rodolfo. A seca de 1915. In: Revista Conviver. Nordeste semi-árido. V.IV. Fortaleza: DNOCS,
2004.
29

Com efeito, em março de 1915, a seca fora declarada oficialmente, iniciando-se os


pedidos de socorros. Não demoraram que levas de retirantes acorressem os cenários das
cidades cearenses, como é noticiado pela imprensa em Sobral28.

Vai começar o tenebroso espetáculo. Entram os protagonistas do fundo,


surge uma interminável coluna de agricultores maltrapilhos, famélica,
esquelética a mendigar serviço onde possa se escudar contra a fome. 29

Daí em diante os homens do campo ganham representação, recebendo diversas


referências, como “protagonistas do fundo”, associando-os “ao tenebroso espetáculo”
provocado pela desgraça climática e pela fome. Com a chegada da seca de 1915, estes
sujeitos entram novamente em cena, reemergindo nos discursos das autoridades, da classe
letrada e política nacional. Assim, a imprensa foi um dos meios de difusão das notícias sobre
a condição dos retirantes assolados pela fome. Para os jornais, diante do “desnudo e sombrio
placo do infortúnio”, da “fome negra” e “dor profunda dessa raça forte” 30, era preciso apelar
aos socorros do governo, já que os esforços caridosos cedo se exauririam.

Os meses passavam e as autoridades discutiam o que fazer com a estiagem de 1915 e


com os sujeitos já bem conhecidos de outras secas: os retirantes. O Presidente do Estado,
Benjamin Barroso, logo avisou da calamidade pública ao Presidente da República,
informando sobre a impossibilidade de arcar contra o avanço do período infecundo. Eram
reivindicadas “medidas salvadoras” como “açudagem, irrigação, estradas de rodagem, já
estudadas, perfuração de poços e prolongamento ferro-viário31”.

Medidas emergenciais foram pensadas e, no início de maio de 1915, foram enviadas


sementes despachadas pelo Presidente Benjamim Barroso. O jornal A Lucta, de 5 de maio,
noticia com ironia o evento, alegando que a fome continuaria, já que :

28
A cidade de Sobral fica na região norte do Ceará, localizada nas proximidades do Rio Acaraú. Sobral recebeu
o status de cidade, em 12 de janeiro de 1841. A cidade muito cedo polarizou as atividades econômicas, tendo
como principais eixos econômicos a pecuária a e a agricultura, tornando-se também um importante centro
político estadual. Em 1864, já existiam 244 fazendas de criação de gado, exportando entre outros produtos couro
e sola. Anos mais tarde, Sobral ingressou na área industrial começando pelo algodão e aderindo logo depois ao
ramo de fabricação de tecidos. Além dessas outras atividades como a exportação de cera de carnaúba, oiticica,
óleo de algodão, couros peles, mamonas e artigos em palha foram desenvolvidas. Em 1920, a cidade já contava
com 39.003 habitantes enquanto a Capital Fortaleza tinha 78.536. Esses dados mostram, resumidamente, o
quanto esta cidade era importante econômica e politicamente; era a principal no norte, o que explica as inúmeras
obras realizadas em seus arredores durante os períodos de seca, inclusive na de 1915.
29
Jornal A Lucta, 1º de abril de 1915.
30
Trechos de uma poesia encontrada no Jornal A Lucta de 1º de abril de 1915.
31
ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa em 1º de julho de 1915, pelo presidente
do Estado Cel. Benjamim Barroso. Fortaleza: Typographia Moderna, 1915.p.10. Essa afirmação é realizada num
telegrama expedido para o presidente Wenceslau Braz, em 25/5/1915, no qual o presidente do Estado reclama a
situação desesperada do povo cearense e pede a realização de obras para ocupar braços.
30

as referidas sementes vieram em quantidades limitadíssimas... Como tudo


isso é paradoxal e absurdo? Onde se poder semear sementes em pleno maio,
onde o inverno não chegou ainda. Deve quanto antes arranjar trabalho... o
povo hoje pede apenas trabalho, amanhã exigirá uma assistência difícil e
dispendiosa.

Os socorros enfim chegaram, mas a forma de assistência não agradou a todos. Era
alegado que as sementes eram insuficientes e que não havia possibilidade de utilizá-las em
meio ao clima de aridez. Dessa forma, era exigido do Presidente do Estado um socorro
imediato na forma de trabalho, a tempo de assistir os famintos.

Os poderes públicos locais, as associações, o comércio, os particulares dirigiam apelos


ao governo federal, ao governador do estado, à imprensa na Capital carioca, ao comércio do
Rio e de outros estados, tentando esclarecer os danos já decorrentes da seca daquele ano32.
Mas, discorria o jornal A Lucta, de 12 de maio de 1915, que a guerra, “complicadora do
movimento mundial” provocava o esquecimento dos “fatos inteiramente nacionais”. A
sociedade achava “mais elegante” “angariar donativos para os belgas que morrem convictos
de que cumprem um dever, do que aos cearenses que nunca juraram a bandeira da seca”.

As reclamações sobre o desprezo das autoridades políticas estaduais e federais e o


esgotamento dos auxílios prestados por alguns particulares continuavam, como atesta os
jornais A Lucta do mês de maio33. Os socorros de emergência demoravam e, como discorre
Felipe Guerra34, a caridade particular ia “mantendo os flagelados”, mas não absorvia mais
todos os necessitados.

O jornal A Lucta informa, em junho de 1915, as cidades e as vilas já estavam “cheias de


famintos e pedintes”, mas que eles “só desceram até a humilhação da esmola, quando se
extinguiram os verdadeiros recursos silvestres”.35 Muitos demoravam a abandonar “o mato”, à

32
Os textos dos parágrafos acima têm como base informações retiradas dos livros: TÉOFILO, Rodolfo. A seca
de 1915. Fortaleza: edições UFC, 1980; GUERRA, Felipe. A seca de 1915. In: ROSADO, VIngt-um e ROSADO
Américo. Décimo primeiro livro das secas. Coleção mossoroense. Volume cccv. Editora universitária. Natal
1985.
33
Exemplo: Jornais A Lucta de 19 de maio de 1915 e 26 de maio 1915.
34
Felipe Guerra nasceu no Rio Grande do Norte e viveu entre 1867 e 1951. Ele ocupou cargos de deputado
constituinte estadual, desembargador e procurador-geral do Estado. Em 1915, era juiz de direito da Comarca de
Mossoró. Guerra deixou alguns trabalhos voltados para a questão da seca, que, em sua maioria, tratam da fixação
do homem pela açudagem e pela irrigação e dos problemas, para ele, ligados à questão da seca: educação, saúde
e progresso social e econômico. Sobre a seca de 1915 deixou um valioso trabalho, entre outras obras produzidas
nesse ano, é a que retrata mais enfaticamente as ações especificamente da Comissão de Obras Novas.
35
Jornal A Lucta, 2 de junho d e 1915.
31

espera dos “auxílios do governo”.36 As notícias que chegavam eram de morte do gado,
esgotamento dos recursos para subsistência, saques e “pessoas enlouquecidas pela fome”.

Somente em julho, como alega Rodolfo Teófilo, o Governo da União “atendeu ao


pedido do Governo do Ceará enviando um insignificante socorro.” “O chefe da nação negava-
se a atender de pronto ao pedido de socorro, alegando não ter créditos para tal despesa”.
Contudo, “cansado dos telegramas enviados por Benjamim Barroso, o Governo enviou 50
contos de reis.”

Com a demora dos socorros e fatigada a assistência de particulares não restou


alternativa que não fosse a migração. Milhares de pessoas retiraram-se em direção à Capital
Fortaleza e a outras vilas e cidades cearenses. As retiradas, em 1915, como explana Tomás
Pompeu Sobrinho, foram marcadas pela “extrema miséria orgânica”, “diversas infecções”,
“martírios e sofrimentos, depravação, prostituição e toda espécie de vícios e crimes, desde o
roubo simples e inocente até a antropofagia37”.

Em lombos de animais, de trem ou a pé, muitos retirantes chegavam diariamente em


Fortaleza, buscando soluções para seus problemas, fossem estas em forma de passagens,
trabalho ou pedidos. Contudo, alega Sobrinho que a cidade estava “desaparelhada para tais
contingências, sem acomodações, sem reservas alimentícias e muito menos sem trabalho” – e
transformou-se em um “teatro de cenas e crimes revoltantes”38. O retirante esperava ali
terminar “suas dores”. Contudo, “suas condições, apenas modificadas ligeiramente”,
continuavam precárias.

A primeira medida tomada foi o embarque de retirantes para o Norte e para o Sul.
Primeiramente, “os flagelados foram levados para o passeio público”, depois para um local
nominado pelas autoridades públicas de campo de concentração, um lugar sem salubridade
alguma onde eram instalados milhares de retirantes à espera de trabalho ou passagens para
fora do estado. Alguns conseguiam embarcar e logo seus lugares eram preenchidos por outros
de “igual número que chegavam do interior”. “Aos que ficavam davam poucas horas” de
trabalho “nas ruas e praças.” “Esse serviço tinha como compensação o alimento abundante
para todo o pessoal do campo de concentração, a assistência médica e farmacêutica, além de
roupas para os mais necessitados.” Para outros eram dados trabalhos em estradas próximas e
açudes, “com o fim de evitar o expatriamento.” Quando ocorreu a “dissolução do campo de
36
Jornal A Lucta , 9 de junho de 1915.
37
SOBRINHO, Tomás Pompeu. O problema das seccas no Ceará. 2ª edição. Editores: Eugenio Gadelha &
Filho. 1920, P. 27.
38
Idem, ibidem., p. 23 e 25.
32

concentração”, “o pessoal foi distribuído pelas estradas. Os que podiam trabalhavam


recebendo salário variável com o número de pessoas de suas respectivas famílias”, sendo
“abolida a esmola que cabia somente às viúvas e aos enfermos39”.

Apenas em julho de 1915 foi criada uma comissão especial, as Obras Novas Contra as
Secas, para combater a estiagem então corrente. Pompeu Sobrinho informa que só em
setembro “aportou o ex-inspetor das secas, em comissão especial”, quando “a capital
regurgitava de famintos”, “a emigração para fora do estado desfalcava a população válida” e
já “dezenas, senão centenas de pessoas haviam morrido de fome40”.

2.1.1 A NOVA REPARTIÇÃO DAS SECAS

Nesse tempo em que a seca de 1915 assolou o Ceará e outros estados semiáridos, já
existia a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), funcionando com um numeroso pessoal
e muitos regulamentos41, contudo, foi julgada necessária a criação de outra repartição para
executar serviços contra a seca: a Comissão de Obras Novas Contra as Secas, cuja “direção
foi confiada a Aarão Reis, nome acatado e conhecido da engenharia nacional.” 42

Essa comissão foi criada em julho de 1915 e, através do decreto 2.974, de 15 de julho
de 1915, autorizou “abrir os créditos extraordinários, até a importância de 5.000:000$, para
serem aplicados em obras de reconhecida utilidade na zona do Nordeste assolada pela seca”.
Na mesma data, o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da
autorização constante do decreto legislativo número 2.974, abriu ao Ministério da Viação e
Obras Públicas (MVOP) o referido crédito.

Esta comissão tinha por objetivo principal realizar obras, entre elas, as que
possibilitassem o escoamento de água e ocupassem um grande número de retirantes para
evitar o êxodo imigrantista. Junto ao campo de concentração da seca, localizado no bairro
Alagadiço, em Fortaleza, as construções da Obras Novas fez parte da estratégia de evitar as
migrações e isolar os retirantes temendo invasões e saques. No campo de concentração,
milhares de retirantes foram segregados em más condições de higiene, recebendo péssima

39
ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa, em julho de 1916, pelo presidente do
Estado Cel. Benjamim Barroso. Fortaleza: Typographia Moderna, 1916. p. 7 e 8
40
SOBRINHO, Tomás Pompeu. O problema das secas. Op. Cit., p. 27.
41
O decreto de número 11.474, de 3 de fevereiro de 1915, relata a reorganização da inspetoria e do quadro do
pessoal dessa repartição, que ficou constituído por 123 funcionários 73 efetivos e 46 adidos. O cargo de inspetor
saiu de Aarão Reis para o chefe da secção técnica José Ayres de Souza.
42
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. In: ROSADO, VIngt-um e ROSADO Américo. Décimo primeiro livro das
secas. Coleção mossoroense. Volume cccv. Editora universitária. Natal 1985. P.13.
33

alimentação e sendo vigiados constantemente. Também nos campos de açudagem da Obras


Novas os retirantes represados, sendo mal alojados, “mal comidos e mal bebidos”, num
cotidiano de duro trabalho.

A Comissão de Obras Novas constituiu-se em equipes de trabalho, o que praticamente


“absorveu a inspetoria de secas em 1915, no auge da calamidade43.” Esta comissão atuaria em
lugares flagelados pela estiagem, realizando obras sem a dependência ferrenha com o distrito
da IOCS onde estavam localizadas. Contudo, o distrito deveria “prestar aos encarregados das
obras, e estes ao distrito, os auxílios conducentes à boa marcha dos serviços”.

A não-vinculação total com a IOCS significa que o inspetor Aarão Reis tinha autonomia
para tomar as decisões concernentes a esta comissão, quando a Obras Novas não era parte
inteira da IOCS. Mas, deveria haver entre as Obras Novas e os distritos da IOCS uma
convivência na execução das obras de combate às secas. Assim ocorria, pois muitos
profissionais, materiais de construção e estudos de açudagem eram aproveitados da IOCS.
Fora isso, correspondências eram trocadas entre a Comissão de Obras Novas e a Inspetoria
das Secas e os regimentos – concernentes ao funcionamento, hierarquia, deveres dos
funcionários e outros – eram baseados em regulamentos da IOCS.

As “Instruções para a execução de obras contra as secas, a que se refere à Lei n. 2.974,
de 15 de julho de 1915”, e que tinham de “ser executadas por intermédio da inspetoria,”44 só
foram aprovadas pelo ministro Tavares Lira, em 3 de setembro de 1915. Estas instruções
visavam mais à organização burocrática dos serviços informando sobre designação de
profissionais para o trabalho nas obras, liberação de verbas, controle da presença do pessoal
nas obras, organização e cuidado com materiais para a construção e do intermédio da
Inspetoria das Secas. No entanto, muitas dessas instruções só funcionavam no mundo das
idéias, nas palavras do próprio Aarão Reis, os regulamentos eram “feitos para a normalidade
da vida burocrática”, mas não podiam “regular a vida de um momento agitado em que a ação”
precisava “ser pronta para ser profícua”, que era o que as secas exigiam.

As obras a executar deveriam ser confiadas “à responsabilidade direta de um


profissional nominalmente designado pelo ministro,” que preferencialmente deveria “ser do
quadro efetivo da inspetoria.” Ao inspetor caberia “a escolha dos auxiliares, aproveitando o

43
GUERRA, Paulo de Brito. A civilização da seca: o Nordeste é uma história mal contada. Fortaleza: DNOCS,
1981, p. 49
44
REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p. 32 a 38.
34

pessoal do quadro efetivo ou adido45”. No caso de necessidade de recorrer “ao trabalho de


estranhos”, era preciso “ser comunicado ao ministro.” E ao encarregado do serviço da obra
era dada a responsabilidade de formar o restante da equipe que o acompanharia no decorrer da
construção do açude.

As disposições relativas aos créditos orçamentários eram numerosas. Existiam livros


de escrituração para os registros das despesas diárias, que deveriam ser rubricados em todas as
páginas pelo engenheiro-chefe, já que os adiantamentos só deveriam ser realizados mediante a
prestação de contas dos gastos anteriores liquidados. Além disso, toda a movimentação do
material era registrada num livro por um “auxiliar de confiança”, sendo o responsável pela
obra, designado a “evitar desvios de ferramentas e a má aplicação dos materiais de consumo,
os gastos excessivos e outros abusos.” A prestação de contas do material utilizado ocorria de
3 em 3 meses.

Poucas eram as disposições quanto aos trabalhadores braçais. Fora a obrigatoriedade do


registro diário desses operários, para prestação de contas mensal, havia outras duas instruções.
Uma alegando que nenhum “fornecimento em gêneros para alimentação, ou artigos de
utilidade qualquer” seria “feito diretamente aos trabalhadores” e a outra discorrendo que,
quanto à “assistência médica e farmacêutica do pessoal”, deveria “o encarregado da obra
recorrer ao Estado46”. Nenhuma outra instrução que pudesse regular o dia-a-dia dos
trabalhadores está presente nesse manual. Estas questões ficavam a critério do engenheiro
encarregado da obra, que, em caso de dúvidas, podia pedir auxílio à Inspetoria de Obras
Contra as Secas. Não havendo leis que regulassem a contratação e a proteção da mão-de-obra,
naquilo que seria um espaço de intervenção moderna e científica, como se percebe adiante, o
paternalismo das relações sociais teve espaço nesse mundo do trabalho.

A maioria das instruções revela a tentativa de organização minuciosa da obra quanto ao


funcionamento técnico e burocrático. Muitas eram as disposições referentes às nomeações dos
funcionários, ao uso das verbas, prestações de contas e aos materiais das construções. De

45
Aarão Reis, com a aprovação do Ministério da Viação e Obras Públicas, sob a direção de Tavares Lira
,aprovou a seguinte lista de encarregados para os açudes públicos das Obras Novas no Estado do Ceará.
-Riacho do Sangue _ Engenheiro de 2ª classe adido Pedro Cirlaline
-Patos _Condutor de 1ª classe efetivo Rômulo Campos
-Parazinho _ Engenheiro de 2ª classe adido Floro Edmundo Freire
-Guaíuba _ Condutor de 2ª classe efetivo Américo Nery
-Velame _ condutor de 1ª classe efetivo Henrique Pyles
-Caio Prado_ condutor de 2ª classe adido Severino de Oliveira.
- Várzea da Volta _ condutor de 2ª classe adido José Rodrigues Ferreira.
46
Reis. Aarão. Obras Novas contra as Secas. Op. Cit., p. XXXVIII. Quanto a essas instruções , observa-se, no
terceiro capítulo, o seu funcionamento no cotidiano dos trabalhadores.
35

acordo com Paulo Brito Guerra47, alguns itens não funcionaram bem, como ocorreu em
diversos regulamentos de outros momentos da Inspetoria das Secas. É intrigante pensar os
motivos que levaram à criação da Obras Novas, pois qual seria o objetivo de criar uma
comissão para lidar com os problemas das secas, quando já existia uma repartição nacional de
combate às secas – a IOCS?

O que defende Brito, na sua obra a civilização da seca, é que a Obras Novas foi uma
grande “comissão desmembrada da inspetoria pelo rio-grandense Tavares Lira”, ministro da
Viação e Obras Públicas, “visando aplicar os vultosos créditos especiais”. O objetivo da
criação da comissão especial era “simplificar o processo decisório, ativar a execução de
planos e facilitar a aplicação de verbas”. 48 Quando essas comissões eram criadas, “assumiam
a maior responsabilidade na execução das principais realizações, restando aos distritos das
obras, bastante esvaziados, pouco mais que os trabalhos de conservação, as obras menores”.

Já Felipe Guerra diz não saber o “porquê dessa desautoração à inspetoria”, criando essa
comissão, pois mesmo que em 1914 a IOCS estivesse “produzindo resultados deficientes”,
não era “culpa da repartição”. Já o chefe da Inspetoria de Obras Contra as Secas, Aarão Reis,
discorre, em relatório de 1914, que era “da mais deplorável deficiência os resultados” e “os
esforços” da inspetoria, naquele ano, “no sentido de dar regular desempenho a sua árdua
missão nos estados sujeitos às secas periódicas49”.

De qualquer modo, a Comissão Obras Novas Contra as Secas foi criada e praticamente
tomou para si a responsabilidade na execução dos trabalhos de socorros durante a seca de
1915. O inspetor das Secas, Aarão Reis, não estava satisfeito com os resultados das ações da
IOCS, nos anos anteriores a 1915, de prevenção e combate aos efeitos das secas. Este podia
ser um motivo para a criação da Obras Novas. Outro seria a tentativa de facilitar, apressar a
liberação de créditos, multiplicando as quantias, justificando no fato de serem duas
repartições realizando obras contra a seca, que já estava declarada. Em 1915, Aarão Reis
afastou-se de seu cargo de direção na Inspetoria justamente para dirigir a nova comissão.

2.1.2 AARÃO REIS


Esse elemento - cuja circulação atmosférica e terrestre é um fato, que
observamos, que anotamos, que medimos, que registramos, que

47
GUERRA, Paulo de Brito. A civilização da seca: o Nordeste é uma história mal contada. Op. Cit.,p. 49
48
Idem, Ibidem, p. 49
49
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. Op. Cit., p.13
36

comparamos, que filiamos, de que organizamos preciosas estatísticas


– não permitiu, ainda, até hoje ao ente humano – com toda a sua
ciência acumulada, com toda a sua técnica aperfeiçoadíssima, com
toda a sua habilidade investigadora especializada – descobri-lhes as
leis imutáveis, a que obedece nas suas manifestações como fenômeno
natural.50

O diretor da Obras Novas, Aarão Reis Leal de Carvalho51, estava entre os


idealizadores de um saber técnico prático, que acreditava na solução da seca por meio da
ciência. Influenciado pelo positivismo, que se constituía pelos princípios da observação e das
leis invariáveis, Reis acreditava que a observação sistemática levava ao conhecimento do
fenômeno da seca e à descoberta das leis que regiam esse problema e que somente assim seria
possível uma ação eficaz para resolver a crise climática, era observar, prever e agir.

Aarão Reis, assim como outros profissionais da engenharia, era partidário da idéia de
que o problema da estiagem seria resolvido por meio de obras públicas, especialmente a
construção de estradas de rodagem e açudes. As estradas de rodagem eram importantes por
“dar ao Nordeste brasileiro fácil e geral circulação, não só para os produtos como para os
elementos da produção”. E os açudes públicos seriam para o esforço de “tornar especialmente,
a circulação das águas tão normal, pela arte, quanto e como for possível52.”

É relevante expor, mesmo que de forma sucinta, uma linha do itinerário particular de
Aarão Reis, já que, dessa forma, entendem-se mais facilmente, em seguida, alguns traços da
gestão de Aarão Reis e medidas tomadas na política da Obras Novas. Reis foi inspetor da
IOCS entre os anos de 1913 e 1915, mas, antes disso, teve algumas experiências em serviços
com obras públicas que merecem destaque53.

Uma importante realização do engenheiro Aarão Reis foi a chefia da comissão da


construção da cidade de Belo Horizonte. A planta primeira dessa cidade foi produto de Reis,
sendo apresentada ao governo, em 1885, a construção foi inaugurada em 1897. Este projeto
urbano é importante para compreender o pensamento positivista de Aarão Reis, que também

50
REIS, A. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p. 230.
51
Aarão Reis nasceu em Belém, no ano de 1853, tendo como mãe Anna Rosa Leal de Carvalho Reis, que era de
família abastada, e pai Fábio Alexandrino de Carvalho Reis, que foi membro do Partido Liberal do Maranhão,
professor e funcionário público. Mais tarde, ele mudou-se para o Rio de Janeiro, onde teve oportunidade de
frequentar boas escolas como o Ateneu Fluminense e a Escola Central. Na mesma cidade adquiriu os títulos que
lhe possibilitariam o acesso a cargos privilegiados do serviço público. Em 1872, ele concluiu o curso de
engenheiro geógrafo, na Escola Central do Rio de Janeiro (depois Escola Politécnica); bacharelou-se em
Ciências Físicas e Matemática, em 1873, e, em 1874, adquiriu o titulo de engenheiro civil.
52
REIS, A. Obras Novas contra as Secas. Op. Cit., p. 245.
53
As informações sobre os feitos de Aarão Reis na construção de Belo Horizonte foram recolhidas do seguinte
livro: SALGUEIRO, Heliana Angotti. Engenheiro Aarão Reis: o progresso como missão. Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro. Centro de Estudos Históricos e Cultuais. 1997.
37

esteve presente na Obras Novas. A ordem e a hierarquia eram reveladas nos traçados e limites
das ruas, assim como preocupações com salubridade, embelezamento e comodidade54. Na
construção da Capital de Minas Gerais, o engenheiro politécnico teve a liberdade na escolha
da equipe de trabalho. Isto era um traço de Aarão Reis, pois, na Comissão de Obras Novas,
ele também requereu de forma enfática a escolha dos profissionais que compuseram a equipe.

Outra experiência importante foi o trabalho de fiscalização nas obras do açude


Cedro/Quixadá-Ce,55 que era chefiado pelo engenheiro Jules J. Revy. A sindicância dos
trabalhos do açude revelou fatos desagradáveis e trouxe desacordos entre estes engenheiros,
na época, esse acontecimento foi pauta dos principais jornais do Ceará e do Rio de Janeiro.
No seu relatório, Reis faz severas críticas às irregularidades técnicas, financeiras e
administrativas, alegando desordem, anarquia e mau uso do dinheiro público. A leitura do
relatório de fiscalização do açude Quixadá deixa aparente idéias de Aarão Reis que
sobreviveram até a Comissão de Obras Novas. A resolução do problema da seca pela
açudagem e a necessidade de efetuar um bom trabalho na realização de uma obra pública56.
No entanto, verifica-se que o cuidado com os regimentos técnico, financeiro e administrativo,
pontos importantes do projeto da Obras Novas, na prática, configurou-se de forma diferente e
que esses problemas também fizeram parte do cotidiano das obras chefiadas por Reis.

Fora a carreira técnica, Aarão Reis trabalhou deixando uma vasta produção
bibliográfica. Ao longo de sua carreira, ele traduziu várias obras francesas que tratam de
idéias sobre progresso, amor à humanidade e ao bem público57. Além disso, ele escreveu

54
A concepção positivista do plano da cidade também é revelada no prédio, residência governamental, o Palácio
da Liberdade. Ele apresenta, em sua decoração interna, as palavras “Saudação, Trabalho, Fortuna e Esperança”,
além de símbolos à Ordem e ao Progresso, à Liberdade e à Fraternidade.
55
Ainda durante o governo imperial, foi solicitado ao engenheiro estrangeiro, Jules J. Revy, um estudo acerca do
problema das secas. O engenheiro foi responsável pelo o estudo de três açudes: Boqueirão de Lavras, Cedro e
Itacolomí. Os estudos forneciam informações sobre as condições dos terrenos, área cultivável, aspectos da
região, entre outros. Com o projeto aprovado, em 1884, e tendo suspensos seus serviços diversas vezes, foi
concluído em 1906.
56
Além desses dois relevantes trabalhos apontados acima, o engenheiro em questão teve outras funções
importantes: a de diretor-geral da Secretaria de Estado da Agricultura, Indústria, Viação e Obras Públicas(1889-
1990); diretor-geral da E. F. Central do Brasil, no período de 1906 a 1910; engenheiro- chefe da Estrada de Ferro
Elétrica da Tijuca (RJ); fundador e presidente da Empresa Industrial (Fábrica de Fósforos) Serra do Mar (1899-
1906); presidente do Automóvel Clube do Brasil (1909); diretor do Lloyd Brasileiro (1910); diretor dos Correios
e Telégrafos, do Banco da República, hoje Banco do Brasil, membro da Sociedade de Geografia e do Centro
Industrial da então Capital da República; membro da “Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional” e diretor da
“Liga do Ensino do Brasil, além de ter sido membro do Clube de Engenharia e sócio honorário da “Associação
dos Engenheiros Civis Portugueses”. Aarão Reis atuou ainda como professor no curso secundário de Matemática
e Geografia e de Economia Política, Estatística, Direito Administrativo e Princípios de Contabilidade e
Navegação, na Escola Politécnica do Rio.
57
A republica constitucional de laboulaye, em 1873 , a idéia de deus segundo littré, em 1878, e a escravidão dos
negros de condorcet, em 1881.
38

muitos textos técnicos e didáticos58. Dentre os didáticos, pode-se citar duas obras importantes
da sua carreira, destinadas aos seus alunos da Escola Politécnica: Economia política, finanças
e contabilidade59 e Direito administrativo brasileiro60.

Os textos de Aarão Reis devem ser inseridos na lógica do seu tempo. Assim, como
outros sujeitos influenciados pelo positivismo no Brasil, Reis levantou algumas bandeiras,
como a luta pelos ideais republicanos, pela a abolição da escravatura, pelo liberalismo
político, pelo ecletismo. Ademais, escreveu sobre temas que discutem o domínio da natureza,
a regeneração do homem, o progresso do país, problemáticas presentes nas obras de Reis e
que podem ser visualizadas no pensamento que regeu a Obras Novas.

É relevante frisar que a crença de Aarão Reis, assim como de outros profissionais de
sua época, é a de que aos sábios instruídos pela ciência cabia a administração dos negócios
públicos. Em sua essência, Aarão Reis, à frente da Comissão de Obras Novas, reproduziu
pensamentos e sentimentos que são encontrados em suas produções bibliográficas e
experiências como gestor público em outras obras. Tematizando a seca como questão
nacional, ele defenderá as obras de engenharia hidráulica e civil e executará, mediante fundos
e verbas liberadas, construções que uniriam a viabilidade do escoamento da água e o uso da
mão-de-obra dos retirantes. No entanto, ele perceberá que muitas questões sociais das obras
públicas das secas não podiam ser enquadradas e resolvidas pelas tais “leis invariáveis” da
ciência, mediante a racionalidade técnica.

2.2 A POLÍTICA DA OBRAS NOVAS

Toda essa faina desaparece inopinadamente desde que se acentua a seca, e


se esta se prolonga além do ano, o cenário se transforma, crestada a
vegetação, dizimados os rebanhos, desaparecidas as crianças menos aptas a
resistência, envelhecidas de improviso as mulheres e esterilizadas pelo

58
Entre trabalhos da sua produção técnica, pode-se citar: A engenharia e as obras públicas no Brasil (1 vol.
1880); A luz elétrica pelo sistema de Edison, aplicada à iluminação particular (1 vol., 1882); A transmissão e a
distribuição elétrica de força (1 vol., 1884); A eletricidade em 1886 (1 vol., 1888); Relatório da Comissão de
Estudo das localidades indicadas para a nova Capital (apresentado ao Governo de Minas Gerais, em 1893);
Relatório Geral dos trabalhos da Comissão Construtora da nova Capital de Minas Gerais, em Belo Horizonte
(2 vol., 1895); Inspetoria de Obras contra as Secas (1 vol., 1924, Imprensa Nacional). Relativamente à sua
produção acadêmica: Trigonometria esférica (tradução da obra de Dubois; 1 vol., Rio de Janeiro, 1872; Lições
de álgebra elementar (1 vol., Rio de Janeiro, 1876); Estatísticas morais e aplicação do cálculo das
probabilidades a este ramo de estatística (Rio de Janeiro, 1 vol., 1880); Curso elementar de matemática.
Teórico, prático e aplicado. I – Aritmética (1 vol., Rio de Janeiro, 1893 Curso elementar de matemática. II –
Álgebra (1 vol., – Cálculo das formações diretas: 2 vol., – Álgebra complementar. Rio de Janeiro, 1902).
59
REIS, Aarão. Economia política, finanças e contabilidade. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional, 1918.
60
REIS, Aarão. Direito administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro. Villas Boas e Cia., 1923.
39

depauperamento precoce e convertido os homens, cuja robustez se traduzia


ontem numa produção abundantíssima de coisas e pessoas, em esqueletos
ambulantes de lamentável impotência61.

Aarão Reis, inspetor da Obras Novas, discorre, na epígrafe, sobre a situação do meio e
do homem com a chegada de uma seca, que é posta como empecilho às condições “normais”
de ambos. Ele argumenta que a lida diária fica impossibilitada com o esgotamento dos meios
de sustento e assim, junto a essa exaustão, vêm a fome, o perecimento das forças e a morte.

No início de 1915, quando Aarão Reis ainda era o inspetor do órgão de combate às
secas, foi chamado para uma entrevista com o Jornal do Comércio. Em sua explanação, Reis
exclama que já havia prenúncios da “temerosa seca”, traduzidos “nos telegramas alarmantes”
que recebia diariamente. Este inspetor alega que a seca chegava num momento complicado,
em que os “poderes públicos” tinham “de enfrentar mais esta dolorosa calamidade pública,
sobrevinda em meio das aperturas da mais grave situação financeira”, que vinha
“atravessando a república”. No Ceará, a calamidade era mais agravada “pela profunda
perturbação econômica decorrente das lastimáveis lutas armadas” dos “últimos dois anos”. A
revolta da população da Capital cearense contra o Governo Accioly, em 1912, que culminou
numa violenta manifestação com tiroteios, depredações e mortes, somada a sedição de
Juazeiro, marcada por saques e invasões, dizimando plantações e gado, fragilizou a realidade
política e financeira do Ceará.

Assim, dentro desse panorama, fazia-se necessária a elaboração de um plano de


emergência para combater a seca de 1915, que possivelmente agravaria os problemas. A
chegada desta seca faz emergir junto aos efeitos da calamidade antigas práticas e velhos
discursos somados a novos pensamentos e ações. Dentro dessa política, a defesa da utilização
de retirantes nas obras e a solução da seca pela açudagem estiveram entre as discussões para
solucionar o problema da estiagem e do retirante.

2.1.1 AÇUDE: “O ANTÍDOTO DA SECA”

Lutemos nós para cativar a água que vem do céu. 62

61
REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p. 232
62
TÉOFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Op. Cit. P.32
40

Na seca de 1915, um importante intelectual registrou em seu livro os seus


acontecimentos e defendeu a remediação da seca por intermédio da construção de açudes.
Rodolfo Teófilo alegava que existiam em “todo estado de leste a oeste, de norte a sul,
excelentes locais para grandes reservatórios, alguns como o do Orós”, que, uma vez
construída a barragem, dotaria o Ceará de “um lago de muitos milhões de metros cúbicos,”
“um mediterrâneo de águas doces63”. No entanto, o autor reclama que o Ceará não estava
condenado pela falta de água, mas “pela indiferença dos poderes públicos”.

Esta solução pela açudagem não era algo restrito à seca de 1915. O açude64 foi
apontado por políticos e intelectuais do século XIX e também do início do XX como a
remediação para o problema da seca. E mesmo existindo alguns estudiosos que criticavam
essa solução, a maioria tinha nos açudes a saída para a problemática reincidência das
estiagens. Esta polêmica faz parte de uma multiplicidade de questões, que pouco foram
exploradas na história das secas, merecendo maior atenção de novos pesquisadores.

Assim, na seca de 1915, o açude também foi pauta importante da política da Comissão
de Obras Novas, pois, entre estradas de rodagem65, perfuração de poços e açudes, os últimos
encontraram-se em número mais elevado no planejamento de combate a esta seca. Entre as
obras planejadas para estados do Nordeste em situação de calamidade, estavam: 15 açudes, 5
a ativar66 e 10 a iniciar, fora os açudes particulares. Entre outras obras, estão 6 estradas de
rodagem e perfuração de poços.

Esta preferência pelo açude ocorre, entre outros motivos, porque a seca era vista como
escassez de água e o açude era posto como mola mestra para resolver este problema, pois
permitia o acúmulo de água e também por absorver as “avalanches de flagelados” que
inundavam as cidades com “tenebroso espetáculo”.

