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FEIRA DE SANTANA
2018
II
FEIRA DE SANTANA
2018
III
TERMO DE APROVAÇÃO
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em História do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Feira de Santana, pela
seguinte banca examinadora:
_____________________________________________________
Prof. Dr. Clóvis Ramaiana Moraes Oliveira – UEFS
(Orientador)
____________________________________________________
Prof. Dr. Antônio Maurício Freitas Brito – UFBA
(Avaliador externo)
___________________________________________________
Profa. Dra. Elciene Rizzato Azevedo – UEFS
(Avaliadora interna)
AGRADECIMENTOS
Como tudo que nós fazemos na vida, o mestrado foi um caminho com percalços e
também alegrias. Momentos de ansiedade e aflição por conta dos prazos e leituras atrasadas
foram meus espinhos. As amizades verdadeiras que construí na UEFS, que levarei para
sempre, e o meu filho foram as rosas que conquistei nessa trajetória.
Gostaria de agradecer aos colegas do mestrado, e posso me orgulhar em dizer que é
possível fazer verdadeiras amizades em um Programa de Pós-graduação. Obrigada pelas
trocas de experiências maravilhosas: Maria, Vânia, Táfila, Mirian, Nayanne, Laiane, Isabel,
Cristiane, Miléia, Antônio, Guillermo, Fernando e João. Foi ótimo dividir esse momento com
vocês. Agradeço a Julival, sempre nos orientando, informando e lembrando os prazos. Juli,
você dá vida ao programa com sua gentileza e cuidado. Agradeço aos professores que nos
proporcionaram momentos de conhecimento regados a generosidade e solidariedade.
Agradeço a meu orientador Clóvis Ramaiana pelas significativas contribuições e,
especialmente, pela sensibilidade em relação a minha gravidez durante o mestrado. Obrigada!
Agradeço a banca por ter aceitado o convite em participar do processo de avaliação.
Obrigada Elciene Azevedo por sua serenidade e Maurício Brito por sua generosidade, a
ambos pelas pertinentes contribuições e referências na qualificação, e pela disposição em
ajudar. Agradeço a CAPES pelo financiamento desta pesquisa, incluindo a licença
maternidade. Que possamos viver tempos melhores nesse país, onde a pesquisa não seja
considerada um gasto e sim um importante investimento.
Obrigada aos entrevistados que abriram as portas de suas casas para nos receber e se
dispuseram falar sobre suas experiências. Sem a generosidade de cada um de vocês esta
pesquisa não teria sido concluída. Obrigada também as pessoas que não pude entrevistar, mas
que sei a importância de cada um para a construção da Cantoria de São Gabriel nesse trajeto
de 28 anos de história da festa. Solange, Ana, Welton Gabriel, Reginaldo Manso, Laís
Oliveira, os participantes da roda de São Gonçalo, do Reisado, os Querubins e tantos outros
sujeitos que constroem ano após ano a Cantoria. A todos vocês tenho profundo respeito e
gratidão.
Como jamais esqueço de onde vim, agradeço pelo que conquistei, a minha casa, a
UNEB campus XIII. Aos meus amigos que sempre torceram por mim: Graziela, Priscila,
Alcione, Arilma, Daniana, Franciny, Izaura, Thaianne, Poliana, Jéssica, Rosi, Álani, Fabiana,
Atílio e Juliana, Adriana, Gessivania, Michelle, Gleiton, Talita e Paulo, Agamenon, Izac, Jhon
e Lucas Mendes, amo vocês. Aos meus professores, por todo incentivo, ajuda e
VII
apoio de Candice e Ísis, minhas três mosqueteiras que formaram uma rede de apoio muito
importante para que eu pudesse dar conta de escrever e cuidar de Bento. Serei eternamente
grata a vocês, meninas. Agradeço também aos meninos: Othon, Cassiano, Gésus e Victor,
obrigada pelos momentos de distração.
Sem o apoio as coisas ficam bem mais difíceis de serem concretizadas. Sou muito
grata a minha família por sempre ter confiado em mim e dado o suporte necessário. Meus
amados irmãos que sempre estiveram preocupados como andava a pesquisa e me ouviram
falar tanto dela, agradeço a Raphaela (Rapha), Jamil (Jam) por me ajudar nas transcrições,
Raphael (Fael) e a Priscila (Pri) que teve um incentivo especial por estar passando pela
mesma experiência que eu, ambas no mestrado de história, compartilhamos leituras, dúvidas e
ouvimos uma a outra sobre as pesquisas. Agradeço a meu pai, Aribaldo, por tudo e pelas
vezes que me socorreu em Feira de Santana sempre que passava por lá. Aos meus sobrinhos
lindos que me acalmaram o coração tantas vezes: Ana Luiza e Davi; e aos lindos sobrinhos da
família Rosa também. Agradeço aos cunhados Lidianny, Filipe, Santhiago, Luciana, Regina e
Karina pelos pensamentos e vibrações positivas. A minha sogra que se tornou uma segunda
mãe, Dona Dete, obrigada por ter cuidado tão bem de mim e de Bento no pós-parto, por ter
me dado cobertura para estudar e escrever, disponibilizado seu tempo em nome da conclusão
do texto e em nome do amor que sente pela gente. Família, amo muito vocês.
A família e amigos foram fundamentais para a conclusão da pesquisa, mas mainha foi
meu maior suporte, se dispôs a me acompanhar em quase todas as entrevistas, largando seus
afazeres para se dedicar aos objetivos de sua filha. Ela ajudou na pesquisa, emocionalmente e
financeiramente para que eu pudesse concluir o mestrado. Na reta final, me acompanhou em
entrevistas cuidando de Bento e dedicou seu tempo, tão atarefado, para cuidar dele enquanto
eu mergulhava na escrita. Joselice Godinho, eu te agradeço imensamente por tudo que faz por
mim, obrigada por ser essa mulher incrível. Te amo incondicionalmente.
Agradeço ao meu companheiro Rafael, que tornou mais leve o caminhar durante esse
processo. Foi ele que me segurou nos momentos de fraqueza, me ouviu, deu colo, abraço e
muito amor. Confiou em mim, muitas vezes mais do que eu mesma, dizendo sempre com a
voz mansa: “Você vai conseguir, Lari”. Agradeço pelos livros, pela leitura do texto e pelas
críticas necessárias. Obrigada por estar sempre comigo e pelo que fez e foi durante o pós-
parto. Você nos blindou no nosso momento mais frágil, um recém-nascido, uma recém-mãe,
um turbilhão de sentimentos e uma dissertação para ser finalizada. Sem você, provavelmente,
teríamos sofrido para conseguir finalizar a pesquisa. Eu sempre serei grata por você fazer
valer o significado que a palavra companheiro tem. Quero, com você e Bento, seguir
IX
aprendendo todos os dias, a ser família. Amo você. Aproveito e deixo o meu abraço a todas as
mulheres que tiveram seus filhos abandonados pelos pais.
Quero agradecer e dedicar essa dissertação ao meu co-autor, meu filho Bento. É isso
mesmo, co-autor, pois éramos como um só. Ele habitou em mim durante a maior parte da
escrita, compartilhou entrevistas, leituras, ideias, dúvidas e até mesmo as ansiedades e as
noites de insônia. Bento me acolheu, nasceu para nos mostrar à vida de outro ângulo, me deu
colo quando eu achava que era eu quem estava lhe dando, me abraçou quando eu achava que
eu estava o abraçando. Me deu a força necessária para finalizar a escrita e a coragem que me
faltava. Obrigada meu filho, por me fazer despertar para outras questões e me transformar a
cada dia em uma pessoa melhor. Te amo muito.
Ser mãe e pesquisadora passou a ser um ato de luta, luta pela quebra de paradigmas
construídos por uma sociedade machista, que por muito tempo tenta definir o “papel” da
mulher. Esta pesquisa seve para mostrar que mães também podem pesquisar. Em nome de
todos os olhares e comentários machistas sobre a gravidez de mulheres, na graduação e pós-
graduação, é preciso sempre afirmar que podemos tudo o que quisermos, com filhos, sem
filhos, do jeito que decidirmos, porque todos os lugares, diante de qualquer circunstancias,
são lugares de mulher. Deixo aqui um abraço apertado a todas as mães trabalhadoras que se
dividem, ou melhor, se completam, entre a labuta e o cuidado da suas crias. Nós podemos!
X
RESUMO
ABSTRACT
This research aims to present and discuss the history of the construction and consolidation of
Cantoria of São Gabriel-Ba, from its creation in 1991 until 1999 when it become recognized
in the city. Cantoria was created by Culturarte, a group formed by people who had a trajectory
of political militancy and cultural involvement in the city since the late 1970s. At first, we
sought to understand the acting of the Art and Culture Movement (ACM) and the United
Youth for Peace (UYP), two groups of young people that worked in the city between 1979
and 1988, and considered as important influences for formation both of the Culturarte, and of
the Cantoria. In a second moment, we discussed the memories of members of Culturarte and
local politicians about Cantoria, the struggles and disputes surrounding the acquisition of
sponsorship for the construction of the event. Finally, we discussed the memories of subjects
who participated in the party, but them were not involved with the construction of the event.
From that, we realized that the Cantoria is a space of sociability and uproar, but above all, of
dispute and conflicts. In short, we analyze the Cantoria and its process of transformation, its
founding group and the social structures of the locality. That is why we understand the party
not only as a way of escape from everyday life, but as the representation of the social. The
research was built from the Oral History, because its main source are the memories of the
subjects who founded the Culturarte and the Cantoria, of the local politicians and the
population that participated in some editions of the party.
Key words: Party; Memory; Sociability.
XII
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 15
3.0 “MUITO MAIS DO QUE O IMAGINADO”: CANTORIA, A FESTA DA CIDADE ......... 120
3.1 Sociabilidade em São Gabriel na década de 1990: a Cantoria enquanto espaço de identidade e
socialização ..................................................................................................................................... 120
3.2 O Culturarte: Conflitos externos e internos ............................................................................... 127
3.3 As transformações da festa e suas características ..................................................................... 138
3.4 Cantoria: Festa e identidade ...................................................................................................... 147
4.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................155
Lista de ilustrações:
IMAGEM II: Barraca da Fundação Culturarte na terceira Cantoria. 1993. Acervo de Agnolia
Rocha........................................................................................................................................86
IMAGEM III: Cartaz da II Cantoria em São Gabriel. Ano, 1992. Retirado do acervo da
Fundação Culturarte..................................................................................................................96
IMAGEM IV: Cartaz da III Cantoria em São Gabriel. Ano, 1993. Retirado do acervo da
Fundação Culturarte................................................................................................................104
IMAGEM VI: Fotografia do espaço da festa na praça da Cantoria em 1996, retirado do acervo
da Fundação Culturarte...........................................................................................................111
INTRODUÇÃO
seguidas pelos jovens do JUPP que eram em grande maioria ligados ao Partido dos
Trabalhadores (PT) e ao Partido Comunista do Brasil (PC do B). Os entrevistados construíram
memórias baseadas na lógica de uma trajetória de movimentos culturais alinhados às questões
políticas da cidade. Diante disso, entendemos que para compreendermos a Cantoria e o seu
grupo fundador, é necessário pensar sobre as ações dos sujeitos que viveram em São Gabriel
de outra época.
As memórias dos entrevistados trazem as trajetórias dos três grupos MAC, JUPP e
Culturarte de forma muito parecida, ambos formados por jovens que buscaram realizar
movimentos culturais na cidade. Esses jovens, por vezes, foram perseguidos, discriminados e
malvistos por uma classe política e uma parcela da sociedade, cada um à sua época. Em geral,
a ideia deles é que, em São Gabriel, em todas as épocas, pessoas que construíram algum tipo
de movimento incomodaram.
A Cantoria só foi fazer sentido para maior parte da população a partir de meados da
década de 1990. Analisamos a festa a partir da perspectiva de um espaço comum de troca e
sociabilidade. Contudo, nos atentamos para os processos que o evento passou durante o
período pesquisado, questionando quem festejava, quem interagia, o que ela era e significava
para o grupo fundador e para as demais pessoas da cidade.
Para Georg Simmel, a sociabilidade seria uma interação entre iguais, que estão ligadas
intimamente às formas sociais. Uma dada sociedade é formada por grupos ou classes sociais e
as relações desses grupos resultam de sentimentos como impulsos, desejos, necessidade e
satisfação de estar em convívio com outras pessoas.1 O que nos parece ter sido o caso dos
jovens do Culturarte que em maior proporção, interagiram entre si nos primeiros anos da
festa. Concordamos com Simmel ao pensarmos a sociabilidade, contudo, acrescentamos que
sociabilidade é também a interação entre diferentes, já que no ato de festejar grupos diversos
se encontram e dialogam.
Em vista disso, a Cantoria é pensada tanto como um modo de festejar, quanto como
um espaço de representação de conflitos que se configuravam na vida citadina. Buscamos
entender a complexidade das relações, quase sempre conflituosas, dentro da sociedade em São
Gabriel na década de 1990. As relações culturais resultam em um campo de disputa contínua
entre uma cultura dominante e uma cultura subalterna – a cultura das classes populares. Essa
luta cultural assume várias formas como distorção, incorporação, negociação e resistência.
Para E. P. Thompson,
1
SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da Sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2006,
p. 59-72.
17
2
THOMPSON, E. P. Folclore, Antropologia e História Social. In: NEGRO, Antônio Luigi; SILVA, Sérgio
(Orgs). As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: UNICAMP, 2001, p. 227-267.
3
DAVIS, Natalie Zemon. Culturas do povo. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1990, p. 87.
4
LEONEL, Guilherme Guimarães. Festa e Sociabilidade: reflexões teóricas e práticas para a pesquisa dos
festejos como fenômenos urbanos contemporâneos. Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 11, n. 15, p. 35-
57, jun./dez., 2010, p. 39.
18
Realizamos vinte e três entrevistas entre os anos de 2012 e 2018, assim distribuídas:
de 2012 a 2014, período da graduação, fizemos cinco; e de 2016 a 2018, período do mestrado,
dezoito. Ouvimos membros da Fundação Culturarte, ex-prefeitos da cidade e pessoas que não
fizeram parte do grupo, mas acompanharam o surgimento e desenvolvimento da Cantoria.
Separamos os entrevistados em três grupos: memórias dos fundadores e participantes do
grupo; memórias dos políticos; e memórias de habitantes da cidade sem vínculo com o
Culturarte. No terceiro grupo encaixamos a entrevista do padre Pedro Ghirelli,5que não falou
da Cantoria, mas sobre a sociedade gabrielese nos anos de 1970 e 1980, quando o MAC e
JUPP atuaram. A partir das memórias dos entrevistados buscamos entender como era a
dinâmica da cidade e como a festa foi se construindo ao passar dos anos. 6
A História Oral vem contribuindo muito para a produção historiográfica, porém ainda
há discussões e críticas sobre os usos dessa fonte. Muitos historiadores ainda acreditam que
uma pesquisa pode ser mais precisa por meio de fontes escritas, vendo assim a oralidade
como uma fonte “incerta” ou sujeita a maiores alterações dos fatos.
No entanto, como destaca Maria Jonotti, não “resta dúvida que a história oral, a partir
dos anos 1970, quebrou uma série de paradigmas anteriores”7. Ainda segundo a autora, a
História Oral há algum tempo vem desconstruindo formas antigas de construção da história.
Assim entendemos que a História Oral, enquanto um método apoiado na memória, como
qualquer outra fonte, produz as representações do real. Assim, concordamos com Michael
Pollak, que destaca:
55
Explicaremos mais frente sobre quem é Pier Luigi Ghirelli.
66
Ver no Anexo I as informações sobre os entrevistados, suas trajetórias em movimentos culturais, em partidos
políticos e participação na política local.
7
JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. A incorporação do testemunho oral na escrita historiográfica:
empecilhos e debates. História Oral, [S. l.] v. 13, n. 1, p. 9-22, jan./jun. 2010, p. 11.
8
POLLAK, Michael: Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n 10, p. 200-212.
1992, p. 207.
19
Não temos, pois, a certeza do fato, mas apenas a certeza do texto: o que
nossas fontes dizem pode não haver sucedido verdadeiramente, mas está
contado de modo verdadeiro. Não dispomos de fatos, mas dispomos de
textos; e estes, a seu modo, são também fatos, ou o que é o mesmo: dados de
algum modo objetivos, que podem ser analisados e estudados com técnicas e
procedimentos em alguma medida controláveis. 9
9
PORTELLI, Alessandro. Filosofia e fatos. Tempo, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 59-72, 1996, p. 62.
10
Ibid., 71
11
Ibid., p. 63-64
12
Ibid., p. 72
13
POLLAK, 1992, p. 203.
20
pesquisa,fiz mais uma tentativa em 2014, e mais uma vez ele não quis conversar sobre o
assunto. Respeitei e segui. Em 2017, com um pouco mais de experiência, tentei conversar
mais uma vez com Netão e novamente o entrevistado não falou sobre a sua atuação no MAC e
no Culturarte. Sua resistência nos causou frustração, entretanto, foi importante para entender
que nem todas as pessoas estão ou estarão dispostas a rememorar suas experiências,
principalmente quando elas causam algum tipo de sofrimento. É isso que acredito acontecer
com Netão, já que atualmente não possuí mais relação de amizade com a maioria dos
membros do Culturate e não participa de nenhum movimento cultural na cidade.
Passei a notar que por ser uma jovem pesquisadora as pessoas não confiavam muito
em mim. O caso de Netão e a desconfiança de alguns entrevistados por conta da diferença de
idade me fizeram adotar como estratégia convidar minha mãe para me acompanhar nas
entrevistas. Sua presença serviu, em certa medida, para minimizar minha timidez e conquistar
de forma mais rápida a confiança dos entrevistados. A figura dela me deixava mais desinibida
e senti que os entrevistados acreditavam mais na pesquisa com a sua presença.
O resultado das entrevistas que realizei, junto a minha mãe, foi de longas horas de
conversa e pausas para cafés. Portanto, assim como Joana Maria Pedro e suas dificuldades,
acredito “que a disposição em falar mais, ou menos, teve alguma relação com o perfil da
entrevistadora”.14No nosso caso, falaram pouco quando estive sozinha e falaram bastante com
a presença de minha acompanhante, que tem a mesma faixa etária dos entrevistados.
Provavelmente, identificaram-se, pois além da idade, muitos entrevistados são professores,
assim como mainha, que possivelmente foi outro elemento de identidade importante para que
o diálogo fluísse mais facilmente.
Para investigar o passado, a partir das memórias trazidas nas falas, fez-se necessário
entender as múltiplas emoções. Nas entrevistas percebemos saudades, alegria, satisfação, mas
nos temas tabus como os conflitos, notamos a existência de mágoas. Em algumas falas
aparece, até mesmo, o sentimento de raiva, alimentada por conta das desavenças. A tristeza
apareceu quando se falava acerca da situação atual da festa, que por conta dos desmontes
promovidos pelo governo golpista Michel Temer, o grupo encontra-se em dificuldades de
obter verbas federais. Em consequência disso, no ano de 2017, a festa não aconteceu.
Diante das características das memórias citadas acima, compreendemos o cuidado
necessário ao tratar dessa fonte, que dialoga com pessoas vivas, que se dispuseram a falar
sobre suas vidas. Como colocou Portelli, “o principal paradoxo da história oral e das
14
PEDRO, Joana Maria. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de geração. Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 23, n. 45, p. 239-260, 2003, p. 246.
21
memórias é, de fato, que as fontes são pessoas, não documentos”15 Desse modo, foi a partir
das falas dos sujeitos, reproduzindo suas diversas memórias sobre suas experiências, que
tornou-se possível analisarmos as ações e relações sociais dentro e fora da Cantoria.
As memórias dos sujeitos que experimentaram a Cantoria na década de 1990 iluminam a
pesquisa. Os relatos orais funcionaram como luzes, na medida em que clarearam o passado
investigado. Cada luz foi posta em um lugar estudado, matutado e calculado, para que o seu
reflexo iluminasse da melhor forma. Com o clarão coletivo proposto pelas memórias, a partir
do ponto que escolhemos, pudemos enxergar gentes, festejos, folia, músicas, alegria,
conflitos, disputas políticas e sociabilidades. Entretanto, também enxergamos o que estava
“na sombra”, os temas tabus, como uso de drogas e brigas internas.
Além das entrevistas, utilizamos atas, fotografias, Jornal da Fundação Culturarte,
poemas, cordel e livros de memórias. O cruzamento das fontes nos ajudou a montar o
contexto no qual a Cantoria se inseria, seguindo sempre os indícios para uni-las. Para
cruzarmos essa diversidade de fontes, nos baseamos nas considerações de Carlo Ginzburg
sobre o paradigma indiciário.
O método baseia-se na semiótica médica e privilegia os sinais e indícios trazidos nos
documentos. Para Ginzburg, se a realidade é opaca, é a partir dos pormenores que podemos
decifrá-la. O paradigma indiciário tem caráter detetivesco que sugere ao pesquisador a análise
minuciosa das fontes, para captar os sinais que ela traz. Também pontua a necessidade do
cruzamento de fontes diversas ligadas por um mesmo objeto, com a finalidade de montar um
“quebra-cabeça” de forma mais consistente.16
Em relação ao uso das atas, nos baseamos na concepção de Esquinsani e Nascimento.
Segundo Esquinsani, atas são documentos elaborados em reuniões de organizações, entidades,
associações, com objetivo de registrar formalmente os acontecimentos. Entretanto, elas são
escritas a partir dos pontos de vista de quem as elaboram, na medida em que são sínteses. As
atas são documentos oficiais e uma fonte rica para a pesquisa histórica. São entendidas como
um lugar de memória no ponto de vista metodológico e historiográfico. 17 Para Nascimento,
mesmo que as atas sejam documentos oficiais e formais, não possuem formalidades
excessivas, tendo como principais características a escrita clara, direta, breve e
15
PORTELLI, 1996, p. 60.
16
GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e sinais:morfologia e história. São Paulo: Cia das letras, 1989.
17
ESQUINSANI, Rosimar Serena Siqueira. As atas de reuniões enquanto fontes para a história da educação:
pautando a discussão a partir de um estudo de caso. Educação Unisinos, São Leopoldo, v. 11, n. 2, p.103-110.
2007, p. 104.
22
18
NASCIMENTO, Erivaldo Pereira do. Gêneros do Universo Oficial/Empresarial: Para além dos manuais de
redação. Revista de Gestão e Secretariado, São Paulo, v. 1, n. 2, p. 123- 142, Jul./dez. 2011, p. 138.
19
LIMA, Solange Ferraz de; CARVALHO, Vânia Carneiro de. Fotografias: Usos sociais e historiográficos. In:
PINSKY, Carla Bassanezi Pinsky; LUCA, Tania Regina de (Orgs.). O historiador e suas fontes.São Paulo:
Contexto, 2009, p. 43.
23
relações conflituosas entre membros de movimentos de cultura com políticos locais e parte da
população.
Para pensarmos a história da festa foi preciso um balanço historiográfico sobre o tema.
Percebemos que há abordagens, em grande parte, direcionadas aos períodos Colonial,
Imperial e Primeira República. Mary Del Priore, por exemplo, elabora um estudo numa
perspectiva cultural, sobre festa na colônia.20Martha Abreu analisa a festa do Divino no
Império com perspectiva da história social da cultura21. Por fim, Maria Clementina, também
na perspectiva da história social, estuda o carnaval carioca até a Primeira República. 22
Em relação a uma historiografia baiana sobre festa, grande parte dos estudos da
temática analisa o carnaval ou festas de populações negras e religiosas. Outra característica é
o olhar direcionado, em sua maioria, para Salvador e Recôncavo. Acreditamos existir certa
escassez de trabalhos examinando os festejos na contemporaneidade, sobretudo, profanos, nas
cidades do interior da Bahia. Em vista disso, o estudo sobre a Cantoria de São Gabriel é
necessário, em função da importância de dar visibilidade às relações e manifestações dos
sujeitos comuns do sertão da Bahia, deslocando assim a atenção da capital e Recôncavo para
o interior do Estado.
Partimos da inspiração de Emmanuel Le Roy Ladurie no seu belíssimo texto O
carnaval de Romans: Da candelária à quarta feira de cinzas 1579- 1580, que a partir do
estudo do carnaval da cidade romanesa, conseguiu pensar vários setores daquela localidade e
regiões próximas, como conflitos entre católicos e protestantes, levantes dos camponeses,
reivindicações dos plebeus e conflitos com as classes dominantes. O autor conseguiu trazer a
economia, divisões sociais, religiosas, tensões e conflitos entre classes cujo desfecho foi o
massacre de camponeses, cruzado com as folias do carnaval. Longe de termos chagado
próximos à grandeza e complexidade da pesquisa do autor, cada linha lida sobre os romaneses
me motivou a contar as experiências de sujeitos partindo de uma festividade. Mesmo longe no
tempo e no espaço, a Cantoria de São Gabriel e o Carnaval de Romans foram construídos e
festejados por gentes e em volta de cada festejo existiu uma sociedade que se relacionou
solidariamente e também conflituosamente. 23
20
DEL PRIORE, Mary Lucy. Festas e utopias no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000.
21
ABREU, Martha. O império do Divino: Festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Fapesp, 1999.
22
CUNHA, Maria Clementina Pereira.Ecos da folia. Uma história social do carnaval carioca entre 1880 e 1920.
São Paulo: Cia das Letras, 2001.
23
LA ROY LADURIE, EMMANUEL. O carnaval de Romans: da candelária à quarta-feira de cinzas, 1579-
1580/ Emmanuel Le Roy Ladurie. Tradução Maria Lúcia Machado. São Paulo: Cia das letras, 2002.
24
24
LEONEL, Guilherme Guimarães. Entre a cruz e os tambores: conflitos e tensões nas Festas do Reinado.
(Divinópolis - M.G).2009. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009.
25
25
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
26
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
27
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg.).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
28
PEREIRA, op. cit, loc. cit.
26
como “Estrada do Feijão”. A estrada teve um papel importante para a regionalização daquelas
redondezas.32
Segundo Alécio Gomes Dos Reis, na década de 1960, a região de Irecê já conhecia os
investimentos dos projetos modernizadores governamentais. Para o autor, a BA-052 foi uma
das maiores ações governamentais feitas nessa região a favor da modernização, de acordo
com as perspectivas da época. Reis aponta que o asfalto da BA-052 intensificou os discursos
modernizantes, pois o governo baiano reforçou, com o investimento no asfalto, as narrativas
em defesa ao progresso. 33
Os projetos modernizadores das décadas de 1960 e 1970 – estradas, instalação de
indústrias – estiveram pautados no imaginário de sertão que permeou durante todo o processo
histórico do país, pensando-o como um lugar bárbaro, não civilizado, adormecido e a par das
transformações que estavam acontecendo nos centros urbanos. Ou seja, o sertão ainda como
um outro Brasil.34De modo que o Brasil “civilizado”, composto pelos habitantes dos grandes
centros, tinha como objetivo “salvar” aquele povo, apresentando-lhes o progresso.Por
conseguinte, a ideia do governo baiano seguia a mesma lógica em relação à estrada,
pensando-a como uma forma de “despertar” do sertão “adormecido”.35
Paralelo ao surgimento do asfalto, o cenário que contemplava as pessoas que
chegavam à região de Irecê era, supostamente, composto por uma paisagem que prevalecia
quase todos os meses do ano. Céu azul, quase sem nuvens, o sol forte iluminando a vegetação
com sua diversidade de árvores e plantas características daquele sertão, a maioria com poucas
folhas. Dependendo da época do ano, o verde era bem tímido nas árvores. Passaríamos por
mandacaru de boi e facheiro, parreira, umbuzeiro, angico, aroeira, macambira, xiquexique,
quebra faca, cansanção, favela, caroá, coroa de frade, jurema preta e barriguda. 36 O solo da
região era muito fértil, coberto por uma terra “vermelha”. Hoje o clima é seco e quente, mas
na década de 1970, o clima era mais chuvoso e a seca não castigava tanto a região que, junto
32
REIS, Alécio Gama dos. O que farpa o boi farpa o homem: das memórias campo dos vaqueiros do sertão de
Irecê (1943 – 1985). 2012. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de Ciências Humanas e
Filosofia, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2012. p. 198.
33
Ibid.
34
AMADO, Janaína. Região, Sertão, Nação. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 145·151, 1995.
35
REIS, op. cit., loc. cit.
36
Nomes científicos da vegetação predominante no território de São Gabriel; “angico (Anadenanthera colubrina);
aroeira (Myracrodruon Urundeuva); coroa de frade (Melocactus bahiensis); xiquexique (Cephalocereux
gounellei); jurema preta (Mimosa hostilis); quebra faca (Croton conduplicatus); umbuzeiro (Spondias tuberosa);
favela (Cnidoscolus phyllacanthus); mandacaru de boi (Cereus jamacaru); mandacaru facheiro (Pilosocereus
pachycladus); pereiro (Aspidosperma pyrifolium); caroá (Neoglaziovia Variegata); cansanção (Cnidoscolus
vitifolius); macambira (Bromelia laciniosa)” In: SANTOS, Raphael Godinho Martins. Registros rupestres da
Toca do Gado, Município de São Gabriel – BA. 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em
Arqueologia e Preservação Patrimonial) – UNIVASF: Universidade Federal do Vale do São Francisco, São
Raimundo Nonato, 2016. p. 32.
28
ao rico solo, garantiam boas colheitas. É provável que todas as árvores que citamos
enfeitassem e dividissem a paisagem junto às “intermináveis” plantações de feijão as margens
do asfalto.
Com a construção da rodovia, além de uma infinidade de caminhões carregando o
precioso grão, algumas empresas de viação começaram a fazer também o percurso entre Irecê
e Salvador e vice versa. Isso facilitou, em alguma medida, o deslocamento de estudantes e
outros grupos, possibilitando a disputa de informações principalmente na questão política e
cultural.37 Os jovens que faziam o itinerário Salvador-Irecê/São Gabriel trouxeram tendências
marcantes nos grandes centros, dinamizando a pequena vila com ritmos, tendências e
informações. A nova dinâmica possibilitou o questionamento do imaginário e hábitos de
alguns sujeitos daquela pequena vila.
Os entrevistados apontam que o grupo Culturarte, na década de 1990, carregava
também a necessidade de continuar com atividades culturais na cidade. Entre 1979 a 1988
atuaram em São Gabriel dois grupos que já promoviam movimentos culturais, o MAC
(Movimento de Arte e Cultura) e o JUPP (Jovens Unidos à Procura da Paz). Netão,
considerado um dos mentores do MAC, era um desses jovens que estudava na capital e que
por muitas vezes fez o itinerário São Gabriel-Salvador. Por conta disso, ele foi um importante
personagem nesse processo de intermediação de informações para muitos jovens da vila nos
fins dos anos de 1970 e década de 1980.38
O MAC e o JUPP se constituíram a partir de algumas características diferentes, mas
com alguns pontos em comum, com o desejo de promover eventos e atividades culturais na
cidade e de se envolver em questões políticas e sociais. Ambos tiveram contato com as ideias
defendidas pelo pároco ligado a Teologia da Libertação, Pier Luigi Ghirelli, conhecido como
Padre Pedro, que atuou dando um importante apoio aos jovens. Padre Pedro foi uma figura
significativa em São Gabriel. As memórias apontam que o padre militou em favor da
igualdade, contra as injustiças e contra a falta de interesse dos políticos locais com o bem-
estar da comunidade.
