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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

SILVANA ANDRADE DOS SANTOS

ESCRAVIDÃO, TRÁFICO E INDÚSTRIA NA BAHIA OITOCENTISTA: A


SOCIEDADE LACERDA E CIA E A FÁBRICA TÊXTIL TODOS OS SANTOS
(c.1844-c.1878).

NITERÓI
2020
SILVANA ANDRADE DOS SANTOS

ESCRAVIDÃO, TRÁFICO E INDÚSTRIA NA BAHIA OITOCENTISTA: A


SOCIEDADE LACERDA E CIA E A FÁBRICA TÊXTIL TODOS OS SANTOS
(c.1844-c.1878).

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História do Instituto de História da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutora em História.

Orientador:
Prof. Dr. Luiz Fernando Saraiva

Niterói
2020
SILVANA ANDRADE DOS SANTOS

ESCRAVIDÃO, TRÁFICO E INDÚSTRIA NA BAHIA OITOCENTISTA: A


SOCIEDADE LACERDA E CIA E A FÁBRICA TÊXTIL TODOS OS SANTOS
(c.1844-c.1878).

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História do Instituto de História da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutora em História.

Aprovada em 18 de junho de 2020.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Fernando Saraiva - UFF
Orientador
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de Castro - UFF
Arguidora
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Keila Grinberg – Unirio
Arguidora

______________________________________________________________________
Prof. Dr. Rafael de Bivar Marquese - USP
Arguidor
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Walter Luiz Carneiro de Mattos Pereira

Niterói, RJ
2020
Para painho e mainha.
AGRADECIMENTOS

O projeto que resultou nesta tese de doutorado contou com financiamento,


inicialmente, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e,
posteriormente, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Isso foi de suma importância para que eu, como migrante nordestina na ―capital do
Império‖, pudesse me dedicar à pesquisa com o devido empenho. Agradeço a ambas
instituições pelo apoio financeiro, nutrindo também o profundo desejo de que elas
continuem tornando possível que outros tantos meninos e meninas da periferia e da
roça, como eu, se tornem doutores e doutoras.
Além do financiamento destas instituições, ao longo dos quatro anos em que esta
pesquisa foi desenvolvida, eu contei com a generosidade e o afeto de inúmeras pessoas.
Cada uma delas à sua maneira, com uma indicação bibliográfica ou uma palavra de
incentivo, contribuiu para a concretização deste trabalho. Mesmo sabendo que não é o
suficiente, deixo aqui meus sinceros agradecimentos como um singelo ato de
retribuição.
Três professores tiveram um papel fundamental na formulação do problema que
deu origem à tese, ainda durante o mestrado, e a eles sou profundamente grata. Os
professores Luiz Fernando Saraiva e Théo Lobarinhas Piñeiro (in memorian)
ministraram a disciplina Escravidão e Modernização, Brasil século XIX, a partir da qual
tive acesso pela primeira vez às discussões sobre a temática. Enquanto isso, a professora
Hebe Mattos, minha orientadora na época, me apresentou aos debates sobre o
contrabando negreiro para Brasil. Agradeço à professora Hebe Mattos ainda por
entender minha opção por migrar para a História Socioeconômica no doutorado e por
sua generosidade em aceitar participar da banca examinadora desta tese.
O professor Luiz Fernando Saraiva, além de me apresentar os debates sobre
Escravidão e Modernização, me recebeu como orientanda no doutorado, porém foi mais
que orientador. A ele agradeço por todo apoio, atenção e incentivo ao longo destes
quatro anos. A ele, à professora Rita Almico, a Daniel e Alice, sou grata também pelo
acolhimento e pela amizade que construímos neste período.
Outros professores deram importantes contribuições para este trabalho. O
professor Tâmis Parron comentou o projeto de doutorado no princípio da sua execução.
As professoras Gladys Sabina Ribeiro e Manoela Pedroza ministraram disciplinas que
participei no começo do curso. Assim, todos colaboraram para o amadurecimento de
algumas questões da pesquisa no início de seu desenvolvimento. Enquanto isso, os
professores Leonardo Marques, Pedro Marinho e Tiago Gil se disponibilizaram a sanar
dúvidas sobre aspectos mais pontuais do trabalho.
O professor Carlos Gabriel Guimarães atendeu com solicitude, por diversas
vezes, às minhas dúvidas. Ele e o professor Ricardo Salles participaram do exame de
qualificação desta tese e contribuíram com inúmeras sugestões para o seu
prosseguimento, às quais espero ter respondido a altura. Agradeço a eles, aos
professores Rafael Marquese, Walter Pereira e à professora Keila Grinberg porque,
além de contribuírem com o desenvolvimento da pesquisa, fosse por meio de seus
textos ou de conversas em eventos, participaram da banca examinadora desta tese.
Colegas que encontrei durante esta jornada também tiveram um importante
papel no desenvolvimento da pesquisa. Daniel Barroso leu com acuidade a versão do
projeto enviada ao processo seletivo. Alain El Youssef, Ayalla Oliveira, Iracélli Alves,
João Marcos Mesquista, Marcos Marinho, Phelippe Moreira, Thiago Alvarenga, Thiago
Campos Pessoa e Thiago Mantuano, indicaram bibliografia, colaboraram com a
pesquisa, sanaram dúvidas ou ouviram inquietações.
Outros tantos professores e colegas deram contribuições para a realização deste
trabalho, com críticas e sugestões, principalmente nos congressos que participei ao
longo destes quatro anos. Deixo aqui um agradecimento a cada um deles, mas de modo
geral, procurando me eximir de cometer a injustiça de esquecer algum nome.
Sou a grata a Cícero Moreira, Claudiana Cardoso, Gabriel de Jesus e Vinícius
―Nikima‖, porque me ajudaram com a realização de pesquisas na Bahia. Também
agradeço aos funcionários dos arquivos que visitei, especialmente do Arquivo Público
do Estado da Bahia, por buscarem sempre oferecer as melhores condições para
realização deste trabalho.
Algumas pessoas estiveram comigo ao longo de toda essa jornada e, embora não
necessariamente tenham colaborado com a realização deste trabalho por vias
acadêmicas, ofereceram o indispensável suporte emocional.
Sou grata a Deus por todas as coisas boas que aconteceram comigo ao longo
destes quatros. Sou grata à minha família, especialmente aos meus pais, Evanilde e
Silvano, e aos meus irmãos, Simone e Silvano Filho, por todo apoio incondicional que
sempre me deram, mesmo sabendo que a pós-graduação implicaria distanciamento
físico.
Sou grata à professora Nora de Cássia Gomes de Oliveira. Pró Nora tem me
acompanhado desde a graduação. Acolheu-me no Rio de Janeiro, quando me mudei
para cursar o mestrado e, desde então, esteve sempre comigo, incentivando e apoiando
nos momentos de dificuldades, comemorando cada uma das minhas conquistas.
Edilson Nunes dos Santos Junior foi meu companheiro de estrada desde o
mestrado. Ele foi um dos meus principais interlocutores durante o doutorado, embora
pouco tenhamos conversado sobre o conteúdo das nossas pesquisas. Juntos dividimos
tristezas e alegrias e caminhar com ele tornou a jornada mais leve. Enquanto isso, Tiago
Groba e Gizele Batalha me fizeram lembrar semanalmente que havia vida além da pós-
graduação. Cada um de nossos encontros e de nossas conversas me deram forças para
que eu pudesse continuar seguindo o caminho.
Léo esteve comigo ao longo de todo o processo de desenvolvimento do
doutorado e, certamente, há muito dele nessa tese. Com ele debati minhas hipóteses,
compartilhei cada uma das minhas descobertas e das minhas conquistas. Ele ouviu com
paciência minhas angústias, me deu suporte emocional e, na maioria das vezes,
acreditou neste trabalho e no meu potencial muito mais do que eu mesma. A ele desejo
poder retribuir, mais do que com palavras, com o mesmo apoio e afeto.
Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva
para a libertação e não para a servidão dos homens.
Jacques Le Goff.
RESUMO

Esta tese versa sobre a relação existente entre o surgimento e o funcionamento de


indústrias fabris no Brasil do século XIX, o contrabando negreiro e a escravidão, a partir
do caso da fábrica têxtil Todos os Santos. Esta fábrica, construída na Bahia em meados
da década de 1840, fora o maior estabelecimento de sua natureza existente no Império
durante todo o período em que esteve ativa. Iniciamos o trabalho abordando a trajetória
dos sócios da firma Lacerda e Cia, fundada em 1844, e proprietária da fábrica durante a
primeira fase de sua existência (1844-1860): o português, naturalizado brasileiro,
Antonio Francisco de Lacerda, o estadunidense John Smith Gillmer e o sul-rio-
grandense Antonio Pedrozo de Albuquerque (que, ademais, se tornaria proprietário
individual da fábrica em sua segunda fase, após a dissolução da firma, de 1860 a 1878).
Procuramos analisar a formação, consolidação e diversificação da fortuna destes
indivíduos, destacando o papel que a sua participação no tráfico e no contrabando
negreiro para o Brasil no século XIX teve em seus negócios. Assim, buscamos
demonstrar que os capitais que deram origem à fábrica Todos os Santos foram
acumulados no contrabando. Na segunda parte do trabalho, analisamos o processo de
estabelecimento da fábrica na vila de Valença, bem como seu funcionamento. Desta
forma, abordamos a atuação do engenheiro estadunidense John Monteiro Carson no
negócio, a escolha do local para instalação da fábrica e a busca por subvenções para o
estabelecimento. Por fim, tratamos sobre sua infraestrutura, mão de obra, matéria-prima
e destino das mercadorias, buscando chamar atenção para o fato de que a Todos os
Santos também empregava mão de obra escrava, além de ter sua produção voltada para
atender às demandas da sociedade escravista brasileira.

Palavras-chave: Indústria; Tráfico de Escravos; Escravidão; Bahia; Século XIX.


ABSTRACT

This thesis deals with the relationship between the emergence and functioning of
manufacturing industries in Brazil in the 19th century, the transatlantic slave trade and
the slavery, based on the case of the textile factory Todos os Santos. This factory, built
in Bahia in the mid-1840s, had been the largest establishment of its nature in the Empire
during the entire period in which it was active. We began the work addressing the
trajectory of the partners of the firm Lacerda e Cia, founded in 1844, and owner of the
factory during the first phase of its existence (1844-1860): the portuguese, naturalized
brazilian, Antonio Francisco de Lacerda, the american John Smith Gillmer and Antonio
Pedrozo de Albuquerque from Rio Grande do Sul (who, in addition, would become the
individual owner of the factory in its second phase, after the dissolution of the firm,
from 1860 to 1878). We seek to analyze the formation, consolidation and diversification
of the fortunes of these subjects, seeking to highlight the role that their participation in
the legal and illegal transatlantic slave trade to Brazil in the 19th century had in their
businesses. Thus, we aim to demonstrate that the capital that gave rise to the Todos os
Santos factory was accumulated in the illegal slave trade. In the second part of the work,
we analyzed the process of establishing the factory in Valença (Bahia), as well as its
operation. In this way, we approach the role of the american engineer John Monteiro
Carson in the business, the choice of the location for the factory installation and the
search for subsidies for the establishment. Finally, we deal with its infrastructure, labor,
raw material and destination of the goods, seeking to draw attention to the fact that
Todos Santos also employed slave labor, in addition to having its production geared to
the demands of brazilian slave society.

Keywords: Industry; Slave Trade; Slavery; Bahia; 19th Century.


LISTA DE SIGLAS

ACB – Associação Comercial da Bahia


AN – Arquivo Nacional
APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia
ASCMB – Arquivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia
BN – Biblioteca Nacional
CVI – Companhia Valença Industrial
HDB – Hemeroteca Digital Brasileira
TSTD – Transatlantic Slave Trade Database
LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Desenho do Morro de São Paulo, 5 de outubro de 1859................... 154


Imagem 2 - Vila de Valença em meados 1840...................................................... 162
Imagem 3 - Anúncio de venda de artigo da Fábrica Todos os Santos, 1848......... 186
Imagem 4 - Fábrica Todos os Santos em meados de 1850.................................... 189
Imagem 5 - Anúncio de venda da Fábrica Todos os Santos, 1858........................ 198
Imagem 6 - Gravura da fábrica têxtil Todos os Santos, século XIX..................... 203
Imagem 7 – Anúncio de venda de artigo da Fábrica Todos os Santos, 1863........ 216
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Expedições negreiras de Antonio Pedrozo de Albuquerque, 1824-1829. 58


Quadro 2 - Expedições negreiras de Antonio Pedrozo de Albuquerque, 1833-1841. 64
Quadro 3 - Embarcações saídas de portos brasileiros consignadas a John Smith
Gillmer (e firmas)......................................................................................................... 124
Quadro 4 - Embarcações ingressantes em portos brasileiros consignadas a John
Smith Gillmer (e firmas).............................................................................................. 125
Quadro 5 - Evolução da fábrica têxtil Todos os Santos, primeira fase (1848-1860).. 190
Quadro 6 - Setorização da produção na fábrica Todos os Santos, 1861...................... 204
Quadro 7 - Escravos pertencentes à fábrica Todos os Santos, 1879........................... 212
Quadro 8 - Evolução da fábrica têxtil Todos os Santos, segunda fase (1861-1879). 214
Quadro 9 - Situação das três maiores fábricas têxteis do Brasil em 1866................... 217
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 15
PARTE I – A SOCIEDADE LACERDA E CIA............................................... 40
1. ANTONIO PEDROZO DE ALBUQUERQUE: “PRIMEIRO
CAPITALISTA DO NORTE DO IMPÉRIO”.................................................. 41
1. 1. Formação e consolidação da fortuna.......................................................... 41
1. 1. 1. Do Rio Pardo à Bahia............................................................................... 41
1. 1. 2. “O criminoso comércio da moeda de cobre e o bárbaro tráfico de
africanos”.............................................................................................................. 56
1. 2. Diversificação de investimentos.................................................................. 69
1. 3. Considerações parciais................................................................................ 80
2. O NEGOCIANTE ANTONIO FRANCISCO DE LACERDA: “CUJA
RIQUEZA É TÃO POSSANTE QUANDO SE PODE CALCULAR”........... 82
2. 1. Formação e consolidação da fortuna.......................................................... 82
2. 2. Diversificação de investimentos.................................................................. 93
2. 3. Considerações parciais................................................................................ 114
3. JOHN SMITH GILLMER: “UM HOMEM QUE, BEM QUE
AMERICANO, TEM MOSTRADO O MAIOR ZELO PELA
PROSPERIDADE DA BAHIA”......................................................................... 116
3. 1. Formação e consolidação da fortuna.......................................................... 116
3.1.1. Inserção na economia brasileira................................................................. 116
3. 1. 2. Um cidadão estadunidense no contrabando negreiro para o Brasil......... 128
3. 2. Diversificação de investimentos.................................................................. 137
3. 3. Considerações parciais................................................................................ 145
PARTE II – A FÁBRICA TODOS OS SANTOS............................................. 147
4. “A FÁBRICA DE TECIDOS DE ALGODÃO QUE VAI SE
ESTABELECER NO DISTRITO DA VILA DE VALENÇA”....................... 148
4. 1. “Um famoso engenheiro americano”: o senhor John Monteiro Carson 148
4. 2. “O estabelecimento desta grande fábrica”................................................ 156
4. 3. Considerações parciais................................................................................ 173
5. TODOS OS SANTOS: “A MAIS BELA FÁBRICA DO BRASIL - E
TALVEZ DA AMÉRICA DO SUL”.................................................................. 175
5. 1. Primeira fase: Companhia Lacerda e Cia (1844-1860)............................ 175
5. 2. Segunda fase: A era Pedrozo (1860-1878).................................................. 202
5. 3. Considerações parciais................................................................................ 222
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 224
FONTES................................................................................................................ 229
REFERÊNCIAS................................................................................................... 243
APÊNDICES......................................................................................................... 259
GLOSSÁRIO........................................................................................................ 269
15

INTRODUÇÃO

Valença since 1844. É o que se vê estampado no centro do website da


Companhia Valença Industrial (CVI), empresa situada na cidade de Valença1, no Baixo
Sul do estado da Bahia2. Embora a sociedade anônima que leva esta denominação tenha
sido firmada apenas em 1899, ela é produto da fusão das fábricas têxteis Todos os
Santos e Nossa Senhora do Amparo, fundadas na localidade em 1844 e 1860,
respectivamente3.
Como é possível imaginar, a referência ao ano de fundação da mais velha destas,
a Todos os Santos, como sendo também o início da CVI é intencional, e remete à
importância que a fábrica teve para a vila e posterior cidade de Valença e no Império do
Brasil. No âmbito nacional, a Todos os Santos foi a maior fábrica têxtil em operação no
país em meados do século XIX. Já na esfera local, a instalação deste empreendimento
de grande porte impactaria diretamente sobre diferentes esferas da sociedade, pelo
capital investido, obras realizadas e mão de obra empregada. É possível mensurar parte
deste impacto pela elevação da então vila do Santíssimo Coração de Jesus de Valença à
categoria de cidade, com título de industrial (a Industrial Cidade de Valença), em 10 de
novembro de 1849, cerca de dois anos após o início da operação da Todos os Santos4.
Foi em torno das fábricas instaladas em Valença, notadamente das têxteis, que se
deu a construção de uma memória coletiva por parte dos moradores, de modo especial

1
―Valença desde 1844‖. Cf.: Companhia Valença Industrial. Disponível em: http://valenca.com.br/.
Acesso em: 14 de outubro de 2019.
2
O território do Baixo Sul é composto por 14 municípios: Cairu, Camamu, Ibirapitanga, Igrapiúna,
Ituberá, Maraú, Nilo Peçanha, Piraí do Norte, Presidente Tancredo Neves, Taperoá, Teolândia e Valença.
Estes municípios tiveram como origem comum as vilas de Camamu, Cairu e Boipeba, ―vilas de baixo‖,
outrora integrantes da capitania de Ilhéus. Cf.: FISCHER, Fernando (Org.). Baixo Sul da Bahia: uma
proposta de desenvolvimento territorial. Salvador: CIAGS/UFBA, 2007. DIAS, Marcelo Henrique.
Economia, sociedade e paisagens da capitania e comarca de Ilhéus no período colonial. Tese (Doutorado
em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2007.
3
Como mencionado, a fábrica Todos os Santos foi fundada em 1844 e a Nossa Senhora do Amparo em
1860. Em 1883, a Todos os Santos foi comprada por Moreira, Oliveira e Companhia (firma pertencente a
José Pinto da Silva Moreira e Domingos Gonçalves Oliveira). Quatro anos depois da aquisição, em 1887,
Moreira, Oliveira e Companhia fundariam a Empresa Valença Industrial, que englobava ambas as
fábricas, assim como toda infraestrutura a elas pertencente. Em 1899, a Empresa Valença Industrial foi
transformada em sociedade anônima, sob a denominação de Companhia Valença Industrial. Desde 1997 a
Companhia é dirigida pelo Grupo Mario Araripe. Cf.: PAIXÃO, Neli Ramos. Ao soar do apito da
fábrica: idas e vindas de operárias(os) têxteis em Valença-Bahia (1950-1980). Dissertação. Salvador:
Universidade Federal da Bahia, 2006. p. 39. FELÍCIO, Nilceanne Nogueira Lima. As fábricas têxteis do
rio Una: história sobre trabalho e indústria em Valença-Bahia (1844-1887). Dissertação (Mestrado em
História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2018. p. 40. VALENÇA através dos tempos. In:
Companhia Valença Industrial. Disponível em: http://valenca.com.br/nossa-historia/. Acesso em: 12 de
fevereiro de 2020.
4
BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Valença. Disponível em:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ba/valenca/historico. Acesso em: 10 de dezembro de 2019.
16

do núcleo urbano, em relação à cidade. Em dissertação de mestrado defendida no ano de


2006, Neli Paixão demonstrou, por meio de consulta a periódicos publicados na década
1970 e de depoimentos colhidos de ex-operários e ex-operárias da Companhia Valença
Industrial, como noções de grandiosidade econômica e de pioneirismo social relativas à
fábrica se faziam presentes no imaginário da população valenciana. Segundo a autora,
Acreditava-se, não sem alguma razão, que em torno da fábrica se dera
o crescimento e desenvolvimento que se efetivou em Valença, não
somente, do ponto de vista econômico, com a absorção crescente da
mão-de-obra urbana, mas também, promovendo alterações na
organização social, urbanística e cultural da cidade5.

Em relação ao pioneirismo social, destaca-se na memória coletiva local o


emprego de mão de obra livre e assalariada na fábrica Todos os Santos no século XIX,
durante o período de vigência do regime escravista no Brasil. Em uma das mais
difundidas obras sobre a história de Valença Valença: dos primórdios à
contemporaneidade, o autor Edgar Oliveira afirmou
Num período em que as empresas utilizavam o trabalho escravo, a
Fábrica Todos os Santos utilizou a mão-de-obra assalariada,
implantou uma política pioneira de seguridade social e, em 1852, já
era a maior fábrica de tecidos do Brasil6.

Nota-se, assim, que, para Edgar Oliveira, o fato de a Todos os Santos ser a maior fábrica
têxtil do Brasil estava associado ao emprego de mão de obra assalariada e às políticas de
amparo social por ela fornecida aos seus trabalhadores.
Quatro anos antes, em publicação comemorativa dos 161 anos da CVI, o mesmo
autor havia ressaltado a prática ―corporativista e humanitária‖ que a Companhia teria
assumido desde o 1844, em virtude de fornecer aos operários moradia, formação
educacional e lazer, entre outros. Na obra, Edgar Oliveira também deu ênfase para o que
considerou ser uma postura ―eqüitativa em relação ao gênero‖, dado ao emprego pelo
estabelecimento de trabalhadoras do sexo feminino ―numa sociedade que discrimina a
mulher‖7 apresentando, assim, uma interpretação distorcida das experiências das
mulheres operárias, como se o emprego de mão de obra feminina representasse por si só
um avanço social para o gênero, e não mais uma forma de dominação deste.

5
PAIXÃO, Neli Ramos. Ao soar do apito da fábrica... op. cit. p. 41.
6
OLIVEIRA, Edgar Otacílio da Silva. Valença: Dos primórdios a contemporaneidade. 2. ed. Valença/
Ba: FACE, 2009. p. 78.
7
Idem. Companhia Valença Industrial: 161 anos de uma profunda relação social com a cidade de
Valença. Valença/ Ba: [Impresso] Faculdade de Ciências Educacionais, 2005. p. 6.
17

A constituição desta memória coletiva em torno da utilização de mão de obra


livre e assalariada na Todos os Santos, e do desenvolvimento econômico supostamente
daí decorrente, implicou além de distorções, como a acima mencionada, alguns
esquecimentos. Entre estes, estão os vínculos existentes entre a fábrica Todos os Santos
e o sistema escravista - questão sobre a qual nos debruçaremos ao longo deste trabalho -
e, por conseguinte, os vínculos existentes entre este sistema e o desenvolvimento
socioeconômico de Valença. Em uma linha do tempo existente no website da CVI, por
exemplo, consta na publicação referente ao ano de 1888 (ano de abolição da escravidão
no Império do Brasil) que ―A Valença tem orgulho de nunca ter usado trabalho escravo
na sua história‖8.
Entretanto, a consulta a fontes relativas à trajetória dos sócios da firma Lacerda e
Cia (Antonio Francisco de Lacerda, Antonio Pedrozo de Albuquerque e John Smith
Gillmer), proprietária da fábrica Todos os Santos, e à estrutura do estabelecimento,
indicam que eles atuaram em diferentes escalas e esferas no tráfico e/ou no contrabando
transatlântico negreiro para o Brasil9 e que a fábrica Todos os Santos possuía escravos.
Ademais, os documentos demonstram que o empreendimento tinha sua produção de
tecidos voltada principalmente para confecção de roupas de escravos e sacaria
(destinada a embalar gêneros, como o açúcar, produzidos por estes trabalhadores
desprovidos de liberdade). Desta forma, ao contrário do que se fez difundir, a fábrica
Todos os Santos tanto estava completamente inserida dentro do sistema escravista,
quanto fora produto deste.
Embora a participação dos sócios da firma Lacerda e Cia no tráfico negreiro para
o Brasil não tenha sido necessariamente apagada, aparece de forma periférica nos textos
que abordam a trajetória da fábrica Todos os Santos. Por outro lado, o emprego de mão
de obra escrava no empreendimento foi um fato ignorado até muito recentemente.

8
VALENÇA através dos tempos. In: Companhia Valença Industrial. Disponível em:
http://valenca.com.br/nossa-historia/. Acesso em: 12 de fevereiro de 2020.
9
Ao longo deste trabalho, optamos por empregar as expressões ―tráfico‖ e ―comércio negreiro‖ para
designar o comércio transatlântico de escravos de forma genérica ou em referência ao comércio
transatlântico de escravos durante o período em que a atividade era permitida. Em referência ao comércio
transatlântico ilegal de escravos, notadamente após a proibição deste, em 7 de novembro de 1831, e às
práticas ilegais durante a era da legalidade, empregamos os termos ―contrabando‖, ―tráfico ilegal‖ ou
―tráfico ilícito‖. Como a historiografia tem demonstrado, até a década de 1840 a palavra tráfico, assim
como tráfego ou trato, era utilizada predominantemente para designar atividades comerciais lícitas e
legítimas. Apenas a partir da década de 1870 a palavra passaria a ser utilizada amplamente como
sinônimo de negócio fraudulento. Cf.: BEZERRA NETO, José Maia. Uma história do tráfico em
verbetes: etimologia e história conceitual do tráfico a partir dos dicionários. In: Revista Estudos
Amazônicos. v. 4, n. 1, 2009, p. 99-115. Disponível em:
http://www.ufpa.br/pphist/estudosamazonicos/arquivos/artigos/4%20-%20IV%20-%201%20-
%202009%20-%20JM%20Bezerra%20Neto.pdf. Acesso em: 28 de abril de 2018.
18

Um dos maiores registros existentes até então sobre a participação dos sócios da
firma Lacerda e Cia no tráfico, feito em cinco parágrafos, está contido na obra A
industrial cidade de Valença: um surto de industrialização na Bahia do século XIX de
Waldir Freitas Oliveira (publicada em 1985 e ainda hoje uma das principais referências
existentes sobre as fábricas têxteis de Valença). Apesar de mencionar a atuação de
Antonio Francisco de Lacerda e Antonio Pedrozo de Albuquerque no tráfico, o autor
não estabelece qualquer relação entre este e a fábrica (ele aparece como apenas mais
uma, entre tantas outras atividades nas quais os empresários estiveram envolvidos)10.
Além disso, nenhuma menção é feita na obra sobre a existência de escravos na Todos os
Santos.
Enquanto isso, Neli Paixão, na dissertação anteriormente mencionada, intitulada
Ao soar do apito da fábrica: idas e vindas de operárias (os) têxteis em Valença-Bahia
(1950-1980) e defendida em 2006, cita apenas uma vez a atuação de Antonio Francisco
de Lacerda e Antonio Pedrozo de Albuquerque no tráfico. A autora também aponta para
o emprego dos tecidos da fábrica na confecção de sacaria para produtos de exportação e
roupas para escravos, mas não faz qualquer referência à existência de escravos no
estabelecimento11.
Da mesma forma, Daniel Rebouças, em seu livro Indústrias na Bahia: um olhar
sobre história, publicado em 2016, cita apenas uma vez a atuação de Antonio Pedrozo
de Albuquerque e Antonio Francisco de Lacerda no comércio negreiro e também não
menciona o emprego de escravos na Todos os Santos. Assim como na obra de Waldir
Oliveira, nenhuma relação direta é estabelecida nos trabalhos de Neli Paixão e Daniel
Rebouças entre o tráfico e a fábrica.
Contudo, a dissertação de mestrado As fábricas têxteis do rio Una: história
sobre trabalho e indústria em Valença-Bahia (1844-1887), defendida por Nilceanne
Nogueira Lima Felício em 2018, avançou significativamente na discussão sobre a mão
de obra empregada na fábrica Todos os Santos, tanto apontando para a existência de
escravos no estabelecimento quanto problematizando os limites da liberdade dos
operários juridicamente livres. Ademais, Nilceanne Felício abordou o emprego da
produção da fábrica Todos os Santos na confecção de sacos para embalagem de gêneros
de exportação e de roupa de escravos, dedicando uma parte considerável do trabalho

10
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença: Um surto de industrialização na Bahia no
Século XIX. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1985. p. 58; 61.
11
PAIXÃO, Neli Ramos. Ao soar do apito da fábrica... op. cit. p. 28, 30 e 31.
19

para analisar discussões realizadas na Assembleia Legislativa da Bahia, a partir de


meados da década de 1870, sobre o uso de tecidos confeccionados pela indústria têxtil
da província no caso da sacaria. A autora também tratou brevemente sobre a
participação de Antonio Pedrozo de Albuquerque e John Smith Gillmer no tráfico –
nada foi dito sobre Antonio Francisco de Lacerda – mas não progrediu na discussão
sobre a relação este e a fábrica12.
A ausência de análises sobre os vínculos existentes entre o sistema escravista,
especialmente o comércio negreiro, e a fábrica Todos os Santos me chamou atenção
quando, nos anos de 2014 e 2015, realizando pesquisas no âmbito do mestrado sobre a
escravidão na cultura da mandioca em Valença no século XIX, tive os primeiros
contatos com textos sobre Escravidão e Modernização Econômica e com a base de
dados do tráfico transatlântico Transatlantic Slave Trade Database. O contato com a
base e o cruzamento das informações nela contidas com fontes locais, como as
correspondências emitidas por juízes da comarca de Valença para a presidência da
província da Bahia, permitiram constatar que a região na qual a cidade está inserida fora
local de desembarque de escravos do contrabando negreiro, a partir da segunda metade
da década de 183013. Isso, associado à leitura bibliográfica sobre Escravidão e
Modernização, me fez atentar para o estabelecimento de uma fábrica, propriedade de
negociantes envolvidos no contrabando, em uma região onde ocorreram desembarques
do tráfico transatlântico na ilegalidade.
Como a historiografia tem demonstrado, até o início do século XIX, Valença
esteve ligada aos circuitos comerciais do Brasil Colônia e Império por meio
principalmente da extração madeireira e da produção de farinha de mandioca 14. Entre o
final da década de 1820 e o início da década de 1830, a vila dava sinais de crescimento
socioeconômico e, em 1833, foi criada a comarca de Valença desmembrada da comarca
de Ilhéus15.
Ao longo das décadas de 1840 e 1860, a vila/cidade de Valença, que já contava
anteriormente com algumas serrarias hidráulicas, em virtude da exploração madeireira,
passaria a dispor de duas das três maiores fábricas têxteis do Brasil, a segunda maior

12
FELÍCIO, Nilceanne Nogueira Lima. As fábricas têxteis do Rio Una... op. cit.
13
Cf.: SANTOS, Silvana Andrade dos. Nos terrenos arenosos e no infame comércio: os desdobramentos
do fim do tráfico transatlântico em Valença (Bahia, 1831-1866). Dissertação (Mestrado em História).
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2016.
14
DIAS, Marcelo Henrique. Economia, sociedade... op. cit.
15
OLIVEIRA, Nora de Cassia Gomes de. Conselho Geral da Província: Espaço de experiência política
na Bahia 1828-1834. Tese (Doutorado em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2017.
20

fundição de ferro da província da Bahia (pertencente à fábrica Todos os Santos) e uma


fábrica de vidros, havendo ainda um projeto, aparentemente infrutífero, de fundação de
uma fábrica de papel na localidade16.
Neste ínterim, Valença passou por um exponencial crescimento demográfico.
Em 1808, de acordo Baltazar da Silva Lisboa, ouvidor da comarca de Ilhéus, da qual
Valença era então integrante, ela contava com cinco mil moradores17. Já em 1845, sua
população era de 8.026 habitantes. Um aumento de mais de 60% ao longo de 37 anos,
num crescimento médio de 1,68% ao ano. Francisco Gonçalves Martins, presidente da
província da Bahia em 1849, ano em que o censo da comarca de Valença foi
apresentado, atribuiu o crescimento populacional da vila à construção da fábrica Todos
os Santos18.
O enredo posterior já nos é conhecido: a fábrica Todos os Santos foi um dos
principais motores do desenvolvimento socioeconômico de Valença. Mas, o que teria
possibilitado à Valença dar este grande salto de região extrativista e produtora de
gêneros de abastecimento para polo de algumas das principais indústrias da província da
Bahia e do Império do Brasil em meados do século XIX?
Em sua dissertação de mestrado, Neli Paixão chegou a iniciar um
questionamento sobre o porquê da vila de Valença ter sido o local escolhido para o
estabelecimento da fábrica, mas não avançou muito na reflexão. Segundo a autora, seria
[...] questionável a razão de tamanho investimento em uma vila
distante e de pouca importância no cenário econômico da Província,
especialmente se considerarmos que seus investidores residiam
justamente no centro comercial e financeiro da Província, Salvador,
que comandava, em grande parte, as transações da economia baiana
do século XIX19.

Optando, portanto, por sinalizar os elementos que tornavam a capital baiana mais
atrativa para este tipo de investimento do que por pensar sobre os fatores que fizeram a
Todos os Santos ser instalada em Valença.
Ao identificar a ocorrência de desembarques do contrabando negreiro na
comarca de Valença, constatamos que um elemento central para entender o surto
industrial e desenvolvimento econômico que teve início na localidade em meados do

16
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit.
17
OLIVEIRA, Nora de Cassia Gomes de. Conselho Geral da Província... op. cit. p. 52.
18
Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira (doravante BN. HDB). MAPPA da população e dos
fogos da comarca de Valença. In: Falla que recitou o presidente da Provincia da Bahia, o
dezembargador conselheiro Francisco Gonçalves Martins, n'abertura da Assembléa Legislativa da
mesma Provincia em 4 de julho de 1849. Bahia, Typ. de Salvador Moitinho, 1849. Mapa SN.
19
PAIXÃO, Neli Ramos. Ao soar do apito da fábrica... op. cit. p. 32.
21

século XIX, o tráfico ilegal, estava totalmente ausente das análises até então existentes
sobre o tema. Neste sentido, demos início a uma problematização, na contramão dos
estudos existentes até então sobre a Todos os Santos, a respeito da dissociação desta o
sistema escravista (pelo fato dela empregar apenas mão de obra livre e assalariada,
afirmação que é completamente infundada), buscando evidenciar os vínculos existentes
entre eles, notadamente a partir do contrabando negreiro.
A associação entre o contrabando negreiro e o desenvolvimento de atividades
nos setores secundário e terciário da economia brasileira no século XIX é recorrente,
tanto na história quanto na historiografia. Contudo, em ambos os casos, a ênfase recai
sobre o encerramento definitivo do tráfico ilegal, ocorrido após a promulgação e efetivo
cumprimento da Lei 581, de 4 de setembro de 1850, conhecida como Lei Eusébio de
Queirós que, segundo estas, liberou grandes volumes de capitais os quais puderam ser
aplicados em outros setores da economia do país. Deste modo, nestas interpretações, os
impactos decorrentes da primeira lei nacional que proibia o comércio negreiro para o
Brasil (a lei de 7 de novembro de 1831, ou ―Lei Feijó‖), assim como do contrabando
existente de 1831 até meados da década de 1850, sobre a indústria do Império
receberam pouca ou nenhuma atenção.
Já em 1860, Sebastião Ferreira Soares registrou que parte dos capitais liberados
com o fim do contrabando negreiro para o Brasil havia sido empregada na fundação de
empresas20. Mas, em termos de registros históricos, exemplo clássico a respeito dos
efeitos decorrentes da Lei Eusébio de Queirós sobre a economia do Império é a
declaração feita pelo Visconde de Mauá em sua Exposição aos Credores de Mauá & C.
e ao público, no ano de 1878, na qual ele explicitou uma tomada de posição diante da
conjuntura de fim definitivo do contrabando negreiro, de reinvestimento de capitais
antes ligados ao tráfico em outras atividades:
[...] compreendi que o contrabando não podia reerguer-se, desde que a
vontade nacional estava ao lado do ministério que decretava a
supressão do tráfego.
Reunir os capitais, que se viam repentinamente deslocados do ilícito
comércio, e fazê-los convergir a um centro donde pudessem ir
alimentar as forças produtivas do país, foi o pensamento que me
surgiu na mente ao ter a certeza de que aquele fato era irrevogável21.

20
FERREIRA, Sebastião Soares. Notas estatísticas sobre a produção agricola e a carestia de generos
alimentícios no Imperio do Brazil. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1960. p.
284; 307.
21
MAUÁ, Irineu Evangelista de Sousa (Visconde de). Exposição do visconde de Mauá aos Credores de
Mauá & C. e ao público. In: SILVA, Elisiane da. NEVES, Gervásio Rodrigues. MARTINS, Liana Bach
(Org.). Mauá: O desafio inovador numa sociedade arcaica. Brasília: Fundação Ulysses Guimarães, 2001.
22

Cerca de oitenta anos depois da Exposição de Mauá, o historiador estadunidense


Stanley Stein convergiu com o empresário brasileiro, em sua obra Origens e Evolução
da Indústria Têxtil no Brasil, ao considerar o fim do contrabando negreiro como um
marco dos tipos de investimentos realizados por negociantes no Brasil. Segundo ele
[...] os comerciantes do século XIX empregavam capital e crédito em
empreendimentos em que já tivessem experiência. A evolução dos
seus investimentos dividiu-se em dois períodos separados pelo fim do
tráfico de escravos. Até 1850, o comércio de escravos absorveu,
provavelmente, a maior parte dos investimentos de capital [...].
[...] A decisão do governo de proibir o tráfico de escravos implicou na
liberação de aproximadamente 15.000 a 20.000 contos para outros
investimentos. Embora continuassem interessados principalmente na
exportação e na importação, os empresários comerciais aplicavam
maior volume de capital na fundação de bancos de desconto e
depósito [...]. Outro aspecto digno de nota do desenvolvimento
ocorrido neste período foram os investimentos realizados em
companhias de construção de estradas, linhas de carruagem,
navegação costeira e estradas de ferro projetadas para facilitar o
22
escoamento dos produtos agrícolas de exportação .

Certamente, a declaração de Mauá, considerado o mais importante (e modelo ideal de)


industrial brasileiro do século XIX, teve influência sobre a interpretação realizada por
Stein, assim como por outros pesquisadores que, posteriormente, a partir de diferentes
perspectivas, corroboraram com esta premissa.
Um dos principais trabalhos neste sentido é a obra Filha branca de mãe preta de
Almir Chaiban El-Kareh, originalmente defendida como dissertação de mestrado em
1975, na Universidade Federal Fluminense, e publicada em 1982 em formato de livro.
Nela, o autor analisou a relação entre a produção escravista fluminense e o mercado
mundial capitalista por meio do estudo do caso da Companhia da Estrada de Ferro D.
Pedro II. Baseando-se, entre outros, nos registros do Visconde de Mauá, El-Kareh
apontou o fim do contrabando negreiro como uma das razões para o desenvolvimento
de atividades capitalistas no Brasil na segunda metade do século XIX23.
Dois anos depois da apresentação da dissertação de Almir Chaiban El-Kareh, em
1977, a obra Modernização sem mudança, de Peter Eisenberg, sinalizou para o
direcionamento de capitais do contrabando negreiro, após a extinção deste, para outros

22
STEIN, Stanley. Origens e Evolução da Indústria Têxtil no Brasil – 1850/9150. Rio de Janeiro: Editora
Campus LTDA, 1979. p. 23. A primeira edição do livro foi publicada pela Harvard Press University em
1957.
23
EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha branca de mãe preta: A Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II
(1855-1865). Petrópolis: Vozes, 1982. p. 19-20.
23

setores da economia. Embora não tenha aprofundado a discussão sobre a matéria, o


autor chamou atenção para um importante aspecto: a peculiaridade do destino destes
capitais em Pernambuco, quando comparado ao Centro-Sul do país. Ele levantou a
hipótese de que, em Pernambuco, estes capitais foram aplicados principalmente na
indústria fabril, dado a constatação do surgimento de 11 indústrias (uma de velas, uma
de explosivos e nove de tecidos) na província, na década de 186024.
No ano seguinte (1978), em sua História do Rio de Janeiro: do capital
comercial ao capital industrial e financeiro, Eulália Lobo também apontou para o
emprego de parte dos capitais liberados pelo fim do contrabando negreiro em atividades
dos setores secundário e terciário da economia brasileira, como na indústria fabril, nos
bancos e nos transportes, além da própria reinversão realizada no setor primário,
notadamente na agricultura. Apesar de, assim como Eisenberg, não ter se aprofundado
sobre a questão, a autora também atentou para a complexidade deste processo. De
acordo com ela, os rumos dos investimentos realizados com capital oriundo do fim do
comércio negreiro ―[...] compõem um complexo de tendências diversas cuja natureza e
dinamismo diferem muito nos diversos setores alternativos‖.25
Outra abordagem desta questão foi realizada na dissertação de mestrado de Luiz
Carlos Soares trabalho, infelizmente, sem ampla divulgação26, A manufatura na
formação econômica e social escravista no sudeste27, defendida em 1980, assim como a
de El-Kareh, na Universidade Federal Fluminense. Nela o autor buscou entender como
se processou o desenvolvimento de atividades manufatureiras no interior da sociedade
escravista (ou, mais especificamente, em sua leitura e recorte, na formação econômica e
social) fluminense. Ao longo do texto, ele retomou o argumento da liberação de capitais
após o encerramento do contrabando negreiro e seu reinvestimento em outros setores.
24
EISENBERG, Peter L. Modernização sem mudança: A indústria açucareira em Pernambuco, 1840-
1910. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Campinas/SP, Universidade Estadual de Campinas, 1977. p. 94.
25
LÔBO, Eulália Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro: do capital comercial ao capital industrial
e financeiro. Rio de Janeiro, IBMEC, 1978. v. 1. p. 211.
26
A dissertação de Luiz Carlos Soares, ao contrário da de Almir Chaiban El-Kareh, por exemplo, não foi
publicada em formato de livro, sendo divulgada somente por meio de alguns artigos esparsos. Cf.:
SOARES, Luiz Carlos. A indústria na sociedade escravista: um estudo das fábricas têxteis na região
fluminense (1840-1880). In: Anais do XVI Encontro Regional de História da ANPUH-RIO: saberes e
práticas científicas. Rio de Janeiro: Associação Nacional de História-Seção RJ, 2014. Disponível em:
http://encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1399333448_ARQUIVO_ManufaturasTexteisnoRio
deJaneiro-ANPUH-Rio.pdf. Acesso em: 13 de dezembro de 2019. SOARES, Luiz Carlos. A indústria na
sociedade escravista: As origens do crescimento manufatureiro na região fluminense em meados do
século XIX (1840-1860). In: SZMRECSÁNYI, Tamás. LAPA, José Roberto do Amaral. História
econômica da Independência e do Império. São Paulo: HUCITEC, 1996.
27
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação econômica e social escravista no sudeste: Um
estudo das atividades manufatureiras na região fluminense: 1840-1880. Dissertação (Mestrado em
História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 1980. 2v.
24

Em sua interpretação, divergindo em partes da análise de Eulália Lobo: ―[...] Se alguns


destes capitais se dirigiram para as manufaturas foram de forma indireta, através da
concessão de empréstimos pelas casas bancárias [...]‖28. Para ele
Os capitais dirigiram-se para atividades que pudessem propiciar
grande lucros num pequeno espaço de tempo, e os investimentos
manufatureiros [...] não ofereciam perspectivas de lucro rápido, tal
como eram encontradas em outras atividades [...]29.

Na década de 1980, Wilson Suzigan também mencionou a transferência de


capitais do tráfico para outras atividades econômicas no Brasil. Desta vez baseando-se
em Stein, e de forma diversa a Soares, o autor apontou para o tráfico como umas das
possíveis origens dos capitais que foram investidos em fábricas têxteis de algodão na
Bahia. Vale dizer que Suzigan, inclusive, citou o caso de um dos proprietários da Todos
os Santos, Antonio Pedrozo de Albuquerque30.
No início da década de 1990, foi a vez da historiadora greco-baiana Kátia
Mattoso abordar a liberação de capitais do tráfico ilegal para outras atividades em um
dos principais e poucos trabalhos existentes sobre a economia da província no
oitocentos, a obra Bahia, século XIX: Uma província no Império. Segundo a autora,
mesmo que tenha ocorrido uma tradição em se afirmar que o fim do contrabando
negreiro liberou grandes somas de capitais, os quais puderam ser investidos em
atividades econômicas emergentes nos setores de bens e serviços da economia brasileira
em meados do século XIX, esta premissa não é aplicável à Bahia31.
Na interpretação de Mattoso, os negociantes da província deram preferência ao
investimento em atividades que ofereciam mais segurança e retorno financeiro rápido,
como o próprio comércio. Para ela, em uma análise que se assemelha à realizada por
Luiz Carlos Soares: ―[...] Investimentos de médio e longo prazos, mesmo com juros
garantidos, provavelmente não seduziam o investidor baiano, habituados a práticas
altamente especulativas [...]‖. Importar ressaltar que, a despeito disso, Mattoso aponta a
manufatura de tecidos com um dos prováveis destinos do capital liberado com o fim do
contrabando negreiro na Bahia32.