63
O açude Orós só foi construído na década de 1960, mas já existia um açude projetado em tais proporções com
esse nome.
64
De acordo com Guerra (1981, p. 142) “(...) qualquer reservatório de água nascido da interceptação de uma
corrente, e compreende ao mesmo tempo a barragem, isto é, um dique de terra ou concreto que detém o curso
d’água e o lago por ele formado.”
65
Outra obra pública é bastante mencionada pelo inspetor Reis como forma de diminuir os flagelos das secas: as
estradas. Ele alega que, junto aos açudes, as estradas de penetração servirão para “resistir melhor às terríveis
agressões do seu cruel e pertinaz inimigo, sem ter a união que realizar, por conta das secas, despesas
avultadíssimas.” As estradas, além de “facilitarem o acesso” aos variados “elementos naturais”,“ prolongadas até
ao sertão e ramificadas para os pontos convenientes, servirão para facilitar ao governo ir ao socorro das
populações famintas nos mais longínquos pontos do interior, levando-lhes os víveres que o solo requeimado lhes
estiver negando.”
66
Essas obras já estavam em construção.
41

Como explana Aarão Reis, esta obra permitiria “tornar especialmente, a circulação das
águas tão normal, pela arte, quanto e como for possível67”. Sem essa obra e, assim, sem a
água, não haveria “produção da riqueza” e não poderia a nação “elevar-se gradualmente” à
“civilização e ao progresso”. Então, o açude era tido como o antídoto da seca. Essa obra
impediria a anormalidade da circulação da água que era posto por Aarão Reis como
“imprescindível” para a “operação da produção da riqueza”:

E entre esses elementos, tão inumeráveis como as estrelas da abóbada


celeste e tão necessário cada qual, como cada uma delas, a harmonia
universal, nem um é mais precioso do que a água, sem cujo amparo, solicito
e prestimoso, a maravilhosa força produtora da terra resulta
irremediavelmente infecunda68.

No entanto, na política da Obras Novas Contra as Secas, não só pela solução dos
aspectos naturais, o açude era o preferido. Outros aspectos da primazia pelo açude podem ser
apreendidos. Se os açudes eram objetos da ciência para resolver o problema da estiagem pelo
acúmulo de água, com o represamento desta para as secas posteriores, outro problema podia
ser evitado: o êxodo rural. No discurso do inspetor Aarão Reis, é exposta a crença no açude
concluído com o fim de fixar o homem à terra de origem:

Os açudes servirão para animar o sertanejo a permanecer no seu lar, e não


aventurar-se aos cruéis horrores duma retirada por estradas ressequidas e
arrastando consigo sua mulher e filhas, para as atirar nos braços da fome e
da prostituição inevitável69.

Os açudes concluídos significavam a possibilidade de impedir os problemas das


migrações pelas secas: difíceis retiradas, fome, doenças, morte, prostituição, aglomerações de
pedintes em núcleos populosos, conflitos diversos e outros. Entretanto, declarada uma seca,
chegados os problemas, a obra de açudagem e seus serviços, figurava a solução de outro
problema, que era a ociosidade do retirante.

Os açudes, especialmente os pequenos e médios, são construções que podem ser


edificadas numa duração de tempo menor que outras obras públicas, como se pode
exemplificar as obras de uma estrada de ferro. Nem demandavam, na mesma envergadura,
capitais, tecnologia e máquinas70. Já que a comissão de Obras Novas foi pensada como uma

67
REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit. 245
68
Idem, Ibidem., p. 230
69
Idem, Ibidem., p. 237
70
De acordo com Tomás Pompeu Sobrinho, “nos anos de crise”, havia a necessidade de implantar um plano
especial. Deveriam ser organizadas obras capazes de comportar muitos operários e pouco maquinismo. As
42

maneira emergencial de combater os problemas gerados pela seca de 1915, era interessante
que fossem planejadas construções que acompanhassem o tempo da estiagem. As construções
de açudagem eram pensadas, então, para durar pouco tempo, concentrando mais serviços no
tempo da crise. E além de obras de acúmulo de água, os açudes tinham a missão de dar
trabalho e manter os retirantes ocupados enquanto durasse o flagelo.

2.2.2 OCUPAÇÃO E CONTROLE: REMEDIANDO OUTRO PROBLEMA

O mecanismo principal apontado para atenuação da estiagem eram os açudes e a


maneira encontrada para amenizar o problema social, que a referência aos retirantes
encerrava, era a ocupação do maior número de trabalhadores e seus familiares nessas obras. O
decreto de número 2.974, de 15 de julho de 1915, autoriza abrir créditos,

para aplicar em obras de reconhecida utilidade na zona do nordeste assolada


pela seca, preferindo as que derem ocupação ao maior número de
trabalhadores e conservem nos seus domicílios as populações flageladas e
possam ser concluídas dentro do tempo de duração da crise.

A Comissão de Obras Novas encarregar-se-ia de utilizar esses créditos, tendo como


objetivo dar ocupação a um grande número de trabalhadores. Essa ação objetivava auxiliar os
retirantes com trabalho e não mais com esmolas71 e o impedimento do êxodo, fixando esses
retirantes em seus locais de origem, retendo-os, para evitar o estorvo que poderiam causar
com sua chegada nas cidades cearenses.

A Constituição garantia socorro a todo brasileiro que estivesse em situação de


calamidade. A situação da seca e dos retirantes era considerada uma catástrofe. No entanto, o
socorro aos famintos não podia vir de qualquer maneira, a caridade não podia ser prestada de
forma indigna, por meio de esmolas, mas de forma “moralizante”. Nas palavras do inspetor
Aarão Reis, a citada comissão tinha plena harmonia com essa missão:

Bastará ativar convenientemente para que se constitua, cada qual, pequeno


centro de utilíssimos socorros, e sem contestação os únicos que um governo
moralizado pode pensar em prestar porque a esmola avilta e corrompe, ao
passo que o trabalho enobrece e fortalece o caráter. 72

grandes obras, “de natureza lenta”, ficariam para os anos normais. SOBRINHO, Tomás Pompeu. O problema
das secas. Op. Cit., p. 59
71
Essa questão é melhor trabalhada, posteriormente na dissertação, tanto no plano das idéias como nas ações dos
engenheiros e retirantes em torno dessa ocupação.
72
REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p. V.
43

Então, sendo o trabalho visto como elemento edificante e instrumento da ordem social,
a política da Obras Novas tinha o intuito de converter a população faminta em trabalhadores
de frentes de serviços. Assim, as obras objetivavam amparar, mas com o trabalho, que traria o
justo auxílio, afastando a condição aviltante e o ócio.

Como já dito, as obras públicas – em especial o açude –, eram instrumentos para


imobilizar, tentar imobilizar os trabalhadores. Essa ocupação, além de ser reflexo da maneira
racional e moralizante de socorrer os famintos, era uma estratégia que visava afastar os riscos
representados pelos retirantes. Assim, a idéia era represar – só que nessa vez era represar a
abundância, as levas e levas de sertanejos postos em ansioso movimento pelas secas. É
possível frisar a intenção clara da política da Obras Novas em fixar o homem no seu meio de
origem, no rural, no interior. Essa questão pode ser verificada no discurso de Aarão Reis e nos
aspectos políticos que permearam a instalação das obras de açudagem.

A aversão ao êxodo dos retirantes vem com força na seca de 1915. É interessante
relatar o fato de que a oposição ao êxodo foi existente em outros momentos de secas. Muitos
intelectuais cearenses e também do restante do país – a exemplo do próprio inspetor da Obras
Novas, Aarão Reis – rejeitavam o apoio dado às migrações nas épocas de crise, quando estas
eram aconselhadas para exportação do problema, apontando outras soluções.

As secas motivam as migrações que são para os retirantes uma forma de contornar os
problemas decorridos da calamidade73. Em muitas estiagens prolongadas, houve levas de
pessoas migrando para o Norte e para o Sul, sendo o Norte o principal destino. A esperança de
fazer riqueza na Amazônia levava os retirantes a enfrentar um percurso perigoso, maus-tratos
e, na chegada, difíceis condições de trabalho nos seringais. Contudo, se a emigração era a
esperança de muitos retirantes em épocas de secas, configurava-se uma saída governamental
diante da falta de recursos, desfazendo-se do problema.

Na seca ocorrida em 1915, a migração para os núcleos mais populosos, especialmente


para a Capital Fortaleza, esteve presente e muitas pessoas se deslocaram em direção às
grandes cidades e para fora do Ceará. Rodolfo Teófilo conta que “a notícia da distribuição de
socorros na capital acelerou” o êxodo de pessoas do Interior. Assim, a cidade, desde o

73
É viável pontuar que não se pode naturalizar a relação seca-migração como causa e conseqüência. Ocorrida
uma seca, muitos sujeitos migram buscando soluções para seus problemas, mas a estiagem é um entre os muitos
outros fatores envolvidos na motivação das migrações. Além do que, falar em miséria, em apertos do ponto de
vista econômico, é falar de momentos de chuva e de seca, pois as migrações (assim como a pobreza) não cessam
quando as chuvas caem. Um aluno do mestrado da Universidade Federal do Ceará, Alexandre Isídio Cardoso,
tem uma pesquisa em andamento que discute como a seca não inaugura a miséria e nem a migração, porque
esses dois fatores já estão presentes, o que a estiagem promove é uma potencialização dessa problemática.
44

anúncio da seca, enchia-se de famintos. “A emigração do sertão para o litoral engrossava


todos os dias, e a de Fortaleza para o Norte e para o Sul não esbarrava.”74

O governo federal agiu preocupando-se em manter os retirantes em seus locais de


origem, daí o aviso de realização de obras que se concentravam onde trabalhadores estão se
retirando. Pode-se verificar isto no decreto de 22 de dezembro de 1915, que libera novos
créditos para serem usados nas obras públicas contra as secas. Neste, o Presidente da
República dos Estados Unidos do Brasil dava conta de que resolver:

abrir ao Ministério da Viação e Obras Públicas o crédito extraordinário de


2.000:000 para a execução de obras de utilidade pública nas zonas assoladas
pela seca, ou onde forem localizados os que da mesma se retirarem em
consequência do flagelo, incluindo-se nessas obras as estradas de rodagem e
de ferro e o prolongamento de vias férreas já existentes nas mencionadas
regiões o que mais urgente parecerem ao Governo, para eficácia da proteção
às vítimas da catástrofe.

Muitas dessas obras estavam sob a competência da Obras Novas, e mesmo com os
trabalhos desta comissão iniciando somente em outubro, quando havia meses já durava a
crise, a chegada das construções da Obras Novas tinha um claro objetivo de evitar mais
invasões de levas de retirantes, que já se alastravam desde anunciado o flagelo.

Em entrevista ao Jornal do Comércio, em 28 de março de 1915, tratando das maneiras


pensadas para o combate à seca que estava se instalando, Aarão Reis discorre que era
necessário “realizar obras e trabalhos” para impedir “o êxodo das populações flageladas,
conservando-as quanto possível, dentro do próprio estado natal.”75 Ele alegava que as
migrações representavam a ida da prosperidade dos estados para outros destinos:

Sou contrário em absoluto às facilidades oficiais ao êxodo em massa das


populações famintas do Ceará e do Rio Grande do Norte, pra, com
sacrifício da terra natal, levarem com seus braços valiosos e sua têmpora
sertaneja, a prosperidade a outros estados da união.76

De acordo com ele, a prosperidade da Amazônia aumentava a cada dia devido a esses
braços. Quando muitos retirantes “cearenses e rio-grandenses do norte” eram “seduzidos e
enviados” para tal local pelas autoridades públicas sob “o pretexto de livrá-los da morte pela
fome e pela peste”, nos períodos de estiagem. Diante dessa afirmação de Aarão Reis, cabe
uma crítica: este engenheiro trata o migrante como um sujeito passivo diante do processo,

74
TÉOFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Op. Cit, p. 60
75
REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit. P.20
76
Idem, Ibidem. P. 8
45

quando alega que os retirantes eram “seduzidos e enviados” para outro estado. Muitos
intelectuais ainda se prendem à visão que resume os retirantes a uma massa inerte, seguindo
ordens das políticas governamentais, no entanto, onde está o papel do próprio migrante? Era
só baixar a cabeça e ir rumo ao Norte ou Sul? Deve-se considerar que, mesmo num momento
de calamidade, as escolhas dessas pessoas em migrar e as linhas que ligavam esses sujeitos ao
Norte ou Sul – família, imaginário, esperança, – eram frutos de sua vontade, não algo imposto
pelo o estado e seguido pelos sertanejos.

Problematizando as fontes citadas acima, percebe-se que, ao contrário de secas


anteriores, onde havia uma incisiva política de incentivo à emigração, são registradas uma
persistente preocupação e articulação, de certa forma mais coordenada, dos poderes públicos
para evitar as migrações. Mas qual o intuito das autoridades figuradas nas Obras Novas,
quando pelejavam em pensar mecanismos para evitar as revoadas em momentos de crise?
Estavam motivadas apenas pelos sentimentos de proteção, tentando livrá-los das terríveis
fugas, do “dilaceramento dos laços de família”, da fome e da morte, algo que os poderes
públicos alegam nas fontes já citadas? Na interpretação das fontes, ficam evidentes outros
interesses, envolvendo poder, controle, medo e repulsa.

Ocorre que esse êxodo causava sofrimento aos que se retiravam, mas causava danos
também aos donos de terras que dependiam dessa mão-de-obra em tempos bons. De acordo
com Frederico de Castro Neves, em anos de chuvas abundantes, os latifundiários mantinham
seus trabalhadores, garantidos por um “sistema de troca de favores”. Contudo, em épocas de
secas, as garantias deste sistema ficavam debilitadas. Existem relatos de grandes donos de
terras, que faliram em épocas de secas; nesses casos, manter os “seus” trabalhando era uma
remota possibilidade77.
No romance o Quinze, de Raquel de Queiroz, essa questão fica evidente quando a
proprietária de terras, Dona Maroca, manda liberar todo o gado do curral e dispensa seus
trabalhadores para que eles escolham outros “destinos”. Assim ocorria, mas muitos migrantes
não retornavam ao seu local de origem, principalmente os que iam para outros estados,

77
Durante muito tempo, os latifundiários asseguraram seus trabalhadores mesmo em tempos difíceis. Em épocas
de secas, havia o costume de conceder terras férteis para o deslocamento dos sujeitos. No entanto, dois
acontecimentos modificaram essas relações. Primeiro, a Lei de Terras, de 1850, com esta a terra passou a ter um
valor monetário estimado, a limitação dos espaços deram-se de forma rápida, restringindo os espaços a ser
ocupados pelos camponeses na época das secas. Outro acontecimento importante que contribui para o
desmantelo dessas relações foi o crescimento da agricultura comercial do algodão, que ampliou as áreas
destinadas ao mercado externo, principalmente com a Guerra Civil dos EUA, em 1870. “Esses dois fatores
fecharam as portas das migrações colocando os camponeses diante do abismo da seca de 77, sem a proteção a
ruína dos camponeses foi rápida e cruel.” NEVES, Frederico de Castro. “A seca e o homem: políticas
antimigratórias no Ceará.” TRAVESSIA, REVISTA DO MIGRANTE. São Paulo:C EM,n.25,maio – agosto,
p.18- 24, 1996. p.19
46

dificultando, no futuro, a situação dos detentores de terras, ao estarem recuperados e


necessitados de mão-de-obra.

Assim, os latifundiários também eram contrários à emigração. Temendo que ao findar o


período de estiagem houvesse escassez de mão-de-obra para a reconstrução da pecuária e da
lavoura, em suas propriedades, os próprios fazendeiros carregavam suas listas de pessoas para
serem ocupadas nas obras. Ocupando os trabalhadores nas construções de açudagem, era
possível fixar estes próximos aos seus locais de origem, para que, terminada a crise, os braços
retornassem às fazendas.

De acordo com Roseane Vasconcelos, a propósito, as secas podem ser vistas como
momentos em que se abrem oportunidades de “fortalecimento das oligarquias sertanejas”,
mediante “a aplicação de verbas do estado para financiar a retenção de mão-de-obra ocupada
na implementação de benfeitorias nas grandes propriedades78”. Percebe-se, então, que
enquanto para alguns a seca representa pobreza, para outros, é um benefício. Grandes
proprietários, haja vista a leitura de alguns documentos oficiais e bibliografia, foram
beneficiados com créditos e obras em suas propriedades sob alegação de organizar meios de
resistência às estiagens.

Declarada a seca de 1915, muitos fazendeiros sem meios de manter seus trabalhadores
recorreram ao Estado para ocupar estes, utilizando como pretexto auxiliar os “flagelados”,
garantindo o retorno da mão-de-obra para os trabalhos nos seus latifúndios.

Outra intenção que acompanha a política de controle do êxodo, realizada pelas Obras
Novas, é o controle e o isolamento desses sujeitos assolados pelas secas dentro de suas
construções. Manter o retirante afastado dos núcleos urbanos da população, especialmente da
Capital Fortaleza, mediante o represamento deles nas obras, era uma medida que objetiva
afastar o perigo e o incômodo da sociedade, aplacando seus receios e ansiedade. 79

Abaixo, um mapa localizando os municípios onde estão localizados os açudes que


foram construídos pela Obras Novas.

78
CARVALHO, Rejane V. Aciole. O estado, a Terra e O Coronelismo. Rio de Janeiro: Coleção Mossoroense.
Série C. Volume DCCI, 1991., p. 20. Nessa afirmação, a autora refere-se ao sistema de prêmios do DNOCS. De
acordo com Paulo Brito, a açudagem em cooperação funciona da seguinte forma: “ O DNOCS efetua os estudos
de campo, elabora o projeto e o orçamento da obra e paga um prêmio ao proprietário, de 50% e até 70%,
tratando-se de obras públicas municipais ou estaduais.” Ocorre que muitos proprietários utilizam somente o
dinheiro do prêmio, utilizando os braços da fazenda e não dá acesso e torna o açude privado, quando não dá
acesso a todos, a água fica retida nele.
79
Essa questão é visível ao longo de outros capítulos e bastante discutida no último tópico do terceiro capítulo
desta dissertação.
47

Localização dos açudes da Obras Novas (cor azul) e os municípios (cor vermelha) onde estão localizados
atualmente.
48

No mapa acima estão situados os açudes que tiveram suas construções iniciadas pelas
Obras Novas entre os anos de 1915 e 1916. As construções localizavam-se onde se
assentavam os que se retiravam. Assim, os retirantes ocupados nas obras podiam ser afastados
dos núcleos populosos, das elites que moravam em cidades como Sobral e Fortaleza,
diminuindo o incômodo que podiam causar.

Observando o mapa, verifica-se que as instalações das construções da Obras Novas


estavam em pontos diferentes e estratégicos. Tendo como referência a Capital, pode-se
afirmar que alguns açudes estavam a noroeste – Parazinho, em Granja; Mulungu, em
Itapipoca; Várzea da Volta, em Palma, hoje, município de Moraújo; Patos, em São Francisco
de Uruburetama, hoje, na localidade de Patos pertencente ao município de Sobral –, outros a
sudoeste – Caio Prado, em Santa Quitéria; Bahú e Guayuba, em Pacatuba – e os demais ao sul
– Riacho do Sangue, na antiga localidade de Cachoeira, hoje, Solonópole; Velame, no extinto
município Riacho do Sangue, hoje, dentro dos limites de Jaguaribe80. Fora isso, foram
construídas duas estradas de rodagem: uma de Sobral a Meruoca, no noroeste, e outra de
Baturité a Guaramiranga, no sudoeste.

É relevante ressaltar que algumas dessas obras estavam localizadas nas proximidades
das estações das estradas de ferro Sobral-Fortaleza e Baturité-Fortaleza. Considerando que
estas seriam os principais veículos dos que desejassem chegar à Capital, levantar obras nos
seus arredores era uma medida ardilosa.

Assim, uma das políticas da Obras Novas era criar diversas frentes de trabalho no
Interior para que uma grande massa de retirantes, com seus problemas, ficasse longe da
Capital e dos símbolos do progresso. Todavia, essa medida fazia parte de uma estratégia
maior de isolamento que se somava ao campo de concentração81 da seca de 1915. Para esse
local foram levados muitos retirantes que chegaram à Capital cearense sob alegação de assisti-
los. Lá, eles eram isolados e vigiados, sob uma rotina de fome, epidemias e mortes. O campo
tinha o objetivo de afastar os retirantes da sociedade fortalezense, preservando a higiene e a
moralidade, já que eles representavam um perigo à ordem pública e aos padrões de conduta.
Contudo, para o farmacêutico e sanitarista Rodolfo Teófilo, com péssimas instalações físicas

80
No mapa, está exposta a nomenclatura atual referente aos municípios onde estão situados os açudes. Nas
fontes, são feitas referências quanto a outros nomes de localização dos açudes. As alterações ocorridas no nome
do espaço onde estão localizadas as obras se devem a mudanças territoriais, que tiraram açudes de dentro dos
limites dos municípios para outros, ou nominais, quando alguns municípios mudaram o nome.
81
Na seca de 1932, foram instalados vários campos de concentração, em diversos locais do estado do Ceará, para
o confinamento de retirantes. Segundo a historiadora Kênia Rios, os campos eram justificados como um meio de
assistência aos famintos da seca de 32, mas a realidade que se configurava era outra. Ver: RIOS, Kênia Souza.
Campos de concentração no Ceará: Isolamento e poder. Fortaleza Museu do Ceará/SECULT, 2002.
49

e sanitárias, a medida de aglomeração dos retirantes nesse campo contribuiu para a morte de
muitos.

O represamento de retirantes em açudes também era justificado como meio de


assistência aos famintos. No lugar da caridade e da esmola, que corrompiam incutindo o vício,
era exigido o trabalho. Tratava-se agora de fornecer a dosagem correta de amparo,
adestramento, moral e trabalho.

Para compreender, no entanto, o retirante como elemento que representa perigo, é


preciso desfazê-lo de sua condição de sujeitos trabalhadores, que, numa situação excepcional,
retiram-se, fugindo das secas para buscar alternativas de sobrevivência, e visualizá-los dentro
do pensamento que os incluía numa massa em estado de revolta que podia se rebelar a
qualquer momento.

Remover a calamidade, utilizar a força dos trabalhadores, distraírem do pensamento


criminoso, por meio da ocupação honesta e útil, eram objetivos da Obras Novas. Então, os
açudes configuravam-se como obras perfeitas para o objetivo da Comissão de Obras Novas,
pois, concluídos, possibilitariam o acesso a reservatórios de água em momentos de estiagem
posteriores, impedindo o êxodo de trabalhadores. Antes disso, no momento da construção,
durante a seca, ocupavam os retirantes, mantendo-os em seus locais de origem, evitando
tumultos nos centros populosos e garantindo a mão-de-obra para latifundiários, em períodos
chuvosos.

2.3 O FAZER DAS OBRAS NOVAS E OS FINS DA ESTIAGEM DE 1915.

A Inspetoria de Obras Contra as Secas é um Mito... Figura nos orçamentos


com grandes somas e, na hora de dar combate ao flagelo, onde estava que
não vinha fazer um poço profundo no abarracamento dos retirantes,
diminuindo os fatores de destruição daquela gente. 82

Rodolfo Teófilo relata, no contexto da seca de 1915, que a Inspetoria das Secas, no
momento em que se instalava o estado de calamidade, não se preocupava em agir diminuindo
os sofrimentos dos retirantes. O diretor da instituição não tinha consciência da gravidade do
problema, não residia “na terra da seca”, morava no “Rio de Janeiro, instalado em um palácio,

82
TEÓFLO, Rodolfo. A Seca de 1915. Op. Cit. 60. O abarracamento que ele cita é o campo de concentração da
seca de 1915, que foi criado para concentrar os retirantes que chegavam à Capital, na seca, isolando-os,
afastando-os do meio social.
50

fruindo avantajados vencimentos e gozando os prazeres da capital da República.” Ele discorre


que o que era despendido “com a Inspetoria de Obras Contra as Secas, com os palacetes”,
seria suficiente “para construção do grande açude Orós.”83

No início do ano de 1915, Aarão Reis ainda era o inspetor das Secas e era cobrado
para que informasse com urgência sobre as obras já estudadas que pudessem ser iniciadas
para atenuar os efeitos da “calamidade cruel”. Assim, com todos os problemas já em
evidência e muitas cidades importantes sendo ocupadas por “famintos e maltrapilhos”, a
medida tomada foi o início de 27 obras em vários estados: Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí,
Paraíba, Pernambuco e Sergipe.

De acordo com Tomás Pompeu Sobrinho, as providências que foram tomadas pelo
governo federal contra a seca de 1915, através da Inspetoria das Secas e da Comissão de
Obras Novas, “foram tardias e insuficientes”84. Elas foram tardias se se considerar que os
socorros demoraram a chegar – por meio de liberação de verbas e início das obras públicas
para dar serviço ao retirante – e insuficientes por não ter lotado nessas obras uma parcela
diminuta dos necessitados.

Dessa forma, um dos problemas foi a demora de créditos, que só foram abertos em
julho, bem depois dos primeiros alarmes. Rodolfo Teófilo relata que:

Se em março, quando o Presidente de Estado declarou seca oficialmente, o


Governo da República tivesse mandado prolongar as estradas de ferro,
construir açudes, estradas de rodagem, conservando assim a população
domiciliada, os sertanejos não teriam deslocado, ter-se-iam poupado
inúmeras vidas e dinheiro a nação.85

Os primeiros trabalhos da Comissão de Obras Novas só principiaram em outubro,


meses depois de declarada a seca, oficialmente. Nesse tempo, muitas famílias já tinham
arribado para o litoral, especialmente para a Capital. Rodolfo Teófilo narra que, quando
observava as levas de retirantes chegando à Capital, esperava encontrar os retirantes
“esqueléticos” como os da seca de 1877, mas estes estavam “fortes, gordos e robustos”,
ficando “convencido de que aquela gente era preguiçosa e havia corrido antes de enfrentar o
flagelo”86. É importante levar em consideração que, ao contrário da seca de 1877, existia

83
Em anexo um quadro com as despesas desde a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas até 1919.
84
SOBRINHO, Thomaz Pompeu. História das Secas (século XX). Mossoró: Coleção Mossoroense, volume
CCXXV , 1982. P. 31
85
TEÓFLO, Rodolfo. A Seca de 1915. Op. Cit. 68
86
Idem. Ibidem, p. 51
51

naquele ano duas estradas de ferro no Ceará, a de Sobral e a de Baturité, tornando o trajeto de
alguns retirantes menos sofrido.

Talvez Teófilo encaixasse alguns retirantes “da 15” na nomenclatura de preguiçosos


por acreditar que eles não se esforçaram para enfrentar o flagelo à espera da caridade pública
e porque não tinham a aparência, visualizada por ele mesmo, dos retirantes da seca de 1877.
Entretanto, mesmo que isto seja um indicativo de que as migrações, em 1915, ocorreram ao
som do alarme da seca, também significa que, mediante as experiências acumuladas em outras
secas, muitos trabalhadores não esperavam mais que se esgotassem os últimos recursos e
partiam para recorrer à assistência do Estado.

Além dos socorros tardios, que incentivaram as retiradas, outro problema se


configurava caso se analise o fazer da Obras Novas: as construções não abarcavam o excesso
de retirantes87. Naquele tempo, o trabalho que deu ao “faminto” por meio de obras públicas
foi “reduzido”, Rodolfo Teófilo afirma que, se nas obras iniciadas tivessem sido “empregados
todos os famintos que se apresentavam pedindo socorro, ter-se-ia evitado o êxodo e a morte
pela fome88”.

Em 27 de outubro de 1915, críticas foram realizadas no Jornal A Lucta, de Sobral,


sobre a forma de utilização das verbas e a atuação de Aarão Reis e da Comissão de Obras
Novas: “ a diminuta verba de 5.000 contos voltada para o socorro dos famintos, além de
insuficiente não está sendo inteligentemente e parcimoniosamente aplicada”. O Dr. Aarão
Reis devia “estar prevendo uma seca em 1916”, pois mandar “iniciar a construção de açudes
em pleno novembro, para 60 dias depois, no caso de bom inverno, como esperamos, ver todo
serviço feito e todo dinheiro enterrado nas paredes, descer na enxurrada.” De fato, em 1916,
quando vieram as primeiras chuvas, os trabalhos foram paralisados e, em 1917, quando
chegaram as enchentes, as obras ficaram empacadas por meses, sendo algumas debilitadas
pelas águas e outras sendo retomadas só anos depois.

Outro problema é encontrado quando se verificam os tratamentos dados aos retirantes.


Se a justificativa da emergência das obras era para “amparar os flagelados”, como explicar
algumas normas e ações para com os trabalhadores retirantes? Como se observa adiante,
houve conflitos entre os engenheiros e a diretoria da comissão, justamente porque os chefes
de obras empregavam milhares de trabalhadores nas construções de açudagem. Depois de
longas jornadas e fome, sujeito às moléstias, como se percebe adiante, em casos de doença,

87
Isto vai ser uma problemática que permeará toda a dissertação.
88
Idem. Ibidem, p. 69
52

muitos retirantes eram afastados do serviço. O engenheiro não podia manter um trabalhador
enfermo nem podia prestar socorro ao doente, já que a assistência médica, de acordo com as
instruções da Obras Novas, era papel do Estado. O diretor Aarão Reis não atentava para o fato
de que muitas obras eram realizadas no sertão, bem longe dos núcleos comercias e urbanos, e
assim da assistência médica89.

Ainda que Sobrinho alegue que as construções da Obras Novas proporcionaram


“trabalho remunerado a alguns milhares de flagelados”, “o atraso das providências
governamentais” foi motivo principal para críticas. Ele e outros intelectuais que viveram
naquele momento, citando Rodolfo Teófilo, concordaram no que concerne à demora e á
insuficiência dos trabalhos naquela seca e os problemas que isto acarretou.

O intelectual e engenheiro Tomás Pompeu Sobrinho faz críticas explanando que a


Inspetoria de Obras Contra as Secas não tinha “nenhum planejamento sistemático de
combate” às estiagens, centralizava “sua ação” e procedia sem “medidas harmônicas”.
Quando eclodia uma “seca mortífera”, a repartição ficava “embaraçada”, distribuindo de
forma “desordenada” os serviços. Faltava “pessoal técnico e administrativo”, ocasionando
obra “inoportunas, mal estudadas, mal projetadas, mal construídas e mal escolhidas”.90

Finalmente, a Obras Novas concluiu 17 obras91, deixando 6 por concluir92 e 4


interrompidas.93 O inspetor Aarão alega que outras obras poderiam ter sido realizadas, mas
algumas estavam “localizadas nos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco,” que
não estavam, “como os demais do nosso Nordeste semiárido, sob o flagelo direto da atual
seca”. A seca de 1915, mediante informações de relatórios de presidente de Estado e obras
escritas no período, abalou principalmente os estados do Rio Grande do Norte, da Paraíba e
do Ceará.

89
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. Op. Cit, p 14.
90
SOBRINHO, Tomás, Pompeu. O problema da seccas. Op. Cit., p. 44 e 59.
91
Concluídas:
Açudes: Anajás( Piauí);Bahú, Guaiuba, Patos, Caio Prado, Mulungu, Parazinho e Riacho do
Sangue(Ceará);Saco, Pessoa e 25 de Março(Rio Grande do Norte);Cajazeiras e Bodocongó (Paraíba); Serra dos
Cavalos ( Pernambuco)
Estradas de Rodagem:
Baturité a Guaramiranga e Sobral a Meruoca (Ceará),;Campina Grande a Soledade (Paraíba)
92
Por Concluir:
Açudes: Açude Várzea da Volta, Açude Velame, (Ceará); Açude Arapuá, (Rio Grande do Norte)
Estradas de rodagem: de Floriano a Oeiras, (Piauí); de Macau a Assu, (Rio Grande do Norte)
Aterro da Lagoa Própria, Sergipe.
93
Interrompidas:
Estradas de rodagem: do Rio Branco a Buique, (Pernambuco);de Cajazeiras a Souza, (Paraíba); de Quixadá ao
Riacho do Sangue, (Ceará); Estrada de Rodagem de Mossoró a Alexandria, Rio Grande do Norte.
53

Para o Ceará, a seca de 1915 foi desastrosa. A população muito sofreu e a economia da
região recebeu grandes prejuízos. Contudo, assim como em outras secas, os estragos não
ocorreram somente no ano em que a calamidade foi declarada. Um ano posterior a um ano de
estiagem é difícil, pois muitos recursos estão esgotados, impossibilitando uma volta rápida à
normalidade das ações cotidianas. De fato, o ano de 1916 também foi marcado por muitos
danos.

No relatório de 1916 do Presidente de Estado, é informado que “chuvas caídas em


dezembro trouxeram ânimo de bom inverno”. Contudo, as chuvas dos fins de 1915, somadas
com as do início de 1916, não foram suficientes para minorar a miséria. Fracas foram as
colheitas e as safras. Mesmo assim, alguns retirantes começaram a voltar para o campo,
animados com as chuvas que caíam. Mas logo que as plantações foram iniciadas, uma praga
de lagartos assolou o Estado do Ceará, destruindo-as, interrompendo o regresso de outros
trabalhadores.

Mesmo assim, passado o mês de janeiro, em fevereiro e março, o governo organizou a


volta de milhares de retirantes, “o pessoal que voltava recebia dinheiro, roupas, instrumentos
agrários e sementes”. De acordo com Rodolfo Teófilo, os retirantes “voltavam várias vezes à
cidade para receber novamente o auxílio do governo94.” Pode-se entender esta ação como
reflexo de como os retirantes acreditavam que mereciam os socorros: se a assistência provinha
do Estado, a eles pertenciam.

As comissões trabalharam para fazer regressarem os retirantes da seca de 1915


objetivando controlar o caos que abalava a Capital cearense. Mas isto não significou que os
sofrimentos daqueles sujeitos foram imediatamente minorados. Os que retornavam não
encontravam trabalho, já que os fazendeiros, com seus prejuízos, ainda estavam cautelosos e
os pequenos proprietários não tinham sequer sementes para o plantio. Como discorre Felipe
Guerra, “esse fluxo e refluxo” – as retiradas e o regresso – dos retirantes “é um fato
característico das secas”. Os sertanejos perdem o controle próprio, fustigados pela miséria”,
andando “às tontas para cima e para baixo sempre acompanhados dos sofrimentos”95.

94
TÉOFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Op. Cit, p. 88.
95
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. Op. Cit., p. 37
54

Em relatório de 191696, Benjamim Barroso alega que, “diante da crise geral, agravada
pela seca,” houve uma desorganização da “vida do Estado”, estancando por completo “muitas
fontes de riquezas”, avolumando as “dificuldades financeiras”.

No jornal A Ordem, de 25 de julho de 1919, Benjamim Barroso observa que graves


foram os estragos sobre a pecuária, “dizimada cerca de 60%” – fora os prejuízos na lavoura,
que teve suas plantações desorganizadas pelo deslocamento da população. A grande
mortandade do gado ocorreu pela fome e pelas moléstias. No relatório de 1916, o presidente
de Estado afirma que o malogro na atividade pecuarista, contado até o instante da escrita do
relatório, era de cerca de 40 mil contos. Se somada aos prejuízos na agricultura, a cifra
elevava-se a 90.350 contos. Além disso, “a suspensão de créditos” “paralisou a indústria e o
comércio”, aumentando os destroços e a deficiência de produtos – cera, couro e pele, entre
outros – que trouxe prejuízos na “exportação de cerca de doze mil contos”.

Benjamim Barroso acrescenta que muitos foram os agravos morais e sociais, entre
eles, os principais eram a emigração e as mortes. Mesmo com todas as pelejas contra as
migrações, principalmente para fora do estado, grande foi o número dos emigrantes. Pelo
porto de Fortaleza saíram 50.783 passageiros de terceira classe, sendo por conta da união
39.313 e por conta própria, 11.470. Pelo porto de Camocim saíram 6.683, sendo por conta da
união 4.635 e por conta do estado e conta própria, 2.048. Pela fronteira de Piauí, a estimativa
é que cerca de 12 mil pessoas se retiraram. De acordo com as informações do Relatório
Estadual do Ceará, de 1916, o total da emigração foi 70.000, quando a população era avaliada
em 1.300.000 pessoas.