1.1 Um sertão que luta: O MAC e o JUPP e suas influências para o surgimento do
Culturarte.
37
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
38
Ibid.
29
39
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
40
As iniciais do grupo MAC, que significavam Movimento de Arte e Cultura, foram modificadas por algumas
pessoas da população para, MAC- Maconha, Álcool e Cocaína, na tentativa de criar uma imagem negativa dos
jovens.
30
entrevistados apontaram para uma média de quinze a vinte participantes.41 Entretanto, diante
de alguns esquecimentos e conflitos de memórias, só conseguimos identificar nove membros:
Netão, chamado pelos outros entrevistados de “o mentor”; Olavo Novaes; Antônio Carlos
(Toinho);42José Resende; Edson Pedro de Abreu (Nenga), Valdelício Barreto Vaz; Fátima
Oliveira; José Carlos Dourado das Virgens (Zé das Virgens) e Carlos Simões (Jacaré).43
Dos nove membros identificados, conseguimos entrevistar apenas cinco: Valdelício
Barreto, Fátima Oliveira, Antônio Carlos, José das Virgens e Olavo Novaes. Todos residem
em São Gabriel e se disponibilizaram a falar. José Resende e Edson Pereira não estão mais
vivos, Carlos Simões reside em Irecê, mas não conseguimos marcar uma entrevista, devido às
suas ocupações. E Netão, como foi citado anteriormente, preferiu o silêncio. Por isso, depois
de algumas tentativas de entrevistá-lo, resolvemos respeitar sua vontade. Além dos
entrevistados que participaram do grupo, ouvimos relatos de membros do Culturarte que
presenciaram ou construíram memórias sobre a atuação do MAC de acordo com histórias
contadas sobre o grupo. Segundo Fátima Oliveira,
Tinha pessoas bem jovens, no meu caso mesmo, na época eu era adolescente
ainda, né?! Chegando a juventude. E algumas pessoas com a faixa etária aí
de vinte anos, vinte e poucos anos, e algumas pessoas com dezesseis,
dezessete anos, era o meu caso. [...] Aí, assim, muitos de nós, eu inclusive,
44
eram bem jovem ainda. Adolescentes.
A fala da entrevistada aponta para uma faixa etária dos jovens do MAC que variava
entre dezesseis e vinte anos. Pela idade atual dos entrevistados que variam entre 54 à 60 anos
é possível que a idade fosse nessa faixa apontada por Maria de Fátima. Nas memórias
narradas pelos entrevistados, os principais objetivos do Movimento de Arte e Cultura era o
desenvolvimento de atividades culturais, que valorizassem a cultura em geral. Os estilos
musicais curtidos por eles eram o rock, principalmente internacional, e a considerada MPB
em geral. Segundo Valdelício Barreto,
41
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg.).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
42
NOVAES, Olavo. Olavo Novaes: depoimento I [set. 2012]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos
Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (36 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
43
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
44
ABREU, Maria de Fátima Oliveira. Maria de Fátima Oliveira Abreu: depoimento I [dez. 2016].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. Bahia: São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (32 min. e 30
seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
31
Valdelício Barreto lembra a dificuldade dele e de seus parceiros para traduzir a letras
das músicas, o que aponta a preocupação deles em ler e interpretar as canções que ouviam.
Ainda sobre os artistas que ouviam Antônio Carlos também citou “Chico Buarque, Caetano
Veloso, Gil, Novos Baianos, Elomar, Zé Geraldo, Xangai, sem contar alguns estrangeiros
como: Joan Baez, Bob Dylan, Pink Floyd, entre outros”.46
Para Valdelício Barreto, o estilo musical ouvido por eles demarcava muito qual
ideologia política carregavam e defendiam. As memórias dos membros do MAC são
atravessadas pela ideia de que eles, em São Gabriel, assim como jovens dos grandes centros,
queriam fazer uso da arte, sobretudo da música, como forma de liberdade. Valdelício narra
como se tivessem, naquele momento, consciência de estarem experimentando a atmosfera de
pensar a música como um dos maiores mecanismos de protesto.
Eu com outras pessoas, que eram pessoas que já apreciavam a boa música,
tinha relação com algumas pessoas que foram embora daqui, né? Que
mandavam algumas coisas. Naquela época ainda era fita cassete, era forma
mais fácil de veicular a música, e alguns vinis. Então, assim, essas pessoas
com interação com algumas pessoas que foram para fora, conhecendo alguns
nomes da música popular brasileira... Tinha esse desejo, assim, de ouvir
mesmo a boa música, de ter um evento cultural que tocasse aquilo que
gostava de ouvir. Então, um grupo de jovens, de adolescentes, se juntou com
esse intuito. Inclusive o MAC, era Movimento de Arte e Cultura, no intuito
mesmo de produzir a arte e a cultura, de poder realizar os shows. Isso foi
ainda na década de 1970, né?! [...] Mas tinha um viés político. Porque essa
ligação da cultura, de pensar as muitas coisas, que naquele tempo era
45
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
46
S SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg.).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
32
produzido na área musical, por exemplo, né? Na área musical no sentido das
composições de contrapor ao sistema, então era essa linha de pensamento. 47
47
ABREU, Maria de Fátima Oliveira. Maria de Fátima Oliveira Abreu: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. Bahia: São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (32 min. e 30 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
48
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
49
Ibid.
50
NOVAES, Olavo. Olavo Novaes: depoimento I [set. 2012]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos
Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (36 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
51
SILVA, op. cit, loc. cit.
52
Ibid.
33
Ainda segundo a autora, é preciso pensar nas possíveis construções da memória, isso
porque elas são formadas por eventos vividos por nós e pelos outros. Nos dias atuais, se
construiu uma memória voltada para a ideia de que pessoas envolvidas com a arte nos anos
ditatórias questionaram o sistema. Isso é um campo perigoso, na medida em que a memória é
formada por fragmentos do vivido que mistura-se as memórias herdadas, como nos alertou
Pollak.54 Isso indica que as memórias dos entrevistados possam estar em fusão com memórias
herdadas.
A maioria dos entrevistados aponta que a ideia de reunir para construir algum
movimento cultural em São Gabriel se deu pelo contato de alguns jovens do MAC com
pessoas que moravam fora e traziam tendência da música e ideias que serviram de inspiração
para eles. As idas e vindas de alguns dos jovens a Salvador fez com que circulassem ideias no
âmbito cultural e político que estavam em alta na capital do estado e no Brasil.55
53
AMADO, Janaína. O grande mentiroso: tradição, veracidade e imaginação em história oral. História, São
Paulo, n. 14, p. 125-136, 1995, p.132.
54
POLLAK, 1992, p. 204.
55
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento II [mai., 2014].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2014. 1 arquivo mp3 (7 min e 10 seg.).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
56
VIRGENS, José Carlos Dourado Das. José Carlos Dourado Das Virgens: depoimento I [jul., 2018].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3(45 min. e 36 seg.).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
34
Régie, membro do Culturarte que não participou do MAC e que se considera um dos
melhores amigos de Netão, narrou:
Ele estudava administração, não chegou a concluir não, era uma época de...
Período de ditadura, de movimento cultural muito grande. Ele participou de
todos os movimentos culturais de Salvador, ele é obcecado por teatro,
cinema, né?! Por todo tipo de cultura. Então, Netão viveu tudo isso aí, e aí
não deu pra ele concluir o curso, mas é... Netão é um dos grandes
intelectuais de São Gabriel. [...] Netão, é um cara sossegado, silencioso, um
cara sem magoas. Diria que um dos novos eremitas. Sou muito amigo dele,
talvez um dos maiores amigos dele aqui no Gabriel.57
O MAC era complicado porque a gente era diferente! A gente era jovens
diferentes. As vezes a gente também ia para Salvador, ia em um canto,em
outro, e a gente via as coisas lá e queria trazer para aqui e o povo não
aceitava. Cabelo grande em salvador era normal, mas aqui no interior não
era, e a gente usava os cabelos grandes. Eu, Netão, Zé Resende que até
faleceu. Naquele tempo existia uma moda americana que era Black, os
Blacks, um negócio assim, né?! E o cabelo era bem grandão assim
(demonstrando os cabelos Black com as mãos em volta da cabeça),
espichados, “cabelo ruim”58, sabe? Aí fazia aquela bacia assim, era a maior
moda no mundo, mas aqui no Gabriel não podia não. Aí a polícia, também
não gostava, a polícia pressionava a gente. Tinha hora que você tava na rua e
a polícia vinha pra cima, corrigia a gente sem a gente fazer nada, que tal?59
57
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
58
A expressão “cabelo ruim” usada por Valdelício tem um caráter racista. Isso mostra que o entrevistado carrega
as marcas socioculturais do seu tempo. Assim, expressões como “cabelo ruim” tem a ver com o racismo
estrutural que ainda povoa nosso presente. Por isso, as pessoas tendem a usar as palavras sem perceberem seu
caráter racista. “Cabelo ruim” é uma entre tantas que ainda são usadas naturalmente pelas pessoas.
59
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
35
A memória trazida pelo entrevistado aponta que, além de Netão, outra figura muito
importante para o MAC foi José Rezende – membro já falecido, como apontado. Valdelício
fala sobre a estética do grupo e defende a ideia de que ela sofria influências externas,
principalmente por conta dessa ponte entre São Gabriel e Salvador como a moda Black Power
que teve seu auge em 1970.60 Ao usar o termo “cabelo ruim”, o entrevistado nos dá pistas de
que existia negros entre os membros do grupo, pois o uso do cabelo black poderia ser uma
característica da aceitação de sua identidade negra, já que essas discussões estavam sendo
postas nos anos de 1970 pelo movimento negro. Jandira Pereira relatou sobre Zé Rezende:
Zé era negro, ele era negro e usava aquele cabelo. (referindo-se ao estilo
Black) e a roupa que meu primo usava também, e naquela época meu primo
chegou usar roupa que hoje você vê os negros usando e meu primo
enfrentou, mas ele foi tão castigado a ponto dele mesmo chegar e tirar a vida
dele, ele bebeu veneno por isso, porque assim, tanta discriminação que hoje
a gente vê, naquela época era pior, ele sofria muito, muito, muito, muito.61
Ele achou melhor tirar a vida dele do que dar continuidade, mas ele ainda
chegou a usar muita coisa que eu vejo hoje usando, que lá naquela época
ninguém tinha coragem de usar, que era aquele cabelo que fazia as tranças,
ele usava aquela capuz, ele enfrentava essa gente toda. É tanto que Neto
também usava, Neto usava cabelo grande assim também como ele, só que
Neto era branco e ele era negro. [...] Ele não deixou registro (referindo-se ao
suicídio de Zé Resende), mas assim eu falo por observar e ouvir, porque eu
nunca ouvi uma palavra de elogio, nem da família nem da sociedade, só
cacete, cacete, crítica... Uma, já era negro, e sofria preconceito.[...] Outra
coisa, eu também falei com X62 será que também não era porque ele era
usuário e não queria que a família soubesse? Você vê naquela época uma
63
mulher, se ela tivesse relação com um homem, ela era condenada.
60
VAUGHAN, Patrícia Anne. A imagem americana de beleza física e as mudanças provocadas pelo “black
power” na década de 60. Revista de Letras, v. 1, n 22, p. 59-65. jan./dez. 2000.
61
SENA, Jandira Francisco Pereira. Jandira Francisca Pereira Sena: depoimento I [out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3( 44 min.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
62
O X foi usado para substituir o nome da pessoa com quem à entrevistada comentou sobre o primo, já que a
pessoa referida não autorizou o uso do seu nome na pesquisa.
63
SENA, Jandira Francisco Pereira. Jandira Francisca Pereira Sena: depoimento I [out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3( 44 min.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
36
José Resende ou Zé Resende, como era popularmente conhecido, era muito amigo de
Netão. A ideia de um movimento ligado à música foi criado pelos “amigos inseparáveis”.
Segundo a entrevistada, Resende, por ser negro, pobre e usar drogas, sofreu muito mais
preconceito da sociedade do que Netão, que para Jandira, era branco. A entrevistada informa
outros estilos de cabelo e adereços usados pelo primo e membros do MAC, como tranças e
capuzes, referindo-se aos gorros ou toucas usados geralmente para guardar as tranças ou o
cabelo black. Um ponto significativo na fala de Jandira Pereira foi à questão das drogas. Para
ela, alguns assuntos eram tratados como tabus, como a sexualidade das mulheres e o uso de
drogas, o que para ela pode ter sido mais um agravante para que Resende fosse discriminado.
Como foi narrado na introdução, Netão foi nossa maior dificuldade no momento das
entrevistas. Foram três tentativas para entrevistá-lo sobre o grupo. Todas foram recusadas. Ele
mora sozinho, fomos a sua casa e em uma das vezes ele nos convidou a entrar e sentar para
uma conversa rápida, porque o entrevistado não conversava muito. Questionamos que os seus
companheiros do MAC e pessoas que conhecem a história do grupo sempre citavam o nome
dele como mentor. Diante dos questionamentos sobre sua atuação no MAC, o entrevistado
utilizou poucas palavras para nos responder: “Não me lembro de mais nada. Esse assunto me
magoa muito”.
O silêncio de Netão sobre sua participação no grupo fez com que entendêssemos
algumas coisas ditas sobre ele, as quais só ele poderia confirmá-las ou negá-las, mas a partir
das poucas palavras ditas e também não ditas,nos permitiu refletir sobre algumas coisas
importantes. A sua primeira fala afirmando que não lembrava de mais nada, entra em
contradição com a segunda, quando afirmou que o assunto o magoava muito. Percebemos que
não se trata de um mero esquecimento, mas de um silêncio. Podemos identificar aí um
ressentimento por parte do entrevistado, pois ao afirmar ter esquecido, talvez seja mais sua
vontade de esquecer certas memórias que o magoam e, por conseguinte, silenciar-se.64
A mágoa de Netão sobre os movimentos culturais em São Gabriel pode estar
relacionada não só ao MAC, mas também ao Culturarte, pois na década de 1990 ele integrou
o movimento, mas por conta de divergências internas rompeu com o grupo. Os possíveis
conflitos travados entre Netão e Culturarte podem ter causado o seu afastamento dos
movimentos culturais e o silenciamento das memórias sobre a sua atuação também no MAC.
Essa é uma pergunta que não teremos a resposta partindo do próprio sujeito, já que ele se
64
POLLAK, Michel:Memória, esquecimento e Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n 3, p. 3-15.
1989. p. 6.
37
negou a falar, mas como foi dito por Régie, seu amigo, “ele não tem mágoa” o que indica o
conflito.65 Além do mais, hoje, Freire não mantém contato com os membros nem do MAC,
nem do Culturarte, o que comprova o seu rompimento com o universo cultural da cidade.
Como relatou Jandira Pereira e os demais entrevistados, eles acreditam que a agitação
trazida pelo Movimento de Arte e Cultura, em 1979, não foi bem vista por uma parcela da
sociedade.66 Desde políticos, que a partir dos relatos mostram indícios de estarem ligados as
ideias da Ditadura Civil-Militar, defensores da “moral e os bons costumes”; até a polícia, vista
como agente de repressão; e também parte da população, vista por eles como
conservadora.67Segundo os entrevistados, a estética e estilos da maioria dos membros
contribuiu significativamente para a imagem estereotipada do grupo frente à sociedade.
Fátima Oliveira narra que o grupo se mobilizou para promover eventos culturais
peculiares, ouviam músicas que ela denomina como diferentes, e acredita que os membros do
MAC eram sujeitos com posturas diferenciadas. A entrevistada defende a ideia de que o grupo
foi perseguido pela classe política dominante da época pelo fato de os jovens possuírem um
entendimento político. Ao mesmo tempo, aponta que as perseguições ocorreram, sobretudo,
por estarem em período ditatorial e serem vistos como ameaça social. A ideia de Fátima é
atravessada pela lógica de que eles eram um grupo cultural, mas que tinham um caráter
ideológico de protesto, o que figurava como principal motivo para serem perseguidos. Sobre
65
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
66
A gente incomodada, citada pro Valdelício e por outros entrevistados, trata-se de algumas pessoas de classes
mais abastardas, como políticos locais, comerciantes, empresários e pessoas com pensamentos pautados nos
costumes e hábitos construídos por uma moral cristã e tradicional. FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício
Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-
Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min e 54 seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
67
NOVAES, Olavo. Olavo Novaes: depoimento I [set. 2012]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos
Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (36 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
68
ABREU, Maria de Fátima Oliveira. Maria de Fátima Oliveira Abreu: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. Bahia: São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (32 min. e 30 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
38
a relação deles com a música nos anos de 1970 e 1980, a entrevistada deixa entrever que foi
bastante comum em centros urbanos, pois “a música foi um dos principais elementos de
expressão cultural da década de 1970, constituindo-se em um instrumento de contestação,
reivindicação e inconformismo da sociedade.” 69
De acordo com Antônio Carlos, para além de pensar na cultura e na arte, eles
buscavam discutir sobre o poder local e acreditava também que esse fosse um dos principais
objetivos a serem perseguidos. Os entrevistados apontam que eles foram vistos com
estranheza e passaram a ser alvo de preconceito por uma parcela da comunidade e algumas
pessoas da classe política da época. É possível que o conservadorismo das pessoas da pequena
vila, alimentado pelo clima ditatorial, tenha sido um combustível importantíssimo para nutrir
os conflitos com o MAC.71 Aqui também podemos levantar as suspeitas, já apontadas, no que
diz respeito à construção da memória em relação a posição atual dos entrevistados sobre a
ditadura. Segundo Valdelício Barreto, o MAC foi
um negócio que surgiu assim, sem muita organização... Mas a gente tentou
ainda fazer alguma coisa. Porque na verdade, a parte mais difícil era aonde
se juntar, né?! Fazer as reuniões! Não tinha lugar! Porque se fosse para a
minha casa, pai não aceitava. Se fosse para a casa do outro, o pai não
aceitava. E naquele tempo os filhos eram criados diferentes. [...] Naquela
época os pais não aceitavam o desenvolvimento dos filhos, eles travava,
né?!72
69
LIMA, 2013, p. 198.
70
ABREU, Maria de Fátima Oliveira. Maria de Fátima Oliveira Abreu: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. Bahia: São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (32 min. e 30 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
71
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg.).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
72
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
39
sociais.73 Era ainda momento de conflitos políticos, porém o país já estava conquistando
aberturas em meio ao regime militar.74 Entretanto, a liberdade de expressão ainda era
limitada. Na vila de São Gabriel, a partir do relato de Valdelício, é possível pensar que as
famílias faziam força para ajudar a reprimir a juventude que buscava sair da normatividade.
Valdelício Barreto aponta que, para a materialização das reuniões do grupo, um dos
maiores problemas foi encontrar um espaço para as reuniões, pois em suas casas seriam
podados pelos pais, já que, naquele período, a maioria não concordava com a ideia de formar
grupos, promover arte ou qualquer outra ação que fosse considerada como “vadiagem”.
Entretanto, mesmo contra a maioria dos pais, os entrevistados narraram que o grupo
conseguiu realizar algumas reuniões e decidiram promover alguns bingos para arrecadar
fundos para construírem uma sede de suas reuniões. Algumas memórias apontam também que
realizaram algumas movimentações artísticas, como pequenas rodas de violão.75
O memorialista de São Gabriel, João Purcino, autor do livro “Terra do Arcanjo:
historiografia da cidade de São Gabriel-Ba” – que foi membro do JUPP e posteriormente do
Culturarte – não participou do MAC, mas por possuir a mesma faixa etária dos participantes
do movimento presenciou a atuação daqueles jovens. Em entrevista, mostrou ter muitas
lembranças do grupo:
O MAC foi no final dos anos 70. [...] No MAC tinha um pessoal militante,
era ditadura. [...]O MAC eu não participei diretamente como membro do
grupo, mas eu lembro de um movimento musical que eles faziam. Eu lembro
do movimento que eles faziam! Além de movimentos musicais eles faziam
mutirões, eles participaram de vários mutirões, construíram aquele centro
comunitário ali pra comunidade. Peças teatrais eles organizavam na rua. [...]
O MAC não demorou muito, porque eles eram um grupo rebelde, aí logo
acabou.76
73
A ditadura age de maneira mais disfarçada. O bipartidarismo chega ao fim, e nesse momento começam a
surgir as primeiras ideias para a construção do PT – Partido dos trabalhadores. Os projetos modernizadores de
“colonização” dos sertões se intensificavam, modificando a economia, mas, também, os modos de trabalho e de
vida de muitas pessoas.
74
REIS, Daniel Arão. Ditadura, anistia e reconciliação.Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 23, n. 45, p. 171-
186, jan./jun.,2010, p. 176 e 177.
75
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
76
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
40
conflito com as memórias dos membros do grupo. Para o grupo, a construção do atual Centro
Comunitário de São Gabriel aconteceu com o intuito de ser a sede das reuniões do MAC.
Entretanto, não conseguiram realizar o objetivo para o qual o centro foi construído, pois
alegam que o processo de construção foi bem mais complexo, envolvendo séries de
perseguição e resistência.77
77
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min e 54 seg.) . Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
78
Ibid.
41
João Purcino foi membro do JUPP, grupo que surgiu depois do MAC. Não participou
do Movimento de Arte e Cultura, entretanto acompanhou sua atuação. O entrevistado informa
como os membros compreenderam a perseguição do vereador em relação aos jovens. A
narrativa acima mostra que a ideia de se reunir incomodou políticos locais. O salão foi
79
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento II [mai., 2014].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2014. 1 arquivo mp3 (7 min e 10 seg.).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
80
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
81
Edimário Ferreira Eduão foi um político muito conhecido em São Gabriel, filho de família tradicional e
respeitada na cidade “os Eduão”. Entretanto, foi considerado pelos entrevistados como o maior “algoz” dos
grupos de jovens de São Gabriel entre os anos de 1970 a 1980.
82
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min e 54 seg.) . Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
83
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
42
construído com o intuito de se tornar sede do Movimento de Arte e Cultura para realizarem as
reuniões e também para uso da comunidade em geral.
Segundo os entrevistados, diante das perseguições por parte de Edimário Eduão
Ferreira, como o episódio citado acima, o grupo decidiu doar o local à Igreja Católica. Os
membros do MAC apontam que o vereador atuava seguindo os ideais dos militares,
fiscalizando e autorizando reprimir a quem saísse da ordem, o que certamente pressionou os
jovens a desistirem do ponto de reuniões. São Gabriel ainda fazia parte do Município de Irecê,
que tinha como prefeito Joacy Nunes Dourado (1977-1982),84prefeito filiado à Aliança
Renovadora Nacional (ARENA), partido que deu sustentação ao Regime Militar. Quando São
Gabriel se emancipou, sua primeira eleição aconteceu em 1985, elegendo Renan Pereira como
prefeito, com mandato de 1986 a 1988, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).Renan
Pereira foi apoiado pelo então governador João Durval Carneiro. Edimário Eduão Ferreira
também se elegeu como vereador pelo PTB, se tornando o primeiro presidente da câmara.
Sobre a atuação de Edimário, Renan Pereira relatou que recordava de sua atuação, pois
ele era “atuante, fez um bom trabalho aqui, tinha boa amizade. Foi vereador em Irecê e
aqui.”85Renan Pereira trouxe em sua fala uma imagem positiva sobre Edimário, alegando que
o ex-vereador fez um bom trabalho, tanto quando atuou em Irecê quanto em São Gabriel. A
fala de Renan traz episódios dele com Edimário, demonstrando que eram amigos, o que pode
justificar os elogios em relação a personagem. Valdelício Barreto justifica as perseguições em
outro trecho, apontando:
87
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.) Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
88
PEREIRA, Carla Galvão. Continuidade ou mudança? Análise comparativa entre os governos de Antônio
Carlos Magalhães em 1971-1975 e 1991-1995.(Salvador –BA) . 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências
Sociais) -, Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas– Salvador, 2007.
44
que aponta para ideia de que eles também estavam vinculados aos ideais e projetos dos
militares.89Sobre as repressões sofridas pelos jovens, Fátima Oliveira narra que
O grupo (MAC) não foi visto com bons olhos, e assim, principalmente, pela
classe política, porque vivia ainda na ditadura militar. Porque essa ligação da
cultura, de pensar as muitas coisas que nesses tempos produzido na área
musical, por exemplo, né? Na área musical no sentido das composições de
contrapor ao sistema. Então, essa linha de pensamento preocupava as classes
dominantes políticas, né?90
Para Fátima Oliveira a classe política dominante estava preocupada com as ações dos
jovens, o que gerava perseguições que faziam parte do modelo de cerceamento de liberdade
imposto pelo regime militar. As falas dos entrevistados são permeadas pela ideia de que para
as autoridades locais as atitudes do MAC eram de muita ousadia, isso porque seria inaceitável
que um grupo de jovens e adolescentes se reunissem para produzir eventos que vinculassem a
arte em geral, sobretudo, show com músicas. Ainda mais quando as músicas que o grupo
ouvia eram, em grande medida, produções de artistas que foram coagidos pelo regime militar
por afrontarem a ordem com músicas de “teor duvidoso”.
O caso do MAC em São Gabriel narrado pelos entrevistados foi algo comum no país
naquele contexto. A marginalização de alguns jovens e a violência gratuita eram recorrentes,
para não dizer corriqueiras. Acreditamos que a hostilidade das autoridades locais, enfatizada
em todos os relatos de memórias, pode ter sido motivada pelo imaginário criado no período
ditatorial. Como aponta Enrique Serra Padrós, nos tempos de ditadura existiu um imaginário
de que havia um “inimigo interno”. A ideia foi absorvida por muitas pessoas da sociedade que
passaram a acreditar na existência de “inimigos da nação”, classificados em primeiro plano os
comunistas. De maneira mais ampla, todas as pessoas que demonstraram ações e
comportamentos que fugiam a regra também era enquadrado como inimigas.91
Foi a partir desse imaginário que se propagou o estranhamento de hábitos,
contribuindo para o engendramento de conflitos políticos que estimulavam antipatias, medos,
raiva e outros sentimentos que, na maioria das vezes, levava à denúncia de pessoas que eram
vistas como estranhas ou subversivas. De acordo com as considerações de Padrós e as falas
89
PEREIRA, 2007, p. 66.
90
ABREU, Maria de Fátima Oliveira. Maria de Fátima Oliveira Abreu: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. Bahia: São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (32 min. e 30 seg.) Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
91
PADRÓS, Enrique Serra (org.). “As Ditaduras de Segurança Nacional”: Brasil e Cone Sul. Porto Alegre:
CORAG, 2006. p. 15-22.In: Terrorismo de Estado e luta de classes: repressão e poder na América Latina sob a
doutrina de segurança nacional. História e Luta de Classes, n. 4, jul. 2007.
45
dos entrevistados, é possível que os membros do MAC tenham sido associados a algo
perigoso ou rebelde. Nesse contexto, não precisava de muito para ser alvo de especulação,
bastava não seguir as normas ditadas pela sociedade, para logo ser rotulado como desordeiro.
As autoridades da época faziam manutenção desse imaginário frequentemente.
Humberto Pereira, ao analisar os jornais A Tarde e o Jornal da Bahia, percebeu como
Os Novos Baianos92 e muitos outros jovens na década de 1970 sofreram perseguições em
Salvador, por apenas andarem com violões e adotarem uma estética “cabeluda”, marcada pela
irreverência e questionamento das normas vigentes. Essa característica contribuiu de
justificativa para colocarem os “cabeludos” no “xilindró”.93Eram prisões que não possuíam
nenhum fundamento, pois aconteciam sem mandato. No entanto, o arbítrio era legitimado pela
sociedade civil baiana. 94
Em Salvador, as prisões eram ações preconceituosas, intolerantes e abusivas, pautadas
no abuso de poder e sem nenhuma acusação aos jovens. Esse foi um modelo repressivo que se
estendeu para além da capital, já que existem estudos de ações repressivas em várias cidades
do interior da Bahia95. De acordo com os relatos dos entrevistados, o que aconteceu com o
MAC e posteriormente com o JUPP foi perseguição e coerção que existiram por conta da
ditadura civil-militar. O caso de Valdelício Barreto que apanhou da polícia por ter ido ao
comício é representativo dessa atmosfera. Para os entrevistados, a repressão por parte dos
políticos locais, bem como o preconceito da sociedade conservadora em relação ao MAC,
foram bastante fortes. Para Olavo Novaes, “fazer um grupo é uma coisa e botar ele a público é
92
Os Novos Baianos foi um grupo que abdicou de algumas instâncias do sistema, construindo um estilo de vida
alternativo, como viver em comunidade. Formaram, também, um grupo musical.Entre os componentes estavam
Pepeu Gomes, Baby do Brasil, Paulinho Boca de Cantor e Moraes Moreira. Pereira analisou notas em O Jornal
da Bahiae percebeu como o grupo e outros jovens, por usarem uma estética diferenciada, foram adjetivados de
maneira negativa, incluindo ser chamado de hippie como forma pejorativa. A atmosfera da década de 1970, em
que o MAC estava inserido, foi um momento em que a imagem do hippie foi deturpada e marginalizada pelo
regime.
93
Pereira mostra um trecho da fala do delegado de Salvador, Orlando Bacelar, nos anos de 1970. O delgado se
pronunciou à respeito dos jovens, reforçando : “A grossura vai continuar, pois vagabundo, que não tem profissão
definida, sem dinheiro, sem fazer nada [sic], sem tomar banho e outras safadezas serão recolhidos ao xadrez, até
que seja feita a necessária triagem, portanto a polícia não é obrigada a conhecer quem é artista, cantor ou ator de
teatro [AJ18]”. A narrativa demonstra como era grande a hostilidade em relação aos jovens que não seguiam os
padrões. PEREIRA, Humberto Santos. “O Mistério do Planeta”. Um estudo sobre a história dos Novos Baianos
(1969- 1979). (Salvador –BA.). 2009. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal da Bahia,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – Salvador, 2009. p.58.
94
Ibidem, p. 58.
95
Cf.: ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro et al. (Orgs.)Ditadura Militar na Bahia: novos olhares, novos
objetos, novos horizontes. Salvador:EDUFBA, 2009.
46
96
outra totalmente diferente. Pois, a sociedade era preconceituosa, muito, muito”. Para
Antônio Carlos,
a população, por ser muito preconceituosa, agia, mas não mostrava a sua
cara. Viviam num processo de disse me disse. A única certeza que tínhamos
é que o alvo éramos nós. [...] Era muita discriminação. É tanto que deram um
nome que “denegriu”97 a imagem do grupo que foi maconha, álcool e
cocaína. 98
O grupo ficou conhecido nos quatro cantos da cidade como um grupo que fazia uso de
entorpecentes. Isso fez com que o Movimento de Arte e Cultura (MAC) passasse a ser
conhecido por uma parcela da população como Maconha, Álcool e Cocaína, o que para
Antônio Carlos foi uma forma de “denegrir” a imagem do grupo.