28
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 131.
29
Ibidem. p. 132.
30
SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira: Origens e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1986. p.
129. O nome aparece redigido, inicialmente, no texto de forma equivocada, como Antônio Rodrigo de
Albuquerque.
31
MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX: Uma Província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1992. p. 470.
32
Ibidem.
25

Mais recentemente, no artigo de caráter propositivo Gênese e transformação das


empresas regionais: o Recôncavo Baiano, Almícar Baiardi, Luiz Fernando Saraiva e
Rita Almico analisaram a formação do empresariado baiano no século XIX. Nele, os
autores refletiram sobre as características da economia da Bahia no século XIX e os
fatores que contribuíram com a abertura das primeiras fábricas de tecidos na província
na primeira metade do século: a produção de algodão, a disponibilidade de mão de obra,
fontes de energia e capitais. A respeito deste último, os autores chamaram atenção tanto
para a liberação de capitais oriundos do contrabando negreiro quanto para a
diversificação de investimentos por parte dos agentes envolvidos nesta atividade33.
Enquanto isso, em 2008, Artur Vitorino revistou a discussão a partir de uma
perspectiva bastante original sobre a temática, analisando como o fim do contrabando
negreiro impactou a economia mercantil e cafeeira do Brasil no artigo Política,
agricultura e a reconversão do capital do tráfico transatlântico de escravos para as
finanças brasileiras. De acordo com o autor, o fim do tráfico ilegal se refletiu, de
maneira inicial, no Rio de Janeiro, no aumento do consumo de gêneros importados. Isto
porque, segundo ele, o processo de liberação de capitais, assim como a sua reinversão
para outros setores da economia, não ocorreu imediatamente após a promulgação da Lei
Eusébio de Queirós, mas só após a desestruturação (ou desmantelamento, nas palavras
do autor) da atividade.
Em seguida, para Vitorino, também inspirado no discurso do Visconde de Mauá,
os investimentos se direcionaram para o setor bancário no Rio de Janeiro, capital do
Império. O sistema bancário, por sua vez, nutriu a produção agrícola exportadora por
meio do fornecimento de crédito, entre outras coisas, criando as condições que
possibilitaram o financiamento do tráfico inter-regional para o Sul do Império. Em
linhas gerais, para o autor, o fim do contrabando negreiro beneficiou a agricultura de
exportação, notadamente da atual região sudeste do país, e contribuiu para o processo de
centralização político-econômica que se processou no Império do Brasil em meados da

33
BAIARDI, Almícar. SARAIVA, Luiz Fernando. ALMICO, Rita. Gênese e transformação das empresas
regionais: o Recôncavo Baiano. In: Revista do Centro de Artes, Humanidades e Letras. Cachoeira/ Ba:
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. v.1, n.1, 2007. p. 88. Disponível em:
https://www3.ufrb.edu.br/seer/index.php/reconcavos/article/download/1050/639/. Acesso em: 12 de
fevereiro de 2020.
26

década de 1850. Para Vitorino, ―[...] se parte do capital negreiro foi convertido para a
produção manufatureira, ele só o foi indiretamente e em pequenas somas [...]‖34.
Nota-se, que, embora a liberação e reinversão de capitais com o fim do tráfico
ilegal seja um consenso entre estes autores, e também haja um aparente consenso sobre
a aplicação destes capitais no setor bancário (talvez porque Mauá o tenha feito e dito),
alguns elementos relativos ao destino destes capitais permanecem divergentes. Por
exemplo, em um breve balanço, para Luiz Carlos Soares e Artur Vitorino esses
investimentos não se refletiram diretamente nas atividades manufatureiras. Enquanto
isso, Peter Eisenberg, Eulália Lôbo, Wilson Suzigan, Kátia Mattoso e, mais
recentemente, Almícar Baiardi, Luiz Fernando Saraiva e Rita Almico apontaram para
esta possibilidade. Almir Chaiban El-Kareh aponta para o reinvestimento de capitais
liberados pelo tráfico no transporte ferroviário, contudo, para Kátia Mattoso, essa
realidade não se aplica ao caso baiano. Na nossa leitura, as possiblidades apresentadas
por estes autores, em linhas gerais, não são necessariamente autoexcludentes e podem
ter variado de acordo com os casos e com os diferentes contextos regionais.
É necessário refletir que a premissa de que capitais provenientes do
encerramento do contrabando negreiro foram empregados em outros investimentos
implica na ocorrência de três elementos interdependentes: primeiro, a existência de
agentes anteriormente ligados à atividade, cujos capitais ficaram ociosos a partir do
encerramento desta (ou de sua participação nesta); segundo, a aplicação destes capitais
ociosos em outros setores da economia brasileira; e, terceiro, o consequente
desenvolvimento ou incremento de determinadas atividades econômicas no país.
Usualmente, na historiografia que aborda esta questão apenas o terceiro aspecto é
aprofundado, com o primeiro e o segundo elementos aparecendo como um plano de
fundo, um fenômeno dado, mas abstrato.
Efetivamente, pouco se discutiu de forma direta sobre quem foram os agentes
envolvidos no tráfico transatlântico que redirecionaram seus capitais para os setores de
transporte, bancário e de indústrias fabris, entre outros, que emergiram no Brasil em
meados do século XIX e como ocorreu este processo. Em virtude do pouco
aprofundamento sobre a questão, a tese de reinvestimento de capitais do comércio
negreiro após o encerramento deste em outros ramos de atividades no Império do Brasil

34
VITORINO, Artur. Política, agricultura e a reconversão do capital do tráfico transatlântico de escravos
para as finanças brasileiras na década de 1850. In: Economia e Sociedade. v. 17, n. 3 (34), dez. 2008. p.
468. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ecos/v17n3/05.pdf. Acesso em: 11 de fevereiro de 2020.
27

apresenta um problema secundário de temporalidade, visto que exclui os investimentos


realizados, que pudessem estar a ele relacionados, anteriores a década de 1850.
Por conseguinte, esta interpretação, embora extremamente relevante, cai no
equívoco ao generalizar e homogeneizar a atuação dos contrabandistas negreiros no
Brasil, como se todos tivessem permanecido atuando no tráfico até o encerramento
definitivo da atividade e todos passassem a reinvestir seus capitais (em parte ou na
totalidade) em outros ramos da economia do país apenas após a promulgação e efetivo
cumprimento da Lei Eusébio de Queirós. No que diz respeito a este trabalho, dado a
rigidez cronológica da interpretação, a tese de reinvestimento de capitais liberados em
virtude do fim do contrabando negreiro não pode ser aplicado ao caso da fábrica Todos
os Santos, pelo simples fato de que, como mencionado anteriormente, sua fundação
remonta ao ano de 1844.
A ênfase sobre a liberação de capitais do contrabando negreiro a partir da década
de 1850 deve ter origem em um elemento que aparece implícito na maioria destes
estudos, a crença de que o capital empregado no tráfico ficava imobilizado e, portanto,
era improdutivo. Neste sentido, o capital supostamente retido no contrabando negreiro
teria impossibilitado o pleno desenvolvimento de indústrias no Brasil e apenas após o
encerramento definitivo deste (e daí a ideia de liberação de capitais) tal tipo de atividade
pode florescer.
Pensando de uma forma mais ampliada, esta crença se fundamenta na
perspectiva de uma incompatibilidade entre escravidão, modernização e
desenvolvimento de atividades capitalistas. No entanto, para o caso brasileiro, desde
pelo menos o final da década de 1980, historiadores, como Luís Henrique Dias Tavares,
chamaram atenção para os vínculos existentes entre o capitalismo e o contrabando
negreiro35. Além disso, nos últimos anos, pesquisas, especialmente voltadas para os
Estados Unidos, têm demonstrado que a escravidão não foi um impedimento para o
desenvolvimento de atividades capitalistas, pelo contrário, ela foi uma das responsáveis
por este desenvolvimento36.
Vale dizer que mesmo estudos que abordaram as atividades fabris que surgiram
no Brasil antes da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, inclusive aqueles que focam

35
TAVARES, Luís Henrique Dias. O capitalismo no comércio proibido de escravos. In: Revista do
Instituto de Estudos Brasileiros. n. 28, 1988.
36
Cf.: BECKERT, Sven. ROCKMAN, Seth. Slavery’s Capitalism: A New History of American
Economic Development. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 2017. BAPTIST, Edward. A
metade que nunca foi contada: Escravidão e a construção do capitalismo norte-americano. Rio de Janeiro;
São Paulo: Paz & Terra, 2019.
28

a relação entre escravidão e indústria, também pensaram o impacto do contrabando


negreiro sobre as indústrias tomando como marco a sua supressão. Em Raízes da
indústria no Brasil: a pré-indústria fluminense, 1808-1860, publicado em 1992,
Geraldo Beauclair de Oliveira analisou algumas experiências de atividades mecânicas
existentes no período e chamou atenção para a importância que o setor de transformação
de bens teve na primeira metade do século XIX dentro do conjunto da economia do
Império, apesar dos empecilhos existentes ao seu desenvolvimento37. Quase dez anos
depois, na obra A Construção Inacabada: a economia brasileira, 1822-1860, publicada
em 2001, o autor voltou a abordar a indústria brasileira e a retomar seu principal
argumento, desta vez em um trabalho de escopo ―nacional‖. Nela, o autor procurou
demonstrar como o setor industrial vinha crescendo na primeira metade do século XIX,
mas perdeu espaço na economia brasileira em meados do século XIX em virtude dos
conflitos de interesses e disputas com o setor agroexportador, especialmente com a
lavoura cafeeira em expansão38.
Mais recentemente, em 2006, Mario Danieli Neto, na tese intitulada Escravidão
e Indústria: Um estudo sobre a fábrica de ferro São João de Ipanema – Sorocaba (SP)
– 1765-1895, buscou contestar a suposta incompatibilidade entre escravidão e trabalho
industrial, demonstrando tanto a ampla difusão quanto a importância do trabalho
escravo para a fábrica São João de Ipanema39. No ano seguinte (2007), Beatriz Piva
Momesso defendeu a dissertação Indústria e trabalho no século XIX: O
Estabelecimento de Fundição de Máquinas de Ponta d’Areia, na qual analisou a
inserção desta instituição na economia brasileira de meados do século XIX40.
Em suas análises, tanto Geraldo Beauclair de Oliveira quanto Mario Danieli
Neto consideraram que o fim do contrabando foi negativo para o desenvolvimento
industrial, visto que provocou a concentração da mão de obra escrava na agricultura41.
Para Oliveira, exceções à regra foram justamente as fábricas têxteis baianas, que, de

37
OLIVEIRA, Geraldo Beauclair Mendes de. Raízes da indústria no Brasil: a pré-indústria fluminense,
1808-1860. Rio de Janeiro: Studio F & S, 1992.
38
Idem. A Construção Inacabada: a economia brasileira, 1822-1860. Rio de Janeiro: Vício de Leitura,
2001.
39
DANIELI NETO, Mario. Escravidão e Indústria: Um estudo sobre a fábrica de ferro São João de
Ipanema – Sorocaba (SP) – 1765-1895. Tese (Doutorado em Economia). Campinas, SP: Universidade
Estadual de Campinas, 2006.
40
MOMESSO, Beatriz Piva. Indústria e trabalho no século XIX: O Estabelecimento de Fundição de
Máquinas de Ponta d‘Areia. Dissertação. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2007.
41
OLIVEIRA, Geraldo Beauclair Mendes de. Raízes da indústria... op. cit. Idem. A Construção
Inacabada... op. cit. DANIELI NETO, Mario. Escravidão e Indústria... op. cit.
29

acordo com o autor, não sofreram com o impacto da expansão da cafeicultura42. Já


Beatriz Piva Momesso considerou que o fim do tráfico não teve impacto sobre a mão de
obra da Fundição de Máquinas da Ponta d‘Areia. A autora também mencionou a
liberação de capitais do contrabando após a extinção da atividade, entretanto não se
aprofundou sobre o impacto deste na Fundição43. De um modo ou de outro, como acima
mencionado, ambos os trabalhos tomaram o fim do contrabando negreiro como marco
para pensar os efeitos deste sobre as atividades industriais.
Outro fator que deve ter levado ao estabelecimento do marco de 1850 na tese de
liberação de capitais do contrabando negreiro, intimamente relacionado ao primeiro, diz
respeito à visão predominante sobre a industrialização brasileira. Com forte marca
regionalista, que engloba desde o projeto de centralização política conformado no
Império do Brasil, até questões recentes relacionadas à produção e à circulação de
pesquisas e ao mercado editorial brasileiro, esta visão toma como marco paras as
origens da indústria do país a década de 1850.
Os trabalhos de Luiz Carlos Soares, Geraldo Beauclair de Oliveira, Mario
Danieli Neto e Beatriz Piva Momesso, por exemplo, classificam as experiências fabris
por eles estudadas como pré-industriais44. No caso das Todos os Santos, consideramos
que a interpretação sobre proto e pré-indústria não é aplicável, visto que, como
buscaremos demonstrar ao longo deste trabalho, o estabelecimento encontrava-se dentro
dos padrões médios infraestruturas das indústrias têxteis de outros países da América,
como dos Estados Unidos e do México, e superior à de alguns países europeus, como a
França.
Ademais, no que tange ao setor têxtil, pesquisadores como o já mencionado
historiador estadunidense Stanley Stein e o economista brasileiro Wilson Suzigan,
apontaram para o fato de que a Bahia foi o primeiro e mais importante centro industrial
até a década de 1860. Em 1866, a província sediava cinco das nove fábricas têxteis
existentes no Brasil, três das quais estavam entre as quatro maiores. Além disso,
daquelas cinco, duas foram fundadas na década de 1830 (a Santo Antônio do Queimado,
em 1834; e a Nossa Senhora da Conceição, em 1835), ambas em Salvador, e a Todos os
Santos, em 1844, em Valença. Vale ressaltar que a Todos os Santos e a Santo Antônio

42
OLIVEIRA, Geraldo de Beauclair Mendes de. A Construção Inacabada... op. cit.
43
MOMESSO, Beatriz Piva. Indústria e trabalho... op. cit.
44
A discussão sobre proto e pré-indústria e sua aplicação à realidade brasileira é extensa e complexa. Um
importante balanço sobre o debate pode ser encontrando no segundo capítulo da tese de Mario Danieli
Neto. Cf.: Idem. A Construção Inacabada... op. cit.
30

do Queimado ocupavam, respectivamente, os postos de maior e quarta maior fábricas


têxteis do Império em 186645.
Apenas a partir da década de 1870 a indústria têxtil se desenvolveria em Minas
Gerais (a despeito da existência anterior de uma produção doméstica de tecidos de
algodão46), em São Paulo e no Rio de Janeiro. Contudo, apesar do investimento no setor
em outras províncias, até a década de 1880 a Bahia permanecia sediando as mais
importantes manufaturas têxteis do Império, as fábricas Todos os Santos e Nossa
Senhora do Amparo47. Como apontado por Mario Danieli Neto, ―[...] na segunda
metade do século XIX, a Bahia parecia estar apta a ser o pólo dinâmico da atividade
industrial no Brasil [...]‖48.
No entanto, em uma leitura a posteriori, em virtude da concentração do
desenvolvimento industrial brasileiro em torno da Corte e das províncias, mais tarde
estados, do Rio de Janeiro e, principalmente, de São Paulo, a partir da segunda metade
do século XIX, o desenvolvimento industrial em outras regiões do país naquele período
não recebe a devida atenção, pelo fato de não ter perdurado. O próprio Stanley Stein, a
despeito de mencionar a importância das fábricas existentes na Bahia na primeira
metade do século XIX, estabelece como marco para a suas origens da indústria têxtil no
Brasil o ano de 185049.
Enquanto isso, em seu clássico (e teleológico) Raízes da concentração industrial
em São Paulo, Wilson Cano apontou para a importância da produção algodoeira dentro
do complexo nordestino ao longo do século XIX e sua capacidade de induzir atividades
industriais. Entretanto, a ênfase do autor sobre o complexo nordestino acaba recaindo,
mesmo no caso do algodão, sobre as limitações existentes ao desenvolvimento
industrial e a falta de dinamismo (atraso e lentidão) deste na economia nordestina,
quando vinha a existir, sempre em comparação com a realidade paulista 50. Na obra, o

45
STEIN, Stanley. Origens e Evolução... op. cit. p. 35. SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira... op. cit.
p. 127; 385. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 262.
46
Cf.: LIBBY, Douglas Cole. Notas sobre a produção têxtil brasileira no final do século XVIII: novas
evidências de Minas Gerais. In: Estudos Históricos. v. 27, n. 1, 1997. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/ee/article/view/116884/114419. Acesso em: 17 de outubro de 2019. LIBBY,
Douglas Cole. Protoindustrialização em uma sociedade escravista: o caso de Minas Gerais. In:
SZMRECSÁNYI, Tamás. LAPA, José Roberto do Amaral. História econômica da Independência e do
Império. São Paulo: HUCITEC, 1996.
47
SUZIGAN, Wilson. Indústria brasileira... op. cit. p. 127. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na
formação... op. cit. p. 176.
48
DANIELI NETO, Mario. Escravidão e Indústria... op. cit. p. 74
49
STEIN, Stanley. Origens e Evolução... op. cit.
50
CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo. 5. ed. Campinas, SP: Unicamp, IE,
2007. p. 102.
31

desenvolvimento industrial do Nordeste no século XIX, independente do grau que tenha


alcançado, é abordado como se fadado ao fracasso, porque o autor apresenta uma
concepção de história linear e parte de um fenômeno posterior, a concentração industrial
em São Paulo, para explicar toda a industrialização brasileira, o que induz a
interpretação viciada desse processo. Desta forma, inúmeros aspectos, como a
importância e o impacto que estes investimentos realizados nas províncias do Nordeste
tiveram para a sociedade do período, são praticamente ignorados.
Se, por um lado, as pesquisas que abordam indústrias no Brasil até então
refletiram muito pouco sobre o impacto do contrabando negreiro sobre a economia
brasileira, um número crescente de estudos tem apontado para a própria capacidade que
o tráfico ilegal, existente a partir de meados da década de 1830, teve de encadear
desenvolvimento econômico, direta e indiretamente. Estes trabalhos vêm retomando,
aprofundando e/ou reinterpretando questões levantadas na historiografia sobre a
temática nas décadas de 1970 e 1980, especialmente por historiadores estrangeiros,
como Leslie Bethell51, Robert Conrad52, Pierre Verger53, e pelo brasileiro Luís Henrique
Dias Tavares54, a partir de duas principais linhas de interpretação: uma delas partindo do
conceito de segunda escravidão e outra com foco na agência e nos agentes do tráfico
ilegal.
Estudos que adotam o conceito de segunda escravidão têm demonstrado como o
contrabando negreiro desempenhou um papel de suma importância para a reerguimento
do sistema escravista em locais como o Brasil e Cuba. De acordo com a ideia original,
formulada pelo historiador estadunidense Dale Tomich e capitaneada no Brasil
principalmente pelos historiadores Rafael Marquese e Ricardo Salles, houve uma
intensificação das economias e revitalização do sistema escravista em determinadas
regiões da América (algodoeira, nos Estados Unidos; açucareira, em Cuba; e cafeeira,
no Brasil), entre o final do século XVIII e meados do século XIX, em virtude de uma
crescente demanda provocada pela expansão do capitalismo por estas commodities55.

51
BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico de escravos no Brasil: a Grã-Bretanha, o Brasil e a questão do
tráfico de escravos, 1807-1869. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Ed. Da Universidade de
São Paulo, 1976.
52
CONRAD, Robert. Tumbeiros: O tráfico de escravos para o Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985.
53
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo de Benim e a Bahia de Todos os
Santos: dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.
54
TAVARES, Luís Henrique Dias. O capitalismo no comércio... op. cit.
55
Cf.: TOMICH, Dale. Pelo Prisma da Escravidão: Trabalho, Capital e Economia Mundial. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 2011. MARQUESE, Rafael. SALLES, Ricardo (org.). Escravidão
e capitalismo histórico no século XIX: Cuba, Brasil e Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2016.
32

A expansão das culturas algodoeira, açucareira e cafeeira, no Sul dos Estados


Unidos, em Cuba e no Vale do Paraíba brasileiro, respectivamente, ocorreu em um
período em que a Grã-Bretanha intensificava sua campanha contra o tráfico
transatlântico (principal forma de composição e reposição das escravarias nestes
espaços) para as Américas56. No Brasil, por exemplo, após a postergação do efetivo
cumprimento de inúmeros tratados, no início da década de 1830 foi promulgada a já
mencionada Lei de 7 de novembro de 1831, que tornou ilegal o tráfico transatlântico de
africanos escravizados para o Império.
A historiografia tem demonstrado que a lei surtiu efeito nos primeiros anos de
vigência e o número de desembarques ao longo do litoral brasileiro diminuiu
consideravelmente entre 1831 e 183557. Todavia, a expansão da cafeicultura e o enlace
entre a elite cafeicultora do Vale do Paraíba e a política imperial, especialmente a partir
de 1837, levaram à constituição daquilo que Tâmis Parron denominou de política do
contrabando negreiro ―[...] uma sólida rede de alianças sociais que os líderes do
Regresso [...] teceram [...] para garantir a reabertura do tráfico de escravos sob a forma
de contrabando em nível sistêmico [...]‖58. Reativado e contando com o suporte de
parlamentares engajados na defesa da escravidão, da imprensa, de autoridades locais e
da população o tráfico voltou a crescer, e permaneceu ativo até a década de 185059.
Assim, na perspectiva da segunda escravidão, em um processo cíclico de
encadeamento direto, relacionado ao aumento da demanda mundial pelo café brasileiro,
de um lado, a expansão da cafeicultura no Vale do Paraíba gerou um aumento pela
demanda de trabalhadores escravizados que, por sua vez, estimulou o contrabando
negreiro para o Brasil. De outro, o contrabando negreiro forneceu a mão de obra
necessária para ser empregada nas fazendas cafeicultoras, contribuindo com a expansão
destas.

56
MARQUESE, Rafael. SALLES, Ricardo. A escravidão no Brasil oitocentista: história e historiografia.
In: MARQUESE, Rafael. SALLES, Ricardo (org.). Escravidão e capitalismo... op. cit.
57
Cf.: GRINBERG, Keila. MAMIGONIAN, Beatriz (org). Dossiê – ―Para inglês ver?‖: Revisitando a Lei
de 1831. In: Estudos Afro-Asiáticos. Ano 29, nos 1/2/3. Jan-Dez. 2007. Disponível em:
https://bgmamigo.paginas.ufsc.br/2011/05/25/dossie-para-ingles-ver-revisitando-a-lei-de-1831/. Acesso
em 11 de fevereiro de 2020.
58
PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865. Dissertação
(Mestrado em História). Universidade de São Paulo: São Paulo, 2009. p. 11.
59
RODRIGUES, Jaime. O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para
o Brasil (1800-1850). Campinas, SP: Editora da UNICAMP, CECULT, 2000. PARRON, Tâmis Peixoto.
A política da escravidão... op. cit. YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão: Política e tráfico
negreiro no Império do Brasil (1822-1850). São Paulo: Intermeio; FAPESP, 2016.
33

Contudo, ao focar em áreas e culturas específicas (no caso brasileiro, a lavoura


do café no Vale do Paraíba), os estudiosos da segunda escravidão têm deixado escapar
os possíveis encadeamentos gerados pela continuidade do contrabando negreiro em
outras regiões do Brasil. Ainda que se tenha em mente que o prosseguimento deste
esteve estreitamente ligado aos interesses da cafeicultura e do projeto de centralização
política em torno da Corte, e ainda que o volume de desembarques ocorridos no Rio de
Janeiro no período tenha sido superior aos realizados nas demais províncias do Império,
a defesa e o recrudescimento do contrabando negreiro em meados da década de 1830
resultaram na retomada de desembarques em pontos ao longo de toda a costa do extenso
litoral brasileiro60.
Outro ramo de pesquisas tem focado nas agências e nos agentes do contrabando
negreiro, assim como no destino dos africanos legalmente livres trazidos forçadamente
para o Brasil no período. Ainda que nem sempre em consonância com a perspectiva de
segunda escravidão, eles têm em comum com o conceito a questão do recrudescimento
do contrabando negreiro para o país em meados da década de 1830. Estes estudos têm
se debruçado, por exemplo, sobre os fatores internos que levaram à proibição do tráfico
transatlântico para o Brasil; a reorganização da atividade; as estratégias e arranjos
utilizados pelos traficantes para darem continuidade ao negócio na forma de
contrabando; o aumento no número de desembarques a partir de em meados da década
de 1830, assim como suas razões e implicações políticas, econômicas e sociais; as
trajetórias de vida dos contrabandistas e dos africanos ilegalmente escravizados61.

60
Em trabalho anterior, de caráter propositivo, procuramos apontar possíveis efeitos da continuidade do
tráfico transatlântico para o Brasil na modalidade de negócio ilegal, demonstrando que houve uma íntima
relação entre o recrudescimento deste e processos de dinamização econômica regionais. Cf.: SANTOS,
Silvana Andrade dos. Nestas costas tão largas: o tráfico transatlântico de escravizados e a dinamização de
economias regionais no Brasil (c.1831-c.1850). In: Revista de História. São Paulo, n. 77, 2018.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/140743/149302. Acesso em 21 de
janeiro de 2019. Outra iniciativa de problematização dos horizontes de análise da Segunda Escravidão
pode ser verificada em BARROSO, Daniel. LAURINDO JUNIOR, Luiz Carlos. À margem da segunda
escravidão? A dinâmica da escravidão no vale amazônico nos quadros da economia-mundo capitalista.
In: Revista Tempo. Niterói. v. 23, nº 3, set-dez 2017.
61
Cf.: RODRIGUES, Jaime. O infame comércio... op. cit. GRINBERG, Keila. MAMIGONIAN, Beatriz
(org). Dossiê... op. cit. CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. O desembarque nas praias: O
funcionamento do tráfico de escravos depois de 1831. In: Revista de História. São Paulo. nº 167, jul-dez
2012. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/49091/53166. Acesso em: 11 de
fevereiro de 2020. MAMIGONIAN, Beatriz. VIDAL, Joseane Zimmermann. (Org.). História Diversa:
africanos e afrodescendentes na ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC, 2013. PESSOA,
Thiago Campos. A indiscrição como ofício: o complexo cafeeiro revisitado (Rio de Janeiro, c. 1830 – c.
1888). Tese. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2015. MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos
livres: A abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. XIMENES,
Cristiana. Joaquim Pereira Marinho: perfil de um contrabandista de escravos na Bahia, 1828-1887.
Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1999. PEREIRA, Walter.
34

De um lado, as análises das trajetórias de contrabandistas negreiros, ainda que


estejam preocupadas com a atuação destes negociantes como um todo ou mais
enfaticamente no tráfico negreiro e não tenham foco no processo de reinversão de
capitais do tráfico para outras atividades, ao mencionarem os investimentos realizados
por traficantes ou ex-traficantes de escravos, ajudam a responder alguns dos problemas
deixados pelos estudos mais amplos, indicando quem investiu, quando investiu e no que
investiu.
Trabalhos como os desenvolvidos por Cristiana Ximenes, sobre Joaquim Pereira
Marinho62; por Bruna Motta Dourado, sobre Joaquim Pinto de Lemos63; por Aline de
Biase Albuquerque, sobre Angello Francisco Carneiro64; por Amanda Barlavento
Gomes, sobre Francisco Antonio de Oliveira65; por João Marcos Mesquita, sobre
Manoel Pinto da Fonseca66; e por Rodrigo Marins Marreto, sobre Antonio Clemente
Pinto67 indicaram que negociantes envolvidos regular ou ocasionalmente no
contrabando negreiro para o Brasil investiram em bancos, modernização nos transportes
(estradas de ferro e companhias de navegação a vapor), companhias de seguros e
urbanização. Porém, além de não aprofundarem sobre como ocorreu o processo de
reinversão de capitais do tráfico para estas atividades econômicas, os trabalhos também
deixam em aberto a questão da reinversão de capitais para a indústria fabril. Afinal,
houve investimentos de contrabandistas negreiros na indústria no Brasil? Como esse
processo ocorreu?

José Gonçalves da Silva: traficante e tráfico de escravos no litoral norte da Província do Rio de Janeiro,
depois da lei de 1850. In: Revista Tempo. v. 16, n. 31, 2011. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/tem/v17n31/12.pdf. Acesso em: 11 de fevereiro de 2020. DOURADO, Bruna
Iglezias Motta. Comércio de grosso trato e interesses mercantis no Recife, Pernambuco (c.1837-c.1871):
A Trajetória do negociante João Pinto de Lemos. Dissertação (Mestrado em História). Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 2015. ALBUQUERQUE, Aline Emanuelle de Biase. De “Angelo dos
retalhos” a Visconde de Loures: a trajetória de um traficante de escravos (1818-1858). Dissertação
(Mestrado em História). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2016. GOMES, Amanda
Barlavento. A trajetória de vida do Barão de Beberibe: Um traficante de escravos no Império do Brasil
(1820 – 1855). Dissertação (Mestrado em História). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2016.
SANTOS, Silvana Andrade dos. Nos terrenos... op. cit. SANTOS, Silvana Andrade dos. Nestas costas...
op. cit. MESQUITA, João Marcos. O comércio ilegal de escravos no atlântico: a trajetória de Manoel
Pinto da Fonseca, c.1831 – c.1850. Dissertação (Mestrado em História). Rio de Janeiro: Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2019. MARRETO, Rodrigo Marins. O opulento capitalista: café e
escravidão na formação do patrimônio familiar do Barão de Nova Friburgo. (c.1829-c.1873). Tese
(Doutorado em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2019.
62
XIMENES, Cristiana. Joaquim Pereira Marinho... op. cit.
63
DOURADO, Bruna Iglezias Motta. Comércio de grosso... op. cit.
64
ALBUQUERQUE, Aline Emanuelle de Biase. De “Angelo dos retalhos”... op. cit.
65
GOMES, Amanda Barlavento. A trajetória de vida... op. cit.
66
MESQUITA, João Marcos. O comércio ilegal... op. cit.
67
MARRETO, Rodrigo Marins. O opulento capitalista... op. cit.
35

Estudos sobre a reinversão de capitais do contrabando negreiro para o Brasil


ainda são escassos, especialmente se considerarmos a dimensão que o crime teve no
Império. Porém, em outros países, estes estudos têm sido extremamente promissores.
Para a Espanha, por exemplo, um grupo de historiadores tem demonstrado como
capitais investidos no tráfico transatlântico para Cuba financiaram o surgimento de
bancos, estradas de ferro, urbanização e fábricas, entre outros investimentos, em
Barcelona no século XIX, num processo que parece ter sido muito semelhante ao que
ocorreu no Brasil. Ademais, estes estudos apontam para uma influência deste processo
sobre o presente, evidenciando como algumas instituições, fortunas e forças políticas
que existem hoje pelo mundo tiveram suas origens no tráfico negreiro para a América68.
Além de ajudarem a identificar os setores nos quais os capitais provenientes do
contrabando foram reinvestidos, os trabalhos sobre as agências e os agentes do tráfico
ilegal, por terem foco no crime em si, ao invés de uma mercadoria, como no caso da
segunda escravidão, possibilitam uma análise mais ampla dos efeitos da própria política
do contrabando negreiro. Eles demonstram como o contrabando negreiro foi capaz de
promover desenvolvimento econômico nas novas regiões de desembarque de escravos
por meio de encadeamento direto e indireto.
Como demonstrado por Marcus de Carvalho, com a proibição do tráfico
transatlântico foi necessário, além do estabelecimento de novos locais para
desembarque dos negreiros, a montagem de toda uma estrutura nestas áreas para
recepção e recuperação dos cativos e tripulação da viagem transatlântica, bem como
para realização de reparos e limpeza das embarcações. Nestes rearranjos, a atividade
provocou a valorização de determinadas áreas, próprias para realização dos
desembarques, e a inserção de agentes que até então não estiveram diretamente nela
envolvidos, como barqueiros e lavradores locais. De acordo com o autor, ―Depois de
1831, muitas localidades costeiras receberam uma brutal injeção de capital mercantil,
gerando renda nas mais diversas atividades [...]69.
Em sua tese de doutorado, estudando os negócios dos irmãos Joaquim e José de
Souza Breves, Thiago Campos Pessoa demonstrou como a ocorrência de desembarques
de escravos e a formação de estruturas para recepção e distribuição dos cativos,
intimamente ligados à expansão da cafeicultura, contribuíram para desenvolvimento

68
RODRIGO Y ALHARRILLA, Martín. CHAVIANO PÉREZ, Lizbeth. (Org.). Negreros y esclavos:
Barcelona y la esclavitud atlântica (siglos XVI-XIX). Barcelona: Icaria Editorial, 2017.
69
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. O desembarque... op. cit.
36

econômico de algumas localidades no litoral sul fluminense na segunda metade da


década de 1830 e na década de 1840, como a região do Saco de Mangaratiba. De igual
maneira, após 1850, quando as atividades do contrabando cessaram, esta região entrou
em processo de decadência70.
Em trabalho anteriormente publicado, buscamos demostrar como a ocorrência de
desembarques do contrabando negreiro ao longo do litoral da província do Espírito
Santo contribuiu em grande medida para a expansão cafeeira e desenvolvimento
econômico da região sul da província71. Além disso, em nossa pesquisa de mestrado,
também fizemos reflexões sobre os efeitos da realização de desembarques do
contrabando de africanos escravizados na produção agrícola da vila/cidade de
Valença72.
Em primeiro lugar, observamos que, a despeito de ser uma região
majoritariamente produtora de gêneros de abastecimento e extrativista, houve uma
inserção de parte dos africanos legalmente livres nas escravarias dos proprietários
locais. Em segundo lugar, verificamos que nos inventários lavrados a partir da década
de 1850 aparecem registros de uma diversificação da produção agrícola local, com os
proprietários passando a adotar mais de uma cultura em suas terras, a mandioca
associada ao café e, principalmente, ao cacau. Isso nos levou a refletir que, em algum
momento, dentro de um curto espaço de tempo retroativo, os agricultores e proprietários
locais viram suas capacidades de investimentos e trabalho ampliadas, o que permitiu o
incremento de lavouras de cultivo permanentes, que exigiam mais investimentos, em
uma região onde até então vigia uma lavoura temporária, que exigia investimentos
significativamente menores73.
Neste estudo, damos um passo além, conjugando e ampliando elementos
convergentes das intepretações sobre o contrabando negreiro dos dois lados do marco da
Lei Eusébio de Queirós. Assim, buscamos refletir, de um lado, de forma mais ampliada,
sobre a capacidade do contrabando negreiro de induzir o desenvolvimento econômico
nas novas regiões de desembarques de escravos e seu entorno para além da rede
imediata das estruturas formadas para recepção, recuperação e distribuição dos
africanos ilicitamente traficados e do setor agrícola. E, de outro, sobre o processo de

70
PESSOA, Thiago Campos. A indiscrição... op. cit.
71
SANTOS, Silvana Andrade dos. Nestas costas... op. cit.
72
Idem. Nos terrenos...
73
Ibidem.
37

redirecionamento de capitais por parte de agentes envolvidos no contrabando negreiro


para outros setores da economia antes do encerramento definitivo da atividade.
Neste sentido, organizamos o trabalho em duas partes. A primeira delas, A
Sociedade Lacerda e Cia, é constituída por três capítulos (Capítulo 1: Antonio Pedrozo
de Albuquerque: “Primeiro capitalista do Norte do Império”; Capítulo 2: “O
negociante Antonio Francisco de Lacerda: “cuja riqueza é tão possante quando se
pode calcular”; e Capítulo 3: John Smith Gillmer: “Um homem que, bem que
americano, tem mostrado o maior zelo pela prosperidade da Bahia”) nos quais
abordamos a trajetória dos proprietários da fábrica Todos os Santos.
A opção pela construção de capítulos individuais se deu em virtude da
constatação dos distintos caminhos (e negócios) traçados por cada um destes sujeitos
antes do investimento na fábrica Todos os Santos. Mesmo que essa abordagem possa
transmitir, inicialmente, ao leitor, a ideia de relatos biográficos independentes,
procuramos abordar ao longo destes capítulos as conexões visíveis e problematizar os
vínculos invisíveis entre Lacerda, Pedrozo e Gillmer.
Assim, seguimos os rastros destes sujeitos de suas terras natais, Portugal, Rio
Grande do Sul e Estados Unidos da América até a Bahia, visando identificar sua
inserção na economia baiana e brasileira. Especialmente no que diz respeito a Lacerda e
Gillmer, em virtude da impossibilidade de realização de pesquisas em arquivos
estrangeiros, buscamos situar, a partir de um embasamento historiográfico, sua ida para
a Bahia dentro de um espectro mais amplo de trajetórias de negociantes portugueses e
estadunidenses no Brasil no período.
Em seguida, passamos à análise do processo de constituição das fortunas destes
empresários, explorando as atividades em que eles estiveram envolvidos antes da
constituição da firma Lacerda e Cia, notadamente no tráfico e no contrabando negreiro.
Por fim, procuramos analisar em que momento da vida de cada um deles (e de sua
atuação no contrabando) se deu a constituição da firma Lacerda e Cia e quais as
implicações da formação da sociedade e do investimento na fábrica Todos os Santos em
seus negócios posteriores. O estudo de caso das trajetórias dos proprietários da Todos os
Santos individualmente permitiu que pudéssemos verificar especificações do complexo
processo de reinversão de capitais empregados no contrabando (em partes ou em sua
totalidade) para outros setores da economia brasileira.
Na segunda parte do trabalho, intitulada A fábrica Todos os Santos, adentramos
na fábrica propriamente dita. No capítulo quatro, “A fábrica de tecidos de algodão que
38

vai se estabelecer no distrito da vila de Valença” abordamos o processo de


estabelecimento da Todos os Santos, sua edificação e montagem. Começamos o
capítulo tratando sobre a atuação do engenheiro estadunidense John Monteiro Carson,
responsável pela instalação e administração da fábrica Todos os Santos, de 1844 a 1858,
no negócio, procurando explorar os vínculos existentes entre ele e os sócios da Lacerda
e Cia, e analisar seu papel no estabelecimento e na província da Bahia no período. Em
seguida, versamos sobre os trâmites que envolveram a instalação da Todos os Santos,
desde a escolha da área para edificação, a montagem do estabelecimento e sua
repercussão na sociedade local, até as buscas por subvenções junto aos governos
provincial e imperial. Quanto a isso, procuramos ainda analisar em que medida os
sócios da firma da Lacerda e Cia conseguiram angariar, por meio de seu cabedal social,
econômico e político, benefícios para a Todos os Santos.
Por fim, no quinto e último capítulo, intitulado Todos os Santos: “A mais bela
fábrica do Brasil - e talvez da América do Sul”, contemplamos os elementos que
envolveram o funcionamento da fábrica Todos os Santos, desde o início da sua
operação, em 1847, até seu fechamento, em 1876. O capítulo está subdividido em duas
partes, que englobam as distintas fases da instituição: a primeira (de 1847 a 1860),
como propriedade da firma Lacerda e Cia; e a segunda (de 1860 até 1878), como
propriedade individual de Antonio Pedrozo de Albuquerque. Em cada uma delas
abordamos a infraestrutura, a mão de obra, a matéria-prima e o destino da produção da
fábrica ao longo dos anos buscando, sempre que possível, compará-la com outros
estabelecimentos da mesma natureza existentes no Brasil e em outros países. Além
disso, procuramos problematizar o emprego de escravos e trabalhadores juridicamente
livres na fábrica, assim como analisar como a fábrica se inseria na e se relacionou com a
economia agroescravista brasileira.
Forneceu embasamento para a pesquisa uma diversa gama de documentos,
custodiados pelo Arquivo Nacional (AN), pela Santa Casa da Misericórdia da Bahia e,
principalmente, pela Biblioteca Nacional (BN) e pelo Arquivo Público do Estado da
Bahia (APEB). Vale ressaltar que a dificuldade de contato com a Companhia Valença
Industrial impossibilitou a realização de pesquisas na instituição. Dentre as fontes
consultadas, destacamos os periódicos disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira da
BN; a documentação da Junta do Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação, existente
no AN; e as correspondências emitidas para o governo da província da Bahia pelos
juízes de direito da comarca de Valença, pela Câmara Municipal de Valença, pela Praça
39

do Comércio, Casa do Comércio e Associação Comercial e pelo Consulado dos Estados


Unidos, existentes na Seção Provincial do APEB. Além destes, foram consultados
documentos e bases de dados disponíveis na internet, como a Transatlantic Slave Trade
Database: Voyages, o Relatorio Geral da Exposição Nacional de 1861 e o Relatorio da
2ª Exposição Nacional de 1866.
40

PARTE I
A SOCIEDADE LACERDA E CIA
41

1. ANTONIO PEDROZO DE ALBUQUERQUE: “PRIMEIRO CAPITALISTA


DO NORTE DO IMPÉRIO”74

1. 1. Formação e consolidação da fortuna

1.1.1. Do Rio Pardo à Bahia

Em 5 de agosto de 1878 faleceu, em Salvador, na província da Bahia, Antonio


Pedrozo de Albuquerque75. O velório e o sepultamento aconteceram no dia seguinte, às
16h, no Cemitério do Campo Santo, na mesma cidade76. Quer seja em breve notas ou
estampando a primeira página, seu falecimento foi notícia em periódicos de Norte a Sul
do Império, como nas províncias do Maranhão, de Pernambuco, da própria Bahia, do
Rio de Janeiro e de São Paulo77. Pedrozo já se achava doente há algum tempo, como
consta em nota publicada no Diário de Pernambuco em março e em seu testamento,
lavrado em julho daquele ano78. O Jornal do Recife foi um dos periódicos que deu
ênfase ao seu falecimento: tendo noticiado no dia 10 a morte do ―maior capitalista, e um
dos maiores proprietários‖ da província da Bahia79, três dias depois voltou a abordar o
assunto, reproduzindo o necrológio do ―capitalista Pedrozo‖, originalmente publicado
no O Diário de Notícias da Bahia80.

74
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 43, n. 315, 13 de novembro de 1865. p. 1.
75
Encontramos tanto na bibliografia quanto nas fontes a redação do sobrenome Pedrozo grafado com as
letras ―z‖ e ―s‖. Neste trabalho, adotamos a grafia com a letra ―z‖, por ser a forma como o nome está
redigido no registro de batismo de Antonio e como este assinava seu nome. Seguindo o mesmo critério,
também adotamos a grafia do nome ―Antonio‖ sem o acento circunflexo.
76
Arquivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia (doravante ASCMBA). Livro 7º de Termos de Irmãos,
nº 07 (1834 - 1863). fl. 14.
77
BN. HDB. Publicador Maranhense (Maranhão). Ano 27, n. 188, 18 de agosto de 1878. p. 2. Jornal do
Recife (Pernambuco). Ano 21, n. 182, 10 de agosto de 1878, e n. 184, 13 de agosto de 1878. p. 1. Diario
de Pernambuco (Pernambuco). Ano 54, n. 182, 10 de agosto de 1878. p. 2. O Monitor (Bahia). Ano 3, n.
56, 9 de agosto de 1878. p. 2. O Cruzeiro (Rio de Janeiro). Ano 1, n. 227, 16 de agosto de 1878. p. 2. O
Município (Rio de Janeiro). Ano 4, n. 190, 17 de outubro de 1878. p. 1. Diario de São Paulo (São Paulo).
Ano 14, n. 3.784, 8 de agosto de 1878. p. 2.
78
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 54, n. 64, 18 de março de 1878. p. 2. Arquivo
Público do Estado da Bahia (doravante APEB). Seção Judiciária. Série Inventários. Testamento Antonio
Pedroso de Albuquerque. Classificação: 01/03/125/02.
79
BN. HDB. Jornal do Recife (Pernambuco). Ano 21, n. 182, 10 de agosto de 1878. p. 1.
80
É ampla a discussão na historiografia sobre a nomenclatura que dever ser atribuída a estes agentes
econômicos, como Pedrozo, do século XIX. Neste trabalho, optamos por manter o termo empregado em
referência a Antonio Pedrozo de Albuquerque nas fontes por nós utilizadas: capitalista. Como
demonstrado por Guimarães, no século XIX a palavra capitalista era empregada para designar pessoas
que possuíam grandes cabedais, dinheiro para suas negociações e meneio. No tocante à Bahia, segundo
Mattoso, o termo era empregado para designar ―[...] ex-comerciantes que permaneciam ligados aos
negócios, fosse pela participação em outras sociedades comerciais, fosse investindo seu dinheiro em
empreendimentos bancários ou industriais [...]‖. Cf. GUIMARÃES, Carlos Gabriel. A presença inglesa
42

O tributo, que também fora reproduzido no Publicador Maranhense, abordava a


vida de Antonio Pedrozo de Albuquerque como a trajetória de alguém que conseguiu
construir ―uma das maiores, senão a maior e mais sólida fortuna‖ da província da Bahia,
à custa de trabalho duro, inteligência e de uma vida regrada e honesta81. O não
mencionado pelo elogio pós-morte foi que parte da dedicação e inteligência do regrado
e honesto capitalista foram direcionadas para atividades ilícitas, como o crime de
contrabandear escravos para o Império do Brasil. Da mesma forma, nada foi dito sobre
como este negócio foi de suma importância para a consolidação de sua fortuna. A
notícia apresentada pelos jornais, ainda que nitidamente enaltecedora, deixa importantes
pistas sobre a vida deste homem e, cotejada com outros documentos, nos servirá de base
para a análise de sua trajetória.
Antonio Pedrozo de Albuquerque nasceu na cidade de Rio Pardo, no Rio Grande
do Sul, em 22 de janeiro de 1798, filho legítimo de João Pedrozo de Albuquerque e
Maria Benedicta de Camargo (também conhecida como Maria Pedrozo de
Albuquerque), esta natural do Rio Grande do Sul e aquele de São Paulo82. Ele fazia
parte de uma família que construiu fortes vínculos militares e uma significativa atuação
político-econômica no Rio Pardo que era, aliás, uma das principais praças mercantis e
militares do Rio Grande no período83.
Seu pai foi Sargento-Mor de Ordenanças e, na década de 1810, era um homem
de cabedais e prestígio político naquela região: foi vereador, juiz almotacé e membro de
irmandades religiosas. Além disso, recebeu uma sesmaria na localidade, foi estancieiro
e proprietário de escravos. Um de seus irmãos, Manoel Pedrozo de Albuquerque, teve
atuação muito semelhante à do pai: também foi militar, juiz almotacé, membro de
irmandades religiosas, estancieiro e proprietário de escravos. Em termos políticos,
deveria estar alinhado com as tendências unificadoras imperiais, visto que hospedou em

nas finanças e no comércio no Brasil Imperial: Os casos da Sociedade Bancária Mauá, Macgregor & Co.
(1854-1866) e da firma inglesa Samuel Phillips & Co. (1808-1840). Rio de Janeiro: Alameda, 2012. p.
23. MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX... op. cit. p. 643.
81
BN. HDB. Publicador Maranhense (Maranhão). Ano 27, n. 188, 18 de agosto de 1878. p. 2. Jornal do
Recife (Pernambuco). Ano 21, n. 184, 13 de agosto de 1878. p. 1.
82
GENI. Registro de Batismo de Antonio Pedrozo de Albuquerque. Disponível em:
https://www.geni.com/documents/view/birth_event-
6000000044245953828?doc_id=6000000044374159010&event_id=6000000044245953828. Acesso em
19 de abril de 2018. APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Testamento Antonio Pedroso de
Albuquerque. Classificação: 01/03/125/02.
83
Sobre a importância de Rio Pardo na sociedade rio-grandense na primeira metade do século XIX ver:
BERUTE, Gabriel Santos. Atividades mercantis do Rio Grande de São Pedro: negócios, mercadorias e
agentes mercantis (1808-1850). Tese (Doutorado em História). Porto Alegre: Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, 2011.
43

sua residência o Imperador Dom Pedro II e a Imperatriz Leopoldina em 1846, um ano


depois de encerrados os conflitos da Farroupilha. Seu outro irmão, José Pedrozo de
Albuquerque, ao contrário, teve importante participação nesta Revolução e chegou a
ocupar o cargo de Ministro dos Negócios da Justiça e Interior da República de Piratini84.
Suas irmãs, Clara Pedrozo de Albuquerque e Joana Pedrozo de Albuquerque,
foram casadas respectivamente com o Coronel Joaquim Lourenço de Brito e o Alferes
Ladislau do Amaral Brandão85. Antonio Pedrozo de Albuquerque, por seu turno, se
casaria com Maria Acciaivoli de Albuquerque86, com quem teria um filho, também
chamado de Antonio Pedrozo de Albuquerque (doravante, Antonio Pedrozo de
Albuquerque Filho)87. Pedrozo foi genitor ainda de, pelo menos, três mulheres, suas
filhas ilegítimas ou ―naturais‖, nos termos da época, como Maria e Lydia, filhas de suas
escravas, e Auta Pedroso, que se casaria com Cypriano de Almeida Couto88.