Torna-se complicado, mediante os números fornecidos pelas fontes do Relatório


Estadual do Ceará e dados dos escritores da época, saber quantos cearenses de fato cruzaram
as fronteiras do estado, mas fica evidente, até pela quantidade de reclamações encontradas nos
jornais dos anos de 1915 e inicio de 1916, que grande foi o número de pessoas que fugiram do
sofrimento da seca, utilizando a alternativa da migração.

No jornal A Ordem, de 1919, Benjamim Barroso, falando da seca de 1915, alega que
o “morticínio de gente” foi o “maior prejuízo”, pois faleceram naquela seca mais de 27.000
pessoas numa população de mais de um milhão. De acordo com Pompeu Sobrinho, “durante
os meses de 1915, foram importadas sacas de arroz, farinha, feijão”, diversos gêneros

96
ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa, em julho de 1916, pelo presidente do
Estado Cel. Benjamim Barroso. Fortaleza: Typographia Moderna, 1915. As próximas duas páginas têm
informações retiradas das páginas 7 e 8 desse relatório.
55

alimentícios, valendo cerca de 10.700 contos, para minimizar a fome. Mas muitos morreram
pela exaustão das forças. Ademais, as doenças também foram repensáveis pela dizimação de
muitos cearenses na seca.

Sobre o morticínio de pessoas durante os períodos de seca, no Ceará, Pompeu


Sobrinho fornece importantes dados relativos à calamidade de 1915, comparando essas
informações com as de outras secas. O autor narra que, na seca de 1915, a população, avaliada
em cerca de 1.300.000 pessoas, sofreu um desfalque de 97.000 pela emigração e pela morte.
Na seca de 1900, quando o estado tinha 935.000 habitantes, 40.000 pessoas foram perdidas,
somando os que saíram do estado e os que morreram. Na seca de 1888-1889, 60.000
habitantes emigraram ou faleceram. Finalmente, no maior flagelo já registrado na história do
Ceará, na seca de 1877 (seca que durou três anos), mais de “300 mil vitimas constituem a
calamidade”, “houve dia em que pereceram mais de mil pessoas.”97 Quanto ao número de
mortos não se pode afirmar ao certo quantos foram, pois se sabe que muitos que faleciam nem
eram registrados nos orbitários das igrejas, principalmente as criancinhas não batizadas, mas
se entende, comparando esses dados, que a catástrofe de 1915 foi de grau relevante.

Fora as mortes e a emigração, outro problema apontado no Relatório Estadual de 1916


foi o dano que a seca causou ao ensino. A crise afetou “de modo profundo a marcha do ensino
primário no interior”. O deslocamento do povo “perturbou a matrícula, a frequência” de
alunos e determinou “a retirada dos professores” de diversas localidades, que não podiam
nelas se manter pela “falta absoluta de recursos”.

1.4 O FAZER E A FALA.

Dessa forma, pode-se entender como a análise da questão da seca perde significância,
quando a naturaliza, quando se minimiza esta a um fenômeno natural. A seca desorganiza a
economia e a sociedade, faz emergir vários problemas sociais e incomoda os diversos setores
sociais e políticos.

Com a chegada de calamidades climáticas, o quadro de flagelo e os problemas


políticos e sociais afrontavam a estrutura de poder movimentada por instituições de combate
às secas, intelectuais e cientistas, coronéis e autoridades políticas. Os antigos conceitos, as
velhas políticas diante das secas somavam-se com novas posturas no combate às crises
desafiando muitas esferas dos poderes públicos.
97
SOBRINHO, Tomás Pompeu. O problema das seccas no Ceará. Op. Cit., p. 30 a 32.
56

As intervenções públicas, na seca de 1915, tiveram como elemento importante de


combate as construções da Obras Novas. Essa comissão era encarregada de lutar contra a seca
e cuidar do problema chamado retirante. Mantê-los ocupados, disciplinados dentro dos
trabalhos remunerados nas obras, era uma maneira de amenizar os flagelos e impedir a
circulação do perigo.

No entanto, as obras das secas nunca forneciam trabalho para todos os retirantes, o que
cedo gerou descontentamento. A expectativa de uma obra já gerava tumultos e os retirantes
exigiam solução para suas aflições. Na seca de 1915, não aconteceu diferente. Enormes foram
os flagelos e conflitos que ocorreram no cenário de ebulição, naquele ano de crise. Algumas
são evidenciadas neste trabalho: as confusões ocorridas na seca de 1915, nas obras de
açudagem, envolvendo retirantes, trabalhadores, engenheiros, autoridades políticas e
sociedade local.
57

3. OS ENXADAS: DE RETIRANTES A OPERÁRIOS – TRABALHO,


COTIDIANO E CONFLITOS NAS OBRAS CONTRA AS SECAS.

O lado econômico do problemas das secas não é mais do que o problema


geral da falta de trabalho e de produção. Havendo seca, o solo torna-se
estéril e improdutivo; falta trabalho a todos os operários rurais que habitam
a região... dois milhões de operários e patrões não podem trabalhar, não
podem produzir. Socorrer , na crise, a um ou dois milhões de indivíduos,
com esmolas e salários, além de aviltante, deprimente, desorganizador da
98
vida local, seria impossível.

Havendo seca, faltam serviços para os trabalhadores rurais e essa falta de ocupação
desencadeia uma série de outros problemas. O que fazer para evitar esses problemas? Como
impedir que essas questões desorganizem a vida da sociedade local? Como ordenar os
trabalhadores que se retiram pela falta de recursos sem recorrer à prática da esmola? Em
1915, uma das principais políticas foi a ocupação de retirantes nas construções da Obras
Novas. Tentar apreender traços do cotidiano e os conflitos ocorridos em torno do emprego dos
famintos nas obras é uma pretensão deste capítulo.

Os poderes públicos, mobilizados pela caridade e pelo medo, começaram a pensar


soluções para que estes sertanejos não ficassem ociosos. Sujeito presente nos discursos e
práticas dos poderes públicos, desde a seca de 1877, o retirante pouco a pouco foi sendo
visualizado como um elemento indesejado. As autoridades públicas, os intelectuais e outros
setores da sociedade, com a chegada da seca de 1915, acharam-se incomodados pela
“multidão de famintos”, o que poderia representar uma agressão à moral e à ordem pública.
Então, iniciou-se o represamento de pessoas dentro das obras de açudagem.

A garantia de que em caso de calamidade pública todo brasileiro receberia socorro foi
imediatamente transformada pela elite local em recurso de beneficio pelo trabalho dos
retirantes. De “mendigos a trabalhadores”: a caridade agora começava a estar condicionada à
ocupação, refletindo a preocupação com a ordem e com o ócio.

98
GUERRA, Felipe. Ainda o Nordeste. Natal. Typ d´. “a Republica”: 1927. O livro faz crítica a uma brochura de
200 páginas escrita por um engenheiro que foi funcionário da Inspetoria de Obras Contra as Secas, Zenon Fleury
Monteir. Este engenheiro expõe suas impressões sobre as Obras Contra as Secas e sobre seus trabalhadores. p. 2.
58

3.1 AS AVALANCHES DE “FLAGELADOS” E O PERÍODO INICIAL DAS OBRAS

Levas de retirantes já começam a invadir a cidade, procurando num intuito


de conservação salvar a vida... Deixo na responsabilidade do governo tomar
providências 99.

Mesmo o ano de 1915 iniciando com boas aparências de abundância de chuvas, o


“sertanejo que bem conhece sua terra, sabe que prolongado verão em março, destruindo as
plantações e babugens, indica que o ano é de seca, ou pelo menos nula de produção agrícola,
principalmente de legumes, cereais e de pastagem suficiente para a criação100”. Assim, não
caindo chuva após o dia de São José101, iniciaram-se as retiradas. Milhares de retirantes
começaram a longa trajetória em direção aos centros urbanos.

Uma das estratégias do governo para acalmar os ânimos dos retirantes e impedir que
uma quantidade maior invadisse as cidades foi a criação de obras públicas no Interior. No
entanto, o começo dessas construções, em 1915, tardou. Informes foram dados pelos jornais
cearenses pedindo solução imediata para que as obras fossem realizadas rapidamente em todo
o estado.

Quanto mais demoravam os socorros, mais a situação ficava alarmante e somente em


20 de outubro o jornal A Lucta noticiou a chegada dos engenheiros-chefes responsáveis pela
tomada do início das construções da Comissão de Obras Novas Contra as Secas. Estes
profissionais, como são comunicados em telegramas diversos, são recebidos “por autoridades
e pelo povo com festividade.”

99
Jornal A Pátria, 25 de março d e 1915.
100
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. Op. Cit., p. 10.
101
Se não chover até o dia 19 de março, dia de São José, pela crença popular, é ano de seca. São José, não por
acaso, é padroeiro do Ceará e o santo devoto de muitos cearenses. As preces feitas a ele são direcionadas a
pedidos de chuvas abundantes e boas plantações. É interessante relatar que, para os "profetas populares",
algumas alterações naturais também anunciam o tempo de seca. Os “profetas populares” são homens que, com as
experiências acumuladas e a sabedoria passada de geração a geração, apontam sinais de que o ano vai ser de seca
ou de chuva, mediante a observação do céu ( lua e estrelas), do vento, do comportamento dos animais, da florada
das árvores, entre outros. Por exemplo: “Se durante o veranico a minhoca se esposa na terra seca, irá chover”;
“Quando o poldro e sua mãe correm no pátio levantando a calda até a suar, é sinal que logo chove”; “Se o
Juazeiro fulora bem em outubro, é sinal que vai ter chuva”; “Quando está perto de chover o vento vem do poente
e não do nascente”; “Se a árvore carrega mais de um lado, é aquele inverno manga, como a gente chama aqui:
chove num canto e não no outro” “Se a lua nova pender para o norte é bom inverno, para o mês, mas se ela
aprumar-se, não tem chuva”;“ Se a formiga de roça está fazendo limpeza em sua casa, tirando a comida velha e
as sujeiras de dentro do formigueiro é bom inverno”. Meu avô Messias sempre ensinou a olhar para céu . De
acordo com ele, se as estrelas que formam o chamado popularmente “caminho de São Thiago” estiverem bem
visíveis no céu, durante os primeiros meses do ano, a estação próxima será de chuvas bem escassas ou seja, é ano
de estiagem. Para saber mais sobre os “profetas populares” e seus saberes, ver:
http://iurirubim.blog.terra.com.br/2009/01/07/%C2%93profetas-da-chuva%C2%94-preveem-o-clima-de-2009/
59

Antes do início das obras contra as secas, o engenheiro-chefe tinha que indicar pessoas
para ocupar cargos importantes, como condutor de segunda classe, auxiliar técnico, auxiliar
de escrituração, armazenista, apontadores, feitores, entre outros. Os respectivos salários eram
sugeridos pelo mesmo engenheiro-chefe da obra e submetidos à aprovação do inspetor.
Somente depois da validação da equipe pelo superintendente da Obras Novas Contra as Secas,
Aarão Reis, as obras poderiam ser iniciadas.

Em alguns casos, essas nomeações eram pautadas pelo clientelismo. Muitos chefes
nomeavam parentes e amigos como auxiliares ou os empregavam mediante indicações
políticas. O chefe do açude Caio Prado, localizado em Santa Quitéria102, trouxe consigo 12
auxiliares, sendo eles seus

3 filhos o qual um era concunhado do Dr. Baptista Demetrio103, que por sua
vez trazia o avô de sua esposa e um protegido. Sr. Carmellito que vinha
acompanhado de um cunhado Sr. Francisco Benicio, fora um Julio Oliveira
de Fortaleza e um Francisco de Sobral104.

Já na comissão técnica dirigida pelo engenheiro Rômulo Campos, responsável pela


construção do açude Patos, em Sobral, a situação apontada foi outra. A imprensa local elogia-
o, alegando que não tomou conhecimento de práticas clientelistas por parte desse profissional
na hora das nomeações de seus auxiliares.

Depois da chegada dos engenheiros e da eleição da equipe, aumentavam as


expectativas do início das obras e, junto a ela, a multidão de sujeitos formada nos locais onde
seriam realizadas as construções. Conforme informa o relatório da Obras Novas sobre o açude
Mulungu em Itapipoca/CE105, “antes de iniciadas as obras, já era considerável o numero de
infelizes que, nas proximidades do respectivo local, aguardavam serviço” 106. Na verdade, a
“odisséia” dos retirantes já havia iniciado bem antes que fossem começadas as construções,
pois só a esperança da obra já era suficiente para que muitos trabalhadores se dirigissem aos
locais das construções à procura de serviço.

102
Mapa com localização da cidade em anexo
103
Que era o condutor de segunda classe da construção do açude.
104
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta Açude Caio Prado-
n°1. Doc. Avulso. O texto foi enviado por Dijalma Catunda, citado na documentação como homem da
comunidade que é “chefe político e intendente municipal”. Neste, ele informa em que condições chegou
Severino de Oliveira e sua equipe, descrevendo-a. 28 de outubro de 1915. Santa Quitéria.
105
Mapa com localização da cidade em anexo.
106
REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas: Trabalhos executados de 3 de setembro de 1915 a 31 de outubro
de 1918 - relatório apresentado ao Exmo.Sr.Dr. Aug. Tavares Lyra, ministro da Viação e obras Públicas. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1920. P. 98.
60

3.1.1 EM RETIRADA

“Sem legume, sem serviço, sem meios de nenhuma espécie, não havia de ficar
107
morrendo de fome, enquanto a seca durasse.” Assim como o vaqueiro Chico Bento,
personagem do livro O Quinze de Rachel de Queiroz, muitos dos trabalhadores partiram em
retirada em direção às obras de açudagem da Obras Novas para não morrer de fome. Suas
trajetórias e desejos são similares às do personagem de O Quinze.

Chico Bento, mesmo na condição de personagem de literatura, estava inserido em


contexto sociocultural historicamente plausível. Rachel de Queiroz descreveu com
sensibilidade histórica situações vividas pelos retirantes das secas de 1915, no Ceará,
relatando a peleja dos personagens que se retiraram rumo à Capital.

O vaqueiro do romance, dispensado do serviço por causa da falta de chuvas, recebeu


ordem de soltar o gado, pois, para a proprietária das terras, Dona Maroca, manter o gado
durante a seca significava “andar gastando dinheiro à toa”. Então, Chico Bento teve que soltar
o rebanho, “liberou um a um do curral”. Para um vaqueiro, dispensar o gado significava que,
a partir daí, estaria sem ocupação. Sem meios de subsistência, “só restava arribar”, pois não
iria “comer cinza até cair de morto”.

O trabalhador das Aroeiras desfaz-se de seus pertences, vende inclusive sua roupa de
couro para conseguir uma soma em dinheiro. Em seguida, decide tentar obter passagens de
trem. Mesmo a distribuição de passagens fazendo parte de um “sistema de apadrinhamento”,
Chico Bento não consegue essa assistência e resolveu ir por terra. Migrou junto com a mulher,
a cunhada e os filhos rumo à Capital.

Num trajeto sofrido, ele recorre à caridade pública, inúmeras vezes. Além de privações
alimentares, outras tragédias se seguiram: a morte de um filho, que ficou à beira da estrada, o
desaparecimento de outro, fora a cunhada que ficou no meio do caminho, no fim do romance
aparecendo grávida. Depois de uma longa jornada, a família de retirantes conseguiu
assistência de um compadre, que conseguiu passagens de trem em direção a Fortaleza. Já na
Capital, consegue serviço nas obras do açude Tauapé.

O escritor Tomás Pompeu Sobrinho108 também discorre sobre a condição dos que se
retiravam por causa da seca. De acordo com o autor, declarada a seca, “um ar de tristeza”

107
QUEIROZ, Raquel de. O Quinze. 49 ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1992. p.18
108
Os três parágrafos seguintes são baseados em informações sobre a condição do trajeto dos retirantes contido
no livro Sobrinho, Tomás Pompeu. O problema das secas. Op. Cit.,p. 22, 23, 24, 27.
61

cobria “todos os semblantes”. Acabavam-se as reservas de gêneros, esmoreciam os animais e


os sertanejos começavam a assistir a destruição de sua “pequena riqueza”. Com a “falta de
artigos”, logo vinha “a carestia dos gêneros alimentícios” e “os pobres, sem meios de
ganharem o suficiente para se abastecerem”, sentiam os “primeiros sintomas do mal”. Sem
comida, tentavam enganar a fome com uma “massa que preparam com tubérculos, por vezes
contendo substâncias tóxicas”. Sem trabalho, esgotando-se as esperanças, “porém animados
com o instinto de conservação”, iniciavam a “jornada perigosa e rude”, “na qual grande
número exala o ultimo suspiro.”

Iniciava-se a “odisséia dos retirantes”. Pelas “estradas péssimas, cobertas de


pedregulho”, “sem alimentos, sem roupas”, ao abrigo do sol, “trôpegos” e “mortos de fome”
muitos homens, mulheres e crianças seguiam. “a falta de alimentação regular” levava a
“extrema miséria orgânica”, expondo-os a enfermidades. Muitos, nesse trajeto, alimentavam-
se de restos de animais mortos. Pompeu Sobrinho alega que as crianças eram as maiores
vítimas das mortes pela fome e pelas doenças, descrevendo:

As mães, cujos peitos murchos, descarnados não podem aleitar os filhos que
definham, os abandonam muitas vezes por não poderem mais com a carga
dos pequenos ossos, exaustos de fome e fadiga; e as criancinhas
desamparadas, inanes morrem a margem do caminho, sem mesmo o olhar
compassivo das turbas que passam absorvidas nas suas duras aflições. Os
seus cadáveres vão em breve servir de pasto exíguo aos abutres e aos cães
esfaimados.

Concluindo o trajeto, muitos que iam em direção aos grandes centros, encontravam-
nos “desaparelhados para tais contingências”. Sem “acomodações”, “sem alimento”, e muito
menos “sem trabalho”. As cidades tornavam-se “teatros de cenas e crimes”. Pompeu Sobrinho
alega que “os forasteiros no último estado de miséria, abrigavam-se em massa numa
promiscuidade”. Ali, não faltavam “exploradores” que ofereciam “aos míseros um pedaço de
pão em troca dos mais sagrados sentimentos de honra e dignidade”.

Os jornais cearenses relatam sobre os retirantes da região Norte, em 1915, horrores


similares aos encontrados na literatura o Quinze e na obra escrita, em 1916, pelo o escritor
Pompeu Sobrinho. “Muitos fazendeiros dizimam seu próprio gado” que já “morre nos campos
sem alimento”, “pessoas enlouquecidas pela fome” acorrem às cidades, “assaltam”, “apelam à
caridade cristã” no “intuito de salvar a vida”.

Muitos se deslocaram à procura de assistência rumo às construções da Obras Novas. A


imprensa sobralense relata que os retirantes desciam do alto sertão, “esquálidos rostos”,
62

“pobres sertanejos”, sustentando nos braços “crianças com o passo já trôpego, mendigando a
caridade pública nas vilas, cidades e povoados”. Conforme é descrito num relatório de
serviços, os trabalhadores do açude Patos vinham de “pontos distantes dos centros de
população, a 12 léguas de São Francisco de Uruburetama e 10 de Sobral”. Espalhada a notícia
da construção deste açude, como relata o Jornal A Lucta, de 10 de novembro de 1915,
“centenas de pais de família, que de qualquer forma... abandonaram a família, lar, em uma
viagem penosa, dirigiram-se aos locais dos serviços em busca do trabalho rude mais honesto
que lhes minorasse a fome, já bastante adiantada.” Outros, “em romaria”, abandonaram “bens
e, junto à família”, iam em busca da terra da promessa109.”

A “terra da promessa” citada é a frente de serviço do açude Patos, em São Francisco


de Uruburetama110. O campo dessa construção é nominado dessa maneira neste jornal por
conta do imaginário bíblico sobre a terra da promessa de Abraão – Canaã. Na bíblia cristã, é
narrado que os descendentes de Abraão caminharam no deserto por muitos anos para chegar a
uma terra que “emanaria leite e mel”. Lá, haveria pasto para o gado gerar leite e, da terra
fértil, brotariam árvores de onde sairia mel. As romarias difíceis pelas terras secas do sertão
cearense, em direção aos locais das construções da Obras Novas, representavam para muitos
retirantes a possibilidade de saciar a fome e a sede, minorando os sofrimentos. Uma obra para
acumular água significava, para alguns sujeitos da classe letrada, uma esperança de fertilizar a
terra, tornar uma terra seca em produtiva, possibilitando a criação de animais e o cultivo da
terra. Por isso a associação das obras de açudagem à “terra da promessa”.

As obras públicas eram uma das únicas soluções vistas pelos sertanejos em retirada.
Alguns se dispersavam individualmente, cada qual ia à procura de remediar seu problema,
outros partiam em “romaria” junto com toda a família. O açude Patos foi a primeira
construção atacada no norte do estado, na seca de 1915, e por isso, recebia diariamente um
número cada vez maior de retirantes.

De fato, a “odisséia” dos retirantes em busca de trabalho nas construções da Obras


Novas traz muitas semelhanças com a trama narrada por Raquel de Queiroz, no Romance O
Quinze: falta de trabalho, falta de alimento, longas caminhadas, fome, mortes, doenças e
desapontamento ao chegar ao destino – já que os retirantes acreditavam que os sofrimentos
seriam diminuídos ao concluírem o trajeto em direção à Capital ou obras públicas. A

109
Jornal A Lucta. 10 de novembro de 1915
110
São Francisco de Uruburetama é o nome fornecido, na documentação, do lugar de construção do açude Patos.
Este vilarejo ficava no entorno da cidade de Sobral. Hoje, a localidade onde foi construído o açude Patos recebe
o mesmo nome da barragem.
63

diferença principal entre o vaqueiro da literatura O Quinze e os retirantes que partiam em


direção as obras citadas é que, com a memória dos flagelos anteriores, estes sujeitos sabiam
que a retirada para Fortaleza era muito sofrida. Mediante as experiências acumuladas de
outras secas, mesmo sabendo que nos grandes centros estavam as autoridades públicas a quem
deviam cobrar, os retirantes sabiam que os percursos longos deixavam para trás o rastro de
morte e que os centros urbanos não ofereciam a condição de subsistência desejada. Os
registros de mortes por doença, por inanição, os casos de prostituição, antropofagia,
assassinatos, suicídios, fazem parte do arsenal que marca a memória dos cearenses, nos
períodos de secas.111 Mesmo em 1915 existindo estradas de ferro ligando o Interior à Capital,
construídas em outras secas pelas mãos dos próprios retirantes, não havia doações de
passagens para todos.

Então, na intenção de evitar maiores mazelas de uma jornada a pé, muitos retirantes da
região norte escolheram a alternativa de buscar trabalho nas construções da comissão da
Obras Novas Contra as Secas. Arriscar-se num percurso diferente, numa jornada mais curta,
podia significar menos sofrimento. Mesmo sabendo do rigor do trabalho nas obras das secas,
para muitos retirantes da região norte do Estado do Ceará, a saída menos doída era buscar os
serviços nas obras públicas mais próximas. O abarracamento da Capital, na seca de 1915,
chamados pelos poderes públicos de campo de concentração, era uma opção, mas o cotidiano
de abarracamentos também já era conhecido de muitos sertanejos.

O campo de concentração do Alagadiço, já citado no início deste trabalho, de acordo


com o farmacêutico Rodolfo Teófilo, era de “um quadrilátero de quinhentos metros” onde
foram “encurralados sete mil retirantes”. Acobertados em geral por cajueiros, o campo
apresentava uma péssima salubridade. A má alimentação existente era insuficiente. A carne
de boi de origem ruim era fervida “em dúzias de latas de querosenes”. Doenças proliferam-se
e muitos faleceram.

Então, diante das possibilidades oferecidas pelos socorros na Capital e temendo um


percurso mais longo e mais dificultoso, muitos retirantes escolheram a alternativa das
construções da Obras Novas. As famílias que chegavam eram numerosas. Há registros de
casos em que havia 18 membros. Os homens que conseguiam serviço atacavam
imediatamente os trabalhos. Eram alistados também meninos e mulheres, os trabalhos e

111
A historiografia sobre as secas no Ceará mostra variados casos de mortes, prostituição, suicídios,
antropofagia, assassinatos, etc. A memória dos cearenses já estava carregada desses fatos, o que era um dos
fatores para a alternativa de eles ficarem mais próximos dos locais de origem. Os jornais dos anos de 1915 e
1916 chegam a denunciar casos como estes.
64

pagamentos destes eram diferenciados dos destinados aos homens adultos. No primeiro mês
da construção do açude Caio Prado, em Santa Quitéria, em telegrama de 3 de novembro de
1915, o condutor da obra informa que trabalham na obra, além de vários homens, “42
donzelas, doze casadas, 30 viúvas e 30 meninos no total.” Os outros membros da família, que
não conseguiam ocupação, ficavam à espera da “divisão do bolo”.

Com o passar dos dias, a multidão de famintos aumentava ao redor dos açudes da
Obras Novas. Nos agrupamentos de retirantes geravam o medo de que acontecessem revoltas,
fazendo pressão no setor político, nas autoridades religiosas, na sociedade local das
proximidades das construções, na elite letrada, e claro, na direção da Obras Novas, equipe
técnica e engenheiros chefes das construções de açudagem.

Lavradores, vaqueiros, donas de casa e artesãos, os trabalhadores do campo estavam


acostumados a um mundo do trabalho cujos fins econômicos era a garantia da subsistência.
Trabalhavam em atividades voltadas para a agricultura, em terras próprias, ou pelo sistema de
arrendamento, num sistema de cooperação familiar; trabalhavam em grandes fazendas na lida
com o gado, no cuidado com a terra, nas tarefas domésticas e na confecção de artefatos
necessários, entre outros. Operavam suas atividades num ritmo próprio, com seus
instrumentos e em serviços que já conheciam e dominavam. Declarada a seca, extintos os
recursos e sem trabalho, a saída foi a migração. Num percurso difícil, muitos retirantes se
deslocaram. Temendo a morte, deixavam seu roçado, seus animais, sua casa, sua rede, seu
modo de vestir, e quem sabe, até de rezar, motivados pela busca da sobrevivência. As
caminhadas marcadas pela fome, morte e doenças aconteciam em direção às cidades e aos
locais onde seriam construídas obras públicas. Os retirantes esperavam que suas dores
acabassem com a chegada a estes locais, mas estas, em parte, somente foram modificadas,
como se verifica adiante. Chegando aos locais das obras, os sofrimentos não foram
aniquilados, novas lutas foram postas, e, como já haviam enfrentado outras dificuldades, os
retirantes pelejavam diante dos novos embates.

3.1.1 MULTIDÃO DE FAMINTOS: “POIS A FOME NÃO ESPERA PELO AMANHÃ.”

“(...) Comunico está próxima revolta famintos não contemplados no


trabalho112.”

112
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta Açude Caio Prado-
n°1. Telegrama emitido pelo engenheiro condutor da obra Severino de Oliveira. 29 de outubro de 1915. Santa
Quitéria.
65

A revolta de famintos à procura de trabalho foi algo recorrente nas realizações da


Comissão de Obras Novas Contra as Secas. Iniciadas as obras, operava-se um grande
ajuntamento de retirantes exigindo trabalho. Diante de tal situação, o chefe da obra ficava
impossibilitado de atender a todos os “pedidos caridosos”: “(...) Tenho empregado 300 a 385
retirantes (;) serviço compor 250 máximo (.) Existem cerca de dois mil pedidos113”.

Sete dias após o inicio do açude Caio Prado, em Santa Quitéria/CE, o engenheiro
responsável pela obra já noticiava as intituladas “avalanches de flagelados”. Sequências de
registros são encontrados noticiando a recorrência desses conflitos. No relatório de Obras
Novas Contra as Secas, na parte referente à construção do açude Caio Prado, o inspetor Aarão
Reis informa que:

O condutor Severino de Oliveira, logo após sua chegada ao local das obras,
atacou ativamente, lutando com dificuldades serias para satisfazer a
multidão de famintos que se apresentavam a reclamar trabalho.114

Este quadro de insatisfação e insistência na busca de trabalho foi algo que ocorreu
também nos demais açudes da Comissão de Obras Novas Contra as Secas, o que dificultava o
período inicial da construção. No açude Mulungu, em Itapipoca, como é informado em
relatório, o engenheiro Rômulo Campos, “forçado pela miséria, que reinava entre os
flagelados,” viu-se “obrigado a admitir número maior de trabalhadores do que realmente
comportava a obra.” 115

Em açudes de maiores proporções, como foi o caso do Açude Patos, localizado em


Sobral/CE, quando a folha orçamentária foi fechada em 435, o número de operários chegou a
média de 700, nos primeiros meses da obra. O engenheiro informava em telegrama que era
“obrigado a atacar o serviço devido a grande aglomeração de famintos” e “admitir-se o
número que se puder116”. A solução encontrada pelo engenheiro Rômulo Campos para
empregar um maior número de trabalhadores, que afluíam diariamente ao local da construção,
foi atacar simultaneamente os trabalhos da fundação da barragem, da abertura do sangradouro

113
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta Açude Caio Prado-
n°1. Telegrama emitido pelo engenheiro condutor da obra Severino de Oliveira. 28 de outubro de 1915. Santa
Quitéria.
114
REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit. P. 50.
115
Idem, ibidem. , p. 98.
116
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Caio Prado-
n°1. Telegrama emitido pelo engenheiro condutor da obra Severino de Oliveira. 16 de novembro de 1915.
Expressões encontradas num documento avulso sobre o açude Patos.
66

e da roçagem da bacia hidráulica. Nessas condições, em dezembro, já haviam trabalhado mais


de 2.000 operários117.

O Jornal A Lucta, de 20 de outubro de 1915, relata que a construção do Patos,


“apenas comportavam 200 trabalhadores, ao terceiro dia do seu inicio, o número de pessoas
que solicitavam trabalho, já atingiam perto de 1.000”. Uma informação relevante é dada pelo
jornal. Em entrevista a dois homens dispensados ficou registrado que “o engenheiro chefe
dispensou 200 homens de uma vez, distribuindo a cada um 1$000 para as despesas do
regresso”.

Um serviço que deveria comportar apenas um pequeno número de trabalhadores


abrigou o dobro do necessário e o ajuntamento de retirantes era motivo para um mau
andamento das obras, daí resultando muitas estratégias dos engenheiros no sentido de acalmar
os ânimos dos “famintos”. Essas estratégias eram diversas. Os relatos eram de que os
engenheiros se viam obrigados a iniciar os trabalhos rapidamente para “satisfazer a multidão
de famintos”, admitindo um número maior do que comportava a obra, pedindo permissão para
avolumar trabalhos para fornecer serviços a muitos retirantes. A deportação do problema
mediante o financiamento da volta dos retirantes, que não conseguiram ser ocupados nas
obras, também era uma tática da equipe técnica para evitar aglomerações maiores ainda. Fora
isso, também existia o provimento de gêneros alimentícios para os sujeitos que insistiam em
ficar ao redor das obras, como se observa adiante, entre outros.

Os conflitos avolumavam-se à medida que os trabalhos prosseguiam. Os retirantes com


sua presença ameaçadora desorganizavam as construções iniciadas e forçavam as autoridades
a intervir. Com a continuidade da movimentação de retirantes e a conquista de trabalho por
alguns, a multidão de famintos, com a “motivação da fome”, percebia que, em um número
expressivo, poderia de forma mais rápida pressionar o engenheiro e conseguir ocupação. A
pressão exercida pelos retirantes sobre os engenheiros das obras assegurava o direito ao
trabalho, portanto, o direito à comida e à vida poderia ser garantido. Para os retirantes, essa
negociação na fase inicial representava a certificação de que novas concessões poderiam ser
feitas pelo chefe.

Entretanto, é importante perceber que essas ações dos retirantes não podem ser
visualizadas aqui como movimentos planejados com vistas à ocupação de espaços

117
Durante a construção do Açude Forquilha, na seca de 1919, em Sobral, semelhante quadro se repete. Levas de
retirantes invadem a cidade, “famintos, quase nus”, à procura de trabalho. É iniciada a construção do Açude
Forquilha, chefiado pelo engenheiro Rômulo Campos, com um número dobrado de trabalhadores.
67

institucionais, organizados metodicamente para a disputa e com discurso político articulado.


O ajuntamento de pessoas aguardando ocupação “é o principal argumento e, ao mesmo
tempo, o mais poderoso meio de pressão que os retirantes trazem para o cenário da
negociação; e a fome – ou a perspectiva de passar fome – é a motivação essencial”118.

Fica claro, então, que a ação das “avalanches de flagelados” acontecia na busca por
trabalho “motivada pela fome”. Contudo, era também um reflexo da resistência em prol da
conquista de um direito, que ao mesmo tempo tinha representatividade individual e coletiva.
O trabalho era um direito que os retirantes percebiam que existia, efetivamente, para alguns –
os que conseguiam colocação nas obras – e para outros, não, daí a obstinação contra uma
condição desigual. Então, a fome é um elemento importante a se considerar nessas ações, mas
“não prescreve que eles devam se rebelar nem determina as formas de revolta”. 119

Como foi ilustrado anteriormente, o início da obra era conturbado, pois consistia em
momento de maior concentração de mão-de-obra, num número impossível de ser atendido
pelo engenheiro. Então, quais eram os critérios utilizados para a seleção de quem trabalharia
nas obras públicas de açudagem?

Os engenheiros encarregados da construção dos açudes da Obras Novas usam como


justificativa para eleição dos trabalhadores o grau de necessidade destes, admitindo-se “o
numero de 5 pessoas da família para cada trabalhador, número adotado em outras
construções”,120 o que significa que a diária de um trabalhador assistia em média cinco
pessoas.

Na documentação do açude Caio Prado, são mencionados os numerosos alistamentos,


muitas vezes visivelmente encaminhados por autoridades políticas locais. Em carta dirigida ao
presidente de Estado, Benjamim Barroso, em seis de novembro de 1915, o condutor da obra
Severino de Oliveira afirmava que “cada cidadão tinha listas de pessoas para trabalho”, mas
estava administrando com dificuldades, pois não podia receber todos no serviço. Dessa forma,
aconselhava-os “a não desanimar e procurar como recurso a emigração”, iniciativa que contou
como “colaboradores os coronéis Manoel Rufino Magalhães e o coronel Alves da Fonseca
Lobo”.

118
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massas no Ceará. Op. Cit., p.
10.
119
THOMPSON, E. P. costumes em comum. São Paulo: companhia das letras, 1998. P. 208.
120
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta Açude Patos nº3.
Documento avulso encaminhado pelo engenheiro Aarão Reis, em 1916.
68

Percebe-se, então, que não somente o fato da necessidade extrema de um sujeito


delimitava a condição para a obtenção da ocupação, mas também a proteção dada por pessoas
distintas. O interesse, muitas vezes, era assegurar a ocupação da mão-de-obra desses
sertanejos para que, ao findar o período de estiagem, pudessem voltar a trabalhar em suas
fazendas. 121

Os jornais noticiam a distinção existente na hora de dar trabalho aos retirantes,


mostrando indignação, afirmado que Severino de Oliveira preferia dar trabalho aos mais
fortes, a homens sem necessidade, o que contraria o discurso oficial da Obras Novas no qual
era proferido o amparo imediato aos “mais miseráveis”. Visto esta situação, a imprensa
defendia que o serviço era de socorro a todos os famintos, portanto todos tinham igual direito:

Devem ser admitidos no serviço tantos homens quanto solicitem trabalho,


pois não se compreende que tais serviços decretados exclusivamente para
socorrer os famintos sirvam apenas a uma parte destes, ficando o resto na
maior parte, lesado na distribuição do miserável bolo que não esta sendo
feita com equidade. Todos tem igual direito e por isso enquanto houver
dinheiro deve-se socorrer a todos e quando este acabar que voltem todos as
privações.122

Percebe-se, então, que o trabalho, nesse contexto, não é visto como favor prestado
pelo governo, mas como direito dos que solicitavam faina. A experiência de secas anteriores,
da ocupação da mão-de-obra dos retirantes nas obras públicas, assegurou que a assistência em
forma de trabalho deixasse de ser uma dádiva do governo e passasse a ser expectativa dos de
baixo, quase uma obrigação dos de cima. O requisito que assegurava a conquista desse
benefício era a condição de trabalhadores camponeses, que, pela situação da seca, estavam
sem ocupação e em grande necessidade. Se a condição apresentada era semelhante, então, o
direito era de todos.