Segundo Valdelício Barreto, o “pessoal achava que a gente usava droga, porque a
gente tinha o cabelo grande que, na verdade, a gente tinha o cabelo grande porque a gente
queria ser diferente, porque jovem é assim, né?”.99O entrevistado acredita que o apelido
gerado a partir das siglas do grupo se justifica numa forma de preconceito com os
participantes por conta da estética diferente adotada por eles.100
A narrativa de Antônio Carlos e dos demais membros do MAC defende a ideia de que
havia uma estratégia para desarticular o grupo, qual seja, a difamação mediante acusações e
apelidos pejorativos, como “maconheiros”, “cocaíneiros”, “cabeludos”, “hippies”,
“vagabundos” e “rebeldes”. O uso dessas denominações contribuía para que os pais dos
jovens se sentissem envergonhados e, consequentemente, proibissem seus filhos de participar
do movimento. Como os entrevistados apontam, ter um filho visto como maconheiro numa
vila com costumes conservadores era um constrangimento grande diante da população.101
96
NOVAES, Olavo. Olavo Novaes: depoimento I [set. 2012]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos
Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (36 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
97
Tal qual apontamos na nota 58, mais uma vez aparece uma expressão racista que precisa ser colocada entre
aspas, os sujeitos trazem a marca da sua cultura, em que naturalizam expressões com caráter racista, como:
“cabelo ruim” e “denegriu”. É preciso sinalizar essas expressões, para que os leitores não naturalizem também,
essas palavras.
98
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
99
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.) Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
100
A memória dos apelidos Maconha, Álcool e Cocaína foi narrada por Valdelício Barreto e Antônio Carlos,
mas também por Fátima Oliveira, Antônio Gégie, Aimá Rocha, Olavo Novais e Welington Oliveira.
101
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
47
102
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
103
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira. 53 anos: [MAR.2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia: São Gabriel, 2013. Áudio mp3. Entrevista concedida a autora para pesquisa
histórica.
104
O Movimento Hippie nasceu nos Estados Unidos na década de 1960, chegando ao Brasil nos fins dos anos de
1970. A filosofia de vida hippie negava várias instancias do sistema. PEREIRA, 2009, p. 27.
105
Para Humberto Pereira, os jornais da Bahia elaboravam notícias que traziam o movimento hippie relacionado
à subversão, que logo se espalhou pela Bahia. Em pouco tempo, o jornal A Tarde “reconfigurou seu conceito de
hippie para o equivalente a “vadio” e “perturbador da ordem” 105.Ibidem, p.56. E, certamente, a imagem
deturpada do hippie chegou logo a São Gabriel, de forma que os integrantes do MAC foram criminalizados,
também, por serem “metidos a hippie”.
106
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento II [mai., 2014].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2014. 1 arquivo mp3 (7 min. e 10 seg..
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
107
PEREIRA. 2009, p. 26.
48
A década de 1970 foi cenário de inclinação à Contracultura por parte de uma parcela
da população mundial.108 O MAC109, assim como o Movimento Hippie e movimentos da
Contracultura110 sentiram a “grossura” da polícia. Claro que em cada localidade do Brasil
houve suas especificidades. Uns grupos sentiram mais que os outros. Em contraponto a esses
movimentos, o uso do medo cotidiano como mecanismo de controle dos sujeitos agiu como
uma arma poderosa, de modo que aqueles que não seguissem os padrões determinados
sofriam punições severas.111
A memória do passado dialoga com o presente de forma que o discurso do
entrevistado é construído a partir de referenciais estabelecidos no presente. Para Pollak, a
“fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa, em uma
memória coletiva subterrânea”112.A partir de Pollak, é possível pensar na existência de uma
memória subterrânea em relação ao uso de entorpecentes dos membros do MAC, haja vista
que na década de 1970 o uso de substâncias psicoativas fazia parte da vida de muitos jovens.
Assim, não descartamos a possibilidade de que eles tenham usado essas substâncias, já que a
concepção do uso de alucinógenos era totalmente diferente do imaginário em que estão
inseridos hoje, onde o tema é um tabu. Segundo Valdelício Barreto:
108
PEREIRA. 2009, p. 26.
109
É provável que o MAC tenha bebido em muitos movimentos germinados nos anos 1960 e 1970, como o
underground. A cultura Underground se enquadra no sentimento libertário da contracultura que não só pensava
em música, mas fazia do rock uma arma de contestação social em que idealizavam mexer com as estruturas.
SAGGIORATO, Alexandre. “Rock brasileiro na década de 1970”: contracultura e filosofia hippie. História:
Debates e Tendências. [S. l.] – v. 12, n. 2, jul./dez. 2012. p. 298.
110
“A contracultura era entendida como uma cultura de negação ou contestação da cultura hegemônica,
entendida, no período, como autoritária e elitista, que tentava determinar os padrões.” LIMA, Artemilson de.
Excurso sobre o conceito de Contracultura. Natal- RN, 2013- Instituto Federal do Rio Grande do Norte.
setembro/2013. p. 185.
111
PADRÓS, Enrique Serra. Ditaduras de Segurança Nacional em regiões de fronteira:O Rio Grande do Sul e a
rede de Direitos Humanos.In: Simpósio Nacional de História, 27., Porto Alegre. Anais XXVII Simpósio
Nacional de Hisória. São Paulo: ASF-Brasil, 2013, p. 1-16
112
POLLAK, 1989, p.8.
113
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.) Entrevista
concedida para pesquisa histórica
49
Antônio Carlos diz que no grupo não havia usuários, destacando: “eu, por exemplo, nem sabia
o que era cocaína.”114 Antônio Régie, membro do Culturarte, narrou:
Eu acho que poderia ter ali, um ou outro que usava ali, mas naquela época,
é.... (pausa para pensar).Eu não gosto de droga e nem faço apologia à droga,
mas eu diria assim, ali foi um percurso de rebeldia, de jovens rebeldes,
transgressores.Mas, evidentemente, as pessoas que fazem algo diferente, pra
sociedade é malvisto, e toda mudança causa impacto. Eu acho, mas que por
conta de atitudes preconceituosas da elite política de São Gabriel, porque os
jovens eram politizados, intelectualizados.115
Percebemos que existiu uma resistência em assumir que os membros do grupo faziam
uso de substâncias ilícitas. Segundo Régie, o MAC era “rebelde” e diante da intensidade que
alguns jovens viviam aquele momento, poderia ser que um ou outro fizesse uso. Entretanto,
ele justifica que os adjetivos partiam para depreciá-los. É possível que exista um
silenciamento por conta dos lugares que eles ocupam hoje – pais e mães de “família” e
trabalhadores –, por conta disso não querem ser lembrados como usuários de drogas ilícitas.
A concepção do uso de drogas naquele período estava relacionado a expandir a mente,
a percepção do universo e liberdade do ser, por isso o consumo de entorpecentes era bastante
comum naquela época em meios a grupos com características semelhantes ao MAC.Muitos
jovens das décadas de 1960 e 1970 possuíam comportamentos semelhantes. A estética de
cabelos e barbas compridos foi como uma bandeira para muitos deles116. Para muitos, viver de
forma “despojada” era uma manifestação do pensamento político, uma forma de resistência ao
sistema, uma maneira de ser livre.
Para Marcelo Ridenti, as aspirações de algumas pessoas naquele contexto eram
alimentadas por sentimentos de um “romantismo-revolucionário”, quando ele identificou nas
produções artísticas no Brasil, a partir do fim dos anos 1950, uma estrutura de sentimentos
que denomina de sentimento da brasilidade (romântico) revolucionária.117 Ridenti definiu uma
114
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento II [mai., 2014].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2014. 1 arquivo mp3 (7 min. e 10 seg..
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
115
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.) Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
116
PEREIRA, 2009, p.49.
117
RIDENTI, Marcelo. “Intelectuais e romantismo revolucionário. São Paulo em perspectiva, São Paulo,
v.15,n.2, p. 13-19, 2001.p.83. Esse sentimento romântico-revolucionário foi uma onda de ideais que clamavam
por um país melhor e justo.117 RIDENTI, Marcelo. Artistas e intelectuais no Brasil pós-1960,2001, p.81-110.
p.13. Disponível
em:<http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:A7_RXGPZtvwJ:www.scielo.br/pdf/ts/v17n1/v17
n1a03+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>Acesso em: 15 de abril de 2017.
50
parcela dos jovens da década de 1970 como uma geração que acreditava em um mundo mais
justo e que usava, principalmente, a arte para expressar seus sentimentos.
A partir das colocações de Ridenti e das falas dos entrevistados, podemos pensar que
em São Gabriel os jovens do MAC apresentaram características similares a da juventude
apresentada por Ridente118Diante das evidências, acreditamos que,não obstante o MAC tenha
sofrido influências do Movimento Hippie e da Contracultura, principalmente na questão
musical, o grupo não se caracterizava como nenhum dos dois. Parece-nos que o MAC era
composto pela junção e ressignificação de elementos de movimentos da contracultura,
alimentado pelo romantismo-revolucionário apontado por Ridenti.
Em algumas narrativas orais conseguimos identificar prováveis conflitos de memórias
que, possivelmente, são resultado da participação dos entrevistados em outros grupos. Isto
porque alguns membros do MAC participaram também do Culturarte e, em alguns momentos,
as experiências das duas vivências se cruzavam, o que exigiu atenção em relação às flutuações
e transformações na memória.119 Segundo Fátima, os membros do grupo, na tentativa de
resistir, buscaram o apoio de uma figura importante da época, o padre Pier Luigi Ghirelli, ou
Pedro Luiz Ghirelli e para os mais íntimos, apenas padre Pedro.120 Fátima relatou que
Para Fátima Oliveira, Padre Pedro foi uma das autoridades locais da época que
defendeu os jovens. Ela afirma que em meio as perseguições, o padre conversou com o grupo
na tentativa de entender quais eram os objetivos deles em relação ao MAC. Ela acredita que o
padre pode ter ajudado para que os jovens não sofressem algum tipo de violência física em
meio aos conflitos. O Movimento de Arte e Cultura teve uma rápida participação na história
118
NOVAES, Olavo. Olavo Novaes: depoimento I [set. 2012]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos
Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (36 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
119
POLLAK, 1992. P. 206.
120
ABREU, Maria de Fátima Oliveira. Maria de Fátima Oliveira Abreu: depoimento I [dez. 2016].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. Bahia: São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (32 min. e 30
seg.) Entrevista concedida para pesquisa histórica
121
Ibid.
51
de São Gabriel, pois as repressões por parte de autoridades da época desarticulou o grupo de
jovens rapidamente.
O MAC teve muito pouco tempo, foi na época da ditadura e São Gabriel
ainda pertencia a Irecê, que aqui emancipou em 1985, ainda pertencia a
Irecê. E aí a gente sofreu meio que uma perseguição política. É como se
aquele grupo viesse para fazer uma revolução, e não tinha nada disso, claro!
Uma revolução que poderia acontecer, era na cultura, mas foi um negócio
muito rápido. O movimento sofreu uma espécie de atentado, não é? Um
negócio meio estranho, aí desandou, a turma parou. 122
A fala de José das Virgens é mais uma que afirma a existência de uma perseguição
política. Existe uma memória entre os entrevistados de que o MAC durou por volta de nove
meses, e que a pouca duração do grupo foi consequência das perseguições por parte dos
políticos locais motivados pela atmosfera do regime militar. Antônio Carlos relatou que “Não
conseguimos levar adiante com o projeto, muitos foram embora da cidade e o grupo acabou
enfraquecendo, chegando ao fim.”123Valdelício lamentou: “pobre do MAC foi tão perseguido
que desandou, né?”.124Os entrevistados acreditam que houve cerceamento de liberdade e
ações repressoras, relacionadas ao regime ditatorial. Eles apontam que o MAC teve acesso às
tendências da época como músicas, estilo e informações em geral, mas que foram podados
por políticos locais.125
Precisamos atentar para a possibilidade de flutuações da memória de forma
involuntária. Isso por conta da dimensão que a ditadura tem nos dias atuais no imaginário das
pessoas. Os relatos orais foram analisados a partir das possibilidades e buscamos narrar à
história dos movimentos culturais em São Gabriel a partir do ponto em que os sujeitos
acreditam ter vivido, apontando as possibilidades de conflitos ou outros elementos presentes
nas memórias.
Para os entrevistados, o MAC ainda realizou algumas coisas, a exemplo de reuniões,
bingos e a construção do Centro Comunitário. Com a desarticulação do grupo, alguns
122
VIRGENS, José Carlos Dourado Das. José Carlos Dourado Das Virgens: depoimento I [jul., 2018].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3(45 min. e 36 seg.)
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
123
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg.).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
124
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
125
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg.).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
52
membros migraram para outros movimentos que estavam nascendo, como os Jovens Unidos à
Procura da Paz (JUPP) e o Partido dos Trabalhadores (PT). As memórias seguem uma lógica
de que o MAC influenciou os membros JUPP e posteriormente os membros do Culturarte.126
O grupo Jovens Unidos à Procura da Paz nasceu dentro da Igreja Católica. Mas, para
além dos fins religiosos, permeavam por outras questões como culturais e política. Os
membros do JUPP não foram tão estereotipados quanto os jovens do MAC. Entretanto, sua
existência foi marcada por momentos de tensão. Segundo os entrevistados, o próprio Edmário
Eduão teve desavenças com o grupo, quando ainda era vereador representante de São Gabriel
e, posteriormente, enquanto vereador e presidente da câmara quando a vila se tornou cidade.
Logo após o fim do MAC, em meados do ano de 1980, surgiu o JUPP. Segundo os
entrevistados, os jovens tinham como principais objetivos fazer ações socioculturais,
promovendo, por exemplo, atividades culturais de caráter político que questionassem a
realidade em que estavam inseridos. Ademais, tinha a função evangelizadora, pois, não
obstante ter um perfil militante era um grupo cristão.
A partir do livro de memórias Terra dos arcanjos, fizemos uma relação de alguns
componentes do grupo. Foram integrantes do JUPP: João Purcino; Francisco (Liu); Clóvis
Durões; Dirlei Ferreira; Gui Ferreira Rocha; Íris Martins; Vagner Gama; Vinícius Batista
Rocha; Jovelina Silva; José Carlos; Vera Lúcia; Sônia Machado; Vileide dos Santos; Itac
Assis127; Joab Rocha; Edgar; José das Virgens.128
Para alguns jovens do JUPP, a ligação com a Igreja Católica poderia significar um
ponto “positivo”, pois isso, de alguma maneira, garantiria certa proteção diante da repressão
pelas classes dominantes. Eles tiveram um importante “padrinho”, o padre Pedro Luiz
Ghirelli, o mesmo que tentou dar suporte ao MAC. Foi principalmente por conta do apoio do
padre que o grupo conseguiu apresentar algumas de suas peças teatrais, fazer reuniões e
debates. Porém, isso não foi suficiente para que não existissem críticas e perseguições ao
grupo. O próprio padre foi alvo de perseguição política.
126
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
127
Ibid.
128
A questão de gênero para analisar os grupos é importantíssima, pois nos leva a pensar qual o papel da mulher
em São Gabriel em fins da década de 1970 e na década de 1980. Como era a atuação dessas mulheres dentro dos
grupos e a relação entre elas e os homens.
53
129
Disponível em <http://parrocchiemontecavoloesalvarano.it/parrocchia/parroci-diaconi/>Acesso em: 17 nov.,
2016.
130
As missões italianas resultaram no livro organizado pelo Centro Missionário Diocesano de Reggio Emilia
editado em 2015 por Pedro, “50 anni di cammino insieme. La Chiesa reggiana in Bahia–Brasile”. Disponível em
<http://s2ew.reggioemilia.chiesacattolica.it/pls/reggioemilia/v3_s2ew_consultazione.mostra_pagina?id_pagina=
29329&limite_id_sezione=0&limite_id_sito=0>Acesso em 01 dez., 2016.
131
Disponível em <http://www.tuttomontagna.it/archivio-dett.php?id=39>Acesso em:17 nov., 2016.
132
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
133
Segundo Pedro, os problemas eram “falta de estradas, falta de escolas, desvalorização dos produtos na época
da colheita, pouca assistência aos doentes, seca, salários baixos, etc.” GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli.
74 anos: [JAN.2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. Itália/Brasil;Feira de Santana, 2017.
Correio eletrônico. Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica
134
A Teologia da Libertação foi um movimento que surgiu na América Latina na década de 1970 e que a partir
dos problemas sociais, fez uma nova interpretação dos Evangelhos. ZACHARIADHES, 2008, pp. 4 e 5.
135
ZACHARIADHES, 2008, pp. 4 e 5.
54
Além dos jovens do JUPP, o próprio padre Pedro relatou ter conhecido, no Brasil, a
Teologia da Libertação e buscou vivê-la na prática. Segundo ele, foi a partir das leituras,
ideias e espírito dessa Teologia que ele passou a celebrar suas missas e cursos de formação
para a comunidade. E esteve em contato com padres que foram importantes teólogos e
escritores da Teologia da Libertação no Brasil. Os principais objetivos do movimento estavam
ligados ao combate às injustiças e a libertação dos povos. Padre Pedro apontou que sua
preocupação em sua missão era também a libertação do povo pobre, para que se tornassem
sujeitos ativos de suas vidas.138
A Teologia da Libertação tinha como principal objetivo não mais apenas ajudar os
pobres como a igreja pregava, mas tentar mudar as estruturas para assim acabar com as
desigualdades e injustiças. Por conta das ideias do movimento, muitos confrontos foram
travados e vários adeptos do Movimento foram perseguidos. Rodrigo Camilo aponta que os
adeptos da Teologia da Libertação no Brasil atuaram junto aos fieis denunciando os abusos do
Regime Militar, o que acarretou inúmeras críticas por parte da cúpula conservadora da Igreja
Católica.139
É permissível pensar que as perseguições aos adeptos do movimento não se
restringiram apenas aos grandes centros. Segundo os entrevistados, em certa medida,
experiências repressivas foram compartilhadas por padre Pedro em São Gabriel. Um exemplo
do alinhamento do padre com as ideias da Teologia da Libertação eram os seus discursos de
conscientização em relação às injustiças. Para eles, o seu sermão estava direcionado a
136
Centro de Serviços Educacionais do Pará.
137
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento II [jul. 2018]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 53 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
138
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Itália/Brasil; Feira de Santana, 2017. 1 arquivo via Correio eletrônico . Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
139
CAMILO, Rodrigo Augusto Leão. A Teologia da Libertação no Brasil: Das formulações iniciais de sua
doutrina aos novos desafios da atualidade. II Seminário de pesquisa da Faculdade de Ciências Sociais. UFG- da
Universidade Federal de Goiás. 2011.
55
provocar uma análise crítica na população em relação à pobreza, que estava diretamente
ligada ao Estado e não à vontade de Deus. 140
De acordo com Zaira Vieira, na segunda metade do século XX, as desigualdades das
classes e as mazelas movidas pelo capital se alastravam por toda América Latina, inclusive no
Brasil. O país se encontrava em um momento conturbado nas esferas política, social e
econômica. Assim, a crise que atingia a indústria no país causou queda no ritmo do
crescimento econômico e o empobrecimento da população trabalhadora. Isso adicionado à
perda momentânea do apoio à Igreja pelo Estado. A conferência dos bispos em Medellin, em
1968,também contribuiu para o ganho de espaço dos bispos que defendiam a ideia de ser uma
nova Igreja Latino-Americana.141
Os problemas sociais desenvolvidos, principalmente pela Guerra Fria, atrelados às
novas formas de governos ditatoriais, provocaram a necessidade de agir sobre o social. Os
adeptos à Teologia da Libertação, na América Latina, se aproximaram das ideias comunistas,
construindo alianças com os mesmos.142Assim, logo foram enquadrados como subversivos,
pois compartilhavam as ideias dos considerados “inimigos do Estado”.143
Para Zachariadhes, as ideias da Teologia da Libertação confrontavam algumas
doutrinas da Igreja Católica no que diz respeito, principalmente, à postura desta instituição
frente às ditaduras civis-militares. Para isso, a Teologia recorreu, principalmente, às ciências
sociais, especialmente às correntes marxistas, para auxiliar seus seguidores na análise da
realidade latino-americana. Os teólogos da libertação fizeram uma releitura do marxismo,
adaptando-o a realidade e experiências sociais deles e a sua visão cristã.144As memórias de
padre Pedro, bem como os livros que possuía, apontam para a ideia de que ele simpatizava
com as ideias marxistas.
De acordo com os entrevistados, padre Pedro era dono de uma grande livraria com
livros de filosofia, autores que discutiram sobre o marxismo e conscientização política. João
Purcino afirmou que “ele tinha uma livraria que vendia livros, bem baratinho, a preço de
custo. Uma livraria que vendia livros de conscientização e livros religiosos”. Com a livraria
140
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Itália/Brasil; Feira de Santana, 2017. 1 arquivo via Correio eletrônico . Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
141
VIEIRA, Zaira Rodrigues. “Uma análise do pensamento social de Leonardo Boff no período áureo da teologia
da libertação”.Visioni Latino Americana é La nivista Del Centro Studi per l‟America Latina. P.61.
142
ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro.“BOVES ET OVES”:Católicos e Marxistas na Bahia.IV Encontro
Estadual de História - anpuh-ba história: Sujeitos, Saberes e Sráticas. 29 de Julho a 1° de Agosto de 2008.
Vitória da Conquista - BA. pp. 4 e 5.
143
FICO, Carlos. “Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar”. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 24, nº 47, p.29-60. 2004.
144
ZACHARIADHES, 2008, p. 5.
56
montada pelo padre, muitos jovens passaram a ter acesso a livros antes trazidos apenas pelos
amigos que estudavam fora.145Sobre a livraria, padre Pedro relatou,
Segundo padre Pedro, ele procurou trazer exemplares de livros que dialogassem sobre
as lutas de classes para que os jovens tivessem acesso. Em relato, ele cita o exemplo do
Diário de Che como um dos livros mais comprados pelos jovens na época. Sobre a leitura dos
livros da livraria, João Purcino relatou que a repressão era tão severa e pulverizada pelos
muitos espaços que nem mesmo os pais poderiam saber que eles liam livros relacionados ao
marxismo.147“Nossa época era diferente da época de hoje.Em nossa época não tinha
democracia, né?! Então eu li muita coisa clandestina, escondida. Meu pai não podia ver os
livros de Marx, de Engels e outros relacionados.”148Diante da fala do entrevistado, podemos
relativizar a sua fala, pois é possível que nem todos os pais se preocupassem tanto com o que
os filhos estavam lendo. A partir da fala de Purcino, compreendemos que nos primeiros anos
do grupo, ainda em regime militar, o medo da repressão provavelmente os motivou a fazer
algumas leituras às escondidas. Entretanto, é preciso questionar a memória da clandestinidade
das leituras, visto que os livros de Marx não eram vetados; eram, inclusive, vendidos nas
bancas. Portanto, não existia punição para quem fosse encontrado lendo Marx. Sobre a
clandestinidade de leituras, Antônio Régie pontua:
145
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
146
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento II [jul. 2018]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 (53 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
147
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
148
Ibid.
57
Na fala acima, o entrevistado, assim como Purcino, traz a memória de que eles tiveram
acesso aos livros de Marx, Engels e Che. Esse imaginário de proibições é relatado na fala de
Régie como algo que foi intenso entre ele e seus amigos nos fins dos anos de 1980. Em
conversa informal questionei quais livros especificamente destes autores tiveram acesso nos
anos de 1980. Os dois entrevistados só conseguiram lembrar de três: “O 18 de brumário de
Luis Bonaparte”; “O capital” e “O diário do Che na Bolívia”. A partir da conversa, podemos
pontuar os possíveis exageros e flutuações de suas memórias. Entre os entrevistados, apenas
três falam sobre os livros com detalhes e com propriedade.
Segundo o próprio padre e demais entrevistados, padre Pedro Ghirelli dialogava muito
com os jovens, sempre para desenvolver atividades com o objetivo de minimizar as mazelas
causadas pelo esquecimento governamental. De acordo com as memórias, Pedro era um padre
sensível às injustiças sociais. Entretanto, as lembranças do padre apontam que ele não seguia
a ideologia da Doutrina Social150 de pensar a caridade como a solução para a pobreza. Diante
das circunstâncias de miséria, ele via a necessidade de ajudar a comunidade. Segundo João
Purcino,
Padre Pedro chegava: “andei por ai a seca está braba”, muita fome. Aí
botava nós pra cadastrar as famílias mais carentes e distribuir cesta
básica, comprava no mercado com recurso dele mesmo. Padre Pedro era
rico. [...] amigo do povo, realizou muitos trabalhos relevantes na região.
Construiu junto às comunidades envolvidas igrejas, centros comunitários,
livrarias, olarias, marcenarias e oficinas de corte e costura.151
149
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
150
A Doutrina Social que a igreja pregava, baseada na Rerum Novarum, ao mesmo tempo em que pensava nos
trabalhadores, rejeitava o socialismo. Deste modo, seu objetivo maior, era ajudar os pobres pela caridade e não
acabar com a pobreza, a partir de uma modificação no sistema. SILVA, Marinélia Sousa da.“Padre não deve se
meter em política?”: Conflitos de política e religião em Riachão do Jacuípe nas ultimas décadas do século XX.
(Salvador –BA). 2005. Dissertação (Mestrado em História) -, Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas– Salvador, 2005. P.97.
151
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
58
Como apontou o entrevistado, o pároco realizava, junto aos jovens do grupo, projetos
sociais. Na maioria das vezes, aconteciam em épocas de longas estiagens, pois, na década de
1980,a maior parte da população sobrevivia da agricultura familiar, fator determinante para
que na época da seca passassem por momentos difíceis.152 “Eu percebia que agricultura vivia
com toda essa problemática de chove não chove, sempre presente, chove, não chove, perdeu,
plantou.”153
Para padre Pedro, o fato da região, à época, ter sua economia voltada em grande
medida para a agricultura era um problema, na medida em que as longas estiagens deixavam a
maior parte da população desamparada. O JUPP atuava ao lado do padre nas questões sociais,
construindo canteiro de praças, limpando terrenos baldios, cadastrando famílias e distribuído
cestas básicas e, até mesmo, construindo casas para os desabrigados.154 Sobre a atuação do
JUPP, o primeiro prefeito de São Gabriel, eleito em 1985, narrou um episodio dos jovens:
Era um grupo de jovens ligado à igreja. Era João Purcino e o pessoal. Aquela
praça da igreja (Referindo-se à praça da igreja matriz) foi eu que fiz também.
Não tem aqueles bancos ali? Foi eles quem fizeram.O grupo de jovens que
fez na época que São Gabriel era município de Irecê, plantaram aquelas
algaroba, e quando eu assumi a prefeitura eu calcei. Aí eles eram oposição,
eles eram ligados ao PT e ao PCdo B.E quando eu construi a praça eles
foram à prefeitura: “Prefeito nós viemos aqui porque você sabe que fomos
nós que começamos ali.” Eu, como não sou de criar confusão, falei: “Tudo
bem, nós não vamos inaugurar com uma festa, mas com uma missa na praça,
aí vocês vaie eu também”. Não quis briga não, aí deu certo.155
Renan Pereira foi o primeiro prefeito de São Gabriel, eleito nas eleições de 1985,
apoiado por Antônio Carlos Magalhães e João Durval.156 No trecho acima ele narra a
construção da pracinha da igreja pelos jovens do JUPP, bem como apareceu na fala de João
152
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
153
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento II [jul. 2018]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 (53 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
154
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
155
PEREIRA, Renan dos Santos. Renan dos Santos Pereira: depoimento I [Nov.. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (31 min. e 44 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
156
“Porque eu era candidato do governo no grupo de Antônio Carlos Magalhães na época. João Durval
governador da Bahia na época a gente era dos partidos ligados ao governo tanto eu como o professor Osvaldo.
Osvaldo era do PFL e eu do PTB.” PEREIRA, Renan dos Santos. Renan dos Santos Pereira: depoimento I [Nov..
2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (31 min. e 44
seg. ). Entrevista concedida para pesquisa histórica. No trecho da entrevista de Renan ele relata que ele e outro
candidato das eleições de 1985 eram apoiados pelo governado João Durval e ACM.
59
Purcino anteriormente. O grupo iniciou a construção da praça aos arredores da igreja matriz.
Segundo Renan Pereira,seus integrantes não aceitaram uma festa de inauguração, já que o
local não tinha sido construído apenas pelo prefeito. Segundo o relato de Renan, ele acredita
que os jovens quiseram brigar por serem “da oposição”, ligados aos partidos de esquerda. O
episódio mostra uma tensão entre a JUPP e prefeito em 1986, justificada por uma das partes
por acontecer por divergências políticas.
O JUPP, além dos projetos sociais junto ao padre, realizou projetos culturais. Com o
incentivo do padre Pedro passou a apresentar peças teatrais para a comunidade. Segundo os
entrevistados, as peças teatrais tinham caráter crítico e politizador permeadas, principalmente,
pelas questões de opressão e exploração das classes marginalizadas. Segundo João Purcino,
na época do grupo de jovens nosso aí, veio de Salvador umas duas pessoas
fazer palestra sobre teatro, teatro do oprimido de Augusto Boal. Palestra
importante. Oxe, esse pessoal ligado ao movimento, a gente, era ousadopra
época.157
João Purcino narrou episódios em que tiveram acesso às tendências da arte teatral que
estavam em alta em Salvador, a exemplo do Teatro do Oprimido.158 O entrevistado destaca
que uma das manifestações cultural mais importante apresentadas pelo grupo foi às peças
teatrais que, segundo ele, tinham mensagens críticas. Ele lembra que tiveram acesso a
palestras de profissionais ligados ao Teatro do Oprimido de Boal.159
Purcino busca demonstrar que as questões políticas eram ignoradas por grande parte
da igreja e o teatro possibilitou representar as críticas aos governantes de forma lúdica. Isso
porque o alinhamento dos movimentos sociais e culturais com a dimensão política não era
permitido pelos políticos locais, a maioria deles católicos.160
157
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
158
O Teatro do Oprimido era uma tendência na arte teatral, que tinha como objetivo despertar o espectador, a
partir da arte, para as explorações, opressões e injustiças. DALL‟ORTO, Felipe Campo. “O Teatro Do Oprimido
na formação da cidadania”. Fenix: Revista de História e Estudos Culturais. Abril/maio/junho de 2008. Vol. 5 ano
V nº 2. ISSN.1807-6971.
159
Augusto Boal nasceu no Rio de Janeiro em 1931. Foi criador e idealizador do Teatro Do Oprimido.
DALL‟ORTO, 2008.
160
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
60
O padre foi o grande aliado do JUPP. ao mesmo tempo em que pedia a colaboração da
comunidade para com os jovens, ele também cedia o altar da própria igreja para que as peças
fossem apresentadas. João Purcino relata que
Com o apoio do padre, peças teatrais foram apresentadas dentro da igreja pelo JUPP, o
que causou, segundo os entrevistados, a insatisfação de muitas pessoas. Eles acreditam que a
não aceitação aconteceu pelo fato de as peças teatrais possuírem um caráter crítico e isso
também incomodou os políticos locais. Sobre a atuação teatral José das Virgens narra,
O grupo era ligado a pastoral da juventude, mas quando você tinha pessoas
religiosas como padre Pedro, aí ele trazia alguns elementos da formação
cristã, trazia uns elementos de formação cultural, incentivava a gente a fazer
teatro, incentiva a gente a despertar para a luta de classe né? Tipo, entender
como funcionava a sociedade, né? Era uma espécie de formação política. 162
O entrevistado acredita que o incentivo de Padre Pedro para a arte, no caso o teatro,
era uma forma de despertá-los também para a luta de classes, mesmo que grupo fosse
religioso. Graças a presença e atuação do padre, eles passaram por uma formação política. A
memória de José das Virgens segue a mesma lógica da fala anterior de João Purcino. Segundo
Padre Pedro,
161
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
162
VIRGENS, José Carlos Dourado Das. José Carlos Dourado Das Virgens: depoimento I [jul., 2018].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3(45 min. e 36 seg.)