84
SCHMACHTENBERG, Ricardo. “A arte de governar”: Redes de poder e relações familiares entre os
juízes almotacés na Câmara Municipal de Rio Pardo/RS, 1811-c.1830. Tese (Doutorado em História). São
Leopoldo: Universidade Federal do Vale dos Sinos, 2012.
85
Ibidem.
86
Encontra-se também a redação Acciaiuoli, Acciavoli e Accioli, e Cf.: APEB. Seção Judiciária. Série
Inventários. Inventário Maria Acciaivoli de Albuquerque. Classificação: 03/917/1386/11; e Testamento
Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação: 01/03/125/02.
87
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Testamento Antonio Pedroso de Albuquerque.
Classificação: 01/03/125/02. É recorrente na historiografia uma confusão entre as trajetórias dos Antonio
Pedrozo de Albuquerque pai e filho, dado ao fato de eles serem homônimos. Assim, na análise das fontes
e da bibliografia, buscamos cuidadosamente distinguir a trajetória de ambos. Da mesma forma, visando
evitar ambiguidades de interpretação por parte do leitor, optamos por uma solução técnica simples:
adicionar o termo Filho quando nos referirmos a Antonio Pedrozo de Albuquerque, o filho, e manter a
redação Antonio Pedrozo de Albuquerque quando nos referirmos ao pai.
88
Informações contidas no site Geni indicam que Auta Pedrozo também seria filha Maria Acciaivoli de
Albuquerque, no entanto, em seu Testamento, Antonio Pedrozo de Albuquerque Filho escreveu ―Deixo a
menina Auta Pedroso, minha irmã natural, e cuja casei com Cypriano D‘Almeida Couto, a quantia de
dois contos de reis‖. De acordo com o site, Antonio Pedrozo de Albuquerque e Maria Acciaivoli de
Albuquerque tiveram ainda um terceiro filho: Francisco Pedrozo de Albuquerque. As fontes por nós
consultadas até então indicam que Antonio Pedrozo de Albuquerque teve apenas um filho com Maria
Acciaivoli de Albuquerque: Antonio Pedrozo de Albuquerque Filho. No documento de reforma dos autos
de inventário de Maria Acciaivoli de Albuquerque, aberto em 1868, Antonio Pedrozo de Albuquerque
[Filho], naquela altura, menor, aparece como único herdeiro. Do mesmo modo, em seu testamento,
lavrado em 1878, Antonio Pedrozo de Albuquerque declarou ―Fui casado com a Senhora Dona Maria
Accioli de Albuquerque, de quem sou viúvo e com quem tenho um único filho, o Doutor Antonio
Pedrozo de Albuquerque, meu legítimo e universal herdeiro‖. No documento, Antonio Pedrozo de
Albuquerque também declarou ser genitor de Maria e Lydia, como se lê: ―Deixo à minha cria Maria que
também fica liberta, a quantia de dois contos de réis (2:000$000rs)‖ e ―Deixo à minha cria Lydia
igualmente liberta, a quantia de dois contos de réis (2:000$000rs)‖. Por fim, no inventário de Antonio
Pedrozo de Albuquerque, aberto em 1878, Antonio Pedrozo de Albuquerque Filho (o Doutor Antonio
Pedrozo de Albuquerque), também aparece como único herdeiro. Segundo Michael Pedroso de
Albuquerque, descendente de Antonio Pedrozo de Albuquerque, Francisco Pedrozo de Albuquerque
também fora filho deste, tendo sido supostamente deserdado pelo pai. Uma questão a ser aprofundada
posteriormente. Até o momento da redação desta tese, identificamos nas fontes a existência de apenas um
Francisco Pedrozo de Albuquerque, filho de Antonio Pedrozo de Albuquerque Filho, como aparece no
inventário deste ―Declaro que fui casado e que estou presentemente desquitado, e separado de corpo e
bens, da que foi minha mulher, Viscondessa de Pedroso D‘Albuquerque, e [...] deste consórcio tive um
filho de nome Francisco Pedroso de Albuquerque [...]‖. [grifos meus]. Cf.: GENI. Antonio Pedroso de
44

Segundo o Jornal do Recife, Antonio saiu de Rio Pardo aos 14 anos,


possivelmente em 1812, tendo em mãos economias no valor de 800$000rs e, quinze
dias após deixar sua terra natal, fora empregado em uma casa comercial do Rio de
Janeiro, depositando nas mãos do proprietário desta a quantia que levara consigo 89. Ele
havia deixado o Rio Grande do Sul um ano após terem sido iniciados os conflitos na
Cisplatina e, certamente, encontrou na Corte um ambiente bastante agitado. Havia
quatro anos que a Família Real Portuguesa ali se instalara e a cidade fervilhava.
Não localizamos informações acerca das razões que motivaram a sua mudança
para o Rio de Janeiro, nem mesmo em que casa comercial fora empregado, quem foram
os proprietários desta e quais ramos de comércio eram nela praticados, assim como
quais atividades ele realizou durante sua atuação no estabelecimento e por quanto tempo
permaneceu ali trabalhando. A rapidez com que conseguiu se instalar e dar início às
atividades na Corte leva a crer que existiam contatos e interesses previamente
estabelecidos à instalação do rapaz.
É certo que ao longo dos anos em que viveu na Corte Antonio Pedrozo de
Albuquerque iniciou seus negócios e prosperou. Consta na publicação do Jornal do
Recife que, após atuar por um período como funcionário do comércio supramencionado,
ele passou a negociar gradualmente, tanto por conta própria quanto em sociedade com
seu patrão90. Em registro de matrícula na Junta do Comércio de 20 de setembro de 1816,
quatro anos após sua chegada ao Rio de Janeiro, quando contava com prováveis 18
anos, ele aparece como mercador a varejo desta praça e, segundo suas testemunhas (o
negociante Antonio Joaquim Maia e o mercador de varejo João Alvares da Silva Porto,
um dos quais é possível que fosse seu empregador), achava-se estabelecido com crédito,
fundos e inteligência da escrituração mercantil91.

Albuquerque. Disponível em: https://www.geni.com/people/Antonio-Pedroso-de-


Albuquerque/6000000044245953827. Acesso em: 13 de fevereiro de 2020. APEB. Seção Judiciária. Série
Inventários. Inventário Maria Acciaivoli de Albuquerque. Classificação: 03/917/1386/11; Testamento
Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação: 01/03/125/02; Inventário Antonio Pedroso de
Albuquerque. Classificação – 07/3191A/06; Testamento Antonio Pedroso de Albuquerque (Conde).
Classificação: 1/103/125/02. ALBURQUERQUE, Michael Pedroso de. Antonio Pedroso de Albuquerque
[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <silvanaandradeh@gmail.com> em 18 de fevereiro de
2020.
89
BN. HDB. Jornal do Recife (Pernambuco). Ano 21, n. 184, 13 de agosto de 1878. p. 1.
90
BN. HDB. Jornal do Recife (Pernambuco). Ano 21, n. 184, 13 de agosto de 1878. p. 1.
91
Arquivo Nacional (doravante AN). Fundo 7x. Coleção Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e
Navegação. Série Fábricas. Códice 171, volume 1. Termo de juramento deferido a Antonio Joaquim
Maia, e João Alvares da Silva Porto, testemunhas oferecidas por Antonio Pedrozo de Albuquerque. p.
182f.
45

A respeito das testemunhas, vale ressaltar que, em 1824, Antonio Joaquim Maia
comerciava escravos, entre outros gêneros, em escritório montado ao número 84 da Rua
de São Pedro92, mesmo logradouro onde na década de 1860 funcionaria um depósito de
produtos da fábrica Todos os Santos93. João Alvares da Silva Porto, por sua vez, estava
profundamente envolvido com o comércio negreiro, sendo um dos maiores traficantes
transatlânticos de escravos para o Rio de Janeiro entre 1810 e 183094. Além disso, ele
foi moedeiro da Casa da Moeda na década de 1820 95. Como aprofundaremos
posteriormente, Antonio Pedrozo de Albuquerque começaria a atuar no tráfico
transatlântico muito provavelmente ainda durante sua estadia no Rio de Janeiro. Além
disso, durante o chamado derrame de moedas de cobre na Bahia, na primeira metade do
século XIX, especularia levando moedas de bom ágio da Corte para a província96. Logo,
empregadores ou não de Pedrozo, os laços mercantis existentes entre eles devem ter
sido de grande valia ao longo de sua trajetória econômica, especialmente no início.
A conjuntura vivida na Corte possibilitava a Antonio Pedrozo de Albuquerque o
envolvimento em uma série de atividades, a depender das redes mercantis nas quais
estava inserido ou fosse capaz de se inserir. Já vimos que ele possuía contato com
comerciantes de escravos e com um moedeiro. Ademais, sabemos que sua família era
proprietária de estâncias na região do Rio Pardo, situação da qual deve ter tirado
proveito. O Rio de Janeiro era uma das principais regiões importadoras do charque rio-
grandense, cidade em expansão e com crescente demanda por gêneros de subsistência
no período em que ele havia se mudado97. É possível também aventar, embora a
resposta para esta questão ainda esteja aberta, em que medida a sua ida para o Rio de
Janeiro tinha relação com os interesses dos negócios de seus familiares.

92
BN. HDB. Almanach do Rio de Janeiro para o anno de 1824. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1824. p. 287. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 1, n. 168, 17 de junho de 1821. p. 3.
93
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro
para o anno de 1862. Ano 19, série 2, n. 14. Rio de janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1862. p. 530.
94
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio
de Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: EDUNESP, 2014. p. 157.
95
BN. HDB. Almanach do Rio de Janeiro para o anno de 1816. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1816. p. 219. Almanach do Rio de Janeiro para o anno de 1825. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1825. p. 122. Almanach do Rio de Janeiro para o anno de 1826. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1826. p. 86.
96
MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX... op. cit. Sobre o derrame de moedas de cobre na Bahia ver
TRENTIN, Alexander. O derrame de moedas falsas de cobre na Bahia (1823-1829). Dissertação
(Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2010.
97
Cf.: LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. 2. ed. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de
Cultura, Turismo e Esportes; Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural; Divisão de
Editoração, 1993.
46

Antonio Pedrozo de Albuquerque permaneceu no Rio de Janeiro até 1823,


quando se mudou para a Bahia, aos 25 anos de idade. Durante os 11 anos em que
permaneceu na Corte obteve êxito em seus negócios, tendo multiplicado
consideravelmente sua riqueza. Consta da publicação do Jornal do Recife que em seu
traslado para a província Pedrozo levou por conta própria dois navios carregados de
charque, no valor de 80:000$000rs98. Ainda que não tenha sido possível certificar se
aquele era um negócio individual ou em sociedade, o valor da carga equivalia a 100
vezes a quantia com que Pedrozo havia se mudado para o Rio de Janeiro (800$000rs). É
provável que esta seja a mesma viagem por ele realizada em 1823, noticiada no Diario
do Governo. Segundo o periódico, em 17 de julho daquele ano, ele partiu do Rio de
Janeiro com destino ao Morro de São Paulo, na Bahia, no brigue inglês Oscar, levando
carregamento de carne seca, fazendas e vinho99.
Não deixa de chamar atenção o fato de que a segunda mudança de Antonio
Pedrozo de Albuquerque, assim como a primeira, também tenha ocorrido em um
período de grande instabilidade política no Brasil. Menos de um ano havia se passado
desde a proclamação da independência pelo então príncipe regente D. Pedro I, o
reconhecimento externo do evento ainda não estava consolidado e, mesmo
internamente, os conflitos entre adeptos e opositores do acontecimento continuavam
existindo. Na própria província da Bahia, seu local de destino, a existência de conflitos,
alguns deles armados, se estenderam até o início de julho de 1823, no que é hoje
conhecido como Independência da Bahia100.
Portanto, não podemos deixar de considerar que o fator político tenha sido um
importante elemento a influenciar os rumos dos negócios e da vida de Pedrozo. Já
aventamos a possibilidade de que sua primeira mudança (do Rio Grande do Sul para o
Rio de Janeiro) tenha sido motivada por interesses econômicos, a segunda (do Rio de
Janeiro para a Bahia), por sua vez, nos leva a refletir sobre as conotações políticas
destas, ou, sem descartar uma das duas possibilidades, suas motivações político-
econômicas. É possível crer que o negociante se aproveitasse destas conjunturas de
instabilidade política, buscando auferir vantagens e lucros.
Estudos sobre a independência da Bahia já demonstraram que a guerra provocou
uma escassez e, ao mesmo tempo, um aumento da demanda de gêneros de

98
BN. HDB. Jornal do Recife (Pernambuco). Ano 21, n. 184, 13 de agosto de 1878. p. 1.
99
BN. HDB. Diario do Governo (Rio de Janeiro). n. 17, v. 2, 19 de julho de 1823. p. 4.
100
TAVARES, Luís Henrique. Dias. Independência do Brasil na Bahia. Salvador: EDUFBA, 2005.
47

abastecimento, principalmente no Recôncavo da província, onde os conflitos se


concentraram101. Neste sentido, o charque poderia estar sendo direcionado para o
abastecimento destas áreas. Contudo, uma questão permanece em aberto: o destino de
embarcação. Por que a carga de Pedrozo tinha como destino o Morro de São Paulo?
O envio da carga para Morro de São Paulo não é contraditório ao emprego do
charque para o abastecimento do Recôncavo e das regiões circunvizinhas no pós-
independência, dado à proximidade e a facilidade de acesso àquela região a partir do
Morro, tanto por via marítima quanto fluvial. Ainda assim, não deixa de ser intrigante o
fato de que, mesmo após os conflitos terem se encerrado, a embarcação não ter partido
para Salvador, destino mais provável a esta. Aqui, a hipótese da atuação de Pedrozo
como contrabandista precisa ser levada em conta.
O Morro de São Paulo faz parte de uma área no Baixo Sul da Bahia muito
propícia à navegação marítima e fluvial. Ele foi, desde o período colonial, um
importante ponto de referência para as embarcações que passavam a distância pela costa
da região, e sua barra permitia a entrada de embarcações de grande porte102. Além disso,
aquela era região de povoamento escasso, que se integrava aos principais circuitos
econômicos imperiais por intermédio principalmente da produção de farinha de
mandioca e extração madeireira103. Com tanto potencial para navegação, mas ocupando
uma posição periférica na economia baiana, o local acabava funcionando como
entreposto para atividades ilícitas, como o contrabando negreiro104. Assim, também é
possível que o charque transportado por Pedrozo se destinasse a este negócio105. Além
disso, o destino destas embarcações é extremamente relevante para este trabalho, porque
é o primeiro registro de sua atuação na região onde, vinte anos depois, seria instalada a
fábrica Todos os Santos.
Retornando às mudanças realizadas por Pedrozo, é necessário sinalizar que estas
(a transferência do Rio Grande do Sul para o Rio de Janeiro e em seguida para a Bahia)

101
Cf.: GRAHAM, Richard. ―Ao mesmo tempo sitiantes e sitiados‖. A luta pela subsistência em Salvador
(1822-1823) In: JANCSÓ, Istvan (org). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec/
Fapesp, 2005.
102
SPIX Johann Baptiste von. MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil, 1817-1820. 3.
ed. São Paulo: Melhoramentos, 1976. v. 2. p. 157. VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII.
Salvador: Itapuã, 1969. v. 2. p. 496.
103
DIAS, Marcelo Henrique. Economia, sociedade... op. cit.
104
SANTOS, Silvana Andrade dos. Nos terrenos... op. cit.
105
Sobre o emprego do charque no comércio negreiro ver: VARGAS, Jonas Moreira. Pelas margens do
atlântico: Um estudo sobre elites locais e regionais no Brasil a partir das famílias proprietárias de
charqueadas em Pelotas, Rio Grande do Sul (século XIX). Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.
48

não representam um caso isolado. De acordo como Jonas Vargas, um grande número de
rio-grandenses migrou para o Rio de Janeiro e para o Nordeste no período106. Neste
sentido, é bastante provável que ele tivesse contato com outros rio-grandenses, primeiro
no Rio de Janeiro e depois na Bahia, ou ainda que mantivesse negócios nesta província
antes mesmo de sua transferência definitiva. Desde 1808, o Rio Grande do Sul
representava um importante parceiro comercial da Bahia, ocupando o quarto lugar em
sua balança comercial, entre todas as regiões com as quais esta mantinha relações
comerciais. O Rio Grande do Sul foi responsável, no período compreendido entre 1808
e 1816, por 14,8% das exportações e 11,6% das importações baianas, importações estas
lideradas por gêneros de abastecimentos, dentre os quais se destacava o charque107.
Como destacou Vargas, a migração de rio-grandenses para outras regiões não
resultava em uma ruptura total com sua província natal. Estes homens mantinham-se
ligados aos seus locais de origem tanto por meio de vínculos de parentesco quanto de
redes comerciais. Segundo o autor, no caso específico das charqueadas, esses vínculos
comerciais contribuíam para o fortalecimento das elites locais e, certamente, geravam
benefícios para aqueles que haviam se mudado108, como deve ter ocorrido com Antonio
Pedrozo de Albuquerque.
Ainda conforme Vargas, assim como outros membros de sua família, Pedrozo
fazia parte de uma rede mercantil existente entre Pelotas e outros portos situados no
Império do Brasil, ligada, entre outras mercadorias, por meio da fabricação e da
comercialização de charque. Ele era parceiro comercial de Antônio de Soares Paiva,
negociante no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, que atuava tanto no comércio de
grosso trato, no Rio de Janeiro, quanto no tráfico interno de escravos para o Rio Grande
do Sul, e também mantinha negócios no nordeste, por meio do comércio de charque e
couros. Seu irmão, Manoel Pedrozo de Albuquerque, por outro lado, era procurador do
charqueador Domingos de Castro Antiqueira no Rio Pardo, cujo um dos filhos era
casado com uma filha de Antônio de Soares Paiva109.
Se, de um lado, como afirmamos anteriormente, há indícios de que Pedrozo
tenha iniciado sua atuação no tráfico transatlântico ainda durante sua estadia no Rio de

106
VARGAS, Jonas Moreira. Pelas margens... op. cit. p. 132.
107
MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX... op. cit. p. 244.
108
VARGAS, Jonas Moreira. Pelas margens... op. cit. p. 132.
109
Ibidem. p. 131. Idem. ―Capitães, comendadores, negociantes‖: A primeira geração de charqueadores
de Pelotas e a sua elite (1790-1835). In: Revista Latino-Americana de História. v. 3, n. 11, set-2014. p.
54. Disponível em: http://projeto.unisinos.br/rla/index.php/rla/article/view/438/409. Acesso em: 11 de
fevereiro de 2020.
49

Janeiro e, de outro, de que contava com parceiros comerciais envolvidos no comércio de


charque e no tráfico interno entre o Rio Grande e o Rio de Janeiro, e vice-versa,
observa-se uma ligação entre estes três ramos de negócios. A carga que ele levou
consigo em 1823 para Bahia demonstra que sua atuação no comércio de charque se
estendia até esta província. Isso ratifica nossa hipótese levantada anteriormente, de que
o charque comercializado pelo negociante pudesse não apenas ser consumido dentro do
Império, mas também empregado no abastecimento de viagens negreiras organizadas,
por ele ou por seus parceiros, para o continente africano. Da mesma forma, é igualmente
plausível que parte dos escravos provenientes das viagens organizadas por Pedrozo
fossem enviados para o Rio Grande do Sul110. Este pode ter sido o caso, por exemplo,
de alguns dos 500 escravos trazidos para o Brasil na embarcação Pedroso, a ele
pertencente, e desembarcados no Rio de Janeiro, em 1829111.
Foi justamente a partir de 1823, ano de sua mudança para a Bahia, que as
notícias sobre Pedrozo tornaram-se frequentes nos periódicos do Império. Se a
Guanabara possibilitou o enriquecimento do jovem Antonio, seria a partir da baía de
Todos os Santos que ele consolidaria fortuna e prestígio sociopolítico no Brasil.
Assim como sua mudança para o Rio de Janeiro não representou o rompimento
de seus laços com o Rio Grande do Sul, após sua transferência para Bahia o negociante
continuou a atuar na Corte. Em agosto de 1823, pouco tempo após sua transferência
para aquela, ele aparece na lista de pessoas que fizeram contribuições para a Marinha de
Guerra do Brasil112. As doações por eles feitas ao Império não pararam por aí, mas esta,
em específico, nos fornece uma primeira pista dos seus posicionamentos políticos,
questão anteriormente aberta. Em um cenário político pós-proclamação da
independência tão delicado, a contribuição de Pedrozo prestada à Marinha do Brasil
aponta para sua adesão/interesse para com esta causa e com a consolidação e
centralização do Império, em construção naquele momento.
Esse posicionamento se explicita também por sua atuação junto à repressão aos
acontecimentos relacionados à Revolta dos Periquitos em Salvador, em 1824. A
insurreição militar, levada a cabo pelo que ficou conhecido como Batalhão dos
Periquitos (composto majoritariamente por libertos, ex-escravos que lutaram na guerra

110
Para mais informações sobre as redes mercantis envolvendo os tráficos transatlântico e interprovincial
de escravos o comércio de charque, ver: Idem. Pelas margens...
111
ELTIS, David. (Org.) The Transatlantic Slave Trade Database: voyages (doravante TSTD). Viagem
1028. Disponível em: http://www.slavevoyages.org. Acesso em: 31 de janeiro de 2019.
112
BN. HDB. Diario do Governo (Rio de Janeiro). n. 46, v. 2, 25 de agosto de 1823. p. 4.
50

de Independência da Bahia) e motivada por diversos fatores (entre eles a insatisfação


com o tratamento recebido, atrasos no pagamento e constantes deslocamentos), causou
significativa convulsão social. Um movimento protagonizado pela população negra era
visto como ameaça à ordem social em vigor e ao Império, especialmente em um período
repleto de movimentos de caráter separatista e republicano, dentre os quais se destacava
naquela altura a Confederação do Equador113.
É necessário salientar que a peculiaridade da independência do Brasil na Bahia,
em virtude da guerra, mas, principalmente, da incorporação de escravos nos batalhões e
da sua posterior libertação, levantavam intensas tensões sociais. Isso tornava a
manutenção da escravidão, ou em um sentido mais restrito, a legitimação do domínio
dos senhores sobre os escravos, uma questão de suma importância e extrema urgência.
Desta forma, em certa medida, a eficiência na repressão aos insurretos do Batalhão dos
Periquitos era vista como algo essencial para a manutenção da ordem escravista na
Bahia114.
O estopim da revolta se deu em 23 de outubro daquele ano, em Salvador, quando
foi anunciada a demissão do comandante do Batalhão dos Periquitos e a transferência da
Unidade para outras regiões do Império (estratégia que visava dissipar o grupo,
diminuindo seu poder de mobilização). No dia seguinte ao início da revolta, em 24 de
outubro, o então Comandante de Armas da província da Bahia, Felisberto Gomes
Caldeira Brant, foi assassinado, aumentando o temor por parte tantos das elites quanto
das autoridades políticas locais. Diante do ocorrido, Pedrozo correu em socorro do então

113
KRAAY, Hendrik. Em outra coisa não falavam os pardos, cabras e crioulos: o "recrutamento" de
escravos a guerra da Independência na Bahia. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, n.4,
2002. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v22n43/10913.pdf. Acesso em: 03 de dezembro de
2018. REIS, Arthur Ferreira. Os corcundas e os periquitos: a visão áulica sobre a Revolta os Periquitos na
Bahia. In: Anais do VI Congresso Internacional UFES/Paris-Est. Vitória: Universidade Federal do
Espírito Santo, 2017. Disponível em: http://periodicos.ufes.br/UFESUPEM/article/view/18040/12210.
Acesso em: 03 de dezembro de 2018. REIS, João José. A elite baiana face os movimentos sociais: Bahia
(1824-1840). In: Revista de História. São Paulo, v. 54, n.108, 1976. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/105679. Acesso em: 03 de dezembro de 2018.
TAVARES, Luís Henrique Dias. Da sedição de 1798 à revolta de 1824 na Bahia. Salvador: EDUFBA;
Campinas: Editora da UNESP, 2003.
114
Sobre a participação de escravos, libertos e das classes mais baixas da sociedade na independência da
Bahia, assim como a atuação da elite baiana nos movimentos sociais da primeira metade no século ver:
Cf.: GUERRA FILHO, Sério Armando Diniz. O povo e a guerra: Participação das camadas populares
nas lutas pela independência do Brasil na Bahia. Dissertação (Mestrado em História). Salvador:
Universidade Federal da Bahia, 2004. KRAAY, Hendrik. Em outra coisa... op. cit. REIS, João José. A
elite baiana face os movimentos sociais: Bahia (1824-1840). In: Revista de História. São Paulo, v. 54,
n.108, 1976. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/105679. Acesso em: 03
de dezembro de 2018. REIS, João José. O jogo duro do Dois de Julho: O ―Partido Negro‖ na
Independência da Bahia. In: REIS, João José. SILVA, Eduardo. Negociação e conflito. A resistência
negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
51

presidente da província, Francisco Vicente Viana (futuro Barão do Rio das Contas),
fornecendo, nas palavras deste, ―munições de boca e de guerra‖ e mediando a
comunicação com a Corte durante a repressão da revolta e, posteriormente, com
Pernambuco (local para onde parte do batalhão havia sido destacado, para lutar durante
a Confederação do Equador)115. Logo, a colaboração de Pedrozo à repressão da Revolta
dos Periquitos ratifica seu afinamento político com o governo pedrino e com o projeto
de centralização política que começava a se delinear no Brasil neste período.
Por sua atuação política, econômica e social neste e em outros eventos, tanto na
esfera provincial quanto na esfera imperial, Antonio Pedrozo de Albuquerque seria
agraciado com uma série de títulos honoríficos ao longo de sua vida: Cavaleiro da
Ordem de Cristo (1825); Cavaleiro da Imperial Ordem do Cruzeiro (1826); Oficial da
Corte e Casa Imperial (1841); Moço da Imperial Câmara, (1843); Dignatário da Ordem
da Rosa (1850); Comendador da Ordem de Cristo (1850); e Fidalgo Cavaleiro da Casa
Imperial (1854)116.
Ainda em 1824, Pedrozo era proprietário de um escritório montado na Rua da
Fonte dos Padres, em frente ao Trapiche Julião, e operava com transporte de cargas e
passageiros entre a Bahia e o Rio de Janeiro117. A informação atesta que, apesar de ter
possivelmente descolado o eixo de seus negócios para a Bahia, ele continuava atuando
no Rio de Janeiro, pelo menos, por meio da navegação de cabotagem, atividade que,
como veremos, ocupou importante lugar entre seus negócios. Além disso, é possível
crer que o negociante comparecia ao Rio de Janeiro com certa frequência. Em uma
viagem realizada no ano de 1830, por exemplo, comprou de Jozé Buschenthal 100
apólices de Fundo Públicos118.
Foi também no ano de 1824 que encontramos o primeiro registro de embarcação
empregada no comércio negreiro de propriedade de Antonio Pedrozo de
Albuquerque119. Vale ressaltar que isso não quer dizer, necessariamente, que ele não
tenha realizado outras viagens antes, por conta própria ou em parceria, das quais não

115
AN. Fundo Graças Honoríficas. Albuquerque, Antonio Pedroso D/” e outros.
116
BN. HDB. Diario Fluminense (Rio de Janeiro). n. 87, v. 6, 13 de outubro de 1825. p. 2; e n. 77, v. 7, 7
de abril de 1826. p. 1 Chronica Maranhense (Maranhão). n. 284, v. 3, 5 de janeiro de 1841. p. 9. Diario
de Pernambuco (Pernambuco). Ano 17, n. 2, 4 de janeiro de 1841. p. 1. Pequeno Almanak do Rio de
Janeiro para 1843. Ano 3. Rio de Janeiro: Typ. Dos Editores Viuva Ogier e Filho, 1843. p. 74. Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1850. Ano
7, série 2, n. 2. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1850. p. 47. O Cearense (Ceará). Ano 9,
n. 792, 29 de janeiro de 1854. p. 2.
117
BN. HDB. Grito da Razão (Bahia). n. 20, 20 de abril de 1824. p. 4.
118
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). n. 201, v. 5, 22 de abril de 1831. p. 5.
119
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo... op. cit. p. 478.
52

tomamos conhecimento. Por outro lado, identificar uma viagem transatlântica em navio
de propriedade de Pedrozo implica pensar que, em meados da década de 1820, suas
áreas de atuação se expandiram para além dos limites do recém-independente Império
do Brasil.
O último registro de embarcação a ele pertencente empregada no tráfico
transatlântico é do barco Picão, viagem iniciada na Bahia em 1841 e finalizada em
1842120. Entre 1824 e 1842, Pedrozo organizou pelos menos 33 expedições negreiras
destinadas ao Rio de Janeiro e, principalmente, à Bahia, sobre as quais trataremos no
item seguinte deste capítulo121. É provável que esse número seja bem maior, visto que
os dados disponíveis atualmente para o tráfico transatlântico, especialmente para o
período do contrabando realizado a partir de 1831, representam apenas uma parcela do
total das viagens realizadas: como uma atividade criminosa desde então, era essencial
para o sucesso de uma expedição negreira que ela não deixasse vestígios.
Um indício de que Antonio Pedrozo de Albuquerque deve ter continuado
atuando no contrabando negreiro após 1842 está na sua própria escravaria. Quando seu
inventário foi aberto, em 1878, fora avaliada uma escravizada africana de nome
Constança, com idade estimada em 29 anos122. Estando com 29 anos em 1878, ela deve
ter nascido no ano de 1849, apenas um ano antes da assinatura da Lei Eusébio de
Queirós e 18 anos após a assinatura da Lei Feijó. Ainda que não seja possível confirmar
se Constança chegou ao Brasil em uma viagem organizada por Pedrozo, a presença de
uma africana tão jovem em sua escravaria indica que o negociante teve acesso ao
mercado transatlântico ilegal de escravos para o Brasil até o limite de seu
funcionamento.
Após se instalar na Bahia, mesmo que tenha diversificado cada vez mais seus
negócios, como veremos adiante, Pedrozo continuaria atuando diretamente na economia
de abastecimento. Conforme Jonas Vargas, ele concentrava o comércio de charque na
província com Antônio Ferreira Pontes e o também contrabandista negreiro Joaquim

120
TSTD. Voyages. Viagem 2247. Disponível em: http://www.slavevoyages.org. Acesso em: 01 de
fevereiro de 2019.
121
Em sua pesquisa, Pierre Verger localizou 31 saídas de embarcações negreiras de propriedade de
Antonio Pedrozo de Albuquerque. Enquanto isso, constam na base de dados do tráfico transatlântico 15
viagens negreiras cujo proprietário da embarcação era Pedrozo. Destas, não estão contidas na lista de
Verger apenas a embarcação Pedroso (1829) e a viagem negreira realizada pela embarcação Veloz, em
1836. Cf.: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo... op. cit. p. 478. TSTD. Viagens 1028, 1158, 1161, 2048,
2154, 2172, 2201, 2247, 2960, 2965, 2968, 2974, 2980, 2996 e 3068. Disponível em:
http://www.slavevoyages.org. Acesso em: 7 de janeiro de 2020.
122
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação
– 07/3191A/06.
53

Pereira Marinho. Além disso, em 1836, em meio aos problemas de abastecimento de


víveres em Salvador, ele fundou, com outros quatro negociantes da cidade, uma
companhia que tinha o objetivo de administrar o matadouro e os açougues públicos da
cidade. A empresa se dispunha a garantir o abastecimento da cidade, vender a carne a
um preço justo e não se contrapunha a participação de outros negociantes no
abastecimento de gado, desde que tivesse a primazia sobre a venda de carnes123.
A proposta, aceita pela câmara de vereadores em dezembro daquele ano, gerou
insatisfação em alguns segmentos envolvidos no abastecimento de carne, como os
marchantes e açougueiros, visto que o poder econômico exercido pelos membros da
companhia ameaçava a existência destes grupos. Além da mera fundação desta, a forma
como seus proprietários conduziram o negócio (por exemplo, descumprindo termos do
contrato) também gerou conflitos de interesses com a câmara de vereadores e,
certamente, com a população local, fazendo com que o controle legal do comércio de
carnes voltasse para a câmara em 1837124.
Naquele mesmo ano, Pedrozo alcançou uma das principais honras do período na
sociedade baiana, tendo sido eleito provedor da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, o
mais alto cargo da instituição125. A eleição para este cargo demonstra sua inserção e
aceitação por um restrito grupo da sociedade baiana e, além disso, evidencia que sua
participação no crime de contrabandear africanos escravizados para o Brasil não era
vista como algo negativo pelos irmãos da Santa Casa, dentre os quais, certamente,
estavam incluídos grandes senhores de escravos dependentes deste comércio para suprir
suas escravarias.
Os registros localizados no arquivo da Santa Casa relativos ao período em que
Pedrozo ocupou o cargo de provedor da instituição fornecem algumas pistas de como
fora sua gestão. Aparentemente, ele se ocupou das atividades ordinárias, presidindo as
reuniões, dando conta das questões administrativas relativas ao funcionamento da
instituição e da loteria da Casa. Destaca-se no período de sua atuação a reforma do
hospital da Irmandade, atividade sobre a qual não conseguimos levantar mais
informações126.

123
GRAHAM, Richard. Alimentar a cidade: Das vendedoras de ruas à reforma liberal (Salvador, 1780-
1860). São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 198-202.
124
Ibidem. Sobre o abastecimento da cidade de Salvador no século XIX ver também: MORENO, José
Ricardo. Açambarcadores e Famélicos: Fome, carestia e conflitos em Salvador (1858 a 1878). Tese
(Doutorado em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2015.
125
ASCMBA. Livro 7º de Termos de Irmãos, n. 07 (1834 - 1863). fl. 14.
126
ASCMBA. Livro 1º das Actas da Mesa. 1790-1860.
54

Foi ainda durante o período em que ocupou o cargo de provedor de Santa Casa
de Misericórdia, no período das chamadas revoltas regenciais, que Pedrozo deu mais
demonstrações de seu posicionamento político, afinado com as tendências
centralizadoras. O primeiro deles trata-se, na verdade, de um não posicionamento, e se
refere à prisão e fuga dos líderes da Revolução Farroupilha, Bento Gonçalves da Silva,
na Bahia, em 1837. Bento Gonçalves havia sido preso em 1836, pouco tempo depois da
proclamação da República de Piratini. Encarcerado na Fortaleza da Laje, no Rio de
Janeiro, fora transferido para o Forte do Mar, na Bahia, após uma tentativa infrutífera de
fuga. Contudo, a fortificação baiana não seria páreo para Gonçalves, que, contando com
apoio de maçons e conterrâneos, conseguiu fugir a nado do Forte do Mar127.
Além de todo esse desfecho novelesco ocorrido na Bahia, um dos irmãos de
Pedrozo, José Pedrozo de Albuquerque, como mencionado anteriormente, teve
importante participação na Revolução Farroupilha, tendo sido Ministro dos Negócios da
Justiça e Interior da República de Piratini. A despeito disso, e do prestígio que o rio-
grandense Pedrozo desfrutava na província do Norte, não encontramos qualquer menção
do seu envolvimento, direto ou indireto, nestes acontecimentos, indício de que ele não
era simpatizante destas iniciativas separatistas.
A outra demonstração de seu posicionamento político, desta vez em uma
participação ativa, ocorreu durante os acontecimentos da revolta iniciada na Bahia em
1837 e conhecida posteriormente como Sabinada. Mais uma vez, Salvador foi palco de
uma das muitas insurreições que ocorreram no Brasil na primeira metade do século
XIX. A queda do Regente Diogo Feijó, em setembro de 1837, havia trazido
instabilidade e insatisfações relativas aos rumos da política imperial por parte dos
grupos políticos mais liberais, fazendo-se refletir ao longo das províncias do Império.
Como demonstração desta insatisfação, no início de novembro daquele ano ocorreu uma
revolta na Bahia, liderada por Francisco Sabino. A Câmara Municipal de Salvador foi
tomada, e no sétimo dia daquele mês foi instaurado o governo rebelde-separatista,
dando início ao que consideravam ser a segunda independência da Bahia128.

127
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma certa Revolução Farroupilha. In: GRINBERG, Keila. SALLES,
Ricardo. (org.). O Brasil Imperial: volume II, 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p.
247.
128
Duas interpretações sobre a Sabinada podem ser encontradas em Leite e Souza. Cf.: LEITE, Douglas
Guimarães. Sabinos e diversos: emergências políticas e projetos de poder na revolta baiana de 1837.
Salvador: EGBA, Fundação Pedro Calmon, 2007. SOUZA, Paulo César. A Sabinada: a revolta separatista
da Bahia (1837). São Paulo: Brasiliense, 1987.
55

Ao longo dos quatro meses em que os rebeldes ocuparam Salvador,


oportunidade em que Pedrozo teve algumas de suas propriedades na cidade incendiadas,
a resistência foi organizada no Recôncavo. Aqui, mais uma vez, encontramos o
negociante lutando ao lado das forças centralistas imperiais. Ele fez parte de um grupo
de ―beneméritos Cidadãos‖ que estava encarregado de receber na Ilha de Itaparica os
voluntários, cidadãos e membros da Guarda Nacional, que formariam o batalhão
provisório Defensores do Imperador, com o objetivo de restaurar a ordem na capital da
província129.
Pouco tempos depois da contenção da revolta, em abril de 1838, Pedrozo, na
condição de deputado do Corpo do Comércio Nacional, com os também deputados
Wencesláo Miguel de Almeida e João Gonçalves Cezimbra, felicitava o Presidente da
Província da Bahia pela restauração da ordem130. Enquanto isso, em julho daquele ano,
ele ofereceu ao presidente da província um empréstimo de 40:000$000rs, para serem
empregados nos reparos aos danos causados pelos ―patriotas republiqueiros”.131 O
empréstimo, porém, não foi aceito pela tesouraria da província, que afirmou não estar
autorizada a contrair empréstimos, ainda que gratuitos132.
A partir de então observamos um maior envolvimento de Pedrozo com diversos
setores nas esferas pública e política da Bahia. No ano de 1839, ele fora Deputado do
Corpo do Comércio Nacional, membro de uma Comissão encarregada da Administração
do Teatro Público de Salvador, Tesoureiro da mesma instituição e Tesoureiro do Cofre
dos Órfãos133.
Na década de 1840, Antonio Pedrozo de Albuquerque era proprietário de um
trapiche alfandegado em Salvador, o Trapiche da Ponte134, que deve ter ocupado uma
posição estratégica para os seus negócios, dado às atividades em que estave envolvido,
de navegação de cabotagem e do tráfico transatlântico (e mais tarde de navegação a
vapor). Possivelmente, seja este o mesmo trapiche mencionado em seu inventário, em
1878. Naquela altura, o trapiche, situado na Rua das Pedreiras, na Freguesia da Nossa

129
BN. HDB. O Sete d’Abril (Rio de Janeiro). n. 521, 31 de janeiro de 1838. p. 1.
130
BN. HDB. O Sete d’Abril (Rio de Janeiro). n. 552, 30 de abril de 1838. p. 3.
131
BN. HDB. A Phenix (São Paulo). n. 46, 7 de julho de 1838. p. 1.
132
BN. HDB. Correio Official (Rio de Janeiro). n. 38, v. 2, 16 de agosto de 1838. p. 2.
133
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 6, n. 22, 26 de janeiro de 1839. p. 1.; n. 141, 6 de julho de
1839. p. 4; n. 267, 13 de dezembro de 1839. p. 3.
134
BN. HDB. Almanach para o anno de 1845. Bahia: Typ de M. A da S. Serva, 1845. p. 256.
56

Senhora da Conceição da Praia, instalado em terreno da marinha e medindo 24 metros


de largura e 5,5 metros de comprimento, fora avaliado em 20:000$000rs135.
De Rio Pardo ao Rio de Janeiro e, então à Bahia, até meados da década de 1840
Antonio Pedrozo de Albuquerque se inseriu em redes socioeconômicas por meio
principalmente do comércio de charque, do comércio negreiro e da navegação de
cabotagem e transatlântica. Entretanto, com mencionado no início deste capítulo,
também foram de suma importância para a consolidação de sua fortuna a sua
participação em atividades ilícitas, as quais passaremos a abordar a seguir.

1. 1. 2. “O criminoso comércio da moeda de cobre e o bárbaro tráfico de africanos”136

Como vimos no item anterior deste capítulo, poucos anos após se instalar no Rio
de Janeiro, Antonio Pedrozo de Albuquerque já dispunha de contatos com pelo menos
dois negociantes envolvidos no comércio de escravos, Antonio Joaquim Maia e Antonio
da Silva Porto, este também atuante no tráfico transatlântico. Além disso, sabemos que
ele fora parceiro comercial do negociante Antônio Soares de Paiva, que atuava no
tráfico interno do Rio de Janeiro para o Rio Grande Sul. A partir dos vínculos com esta
comunidade de traficantes137, Pedrozo deve ter tido os primeiros contatos com o tráfico
transatlântico, passando a atuar na atividade provavelmente em 1824, quando o negócio
ainda era parcialmente legal.
Naquele período, efervesciam as discussões em torno da (des)continuidade do
comércio negreiro no recém proclamado independente Império do Brasil, visto que a
independência colocava em questão os acordos firmados entre Portugal (do qual o
Brasil fora até então integrante) e Grã-Bretanha, relativos à proibição de se adquirir
escravos em áreas que não integrassem os territórios portugueses (1810) e ao norte da
linha do Equador (1815). A independência, em tese, eximia o Brasil de continuar
cumprindo os acordos firmados entre os países europeus, porém o compromisso com o
fim do comércio transatlântico negreiro foi colocado com uma das questões centrais

135
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação
– 07/3191A/06.
136
AN. Fundo Graças Honoríficas. Albuquerque, Antonio Pedroso D/” e outros.
137
Comunidade de traficantes é o termo utilizado por Manolo Florentino para designar as redes
econômicas, pessoais e afetivas formadas em torno do comércio negreiro. De acordo com o autor, em
alguns casos, a inserção nestas redes facilitava o acesso ao mercado negreiro. Cf.: FLORENTINO,
Manolo. Em costas negras... op. cit. p. 215.
57

para o reconhecimento da independência brasileira pela Grã-Bretanha138. A pressão por


um posicionamento do Império contrário ao negócio, contudo, teve um resultado
reverso do esperado: o número de escravos africanos desembarcados no Brasil, que
havia apresentado uma significativa queda em 1823, em virtude das instabilidades
provocadas pela proclamação da independência, voltou a subir em 1824139.
A atividade manteve uma tendência ascendente até atingir um pico em 1829140.
Isto porque no ano de 1826 foi assinado Tratado Anglo-Brasileiro de Aliança e
Amizade, ratificado no ano seguinte, que estipulava a supressão do tráfico transatlântico
para o Brasil dali a três anos. Por conseguinte, a partir de 1830 este comércio deveria ser
proibido141. Assim, conforme Manolo Florentino, a iminência do fim do comércio
negreiro, principal forma de reposição da mão de obra escrava no Brasil, fez com que a
demanda por escravos africanos aumentasse. Segundo o autor, entre 1826 e 1830, as
elites escravocratas do Sudeste, por exemplo, passaram a adquirir um considerável
número de cativos, com o objetivo de formar uma reserva de mão de obra 142. A grande
demanda por escravos africanos, o contato prévio com agentes inseridos no comércio
negreiro e a alta lucratividade que este negócio oferecia, devem tê-lo feito um grande
atrativo para Antonio Pedrozo de Albuquerque, que, como vimos, já desfrutava naquela
altura de algum cabedal econômico e político.
Entre 1824 e 1829, Antonio Pedrozo de Albuquerque realizou, pelo menos, 22
expedições negreiras para o continente africano (Quadro 1). Em 1827, ano de ratificação
do Tratado de Aliança e Amizade entre Brasil e Grã-Bretanha, foram não menos do que
sete expedições. Do total das expedições organizadas no período, aquelas cujo local
origem e destino foi possível identificar, foram iniciadas e desembarcaram cativos na
Bahia e no Rio de Janeiro. Pedrozo atuava como traficante, desta forma, nos dois
maiores portos de recepção do tráfico transatlântico de escravos para o Brasil, o que
aponta para a sua projeção econômica nestas praças comerciais do Império.

138
BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico... op. cit.
139
Estima-se que em 1822 foram 57.145 escravos africanos desembarcados, enquanto em 1823, foram
38.343, uma queda de 33%. Em 1824, o número de desembarcados foi de 40.635. Cf.: TSTD. Disponível
em: <http//www.slavevoyages.org/>. Acesso em: 2 de abril de 2018.
140
O número de escravos africanos desembarcados no Brasil entre 1825 e 1830 foi: em 1825, 45.916; em
1826, 61.817; em 1827, 63.101; em 1828, 62.744; em 1829, 77.381; em 1830, 54.142; e em 1831, 5.371.
Cf.: TSTD. Disponível em: <http//www.slavevoyages.org/>. Acesso em: 2 de abril de 2018.
141
BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico... op. cit. VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo... op. cit.
142
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras... op. cit. p. 43.
58

Quadro 1 - Expedições negreiras de Antonio Pedrozo de Albuquerque, 1824-1829.