3.1.2 AS PRIMEIRAS DIFICULDADES TÉCNICAS

Numa época anormal como a atual, tive de lutar para efetuar a instalação
dos serviços. A falta de meios locais, a afluência do povo, a deficiência de
ferramentas, tudo concorreu para amontoar as dificuldades123.

121
Outros documentos de outros açudes públicos do Ceará também mostram que, quando voltava a regularidade
climática, as obras enfrentavam problemas de escassez de trabalhadores. Ponto que é discutido em outro tópico
deste capítulo.
122
Jornal A Lucta. 1º de dezembro de 1915.
123
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta Açude Patos nº2.
Relatório enviado à Superintendência de Obras Novas Contra as Secas, pelo engenheiro Rômulo campos, sobre
os serviços executados de outubro a dezembro de 1915. 25 de janeiro de 1916.
69

As dificuldades iniciais da construção do açude não eram limitadas ao grande afluxo


de mão-de-obra. Os engenheiros reclamavam sempre da falta de meios para adequação da
equipe no local destinado para as obras dos açudes, e principalmente, da escassez de materiais
adequados para o começo dos serviços e da deficiência de ferramentas.124

Instrumentos e materiais diversos de outros açudes eram reaproveitados em outras


construções. Os trabalhadores andavam léguas para transportá-los. Essa deficiência de
material representava um sério problema, visto que a escassez de materiais necessários no
mercado de Fortaleza e a reutilização dos que ficavam de outras obras públicas, muitas vezes
em péssimas condições, eram uma das principais causas do posterior encarecimento da obra.

Outro fator foi a incidência da Primeira Guerra Mundial. Em geral, todos os açudes
que estiveram entre as atribuições da Comissão de Obras Novas Contra as Secas enfrentaram
as dificuldades da falta de materiais necessários à obra. Na fala do engenheiro do açude Patos,
em relatório apresentado em janeiro de 1916, é afirmado que “a situação criada pela Guerra”
contribuiu muito para o agravamento do problema de deficiência de material e que, com a
situação normalizada, era preciso, “nas futuras construções, dispor de aparelhagem mais
moderna”.

Muitos materiais das obras de açudagem da IOCS (Inspetoria de Obras Contra as


Secas) eram importados de outros países. Observando relatórios do início das ações da
Inspetoria de Obras Contra as Secas125, é possível verificar a menção a licitações referentes
aos equipamentos técnicos e materiais adquiridos de firmas estrangeiras, companhias inglesas
e alemãs, por exemplo. Durante a Grande Guerra, os produtos importados tiveram seus preços
elevados e, em contrapartida, “os que exportávamos ficaram muito tempo sem livre saída”126.
Isto, somado à estiagem, aumentavam as complicações econômicas para o estado.

124
A falta de ferramentas, além de significar dificuldades técnicas para iniciar a obra, representava a
impossibilidade de fornecer trabalho manual a um maior número de trabalhadores.
125
O contato com essas fontes foi possível no momento em que estava engajada no projeto MECTSAB, durante
catalogação das fontes dos açudes públicos do Ceará, do arquivo do DNOCS, em Fortaleza. Dentro desse acervo,
trabalhei com documentos de diversos períodos da história do DNOCS. Muitos documentos referentes a
materiais de construção estão no idioma inglês e alemão, já que muitas firmas fornecedoras eram da Inglaterra e
da Alemanha. Na construção do Açude Tucunduba, localizado próximo aos açudes dessa pesquisa, existe na
pasta nº 10 uma correspondência de 1917 informando sobre o rompimento das relações diplomáticas, comerciais
entre Brasil e Alemanha e assim, sobre os possíveis prejuízos dos pagamentos. No Açude Acarape do Meio,
vários ofícios e telegramas mencionam firmas estrangeiras, como a Dodsworth & Cia – exemplificando um
oficio sobre o fornecimento de material dos Estados Unidos da América do Norte(oficio 961) e a Norton
Griffithis – que, no Ofício nº 104, pede autorização para a compra de materiais e importar de Londres.
126
TÉOFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Op. Cit..p.47.
70

Somado ao grande volume de braços e deficiência de recursos – materiais e


ferramentas –, outro problema inicial eram as mudanças necessárias nos projetos dos açudes.
Muitos engenheiros reclamavam que os estudos quase sempre precisavam de revisão. O
engenheiro Rômulo Campos alega que o projeto do açude Patos, feito “naturalmente sem
estudos”, estava falho, impossibilitando a aplicação deste na obra. Escavações mais fundas,
diferença de volume na abertura do sangradouro, erro no cálculo da galeria da torre de tomada
d’água, etc.…127 foram alguns equívocos do projeto apontados pelo engenheiro. Essa questão
de ordem prática representava mais uma dificuldade a ser enfrentada, pois as inadequações do
projeto à realidade da obra impediam o começo da construção e majorava a elevação do custo
das construções.

A falta de ferramentas, materiais, as mudanças necessárias nos projetos e,


principalmente, a afluência diária de retirantes ao local compunham as dificuldades
enfrentadas no período inicial das obras das secas. No entanto, o que mais causa susto é a
grande quantidade de fontes documentando “as avalanches de flagelados” e as dificuldades no
interior da obra, provocadas pela problemática da ocupação de mão-de-obra dos sertanejos
retirados. Essa farta documentação representa a preocupação do Poder Público em manter os
retirantes ocupados e o sentimento de ameaça que estes representavam para a obra e para a
sociedade como um todo.

Sendo assim, o somatório de retirantes no local da obra pode ser entendido como um
importante meio de pressão deles. As tensões agudizadas pelo ajuntamento de retirantes
“esfomeados”, “maltrapilhos”, levam a um receio geral, por parte das comissões responsáveis
pelas obras, e colocam em questão a funcionalidade e a segurança destas. De sua parte, os
sertanejos entendiam que não era preciso alcançar um extremo e difícil estado de desgraça
para procurar auxílio, que existem outras possibilidades diferentes da esmola e da emigração.

3.2 TRABALHADORES RETIRANTES NA “TERRA DA PROMESSA”

O retirante operário, na maioria das vezes, é ausentado dos processos de modernização,


de construção do espaço, na realização das obras de combate às secas. Muitas leituras
estigmatizam e vitimizam o retirante da seca, evidenciando-o como “coitado”, “flagelado”,
sujeito inerte, esquecendo de sua condição de sujeito histórico atuante.

127
Reis, Aarão. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p. 161. Para entender os termos técnicos utilizados, ver
dicionário em anexo.
71

Os operários das obras contra as secas vivenciaram uma experiência histórica, rica e
singular. Dentro das obras, a condição de retirante numa situação limite foi o diferencial para
que uma multiplicidade de relações de trabalho peculiares fosse estabelecida. O diferente
local de trabalho, distinto do trabalho no campo e na cidade, o cotidiano e o aprendizado
compõem o arsenal que é discutido neste tópico.

3.2.1 A TERRA DA PROMESSA.

Pior do que caminhar quarenta anos no deserto é chegar a terra da


promissão e ter saudades do deserto128.

Depois de um percurso longo em direção ás obras de açudagem e à conquista de uma


vaga para trabalhar nas construções, como era a estrutura do campo de trabalho que os
retirantes encontrariam? Qual a forma de alojamentos? Existiam alojamentos para o pessoal
técnico dentro da obra? E para o pessoal operário? É na tentativa de imaginar como era o
ambiente da obra de açudagem onde retirantes, retirantes-operários, equipe técnica e
engenheiro se relacionaram, onde ocorreram os principais embates, que é fornecida uma
visão, mesmo não aprofundada, haja vista a limitação das fontes, sobre o campo da
construção.

Em meados de novembro de 1915, mais de um mês depois de iniciadas as obras no


açude Patos, ainda não existiam abarracamentos para os trabalhadores. Responsabilizando-se
por tal fato a escassez de materiais, como madeira, ramos e palhas para o serviço, e “não só os
trabalhadores como alguns fornecedores” estavam “completamente expostos ao sol, ao tempo,
129
ao relento.” Estava “tudo abandonado, sem meios sequer de alimentação” . No jornal A
Lucta, de 17 de novembro de 1915, um fornecedor do açude Caio Prado informa que semanas
antes foi visitar “malhadas de famintos”, todos ao desabrigo. Segundo ele, “ali agonizavam
dezenas de crianças”.

Pode-se constatar que, no mês inicial da construção do açude, os operários ficavam ao


completo relento. Durante o dia, ficariam expostos ao sol de qualquer maneira, com ou sem

128
Discurso na Câmara de Deputados, em 1906, de Eloy de Souza. In: Revista Conviver. Nordeste semiárido.
V.IV. Fortaleza: DNOCS, 2004. Eloy de Souza (1873-1959) era potiguar. Tinha formação em Ciências Jurídicas
Os textos desse autor, que estão na Revista Conviver, sobre o homem nordestino e as secas foram extraídos do
seu livro: O calvário das secas, editado pela imprensa oficial.
129
Jornal A Lucta. 10 de novembro de 1915.
72

alojamento, mas, quando a noite chegava, ficavam ao desabrigo, o que não era muito diferente
das noites que haviam passado durante a jornada até o local da construção do açude. As
refeições durante o dia também eram feitas com exposição ao sol, até porque, mesmo com o
alojamento, o tempo de refeição não era suficiente para que o trabalhador recebesse o vale,
trocasse por mantimento, preparasse a comida e se dirigisse ao abrigo para lá fazer a refeição.
Em entrevista a um residente da região, o Jornal A Lucta, de nove de fevereiro de 1916,
registra sobre os alojamentos:

“Seu Sebastião, que casas são aquelas que vemos acolá? ... é ali que fica o açude dos Patos...
há muita coisa boa, aonde mora a gente um pouco mais mió”.

O entrevistador ainda descreve a visão que teve ao chegar à construção do açude


Patos. De acordo com ele, entrou em uma rua e avistou algumas casas, serraria, armazém
cheio de farinha, feijão e arroz. Ao conhecer o interior de uma casa, descreveu que esta era
espaçosa, tinha redes armadas e mostrava muito asseio. Vista a descrição do jornalista e
expressão do entrevistado sobre o espaço “aonde mora a gente um pouco mais mió”, pode-se
constatar que essas casas mencionadas podiam ser da equipe técnica. Não era dos
engenheiros, pois este, na maioria dos casos, alojava-se em cidades próximas ou tinham
acomodações melhores. E pouco provavelmente eram dos trabalhadores, já que, nesse período
de início das obras, as descrições feitas sobre a moradia dos operários falam de barracas e
barracões improvisados.

Na construção, existiam, além das casas, outras instalações necessárias:

Para instalação dos serviços mandei construir uma casa para armazém, uma
para morada dos auxiliares, uma apara oficinas, três grandes barracões para
o pessoal e fiz reparos gerais na casa para o escritório. Para a cobertura
dessas diversas construções comprei telha e palha de carnaúba pela falta
absoluta de outro material mais econômico. Tais construções impunham-se
pela falta de habitações no local.130

Na construção, foram criadas ainda duas cacimbas e um reservatório para acúmulo de


água, posteriormente, barracas para os operários e uma escola. Felipe Guerra registra que nas
obras de alguns açudes existiam também “serviços de esgotos em caixas acéticas em todas as
residências para o pessoal da categoria, casa de médico e casa de gelo”131.

130
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta Açude Patos n°4.
Relatório de serviços realizados enviado à Superintendência de Obras Novas Contra as Secas pelo engenheiro
Rômulo Campos. 25 de janeiro de 1916.
131
Guerra, Felipe. Ainda o Nordeste. Op. Cit. P. 140.
73

Nas obras do açude Forquilha, em 1919, pouco tempo depois de iniciadas, é informado
que já era “um povoado”. “Além de várias casas de telhas, cerca de duzentas casinhas de
132
operários se alinham naquela construção”. Então, mediante os dados relatados nas fontes,
percebe-se que o aspecto dos arredores e das construções dos açudes era de uma pequena vila
em formação, com algumas instalações necessárias para o inicio das obras dos açudes. Nos
meses seguintes, com o levantamento de barracas, barracões e casas era tomada a forma de
um povoado.

A construção do açude Patos durou dois anos e dez meses. E o que, no início, era só
algumas barracas, transformou-se em um povoado. No relatório final das obras, enviado pelo
engenheiro Rômulo Campos, sobre o açude Patos, é relatado que, no começo da edificação,
“existia apenas uma velha e abandonada casa de fazenda” e que, no fim da obra, já era “um
próspero arruado, onde ficaram depois da conclusão das obras cerca de 200 moradores”. 133

O vilarejo que ganhava forma no açude, somado à estrutura geral de funcionamento


das obras, recebia da imprensa local nomenclaturas que assemelhava o campo a lugares
inadequados. Os adjetivos dados eram em geral: “grande arraial”, “front”, “sardinha em lata”,
“abundante mercado”, “anfiteatro de gladiadores”, e os nomes dados aos sujeitos que
trabalhavam ou viviam ao redor da obra são diversos, pode-se citar: “famintos”,
“maltrapilhos”, “esqueléticos” “homens sinistros”, “homens magros”, “homens tristes” e
“homens cansados”. Todos trabalhando muito, numa “luta desesperadora pela conservação da
vida”.

Sendo assim, a aparência era de um lugar abarrotado. É importante perceber que a


linguagem da cobertura da Grande Guerra estava presente nos discursos, o que denota o clima
de conflito e peleja que também havia no combate às secas. A imagem é de um campo
espantoso. Todavia, seus habitantes, mesmo com a triste condição posta pela fome, vivem
trabalhando muito, num esforço diário pela garantia da vida.

Fora as dificuldades iniciais de instalação do pessoal operário e administrativo, três


meses após o início das obras, era noticiado outro problema: a disseminação de moléstias nos
açudes, especificamente os registro remetem à questão no açude Patos.

132
Jornal A Ordem, 15 de agosto de 1919.
133
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°8.
Relatório final dos serviços realizados enviado à Superintendência de Obras Novas Contra as Secas pelo
engenheiro Rômulo Campos. 26 de setembro de 1918.
74

Um ambiente de aglomeração de famílias pobres, debilitadas e mal alimentadas, sem


uma estrutura salubre, resultava na facilidade de dispersão de doenças. O jornal A Lucta, de
cinco de janeiro de 1916, falava das epidemias que atingiam os campos de concentração em
Fortaleza e o açude Patos. No relatório do presidente de Estado, de 1916, página 7, Benjamim
Barroso fala sobre os casos de varíola, “companheira de todas as secas”, explicando que:

O fenômeno deu-se mais acentuadamente no litoral, na região das duas


ferrovias, nas obras de açudagem e nas estradas de rodagem, mandadas
executar pelo governo federal, onde se davam maiores aglomerações de
pessoas esqueléticas,esfarrapadas, sujas, sem a mínima higiene, mal
encontrando água para beberem.

Para Rodolfo Teófilo, amontoar os retirantes era matá-los. Baseado em concepções


médicas e humanistas, dissertando sobre as condições do campo de concentração do
Alagadiço, em Fortaleza, ele não aprovava a criação de um espaço de segregação que
possiblitasse a proliferação de epidemias.

Já o presidente Cel. Benjamim Barroso alega que a “peste quase sempre acompanha
esses infelizes, fazendo-lhe grandes estragos”134. No caso do açude Patos, as enfermidades
atingiram especialmente as crianças. O próprio presidente de Estado expõe que as
aglomerações possibilitaram a disseminação das enfermidades, fazendo críticas às condições
de higiene nas obras. Benjamim Barroso não cita casos de doenças no campo de concentração
do Alagadiço, na mensagem, pois o campo fazia parte da sua política estadual contra a seca de
1915, informar más condições de existência neste era reconhecer falhas na aplicação de seu
plano de governo.

Então, visto os documentos e informações apresentadas, pode-se ter noção de parte do


cenário da construção dos açudes públicos da Obras Contra as Secas, era nesse espaço que o
cotidiano era dividido entre engenheiros, auxiliares técnicos, operários e seus familiares. Era
este o lugar que funcionava como escola para os trabalhadores das secas, onde retirantes se
tornavam operários das obras.

3.2.2 TORNANDO-SE OPERÁRIOS.

Só a região da seca poderá fornecer lutadores e operários contra as


secas.” (...) “Ninguém ignora que, em ultima análise, o problema da

134
ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa, em 1º de julho de 1915, pelo
presidente do Estado Cel. Benjamim Barroso. Fortaleza: Typographia Moderna, 1915. p.8.
75

seca, é problema do trabalho. A falta do trabalho produz miséria,


fome, desgraças. 135

Os operários, logo que eram alistados, começavam os serviços imediatamente. Mesmo


debilitados fisicamente, trabalhavam com rapidez. No relatório enviado a Aarão Reis, em 25
de janeiro de 1916, o engenheiro Rômulo Campos informa que inúmeros trabalhos
preparatórios foram realizados de outubro a dezembro de 1915.

Nas obras do açude, entre outros, foram realizados roçado em capoeira fina, nos locais
da barragem, sangradouro, bacia hidráulica, oficinas e abarracamentos; escavação em terras,
piçarra e rocha para cava de fundação da barragem, para a construção da parede e para o
sangradouro; transporte de materiais diversos; umedecimento e apiloamento das terras;136

Na obra, também foram feitos os serviços de instalações, sendo edificados:

dois tanques de alvenaria de tijolos para água, abertura de quatro grandes


cacimbas para abastecimento do pessoal, construção de uma casa para
armazém, uma para morada dos auxiliares, uma para oficinas do ferreiro e
carpinteiro, três grandes barracões para o pessoal e reparos gerais na casa
para o escritório.137

A partir das descrições acima, pode-se ter uma visão não generalizada dos tipos de
trabalhos desempenhados pelos obreiros dos açudes. Escavação, roçado de terra, transporte de
materiais, umedecimento, apiloamento de terra, fora outros trabalhos que exigiam outros tipos
de conhecimentos, como pintura, alvenaria e carpintaria; tudo demonstrando a complexidade
do canteiro de obras.

Nas contratações, é mencionada a lotação de operários para desempenhar funções de


mestre de obra, contra-mestre, pintor, carroceiro, pedreiro, ferreiro, feitor, carpinteiro e
servente. Percebe-se a diversidade de funções atribuídas aos retirantes. Inclusive, o
engenheiro Rômulo Campos alegou em relatório que havia distinções entre os operários:
existiam os que trabalhavam em “serviços especiais” e para estes eram dadas maiores diárias.
Nas obras, eram também admitidos idosos, mulheres e meninos com a justificativa de minorar
o sofrimento da família.

135
Guerra, Phelipe. Ainda o Nordeste. Op. Cit. P. 19 e 143.
136
Dicionário de termos técnicos em anexo.
137
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos nº4 .
Relatório dos serviços realizados de outubro a dezembro de 1915, enviado à Superintendência de Obras Novas
Contra as Secas pelo engenheiro Rômulo Campos. 26 de janeiro de 1916.
76

Era grande, conforme A Lucta, o “número de flagelados sexagenários, que não”


podiam “empunhar a picareta, frágeis viúvas, mãe de debilitada família, moças e crianças, que
não” podiam “conduzir a caçamba de barro, os quais, por via de regulamento de tais serviços,
não” podiam “ser inscritos no rol de trabalhadores, sem prejuízo no orçamento138”.

Porém, se existiam outros trabalhadores mais adequados à labuta, por que usar a mão-
de-obra dos retirantes? Por que engenheiros mantinham mulheres, crianças e idosos, correndo
o risco de aumentar o orçamento da obra?

Talvez a intenção dos engenheiros fosse muito mais de aproveitar a mão-de-obra do


operário retirante do que racionalizar tecnicamente o trabalho. Na verdade, era uma
“racionalização dos socorros”, que objetiva dispersar retirantes em obras, refletindo a
necessidade de evitar esmolas. Era preciso ocupar os pobres com alguma atividade para que
pudessem vir a receber quaisquer formas de assistência.

Manter sujeitos ocupados nesse período era afastá-los da ociosidade e, assim, como
alega Chalhoub, de um “estado de depravação de costumes que acaba levando o individuo a
cometer verdadeiros crimes contra a propriedade e a segurança individual...”, pois “se um
indivíduo é ocioso, mas garante sua sobrevivência, ele não é perigoso à ordem social139.”
Então, a atitude caridosa de manter mulheres, crianças, idosos e outros trabalhadores, que na
avaliação do engenheiro e da sociedade não prestavam para o trabalho, era também uma
maneira de mantê-los ocupados e disciplinados.

Um observador foi analisar as obras do açude Patos, em fevereiro de 1916, e narrou


um pouco o seu cotidiano. Dentro desse relato ele pontua que:

foi ver o serviço no sangradouro onde trabalhavam a turma do J.M, 150


homens, uns carregando terra em caçambas, outros perfurando pedras, para
dinamitá-las, outros de picareta em punho cavando a piçarra... um enxame
de operários subindo e descendo com as caçambas.140

Os operários viviam sob pesada disciplina. O Jornal A Lucta, de 10 de novembro de


1915, expõe que trabalhadores “mirrados e enfraquecidos por uma fome de dez meses” eram
obrigados “diariamente a 10 horas de trabalho insano a picareta sob rigor de um sol
causticante e, sobretudo, mal comidos, mal bebidos e mal dormidos.” Este quadro não se
limitava somente aos açudes da Obras Novas do Ceará. Na construção do açude 25 de Março,

138
Sobre a construção do açude Forquilha. Jornal A Lucta, 14 de maio de 1919.
139
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle
Époque. 2. ed. Editora Unicamp. 2001. p.75.
140
Jornal A Lucta. 9 de fevereiro de 1916.
77

no Rio Grande do Norte, Felipe Guerra relata que o engenheiro chefe Flávio Castro informa
que existia uma turma só para transportar materiais de outros açudes: “em cabeça e braço,
numa extensão de seis léguas de maus caminhos”, foram transportados vagonetes e trilhos
decauvile, carrinhos de mão, bombas, pás, picaretas e etc.141”

Observando os documentos citados acima e levando em conta os trabalhos


realizados já nos dois primeiros meses da construção, pode-se entrever como era árduo o
serviço diário desses obreiros. Os relatórios de serviços realizados mostram que várias obras
foram executadas por esses trabalhadores. Mesmo levando em conta que os relatórios tinham
intenção de mostrar rapidez e eficiência, outros documentos também confirmam como foram
expressivas as tarefas realizadas num curto espaço de tempo.

Fonte: Arquivo do DNOCS-CE. Fundo: Açudes Públicos Ceará. Açude Patos, pasta nº4. Relatório de 25 de
janeiro de 1916.

A fotografia mostra um considerável número de trabalhadores atacando o serviço, no


lado esquerdo da Cava de Fundação do açude, ao fundo, parte da parede construída.142 Muitas

141
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. Op. Cit., p. 17
142
Dicionário de termos técnicos em anexo.
78

fotos são anexadas aos dois primeiros relatórios enviados pelo engenheiro-chefe. É sabido que
essa farta documentação representa a preocupação do engenheiro em mostrar os retirantes
ocupados, efetuando os trabalhos já descritos nos relatórios. No entanto, mesmo que a
documentação iconográfica evidenciasse uma situação equilibrada, de uma obra
racionalmente em bom estado, sem dificuldades aparentes, a situação operada era outra, como
se pôde constatar.

Os trabalhadores eram organizados em grandes turmas coordenadas por feitores,


dirigidos por um feitor geral. Logo pela manhã, acontecia a chamada geral, quando cada feitor
anotava todas as faltas e frequências de seus comandados. Após a chamada, os auxiliares de
campo davam as ordens de serviço para o feitor, que, junto aos seus operários, seguiam para o
local dos trabalhos, “fazendo logo depois uma nova chamada para ver os presentes, anulando
os pontos dos faltosos.” Por volta das “11 horas da manhã era realizada a primeira refeição. E,
por volta das seis horas, podiam sair do serviço. Todas as tardes, depois da jornada, os feitores
organizavam as notas dos operários sob sua competência, devendo comparecer à “entrega dos
vales de sua turma a fim de auxiliar e verificar” se o que recebia era o mesmo que havia
trabalhado, evitando “conversas e bagunça”. No total, os auxiliares de campo faziam três
chamadas por dia, marcando as tarefas do pessoal.143

Cada operário era responsável pelo seu instrumento de trabalho e cabia ao feitor zelar
e fazer a contagem das ferramentas de sua turma. A fiscalização dos serviços era rigorosa, o
feitor não podia se ausentar do local onde trabalhava sua turma. A este também era dado o
papel de auxiliar, ensinar e instruir os operários. Deveria ainda portar-se “convenientemente
com o pessoal da turma, evitando conversas e pilhérias”. Também deveria evitar a
promiscuidade com o pessoal operário, quer durante as horas de trabalho, quer fora deste.

É interessante pontuar, dentro desse relato do dia-a-dia na obra, que para ser um feitor
era necessário saber ler e escrever, ter boa conduta, não possuir vícios, apresentar-se
decentemente, “sempre de paletó e calçados”. Além disso, deveria mostrar sempre
“autoridade, energia e urbanidade.” De acordo com o jornal A Lucta, de nove de fevereiro de
1916, um instrumento utilizado por este trabalhador era o chicote, no qual a função “era meter
medo na negrada”. Fora isso, para uma rigorosa manutenção da ordem, eram proibidos

143
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Tucunduba.
Junho de 1917. Este açude esteve entre as atribuições da Inspetoria de Obras Contra as Secas. O documento tem
informações sobre o pessoal jornaleiro, trazendo uma longa lista dos deveres dos feitores nas obras.
79

“qualquer espécie de jogo e o uso de licores espirituosos”; tudo para que não houvesse “o
mínimo distúrbio, o menor ato de desrespeito”.

A documentação que forneceu boa parte dessas informações são livros de regras e
deveres, assim, é possível refletir e entender que, principalmente os horários, não eram
seguidos mecanicamente tal qual desejava o engenheiro e a comissão técnica. Não foram
encontrados muitos outros documentos técnicos que atestem a aplicação desses horários
ferrenhamente no cotidiano. No entanto, os jornais da época informam sempre sobre o
cotidiano de um longo dia de trabalho duro, de difíceis condições de alojamentos e má
alimentação dos obreiros.

Fonte: Arquivo do DNOCS-Ce. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°4. Relatório 25 de janeiro de
1916.

Esta fotografia, tirada ao lado esquerdo da construção da barragem do açude Patos, dois
meses depois de iniciadas as obras, mostram trabalhadores – mulheres, crianças, homens
adultos – numa postura alinhada e o engenheiro e dois auxiliares técnicos no meio dos
operários, mas num patamar mais elevado. Esta imagem, assim como as fontes exibidas há
80

pouco, mostra a preocupação em evidenciar que as construções da Obras Novas estavam


alinhadas sob uma nova ordem do trabalho.

A postura que se pretende mostrar na figura é de um mundo do trabalho erigido


mediante pilares como disciplina, hierarquia, ordenamento, rígida labuta e obediência. Estas
posturas de trabalho eram tidas como necessárias dentro das obras para corrigir indivíduos sob
os moldes da vida civilizada, sendo necessárias principalmente se se levar em conta que
muitos trabalhadores eram enquadrados nas teorias racistas que agregavam degeneração à
miscigenação. O chicote para “meter medo na negrada”, citado numa fonte de jornal acima,
era para controlar o que era, na visão dos gestores, possíveis degenerados, indolentes e
criminosos.

Assim, a ciência pretendia superar esse problema também adotando uma nova postura
nas relações de trabalho. A proibição de aguardentes, promiscuidade, a fiscalização rigorosa
para evitar conflitos dos trabalhadores eram um reflexo de que, quando se dava trabalho, a
preocupação não se limitava a saciar a fome dos retirantes, mas também de ensinar novos
valores da moral e dos bons costumes.

Então, mediante as fontes problematizadas, vê-se o quanto podia ser rigoroso o


sistema de trabalho vivenciado pelos retirantes operários nas construções da Obras Novas
Contra as Secas. O dia-a-dia era pautado pela hierarquia, divisão do trabalho, horário
rigoroso, uma nova lógica temporal (quando se compara com a agenda diária com o tempo de
trabalho no sertão) e, ainda mais, valores de uma sociedade que se pretendia moderna como
moral, bons costumes, ordem e disciplina.

Os operários das obras das secas, como mencionado, eram homens de origem
camponesa, acostumados à lida diária com a família num “tempo próprio”. Eram habituados a
batalhar com os seus instrumentos, dominando o seu ambiente de trabalho, tendo seus
próprios saberes, num horário delimitado por ele mesmo. Sem haver divisão entre os que
davam ordens e os que deviam obedecer.144 Um trabalho realizado em diferentes condições
culturais e sociais do realizado no campo da açudagem.

Contudo, mediante as experiências de outras secas, o trabalhador retirante sabia que a


caridade era um papel do Estado e que a assistência, nas formas de trabalho nas obras,
configurava-se como um dever deste. Então, as condições de trabalho não eram comodamente

144
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massas no Ceará. Op.
Cit.,p.126
81

aceitas pela maioria dos obreiros. Constata-se adiante que alguns conflitos são relevantes para
que a imagem do retirante deixe de ser estigmatizada como “pobres coitados” – vítimas
inermes e obtusas – para que então possa ser reconstruída como sujeitos de importantes ações
no processo histórico.

Dessa forma, a experiência rural era diferente. O trabalho sob comando de um feitor,
dirigido por técnicos e organizado por turmas, ia de encontro aos valores dos sertanejos
acostumados ao trabalho familiar e autônomo. A família do campo com costumes diferentes
dependia agora das políticas de socorros do governo, que tenta educar, disciplinar sob novos
padrões. O retirante teve que dialogar com novas tecnologias e novas hierarquias. Novos
saberes foram adicionados constantemente ao cotidiano de duras atividades físicas, divisão do
trabalho por tarefas e obediência aos dirigentes, onde a recompensa desse esforço nem sempre
significava uma suficiente gratificação.

3.2.3 TRABALHO = REMUNERAÇÃO = BÓIA

Se a disciplina incomodava, a forma de pagamento também causava problemas. “Os


pequenos salários dos operários eram pagos sempre em vales, entregues logo ao comércio e
aos fornecedores145”. As diárias dos homens dos açudes estudados variaram em torno de 700 a
1$800, dependendo do rendimento e da estação de realização das obras.

Numa carta escrita pelo pároco da cidade de Santa Quitéria e publicada no jornal A
Lucta, de 10 de novembro de 1915, era informado que existia no açude Caio Prado “três
categoriais de homens: os de 1a, , que recebem 1$200, os de 2a , que recebem 1$000”, e ainda
os de 3a , que recebiam abaixo de 1$000. Sobre o açude Patos, chefiado pelo engenheiro
Rômulo Campos, era dito que:

A diária dos operários, foi a principio menos, mas hoje é de 1$000 para os
homens, 500 para os meninos, e as mulheres que querem ganhar alguma
coisa, carregam areia, por 1 ou 2 litros de farinha.146

As diárias variavam de açude para açude, não era um valor fixo. Nos documentos,
verificou-se a presença de turmas de meninos e turma de mulheres com atividades diferentes,
empregados nas obras, com o discurso de fortalecer o amparo aos retirantes. Os meninos
recebiam em vales, já as mulheres, conforme alguns documentos, recebiam em forma de
145
Guerra, Phellipe. Ainda o Nordeste. Op. Cit. p. 89
146
Jornal A Lucta. 1º de novembro de 1915.
82

alimento. É relevante informar que não foi encontrada nenhuma fonte sobre mulheres
recebendo diárias em forma de vales.

Todavia, o sistema de vales gerava tensões. O operário recebia um pequeno jornal


diário, em forma de vale, que era trocado pela alimentação com os fornecedores elegidos pelo
engenheiro. Existiam reclamações de exploração dos trabalhadores pelos fornecedores que
supervalorizavam algumas mercadorias, com a justificativa da estiagem. Em outros
momentos, eram os próprios fornecedores que reclamavam de prejuízos, já que o lucro
necessário não era alcançado.

Dependendo do período da obra e da boa avaliação dos trabalhos realizados, eram


aumentadas as diárias. Em documento avulso do açude Patos, enviado a Aarão Reis, pelo
engenheiro Rômulo Campos, é noticiado que os trabalhos tinham “melhorado, sendo
compensador” no qual foram modificadas “as diárias dos operários de acordo com o
melhoramento dos serviços produzidos e maior esforço.” É importante relatar que, por mais
que as diárias dos operários fossem menores que a da equipe técnica, o orçamento gasto com
o pessoal operário foi muito superior ao gasto com o pessoal administrativo.

Tabela 1: Diárias do Pessoal técnico e Administrativo.

Encarregado da construção 5$000

Auxiliar-técnico – engenheiro Camilo Monteiro 15$000

Auxiliar- administrativo – José Antunes Mota 10$000

Auxiliar-armazenista – Júlio Pamella Bastos 6$000

Apontador-Geral – Ovidio Pinto de Azeredo 6$000

Ajudante de apontador – Victor Santa Cruz 5$000

Ajudante de apontador – Francisco Almeida Monte 5$000

Ajudante de apontador Affonso Vasconselos. 5$000

Auxiliar de Campo – Thomas Pompeu Magalhães 5$000

Auxiliar de Campo – Antonio Marcondes Meneses 5$000

Auxiliar de Campo – Lourival Lourinho 5$000


83

Auxiliar de Campo – Francisco Gomes da Silva 4$000

Auxiliar de Campo – Carlos Sanford 3$500

Serviço de escritório – Paulo Pontes 3$500

Serviço de escritório – João de Deus Ponte 3$500

Armazém – Marianno Rocha 2$700

Armazém – Antonio Barroso 2$700

Fonte: Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°4.
Relatório de serviços. 25 de janeiro de 1915. Diárias da comissão técnica-administrativa.

Os valores das diárias dos operários eram menores que as do quadro técnico-
administrativo. Contudo, na soma geral da obra, pode-se constatar que o gasto efetuado com o
pagamento dos operários do açude Patos foi bem maior:

Tabela 2: Gastos com o Pessoal técnico /Administrativo e Operário

Créditos especiais Pessoal técnico e administrativo Pessoal operário

Dec. 11.641 (15/07/1915) 24:078$300 220:795$100

Dec. 12.140 (19/07/1916) 4:180$500 80:264$400

Dec. 12.589 (07/03/1917) 15:576$000 43:875$900

Dec. 12.972 (17/04/1918) 1: 424$000 10:337$300

Total 45:258$800 355:272$700

Fonte: Relatório de Obras Novas. Açude Patos. Págs.169- 171.

Estes números são encontrados no balancete final do que foi gasto em cada construção
da Obras Novas Contra as Secas, no relatório final da comissão elaborada pelo inspetor Aarão
Reis. Os valores estão organizados numa tabela de acordo com as somas liberadas em cada
crédito especial. Em todos os açudes da Obras Novas, o gasto com os operários foi mais
expressivo que o efetuado com a equipe técnica da construção dos açudes e com a compra de
materiais.
84

Estes valores também são importantes para averiguar em quais anos os gastos com os
trabalhadores retirantes foram maiores. Pode-se verificar que, somando os valores dos anos de
1915 e 1916, as quantias são bem maiores que nos anos de 1917 e 1918. Isto é reflexo do
grande número de trabalhadores empregados nas obras, nos meses inicias, reforçando a idéia
de necessidade de fornecer trabalho aos sertanejos em momentos de secas. Mas o que
representava essa assistência para os retirantes?