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
61
as críticas e com eles certamente houve reações, mas comigo o pessoal não
tinha coragem de falar diretamente.163
Padre Pedro, assim como Purcino e José das Virgens, acredita que as peças possuíam
teor críticos e que por conta disso os jovens eram criticados. O padre não fala da ligação dos
jovens com o Teatro do Oprimido, como narrou anteriormente Purcino, mas confirma a ideia
de usar a arte teatral para abordar os problemas da comunidade local, que era uma
característica do Teatro do Oprimido. Sobre sua atuação na região, padre Pedro informa que
O trabalho principal que tentamos realizar foi a criação das CEBS, e espero
tenha atingido também o povo de São Gabriel. A finalidade era de apresentar
um Evangelho Libertador: tirar o povo da fé fatalista (é Deus quem quer),
para enfrentar os problemas da vida com responsabilidade e na união.
Educar a uma fé que responsabiliza. Tentamos levar o povo a se organizar
em comunidade crista, assumindo e repartindo os ministérios, criar
associação, sindicato, partido.164
O entrevistado que passou a se aproximar do JUPP já nos últimos anos do grupo trata
padre Pedro como um indivíduo muito politizado que usava das missas para dialogar os
problemas sociais locais. Por isso, era malvisto por pessoas conservadoras da igreja. As
163
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento II [jul. 2018]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 (53 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
164
Ibid.
165
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
62
Padre Pedro acredita que, a partir das ações de conscientização política conduzidas por
ele na igreja, influenciou a derrota de Joacy Dourado nas eleições de 1981. Joacy, segundo os
entrevistados, perseguiu o MAC e atuava de forma conservadora. Isso fez com que ele virasse
alvo das críticas do padre em suas missas. Padre Pedro narra que a mulher de Joacy
frequentava a missa e ouvia seus sermões e críticas, o que a deixava com raiva. Com a saída
de Joacy Dourado e a vitória de Hildebrando Seixas, padre Pedro permaneceu tecendo críticas
às formas de governar. Pedro relata que o governo de Hildebrando chegou a ser pior do que o
de Joacy Dourado. João Purcino destaca que logo Hildebrando Seixas tomou uma providência
em relação à postura de Pedro.
Depois em 1982 o prefeito foi Doinha. Perseguia a gente também, que tal?!
Ele perseguia agente, eu lembro como hoje, quando ele nos perseguia. Acho
que porque a gente era uns jovens rebeldes, e aí, bem que incomodava. Esses
negócios, sabe?! [...] Padre Pedro foi expulso quando Doinha era prefeito.
Expulsaram ele. A livraria era dele, particular, e ele vendeu essa livraria.
Nós botamos um colega nosso pra tocar e o prefeito botou a polícia e tomou.
Botou a polícia e tomou, foi.168
166
Nasceu em 1º de julho de 1921, em Belém de Maria – Pernambuco. No dia 13 de junho de 1983, foi enviado
para ocupar o cargo de 2º Bispo da Diocese de Irecê. Durante 11 anos prestou serviços à Diocese. Renunciou no
dia 02 de março de 1994 e retornou à sua Cidade Natal, onde faleceu no dia 12 de abril de 2000.
http://diocesedeirece.org.br/bispos-antecessores Acesso em 15 de julho de 2018às 14:40.
167
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento II [jul. 2018]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 (53 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
168
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
63
João Purcino narra que em 1984 padre Pedro Ghirelli foi expulso da paróquia pelo
então prefeito de Irecê Hildebrando Seixas de Souza Filho,169conhecido como Doinha, que
atuou de 1983-1986. Para o entrevistado, o prefeito perseguia os jovens e o padre por não
concordar com os seus posicionamentos. A memória de João Purcino pode ser entendida
também como instrumento de denúncia contra um adversário. A reafirmação da memória do
grupo contra os antigos agentes vinculados à ARENA dá poder para que eles denunciem seus
“algozes”. Sobre a livraria narrada por Purcino, padre Pedro relata:
quando fui embora fechei tudo.Entreguei tudo. Eu sei que tinha acertado
com uma moça, que ela queria comprar e depois ir vendendo, então eu fiz
um escrito para que depois ela fosse pagando a paróquia. Fiz um abatimento
de um 50%, mas no dia que ela foi buscar os livros o bispo mandou a
polícia, então o bispo prendeu tudo e não sei o que fez. Tínhamos um capital
de livros significativo. 170
Para padre Pedro, a livraria era importante para que jovens pobres tivessem acesso à
livros da literatura e com teor de conscientização política. Nas duas falas, a de João Purcino e
de Padre Pedro, eles narram que o fim da livraria se deu com a apreensão da polícia. O
primeiro justifica ter sido o prefeito quem ordenou a ação truculenta da polícia; o segundo
acredita ter sido o bispo. A partir da fala dos dois, é possível pensar que o prefeito e o bispo
agiram juntos para colocar um fim na atuação tanto do padre quanto dos jovens.
A memória da livraria compartilhada por João Purcino e padre Pedro é trazida como
um espaço de socialização dos jovens do grupo que tinham acesso a livros que foram
importantes na formação política deles. Sobre sua saída da região de Irecê, padre Pedro
relatou:
Minha saída, primeiramente, foi o bispo, o bispo não aceitava muito bem a
nossa pastoral, a nossa maneira. Então, a primeira dificuldade foi com o bispo.
O bispo pediu apoio a Donhia e Doinha deu todo apoio. Então os dois se
juntaram, mas quem deu a primeira iniciativa foi o bispo Edgar Carício de
Gouvêa. Sobre isso se interessar eu tenho um bocado de documento, tenho
toda a papelada, as reações do povo as cartas que escreveram. As pessoas
reagiram muito, porque foi de muito sofrimento para quem acompanhava toda
essa caminhada, fui humilhado. O bispo chegou a mandar demitir dois jovens
do Banco do Bradesco só porque eram do grupo de Jovens. Então foi um
169
Hildebrando Seixas, professor, contador, agricultor, mais conhecido como Doinha, foi eleito pelo povo para
exercer o mandato de prefeito no período de 1982. RUBEM, Jackson. História de Irecê para jovens. 1ª edição.
Irecê: Print Fox, 2013, p.84.
170
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento II [jul. 2018]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 (53 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
64
Padre Pedro, assim como João Purcino, acredita na interferência de Doinha para que
ele fosse retirado da Paróquia São Domingos de Irecê. Entretanto, o padre aponta como figura
central o bispo Edgar Carício de Gouvêa que, segundo ele, era aliado político do então
prefeito. Ao narrar sobre sua saída, Pedro relatou de maneira comovida, lembrando que foi
humilhado e acusado de não ensinar os jovens de forma correta como manda a igreja.
Com o retorno do padre Pedro à paróquia de Ruy Barbosa, o JUPP passou a realizar
suas atividades com menor frequência, pois já não tinha a igreja como palco para suas artes.
As atividades do grupo foram acontecendo de forma mais tímida. Além da perda do apoio de
Pedro, os jovens passaram a lidar com outras demandas da vida como casar, cuidar de filho e
trabalhar.172 Por conseguinte, começou o desmembramento processual, e em 1988 chegou ao
fim.
Podemos pensar a atuação do JUPP em duas etapas, de 1980 a 1984 e de 1985 a 1988.
Os primeiros anos do grupo foram vividos ainda no período da ditadura militar, quando São
Gabriel ainda estava sob a condição de vila e eles contavam com o apoio de padre Pedro. Em
1985 padre Pedro foi transferido173 e São Gabriel se emancipou. Dessa forma, os
entrevistados apontam que os primeiros anos do grupo foram os mais intensos, enquanto que
a partir de 1985 a atuação passou a acontecer de forma mais tímida.
Em 1980, muitos jovens que fizeram parte do MAC e os que atuavam no JUPP, com a
abertura política, passaram a filiar-se ao Partido dos Trabalhadores (PT) e ao Partido
Comunista do Brasil (PC do B). No fim dos anos de 1980 e na década seguinte alguns
membros desses dois grupos passaram a concorrer à política local como Zé das Virgens,
Antônio Carlos (Toinho Vice) e João Purcino. Segundo padre Pedro,
171
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento II [jul. 2018]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 (53 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
172
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
173
Ibid.
65
A fala de padre Pedro aponta para a sua participação como incentivador dos jovens a
procurarem partidos que defendessem o povo. Naquele cenário de desigualdade que
caminhava para o fim de regime militar, o Partido dos Trabalhadores nascia como uma nova
alternativa aos jovens. Padre Pedro justificou nunca ter se filiado a partido algum no Brasil,
mas acreditou nas ideias do PT e por isso incentivou que os jovens aderissem a partidos mais
à esquerda. Sobre a atuação dos jovens do JUPP no PT José das Virgens afirma que
participou
174
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento II [jul. 2018]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 (53 min. e 13 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
175
VIRGENS, José Carlos Dourado Das. José Carlos Dourado Das Virgens: depoimento I [jul., 2018].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3(45 min. e 36 seg.).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
66
pode ter contribuído para a desarticulação do MAC em função dos ataques de políticos da
ARENA, como Joacy Dourado e Edimário Eduão. No trecho acima, José das Virgens narra
sobre o seu envolvimento com o Partido dos Trabalhadores no início dos anos de 1980,
quando ainda era estudante da escola técnica em Irecê. Para o entrevistado, o PT surgiu na
região no mesmo momento em que estava surgindo nacionalmente e foi fundado em São
Gabriel logo após a emancipação da cidade. Segundo José das Virgens, ele e outros membros
do JUPP passaram a participar da política desde as primeiras eleições de São Gabriel e
tiveram força para concorrê-las a partir de 1988.
Na memória de José das Virgens, os membros do JUPP tiveram uma relação muito
íntima com partidos de esquerda, sobretudo, o PT. José das Virgens junto a Antônio Nunes
concorreram às eleições de 1988. Ele relata que padre Pedro não estava mais na diocese São
Domingos e voltou à região para apoiá-los durante as campanhas eleitorais, o que mostra o
envolvimento mais efetivo do pároco com as questões eleitorais da região. Segundo José das
Virgens, eles não venceram as eleições, mas a partir daquele pleito ele passou a concorrer
eleições durante a década de 1990, quando já era membro do Culturarte. O entrevistado
credita que aquela eleição foi o início para que ele e outros integrantes do Culturarte
passassem a participar ativamente do PT e da política local.
Para Antônio Régie, a atuação do MAC e do JUPP em São Gabriel foi importante para
o amadurecimento político e cultural dos jovens que nos anos de 1990 fundaram o
Culturarte.177Segundo ele, essas influências se acentuaram em torno de ideias e diálogos
vindos dos partidos de esquerda nos anos de 1980. De forma geral, os entrevistados observam
176
VIRGENS, José Carlos Dourado Das. José Carlos Dourado Das Virgens: depoimento I [jul., 2018].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3(45 min. e 36 seg.).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
177
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
67
que mesmo depois que o MAC e o JUPP deixaram de existir, suas influências perduraram na
cidade.178 É provável que tenha se criado entre as pessoas do meio cultural uma memória de
uma linearidade cultural alinhada a uma militância política dos dois grupos que influenciaram
os membros do Culturarte. Para Antônio Carlos, o MAC, não obstante ter durado menos de
um ano, “influenciou muito a nova geração”.179 Segundo Antônio Régie,
como já tinha essa posterioridade do MAC, depois veio o JUPP. [...] Eram
pessoas politizadas e por sua vez liam muito, escreviam muito. [...] Comecei
a ter interesse pelo marxismo, pela sociologia, filosofia, e, sobretudo, depois
pela cultura popular. [...] Isso foi atribuído a esse meio intelectualizado e
politizado de São Gabriel. [...] esse pessoal que participou primeiro do MAC,
depois do grupo JUPP, né? Nunca pararam por aí, sempre nas escolas, um
pessoal muito descontente, uma juventude meio rebelde né?[...] [...] então
como já tinha essa antecedência do MAC e do JUPP, aí um grupo de pessoas
aluiu a praça né? Então, começamos a formatar a ideia de cultural e que,
sobretudo, poderia fazer algo de bom pra São Gabriel.180
São Gabriel, 1991. Em uma roda de amigos tocavam-se as violas, cujas músicas
preferidas eram as que cantavam o sertão. Uma mistura de nota musical com poesia. Mas
178
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
179
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg.).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
180
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
68
Toinho-vice, Itamá, Erismá, Antônio Galego, Netão, esse pessoal, que foi
pra uma Semana de Artes no Uibaí.Que a Semana de Arte no Uibaí fazia na
semana santa, quinta-feira santa, sexta-feira. Fazia o evento cultural, aí
participaram de um evento cultural na semana de arte do Uibaí. [...] aí eles
falaram: vamos fazer um evento em São Gabriel? Vamos fazer! Aí pronto.181
A Semana de Arte de Uibaí possui certa tradição na região. Ela é considerada um dos
primeiros eventos culturais que buscou valorizar elementos característicos daquele sertão,
com estilos musicais e artísticos parecidos com os que os jovens de São Gabriel
contemplavam, a exemplo de Elomar, Xangaí etc; o que os motivava a prestigiar o evento
sempre que possível. Os membros do Culturarte acreditam que a Semana de Artes de Uibaí
foi o lampejo para que eles decidissem trazer novamente para São Gabriel ações culturais,
como já tinham feito o MAC e o JUPP. As influências culturais eles já possuíam e também
contavam com o apoio das experiências dos veteranos. Com a Semana de Artes surgiu ideias
do que fazer e como fazer.
Depois daquela roda de prosa, viola e cantorias começaram a se organizar. Welington
Oliveira teria questionado: “Toinho você que já está ai há muito tempo no meio dos
movimentos, reivindicando melhorias, vamos fazer uma festa?”.182Da roda entre amigos,
várias ideias foram florescendo até a materialização do evento. Segundo Welington Oliveira,
membro do Culturarte,
181
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
182
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento I [jul. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (46 min. e 21 seg.).
Entrevista concedida a autora para pesquisa histórica.
69
Então, assim, a gente teve um período que a gente estava em uma situação
crítica em São Gabriel em relação a lazer. E a gente questionava, por quê?
Na época a gente pensava assim...Barra do Mendes tem o carnaval, Lapão
tem um carnaval, o Uibaí tem o São João de tradição, Jussara e Central tem a
festa da cidade, Irecê teve um período que fazia a semana de artes e São
Gabriel não tinha nada. Em Xique-Xique tinha carnaval e São Gabriel não
tinha. Então, Gabriel ficou sem referência, assim, em relação a um evento.
Então, assim, foi pensando mais em uma perspectiva de ter opção de lazer.183
Conforme a narrativa, o que motivou o surgimento do grupo foi a busca pela criação
de um evento que se apresentasse como uma opção de lazer, onde pudessem socializar os seus
gostos musicais e artísticos, o que também oportunizaria a quem fosse artista do grupo se
apresentar. A partir da fala de Welington Oliveira podemos perceber que como no MAC e no
JUPP, os jovens que formariam o Culturarte estavam conectados com influências externas.
Desse modo, para além das influências internas dos grupos locais já existentes, eles
dialogavam com ideais de fora que foram importantes estímulos para a criação do Culturarte e
da Cantoria.
O grupo tinha em média quinze pessoas com faixa de idade entre vinte e trinta anos.
Além dos jovens da década de 1990, os veteranos de movimentos culturais da cidade também
o compuseram.184 Faziam parte do Culturarte: Itamá Rocha, Aimá Rocha, Antônio Carlos
(Toinho Galego), Antônio (Tonho-Vice), Antônio Freire (Netão), David Farias, Luiz Sérgio
(Lula), Welington Oliveira, José Carlos das Virgens (Zé das Virgens), Solange, Rêges Abreu,
Ariovaldo (Ló), João Purcino, Agnolia de Oliveira Rocha, Valdelício Barreto Vaz. É possível
que os entrevistados tenham esquecido de alguém que tenha participado do momento inicial
do grupo, entretanto, estes foram os nomes citados nos relatos e que conseguimos identificar
na primeira ata da Fundação Culturarte de 1993. A maior parte dos membros eram homens,
contando com a presença de apenas duas mulheres. Na época, a maioria absoluta tinha o
segundo grau completo que variava entre magistério, contabilidade e técnico agrícola. De
acordo com Welington Oliveira,
Então, tinha técnicos agrícolas, que era eu, Tonho vice, Luiz Sérgio [...]
Tinha músico, Tonho Galego e Ló. Ló que estava iniciando e Tonho Galego
que já tocava até em banda, não era nem no estilo regional, mas era músico.
Tinha marceneiro, que era Rêgis, e Davi de Anselmo era também
marceneiro. Pintor, Ló também era músico e pintor,e produtor rural. Então,
assim, eram profissões diferenciadas, tinham professores também no meio,
na época era Aimá [...] Era assim, essa galera de salário mínimo mesmo, uns
que eram marceneiro, outros que eram professor. Na época não sei se
183
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
184
Ibid.
70
185
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
186
Ibid.
187
PEREIRA, João Purcino; PEREIRA, Leonellia. “Terra dos arcanjos”. Historiografia da cidade de São Gabriel-
Ba. 1ª edição: Print Fox, 2010.
71
A partir das falas, foi possível notar a construção de uma memória que, de alguma
forma, buscava enfatizar a ideia de sujeitos “pobres”, mas que eram honestos, já que o grupo
era formado por trabalhadores que tinham sua própria renda e o evento não teria fins
lucrativos. Entendemos que os entrevistados se preocuparam em falar sobre o assunto,
provavelmente, por conta das memórias que carregam relacionadas ao momento da
construção do evento, quando o grupo ganhou a conotação de desocupados e tiveram a
honestidade questionada.188Depois da ideia de criar um grupo, vieram os encontros e
discussões para definirem possíveis nomes, divisões de trabalho e como colocar em prática as
ideais que surgiam. 189
191
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
192
MONTENEGRO, Antonio Torres. “Travessias e Desafios”. Retirado em;
http://www.revista.ufpe.br/revistaclio/index.php/revista/article/viewFile/106/78. 2011. Acessado em 10/09/2016.
p.7.
73
[...] tinha um peso enorme, o fato de a gente gostar disso [ideias e estilos do
MAC e JUPP]. A gente já passava a ser considerado maconheiro,
cachaceiro. Apesar de eu estar com 48, na época do MAC eu ainda era muito
criança, em 1979 eu estava com dez anos [...] mas era essa influência. Mas
era uma influência no tipo de música e um pessoal mais crítico que também
não acompanhava a corrente política majoritária. Ia para o PC do B ou para o
PT. Então, o fato de ser PC do B ou PT em São Gabriel, significava ser
193
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
194
Em 1978 o vereador Edmário Eduão da ARENA, com o apoio do Deputado estadual Edvaldo Lopes também
da ARENA, passou a buscar a emancipação do município de São Gabriel. O projeto de lei nº 4842/78 foi feito
em nome do deputado, criando o município. Porém, por erros de dados do IBGE o projeto não se valida.In:
Projeto de lei nº 4842/78 – Arquivo da câmara municipal de São Gabriel. Isso aponta que os políticos que
estavam envolvidos no projeto de emancipação e que possuíam poder na região eram políticos de direita, ligados
ao regime militar.
74
porque nossa base foi o MAC. Nossa base, assim, filosófica, artística,
cultural, foi o MAC, Movimento de Arte e Cultura. Mas era essa influência,
mas era uma influência que tinha um peso enorme. [...] Eu não fui nem do
MAC e do JUPP, mas eu recebi essa influência, influência política do JUPP
e essa influência artística e cultural do MAC, é como se a gente fosse assim,
o que ficou o que restou, além de alguns, além de alguns remanescentes,
como Netão, Zé das virgens, João Purcino, Toinho, que vieram desses
movimentos que estavam com a gente, e a gente que recebeu influência deles
e que seguia.196
A maior parte das memórias dos membros do Culturarte aponta para a importante base
filosófica, política e artística dos grupos MAC e JUPP na construção do grupo. Eles acreditam
que esses grupos tenham sido fundamentais para o processo de maturação de ideias
defendidas pelo Culturarte e pelo processo de construção e elaboração daCantoria. Talvez, a
195
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
196
Ibid.
75
militância da maioria dos jovens que formou o Culturarte tenha sido um dos grandes desafios
para conquistar um espaço dentro da cidade de São Gabriel.
As disputas por um espaço surgem a partir de práticas cotidianas que fazem com que
os sujeitos construam suas liberdades. Tais práticas fazem com que os indivíduos se
reapropriem do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural, de modo que são
capazes de ressignificar os espaços urbanos. Os sujeitos inseridos nas cidades manipulam e
improvisam o espaço.197 Dessa forma, o ato de pensar e construir um evento na praça se
caracteriza como uma forma de reelaboração da cidade de São Gabriel, por parte do
Culturarte. Assim, para os entrevistados, a Cantoria era a continuidade, o resgate, a
ressignificação de um espaço de sociabilidade naquele sertão.
197
CERTEAU, Michel de. “A invenção do cotidiano I”: Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. PP.174 e 175.
76
O ano de1991 começou com muito trabalho coletivo e dedicação para os jovens do
Culturarte que se uniram e labutaram para a materialização da tão sonhada festa. Era
momento de fazer tudo muito bem pensado para evitar qualquer “poda” por parte de grupos
políticos da época e evitar também o estranhamento da população. Para isso, era necessário
buscar “dissociar” a militância partidária dos membros do grupo da festa.198 Segundo
Welington Oliveira,
[...] a gente estava assim, com um pouco de receio por conta do que tinha
acontecido com o JUPP e com o MAC [...]aí tinha esse receio, né?! A gente
tinha como base o MAC e o JUPP que foram perseguidos e a gente não
queria ser perseguido. Nada de ser ideológico. O Cultutrarte nasce assim, de
uma pluralidade incrível. Esta questão partidária, nos primeiros anos, a gente
trabalhou muito bem para não deixar influenciar a questão política. Porque a
questão política já tinha influenciado muito os grupos aqui em São Gabriel.
Assim, os grupos passaram a ter uma conotação pejorativa, por conta do
198
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
77
199
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
78
200
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
201
BEZERRA, Amélia Cristina Alves. “Festa e cidade”: entrelaçamentos e proximidades. ESPAÇO E
CULTURA, UERJ, RJ, N. 23, P. 7-18, JAN./JUN. DE 2008. PP. 7 e 8.
79
Welington Oliveira acredita que o Culturarte foi perseguido por políticos da situação e
por pessoas da população que os apoiavam. Para Welington, ser militante de esquerda em São
Gabriel era estar diretamente associado a uma imagem negativa. Por isso ele acredita que o
problema do preconceito e da perseguição ao Culturarte se deu por conta, principalmente, dos
posicionamentos políticos dos membros. Na narrativa acima, o entrevistado apontou que eles
procuraram trabalhar bem as questões políticas dentro do grupo para evitar que fossem
perseguidos como outros grupos o foram em outros tempos. Entretanto, apesar da censura,
eles conseguiram comunicar seus posicionamentos político e ideológico.
Os membros do grupo afirmaram que mesmo com todos os cuidados que tiveram para
não serem marginalizados, não tiveram sucesso, pois circulou na cidade uma má impressão
sobre eles. Na fala de Welington, ele faz questão de frisar que a perseguição não era em
relação à fundação, o que mostra a preocupação dos entrevistados, atualmente, de reforçar
uma imagem positiva da Fundação Culturarte que em alguns momentos foi contestada ou
estigmatizada. No momento das entrevistas, para vários membros do grupo, foi encarado
como um momento de responder a críticas, acusações e falatórios que foram lançados sobre
eles naquela época. Por conta disso, há uma preocupação em analisar os significados possíveis
da construção memorial dos membros do grupo e demais entrevistados. Isso possibilita
entender até que ponto a população e os políticos perseguiram e marginalizaram esses jovens,
202
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
203
Ibid.
80
quais as motivações para tais perseguições e até que ponto Culturarte reagiu, cedeu e/ou
dialogou com a sociedade.
Para a materialização da festa, o trabalho coletivo desenvolvido pelo grupo era a
arrecadação de fundos, a elaboração de cartazes, a realização de contatos com os músicos, a
organização das bebidas e comidas, a coleta, na roça, de estacas de pau para montar a barraca,
cavar os buracos no chão para fixar as estacas da barraca e a compra de palhas. 204 Eles
procuraram vários meios de arrecadar fundos, pois, segundo os entrevistados, não tinham
dinheiro. Sem recursos financeiros, sabiam que nada se realizaria. Então, mesmo com as
divergências políticas, os jovens do grupo procuraram o apoio da prefeitura de São Gabriel.
Segundo Wellington Oliveira, eles buscaram outras táticas para serem aceitos, além da
tentativa de separar a Cantoria da militância, recorrendo ao poder público. O diálogo com o
poder público foi uma forma de tentar pressioná-lo a valorizar as manifestações culturais da
cidade que por muito tempo foram ignoradas ou reprimidas pelas autoridades políticas, como
nos casos do MAC e JUPP. Além disso, esse artifício era também uma tática de
sobrevivência. A aproximação com os governantes, além de possibilitar a captação de
recursos, facilitava, por não irem para o embate direto, a aceitação da população.205
O prefeito da época da primeira Cantoria era Raimundo Pereira Rocha, do Partido
Trabalhista Brasileiro (PTB). Nas eleições de 1988, na qual ele foi eleito, o grupo Culturarte
ainda não existia, mas os jovens e o prefeito já tinham se encontrado em outras ocasiões. Nas
eleições de 1988, como foi citado no primeiro capítulo, dois membros do Culturarte
concorreram às eleições com Raimundo Pereira Rocha. José Carlos Dourado das Virgens – Zé
das Virgens – candidato a prefeito e Antonio Carlos Nunes da Gama – Toinho Vice. Ofato
contribuiu para relacionar a festa à política local.206
Mesmo sabendo que a maior parte dos membros do Culturarte eram de partidos de
esquerda e que foram seus opositores na eleição passada, Raimundo Pereira Rocha resolveu
patrocinar a primeira Cantoria. O cartaz de anúncio da festa traz a prefeitura de São Gabriel
entre os nomes dos patrocinadores, o que confirma que houve algum tipo de colaboração para
204
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
205
Ibid.
206
PEREIRA, João Purcino; PEREIRA, Leonellia. Terra dos arcanjos. Historiografia da cidade de São Gabriel-
Ba. 1ª edição: Print Fox, 2010. Pp. 124 e 125.
81
a realização do evento. Entretanto, a ajuda deve ter sido pequena, uma vez que não se refletiu
na estrutura da festa.207
Raimundo Pereira Rocha, o Raimundinho como era conhecido, era irmão de Carlos
Simões – apelidado de Jacaré – e de Jerônimo, artistas e amigos de alguns membros do
Culturarte que foram atrações da primeira edição da festa. Esse fato pode ter contribuído para
que o prefeito colaborasse com o evento. Além da imagem de Jerônimo e, sobretudo, de
Jacaré como possíveis mediadores entre o prefeito e o grupo para conseguir apoio, uma
manobra que pode ter ajudado ainda mais, tanto para o apoio, quanto para uma minimização
de conflitos, foi o convite do grupo Culturarte ao poeta da Jurema, Dimas Pereira, 208 que era
pai de Jacaré, Jerônimo e do prefeito Raimundinho. Seu Dimas era um dos moradores mais
respeitados de São Gabriel. Segundo Welington Oliveira,
entrou seu Dimas, que era o pai de Raimundinho, o poeta da Jurema, que era
pai de dois músicos que também apresentaram na primeira Cantoria, Jacaré,
que na época era roqueiro, e Jerônimo. Então, surgiu essa ideia do resgate. E
também uma forma de desconstruir aquela imagem que se fazia de todo
mundo do movimento cultural de São Gabriel. Tinha uma conotação
pejorativa: “é movimento de maconheiro, de cachaceiro”. Como a gente
queria fazer uma coisa diferente, já para não ter esse embate e poder seguir,
então a gente começou a valorizar isso e deu um respaldo muito grande ao
grupo. Trazer uma pessoa de tradição, filho nativo mesmo de São Gabriel,
acho que é filho de um dos primeiros fundadores, e fazer uma apresentação
na praça. Então, vai se falar o que de um grupo como esse? Um grupo de
baderna? Não! Talvez se a gente só colocasse Jacaré com o rock, que ele até
quebrou o violão na primeira cantoria (risos). Mas aí com a presença de seu
Dimas, acho que foi assim um peso importante nessa coisa, aí a partir daí
começou essa coisa da valorização, né?209
207
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
208
Dimas Pereira Rochaé neto de um dos primeiros casais que habitaram no território gabrielense, Antônio
Pereira Rocha e Hermenegilda Ana Rocha. (Dimas Pereira, o poeta da jurema. Org: Lívia Ramaiana. Editora,
Print Fox.) Nasceu em São Gabriel em 26 de julho de 1925 Seu Dimas escreveu várias poesias e ficou conhecido
como peta da Jurema. Jurema é o nome dado a território que fica no alto próximo a cidade de São Gabriel.
Faleceu em 31 de agosto de 1991, no mesmo ano da primeira edição da Cantoria. (PEREIRA, 2010. P. 35)
209
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
82
evento fosse realizado. A narrativa de Welington Oliveira aponta para uma espécie de tática,
para que eles não fossem malvistos pela população, como aconteceu com os grupos anteriores
ao Culturarte. A tática partia da perspectiva de que a participação de um homem tão
respeitado quanto seu Dimas daria ao evento uma conotação positiva, de seriedade.210 Por
outro lado, nas falas de outros entrevistados, seu Dimas não foi só convidado apenas como
uma manobra de aceitação, mas também por conta da importância cultural que ele
representava para São Gabriel e para aqueles jovens do Culturarte.
Mesmo que todos os entrevistados recordem de seu Dimas de forma positiva em
relação à Cantoria e ao grupo, ao analisarmos seus poemas nas décadas de 1970 e 1980, é
possível perceber que a relação de alguns jovens com o poeta não tenha sido tão harmônica.
Alguns dos poemas criticavam os cabeludos, a guerrilha e o movimento de esquerda, no
contexto em que alguns jovens do Culturarte se articulavam para formar o MAC.
Em vista disto, podemos pensar que os membros do Culturarte entenderam que na
década de 1970 o poeta partilhava de uma visão de mundo que criticava práticas mudancistas,
mas com alguma aderência ao anticomunismo. No entanto, independente do teor de suas
críticas, ele ainda era uma referência na cultura na cidade. Isso porque, como apontou
Wellington acima, na primeira edição da festa, a figura de seu Dimas foi importante para
marcá-la positivamente.
No que se refere aos poemas de seu Dimas, a maior parte da população só teve acesso
a muitos deles recentemente, em função da publicação, em 2010, da publicação do livro
Dimas Pereira, o poeta da Jurema, organizado por sua filha, Lívia Ramaiana. Segue um dos
poemas publicados na coletânea:
A modernagem de hoje
Que está na onda avançada,
Com sua moda escandalosa,
Sua vida depravada.