Local de
Ano Local de
Nome da Início da Aquisição Escravos Escravos
de Bandeira Desembarque Resultado
Embarcação Construção viagem de Embarcados desembarcados
saída de Escravos
Escravos
Aliança das
1824 - - - - - - - Completa
Nações
Visconde de
1824 São - - - - - - - Completa
Lourenço
1825 Aliança - - - - - - - Completa
1825 Imperatriz Filadélfia - - - - - - Completa
Novo
1825 - Portugal Bahia Badagry 273 Bahia 250 Completa
Brilhante
Príncipe de
1826 Filadélfia Brasil Bahia Ajudá 608 Freetown 579 Apreendido
Guiné
Novo
1826 - - - - - - - Completa
Brilhante
1826 Vênus - Brasil Bahia Ajudá 191 Freetown 188 Apreendido
1826 Imperatriz - - - - - - - Completa
1827 Despique - - - - - - - Completa
Terceira
1827 - - - - - - - Completa
Rosália
1827 Gaivota - - - - - - - Completa
1827 Carolina - - - - - - - Completa
1827 Venturoso - Portugal Bahia - - - - Apreendido
1827 Crioula - Brasil Bahia Calabar 308 Freetown 289 Apreendido
1827 Flor da - - - - - - - Completa
59

Etiópia
Terceira
1828 - Portugal Bahia - - - - Apreendido
Rosália
1829 Campeadora - Brasil Bahia Rio Congo 267 Bahia 240 Completa
1829 Poderoso - - - - - - - Completa
Rio de
1829 Pedroso - - Rio Congo 528 Rio de Janeiro 500 Completa
Janeiro
Flor de
1829 - - Bahia Rio Congo 143 Bahia 129 Completa
Etiópia
1829 Carolina - - - - - - - Completa
Elaboração própria.
Fontes: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo... op. cit. p. 478. TSTD. Viagens 1028, 2960, 2965, 2968, 2974, 2980, 2996 e 3068. Disponível em:
http://www.slavevoyages.org. Acesso em: 7 de janeiro de 2020.
60

É bastante provável que o número de viagens realizadas por Pedrozo nesse


período tenha sido ainda maior. Indícios neste sentido podem ser encontrados na base
de dados do tráfico transatlântico Voyages. Vejamos o sugestivo caso do brigue de
nome Pedroso. Em 23 de dezembro de 1829, a embarcação, com bandeira portuguesa,
propriedade de Antonio Pedrozo de Albuquerque e comandada pelo capitão Gaspar
Francisco, encerrou com sucesso uma expedição negreira, desembarcando 500 escravos
africanos no Rio de Janeiro, trazidos da região do Rio Congo143. No início daquele ano,
em 13 de fevereiro, uma embarcação de nome Pedroso, também sob comando de
Gaspar Francisco, desembarcou na Bahia 503 escravos africanos escravizados trazidos,
igualmente, da região do Rio Congo144.
Mesmo que o nome do proprietário da embarcação não tenha sido especificado
no caso da viagem realizada em fevereiro, acreditamos que também se tratava de
Antonio Pedrozo de Albuquerque, dada a coincidência do nome, volume da carga e
comando da embarcação. A despeito disso, para fins de realização do trabalho, optamos
por incluir apenas as viagens nas quais o nome de Antonio Pedrozo de Albuquerque
fora especificado.
Pedrozo deve ter auferido grandes lucros destas viagens. Para o tráfico entre o
Rio de Janeiro e Luanda, Manolo Florentino estimou que o rendimento médio líquido
de uma viagem negreira era de 19,2% entre 1810 e 1820, havendo uma tendência geral
de aumento da lucratividade no decorrer destes anos. Segundo o autor, este rendimento
era maior, por exemplo, do que o já expressivo lucro médio anual de uma fazenda de
café, que podia chegar até 15%145. Mas, as expedições negreiras por ele organizadas
também lhe renderam algumas perdas, especialmente porque, mesmo antes da primeira
proibição do tráfico negreiro para o Brasil, em 1831, ele já contrabandeava escravos.
Como é possível verificar a partir do Quadro 1, cinco (22,7%) das 22 expedições
negreiras organizadas pelo traficante entre 1824 e 1829 foram apreendidas: o brigue
Príncipe de Guiné (1826), o bergantim Vênus (1827), o brigue Venturoso (1827), o
bergantim Crioula (1827) e a escuna Terceira Rosália (1828). Todas foram condenadas
pelo Tribunal da Comissão Mista de Serra Leoa. Mas, o que teria levado a apreensão
destas embarcações? A resposta é encontrada no local em que elas estavam adquirindo

143
TSTD. Viagem 1028. Disponível em: http://www.slavevoyages.org. Acesso em: 7 de janeiro de 2020.
144
TSTD. Viagem 886. Disponível em: http://www.slavevoyages.org. Acesso em: 7 de janeiro de 2020.
145
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras... p. 176-177.
61

escravos: o Príncipe de Guiné e o Vênus em Ajudá, e o Crioula em Calabar, localidades


situadas ao norte da linha do Equador146.
Como mencionado anteriormente, em 1815, Portugal e Grã-Bretanha assinaram
um tratado, reconhecido mais tarde pelo Brasil independente, que proibia o tráfico de
escravos ao norte da linha do Equador147. Deste modo, o Príncipe de Guiné, o Vênus e o
Crioula foram apreendidos por estarem comerciando em uma região onde traficar
escravos era ilegal. No entanto, nesta área, estavam situadas importantes regiões
fornecedoras de escravos africanos para a Bahia, um dos destinos da mercadoria
humana comercializada por Pedrozo, dentre as quais se destaca o golfo de Benim 148, o
que deve tê-lo motivado a atuar na criminalidade.
A perda destas embarcações, mesmo que certamente causasse alguns
transtornos, não deve ter implicado necessariamente prejuízos no quadro geral dos
negócios negreiros por ele realizados. Negociantes que mantinham uma atuação
constante no tráfico, os chamados traficantes habituais, como era o seu caso, estavam
sujeitos a menores prejuízos, entre outros fatores, por estarem mais solidamente
inseridos no mercado149. Além disso, é necessário refletir quanto contrabando bem-
sucedido deve ter existido para cada uma destas cinco embarcações apreendidas, sem
que tenha restado qualquer registro para a posteridade.
Em 1830, entrou em vigor o item do tratado de Aliança e Amizade entre o Brasil
e a Grã-Bretanha, firmado em 1826 e reconhecido em 1827, relativo ao encerramento
do tráfico transatlântico para o Brasil. No ano seguinte, em 7 de novembro de 1831, foi
promulgada a primeira lei nacional que proibia o comércio negreiro para o Império.
Com isso, até 1835, embora não tenha cessado, o tráfico transatlântico de escravos para
o Brasil diminuiu consideravelmente, comparado com os cinco anos imediatamente
anteriores.

146
O brigue Venturoso e a escuna Terceira Rosália, por sua vez, sequer chegaram a ser carregados,
ambos foram interceptados pela marinha britânica antes de embarcar a carga humana. TSTD. Viagens
2965, 2968, 2980, 2974 e 2996. Disponível em: http://www.slavevoyages.org. Acesso em: 04 de fevereiro
de 2019.
147
BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico... op. cit. p. 24.
148
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo... op. cit.
149
A historiografia tende a distinguir os negociantes que atuaram no tráfico negreiro entre traficantes
habituais, aqueles que tinham participação constante na atividade, e traficantes eventuais ou
especuladores, os quais ingressavam no negócio em momentos pontuais, em conjunturas de alta de preço
e de demanda. Cf.: FLORENTINO, Manolo. Em costas negras... op. cit. ALBUQUERQUE, Débora de
Souza Leão; VERSIANI, Flávio Rabelo; VERGOLINO, José Raimundo Oliveira Financiamento e
organização do tráfico de escravos para Pernambuco no século XIX. In: Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada: Texto para discussão. Brasília: IPEA, 2012.
62

Os dados sobre os desembarques no período ratificam que, ao menos


inicialmente, houve uma crença na efetiva aplicação da lei de 1831150. Como
demonstrado por Tâmis Parron, na primeira fase da ilegalidade do tráfico,
correspondente ao período compreendido de 1831 e 1835, houve um contrabando
residual. Isso se deve, segundo o autor, ao fato de que durante essa fase, as ―[...]
atividades do comércio não contaram com apoio explícito ou maciço de parlamentares,
e o discurso a respeito do tráfico o repelia fortemente [...]‖151. Além disso, fatores como
as perseguições britânicas152 e a necessidade de reestruturação do tráfico no período da
clandestinidade153, certamente tiveram influência sobre a diminuição no volume de
desembarques.
A partir de meados da década de 1830 o agora, contrabando negreiro, adquiriu
um caráter sistêmico: contando com o suporte de parlamentares engajados na defesa da
escravidão, da imprensa, de autoridades locais e da população o tráfico voltou a crescer,
tendo permanecido ativo a década de 1850154.
A criminalização do tráfico transatlântico levou a saída de muitos negociantes da
atividade, outros tantos aproveitaram a nova conjuntura, de grandes riscos, mas de
proporcionalmente altos lucros, para nela ingressar. Outros que já detinham experiência
predecessora, permaneceram. Este foi o caso de Antonio Pedrozo de Albuquerque.
Como vimos anteriormente, o negociante já atuava no contrabando, adquirindo escravos
ao norte da linha do Equador, antes mesmo do tráfico transatlântico ser totalmente
proibido. Portanto, ele não deve ter encontrado muitos empecilhos, morais ou
estruturais, para se adaptar às novas demandas da atividade.
Entre 1833 e 1842, Antonio Pedrozo de Albuquerque realizou pelo menos 11
expedições negreiras (Quadro 2). Destas, apenas uma (9%), o brigue Veloz, não
conseguiu completar a travessia. A embarcação, de construção estadunidense e sob
bandeira portuguesa, saiu da Bahia em 28 de maio de 1836 rumo ao continente africano.
Em Onim, no golfo de Benim, e, no caso, ao norte da linha do Equador, embarcaram
526 escravos, o que indica que Antonio Pedrozo de Albuquerque permanecia buscando

150
Cf.: GRINBERG, Keila. MAMIGONIAN, Beatriz (org). Dossiê... op. cit.
151
PARRON, Tâmis. Política do tráfico negreiro: o Parlamento imperial e a reabertura do comércio de
escravos na década de 1830. In: Estudos Afro-Asiáticos. Ano 29, nos 1/2/3. jan-dez. 2007, p. 110.
Disponível em: https://bgmamigo.paginas.ufsc.br/2011/05/25/dossie-para-ingles-ver-revisitando-a-lei-de-
1831/. Acesso em 11: de fevereiro de 2020.
152
BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico... op. cit.
153
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. O desembarque... op. cit.
154
PARRON, Tâmis. Política do tráfico... op. cit. RODRIGUES, Jaime. O infame comércio... op. cit.
YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão... op. cit.
63

adquirir escravos naquela região. Mas nem tudo saiu como previsto e uma insurreição
escrava levou à captura da embarcação e sua condenação pela comissão mista de Serra
Leoa155. A despeito da apreensão do Veloz, é possível estimar que as atividades
criminosas de Antonio Pedrozo de Albuquerque no contrabando negreiro tiveram um
índice bastante elevado, mais de 90% de sucesso.
Outro aspecto a ser destacado no que diz respeito às viagens de Antonio Pedrozo
de Albuquerque, também exemplificado pelo caso do brigue Veloz, é o emprego de
embarcações construídas nos Estados Unidos da América. Sabe-se que durante o
período do tráfico ilegal o emprego de embarcações estadunidenses no comércio
negreiro foi significativo156. Das viagens organizadas por Antonio Pedrozo de
Albuquerque, cujo local de construção das embarcações foi possível identificar, todas
foram construídas nos Estados Unidos, sendo duas destas na Filadélfia. A proveniência
das embarcações da Filadélfia chama atenção pelo fato de ser uma região onde, como
veremos, John Smith Gillmer atuava.
As expedições de contrabando iniciadas por Pedrozo entre 1833 e 1841 tiveram
como local de partida e destino, majoritariamente, a Bahia. A historiografia sobre o
tráfico já demonstrou que, em virtude principalmente da fiscalização britânica, para que
o comércio negreiro continuasse sendo realizado após 1831, inúmeras estratégias foram
empregadas pelos traficantes. Algumas delas incluíram a utilização de documentos,
bandeiras e passaportes falsos; o emprego de embarcações de menor porte; a equipagem
de navios com tripulantes de nacionalidade estrangeira; e o estabelecimento de novas
rotas e locais de desembarque157. Sobre este último aspecto, demonstramos em trabalhos
anteriores que a região do atual território de identidade de Baixo Sul da Bahia passou a
ser um dos locais de desembarque do contrabando negreiro na província neste
contexto158. Além disso, sabemos por seu registro de viagem para o Morro de São
Paulo, que Antonio Pedrozo de Albuquerque atuava naquela região. Sendo assim, é
possível que parte escravos trazidos para a Bahia em viagens negreiras por ele
organizadas tenham sido ali desembarcados.

155
TSTD. Viagem 3068. Disponível em: http://www.slavevoyages.org. Acesso em 12 de janeiro de 2020.
156
MARQUES, Leonardo. The United States and the Transatlantic Slave Trade to the Americas, 1776-
1867. New Haven: Yale University Prees, 2016.
157
Cf.: CONRAD, Robert. Tumbeiros... op. cit. VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo... op. cit.
RODRIGUES, Jaime. O infame comércio... op. cit. CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. O
desembarque... op. cit.
158
Cf.: SANTOS, Silvana Andrade dos. Nestas costas... op. cit. SANTOS, Silvana Andrade dos. Nos
terrenos... op. cit.
64

Quadro 2 - Expedições negreiras de Antonio Pedrozo de Albuquerque, 1833-1841.

Local de
Ano Local de
Nome da Início da Aquisição Escravos Escravos
de Bandeira Desembarque Resultado
Embarcação Construção viagem de Embarcados desembarcados
saída de Escravos
Escravos
Novo
1833 - - - - - - - Completa
Destino
Flor da
1833 - - - - - - - Completa
Etiópia
1834 Veloz - - - - - - - Completa
1836 Veloz EUA Portugal Bahia Onim 526 Freetown 469 Apreendido
1840 Picão - - - - - - - Completa
1840 Coquete - Brasil Bahia África 307 Bahia 277 Completa
1840 Picão - Brasil Bahia África 611 Bahia 550 Completa
Pedro
1840 - Portugal Bahia África 307 Bahia 277 Completa
Segundo
1841 Picão - Brasil Bahia África 538 Bahia 480 Completa
1841 Picão - Brasil Bahia África 336 Bahia 300 Completa
1841 Picão - Brasil Bahia África 498 Bahia 450 Completa
Elaboração própria
Fontes: VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo... op. cit. p. 478. TSTD. Viagens 2048, 2154, 2172, 2201, 2247 e 3068. Disponível em:
http://www.slavevoyages.org. Acesso em: 8 de janeiro de 2019.
65

Correspondências de juízes da comarca de Valença enviadas para a presidência


da província da Bahia também apresentam indícios neste sentido. Em 1837, o juiz de
direito do distrito de Boipeba procedeu investigação para averiguar uma suspeita de
desembarque de escravos na Barra de Carvalhos, em propriedade de Antonio Pereira
Franco. Mesmo que ao final da investigação o juiz tenha declarado à presidência da
província ter concluído que os escravos ali desembarcados já eram ladinos, os seus
relatórios apontam para o sentido oposto. Importa ressaltar, para os fins deste estudo,
que Antonio Pereira Franco era amigo de Antonio Pedrozo de Albuquerque159, sendo
provável que os escravos ali desembarcados fossem provenientes de viagens negreiras
organizadas por este.
Como demonstrado por Marcus Carvalho, nos rearranjos provocados pela
reorganização do tráfico ilegal após 1831 em Pernambuco, o acesso ou a propriedade de
praias apropriadas para a realização de desembarques se tornou um aspecto muito
relevante. Isso fez com que traficantes adquirissem áreas adequadas para a realização de
desembarques ou que os grandes fazendeiros, senhores de engenho e cafeicultores
passassem, segundo seu interesse, a atuar diretamente no tráfico. De acordo com ele,
durante o período de contrabando foi se tornando mais difícil separar o traficante do
senhor de engenho que controlava a praia, entre os quais deveria haver estreitos acordos
mercantis, podendo se falar mesmo na categoria senhor de engenho-traficante160, como
também parece ter sido o caso de Antonio Pedrozo de Albuquerque.
Dos inúmeros africanos escravizados que foram trazidos para o Brasil durante o
período em que o tráfico fora ilegal nas embarcações de Pedrozo, seguramente, parte
deles foi incorporada à sua escravaria. Quando ele faleceu, em 1878, possuía 559
escravos, divididos entre suas propriedades rurais e urbanas, na capital e no interior da
província. Sua escravaria era composta por 61,2% de escravos crioulos (342) e por
38,3% de escravos africanos (214), para três dos 559 escravos não foi possível
identificar a origem. A taxa de africanidade da escravaria era bastante alta,

159
Em 23 de outubro de 1860, o Correio da Tarde, periódico do Rio de Janeiro, reproduziu uma notícia
publicada pelo Jornal da Tarde, periódico da Bahia, na qual constava que em 27 de setembro ―[...] chegou
a Valença, a bordo do vapor Pedro II, o Sr. coronel Pedroso, na companhia de seus amigos os Srs.
Conselheiros Martins, Antonio Pereira Franco [...]‖. [Grifos meus]. Além disso, ambos atuaram na
segunda Companhia Baiana de Navegação a Vapor. Cf.: BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro).
Ano 6, n. 240, 23 de outubro de 1860. p. 2. BRASIL. Senado Federal. Decreto Nº 2.258 – de 25 de
setembro de 1858. Disponível em http://legis.senado.gov.br/
legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=64239&norma=80144. Acesso em: 02 de março de 2017.
160
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. O desembarque... op. cit.
66

especialmente se levarmos em consideração que mesmo o contrabando de escravos


havia sido abolido há 28 anos.
Dos 214 escravos africanos, foi possível estimar o ano de nascimento de 213. A
exceção foi da escrava Delfina, que não teve sua idade especificada, sendo considerada
muita velha. Para isso, subtraímos o ano de abertura do inventário, 1878, pela idade dos
escravos ali registrada. Se considerarmos, em um primeiro momento, como africanos
legalmente livres aqueles que ingressaram no Brasil em anos posteriores a 1831, temos
na escravaria de Antonio Pedrozo de Albuquerque 48 africanos com idade incompatível
com o comércio negreiro na legalidade, o que corresponde a 22,4% dos escravos
africanos e 8,6% da sua escravaria. Além destes, nascidos até 1831, 19 africanos
presentes na sua escravaria devem ter nascido entre 1830 e 1828, tendo então idades de
um a três anos em 1831. Excetuamos tais casos, visto que, embora seja provável que
estes 19 africanos tenham ingressado no Brasil por meio do contrabando ainda muito
jovens, suas idades são compatíveis com o tráfico parcialmente legal161.
Sabemos, contudo, que, mesmo antes de 1831, Antonio Pedrozo de Albuquerque
já contrabandeava escravos no tráfico que também era então parcialmente ilegal. Isso
porque cinco das seis embarcações do traficante apreendidas pela marinha britânica
foram capturadas antes de 1831. Assim, optamos por montar um segundo cenário. Se
estabelecermos como marco para o tráfico ilegal não o ano de 1831, da Lei Feijó, mas o
ano de 1815, quando ficou proibido o comércio de escravos ao norte da linha do
Equador, o quadro se inverte brutalmente. Neste segundo cenário temos 75,2% (161)
dos africanos que, embora fossem legalmente livres, estavam criminosamente reduzidos
a condição de escravos nas propriedades do traficante. No total da escravaria, os
africanos legalmente livres passam a representar uma cifra de 28,8%.
Como fora dito no início deste capítulo, o caso que mais chama atenção dentre
todos é o da africana Constança, trabalhadora do engenho Boa Vista, na Ilha de

161
Sobre o tráfico transatlântico de crianças escravizadas para o Brasil ver GUTIÉRREZ, Horácio. O
tráfico de crianças escravas para o Brasil durante o século XVIII. In: Revista História, n. 120, p. 59-72,
jan-jul 1989. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/18592. Acesso em: 27 de
abril de 2018. VALENCIA VILLA, Carlos. FLORENTINO, Manolo. Abolicionismo inglês e tráfico de
crianças escravizadas para o Brasil, 1810-1850. In: História (São Paulo). v. 35, e. 78, 2016. p. 1-20.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/his/v35/1980-4369-his-35-e78.pdf. Acesso em: 26/03/2018.
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. O desembarque do menino conguês Camilo em Pernambuco,
ou, o comércio transatlântico de crianças escravizadas depois de 1831. In: Anais do 8º Encontro
Escravidão e Liberdade. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017. Disponível em:
http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/8encontro/Textos8/marcusjoaquimmacieldecarvalho
.pdf. Acesso em: 26 de março de 2018.
67

Itaparica. Estando com 29 anos em 1878, a africana deve ter nascido no ano de 1849,
apenas um ano antes da assinatura da Lei Eusébio de Queiróz e 18 anos após a
assinatura da Lei Feijó. Possivelmente, Constança estava entre as últimas levas de
africanos ilegalmente escravizados trazidos para a Bahia.
O exemplo de Antonio Pedrozo de Albuquerque não é um caso isolado. A
historiografia sobre o contrabando negreiro tem demonstrado que os traficantes não só
traziam os escravos que iriam compor as escravarias de propriedades rurais, como,
muitas vezes, eram também proprietários. Um caso emblemático neste sentido é o caso
dos Irmãos Breves, no Rio de Janeiro, estudado por Thiago Campos Pessoa. Além de
organizar viagens negreiras durante a primeira metade do século XIX, mantinham
fazendas destinadas à recepção dos cativos recém-chegados, comercializavam parte
destes entre os cafeicultores do sul fluminense e do Vale do Paraíba, assim como
empregavam escravos provenientes do tráfico ilegal em suas propriedades. Produtores
de mais de 1,5% do café exportado pelo Brasil na década de 1860, os irmãos Breves
detinham escravarias com altas taxas de africanidade. Conforme Pessoa, dos
escravizados adultos que faleceram nas fazendas de Joaquim de Souza Breves entre
1865 e 1875, por exemplo, 70 % eram africanos; destes, pelo menos 15% haviam
desembarcado no Brasil durante a ilegalidade do tráfico162.
Outra atividade ilícita na qual Pedrozo esteve envolvido a qual pudemos mapear
foi o contrabando de moedas ocorrido na Bahia na primeira metade do século XIX,
momento em que a falsificação de moedas feitas com este metal havia se alastrado na
província. A cunhagem de moedas de cobre na Bahia ocorreu pela primeira vez em
1823 na cidade de Cachoeira. As moedas haviam sido produzidas com a autorização do
governo interino da província, instalado na cidade, em virtude da demanda de meio
circulante provocada pela guerra de independência. Medida inicialmente temporária,
por uma série de fatores, como a diminuição da oferta de créditos mercantis,
ocasionadas em razão da saída de muitos negociantes portugueses da província, e a
carência de meio circulante, mesmo após o fim da guerra as moedas de cobre
permaneceram em circulação. Se, de um lado, interesses econômicos levaram a
continuidade da circulação da moeda cunhada pelo governo interino, de outro, a baixa
qualidade destas, a disponibilidade de matéria-prima para a fabricação, bem como a

162
Cf.: PESSOA, Thiago Campos. O comércio negreiro na clandestinidade: As fazendas de recepção de
africanos da família Souza Breves e seus cativos. In: Afro-Ásia. n. 47, 2013. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/afro/n47/a02n47.pdf. Acesso em: 11 de fevereiro de 2020. p. 43. PESSOA,
Thiago Campos. A indiscrição… op. cit.
68

lucratividade possibilitada pela falsificação e a permissividade das autoridades


provinciais em relação ao crime favoreceram a atuação dos falsários163.
A falsificação de moedas de cobre se perpetuaria na Bahia até a década de 1850
e, segundo Mattoso, era incentivada por importantes negociantes da província (atuantes
tanto no meio comercial quanto no rural), um dos quais fora Antonio Pedrozo de
Albuquerque164. Apesar de que não se tenha mais informações a respeito da atuação de
Pedrozo neste negócio, é possível crer que seu envolvimento com a falsificação de
moedas, assim como no contrabando negreiro, era de amplo conhecimento. Por duas
vezes, em 1848 e 1860, ele buscou junto ao governo imperial, apoiado pelos presidentes
da província da Bahia em exercício, um título nobiliárquico ―com grandeza‖. No
entanto, não obteve sucesso. Quando o primeiro requerimento fora apresentado,
Pedrozo contava com 50 anos, e detinha, como afirmou, capacidade de sustentar as
honras sociais e econômicas relativa à obtenção de um título nobiliárquico. A despeito
disso, a honraria lhe fora recusada. As justificativas apresentadas para isso foram seu
envolvimento passado no contrabando negreiro e em negócios com moeda de cobre
falsa165.
Pedrozo negava veemente as acusações. Sobre o seu envolvimento no
―criminoso comércio de moeda de cobre falsificada‖, afirmou
[...] quando tinha na Bahia, o cobre de bom cunho valioso ágio, 40 por
cento sobre o mau, transferiu o suplicante da Corte para aquela
Província, violando as ordens que então existiam, cerca de 240
contos de reis; mas eram da melhor moeda do Império, mas a teve a
Presidência em suas mãos, mas lhe foi por ela mesma entregue! He
isso comerciar em moeda falsificada? Não, Senhor, nunca com tal
comércio maculou a sua probidade166. [grifo meu]

A contestação de Pedrozo se, de um lado, não apresenta indícios do seu


envolvimento direto com a falsificação de moedas, de outro, confirma, como apontando
por Kátia Mattoso, o aproveitamento da conjuntura para a realização práticas
especulativas. Talvez em um ato falho, suas próprias palavras ―violando as ordens que
então existiam‖ demonstram o reconhecimento de que havia realizado um negócio
ilícito, com a inserção de moedas de boa cunhagem na província.
Por sua vez, quanto à sua participação no contrabando negreiro, embora
reconhecesse que havia comerciado escravos para o Brasil, negava que tivesse tido

163
TRENTIN, Alexander. O derrame... op. cit.
164
MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX... op. cit. p. 512.
165
AN. Fundo Graças Honoríficas. Albuquerque, Antonio Pedroso D/” e outros.
166
Ibidem.
69

envolvimento com o ―bárbaro tráfico de Africanos‖. Para ele, atuando no trato ―[...]
nunca violou as leis do Império, nunca quis, violando-as, arriscar o que havia
licitamente ganho [...]‖167. Com suas palavras, Pedrozo demonstrava um nítido
reconhecimento da distinção entre o tráfico legal e o contrabando transatlântico, bem
como da necessidade de negar sua participação no último. A negativa à atuação em
apenas um destes períodos, o tráfico ilegal, indica também que ele tinha ciência de que
não seria possível desvincular totalmente sua imagem do tráfico negreiro, iniciativa,
ainda assim, infrutífera.

1. 2. Diversificação de investimentos

A partir de 1844, com a fundação da fábrica Todos os Santos, em sociedade com


Antonio Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer, Antonio Pedrozo de Albuquerque
deu início a um processo de expansão de investimentos para a indústria fabril, bancos e
transportes, entre outros. Vale recordar que este é um período muito próximo daquele
para o qual encontramos o último registro de viagem negreira organizada pelo
contrabandista (1842). Entretanto, a localização deste registro não implica
necessariamente que ele tenha sido a última viagem por ele organizada.
Assim, duas hipóteses são possíveis a respeito dos capitais que deram origem
aos investimentos, especialmente a fábrica Todos os Santos, ambas relacionadas à sua
atuação no contrabando negreiro. A primeira, de que Pedrozo tenha efetivamente
encerrado sua atuação no crime no início da década de 1840 e passado a direcionar seus
capitais para outros setores da economia, o que converge em grande medida com a
interpretação historiográfica clássica, a não ser pela questão cronológica. A segunda, de
que Pedrozo não tenha encerrado a atuação no tráfico ilegal em meados da década de
1840, e tenha realizado reinversões de parte dos lucros com ele obtidos para a indústria,
como forma, além de diversificar, de legitimar seus capitais provenientes de fontes
ilícitas.
Na nossa leitura, a segunda hipótese parece mais plausível, por uma série de
indícios relacionados tanto com o histórico pessoal de Antonio Pedrozo de Albuquerque
quanto com a fábrica Todos os Santos. Como relação à esfera pessoal, Pedrozo,

167
Ibidem.
70

primeiro, já infringia a legislação relativa ao comércio transatlântico antes de 1831,


adquirindo escravos ao norte da linha do Equador; segundo, permaneceu na atividade
após a sua proibição em 1831, obtendo altas taxas de sucesso; terceiro, detinha africanos
ilegalmente escravizados na sua escravaria que devem ter ingressado no Brasil nos
últimos anos do contrabando, como o caso de Constança, mencionado reiteradas vezes.
A respeito da fábrica, por sua vez, como aprofundaremos ao longo deste trabalho,
primeiro, os sócios de Pedrozo na firma Lacerda e Cia também estiveram envolvidos no
contrabando negreiro (John Smith Gillmer, em especial, estava no auge da sua atuação
na década de 1840); e, segundo, a fábrica foi estabelecida em uma região de
desembarques do contrabando negreiro na Bahia.
Ao longo de toda a década de 1850, Antonio Pedrozo de Albuquerque daria
continuidade ao processo de expansão de investimentos, passando também para o ramo
de bancos e modernização nos transportes. Sobre este período, dois aspectos são
passíveis de destaque: a ampla gama de investimentos realizados por Pedrozo na década
de 1850, portanto, após a promulgação da Lei Eusébio de Queirós, o que ratifica a
hipótese de que os capitais que financiaram estes investimentos tiveram sua principal
origem no contrabando negreiro; e a conciliação dos interesses de seus investimentos
com o da fábrica Todos os Santos, o que aponta para uma integração entre eles.
Como vimos, o negociante iniciou sua atuação no ramo dos transportes
marítimos ainda durante sua estadia no Rio de Janeiro, tanto no transporte de longa
distância, no tráfico transatlântico, quanto na navegação de cabotagem, possivelmente
para portos situados em locais como o Rio Grande no Sul e a Bahia. Quando se instalou
na província do Norte, continuou atuando no transporte de cargas e passageiros, a curta
e longa distância, além de ser proprietário de um trapiche, o que demonstra que
alcançou certa expansão e autonomia na realização de seus negócios.
Em 1852, Antonio Pedrozo de Albuquerque recebeu do governo imperial o
privilégio de 20 anos para navegação a vapor entre o porto de Salvador até Maceió, em
Alagoas, ao norte168; e até Caravelas, na Bahia, ao sul; passando, de sul a norte, por
Camamu, Ilhéus, Porto Seguro, Canavieiras e por Abadia (ou Rio Real) e Sergipe 169, no
que viria a ser a Companhia Santa Cruz de Navegação a Vapor. Tal investimento,
certamente, ia ao encontro dos interesses do governo da província da Bahia, visto que,

168
BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da Nona
Legislatura, Sessão de 1853. Tomo Primeiro. Rio de Janeiro: Typographia Paralmentar, 1876. p. 189.
169
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 10, n. 209, 27 de julho de 1853. p. 1.
71

desde o ano anterior o então presidente da província, Francisco Gonçalves Martins,


havia manifestado a intenção de organizar uma empresa de navegação a vapor que
pudesse prestar serviços tanto nas áreas do sul da província quanto estabelecer ligação
com outras províncias do norte do império170. Os vínculos existentes entre Antonio
Pedrozo de Albuquerque e Francisco Gonçalves Martins devem ter contribuído para que
ele tenha sido o recebedor do privilégio. Ambos era amigos pessoais, tendo, inclusive, o
filho do primeiro (Antonio Pedrozo de Albuquerque Filho) casado com uma das filhas
do segundo (Teodora Ignez Pessanha Martins)171.
Os vapores a serem empregados na Companhia Santa Cruz, cada um com
capacidade de 130 toneladas, foram encomendados em Londres, à Humphrys Tenmant e
Diycke, em julho de 1853, com a expectativa de fossem entregues entre o final daquele
ano e o início de 1854. Além da fabricação dos vapores, Pedrozo encomendou a reforma
de um terceiro vapor, o Conceição, já utilizado para navegação para Contiguiba, em
Sergipe172. Segundo a 13ª cláusula do contrato celebrado entre Pedrozo e o governo
imperial, e aprovada em 25 de maio de 1853 pela Comissão de Comércio, Indústria e
Artes da Câmara dos Deputados, formada pelos deputados Frederico de Almeida e
Albuquerque, Viriato Bandeira Duarte e Augusto Frederico de Oliveira, a aquisição dos
vapores da companhia estava isenta de direitos de transferência de propriedade ou
matrícula173.
Como citado, havia grande interesse por parte do governo provincial da Bahia
com relação ao estabelecimento da companhia de navegação a vapor, esse interesse era
partilhado também pela província de Sergipe, onde o contrato celebrado entre Pedrozo e
o governo imperial fora aprovado em 15 de setembro de 1853174. Inclusive, em 1854, o
negociante já contava com escritório na província175. Dada às dificuldades de transporte
do período, a criação da companhia era vista como algo de grande utilidade pública e
esperava-se que o contrato tivesse início ainda em 1853176. O não aprontamento das

170
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição à história dos transportes no Brasil: a Companhia
Bahiana de Navegação a Vapor (1839-1894). Tese (Doutorado em História). São Paulo: Universidade de
São Paulo, 2006. p. 101.
171
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 240, 23 de outubro de 1860. p. 2. OLIVEIRA,
Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 61. GRAHAM, Richard. Alimentar a cidade...
op. cit. p. 383.
172
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 10, n. 209, 27 de julho de 1853. p. 1.
173
BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da Nona
Legislatura, Sessão de 1853. Tomo Primeiro. Rio de Janeiro: Typographia Paralmentar, 1876. p. 281.
174
BN. HDB. O Correio Sergipense (Sergipe). Ano 16, n. 63, 17 de setembro de 1853. p. 1.
175
BN. HDB. O Correio Sergipense. (Sergipe). Ano 17, n. 82, 4 de novembro de 1854. p. 2.
176
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 28, n. 225, 14 de agosto 1853. p. 1.
72

embarcações no primeiro prazo (fins de 1853), contudo, fez com que a Companhia
iniciasse suas atividades apenas em janeiro de 1854177.
A primeira linha a entrar em operação fora a norte178. É possível crer que ela
fosse mais movimentada e/ou alvo de maior interesse por parte da Companhia. Apesar
de realizar inicialmente uma viagem por mês em cada linha (para o sul no dia 5 de cada
mês e para o norte no dia 1), ela logo passou a realizar duas viagens por mês na linha
norte (nos dias 1 e 15 de cada mês)179. Aparentemente, a linha sul era bem menos
movimentada, visto que em 1857 a companhia recebeu autorização para realizar apenas
uma viagem mensal nesta rota180.
Como demonstrado por Marcos Sampaio, isso pode ter se dado em virtude do
privilégio de navegação a vapor concedido a José Rodrigues Ferreira, em 3 de
novembro daquele ano, entre os portos do Rio de Janeiro e Caravelas. Diante disso, é
provável que os produtores locais da região de Caravelas tenham dado preferência a
realizar o escoamento de suas mercadorias para a Corte, em detrimento dos mercados
dos portos de atuação da Companhia Santa Cruz181. Por outro lado, é possível que as
províncias de Sergipe e Alagoas tenham encarado como vantajoso o estabelecimento da
linha de navegação a vapor para a Bahia, visto que poderiam tanto estreitar os laços
comerciais com esta, como exportar sua produção a partir do porto de Salvador182.
Além disso, é preciso levar em conta os próprios interesses de Antonio Pedrozo
de Albuquerque. Como aprofundaremos posteriormente, a Todos os Santos teve, ao
longo de toda sua existência, problemas relativos ao fornecimento de matéria-prima.
Desde 1849, dois anos após o estabelecimento entrar em operação, a sociedade Lacerda
e Cia passaria a comprar algodão das províncias de Alagoas, e mais tarde, também da
província de Sergipe (áreas cobertas pela atuação da Companhia Santa Cruz de
Navegação a Vapor) como forma de suprir a demanda por algodão da fábrica. Sendo
assim, os vapores que operavam na linha norte devem ter sido responsáveis pelo

177
BN. HDB. O Correio Sergipense (Sergipe). Ano 16, n. 58, 27 de agosto de 1853. p. 3.
178
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 12, n. 137, 19 de maio de 1855. p. 1.
179
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1855. Ano 1.
Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1854. p. 227.
180
BN. HDB. BRASIL. Ministério do Império. Relatório da Repartição dos Negócios do Império. Anexo
P. Decreto nº 1.928, de 25 de abril de 1857, alterando as condições annexas ao Decreto nº 1.038, de 30 de
agosto de 1852, relativas á Companhia Santa Cruz, de navegação a vapor.
181
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição à história dos transportes no Brasil: a Companhia
Bahiana de Navegação a Vapor (1839-1894). Tese (Doutorado em História). São Paulo: Universidade de
São Paulo, 2006. p. 97.
182
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição... op. cit. p. 101.
73

transporte da mercadoria, e, por conseguinte, a regularidade das viagens nesta direção


deveria estar relacionada à própria demanda de matéria-prima gerada pela fábrica.
Embora a Companhia realizasse viagens com regularidade, Antonio Pedrozo de
Albuquerque alegava que estava sofrendo prejuízos com a operação das linhas183.
Assim, em 1855, a câmara dos deputados autorizou o governo a fazer alterações no
contrato com ele celebrado184. O documento passou por revisão no ano de 1857. Entre
os termos alterados estavam o aumento da subvenção concedida a Pedrozo de
60:000$000rs para 84:000$000rs e a concessão de isenção da prestação de serviço na
guarda nacional dos empregados nacionais que trabalhassem a bordo dos vapores185.
Em 1858, a Companhia Santa Cruz se fundiu com outra empresa de navegação
que atuava na Bahia, a Companhia Bonfim, entre cujos sócios estavam Antonio
Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer, além do próprio Francisco Gonçalves
Martins, dando origem a segunda Companhia Bahiana de Navegação186. Pedrozo
continuou atuando a frente da nova Companhia, ocupando a direção da empresa 187. A
atuação da Companhia de Navegação à Vapor deve ter tanto gerado quanto demando
investimentos paralelos em outras atividades por Pedrozo. Em 1855, segundo ano de
funcionamento da Companhia Santa Cruz, ele aparece como proprietário de depósito de
carvão mineral em Salvador188, possivelmente utilizado como combustível para as
embarcações.
Também em 1852, quando teve início o projeto da Companhia Santa Cruz,
Pedrozo esteve à frente, com outros proprietários e negociantes da província, de um
projeto de criação de um banco hipotecário na Bahia. Esperava- se que o banco fosse
instalado até o ano de 1853 e havia expectativa por parte de alguns setores de que a
instituição, por meio da oferta de capitais, fosse amparar e contribuir com o
desenvolvimento de diferentes ramos de atividades na província189.

183
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 32, n. 291, 11 de dezembro de 1856. p. 2.
184
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 31, 224, 28 de setembro de 1855. p. 1; e n. 236,
12 de outubro de 1855. p. 2.
185
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 12, n. 137, 19 de maio de 1855. p. 1.
185
BN. HDB. BRASIL. Ministério do Império. Relatório da Repartição dos Negócios do Império. Anexo
P. Decreto nº 1.928, de 25 de abril de 1857, alterando as condições annexas ao Decreto nº 1.038, de 30 de
agosto de 1852, relativas á Companhia Santa Cruz, de navegação a vapor.
186
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição... op. cit. p. 127.
187
Ibidem. p. 128.
188
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1856. Ano 2.
Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1855. p. 323.
189
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 28, n. 252, 8 de novembro de 1852. p. 2.
74

Três anos depois, em 1855, Pedrozo realizou seu primeiro investimento em


ferrovias, no Rio de Janeiro, adquirindo 20 ações da Estrada de Ferro D. Pedro II pelo
total de 400$000rs (a 20$000rs cada ação)190. O investimento na Estrada de Ferro D.
Pedro II e a aproximação com este tipo de negócio deve tê-lo mobilizado a alçar voo
mais alto. Em 1860, ele encabeçou a iniciativa de criação de uma estrada de ferro na
Bahia, a Tram Road Paraguassú. A ferrovia deveria ligar a cidade de Cachoeira, no
Recôncavo, até a Chapada Diamantina, com um ramal para a vila de Feira Santana. As
obras deveriam incluir ainda a construção de uma ponte, ligando a cidade de Cachoeira
à vila de São Félix, do outro lado do Rio Paraguassú191.
A integração do vasto território da província da Bahia sempre foi um problema
para a administração provincial. A situação era ainda mais agravada nas comarcas do
sertão, onde havia uma grande dependência das precárias vias terrestres para transporte
de pessoas e mercadorias192. Embora as estradas de ferro aparecessem como opção ideal
para suprir este problema, segundo Kátia Mattoso, a província da Bahia carecia de
recursos para levar a frente este empreendimento193, passando a empreitada para a
iniciativa privada.
A autorização do governo imperial para a contratação Pedrozo e seus sócios para
a construção da estrada foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 18 de agosto e
1860194. A estrada de ferro deveria ser financiada pelo grupo por ele liderado, sem
qualquer subvenção pecuniária, garantia de juros ou ônus. Por outro lado, algumas
concessões foram feitas, como a isenção de tributos sobre os materiais importados para
a construção da estrada de ferro (máquinas, instrumentos e utensílios); concessão de
vinte léguas de terrenos devolutos nas matas do Orobó, na região da Chapada
Diamantina, ao lado da estrada, para estabelecimento dos trabalhadores contratados
(quando os trabalhos fossem terminados), e para a cultura do algodão; e privilégio para
a exploração de produtos químicos que a empresa encontrasse dentro da zona da

190
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 12, n. 182, 3 de julho de 1855. p. 1.
191
BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da
Undecima Legislatura, Sessão de 1861. Tomo 4. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional
de J. Villeneuve & C., 1861. p. 218.
192
Um importante panorama mais recente sobre as dificuldades de integração da Bahia no século XIX
pode ser encontrado em OLIVEIRA, Nora de Cássia Gomes. O Conselho Geral de Província... op. cit.
193
MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX... op. cit. p. 469.
194
BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados, Quarto Anno da Decima
Legislatura, Sessão de 1860. Tomo 3. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J.
Villeneuve & C., 1860. p. 200.
75

estrada, bem como isenção de direitos de importação para a aquisição de máquinas para
a exploração destes produtos195.
Pouco sabemos a respeito de quem eram os parceiros de Pedrozo nesta
empreitada. Por outro lado, detemos a informação de que, em 1865, o governo imperial
autorizou a construção da ferrovia. Para isto, fora formada uma companhia em Londres
e o contrato foi assinado no ano seguinte pelo inglês Charles Morgan. Os trabalhos de
construção da estrada de ferro foram iniciados em 1867, porém os negócios não
frutificaram. Dois anos depois, em 1869, com capital de 89.906 libras e apenas 25
quilômetros de estradas construídas, a empresa entrou em liquidação. Em 1879, a massa
falida foi comprada pelo engenheiro inglês Hugh Wilson, que deu início a
reorganização da Companhia196.
Entre as concessões feitas pela Câmara ao primeiro projeto de construção da
estrada de ferro, liderado por Pedrozo, não deixa de chamar atenção a doação de uma
área para cultivo de algodão, matéria-prima empregada na Todos os Santos. Sendo
assim, a concessão da área de cultivo de algodão vinha ao encontro da demanda de
matéria-prima gerada pela fábrica. Os registros apontam, portanto, para o fato de que,
embora realizadas em áreas diferentes, os interesses e investimentos de Pedrozo na
fábrica têxtil, na navegação a vapor e na estrada de ferro estavam integrados entre si.
Mais do que isso, é possível crer que, em alguma medida, a fábrica, primeiro e mais
duradouro investimento, tenha condicionado algumas de suas decisões empresariais.
Tal qual outros envolvidos com o tráfico transatlântico, na década de 1860
Pedrozo também participou de iniciativas diretamente ligadas aos projetos de
desenvolvimento agrícola e de substituição da mão de obra escrava197. Ele foi ainda

195
BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da
Undecima Legislatura, Sessão de 1861. Tomo 4. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional
de J. Villeneuve & C., 1861. p. 218.
196
Cf. MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX... op. cit. p. 471. ZORZO, Francisco Antonio. O movimento
de tráfego a empresa da Estrada de Ferro Central da Bahia e seu impacto comercial: das iniciativas
privadas inaugurais à encampação estatal (1865-1902). In: Sitientibus, Feira de Santana, n. 26, 2002.
Disponível em:
http://www2.uefs.br/sitientibus/pdf/26/o_movimento_de_trafego_da_empresa_da_estrada_de_ferro.pdf.
Acesso em: 06 de dezembro de 2018.
197
Em trabalhos anteriores, discutimos sobre os projetos do Imperial Instituto Bahiano de Agricultura de
substituição de mão de obra escrava e da formação de uma força de trabalho qualificada para que fossem
empregadas em diversos ramos de atividades econômicas na Bahia. Sobre isso ver: SANTOS, Silvana
Andrade dos. ―Qualquer remédio é de urgência‖: O fim do tráfico de escravos e a agricultura da Bahia no
século XIX. In: Anais do 7º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Curitiba:
Universidade Federal do Paraná, 2015a. Disponível em:
http://www.escravidaoeliberdade.com.br/congresso/index.php/E-/7/paper/viewFile/73/32. Acesso em: 17
de dezembro de 2018. SANTOS, Silvana Andrade dos. ―Knowledge is power‖: A criação da Escola
Agrícola da Bahia e o projeto de substituição da mão de obra escrava (1831-1877). In: Anais e eletrônicos
76

sócio do Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, em 1860198 e, posteriormente, em


1865, aparece como membro protetor da associação de colonização polaca na Bahia199.
A diversificação empreendida nos negócios de Pedrozo ocorreu a respeito não apenas
do investimento em novos ramos de atividades, mas também na modernização de
atividades tradicionais, como nos engenhos, visto que era proprietário de um engenho a
vapor existente na Ilha de Itaparica, em 1866200.
No que diz respeito à sua atuação política, com exceção de ter ocupado o posto
de Comandante e, posteriormente, Coronel Comandante da Guarda Nacional do
município de Itaparica (província da Bahia)201, ele não desfrutou de cargos diretos da
administração imperial. Atuava, como verificado, por meio de canais
indiretos/informais de poder. Além das participações políticas mencionadas
anteriormente, Pedrozo foi um dos diretores ou organizadores dos festejos do 2 de julho,
no ano de 1857202; diretor da companhia predial de Salvador, em 1860203; membro da
comissão de subscrição nacional, em 1863204; e membro de comissões de melhoramento
urbanos da cidade de Salvador em 1866 e 1871205.
Antonio Pedrozo de Albuquerque era um homem influente e bem relacionado,
devotado ao Império, como tivemos oportunidade de verificar, que mantinha, inclusive,
relativa proximidade com o Imperador. Na primeira semana de agosto de 1853, esteve
no Paço Imperial e o cumprimentou206. Seis anos mais tarde, em 1859, ele, com os

do XXVIII Simpósio Nacional de História. Florianópolis: ANPUH, 2015b. Disponível em:


http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1434398104_ARQUIVO_2015-Anpuh-
Knowledgeispower-versaofinal.pdf. Acesso em: 17 de dezembro de 2018.
198
BN. HDB. Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo Presidente da
Provincia o Conselheiro e Senador do Imperio Herculano Ferreira Penna em 10 de Abril de 1860.
Bahia: Typographia de Antonio Olavo da França Guerra, 1860. p. 249.
199
BN. HDB. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 45, n. 6, 7 de janeiro de 1865. p. 1. Diario
de Pernambuco (Pernambuco). Ano 41, n. 5, 7 de janeiro de 1865. p. 1.
200
BN. HDB. Brasil Historico. 2ª série. Tomo I. Rio de Janeiro: Typographia de Pinheiro & C., 1866. p.
280.
201
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1863. Ano 9.
Bahia: Typ. De Camillo de Lellis Hasson & C., 1863. p. 230. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 20,
n. 17, 17 de janeiro de 1864. p. 1. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 40, n. 25, 1 de fevereiro de
1864. Correio Sergipense (Sergipe). Ano 28, n. 11, 6 de fevereiro de 1864. p. 3.
202
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 199, 23 de julho de 1857. p. 1.
203
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1860. Ano 6.
Bahia: Typ. De Camillo de Masson & C., 1860. p. 321.
204
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 20, n. 40, 9 de fevereiro de 1863. p. 1.
205
BN. HDB. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial da Bahia pelo Excellentissimo
Presidente da Provincia o Commendador Manoel Pinto de Souza Dantas no dia 1º de Março de 1866.
Bahia: Typographia de Tourinho & C.ª, 1866. p. 28. Relatorio com que ao excelentissimo senhor
desembargador João Antonio de Araujo Freitas Henrique, presidente da provincia da Bahia, passou a
administração da mesma no dia 8 de Novembro de 1871, o 1º vice-presidente Excellentissimo senhor
dezembargador João José d’Almeida Couto. Bahia: Typographia do ―Correio da Bahia‖, 1871. p. 7.
206
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 12, n. 223, 13 de agosto de 1855. p. 1.
77

também comendadores Joaquim Pereira Marinho e Manoel José de Almeida Couto,


compôs a comissão encarregada de realizar os preparativos para a recepção ao
Imperador207 que visitaria a província no ano seguinte. Não é de se estranhar, portanto,
que o Imperador tenha pessoalmente ido visitar a fábrica têxtil Todos os Santos, como
veremos adiante.
Na década de 1860, durante a Guerra do Paraguai, mais uma vez se colocou ao
lado do Império fazendo doação tanto de capitais (20:000$000rs) quanto de panos de
algodão da Fábrica Todos os Santos para confecção de fardamentos para a tropa208.
Proprietário de um depósito de madeiras e de uma serraria a vapor, em Salvador209,
doou, em 1863, matéria-prima para a construção de um iate que o governo imperial
havia encomendado ao Arsenal da Marinha da Bahia210. Vale ressaltar que, em 1867, a
serraria contava com 20 operários entre livres (8), escravos (11) e libertos (1)211.
Outra atividade que Antonio Pedrozo de Albuquerque exerceu foi a de
comissário do açúcar. Segundo Francisco Marques de Góes Calmon, ele Atuava como
mediador entre os engenhos e o mundo externo, recebendo as caixas das mercadorias
que chegavam a Salvador e armazenando todas elas em seu trapiche, adiantando itens de
vestuário e alimentação, emprestando dinheiro e avalizando crédito, entre outros212.
Sinal de que havia acumulado tanto capitais quanto estabilidade e credibilidade na
sociedade baiana. Nas palavras do autor:
Antonio Pedroso de Albuquerque já era o vulto com a feição
açambarcadora. Tudo adquiria em paga das avultadas dívidas que com
elle tinham os senhores de engenho: fazia-se dono de engenhos,
recebia terras por toda parte, quarteirões inteiros de casas, edificava
outras, aceitava garantias hypothecarias e o ouro, a prata, e os
diamantes das antigas e abastadas famílias lhe enchiam a burra213.