A assistência era dada pela ocupação e esse trabalho assegurava a remuneração, que,
para os retirantes operários, significava a subsistência. Os trabalhadores dos açudes da Obras
Novas sofreram com a falta de mantimentos, principalmente no começo das obras. Conforme
noticia o jornal a Lucta. No açude Patos, no segundo mês de trabalho, os operários realizavam
duas refeições diárias:

Às 11 horas do dia uma sineta da sinal de suspender o serviço começado as


seis horas da manhã, partindo apressado o grupo de trabalhadores, cansados
e esbaforidos, à casa do engenheiro a obter um cartão que lhe da direito de
comprar no fornecedor há dois quilômetros de distância o necessário para
preparar a primeira refeição. Esta como não há tempo de ser feita ao forno,
compões-se de farinha de mandioca e açúcar mascavo e antes do infeliz
deglutir o ultimo bocado dessa comida agreste e pouco saudável a sineta
toca chamando-o para o recomeço do serviço...As 5 e ½ horas da tarde,
quando é novamente suspenso o trabalho levam feijão que ingerem 8 ou 9
da noite.147

Sobre a alimentação, acrescenta Phelipe Guerra:

...em épocas de gêneros caríssimos. Muitos desses operários faziam seu


almoço no local do trabalho, pondo a ferver água numa lata qualquer, no
qual era adicionado um pouco de banha, e com um pouco de farinha
preparava um pirão, que era engolido com um pequeno pedaço de
rapadura.148

Analisando os documentos citados e outros, compreende-se que o vale era trocado por
gêneros para a realização de duas refeições diárias. A alimentação era composta de gêneros
como: farinha, feijão e rapadura. A primeira refeição do trabalhador era feita no próprio local
do trabalho e a segunda nas barracas ou barracões junto aos outros parentes.

Mesmo assim, o cotidiano dos trabalhadores era de jornadas de fome, a alimentação


era insuficiente diante do esforço físico dos operários, que recebiam pouco e ainda dividiam o

147
Jornal A Lucta, 10 de Novembro de 1915.
148
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. Op. Cit., p.15
85

que possuíam com os numerosos familiares. Felipe Guerra alega que, em “em fins de 1915,
quando iniciados os serviços, o operário desde meses sob o regime da fome e da desnutrição
era um doente149.” Muitos chegavam a padecer de fome. Nas palavras do escritor Rodolfo
Teófilo, “Morrer de fome não é só ser privado o individuo do alimento por muitos dias, é a
criatura levar semanas, meses, passando mal alimentando-se de migalhas, gastando as
reservas do organismo, enfraquecendo as resistências dele, até se inanir de todo e morrer.”150

De fato, os valores recebidos pelos operários retirantes para a alimentação eram


insuficientes para garantir a subsistência. Abaixo, valores de alguns alimentos na seca de
1915, em Sobral, preços que ratificam como a diária era pouca para o alimento dos retirantes
trabalhadores e de sua família.

Tabela 3: Valores dos gêneros alimentícios em 1915.

Gêneros alimentícios Custo do gênero alimentício

1 Litro de feijão 300 réis

1 Litro de farinha 150 réis

1 kg de carne 500 réis

100 Gramas de açúcar 50 réis

100 Gramas de café 80 réis

Fonte: jornais A Ordem e A Lucta.

Tomás Pompeu Sobrinho escreve, em 1916, que os salários diários normais de


trabalhadores braçais eram de 2$000.151 Em tempos de secas, esses valores diminuíam, mas
que era preciso avaliar quanto era necessário para garantir o consumo ideal em calorias para
esses trabalhadores. De acordo com o escritor e engenheiro Sobrinho, “a ração do trabalhador
em tempo de seca” deveria ser composta de “carne magra, feijão, farinha de mandioca e
gordura”, que eram os gêneros disponíveis em épocas de crise. Para cada sujeito manter o
sustento do organismo era necessário:

149
Idem, Ibidem. P. 15
150
TEÓFILO, Rodolfo. A seca de 1915. p. 70
151
Sobrinho, Tomás, Pompeu. O problema das secas. Op. Cit. p. 38.
86

Tabela 4: custos de um individuo em tempo de seca

Quantidade (gramas) Item Custo

100 Carne $100

300 Feijão $120

200 Farinha $060

25 Banha $035

Pompeu Sobrinho alega que, se somassem os gatos com café e sal, seria necessário
para assistir uma pessoa adulta diariamente $350 e uma criança podia ficar em torno de $250.
Mesmo que esses valores não sejam “redondamente” corretos, mediante o preço dos
alimentos e levando em consideração que as famílias eram numerosas e que poucos recebiam
o socorro por meio do trabalho, às vezes somente um integrante do grupo familiar, o parco
salário dos operários era realmente precário para garantir a sua vida e a de sua família.

Dessa forma, se a marcha nas obras era marcada pela fome, o dia-a-dia dos familiares
era ainda mais. Os retirantes que não conseguiam ocupação esperavam pela assistência obtida
através do trabalho dos parentes, já que, longe do núcleo urbano, ficava complicada a
recorrência à caridade pública. Então, para os que não conseguiam serviço, só restava
aguardar pelo magro auxílio que seria levado para casa. Chico Bento, personagem do
Romance O Quinze, na condição de trabalhador do açude Tauapé, reclama justamente sobre
essa condição de subsistência existente:

até lhe amargou o gosto daquela carne, lembrando-se de que Cordulina, a


essa hora, engolia talvez um triste resto de farinha, e junto dela, devorada a
magra ração, os meninos choravam..152

O jornal do dia representava para Chico Bento, personagem de O Quinze, o alimento


da “filharada esfomeada”. Isto também ocorria nos açudes da Obras Novas. O valor da
remuneração ia além do material, para o operário tinha um significado sentimental, pois
representava a subsistência dele e da família.

A conquista da ocupação denotava, para aqueles trabalhadores camponeses, a


sobrevivência básica. O trabalho significava a concessão de assistência, que, por sua vez,

152
QUEIROZ, Raquel de. O Quinze. P. 64 e 65
87

tomava forma de garantia de alimentação. O trabalhador do campo estava acostumado a


garantir a subsistência de toda a família, mas os vales não garantiam isso, as reclamações
existentes por conta desses acontecimentos são inúmeras e contam com a legitimação da
sociedade. 153

Porém, se o trabalho significava para o operário na seca a garantia do nutrimento


diário, para os gestores da Obras Novas, expressava muito mais que isso. Dentro das obras
são percebidas medidas que objetivavam não só garantir o nutrimento físico, mas também o
nutrimento mental em seus aspectos pedagógicos.

3.2.4 EDUCANDO...

durante as grande construções de açudagem, ora paralisadas, patentearam-se


hábeis operários, e mesmo amantes do trabalho...em levas, brabos,
completamente alheados ao serviço..., mas em poucos meses
assenhoreavam-se do seu manejo e substituíam os mestres... faziamo-los
motoristas, mecânicos, pedreiros, carpinteiros, ferreiros, escriturários se
sabiam ler, etc., enfim faziamo-los o operário necessário na ocasião.154

As obras não deixavam se de ser “escolas para o trabalho”. Nelas, eram educados e
produzidos novos pedreiros, ferreiros, carpinteiros, motoristas, tratoristas, mecânicos, mestres
de obras, entre outros, era feito o operário adequado à situação precisada. Como já foi
discutido, existiam nas obras diferentes categorias de trabalhadores. Os retirantes eram
alocados preferencialmente para o desempenho de serviços manuais que exigiam tênue
qualificação técnica. Contudo, existiam os qualificados diferenciados inclusive pelos salários
recebidos.

É relevante informar que, além da preocupação com a educação profissionalizante,


existiam medidas que objetivavam a instrução básica. Foram implantadas escolas em algumas
obras de açudagem. No relatório final do açude Patos, Rômulo Campos expõe que instalou
uma escola mista para os filhos dos operários. Desse modo, visava ele “contribuir para
diminuir o número de analfabetos, um dos grandes males do sertão”155. Uma média de

153
Essa questão é discutida no terceiro capítulo desta dissertação.
154
GUERRA, Felipe. Ainda o Nordeste. Op. Cit. P. 18
155
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°8.
Relatório final dos serviços realizados enviado à Superintendência de Obras Novas Contra as Secas pelo
engenheiro Rômulo Campos. 26 de setembro de 1918
88

sessenta alunos frequentou o curso primário dado na escola açude Patos. O jornal A ordem, de
28 de novembro de 1919, também fala da existência de uma escola no açude Forquilha. Nesse
açude chefiado também pelo engenheiro Rômulo Campos, é divulgada a notícia que a escola
teve uma boa frequência dos alunos, sendo 70 homens e 20 mulheres.

As obras e as medidas de instrução e alfabetização do retirante eram um reflexo da


tentativa de levar novos costumes para o sertão pela instrução, já que os sertanejos eram
estigmatizados como seres inferiores culturalmente, atrasados e com baixa produção
intelectual.

De acordo com Felipe Guerra, dentro das obras das secas, existia a intenção de elevar
moralmente os indivíduos, educando-os dentro de uma “metódica e racional e instrução”,
“que os ensine a agir e aproveitar o fruto do trabalho156”. Para isso era pregada a boa
convivência social para o “recreio do corpo e do espírito”, sendo defendida a realização de
reuniões instrutivas. Nestas, deveriam ser mostrados “os trabalhos dos centros adiantados, o
conhecimento do mundo e, em particular, a História, a Geografia, o completo conhecimento
da grande pátria.”157

Então, pode-se perceber que, dentro das obras, a educação ia além da


“disciplinarização do tempo e do espaço estritamente do trabalho”. Já que, como afirma
Chalhoub, “a definição de homem de bem, do homem trabalhador, passa também pelo seu
enquadramento em padrões de conduta familiar e social compatíveis com sua situação de
individuo integrado à sociedade, à nação”. 158

De acordo com Chalhoub, o trabalho era tido como um “elemento característico da


vida civilizada”.159 Nas obras das secas, a instrução era vista como antídoto da ignorância, já
que significava a agregação de saberes para preparar o indivíduo para os ofícios nas obras e
também a soma de novos valores aos costumes sertanejos. A educação era vista como
essencial para que a “vadiagem” fosse combatida.

Era necessário que o trabalho nas obras auxiliasse para preparar o trabalhador
sertanejo para uma nova ordem no mundo do trabalho e também na vida social fora do
ambiente de trabalho. Havia uma mudança na lógica do trabalho em que eram introduzidos
novos saberes e novas posturas diferentes das quais os trabalhadores sertanejos estavam

156
Guerra, Felipe. Correio de Mossoró. 31 de março de 1915. In: ROSADO, Vingt-um e Rosado, Américo. 17º
livro das secas. Coleção Mossoroense, volume CDII, ano 1988.
157
GUERRA, Felipe. Ainda o Nordeste. Op. Cit. P. 57.
158
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. Op. Cit. p.50
159
Idem, ibidem, 69
89

acostumados – trabalho para garantir a subsistência, domínio do tempo, da produção, entre


outros. Ao mesmo tempo as obras faziam parte do objetivo de educar o sertanejo tirando-o do
atraso e da ignorância.

Dessa forma, os retirantes nas construções de açudagem tornaram-se operários das


obras das secas. Com diferentes costumes, foram postos diante de uma nova realidade de
trabalho mediada pela disciplina, hierarquia, divisão do trabalho e nova lógica temporal. Mas
o dever cobrado ao Estado era muito mais de ocupar o retirante, para evitar conflitos e
protestos. A exigência para o merecimento dessa assistência social era o trabalho árduo,
disciplinado e mal pago. O emprego nessas obras simbolizou mais uma medida de
emergência, de preocupação em ocupar os retirantes, do que mesmo de estabelecimento de
uma política educacional de trabalho com o objetivo de banir definitivamente o ócio. Os
retirantes representavam mais um perigo à ordem que uma violação aos valores do trabalho,
pois eram desocupados por consequência da situação de calamidade. Fora dessa situação-
limite eram trabalhadores.

3.3 E OS CONFLITOS SE ACIRRAM.

3.3.1 ENTRE A ESCUSA E A RECUSA

As obras das secas tinham o intuito de dar amparo e trabalho aos sertanejos flagelados,
evitando riscos e incômodos à sociedade local, ou seja, constituíam uma maneira de ocupar os
retirantes, impedindo-os de ficar entregues à desocupação. Assim, a ociosidade era convertida
em ocupação e a justa remuneração afastava o retirante da seca, da esmola aviltante e do ócio.

Manter os retirantes ocupados era um dever atribuído ao Estado, contudo, caindo as


primeiras chuvas, muitos trabalhadores das obras públicas eram dispensados. Acontece que os
problemas causados pela estiagem continuavam mesmo chegando as primeiras chuvas, porque
as mazelas das secas não acontecem só no ano em que esta é declarada ou reconhecida: o ano
posterior também pode ser de muito sofrimento.

Por conta da seca, os sertanejos não efetuaram o plantio em 1915, então, estavam sem
meios de subsistência. De acordo com Felipe Guerra, “Os retirantes acham se fora dos seus
lugares habituais de trabalho”, quando “cessam ou são interrompidos os serviços” nas obras
de socorros, ficando, dessa forma, sem ocupação. Com a morte do gado e a falência da
90

indústria da pecuária e com escassas sementes, “os patrões com poucos recursos” ficam
“cautelosos e medrosos” para receber de volta o trabalhador. Fora a situação do “pequeno
lavrador” que não tem meios sequer para erguer “sua lavoura”, já que muitos consumiram
inclusive as sementes que seriam destinadas ao plantio160. Depois do longo período de
estiagem de 1915, por volta de março de 1916, desceram as primeiras chuvas, mas a fome
continuou, pois os roçados não foram preparados. Esta é a situação quando começa a escusa
de trabalhadores no inicio de 1916.

Nos princípios de abril dispensei alguns operários, de preferência solteiros e


a que estavam em melhores condições a fim de tornar menor o numero
excessivo que ainda existi. Mais adiante serei forçado a dispensar maior
número, devido a deficiência da verba, o que sem duvida provocará grande
celeuma, pois os pequenos cortes feitos já tem dado lugar a grande grita.161

Antes de abril de 1916, foram dispensados trabalhadores das obras, no caso do açude
Patos, estes eram preferencialmente os operários solteiros, já que, para os obreiros que tinham
família, o deslocamento do local do açude era mais complicado. No açude Caio Prado, a
situação operada era ainda pior, pois já em 23 de dezembro o jornal A Lucta informa que
Severino de Oliveira “dispensou, em 1 dia, 30 operários dos mais necessitados”.

O representante do estado naquele momento era a Comissão da Obras Novas, concebida


na figura do engenheiro e de seus auxiliares, então, a eles eram dirigidas as cobranças. O
próprio engenheiro reconhecia que a dispensa de obreiros era motivo de “grande grita”, o que
significa que, dentro desse episódio, os trabalhadores não ficavam inertes, resistiam em favor
do que consideravam seus interesses, ou direitos. Os operários recusavam-se a abandonar o
que havia conseguido mediante muito esforço e o que garantia naquele momento a sua
alimentação e a da sua família. Baseados na noção de que o governo tinha o dever de assisti-
los, acreditavam que “as obras eram do governo”, então, a eles pertenciam. Existia então a
idéia de que a “caridade era um recurso por excelência para contornar a fome162”.

E os problemas nesse sentido aumentavam. Com a continuidade da alta dos preços dos
gêneros alimentícios e o aparecimento de alguns imprevistos, como lagartos nas plantações, o
número de retirantes à procura de serviços continuava grande:

160
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. Op. Cit., 38
161
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°2.
doc. avulso que fala, entre outros, sobre a dispensa de trabalhadores.
162
CANDIDO, Tyrone.Trem da Seca: Sertanejos, retirantes e operários. ( 1877-1880) . Fortaleza. Museu do
Ceará. Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. 2005.p.66.
91

O número de flagelados tende a aumentar, e não será um mês de chuvas fará


o pessoal diminuir, duas pequenas chuvas caiadas em dezembro mal deram
para acalmar, a procura de trabalho é cada vez maior. Para colocar o maior
numero possível de operários, pedi e obtive autorização para roçagem da
bacia hidráulica. 163

O engenheiro entende que continuando a dispensa de operários ocorrerá uma grande


algazarra, o que evidencia o medo de novas “avalanches de flagelados” protestando por
trabalho. Para a manutenção dos operários nas obras, algumas estratégias são pensadas,
exemplificando: novos reforços orçamentários para realização de novas obras no açude,
redução do pessoal administrativo, envio do pessoal dispensado para obras de outros açudes e
principalmente a sustentação do maior número de operários possível.

E, quanto aos retirantes, estes tinham noção do momento intricado pelo qual passava o
engenheiro e os poderes públicos, diante dessa ocorrência, entravam em conflito reclamando
melhores condições de existência. Eles entendiam que só a ameaça da confusão já era
suficiente para assustar os chefes.

No entanto, se existia excesso de operários nas obras durante os períodos de estiagem,


quando chegava um ano de abundantes chuvas, estes trabalhadores desapareciam. Foi o caso
do ano de 1917, quando os sujeitos já haviam se recuperado do flagelo da seca de 1915 e, com
as chuvas abundantes já tinham a garantia de um bom inverno, houve evasão nas construções
da Obras Novas.

Passada a mazela da seca, “um novo flagelo em seus cruéis aspectos” 164 manifesta-se.
As chuvas de 1917 causaram cheias no rio Acaraú, que banharam a cidade de Sobral.
Contudo, fora do centro urbano, as chuvas causaram grandes festejos, os sertanejos
imediatamente iniciaram as plantações.

Nesse contexto, muitas obras da IOCS, e assim também da Obras Novas, foram
paralisadas. De acordo com o presidente de Estado Cel. Benjamim Barroso, este episódio não
foi algo peculiar aos trabalhos iniciados na seca de 1915. Afirma ele que, depois de uma seca,
quando “vem o inverno, suspendem-se todos os trabalhos por aviso oficial, o povo corre para

163
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°4.
Relatório de serviços realizados. 25 de janeiro de 1916.
164
Jornal A Ordem. 19 de abril de 1917.
92

seus lares e todas as obras iniciadas e por concluir ali ficam ao abandono, deteriorando-se165,”
até surgir outra crise.

As chuvas prejudicavam as obras de duas maneiras. Ao mesmo tempo em que


impediam a continuação dos trabalhos por dificuldades operacionais, enfrentavam grande
escassez de mão-de-obra.

estamos no principio da estação chuvosa, que alem de impedir o trabalho


regular na parede, faz diminuir o numero de operários, pois muitos vão
preparar e plantar seus terrenos...O inverno parece ser rigoroso este ano, de
modo que não poderemos muito avançar o serviço e talvez mesmo
tenhamos que suspende-lo algumas vezes.166

No açude Mulungu, localizado hoje no município de Itapipoca, “a falta de numerário


acarretou a suspensão dos serviços, em 30 de junho de 1916, ficando apenas nas obras o
pessoal estritamente necessário à conservação.” No fim do ano de 1917, o engenheiro Rômulo
Campos continuava enfrentando dificuldades pela carência de braços para a construção do
açude Patos:

Estamos precisando elevar o número de operários para atacar


definitivamente a conclusão das obras... no mês findo de outubro, maior foi
a dificuldade que, parece, aumentara em novembro e dezembro devido a
preparação das plantações e pela maior facilidade em ganhar dinheiro167

Esta insuficiência de braços era noticiada em várias correspondências e relatórios,


sendo responsável por paralisações dos serviços, evitando muitas vezes a conclusão do açude.
Não se pode esquecer que os açudes, além de estruturas emergenciais para ocupar os
trabalhadores e educá-los dentro da nova ordem do trabalho, tinham o objetivo de manter fixa
no local, à disposição dos latifundiários, a mão-de-obra dos trabalhadores do campo. De fato,
assim que retornava a normalidade climática, os trabalhadores largavam as obras de
açudagem de volta aos serviços em suas pequenas lavouras ou aos trabalhos nas grandes
fazendas.

A recusa ao trabalho ocorria pelas péssimas condições de existência dos operários das
obras públicas. Como foi visto, o trabalho no açude era muito árduo e muito diferente do

165
ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa, em 1º de julho de 1915, pelo
presidente do Estado Cel. Benjamim Barroso. Fortaleza: Typographia Moderna, 1915. p.8
166
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°3.
correspondência enviada a Aarão Reis por Rômulo Campos. 5 de janeiro de 1917.
167
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°3.
correspondência enviada a Aarão Reis por Rômulo Campos. 12 de novembro de 1917.
93

trabalho no campo, eram situações sociais e culturais distintas. Para o sertanejo, era muito
mais vantajoso e satisfatório voltar para semear sua terra, ou até para trabalhar em terras
alheias, pois mesmo a lida diária, em propriedades alheias, oferecia melhores condições, visto
a série de relações sociais baseadas num sistema de reciprocidade que existia no campo.

A resistência ao cotidiano da obra causava o abandono destas no primeiro sinal de


bom inverno. Era para evitar experiências parecidas com as que tinham enfrentado no ano de
seca, dentro das obras, que muitos trabalhadores se retiravam dos açudes. Era fugindo do
serviço árduo, da dura disciplina, da hierarquia e de uma rotina de fome, que os trabalhadores
das secas resistiram e voltaram para suas plantações, para o seu cotidiano.

O cenário mais geral pode ser entendido quando se analisa o Quadro abaixo.

TABELA 5: MOVIMENTO DO PESSOAL OPERÁRIO NA CONSTRUÇÃO DO AÇUDE PATOS

AÇUDE P A T O S

Quadro nº A

DEMONSTRATIVO DO MOVIMENTO DO PESSOAL NA CONSTRUCÇÃO,


INCLUSIVE O NUMERO DE PESSOAS SOCORRIDAS NA PROPORÇÃO DE 1:7

Ano Mês Número de Número de Pessoas socorridas


alistados comparecimento
Mês Total
1915 Outubro(18 A 31) 446 309 3.122 3.122
|| Novembro 866 749 5.243 8.365
|| Dezembro 892 787 5.509 13.874
1916 Janeiro 867 756 5.292 19.166
|| Fevereiro 860 722 5.054 24.220
|| Março 799 661 4.627 28.847
|| Abril 652 540 3.990 32.837
|| Maio 503 451 3.157 36.994
|| Junho 436 372 2.604 38.598
|| Julho 337 308 2.156 40.754
|| Agosto 402 395 2.765 43.519
|| Setembro 568 552 3.654 47.173
|| Outubro 592 550 3.650 51.023
94

|| Novembro 652 580 4.060 55.083


|| Dezembro 658 582 4.074 59.157
1917 Janeiro 541 418 2.926 62.083
|| Fevereiro 344 244 1.708 63.791
|| Março 90 70 490 64.261
|| Abril 55 49 343 64.624
|| Maio 59 50 350 64.974
|| Junho 116 100 700 65.674
|| Julho 127 106 742 66.416
|| Agosto 161 119 833 67.249
|| Setembro 259 202 1.414 68.663
|| Outubro 283 242 1.694 70.357
|| Novembro 331 270 1.890 72.247
|| Dezembro 334 268 1.876 74.123
1918 Janeiro 333 285 1995 76.118
|| Fevereiro 262 230 1.610 77.728
|| Março 158 118 826 78.554
|| Abril 153 114 798 79.352
|| Maio 159 121 847 80.199
|| Junho 124 93 651 80.850
|| Julho 110 80 560 81.410
|| Agosto (até 15) 71 34 238 81.648

Media Mensal 81.648 2.241


34
Fonte: Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°8.
Relatório final dos serviços realizados. Anexo relativo a movimentação do pessoal na obra do açude Patos. 26 de
setembro de 1918

Nesse Quadro, visualiza-se a situação da movimentação do pessoal operário,l nas


obras do açude Patos. Pode-se perceber o quanto era grande o número de trabalhadores no
início da obra até fins de março de 1916, quando caem as primeiras chuvas, e como esse
número vai diminuindo ao ponto de se tornar insuficiente para o prosseguimento das obras,
em fevereiro de 1917, com a abundância de chuvas. A situação melhorava quando passavam
os meses iniciais, relativos ao período de plantio, mas a obra volta a sofrer com a escassez de
braços logo que se aproximam os meses chuvosos de 1918.
95

Os engenheiros dos açudes já sabiam que, nos anos chuvosos, existia essa carência de
operários, e, assim, lutavam para manter os trabalhadores na obra para poder concluir o
objetivo. Os trabalhadores tinham consciência disso e, desse modo, conseguiam reduzir a
jornada de trabalho de 10 para 7 horas e meia de trabalho e elevar o valor da diária. O
engenheiro alegava que: “de janeiro em diante, com as chuvas”, precisaria “elevar mais as
diárias, a fim de poder operar com certo numero para o prosseguimento e acabamento das
obras”.168

Alem das oscilações entre a abundância e a carência de mão-de-obra, os dados da


Tabela revelam outra problemática. Números intrigantes aparecem referindo-se a pessoas
socorridas durante a construção e o montante final. Que pessoas são essas? Como e por que
eram acudidas?

Os membros da família dos trabalhadores eram considerados como pessoas assistidas


pela política de socorro aos retirantes da Obras Novas Contra as Secas. Somavam-se a esse
número também as mulheres e as crianças que trabalhavam nas obras. Estes eram numerados
pelo escriturário da obra separadamente dos outros operários169. A proporção era de cerca de 7
pessoas auxiliadas pela remuneração de cada trabalhador, o que pode se verificar quando é
dividido o número de pessoas socorridas em cada mês pelo número de trabalhadores dentro
das obras. Mas o número final de pessoas socorridas merece questionamentos, pois o número
final equivale ao total de indivíduos auxiliados somando todos os meses. Ocorre que não
havia uma rotatividade assídua de trabalhadores, os operários não eram substituídos quando
findasse um mês de trabalho, assim, as pessoas socorridas num determinado mês podiam ser
também as já auxiliadas em outros meses. Fora isso, deve-se levar em consideração que
muitos ficavam ao redor do açude, conquistando algum tipo de auxílio. Estes também
entravam nesse número. Sobre os que ficavam em volta do local da construção diz o
engenheiro- chefe:

Em volta do local posso dizer, sem exageros que estão 1600 pessoas(,) e
tenho recusado um numero incalculável, os que se revoltam tenho mandado
fornecer uma quantia em gêneros... para dar comida e assim para evitar que
se aglomere no local um grande número de pessoas170

168
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°8.
Relatório dos serviços realizados de outubro a dezembro, enviado pelo engenheiro Rômulo Campos. 14 de
janeiro de 1918.
169
[ quadro de mulheres e meninos trabalhadores em anexo]
170
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Caio Prado
n°1. correspondência enviada pelo engenheiro Rômulo Campos. 26 de novembro de 1915.
96

Os retirantes que eram recusados nas obras pressionavam e conseguiam medidas


como recebimento de gêneros alimentícios. No discurso do engenheiro, mais uma vez, é
verificado o medo de aglomerações humanas. Em outro documento, o engenheiro justifica a
ação de distribuir trabalho e esmolas pelo medo de sofrer agressão física dos famintos.

fiz inclusão das quantias despendidas com o trabalho e mulheres e crianças


e das esmolas dadas as pessoas que pelo elevado numero não podiam mais
admitir no serviço. Já vos expliquei por que assim procedi: não havia outra
solução a tomar, por conta de sofrer por parte dos famintos agressão
qualquer.171

Era manifesto o medo da multidão de retirantes. Os conflitos gerados pelo


ajuntamento de retirantes levavam a um receio de um “levante geral da pobreza”. “Neste
clima em que imperam a fome, os desmandos, os crimes e os caos”, surgiam os conflitos.
“Sinais de uma reação coletiva começavam a aparecer172”. Os trabalhadores, dessa forma,
mediante o temor despertado, assumiam uma posição de sujeitos atuantes, fosse requerendo a
manutenção na obra, fosse saindo do trabalho das construções de açudagem.

3.3.2 QUALIFICANDO A LABUTA.

é um subproduto, é um homem tarado, entibiado e frouxo, é uma endemia


andante, macilento e esquálido. É sempre o portador de milhões de morbus,
mais ou menos virulentos em seu sangue depauperado. 173

Quando findava a obra, os relatórios finais mencionavam com frequência impressões


sobre os resultados dos trabalhos dos obreiros. Deficiências nas obras eram atribuídas ao
“fraco esforço operário”. Quando as obras do açude Caio Prado, por exemplo, foram
condenadas, um dos motivos apresentados foi o “estado de fraqueza” dos trabalhadores,
“apresentando um rendimento muito inferior ao que seria de esperar de homens em condições
de inteira atividade”.174

171
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Caio Prado
n°1. documento avulso enviado pelo engenheiro Rômulo Campos sobre trabalhos realizados.
172
NEVES, Frederico de Castro. A multidão na História. Op. Cit. 39
173
GUERRA, Felipe. Ainda o Nordeste. Op. Cit. P.16
174
Aarão Reis. Relatório de obras novas. Op. Cit. 150
97

O engenheiro Rômulo Campos, no relatório final do açude Patos, alega que, em 1915
até fins de 1916, não conseguiu resultado compensador do pessoal operário. De acordo com
ele, isto aconteceu não só pela falta de forças devido à alimentação, mas também em
consequência do “pouco esforço de todos os chamados trabalhos do governo”( grifo dele). O
engenheiro explanava que o operário do Nordeste só procurava serviços em obras do governo
quando “acossados pela seca” e por isso não tinha “o habito do trabalho disciplinado”. No
entanto, ressalta que mesmo “pouco diligente”, o operário, era, em geral, “inteligente
compreendendo com facilidade” seu ofício175.

De acordo com os engenheiros, o operário agregado na obra era barato, mas não podia
corresponder ao número empregado porque “a produção nessa época de depauperamento de
forças” era avaliada como menor em “50% do normal”. Os sertanejos que procuravam os
serviços da Inspetoria eram tidos como “menos dispostos ao trabalho, os mais fracos
trabalhadores da região.”

No geral, a fome qualifica os trabalhadores retirantes, nomeando-os como “fracos”,


mas não só a fome é tida como responsável pelo insuficiente resultado dos trabalhos, o “mau
costume” do pouco esforço nos trabalhos públicos era outro fator relevante. A obra era uma
assistência do governo, então, os operários podiam resistir ao sistema de trabalho nela
inserido. Outra dificuldade, segundo as fontes técnicas, que prejudicava o andamento das
obras, era a baixa designação do sertanejo para o trabalho disciplinado. Contudo, assim como
foi constatado na leitura de outros documentos, mesmo sendo visto como pouco “diligente”, o
operário aprendia com facilidade como executar as tarefas.

Essa idéia que associa a qualidade dos trabalhos dos retirantes à sua fraqueza física é
influenciada por um olhar cientifico bastante difundido, no final do século XIX e início do
século XX. Esse olhar qualifica a capacidade desses retirantes limitando-os pelo meio, “pelo
baixo índice cultural” e por “uma dieta insuficiente para um desenvolvimento físico
completo”. De acordo com Frederico de Castro Neves, generalizou-se “a percepção de uma
decadência ou de uma degeneração física e moral por conta da miséria da fome, das agruras
da migração” sobre os “refugiados das secas”. Os “atos violentos ou bárbaros” passaram “a
ser vistos como resultado dessa degeneração”.176

175
Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°8.
Relatório final dos serviços realizados enviado à Superintendência de Obras Novas Contra as Secas pelo
engenheiro Rômulo Campos. 26 de setembro de 1918.
176
NEVES, Frederico de Castro. Op.Cit. p. 93
98

O sertanejo era desqualificado fisicamente e moralmente por conta de sua condição


natural e mais debilitado ainda se fossem consideradas as experiências dos horrores das secas.
Inferiores “pela raça e pelos costumes”, “a combinação com o momento de seca o institui
simbolicamente como criatura inferior capaz de atos bárbaros, em momentos de
dificuldades”177.

No final do século XIX e inicio do século XX, são bastante difundidas as idéias
compartilhadas pela literatura que associam o homem ao meio. De acordo com Tomás
Pompeu Sobrinho, os “martírios e sofrimentos” resultantes do “meio físico anormal”
despertavam nos retirantes “perturbações psíquicas” como: “depravação”, “prostituição”,
“toda espécie de vícios e crimes”, desde o “roubo simples” “até a antropofagia178”. Já Rodolfo
Teófilo alega que isto ocorre porque

“a miséria a anestesia muitos sentimentos puros, sentimentos do


homem educado, quanto mais os sentimentos dessa gente, cuja moral não foi
cultivada. Exigir desses mestiços – seres inferiores pela raça, pela falta de
educação doméstica e cívica, criados na satisfação de sua índole má, péssimos
instintos, na prática de atos reprovados, – ações nobres é a maior das
inefabilidades.”179

As idéias de mestiçagem, raça inferior, determinismo do meio são somados aí a seca e


as misérias decorrentes da estiagem, reforçando a imagem do retirante como um sujeito
reprovado moralmente e eticamente diante da sociedade. A miséria da seca agravaria os maus
instintos e a péssima índole e conduziria os retirantes a ações reprováveis.

Em um relatório o engenheiro menciona que não houve “conflitos” ─ nas fotografias,


a aparência era de que reinavam a disciplinas e a ordem. Contudo, o que eram as “avalanches
de flagelados” registradas no início das obras? E por que eram tão frequentes as
correspondências notificando o temor de amotinamentos? Fora os outros transtornos
provocados pela recusa ao trabalho, rebeldias na tentativa de se manter trabalhando, pelo
ritmo da jornada dos operários, entre outros.180

A frequência com que os trabalhadores aparecem na documentação e com que é


noticiada a ocorrência ou possível ocorrência de conflitos já denota a significante
preocupação dos poderes públicos com a multidão de retirantes. À medida que esse quadro

177
Idem. Ibdem. p. 93
178
SOBRINHO, Tomás Pompeu. O problema das secas. P. 27.
179
Teófilo. Rodolfo. A seca de 1915. Op. Cit. 83
180
Algumas fotos em anexo.
99

conflituoso se desenvolvia, aumentava também a cobrança ao Poder Público de solução do


problema da seca e do combate ao “flagelado”. Manter esses conflitos dentro de espaços
como as obras públicas, abarracamentos e outros espaços de segregação era uma estratégia a
ser seguida.

3.4 AGINDO.

A cada seca aumentava a desconfiança geral contra os retirantes, sendo pensadas


diferentes políticas de combate ao problema. Os retirantes foram vistos como um estorvo,
como um embaraço às condições de progresso de uma sociedade que se pretendia moderna, e
os serviços em obras públicas de açudagem, em 1915, configuram-se num leque de
possibilidades para enfrentar essa questão na seca. Então, o trabalho nas obras públicas, como
se procurou demonstrar, consistiu mais em combate ao retirante do que uma ação contra a
seca – leia-se escassez de água.

Outra observação que merece reforço é que partindo do pressuposto que os retirantes
representavam mais um perigo à ordem pública do que aos valores do trabalho, essas obras
simbolizavam mais uma preocupação em ocupar e manter afastados os retirantes e menos uma
inquietação para a educação do trabalho. Até porque o ocioso também figurava uma ameaça à
moral e aos bons costumes.

A passagem de camponês a retirante foi dificultosa e a de retirante a operário trouxe


uma multiplicidade de experiências aos trabalhadores do campo em épocas de calamidade.
Numa situação de emergência, os trabalhadores de açudagem foram postos diante de um novo
cotidiano, enfrentando um rigoroso ritmo de trabalho, onde o serviço difícil e mal pago era
tido como exigência para o merecimento da assistência social, não obstante as péssimas
condições de higiene e alimentação.