Quando reúne a maloca
É aquele papo profundo,
Se papo fosse vantagem,
Sapo mandava no mundo.
Barba e cabelos cumpridos,
Ficam nas equinas em pé,
Fazendo gestos com os lábios
E chupando picolé.[...]211
210
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
211
ROCHA, Dimas pereira. “Dimas Pereira, o poeta da Jurema”. Org: Lívia Ramaiana. Crítica aos
cabeludos,1977. P. 29. Ed. Print Fox. Irecê.
83
212
ROCHA, Dimas pereira. “Dimas Pereira, o poeta da Jurema”. Org: Lívia Ramaiana. Ed. Print Fox. Irecê.
213
FIGUEIREDO, Antônio Régie Evaristo de. Antônio Régie Evaristo de Figueiredo: depoimento I [mar. 2013].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (20 min.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
84
como patrocinador qualquer órgão, instituição, comércio ou pessoa que ajudasse a realização
da festa. 214
Percebemos que a maioria dos entrevistados preferiram não expor muito suas opiniões
em relação às pessoas que estavam assumindo os cargos públicos na época, certamente,
porque esses nomes ainda fazem parte do jogo político atual. É possível que tal
posicionamento seja para não gerar mais conflitos. Entretanto, conseguimos identificar
algumas denúncias, queixas e conflitos com prefeitos em algumas narrativas. Sobre os anos
posteriores à primeira edição da Cantoria, as narrativas irão apresentar embates com o prefeito
Edes José da Rocha, por exemplo.
Por mais rebelde que o grupo tenha sido, tendo enfrentado alguns políticos locais, ele
negociou e foi moderado em alguns aspectos como, por exemplo, aceitar ajuda dos prefeitos,
mesmo sendo uma ajuda mínima, e divulgando o apoio da prefeitura municipal no cartaz. É
provável que essa relação de negociação tenha sido uma tática para desvincular a imagem da
festa da imagem de militantes de esquerda que os fundadores carregavam e também uma
forma de conseguir mais fundos. Ao analisarmos as falas dos participantes do Culturarte
percebemos a preocupação em justificar que a prefeitura não ajudava da forma que deveria e
que as ajudas apareciam a partir da relação de algum membro do grupo com o prefeito.215
Como precisavam de mais dinheiro, eles passavam de porta em porta, nas casas
comerciais da cidade e no comércio de Irecê, em busca de recursos para a realização do
evento. A coleta de fundos foi realizada coletivamente, mediante o empenho dos membros de
passarem a “cuia” 216. É assim que o entrevistado Welington Oliveira define: “foi tudo a base
da cuia” 217. Contaram também com a boa vontade de algumas pessoas, atentas e curiosas, que
pararam alguns minutos para ouvi-los divulgar a Cantoria. Contudo, a maior parte da
214
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
215
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
216
Cuia é um tipo de “vaso feito do fruto maduro da cuieira, depois de esvaziado do miolo. Uma espécie de
concha utilizada para diversas aplicações, desde uso para medidas de produtos a uso como prato ou utensílio
para acondicionar produto.” http://www.dicionarioinformal.com.br/cuia/acesso em 03/05/2016. Em alguns
recantos do sertão é chamada também de cabaceira. Existe uma proximidade entre passar a cuia e pedir esmolas,
remetendo à expressão “com a cuia na mão”.Deste modo,a cuia virou símbolo de recipiente apropriado para
arrecadar dinheiro, por isso a expressão de Wellington de que a festa foi realizada a base da cuia. – Grifos nosso.
217
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
85
população estava descrente no evento, já que uns acharam logo que seria uma baderna, outros
acharam graça, mas por conhecer os meninos – já que na cidade todos se conheciam –,
acabaram por ajudar de alguma maneira. Foram poucas as pessoas que colaboraram, mas para
os entrevistados houve, sim, quem acreditasse neles, mesmo que eventualmente, algumas
ajudas tenham disso consequência da sensibilidade pelo esforço e trabalho coletivo.218
Um cartaz foi elaborado trazendo a programação do evento. Ele foi impresso e colado
pela cidade. Nele, os jovens divulgaram os dois dias de festa que aconteceria entre 20 e 21 de
abril de 1991. O cartaz trazia a programação e anunciava as atrações que começariam a partir
das 15:00 horas. A programação contava com a exibição de vídeos, a apresentação de dança e
teatro, rodas de capoeira e shows de cantadores, no turno da noite. Nessa primeira edição, a
Cantoria, como foi citado, contou com a presença de seu Dimas Pereira – o poeta da Jurema
que já estava adoentado e fragilizado, vindo a falecer no mesmo ano. Contou, também, com a
participação de Dinho Oliveira, Geronias, Gerônimo e Jacaré e alguns membros do Culturarte
como Ariovaldo Santos (Ló), Valdelício Barreto e Antônio Carlos ( Toinho Galego).219
Cartaz da I Cantoria em São Gabriel. Ano, 1991. Retirado do acervo de fotografias da Fundação
Culturarte.
218
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
219
Cartaz da primeira cantoria de São Gabriel de 1991. Retirado do acervo de fotografias da Fundação
Culturarte. Acesso em 10/08/2014.
86
O cartaz foi elaborado pelos membros do Culturarte e impresso com apoio dos
patrocinadores. Podemos perceber que eles anunciaram com destaque apenas o dia 21 de
abril, mas logo abaixo segue uma programação desde o dia 20 de abril que anuncia, além dos
shows, uma diversidade de manifestações artísticas.
Feito de forma simples, o cartaz trouxe apenas a cor azul. Para demarcar o caráter da
festa, eles escolheram como ilustração o desenho de um cantador com a viola, o que
demonstra a preocupação com os ritmos que a Cantoria apresentaria. Esse recurso foi uma
forma de mostrar que o cantador, a viola e as canções eram os principais símbolos da festa. O
cabelo alto, em estilo black220, do cantador ilustrado no desenho representa a imagem de um
homem negro, o que reflete também a preocupação do grupo com as questões raciais.221
A praça principal, local onde aconteceu a festa, fica na parte central da cidade, e era o
maior ponto de vendas e onde estavam localizadas as principais casas comerciais da época. Os
jovens do Culturarte tiveram a “ousadia” de montar o reboque de caminhão exatamente ali.
Durante todo o dia, eles se dedicaram aos preparativos, causando curiosidade e inquietação a
boa parte da população. Como vimos no cartaz e de acordo com os relatos, apenas alguns
comerciantes colaboraram, isso porque a grande maioria era contra a realização da festa.
O vídeo apresentado no primeiro dia de Cantoria foi baseado nos poemas de João
Cabral de Melo Neto, “Morte e vida Severina”, dirigido por Zelito Viana e lançado em
1977.222Ele narra a história de um sertanejo retirante que partiu para o litoral com o objetivo
de fugir da fome, da miséria e da opressão. O filme se aproxima muito da realidade do lugar
que a festa aconteceu. Em São Gabriel foi comum um grande índice de migração para os
grandes centros urbanos, em busca de melhorias de vida, já que a seca castigava há anos
aquela região.
Por seu turno, a peça teatral foi montada e apresentada em homenagem aos povos
indígenas, pelo fato de o Dia do Índio ter sido um dia antes da Cantoria e pela identificação
que a maioria do grupo tinha em relação à cultura indígena. É comum que, naquela região,
220
No capítulo anterior Valdelício Barreto relatou sobre os cabelos Black que usavam quando eram ainda do
MAC. Naquele período as influência das questões raciais começavam a ganhar espaço através do movimento dos
Panteras Negras e da luta pelos direitos civis nos EUA, que foram bastante influenciados pela atmosfera da
contracultura. É importante frisar também o caso do membro do MAC, José Resende que segundo a entrevistada
Jandira Pereira, utilizou nos anos de 1970 e 1980 elementos estéticos que afirmava sua identidade negra, e para a
entrevistada, era criticado, principalmente, por conta da sua cor da pele. Segundo os entrevistados, estes sujeitos
do MAC e suas ideias agregaram-se ao Culturarte em 1990.
221
Aqui podemos pensar as contradições que marcam qualquer movimento político. O mesmo grupo político
que, talvez, estava preocupado em afirmar uma estética negra e disputar o campo racial, naturalizava sentimentos
racistas que qualificam de “ruins” cabelos crespos. O que explica essa contradição é justamente o fato de o
racismo ser estrutural, que faz com que as pessoas naturalizem expressões racistas.
222
Retirado de http://www.adorocinema.com/filmes/filme-242121/ . Acesso em 01/08/2017.
87
muitos tenham avós e bisavós indígenas, já que os sertões foram povoados por muitos
deles.223Os sentidos das duas escolhas, tanto do filme, quanto do tema da peça teatral, falam
muito sobre o que eles queriam com a festa: trazer para a arte coisas que faziam parte do
quotidiano. No cartaz, as representações do negro, da migração do sertanejo em busca de
trabalho e dos povos indígenas, atravessaram a primeira edição da Cantoria, apresentando o
que ela significava enquanto movimento cultural para seus criadores.
Como mostra o cartaz, os shows musicais como foram compostos em sua maioria
pelos próprios componentes do Culturarte e alguns artistas da cidade e região. Além da
programação, a divulgação informava também os nomes dos seus patrocinadores que ocupou
a maior parte do anúncio. Entre os patrocinadores encontramos estabelecimentos comerciais
de Irecê e apenas alguns de São Gabriel, além de nomes de cidadãos comuns. Segundo
Welington, as pessoas
[...] davam 20, 10, 30, 40 reais, de acordo com a capacidade, mas depois da
primeira, que eles perceberam e a gente fez tudo certinho desde a primeira,
quem deu 10 reais, quem deu 20 o nome saiu no cartaz como patrocinador
[...] no cartaz ia o nome do cara, até da pessoa que deu como pessoa física e
ai eu acho que isso ai causou um impacto positivo, é a coisa da transparência
[...]224
De acordo com a narrativa acima, algumas pessoas, que não eram comerciantes ou não
estavam ligadas a instituições, também fizeram doações e, mesmo que tenha sido em pequena
quantia, tiveram os nomes gravados no cartaz, juntamente com os nomes dos comércios e
órgãos que patrocinaram. No cartaz, observamos ainda entre os patrocinadores o nome de
Netão. Ele, como já foi mencionado, era de família abastada e também colaborou
financeiramente para a materialização do evento e, mesmo fazendo parte do grupo, seu nome
foi para o cartaz.
Como eles não conseguiram muito recurso com a arrecadação de fundos, tiveram de
pensar em outros meios para aumentar a renda. Pensaram, então, na construção de uma
barraca, para vender bebidas e comidas, que seria administrada através do revezamento dos
223
Ata da assembleia geral extraordinária da Fundação Culturarte. Realizada em 05/04/ 1993 no Salão
Comunitário - Praça da Matriz, s/n em São Gabriel-Ba. Retirada do arquivo da Fundação Culturarte. Acesso em
12/09/2012.
224
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
88
próprios membros do Culturarte.225 A ideia da barraca era trabalhosa, mas era uma boa forma
de conseguir mais recursos para custear as despesas da festa. Segundo Valdelício Barreto,
A barraca era vista como mais um risco para aquele projeto que tinha muitos motivos
para não dar certo. Foi mais uma aposta que os fundadores fizeram para conseguir
materializar o sonho do evento. As funções foram divididas entre quem iria ficar controlando
as vendas, comprar as bebidas, organizar a decoração da barraca etc. Mas o momento de
feitura da barraca aconteceu da forma que o grupo primava: coletivamente. Como afirmou
Welington Oliveira, “Tudo em regime de mutirão. Vai fazer a barraca? Vinha todo
mundo.”227 Até o artista Dinho Oliveira, que foi contratado para a primeira cantoria,
participou da construção da barraca. Caiu caatinga adentro a procura de “pau” para a
construção das estruturas do bar da Cantoria.228 Valdelício Barreto narrou um dos episódios
que lhe marcou a memória no momento de construção da barraca.229
para fazer a barraca a gente fazia de palha de coco, hoje não, você coloca um
toldo assim e já é uma barraca. Naquela época não. A gente tinha que fazer
de palha de coco e fechar, rodeava todinha e deixava só a porta de entrada,
né? Para controlar o balcão e tal. E aí, a gente foi comprar as palhas lá em
seu Nicolino.Quando nós chegamos lá, aí nós contamos as palhas, nós não,
ele. Ele contou as palhas e deu cento e uma palhas e aí ele tirou a palha e
jogou no chão (risos). Aí falamos: “não seu Nicolino, só sobrou uma. Para
que o senhor vai querer essa palha? Não vai secar? Não vai prestar”. Aí ele
falou: “se você quiser levar as cem leva, se não quiser, podem jogar no chão
todas e não precisa levar”. Que tal? (risos). Por causa de uma palha, até hoje
eu me recordo das palhas. Ele preferia perder as cem palhas, de vender, por
causa de uma que ficou. Aí nós trouxemos para cá. Aí compramos e mesmo
assim ele ficou com a palha dele, que tal? Ele não deu não (risos). Nem deu
a palha, nem deu os cocos que estavam no chão (risos). Velho ruim. Já
morreu.
225
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
226
Ibid.
227
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
228
Ibid.
229
Ibid.
89
A barraca da terceira Cantoria já possuía lona para cobertura, mas ainda foram usadas
palhas e a estrutura ainda era de madeira. Na fotografia de 1993 aparecem algumas pessoas
que eram consumidores da barraca. Dentro dela, mais ao fundo, podemos observar os cartazes
90
que compuseram a decoração que, provavelmente, foram utilizados desde a primeira barraca.
Aparecem duas imagens de Che Guevara, de Charlie Chaplin e de Cazuza. Esses três
personagens podem representar os ideias de que o grupo se alimentava. Cazuza foi um cantor
e compositor rotulado de rebelde, polêmico e boêmio. O artista mesclou o Rock com velhos
sambistas cariocas, retomando composições de Noel Rosa. Adotou uma atitude de criticidade
aos poderes instituídos. A musicalidade e o uso da arte como forma de expressão crítica de
Cazuza dialogava com a proposta que o Culturarte trazia para a Cantoria. Charlie Chaplin, um
ator e produtor de filmes, ficou conhecido, principalmente, pelo seu filme Tempos Modernos
que traz uma crítica devastadora à modernização capitalista, que fazia das máquinas uma
extensão dos corpos dos operários, destruindo diferentes alteridades. Os elementos criticados
por Chaplin no filme dialogavam com o que o Culturarte imaginava, principalmente se
levarmos em consideração a experiência vivida pela região de Irecê, da avançada
modernizadora, citada no capitulo primeiro. Já Che Guevara, foi um líder guerrilheiro e um
dos grandes ícones de uma parte da juventude das décadas de 1980 e 1990. Ele simbolizava a
luta, a liberdade, a revolução.230 Che também pode ser pensado como um indicador de outro
caminho, de uma andança que desconsiderava a hegemonia modernizadora proposta pelos
EUA, apresentava-se como alternativa de pensar a latinidade no Brasil. É importante pontuar
a força dos ritmos latinos, caribenhos, jamaicanos, sul-americanos na formação musical dos
jovens da idade dos fundadores da Cantoria, pois eles ouviam Capinan, Gilberto Gil, Edson
Gomes e outros.
Com base nas personagens que eles elegeram para decorar a barraca, dá para fazer a
leitura de quais posicionamentos políticos defendiam, principalmente, a partir da imagem de
Che Guevara que desempenhou um importante papel junto aos grupos de esquerda, na luta
pela liberdade e contra o imperialismo. Sem dúvida, ele foi um ícone para os membros do
Culturarte que estavam alinhados aos partidos de esquerda.
A barraca exigiu bastante esforço dos jovens, pois eles não tinham experiência e ainda
assim conseguiram vender bem.231 O acesso à câmera fotográfica era difícil, mas todas as
poses possíveis foram feitas no filme da câmera de Fátima Oliveira. Em seguida, realizaram
230
Grifos nosso, escrito com base em biografias sobre as vidas das personagens. ANDERSON, Jon Lee Che
Guevara [recurso eletrônico]: uma biografia / Jon Lee Anderson; tradução M. H. C. Côrtes. – Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012. recurso digital.BAZAIN, André. Charlie Chaplin/ André Bazin; prefácio de François Truffaut;
posfácio de Eric Rohmer; tradução de, André Talles. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2006.
http://cazuza.com.br/ acesso em 04/07/2017.
231
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
91
uma vaquinha para a revelação das fotos. Para a tristeza dos fundadores, o filme queimou e
não restou uma só foto de recordação da primeira edição da Cantoria de São Gabriel. Fátima
Oliveira, a dona da câmera, é viúva de Nenga. Ambos participaram do MAC, mas no
momento da realização da primeira Cantoria ela não fazia parte do Culturarte, mas
simpatizava com o evento, de modo que pouco tempo depois da primeira edição, aderiu ao
grupo. Mesmo sem fotografias para representar as rememorações dos entrevistados,
certamente por ter sido a primeira, a Cantoria de 1991 é sempre a mais lembrada e citada nas
entrevistas. 232
As falas dos membros do Culturarte possuem, quase sempre, ao se referirem às ideias
gerais de construção do evento, uma sincronização. Elas se organizam e são transmitidas sob
a atmosfera de enfrentamentos com alguns grupos da cidade. Para eles, houve uma parcela da
população que estranhou o evento, muito por conta da personalidade e posicionamentos
políticos dos idealizadores e fundadores do projeto. Eles também trazem em suas memórias a
ideia de conflito entre uma classe desfavorecida – membros do grupo e simpatizantes – contra
um grupo dominante: políticos, comerciantes e as pessoas que alimentavam estranhamento
em relação à estética e estilo de vida das pessoas do Culturarte. É importante salientar que ao
lembrarem os conflitos, em muitos trechos das entrevistas, os depoentes lembraram que não
só as classes dominantes entranharam o novo projeto, pois muita gente de diferentes esferas
da sociedade também estranhou ou rejeitou a ideia da festa.
As tensões aparecem de forma mais acentuada nas narrativas no momento inicial de
labuta pela realização da Cantoria e nos fins dos anos de 1990, com a gestão do então prefeito
Edes Rocha. Entendemos a memória da rejeição da Cantoria nos anos iniciais como uma
memória marcante entre os membros do grupo. Em vista disso, questionamos de que forma os
entrevistados experimentaram o passado e transmitem suas experiências, escolhendo a
maneira que querem ser lembrados. Para pensarmos essas questões, não negligenciamos os
conflitos de memórias e os possíveis exageros, como a construção de memórias que os
coloquem em uma posição destaque para serem lembrados de forma gloriosa. Por isso, é
provável que a construção da memória de uma virada vitoriosa tenha surgido principalmente
na tentativa de registrar a história como acreditam que foi e deve ser lembrada. Os sujeitos
organizam suas memórias e lembranças a partir das suas relações com o vivido. Como
afirmou Portelli, as lembranças dos entrevistados são possibilidades entre o real e o
232
ROCHA, Itamá Glicério. Itamá Glicerio Rocha: depoimento I [Mai. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (17 min. e 37 seg. ). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
92
imaginário e a forma que cada indivíduo se relaciona com o fato define o horizonte de
expectativas sobre a história lembrada.233
Ao analisarmos as memórias narradas pelos entrevistados, foi necessário entender as
representações, a ficção, a autovalorização e as múltiplas emoções. São cuidados importantes
para que seja feita uma boa interpretação do vivido.234Para Alassair Thomson;
Podemos dizer que as identidades dos entrevistados moldam suas reminiscências que
são “passados importantes que compomos para dar um sentido mais satisfatório a nossa vida,
à medida que o tempo passa, e para que exista maior consonância entre identidade, passado e
presente.” Memória e identidade estão sempre interligadas. Isso porque, quem os
entrevistados acreditam que são no momento atual e o que querem ser afeta diretamente quem
eles julgam ter sido. 236
Ao pensarmos as sincronizações das memórias das vivências do grupo, ou seja, as
memórias coletivas do Culturarte nos atentamos para o que apontou Joel Candau sobre as
memórias holístas ou retóricas holístas, que são retóricas que tendem a ser
universalizantes.237Isso porque, a tentativa de trazer uma memória coletiva de um grupo pode
ser reducionista, deixando na sombra aquilo que não é compartilhado. Essa perspectiva serve,
principalmente, para analisarmos a memória de uma comunidade ou grupos numerosos, nos
quais as falas de muitos sujeitos são silenciadas e o depoimento de outros sujeitos é usado
para contemplar a memória de todos, criando assim, uma memória coletiva do grupo.
Quando analisamos um grupo menor como o Culturarte, acreditamos ser possível trazer
algumas memórias coletivas dele. A memória dos participantes/fundadores se organiza a
partir dessa lógica, mesmo com suas especificidades. Assim, ela é compartilhada por todos os
membros do grupo. Isso não significa que as memórias coletivas não precisem ser
problematizadas, é preciso nos atentarmos também e, sobretudo, para as memórias
individuais, analisando as especificidades e subjetividades.
233
PORTELLI, 1996, p. 71.
234
POLLAK, 1989, p. 207.
235
THOMSON, 1997, p. 57
236
THOMSON, 1997, p. 57
237
CANDAU, Joel. “Memória e identidade”. São Paulo: Contexto, 2011, p.30
93
Os relatos orais são fundamentais para a construção da narrativa do evento, pois elas
dão forma ao que vai ser lembrado e tornado memória. Para Antônio Torres Montenegro, a
narrativa oral é uma fonte que nos oferece “uma outra perspectiva historiográfica, ou seja,
movimentos, lutas, reflexões, sentimentos, relações de poder e de trampolinagem [...] que as
demais fontes não costumam oferecer.”238 Concordamos com ele e, ao pensarmos as
narrativas orais construídas sobre a Cantoria, acreditamos que só teríamos acesso aos detalhes
de construção, conflitos e disputas a partir das falas de quem os viveu. Portanto, a mesma
crítica que fazem a fonte oral sobre uma certa volatilidade, serve para qualquer outro tipo de
fonte.239
Para pensarmos as construções das memórias, entrevistamos outras pessoas da cidade
que não compuseram o Culturarte, mas que acompanharam o surgimento do grupo e o
desenvolvimento da festa. Marilú Soares narrou que a população de São Gabriel
via como uma maloca, sabe? Que não queria nada. Às vezes a gente que era
casada, que tava pelo meio, defendia muito, dizendo que ali era bom, que era
um desenvolvimento pra nossas crianças que tava chegando aí e tudo, mas os
outros aqui não via com bons olhos não.240
Marilú Soares não fazia parte do grupo e nem era amiga dos membros do Culturarte,
no entanto, frequentou as primeiras Cantorias. A fala da entrevistada traz uma memória que
dialoga com a dos idealizadores da Cantoria, ela aponta que a população não via com bons
olhos o movimento e lembra que ela e outras pessoas fizeram muitas vezes a defesa da festa.
Assim como Marilú, Jandira Lima, que também não tinha ligação com o grupo e disse:
Acho que no início pode ter tido preconceito, mas não tem mais não. Porque
assim, foi só mais aquele rock pauleira na época, então esse tipo de música
era mais visto assim, como músicas das pessoas que usavam drogas,
maconha, esse pessoal aí.241
Jandira Lima inicia sua narrativa dizendo que “pode ter tido preconceito”, sem afirmar
se lembra se houve ou não. Entretanto, ela termina sua fala descrevendo o “rock pauleira” da
primeira edição, afirmando que eram músicas associadas a pessoas que usavam drogas. Essa
lembrança pode representar a leitura que muitas pessoas fizeram na época da festa. As
238
MONTENEGRO, 2011, p.4.
239
Ibidem, p. 8
240
DOURADO, Marilú Soares dos Santos. Marilú Soares dos Santos Dourado: depoimento I [Nov. 2017].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 7 min. e 34 seg. ).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
241
SOUZA, Jandira Benício Lima. Jandira Benício Lima Souza: depoimento I [Out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (11 min. ). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
94
memórias de Marilú Soares e Jandira Lima foram construídas, assim como a dos membros, a
partir de lembranças que seguem a lógica de um conflito alimentado por preconceito de uma
parte da população local contra a ideia do movimento cultural promovido pelo Culturarte. É
possível identificar em cada fala um ponto de vista desse momento, mas tanto as dos
componentes do grupo, quanto às das pessoas que não tiveram nenhum envolvimento com a
organização da Cantoria, trazem uma memória, que pode ser entendida como coletiva, da
dificuldade de aceitação dos gabrielenses em relação ao novo evento. Durval Muniz afirma
que,
242
ALBUQUERQUE JR. Durval Muniz de: “Violar Memórias e Gestar a História”: Abordagem a uma
problemática fecunda que torna a tarefa do historiador um “parto difícil”. CLIO: Revista do Curso de Mestrado
em História, Recife, v. 1, n. 15, p. 38-52 1994, p. 45
243
HALBWACHS, 2013 apud ALBUQUERQUE, 1994, pp. 40 e 41.
244
ALBUQUERQUE, 1994, pp. 40 e 41.
95
245
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
246
ALBUQUERQUE, 1994, p.40
247
HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do “popular”. In: HALL, Stuart. “Da Diáspora”: Identidades e
mediações culturais. Liv Sovik (org.); Trad. Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG;
Brasilia: Representação da UNESCO no Brasil, 2003. p. 247-264. p. 255
96
248
NOVAES, Erismar. Vinte anos de Cantoria. Jornal da Fundação Culturarte. Informativo Oficial da
Fundação Culturarte de São Gabriel-Ba. Ano V- 5ª edição – junho de 2010, p. 7.
97
249
Ata da assembleia geral extraordinária da Fundação Culturarte. Realizada em 05/04/ 1993 no Salão
Comunitário - Praça da Matriz, s/n em São Gabriel-Ba. Retirada do arquivo da Fundação Culturarte.
250
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento II [mai., 2014].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2014. 1 arquivo mp3 (7 min. e 10 seg.).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
98
dos patrocinadores. O desenho escolhido para o segundo ano trazia mais elementos do sertão:
o sertanejo, a enxada, o chão rachado e o sol.
Cartaz da II Cantoria em São Gabriel. Ano, 1992. Retirado do acervo da Fundação Culturarte.
O desenho, diferente do primeiro do primeiro cartaz, vem na parte de cima, antes das
atrações, dos dias, do horário e do local. Ela representa, para além da musicalidade, o sertão e
o sertanejo, trazendo elementos característicos da caatinga: um grande sol chegando ao
poente, o chão rachado e o sertanejo com uma enxada no ombro. Para demonstrar a
musicalidade, o horizonte é representado por uma grande viola onde o sol está se pondo. A
imagem representa fim do dia de trabalho de um sertanejo, já que o sol está baixo e a
personagem se encontra caminhando com a enxada no ombro. A ideia do trabalhador indo em
direção “ao poente” – a grande viola – remete à ideia do trabalhar e do brincar.
Na parte dos patrocinadores, notamos nomes que fizeram parte do cenário político da
cidade, como Clodoaldo Pereira Rocha que foi prefeito apoiado por Raimundo Pereira, nas
eleições de 1992, e Edes José da Rocha, que se tornou prefeito em 1997.255 Segundo a
memória dos membros do grupo, foi o prefeito que mais travou embates com eles. 256 Isso
255
PEREIRA, João Purcino; PEREIRA, Leonellia, 2010, p. 125.
256
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
100
aponta que, mais políticos locais se interessaram em patrocinar a festa, talvez por enxergá-la
como uma forma de promover seus nomes e conquistar votos.
O relato registrado em ata sobre a segunda Cantoria foi escrito no ano seguinte, em
1993, quando o grupo se tornou Fundação. Na análise da segunda Cantoria, texto lavrado por
Luiz Sergio Batista Neiva, apontou-se que o evento foi feito com dificuldade. Não obtiveram
lucros na primeira edição, mas junto aos comerciantes e ao poder público, a festa foi realizada
com sucesso.257
Diante disso, foi registrado em ata o apoio da prefeitura, mas ela não menciona nada
em relação aos demais políticos que patrocinaram à festa. Em entrevista, Welington Oliveira
apontou que o grupo fazia reuniões para decidir se era consenso aceitar patrocínio de tal
figura pública ou não, levando em conta os posicionamentos que eles defendiam e a postura
do possível patrocinador.258 Porém, o nome de alguns políticos nos cartazes demonstra que
em alguns momentos o grupo deixou de lado as divergências ideológicas e aceitou a ajuda de
algumas personalidades.
Ao analisarmos a ata, percebemos as dificuldades do grupo em realizar à Cantoria,
mas fica visível em todo o texto a tentativa de elevar o evento e realçar a vitória do grupo. 259
Isso pode se justificar por ter sido lavrada na primeira Assembléia Geral Extraordinária do
grupo enquanto Fundação, o que motivou à elaboração de uma ata mostrando, sobretudo, as
belezas do evento e sua capacidade de, a cada ano, alcançar bons resultados.
Segundo os relatos dos membros, eles passaram a elaborar estratégias para levantar
fundos, fazendo alguns eventos entre uma Cantoria e outra, como rodas de viola, festinha de
São João e também à criação de um bar que, segundo Agnolia Oliveira, durou pouco por
conta de uma reação adversa da maioria da população A entrevistada aponta:
Aí a gente começou a fazer também. Depois da Cantoria veio São João, mas
dentro da Fundação. Na época alugamos uma pizzaria quase defronte aos
Correios, não sei se você lembra não?! Aí ficamos três ou foi quatro meses
com esse bar, essa pizzaria, era uma pizzaria, mas a gente alugou pra montar
esse bar. Bar da Fundação Culturarte. A gente montou o bar.Aí depois a
gente foi às tradições do São João, às participações nas festas juninas, pau de
sebo.Foi muito bom, isolamos as ruas, mas tudo sempre pra arrecadar fundos
257
Ata da assembleia geral extraordinária da Fundação Culturarte. Realizada em 05/04/ 1993 no Salão
Comunitário - Praça da Matriz, s/n em São Gabriel-Ba. Retirada do arquivo da Fundação Culturarte.
258
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
259
Ata da assembleia geral extraordinária da Fundação Culturarte. Realizada em 05/04/ 1993 no Salão
Comunitário - Praça da Matriz, s/n em São Gabriel-Ba. Retirada do arquivo da Fundação Culturarte.
101
pro grupo, pra melhorar o grupo. A intenção sempre era essa.Mas aí sempre
vinham as críticas.260
260
ROCHA. Agnolia de Oliveira. Agnolia de Oliveira Rocha: depoimento I [Dez. 2016]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 ( 37 min. e 10 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
261
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
262
Ata de assembleia geral de construção da Fundação Culturarte. Realizada em 29/11/1992 no Salão
Comunitário - Praça da Matriz, s/n em São Gabriel-Ba. Retirada do arquivo da Fundação Culturarte.
102
263
Ata de assembleia geral de construção da Fundação Culturarte. Realizada em 29/11/1992 no Salão
Comunitário - Praça da Matriz, s/n em São Gabriel-Ba. Retirada do arquivo da Fundação Culturarte.
264
Sobre a atuação de mulheres em instituições políticas ver: Alves, Iracélli da Cruz . A política no feminino:
uma história das mulheres no Partido Comunista do Brasil – Seção Bahia (1942-1949) / Iracélli da Cruz Alves. –
Feira de Santana, 2015.