207
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 5, n. 232, 11 de outubro de 1859. p. 2
208
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 22, n. 105, 17 de abril de 1865. p. 2; n. 246, 8 e 9
de setembro de 1865. p. 1; e n. 267, 30 setembro de 1865. p. 1. Publicador Maranhense (Maranhão).
Ano, 24, n. 215, 23 de setembro de 1865, p. 2.
209
BN. HDB. Almanak Administrativo, Commercial e Industrial da Província da Bahia para o anno de
1873. Ano 1. Bahia: Typographia de Oliveira Mendes & C., 1872. p. 36;47.
210
BN. HDB. Relatorio com que Exm. Snr. Conselheiro Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, presidente
da Provincia, passou interinamente a administração da mesma ao Exm. Senhor o Conselheiro Manuel
Maria do Amaral, vice-presidente, em 15 de dezembro de 1863. Bahia: Typ. Poggetti, 1864. p. 18.
211
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Mappa administrativo
dos operários da fábrica Sete de Setembro, em Itapagipe, do Comendador Antonio Pedrozo de
Albuquerque.
212
CALMON, Francisco Marques de Góes. Vida Econômico-Financeira da Bahia: elementos para a
história de 1808 a 1899. Salvador: Fundação de Pesquisas CPE, 1979. p. 41.
213
Ibidem. p. 47.
78

Os bens avaliados no inventário de Pedrozo permitem identificar outras


atividades nas quais ele investiu ao longo da sua vida, assim como fornecem mais uma
dimensão da sua riqueza. Quando morreu, em 1878, sua fortuna foi estimada entre 11 e
12 mil contos de réis214. O seu inventário post-mortem, porém, apresenta um monte-mor
de 4.433:197$983rs, excetuando-se os bens que ficaram para sobrepartilha, os passivos
e ativos215. Seja qual for o montante exato da fortuna, não se pode negar que se tratava
de um valor considerável.
Se tomarmos como parâmetro de comparação a classificação de fortunas em
Salvador elaborada por Kátia Mattoso para o período de 1801 a 1889, Pedrozo fazia
parte de um grupo restrito de pessoas que detinha ―grandes grandes‖ fortunas, isto é,
fortunas superiores a 500:000$000rs. No total, dos 1.115 inventários analisados pela
autora apenas três casos, registrados no período de 1851 a 1888, possuíam fortunas
deste tamanho e, destes três, apenas um possuía fortuna superior a 1.000:000$000rs216.
O tamanho e a diversificação de investimentos de Pedrozo indicam que ele fazia parte
de outro grupo bastante distinto de homens, os chamados capitalistas, que
desempenhavam atividades como negociantes, industriais, proprietários de terra e
senhores de engenho.
Os bens de Antonio Pedrozo de Albuquerque estavam distribuídos entre
Salvador, Santo Amaro, São Francisco do Conde, a Ilha de Itaparica e Valença.
Compunham a fortuna 54 imóveis urbanos, entre casas e sobrados; quatro terrenos
urbanos; um trapiche; cinco engenhos; sete fazendas; cinco propriedades de terras;
algumas roças; plantações de canas e mandiocas; benfeitorias de pastos e cercas; uma
ilhota; uma serraria; a fábrica Todos os Santos; 559 escravos; 935 cabeças de gado;
além de joias e mobília de casa e seis embarcações (três canos, duas lanchas e um
―barquinho‖).
Sobre os bens deixados por Pedrozo, algumas observações são necessárias: a
primeira, diz respeito à fábrica Todos os Santos. O empreendimento, avaliado em
1.000:000$000rs, respondia a 22,56% e constituía o principal ativo da sua fortuna217.
Segundo, o número de escravos do qual ele era proprietário, significativamente
grande, se levarmos em consideração de que o dado é relativo aos anos de 1878-1879,

214
BN. HDB. Diario de São Paulo. (São Paulo). Ano 14, n. 3.784, 8 de agosto de 1878. p. 2.
215
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação
– 07/3191A/06.
216
MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX... op. cit. p. 606-615.
217
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação
– 07/3191A/06.
79

em uma propriedade situada no Norte do país. Como demonstrado por Ricardo Salles,
mesmo para as principais regiões cafeeiras no auge da produtividade, não era comum
encontrar proprietários com mais de 100 cativos. Em suas pesquisas sobre Vassouras,
na província no Rio de Janeiro, o autor observou que no período compreendido entre
1866 e 1880 (portanto, recorte onde se insere o falecimento e a abertura do inventário de
Antonio Pedrozo de Albuquerque), apenas 9,13% dos proprietários (os chamados
megaproprietários) possuíam 100 ou mais escravos218. Logo, é possível afirmar que
Pedrozo era não apenas um dos maiores (senão o maior) proprietário de escravos da
Bahia em fins da década de 1870, como um dos maiores escravistas de todo o Império.
Salles também observou que, em Vassouras, desde 1821 até 1880, houve um
aumento gradativo na concentração da propriedade escrava, proporcional à expansão da
lavoura cafeeira, ou seja, havia um pequeno número de proprietários centralizando a
propriedade de um grande número de cativos219. Mesmo que Pedrozo estivesse inserido
em outro contexto econômico regional, ao refletirmos sobre o aumento da concentração
da propriedade escrava de forma mais ampliada, podemos afirmar que, assim como
outros proprietários, a existência de uma escravaria superior a 550 cativos estava
relacionada com a capacidade de manter o tamanho de suas escravarias ou mesmo
expandi-las em um contexto de diminuição da oferta de cativos, tanto adquirindo
escravos de proprietários menores e menos economicamente estáveis, quanto acessando
diretamente o mercado atlântico negreiro até o limite da ilegalidade, como mencionado
anteriormente.
O terceiro aspecto a ser observado é o tamanho do rebanho pertencente à
Pedrozo. Parte deste poderia ser empregado em suas propriedades, fosse para
alimentação ou para o trabalho. Todavia, dado ao histórico de sua atuação no comércio
de charque quanto de carne verde, é possível crer que ele continuasse atuando em
negócios de abastecimento alimentar.
O quarto elemento diz respeito ao diminuto número de embarcações que
aparecem no inventário e, da mesma forma, o tipo das embarcações. Este dado chama
atenção na medida em que recordamos a importância que a navegação, de curta e longa
distância, teve nos negócios de Pedrozo ao longo de sua vida. Durante a primeira
metade do século XIX, por exemplo, Pedrozo foi proprietário de inúmeras embarcações,

218
SALLES, Ricardo. E o Vale era Escravo: Vassouras, Século XIX, Senhores e Escravos no Coração
do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 157.
219
Ibidem.
80

dentre as quais brigues, escunas e bergantins envolvidas no tráfico transatlântico de


escravos. Assim, embora parte das embarcações por ele utilizadas possam ter sido
perdidas (por apreensão, afundamento etc.) nos anos de envolvimento no contrabando, é
intrigante verificar que ele fosse proprietário apenas de três canoas, duas lanchas e um
―barquinho‖ quando faleceu. Isso aponta para uma mudança, provavelmente
impulsionada pela mudança de conjuntura em virtude do fim do tráfico de escravos, em
seus investimentos.
Além dos bens acima mencionados, a fortuna de Antonio Pedrozo de
Albuquerque também era composta por ativos financeiros no Brasil e em Portugal. Ele
detinha ações no Banco da Bahia, no Banco Mercantil, na Companhia de Seguros
Alliança, na Companhia de Seguros Interesse Público, na Sociedade Commercio e no
Banco de Portugal; dinheiro no Banco Mercantil e na Caixa Econômica; e títulos
Governo de Portugal e da Dívida Pública do Brasil220, o que ratifica a complexidade e a
diversidade dos seus investimentos.

1. 3. Considerações parciais

Antonio Pedrozo de Albuquerque esteve envolvido em diferentes atividades ao


longo de sua trajetória. No início desta, certamente apoiado nos negócios familiares no
Rio Pardo, atuou no comércio de charque. No Rio de Janeiro, inseriu-se em redes e
acumulou capital social e econômico o suficiente para ingressar em um dos negócios
mais lucrativos da época: o tráfico negreiro.
Na da década de 1820, o destino, ou melhor, os negócios, devem tê-lo levado à
província da Bahia. Ali ele consolidou-se política, econômica e socialmente. Até a
primeira metade da década de 1840, firmou seus negócios em atividades lícitas, no
abastecimento, no transporte de cargas e passageiros e no tráfico legal, em atividades
ilícitas, no contrabando negreiro, e especulando, por exemplo, durante o derrame de
moedas de cobres na província.
Em 1844, associou-se a Antonio Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer na
sociedade Lacerda e Cia, com o objetivo de fundar a fábrica Todos os Santos. O local
escolhido para a edificação desta fora, nada menos, do que uma região de desembarques

220
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação
– 07/3191A/06.
81

de escravos do contrabando negreiro, onde o negociante atuava desde, pelo menos,


1823. Na fábrica, ele deve ter reinvestido parte dos lucros obtidos na criminalidade.
Até a década de 1860, ele diversificaria consideravelmente seus investimentos,
aplicando capitais em companhias de navegação, de colonização, estradas de ferro e
bancos de forma articulada. Ao mesmo tempo, fosse com o pagamento de dívidas ou
investimento direto, tornou-se também proprietário de engenhos, de escravos e de terras.
Naquela altura, Antonio Pedrozo de Albuquerque havia acumulado tantos capitais,
estabilidade e credibilidade na sociedade baiana que ocupou um papel de destaque
dentro da própria elite econômica da província fornecendo, por exemplo, créditos para
senhores de engenho. Já não era mais visto, então, como negociante, mas como
capitalista.
82

2. O NEGOCIANTE ANTONIO FRANCISCO DE LACERDA: “CUJA


RIQUEZA É TÃO POSSANTE QUANDO SE PODE CALCULAR”221.

2. 1. Formação e consolidação da fortuna

Antonio Francisco de Lacerda nasceu em Lisboa no ano de 1797. Nada sabemos


de sua vida de Portugal até o Brasil, nem mesmo a data de sua chegada ao continente
americano. A julgar pela trajetória de tantos outros de seus conterrâneos que fizeram o
mesmo movimento, ele deve ter partido em busca de oportunidades e de
enriquecimento222, no constante fluxo migratório luso para o país na primeira metade do
século XIX223.
A primeira notícia de sua presença na Bahia remonta ao mês de janeiro de 1830,
quando, aos 33 anos de vida, casou-se com Angélica Michelina de Sampaio Vianna
(1807-1877), filha do também português Luiz Antonio Viana, importante negociante da
província224. Contudo, há indícios de que ele deveria estar instalado no Brasil já no
início da década de 1820, pois, segundo Waldir de Freitas Oliveira, Lacerda era
português naturalizado brasileiro225. Assim, é provável que ele fosse um dos tantos
nascidos em Portugal que, não tendo protestado a cidadania portuguesa durante o
processo de independência do Brasil, ficaram naturalizados pela Constituição226.
Do fruto do casamento de Lacerda e Angélica Sampaio Viana nasceram sete
filhos: Luiz de Lacerda (Salvador, 1832 - ?), Antonio Francisco de Lacerda227
(Salvador, 1834 – 1885), Maria José de Lacerda (Salvador, 1835 - ?), Augusto
Frederico de Lacerda (Valença, 1836-1931), Augusta de Lacerda (Salvador, 1838-?),

221
BN. HDB. Correio Official (Rio de Janeiro). Tomo III, n. 64. 16 de setembro de 1834. p. 3.
222
Estudos de trajetória de homens nascidos em Portugal que foram bem-sucedidos nos negócios no
Brasil no século XIX demonstram que a busca por oportunidades e enriquecimento era um fator comum
entre eles. Cf.: DOURADO, Bruna Iglezias Motta. Comércio de grosso... op. cit. MESQUITA, João
Marcos. O comércio ilegal... op. cit.
223
Cf.: RIBEIRO, Gladys Sabina. A Liberdade em Construção: identidade nacional e conflitos
antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumará-FAPERJ, 2002.
224
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 62-63.
225
Ibidem. p. 36; 63.
226
RIBEIRO, Gladys Sabina. A Liberdade em Construção... op. cit.
227
Como o filho e o pai eram homônimos, doravante adotaremos Antonio de Lacerda quando em menção
ao filho, visto que era uma das formas pelas quais era conhecido, mantendo a redação Antonio Francisco
de Lacerda ou Lacerda apenas em referência ao pai.
83

Joaquim de Lacerda (Salvador, 1847 - Rio de Janeiro, 1910) e Ana Rosa de Lacerda
(Salvador, 1850-?)228.
Com exceção de Luiz, o mais velho, que faleceu tragicamente na travessia de
Valença para Salvador, vitimado por um raio229, seus demais filhos tiveram importante
inserção na sociedade e na economia baiana. Antonio de Lacerda foi o idealizador e
construtor do Elevador Hidráulico da Conceição que ligava a Cidade Baixa à Cidade
Alta em Salvador, conhecido hoje como Elevador Lacerda, um importante ponto
turístico situado no Centro da capital baiana. Ele foi casado em primeiras núpcias com
Adèle Montobio, de nacionalidade belga, filha do engenheiro Camille Montobio e, em
segundas, com Maria Joaquina da Cunha Menezes, filha de Manuel Inácio da Cunha e
Menezes (Visconde do Rio Vermelho)230.
Augusto Frederico de Lacerda, por sua vez, foi o primeiro engenheiro baiano,
diplomado pela Escola Superior de Engenharia do Rensselaer Polytechnic Institute, nos
Estados Unidos. Como aprofundaremos posteriormente, ele atuaria como diretor da
fábrica Todos os Santos após a morte de John Monteiro Carson. Augusto se casaria três
vezes, com a estadunidense Helen Agnes Kendrick, com Ubaldina Pedrozo do Amaral
(sobrinha de Antonio Pedrozo de Albuquerque) e com Eufrozina Maria do Desterro,
natural de Valença, com as quais teria ao todo 21 filhos231. Não há consenso nas fontes
e na bibliografia a respeito da ordem em que os matrimônios ocorreram.
Por fim, Joaquim de Lacerda, sobre quem detemos parcas informações, foi
comendador, casou-se com Virgínia Devoto e faleceu no Rio de Janeiro232. Antonio de
Lacerda, Augusto Frederico de Lacerda e Joaquim de Lacerda seriam proprietários da
fábrica têxtil Nossa Senhora do Amparo, em Valença, na década de 1860. Além disso,

228
GENI. Antonio Francisco de Lacerda. Disponível em: https://www.geni.com/people/Ant%C3%B4nio-
Francisco-de-Lacerda/6000000009967511470. Acesso em: 1 de agosto de 2019.
229
BARRETO, Filinto Elysio do R. O Comendador Antônio Francisco de Lacerda e a evolução dos
transportes urbanos na Cidade de Salvador. Salvador: Centro de Estudos Baianos, 1969. p. 5. GENI.
Luiz de Lacerda. Disponível em:
https://www.geni.com/profile/6000000072452271950/events/6000000072504783676. Acesso em: 31 de
julho de 2019.
230
Cf.: BARRETO, Filinto Elysio do R. O Comendador... op. cit. OLIVEIRA, Waldir Freitas. Antonio de
Lacerda (1834-1885): Registros e documentos sobre sua vida e obra. Salvador: Fundação Gregório de
Mattos, 2002.
231
OLIVEIRA, Edgar Otacílio da Silva. Valença... op. cit. p. 79-80. OLIVEIRA, Waldir Freitas. A
Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 40-45. GENI. Augusto Frederico de Lacerda. Disponível em:
https://www.geni.com/people/Augusto-Lacerda/6000000009958485710. Acesso em: 31 de julho de 2019.
232
BARRETO, Filinto Elysio do R. O Comendador... op. cit. p. 5.
84

Antonio e Joaquim atuariam em sociedade com o pai, entre outros agentes, na firma
―Antonio de Lacerda e Cia‖ que fora responsável construção do Elevador Lacerda233.
A respeito das filhas do negociante, Ana Rosa de Lacerda casou com Francisco
Moniz Barreto de Aragão (Visconde de Paraguassú) e seria mãe do médico e intelectual
baiano Egas Moniz Barreto de Aragão234. Enquanto isso, Maria José de Lacerda casaria
com o francês Edouard Callebaut, envolvido no comércio de diamantes na Chapada
Diamantina235. Quanto à Augusta de Lacerda, os relatos sobre sua vida são raros, o que
pode indicar um falecimento precoce.
No mesmo ano do casamento com Angélica Sampaio Viana, Lacerda parece ter
lhe prestado uma inusitada homenagem, batizando uma embarcação com o nome de sua
esposa. Esta seria uma linda prova de amor, não fosse o provável emprego do navio no
contrabando negreiro. Em maio de 1830, quando já havia entrado em vigor o Tratado de
Aliança e Amizade entre Brasil e Grã-Bretanha, o Consulado Britânico na Bahia
comunicou ao governo inglês sobre a suspeita de participação da embarcação Angélica
no tráfico ilegal. A embarcação estava sob o comando de Joaquim Ignácio do
Livramento e registrada como propriedade de João Baptista Oreille. Apesar do registro
de propriedade em nome de Oreille, o Consulado afirmou que Angélica aparentemente
pertencia ao comerciante Antonio Francisco de Lacerda236.
Ao contrário de Antonio Pedrozo de Albuquerque e John Smith Gillmer,
registros sobre a atuação de Antonio Francisco de Lacerda no tráfico transatlântico são
escassos. Por um lado, isso pode ser um indício de que o negociante, embora tenha
buscado ingressar na atividade, não obteve tanto sucesso quanto seus futuros sócios na
sociedade Lacerda e Cia, ou ainda, que obteve mais sucesso no acobertamento dos
vestígios de sua atuação no crime. Por outro, há ainda a hipótese de que ele não tenha
tido participação tão regular quanto seus sócios no negócio, o que não diminui a
importância que a atuação neste teve na sua trajetória.
Como demonstrado por Manolo Florentino, alguns negociantes, os chamados
traficantes eventuais, agiam no tráfico negreiro de forma especulativa, adentrando no
negócio no período de maior demanda e alta de preço dos escravos no mercado

233
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 63.
234
BARRETO, Filinto Elysio do R. O Comendador... op. cit. p. 5. GENI. Ana Rosa de Lacerda.
Disponível em: https://www.geni.com/people/Ana-Rosa-de-Lacerda/6000000072505404400. Acesso em:
31 de julho de 2019.
235
BARRETO, Filinto Elysio do R. O Comendador... op. cit. p. 5. OLIVEIRA, Waldir Freitas. A
Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 64.
236
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 61.
85

brasileiro e abandonando-o em épocas de crises. Segundo o autor, este movimento fazia


com que os especuladores desempenhassem um papel estrutural no negócio, justamente
por suprirem a necessidade de mão de obra nos momentos de aumento da demanda.
Além disso, mesmo que estivessem mais sujeitos aos imprevistos, devido à sua menor
inserção no mercado transatlântico de escravos, em comparação com os traficantes
regulares, os traficantes eventuais poderiam auferir grandes lucros de suas
empreitadas237.
Além da embarcação Angélica, a atuação de Lacerda no contrabando negreiro
deixou vestígios de apenas mais um caso, o do patacho Sociedade Feliz. Em 22 de
novembro de 1839, um mês após partir da Bahia para a costa da África, a embarcação
foi capturada pelo brigue de guerra inglês Warlequin no Cabo de Palmas, por suspeitas
de estar sendo empregado no crime. Sua carga, composta por tabaco, aguardente e
fazendas, mercadorias que eram empregadas no tráfico, deve ter motivado a
desconfiança e o aprisionamento238. Desde aquele ano, o governo britânico havia
encontrado justificações legais baseadas nos inúmeros tratados feitos e/ou reconhecidos
pelo Brasil para busca e captura de embarcações brasileiras equipadas para o
contrabando negreiro que não tivessem escravos a bordo239. Registrado como
propriedade de Pedro Pereira Sampaio e Silva, o patacho havia sido fretado e carregado
por um grupo de negociantes: João da Costa Junior, José Martins de Couto Vianna,
Manoel Francisco Lopes, Francisco Pinto Lima e Antonio Francisco de Lacerda240.
Dos parceiros comerciais de Lacerda nesta empreitada, pelo menos dois, João da
Costa Junior e Francisco Pinto Lima, tinham histórico de atuação no contrabando
negreiro. Lima aparece, por exemplo, como proprietário da embarcação Copioba, de
bandeira portuguesa, que partiu da Bahia em 10 de fevereiro de 1827 e foi condenada
pela comissão mista de Serra Leoa naquele mesmo ano, provavelmente por estar
adquirindo escravos, bem como Antonio Pedrozo de Albuquerque costumava fazer, ao
norte da linha do Equador241.
Enquanto isso, João da Costa Júnior atuou intensamente no tráfico ilegal até,
pelo menos, 1853, quando teve um navio apreendido no Rio de Janeiro por denúncia de
que estaria sendo empregado no crime. Além de traficar escravos, Costa Júnior também

237
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras... op. cit.
238
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 36, n. 75, 30 de março de 1860. p. 1.
239
BETHELL, Leslie. A abolição do tráfico... op. cit. p. 197.
240
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 36, n. 75, 30 de março de 1860. p. 1.
241
TSTD. Viagem: 2982. Disponível em: https://www.slavevoyages.org. Acesso em: 6 de agosto de
2019.
86

era proprietário de pontos negreiros - locais de desembarques de escravos - ao longo da


costa da Bahia, na Ilha de Itaparica e, principalmente, em Ilhéus, no sul da província.
Ali, de acordo com Elaine Santos Falheiros, a Fazenda Grande Conceição, uma armação
de baleias, funcionava como um dos principais depósitos de escravos da região242.
A julgar pelo histórico do parceiro João da Costa Júnior, o Sociedade Feliz
poderia ter tido como destino seu ponto negreiro no sul da província, região de intensas
atividades de contrabando de escravos após a proibição do tráfico, do qual a Todos os
Santos deve ter sido um encadeamento243. Como dito no capítulo anterior, o acesso (ou
controle) de uma praia (que deveria ser segura e bem localizada, de preferência com
acesso facilitado ao destino final dos escravizados) apropriada para os desembarques de
escravos provenientes do tráfico ilegal era essencial para o sucesso das expedições,
levando ao surgimento de personagens como o fazendeiro-traficante ou fazendeiro-
negreiro244 ou, neste caso, o baleeiro-negreiro. A despeito das alegações em contrário, a
sociedade teve um destino infeliz e o patacho foi condenado pela comissão anglo-
brasileira em Serra Leoa em 24 de dezembro de 1839245.
Se, por um lado, Lacerda aparentemente teve dificuldades em negócios
negreiros, por outro, teve uma atuação muito bem-sucedida enquanto comerciante de
grosso trato na província da Bahia. Em 1831, ele era proprietário de um armazém
situado na Cidade Baixa em Salvador246 e, já neste período, deveria desfrutar de
prestígio e reconhecimento entre seus pares na sociedade e na economia baiana. Em

242
Cf.: FALHEIROS, Elaine Santos. Luís e Antônio Xavier de Jesus: Mobilidade social de africanos na
Bahia oitocentista. Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2013.
JESUS, Paulo César Oliveira de. Bella Miquelina: tráfico de africanos, tensões, medos e lutas por
liberdade na Baía de Todos-os-Santos em 1848. In: CASTILLO, Lisa Earl. ALBUQUERQUE, Wlamyra.
SAMPAIO, Gabriela dos Reis. (Org.). Barganhas e querelas da escravidão: tráfico, alforria e liberdade
nos séculos XVIII e XIX. Salvador: EDUFBA, 2014. p. 65. CRUZ, Ronaldo Lima. Tráfico clandestino de
escravos: A atuação do Juiz de Direito de Ilhéus na apreensão dos africanos desembarcados na praia de
Mamoam. In: Documentação e Memória. Recife, TJPE. r.2, n.3, p.119-134. jan/dez 2010. Disponível em:
http://www.tjpe.jus.br/judiciario/didoc/memorial/revista/revista032010/7_Ronaldo_Lima_da_Cruz_Trafic
o_clandestino_de%20escravos.pdf. Acesso em 6 de agosto de 2019.
243
SANTOS, Silvana Andrade dos. Nestas costas... op. cit.
244
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. O desembarque... op. cit. PEREIRA, Walter Luiz Carneiro
de Mattos. PESSOA, Thiago Campos. Silêncios atlânticos: sujeitos e lugares praieiros no tráfico ilegal de
africanos para o sudeste brasileiro (c.1830-c.1850). In: Estudos Históricos (Rio de Janeiro). v. 32, n. 66,
jan-abr, 2019. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
21862019000100079. Acesso em 6 de agosto de 2019. Ibidem. Fazendeiros-negreiros: personagens e
lugares do tráfico ilegal de africanos no litoral do sudeste brasileiro (c.1831-1856). In: Anais do 9º
Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Florianópolis: Universidade Federal de Santa
Catarina, 2019. Disponível em:
http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/9encontro/textos/thiago_pessoa_walter_pereira.pdf.
Acesso em 21 de fevereiro de 2020.
245
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 36, n. 75, 30 de março de 1860. p. 1.
246
BN. HDB. Gazeta da Bahia (Bahia). n. 10. 2 de dezembro de 1831. p. 6.
87

1833 ele foi, com John Smith Gillmer entre outros, diretor interino de um banco emissor
particular projetado pela Associação Comercial da Bahia (ACB)247. Este dado revela
que, mais de uma década antes da fundação da Sociedade Lacerda e Cia, Gillmer e
Lacerda já tinham algum envolvimento e experiência conjunta. Vale ressaltar ainda que
o Banco tinha como um dos principais acionistas o sogro de Lacerda, Luiz Antonio
Viana248.
Naquele mesmo ano, os diretores interinos do Banco buscaram a aprovação do
então Ministro da Fazenda, Cândido José de Araújo Viana, futuro Marquês de Sapucaí,
para a fundação da instituição. Vale ressaltar que a autorização do Ministro da Fazenda
para a fundação de estabelecimentos bancários não era uma exigência. Logo, os
diretores do Banco devem tê-lo feito com a intenção se aproximar do Ministro,
seguramente visando benefícios futuros. Na correspondência enviada a Araújo Viana,
manifestaram que a proposta de fundação do estabelecimento havia surgido antes que
fossem publicitados os planos do governo em realizar a reforma no sistema monetário
do Império, na qual a unidade de emissões monopolizadas primeiro pelo Banco do
Brasil e, posteriormente, pelo Tesouro, seria substituída pelo sistema de pluralidade de
emissões249. Por fim, procuraram destacar a importância que a emissão de notas
particulares conversíveis em prata pelo Banco teria para a economia da Bahia,
especialmente nas regiões mais interioranas, onde a circulação de papel moeda era
escassa e as moedas de cobre abundavam250.
Em resposta à comunicação, o Ministro manifestou-se favorável à fundação do
Banco. Não deixou de mencionar, contudo, que existia uma lei autorizando a criação de
um Banco na capital do Império (que viria a ser o segundo Banco do Brasil) com caixas
filiais nas províncias. Sugeria, desta forma, que os diretores se mobilizassem para que o
Banco projetado pela Associação Comercial fosse convertido em caixa filial do Banco

247
Os demais diretores interinos do Banco foram André Comber, Carlos Werchener e Fred Luiz
Schirmed. Cf. BN. HDB. Correio Official (Rio de Janeiro). Tomo I, n. 90, 14 de Outubro de 1833. p. 2. A
respeito de André Comber, embora na documentação o nome do negociante apareça redigido desta forma,
é provável que se tratasse de um aportuguesamento do nome do negociante inglês Andrew Comber. Cf.:
Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 35. GUENTHER, Louise. The British
community of 19th century Bahia: public and private lives. Disponível em:
https://www.lac.ox.ac.uk/sites/default/files/lac/documents/media/guenther32.pdf. Acesso em: 13 de
agosto de 2019. p. 11.
248
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 63.
249
Cf.: GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. O debate político e o pensamento econômico no Império
brasileiro: centralização de poder e monopólio de emissão no segundo Banco do Brasil (1852-1853). In:
Almanack. Guarulhos. n. 9, abril de 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/alm/n9/2236-4633-
alm-9-00176.pdf. Acesso em: 13 de janeiro de 2020.
250
BN. HDB. Correio Official (Rio de Janeiro). Tomo I, n. 90, 14 de Outubro de 1833. p. 2.
88

nacional, assim que este fosse fundado251. Ocorre que o banco nacional proposto por
Araújo Viana não prosperou252. Dada a ausência de referências sobre a existência de um
Banco como o projetado pela Associação Comercial da Bahia na década de 1830, é
possível que ele tenha sido estabelecido somente uma década mais tarde, em 1845, na
forma do Banco Comercial da Bahia, do qual John Smith Gillmer viria a ser um dos
diretores253.
A inserção de Lacerda na ACB, importante órgão de proteção e articulação da
classe comercial254, e sua atuação como diretor interino do banco projetado pela
instituição demonstram que, na década de 1830, sua atuação como negociante na Bahia
já estava bastante consolidada. Isso fica evidente também pelo movimento comercial
que ele realizava na Alfândega da província, assim como pelas inúmeras vezes em que
foi apresentado como fiador na instituição. Em 1834, apresentado como possível fiador
do inspetor interino da Tesouraria da Bahia, Joaquim Ignácio da Silva Pereira, aparece
com uma dívida de 47:432$423rs junto à Alfândega, um montante bastante
expressivo255. Para que se tenha uma estimativa do que o valor representava, o preço
médio de um escravo na freguesia açucareira de Santiago do Iguape, em Cachoeira, no
Recôncavo baiano, nessa época, era de 290$000rs256. Isto é, o débito de Antonio
Francisco de Lacerda era equivalente ao valor aproximado de 163 escravos.
A existência do débito não abalava a credibilidade do negociante, pelo contrário,
ratificava seu prestígio na sociedade mercantil baiana. O Tesoureiro da Fazenda da
Bahia, Joaquim Bento Pires de Figueiredo, avaliava que Lacerda era idôneo e ―[...] que,
apesar de tal débito, continua[va] a despachar em grosso nas Alfândegas de importação
e exportação [...]‖. Além disso, supunha que sua fortuna era incomensurável, ―[...] pelos
centos de contos de réis, que sucessivamente contribui[a] pelas duas Alfandegas [...]‖
Por fim, atribuía a responsabilidade pela existência do débito à própria Tesouraria, por

251
BN. HDB. Correio Official (Rio de Janeiro). Tomo I, n. 90, 14 de Outubro de 1833. p. 2.
252
GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. O banco da Ordem: política e finanças no império brasileiro (1853-
66). Tese (Doutorado em História). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010. p. 16.
253
Cf.: MATTOS, Waldemar. Panorama econômico da Bahia, 1808-1960. Salvador: Tipografia Manu,
1961. p. 71. GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. O banco da Ordem... op. cit. p. 100. AGUIAR, Pinto de.
História do Banco da Bahia. In: Revista de História. v. 41, n. 83, 1970. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/129083/125718. Acesso em: 1 de agosto de 2019. p.
102.
254
NEVES, Edson Alvisi. Magistrados e Negociantes na Corte do Império do Brasil: O Tribunal do
Comércio. Rio de Janeiro: Jurídica do Rio de Janeiro/FAPERJ, 2008. p. 283.
255
BN. HDB. Correio Official (Rio de Janeiro). Tomo III, n. 64, 16 de setembro de 1834. p. 3 e 4.
256
ROCHA, Uelton Freitas. “Recôncavas” fortunas: a dinâmica da riqueza no Recôncavo da Bahia
(Cachoeira, 1834-1889). Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia,
2015. p. 110.
89

negligência ―[...] em arrecadar os Direitos Nacionais, pelo fato de sobrestar numa dívida
tão considerável sem procurar arrecadá-la‖257.
Nos anos seguintes, Antonio Francisco de Lacerda continuaria sendo
apresentado como fiador por outros negociantes e firmas na Alfândega da Bahia. Em
agosto de 1842, por exemplo, foi indicado como fiador da firma G. A. Bieber & Cia
(Guilherme Augusto Bieber & Cia)258. Vale ressaltar que, neste mesmo período, o grupo
G. A. Bieber & Cia passaria a agenciar a primeira Companhia Baiana de Navegação a
vapor259, devendo existir alguma relação entre ambos os eventos. O próprio John Smith
Gillmer, quando já se encontrava na condição de sócio de Antonio Francisco de Lacerda
na sociedade Lacerda e Cia, em 1845, o apresentou como seu possível fiador na
Alfândega da Bahia260.
É válido mencionar também que, nos dois primeiros casos, nomes de parceiros
de Lacerda no patacho Sociedade Feliz foram indicados com possíveis fiadores, o que
aponta para a existência de uma ampla rede entre estes negociantes. No primeiro caso,
João da Costa Junior foi apresentado como possível fiador de Joaquim Ignácio da Silva
Pereira. No segundo, Francisco Pinto Lima foi apresentado como possível fiador da
firma Guilherme Augusto Bieber & Cia.
No final da década de 1830, em estabelecimento situado em frente ao Trapiche
Gaspar, Lacerda comercializava gêneros importados, como farinha de trigo, azeite doce
e de peixe e sabão em caixas vindos dos Estados Unidos, vinhos do Porto e da Espanha,
anis da Espanha, sebo de Trieste e manteiga, passas e taboas de pinho de Buenos
Aires.261 Os locais de origem dos produtos por ele comercializados, América do Norte,
Rio da Prata e Europa nos fornecem a dimensão do alcance de seus negócios já neste
período. É provável, inclusive, que tenha sido por meio do comércio de grosso que
Antonio Francisco de Lacerda se aproximou de John Smith Gillmer, visto que este
autou na primeira metade do século XIX importando dos Estados Unidos para a Bahia e
para o Rio de Janeiro, entre outros gêneros, farinha de trigo, item comercializado no
armazém de Lacerda.
Outro negociante estrangeiro com o qual Antonio Francisco de Lacerda parece
ter se envolvido foi o inglês Edward Johnston. Em 1837, o Ministério da Fazenda

257
BN. HDB. Correio Official (Rio de Janeiro). Tomo III, n. 64, 16 de setembro de 1834. p. 3 e 4.
258
BN. HDB. O Diario Novo (Pernambuco). n. 6, 6 de agosto de 1842. p. 2.
259
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição... op. cit. p. 78.
260
BN. HDB. O Mercantil (Bahia). Ano 2, n. 29. Bahia: Typ. De M. L. Velloso e Comp.ª, 1845. p. 1.
261
BN. HDB Correio Mercantil (Bahia). v. 3, n. 540, 25 de Agosto de 1838. p. 4.
90

instruiu o seu tesoureiro geral de receber a quantia de 40:000$000rs, na forma de 4


letras, a 15 dias precisos, com juros de 5%, para a Tesouraria da Bahia, sendo duas à
ordem, uma a Antonio Francisco de Lacerda e uma a Francis Le Breton e C.ª262. Anos
mais tarde, em 1843, o inspetor da Tesouraria Geral da província da Bahia ordenou ao
tesoureiro da fazenda que pagasse a Antonio Francisco de Lacerda 18:823$529rs, valor
de duas mil libras negociada para Londres263. Memo que não tenhamos encontrado mais
informações sobre estas transações comerciais, elas são demonstrativas da existência do
envolvimento de Lacerda com negociantes ingleses.
Foi possível também identificar um indício da atuação do negociante no
comércio de exportação. Nos despachos da barca Irane que saiu da Bahia rumo à Havre,
na França, em dezembro de 1844, constam uma barrica de café descasado e uma de
farinha de mandioca, exportadas por Antonio Francisco de Lacerda264. As mercadorias
poderiam estar sendo enviadas para algum amigo brasileiro, sedento por um bom café e
uma farinha de mandioca baiana bem torrada, ou, o mais provável, serem amostras de
mercadorias passíveis de comercialização.
Mas não apenas itens de consumo eram comercializados por Lacerda, vendia
também casas, sobrados, terrenos urbanos e... escravos265! No final da década de 1830 e
ao longo da década de 1840, ele manteve negociações regulares envolvendo cativos em
seus escritórios. Considerando as suas tentativas de atuação no contrabando, estas
negociações não deixam de levantar suspeitas sobre se, em alguma medida, estes eram
escravos provenientes do crime, especialmente pelo fato de que dos quatro anúncios de
negociações envolvendo escravos que encontramos referentes a Antonio Francisco de
Lacerda, os três cativos com origem declarada eram africanos.
Em 6 de agosto de 1838, Lacerda anunciava no Correio Mercantil a
disponibilidade para venda de um ―bom oficial tanoeiro‖, sem origem declarada, o que
leva a crer que fosse crioulo266. Dez dias depois, em 16 de agosto, aparecia como
mediador da venda de um escravo nagô, com idade estimada entre 18 a 20 anos,
―próprio para carregar cadeira, e todo mais serviço ao que quiserem aplicar‖ 267. Em 29

262
BN. HDB. Correio Official (Rio de Janeiro). n. 133, v. 1, 21 de junho de 1837. p. 1.
263
BN. HDB. O Commercio (Bahia). n. 176, 14 de agosto de 1843. p. 1.
264
BN. HDB. O Mercantil (Bahia). Ano 1, n. 45, 23 de dezembro de 1844. p. 2.
265
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). v. 3, n. 526, 6 de agosto de 1838. p. 4; ano 6, n. 83, 17 de abril
de 1839. p. 4; ano 6, n. 271, 18 de dezembro de 1839. p. 3; e ano 7, n. 68, 24 de março de 1840. p. 4.
266
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). v. 3, n. 526, 6 de Agosto de 1838. p. 4.
267
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). v. 3, n. 533, 16 de Agosto de 1838. p. 4.
91

de janeiro de 1845, remeteu para o Rio de Janeiro a escrava Benvida, Calabar 268. Em 11
de fevereiro de 1847, anunciava também no Correio Mercantil a venda ―com condições
favoráveis‖ de uma propriedade, inclusive os escravos nela existentes, no alto da Fonte
Nova269. Por fim, no dia 23 daquele mesmo mês e ano, aparecia um anúncio de
desaparecimento do escravo Damião, uçá, padeiro, com idade estimada em 25 anos270.
Lacerda seguiu em alguma medida um caminho similar ao de Antonio Pedrozo
de Albuquerque, procurando o enriquecimento e o lucro nas alternativas disponíveis no
período, independente de serem legais ou ilegais. Em 31 de maio 1837, o negociante
aparece como arrematante de lotes de moedas cisalhas de cobre recolhidas que foram à
hasta pública na Bahia271, em um episódio que revela a realização de práticas
especulativas respaldadas pelo governo da província, que ganhou várias páginas no
periódico de inspiração liberal, O Censor272. De acordo com o jornal, após o leilão já ter
sido realizado, o Ministro da Fazenda, Manuel Alves Branco, ordenou que a
arrematação fosse suspensa e que a cisalha fosse remetida para a casa de Samuel
Phylips, de Londres, provavelmente em virtude do baixo preço a que foi vendida273.
Ao receber a portaria, o inspetor interino da casa da Fazenda da Bahia, Joaquim
Bento Pires de Figueiredo Camargo, teria buscado em outras autoridades e funcionários
da província aval para manter a arrematação de Lacerda. Vale recordar que este fora o
mesmo Joaquim que, na condição de Tesoureiro da Fazenda da Bahia, em 1834, havia
classificado Lacerda como negociante idôneo, a despeito do exorbitante débito que este
apresentava na Alfândega da província. Sendo assim, é possível crer que estes detinham
alguma aproximação e provavelmente atuavam em conluio, com o burocrata estando a
serviço dos interesses do negociante.
No procurador fiscal da província Figueiredo Camargo não encontrou apoio para
manter a arrematação com Lacerda, visto que, entre outros fatores, de acordo com o
procurador, a cisalha ainda não havia sido entregue, nem o pagamento feito pelo
arrematante. Insatisfeito com a falta de apoio, o inspetor partiu então para o presidente
da província, Francisco de Sousa Paraíso, no qual, segundo o periódico, encontrou uma

268
BN. HDB. O Mercantil (Bahia). Ano 2, n. 24, 30 de janeiro de 1845. p. 3.
269
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 33, 11 de fevereiro de 1847. p. 4.
270
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 46, 26 de fevereiro de 1847. p. 4.
271
BN. HDB. O Censor (Bahia). Typ. Da Aurora de Serva e Comp., 1837. p. 65.
272
LOPES, Juliana Serzedello Crespim. Identidades Políticas e Raciais na Sabinada (Bahia, 1837-1838).
Dissertação (Mestrado em História). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008. p. 49.
273
De acordo com o periódico, a libra da cisalha foi arrematada por Lacerda por 201rs, enquanto era
possível estimar o preço da venda em, pelo menos, 320rs a libra. BN. HDB. O Censor (Bahia). Typ. Da
Aurora de Serva e Comp., 1837. p. 69.
92

―autorização legal à sua desobediência‖ ao Ministério da Fazenda. No jogo de forças


entre o procurador fiscal e o inspetor interino, este mandou entregar a cisalha para
Lacerda, descumprindo a ordem superior da Fazenda Imperial e lesando
financeiramente o Estado em detrimento do negociante.
Pouco meses depois do ocorrido, possíveis indícios do destino da cisalha
arrematada por Lacerda vieram à tona. Em 22 de setembro de 1837, uma remessa de
moeda de cobre remetida pela tesouraria da província da Bahia foi recusada na
província de Alagoas. A averiguação sobre a origem das moedas levou a ninguém
menos do que Antonio Francisco de Lacerda274. Diante do ocorrido, em 28 de novembro
do mesmo ano, o então Presidente do Tribunal do Tesouro Público Nacional, Miguel
Calmon du Pin e Almeida (Marquês de Abrantes), ordenou que fossem feitos
esclarecimentos a respeito tanto da entrega quanto da razão pela qual o cobre foi
recusado. Ambos os episódios indicam que, assim com Antonio Pedrozo de
Albuquerque, Antonio Francisco de Lacerda se aproveitou da conjuntura pós-guerra de
independência de Bahia para lucrar com a abundância e a baixa qualidade das moedas
de cobre que circulavam na província, mesmo tendo usado estes elementos como alguns
dos argumentos apresentados ao Ministro da Fazenda Araújo Viana para a necessidade
de fundação de um estabelecimento bancário na Bahia, em 1833.
Na década de 1840, Antonio Francisco de Lacerda continuou mantendo uma
participação regular na Associação Comercial da Bahia, circulando entre os principais
nomes e nas altas esferas da instituição. No ano de 1840, propriamente dito, ele foi um
dos 78 negociantes atuantes na província convocados para elegerem a junta diretora da
Associação em sua nova fase. Apesar de não alcançar êxito na eleição neste momento,
recebeu 41% dos votos apurados (32 votos)275. No ano seguinte (1841), no entanto,
obteve sucesso na empreitada, e foi eleito membro da junta diretora da Associação
Comercial de Salvador276.
Não surpreende a alçada de Lacerda a um cargo na ACB, visto que desde, pelo
menos, meados da década de 1830 (quando ocupou um dos cargos de diretor interino no
banco projetado pela Associação) ele já demonstrava desfrutar de grande prestígio entre

274
BN. HDB. Correio Official (Rio de Janeiro). n. 4, v.1, 5 de janeiro de 1838. p. 1.
275
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 61.
276
Os demais membros que assumiram a direção da Associação Comercial foram: José Agostinho de
Sales, Francisco Leciague, José Alves da Crus, Luiz Antonio Vianna e Antonio José da Costa, além de
Antonio Plácido da Rocha, como presidente; José Affonso Caravlho, como secretario; Manoel Belens de
Lima, como tesoureiro. Cf.: BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 7, n. 234, 5 de novembro de
1840. p. 3.
93

seus pares. Nos anos seguintes, ele permaneceria atuando na Associação, foi secretário
interino desta em 1843 e novamente membro da junta diretora, em 1863277.
Para além da sua atuação como negociante na Bahia, Lacerda teve significativa
atuação político-social, quase sempre a partir de iniciativas da classe comercial, sendo
membro de uma série de comissões atuantes nestas duas esferas em Salvador, o que
denota que, assim como no caso Antonio Pedrozo de Albuquerque, o envolvimento do
negociante com atividades ilegais e práticas especulativas não afetou sua imagem
perante a alta sociedade baiana. Em 1839, ele foi membro, por exemplo, de uma
comissão composta pelo corpo do comércio da Bahia responsável pela ―riquíssima
iluminação‖ dos festejos em comemoração ao 14º aniversário de D. Pedro II, que
ocorreram entre os dias 2 e 4 de dezembro na província278. Em 1843, lá estavam
novamente Lacerda e Gillmer atuando desta vez em uma comissão para remoção de lixo
e entulho, ―da montanha sobranceira a alfandega, para acautelar o desabamento de
prédios arruinados‖279.
Com sólida atuação no comércio de grosso trato e na Associação Comercial da
Bahia, tendo até mesmo participando da precoce iniciativa de fundação de um banco
pela instituição na década de 1830, a partir de meados da década de 1840, Antonio
Francisco de Lacerda passaria a ampliar ainda mais suas atividades, como
demonstraremos a seguir.

2. 2. Diversificação de investimentos

Em 1844, Antonio Francisco de Lacerda se uniu ao velho conhecido, John Smith


Gillmer, e a Antonio Pedrozo de Albuquerque na firma Lacerda e Cia, com o propósito
de fundar o que viria a ser a fábrica têxtil Todos os Santos. Como vimos, a relação entre
Lacerda e Gillmer era relativamente longa e existente, pelo menos, desde 1833, quando
ambos atuaram como diretores interinos no banco projetado pela Associação Comercial.
Lacerda foi o sócio majoritário da firma, tendo sido responsável por 50% do capital
277
BN. HDB. O Commercio (Bahia). n. 153, 15 de julho de 1843. p. 3. O Cearense (Ceará). Ano 16, n.
1.567, 13 de março de 1863. p. 3.
278
Os demais membros da comissão foram Antonio Augusto de Mendonça, Antonio Maria de Moura e
Mattos, André Pinto da Silveira, Daniel Joaquim Pinto, Francisco Pinto Lima, João Vaz de Carvalho, José
de Lima Nobre, Luiz de Souza Gomes, Ponce de Leão, Manoel Domingues Lopes e Manoel dos Santos
Corrêa. Cf.: BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 315, 28 de dezembro de 1839.
p. 4.
279
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 10, n. 191, 4 de setembro de 1843. p. 1.
94

inicial investido na sociedade. Isso demonstra que ele era o principal interessado na
criação desta e na fundação da fábrica, visto que, pelo menos um de seus sócios,
Antonio Pedrozo de Albuquerque, era tão ou mais afortunado que o negociante.
A presença de Gillmer e Lacerda na Associação Comercial deve ter contribuído
em grande medida para a formação e a consolidação do projeto. Um parecer emitido por
ambos em nome da instituição a pedido do governo da província, em 1845, embora não
explicite uma relação direta entre o surgimento da fábrica e a ACB, apresenta
importantes informações a respeito do conhecimento que Gillmer e Lacerda tinham do
mercado no qual iriam se inserir.
Em 31 de dezembro de 1845, o presidente da província da Bahia, Francisco José
de Sousa Soares de Andréa (futuro Barão de Caçapava), requereu da diretoria da ACB a
elaboração de um relatório com esclarecimentos a respeito das culturas do algodão, do
fumo, do cacau e do café. Sobre o algodão, o interesse da presidência da província era
saber quais as espécies existentes dentro e fora da Bahia, qual espécie mais utilizada na
Europa (e qual a mais apropriada para o cultivo no Brasil), quais suas características,
assim como os meios mais seguros para se obter sementes280.
A mesa diretora formou, então, uma comissão composta por três negociantes que
pudessem auxiliá-la ―com suas luzes‖ na preparação da resposta a ser dada à presidência
da província. Como mencionado, dois dos negociantes que compuseram a comissão
foram Antonio Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer, o terceiro negociante a
compor a comissão fora André Comber. O parecer foi finalizado e enviado pela
comissão à mesa diretora da Associação Comercial em 4 de março de 1846 e remetido
para a presidência da província no dia 26. Das 40 páginas e meia do documento que se
ocupam da abordagem das culturas propriamente ditas, aproximadamente metade delas
(vinte páginas e meia) foi dedicada à cultura do algodão. As demais páginas foram
dividas entre a cultura do café (quatro páginas), do fumo (cinco páginas e meia), do
cacau (duas páginas) e da cana (sete páginas e meia)281.
No caso do parecer, quantidade também foi sinônimo de qualidade. O texto
sobre o cultivo do algodão foi o mais detalhado e demonstrou que Lacerda, Gillmer e
Comber detinham vasto conhecimento a respeito do cultivo e do beneficiamento da
matéria-prima que seria utilizada a partir do ano seguinte na fábrica Todos os Santos.