Contudo, mediante as experiências acumuladas em outras secas, pouco a pouco, esses


sujeitos abandonaram a prática de recorrer à caridade particular e passaram a exigir
coletivamente os auxílios do governo. Com sua presença em forma de “avalanche” numa
seca, os trabalhadores exerceram pressão e passaram a exigir uma solução diante da
calamidade. As estratégias foram pensadas na forma de distribuição de gêneros alimentícios,
esmolas, ocupação em obras do governo, abarracamentos, etc.
100

A seca de 1915 serviu para fortalecer a imagem dos retirantes como sujeitos de
desordem, causando medo e temor, e os próprios trabalhadores retirantes reverteram isto em
barganha para garantir o direito à sobrevivência. Os trabalhadores retirantes não ficaram
passivos, pois reivindicavam o direito ao trabalho e, portanto, à vida, em vários momentos do
processo de construção da obra, resistindo à dura lida, por exemplo, quando abandonavam as
frentes de serviços, normalizada a situação climática, ou quando conquistavam o aumento das
diárias.

Como se observa a seguir, a caridade prestada pelos engenheiros existiu, mas não se
pode enxergar os retirantes na forma de inativos “coitados” e “desvalidos flagelados da seca”
à espera dessa caridade. Dentro desse processo não esperaram que a assistência chegasse e
sim recorreram a ela. Os retirantes passaram a exigir socorros do governo, mudando o caráter
de suas ações, podendo ser compreendidos como sujeitos ativos. Pausadamente as práticas e
experiências se modificaram e o que era um favor foi percebido e defendido como direito.
101

4. E OS COMPASSOS: ENGENHEIROS NA LIDA COM A SECA E SEUS


PROBLEMAS.

Posto – como se acha já – em equação o magno problema, nada há


mais a fazer do que resolver-lhe equações, tarefa prática que cabe
– nessa terra de maravilhas – aos que sabem fazer dinheiro e aos
que sabem fazer engenharia. 181

A calamidade da seca – chamada na citação de magno problema – foi posta como


desafio aos homens letrados, dentre eles, engenheiros. Estes profissionais, crentes em ideais
de desenvolvimento, civilização e progresso, acreditavam que, com seu saber, podiam
resolver os mais diversos problemas, inclusive os consequentes de uma calamidade climática.

Existia o pensamento de que muitos problemas do Brasil poderiam ser remediados


com obras públicas, já que, os centros urbanos estavam crescendo e eram necessárias muitas
obras de infraestrutura, como rede de esgotos, iluminação pública, saneamento e
embelezamento. O trabalho nestas obras estavam entre as principais atividades dos
engenheiros na cidade. Fora isso, eles também eram empregados na construção de estradas,
fiscalização de obras, setor ferroviário, na docência, em cargos burocráticos e outros.

Fortaleza, na década de 1910, ainda passava por reformas urbanas: a multiplicação de


bondes, de automóveis, calçamento de ruas, aformoseamento de praças182. Atrelada a essas
obras não somente os ideais de embelezamento, saneamento sobreviviam, mas também a
valorização de novos valores e comportamentos. Isto tudo conflitava com a crise da seca e a
figura do retirante. Era preciso combater as estiagens prolongadas. A Inspetoria de Obras
Contra as Secas, a Obras Novas, protagonizada pelos intelectuais engenheiros, tiveram
significativa atuação.

Neste capítulo, discorre-se sobre quem era o engenheiro da Obras Novas, tratando de
sua tentativa de levar a obra de modo cientifico e dos descompassos gerados nessa trama,
quando é posto diante de um problema diferente do que estava acostumado: a lida com a seca
e os retirantes.

181
REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p. 246.
182
Para saber mais sobre a Belle Époque em Fortaleza leia: PONTE, SEBASTIÃO Rogério. Fortaleza Belle
Èpoque: Reformas Urbanas e Controle Social. Fortaleza. - 3ª Ed. Edições Demócrito Rocha, 2001.
102

4.1 OS ENGENHEIROS DAS SECAS.

Para obter o título de “engenheiro da seca”, “era suficiente andar de polainas e chapéu
183
de engenheiro e passear sempre em automóveis da repartição.” Essa nomenclatura era
dada, também, pelos sertanejos a profissionais que exercessem alguma função técnica ou
administrativa na Inspetoria de Obras Contra as Seca (IOCS) ou em trabalhos a ela
relacionado.

O Estado, mediante as obras de melhoramentos públicos, foi o principal empregador


dos engenheiros no início do século XX. Estes profissionais estavam baseados na crença de
que este intelectual detinha um saber apropriado tanto para administrar os aparelhos estatais
quanto para zelar também pelo bem público. É interessante pontuar que José Luciano de
Mattos Dias indica como marco para uma forte inserção dos engenheiros nos aparelhos do
Estado o ano de 1909. De acordo com ele, isto ocorreu porque nesse ano foi regulamentada
uma importante área de atuação técnica, o Ministério da Viação e Obras Públicas (MVOP)184.
É relevante lembrar que, em 1909, foi também o ano de criação da Inspetoria de Obras Contra
as Secas (IOCS).

A IOCS, vinculada ao MVOP, ocupou em seu quadro de profissionais muitos


engenheiros, formados em importantes escolas de engenharia existentes no país. Os
profissionais eram arregimentados, entre outros, da Politécnica do Rio de Janeiro, da Escola
de Minas de Ouro Preto e da Escola Politécnica de São Paulo. Da Escola Politécnica do Rio
de Janeiro185 vieram engenheiros como: Aarão Reis, inspetor da Comissão de Obras Novas
Contra as Secas, André Rebouças, Pereira Passos, Saturnino de Brito e outros. E da Escola de
183
GUERRA, Felipe. Ainda o Nordeste. Natal. Typ. D” a republica”. 1927. p.5.
184
DIAS, José Luciano de Mattos. Os engenheiros do Brasil. IN: GOMES, Ângela de Castro(org). Engenheiro e
economistas: Novas elites burocráticas. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1994. P. 29
185
A antiga Academia Real Militar, de onde descende a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, foi fundada em
1810, passando a denominação de Escola Central, em 1858, quando começou a receber alunos não-militares.
Finalmente, em 1974, adotou a denominação francesa de Escola Politécnica, sendo transferida do Ministério do
Exército para o Ministério do Império. “Funcionavam na escola seis cursos: o geral, o de ciências físicas e
matemáticas, o de ciências físicas, o de engenharia civil, o de ouro de minas e ainda outro de artes e
manufaturados. Os três primeiros cursos tinham cada um a duração de 2 anos, os restantes de três anos. A
aprovação nos dois primeiros cursos especiais levava ao título de bacharel, com defesa de tese ao de doutor,
alem da obtenção de uma carta de habilitação. A conclusão dos demais cursos especiais dava o título de
engenheiro”. Nessa instituição houve a predominância da engenharia civil, mas, de acordo com Simon
Schwartzman, isto não denotava que a “escola fosse particularmente competente” para a “formação
especializada nas técnicas mecânicas ou de construção, ou para o estímulo da competência nas ciências físicas e
naturais,” já que, na escola, havia poucas aulas práticas e pouco trabalho de pesquisa. Diferentemente, a
Politécnica de São Paulo, criada em 1814, atingiu um nível mais técnico e especializado. Foi criada tendo em
vista o desenvolvimento de um sistema ferroviário para o interior do estado e sua lavoura cafeeira.
SIMON SCHWARTZMAN. A força do novo: por uma sociologia dos tempos modernos. Disponível em:
http://www.schwartzman.org.br/simon/redesc/novo.htm#O%20Iluminismo%20Cient%C3%ADfico%20n
o%20Brasil.
103

Minas de Ouro Preto 186 veio o primeiro inspetor de Obras Contra as Secas, Arrojado Lisboa.
Estas instituições brasileiras de ensino de engenharia tiveram bastante influência das
Politécnicas da França e, como nos moldes da tradição francesa, as escolas brasileiras
acreditavam que a sociedade poderia ser gerida e planejada por engenheiros.

No caso da Obras Novas, muitos profissionais foram arregimentados também da


Escola Politécnica da Bahia187. Rômulo Campos, o engenheiro responsável pela construção do
açude Mulungu, em Itapipoca, do Caio Prado em Santa Quitéria188 e do Patos em Sobral,
principais açudes estudados para esta pesquisa, cursou engenharia civil em Salvador. Além de
Rômulo Campos, Floro Freire, responsável pelo açude Parazinho; Américo Nery, engenheiro-
chefe do açude Gauaiba e Abelardo dos Santos, que realizou trabalhos de fiscalização e
reparos em açudes da Obras Novas, também vieram da Politécnica da Bahia.

Mediante a análise do histórico escolar de Rômulo Campos189 enquanto aluno de


engenharia civil da escola da Bahia, entre os anos de 1906 e 1911, pode-se perceber as
preocupações dessa escola na formação dos engenheiros e o currículo diversificado dos
alunos. O currículo da Escola Politécnica da Bahia tinha disciplinas teóricas e práticas. Fora
isso, não era somente o saber técnico que vigorava, mas também matérias de direito e
economia política eram ministradas, mostrando que um engenheiro deveria ter a preparação
voltada para o racional, à técnica e à prática, mas também para o social e à política. As
diferentes disciplinas que um aluno dessa escola estudava mostravam como a ciência da
engenharia tinha a preocupação com a apreensão de uma multiplicidade de saberes, não
focando em apenas um ramo.

Os engenheiros tiveram presença significativa na história do Departamento Nacional


de obras Contra as Secas (DNOCS) de onde descende a IOCS. Dentro dessa instituição, esses
profissionais atuaram no semiárido, ocupando cargos técnicos e desempenhando também
funções administrativas e burocráticas. Eram dados aos engenheiros desde o cargo de inspetor

186
Em 6 de novembro 1875, foi criada a Escola de Minas de Ouro Preto, que teve como primeiro diretor Claude
Henri Gorceix. Segundo José Murilo de Carvalho, aliando a teoria à prática, o ensino da Escola de Minas tinha
uma preocupação com o conhecimento da realidade brasileira e com o desenvolvimento da criatividade e do
espírito de investigação. Sobre a Escola de Minas de Ouro Preto ver: CARVALHO, Jose Murilo de. A Escola de
Minas de Ouro Preto: o peso da glória. 2ª ed. rev. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002.
187
Fundada em 14 de março de 1897, a Escola Politécnica da Bahia recebeu influências da Escola Politécnica do
Rio de Janeiro. Para saber mais sobre a Escola Politécnica da Bahia, ver: COSTA, Cauby Alves da. Frutos da
Seara da Escola Politécnica. Salvador: P&A Gráfica e Editora, 2005. P.9
188
O referido engenheiro foi responsável pela reconstrução e conclusão da construção do açude Caio Prado.
189
Em anexo, uma tabela com as disciplinas cursadas por Domingos Rômulo da Silva Campos quando era aluno
da Escola Politécnica da Bahia.
104

ao de condutor de uma obra. 190 Eles trabalhavam na administração central na Capital Federal,
no cargo de inspetor; na seção administrativa, localizada no mesmo prédio da administração
central, desempenhando serviços de contabilidade, arquivos e demais serviços burocráticos;
na seção técnica, também localizada no mesmo prédio, trabalhando em serviços de preparação
dos projetos, orçamentos das obras, organizando “trabalhos a executar nos distritos, como
também a revisão das folhas de medição por estes enviadas, dos projetos e orçamentos”,
determinados pelo inspetor191. Estes profissionais eram ainda lotados em três distritos
“denominados 1º, 2º e 3º, localizados nas cidades de Fortaleza, Natal e Bahia,
respectivamente,”192 onde trabalhavam na organização, conservação e fiscalização dos
serviços.

Os engenheiros das secas mudavam de posição na hierarquia da IOCS de acordo com


a boa avaliação dos trabalhos realizados e o tempo de permanência na Inspetoria. Primeiro
eram admitidos como condutores193 de 2ª classe, depois passavam a condutores de 1ª classe e,
com comprovação de pelo menos três anos de prática na área, eram elevados ao status de
engenheiro de 2ª classe e, em seguida, a engenheiro de 1ª classe.

De acordo com o decreto 11.474, de 3 de fevereiro de 1915, na parte relativa às


atribuições e deveres dos empregados, ficam visíveis as diversas responsabilidades dos
engenheiros e condutores de obras da IOCS. Eram eles quem devia trabalhar na organização
das obras e na elaboração de estudos e trabalhos; na direção da “execução de obras
empregando o maior cuidado e exercendo a mais severa fiscalização”, para que fossem
executadas com “brevidade, perfeição e economia”; na “inspeção e fiscalização das obras”,
não esquecendo de prestar contas dos serviços realizados194. Um documento referente a todas
as atividades realizadas por Rômulo Campos, na Instituição de Obras de Combate às Secas,195
visualiza-se melhor a citação acima.

190
No organograma anexo a este texto, são listadas diferentes ocupações de funcionários da Inspetoria de Obras
Contra as Secas. Este esquema é necessário também para entender o funcionamento e a hierarquia da Inspetoria
das Secas.
191
Decreto 11.474, de 3 de fevereiro de 1915. Cap. 4 art. 54.
192
De acordo com o decreto 11.474, Art. 58, o 1º distrito compreendia os estado do Ceará e do Piauí; o 2º
distrito, os do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, e o 3º distrito, os da Bahia, Alagoas e Sergipe e,
ainda, o norte do de Minas Gerais.
193
Os condutores podiam ser ou não engenheiros formados, em alguns casos, assumiam as posições de
condutores os chamados “práticos”.
194
Os engenheiros e condutores de obras deveriam prestar contas dos trabalhos realizados, para isso enviavam
relatórios de trabalhos realizados, “um documento diário à sede do distrito e outro quinzenal à administração
central dos trabalhos”.
195
Arquivo do quarto distrito do DNOCS. Salvador-Ba. Fundo: Serviço de cadastro. Pasta: Domingos Rômulo
da Silva Campos. Histórico do engenheiro enquanto engenheiro da Instituição. Em 1911, um ano depois de
formado, o referido engenheiro é admitido como condutor de 2ª classe do quadro da IOCS, sendo promovido a
105

Os engenheiros da Obras Novas eram profissionais, “de preferência, do quadro efetivo


da inspetoria”, regulado pelo Ministério da Viação e Obras Públicas. Eles eram
196
“nominalmente designados pelo ministro ”. Aarão Reis, inspetor da Obras Novas, optou
por “aproveitar a prata da terra”, não convocando nenhum estrangeiro para executar os
trabalhos.197 Como já foi dito, boa parte dos profissionais veio da politécnica da Bahia e estes
engenheiros não tinham muito tempo de formados. Todos alcançaram os títulos de
engenheiros civis entre os anos de 1908 e 1912: Rômulo Campos (1910), Floro Freire (1908),
Américo Nery (1912) e Abelardo Santos (1911). A convocação preferencial de brasileiros
para as Obras Novas faz sentido quando se observa ao longo do discurso de Aarão Reis a
constante presença da defesa dos ideais de nacionalismo e patriotismo.

Os engenheiros foram peças importantes dentro do contexto que percebia a seca como
um estorvo no crescimento estrutural, econômico e político dos estados do Norte. Assim,
torna-se importante fazer esta ressalva quanto ao papel que os profissionais engenheiros
tiveram na constituição dos conhecimentos organizados sobre a temática da seca dentro das
obras de açudagem.

A tarefa do engenheiro era difícil, os conflitos eram numerosos, mas é importante


frisar que esse estudo não pretende elevá-lo a categoria de herói e nem a de marionete,
relatando feitos e mais feitos, nem de intelectuais enquadrados, inertes, numa doutrina. São
discutidas as ações e as pelejas nas obras e o que estas falaram deles mesmos e da sociedade.

4.2 O SOCORRO & A RACIONALIDADE TÉCNICA.

4.2.1 POSTURA CIENTÍFICA E DESCOMPASSOS.

condutor de 1ª classe em 1/1/1912. Em 1915, foi “designado a servir na Comissão de Obras Novas Contra as
Secas”. Depois de assumir a construção do açude Forquilha/Sobral, em 1919, por um ano, foi provido a
engenheiro de 2ª classe sendo responsabilizado pela construção de mais sete açudes públicos, duas estradas de
rodagem e outros serviços no Ceará. Em 1927, é dado ao engenheiro o cargo de chefe do 2º distrito e, em 1931, é
elevado ao posto de engenheiro de 1ª classe. Mediante a análise desse histórico, vê-se que Rômulo Campos ainda
recebe cargos administrativos de confiança antes de falecer, no ano de 1955. Ele foi chefe de seção de açudagem
e chefe da seção técnica.
196
REIS, A. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p. 32. Referente às Instruções para a execução de obras
contra as secas.
197
REIS, A. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., 12
106

Um engenheiro era um profissional que tinha preocupações técnicas e científicas em


suas obras. Acostumados a trabalhar em construções de estradas de ferro, portos e obras de
arquitetura, os engenheiros tinham dificuldades diversas ao chegar nos campos das obras
contra as secas198.

Isto ocorre porque, crentes em ideais positivistas, muitos tentavam seguir uma
natureza precisa e racional, inclusive procurando examinar cientificamente problemas sociais
como os decorrentes de uma seca. Por isso é interessante apreender, mesmo que sucintamente,
alguns traços do ensaio da postura racionalista dos engenheiros das secas e seus
descompassos.

É interessante relatar a tentativa de racionalizar a obra. Os anseios nesse sentido


existem desde a fase de preparação para os terrenos da construção do açude – a avaliação, a
seleção, a classificação e a projeção – até os trabalhos de reparos nas obras que antecedem a
entrega do açude finalizado. Essa preocupação é refletida tanto nas descrições presentes nos
projetos técnicos quanto no farto material iconográfico anexado aos relatórios, como plantas,
mapas, gráficos, fotografias. Os documentos iconográficos desta pesquisa são portadores de
reflexões acerca desses profissionais nesse momento, pois, como explana Helina Salgueiro,
“dentre as representações e realidades, lembramos que não apenas os textos são veículos de
teoria e imaginários profissionais”199.

Abaixo, a planta do açude Caio Prado.

198
SOBRINHO, Tomás Pompeu. O problema das secas. Op. Cit.p. 59
199
SALGUEIRO, Heliana Angotti. Engenheiro Aarão Reis: o progresso como missão. Op. Cit., p. 152.
107

Fonte: Relatório de Obras Novas Contra as Secas. Açude Caio Prado.


108

Antes que uma obra fosse iniciada, estudos preparatórios eram elaborados, o que
resultava num documento técnico de açudagem nominado memória justificativa. Nele, pode-
se encontrar: histórico deixado pela comissão de estudos do açude; considerações topográficas
(sítio e paisagem), discriminando se o terreno está apropriado para a construção de um açude
médio, pequeno ou grande; cálculos técnicos de tamanho, largura, altura, volume e materiais a
serem utilizados na construção; e estudos geográficos e geológicos. Além disso, existe na
fonte um orçamento dos gastos da obra, justificativa da construção deste e descrições das
atividades econômicas dos arredores do terreno do açude. Na memória justificativa do açude
Patos200, a pecuária era apontada como principal atividade da região. É exposto que não havia
“numa extensão de muitas léguas” terras “apropriadas à agricultura”, mas que havia pastagens
para o gado, apesar dos “anos de pouca chuva”.

Depois dos estudos preparatórios, chegado o momento do início da construção,


surgiam outros problemas. Um deles eram as dificuldades de compatibilidade do projeto do
açude com a obra a ser executada. Eram apontadas incoerências na “realidade geológica dos
terrenos”, diferenças nos cálculos das barragens, estudos topográficos equivocados, entre
outros. Grandes ou pequenos, eram necessários reparos nos projetos de açudagem para que
fossem iniciados. No açude Mulungu, “a execução das obras mostrou a existência de sensíveis
diferenças nas indicações desse projeto e o terreno... Tais diferenças mostraram logo a
necessidade de obras complementares não indicadas no projeto e orçamento”.201 No entanto, o
açude Mulungu não foi o único que precisou de alterações, todos os açudes da Comissão de
Obras Novas, construídos no Ceará, precisaram de alterações no projeto.

No decorrer da obra, outras dificuldades apareciam, envolvendo desde problemas


técnicos nas obras até questões que abrangiam hierarquia. No que diz respeito a
irregularidades nas obras, um caso particular chamou atenção na construção do açude Caio
Prado, em 1915. O orçamento inicial da obra desse açude era de 54.214$390, em 22 de
janeiro de 1916, três meses após o início da obra, Severino de Oliveira, condutor de 1ª classe
responsável pela obra, deu por finalizados os trabalhos. No entanto, na fiscalização da obra
realizada por Floro Freire e Rômulo Campos, foram constatados vários problemas.

Em telegrama de 12 de abril de 1915, endereçado ao engenheiro Severino de Oliveira,


Aarão Reis diz ter recebido “desagradavelmente o relatório de Floro Freire e Rômulo

200
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude Patos/Pasta
II. Memória Justificativa de 20 de setembro de 1911.
201
REIS, A. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., 98 e 99.
109

Campos”, que condenava o açude por “irregularidades na execução técnica”. Após a vistoria,
foi verificada a “urgente necessidade de modificar a obra, quer quanto às condições de
execução, quer quanto ao projeto, naturalmente baseados em estudos imperfeitos”202. As
falhas resultaram em fortes infiltrações na obra. Então, foi decidida a realização de reparos no
açude, no qual Rômulo Campos ficou responsável, sob alegação de que Severino de Oliveira
não podia mais “inspirar confiança”. No fim dos trabalhos, a despesa elevou-se a mais de
100.000$000.

Num relatório de justificação203 enviado ao chefe do 1º Distrito, Tomás Pompeu


Sobrinho, Severino de Oliveira faz uma defesa pessoal, explicando os motivos de algumas
irregularidades apontadas. O condutor alega que, durante a inspeção, “nada tinha a temer”, é
explanado que a inspeção foi mal feita e que os defeitos encontrados eram decorrentes do
projeto inicial e da natureza do local da construção. Sobre as obras que foram acrescidas na
barragem ele justifica na necessidade de atender “um pessoal numeroso que pedia esmolas de
trabalho”, alegando que não comunicou ao inspetor por acreditar que teria dele a
aprovação.204

Na análise desse processo, identificam-se mais algumas questões que ocorriam nas
construções de açudagem. As disputas por poder entre engenheiros, os excessos nas despesas
e as questões que envolviam o condutor da obra e o discurso do amparo ao retirante. Primeiro
o condutor Severino de Oliveira não comunicou ao inspetor Aarão Reis os problemas da
construção e a realização de obras excedentes no açude. Isto desagrada ao inspetor Aarão Reis
que lembra que as instruções deixam claro que não poderia haver “modificação do projeto a
executar” sem “a prévia aprovação do inspetor”205. Isto atinge os “brios” do chefe da
administração da Obras Novas, já que é demonstrado como dever dele a manutenção da
“disciplina nos serviços da Inspetoria.” Fora os conflitos existentes entre os engenheiros e o
inspetor, havia também as disputas que envolviam poder e saber entre os engenheiros, um
exemplo disso são os embates entre os que construíam a obra e os que faziam a fiscalização
final.

202
REIS, A. Obras Novas Contra as Secas.Op. Cit,. 150.
203
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude Caio
prado/Pasta II. Relatório de justificação apresentado ao engenheiro Tomás Pompeu Sobrinho.Memória
Justificativa 13 de junho de 1916.
204
A obra final do açude Caio Prado, depois de sua reconstrução por Rômulo Campos, foi entregue em 4 de
dezembro de 1917, um ano depois de iniciados os trabalhos de reconstrução. Severino de Oliveira morre antes
que finde o ano de 1916. As causas da morte não são encontradas em documento algum.
205
REIS, A. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p 35
110

Outro problema visualizado nos açudes da Obras Novas são os custos do açude. As
despesas eram sempre elevadas se comparadas aos projetos orçamentários iniciais. Alguns
açudes tiveram as contas excedidas em cerca de 100% do orçamento estudado inicialmente.
No açude Caio Prado o orçamento total era de 53: 214.390, no período primeiro da construção
do açude, a despesa elevou-se a 63: 281.564 – período em que o gestor da obra era Severino
de Oliveira. Com a condução do engenheiro Domingos Rômulo Campos, a despesa foi de
51:788$451. O custo final da obra do açude foi de 112:790$115. Em outros açudes, as cifras
também são elevadas, no açude Riacho do Sangue, localizado em Cachoeira, nos arredores de
Sobral, o orçamento era de 697:208$997 e o custo final foi de 1.210:603$467. No açude
Patos, os trabalhos foram orçados em 251:235$93 e dobrou sendo o custo final de
581:718$320.

A maioria das justificativas para os excessos é relacionada ao momento de


calamidade da seca e seus problemas sociais. A situação era colocada como atípica,
impossibilitando o enquadramento do orçamento previsto na obra. As fontes dos açudes da
Obras Novas não forneceram informações que indicassem possíveis desvios de verba do
dinheiro que era destinado a materiais de construção, auxílios aos retirantes, pagamento dos
trabalhadores e outros.

Dessa forma, compreende-se que havia muitos desacordos que envolviam


razão/competência e poder /administração, quando se ambicionava a gerência desta de forma
racional, evidenciando à distância o projeto inicial e as condições de realizá-lo, fora os
impasses entre as questões político-administrativas e os ideais científicos. O Inspetor da
comissão de Obras Novas, Aarão Reis, na fiscalização de obras do açude Quixadá, como foi
referenciado no I capítulo, alegava que “a mais severa economia, a melhor ordem
administrativa e o mais conveniente método de trabalho”206 eram pilares indispensáveis na
construção de obras. Entretanto, nas construções da Obras Novas, a situação operada foi de
encontro ao que era pregado pelo engenheiro Aarão Reis. Os problemas técnicos e
administrativos ratificaram impossibilidade de execução dos projetos diante da complexidade
de um canteiro de obra em plena seca.

Por fim, se as construções da Obras Novas eram justificadas para amparar os


“flagelados da seca” de 1915, o pretexto utilizado para amenizar muitos problemas que
ocorreram durante a construção do açude também eram os retirantes, desde o excesso de
gastos para incluir muitos trabalhadores até os prejuízos provocados pelos “fracos esforços”
206
SALGUEIRO, Heliana Angotti. Engenheiro Aarão Reis: o progresso como missão. Pó. Cit., p 140
111

dos operários. O intelectual do saber objetivo e neutro, baseado em leis invariáveis, sempre
justifica nos documentos a realização de obras contra as secas apontando para a questão
humanista de amparar os retirantes. A construção imediata do açude Mulungu, em Itapipoca,
é defendida porque, “aumentando, dia-a-dia, o número de flagelados pela seca de 1915”, era
preciso iniciar a obra no norte do estado para “auxiliá-los”. Isto ocorre porque o engenheiro
era um funcionário a serviço do governo, associando-se a este na gestão de obras públicas.
Dentro dessas obras os deveres paternalistas do Estado passavam aos engenheiros. As
problemáticas ocorridas, relacionadas à tentativa de empregar muitos retirantes nas obras,
configuram-se num dos principais embates do engenheiro das secas e recebem destaque no
tópico a seguir.

Assim, o descompasso marca as relações entre a racionalidade técnica da obra e sua


gestão. As discussões travadas entre profissionais na obra, as questões de hierarquia, as falhas
encontradas no açude já concluído, a diferença entre o orçamento e o custo final da obra e o
afastamento do chefe da obra, em alguns casos, evidenciam que os desentendimentos e as
dificuldades de administrar uma obra eram expressivos. “A racionalidade técnica segue,
muitas vezes, um ritmo mais rápido do que os das decisões do poder público, incapaz de arcar
com suas atribuições.”207

4.2.2 POSTURA HUMANÍSTICA E EMBARAÇOS.

Neste tópico, percebe-se o contraste ocorrido na pretensão em produzir uma


intervenção eficaz, baseada na ciência exata ante a realidade, que era bem diversa. Não apenas
as dificuldades técnicas, que foram demonstradas, representavam problemas a ser enfrentados
pelos chefes das obras, mas uma das problemáticas que fez levar adiante esta pesquisa foi
justamente questões de outras esferas, as que colocavam em desafio a postura do engenheiro
diante das problemáticas que envolviam os retirantes das secas, dentro e fora da obra.

Entre outras atitudes, o condutor da obra, nos momentos de grande calamidade, agiu
empregando trabalhadores em número maior em relação à necessidade desta. Os motivos que
levavam o engenheiro a tal atitude não pode ser limitado a uma só questão, pois a
documentação mostra que as razões para o emprego excessivo de braços nas obras eram
diversas e atuavam em conjunto.

207
Idem. Ibidem.,p. 147
112

No jornal Correio da Semana de Sobral é afirmado que o “ilustre engenheiro Dr.


Rômulo Campos” mantinha na obra “um pessoal muito superior às exigências do serviço,
com o intuito de melhor servir os interesses da pobreza”.208 Na construção do açude Patos, o
mesmo engenheiro, logo que foram iniciadas as obras, pediu permissão ao inspetor Aarão
Reis para “poder empregar maior número de trabalhadores” que afluíam “diariamente ao local
da construção”.
209
Em telegrama enviado no dia 6 de dezembro de 1915 , o inspetor “felicita” o
engenheiro Rômulo Campos, que ele bem “compreendia e desempenhava” a sua missão.
Mesmo assim, Aarão Reis afirma que “em todo caso” era preciso “não exagerar demais as
coisas procurando sempre manter quanto possível a proporção entre número trabalhadores e
[as] condições” de execução da obra. E, assim como no açude Patos, em outros açudes era
aconselhado pelo diretor da comissão manter um número coerente ao orçamento da obra.
“Não convém manter trabalhadores em número superior as necessidades das obras cujo
orçamento não deverá ser excedido210”. No entanto, em todos os açudes, os números de
retirantes trabalhando nas obras ultrapassaram em muito o planejado. Na construção do açude
Guaiuba, localizado em Pacatuba, o engenheiro Américo Nery, formado pela politécnica da
Bahia, assim como Rômulo Campos, alarmam que:

iniciando as obras do açude Guaiuba em plena seca de 1915... procurou


desenvolver o mais possível os trabalhos a seu cargo para poder dar serviço
ao grande número de flagelados que já encontrou no local das obras, quando
chegou ali nos primeiros dias de outubro.211

Como já foi feita menção no capítulo anterior, antes mesmo de serem iniciadas as
obras de açudagem, retirantes aglomeravam-se à procura de trabalho. Só a expectativa do
começo da obra já era suficiente para que muitos se alojassem nos terrenos onde seriam
realizadas as obras, procurando trabalho. Desde o início, o que fazer com a massa de
retirantes já se configurava num desafio para o engenheiro. Pode-se observar, através da
documentação, que essa problemática envolvia, sobretudo, os condutores das obras, já que
estavam em contato maior com os retirantes. Por causa da exposição a esse contato, eles
acabavam entrando em conflito, inclusive com o inspetor da comissão quando necessitava

208
Jornal o Correio da Semana, de 12 de julho de 1919.
209
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude Patos/Pasta
IV. Telegrama de 6 de dezembro de 1915.
210
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Pasta II açude
Caio Prado. Telegrama de 30 de outubro de 1915.
211
REIS, A. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit..,p 134
113

incluir mais trabalhadores em obras, pois Aarão Reis não permitia o excesso de braços na
construção.

Diante da realidade da seca, precisando dar trabalho a muitos retirantes e recebendo


ordens da diretoria da comissão para não empregar muitos braços, sob alegação de não
extrapolar os orçamentos, os condutores das obras viviam um constante embaraço. Mas o que
evidenciam as correspondências trocadas é que os engenheiros das secas ocupavam mais
trabalhadores do que permitia o inspetor Aarão Reis. Rômulo Campos explana que era
dificultoso “ manter número de trabalhadores compatível ao orçamento”.212

É interessante refletir sobre o que levava os condutores de obras de açudagem a


empregar mais operários do que a obra podia comportar. As “avalanches de flagelados”
fazendo pressão era um motivo. Contudo, merece ser analisado, mediante as fontes, que, além
da pressão dos retirantes em busca de ocupação ser uma grande motivação para o emprego
excedente de mão-de-obra, um outro ensejo que levava engenheiros a tal atitude era a
“caridade” impulsionada pelo momento de crise.

A imprensa associava com bastante frequência as atitudes do engenheiro Rômulo


Campos a “nobres sentimentos de humanidade”. O jornal A Lucta, de 15 de dezembro de
1915, noticia que os engenheiros baianos213 tinham mais interesse pela “sorte dos cearenses”
que os próprios profissionais nascidos no Ceará. Em acréscimo, diz ainda que os
trabalhadores do açude Patos tinham “verdadeira veneração” pelo engenheiro Rômulo
Campos, “pela sua extrema generosidade e pela sua magnânima administração”. Outros
apontamentos também são encontrados no jornal A Lucta:

O Dr. Rômulo é um benemérito, é atencioso, honesto, de muito critério,


sobretudo de uma generosidade sem limites. Mais uma vez assisti lá
aniquilado, com as mãos na cabeça, por não poder minorar a aflição do
número extraordinário de famintos. 214

No início da construção do açude Forquilha, em 14 de maio de 1919, o jornal a Lucta


apresenta a instalação dos trabalhos e discorre que, “no 15, quando presidiu a construção do
açude Patos” o engenheiro-chefe “deu provas de generosidade e carinho para com os

212
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Pasta II açude
telegrama 11 de dezembro.
213
O jornal trata do engenheiro Rômulo Campos e do engenheiro Abelardo dos Santos. O último trabalhou na
construção do açude Tucunduba, pela IOCS, no mesmo período e região dos açudes Patos, Caio Prado e
Mulungu.
214
Jornal A Lucta de 10 de novembro de 1915.
114

famintos.” Outro jornal do período, o Jornal A Ordem215, também mostra estima por esse
engenheiro. Rômulo Campos era associado a “um cidadão possuidor dos mais delicados
sentimentos de filantropia... profissional de estatura moral”, reunindo a “vantagem de ser um
atento conhecedor do nosso meio, do nosso solo, do nosso operário, e, sobretudo, num
momento aflitíssimo como este, das necessidades amaríssimas de um povo açoitado.”