265
RUBIM, Antonio Albino Canelas.Políticas públicas de cultura no Brasil e na Bahia.2007.Disponível em:
http://www.cult.ufba.br/Artigos/POL%C3%8DTICAS%20P%C3%9ABLICAS%20DE%20CULTURA%20NO
%20BRASIL%20E%20NA%20BAHIA%20-%20I.pdf Acesso em 10/06/2017. Pp. 1-2.
266
Ibidem, pp. 4 -5.
103
privadas, no qual parte dos impostos pagos ao governo são direcionados para patrocinar
manifestações artísticas.267
Em 1986, no governo de José Sarney, foi criada a primeira lei de incentivo fiscal, a
Lei Sarney, de número 7.505. Ela tinha por princípio estimular a participação da iniciativa
privada no fomento à produção cultural brasileira, através da concessão de benefícios fiscais
aos patrocinadores.268A lei durou só até 1990, por conta, principalmente, dos seus frágeis
dispositivos organizativos. Foi alvo de acusações de fraudes, com a acusação de desvio de
verbas. Segundo Rubin,
267
RUBIM, 2007, pp. 2 -3.
268
VIEIRA, Mariella Pitombo. “Política cultural na Bahia”: o caso do Fazcultura / Mariella Pitombo
Vieira.(Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da
Universidade Federal da Bahia da Bahia, 2014) p.24.
269
Ibidem, pp. 33.
270
Ibidem, pp. 89-90.
271
Ibidem, p.89.
272
No governo de FHC iniciou-se de forma indiscriminada as privatizações de empresas estatais, a abertura
econômica para entrada de empresas internacionais etc. O que caracterizou a sua escolha pela política neoliberal.
VIEIRA, 2004, p.3
273
GOMES, Weslaine Wellida.Rouanet: a (re) forma de uma lei.Revista três [...] pontos. 8.1. 2014. P. 31-38. P.
33.
104
A partir da Lei Sarney, a cultura entrou na pauta das empresas privadas, com a
isenção fiscal do dinheiro público. As empresas passaram a ter um papel importante no
desenvolvimento cultural do país. O Estado deu o poder às grandes empresas de decidirem
sobre o destino da produção cultural no país, isso porque, são os empresários que decidiam
quem patrocinar.274 Através da lei Rouanet, “o Estado busca parcerias com a iniciativa
privada como forma de captar recursos para a área cultural, e para tanto, cria incentivos fiscais
para que as empresas invistam em atividades culturais.”275A lei Rouanet passou a ser
almejada pelo grupo Culturarte. Segundo Welington Oliveira,
Existia a lei Rouanet, que é muito antiga e a gente já pensou nisso, é tanto
que a gente registrou como fundação, porque fundação era o modelo de
instituição apta para fazer essa captação, acho que a gente nunca conseguiu.
[...] A gente até foi uma vez em Salvador e eles acharam o evento pequeno,
falaram; “ah quem banca muito a lei Rouanet é a Coca-cola, é a Bhrama, é a
Skin, ai são grandes eventos.” Tinha muitos recursos. Eu já estava em Feira,
acho que foi lá para a quarta, quinta, quinta ou sexta cantoria. A gente
conversou com um cara lá sobre a Fundação Cultural e nessa época ele
falou:- moço, é muito bonito o trabalho de vocês, mas a dimensão é pequena,
porque quem patrocina a lei Rouanet é essas grandes multinacionais e lá em
São Gabriel não vai dar visibilidade para eles. Eles patrocinam é o carnaval
de Salvador. 276
274
VIEIRA, 2004, p.89.
275
GOMES, 2014, p. 34.
276
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
277
BELEM, Marcela Purini. DONADONE, Julio César. A Lei Rouanet e a construção do “mercado de
patrocínios culturais”. NORUS. [S. l.] Vol. 01, nº 01, p. 51-61. jan./jun. De 2013.
105
Fernando Collor que, governou entre 1990-1992, segundo Gomes, foi um presidente que
impôs severo retrocesso no âmbito cultural, pois ele extinguiu o Ministério da Cultura. Em
1992, o referido ministério foi recriado, no governo de Itamar Franco, que governou até 1994.
No entanto, não houve uma maior participação do Estado no que tange às formas de
financiamento público no campo da cultura. Pelo contrário, a política de incentivos fiscais
iniciada no governo Sarney foi reforçada.278
Segundo Gomes, a partir de 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o
Estado continuou fazendo pouco investimento às manifestações culturais. As leis de incentivo
foram à principal política voltada para a cultura do governo FHC, administrada por Francisco
Weffort, o então secretario de cultura.279A lei Rouanet sofreu uma profunda reforma em 1995
em seus dispositivos legais, como o aumento da renda passível de ser usada como incentivo
fiscal, de modo que “outros tipos de pessoa jurídica tornaram-se aptos a abater de seu imposto
de renda recursos transferidos para projetos culturais”280. FHC transformou a lei Rouanet na
principal lei voltada à cultura em seu governo e valorizou a ideia de parceria entre Estado,
produtores culturais e empresas que apoiavam às artes.281Para Rubim, a década de 1990 no
que se refere às políticas voltadas para a cultura seguiu uma tradição de instabilidade,
principalmente, se pensarmos na grande quantidade de dirigentes que assumiram os órgãos
nacionais de cultura entre 1985 e 1994.282
Durante toda a década de 1990, as tentativas de aquisição de patrocínio do Culturarte,
através da lei Rouanet, foram sem sucesso, mas o grupo prosseguiu com a Fundação, o que
para eles garantiu certo respaldo perante a sociedade. Em 1994, João Purcino Pereira 283,
membro fundador, era vereador e instaurou a lei 157/94, de 11 de março, a qual declarava a
Fundação Culturarte enquanto uma instituição de utilidade pública.
278
GOMES, 2014, p. 33.
279
Ibidem, p. 33.
280
DURAND, José Carlos Garcia. GOUVEIA, Maria Alice. BERMAN, Graça. “Patrocínio empresarial e
incentivos fiscais a cultura no Brasil”: análise de uma experiência recente. RAE - Revista de Administração de
Empresas São Paulo. Vol. 37, n º 04, p. 38-44. Out./Dez. De 1997. P. 41
281
VIEIRA, 2004, p. 88.
282
RUBIM, 2007, p. 07.
283
João Purcino se tornou vereador pelo PSB – Partido Socialista Brasileiro nas eleições de 1988, antes do
Culturarte surgir. Foi reeleito em 1992;1996;2000. Em seus mandatos teve preocupação especial com a cultura.
João Purcino ficou vereador durante toda a década de 1990 como oposição dos prefeitos eleitos, o que pode ter
influenciado ainda mais, para que a classe política dominante relacionasse o Culturarte à ações políticas
partidárias de oposição aos seus governos.
106
284
Retirada do arquivo da Câmara Municipal de São Gabriel. Disponível na câmara de vereadores de São
Gabriel. Acesso em 07/07/2017.
107
*
Na terceira Cantoria, o cartaz foi simples, assim como o das duas primeiras edições,
entretanto ele tinha menos informações que os outros. Esse cartaz não está estruturado como
os anteriores, que levavam o nome de patrocinadores e o local da festa. Na nova formatação,
constava a imagem de um sertanejo com uma viola no ombro, a data da festa, os artistas e o
horário. A festa aconteceu nos dias 23, 24 e 25 de abril de 1993.
Cartaz da III Cantoria em São Gabriel. Ano, 1993. Retirado do acervo da Fundação Culturarte.
“A terceira Cantoria, já foi aqui nessa pracinha que é a quadra hoje”285. O cartaz da
terceira Cantoria não traz o local onde aconteceu a festa, mas a narrativa de Agnolia Oliveira
aponta que aconteceu no antigo largo, onde hoje se localiza a principal quadra poliesportiva
da cidade. No ano da terceira Cantoria, o largo era apenas chamado de praça. O cartaz anuncia
os dias festivos e logo abaixo traz a arte iconográfica. Ela segue a mesma lógica do cartaz
anterior: o pôr do sol, o sertanejo, a viola e o chão rachado para representar a seca do sertão.
Um grande sol se pondo, novamente, para representar o fim do dia de labuta do
sertanejo, que agora carrega no ombro sua viola. A viola no ombro e o pé de feijão em forma
285
ROCHA. Agnolia de Oliveira. Agnolia de Oliveira Rocha: depoimento I [Dez. 2016]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 ( 37 min. e 10 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
108
de nota musical, uma referência ao produto que dava sentido à economia da região, aponta
para a afirmação implícita no cartaz anterior, a junção do trabalho e da ludicidade como uma
forma de „ser sertanejo‟, que labuta e brinca.
No ano de 1993, o prefeito de São Gabriel era Clodoaldo Pereira da Rocha. Segundo
Clodoaldo Rocha, ser prefeito naquele período foi bastante complicado, pois a seca foi muito
grande e a economia ficou extremamente prejudicada, fazendo com que as pessoas vivessem
momentos financeiramente delicados.
Para Clodoaldo, era muito difícil administrar a cidade nessa época, pois existia um
único recurso que vinha para administrar toda a cidade, cujo valor era muito pequeno diante
da necessidade do povo. Ele justifica que por conta da grande estiagem e do pouco recurso
que entrava na prefeitura não fez muita coisa do que pretendia fazer, principalmente, em
relação à questão da cultura. Por isso, ele priorizou a educação, a saúde e a moradia, já que
muitas casas do município ainda eram de taipa. Ele informa ainda que não patrocinou com
muito recurso a Cantoria quando foi prefeito, mas que ajudou como podia, pois sabia da
importância da festa, já que ele alegou que gostava de cantorias e participou quando prefeito e
em várias outras edições.287 Segundo Valdelício,
286
ROCHA, Clodoaldo Pereira da. Clodoaldo Pereira da Rocha: depoimento I [Nov. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 12 min. e 18 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
287
Ibid.
109
288
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
289
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
110
O diálogo com o Culturarte era bom. Eu cantava, fazia zuada nas festas de
Cantoria, o povo ia lá para casa, Xangaí, Elomar, Dércio Marques que era
muito o pessoal da época, né? Ia para casa e passava dois dias lá comendo
bode e zuando(sic). Era bom demais. Eu não tive conflitos porque eu
também gostava das cantorias (risos). Ia para assistir, amanhecia o dia com a
galera, vinha para casa de madrugada. Era bom, eu sempre gostei da
Cantoria, até hoje eu gosto. E o Culturarte fazia a Cantoria. Na campanha
política nós era(sic) contra, mas na Cantoria nós era(sic) a favor (risos).290
Para Clodoaldo Pereira, a questão política não interferiu em sua colaboração para a
realização da festa, pois ele entendia que o Culturarte, mesmo tendo divergências políticas em
relação a suas opiniões, era o grupo que realizava a Cantoria, que era um evento que ele
também gostava e que participou muito. Ele informa ainda que sabia separar as questões: na
política estavam em lados separados, mas na festa estavam do mesmo lado. Apesar de
Valdelício destacar a questão da divergência política em relação a Clodoaldo, os demais
membros do grupo não apontaram nenhum conflito direto com o ex-prefeito. Segundo os
relatos orais, apesar de serem adversários conseguiram manter uma relação estável. A
Fundação seguiu se desdobrando para complementar os recursos.
290
ROCHA, Clodoaldo Pereira da. Clodoaldo Pereira da Rocha: depoimento I [Nov. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 12 min. e 18 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
111
Ah, isso demorou bastante, acho que demorou uns três ou quatro anos, ela
realmente começou a ter o respeito das pessoas quando começaram a surgir
cantores de nome nacional, tipo Zé Geraldo. Quando Zé Geraldo veio pra
primeira Cantoria, que eu não sei se foi à terceira ou quarta, aí que a coisa
mudou, porque Zé Geraldo já era uma figura conhecida nacionalmente, todo
mundo já ouvia, né?! Depois falaram, os caras tão arrebentando, olha quem
veio aí. Aí começou a vim outros nomes e foi ganhando respeito, mas foi
esses da música popular brasileira, já conhecidos nacionalmente que fez dar
aceitação, a partir daí. Até a primeira, segunda e terceira a gente trabalhou
mais com nomes locais e regionais. [...]Mas pra engatar mesmo, para as
pessoas compreenderem mesmo que era uma coisa diferente, uma coisa
grande, foi a partir desses nomes nacionais.E foi diminuindo o
preconceito.291
291
ROCHA, Aimá Glicério Rocha. Aimá Glicério Rocha: depoimento I [Mai. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 31 min. e 40 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
112
percebendo que eles realmente estavam se organizando na tentativa de efetivar a festa como a
festa da cidade. Luiz Sérgio narra:
Eu acho que da quarta em diante ela pegou mais peso, né?! Porque as três
primeiras foi meio que improviso, sem muita organização, por falta de
experiência. Porque pra você organizar um evento você tem que ter muita
experiência com artista, com palco, com povo, com imprensa. E ninguém
tinha na época, né?! Recurso que talvez seja o mais importante, porque sem
recurso ninguém faz, não tem como fazer. Eu acho que a partir da quarta a
Cantoria começou a pegar mais profissionalismo.292
Para Luiz Sérgio, o descrédito das pessoas em relação à festa nos três primeiros anos
estava associado à falta de profissionalismo do grupo para realizar o evento. Mas, a partir de
1994, o grupo já era uma Fundação, o que possibilitou conseguir mais patrocínio se
comparando aos primeiros anos, e passaram a realizar a festa de forma mais profissional. Para
Welington Oliveira, além da profissionalização da organização do evento e da vinda de
artistas com reconhecimento nacional, um fator que também ajudou para que as pessoas
perdessem o preconceito e passassem a ir à festa, foi à inserção de outros ritmos, além das
modas de violas e cantorias. Segundo Welington,
na quarta que já foi ali na praça onde tem aquela quadra, aí já aparecia
alguns nomes de projeção nacional, como Zé Geraldo Edinardo, Elomar e
Xangai.Por conta disso, a cantoria passou a ser conhecida, aí já aparecia um
público maior, mas um público maior que gostava também da música.Eu
acho que só teve o envolvimento de toda a população quando abriu mais.
Porque não existia no início aquela coisa de encerrar com forró, encerrar
com reggae, acho que isso aí, a partir disso aí, começou a se transformar
assim num evento da cidade, na festa da cidade.293
292
NEIVA, Luiz Sérgio Batista. Luiz Sérgio Batista Neiva: Depoimento I [Dez. 2016]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 ( 20 min. e 16 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
293
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
113
reggae e o pop rock. Essa mistura de ritmos passou a acontecer a partir da oitava Cantoria se
intensificando, sobretudo, nos anos 2000.
Para a maioria dos entrevistados, a partir da sexta edição, um número maior de pessoas
passou a frequentar o evento. Para eles, foi a partir daí que as pessoas passaram a entender
melhor qual o objetivo do Culturarte. O cartaz da sexta edição apresenta o local de realização
do evento como a praça da Cantoria, o que pode ser um indício para pensarmos que o largo
onde acontecia a festa já era identificado pela população como o lugar da Cantoria.Para
Bezerra,
No Brasil, boa parte dos registros existentes sobre a festa traz consigo o
cenário urbano, onde os espaços públicos, a exemplo da rua e da praça, se
colocam como os locais privilegiados das festividades.[...] A festa tem
ocupado uma centralidade no processo de re(organização) do espaço da
cidade.294
Com a Cantoria não foi diferente, pois ela também privilegiou a praça como espaço
para a sua realização, reorganizando a cidade a partir da transformação do largo em praça da
festa, demarcando aquela localidade central da cidade como o espaço de sociabilidade
promovido pelo grupo. A mudança de topônimo é muito importante, pois isso demonstra o
caminhar da festa para construir seu enraizamento no imaginário da cidade. O cartaz da sexta
edição abandonou a lógica de trabalho e labuta que estavam presentes nas edições anteriores
Cartaz da VI Cantoria em São Gabriel. Ano, 1996. Retirado do acervo da Fundação Culturarte.
294
BEZERRA, 2008, p.8
114
O cartaz segue o estilo dos anteriores, com a arte iconográfica, nome das atrações,
local, dias e patrocinadores da festa. As imagens aparecem coloridas, trazendo alguns dos
símbolos dos cartazes anteriores como o grande sol, as notas musicais e a viola. Uma
particularidade desse cartaz é a pomba, que representa a paz, iluminando a viola que aparece
com uma flor brotando dela. Partimos da ideia de que o grupo usou uma arte que atraísse as
pessoas, pois a pomba iluminando a viola com uma flor representa a paz, remetendo à ideia de
apresentar o evento como “iluminado” e de paz, talvez até buscando consolidar a imagem de
um grupo ordeiro e responsável. A imagem do trabalhador rural não aparece como nos outros
cartazes, pois a relação entre labuta e festejo deixa de aparecer nos cartazes só reaparecendo
novamente nas ilustrações do cartaz da décima edição.
Em relação aos patrocinadores, o cartaz também apresenta uma particularidade, pois
nos outros cartazes aparecem vários nomes de estabelecimentos comerciais e pessoas físicas e
no da sexta edição o único patrocinador é a Prefeitura Municipal. Em 1996, Clodoaldo Pereira
era o prefeito de São Gabriel e no fim deste mesmo ano, Edes Rocha, se elegeu prefeito com o
apoio de Clodoaldo. A partir da sexta edição, o único patrocinador que aprecia no cartaz era a
prefeitura, pois o grupo passou a elaborar faixas com os nomes de quem colaborou com a
festa. Porém, na décima edição, o nome da prefeitura também foi retirado do cartaz.
A fotografia ilustra o espaço onde aconteceu a sexta edição. Esse é o antigo largo que
passou a se chamar praça da Cantoria. Os nomes dos patrocinadores, que aumentaram
consideravelmente, passaram a ter um espaço de maior destaque. Se antes apareciam apenas
no pequeno cartaz, agora apareciam estampados em faixas e um pequeno outdoor. É possível
visualizar dos dois lados do palco e no outdoor ao fundo da foto os anúncios com os nomes
dos colaboradores, o que demonstra que a festa já contava com uma quantidade relevante de
incentivadores.
A fotografia traz também algumas crianças brincando no local, uma barraca e um
carrinho de doces. As crianças circulando no local da festa revela uma naturalização do
evento, mostrando que mesmo antes de começar havia pessoas circulando no local da
festividade, interagindo com o espaço. As outras barracas demonstram o aumento de
ambulantes e barraqueiros na Cantoria. Em 1996, a festa passou a acontecer no meio do ano,
no início do mês de junho, o que segundo os membros do grupo, foi uma estratégia para se
adequar melhor ao público, pois muita gente de São Gabriel que morava fora ia passear na
cidade no mês de junho e aproveitavam as festas juninas, de modo que a Cantoria sendo
realizada no início do mês antecederia o afamado São João de Irecê.
A Sétima Cantoria aconteceu em 1997, quando a festa já estava sendo frequentada por
muitas pessoas da cidade, mas o grupo permanecia na luta para mantê-la e ampliá-la. Porém,
para os membros do grupo, naqueles anos, momento também do governo de Edes Rocha, o
grupo enfrentou maiores dificuldades por questões de divergências políticas. Para eles, as
ideias do ex-prefeito divergiam das ideias das propostas do Culturarte. Mas, segundo os
membros, a prefeitura ainda assim contribuiu para a festa. Segundo Valdelício,
já veio Edes Rocha que também patrocinou. [...] A Cantoria, também, passou
por um processo meio difícil, só que a gente também era um grupo mais
cabeça dura, né? Itamá aí, o bicho tem a cabeça dura que ninguém muda,
Aimá também com aquela cabeça dele que também não mudava, João
Purcino, também era um dos radicais da época, hoje que ficou diferente, mas
João Purcino sempre foi da linha dura, né? Peitava Edes Rocha aí nas
esquinas, aí e tal. E Edes Rocha também valentão na época, porque o bicho
era um ACM.295
296
ROCHA, Edes José da. Edes José da Rocha: depoimento I [Nov.. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 1h. e 10 min.). Entrevista concedida para pesquisa
histórica.
297
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
298
ROCHA, Edes José da. Edes José da Rocha: depoimento I [Nov.. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 1h. e 10 min.). Entrevista concedida para pesquisa
histórica.
117
Edes Rocha traz em seu relato memórias do Culturarte enquanto um grupo radical, que
fazia oposição ao seu governo. Ele entende que muitas vezes ajudou o grupo, como no caso
do calçamento do largo onde aconteceu algumas das primeiras edições da Cantoria, que não
foi reconhecido pelo Culturarte. A praça foi uma obra pública, construída para a comunidade.
Entretanto, Edes acredita que por ser o espaço onde acontecia a festa e pelo fato do grupo ser
oposição, a sua atitude pode ser considerada como uma boa ação. O ex-prefeito contou que os
membros do grupo eram extremamente hostis e de difícil diálogo.
Não, não tínhamos um bom diálogo. Só nas horas que eles iam me pedir
patrocínio. Inclusive já teve, não posso jogar pedra em todo mundo, Vilma
que foi presidente e eu dei uma determinada ajuda e ela me esperou lá, não
sei se uma vez, duas vezes pra fazer a abertura. E eu também chateado, não
com ela, com ela eu fiquei feliz, com os outros membros, porque tinha uns
que não queriam me ver, eu acho, que nem lá no meio do povão. Aí por isso
eu não fiz a abertura, mas com Neto mesmo aqui (apontando para a casa ao
lado, a residência de Netão), Neto era um dos caras mais amigável, inclusive
só foi dois anos e não quiseram mais ele, porque ele tinha diálogo comigo e
foram umas das melhores Cantorias que foi feita aqui, foi na mão de Neto.
Eu não recordo mais, mas acho que foi no primeiro mandato ainda, não
recordo o ano. Mas as melhores Cantorias, por quê? Além deu dar o
patrocínio maior, a ele eu dava o patrocínio bem maior, os outros dava o
patrocínio, não vou dizer também que ia dar muito patrocínio a
inimigo.Você não vai dar essas coisas, mas eu dava um patrocínio razoável,
por exemplo, se eles pedissem 15.000 eu dava 3.000. Já com Neto, tudo ele
gastou acima de 35.000, porque eu dava meu patrocínio bom e ainda saia
com ele às casas, onde a gente pedia o patrocínio, já com outros, pra lhe ser
franco, eu não fazia nada, mas também não cortava, que eu não sou de
perseguir ninguém, também se eu não lhe ajudar, não ajudo, mas também
não maltrato.299
Edes Rocha não recorda o ano exato das duas cantorias que ele disse terem sido as
melhores, mas acreditamos que foi a sétima e oitava, pois Netão ainda estava no grupo. Ele
era vizinho e amigo de Edes Rocha, o que facilitou o diálogo com o prefeito. Segundo o ex-
prefeito, o diálogo durou pouco tempo, pois o grupo acreditava que a relação entre ambos
poderia dar oportunidade ao ex-prefeito de se promover através do evento. Edes traz os
membros do Culturarte como “inimigos” e que por isso não os ajudava tanto quanto quando
Netão, que era seu amigo, estava no grupo.
O fim da década de 1990 foi um momento em que a festa já estava sendo frequentada
por muita gente da cidade e até da região, já sendo vista por muitos como a festa da cidade.
Isso até motivou Edes Rocha a se interessar em patrocinar e a reformar a praça onde a festa
299
ROCHA, Edes José da. Edes José da Rocha: depoimento I [Nov.. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 1h. e 10 min.). Entrevista concedida para pesquisa
histórica.
118
acontecia naquele período, como foi narrado por ele no relato acima. O grupo não aceitava
que políticos fizessem a abertura do evento para não envolver questões políticas no palco da
festa e, como apontou o ex-prefeito, isso era uma questão que o chateava muito, pois ele
gostaria de ajudar e abrir o evento como era tradição em quase todos os eventos patrocinados
pela prefeitura na cidade.
Havia uma política do Culturarte em não aceitar a participação política partidária no
palco da festa, o que não era entendido por quase nenhum dos políticos da época, já que fazia
parte da cultura da cidade, que em eventos, inaugurações e campeonatos, os políticos da
cidade fizessem a abertura. Com a saída de Netão da Fundação Culturarte, por conta de brigas
internas, a dificuldade aumentou ainda mais para estabelecer diálogo entre o grupo e o
prefeito. A partir das narrativas dos membros e do ex-prefeito, é possível perceber que
realmente existia uma grande desavença entre eles, a ponto de Edes Rocha justificar seu
pouco patrocínio a festa, por ser organizada por “inimigos” que o perseguia.
Os membros da Fundação apontam que quem perseguia era quem detinha o poder.
Segundo eles, o ex-prefeito colocava dificuldade para ajudá-los, fazendo referência ao corte
de recursos e também à proibição de alguns eventos paralelos à Cantoria. Na fala de Edes, ele
confirma que ajudou, mas que não ia ajudar tanto quem era inimigo, pois, para ele, o grupo
também o via como inimigo, a ponto de não querer sua presença na festa, nem mesmo em
meio ao povo. Portanto, fica claro o embate. As narrativas representam a dificuldade no
entendimento entre ambas as partes. Assim, as questões políticas, tanto para o grupo, quanto
para o ex-prefeito eram de fato o principal motivo para que eles não entrassem em acordo.
Diante das memórias das pessoas que estavam envolvidas nesse conflito, é perceptível
em suas falas a tristeza, as magoas e até a raiva ao lembrarem dos fatos. Em linhas gerais,
para a Fundação existia um político carrasco, o ACM do sertão, que governava com
autoritarismo e sem muito diálogo com quem não seguisse a sua linha de pensamento. Esse
“carrasco” tinha um amigo de infância que fazia parte do grupo, que tentou mediar uma
aproximação entre o prefeito e o Culturarte. Mas as ideias do amigo, Netão, em tentar
promover uma união entre Culturarte e prefeito gerou um conflito interno que ocasionou em
sua saída do grupo. Já para o ex-prefeito, existia um grupo de jovens rebeldes de esquerda que
criticavam fortemente seu governo, mas queria que a prefeitura, independente de divergências
políticas, patrocinasse a festa. Para o Culturarte, a festa era para o povo e o município deveria
ajudar na execução, usando recursos voltados à cultura, sem que a festa fosse usada como
meio de capitação de votos. Ao que parece, Edes Rocha queria ajudar a transformar a festa em
um evento da cidade, mas que a prefeitura tivesse, também, seu protagonismo.
119
Pensando sobre isso, Bezerra aponta “que a festa apresenta ainda um caráter político,
pois na maioria das vezes são utilizadas como forma de legitimação das elites políticas
locais.”300 Talvez esse seja um dos motivos para que, nos fins dos anos 1990, Edes Rocha e os
demais políticos da cidade tenham se interessado tanto na festa. Partindo da possibilidade de
que ela, que cada vez mais ganhava apreciadores, se tornasse o mecanismo de legitimação e
manutenção do seu governo. Além disso, havia também um interesse comercial, já que
quando esses eventos são institucionalizados pelo poder público, eles tendem a assumir a
forma de grandes espetáculos nas cidades, atraindo pessoas e consequentemente gerando
renda.301
As brigas entre o ex-prefeito e grupo aconteceram já no fim dos anos de 1990.
Naquele momento, a partir da oitava Cantoria, a festa passou a ganhar visibilidade na região e
até fora dela, isso possibilitou que além do pequeno patrocínio destinado pela prefeitura, eles
passassem a contar com ajuda de mais comerciantes e simpatizantes do evento. Contando com
uma estrutura já bem mais profissionalizada e com grandes artistas da música brasileira, o
palco ganhou uma estrutura melhor, de modo que eles contrataram até uma pessoa para fazer
a locução da festa para anunciar as atrações.302 A Cantoria já não era mais vista como lugar de
baderna e de “maconheiro de esquerda”, passando a ser reconhecida como um lugar de
“música boa” em que muitas famílias frequentavam. Ela conquistou, naquele momento, o
lugar de festa da cidade.
300
BEZERRA, 2008, p.12.
301
Ibidem, p.8
302
Cartaz da VIII cantoria.
120
No fim dos anos de 1980 e início de 1990 as opções de lazer dos jovens em São
Gabriel eram bem restritas. Os divertimentos e momentos de sociabilização variavam entre
campeonatos de futebol que era um divertimento, majoritariamente, masculino, festas em
casas de parentes e amigos como casamentos, batizados e aniversários. Os shows e festa de
rua eram poucos. Não existia uma festa fixa em nenhuma data comemorativa em São Gabriel.
Por isso, muitos jovens frequentavam festas nas cidades vizinhas como aniversários das
cidades, São João, Semana de Artes e Carnaval.303
Porém, no fim dos anos de 1980, foi fundada em São Gabriel uma boate denominada
Rock in Rio, em homenagem ao famoso Rock in Rio,304realizado naquele contexto no Rio de
Janeiro. Segundo alguns entrevistados como Orlando Novaes, naquela época, a boate foi um
303
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
304
O Rock in Rio é um festival musical sediado no Rio de Janeiro. “O ano era o de 1985 e o país passava por
grandes transformações. Após longo período sob uma ditadura militar, o país começava a dar os primeiros
passos rumo à democracia. Foi nesse cenário que nasceu o Rock in Rio. Pela primeira vez, um país da América
do Sul sediou um evento musical desse tipo.” Retirado in: http://rockinrio.com/rio/pt-BR/historia acesso em:
28/12/2017 ás 8:10.
121
dos principais pontos de socialização dos jovens em São Gabriel, mas nem todos os jovens
frequentavam-na. Jandira Ferreira, natural de São Gabriel e habitante até os dias de hoje na
cidade, apontou que tinha muita vontade de ir às boates, mas seu pai não permitia devido à
imagem profana que espaços como esses tinham na época. Ela e os amigos se divertiam nos
finais dos anos de 1980 e início de 1990, época de sua juventude, principalmente em festas
privadas e domésticas. Jandira narrou,
Para Jandira, desde os fins dos anos de 1980, as opções de lazer na cidade eram poucas
e à criação conservadora da maior parte das mulheres tornava difícil à ida dela e de outras
jovens nos poucos eventos que aconteciam na cidade. Por conta disso, o que ficou marcado
em sua memória foi à participação em comemorações particulares, “de família”, como
argumentou à entrevistada. Os batizados, casamentos e aniversários eram, para Jandira, o
maior meio de socialização e diversão com seu grupo de amigos. A entrevistada fala dos
eventos como se eles fossem festas, fazendo uma comparação com os festejos de rua.
Entendemos, entretanto, que tais encontros “de família” eram festas, sim, já que festa é toda
celebração que tenha indivíduos socializando por alguma motivação e que ela seja formada
por crenças e símbolos.306 Em relação à nova boate Rock in Rio, Jandira Pereira aponta que,
Quando saiu a Rock in Rio, a primeira Rock in Rio era ali onde era a Cesta
do povo que hoje está a pizzaria, era ali a Rock in Rio. Gente, mas eu tinha
vontade de ir na Rock in Rio. E eu lembro de Tetê Spindola quando surgiu a
Rock in Rio aqui no Brasil, que Tetê Spindola fez o sucesso com aquela
música “ você pra mim foi um sonho”, ele tocou aí, todo mundo queria
aprender essa música e aquela época da Rock in Rio que foi uma explosão
no Rio de Janeiro. E foi e colocaram aqui uma boate da Rock in Rio, aqui em
Gabriel e eu tinha uma vontade de ir na Rock in Rio. Década de1990, já foi
90, quando a Rock in Rio veio aqui foi na década de 90, eu não cheguei a ir,
mas as minhas colegas todas iam, quando era na segunda feira, na escola,
todo mundo ia com uma novidade da Rock in Rio pra contar, porque
305
SENA, Jandira Francisco Pereira. Jandira Francisca Pereira Sena: depoimento I [out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3( 44 min.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
306
TEIXEIRA, 2010, p. 16.