280
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Administração. Correspondência
recebida da Casa do Comércio, Praça do Comércio e Associação Comercial (1819-1858). Maço 1580. 26
de março de 1846.
281
Ibidem.
95

Nele, os negociantes apresentaram pormenores de algumas das principais espécies de


algodão conhecidas (o arbóreo, o herbáceo e o arbustivo, dando detalhes de subespécies,
especialmente do último), suas características físicas e principais locais de cultivo no
mundo282.
Como requerido pelo presidente da província, também foram abordadas as
diferentes espécies de algodão encontradas na Europa, bem como quais as mais e as
menos valorizadas. Além disso, foram apresentados os tipos e características do algodão
produzido nos Estados Unidos, dando destaque para a subespécie Sea Island, segundo
eles, de boa qualidade e pouco encontrado no mercado. Aqui é importante recordar que
o presidente da província da Bahia, Francisco José de Sousa Soares de Andréa, havia
requerido informações apenas sobre o algodão produzido na Europa. As informações
extras apresentadas sobre a produção dos Estados Unidos deveriam estar intimamente
relacionadas com o conhecimento que Gillmer e Lacerda haviam ou estavam adquirindo
no processo de fundação da Todos os Santos, especialmente Gillmer, que deveria ter
contatos diretos e conhecer melhor a produção algodoeira de seu país283.
Após abordarem a produção estrangeira de algodão, passaram a tratar da
produção brasileira. Fizeram um histórico desde as primeiras exportações maranhenses,
até a expansão em Pernambuco; as principais espécies cultivadas; as com cultivo em
potencial; e a (baixa) qualidade do algodão produzido na Bahia. Para a comissão, o
algodão produzido na província tinha qualidade inferior ao produzido, por exemplo, em
Pernambuco. De acordo com eles, para o progresso da cultura do algodão era necessário
realizar aprimoramentos em diversos setores da produção, desde uma melhor
preparação do solo, escolha e mudança das sementes, e também o beneficiamento
(descaroçamento e limpeza) da matéria-prima. A respeito disso, observaram que as
máquinas utilizadas para o beneficiamento do algodão no Brasil eram pouco eficientes e
lentas, deixando muitas impurezas na fibra e algumas vezes esmagando as sementes,
espalhando óleo na fibra e tingindo-a, o que causava prejuízo aos produtores284.
Como apontado por Edward Baptist para o caso estadunidense, a separação da
fibra do algodão de sua semente também foi um dos principais gargalos da produção
algodoeira no país norte-americano. Este obstáculo seria ultrapassado na década de
1790, com a invenção do descaroçador automático de algodão que possibilitava a fácil

282
Ibidem.
283
Ibidem.
284
Ibidem.
96

separação da semente das fibras. Conforme o autor, em termos de tecnologia mecânica,


este foi a principal inovação na produção algodoeira dos Estados Unidos até 1930,
quando foi inventada a colheitadeira285.
Inspirados pelos avanços na produção algodoeira dos Estados Unidos, Antonio
Francisco de Lacerda, John Smith Gillmer e André Comber passaram a indicar os meios
possíveis de aprimorar a produção de algodão na Bahia: a aquisição de sementes,
ferramentas e máquinas do país norte-americano. Como justificativa para a
recomendação, elaboraram um breve histórico da cultura algodoeira nos Estados Unidos
e de como, dentro de pouco mais de meio século, a produção havia se expandido,
tornando-o o maior produtor mundial de algodão. Salientavam ainda que, além dos
aprimoramentos técnicos e tecnológicos, o apoio do governo da província era de suma
importância para que a produção baiana se tornasse competitiva no mercado
mundial.286.
Assim, de um lado, o parecer evidenciava as deficiências da produção algodoeira
baiana. Por outro, o seu requerimento aponta para existência de um interesse por parte
do governo da província da Bahia, de promover melhoramentos e de modernizar a
agricultura. Isso também fica evidente pela criação da comissão de melhoramentos do
açúcar, chefiada por John Monteiro Carson (vale recordar, diretor da fábrica Todos os
Santos) no início da década de 1850, sobre a qual trataremos no capítulo quatro. Além
disso, por meio do parecer, verifica-se que havia um grupo de negociantes ligados a
Associação Comercial da Bahia que estavam cientes das condições de produção
existentes na província da Bahia e atentos ao mercado internacional. No tocante à
fábrica Todos os Santos, especificamente, o parecer que contou na sua elaboração com a
participação de Antonio Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer demonstra que os
proprietários tinham amplo conhecimento das condições do mercado da matéria-prima
que seria utilizada na Todos os Santos, assim como dos desafios que o estabelecimento
teria que enfrentar, relativos ao transporte e qualidade do algodão.
Em abril de 1846, pouco tempo após o primeiro parecer ter sido enviado pela
junta diretora da Associação Comercial da Bahia para a presidência da província, o
órgão voltou a consultar a ACB a respeito da cultura do algodão. Desta vez, procurava
saber mais detalhes a respeito da introdução de melhores sementes do gênero no Brasil e

285
BAPTIST, Edward. A metade que nunca... op. cit. p. 123; 164.
286
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Administração. Correspondência
recebida da Casa do Comércio, Praça do Comércio e Associação Comercial (1819-1858). Maço 1580. 26
de março de 1846.
97

quais máquinas de descaroçamento deveriam ser importadas ―de Países Estrangeiros,


onde este ramo de agricultura se acha em maior perfeição‖287.
Assim, a junta voltou a consultar a comissão formada por Lacerda, Gillmer e
Comber acerca da matéria. Em 26 de maio de 1846, a comissão respondeu a solicitação
com suas recomendações, apresentando uma lista de materiais que consideravam
necessários para o aprimoramento da cultura no algodão na província: 16 arados de
quatro tipos variados, sendo quatro de cada tipo (scooter plough; shovel plough, larg
size; turn plough; e sul soil plough); quatro grades; quatro abridores de rego, 12
enxadas, oito máquinas de limpar algodão (quatro roller e quatro saw gins); 40 sacas de
sementes de algodão (20 Sea Island e 20 Georgia Upland Cotton) 288.
Os negociantes estimavam que a importação do material custasse em torno de
1:500$000rs. Novamente, procurando destacar a importância das máquinas de
descaroçamento provenientes dos Estados Unidos, eles citaram a importação destas
feitas pelo governo de Portugal para serem utilizadas nas possessões portuguesas na
África Ocidental. Além da aquisição do maquinário e sementes, recomendavam que a
província custeasse a vinda dos Estados Unidos de dois ―hábeis e práticos‖ lavradores
de arado, que deveriam permanecer na Bahia para ensinar o uso das máquinas, o que,
em suas palavras, era de necessidade vital289.
Vale salientar que, na mesma oportunidade, a comissão foi consultada acerca
dos direitos cobrados sobre alguns gêneros de exportação que, conforme a presidência
da província, pela maneira como eram levados ao mercado, não deveriam ingressar nos
trapiches alfandegados. Os negociantes agradeceram a designação para consulta e, desta
vez em tom mais modesto, se manifestaram sobre o assunto. Assim, reconheceram que
não detinham conhecimentos profissionais da matéria e afirmarem que não podiam
respondê-la a partir de conhecimentos práticos, mas sim por meio de conhecimentos
teóricos adquiridos em leituras sobre o tema. O registro por parte dos membros da
comissão de que eles não detinham conhecimentos práticos sobre esta matéria aponta
para o fato de que, no caso do parecer emitido anteriormente sobre a agricultura (e sobre
o algodão), eles detinham conhecimentos práticos, o que ratifica nossa tese
anteriormente levantada. Desta forma, teorizaram em seu segundo relatório sobre, entre
outros temas, impostos de exportação, agricultura de abastecimento e navegação,

287
APEB. Seção Provincial. Série Governo da Província. Correspondência recebida da Associação
Comercial (1840-1872). Maço 1580-1. 18 de junho de 1846.
288
Ibidem.
289
Ibidem.
98

demonstrando conhecimento de temas de economia política290. O parecer emitido pelos


negociantes seria publicado no ano de 1846 com o título ―Parecer de uma comissão de
negociantes sobre o meio de promover a agricultura da Bahia‖ e seria considerado,
ainda no início do século XX, como uma obra de referência para a agricultura da
província291.
Três anos depois da formação da sociedade Lacerda e Cia e um ano após a
emissão do aparecer, em 1847, Antonio Francisco de Lacerda diversificaria ainda mais
investimentos, formando uma companhia de navegação a vapor, a Companhia Bonfim,
da qual Gillmer também fora fundador292. A Companhia Bonfim substituiria a primeira
Companhia Bahiana na prestação de serviços de transporte marítimo e fluvial no
recôncavo baiano, após o encerramento do contrato desta com o governo da província e
sua subsequente falência. Além de assumir o local da Companhia Baiana, a Bonfim
adquiriu as embarcações e bens a ela pertencentes. No mesmo ano de fundação da
Companhia Bonfim seus proprietários requereram subvenção de 25:000$000rs por 20
anos à presidência da Província. A despeito da objeção feita pelo procurador fiscal da
província Victor d‘Oliveira, cerca de dois anos depois, em 1849, a Companhia receberia
o subsídio requerido293.
Nos primeiros anos de atuação a Companhia operaria com duas linhas, uma
para Cachoeira e outra para Santo Amaro, com os vapores Bonfim e Catharina
Paraguassú. Como apontado por Marcos Guedes Vaz Sampaio, inicialmente, a
qualidade dos serviços prestados pela empresa não era satisfatória, levando a
presidência da província a apoiar a fundação de um mais uma Companhia de Navegação
que viria a se concretizar no início da década seguinte na Companhia Santa Cruz de
Navegação à Vapor294, iniciativa que, como vimos, foi encabeçada por Antonio Pedrozo
de Albuquerque.
Posteriormente, a Companhia Bonfim apresentaria expansão nos serviços.
Ainda na primeira metade da década de 1850, adquiriria vapores novos e inseriria novos
portos de paradas nas suas rotas, realizando duas viagens semanais para Santo Amaro,

290
Ibidem.
291
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 62.
292
Além destes, faziam parte da sociedade o Barão de Fiais (Luís Paulo de Araújo Bastos), Camillo
Antonio da Silva, José Affonso do Carvalho, Wencesláo Miguel d‘Almeida, João Alves Pitombo, Justino
José Fernandes, Guilherme Geach, José dos Santos Corroia e Francisco Pinto Lima, o mesmo Pinto Lima
com quem havia estado em parceria no caso do patacho Sociedade Feliz. Cf.: BN. HDB. Correio
Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 25, 02 de fevereiro de 1847. p. 3.
293
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição... op. cit. p. 87-92
294
Ibidem. p. 92-95.
99

São Francisco do Conde, Cachoeira e Maragogipe, e uma para Nazaré e Jaguaripe.


Além de passar a realizar viagens para Valença (local onde a fábrica Todos os Santos
havia sido construída), para onde realizava primeiro uma e depois duas viagens
mensais295. Além disso, a empresa contava com um estaleiro em Itapagipe, onde eram
realizados reparos nas embarcações296.
A operação da Companhia Bonfim no Recôncavo e no Recôncavo Sul da Bahia
e a extensão da sua atividade até a vila de Valença ratifica a convergência de interesses
nos investimentos realizados pelos sócios da firma Lacerda e Cia. Sendo proprietários
também de companhias de navegação, ainda que separadamente, eles diminuíam a
dependência de intermediários no transporte de matérias-primas para a Todos os Santos
e na distribuição da produção da fábrica. Como aprofundaremos posteriormente, uma
das principais mercadorias produzidas pela Todos os Santos eram os tecidos destinados
à confecção de roupa de escravos e sacaria. Estes produtos deveriam encontrar nas
regiões fumageiras e açucareiras do Recôncavo, como as cidades de Santo Amaro, São
Francisco do Conde e Cachoeira, que eram cobertas pela atuação da Companhia
Bonfim, seu principal mercado na província da Bahia. Além disso, havia a possibilidade
da Companhia transportar o algodão que porventura chegassem à Cachoeira do interior
da província, por terra ou pelo Rio Paraguaçu, para Valença.
A conjuntura socioeconômica externa e interna da segunda metade da década
1850, no entanto, a epidemia de cólera-morbus e a seca que assolaram a Bahia em 1857,
além dos efeitos da crise econômica mundial do mesmo ano, levariam a Companhia
Bonfim a passar por dificuldades. Com isso, em 1858 a empresa seria fundida à
Companhia Santa Cruz, dando origem a segunda Companhia Baiana de Navegação297 e
unindo Antonio Pedrozo de Albuquerque, Antonio Francisco de Lacerda e John Smith
Gillmer em mais um empreendimento. Contudo, como aprofundaremos no capítulo 5,
os mesmos fatores que levaram a desestabilização das companhias Santa Cruz e Bonfim
também afetaram os negócios da fábrica Todos os Santos. Assim, enquanto Pedrozo,
Lacerda e Gillmer se uniam na segunda Companhia Baiana de navegação, tinha início o
processo que resultaria na dissolução da firma Lacerda e Cia dois anos mais tarde.
Além dos sócios da Lacerda e Cia, outros importantes nomes do cenário político
econômico do período, a exemplo do ex-presidente da província da Bahia e amigo de

295
Ibidem. p. 99.
296
Ibidem. p. 99.
297
Ibidem. p. 10.
100

Antonio Pedrozo de Albuquerque, Francisco Gonçalves Martins, também integrariam a


nova Companhia Baiana. A segunda Companhia Baiana contou inicialmente com um
capital de 1.800:000$000rs, dividido em 4 mil ações de 450$000. Em termos
estruturais, a companhia detinha oito embarcações, seis das quais incorporadas das
companhias Bonfim e Santa Cruz, três de cada, um trapiche para depósito de carvão,
uma oficina e um estaleiro em Itapagipe. Ela continuaria a operar nas mesmas linhas
anteriormente cobertas pelas companhias Bonfim e Santa Cruz, do sul da província da
Bahia até Alagoas e no Recôncavo baiano298.
Nos primeiros anos de sua operação, a Companhia Baiana enfrentaria
dificuldades apresentando um déficit de mais de 130 contos na sua receita no ano
financeiro de julho de 1859 a junho de 1860. A despeito disso, principalmente em
virtude de subsídios fornecidos pela província da Bahia, ela teria receita superavitária
no ano seguinte. Já em 1862, a empresa passou a receber investimento de ingleses, que
se tornaram os principais acionistas da agora chamada Bahia Steam Navigation
Company299. Mesmo tendo perdido a hegemonia na instituição, os negociantes
nacionais permaneceram ocupando importantes papéis nesta. Em 1863 e em 1871, por
exemplo, Lacerda ocuparia o cargo de subdiretor da Companhia300. Não foi possível
identificar, contudo, se o exercício deste cargo foi contínuo ou não ao longo destes anos.
Ainda em 1863, Antonio Francisco de Lacerda fez parte da firma Ribeiro, Costa
& Companhia, que atuava no tráfego de mercadorias em Salvador. Segundo Waldir
Freitas de Oliveira, a empresa era responsável, entre outros, pelo reboque (com vapores)
de embarcações e pelo transporte (em alvarengas) de gêneros de comércio costeiro, de
importação e de exportação (realizando o carregamento e o descarregamento de
mercadorias) tanto no porto principal quanto nos ancoradouros da cidade301.
Durante a já mencionada epidemia de cólera, que impactou profundamente seus
negócios, Lacerda prestou serviços públicos à província da Bahia, atuação que lhe
renderia, em 1858, o título honorífico de Cavaleiro da Ordem de Cristo 302. Da mesma
forma, ao longo da década de 1860 e no início da década de 1870, o negociante fez
parte de uma série de comissões encarregadas de distribuir socorros à população afetada

298
Ibidem. p. 128.
299
Ibidem. p. 128.
300
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1863. Ano 9.
Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1863. SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma
contribuição... op. cit. p. 264.
301
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 64.
302
BN. HDB. Publicador Maranhense (Maranhão). Ano 17, n. 286, 20 de dezembro de 1858. p. 1.
101

pela seca na província da Bahia303. Já na década de 1860, ele, assim como Pedrozo,
seria agraciado com inúmeros títulos honoríficos, concedidos em reconhecimento aos
serviços prestado à província da Bahia e ao Império do Brasil: Oficial (1859),
Comendador (1860) e Dignitário da Ordem da Rosa (1866) e Comendador da Ordem de
Cristo (1860)304.
No final da década de 1840, além da fábrica Todos os Santos, Antonio Francisco
de Lacerda empreendeu mais um investimento na região de Valença, financiando a
construção de um farol no Morro de São Paulo305, localidade, que, como vimos, fora
desde o período colonial um importante ponto de referência à navegação costeira da
província da Bahia. A construção do farol, realizada sobre a direção do engenheiro John
Monteiro Carson, que teve papel fundamental na fábrica Todos os Santos, aponta para
uma provável intensificação da navegação na região.
Embora seja inegável a importância que a construção do farol teria para a
navegação marítima e fluvial da província da Bahia, não podemos deixar de refletir
sobre os possíveis interesses de Antonio Francisco de Lacerda com o financiamento
deste empreendimento. Em alguma medida, é possível que esse investimento viesse
atender às demandas geradas pela fábrica de fornecimento de matéria-prima e do
comércio de mercadorias que dependiam da navegação. Além disso, havia o próprio
investimento realizado pelo negociante na Companhia Bonfim e, mais tarde, na segunda
Companhia Baiana de Navegação, cujos interesses estavam diretamente ligados a uma
boa sinalização costeira do litoral da Bahia.
Contudo, a construção do farol do Morro de São Paulo também devia atender a
interesses relacionados ao desenvolvimento de negócios ilícitos, como o próprio
contrabando negreiro que se dissipava ao longo do litoral sul da província (onde, como

303
BN. HDB. Correio da Victoria (Espírito Santo). Ano 21, n. 101, 25 de dezembro de 1860. p. 3. Falla
recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo Presidente da Provincia o Conselheiro e
Senador do Imperio Herculano Ferreira Penna em 10 de Abril de 1860. Bahia: Typographia de Antonio
Olavo da França Guerra, 1860. p. 181. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 48, n. 339, 7 de
dezembro de 1868. p. 2. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 45, n 273, 29 de Novembro de 1869.
p. 2. Relatorio apresentado a Assembléa Legislativa Provincial da Bahia pelo excellentissimo senhor
Barão de S. Lourenço, Presidente da Mesma Provincia, Em 6 de Março de 1870. Bahia: Typographia do
Jornal da Bahia, 1870.
304
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1860. Ano 6.
Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1860. p. 351. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 17,
n. 74, 14 de março de 1860. p. 1. Ano 23, n. 263, 23 de setembro de 1866. p. 2. Almanak Administrativo,
Mercantil e Industrial
305
JESUS, Thayse Freitas Xavier de. Determinantes da competitividade e estratégias empresarias: uma
análise da evolução da indústria têxtil no Brasil a partir do caso da Companhia Valença Industrial.
Monografia (Bacharelado em Ciências Econômicas). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2011. p.
38.
102

vimos, um parceiro comercial de Lacerda detinha um ponto de desembarque de cativos)


e o contrabando de outras mercadorias, como diamantes, negócio no qual Lacerda
também parece ter se envolvido.
De acordo com Waldir Freitas de Oliveira o Morro de São Paulo deveria ser
destino final do diamante contrabandeado da região da Chapada Diamantina no século
XIX, por meio de rotas nos vales dos rios Paraguaçu e Jiquiriçá. Coincidentemente,
conforme o autor, Antonio Francisco de Lacerda, financiador da construção do farol, era
proprietários de 38 casas localizadas em Lençóis, na Chapada Diamantina. Ademais, um
de seus genros, o francês Edouard Callebaut, era envolvido com o comércio de
diamantes naquela região306.
A partir do final da década de 1840, o negociante passou a atuar em comissões
relacionadas à realização de melhoramentos urbanos em Salvador. Em 1848, quando a
firma Lacerda e Cia já havia sido constituída e a Todos os Santos já se achava em
operação, foi, com Antonio Pedrozo de Albuquerque, entre outros, membro de uma
comissão composta por membros corpo do comércio para o melhoramento das
freguesias da Conceição da Praia e do Pilar307. No ano de 1853, fez parte da Companhia
do Queimado, criada para prover a cidade do abastecimento de água potável. Ela era
responsável tanto pela limpeza, manutenção e reparos das fontes de Salvador quanto
pela distribuição e venda da água na cidade308. Anos mais tarde, em 1861, foi membro
de uma comissão formada pelo governo da província encarregada de organizar
companhias de bombeiros em Salvador309. Enquanto isso, em 1865, foi membro de uma
comissão, que contava novamente com a presença de Pedrozo, nomeada pelo presidente
da província da Bahia, Luís Antônio Barbosa de Almeida, encarregada do calçamento
da rua nova do Comércio310.
Como vimos, há muito Lacerda já desfrutava de uma posição de prestígio dentro
da classe comercial da província da Bahia. No entanto, ele levou algum tempo para ser
aceito pelos círculos mais tradicionais da alta sociedade baiana do século XIX. Por

306
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 64;73.
307
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). n. 272, 11 de dezembro de 1848. p. 1
308
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 64. PINHEIRO, Eloísa Pétti.
Europa, França e Bahia: difusão e adaptação de modelos urbanos (Paris, Rio e Salvador). 2. ed.
Salvador: EDUFBA, 2011. p. 197. NUNES NETO, Francisco Antonio. Entre fontes, chafarizes e o dique:
a introdução do sistema de abastecimento de água em Salvador. In: Revista FSA. Teresina, v. 11, n. 4,
out/dez. 2014. p. 142.
309
BN. HDB. Falla que recitou na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia, o Vice-Presidente da
Provincia Dr. José Augusto Chaves, no dia 1º de Setembro de 1861. Bahia: Typographia de Antonio
Olavo da França Guerra, 1861. p. 17.
310
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 40, n. 301, 7 de outubro de 1865. p. 1.
103

exemplo, apenas em 1853, quando já contava com 56 anos, ele viria a se tornar irmão da
Santa Casa de Misericórdia de Salvador. A título de comparação, vale recordar que
Pedrozo, um ano mais jovem do que Lacerda, havia sido provedor da Santa Casa
dezesseis anos antes, em 1837. Apesar disto, uma vez membro da irmandade, o
negociante parece não ter recebido tratamento distinto por parte de seus membros, pelo
contrário, deve ter sido muito bem aceito entre eles, visto que chegou a ocupar o cargo
de tesoureiro da Santa Casa311.
Nos anos de 1866 e 1868, Antonio Francisco de Lacerda foi membro de duas
comissões com importante viés político. Em 1866, foi membro de uma comissão
encarregada pela presidência da província da Bahia de reunir e administrar
equipamentos, como fardamento, armas e utensílios de enfermaria destinados à Guerra
do Paraguai312. Vale recordar que Pedrozo fez uma doação de 20:000$000rs e de tecidos
da fábrica Todos os Santos para a confecção de fardamentos de soldados, para a Guerra.
Dois anos mais tarde, em 1868, o negociante integrou uma comissão encarregada pela
recepção do Duque de Saxe, Dom Luis Augusto de Saxe Coburgo e Gotha, marido da
princesa Leopoldina e genro de D. Pedro II, e seu irmão D. Luis Philippe, em
Salvador313.
Durante o período em que realizou os investimentos na fábrica, nas companhias
de navegação e no farol do Morro de São Paulo, Lacerda continuou atuando em
instituições da classe comercial na Bahia. A partir de meados da década de 1850, além
de sua participação na Associação Comercial, o negociante alcançaria o ápice da sua
atuação burocrática no ramo do comércio da província, com sua eleição para
composição do Tribunal do Comércio da Bahia. Nos anos de 1854, 1855 e 1860 ele foi
deputado suplente e de 1863 a 1867 e, novamente, em 1870, deputado da instituição314.

311
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 64.
312
BN. HDB. Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial da Bahia pelo excellentissimo
Presidente da Provincia o Comendador Manuel Pinto de Souza Dantas no dia 1º de março de 1886.
Bahia: Typographia de Tourinho & C, 1866. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 44, n. 76, 18 de
março de 1866. p. 6.
313
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 25, n. 26, 16 de agosto de 1868. p. 3.
314
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1855. Ano 1.
Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1854. p. 151. Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial da Bahia, para o anno de 1856. Ano 2. Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1855.
p. 186. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1860. Ano 6. Bahia:
Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1860. p. 206. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da
Bahia, para o anno de 1863. Ano 3, depois do bissexto. Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C.,
1863. p. 207. Almanak da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno bissexto de 1864. Vigesimo-
primeiro ano, segunda série XIV. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1864. p. 118. Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1865. Ano
22, série 2, n. 17. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1865. p. 115. Almanak Administrativo,
104

Os deputados do Tribunal do Comércio eram representantes dos comerciantes na


instituição e tinham nela um importante papel, pois atuavam como juízes leigos, em
conjunto com os juízes letrados. Na Bahia, eram quatro juízes leigos e um letrado, além
de um fiscal, também letrado. O Tribunal do Comércio era responsável pelas jurisdições
voluntária e de falência, pelo auxílio no governo e pelo desenvolvimento do
comércio315. Como apontado por Edson Alvisi Neves, para o caso do Tribunal do
Comércio da Corte: ―Os negociantes indicados ao Tribunal do Comércio compunham a
nata dos profissionais citatinos e exerciam um determinado poder em favor de seus
interesses [...]‖316.
A suplência ocupada por Lacerda no ano de 1854 aponta para o fato de que ele
esteve presente na instituição desde os anos iniciais de sua fundação, visto que os
Tribunais do Comércio haviam sido instituídos em 1850, por meio do Código
Comercial. Ademais, a deputação ocupada até 1870, dois anos antes de seu falecimento
e cinco anos antes da extinção do Tribunal, demonstra que o negociante fez parte desta
instituição durante mais da metade dos anos de seu funcionamento. A ligação de
Lacerda com as instituições da classe comercial durou até as vésperas do sua morte.
Além de deputado do Tribunal do Comércio, em 1870, ele foi acionista e membro da
comissão de contas da Sociedade do Comércio317.
Como membro ativo da Associação Comercial da Bahia e dando início à sua
atuação no Tribunal do Comércio, Antonio Francisco de Lacerda deveria estar atento às
demandas dos negociantes baianos do período. E, em meados da década de 1850, após a
supressão definitiva do contrabando negreiro, nenhuma demanda parecia mais urgente
para a elite econômica baiana do que encontrar alternativas para suprir a força de
trabalho318. Provavelmente, em busca de atender e lucrar com esta necessidade, em
agosto de 1854, ele foi membro da diretoria da recém-fundada companhia para a

Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1866. Ano 23, série 2, n.
18. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1866. p. 114. Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1867. Ano 24, série 2, n. 19. Rio de
Janeiro: E. & H. Laemmert, 1867. p. 113. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e
Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1870. Ano 27, série 2, n. 22. Rio de Janeiro: E. & H.
Laemmert, 1870. p. 117.
315
LOPES, José Reinaldo de Lima. A formação do direito comercial brasileiro: A criação dos tribunais de
comércio do Império. In: Cadernos Direito GV. São Paulo: Ed. Fundação Getulio Vargas. v. 4, n. 6,
novembro de 2007. Disponível em:
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2827/caderno%20direito%2020.pdf.
Acesso em: 14 de agosto de 2019.
316
NEVES, Edson Alvisi. Magistrados e Negociantes... op. cit. p. 283.
317
BN. HDB. A Constituição (Ceará). Ano 8, n. 53, 11 de março de 1870. p. 1.
318
Cf.: SANTOS, Silvana Andrade dos. ―Knowledge is power‖... op. cit. SANTOS, Silvana Andrade dos.
―Qualquer remédio é de urgência‖... op. cit.
105

introdução de colonos chineses na Bahia. A companhia, organizada na Praça do


Comércio de Salvador, teve ainda como membros Francisco Antonio Sampaio Vianna e
Francisco Antonio Pereira Rocha319.
No início daquele ano, na sua fala na abertura dos trabalhos da Assembleia
Legislativa, o presidente da província, João Maurício Wanderley, já havia sinalizado o
interesse de alguns indivíduos da Bahia em viabilizar a colonização dos chamados
chins. Wanderley buscou destacar que, a despeito da repulsa que uma parcela da
população tinha dessa iniciativa320, a introdução destes colonos apresentava vantagens,
visto que os chins eram ―homens parcos, econômicos, sofredores e afeitos a rudes
trabalhos‖. Por fim, instigou a Assembleia Legislativa provincial a aprovar a formação
de uma companhia de importação de colonos chineses, assim como a concessão de
prêmios para cada colono importado para a Bahia321. E, visto que a companhia da qual
Lacerda fez parte foi fundada em agosto daquele ano, é possível que a retórica de
Wanderley tenha surtido algum efeito.
Mesmo que não tenha sido possível levantar mais detalhes acerca da
Companhia, em virtude da escassez de referências bibliográficas sobre sua existência,
ela deve ter operado por um período. Em junho de 1855, o periódico O Constitucional
noticiava a existência de colonos chins recentemente importados, justamente no
município de Valença. Na noite do dia 10 para 11 de daquele mês, 10 destes migrantes
haviam tentado suicídio, sete deles morreram322. É bastante provável que estes colonos
tenham sido importados pela companhia formada em 1854. A companhia existiu até,
pelo menos, 1858323.

319
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 11, n. 239, 15 de agosto de 1854. p. 1.
320
A introdução de colonos chineses foi um tema controverso na Bahia e no Brasil durante o século XIX.
Embora se constatassem vantagens na introdução desta mão de obra , verificada a partir dos exemplos
bem-sucedidos realizados por outros países, como o Peru e Cuba, alguns aspectos, especialmente
relacionadas às questões raciais, levavam a existência de uma oposição à introdução de colonos chineses.
Cf: ARAÚJO, Nilton de Almeida. Agriculturas, ciências e raças: as teses da Escola Agrícola da Bahia e a
construção do Estado brasileiro. In: Anais do 16º Seminário Nacional de História da Ciência e da
Tecnologia. Campina Grande: Universidade Federal de Campina Grande; Universidade Federal da
Paraíba, 2018. Disponível em:
https://www.16snhct.sbhc.org.br/resources/anais/8/1535763406_ARQUIVO_SBHCfinalizandocorpo.pdf.
Acesso em: 14 de agosto de 2018. PERES, Victor Hugo Luna. Os “Chins” nas Sociedades Tropicais de
Plantação: Estudo das propostas de importação de trabalhadores chineses sob contrato e suas
experiências de trabalho e vida no Brasil (1814 -1878). Dissertação (Mestrado em História). Recife:
Universidade Federal de Pernambuco, 2013.
321
BN. HDB. Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia, pelo presidente da
província o Dr. João Mauricio Wanderley: 1 de março de 1854. Bahia: Typographia de Antonio Olavo da
França Guerra e Comp., 1854.
322
BN. HDB. O Constitucional (Bahia). Ano 5, n. 45, 14 de junho de 1855. p. 2.
323
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1858. Ano 4.
Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1858.
106

Em 1865, onze anos após participar da companhia para introdução de colonos


chineses, Lacerda endossou mais um grupo em prol da introdução de colonos na Bahia,
desta vez sendo conselheiro da associação da colonização polonesa, os chamados
polacos, da qual foram membros protetores Antonio Pedrozo de Albuquerque e seu
filho, homônimo324. Informações bibliográficas sobre esta companhia são igualmente
escassas e não podemos saber se ela frutificou325.
Nesta mesma linha de atuação, em 1860, Antonio Francisco de Lacerda foi
membro do Imperial Instituto de Agricultura da Bahia, do qual, como vimos, Antonio
Pedrozo de Albuquerque também fez parte326. Criado em 1 de novembro de 1859, o
Instituto foi uma resposta às transformações que a economia brasileira passava em
meados do século XIX, especialmente em virtude do fim do tráfico transatlântico de
escravos, que colocava em evidência a questão da disponibilidade de oferta de mão de
obra para ser emprega na agricultura baiana. Ele era formado em sua maioria por
membros integrantes do setor agroexportador (notadamente senhores de engenho,
proprietários rurais, banqueiros, comerciantes, comissários de açúcar, antigos traficantes
de escravos, industriais e dirigentes da província) e figurou como um elemento
fundamental nas esferas de decisões relativas à agricultura da província. Partiria da
instituição, por exemplo, a iniciativa de fundação de uma escola agrícola na Bahia, na
qual eram ofertadas duas modalidades de ensino: um curso elementar para a formação
de operários agrícolas; e um superior destinado a formar engenheiros agrônomos e
veterinários327.
Em 1857, Antonio Francisco de Lacerda retornaria ao ramo das instituições
bancárias, setor econômico pelo qual já demonstrava interesse desde o início da década
de 1830. Ele foi um dos fundadores com importantes nomes da sociedade baiana, como
324
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 41, n. 5, 7 de janeiro de 1865. p. 2.
325
Os trabalhos que abordam a introdução de colonos poloneses na Bahia dão destaque apenas à segunda
metade do século, especialmente o ano de 1873, quando foram fundadas colônias contendo migrantes
desta nacionalidade na província. Cf.: JONES, Cleiton Melo. “Vem aí a imigração”: Expectativas,
propostas e efetivações da imigração na Bahia (1816-1900). Dissertação (Mestrado em História).
Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2014. LYRA, Henrique Jorge Buckingham. Colonos e
colônias: Uma avaliação das experiências de colonização agrícola na Bahia na segunda metade do séc.
XIX. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1982.
326
BN. HDB. Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo Presidente da
Provincia o Conselheiro e Senador do Imperio Herculano Ferreira Penna em 10 de Abril de 1860.
Bahia: Typographia de Antonio Olavo da França Guerra, 1860. p. 249.
327
TOURINHO, Maria Antonieta de Campos. O Imperial Instituto Bahiano de Agricultura: A Instrução
Agrícola e a crise da Economia Açucareira na Segunda Metade do Século XIX. Dissertação. Salvador:
Universidade Federal da Bahia, 1982. ARAÚJO, Nilton Almeida. Pioneirismo e hegemonia: A
construção da agronomia como campo científico na Bahia (1832-1911). Dissertação. Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 2010. SANTOS, Silvana Andrade dos. ―Qualquer remédio é de
urgência‖... op. cit. SANTOS, Silvana Andrade dos ―Knowledge is power‖... op. cit.
107

Francisco Gonçalves Martins, João Maurício Wanderley e do negociante e ex-


contrabandista negreiro Joaquim Pereira Marinho328, do banco mercantil, territorial e
hipotecário da Bahia, o Banco da Bahia329.
Como demonstrado por Pinto de Aguiar, o monopólio de emissões pelo Banco
do Brasil naquela altura dificultava o acesso a créditos e papel moeda por parte dos
negociantes de outras províncias, especialmente aos do Norte. Segundo o autor, as
emissões realizadas pelas Caixas Filiais do Banco do Brasil nas províncias
correspondiam a menos da metade do total das emissões do estabelecimento
(12.538:00$000rs de 29.488:000$000) e a maior parte delas estava concentrada no Rio
de Janeiro. No entanto, a despeito da importância política e econômica da cidade do Rio
de Janeiro e da província fluminense, o Norte do país ainda concentrava 40% das
exportações nacionais no período330.
A crise econômica mundial de 1857 e as medidas adotadas pelo governo
imperial para conter seus impactos agravariam ainda mais a situação do acesso ao
crédito bancário e a capitais por parte das províncias, o que deixou em evidência a
necessidade de criação de uma rede bancária emissora provincial. De acordo com
Aguiar, se, por um lado, as medidas adotadas pelo governo para conter os impactos da
crise agravavam a situação das províncias nortistas, por outro lado, a descentralização
emissionista adotada durante a gestão do Ministro da Fazenda Bernardo de Souza
Franco favorecia o desenvolvimento de instituições bancárias nestas localidades331.
O Banco da Bahia iniciou suas atividades em 13 de maio de 1858 e permaneceu
ativo até o século XX332. Antonio Francisco de Lacerda foi um dos responsáveis, com
Wanderley e Martins, pela distribuição de 20 mil ações do Banco333. Além de fundador,
ele foi conselheiro fiscal do estabelecimento no ano de 1860334. Em 1861, Lacerda

328
Sobre a trajetória de Joaquim Pereira Marinho ver: XIMENES, Cristiana. Joaquim Pereira Marinho...
op. cit.
329
MATTOS, Waldemar. Panorama econômico... op. cit. AGUIAR, Pinto de. História do Banco... op
cit.
330
AGUIAR, Pinto de. História do Banco... op. cit. Idem. História de um banco. Salvador: Centro de
Estudos Bahianos, 1970.
331
AGUIAR, Pinto de. História do Banco... op. cit. Idem. AGUIAR, Pinto de. História de um banco... op.
cit.
332
MATTOS, Waldemar. Panorama econômico... op. cit. p. 74.
333
BN. HDB Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 277. 10 de outubro de 1857, p. 1. De acordo
com Mattos, o banco contava com um capital de 8 mil contos de réis, representado por 40 mil ações de
200 réis. Já segundo Aguiar, o banco contava com 700 acionistas e com um capital ouro de 4 mil contos.
Cf.: MATTOS, Waldemar. Panorama econômico... op. cit. p. 74. AGUIAR, Pinto de. História do
Banco... op. cit. p. 102. AGUIAR, Pinto de. História de um banco... op. cit. p. 7.
334
BN. HDB Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, n. 291. 16 de outubro de 1858. p. 2. Diario do
Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 40, n. 49, 13 de maio de 1860. p. 2.
108

concorreu as eleições para diretoria da instituição, não logrando êxito (obteve 165 votos,
sendo o terceiro menos votado)335. Já no ano de 1867, voltou a fazer parte do conselho
fiscal do estabelecimento, permanecendo nesta função até o ano de 1870, pouco antes
de seu falecimento336. Mas o investimento de Lacerda não se restringiu ao banco
provincial, na década de 1860, ele era o 14º maior acionista do Banco do Brasil, com
734 ações337.
Vale ressaltar que o Banco da Bahia, que contava com a participação de nomes
que atuariam a partir do ano de 1858 na segunda Companhia Baiana de Navegação,
como Francisco Gonçalves Martins, Joaquim Pereira Marinho e o próprio Antonio
Francisco de Lacerda, seria um dos principais fornecedores de empréstimos para a
Companhia338, apontando mais uma vez para os vínculos existentes entre os
empreendimentos realizados por estes negociantes.
Os anos de 1857 e 1858 representaram, portanto, um importante marco na
trajetória econômica de Antonio Francisco de Lacerda. Como acima mencionado, houve
sua inserção no setor bancário e a formação da segunda Companhia Baiana de
Navegação, negócios no quais ele exerceu importante papel, figurando não só como
acionista, mas ocupando cargos de direção. Se, de um lado, o negociante dava início a
novos projetos, de outro, buscava encerrar a sua participação na fábrica Todos os
Santos. Embora, como aprofundaremos no capítulo 5, a dissolução da sociedade
Lacerda e Cia só viesse ocorrer dois anos mais tarde, em 1860, a fábrica Todos os
Santos esteve à venda desde 1858. O distrato da firma deixa explícito que a razão do
encerramento desta fora o interesse de Antonio Francisco de Lacerda em deixar a
sociedade.
Os motivos apresentados pelo negociante para a saída da sociedade Lacerda e
Cia convergiam com as razões pelas quais o Banco da Bahia fora fundado e a segunda
Companhia Baiana de Navegação surgiu: a conjuntura adversa pela qual a economia da
Bahia passava, tanto pelos efeitos da crise econômica mundial e pelas medidas
econômicas adotadas pelo governo brasileiro, quanto pela epidemia de cólera e pela
seca que assolavam a província no período. Vale recordar que a segunda Companhia
Baiana de Navegação havia sido resultado da fundição das companhias Santa Cruz e

335
BN. HDB Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 18, n. 78, 20 de março de 1861. p. 2.
336
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 24, n. 79, 20 de março de 1867. p. 2. A
Constituição (Ceará). Ano 8, n. 98, 12 de maio 1870. p. 1.
337
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 23, n. 331, 4 de dezembro de 1866. p. 3.
338
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição... op. cit. p. 184.
109

Bonfim, em virtude dos problemas que estas empresas enfrentavam no período. Além
disso, a própria criação do Banco da Bahia procurava em alguma medida responder às
demandas dos negociantes baianos por créditos e capitais.
Lacerda despediu-se da sociedade em carta aberta destinada aos operários da
fábrica, publicitada no Jornal da Bahia e reproduzida no Rio de Janeiro pelo Correio
Mercantil, a pedido. O empresário atribuiu sua saída da sociedade a uma série de
aspectos econômicos, como a crise financeira pela qual a província da Bahia passava e
as políticas econômicas adotadas pelo Ministro da Fazenda, Ângelo Moniz da Silva
Ferraz (que, diga-se de passagem, era natural de Valença), a quem acusou de
inexperiente, como as novas políticas de crédito e a nova lei bancária339, certamente se
referindo à lei nº 1.083, de 22 de agosto de 1860, conhecida como Lei dos Entraves que,
entre outras coisas, restringia a emissão dos bancos e afetava diretamente a oferta de
créditos340. Ele considerava que a restrição de créditos ameaçava desde as grandes e
estáveis fortunas até as indústrias nascentes que necessitavam de auxílio governamental
(dentre as quais incluía a Todos os Santos).
As declarações dadas no encerramento da sociedade Lacerda e Cia e a acusação
feita ao Ministro da Fazenda repercutiram negativamente em alguns segmentos da
sociedade brasileira do período e ganharam maiores proporções341. A carta de despedida
do empresário foi alvo de críticas do Jornal do Commercio, no Rio de Janeiro, em uma
sátira chamada Os de lá, e os de cá, que saía em explícita defesa de Silva Ferraz. A
publicação refutava o argumento de Lacerda, que havia atribuído a crise econômica da
Bahia à atuação do Ministro da Fazenda, afirmando que a crise era produto de fatores
internos, a exemplo das secas que assolaram a província e provocaram encadeamentos
negativos, resultando na retração do crédito. Questionava também a sua experiência
quando, segundo eles, a nova lei bancária (considerada vexatória por Lacerda) havia
sido discutida e aprovada por pessoas competentes na matéria, enquanto os negócios do
empresário haviam lhe causado dívidas. Por fim, acusavam Lacerda de ter se
posicionado daquela forma na correspondência por ignorância ou oposição política à
atuação do Ministro (vale recordar que Silva Ferraz era natural de Valença) e atribuíam
a necessidade de venda de sua parte na fábrica às práticas especulativas que havia feito

339
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 17, n. 277, 6 de outubro de 1860. p. 2.
340
Cf.: GUIMARÃES, Carlos Gabriel. A presença inglesa... op. cit. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura
na formação... op. cit.
341
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro) Ano 6, n. 240, 23 de outubro de 1860. p. 2.
110

e que haviam lhe causado prejuízos342. A respeito disso, seguramente os autores da


publicação fizeram referência à especulação praticada por muitos negociantes ao longo
da década de 1850, período de vigência de uma política emissionista no Brasil,
impulsionadas pela Lei Eusébio de Queirós, que possibilitou acesso ao crédito para
diversos setores da economia343. Nota-se, por outro lado, que, dentre as inúmeras
acusações feitas pelo Jornal do Commercio a Antonio Francisco de Lacerda, nenhuma
menção foi feita sobre sua participação no contrabando negreiro.
Como este quiproquó teve fim a participação do negociante na Todos os Santos,
que, como aprofundaremos no capítulo 5, passaria a pertencer exclusivamente a
Antonio Pedrozo de Albuquerque. Anos mais tarde, em 1869, Lacerda voltaria a atuar
no ramo têxtil, adquirindo a fábrica de tecidos Nossa Senhora do Amparo, também
situada na cidade de Valença, da firma Madureira & Dutra, de Bernardino de Sena
Madureira e Luiz Rodrigues Dultra Rocha Filho. Fundada em 1860, a Nossa Senhora do
Amparo era uma das três maiores fábricas têxteis do país, revezando em segundo e
terceiro lugar com Santo Aleixo (fábrica localizada na cidade de Magé, no Rio de
Janeiro e pertencente José Antonio de Araújo Filgueiras), a depender dos critérios
adotados. O primeiro lugar era ocupado com folga pela Todos os Santos344.
Apesar de adquirida por Antonio Francisco de Lacerda, a Nossa Senhora do
Amparo foi registrada como propriedade da firma Lacerda e Irmãos, composta por seus
três filhos homens Antônio de Lacerda, Joaquim de Lacerda e Augusto Frederico de
Lacerda345. Na administração do negócio, o grupo contaria com a experiência do pai e
de Augusto de Lacerda, que assumiu o cargo de diretor da fábrica Todos os Santos na
década de 1850, após o falecimento de John Monteiro Carson346.
No início da década de 1860, Lacerda fundou ainda, em sociedade com Antonio
Joaquim da Silva Bastos e Antonio Joaquim d‘Oliveira Souza, sob a firma Bastos &
Cia, uma fábrica de chapéu de feltros, situada em Água de Meninos, em Salvador347.