Não somente na documentação jornalística, entretanto, são encontradas referências ao


auxílio paternalista dos engenheiros, nas trocas de telegramas entre condutores das obras,
inspetor e autoridades locais e nos relatórios de trabalhos realizados, também são
visualizadas. Analisando-as, é percebível certo envolvimento dos engenheiros com aquela
realidade, canalizando esforços para mudar a situação, pedindo para recrutar mais
trabalhadores, pensando e discutindo maneiras e estratégias para tal. Os engenheiros referiam-
se aos retirantes como “pobres”, “coitados”, “vítimas”, “necessitados” de assistência por
conta da situação-limite. Eles tomam para si a missão do dever de amparar os retirantes,
evidenciando a seca e seus problemas como uma causa nacional. Rômulo Campos expõe em
relatório que:

Tenho procurado com máximo esforço, desempenhar a honrroríssima


missão que me foi confiada, auxiliando dentro do possível e humano a
população tenazmente perseguida pela natureza madrasta e zelando os
interesses da nação sob minha responsabilidade.216

Os engenheiros, motivados por sentimentos de caridade, envolviam-se com a situação


dos retirantes. Numa relação paternalista, estes profissionais, dentro das obras, assumem a
dívida do Estado em relação à obrigação do auxílio dos flagelados. Desde a seca de 1877
acontece uma “ruptura do pacto paternalista”, pois os coronéis deixam de assistir seus
trabalhadores, rompendo o “pacto tradicional de lealdade e apadrinhamento”. Modificadas as
relações de proteção nos momentos de secas, o dever de assistir aos retirantes passa ao
Estado, que, por sua vez, dentro das obras, é transferido para o engenheiro. “A ruptura do
pacto não representa a ruptura do tecido social e a ordem baseada nos termos da reciprocidade
ainda permanece forte, exercendo pressões e estimulando atitudes.”217

215
Jornal A Ordem, 9 de maio de 1919.
216
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos. Pasta III açude Patos. Relatório
de 25 de janeiro de 1915.Na pasta do engenheiro Rômulo Campos da 4º distrito, documentação pessoal tem um
telegrama de 5 de agosto de 1955 falando da morte e da falta deste, justificado pelos “40 anos que lutou na
repartição”, despertando admiração de todos que trabalhavam ao seu lado, desde colegas até o mais humilde
operário influenciados pelas faculdades espirituais, morais, da sua personalidade”.
217
NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massas no Ceará. Op. Cit.,
p.101
115

Outro fator que se deve considerar é o contexto do início do século XX. A figura do
técnico detentor de um “saber privilegiado” difunde a idéia desse profissional como alguém
capaz de romper com o atraso e criar riqueza, acreditando que este estaria apto a resolver
problemas sociais. O engenheiro representava um novo tipo de intelectual, vigorava a idéia
que a sociedade poderia ser planejada e governada por engenheiros, que tinham competência
de conduzi-la e torná-la melhor. De acordo com Simom Schwaartzman, “a doutrina positivista
garantia aos engenheiros brasileiros que eles tinham o direito e a competência para governar a
sociedade e sob sua direção torná-la melhor e mais civilizada218”. Os engenheiros, como
discorre Ângela de Castro Gomes, “constituíam uma elite de bacharéis possuidora de uma
cultura humanística, nos moldes da ilustração, quanto de uma tradição política familiar que as
habilitava para o desempenho parlamentar e/ou para o serviço público. 219”

Num parecer ao Clube de Engenharia, Aarão Reis, tratando sobre a solução da seca
como responsabilidade da engenharia, alega que: deveria residir a esperança na “coragem
estóica” e na “resignação evangélica” na lida “contra o inimigo periódico”, tal quadro se
converteria “graças à continuidade da ação energética da união... numa rápida e progressiva
elevação do nível médio generalizado de conforto e bem estar, isto é de civilização.” 220

Estes profissionais acreditavam que a luta contra a seca era uma luta contra um inimigo
do progresso da nação, seria necessário coragem, paciência e continuidade da ação para
solucioná-la. A seca, no pensamento dos intelectuais que geriam as construções da obras
Novas e a IOCS, era personificada como “ente” social, sujeito. Os retirantes eram atores
coadjuvantes, o atraso e a pobreza inerente a estes eram resultado da calamidade climática.
Então, era preciso combater essa oponente nomenclaturada seca e assim resolver os mais
diversos problemas da região semiárida, inclusive os agregados aos sertanejos.

Aarão Reis põe na responsabilidade dos engenheiros a resolução do problema por


acreditar que, com seu saber diverso, estes profissionais poderiam resolver muitos problemas
do país, no caso, na região semiárida, eles estariam à frente da dominação da natureza,
resolvendo inclusive as questões sociais mediante a chamada “solução hidráulica”.

218
SCHWAARTZMAN, Simon. Um espaço para a ciência no Brasil. A formação da comunidade cientifica no
Brasil. Brasília: Ministério da Ciência e da Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos. 2001.P. 88.
219
GOMES, Ângela de Castro(org). Engenheiros e economistas: Novas elites burocráticas. Rio de Janeiro: Ed.
Fundação Getúlio Vargas. 1998. P.32.
220
REIS, A. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p 246. O documento apontado na citação está anexado ao
referido Relatório sendo nominado “As secas do nordeste - Parecer submetido na sessão de 5 de agosto de 1919,
ao conselho diretor do clube de engenharia sobre as secas periódicas a que esta sujeita a região semiárida do
Nordeste brasileiro pelo Dr. Arão Reis.
116

Não somente para incluir mais trabalhadores os engenheiros contrariavam ordens


vindas da inspetoria; em outros momentos, também se percebem as ações dos engenheiros em
prol dos retirantes. Observando as instruções para execução da Obras Novas Contra as
Secas221, foi possível perceber que outros conflitos relacionando engenheiro, trabalhador
retirante e chefia da comissão aconteciam. Vê-se o ponto de número XVIII do manual de
execução da obra: “para assistência medica e farmacêutica deverá o profissional encarregado
a recorrer o governo do estado.” Ou seja, no que concerne aos trabalhadores que ficassem
doentes, era responsabilidade do Estado, mas não existiam postos médicos nos locais
próximos às construções, já que as obras estavam localizadas no interior dos estados, distantes
dos núcleos urbanos, a medida a ser tomada era a exclusão do operário não recebendo nem a
alimentação do dia.

No açude Patos, em Sobral, no entanto, o condutor Rômulo Campos prestou socorro


aos trabalhadores que adoeceram. Como é verificado no telegrama abaixo, não só foi
colocado um farmacêutico a favor dos retirantes como também foi posta à disposição uma
ambulância, contrariando visivelmente a disposição XVIII das instruções a serem executadas
na construção da Obras Novas Contra as Secas, citada anteriormente.

Na construção existe um farmacêutico e uma ambulância para os socorros


de momento e tratamento do pessoal, distante dos lugares habitados e,
portanto do auxilio médico e farmacêutico, fui obrigado a tomar tal
resolução que peço aprovar. De mais falei com presidente do estado que
disse manter um médico222.

Outro caso interessante e que merece ser pontuado ocorreu no Rio Grande do Norte,
onde a comissão também atuava. O condutor da obra do açude Saco, em Mossoró, procurou
atenuar a disposição regulamentar, quando um retirante ficou doente em serviço. Sendo a
assistência médica, de acordo com as instruções, um dever do Estado, o trabalhador retirante
que adoeceu e não pôde mais executar suas tarefas deveria ter sido dispensado, mas o
engenheiro do açude Saco o incluiu na folha de pagamento. Durante uma semana, o
engenheiro mandou que o nome do operário, retirante fosse “apontado em folha de
pagamento, para receber seu minguado salário. Não seria possível deixar ao abandono esse
flagelado, que vivia em seu rancho, com sua mulher e seis filhos, crianças”. O engenheiro foi

221
REIS, A. Obras Novas Contra as Secas. Op. Cit., p. 32-35.
222
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude Caio/Pasta
I Prado. Documento relativo ao açude Patos enviado pelo engenheiro Rômulo Campos, em 26 de janeiro de
1916.
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. Op. Cit.,p.15.
117

dispensado pela comissão por ter tomado tal atitude de proteção ao trabalhador e para se
retirar teve que vender suas jóias.

Quem averiguou tal caso do açude Saco, localizado no Estado do Rio do Grande do
Norte, foi Felipe Guerra que, no ano de 1915, residia em Mossoró e ocupava o cargo de juiz
de direito da comarca. Esta situação mostra como as questões aqui discutidas, envolvendo
trabalhadores retirantes e engenheiros, não se limitavam aos açudes estudados nesta pesquisa
e nem também se restringiam ao Ceará.

Então se vê o quanto era ambígua a política desenvolvida pela Comissão de Obras


Novas para combater a seca de 1915. As disposições de várias obras instaladas por diversos
pontos dos estados semiáridos eram justificadas para escoar água e também para socorrer os
sertanejos que estavam sem trabalho. Pressupõe-se que num momento de crise climática
muitos chegavam às obras enfraquecidos, vulnerável a doenças, se as obras eram medidas de
socorros para combater a fome e o flagelo, como punir com exclusão do trabalho tais
operários? E como explicar o tratamento dado a muitos engenheiros que, de alguma forma,
agiam tentando amenizar alguma situação de sofrimento dos operários?

No entanto, no concerne ao tratamento dado aos retirantes das secas, as instruções


apresentavam outra restrição. Na instrução de número V, é informado que “nem um
fornecimento em gêneros para alimentação, ou artigos de utilidade qualquer, será feito
diretamente aos trabalhadores”. Como já foi explicado, funcionava o sistema dos vales que
eram trocados por alimentação com os fornecedores. Esta instrução, de certa forma,
prejudicava os trabalhadores, pois existiam muitas reclamações envolvendo as explorações
realizadas pelos fornecedores. No Jornal a Lucta, de 10 de novembro de 1915, no entanto, é
noticiado que um ato do engenheiro chefe do açude Patos “merecia aplauso”, pois este tinha
estabelecido “15 % de lucro aos fornecedores, impedindo que o faminto fosse vítima da
agiotagem”. No jornal A Lucta, de 10 de novembro de 1915, um fornecedor alega que não é
“rendoso” ter Rômulo Campos como engenheiro do açude, pois ele tinha inventado “um litro
maior do que trabalhamos e estabeleceu um preço nos cereais” que quase não compensava.
Em outros açudes construídos em períodos similares e próximos ao açude Patos também
houve conflitos envolvendo o fornecimento de gêneros alimentícios, é o caso do açude
Tucunduba, localizado no município de Santana, onde é alegado que o operário gozava de
“vantagens relativa ao fornecimento de gêneros”.223

223
Existe uma pesquisa em andamento sobre a relação dos fornecedores com engenheiros nas obras públicas
sendo desenvolvida por Aline Silva Lima.
118

Num relatório de serviços realizados224 é informado pelo condutor Rômulo Campos


que, no local, existiam diversos fornecedores abastecendo os trabalhadores, mas que ele
estava lutando para que houvesse “liberdade de fornecimento, não dando preferências”,
exigindo a “venda de gêneros de boa qualidade”. Essas passagens também informam certo
envolvimento do engenheiro com as causas ligadas diretamente aos trabalhadores da
açudagem.

Mediante a leitura e problematização das instruções e confronto destas com as


correspondências que eram trocadas, entre o engenheiro da obra e o inspetor da comissão,
pôde-se avaliar que, no que se refere às instruções, no geral, visavam à organização
burocrática dos serviços. As disposições relativas aos operários iam quase sempre de
encontro ao discurso de Aarão Reis, que alegava a realização das obras para também amparar
“as vítimas da calamidade cruel”, como foi mencionado, mas, como foi visto, estas instruções
não foram executadas em vários momentos nas obras.

Isso ocorre porque o profissional da engenharia, em tese neutro, “donos da razão”,


eram também homens como outros, então, com sentimentos, que enfrentaram problemas nas
obras diante do novo mundo do trabalho, lidando com centenas de trabalhadores, retirantes
famintos...e sentiam obrigação de dar uma resposta a tudo isso.

O interesse pelo auxílio aos retirantes ocorreu porque os engenheiros acreditavam que o
uso da ciência positiva nas obras públicas, em áreas de estiagem, gerava a possibilidade de
civilizar os habitantes do sertão, especialmente, os miseráveis e os trabalhadores. Era a chance
para eles – era o que se pensava – superarem a preguiça e despertar para o sentimento de
desejo de prosperidade. Na aurora da República brasileira – e mesmo depois – os engenheiros
da IOCS carregavam essas aspirações, acreditando que estavam destinados a contribuir com a
essa missão, mediante seus métodos, suas técnicas e sua eficiência. Enquanto objetivavam
implementar mecanismos para combater a seca, também lutavam contra o atraso e a
ignorância.

Ficou entendido, dessa forma, que o engenheiro viveu um impasse dentro da Obras
Novas. As questões técnicas representavam desafios. Isto é refletido na tentativa de elaborar
um bom projeto para as obras, no esforço de realizar trabalhos preparatórios e verificar a
aplicabilidade dos projetos, entre outros. No entanto, é notável também que esses embaraços,

224
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude Patos/Pasta
III. Relatório de 25 de janeiro de 1915.
119

em parte, foram provocados pelos retirantes: elementos imprevisíveis que os planos


“científicos” não previam, forçando mudanças no cotidiano das obras. Assim, ao mesmo
tempo em que esteve diante do dever técnico da produção da obra de maneira racional,
presenciou um quadro calamitoso, submetendo-se a práticas costumeiras do paternalismo e
assistindo os retirantes das obras de açudagem, acreditando no dever de ajudar as vítimas, que
eram diretamente atingidas pelos efeitos da seca.

4.3 SENTIMENTOS, SOCIEDADE LOCAL E RETIRANTES DA SECA DE 1915.

A população obriga manter pessoal alem do exigido (...) peço


providencias225.

Na seca de 1915, os conflitos não se limitam ao espaço do açude. Não só alguns


engenheiros estavam empenhados em socorrer: a sociedade também cobrava esse socorro. A
população local – mais o prefeito da cidade, presidente de Estado, autoridades locais, vigário,
etc – cobram maneiras de resolução da seca, mas, sobretudo, dos problemas que esta causa
como é o exemplo da massa de retirantes sem trabalho, tomando os maiores centros do Estado
do Ceará.

Alguns números do jornal A Lucta, no mês de maio ao mês de setembro, reclamam o


abandono dos “flagelados” pelo governo. Era informado que as cidades e vilas já estavam
cheias de “famintos e pedintes” e que eles “só desceram até a humilhação da esmola, quando
226
se extinguiram os verdadeiros recursos silvestres”. A caridade pública, mediante esmolas,
já não era suficiente para o auxílio dos milhares de flagelados que enchiam as estradas e as
cidades. O incômodo provocado pela massa de faminto aumentava dia-a-dia, assim,
reivindicações eram feitas para que houvesse ocupação para todos que se concentravam ao
redor das obras, dando trabalho para ser trocado pelo “pão amargo de cada dia”.

Na construção do açude Patos, num relatório de serviços, o engenheiro alega que muitos
esperavam “maltrapilhos e inanidos” e o número dos que ficavam à espera de trabalho cresceu
bastante, havendo dias em que esteve “na iminência de um ataque, aconselhado por perversos

225
Arquivo da segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo Açudes Públicos. Açude Caio Prado/pasta II.
Telegrama de 9/1/1916 referente ao açude Patos.
226
Jornal A Lucta, 2 de junho de 1915.
120

que entendiam que o dinheiro era para distribuir com o povo227”. No açude Caio Prado,
Severino de Oliveira comunica ao inspetor Aarão Reis, através de um telegrama, que o povo
está em “estado desesperador” e que “pessoas da comunidade insuflam” e “o próprio vigário
da cidade o condena por não empregar todos os famintos”. É comunicado também a tentativa
de agressão de sujeito da localidade querendo “forçar a inclusão de dez homens” na obra.228

Os retirantes encontravam apoio da sociedade local no momento de cobrar o que


acreditavam ser seus por “direito”. A pressão exercida sobre os chefes das obras não era vista
pela sociedade como um ato criminoso, já que a situação-limite da seca e a justificativa da
fome davam a essas ações “legitimidade social”. As autoridades religiosas, os coronéis e parte
da comunidade queixam-se da administração dos engenheiros e cobram a ocupação imediata
do maior número possível de flagelados nas obras. É importante refletir sobre os motivos que
levavam a sociedade a agir junto aos retirantes, incentivando, em momentos, até a agressão
física ao engenheiro na seca de 1915.

É possível perceber vários embates, através das leituras dos jornais de 1915, sobre que
políticas deveriam ser adotadas pelo Estado para a assistência dos retirantes da seca.
Distribuir ou não esmola era uma das pautas discutidas. No entanto, o que predominava nas
discussões não era o amparo com esmolas, mas, sim, com trabalho. O número de discursos,
não somente nos jornais, mas também na documentação dos açudes públicos do Ceará,
propaga em número maior a necessidade de dar ocupação para tornar digna a assistência. Era
pregada uma justificação para a repartição dos socorros, contudo, era alegado que o trabalho
nas obras dignificaria o retirante e a caridade por si só levaria ao ócio.

Em 1915, na região Norte, os pedidos de trabalho eram para que houvesse a construção
de novas obras e a ocupação do maior número de retirantes que fosse possível. Como os
representantes do governo naquele momento eram os engenheiros, a estes era cobrado o dever
da assistência. O flagelo da seca e a necessidade emergencial de lidar com esse problema
obrigam a uma nova gerência do problema. Como já foi visto, o governo, representado pelo
engenheiro, passava então a ser cobrado, as atribuições paternalistas, que antes eram dadas
aos grandes proprietários, eram transferidas a estes profissionais. Ocorria “a permanência de
elementos característicos do modelo paternalista”, que se combinavam e se fusionavam com

227
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude
Patos./pastaIII. Relatório de 25 de janeiro de 1915.
228
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude Caio
Prado/pasta III. Telegrama de 3 de novembro de 1915.
121

novas noções e outros conceitos sobre a vida social e comunitária e, especialmente, sobre a
divisão da riqueza social em momentos de escassez229.”

Então, muitos engenheiros sofreram ameaças e enfrentaram situações delicadas. Os


chefes que conduziam as obras negociavam com os retirantes, com a chefia da inspetoria e
também com as autoridades locais e sociedade em geral. Na construção do açude Caio Prado,
localizado em Santa Quitéria, o vigário acusa o condutor Severino de Oliveira por não
cumprir o dever de auxiliar, empregando todos que estavam solicitando trabalho. Este caso
envolveu o prefeito da cidade, o presidente de Estado Benjamim Barroso, o inspetor da
comissão, o delegado da cidade, o condutor da obra e o vigário Gonçalo de Oliveira Lima.

No início de novembro de 1915, Severino de Oliveira reclamou em telegrama que 21


dias após sua chegada tinha que “desviar a atenção para defender-se das injúrias do padre
Gonçalo”230. Este vigário, em 1º de novembro de 1915, escreve uma carta ao Jornal A Lucta
alegando que o condutor do açude Caio Prado “ fez inúmeros pobres, depois de vencerem
longas e penosas jornadas”, ficarem à “mercê da caridade pública”, eliminando e expulsando
“vários pais de família”.

Como já foi explicado, era complicada a situação dos chefes das obras diante da
aglomeração de sujeitos a pedir trabalho, eles ultrapassavam os números de operários
necessários às obras. Mesmo com a pressão dos retirantes e da sociedade, os condutores dos
açudes não conseguiam fornecer ocupação a todos, justificados no desfalque orçamentário
que isto acarretaria e na tentativa de racionalização da obra.
231
Em dois de novembro de 1915 , Severino de Oliveira escreveu ao inspetor Aarão
Reis informando sobre um telegrama recebido do presidente de Estado Benjamim Barroso no
qual o presidente informa ao condutor Severino de Oliveira a acusação de Padre Gonçalo em
relação às “vítimas” e às “desumanidades” por não empregar todos os “famintos”. Severino
de Oliveira justifica o caso a Aarão Reis, alegando que a “desumanidade” referida “procede

229
NEVES, Frederico de Castro. A seca e a cidade: a formação da pobreza urbana(1880-1900). IN: SOUSA,
Simone e NEVES, Frederico de Castro. (orgs) Fortaleza: história e cotidiano- Seca. Fortaleza: edições
Demócrito Rocha, 2002. P.100
230
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude Caio
Prado/pasta II. Telegrama de primeiro de novembro. (as cartas do delegado, do vigário e do prefeito da cidade
estão anexadas a este telegrama)
231
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude Caio
Prado/pasta II.
122

em não ser possível admitir mil onde só cabem duzentos e já estão trabalhando
quatrocentos”.232

Anexadas ao telegrama mencionado acima seguem as cartas do delegado, do vigário


e do prefeito de Santa Quitéria. Estas cartas foram escritas em primeiro de novembro e tratam
das acusações do padre em relação à desordem nas obras e à falta de humanidade do condutor
do açude Caio Prado.

Na carta do prefeito Djalma Catunda, este alega que, quanto às acusações de falta de
ordem, não houve tumultos e nem perturbação da ordem pública, mas que “infelizmente tem
havido atos de desumanidade por parte, certamente da diretoria do serviço, uma vez que não
admite pessoas acossadas pela fome e manifestas pelo seu abalo psíquico.” Na carta do
delegado José Rodrigues Pinto também são negadas as acusações feitas relacionadas à
desordem na obra, mas discorre que é desumano “preterir pessoas necessitadas no serviço” e
admitir rapazes robustos como era visto ali. O padre Gonçalo afirma que não sabe se “falta
com a verdade ou não”, já que reproduz os depoimentos da população, mas soube de
“inúmeros pobres” que procuraram serviço e não foram alistados ficando “à mercê dos ventos
do infortúnio”.

No momento em que Aarão Reis tem informações sobre a cobrança feita pelas
autoridades ao responsável por uma da Obras Novas, o inspetor responde não permitindo
extrapolar o número de operários “de modo a não exceder respectivo orçamento”,
aconselhando o engenheiro a “fazer compreender as autoridades e amigos” que a missão não
era de “assistência pública e sim de realizar uma obra dentro da verba”. O inspetor conclui
afirmando acreditar que as “autoridades locais” não deixariam “de dar prestígio necessário
aos cumprimentos desses deveres.” 233

Aarão Reis tem consciência do momento delicado que o responsável pela obra do açude
Caio Prado estava passando, sabia que era uma questão que estava envolvendo as autoridades
locais e argumenta que o referido condutor deve defender-se com o discurso de produção da
obra dentro do orçamento, vale lembrar, que, para isso, o inspetor da Obras Novas entra em

232
Em 6 de novembro, Severino de Oliveira envia uma carta ao presidente de Estado justificando. Nesta carta,
Severino de Oliveira diz que as acusações são injustas e que o ato de desumanidade do qual fala “o padre
Gonçalo consiste em não ter eu podido atender a todos os famintos que solicitaram trabalho... devia ter 200
trabalhando e hoje tenho 380. O açude comporta no máximo 250 pessoas, mas o número dos que pedem serviço
é superior a 3000!!!”. Ele explana que cabe ao presidente do Estado julgar se as acusações têm valor, dizendo
que ele também estava “vestindo lágrimas como pai de família, ante as desgraças” que via.
233
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. açude Caio/Pasta
III Prado. Telegrama de 8 de novembro de 1915.
123

contradição com o próprio discurso inicial de assistência aos “flagelados”, quando discorre
que a obra não é de “assistência pública”.

Após telegramas alarmantes enviados ao inspetor pelo condutor do açude Caio Prado,
Aarão Reis escreve ao prefeito da cidade234 justificando as ações de Severino de Oliveira na
necessidade de “boa marcha da construção” e diz lamentar a “impossibilidade de dar trabalho
a todos”, insistindo para que a “obra seja construída com a garantia que o governo deu para
ela”.

Para reforçar mais ainda a repercussão desse caso é importante expor que os jornais
também denunciavam a distribuição de serviços a homens “sem necessidade” em construções
de estradas e no açude Caio Prado. Era dito nos jornais que homens solteiros, robustos e ainda
familiares de Severino de Oliveira eram lotados nas obras do açude Caio Prado.235 O condutor
mencionado é acusado ainda de rejeitar “velhos, magros e pretos” e de pagar “arbritariamente
os empregados, conforme a lua”. Contudo, quanto às obras do açude Patos, os jornais
permanecem defendendo que o engenheiro Rômulo Campos tinha uma postura diferente, pois
assistia tantos quantos fosse possível sem distinção.

A fonte alega que o chefe da obra do açude Caio Prado rejeitava negros. Isto evidencia
como a discriminação existia em vários domínios da vida social, podendo ser motivo para
inferiorizar sujeitos e diferenciar o tratamento dado a retirantes que estavam sob a mesma
condição de sofrimento, o que também reforça como os retirantes das secas eram vistos como
inferiores, incapacitados, degenerados “pela raça e pelos costumes”, merecendo, na visão da
classe letrada, ser educados e saneados.

A narração desses acontecimentos é interessante para visualizar o envolvimento da


sociedade com a problemática dos retirantes. O espetáculo da miséria, que tomava conta dos
espaços, impulsionava os conflitos gerados objetivando a urgência e a precisão dos "socorros
públicos". Na análise das fontes citadas acima, verificam-se, repetidamente, discursos que
mencionam a questão de ordem pública e humanitária. E é partindo dessas apreciações, que se
pôde verificar os sentimentos que permeavam as atitudes dos que buscavam negociar uma
política em prol desses homens atingidos pela seca.

As relações entre os retirantes e a sociedade iam se transformando e, a cada seca, o


repertório de horrores e tragédias ia constituindo o imaginário sobre o retirante modificando

234
Arquivo do Segundo Distrito Regional do DNOCS. Fortaleza-Ce. Fundo Açudes Públicos. Açude Caio/Pasta
III Prado. Telegrama de 9 de novembro de 1915.
235
Jornal A Lucta, 23 de dezembro de 1915
124

os sentimentos em relação a eles.236 A caridade ainda é bastante presente na seca de 1915,


contudo, muitos estavam exauridos da beneficência. Movidos, então, pelos momentos tensos
de outras secas, os retirantes passaram a ser vistos também como desordeiros e aproveitadores
despertando sentimentos de medo e repulsa.

Considerada um dever social cristão, a prática de doar esmolas esteve presente na seca
de 1915, objetivando o amparo dos desvalidos. Entretanto, o sentimento de caridade depende
do contexto em que está inserida cada seca. Na seca de 1915, a caridade não estava associada
somente ao ato de dar esmolas, mas era refletida em outras ações como: na negociação em
busca de inclusão dos retirantes em obras públicas, no auxílio nas reivindicações por melhores
diárias237, logo que iniciados os trabalhos de açudagem e outros.

A imprensa colaborou muito para a formação da visão que a sociedade tinha acerca dos
retirantes. Estes sujeitos eram qualificados como famintos, pobres, flagelados, contribuindo
para uma postura de relativa caridade para com os que sofriam com a calamidade. No entanto,
os retirantes eram trabalhadores que ficavam numa situação-limite por conta da seca, caindo
na miséria. Nos jornais de 1915, o termo que mais aparece para designar os sujeitos que se
retiravam por conta da seca foi o “flagelado”. Este termo contribuiu em muito para vitimizar
os homens e mulheres que migravam por conta da seca.

Nessa conjuntura, a percepção dos retirantes da seca – leia-se pobreza – passava por
mudanças, o que antes era enxergado como penúria, e que despertava o sentimento de
caridade, passava a ser visualizado também com medo e hostilidade, o que faz com que
muitos setores políticos e religiosos cobrem do engenheiro uma ação no sentido de represar,
isolando e ocupando, os retirantes nos açudes.

A leitura do retirante como um elemento que causa desordem inseria na população o


medo da multidão de famintos. Além da memória existente sobre ações dos retirantes em
secas anteriores, a exposição das cenas das avalanches de pessoas à procura de trabalho foi
um importante meio para despertar o temor em relação a esses sujeitos na seca. Estes
acontecimentos geravam desconfiança e colocavam em questão a perturbação da ordem
pública e segurança da população. Havia o medo de que os retirantes se dispersassem em
bandos e invadissem propriedades à procura de assistência, superlotassem as cidades,

236
Ver: NEVES, Frederico de Castro. A multidão e a história: saques e outras ações de massas no Ceará. Rio
de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
237
Já foi visto o quanto o sistema de vales como pagamento era problemático. As diárias eram pequenas e
resultavam em pouco alimento para si e para família. Muitas manifestações em busca de aumento das diárias
foram realizadas pela população.
125

obrigando autoridades civis, religiosas e policiais a cuidar do problema. “A imagem da


multidão faminta e revoltada” fortalecia a idéia de combater a “miséria, sob pena de ela
tornar-se uma massa humana em pleno estado de revolta238.”

Rodolfo Teófilo explana que a miséria anestesiava “os sentimentos dessa gente, cuja
moral não foi cultivada239”. As imagens de desgraça, pobreza, ignorância e incivilidade
estigmatizavam cada vez mais esses sujeitos. Se já carregavam o imaginário do homem
sertanejo, preguiço e pervertido moralmente, a imagem de todo o flagelo que uma seca
representava tornava os retirantes cada vez mais enquadrados como desocupados, despertando
o sentimento de repulsa. Assim, a cada seca, a ação da sociedade, motivada seja pela
humanidade ou medo, ocorria em busca de ocupação para os migrantes da seca e não mais de
esmola.

Rodolfo Teófilo, no seu livro A Seca, de 1915, que teve sua primeira edição em 1922,
falando sobre o ato de esmolar escreveu: “a esmola nunca, antes o furto. O direito de
conservação é o mais sagrado dos direitos naturais.” 240 Ele aconselhava que, “abandonados à
morte pelos poderes públicos”, os retirantes deviam implorar “dos particulares” “abastados
um pouco de pão, dando-lhes trabalho”.

Estimular a esmola significava para muitos alimentar a preguiça e a ociosidade. Rodolfo


Teófilo defende em seu livro que alguns retirantes da seca de 1915 eram diferentes dos da
seca de 1877. É explanado que muitos da ‘15’ teriam, pela aparência, vindo dos “ares puros e
sadios do sertão... que aquela gente era preguiçosa e havia corrido antes de enfrentar o
flagelo...haviam abandonado o lar aos primeiros sinais de seca.” Para Rodolfo Teófilo,
continuar dando esmolas era reforçar mais ainda a preguiça e a ociosidade nesses sujeitos.

As obras, para muitos, não era apenas uma maneira de dar assistência em forma de
trabalho, significava também combater os “pobres” e seus vícios que podiam agredir uma
sociedade civilizada. Baseado nas leituras das obras de Sidney Chalhoub, é possível entender
que os pobres eram tidos como perigosos, com “maior tendência à ociosidade, cheios de
vícios e menos moralizados241”.

238
OLIVENOR, José. Metrópole da fome: a cidade de Fortaleza na seca de 1877-1879. SOUSA, Simone e
NEVES, Frederico de Castro. (orgs) Fortaleza: história e cotidiano- Seca. Fortaleza: edições Demócrito Rocha,
2002. P. 58
239
TEÓFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Op. Cit., p. 83
240
THEOPHILO, R. A seca de 1915. Op. Cit., p. 55
241
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle
Époque. Op. Cit., p. 76
126

Os retirantes eram elementos indesejados, pois eram percebidos como sujeitos que
podiam agredir a imagem e a ordem pública. E se de início eles eram alvos principalmente das
autoridades públicas, a cada seca, eles passaram a ser também evitados por homens e
mulheres que, buscando a ordem, enxergavam-nos como uma agressão à moral, ao belo, ao
limpo. No entanto, que ordem seria essa? A infração da ordem pública acontecia entre outros,
pela vadiagem, casos de desordem e imoralidade. Pelo que se pode observar, até esse
momento, a ordem que queria se firmar era a almejada mediante o trabalho, isto era pré-
requisito para consolidar a imagem das “pessoas de bem”. Os retirantes, sem ocupação, não se
enquadravam na sociedade “ dos dignos”. Dessa forma, acreditou-se que era preciso submetê-
los à “ordem do trabalho”.

Assim, os retirantes foram ocupados nas obras de açudagem na tentativa de evitar os


conflitos e as desordens que estes poderiam causar. Os setores sociais públicos e privados
ambicionaram que a atenção dos retirantes fosse desviada através da “ordem do trabalho” e,
assim como os discursos envolvendo a ordem pública e a humanidade se relacionaram dentro
desse quadro, os sentimentos de medo, repulsa e caridade coexistiram na mesma questão
social, a seca e os retirantes. Aos poucos, a caridade associou-se ao medo e, numa mistura de
emoções, atrelou-se também ao sentimento de repulsa.

3.4 EQUAÇÕES SEM ESQUEMA

A ciência, figurada na Obras Novas pelos engenheiros, acreditou que podia resolver o
problema da seca e tomou para si essa questão. Dos engenheiros emanaram discursos de
redenção nacional e objetividade na produção da realidade. Dentro das obras, esse
profissional buscou afirmar uma ordem social pautada pela necessidade de manter a ordem e
dar trabalho à população retirante. Mesmo acreditando no dever social da ciência, eles
estavam imbuídos da idéia de que só conhecendo as leis imutáveis e de forma prática e
objetiva podiam interferir nos problemas sociais.

No entanto, os engenheiros estavam acostumados a resolver os problemas mediante


uma racionalidade técnica, voltada para o aproveitamento dos recursos e melhor
produtividade. Dentro das obras, eles tiveram que conciliar essas questões a necessidade de
atender à intensificação dos socorros, provocados pela aglomeração de retirantes. Foi dado ao
engenheiro o dever de gerar prosperidade – sendo a produção da riqueza associada aí ao
elemento água – e o dever de resolver um problema mais imediatista e humanista, o de
127

abarcar um maior número de vítimas da calamidade da seca. Ficou visível, contudo, que o
saber prático não deu conta de resolver essas situações. As equações dos problemas sociais da
seca – leiam-se retirantes – puseram em risco a objetividade e racionalidade que o engenheiro
acreditava, pois essas questões não puderam ser matematizadas e operacionalizadas utilizando
os cálculos. Assim, com o medo de atitudes violentas e também verificando a miséria e a
emergência em contornar o problema da fome, os engenheiros negociaram muitas condições e
reconheceram muitas formas de legitimação nas ações dos trabalhadores.

A ciência, figurada na Obras Novas pelos engenheiros, acreditou que podia resolver o
problema da seca e tomou para si essa questão. Dos engenheiros emanaram discursos de
redenção nacional e objetividade na produção da realidade. Dentro das obras esse profissional
buscou afirmar uma ordem social pautada pela necessidade de manter a ordem e dar trabalho
a população retirante. Mesmo acreditando no dever social da ciência eles estavam imbuídos
da idéia de que só conhecendo as leis imutáveis e de forma prática e objetiva podiam interferir
nos problemas sociais.

Mas, o saber do engenheiro não se constituiu de forma neutra como se esperava. Ao


chegar aos campos de açudagem se depararam com uma situação conflitante que os colocava
diante do questionamento dessa objetividade. A presença dos retirantes causava problemas ao
engenheiro, estava sob responsabilidade desse profissional a ação de negociação com os
retirantes operários. Com o emprego, ou pelo menos a promessa, os chefes de obras tentavam
lidar e acalmar os ânimos de uma massa insatisfeita com a forma e distribuição de socorros.

No entanto, os engenheiros estavam acostumados resolver os problemas mediante uma


racionalidade técnica, voltada para o aproveitamento dos recursos e melhor produtividade.
Dentro das obras eles tiveram que conciliar essas questões a necessidade de atender a
intensificação dos socorros, provocado pela aglomeração de retirantes. Foi dado ao
engenheiro o dever de gerar prosperidade – sendo a produção da riqueza associada aí ao
elemento água – e o dever de resolver um problema mais imediatista e humanista, o de
abarcar um maior número de vítimas da calamidade da seca. Ficou visível, contudo, que o
saber prático não deu conta de resolver essas situações. As equações dos problemas sociais da
seca – leiam-se retirantes – puseram em risco a objetividade e racionalidade que o engenheiro
acreditava, pois essas questões não puderam ser matematizadas e operacionalizadas utilizando
os cálculos. Assim, com o medo de atitudes violentas e também verificando a miséria e a
emergência em contornar o problema da fome, os engenheiros negociaram muitas condições e
reconheceram muitas formas de legitimação nas ações dos trabalhadores.
128
129

5. CONCLUSÕES

No último quartel do XIX e no primeiro quartel do XX, o Ceará enfrentava uma


situação crítica. Ameaçava despovoar-se devido às montantes mazelas da fome e das doenças
que afligiam a população pobre atingida pelas secas. A prosperidade da lavoura da borracha
na Amazônia, em acréscimo, exercia sobre essa população uma força atraente, fazendo-a
migrar para fora do estado. Mas a esse declínio populacional se somava, muitas vezes, o
medo do retorno dos que não foram embora, isto é, o retorno daqueles que haviam
abandonado seus pedaços de chão e vagavam ajuntados pelos ermos dos sertões. Nesse
regresso – receava-se – fazendas, templos, o comércio, casas e prefeituras seriam atingidos
por avalanchas de ofensas e violências. Além disso, cangaceiros, mais outros bandidos, o
messianismo religioso e o amotinamento deixavam um rastro de licenciosa
ingovernabilidade.