122
Jogar futebol, participar de alguma festinha, muita pouca coisa, pouca coisa
tinha na época, era bola mesmo e festinha que era no Berimbau e era lá na
porta! Tinha também festa em Presidente Dutra, Barra do Mendes que era o
Carnaval que a gente não perdia também, Xique-Xique, Jussara. Toda
Região tinha festa, só que o mais correto era festa na cidade né, e que não
tinha.308
Para Orlando Novaes, o futebol era um importante meio de lazer para os jovens
homens nos anos de 1980 e 1990. Os times na cidade eram compostos por homens, entretanto,
quando aconteciam os campeonatos, eram momentos de homens e mulheres se encontrarem.
Há na cidade um grande interesse de muitos jovens, até os dias atuais, pelo futebol. Os
campeonatos ainda são ponto de encontros significativos. Orlando não cita a Rock in Rio, mas
307
SENA, Jandira Francisco Pereira. Jandira Francisca Pereira Sena: depoimento I [out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3( 44 min.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
308
ABREU, Orlando Novaes. Orlando Novaes Abreu: depoimento I [Set. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 9 min. ). Entrevista concedida para pesquisa
histórica.
123
fala da Berimbau. Ele aponta que a maioria dos frequentadores ficavam na porta da boate, que
hora ou outra entravam, de modo que a frente da boate já havia se tornado ponto de encontro,
paquera e divertimento. Os entrevistados narram que em São Gabriel não existiam festas
oficiais. Orlando Novaes, assim como muitos outros entrevistados, incluindo os membros da
Fundação Culturarte, se deslocavam às cidades vizinhas para “pegar” festas.
A Cantoria surgiu, no contexto em que as boates se tornaram “populares” em São
Gabriel, como mais uma opção de lazer e sociabilidade para os jovens da cidade. Entretanto,
nem todos os jovens se identificavam com os estilos musicais propostos na Cantoria, pois nos
anos 1990, em São Gabriel, em grande medida, as músicas escutadas eram o sertanejo, o axé,
o brega e a jovem guarda.
Segundo Jandira Pereira, “ouvia muita música da jovem guarda da época, é tanto que
até hoje eu sinto saudades, que era José Roberto, Jerry Adriane na época, Roberto Carlos,
aquelas músicas assim, então era esse tipo de música.”309 Orlando Novaes apontou que “era as
músicas melhor que existia no mundo, Roberto, Paulo Sergio, música pop, nesse tempo não
existia esse negócio de funk, não.”310 A partir da fala dos dois entrevistados podemos
perceber que existia entre os jovens uma diversidade musical significativa em São Gabriel,
pois eles eram embalados em maior proporção pelo chamado brega e pela jovem guarda311.
Marilú Soares apontou a Música Popular Brasileira como o estilo musical que gostava de
ouvir. Assim como Jandira Pereira, as principais festas que frequentava eram os batizados, os
casamentos. Quando a Cantoria surgiu, se tornou para ela um novo lugar de lazer.
309
SENA, Jandira Francisco Pereira. Jandira Francisca Pereira Sena: depoimento I [out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3( 44 min.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
310
ABREU, Orlando Novaes. Orlando Novaes Abreu: depoimento I [Set. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 9 min. ). Entrevista concedida para pesquisa
histórica.
311
De acordo com Paulo César Araújo, o termo “brega” começou a ser divulgado a partir dos anos de 1980 para
denominar de forma pejorativa a música entendida como cafona.O brega é uma mistura de bolero, samba e
balada romântica.ARAÚJO, Paulo Cesar de. Eu não sou cachorro não. Rio de Janeiro: Record, 2005. A jovem
Guarda surgiu bem antes, nos anos de 1960 a partir de um programa de televisão transmitido pela Rede Record,
porém foi bem mais que um programa, tornou-se um estilo musical que influenciou vários outros ritmos no
futuro. Os principais nomes da Jovem Guarda foram Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa. FRÓES,
Marcelo. Jovem Guarda em Ritmo de Aventura. São Paulo: Editora 34, 2000.
124
não era essas músicas de hoje não, eu nem sei te dizer os nomes das músicas
(pausa para pensar) é MPB, o que mais tocada na época. (sic) 312
Acho que ouvia de tudo um pouco, pop Rock, Rock, o próprio estilo musical
aqui da Bahia mesmo, timbalada e MPB. A gente tinha boates, e hoje já não
existe mais boates, mas nessa década de 80 e 90 São Gabriel tinha boates.
Também as festas fora. Eu, juntamente com alguns amigos, fretava carro na
época e ia para Irecê, Presidente Dutra, Lapão. Era aniversário da cidade,
carnaval etc.[...] Participei da primeira Cantoria. Tenho lembranças que foi
na praça ali onde é chamada a praça do comercio, eu lembro que foi feito em
cima de uma carroceria de caminhão e principalmente com artistas mais
locais, ainda sem investimento grande na questão de trazer artistas famosos
de fora.[...] Teve uma Cantoria que ela foi realizada lá na praça da quadra,
que terminou com chuva, essa foi muito interessante, nem só eu, mas muitas
pessoas que estavam lá ficou marcada como referência.Foi umas das
primeiras, mas essa época já teve a apresentação de Zé Geraldo, mas eu não
lembro a data não. Essa marcou, apesar de ter algumas atrações nacionais
boas, teve a contribuição da chuva, aquele inverno e a praça cheia e ninguém
saiu pela questão da chuva.313
Ednilson, Marilú e até mesmo Orlando Novaes foram alguns dos jovens que naquele contexto
ajudaram a somar o público da festa e, consequentemente, ajudaram a ampliar o evento.
Mesmo que pessoas como Jandira Pereira e Orlando Novaes tenham frequentado
poucas edições da Cantoria, na década de 1990, eles contribuíram para aumentar o número de
espectadores naquele momento em que a festa se formava pouco a pouco. Eles apontaram que
foram em algumas edições da festa, entretanto, também fizeram críticas ao Culturarte e à
própria Cantoria. Segundo Orlando Novaes, ele e alguns de seus amigos não gostavam muito
do ritmo de músicas que eram priorizados na Cantoria, mas iam por ser mais uma festa na
cidade e um meio de diversão, já que as opções eram restritas.314 Isso sugere que algumas
pessoas em São Gabriel não frequentaram as primeiras Cantorias por não gostarem do estilo
musical, pois nem todos os jovens gostavam das modas de violas e cantigas, como os jovens
do Culturarte. E, como Orlando Novaes, existiam muitos jovens que preferiam ir à festa a
ficar em casa, não por gostarem da programação, mas por ver ali mais um espaço de encontro,
paquera e diversão. Sobre a festa, Orlando Novaes apontou que,
Cantoria é uma coisa que sou muito por fora. Frequentei muito pouco,
pouquíssimo, nunca foi muito meu tipo de música. No início foi muito
difícil, esse pessoal da Cantoria foi um pessoal muito confiante que
acreditaram que ela ia crescer e não pararam mais, mas no início foi muito
difícil, as pessoas iam muito pouco pra festa, não tinha cantores de fora, só
cantores local mesmo, mas no início foi muito difícil. As pessoas preferiam
ir pra outra festa do que a Cantoria. As pessoas criticavam, e como
criticavam.Até hoje eu não participo, se for um Zé Geraldo, eu vou.315
314
ABREU, Orlando Novaes. Orlando Novaes Abreu: depoimento I [Set. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 9 min. ). Entrevista concedida para pesquisa
histórica.
315
Ibid.
126
A narrativa de Orlando Novaes serve para compreendermos que a festa faz parte da
memória de muitas pessoas de São Gabriel, mas não de todas as pessoas da cidade. Orlando
Novaes é uma das pessoas que não possui uma identificação com a festa. O Culturarte e a
Cantoria não tiveram importância em sua trajetória. Entretanto, sua memória dialoga com a
dos membros do grupo em relação as dificuldade e às críticas que os fundadores sofreram
para construir a festa.
A partir das entrevistas realizadas com homens e mulheres com faixa etária entre 40 a
67 anos, percebemos que, nas décadas de 1980 e 1990, em São Gabriel, a música era um
elemento presente na vida das pessoas, contando com uma diversidade muito grande de
gostos musicais. Segundo Erismar Novaes, na década de 1990,
316
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
127
Alguns jovens passaram a participar da Cantoria, porém por muito tempo – talvez até
os dias atuais – as pessoas da cidade nutriram uma antipatia em relação aos membros do
Culturate. Isso pode ser reflexo do preconceito e do estranhamento que existiu em relação ao
grupo nos primeiros anos de organização da festa. Além disso, há uma outra questão. A
antipatia existe, principalmente, por parte das pessoas que eram jovens no período em que o
grupo iniciou suas ações e acreditavam que o Culturarte se considerava uma vanguarda em
São Gabriel. Isso fez com que algumas pessoas não tivessem o interesse em aderir ao grupo.
A festa foi aceita e passou a fazer parte da vida da maioria dos habitantes em São Gabriel,
mas os jovens do Culturarte ainda continuaram sendo alvo de críticas. Muitos jovens
passaram a frequentar a festa, mas se distanciavam da possibilidade de ingressar no grupo.
Segundo Jandira Pereira,
Jandira Pereira viveu os anos de construção do Culturarte e da Cantoria. Ela foi uma
das pessoas que não gostava tanto do estilo musical que a Cantoria apresentava, mas sabia da
importância da festa para a cidade e por isso passou a frequentar o evento. Porém, ela também
foi uma das pessoas que criou uma identidade com a festa, criticava, e ainda hoje critica, o
modo de atuação do grupo e sua forma de se apresentar para a sociedade. Em sua fala, Jandira
Pereira aponta a maneira fechada que o Culturarte atuou durante os seus primeiros anos de
atuação. Para a entrevistada, existia um pensamento individualizado, voltado apenas para
pessoas que eram membros, faltando vontade de agregar outros jovens ao projeto. Ela acredita
que o projeto da Cantoria poderia ter sido usado como meio de trazer jovens para o mundo da
arte e que se isso tivesse sido feito lá atrás, hoje, o Culturarte poderia estar agindo nesse
sentido. Para ela, o Culturarte não teve sucesso em promover outras atividades para além da
Cantoria, por conta da falta de vontade dos membros da Fundação em aceitar novas pessoas e
novas ideias.
317
SENA, Jandira Francisco Pereira. Jandira Francisca Pereira Sena: depoimento I [out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3( 44 min.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
128
A visão que Jandira Pereira tem do Culturarte, enquanto um grupo que se sentia uma
vanguarda na época, era a visão de muitas pessoas em relação ao grupo.318Orlando Novaes
afirmou: “Nunca participei daquilo ali” ao se referir ao grupo. O tratamento de Orlando em
relação à Fundação como “aquilo ali”, demonstra como ainda hoje há pessoas que
demonstram desinteresse em relação ao desenvolvimento e atividade do Culturarte.
A partir das entrevistas, entendemos que a leitura feita por outros jovens em relação ao
grupo poderia ser facilmente a de um grupo que se via com superioridade na cidade, por
gostar de estilos musicais diferenciados, de um estilo de vida diferente, por estar sempre
buscando participar da vida social da cidade e pela ousadia de protagonizar um evento
cultural. Jandira Pereira lembra que o grupo fazia questão de ser restrito. Para os seus
membros, entretanto, o grupo sempre esteve aberto a quem quisesse participar.
Provavelmente, havia uma falta de comunicação entre o Culturarte e outros jovens da época
que se interessavam pela construção do evento. Segundo Erismar Novaes,
Erismar Novaes foi o único membro do grupo que afirmou que existia por parte dele e
de seus amigos, uma ideia de superioridade no projeto da Cantoria em relação a outros
eventos e festas que aconteciam na cidade. Para ele, esse orgulho existia, mas era fruto de
318
SENA, Jandira Francisco Pereira. Jandira Francisca Pereira Sena: depoimento I [out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 44 min.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
319
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
129
uma ingenuidade, pois eram jovens e imaturos, o que fez com que eles fossem movidos pela
ideia de uma vanguarda que construía um evento bem maior, perto do que existira ali até
então. Isso fica evidente, principalmente, em relação aos estilos musicais que a maioria dos
jovens da cidade gostavam, já que o grupo considerava que as músicas ouvidas por eles, como
as cantorias, o rock e a MPB, eram mais educativas, poéticas e inteligentes do que os outros
estilos como o brega, o axé e o sertanejo. Para eles, é possível que essa diferença no gosto
musical impactasse em suas posições políticas que refletiam na realização da festa, na ideia de
valorização da cultura, dos costumes e dos símbolos locais e nos estilos musicais priorizados
na festa.
Erismar Novaes aponta que o “nariz em pé”, uma das críticas recorrentes direcionadas
ao grupo, não existia por eles se acharem superiores. O entrevistado evidencia que a maneira
fechada e, as vezes hostil, de dialogar com outras pessoas era uma forma de defesa, já que
eles se viam no lugar de marginalizados. Eram pessoas que acreditavam que a Fundação
Culturarte e a festa eram os únicos lugares de protagonismo, onde podiam expressar suas
ideias e afirmar suas identidades. Entretanto, o entrevistado não deixa de colocar que
acreditavam que a Cantoria era uma festa diferenciada, já que ali era organizado por pessoas
“pensantes”, questionadoras e que tinham percepções inquietantes acerca do mundo.
Pensando a festa com esse propósito, Bezerra aponta que,
As festas, contudo, não têm sido utilizadas somente para afirmar a coesão
dos habitantes nas cidades e, portanto, das relações hegemônicas, mas
também foram e são utilizadas para construir uma unidade e (re) significar a
identidade de grupos subalternizados historicamente.320
320
BEZERRA, 2008, p.9.
130
Provavelmente a leitura que faziam é de que se o grupo fosse demasiado aberto, não
conseguiram impor suas ideias em função das divergências. Segundo Erismar:
Você está lidando com gente rebelde, rebelde na acepção política da palavra.
Rebeldia naquele sentido que é um grupo que saiu dos estágios de evolução
para a transformação, é um grupo que ainda não é revolucionário, mas que
enxerga um mundo diferente do que está ali e questiona esse mundo e age
sobre esse mundo. Então, o rebelde é, antes de qualquer coisa, um
pretensioso, né?! Porque senão, não existe rebeldia, porque se existe
ponderação, não existe rebeldia (risos). Então, não dá para negar a percepção
que parte da sociedade tinha e tem ainda desse grupo em relação à atuação,
mas não dá para analisar ele sem levar em consideração a análise
psicológica, a análise política, análise das relações sociais que essa
sociedade já travava anterior a 1991 com esse grupo que era de
marginalização. Então toda ação tem uma reação.321
321
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
131
Naquela época, é possível que Jandira Pereira já enxergasse o grupo como fechado.
Entretanto, é provável que as conclusões em relação ao perfil do grupo tenham sido
construídas com o passar dos anos e essa ideia tenha se formado nos dias atuais. Em relação à
inserção de outros jovens no grupo, Erismar Novaes colocou que,
Esse grupo tinha uma linguagem própria e uma forma de interação própria. E
não era tão homogêneo como se imagina, né? Então, era comum muitas
discussões, o sangue ferver durante as decisões. Então, sempre que se
tentava essa ampliação da Fundação, da recepção de outras pessoas, era um
estagio muito doloroso para quem era chegado, que não entendia a
linguagem cultural daquele grupo. Então assim, não era uma questão de
resistência a outras forças que não se ampliava. Não se ampliava de fato e
era uma crítica. Foi se ampliando em quantidade, muito lentamente, quem
vinha de fora. Só pessoas fortes para permanecer naquele ambiente hostil,
porque não tinha uma dinâmica. Mas eu vejo como aspecto de um grupo que
ainda não sabia lidar com seus sentimentos, com as críticas frente a
sociedade. Ao mesmo tempo, chegava muita gente tentando se inserir no
Culturarte.Saía muita gente porque os processos desse grupo de decisão, de
definição de encaminhamento, de discussão de conflito interno eram
intensos também e as pessoas não estavam acostumadas. Então, para quem
não participou desse ato fundador, e mesmo alguns que participaram, era um
processo totalmente alienígena do que as pessoas tinham visto até ali, então
se você não tinha participado para entender, para se sentir parte daquilo ali,
você ia dizer, “eu não vou participar disso aqui não, isso é um bando de
maluco”(risos).Entende?322
A expressão “vir de fora” faz referência às pessoas que não tiveram envolvimento com
o grupo desde o início, ou que não tivesse uma trajetória de militância próxima à daqueles
jovens. Para o entrevistado, era muito difícil para quem não estava desde o começo
permanecer no grupo, já que as reuniões eram sempre muito intensas. Segundo o entrevistado,
era preciso entender e se reconhecer nas ideias do grupo, entender sua linguagem e suas
proposições. Quando o entrevistado fala em linguagem própria, entendemos que ele se refere
a uma forma subjetiva de articulação e construção da festa. No entanto, a fala pode ser
interpretada como uma escolha do grupo em manter a restrição.
Erismar Novaes aponta, ainda, a dificuldade que até “os fortes” – referindo-se aos
fundadores do grupo e da Cantoria – tiveram em permanecer. Alguns chegaram a desistir do
projeto por conta dos intensos conflitos internos nos momentos de definições, organização e
análise da festa. O entrevistado justifica as grandes tensões internas e algumas externas, muito
322
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
132
323
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
133
Segundo o entrevistado, era preciso ter afetividade em relação aos outros membros do
grupo para permanecer na Fundação, pois a troca de afeto era um ponto significativo para
minimizar os atritos e manter a vida do grupo. Os momentos de discordâncias, de hostilidade
e, algumas vezes, de agressividade, entre eles, ocasionaram a saída de várias pessoas como foi
pontuado, sendo o caso mais marcante o de Netão. Ele carrega, até os dias atuais, uma magoa
em relação ao Culturarte, ao ponto de cortar relações com quase todos os membros do
grupo.324 Por outro lado, Erismar apontou que, na maioria das vezes, depois dos conflitos tudo
voltava ao normal ao fim da realização do evento, isso porque existia uma afetividade entre as
pessoas. Caso contrário, o número de pessoas que deixariam o grupo seria bem maior, de
modo que talvez o grupo nem existisse mais, já que o fazer da Cantoria mexia muito com as
emoções de cada pessoa. Além dos conflitos com outros jovens por falta de diálogo, para
Erismar Novaes, as memórias mais doloridas são as dos conflitos internos.
Para mim, o que mais mancha as minhas lembranças é que a gente poderia
ter evitado muitos conflitos internos, poderíamos ter cuidado mais um do
outro, dos membros da Fundação. Poderíamos ter sido mais cuidadosos e
poderíamos compreender que diferentes pessoas têm diferentes formas de
perceber o mundo e diferentes níveis de sensibilidade. É, já me magoei
muito e certamente já magoei pessoas nesse processo de tentar encontrar o
melhor jeito de fazer a Cantoria. Isso, somado a vários fatos, foi afastando
muita gente e deixando muita gente entristecida. Pessoas que, inclusive, se
recusa a retomar o seu caminho de colaboração. Para mim, das lembranças
que eu trago, de arrependimento, é que nós, membros da Fundação,
deveríamos ter aprendido mais como lidar com os sentimentos e com o
compromisso de cuidar um do outro para nos fortalecermos e chegarmos
aqui nesse dia mais fortes, e todos. E aí, pessoas ficaram pelo caminho,
alguns porque desistiram da militância, porque é um ato de militância, outros
porque saíram magoados e alguns que aproveitaram essa magoa par dar esse
distanciador (sic.) do espaço de militância. Então, não soubemos lidar com
boa parte dos conflitos, que era com o lidar com fazer Cantoria.325
Erismar Novaes elenca como um dos seus arrependimentos a falta de cuidado com os
companheiros do grupo. Para ele, a falta de maturidade emocional para dialogarem entre si foi
responsável pela saída de muita gente, o que em muitos momentos enfraqueceu o grupo.
Segundo Erismar, fundadores maduros o suficiente para gerenciar suas emoções, facilitaria o
324
ROCHA. Agnolia de Oliveira. Agnolia de Oliveira Rocha: depoimento I [Dez. 2016]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 ( 37 min. e 10 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
325
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
134
diálogo entre seus pares e com outras pessoas. A partir dos relatos orais, é possível perceber
que os membros fundadores andavam quase sempre na ofensiva, atitude reativa causada pelo
histórico das difíceis trajetórias dos movimentos culturais na cidade, o que pode ter
dificultado uma relação de cordialidade com comerciantes, políticos e pessoas que não
gostavam do grupo e da festa. A dificuldade de ampliar o grupo e dialogar para além dos
limites institucionais contribuíram para a demora de conquistar o lugar de festa da cidade, já
que a instabilidade nas relações internas e externas do grupo refletia muitas vezes nas
organizações da festa.
Erismar Novaes também aponta que fazer a Cantoria era, para o grupo, um ato de
militar pelo que eles acreditavam e que muita gente deixou de acreditar nos propósitos da
festa e aproveitaram os conflitos para justificar suas ausências. Esse pode ter sido o caso de
Netão e de muitos outros que abandonaram a militância na Cantoria por não se reconhecerem
nos caminhos que ela tomava. Sobre esse conflito Olavo Novaes, que foi membro do MAC,
aponta:
Eu penso que a Cantoria seja uma coisa maravilhosa para a nossa cidade.
Apesar que hoje as pessoas que formaram o Culturarte, tão bem aí, e pensam
que Netão é o vilão da história, eu vejo eles como umas pessoas que não vê o
sentido das coisas. Mas eu não tenho magoa deles não.326
Olavo Novaes era companheiro de Netão nos tempos do MAC e é um dos que acredita
que Netão tenha sido um importante personagem para a construção e desenvolvimento da
Cantoria. Olavo afirma não ter mágoa, o que pode ser entendido como um silenciamento de
memórias, já que o entrevistado fala das mágoas antes mesmo de ser questionado e critica
outros membros fundadores do grupo.327 Olavo informa que Netão recebeu o rótulo de “vilão”
co conflito que resultou em seu afastamento do grupo e seu distanciamento dos membros,
distancia que permanece atualmente. Em todo o seu relato, Olavo defende a imagem do amigo
e entende que o Culturarte tomou rumos diferentes daqueles projetados no processo de
criação. Não nos interessa e nem é de nossa responsabilidade entrar na questão de quem teve
ou não razão nos conflitos internos. Nosso compromisso é perceber e questionar as emoções
trazidas nas memórias de pessoas que atuaram no grupo, entre elas estão a mágoa, a raiva e a
tristeza em relação às desavenças.
326
ABREU, Orlando Novaes. Orlando Novaes Abreu: depoimento I [Set. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 9 min. ). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
327
POLLAK, 1989. P. 4.
135
No que diz respeito aos conflitos internos mencionados por Erismar Novaes e também
por Olavo Novaes, existem divergências de memórias. Alguns confirmam a existência dos
conflitos e outros, ao lembrarem da dinâmica do grupo, silenciam sobre eles. Vejamos as falas
de Valdelício Vaz e de Aimá Rocha:
Não existiam conflitos. Não tinha conflitos sabe por quê? Não tinha chefe.
Porque onde tem chefe, que um tem mais dinheiro do que o outro, aí fica
aquele negócio. Agora todo mundo era caçando ideia, a gente estava
comprando ideia.328
Não... Em torno da cantoria não, na verdade era um grupo muito unido nesse
aspecto, né?! Nunca teve essas divergências que confundissem os objetivos
da fundação. É normal que as pessoas pensem diferente, né?!Que tenham
alguns pensamentos diferentes, mas sempre se correu em torno dos objetivos
da fundação, nunca houve grandes divergências que tornasse isso qualquer
motivo pra impedimento da realização da cantoria ou qualquer outra
atividade da fundação.329
328
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
329
ROCHA, Aimá Glicério Rocha. Aimá Glicério Rocha: depoimento I [Mai. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 31 min. e 40 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
136
É, tinha e ainda tem até hoje. Tem que ter, que é pra gente debater e discutir
e chegar num consenso do que é melhor. Tudo vai à votação. Tudo que a
gente faz é através de votação. A gente abre pra votação e a maioria que
decide. 330
Eu acho que sempre existiu, porque quando você forma uma comissão de
vinte, trinta pessoas, todo mundo pensa diferente. Às vezes o cara tem uma
ideia e a maioria não aceita. Até eu já fiquei com raiva também.
Unanimidade não vai existir nunca. Ah, muitas pessoas saíram, eu mesmo
fui de uns. Muita gente saiu. 331
A primeira fala é de Agnolia Oliveira, uma das duas mulheres que participou da
fundação do grupo. A entrevistada não pontuou momentos de tensões entre ela e os homens
do grupo, mas confirmou a existência de discussões positivas nas reuniões, as quais ela
acredita que eram e ainda são um fator que dão movimento ao grupo. Na segunda fala, Luiz
Sérgio confirma o que Erismar afirmou sobre a saída de muita gente do grupo, deixando claro
que ele mesmo saiu por conta de divergências de ideias. Já na terceira fala, Itamá Rocha
também lembra que houve discordâncias de pensamentos entre os jovens fundadores. Os três
entrevistados apontam a existência de conflitos de ideias e buscaram trazê-los como uma
coisa positiva para a construção da Cantoria.
330
ROCHA. Agnolia de Oliveira. Agnolia de Oliveira Rocha: depoimento I [Dez. 2016]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 ( 37 min. e 10 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
331
NEIVA, Luiz Sérgio Batista. Luiz Sérgio Batista Neiva: Depoimento I [Dez. 2016]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 ( 20 min. e 16 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
332
ROCHA, Itamá Glicério. Itamá Glicerio Rocha: depoimento I [Mai. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (17 min. e 37 seg. ). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
137
Dos três entrevistados, apenas Luiz Sergio comentou a saída de pessoas por conta de
brigas. No entanto, ele não apresentou isso como problema para a continuidade dos projetos
naquela época. Outro ponto significativo na fala de Itamá Rocha foi sua preocupação em falar
que as divergências não eram políticas, alegando que a Fundação era apolítica. Sabemos que
não existe ser humano apolítico, pois todos se posicionam de algum modo. A própria
construção da festa é um ato político. No entanto, acreditamos que a fala do entrevistado
busca explicar que não havia política partidária explícita dentro do Culturarte, seguindo a
lógica de “defesa” do grupo.
As falas dos membros do Culturarte seguem a mesma lógica de “zelar” uma imagem
positiva do grupo. Isso fica visível porque a maioria dos entrevistados demonstra entender as
divergências como importantes para o desenvolvimento do projeto coletivo. Eles preferiram
exaltar os pontos positivos, sem tocar nas questões que levaram ao desligamento de muitos
membros, por não quererem ser lembrados de maneira negativa. Segundo Marieta Ferreira,
333
FERREIRA, Marieta de Moraes. Oralidade e memória em projetos testemunhais. In: LOPES, A. H.;
VELLOSO, M. P.; PESAVENTO, S. J. (Orgs.). História e linguagens: texto, oralidade e representações. Rio de
Janeiro: 7 Letras, 2006. p. 195 - 203. P.201.
334
AMADO, 1995, p.132.
138
As diferenças internas foram narradas na maioria dos relatos como um elemento sem
muita importância. Em suas narrativas, os membros fundadores elegeram como marcantes os
conflitos externos. O silenciamento em torno das divergências internas parte da tentativa de
serem lembrados como um grupo que teve uma trajetória harmoniosa.
335
FILHO, Valdelício Barreto Vaz. Valdelício Barreto Vaz Filho: depoimento I [dez. 2016]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (51 min. e 54 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
336
Trecho da música Curvas do Rio de Elomar Figueira Melo, retirada do disco: Parcelada Malunga; Álbum
musical de Arthur Moreira Lima, Elomar, Xangai e Zé Gomes. 1980: Gravadora: EMI.
337
Cantador e compositor. Nascido em 21 de Dezembro de 1937 em Vitória da Conquista - Ba. Retirado
em:<http://www.elomar.com.br/biografia.html.> Acesso em 31/07/2018.
139
movimentar a economia da cidade. Para o ex-prefeito Edes Rocha, a Cantoria foi uma das
festas que ajudou, naquele período, a movimentar o comércio local.
[...] você enche a cidade de gente, três dias, quatro dias e aí movimenta com
certeza, movimenta e muito, tem suas despesas? Tem! Você agrada o
público e o comerciante. Porque veja, você está passando dificuldade, mas se
você, por exemplo, em uma noite ganha 200, 300 reais a mais, já lhe ajuda a
pagar seus compromissos. E se você tem um comércio maior, você ganha
muito mais, porque aí não ia vender só o comerciante que trabalha a noite, ia
vender dono de sapataria, de uma lojinha, que você compra uma roupinha lá,
mesmo que vá sacrificar seu salário.338
338
ROCHA, Edes José da. Edes José da Rocha: depoimento I [Nov. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 1h. e 10 min.). Entrevista concedida para pesquisa
histórica.
339
Esse e outras atividades podem ser entendidas como subemprego. Mas esse tipo de atividade é de suma
importância para uma cidade com poucas oportunidades.
140
mundo negociava. Vamos dizer que o bolo era dividido pra todo mundo. E lá
só pra quem vem de fora, e o outro fica aí atoa sem ter nada.340
A fala de Edes Rocha faz referência ao local onde a Cantoria é realizada atualmente.
Ele defende, ainda hoje, a ideia de que a festa deveria acontecer no local estabelecido por ele
em seu mandato, na praça da feira. O Culturarte resistiu à transferência porque considerava
que a Cantoria estava bem acomodada na “praça da Cantoria”. Contudo, a resistência foi
vencida quando o prefeito resolveu construir uma quadra poliesportiva no local onde a festa
acontecia. Resultado: acabaram mudando para a parte central da cidade.
Segundo Bezerra, a “institucionalização se expressa através da concentração das festas
na área central da cidade em um tempo determinado, a exemplo do São João que ocorre
durante todo o mês de junho em um espaço reservado ao evento”.341 Bezerra aponta que a
realização das festas nas áreas centrais das cidades se caracteriza como um elemento da
institucionalização pelas elites políticas locais. Por conseguinte, acreditamos que a
intervenção de Edes Rocha na Cantoria em transferi-la para a área central da cidade foi uma
tentativa de institucionalizá-la, movido pelo interesse lucrativo e pela potencial captação de
votos em torno da festa. Segundo Erismar Novaes,
A narrativa acima é de um conflito ocorrido já nos anos 2000, mas que existia desde
os anos de 1990. Ela mostra a dificuldade do Culturarte, nos anos de 1990, de conseguir com
os comerciantes fundos para a realização da festa no entorno da praça, que nos dias festivos
colocavam barracas na frente dos seus estabelecimentos. Eles não conseguiram dialogar com
os comerciantes da área central da cidade e firmar um acordo para que a festa continuasse ali.
Depois de alguns anos preferiram ir para uma praça mais afastada, distante da parte central de
340
ROCHA, Edes José da. Edes José da Rocha: depoimento I [Nov. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 1h. e 10 min.). Entrevista concedida para pesquisa
histórica.