342
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 35, n. 278, 7 de outubro de 1860. p. 1.
343
Cf.: GUIMARÃES, Carlos Gabriel. A presença inglesa... op. cit. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura
na formação... op. cit. VITORINO, Artur. Política, agricultura... op. cit.
344
BRASIL. Relatorio da 2ª Exposição Nacional de 1866. 2ª parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional,
1869. Disponível em: https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=coo.31924019972011;view=1up;seq=9.
Acesso em 14 de janeiro de 2019.
345
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 63.
346
OLIVEIRA, Edgar Otacílio da Silva. Valença... op. cit. p. 79-80.
347
Segundo Waldir Freitas de Oliveira, a sociedade teria sido iniciada no ano de 1862 com o propósito de
fundação da fábrica. Já, segundo Pedro de Almeida Vasconcelos, a fábrica terias sido inaugurada em
1860. Cf.: OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 64. VASCONCELOS,
111

Segundo Pedro de Almeida Vasconcelos, o estabelecimento contava no período com


250 operários348. Não encontramos mais informações bibliográficas sobre a estrutura e o
funcionamento da fábrica, nem por quanto tempo Lacerda permaneceu como sócio-
proprietário.
Em 1868, Lacerda aparece como acionista da Companhia do Tram Road
Paraguassú, como vimos, iniciativa encabeçada por Antonio Pedrozo de Albuquerque.
Além de sócio, Lacerda foi membro do comitê e da comissão fiscal brasileira da
empresa349. No ano seguinte, em 1869, continuaria investindo no ramo dos transportes
terrestres. Ele foi sócio majoritário da firma Antonio de Lacerda e Cia, também
conhecida como Transportes Urbanos, formada com o intuito de construir, conservar e
operar uma ou mais máquinas, destinadas a realizarem o transporte de pessoas e
mercadorias entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa e um caminho de bondes, para
transporte de passageiros entre a Praça do Palácio (atual Praça Municipal ou Tomé de
Souza) e a povoação da Barra, em Salvador. Além do negociante e seus filhos, Antonio
e Joaquim de Lacerda, compuseram a sociedade outros 25 agentes, entre pessoas e
companhias, com muitos dos quais o negociante possuía vínculos familiares, a exemplo
do engenheiro belga Camille Montobiou, ex-sogro de Antonio de Lacerda; do francês
Edouard Callebaut, marido de Maria José de Lacerda e genro de Antonio Francisco de
Lacerda; e de Carlos Américo Sampaio Viana (futuro Barão de Sampaio Viana),
sobrinho de Angélica Michelina de Viana (esposa de Lacerda)350.
Ainda em 1869, os bondes puxados a burro e trafegando em trilhos de ferro
administrados pela empresa Transportes Urbanos entrariam em operação. Inicialmente,
o trajeto era feito apenas entre o Largo da Piedade e o Largo da Vitória, operando até a
Praça do Palácio apenas a partir de dezembro de 1873351. Naquele mesmo ano teve
início a construção da máquina, que viria a ser o primeiro elevador público, urbano e
coletivo do mundo, responsável por ligar a Cidade Alta à Cidade Baixa em Salvador, o

Pedro de Almeida. Salvador: Transformações e permanências. 2 ed. rev. e ampl. Salvador: EDUFBA,
2016. p. 258.
348
VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Salvador... op. cit. p. 258.
349
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 25, n. 154, 4 de junho de 1868. p. 3. Correio
Paulistano (São Paulo). Ano 15, n. 3.604, 10 de junho de 1868. p. 2
350
Os demais sócios da empresa foram Manoel Teixeira de Carvalho, Manoel Gonsalves da Costa,
Bartholomeo Costa & Companhia, Paulo Pereira Monteiro Junior, Antonio Luiz Vieira Lima, José Luiz
Vieira Lima, Francisco Nicolau Gavazza, Joaquim Matheus dos Santos & Companhia, Manoel Joaquim
Alves, Udo Schuleussner, Wilson Hett & Companhia, S. F. Griffin, J. G. Illins, Joaquim José de Souza
Guimarães, Mathias Gonsalves Carteado, Sebastião Lopes da Costa, Luiz Hoffman, Caetano Lourenço
Seixas, Lourenço Devoto e José Vicente Tourinho. Cf.: OLIVEIRA, Waldir Freitas. Antonio de
Lacerda... op. cit. p. 7; 23.
351
Ibidem. p. 8.
112

Elevador Hidráulico da Conceição, ou ―Parafuso‖, como era chamado à época, hoje


Elevador Lacerda, em homenagem ao seu idealizador, Antonio de Lacerda. A
construção, considerada utópica para a sociedade da época, durou cerca de 50 meses, de
outubro de 1869 até dezembro de 1873, quando foi inaugurado, mais de um ano após o
falecimento de Antonio Francisco de Lacerda352. Nota-se, assim, que a operação dos
bondes até a Praça do Palácio coincide com a época de inauguração do elevador e
aponta para uma integração entre os serviços prestados pela empresa.
Os dois grandes investimentos realizados no final da década de 1860, a aquisição
da fábrica Nossa Senhora do Amparo e a fundação da empresa Transportes Urbanos, em
parceria com seus filhos apontam para processo de diminuição gradual da atuação
econômica do negociante. Não podemos negligenciar que, naquela altura, o velho
Lacerda já contava com 72 anos, idade bastante avançada para o período. É provável,
portanto, que ele estivesse deixando o comando dos seus negócios, em detrimento de
seus filhos que, na época, já desfrutavam de reconhecimento dentro da sociedade
baiana. Filinto Elysio Barreto indica que, desde 1856, Antonio Francisco de Lacerda já
dava sinais de interesse em deixar os filhos na direção de seus negócios. Naquele ano,
Lacerda havia requerido que o filho Antonio de Lacerda, então estudante do Rensselaer
Polytechnic Institute, em Troy, nos Estados Unidos (mesma escola em que seu irmão
Augusto se formou engenheiro), retornasse ao Brasil para ajudá-lo (e posteriormente
sucedê-lo) no comando de seus negócios353.
Para autores com Alexandre Macchione Saes e Filinto Elysio Barreto, os gastos
com a construção do Elevador ocasionaram a falência de Antonio de Lacerda, além de
onerar profundamente a família354. A impossibilidade de consulta ao inventário de
Antonio Francisco de Lacerda, contudo, nos impediu de analisar o impacto da
realização deste empreendimento nas atividades do negociante355.

352
BN. HDB. Diario de São Paulo (São Paulo). Ano 8, n. 2.044, 9 de agosto de 1872. p. 2. OLIVEIRA,
Waldir Freitas. Antonio de Lacerda... op. cit. BARRETO, Filinto Elysio do R. O Comendador... op. cit.
TRINCHÃO, Gláucia Maria Costa. O Parafuso: de meio de transporte a cartão-postal. Salvador:
EDUFBA, 2010.
353
BARRETO, Filinto Elysio do R. O Comendador... op. cit. p. 6.
354
SAES, Alexandre Macchione. Modernização e concentração do transporte urbano em Salvador
(1849-1930). In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, n. 54, 2007. Disponível em:
http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/24684/1/S0102-01882007000200012.pdf. Acesso em 3:
de setembro de 2019. p. 224. BARRETO, Filinto Elysio do R. O Comendador... op. cit.
355
Embora tenhamos tentado localizar o inventário de Antonio Francisco de Lacerda na documentação
custodiada pelo Arquivo Público do Estado da Bahia por reiteradas vezes, mesmo antes do início do
doutorado, não conseguimos encontrá-lo. Apenas no início de 2019, tomamos conhecimento de que o
inventário se encontra no Arquivo, contudo, isso ocorreu pouco antes do fechamento temporário do
Arquivo para a realização de uma reforma, o que levou a suspensão das consultas pelos pesquisadores ao
113

Em abril de 1870, Antonio Francisco de Lacerda requereu, com Paulo Pereira


Monteiro, Francisco Sampaio Viana e Joaquim de Castro Guimarães, o direito de
construir docas e armazéns no porto de Salvador. Desde outubro daquele ano, a
assembleia legislativa imperial havia aprovado uma lei (lei 1.764 de 13 de outubro de
1869) que autorização a contratação e a construção de docas em todos os portos do
império356. De acordo com Rita Rosado, esta empresa fazia parte de um projeto mais
amplo de modernização da área do porto de Salvador, iniciado em meados da década de
1850, que visava buscar soluções para problemas de atracação de embarcações, assim
como de transporte de passageiros e transporte e armazenamento de mercadorias.
Segundo a autora, esse projeto dividiu a classe comercial atuante em Salvador entre dois
grupos, aqueles que eram favoráveis à modernização do porto da cidade e, por sua vez,
também favoráveis à instalação das docas, a quem a autora designou de peticionários, e
aqueles que manifestavam interesse para que o porto permanecesse como estava,
denominados por ela de contestadores. Segundo a autora, neste jogo de forças com
relação ao porto, Antonio Francisco de Lacerda e Antonio Pedrozo de Albuquerque
ficaram em lados opostos, este estando no grupo dos contestadores e aquele no de
peticionários357.
O histórico da atuação de Antonio Pedrozo de Albuquerque, que observamos no
capítulo anterior, e seus investimentos em uma série de atividades modernizantes,
apontam para a complexidade existente por trás do seu posicionamento com relação ao
porto. É provável que Pedrozo se opusesse à criação das docas não porque fosse
contrário à modernização do porto de Salvador, mas porque a instalação delas afetaria
diretamente seus negócios, visto que, como vimos, ele fora proprietário de um dos
trapiches ali existentes. Enquanto isso, Lacerda atuava com alvarengas e vapores no
litoral da cidade realizando carga, descarga e reboque de embarcações. Logo, a
construção das docas deveria favorecer a realização destes negócios. A despeito da
petição encaminha por Lacerda e seus parceiros, a concessão do direito de construção
das docas foi atribuída a outro grupo pelo governo imperial, formado pelos irmãos
Manoel Jesuíno Ferreira e Francisco Ignácio Ferreira358.

seu acervo. Até o momento de entrega desta tese, o Arquivo não havia sido reaberto, o que impossibilitou
a consulta ao referido documento.
356
BN. HDB. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 50, n. 229, 20 de agosto de 1870. p. 2.
357
ROSADO, Rita de Cássia Santana de Carvalho. O porto de Salvador: Modernização em Projeto:
1854-1891. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1983.
p. 76.
358
Cf.: Ibidem p. 44. MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX... op. cit. p. 483.
114

No início da década de 1870, poucos anos de seu falecimento e quando já devia


desfrutar de idade avançada, Antonio Francisco de Lacerda permanecia atuando em
comissões de melhoramentos urbanos. No ano de 1870 e 1871, ele aparece como
membro de duas comissões responsáveis, respectivamente, pela arborização da Rua da
Piedade359 e pela arborização, arruamento e ajardinamento da Praça da Piedade, local no
qual era residente360.
Lacerda faleceu 29 de julho de 1872 em Salvador, aos 73 anos361. O negociante
deixou um espólio de 1.351:070$713rs. Mesmo que fosse bastante inferior, se
comparado ao deixado por Antonio Pedrozo de Albuquerque, o montante era bastante
expressivo para a sociedade do período362.

2. 3. Considerações parciais

Antonio Francisco de Lacerda iniciou sua inserção na economia baiana assim


como outros tantos nascidos em Portugal. Deve ter vindo jovem, talvez motivado por
algum parente, em busca de oportunidade. Gradativamente, ao longo de sua vida, se
firmou como comerciante de grosso trato, atuando inclusive em importantes órgãos da
classe comercial, como a Associação Comercial e o Tribunal do Comércio, da província
da Bahia.
Na década de 1830, fez investidas no contrabando negreiro, provavelmente em
ações pontuais de especulação. Assim, embora as duas únicas expedições que
mapeamos que contaram com sua participação tenham sido interceptadas pela marinha
britânica, outras, por nós desconhecidas, podem ter tido destino diferente, uma questão
a ser investigada.
Foi também na década de 1830 que ele participou pela primeira vez da iniciativa
de fundação de uma instituição bancária, oportunidade na qual o encontramos atuando
com John Smith Gillmer. Seria a partir de meados da década de 1840, no entanto, que
Antonio Francisco de Lacerda empreenderia, assim como Antonio Pedrozo de

359
BN. HDB. Relatorio apresentado ao Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Dezembargador João José
D’Almeida Couto 1º Vice-Presidente da Provincia pelo 4º Vice-Presidente Dr Francisco José da Rocha
ao passar-lhe a administração da Provincia Em 17 de Outubro de 1871. Bahia: Typographia do ―Correio
da Bahia‖, 1870. p. 38.
360
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 47, n. 132, 12 de junho de 1871. p. 2.
361
BN. HDB. Diario de São Paulo (São Paulo). Ano 8, n. 2.044, 9 de agosto de 1872. p. 2.
362
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 69.
115

Albuquerque, uma grande ampliação dos seus investimentos: nas fábricas Todos os
Santos, nossa Senhora do Amparo e na fábrica de feltros, nas Companhias Bonfim e
Baiana de Navegação a Vapor, no Banco da Bahia e no Banco do Brasil, na estrada de
ferro Tram Road Paraguassú, nas companhias de colonização chinesa e polonesa, na
empresa Transportes Urbanos e no abastecimento de água em Salvador, entre outros.
Como é possível observar, Antonio Francisco de Lacerda e Antonio Pedrozo de
Albuquerque diversificaram seus investimentos em ramos semelhantes. Contudo, até a
constituição da firma Lacerda e Cia não encontramos qualquer vestígio de ligação entre
ambos. Como, então, teria surgido a sociedade? A resposta parece estar na trajetória de
John Smith Gillmer, que passaremos a abordar no próximo capítulo.
116

3. JOHN SMITH GILLMER: “UM HOMEM QUE, BEM QUE AMERICANO,


TEM MOSTRADO O MAIOR ZELO PELA PROSPERIDADE DA BAHIA”363.

3. 1. Formação e consolidação da fortuna

3.1.1. Inserção na economia brasileira

John Smith Gillmer era natural da Filadélfia, nos Estados Unidos da América364
e estava estabelecido na Bahia desde, pelo menos, 1829, quando aparece registrado
como negociante estrangeiro na província365. Não foi possível verificar o momento
exato em que ele ali se fixou, porém, notícias de sua atuação em Salvador remontam ao
ano de 1826. A história de Gillmer antes desta data permanece uma incógnita para nós:
nada sabemos da sua vida pregressa nos Estados Unidos, seus vínculos familiares,
sociais, políticos ou econômicos.
Ao supormos que Gillmer viveu na Filadélfia antes da sua vinda para o Brasil,
seu lugar de origem pode fornecer algumas referências sobre o que deve ter sido a
primeira fase de sua vida, enquanto habitante no país norte-americano. No período
(primeiro quarto do século XIX), a Filadélfia experimentaria um grande
desenvolvimento industrial e crescimento econômico, estimulados pela modernização
nos transportes, com a construção de ferrovias, a abertura de canais e a construção
naval. O impacto desta modernização não ficaria restrito, contudo, à cidade e ao seu
entorno. Após 1810, por exemplo, alguns grupos passaram a realizar grandes
investimentos na navegação transatlântica, e, em 1821, foram lançados os primeiros
pacotes de linhas de transporte transatlântico por negociantes da cidade interessados
pelo comércio com o sul do continente366. É possível conjecturar que Gillmer estava
integrado a este grupo, estivesse ele agindo por interesses próprios ou como agente
comercial.
As primeiras informações sobre a presença de Gillmer na Bahia já fornecem
indícios de como seria sua estadia na província: envolvida principalmente com

363
BN. HDB. Revista Americana (Bahia). Tomo I. Parte Terceira. Fevereiro de 1848. Bahia: Typographia
de Epifanio Pedroza, 1848. p. 1.
364
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 69.
365
BN. HDB. Almanak Imperial do Commercio e das Corporações Civis e Militares do Imperio do
Brasil. Ano 2. Rio de Janeiro: Pedro Plancher Seignot, 1829. p. 198.
366
LAURIE, Bruce. Working people of Philadelphia, 1800-1850. Philadelphia: Temple University Press,
1980. p. 8.
117

atividades de navegação e permeada por eventos contraditórios. Nos anos de 1826 e


1828, embarcações consignadas a sociedades por ele lideradas foram alvo de ações por
parte de autoridades baianas, estimulando contendas entre estas e o cônsul dos Estados
Unidos na província no período, Woodbrigde Odin.
O primeiro inconveniente ocorreu em julho de 1826. No dia 24, Odin comunicou
ao então vice-presidente da província, Manoel Ignácio da Cunha Menezes, a respeito de
uma situação embaraçosa ocorrida com o brigue estadunidense Corporal Trim,
consignado a John Smith Gillmer e Cia. Estando carregado de farinha de trigo e outras
mercadorias não especificadas, a embarcação teve sua entrada na Alfândega da Bahia
embargada, visto que não trazia o certificado do cônsul brasileiro nos Estados Unidos,
Francisco Joaquim de Lima, anexo ao manifesto da carga367.
Naquela época, a supervisão do comércio exterior destinado ao país a que
representava e os despachos de exportação eram algumas das principais atividades dos
cônsules368. No caso dos despachos, a certificação emitida por esta autoridade
assegurava a autenticidade das informações apresentadas no manifesto da carga, por
exemplo, em relação ao tipo e à quantidade de mercadorias e ao cumprimento da
legislação comercial. Assim, a ausência deste documento poderia levantar suspeita de
irregularidades.
Deste modo, Odin escreveu a Menezes buscando interceder junto ao caso. Ele
garantiu que as informações apresentadas no manifesto da carga eram verídicas e
justificou que o mestre do brigue não havia obtido a certificação consular porque
desconhecia esta exigência (alegação um tanto dúbia). Ademais, considerou que a
entrada do Corporal Trim no porto deveria ser permitida, em virtude de que, de acordo
com ele, outras tantas embarcações nas mesmas condições o faziam. Por fim, solicitou
que, caso a embarcação não fosse admitida, sua saída do porto fosse imediatamente
ordenada, sem que exigências fossem feitas ou direitos cobrados, porque, para ele, não
deveriam ser tirados despachos de saída de uma embarcação que não chegou a dar
entrada no porto369.

367
APEB. Seção Provincial. Série Governo da Província. Documentos avulsos. Correspondência recebida
do Consulado dos Estados Unidos (1811-1875). Maço 1177. 24 de julho de 1826. BRASIL. Ministério
das Relações Exteriores. História do Consulado-Geral do Brasil em Nova York. Disponível em:
http://novayork.itamaraty.gov.br/pt-br/historia.xml. Acesso em: 6 de fevereiro de 2020.
368
Cf.: BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. História do Consulado-Geral do Brasil em Nova
York. Disponível em: http://novayork.itamaraty.gov.br/pt-br/historia.xml. Acesso em: 6 de fevereiro de
2020.
369
APEB. Seção Provincial. Série Governo da Província. Documentos avulsos. Correspondência recebida
do Consulado dos Estados Unidos (1811-1875). Maço 1177. 24 de julho de 1826.
118

Pouco menos de dois anos depois do ocorrido, em 3 de março de 1828, mais


uma embarcação proveniente dos Estados Unidos e consignada a John Smith Gillmer e
Cia, o navio Rasselas, seria alvo de querela no porto da Bahia, resultando em mais
queixas de Woodbrige Odin para com o governo da província. Para ele, a embarcação
teria sido abordada por soldados, que dela tomaram posse ―sem pretexto algum
razoável, nem prévia autorização legal‖. Odin requeria assim ao então presidente da
província, José Egídio Gordilho de Barbuda, que se interpusesse diante do ocorrido,
buscando evitar que o inconveniente voltasse a se repetir370.
Os dois conturbados episódios relatados pelo Cônsul dos Estados Unidos são
indícios de que, na segunda metade da década de 1820, Gillmer e seus sócios, por meio
da firma John Smith Gillmer e Cia, possuíam uma atuação regular na Bahia. O primeiro
relato aponta ainda para uma das mercadorias que eram comerciadas pelo negociante
naquela altura, a farinha de trigo, ramo no qual, como aprofundaremos adiante, ele
permaneceria atuando nos anos seguintes, e gênero comercializado por Antonio
Francisco de Lacerda. Por outro lado, é improvável que tenha sido coincidência a
ocorrência de dois incidentes em um curto espaço de tempo em embarcações
consignadas a John Smith Gillmer e seus sócios. Ambos os eventos podem ser
indicativos de seu envolvimento em atividades ilícitas já na década de 1820. Afinal,
teria o comandante do brigue Corporal Trim desconhecimento da necessidade do
certificado da carga? O que motivou a abordagem do Rasselas pelos soldados baianos?
De um modo ou de outro, devem ter sido os negócios que motivaram a vinda do
negociante para o Brasil. No início do século XIX, o país mantinha estreita relação
comercial com os Estados Unidos, impulsionada, de um lado, pelo aumento das
importações de farinha de trigo estadunidense e, de outro, pelas exportações do café
brasileiro para o país norte-americano. O avanço das relações comerciais entre estes
países no período motivou a vinda de comerciantes estadunidenses para cá, fossem para
atuar como representantes de firmas ou de interesses próprios371. Além disso, como
mencionado anteriormente, neste período houve investimentos na navegação

370
APEB. Seção Provincial. Série Governo da Província. Documentos avulsos. Correspondência recebida
do Consulado dos Estados Unidos (1811-1875). Maço 1177. 3 de março de 1828.
371
HORNE, Gerald. O sul mais distante: Brasil, os Estados Unidos e o tráfico de escravos africanos. São
Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 18. ROOD, Daniel. Bogs of Death: Slavery, the Brazilian Flour
Trade, and the Mystery of the Vanishing Millpond in Antebellum Virginia. In: The Journal of American
History.. v. 101, jun-2014 Disponível em: https://academic.oup.com/jah/article-
abstract/101/1/19/749115?redirectedFrom=PDF. Acesso em 2: de abril de 2019. p. 32.
119

transatlântica por parte de negociantes da Filadélfia. Por conseguinte, sua atuação


deveria ir em direção a este duplo movimento.
Na primeira metade da década de 1830, quando sabemos que Gillmer já era
residente fixo na Bahia, as suas conexões, por meio da John Smith Gillmer e Cia, se
estendiam para além desta província e do próprio Brasil. Tendo seus negócios ali
sediados, ele possuía vínculos comerciais em praças como o Rio de Janeiro e Buenos
Aires, outro relevante importador de mercadorias estadunidenses no período372. Assim,
é possível que naquele período os negócios de Gillmer se interseccionassem com os de
Antonio Pedrozo de Albuquerque. Em 1833, deu entrada no porto de Salvador o
patacho estadunidense Polonid, proveniente do Rio de Janeiro e carregado com sete mil
arrobas de carne373. Como vimos, Pedrozo contava com vínculos na Corte e tivera uma
importante atuação no comércio de gêneros de abastecimento para a Bahia, notadamente
de charque.
A John Smith Gillmer e Cia, consignatária das embarcações Corporal Trim,
Rasselas e Polonid, acima mencionadas, existiu até a segunda metade da década de
1830, quando, provavelmente no ano de 1836, foi extinta, tendo permanecido em
liquidação até junho de 1838374. A dissolução da sociedade não aponta, contudo, para
um momento de decadência nos negócios de Gillmer, mas, ao contrário, para uma
tentativa de expansão destes. Dois meses após a liquidação da empresa, em agosto de
1838, ele anunciou no Correio Mercantil da Bahia que estabeleceria uma casa
comercial no Rio de Janeiro, sob a firma Phelps e Gillmer. No estabelecimento,
pretendia receber consignação de embarcações e gêneros tanto nacionais quanto
estrangeiros375.
Em outubro do mesmo ano, a Phelps e Gillmer já operava na Corte realizando
importações e exportações. As cidades de Filadélfia, terra natal de Gillmer, e Nova
York, nos Estados Unidos, eram os principais destinos de suas exportações. Por sua vez,

372
BN. HDB. Diario da Bahia (Bahia). n. 311, 28 de junho 1833. p. 4. Diario da Bahia (Bahia). n. 39, 18
de fevereiro de 1835. p. 4. Sobre o comércio dos Estados Unidos com Buenos Aires ver: HORNE,
Gerald. O sul mais distante... op. cit. p. 18. PRADO, Fabrício. Conexões Atlânticas: redes comerciais
entre o Rio da Prata e os Estados Unidos (1790-1822). In: Anos 90. Porto Alegre, n. 45, v. 24, jul. 2017.
Disponível em: https://seer.ufrgs.br/anos90/article/view/70596/44010. Acesso em: 30 de abril de 2019.
373
BN. HDB. Diario da Bahia (Bahia). n. 311, 28 de junho 1833. p. 4.
374
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia), v. 3, n. 456, 4 de maio de 1838. p. 4.
375
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia), v. 3, n. 527, 7 de agosto de 1838. p. 3. Não localizamos
documentos que explicitassem quem era o sócio ou os sócios de Gillmer na firma. A análise das fontes
leva a crer que se tratava do também estadunidense Henry Phelps, sobre quem não conseguimos encontrar
maiores informações. Cf.: O Sete d’Abril (Rio de Janeiro). v. 1, n. 658, 7 de janeiro de 1839. p. 4. O
Commercio (Bahia). n. 57, 13 de março de 1843. p. 4.
120

as cidades de Filadélfia, Baltimore (Maryland) e Richmond (Virgínia), também nos


Estados Unidos, eram os principais portos de origem dos gêneros importados pela
empresa, dentre os quais se destacava a já mencionada farinha de trigo.
Este movimento de importação de farinha de trigo e exportação de café realizado
por algumas firmas com vínculos no país norte-americano era extremamente lucrativo e
foi recorrente no Brasil neste período, como alguns historiadores estadunidenses e
brasileiros têm sinalizado. Segundo Daniel Rood, no caso do Rio de Janeiro, estas
firmas haviam incentivado, por meio da Associação Comercial, o abandono do cultivo
de gêneros de subsistência para a expansão da cultura do café, o que levou ao aumento
da demanda por aqueles produtos, dentre os quais estava a farinha de trigo. Isso abriu
espaço para que, posteriormente, elas lucrassem tanto com a exportação do café
brasileiro quanto com a importação da farinha estadunidense376.
Estima-se que, em 1835, o café exportado para os Estados Unidos respondeu por
28% da produção brasileira; em 1840, por 27,5%; e, em 1844, por 39% desta377. Já em
1845, o país foi o segundo maior comprador de café do Brasil, respondendo por quase
metade das exportações do Império (45,63%) e ficando atrás apenas da Europa
(53,21%)378. Na contramão desde fluxo, nas décadas anteriores a Guerra de Secessão, o
Brasil era o principal importador de farinha de trigo dos Estados Unidos. No final da
década de 1850, 91% da farinha que abastecia o Rio de Janeiro e regiões cafeeiras
circunvizinhas era proveniente do país, principalmente de Richmond e Baltimore379, ou
seja, regiões onde Gillmer atuava.
Devido à escassez de dados, não foi possível mapear o total de exportações de
café realizadas pela Phelps e Gillmer (ou por Gillmer individualmente ou em outras
firmas) e sua porcentagem no total das exportações brasileiras do produto. Por outro
lado, os dados disponíveis para farinha de trigo e outros gêneros, como o azeite, embora
certamente não representem a totalidade das importações realizadas pelo negociante,
são mais numerosos.

376
Este fora o caso, por exemplo, das firmas Maxwell, Wright & Co., Philipps Brothers & Co., e Roston
Dutton & Co. que no ano de 1858 foram responsáveis pelo fornecimento de 60% de farinha de trigo para
o Rio de Janeiro. Além de atuarem nestas duas esferas, estas firmas atuavam em uma terceira área de
suma importância para a economia brasileira no período, o tráfico transatlântico. As firmas atuavam na
construção de embarcações especialmente projetadas para serem empregadas no contrabando negreiro.
Cf.: ROOD, Daniel. Bogs of Death.. op. cit.
377
TAUNAY, Affonso de. História do café no Brasil: no Brasil Imperial, 1822-1872. Rio de Janeiro:
Departamento Nacional do Café, 1839. v. 2. p. 122.
378
MARQUESE, Rafael de Bivar. Estados Unidos, Segunda Escravidão e a Economia Cafeeira do
Império do Brasil. In: Almanack. Guarulhos, n.5, jan-jun de 2013. p. 54.
379
ROOD, Daniel. Bogs of Death... op. cit.
121

Carlos Valencia Villa aponta que, ao contrário da farinha de trigo, os dados


disponíveis para o café nos jornais brasileiros são mais escassos em virtude de que a
farinha importada da Virgínia, por exemplo, tinha um peso maior na sociedade e na
economia brasileira do que o café para lá exportado. Se, do lado de cá, as exportações
de café para a Virgínia representavam uma pequena parcela, pesquisando em jornais nos
Estados Unidos, o autor mensurou que em lugares como Richmond o café brasileiro
tinha um grande peso socioeconômico380. Assim, é provável que Gillmer também
exportasse café para as mesmas regiões de onde importava farinha de trigo.
Além do comércio de longa distância, parece ter havido o interesse da Phelps e
Gillmer em redistribuir a farinha de trigo importada para outras regiões do Império do
Brasil. Em 15 de abril de 1839, deu entrada no porto do Rio de Janeiro a galera
estadunidense Crawford, carregada com duas mil barricas de farinha de trigo,
consignadas a firma381. Nove dias depois, em 24 de abril de 1839, o bergantim Manoel
Augusto, propriedade da Phelps e Gillmer, partiu do Rio de Janeiro em direção a
Pernambuco carregado com 500 barricas da mercadoria382.
O interesse pela prosperidade do negócio na Corte deveria ser grande. Em julho
de 1839, a Phelps e Gillmer mudou seu escritório para a Rua do Ouvidor, n. 41 383. Três
meses depois, em outubro, ela assinou uma petição, feita por negociantes da Praça do
Rio de Janeiro, que solicitava uma mudança no horário de fechamento da Alfândega e
do consulado local. O documento requeria que em dias de expediente os
estabelecimentos fossem fechados não às duas horas da tarde, mas às três. De acordo
com este, o fechamento da Alfândega às duas horas vinha causando inconvenientes ao
comércio e, consequentemente, aos negociantes384.
A duração da sociedade entre Phelps e Gillmer, no entanto, foi curta. A firma foi
dissolvida em 31 de dezembro 1839, menos de dois anos após o início de seu
funcionamento. Com a sua extinção, Gillmer aparentemente deixou de atuar no
comércio de importação de farinha de trigo para o Rio de Janeiro, mas permaneceu
operando de maneira individual na casa comercial da extinta firma, exportando café
para os Estados Unidos por, pelo menos, mais um ano, até 1840, quando supomos que
esta atividade também tenha sido encerrada. A partir de 1840, com escritório situado na

380
VALENCIA VILLA, Carlos Eduardo. Fluxos de mercadorias entre o Rio de Janeiro e a Virgínia em
meados do século XIX. In: História Econômica & História de Empresas. V. 17, n. 2, 2014.
381
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 85, 16 de abril de 1839. p. 4.
382
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 93, 25 de abril de 1839. p. 4.
383
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 162, 22 de julho 1839. p. 4.
384
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 254, 24 de outubro de 1839. p. 3.
122

Rua do Rosário, n. 36, a firma de John Smith Gillmer passaria a atuar no Rio de Janeiro,
principalmente, com transporte de cargas e passageiros para a Bahia385.
Cerca de um ano depois, após tentativa infrutífera de fixar-se na Corte, Gillmer
retornou a Bahia, voltando a gerir seus negócios a partir da província. Em um domingo,
em janeiro de 1841, partiu do Rio rumo ano Norte, no vapor Maranhense, com sua
mulher, um filho e três escravos386. Agora, com escritório montado por cima do
Trapiche Grande, em Salvador, ele continuaria atuando no transporte de cargas e de
passageiros. Em 14 de maio de 1841, por exemplo, o Correio Mercantil da Bahia
anunciava o carregamento de passageiros do patacho americano Nahmakania, que
partiria para o Rio de Janeiro no dia seguinte387. Vinte dias antes, em 24 de abril, o
mesmo periódico havia anunciado o carregamento do brigue Nova Sociedade, que
partiria até o dia 5 de maio para as Ilhas dos Açores 388, indício de que os negócios de
Gillmer começavam a se expandir para além do continente americano.
A partir de 1843, Gillmer voltou a realizar importações, em um intenso
movimento comercial que envolvia o Brasil, o Rio da Prata, os Estados Unidos, a
Europa e a África. Naquele ano, ele recebeu cargas de sal, vinda de Cabo Verde, e de
azeite de peixe, vindo do Rio de Janeiro e de embarcações pesqueiras 389. Foi também
consignatário de uma carga de carvão de pedra, que ia de Boston com destino a
Montevidéu390; de carregamentos de gêneros diversos, não especificados, de Boston,
Cadiz e da Costa da África, para a Bahia, e de Buenos Aires para Nova York391. Em 14
de junho, cinco dias após receber a carga de sal de Cabo Verde no patacho colombiano
Cazador, anunciava a venda do patacho venezuelano El Cazador, possivelmente a
mesma embarcação392. Não sem razão, após um ano de intensas movimentações
comerciais, em outubro de 1843, foi eleito para compor a junta diretora da Associação
Comercial da Bahia393, instituição na qual, como vimos, ele teve uma importante
atuação em parceria com seu futuro sócio, Antonio Francisco de Lacerda.

385
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 15, n. 43, 17 de fevereiro de 1840. p. 3.
386
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 16, n. 16, 18 de janeiro de 1841. p. 4.
387
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 8, n. 101, 14 de maio de 1841, p. 4.
388
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 8, n. 86, 24 de abril de 1841. p. 4.
389
BN. HDB. O Commercio (Bahia). n. 9, 12 de janeiro de 1843. p. 4; n. 31, 8 de fevereiro de 1843. p. 4.
n. 57, 13 de março de 1843. p. 4.
390
BN. HDB. O Commercio (Bahia). n. 191, 2 de setembro de 1843. p. 4.
391
BN. HDB. O Commercio (Bahia). n. 14, 18 de janeiro de 1843. p. 4; n. 53, 8 de março de 1843. p. 4; n.
80, 10 de abril de 1843. p. 4; n. 193, 5 de setembro de 1843. p. 4.
392
BN. HDB. O Commercio (Bahia). n. 9, 12 de janeiro de 1843. p.4; n. 11, 14 de janeiro de 1843. p. 4.
393
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 10, n. 202, 18 de setembro 1843. p. 3.
123

Em 1844, John Smith Gillmer voltou a importar farinha de trigo da Filadélfia e


de Richmond, nos Estados Unidos, desta vez para a Bahia. Indício de que ele retomava
os laços comerciais suspendidos em decorrência da dissolução da sociedade com
Phelps. Como se verifica por intermédio dos Quadros 3 e 4, até, pelo menos, o ano de
1849, o negociante manteria linhas regulares de comércio entre a América do Norte e a
América do Sul, por meio principalmente dos Estados Unidos e do Brasil, mas em
contato também com a região do Rio da Prata, além de possuir conexões com os
continentes europeu e africano.
124

Quadro 3 – Embarcações saídas de portos brasileiros consignadas a John Smith Gillmer (e firmas).

Ano Consignatário Embarcação* Nome Saída Destino Produto Especificação


1838 Phelps e Gillmer Bergantim New England Rio de Janeiro Mobile Café 110 sacas**
1839 Phelps e Gillmer Barca Lar[c]k Rio de Janeiro Filadélfia Café 831 sacas**
1839 Phelps e Gillmer Galera Elisa e Suzan Rio de Janeiro Filadélfia Café 4.061 sacas
1839 Phelps e Gillmer Bergantim Manoel Augusto Rio de Janeiro Pernambuco Farinha de trigo 500 barricas
1839 Phelps e Gillmer Galera Crawford Rio de Janeiro Nova York Café 581 sacas**
1840 John Smith Gillmer Barca Madagascar Rio de Janeiro Nova York Café 830 sacas**
1840 John Smith Gillmer Bergantim Cuba Rio de Janeiro Nova York Café 1.200 sacas**
Washington's Tabaco, aguardente e
1844 John Smith Gillmer Brigue escuna Bahia Costa da África -
Barge fazendas
Tabaco, aguardente e
1844 Gillmer Brigue escuna Albert[o] Bahia Costa da África -
fazendas
1844 John Smith Gillmer Galera Lancastre Bahia Nova Bedford Azeite -
* Todas as embarcações estavam sob bandeira estadunidense.
** Número de despachos encontrados não corresponde à totalidade do carregamento.
Elaboração própria.
Fontes: BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 13, n. 244, 31 de outubro de 1838. p. 3; Ano 14, n. 27, 1 de fevereiro de 1839. p. 3; Ano 14, n. 58, 10 e 11 de
março de 1839. p. 3; Ano 14, n. 93, 25 de abril de 1839. p. 4; Ano 14, n. 97, 30 de abril 1839. p. 3; Ano 15, n. 48, 20 de fevereiro de 1840. p. 3; e ano 15, n. 81, 25 e 26 de
março de 1840. p. 3. O Mercantil (Bahia). Ano 1, n. 29, 4 de dezembro de 1844. p. 4; n. 35, 11 de dezembro de 1844. p. 4; e n. 44, 21 de dezembro de 1844. p. 4.
125

Quadro 4 – Embarcações ingressantes em portos brasileiros consignadas a John Smith Gillmer (e firmas).

Ano Consignatário Embarcação Bandeira Nome Origem Destino Produto Observação


John Smith Gillmer Corporal
1826 Brigue Estados Unidos - Bahia - -
e Cia Trim
John Smith Gillmer
1828 - Estados Unidos Rasselas - Bahia - -
e Cia
1833 Gillmer e Comp. Patacho Estados Unidos Polonid Rio de Janeiro Bahia Carne 7.000 arrobas
1835 Gillmer e Comp. Barca Inglaterra Mauly Buenos Aires Bahia Em lastro -
Riscados para colchões,
aniagens, cobre, piche,
1839 Phelps e Gillmer Barca Estados Unidos Lar[c]k Filadélfia Rio de Janeiro alcatrão, besina, bolachas, -
farinha de trigo, chá, livros,
minerais, selins e freios
1839 Phelps e Gillmer Galera Estados Unidos Elisa e Suzan Baltimore Rio de Janeiro Farinha de trigo e gangas -
1839 Phelps e Gillmer Galera Estados Unidos Crawford Richmond Rio de Janeiro Farinha de trigo 2.000 barricas
James
1841 Gillmer Galera Estados Unidos Rio de Janeiro Bahia Em lastro -
Perkins
1843 Gillmer e Comp. Patacho Colômbia Cazador Cabo Verde Bahia Sal -
1843 Gillmer Escuna Estados Unidos Hebe Boston Bahia Gêneros diversos -
1843 Gillmer e Comp. Galera Estados Unidos Bozodith Rio de Janeiro Bahia Azeite de peixe -
1843 Gillmer Barca Estados Unidos Sagamore Cádiz Bahia Gêneros diversos -
Nova Holanda
1843 Gillmer Galera Estados Unidos Henry Bahia Azeite de peixe -
e pesca
Costa da
1843 Gillmer e Comp. Palhabote Estados Unidos Leda Bahia Gêneros diversos -
África
1843 Gillmer Escuna Estados Unidos Platarch Pernambuco Bahia Em lastro -
126

Deu entrada
1843 Gillmer Hiate Estados Unidos Ellison Boston Montevidéu Carvão de pedra no porto do
Bahia
Deu entrada
1843 John Smith Gillmer Galera Estados Unidos Ohio Buenos Aires Nova York Gêneros diversos no porto do
Bahia
1844 Gillmer Galera Estados Unidos Beatheus (Pesca) Bahia Azeite de peixe -
1844 Gillmer Barca Estados Unidos Osceala Filadélfia Bahia Farinha de trigo -
1844 Gillmer e Cia Barca Estados Unidos Cornelia Richmond Bahia Farinha de trigo 2.737 barricas
1844 Gillmer Barca Estados Unidos Pelot Boston Bahia Gêneros diversos -
1845 John Smith Gillmer Hiate Estados Unidos Almira Filadélfia Bahia Farinha de trigo -
William
1845 John Smith Gillmer Galera Estados Unidos (Pesca) Bahia Azeite -
Hamilton
Brigue
1845 Gillmer e Cia Estados Unidos Alberto Onim Bahia Em lastro -
escuna
1845 John Smith Gillmer Hiate Estados Unidos Paleska Philadelphia Bahia Farinha trigo e mais gêneros -
1847 J. S. Gillmer Galera Estados Unidos Lucy Ann (Pesca) Bahia Azeite -
1847 J. S. Gillmer Barca Estados Unidos Genne (Pesca) Bahia Azeite de peixe e barbatanas -
1847 J. S. Gillmer Brigue Estados Unidos George Cádiz Bahia Ouro e sal -
1847 J. S. Gillmer Patacho Estados Unidos Bathurat Baltimore Bahia Farinha de trigo -
1847 J. S. Gillmer Barca Estados Unidos Thereza Pernambuco Bahia Farinha de trigo -
1848 J. S. Gillmer Brigue Suécia Swea Philadelphia Bahia Gêneros diversos -
1848 J. S. Gillmer Brigue Estados Unidos Cadet Boston Bahia Madeiras de peixes -
1848 J. S. Gillmer Patacho Estados Unidos Bridgton Não definido Bahia Em lastro -
1848 J. S. Gillmer Escuna Estados Unidos Relampago Baltimore Bahia Farinha de trigo -
127

Izaac Por
1849 J. S. Gillmer Escuna Estados Unidos Richmond Bahia Farinha de trigo
Franklin Pernambuco
1849 J. S. Gillmer Barca Estados Unidos Kingston Baltimore Bahia Farinha de trigo -
Elaboração própria.
Fontes: APEB. Seção Provincial. Série Governo da Província. Documentos avulsos. Correspondência recebida do Consulado dos Estados Unidos (1811-1875). Maço 1177.
24 de julho de 1826 e 3 de março de 1828. BN. HDB. Diário da Bahia (Bahia). n. 111, 28 de junho 1833. p. 4; e n. 39, 18 de fevereiro de 1835. p. 4. O Despertador (Rio de
Janeiro). n. 257, 9 de fevereiro de 1839. p. 4; n. 262, 15 de fevereiro de 1839. p. 4. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 7, 9 de janeiro de 1839, p. 3; n. 8, 10 de
janeiro de 1839, p. 3; e n. 85, 16 de abril 1839. p. 4. O Commercio (Bahia), n. 9, 12 de janeiro de 1843. p. 4; n. 14, 18 de janeiro de 1843. p. 4; n. 31, 8 de fevereiro de 1843. p.
4; n. 53, 8 de março de 1843. p. 4; n. 57, 13 de março de 1843. p. 4; n. 80, 10 de abril de 1843. p. 4; n. 143, 4 de julho de 1843. p. 4; n. 191, 2 de setembro de 1843. p. 4; n.
193, 5 de setembro de 1843. p. 4. Correio Mercantil (Bahia). Ano 11, n. 2, 3 de janeiro de 1844, p. 4. O Mercantil (Bahia). Ano 1, n. 35, 11 de dezembro de 1844. p. 4; Ano
1, n. 48, 28 de dezembro de 1844. p. 4; Ano 2, n. 15, 20 de janeiro de 1845. p. 4; Ano 2, n. 10, 18 de fevereiro de 1845. p. 4; Ano 2, n. 93, 25 de abril de 1845. p. 4; Ano 2, n.
187, 26 de agosto de 1845, p. 4. Correio Mercantil (Bahia). Ano 8, n. 138, 6 de julho de 1841, p. 4; Ano 10, n. 8, 11 de janeiro de 1843. p. 4; Ano 11, n. 5, 8 de janeiro de
1844, p. 4; Ano 14, n. 45, 25 de fevereiro 1847. p. 4; Ano 14, n. 120, 22 de maio 1847. p. 4; Ano 12, n. 150, 30 de junho de 1847. p. 3; Ano 14, n. 180, 5 de agosto de 1847. p.
4; Ano 14, n. 272, 23 de novembro de 1847. p. 4; Ano 15, n. 272, 3 de janeiro de 1848. p. 4; Ano 15, n. 32, 4 de fevereiro de 1848. p. 4; Ano 15, n. 255, 13 de novembro de
1848. p. 4; Ano 15, n. 261, 20 de novembro de 1848. p. 4; Ano 16, n. 10, 13 de janeiro de 1849. p. 4; e Ano 16, n. 239, 17 de outubro de 1849. p. 4.
128

3. 1. 2. Um cidadão estadunidense no contrabando negreiro para o Brasil

A partir do ano de 1843, quando passou a atuar na navegação de longo curso


também para o continente africano, os negócios de Gillmer deram um grande salto394.
Uma das razões que contribuíram para isso deve ter sido seu envolvimento no tráfico
ilegal, tanto por meio de participação indireta, fretando e vendendo embarcações para
contrabandistas395, quanto atuando diretamente no negócio.
Como apontado pela historiografia sobre o tráfico transatlântico, o emprego de
embarcações e da bandeira estadunidense foi de suma importância para a manutenção
do contrabando negreiro para o Brasil após 1831396. Isso se deu principalmente pelo fato
de que o Estado norte-americano foi um dos últimos a estabelecer tratados com a
Inglaterra concedendo direito de busca em embarcações suspeitas de estarem envolvidas
no crime, fato ocorrido apenas em 1862397.
Logo, ao contrário de embarcações de origem portuguesa, espanhola e brasileira,
os navios dos Estados Unidos estavam legalmente protegidos das inspeções da marinha
britânica, o que abria brechas para seu emprego no contrabando negreiro e as tornava
extremamente valorizadas entre os criminosos. Conforme Leonardo Marques, é possível
estimar que as embarcações construídas nos Estados Unidos foram responsáveis por
realizar 58,2% das viagens negreiras para o Brasil no período de 1831 a 1850. O
segundo lugar seria ocupado pelas embarcações construídas dentro do próprio Império
brasileiro, um total de 15,4%398.
Se o emprego de embarcações e da bandeira dos Estados Unidos ofereceu
vantagens e lucros aos contrabandistas de escravos para o Brasil, certamente o mesmo
pode ser dito dos agentes estadunidenses atuantes no fornecimento destes equipamentos.
Como demonstrado por Gerald Horne, a própria construção e preparação de navios para
uma viagem à costa da África já era extremamente lucrativa, visto que movimentava,
direta e indiretamente, uma série de outras atividades399. Assim, com o passar dos anos,

394
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 10, n. 202, 18 de setembro 1843. p. 3. O Commercio
(Bahia). n. 9, 12 de janeiro de 1843. p. 4.
395
MARQUES, Leonardo. The United States... op. cit. p. 160.
396
CONRAD, Robert. Tumbeiros... op. cit. VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo... op. cit. HORNE, Gerald.
O sul mais distante... op. cit. p. 18. MARQUES, Leonardo. The United States... op. cit.
397
MARQUES, Leonardo. A participação norte-americana no tráfico transatlântico de escravos para os
Estados Unidos, Cuba e Brasil. In: História: Questões & Debates. Curitiba, Editora UFPR. nº 52, jan-jun.
2010. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/24111/16137. Acesso em: 30 de maio
de 2019. p. 105.
398
MARQUES, Leonardo. The United States... op. cit.p. 143.
399
HORNE, Gerald. O sul mais distante... op. cit. p. 87.
129

a indústria naval dos Estados Unidos, notadamente de regiões como Baltimore, que,
como vimos, era uma das áreas de atuação de John Smith Gillmer, passaram a se
destacar na construção de embarcações velozes, capazes de superar em manobras os
perseguidores britânicos, para serem empregadas no tráfico ilegal400.
Embora Leonardo Marques afirme que o uso da bandeira dos Estados Unidos no
contrabando para a Bahia na década de 1840 tenha sido diminuto (o autor localizou
apenas duas viagens para o período), há indícios de que isso não era válido para as
embarcações. Robert Conrad indica que, anos antes, em 1826, o cônsul dos Estados
Unidos na Bahia, Woodbridge Odin, afirmara que a maioria das embarcações
empregadas no tráfico transatlântico na província era de fabricação estadunidense401. As
declarações de Woodbrige Odin, fornecidas em 1826, e levantadas posteriormente pelo
historiador Robert Conrad, não deixam de nos fazer rememorar dos incidentes de 1826 e
1828 ocorridos com as embarcações Corporal Trim e, principalmente, Rasselas,
consignadas a John Smith Gillmer e Cia no porto de Salvador. Seria o Rasselas um
navio negreiro? Se em 1826, quando o tráfico transatlântico para o Brasil ainda era
parcialmente lícito, havia um grande emprego destas embarcações no negócio, é
possível crer que na era do contrabando, dada as vantagens apresentadas pelos navios de
fabricação estadunidense e da própria bandeira do país, este emprego tenha sido ainda
mais difundido.
Apesar de, naquela altura, Odin atestar o emprego de embarcações
estadunidenses no tráfico, ele negava a participação de seus conterrâneos na atividade.
Segundo o Cônsul, as tripulações das embarcações faziam a entrega dos navios no
Brasil e retornavam para os Estados Unidos, não havendo evidências de sua
participação no contrabando negreiro402. Ainda que isso tenha sido aplicado para
meados da década de 1820, certamente não poderia ser dito a partir da década seguinte,
pelo menos não no caso de John Smith Gillmer.
Querelas entre Gillmer e autoridades dos Estados Unidos a respeito de seu
envolvimento com o tráfico ilegal foram recorrentes em meados da década de 1840. No
final de 1844, um marinheiro estadunidense prestou depoimento no consulado do país
no Rio de Janeiro, no qual afirmava que John Smith Gillmer havia vendido o brigue
estadunidense Glória em Salvador, mesmo sabendo que seria empregado no

400
Ibidem. p. 87. CONRAD, Robert. Tumbeiros... op. cit. p. 149.
401
CONRAD, Robert. Tumbeiros... op. cit. p. 149.
402
Ibidem. p. 149.
130

contrabando negreiro. O relato seria reportado pelo ministro dos Estados Unidos no
Brasil, Henry Wise, ao Secretário de Estado do País, James Buchanan, e as acusações
seriam veiculadas em um artigo publicado no Boston Daily Atlas em 20 de abril de
1845. Gillmer responderia a acusação criticando as autoridades estadunidenses e
negando sua ligação com o crime403.
Outro exemplo da atuação de Gillmer no fornecimento de embarcações a serem
utilizadas no tráfico ilegal aparece no mesmo período. Em 19 de janeiro de 1845, o
patacho Esperança, da praça da Bahia e de propriedade de Antonio Gomes dos Santos e
Cia, foi preso pela corveta H. M. S. Larne por suspeita de envolvimento no contrabando
negreiro. A embarcação havia deixado Salvador há exatamente um mês, em 19 de
dezembro do ano anterior, carregada de aguardente, tabaco e fazendas, com autorização
para se dirigir ao arquipélago de São Thomé e Príncipe e fazer escala pelos portos do
continente africano404.
A carta de ordens elaborada pelos proprietários da embarcação dava instruções
para que o capitão se dirigisse a Onim para entregar parte da carga e tentar vender
(―trocar por dinheiro‖) a outra parte. Não conseguindo realizar a segunda parte da
transação em Onim, o capitão deveria seguir dali para outros portos até São Thomé e
trocar o restante da carga por outras mercadorias, preferencialmente por ouro ou prata.
O local de destino das embarcações, uma das principais regiões de abastecimento do
tráfico de escravos para a Bahia, assim como sua carga, foram algumas das razões pelas
quais, não sem objeções, o patacho fosse condenado pela comissão-mista anglo-
brasileira de Serra Leoa405.
Ocorre que o patacho Esperança não fora a primeira opção de embarcação de
Antonio Gomes dos Santos e Cia para a realização de sua expedição ao continente
africano. Consta que os sócios haviam tentado fretar com John Smith Gillmer um dos
navios dos Estados Unidos que lhe estavam consignados, buscando assim recorrer ao
uso de ―algum navio de mais insuspeita bandeira‖ para utilizarem na empreitada. Visto
que não obtiveram êxito ao tentar fretar uma embarcação estadunidense com Gillmer, a
casa A. G. Santos e Cia não teve outra saída ―senão arriscar a bandeira brasileira‖406.