A seca e os retirantes passaram a significar atraso e fanatismo. A população sertaneja


já era enxergada, com reforço na literatura, como uma criatura anestesiada pelo sofrimento e
sob um estado de extraordinária miséria orgânica. O infortúnio provocado pelas crises
climáticas é apontado como multiplicador dessas desgraças, enquadrando os que migram por
conta da seca como frutos da degeneração física e moral. “Esquelético e nauseabundo”, os
retirantes eram tidos como um “subproduto”, “entibiado”, “frouxo”, um “homem tarado”,
uma “endemia andante”, um ser “macilento e esquálido”, “portador de milhões de morbus”.242

Assim, a fome, o sertão e a estiagem eram apontados como a causa da grande


excitação dos ânimos dos sujeitos das secas, levando homens letrados, comerciantes,
fazendeiros, chefes políticos e a polícia ao temor de que repartições públicas e particulares
fossem tomadas pela massa. Havia o medo de que os retirantes martirizados pelo “meio físico
anormal” se transformassem em depravados, prostituídos, viciados, criminosos, ou seja,
sujeitos perigosos que ofenderiam os padrões morais, cívicos e religiosos, ferindo a ordem
pública. A idéia da periculosidade dos retirantes foi, ligeiramente, a cada seca, reforçada,
introduzindo no imaginário social um estereótipo estigmatizado pela estranheza, associando-
os à desgraça e à delinquência.

242
Esses adjetivos são mencionados pelo engenheiro Fleury. Ver: GUERRA, Phellipe. Ainda o Nordeste. Natal.
Typ. D” a republica”. 1927. p. 16.
130

Em 1915, quando mais uma seca assola o Ceará e outros estados semiáridos, as
cidades foram invadidas pelos “protagonistas do fundo”, conforme noticiou A Lucta. As
retiradas tornaram-se uma ameaça à ordem e à civilização. Os retirantes desalojados
representavam perigo. Dispersos em pequenos bandos, andrajosos ou ajuntados em maltas de
dissidentes, os sertanejos mazelados pela estiagem deixavam de ser vistos como dóceis e
passivos para ser vistos com uma massa que poderia provocar um levante geral da pobreza
caso não fossem assistidos.

No entanto, a cada seca, ocorriam mudanças no trato do problema que representava o


retirante e o socorro era condicionado à prestação de serviços. Mesmo que alguns ainda
praticassem a caridade cristã, por meio da doação de esmolas, havia, por parte de muitos, a
abominação de tal exercício. A esmola poderia tornar-se um vício. A recorrência a esta forma
de socorro fazia com que muitos retirantes fossem vistos como preguiçosos e aproveitadores.
Assim, uma parcela da sociedade, dos intelectuais e dos poderes públicos mudou a maneira de
ver o sujeito que se retirava fugindo da seca. De coitados a perigosos, de necessitados a
indolentes e com transformações no exercício da caridade, o trabalho em obras destacou-se
como meio de socorro à população faminta, em 1915.

As autoridades públicas e o saber dos intelectuais foram desafiados na lida com o


quadro instituído e com mudanças na forma de percepção dos sujeitos pobres, preocupados
com a ordem pública e com o ócio, alguns socorros foram condicionados ao trabalho. As
construções das secas – nesta pesquisa a Obras Novas – foram a maneira que o Estado
encontrou para amenizar o problema da estiagem e do retirante na seca de 1915. Mantê-los
ocupados, disciplinados dentro dos trabalhos remunerados nas obras, foi uma forma de
amenizar seus sofrimentos, mas, sobretudo, de impedir sua circulação.

Se, no início, os açudes eram defendidos como empreendimentos de socorro aos


necessitados das secas, com o decorrer da obra, as experiências divididas entre retirantes,
engenheiros, sociedade e autoridades modificaram as situações e opiniões. A política da
Obras Novas configurou-se no represamento das “avalanches de flagelados” dentro de obras
públicas, transformando retirantes em trabalhadores. Com essa ação, vários objetivos eram
alcançados: os famintos eram assistidos; as levas de retirantes eram segregadas nas obras,
significando menos ameaça à ordem pública; e as fazendas e templos católicos eram menos
esvaziados, não diminuindo, assim, o poder e o controle dos grandes proprietários,
autoridades políticas e religiosas.
131

É verdade, as secas, há tempos, já serviam para aumentar o poder dos chefes religiosos e
políticos que, com recursos simbólicos e materiais, confortavam o sofrimento dos
necessitados. Muitos conselheiros obravam, à frente de seus séquitos, realizações importantes,
mantendo seus fiéis tementes a Deus, disciplinados e laboriosos, consertando estradas,
açudes, igrejas e cemitérios. As secas também podiam – e essa era a novidade da Obras
Contra as Secas – servir para reforçar a autoridade de bacharéis em engenharia, homens por
várias vezes formados em áreas litorâneas urbanas, distantes da área da incidência delas.
Aonde talvez tenha faltado – ou viesse a faltar – forças aos chefes políticos, terratenentes,
militares e religiosos, as secas forneceram o decisivo incômodo da compulsão para o trabalho,
fragilizando práticas costumeiras de recrutamento, contratação e disciplinamento dos
trabalhadores, o que permitia sua substituição ou reelaboração.

Assim, num ambiente de progresso regido pela ciência, eles, os engenheiros, foram os
protagonistas de eficaz combate à seca. Empossados da soberba ciência europeizada do
litoral, a eles cabia ocupar os retirantes em obras que, ao mesmo tempo, incutir-lhes-ia
disciplina e gosto pelo trabalho duro. E o que era fator de desestabilização (as forças da
natureza que desarticulavam a “normalidade” climática) era também fator de
“modernização”, servindo para reforçar ou inventar os meios de contratar mão-de-obra e
prezar pelos valores do trabalho.

Ao mesmo tempo em que as obras de açudagem apartavam os retirantes dos grandes


centros, dando ocupação, educavam para o trabalho, combatendo a ociosidade. No entanto, de
início, o ato de dar trabalho aos retirantes pode ser avaliado mais como uma preocupação em
ocupar a grande massa, mantendo-os afastados do transtorno público que poderiam causar, do
que até uma necessidade de educar os trabalhadores dentro de novos padrões “modernos”. É
evidente que existia a crença que o ambiente da obra podia ser aproveitado para tal instrução,
pois possibilitaria que os sujeitos atrasados das secas fossem vestidos de costumes civilizados
e alinhados sob uma nova ordem do trabalho. Mas a inquietação inicial era resolver o
problema das aglomerações, sem ameaçar a ordem, “a moral e os bons costumes”, eliminando
a ociosidade sustentada nas esmolas.

No cenário “moderno” das obras públicas, no lugar de caridade e de atrasados


costumes, os engenheiros empenhavam-se para cuidar problema de modo científico.
Entretanto, mesmo acreditando no potencial da ciência da engenharia para resolver as mais
diversas questões, o saber técnico-científico não foi suficiente para resolver os conflitos
sociais dentro das obras.
132

A experiência de trabalhar numa frente de trabalho em tempo de seca foi embaraçosa,


colocando desafios ao saber dos engenheiros. Esse profissional tentava cuidar objetivamente
da questão, mas, mesmo infringindo instruções em prol do auxílio aos retirantes – na
negociação com fornecedores para porcentagens menores em cima da venda dos gêneros
alimentícios, na infração de instruções a serem executadas, por exemplo –, não alcançou a
resolução dos problemas desses sujeitos de forma racional como imaginavam que seria
possível. Os engenheiros tinham que negociar com a multidão de retirantes, com a sociedade
local, poderes públicos e com a chefia da Inspetoria, conciliando questões técnicas, políticas e
sociais. Era preciso ao mesmo tempo resolver a estiagem, mas, sobretudo, assistir aos
retirantes, manter a ordem e dar trabalho.

Os engenheiros acreditavam no seu saber prático e científico para a resolução de


questões diversas, mas a imagem da multidão faminta e revoltada colocava em questão a
maneira de agir no combate à seca. É ponderável avaliar a proposição que já foi evidenciada
no texto do engenheiro como um profissional intelectual preocupado não somente com
questões de ordem técnicas e científicas, mas também com questões sociais. Porém, o auxílio
prestado aos retirantes era também um reflexo de como o Estado, representado pelo
engenheiro, assumia as obrigações costumeiras, antes dos coronéis. O cotidiano social das
obras mostra a sobrevivência de elementos característicos do modelo paternalista sob
convenção com novas formas e outros conceitos.

E é partindo do pressuposto que havia a permanência do pacto paternalista que esse


trabalho evidenciou os retirantes-operários agindo, aproveitando o acordo paternalista,
fazendo história. É verdade que os retirantes chegaram exauridos e/ou adoentados para
trabalhar nas obras de açudagem. Haviam migrado, alteravam seu cotidiano, valores, e eram
submetidos a políticas controladoras e disciplinadoras. Se já eram acostumados com a
experiência de lidar com religiosos e fazendeiros, agora, ante os engenheiros, viam-se face a
face com apóstolos da razão. Não era uma confrontação fácil – mas, de maneira alguma,
intimidaram-se e ficaram à espera da assistência.

Neste concerto orquestrado pelas relações de poder, pela fome e pelos diversos
sentimentos, os conflitos não demoraram a surgir. As “avalanches de flagelados” abateram-se
sobre os canteiros das obras. A assistência social, a ocupação para todos, era exigida. Pode-se
pensar, quem sabe, também na urgência do direito ao trabalho. As aglomerações, “motivadas
pela fome”, exerceram pressão. Só a ameaça das avalanches de flagelados já era o suficiente
133

para deixar as autoridades locais e os engenheiros das obras ansiosos e receosos quanto à
possibilidade de uma revolta maior, principalmente se lhes faltassem serviços.

Os retirantes não ficaram passivos diante do processo. Antes, salientaram-se em nome


do costume que consistia na assistência aos pobres, aos “flagelados” da seca. Levando em
consideração que, anteriormente recebiam-na dos coronéis e religiosos, mediante as
experiências acumuladas de outras secas, eles protestaram, em 1915, em favor do que
consideravam seu por direito, transferindo a responsabilidade do socorro ao Estado. Os
retirantes sabiam que podiam cobrar o dever de assistência aos engenheiros, já que as obras
pertenciam ao governo e eram esses profissionais que as chefiavam para dar socorro. Muitos
setores sociais também acreditavam que do Estado era o dever de prestar a assistência. Assim,
esses trabalhadores tiveram apoio de uma parcela da sociedade, que, pregando discursos de
ordem pública e humanidade, dividida entre o medo e a caridade, também cobrava do
engenheiro soluções para os problemas.

Represados nas construções dos açudes, os trabalhadores foram postos diante de um


cotidiano de trabalho bem diferente do qual estavam acostumados: horários, ritmo coletivo
padronizado hierárquico rigoroso, obediência aos chefes, divisão de trabalho. Novos
aprendizados vieram. Isto denota que os conflitos ocorridos não eram somente cenas de
tragédias, significavam que experiências culturais diferentes eram adicionadas ao mundo do
trabalho em plena seca.

Os trabalhadores reagiram aos desafios postos no cotidiano das obras, aos mandos das
autoridades, às jornadas da fome, na busca da asseguração de “direitos” mínimos; como se
diria hoje, direito à ocupação, direito à segurança alimentar (sua e da família), direito ao
aumento das diárias e diminuição das jornadas, aproveitando-se do momento de carência de
trabalhadores em anos chuvosos. Sua evasão nas obras, no primeiro sinal de bom inverno,
também era uma forma de resistência, era um indicativo de que não estavam satisfeitos com
os ofícios na Obras Novas e por isso retornavam ao seu cotidiano de trabalhos no campo.

Os retirantes protestavam porque estavam com fome e agiam em busca da garantia da


sobrevivência mediante o trabalho nas obras. Se as obras eram do governo tinham o dever de
fornecer ocupação a eles. Contudo, não se pode examinar as ações dos retirantes procurando
verificar suas “intenções políticas, manifestas e articuladas”. Isto simplesmente porque elas
não estão lá. O objetivo das ações dos retirantes não era enfrentar o engenheiro e o seu saber,
“derrubar a ciência”, desmascará-la; ou transformar as relações de poder. O fim principal era
resistir à calamidade; era a vida. Vida com direitos, como já foi indicado.
134

Os agricultores, lavradores, donas de casa, na seca 1915, partiram para as obras de


açudagem esperançando que seus sofrimentos fossem aniquilados. Eles acreditavam que sua
labuta diária traria mais comida, água, abrigo, melhores condições de existência para si e para
família. Ao chegarem aos campos das construções, perceberam que as situações foram
modificadas, mas que as aflições não acabaram e é por isso que lutavam. No decorrer desse
processo conflituoso, o uso recorrente da mão-de-obra operária, em períodos de calamidade,
modificou as experiências de trabalhadores do campo alterou a maneira dos poderes públicos
enxergarem a seca e a gerência do problema. Com sua presença os trabalhadores exerceram
pressão, exigindo soluções: pelejaram para ter trabalho, para matar a fome, para se proteger da
falta de abrigo, das enfermidades, a miséria e morte. O que tinha representatividade para os
engenheiros e para o Estado de favor foi percebido e defendido pelos trabalhadores retirantes
como um direito.

Por fim, a seca, antes vista como um fenômeno natural incontroverso, dada sua natureza
divina, passou a ser um objeto da ciência que contribuiu para fortalecer o pensamento que
evidenciava a estiagem e a fome como a gênese de todos os problemas da região do
semiárido: atraso, pobreza, fanatismo, epidemias, problemas econômicos e etc. O saber
técnico e científico, que visava resolver o problema da seca, não se constituiu de forma
objetiva e neutra como ambicionavam os engenheiros. Aos poucos, como se vê até os dias
atuais – a exemplo da obra de transposição do Rio São Francisco –, este saber também se
tornou instrumento estratégico da política.
135

REFERÊNCIAS

ARQUIVOS E FONTES

ARQUIVOS PESQUISADOS:
Biblioteca Pública Meneses Pimentel, CE.
Setor de Obras Raras e Setor de Microfilmagem

Arquivo do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, CE.


Fundo Açudes Públicos Ceará

Biblioteca do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, CE

FONTES:
PERIÓDICOS:
A Pátria (Sobral –CE) (01 de abril de 1914 até 24 de abril de 1915)
A Lucta (Sobral- CE) (01 de maio de 1914 a 19 de abril de 1916; 01 de maio de 1918 a 28 de
fevereiro de 1920.)
A Ordem (Sobral- CE) (12 de outubro de 1916 a 17 de maio de 1918; 21 de março de 1919 a
27 de agosto de 1920).
Correio da Semana (Sobral, CE) (31 de março de 1918 a 23 de março de 1920)

CORRESPONDÊNCIAS:
Correspondências diversas. Fundo: açudes públicos Ceará. Açude Caio Prado. Arquivo
do DNOCS, 2ª D.R. Ceará.
- Pasta I
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira para
o inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 01/10/1915.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 31/10/1916.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para ao prefeito Djalma Catunda. Outubro de 1915.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira para
o inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 23/10/1915.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira para
o inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. Outubro de 1915.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira para
o inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 28/10/1915.
136

Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira para
o inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 03/11/1915
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para ao prefeito Djalma Catunda. 09/11/1915.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira para
o inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 22/11/1915
Carta dirigida ao presidente do estado Benjamim Barroso Pelo encarregado da obra Severino
de Oliveira. 06/11/1915.
Carta dirigida ao encarregado da obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira pelo
presidente do estado Benjamim Barroso Pelo. Novembro de 1915.
Carta dirigida ao Departamento de Obras Contra as Secas – Obras Novas – pelo prefeito
Djalma Catunda. 31 de outubro de 1915.
Carta dirigida ao Departamento de Obras Contra as Secas – Obras Novas – pelo delegado de
polícia Major Rodrigues Pinto. 31 de outubro de 1915.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 08/11/1915.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 09 /11/1915.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 21 de janeiro de 1916.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 16 de novembro de 1915.
Carta do encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor da comissão de
Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 16 de novembro de 1915.
Carta do encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor da comissão de
Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 12 de dezembro de 1915.
Carta do encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor da comissão de
Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 23 de janeiro de 1916.

- Pasta II
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira para
o inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 09/01/1916
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 13/01/1916.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira para
o inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 22/01/1916.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 24/01/1916.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 01/03/1916.
137

Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 12/04/1916
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 25/04/1916.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Caio Prado Severino de Oliveira. 01/03/1916.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o Sr. Rufino Magalhães. 30 de junho de 1916.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o Deputado Moreira da Rocha. 30 de setembro de 1916.
Telegrama enviado pelo engenheiro Pires do Rio que fiscalizou as obras do açude Caio Prado
para o inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 16/10/1916.

Correspondências diversas. Fundo: açudes públicos Ceará. Açude Patos. Arquivo do


DNOCS, 2ª D.R. Ceará.
- Pasta I
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 20/10/1916
Oficio enviado ao Sr. Ministro Tavares Lyra. Off. n. 70. 10/05/1915
- Pasta II
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 28 de outubro de 1916
- Pasta VI
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para. 21 de fevereiro de 1917.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 08/03/1917.
Oficio enviado ao Inspetor de Obras Novas Aarão Reis pelo engenheiro do açude Patos
Rômulo Campos. n. 8. 15 de março de 1917.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 18/07/1917.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 03/08/1917.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 08/07/1917.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 08/10/1915.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 26/10/1915.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para. 26/12/1915.
138

Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 06/10/1915
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 11/10/1915.
Telegrama enviado pelo inspetor da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis
para o encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para. 16/12/1915.
Telegrama enviado pelo encarregado da Obra do açude Patos Rômulo Campos para o inspetor
da comissão de Obras Novas Contra as Secas Aarão Reis. 25/02/1916.

DOCUMENTOS TÉCNICOS:
Documentos técnicos diversos. Fundo: açudes públicos Ceará. Açude Caio Prado.
Arquivo do DNOCS, 2ª D.R. Ceará.
Documento sobre trabalhos executados. Enviado por Severino de Oliveira. Sem data.
Relatório de Serviços realizados no açude Patos. Enviado pelo engenheiro Rômulo Campos
para Aarão reis. 23 de janeiro de 1916.
Relatório apresentado ao Inspetor Aarão Reis pelo engenheiro Pires do Rio sobre a visita de
fiscalização ao açude Patos. 18/10/1916
Relatório de justificação das condições irregulares da obras do açude Caio Prado apresentado
ao chefe do 1º Distrito Tomaz Pompeu Sobrinho pelo enegenheiro Severino de Oliveira. 13 de
junho de 1916.
Relatórios de despesas apresentado ao Ministro da Viação e Obras Publicas pelo inspetor
Aarão Reis.

Documentos técnicos diversos. Fundo: açudes públicos Ceará. Açude Patos. Arquivo do
DNOCS, 2ª D.R. Ceará.
-Pasta I
Histórico do açude Patos. Sem data.
Tabela informando funções e nomes e valores de diárias para o pessoal técnico e
administrativo do açude Patos. 24 de abril de 1916.
- Pasta II
Memória Justificativa do açude Patos, assinada por Tomaz P. Sobrinho. 20/09/1911.
- Pasta III
Relatório de serviços realizados de 01 de outubro a 31 de dezembro. Enviado pelo engenheiro
Rômulo Campos para o inspetor Aarão Reis. 05 de Janeiro de 1917.
- Pasta VI
Relatório informando sobre a média de comparecimento dos operários na obra e sobre a
freqüência dos alunos na escola. Enviado pelo engenheiro Rômulo Campos para o inspetor
Aarão Reis.14 de julho de 1917.
Relatório de serviços realizados do início das obras, em outubro, a dezembro. Enviado pelo
engenheiro Rômulo Campos para o inspetor Aarão Reis. 25 de Janeiro de 1915.
139

Parecer sobre os trabalhos realizados nos açudes Mulungu, patos e Caio Prado. Enviado pelo
engenheiro Rômulo Campos para o inspetor Aarão Reis. 10 de maio de 1916.
- Pasta VIII
Relatório de serviços realizados de julho a outubro de 1917. Enviado pelo engenheiro Rômulo
Campos para o inspetor Aarão Reis. 12 de novembro de 1917.
Relatório de serviços realizados de novembro a dezembro de 1917. Enviado pelo engenheiro
Rômulo Campos para o inspetor Aarão Reis. 14 de janeiro de 1918.
Relatório final dos serviços realizados. Enviado pelo engenheiro Rômulo Campos para o
inspetor Aarão Reis. 14 de janeiro de 1918. 26 de setembro de 1918.
- pasta I
Relatório publicado pela superintendência de Obras Novas Contra as Secas sobre a construção
do Mulungu. 19 de fevereiro de 1916 a 31 de agosto de 1917. 1918.

RELATÓRIO DE OBRAS NOVAS CONTRA AS SECAS


REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas: Trabalhos executados de 03 de setembro de 1915
a 31 de outubro de 1918 – Relatório apresentado ao Exmo.sr. Aug. Tavares Lyra Ministro da
Viação e obras Públicas. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. 1920. (322 páginas)

MEMÓRIA DE ACUDAGENS, BOLETINS TÉCNICOS E MANUAIS DE INSTRUÇÕES.


Documentos diversos. Biblioteca do DNOCS. 2ª D.R. Fortaleza. Ce.
SOUZA, Ayres de (inspetor). Relatórios dos trabalhos realizados pela IOCS em 1912.
REIS, Aarão. Relatório dos trabalhos executados pela IOCS em 1913;
Memórias de açudagem pública (dados estatísticos até 31/12/1959);
Instruções para a execução de serviço na zona flagelada do Nordeste que serão executados
pala IFOCS em épocas de calamidade (1919);
Instruções a serem observadas nos estudos dos açudes públicos e particulares (Portaria 43-de
15/04/1916)

OBRAS CIENTÍFICAS E LITERÁRIAS.


ALVES, Joaquim. História das secas - séc. XVII a XIX. Edição fac-símile. Fortaleza:
Fundação Waldemar Alcântara, 2003;
LISBOA, Miguel Arrojado de. O problema das secas sobre variados aspectos. (publicado nos
anais da biblioteca nacional de 1913;)
GUERRA, Phellipe. Ainda o Nordeste. Natal. Typ. D” a republica”. 1927.
GUERRA, Felipe. A seca de 1915. In: ROSADO, VIngt-um e ROSADO Américo. Décimo
primeiro livro das secas. Coleção mossoroense. Vol. cccv. Editora universitária: Natal 1985.
QUEIROZ, Raquel de. O Quinze. 49 ed. Rio de Janeiro: editora José Olympio, 1992
SOBRINHO, Tomas Pompeu. Historia das secas: século XX. Fortaleza. AB Fontenele. 1953;
140

SOBRINHO, Tomás Pompeu. O problema das seccas no Ceará. 2ª edição. Editores: Eugenio
Gadelha & Filho. 1920.
TEOFILO, Rodolfo. A seca de 1919. Rio de Janeiro: Imprensa Inglesa. 1922.
TEOFILO, Rodolfo. A seca de 1915. Rio de Janeiro: Imprensa Inglesa. 1922.

DOCUMENTAÇÃO ESPECÍFICA DO ENGENHEIRO DOMINGOS RÔMULO DA SILVA CAMPOS


Arquivo do quarto distrito do DNOCS. Localização: Salvador-Ba. Fundo: Serviço de
cadastro. Pasta: engenheiro Domingos Rômulo da Silva Campos.
Arquivo da documentação escolar dos alunos. Localização: Curso de Engenharia Civil da
UFBA. Fundo: documentação escolar dos alunos de engenharia civil da Escola Politécnica da
Bahia. Pasta do aluno Domingos Rômulo da Silva Campos.

DECRETOS-LEI
Decreto n. 11.474 - de 3 de fevereiro de 1915
Decreto n. 2.974 - de 15 de julho de 1915
Decreto n. 11.641 - de 15 de julho de 1915
Decreto n. 11.834 - de 22 de dezembro de 1915
Decreto n. 12.028 - de 27 de abril de 1916
Decreto n. 12.410 - de 7 de março de 1917
Decreto n. 12.589 - de 1 de agosto de 1917

RELATÓRIOS DE PRESIDENTE DE ESTADO:


ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa em 1º de julho de 1915,
pelo presidente do estado Cel. Benjamim Barroso. Fortaleza: Typographia Moderna, 1916.
ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa em 1º de julho de 1916,
pelo presidente do estado Cel. Benjamim Barroso. Fortaleza: Typographia Moderna, 1917.
ESTADO DO CEARÁ. Mensagem dirigida à Assembléia Legislativa em 1º de julho de 1915,
pelo presidente do estado João Tomé de Saboya e Silva . Fortaleza: Typographia Moderna,
1916.
141

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Joaquim. História das secas - séc. XVII a XIX. Edição fac-símile. Fortaleza:
Fundação Waldemar Alcântara, 2003.
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BURKE, Peter. A escrita da história; novas perspectivas. Tradução Magda Lopes. São Paulo:
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DUQUE, Guimarães. Solo e Água no polígono das Secas. Fortaleza; Banco do Nordeste do
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SCHWARTZMAR, Simon. Um espaço para a ciência: a formação da comunidade cientifica
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RIOS, Kênia Souza. Campos de concentração no Ceará: Isolamento e poder. Fortaleza
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TURAZZI, Maria Inês. A exposição de obras públicas em 1975 e os produtos da ciência e do
engenheiro, do geólogo e do naturalista. IN: Ciência, civilização e império nos trópicos.
HELZER, Alda e VIDEIRA, Antônio A.P. (orgs) Rio de Janeiro: ACESS, 2001.
VARGAS, Milton (org). Historia da técnica e da tecnologia no Brasil. São Paulo: editora da
Universidade Estadual Paulista Centro estadual de educação tecnológica. Paulo Souza,
1994.
145

ANEXOS

ANEXO A– DICIONÁRIO DE TERMOS TÉCNICOS DA ENGENHARIA CIVIL.

Abertura de valas: ato de fazer valas.


Aclive: quando o terreno se apresenta em subida em relação à rua; ladeira, vista de baixo para
cima.
Açude: Reservatório do abastecimento de água. Muitas cidades dependem de um mesmo
reservatório de água e devem, portanto, decidir conjuntamente sobre sua utilização.
Afastamento (ou Recuo): refere-se às distâncias entre as faces da construção e os limites do
lote ou terreno.
Agrimensura: é a Medição de superfície dos terrenos na qual o arquiteto se baseia para
executar seu trabalho.
Alto-relevo: saliência criada e definida numa superfície plana.
Alvenaria: conjunto de pedras, de tijolos ou de blocos - agregado ou unido com argamassa ou
não - que forma paredes, muros e alicerces. Quando esse conjunto sustenta a casa, ele chama-
se alvenaria estrutural. O próprio trabalho do pedreiro.
Arrasamento: cota de arrasamentos é chamado assim o nível adotado para corte da cabeça de
estacas, fundações.
Aterro: colocação de terra ou entulho para nivelar uma superfície irregular.
Bacia Hidrográfica: é o nível de atuação mais complexo que abrange toda a área de uma
bacia hidrográfica, a qual deve ser entendida como uma unidade de planejamento e gestão,
com todos os seus conflitos e potencialidades, onde a partir da consolidação do processo de
organização dos dois níveis anteriores (açude e vale perenizado) serão constituídos os
Comitês de Bacia visando a concretização do processo de gestão participativa dos recursos
hídricos.
Barracão: abrigo ou telheiro, ou casa provisória, geralmente de madeira, para guardar
utensílios ou depositar materiais de construção, num canteiro de obras; barraca. Muitos
Operários Ficavam alojados nesse barracão.
Cava: Pequeno espaço situado entre o solo e o primeiro plano de uma construção
Canteiro de obra: local da construção onde se armazenam os materiais (cimento, ferro,
madeira, etc.) e se realizam os serviços auxiliares durante a obra (preparação da argamassa,
dobragem de ferro, etc.)
Carpinteiro: profissional que trabalha o madeiramento de uma obra, como formas e
escoramentos.
Croquis: primeiro esboço de um projeto arquitetônico.
Declive: ladeira. Quando o terreno se apresenta em subida em relação à rua.
Desaterro: local de onde se retirou um volume de terra; desterro.
146

Escavação: ato de retirar, escavar um volume de terra, areia ou barro de um local.


Ferreiro: armador Profissional responsável pelo corte e pela armação dos ferros de uma
construção.
Fundação (ou Alicerce): obra responsável pela sustentação da construção.
Impermeabilização: conjunto de providências que impede a infiltração de água na estrutura
construída.
Infiltração: ação de líquidos no interior das estruturas construídas.
Jusante: dado um ponto num curso d´água, a região para onde a água está indo. No caso de
açudes, a região do rio perenizado com água liberada pela válvula dispersora.
Levantamento topográfico: análise e descrição topográfica de um terreno.
Marceneiro: profissional que realiza o trabalho refinado da madeira na obra ou na confecção
de móveis.
Memória descritiva: descrição de todas as características de um projeto arquitetônico,
especificando os materiais que serão necessários à obra, da fundação ao acabamento.
Mestre-de-obras profissional que dirige os operários numa obra e que possui muita
experiência prática sobre todos os tipos de serviços, mais do que o encarregado.
Montante: dado um ponto num curso d´água, a região de onde a água está vindo. No caso de
açudes, a região no entorno do reservatório, localizada acima do nível da água.
Parede: barramento artificial que represa a água, construído com areia, pedra e/ou concreto.
Pedreiro: profissional encarregado de preparar a alvenaria.
Projeto: plano geral de uma construção, reunindo plantas, cortes, elevações, pormenorização
de instalações hidráulicas e elétricas, previsão de paisagismo e acabamentos.
Talude: rampa. Inclinação de um terreno em consequência de uma escavação. Volume
inclinado de terra que atua como muro de arrimo, impedindo o desmoronamento do solo.
Topógrafo: profissional que estuda os níveis e as características do terreno sendo muito
importante a contratação deste para ajudar o arquiteto e o engenheiro no seu trabalho,
evitando surpresas durante a obra, como locação de obstáculos e árvores existentes.
Válvula dispersora - Cano pelo qual é liberada água para o rio perenizado pelo açude.
Vala: escavação estreita e longa feita no solo para escoar águas residuais ou pluviais e
também para a execução de baldrames e de instalações hidráulicas ou eléctricas.
Volumetria: conjunto de dimensões que determinam o volume de uma construção, dos
agregados, da terra retirada ou colocada no terreno, etc.

Fonte:
Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh): http://portal.cogerh.com.br
Dicionário de engenharia civil: http://br.geocities.com/andrepcgeo/dicionarioB.htm
ANEXO B
ORGANOGRAMA DE 147
FUNCIONAMENTO DA
IOCS.

Administração central
Inspetor

Adm. Central Adm. Central


Secção administrativa Secção técnica
-Chefe da secção -Engenheiro-chefe da secção
-Oficial -Engenheiros de 1ª classe
-Primeiros escriturários -Engenheiros de 2ª classe
-Segundos escriturários -Condutores de 1ª classe
-Terceiros escriturários -Condutores de 2ª classe
-Encarregado-meteorologista -Desenhistas de 1ª classe
-Porteiro -Desenhistas de 2ª classe
-Continuo -Desenhistas de 3ª classe
-Primeiro escriturário
- Terceiro escriturário

Distritos( 1º 2º 3º)

Engenheiros-chefes de cada distrito

Engenheiros de 1ª classe

Engenheiros de 2ª classe

Condutores de 1ª classe

Condutores de 2ª classe

Desenhistas de 2ª classe

oficiais

Primeiros escriturários

Segundos escriturários

Terceiros escriturários
Almoxarifes
Encarregado de depósitos
148

ANEXO D – DESPESAS EFETUADAS PELA IOCS DE 1909 A 1919.

1909 1.100:000$000 1915 2.200:000$000

1910 1.100:000$000 1916 1.904:320$000

1911 3.336:000$000 1917 1.734:320$000

1912 7.000:000$000 1918 1.734:320$000

1913 7.000:000$000 1919 1.804:000$000

1914 4.300:000$000

Fonte: LYRA, A. Tavares de. As Secas do Nordeste: trabalho lido no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
24 de maio de 1919. IN: ROSADO, Vingt-um (org) Memorial da Seca. Mossoró, 1981, Coleção
Mossoroense., pág. 52 e 52.

ANEXO E – HISTÓRICO ESCOLAR DO CURSO DE ENGENHARIA CIVIL DA ESCOLA


POLITÉCNICA DA BAHIA- DOMINGOS RÔMULO DA S. CAMPOS

Histórico Domingos Rômulo da Silva Campos


1º Ano 2º Ano 3º Ano 4º Ano 5º Ano
Desenho Desenho Mineralogia Estabilidade Arquite
Física Mecânica Desenho Economia tura

Cálculos racional Astronomia política Direito

Exercícios Topografia Exercícios práticos de Estradas Navegação


práticos Química astronomia Desenho Desenho
Exercícios Mecânica aplicada. Hidráulica Máquinas
práticos de Exercícios Exercícios
topografia práticos de práticos de
hidráulica navegação
Exercícios Exercícios
práticos de práticos de
estradas máquinas.
Fonte: Arquivo da documentação escolar de engenharia civil da Escola Politécnica da Bahia. Pasta do aluno
Domingos Rômulo da Silva Campos. Localização: setor de arquivo de alunos, curso de Engenharia Civil da
UFBA.
149

ANEXO F – FOTOGRAFIAS DO PERÍODO DE CONSTRUÇÃO DOS AÇUDES

1.0 FOTOGRAFIAS DO PERÍODO INICIAL DA OBRA DO AÇUDE PATOS


Fonte: Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°4.
Relatório de serviços realizados. 25 de janeiro de 1916.

Fotografia de operários trabalhando na Cava da Fundação do açude.


2.0 FOTOGRAFIAS DOS TRABALHOS DE OUTUBRO A DEZEMBRO DE 1916 NO AÇUDE PATOS
Fonte:Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo açudes Públicos Ceará. Pasta açude Patos n°3.
5 de janeiro de 1917

Homens em turma para iniciar o trabalho


150

Obras no corte do sangradouro

3.0 FOTOGRAFIA DO TRABALHOS DE JULHO A OUTUBRO DE 1917 NO AÇUDE PATOS


Fonte: Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo açudes Públicos Ceará.
Pasta açude Patos n°8. 12 de outubro de 1917.
151

4.0 FOTOGRAFIA DE TRABALHOS REALIZADOS NO FIM DA OBRA. AÇUDE PATOS

Fonte: Arquivo da Segunda Divisão Regional do DNOCS. Fundo açudes Públicos Ceará.
Pasta açude Patos n°8. 26 de setembro de 1918.

Trabalhando com escavação em rocha no sangradouro do açude.

5.0 FOTOGRAFIAS PRESENTES NO RELATÓRIO DAS OBRAS NOVAS. AÇUDE CAIO PRADO
Fonte: REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas: Trabalhos executados de 03 de setembro
de 1915 a 31 de outubro de 1918 - relatório apresentado ao exmo.sr.dr. Aug. Tavares Lyra
Ministro da Viação e obras Públicas. Rio de Janeiro: Imprensa nacional, 1920. págs. 149-158

Trabalhadores realizando a abertura de um sangradouro provisório.


152

6.0 FOTOGRAFIAS PRESENTES NO RELATÓRIO DAS OBRAS NOVAS. AÇUDE MULUNGU

Fonte: REIS, Aarão. Obras Novas Contra as Secas: Trabalhos executados de 03 de setembro
de 1915 a 31 de outubro de 1918 - relatório apresentado ao exmo.sr.dr. Aug. Tavares Lyra
Ministro da Viação e obras Públicas. Rio de Janeiro: Imprensa nacional, 1920. págs. 97-115.

Barragem
7.0 FOTOGRAFIAS PRESENTES NO RELATÓRIO DAS OBRAS NOVAS. AÇUDE RIACHO DO SANGUE

Descarga de água por ocasião do grande período chuvoso de 1917


153

8.0 FOTOGRAFIAS DAS DUAS ESTRADAS DE RODAGEM CONCLUÍDAS PELAS OBRAS NOVAS.

Estrada de rodagem Baturité a Guaramiranga.

Estrada de rodagem Sobral a Meruoca


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