341
BEZERRA, 2008, p.14.
342
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
141
São Gabriel. A Praça Pedro Gama possibilitaria, na concepção do grupo, maior controle sobre
a organização do evento, pois eles regulariam melhor o fluxo de barracas e poderiam usar a
locação dos pontos para ajudar nas despesas da festa.
Para Edes Rocha, eles não quiseram “repartir o bolo”. Essa atitude do Culturarte pode
ser entendida também como uma resistência ao protagonismo das elites políticas locais no
processo de institucionalização da festa. Provavelmente pretendiam diminuir o poder dessas
elites nas definições centrais do evento, o que inclui a escolha do local de sua realização.
Os políticos locais passaram visar a festa como uma maneira de gerar lucros para a
cidade e possivelmente angariar votos, mas não davam uma contrapartida, já que
financeiramente não contribuíam à contendo. Assim a cantoria só acontecia porque seus
membros se esforçavam no trabalho de arrecadação de verbas. Para o Culturarte, a festa
deveria ser prioridade, já que era fonte de lucros para o município e para comerciantes locais.
Sobre a Cantoria como elemento importante para a economia local, Erismar Novaes coloca
que,
Em meados da década de 1990 a Cantoria passou ser mais frequentada. Para Erismar
Novaes, o crescimento se deu no pós 1993. Segundo ele, nesse momento a festa começou a
fazer parte da expectativa das pessoas, ainda que de forma paulatina. De acordo com sua
perspectiva, os dias festivos, bem como os dias imediatamente anteriores ao evento,
movimentavam a economia local. Isso porque as pessoas compravam roupas e calçados para
irem ao evento, além de aumentar o fluxo de pessoas circulando. Os dias de Cantoria
provocaram o aumento das vendas nos mercados, nas farmácias e dentro do próprio circuito
da festa, com a compra de comidas e bebidas. A partir de meados dos anos de 1990, além da
barraca da Fundação, eles abriram espaço para que outras pessoas vendessem comidas e
343
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
142
bebidas. Para o entrevistado, o aumento do público da festa se deu muito por conta das
atrações de renome nacional que o Culturarte conseguiu trazer. Desde a quarta edição, depois
da participação de Zé Geraldo, muitas pessoas passaram a frequentar a festa e acreditar no
evento. De acordo com Erismar,
A Cantoria passou a ter um maior fluxo de público a partir de 1994, começando ali a
movimentar a cidade, levando alguns comerciantes a se programar para os dias festivos.
Segundo o entrevistado, o processo de evolução da Cantoria foi provocado em maior
proporção pelas atrações: Zé Geraldo, uma atração de reconhecimento nacional, motivou as
pessoas a frequentarem a Cantoria no pós 1993. O entrevistado justifica que, para a Fundação,
as atrações com reconhecimento nacional não definiam a grandiosidade do evento em cada
edição, já que eles acreditavam na cultura local. Entretanto, para ele, é inevitável não pensar o
crescimento da festa, reconhecimento, aumento do público e patrocínio, sem pontuar a
responsabilidade que as “grandes atrações” tiveram nesse fenômeno. O depoente reitera sua
fala anterior afirmando que,
Assim como Erismar, a maioria dos membros do Culturarte segue o mesmo raciocínio
de que a terceira Cantoria foi um dos momentos mais marcantes da história da festa na década
de 1990. Isso acontece por ter sido nessa edição que eles conseguiram dinheiro suficiente para
trazer Zé Geraldo, um cantor de reconhecimento nacional e muito ouvido pela população.
Para Erismar, as pessoas desacreditaram da possibilidade daquele grupo trazer um cantor tão
famoso, isso porque a festa ainda não tinha repercussão na cidade. No entanto, nota-se em sua
fala, e de outros entrevistados, que naquele momento eles conseguiram surpreender muitas
pessoas que até então criticavam a festa e não acreditavam no grupo. Para Welington Oliveira,
Welington Oliveira reforça a fala de Erismar Novaes no que diz respeito ao momento
em que a festa passou a ser vista por algumas pessoas com outros olhos. Para os membros do
grupo, depois da ida de Zé Geraldo na terceira Cantoria, algumas pessoas começaram a
frequentar e acreditar naquela festa. Além de ter sido o momento em que eles surpreenderam
grande parte da população, aquela foi uma das edições que marcou muitos membros pelo
significado que o cantor tinha para eles. Valdelício Barreto apontou que:
345
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
346
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
144
Zé Geraldo, ave Maria, era um mito (falando com muita empolgação) no dia
que a gente trouxe, né? Parece que foi na terceira cantoria, e aí o povo
chorava, dançava, pulava em cima do palco, quase caia, o palco era pequeno,
foi uma festa. Aí já aceitaram. O público chorava, não sabia se chorava ou se
ria. No show dele choveu. Ave Maria, foi um dos melhores shows!Foi
bonito, foi bonito demais, ele cantou inspirado e todo mundo com aquela
sede de conhecer Zé Geraldo, né? E aí ele e um guitarrista que ele trouxe
com ele, era um show de lascar, oh, retado (empolgação ao relatar). Foi um
347
dos melhores shows que Zé Geraldo já fez no Gabriel.
teve uma Cantoria que ela foi realizada lá na praça da quadra, que terminou
com chuva.Essa foi muito interessante, nem só eu, mas muitas pessoas que
estavam lá ficou com marco como referência.Foi umas das primeiras, mas
essa época já teve a apresentação de Zé Geraldo, mas eu não lembro a data
não. Essa marcou, apesar de ter algumas atrações nacionais boas, teve a
contribuição da chuva, aquele inverno e a praça cheia e ninguém saiu pela
questão da chuva. 348
347
SANTOS, Welington Oliveira. Welington Oliveira Santos: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (1 h. 03min. e 46 seg.). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
348
MIRANDA, Ednilson Martins De. Ednilson Martins De Miranda: depoimento I [Out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 8 min. e 45 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
145
de muitos entrevistados e até os dias atuais é um motivo de orgulho, tanto para a Fundação
quanto para as pessoas da cidade. Erismar Novaes, ao falar sobre a nona Cantoria, destacou:
Diante da análise das falas dos membros do Culturarte, das de pessoas que não eram
do grupo e das fotografias da festa, podemos entender que as atrações foram as grandes
responsáveis pelo crescimento da Cantoria. Conseguiram trazer artistas conhecidos
nacionalmente, investindo na possibilidade de apresentações de cantores ouvidos por uma
parcela significativa da população. Isso possibilitou que o grupo e a Cantoria conquistassem
o interesse e expectativa das pessoas, de modo que nos fins da década de 1990, a festa já
estava difundida e fazia parte da vida da cidade.
Uma estimativa de dados levantados pelos membros do Culturarte sobre o público que
frequentou a Cantoria nos anos 2000, podem servir de base para pensarmos o público da
década de 1990, já que acreditamos que nos fins dos anos de 1990, quando a festa passou a
crescer, não houve uma mudança significativa na quantidade de pessoas que faziam parte do
evento, a não ser pelo aumento do número de turistas. A estimativa feita por eles, nos anos
2000, era que a maior parte do público da festa era formado por pessoas de São Gabriel, cerca
350
de oitenta por cento dos espectadores. Como o número de turista aumentou entre os fins
dos anos de 1990 e 2014, significa que o maior público da Cantoria na década de 1990 era
composto por cidadãos gabrielenses.
No fim da última década do século passado, a Cantoria passou a se moldar como a
festa da cidade, isso porque ela já mobilizava muita gente e mexia diretamente na dinâmica do
local. As pessoas se preparavam para a festa, compravam roupas para ir à praça, marcavam
com amigos, recebiam amigos de outras cidades em suas casas, bebiam, dançavam,
349
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
350
Ibid.
147
Erismar Novaes fala do lugar de membro da Fundação, por conta disso, entende a
Cantoria de forma muito subjetiva. A Cantoria faz parte da identidade dos membros da
Fundação e de suas famílias. Entretanto, na narrativa acima, ele entende que a festa está
cravada na identidade de toda a sociedade gabrielense. A fala do entrevistado é construída a
partir da sua experiência. Entendemos que o evento faz parte da identidade de grande parte da
população, mas não podemos afirmar que toda a população se reconhece quando vai à
Cantoria, ou que possuí uma identidade formada a partir dela. Para Erismar Novaes, as
pessoas que nasceram nos fins dos anos de 1980 e início de 1990 possuem mais identificação
com a Cantoria, pois quando a festa passou a se popularizar ela alcançou principalmente as
351
BEZERRA, 2008, p. 12
352
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
148
escolas municipais. Muitas professoras fizeram projetos voltados para importância da cultura
regional e fez com que muitas crianças crescessem conhecendo e gostando da Cantoria.353
De acordo com Erismar Rocha,
Não fui em nenhuma das primeiras Cantorias, mas vivia todas, porque as
escolas trabalhavam, a gente trabalhava tudo que ia ser trabalhado na
cantoria, agente trabalhava na sala de aula.Por exemplo, eu lembro de Décio
Marques quando eu fiz o trabalho... a gente divulgou alguns trabalhos que
ele ia apresentar, por exemplo algumas músicas, a gente trabalhava com os
meninos.Depois fizemos o projeto, ele foi conhecer lá na escola que eu
trabalhava, cantou com os meninos, só que eu não tenho nada registrado.355
353
SENA, Jandira Francisco Pereira. Jandira Francisca Pereira Sena: depoimento I [out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3( 44 min.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
354
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
355
SENA, Jandira Francisco Pereira. Jandira Francisca Pereira Sena: depoimento I [out. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3( 44 min.). Entrevista concedida para
pesquisa histórica.
149
Segundo Hall, a sociologia partiu da teoria de socialização dos indivíduos. Ele entende
que as identidades dos sujeitos são formadas de maneira subjetiva, ou seja, cada um constrói
suas identidades de maneiras diferentes. Essa construção é formada a partir da socialização
que se dá no contato com o outro, nas relações sociais. O mundo exterior contribui para a
construção interior do sujeito. Com isso, as estruturas interferem na construção dos indivíduos
e, a partir do papel que cada sujeito desempenha na sociedade e a relação que cada um tem
com o mundo, serve como um marcador importante para a formação identitária. Para Hall,
356
Cartaz da X Cantoria de São Gabriel em 26 a 28 d e05 de 2000. Retirado do acervo da Fundação Culturarte.
357
Projeto de apresentação da Cantoria para capitação de patrocínio. 2015. Acervo da Fundação Culturarte
358
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro. DP&A, 2006. P.31
150
Concordamos com Stuart Hall quando ele aponta que a identidade não é algo fixo ou
acabado. Por isso falamos em identificação, por estarmos em constante construção dos nossos
eus e, por conseguinte, a identificação com algo que já existe em nós seria uma forma de
“preenchimento” do que somos. Nesse caso, a representatividade assume um importante papel
de formação de identidade, daí a importância de nos reconhecermos em locais, objetos e
pessoas que fazem parte de nossas relações sociais. Nossas identidades estão em contínuo
processo de construção, seja a partir do reconhecimento com o que já existe em nós que
ajudará a fortalecer uma identidade; ou na construção de um eu que ainda não existe. Durante
toda a nossa vida estamos desenvolvendo identidades a partir da experiência vivida.
Partimos das considerações de Stuart Hall para pensarmos a Cantoria como elemento
de identificação para muitas pessoas e elemento de construção de identidades de tantas outras.
Isso porque acreditamos que quando a Cantoria passou a ganhar uma dimensão maior e a criar
relações para além da festa, a exemplo dos projetos na escola e outras ações, tornou-se
possível que a comunidade, de algum modo, desenvolvesse uma identificação maior com o
evento. Portanto, todos esses elementos foram importantes para que a festa se consolidasse.
Para Erismar Novaes,
Para Erismar Novaes, jovens e adultos se identificaram com os elementos que a festa
trazia, como os costumes sertanejos. O entrevistado acredita que a Cantoria passou, naquele
359
HALL, 2006. Pp. 38-39
360
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
151
momento e nos anos seguintes, a fazer parte das identidades dos habitantes da cidade. Para
ele, isso fica nítido quando conversasse com jovens na faixa etária entre 20 a 30 anos, a
grande maioria pontua a Cantoria como elemento importante de sua infância e adolescência.
Muitos jovens foram à festa com seus pais, participaram de algum projeto da Fundação e
entenderam a festa como um dos principais meios de encontro na adolescência. Além de
identificar na festa com o que já existia dentro de si, a Cantoria também formou identidades.
As trocas e costumes da sociedade gabrielense, presentes na Cantoria, mostram que ela
trouxe para a praça, seja na decoração, nos cartazes, nos repentes e cordéis, as coisas do
sertão. Ela falou da fé daquele povo, das dificuldades, da agricultura e da seca, da vontade de
vencer. Trouxe também a imagem da política local refletida na dificuldade de adquirir
patrocínios, de diálogo e nas perseguições a quem era oposição a quem governava. Segundo
Erismar Novaes,
A fala de Erismar parte de uma memória construída na mesma lógica dos outros
membros, trazendo a importância cultural que a festa tem para a cidade. É preciso
problematizar seu relato, já que os relatos de memória são o que os entrevistados sentem no
presente em relação ao vivido. Isso porque o entrevistado, assim como todos os membros da
Fundação, traz uma memória dos vitoriosos e de exaltação a Cantoria. Eles foram os
elaboradores da festa, por isso sentem, na atualidade, o orgulho pelo que foi criado.
É preciso pensar também a ideia de valores que ele acredita que a festa agregava. A
Cantoria tinha o objetivo de reforçar os costumes sertanejos, mas os valores sociais,no
momento em que ela foi inventada, eram completamente conservadores. A festa não buscou
consolidá-los. Não esquecemos que seus organizadores eram vistos como rebeldes. Além dos
símbolos do sertão, ela trazia consigo símbolos de resistência, de quebra de paradigmas e
superação de uma marginalização dos jovens artistas. Nesse sentido, a Cantoria pode ser
entendida como elemento de quebra de alguns valores sociais. É possível pensar que a
Cantoria tenha ressignificado valores.
361
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [ Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
152
Por outro lado, o entrevistado fala também de valores da região de São Gabriel como o
de valorizar culturalmente o local, representando elementos característicos da cidade, como o
reisado e outros atributos que faziam parte da cultura do lugar. Entendemos que isso foi um
misto de resistência e ousadia, mas que não rompeu de todo com a cultura da região.
362
TEIXEIRA, Joaquim de Sousa. Festa e Identidade: Joaquim de Sousa Teixeira. Artigo originalmente
publicado em Comunicação & Cultura, Nº 10, Outono–Inverno 2010, Revista do CECC - Centro de Estudos de
Comunicação e Cultura da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (Lisboa), e
republicado pela on-line LUSOSOFIA. NET com autorização da sua Directora, a Profª Doutora Isabel Capeloa
Gil. PP 11 e 12
363
ROCHA. Agnolia de Oliveira. Agnolia de Oliveira Rocha: depoimento I [Dez. 2016]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (37 min. e 10 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
153
364
GUARINELLO, 2001 apud BEZERRA, 2008, p.10
365
Analise de fotografias retiradas do acervo da Fundação Culturarte.
366
ROCHA, Edes José da. Edes José da Rocha: depoimento I [Nov. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 1h. e 10 min.). Entrevista concedida para pesquisa
histórica.
367
HALL, 2003, p.255
154
sociabilidade e interação, mas não podemos negar ela enquanto espaço de disputa como foi
mencionado acima. Para Bezerra, “a festa é uma produção social que pode gerar vários
produtos, tanto materiais como comunicativos ou, simplesmente, simbólicos”.368
Bezerra, baseando-se nas considerações de Guarinello, pontua que o produto mais
significativo gerado pela festa é a identidade nos sujeitos participantes. Partindo dessa
reflexão, pensamos que os entrevistados acreditam que a Cantoria também tenha gerado como
produto uma identidade nas gerações mais antigas e, sobretudo, nas gerações mais jovens que
viveram a festa em sua infância e adolescência. Para Guarinello,
368
BEZERRA, 2008, p.10
369
GUARINELO, 2001apud BEZERRA, 2008, p.10
370
FERREIRA, 2006, pp. 200 – 201.
371
BEZERRA, 2008, p.11
155
Consideramos que, para além da representação das relações sociais, a festa precisa de
elementos do quotidiano para existir, pois eles lhe dão vida e movimento. Como citou
Teixeira, a refeição é um importante ingrediente para que os grupos garantam presença na
festa, as bebidas também, pois no Brasil se apresentam como um importante elemento de
diversão e até de socialização. No caso da Cantoria, outro elemento significativo era a
presença do artesanato, meio de trabalho de muitos gabrielenses. Sobre as identificações dos
sujeitos com as festas, o autor coloca como principais ingredientes das festividades as crenças,
as representações e os objetos intencionais. Segundo a memória dos membros fundadores, a
Cantoria surgiu para celebrar, para unir, para promover lazer e movimento na cidade que era
tão carente de “algazarras”.
Por entendemos que a identidade seja uma ação política “construída com base nas
representações, nos discursos, nos sistemas de classificações simbólicas”,373 pensamos que a
Cantoria também teve como objeto intencional a ação política. Talvez muitos não
compreendessem que festejar partisse de uma ação política, como apontou Itamá Rocha, mas
isso está marcado nas memórias dos fundadores, a partir da ideia de que estar ali celebrando
era “um ato de militância”.374
372
TEIXEIRA, 2010, p.15
373
BEZERRA, 2008, p.11.
374
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
375
Ibid.
156
desenvolvida com passar dos anos, quando os fundadores olharam e analisaram o que tinha
sido feito. É muito provável que enquanto estavam envolvidos com a construção das
primeiras edições da Cantoria, eles não tivessem consciência da dimensão do que estavam
construindo, nem tão pouco se conseguiriam analisar os conflitos que estavam vivendo. Eles
apenas viviam. É provável que a partir do distanciamento e amadurecimento dos fatos
vividos, os membros do grupo tenham construído essa ideia sobre a Cantoria.
O entrevistado acredita não existir, ainda nos dias de hoje, uma definição coletiva do
que de fato era a festa e o que ela representava. Entretanto, existem muitas definições. Esses
sujeitos trazem a festa como lugar de liberdade de expressão, lugar das pessoas que
geralmente não tinham voz na sociedade, espaço para extravasar os sentimentos. Além dos
objetivos da Fundação Culturarte, ela passou a ter outros objetivos intencionais, a partir do
momento que começou a ser um elemento de identificação de vários sujeitos da cidade. Isso
explica a dificuldade de uma definição acabada do que a Cantoria era, queria e representava.
Bezerra, partindo das ideias de Durkheim, afirma que,
Partindo da ideia de que os ritos são responsáveis por fazer os participantes reviverem
outros momentos do passado, de mexer com os sentimentos, analisamos a fala de Erismar
Novaes sobre o estado de espírito das pessoas nas noites de Cantoria. O entrevistado afirma:
O entrevistado rememora como a festa mexia com as emoções dos participantes e era
responsável por despertar sentimentos diversos como o choro, a saudade, a alegria de estar ali,
376
BEZERRA, 2008, p.10
377
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [Jan.. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 ( 1h. 58. min. e 27 seg. ). Entrevista
concedida para pesquisa histórica,
157
A Cantoria significa uma parte da minha vida mesmo. Cultural mesmo, foi
uma coisa muito significante. Acho que nem só pra mim, mas pra muita
gente aqui. A arte, a música eu acho que traz muitas coisas boas pra vida da
gente. Um significado muito bom.378
Para a entrevistada, a festa faz parte de sua vida e tem um significado muito
importante em sua trajetória. Agnolia Oliveira acredita que ela significa isso para muita gente
da cidade. Entretanto, é importante salientar que o ato de festejar é coletivo, mas também
individual. Cada um tem seu jeito de sentir e expressar o que foi sentido. Certamente, o que a
Cantoria era, objetivava e representava para os membros do Culturarte, não era entendido
igualmente por outros participantes. A festa despertou sentimentos diferentes nas pessoas e o
ato de lembrar de quem a viveu foi em muitos aspectos subjetivo. A ideia da Cantoria como
ato de militância só tem sentido para os membros fundadores. Como apontou Janaína Amado,
As memórias são sociais, construídas a partir das relações com o outro, mas algumas
memórias são individuais, pois cada sujeito tem a capacidade de lembrar acontecimentos de
forma única. Além disso, as memórias têm a habilidade de separar o eu do outro, a partir da
forma que se lembra. Por conta, disso memória e identidade andam juntas.
Para os estudiosos da festa, “os indivíduos são revigorados em sua natureza de seres
sociais”.380 Desse modo, são estimulados os sentimentos bons dos sujeitos, o que não elimina
a ideia de tensão, já que nas festas as lembranças podem trazer tristeza e até conflitos entre os
378
ROCHA. Agnolia de Oliveira. Agnolia de Oliveira Rocha: depoimento I [Dez. 2016]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3 (37 min. e 10 seg. ). Entrevista concedida
para pesquisa histórica.
379
AMADO, 1995, p.132
380
BEZERRA, 2008, p.10
158
chapas vitoriosas que se revezavam no poder. Dessa maneira, o poder político local esteve por
anos nas mãos das mesmas pessoas, o que deu manutenção a uma forma de governar voltada
paras os interesses de quem governava. É importante ressaltar as formas de fazer política
ainda comum no sertão da Bahia, onde políticos trocam empregos ou promessas de empregos
por votos. Com isso, eles se elegem e levam ao poder quem eles querem, de modo que o povo
contido pela esperança ou até mesmo por ameaças, votam e apoiam uma elite política local
que pouco se preocupa com a saúde, educação e menos ainda com a cultura.
O Culturarte surgiu e junto a ideia da Cantoria, num contexto em que a cidade passava
por fortes problemas econômicos, pois a década de 1990 foi um período de longas estiagens e
a agricultura, o principal meio de sobrevivência da população, passou por sérios problemas.
Numa sociedade conservadora, com políticos majoritariamente de direita e sua população
majoritariamente cristã, a festa criada por pessoas que militavam em partidos de esquerda,
“zoadentos”, como pontuou um entrevistado, e profanos, causou, em um primeiro momento,
um “susto” e estranhamento nas pessoas.
O cenário em que a festa surgiu era marcado por seca, pobreza, falta de emprego,
esquecimento e abandono das esferas estadual e federal, poucas casas comerciais e quase
nenhuma forma de lazer. Segundo Erismar Novaes, a festa foi fruto de uma gama de ações,
ideias e influencias de pessoas e grupos que agiam e percebiam o mundo de forma diferente
do que estava posto.
A festa surgiu como uma nova forma de sociabilidade para os jovens de São Gabriel –
o que não significa dizer que toda juventude se identificou com ela. Essa ideia prevalece para
a maioria dos entrevistados. Para o grupo fundador, a Cantoria significou mais do que espaço
do que um novo espaço de lazer. Também foi uma forma de disputa por espaço,
protagonismo, sociabilidade, criação e ressignificação de identidades. Isso possibilitou
(re)estabelecer laços e valores sertanejos de representar a vida real como o cotidiano com da
seca, do trabalhador, do repentista, do cordel e do grupo de roda.
A Cantoria rompeu, mais uma vez – por acreditarmos que o MAC e o JUPP também
tenham rompido – com uma normatividade, estabelecida naquela cidade por uma moral
seguida por grande parte da população. Por conta disto e, o que já era de “costume” na cidade,
a festa foi malvista e criticada pela maioria dos gabrielenses. Os maldizeres foram muitos. É
importante pensar que o grupo foi rebelde em muitos aspectos, mas também negociou para
que, mesmo com toda oposição contra a realização do evento, pudesse acontecer em 1991 e
também nos anos seguintes.
161
figura para a sociedade Gabrielense. Se no início ela foi malvista e rejeitada, em meados da
década de 1990, ela passou a ser frequentada paulatinamente pela sociedade e a fazer parte do
interesse da classe política local. O interesse dos políticos pela festa se deu na tentativa de
instituí-la e utilizá-la para dar manutenção aos seus governos, pois se era de interesse do povo,
era “importante” para os seus governantes. A partir de 1996, nos cartazes da festa, o local
onde a Cantoria passou a acontecer que antes era anunciado como praça pública, passou a ser
anunciado como “Praça da Cantoria”. Esse é um indício importante para acreditarmos que ela
já estava se consolidando na cidade.
A virada da festa não se deu de forma repentina, foi um processo. No fim dos anos de
1990, ela passou a ser reconhecida como a festa da cidade, passando de festa marginalizada
para um evento extremamente importante para São Gabriel. A Cantoria, durante a década de
1990, foi espaço de encontro e lazer, ela ajudou a movimentar a cidade, a economia local e se
fixou nas memórias da população gabrielense. A Cantoria é uma festa que, diante dos relatos,
tem caráter “popular”, carrega em seu histórico tensões e resistências no processo de
surgimento que se caracterizou pela busca de aceitação por parte dos habitantes da cidade e de
luta pela sua continuidade.
As lembranças dos momentos de folia, rememorados pelos entrevistados foram
marcadas por entusiasmo, acompanhado de sorrisos e expressões de satisfação. Ver a
felicidade estampada nos rostos que rememoravam experiências de outrora é uma das
melhores partes de se trabalhar com História Oral. Os fatos apresentados na pesquisa
evidenciam que as festas são fenômenos primordiais e indissociáveis da vida em sociedade.
Mulheres e homens, ao festejarem, se encontram, relacionam-se e representam suas práticas
da vida real.
Escrever e analisar a história da Cantoria foi um processo que demorou alguns anos
para ser realizado. Entretanto, mesmo com os percalços, uma parte da história da festa do
sertão foi concluída e contada nesta pesquisa. Esperamos que ela possibilite que outros
capítulos dessa história sejam escritos.
163
5.0 REFERÊNCIA
5.1 Fontes
ABREU, Maria de Fátima Oliveira. Maria de Fátima Oliveira Abreu: depoimento I [dez.
2016]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. Bahia: São Gabriel-Ba, 2016. 1
arquivo mp3 32 min. e 30 seg.) Entrevista concedida para pesquisa histórica.
ABREU, Orlando Novaes. Orlando Novaes Abreu: depoimento I [Set. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 9 min. ).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
ARAÚJO, Marcio Gonçalves de. Marcio Gonçalves de Araújo: depoimento I [Jan. 2012].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo
mp3 (56 min. e 37 seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
DOURADO, Marilú Soares dos Santos. Marilú Soares dos Santos Dourado: depoimento I
[Nov. 2017]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1
arquivo mp3 ( 7 min. e 34 seg. ). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento I [jan. 2017]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. Itália/Brasil; Feira de Santana, 2017. 1 arquivo via Correio
eletrônico . Entrevista concedida para pesquisa histórica.
GHIRELLI, Pier Luigi. Pier Luigi Ghirelli: depoimento II [jul. 2018]. Entrevistadora: Larissa
Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 (53 min. e 13 seg.).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
MIRANDA, Ednilson Martins De. Ednilson Martins De Miranda: depoimento I [Out. 2017].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 8
min. e 45 seg. ). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
NEIVA, Luiz Sérgio Batista. Luiz Sérgio Batista Neiva: Depoimento I [Dez. 2016].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2016. 1 arquivo mp3
(20 min. e 16 seg. ). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
NOVAES, Olavo. Olavo Novaes: depoimento I [set. 2012]. Entrevistadora: Larissa Godinho
Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2012. 1 arquivo mp3 (36 min. e 13 seg.). Entrevista
concedida para pesquisa histórica.
164
PEREIRA, João Purcino. João Purcino Pereira: depoimento I [mar. 2013]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. Bahia. São Gabriel-Ba, 2013. 1 arquivo mp3 (56 min. e
37 seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
PEREIRA, Renan dos Santos. Renan dos Santos Pereira: depoimento I [Nov.. 2017].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3
(31 min. e 44 seg. ). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
ROCHA, Aimá Glicério Rocha. Aimá Glicério Rocha: depoimento I [Mai. 2017].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3
(31 min. e 40 seg. ). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
ROCHA, Clodoaldo Pereira da. Clodoaldo Pereira da Rocha: depoimento I [Nov. 2017].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3
(12 min. e 18 seg. ). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
ROCHA, Edes José da. Edes José da Rocha: depoimento I [Nov. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 ( 1h. e 10 min.).
Entrevista concedida para pesquisa histórica.
ROCHA, Erismar Novaes. Erismar Novaes Rocha: depoimento I [Jan.. 2018]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo mp3 (1h. 58. min. e 27
seg. ). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
ROCHA, Itamá Glicério. Itamá Glicerio Rocha: depoimento I [Mai. 2017]. Entrevistadora:
Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3 (17 min. e 37
seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
SILVA, Antônio Carlos Rodrigues da. Antônio Carlos Rodrigues da Silva: depoimento II
[mai., 2014]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2014. 1
arquivo mp3 (7 min. e 10 seg.). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
SOUZA, Jandira Benício Lima. Jandira Benício Lima Souza: depoimento I [Out. 2017].
Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2017. 1 arquivo mp3
(11 min. ). Entrevista concedida para pesquisa histórica.
165
VIRGENS, José Carlos Dourado Das. José Carlos Dourado Das Virgens: depoimento I [jul.,
2018]. Entrevistadora: Larissa Godinho Martins dos Santos. São Gabriel-Ba, 2018. 1 arquivo
mp3 (45 min. e 36 seg.) Entrevista concedida para pesquisa histórica.
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Culturarte.
Show de Belchior na IX Cantoria em São Gabriel-Ba em 1999. Acervo da Fundação
Culturarte.
Barraca da Fundação Culturarte na terceira Cantoria. 1993. Acervo de Agnolia Rocha. P.83
Cartaz da I cantoria de São Gabriel de 1991. Retirado do acervo de fotografias da Fundação
Culturarte. Acesso em 10/08/2014.
Cartaz da II cantoria de São Gabriel de 1991. Retirado do acervo de fotografias da Fundação
Culturarte. Acesso em 10/08/2014
Cartaz da III Cantoria em São Gabriel. Ano, 1993. Retirado do acervo da Fundação
Culturarte.
Cartaz da VI Cantoria em São Gabriel. Ano, 1996. Retirado do acervo da Fundação
Culturarte.
Texto memorialístico:
PEREIRA, João Purcino; PEREIRA, Leonellia. Terra dos arcanjos. Historiografia da cidade
de São Gabriel- Ba. 1ª edição: Print Fox, 2010.
MACHADO, Cecília. São Gabriel, memórias e lembranças. São Gabriel. Editora Print Fox.
Mai/2014
Jornal:
Outros:
166
ROCHA, Dimas pereira. Dimas Pereira, o poeta da Jurema. Org: Lívia Ramaiana. Crítica aos
cabeludos, 1977. P. 29. Ed. Print Fox. Irecê.
Cordel: Vinte anos de Cantoria, de Erismar Novaes. In: Jornal da Fundação Culturarte.
Informativo Oficial da Fundação Culturarte de São Gabriel-Ba. Ano V- 5ª edição – junho de
2010.
5.2Bibliografia
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167
Filiação em Partidos e
Nome Profissão Idade Atuaçã Atuação Atuação no Participação na política local
o no no JUPP Culturarte
MAC
Clodoaldo Pereira Professor/a 57 Não Não Não Prefeito de São Gabriel 1992
da Rocha gricultor pelo PFL.