403
GRADEN, Dale T. O envolvimento dos Estados Unidos no comércio transatlântico de escravos para o
Brasil, 1840-1858. In: Afro-Ásia. n. 35, 2007. Disponível em:
https://portalseer.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/21125/13713. Acesso em: 11 de fevereiro de
2020. p. 29.
404
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 35, n. 74, 15 de março de 1860. p. 1.
405
Ibidem.
406
Ibidem.
131

De acordo com Antonia Wright, a John Smith Gillmer e Cia era a principal
consignatária de navios negreiros na Bahia na década de 1840407. A empresa contava
com uma rede de sócios e funcionários que incluía autoridades estadunidenses no
Brasil, a exemplo do Cônsul dos Estados Unidos na Bahia, Alexander Tyler, do cônsul
dos Estados Unidos em Pernambuco, Joseph Ray, e G.R. Forster, que havia sido cônsul
dos Estados Unidos tanto em Pernambuco quanto na Bahia408.
Entretanto, nem só em participação indireta atuava John Smith Gillmer no
contrabando negreiro, como é possível concluir a partir da análise do seu movimento de
navegação, apresentado nos Quadros 3 e 4. Das 36 entradas de embarcações em portos
brasileiros que mapeamos para o período de 1826 a 1849 consignadas a John Smith
Gillmer, individualmente ou em sociedade (Quadro 4), cinco (14,9% aproximadamente)
deram entrada ―em lastro‖, isto é, sem mercadorias ou passageiros a bordo (todas no
porto de Salvador): a barca Mauly, vinda de Buenos Aires (1835); a galera James
Perkins, vinda do Rio de Janeiro, (1841); a escuna Platarch, vinda de Pernambuco (em
1843); o brigue escuna Alberto, vindo de Onim (1845); e o patacho Bridgton, vindo de
local não declarado (1848).
Analisadas isoladamente, a mera entrada destas embarcações em lastro no porto
de Salvador não fornece grandes evidências da participação do negociante no
contrabando negreiro. Entretanto, quando pensadas dentro do contexto de reorganização
da atividade na ilicitude elas adquirem outro sentido. Como apontado por Pierre Verger,
a declaração de entrada de embarcações em lastro era uma prática recorrente entre os
contrabandistas na era da ilegalidade do tráfico transatlântico. Segundo o autor, o
esquema identificado por autoridades inglesas, por exemplo, funcionava da seguinte
forma: ao deixarem os portos, as embarcações declaravam com local de destino áreas
que não fossem regiões de aquisição de cativos, como a Ilha de Cabo Verde, ou mesmo
portos ao longo do litoral do brasileiro. Mas os percursos por elas realizados eram
completamente diferentes409.
As embarcações se dirigiam à costa do continente africano e se abasteciam de
indivíduos escravizados. No retorno ao Brasil, desembarcavam as cargas humanas em
algum dos portos utilizados pelo contrabando negreiro após 1831, dando, por fim,

407
Os indícios levam a crer que se tratavam de uma empresa diferente da John Smith Gillmer e Cia
existente na década até meados da década de 1830.
408
WRIGHT, Antônia Fernanda Pacca de Almeida. Desafio americano à preponderância britânica no
Brasil: 1808-1850. São Paulo: Ed. Nacional; (Brasília): INL, 1978. p. 245. MARQUES, Leonardo. The
United States... op. cit. p. 160.
409
VERGER, Pierre. Fluxo e refluxo... op. cit. p. 428.
132

entrada nos portos oficiais das províncias, declarando estarem ―em lastro‖. Como
justificativa para a não apresentação de vistos oficiais relativos à viagem, os
comandantes destas alegavam, por exemplo, que o trajeto não havia sido completado em
virtude imprevistos no percurso410.
Reforçam o dado de que as embarcações, especialmente da década de 1840,
deveriam estar empregadas no contrabando negreiro, o local declarado de origem
destas. A galera James Perkins e a escuna Platarch declararam terem saído
respectivamente dos portos do Rio de Janeiro e de Pernambuco que, com a Bahia,
representavam as três principais regiões de desembarque do tráfico transatlântico para o
Brasil. Enquanto isso, o brigue escuna Alberto teve como origem o porto de Onim, no
Golfo de Benim, como anteriormente mencionado, umas principais regiões de
fornecimento de africanos escravizados do tráfico transatlântico para a Bahia, na qual,
vale recordar, Antonio Pedrozo de Albuquerque também atuava. O patacho Bridgton,
por sua vez, sequer teve a origem declarada. Estes casos demonstram que, além de fretar
e vender embarcações para os contrabandistas, o próprio Gillmer também era um deles.
Nota-se ainda que, excetuando-se os casos das embarcações Corporal Trim
(1826) e Rasselas (1828), o ano de entrada no porto da Bahia das cinco embarcações
que declararam estar ―em lastro‖ (iniciadas com a barca Mauly em 1835 e encerradas
com o ingresso do patacho Bridgton em 1848) corresponde a um período muito próximo
ao de maior regularidade das atividades de navegação de John Smith Gillmer, que vai
de 1833 a 1849. Associado a isso, caso seja levado em consideração que as entradas
―em lastro‖ representam apenas um pequeno vestígio da atuação de Gillmer na
criminalidade, constatamos que o negociante, e posteriormente cônsul dos Estados
Unidos no Brasil, teve uma participação ativa no contrabando negreiro para o Império
durante quase todo o período em que ele esteve em vigência.
O caso do brigue escuna Alberto, por exemplo, não só evidencia a participação
direta de John Smith Gillmer no contrabando negreiro, como aponta os problemas
provenientes desta atuação que ele enfrentaria. Ao observamos o Quadro 3, verificamos
que em 1844 ele enviou dois carregamentos para a Costa da África, os brigues escunas
estadunidenses Washington’s Barge e Albert[o], tendo aquele saído do porto da Bahia
no dia 4 de dezembro e este no dia 11411. Ambas as embarcações estavam carregadas

410
Ibidem. p. 428.
411
BN. HDB. O Mercantil (Bahia). Ano 1, n. 29, 4 de dezembro de 1844. p. 4; n. 35, 11 de dezembro de
1844. p. 4.
133

com tabaco, aguardente e fazendas, ou seja, mercadorias utilizadas no contrabando


negreiro para adquirir escravizados na costa do continente africano.
O historiador Dale Graden indica que, lá chegando, o Washigton’s Barge teria
sido vendido por seu comandante, e a sua tripulação teria retornado para Salvador a
bordo do navio Albert[o], havendo suspeitas de que o Washigton’s Barge voltaria
carregado de escravos para a Bahia412. Converge com as informações apresentadas por
Graden o fato de que mapeamos (Quadro 4) o ingresso do brigue Alberto no porto da
Bahia, ―em lastro‖, vindo de Onim, em 23 de abril do ano seguinte (1845)413.
O autor aponta que, em 1845, os comandantes do Washington’s Barge e do
Albert[o] seriam acusados pelo consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro e
presos em Salvador por realizarem expedições negreiras para o continente africano, o
que causaria um grande imbróglio entre Gillmer e as autoridades consulares
estadunidenses na Bahia. Em 4 de maio daquele ano, o cônsul estadunidense no Rio de
Janeiro enviou uma correspondência diplomática ao seu congênere na Bahia, Alexander
Tyler, acusando os cidadãos Jacob Woodburry e Thomas Duling, comandantes
respectivamente das embarcações Albert[o], de Boston, e Washington’s Barge, da
Filadélfia, de terem comandado expedições negreiras para África. Tyler teria, então,
pedido a prisão dos comandantes das embarcações414.
Tendo sua prisão decretada, Thomas Duling tentou fugir. Seu plano era sair de
Salvador com destino a Recife, de onde pegaria um segundo navio para a Filadélfia. Já a
bordo da embarcação que o levaria para Pernambuco, pouco antes de sua partida, foi
abordado pela polícia baiana e obrigado a desembarcar. Da mesma forma, Jacob
Woodburry, comadante do Albert[o], assim como toda a tripulação da embarcação,
também seria detido. Mas o grupo permaneceria pouco tempo na cadeia. Em 7 de maio,
eles foram liberados pelo chefe de polícia João Joaquim da Silva. Duling deixaria
Salvador e partiria para os Estados Unidos nos dias seguintes a sua soltura, em 11 de
maio. Enquanto isso, há indícios de que Woodburry tenha permanecido na Bahia415.
Para Graden, a forma como a prisão de Dulling e Woodbury foi conduzida e a
exposição pública a que os cidadãos estadunidenses foram submetidos causaram
indignação em John Smith Gillmer, que chegou a enviar uma correspondência para o
secretário de Estado dos Estados Unidos, James Buchanan, no dia 10 de maio,

412
GRADEN, Dale T. O envolvimento... op cit. p. 28.
413
BN. HDB. O Mercantil (Bahia). Ano 2, n. 93, 25 de abril de 1845. p. 4.
414
GRADEN, Dale T. O envolvimento... op. cit. p. 28.
415
Ibidem. p. 28.
134

queixando-se da atuação de Alexander Tyler416. Na carta, Gillmer e outros quatro


cidadãos estadunidenses, George Carey, W. T. Harris, George Dunham e Joseph Ray,
argumentavam que a crítica ao comportamento de Tyler se dava em virtude da forma
como a prisão fora conduzida, e não como defesa da continuação do contrabando
negreiro, negócio que afirmavam abominar417.
Os detalhes apresentados pelo historiador Dale Graden sobre o ocorrido com as
embarcações Albert[o] e Washington’s Barge são essenciais para ratificar a participação
de Gillmer no contrabando negreiro. O que Graden aparentemente desconhecia na
elaboração de seu estudo é que os navios estavam consignados a John Smith Gillmer e
sócios, como constatamos a partir das entradas e saídas de embarcações em portos
brasileiros consignadas ao negociante mapeadas neste estudo. Além disso, há ainda o
fato de que pelo menos um dos negociantes que se queixaram ao secretário de Estado
dos Estados Unidos sobre a atuação considerada arbitrária de Alexander Tyler, Jospeh
Ray, era sócio de Gillmer; e a questão de que o próprio Alexander Tyler era vinculado à
firma John Smith Gillmer e Cia418. Neste sentido, ao fazerem a queixa, os negociantes
deveriam estar muito mais movidos por interesses econômicos e pessoais do que por
uma solidariedade entre irmãos estadunidenses, propriamente dita.
A participação de Alexander Tyler na firma John S. Gillmer e Cia, enquanto
ocupava o cargo de Cônsul dos Estados Unidos na Bahia, seria um dos primeiros alvos
de Henry Wise quando este assumiu como Ministro dos Estados Unidos no Brasil em
1844, em sua campanha de repressão à participação de cidadãos do país no contrabando
de escravos. Tyler foi forçado por Henry Wise a se explicar e pedir demissão da firma
em 1845, em virtude de envolvimento escancarado desta com o crime em ocasiões
como as ocorridas com a barca Washington’s Barge e o brigue Albert[o], o que garantiu
temporariamente sua posição enquanto cônsul419.
A permanência de Tyler no cargo não resistiria, contudo, aos protestos da
comunidade mercantil estadunidense na Bahia. Em 1848, três anos após os incidentes
envolvendo as embarcações consignadas a John Smith Gillmer, ele foi destituído do
posto de Cônsul dos Estados Unidos na província. Dale Graden destaca que as
416
Ibidem. p. 28.
417
Ibidem. p. 29.
418
Cf.: WRIGHT, Antônia Fernanda Pacca de Almeida. Desafio americano... op. cit. p. 245. MARQUES,
Leonardo. The United States... op. cit. p. 160. GRADEN, Dale T. O envolvimento... op. cit. HOWARD,
Warren S. American Slavers and the Federal Law, 1837-1862. Berkeley: University of California Press,
1963. p. 296.
419
WRIGHT, Antônia Fernanda Pacca de Almeida. Desafio americano... op. cit. p. 246. MARQUES,
Leonardo. The United States... op. cit. p. 160.
135

investidas realizadas por Gillmer em relação à sua atuação tiveram grande peso no
acontecimento. Corrobora para isso a nomeação do negociante para o cargo, em
1850420. Ambos os eventos também atestam a influência que John Smith Gillmer tinha
na sociedade baiana e entre seus conterrâneos.
Não sabemos se quando John Smith Gillmer assumiu o posto de cônsul na Bahia
continuou fornecendo embarcações para o tráfico transatlântico, já que, se de um lado
havia um histórico de participação dos cônsules estadunidenses no crime, de outro, a
pressão dos ministros do país sobre o encerramento da participação destes no crime
vinha se acirrando, como vimos no caso de Alexander Tyler. Entretanto, é certo que
ocupando o cargo de cônsul nos Estados Unidos no Brasil em um período em que o
combate ao tráfico ilegal e, especialmente, ao uso de embarcações e da bandeira
estadunidense se acirrava, Gillmer sofreria as pressões relativas ao posto. Em 1850, ele
queixava-se dos protestos e oposição que sofria ao negar a concessão de cartas
marítimas para embarcações estadunidenses cujo emprego, publicamente sabido, era o
contrabando negreiro421. Provavelmente, a oposição que dizia sofrer era comportamento
muito próximo do que tivera na época em que Alexander Tyler fora cônsul na Bahia.
Caso curioso que explicita o lugar contraditório ocupado por Gillmer naquela
altura foi o da embarcação Bridgeton. Em carta enviada ao então Secretário de Estado
dos Estados Unidos, John M. Clayton, em 1850, ele buscava saber quais os meios
existentes para obrigar a embarcação, sabidamente empregada no contrabando negreiro,
a ir aos Estados Unidos para ser registrada, ou ser impedida de navegar da África para a
Bahia. Ocorre que, como afirma na correspondência, Gillmer teria sido o vendedor
original da embarcação. Segundo ele, em 9 de novembro de 1849 havia vendido em
Salvador a embarcação Bridgeton para o capitão Philip R. Stanhope, de Nova York.
Ainda de acordo com ele, a embarcação recebeu do cônsul que lhe antecedeu a
permissão para viajar para a África, o que lhe impossibilitava de embargá-la422.
Vale lembrar, ao retornarmos às embarcações ingressantes em portos brasileiros
consignadas a Gillmer (Quadro 4), do caso do quase homônimo patacho Bridgton, que
havia ingressado no porto da Bahia em lastro, um ano antes, em 1848, sem origem
declarada, o qual possivelmente estava atuando no contrabando negreiro. É muito

420
GRADEN, Dale T. O envolvimento... op. cit. p. 29.
421
CABAT, Geoffrey Alan. O comércio de escravos no Brasil visto por funcionários diplomáticos
americanos (1845-1857). In: Revista de História. v. 36, n. 74, 1968. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/127378/124560. Acesso em: 3 de abril de 2019.
422
CABAT, Geoffrey Alan. O comércio de escravos... op. cit.
136

provável que o Bridgeton e o patacho Bridgton fossem a mesma embarcação. Gillmer,


agora na posição de cônsul, vivia o ônus de sua participação no crime. O caso do
Bridg[e]ton também nos leva a refletir até que ponto a atuação de Gillmer na repressão
ao tráfico ilegal fora efetiva, visto que a ocupação do cargo de cônsul dos Estados
Unidos, em um período em que se acirrava a repressão sobre a participação de
autoridades do país norte-americano no contrabando negreiro para o Brasil, poderia
conflituar com seus interesses pessoais enquanto negociante.
Como demonstrado por Stephen Chambers, alguns homens, aos quais o autor
denominou de mercadores-diplomatas, poderiam servir tanto como diplomatas quanto
como agentes comerciais. Na América, aproveitam-se, por exemplo, da sua posição
política para fazer vistas grossas ou mesmo agir em favor da continuidade do tráfico
transatlântico, na medida em que lhes interessavam enquanto comerciantes423. Um dos
casos mais lembrados na historiografia brasileira neste sentido é o da atuação de
William Wright no Rio de Janeiro424. As evidências aqui apresentadas demonstram que
a participação de autoridades e grandes negociantes dos Estados Unidos no contrabando
negreiro para o Brasil também ocorria em outras províncias, havendo indícios de que os
grupos estavam interligados. Segundo Dale Graden, Gillmer ―mantinha estreitas
ligações com conhecidos traficantes de Salvador e com casas comerciais no Rio de
Janeiro ligadas ao tráfico negreiro, tais como Maxwell Wright e Companhia‖, que
também atuava na importação de farinha de trigo e exportação de café do Brasil425.
No entanto, anos mais tarde, em 1856, quando ocorreu a apreensão da
embarcação estadunidense Mary Smith por envolvimento no tráfico de escravos no
litoral brasileiros, Gillmer já demonstrava ter (ou procurava aparentar ter) uma posição
dura quanto ao tráfico ilegal. Naquela ocasião, manifestou sua indignação sobre as
precárias condições que a embarcação oferecia aos escravizados e recusou-se a prestar
ajuda ao capitão da embarcação, além de pedir investigação sobre a firma nova-
iorquina426.

423
CHAMBERS, Stephen. ―No country but their counting- houses‖: The U.S.-Cuba-Baltic Circuit, 1809–
1812. In: BECKERT, Sven. ROCKMAN, Seth. Slavery’s Capitalism... op. cit.
424
Sobre a atuação da empresa Maxwell Wright e Companhia ver: RIBEIRO, Alan dos Santos. “The
leading comission-house of Rio de Janeiro”: A firma Maxwell, Wright & C.o. no comércio do Império
do Brasil (c.1827-c.1850). Dissertação (Mestrado em História). Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 2014.
425
GRADEN, Dale T. O envolvimento... op. cit. p. 29.
426
CABAT, Geoffrey Alan. O comércio de escravos... op. cit.
137

3. 2. Diversificação de investimentos

Como anteriormente mencionado, os negócios de John Smith Gillmer passaram


por uma reestruturação após o retorno de sua temporada na Corte, em 1841. O que ainda
não havia sido dito é que seus negócios também passaram por uma diversificação a
partir de então. Se, no caso de Antonio Pedrozo de Albuquerque, levantamos a hipótese
de que a diversificação de investimentos tenha ocorrido em paralelo à atuação no
contrabando negreiro, no caso do estadunidense, é evidente que este processo ocorreu
simultaneamente. Em virtude da pressão das autoridades do país norte-americano sobre
a atuação dos seus cidadãos no contrabando negreiro para o Brasil, era imperativo para
John Smith Gillmer legitimar sua atuação como negociante e camuflar sua participação
no crime. A diversificação de investimentos permitia ambas as coisas, além de abrir
novas fontes de obtenção de lucro.
A primeira nova frente de investimento de John Smith Gillmer estava justamente
ligada à questão da mão de obra: uma companhia de colonização. No final de 1841, ele
solicitou à presidência da província o aforamento de um terreno devoluto em Alcobaça,
no extremo sul da Bahia. Em sua solicitação, o negociante demonstrou grande interesse
para que o requerimento fosse atendido, elencando uma série de justificativas para
fundamentá-lo, como a ocupação de terras devolutas e a inibição da presença indígena
na localidade, o que, segundo ele, seria proveitoso para a província427.
O conflito entre as populações indígenas nativas e povoadores nacionais e
estrangeiros no sul e no extremo sul da Bahia foram constantes desde o período colonial
e foram apontados pela historiografia como razões para o insucesso inicial das antigas
capitanias de Porto Seguro e Ilhéus428. Mesmo com a fixação de moradores e
fazendeiros e as experiências de aldeamentos, além da diminuição da população nativa
ao longo dos anos de colonização, na primeira metade do século XIX conflitos entre
indígenas e povoadores brasileiros e estrangeiros permaneciam existindo em muitas
localidades. Esses conflitos, provocados em razão das invasões às fazendas e ao
abatimento de gado pelos nativos, geravam medidas de repressão tanto por parte dos

427
REGO, André de Almeida. Trajetórias de vidas rotas: terra, trabalho e identidade indígena na
província da Bahia (1822-1862). Tese (Doutorado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia,
2014. 258.
428
Cf.: FREITAS, Antônio Fernando Guerreiro. PARAÍSO, Maria Hilda Baqueiro. Caminhos ao
Encontro do Mundo: A Capitania, os Frutos de Ouro e a Princesa do Sul, Ilhéus: 1534-1940. Ilhéus:
Editus, 2001.
138

habitantes quanto das autoridades429. Nota-se, desta forma, que as justificativas


apresentadas por Gillmer durante a solicitação deveriam ao encontro dos interesses do
governo provincial, na medida em que a ocupação dos terrenos devolutos implicaria na
contenção da atividade indígena e na expulsão dos nativos, quaisquer que fossem as
medidas adotadas para este fim. Vale dizer que este movimento de ocupação de terras
historicamente ocupadas por indígenas estava ligado ao processo de expansão agrícola
que o Império experimentava no período e atingia outras áreas tanto da província da
Bahia quanto de outras províncias430.
Ressalta-se que no mesmo período da solicitação de Gillmer, o engenheiro John
Monteiro Carson também requereu o aforamento de um terreno, adjacente àquele
solicitado pelo seu conterrâneo, em documento de semelhante teor, no qual apresentava
sua pretensão de ―afastar‖ os ―índios bravios que dali vêm algumas vezes vexar os
moradores de beira-mar‖431. Embora se tratassem de diferentes solicitações, a
nacionalidade comum, a solicitação de terrenos vizinhos e atuação coletiva de Carson e
Gillmer na Todos os Santos, posteriormente, é um indicativo de que existiam interesses
comuns compartilhados por eles em torno das solicitações.
Em resposta ao requerimento de Gillmer em 9 de novembro daquele ano, o então
presidente da província, Joaquim José Pinheiro de Vasconcelos, foi favorável ao
aforamento, solicitando que a Câmara da Vila de Alcobaça prestasse todos os
esclarecimentos ao suplicante a respeito do terreno requerido432.
Dois anos mais tarde os objetivos de Carson e Gillmer com a solicitação dos
aforamentos ficariam explícitos, exceto para seus contemporâneos que, provavelmente,
já conheciam os interesses de ambos, pelo menos para nós. Em 1843, eles estiveram à
frente de uma iniciativa de criação de uma colônia estadunidense na comarca de

429
REGO, André de Almeida. Trajetórias de vidas rotas... op. cit. 258.
430
Cf.: Idem. Cabilda de facinorosos moradores: (Uma reflexão sobre a revolta dos índios da Pedra
Branca de 1834). Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2009.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. MOREIRA, Vânia Maria Losada. Índios, Moradores e Câmaras
Municipais: etnicidade e conflitos agrários no Rio de Janerio e no Espírito Santo (séculos XVIII e XIX).
In: Mundo Agrário. v. 13, n. 25, segundo semestre de 2012. Disponível em:
http://sedici.unlp.edu.ar/bitstream/handle/10915/26265/Documento_completo.pdf?sequence=1&isAllowe
d=y. Acesso em: 7 de fevereiro de 2020. SILVA, Edson Hely. O lugar do índio: Conflitos, esbulhos de
terras e resistência indígena no século XIX: o caso de Escada-PE (1860-1880). Dissertação (Mestrado em
História). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1995.
431
REGO, André de Almeida. Trajetórias de vidas rotas... op. cit. p. 258. Idem. Nas fronteiras da
sociedade envolvente: políticas indigenistas na província da Bahia nos anos de 1820 e 1860 – comarcas
do sul e extremo oeste. In: Clio: Revista de Pesquisa Histórica. n. 30, v.2. jul-dez de 2012. Disponível
em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/viewFile/24395/19749. Acesso em 30 de abril de
2019.
432
Idem. Trajetórias de vidas rotas... op. cit. p. 258.
139

Caravelas, na Bahia. O objetivo era formar uma colônia semelhante à Colônia


Leopoldina, ―que caminha prosperamente no cultivo do café e de vários cereais do país‖
existente na comarca433. Não foi possível, no entanto, adquirir mais informações sobre o
sucesso ou não desta iniciativa.
Entre a solicitação do aforamento, em 1841, e a iniciativa de formação da
colônia feita em parceria com Carson, em 1843, Gillmer manifestaria interesse na
realização de mais um negócio. Em 1842, solicitou ao governo imperial um exclusivo
de 20 anos para construir máquinas de serraria a vapor434. Neste caso, também não foi
possível constatar se a iniciativa foi frutífera.
Retornando a 1843, como mencionado anteriormente, naquele ano Gillmer fora
eleito para compor a junta diretora da Associação Comercial da Bahia. A grande
expansão nos seus negócios na primeira metade da década de 1840 certamente
contribuiu para que fosse escolhido e ocupasse o cargo. Se o sucesso nos negócios
contribuiu com a inserção de Gillmer na elite mercantil dirigente da Bahia, a sua
participação na Associação Comercial da província também deve ter contribuído para
que ele fosse prosperando.
A Associação, criada três anos antes, na segunda metade da década de 1840435,
era a nova face do órgão anteriormente conhecido como Praça do Comércio. A entidade
estabelecida nos moldes das praças do comércio existentes nas cidades de Lisboa e do
Porto havia sido fundada em 15 de julho de 1811 e tinha, entre outros objetivos,
organizar a atividade mercantil na província436. No entanto, enquanto na Praça do
Comércio reuniam-se os mais diversos agentes e pessoas interessadas na atividade,
desde comerciantes e banqueiros, até caixeiros e capitães de navios, a Associação
Comercial era constituída pelos agentes mais poderosos e/ou influentes do comércio na
Bahia, como os já citados banqueiros e comerciantes, nacionais e estrangeiros, além de

433
BRASIL. Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Tomo V. Rio de Janeiro: Imprensa Americana de I. P. da Costa, 1843. p. 110. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/0B_G9pg7CxKSsTi1xM3dEZHRldlE/view. Acesso em 24 de fevereiro de
2020.
434
BN. HDB. O Auxiliador da Indústria Nacional. Tomo 10. Rio de Janeiro: Typograhia de J. E. S.
Cabral, 1842. p. 415.
435
De acordo com Waldemar de Mattos o órgão foi criado em 2 de junho, já segundo Ubaldo Marques
Porto Filho a data de criação seria 2 de julho. Apesar disso, ambos convergem ao afirmar que a
Associação foi instalada em 13 de Novembro de 1840 e no dia 23 do mesmo mês e ano, através de
reunião convocada pelo ex-administradores da Praça do Comércio, foi eleita e empossada a primeira
diretoria. Cf.: MATTOS, Waldemar. Panorama econômico... op. cit. p. 70-71. PORTO FILHO, Ubaldo
Marques. 200 Anos da Associação Comercial da Bahia. Salvador: Casa de Cultura Carolina Taboada,
2011. p. 13.
436
PORTO FILHO, Ubaldo Marques. 200 Anos... op. cit. p. 13.
140

corretores e auxiliares de comércio437. Gillmer seria eleito por três mandatos


consecutivos para compor a junta diretora da Associação (em 1843, 1844 e 1845) 438.
Na década de 1850, quando já ocupava o cargo de cônsul dos Estados Unidos na
província, voltaria a compor a junta diretora da Associação entre os anos de 1854 e
1858439.
Durante a primeira fase em que foi membro da junta diretora da ACB, em 1844,
Gillmer se uniu a Antonio Francisco de Lacerda (que, como vimos, também tinha uma
atuação ativa na Associação) e Antonio Pedrozo de Albuquerque, e juntos fundaram a
sociedade Lacerda e Cia. Aqui, cabe refletir sobre os possíveis elementos que levaram à
formação desta rede. Ao longo desta pesquisa, levantamos a existência de 369
documentos judiciários (148 processos cíveis, 219 escrituras e 2 processos crimes) que
cobrem o período de 1823 a 1879, no Arquivo Público do Estado da Bahia,
majoritariamente em nome de Antonio Pedrozo de Albuquerque e Antonio Francisco de
Lacerda, em que os sócios da firma Lacerda e Cia encontram-se como partes
diretamente envolvidas (Apêndices 1 e 2)440. Em nenhum destes há negociações
realizadas entre eles. Em apenas um caso, uma escritura de compra e venda relativa ao
ano de 1871, aparece uma negociação entre Antonio Francisco de Lacerda e Margarida
J. Gillmer, cujo sobrenome indica um provável parentesco com John Smith Gillmer
(embora não tenha sido possível confirmá-lo).
De todo modo, como apontado anteriormente, Lacerda e Gillmer há muito
atuavam juntos. Além disso, quando Gillmer faleceu, em 1862, Lacerda seria
responsável por realizar o inventário dos bens por ele deixados, assim como pela
administração temporária destes441, o que ratifica uma relação de intimidade entre
ambos. Portanto, não surpreende a existência de uma negociação entre Lacerda e uma
possível familiar de Gillmer no ano de 1871.

437
MATTOS, Waldemar. Panorama econômico... op. cit. p. 32;71.
438
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 11, n. 200, 19 de setembro de 1844. p. 4. O Mercantil
(Bahia). Ano 2, n. 207, 20 de setembro de 1845. p. 2.
439
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil, e Industrial da Bahia, para o anno de 1855. Ano 1.
Bahia: Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1854. p. 219. Almanak Administrativo, Mercantil, e
Industrial da Bahia, para o anno de 1856. Ano 2. Bahia: Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1855.
p. 254. Almanak Administrativo, Mercantil, e Industrial da Bahia, para o anno de 1857. Ano 3. Bahia:
Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1857. p. 272. Almanak Administrativo, Mercantil, e Industrial
da Bahia, para o anno de 1858. Ano 4. Bahia: Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1858. p. 267.
440
Há apenas uma escritura em nome de John Smith Gillmer, referente ao ano 1829. APEB. Seção
Judiciária. Série Escrituras. Escritura de compra e venda. Interessado: José Joaquim da Costa. Parte: John
S. Gillmer. Salvador, ano 1829, livro 236. p. 34.
441
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 69.
141

Da mesma forma, fazendo parte de uma elite econômica comercial lotada na


Bahia e da alta sociedade da província, é possível que os três negociantes detivessem
algum conhecimento entre si. Mas, cabe refletir se um mero conhecimento de Lacerda e
Gillmer para com Pedrozo seria suficiente para que estes se reunissem para levar a
frente um projeto de tamanha dimensão, como foi a fábrica Todos os Santos.
Mesmo levando em consideração que os documentos levantados devem
representar apenas uma parcela das negociações realizadas pelos sócios da firma
Lacerda e Cia, visto que transações podem ter sido realizadas em cartórios cuja
documentação não sobreviveu ao nosso século ou mesmo cuja documentação pode estar
custodiada por outros arquivos que não tivemos oportunidade de consultar, não deixa de
chamar atenção a inexistência, com um número tão significativo de documentos, do
registro legal de negociações realizadas entre os sócios da firma Lacerda e Cia.
A ausência de vestígios na documentação legal a respeito de conexões
previamente existentes à fundação da sociedade Lacerda e Cia entre Lacerda e Gillmer
com Pedrozo aponta como hipótese plausível o fato de que foi por via de atividades
ilegais que esta rede se constituiu. Como vimos, Pedrozo foi um dos principais
comerciantes de escravos da Bahia entre as décadas de 1820 e 1840. Das 33 expedições
negreiras por ele realizadas que mapeamos, todas as quais o local de construção da
embarcação foi possível identificar eram provenientes dos Estados Unidos, sendo duas
destas da Filadélfia.
Por sua vez, John Smith Gillmer, cuja atuação tinha um dos focos,
coincidentemente, na Filadélfia, foi o principal consignatário de embarcações de
fabricação estadunidense para os traficantes e contrabandistas que atuavam na Bahia
entre as décadas de 1820 e 1840, ou seja, mesmo período de participação de Antonio
Pedrozo de Albuquerque no negócio. Logo, podemos deduzir que pelo menos algumas
das embarcações utilizadas por Pedrozo no tráfico negreiro devem ter sido consignadas
ou mesmo compradas de John Smith Gillmer. Ademais, cabe lembrar que o próprio
Antonio Francisco de Lacerda fez suas investidas pessoais no contrabando.
Reside nesta questão a resposta tanto para nossa pergunta quanto para incógnita
deixada pelas fontes a respeito das conexões existentes entre eles. A atuação destes no
contrabando negreiro foi o elemento formador desta rede, na qual John Smith Gillmer
deve ter exercido um importante papel como elo entre Antonio Francisco de Lacerda e
Antonio Pedrozo de Albuquerque. O próprio fato de a fábrica ter sido estabelecida em
uma região onde ocorreram desembarques do contrabando negreiro ratifica esta tese.
142

Como mencionado no capítulo anterior, a presença de Gillmer e Lacerda na


Associação deve ter contribuído em grande medida para a formação e a consolidação do
projeto, como é possível constatar a partir dos pareceres que ambos emitiram, com
André Comber, em 1845 e 1846, para o governo da província, a pedido da Associação
Comercial da Bahia, sobre a situação e formas de aprimoramento da agricultura da
província442.
Em fevereiro de 1847, quando já havia deixado a junta diretora da ACB e
poucos meses antes de a fábrica Todos os Santos entrar em operação, Gillmer passou a
diversificar ainda mais seus investimentos, sendo fundador, com Antonio Francisco de
Lacerda entre outros, da Companhia Bonfim de Navegação a Vapor443 e, mais tarde,
sócio da segunda Companhia Baiana de Navegação444. Certamente, a experiência
adquirida nos anos anteriores, com sua atuação na navegação de longo curso e de
cabotagem, importando e exportando produtos e transportando passageiros no Império
do Brasil, foi um elemento de suma importância no estabelecimento deste negócio.
Além do investimento realizado na Companhia Bonfim de Navegação a Vapor,
ainda na década de 1840, Gillmer também realizou investimentos em estabelecimentos
bancários. Em 1847, mesmo ano de fundação da Companhia Bonfim e de início das
atividades da fábrica Todos os Santos, o negociante foi eleito segundo secretário do
Banco Comercial da Bahia445. Intimamente ligado à Associação Comercial da Bahia, o
Banco, que tinha capital de 2.000:000$000rs, fora fundado em 13 de novembro de 1845,
por meio de iniciativa privada de homens como o primeiro Barão de Fiais (Luís Paulo
de Araújo Bastos), que também era sócio da Companhia Bonfim de Navegação a Vapor,
além de José Agostinho de Sales, Francisco Lan, Joaquim José de Rodrigues e Luís
Antonio Viana, sogro de Antonio Francisco de Lacerda446. O estabelecimento tinha
autorização para emitir vales de 100$000rs, nominais ou ao portador, pagáveis no prazo
de 10 dias em até 50% do seu capital447. Sendo, portanto, um dos estabelecimentos

442
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Administração. Correspondência
recebida da Casa do Comércio, Praça do Comércio e Associação Comercial (1819-1858). Maço 1580. 26
de março de 1846. Para uma análise mais detalhada dos pareceres, ver capítulo 2.
443
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 24, 1 de fevereiro 1847. p. 4.
444
Para uma análise mais detalhada sobre a participação dos sócios da firma Lacerda e Cia na Companhia
Bonfim e na segunda Companhia Baiana de Navegação, ver capítulo 2. Para um panorama da navegação
a vapor na Bahia do século XIX, ver SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição... op. cit.
445
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 178, 3 de agosto de 1847. p. 3.
446
MATTOS, Waldemar. Panorama econômico... op. cit. p. 71.
447
Ibidem. p. 71.
143

emissores existentes no Brasil durante o período em que vigorou a política


pluriemissionista448.
Após 1853, com a criação do segundo Banco do Brasil e centralização da
emissão de notas bancárias e emissão de vales neste estabelecimento, o Banco
Comercial da Bahia seria convertido em Caixa Filial do Banco do Brasil449. Mas não só
o Banco Comercial foi convertido em Caixa Filial do Banco do Brasil, como parte do
pessoal que atuava na antiga instituição ali permaneceu em sua nova forma. De acordo
com Thiago Gambi, ―[...] Muitos negociantes que já ocupavam o cargo nos bancos que
foram extintos para dar lugar às caixas filiais foram nomeados sem hesitação para
compor a diretoria dos novos estabelecimentos [...]‖450.
Este seria o caso de Gillmer que, atuando anteriormente no Banco Comercial da
Bahia, continuou a agir na Caixa Filial do Banco no Brasil na província, ocupando um
dos cargos na primeira diretoria da Caixa Filial, em 1856451. O negociante seria reeleito
em 1857 e novamente eleito nos anos de 1860 e 1862 para ocupar o cargo452. Em 1863,
sua exclusão da direção da Caixa Filial ―por um acinte político‖ foi alvo de críticas.
Conforme o correspondente do Correio Mercantil na Bahia, foram excluídos homens
(além de Gillmer, Manoel Belem de Lima, outro importante nome na Associação
Comercial da Bahia, também ficou fora da direção da caixa) que gozavam de ―melhor
conceito e estima geral‖ e escolhidos para compor a direção da caixa Theodoro Teixeira
Gomes, a seu ver, um negociante falido453.
No ano de 1850, Gillmer foi nomeado cônsul dos Estados Unidos na Bahia,
posto no qual permaneceu até provavelmente 1863, ano de seu falecimento454. É
possível crer que, a partir de então, tenha encerrado suas atividades comerciais de

448
GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. O banco da Ordem... op. cit. p. 206. MÜLLER, Elisa. Moedas e
bancos no Rio de Janeiro no século XIX. Disponível em:
http://www.ie.ufrj.br/oldroot/datacenterie/pdfs/seminarios/pesquisa/moedas_e_bancos_no_rio_de_janeiro
_no_seculo_xix.pdf. Acesso em 14: de junho de 2019. p. 16.
449
GAMBI, Thiago Fontelas Rosado. O banco da Ordem... op. cit. p. 206; 214.
450
Ibidem. p. 214.
451
Ibidem. p. 212-213.
452
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil, e Industrial da Bahia, para o anno de 1857. Ano 3.
Bahia: Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1857. p. 273. Almanak Administrativo, Mercantil, e
Industrial da Bahia, para o anno de 1860. Ano 6. Bahia: Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1860.
p. 310. Almanak Administrativo, Mercantil, e Industrial da Bahia, para o anno de 1862. Ano 8. Bahia:
Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1862. p. 280.
453
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 20, n. 243, 4 de setembro de 1863. p. 2.
454
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro
para o anno bissexto de 1852. Ano 9, série 2, n. 4. Rio de janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1852.
p. 145. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o
anno de 1862. Ano 19, série 2, n. 14. Rio de janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1862. p. 167. Diario
de Pernambuco (Pernambuco). Ano 39, n. 287, 15 de dezembro de 1863. p. 3.
144

importação e exportação, visto que não encontramos nenhum registro destas


negociações com sua participação após o ano de 1849. No entanto, como vimos, ele
continuou atuando na fábrica Todos os Santos, na segunda Companhia Baiana de
Navegação, na Associação Comercial da Bahia e na Caixa Filial do Banco do Brasil.
Além disso, no início do mandato, esteve às voltas no papel de representante do
governo dos Estados Unidos com a missão de reprimir o contrabando negreiro para a
Bahia, negócio no qual tanto colaborou.
Já em meados da década de 1850, Gillmer foi anfitrião do missionário James
Cooley Fletcher em sua visita a Bahia. Como aprofundaremos posteriormente, durante
sua estada na província Fletcher visitaria, guiado por Gillmer, a fábrica Todos os Santos
deixando impressões e registros sobre a situação do estabelecimento naquela altura,
assim como uma gravura deste. Para Fletcher, a residência de Gillmer em Salvador,
localizada em Montserrat, onde tremulava à frente uma bandeira dos Estados Unidos,
era muito bem frequentada e nela era possível encontrar com ―brasileiros dos mais
refinados e bem-educados‖ 455. Ainda de acordo com ele, devido à inserção de Gillmer
na sociedade baiana, nas semanas em que passou com o cônsul e sua família, teve
oportunidade de estabelecer contato com cidadãos da Bahia e estrangeiros residentes em
Salvador456. Fletcher não poupou elogios ao seu conterrâneo e à sua moradia. Segundo
ele, em virtude de dominar bem a língua portuguesa, por seu caráter, espontaneidade e
orgulho de seu país, Gillmer representava devidamente a grande nação que era os
Estados Unidos. Além disso, para Fletcher, Gillmer residia há muito tempo na Bahia e,
―por suas excelentes qualidades, ganhou o coração dos brasileiros‖457.
Poucos sabemos sobre a atuação de Gillmer como cônsul dos Estados Unidos,
além da repressão(?) ao contrabando negreiro, deve ter cuidado de outros interesses da
sua nação. Durante a epidemia de febre amarela que ocorreu na Bahia no início de 1854,
por exemplo, quando membros de tripulações estrangeiras de embarcações ancoradas no
porto de Salvador foram acometidos pela doença (alguns dos quais vieram a falecer),
visitou com o Cônsul Inglês na Bahia, John Morgan, as instalações do hospital de
Montserrat, procurando avaliar as condições da instituição, bem como o tratamento
dado aos doentes ali internados458. Em 1856, durante mais uma epidemia, desta vez de

455
KIDDER, D. P.. FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros: Esboço histórico e descritivo. 7. ed. São
Paulo; Rio de Janeiro; Recife; Porto Alegre: Companhia Editora Nacional, 1941. v. 2. p. 208.
456
Ibidem. p. 209.
457
Ibidem. p. 209.
458
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 11, n. 144, 26 de maio de 1854. p. 1.
145

cólera, saiu com outros negociantes da província, dentre os quais Antonio Francisco de
Lacerda, em socorro da população e do governo da província459. Além disso, conforme
Fletcher, Gillmer foi o principal responsável pela cessão de uma área no cemitério dos
ingleses para o enterro de cidadãos estadunidenses460.
Gillmer faleceu em 1863. Naquela ocasião, Antonio Francisco de Lacerda seria
encarregado pela família da realização do inventário e da administração provisória dos
bens por eles deixados461, o que ratifica a relação de proximidade existente entre ambos.

3. 3. Considerações parciais

John Smith Gillmer iniciou sua inserção na economia brasileira, provavelmente,


na década de 1820, por meio da navegação continental, aproveitando-se da favorável
conjuntura comercial entre Brasil e Estados Unidos. A despeito dos inconvenientes que
envolveram aquelas que devem ter sido algumas de suas primeiras consignações para a
Bahia e da malograda tentativa de transferência para a Corte, nos últimos anos da
década de 1830 e ao longo da década de 1840, consolidou suas atividades.
Neste período, manteve negócio regular entre o Brasil e os Estados Unidos
movimentado a partir do comércio de farinha de trigo e café, além de atuar no transporte
de cargas e passageiros internamente, entre o Rio de Janeiro, a Bahia e Pernambuco.
Ademais, manteve comércio com outros portos do continente americano, como em
Buenos Aires, e nos continentes europeu e africano, seguramente, integrando uma
ampla rede. Nesta mesma época, conseguiu se inserir e desfrutar de um importante
papel em uma das principais organizações de classe da Bahia, a Associação Comercial,
mais uma prova da sua consolidação socioeconômica.
O grande impulso que os negócios de John Smith Gillmer teve ao longo da
primeira metade da década de 1840 esteve intimamente ligado à sua participação no
contrabando negreiro. Atuando na navegação há quase duas décadas, o negociante
detinha os contatos necessários para tratar acerca das embarcações de fabricação

459
BN. HDB. Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo presidente da
provincia o Doutor Alvaro Tibeiro de Moncorvo e Lima em 14 de maio de 1856. Bahia. Typographia de
Antonio Olavo da França Guerra e Comp., 1856. p. 11.
460
KIDDER, D. P.. FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros... op. cit. p. 210.
461
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença:.. op. cit. p. 69. Não conseguimos
localizar o inventário de John Smith Gillmer.
146

estadunidense que seriam empregadas no tráfico ilegal, quando elas se tornaram alvo de
interesse dos contrabandistas brasileiros. Ao longo da década de 1840, ao mesmo tempo
em que davam entrada na província da Bahia embarcações carregadas de farinha de
trigo, entre outras mercadorias, davam entrada também embarcações que seriam
vendidas e fretadas para criminosos atuantes no tráfico ilegal, ambas consignadas a John
Smith Gillmer, algumas das quais devem ter sido empregadas por Antonio Pedrozo de
Albuquerque.
No auge da sua atuação no contrabando negreiro, John Smith Gillmer expandiu
suas áreas de atuação, buscando lucro e legitimidade: investiu em uma companhia de
colonização em parceria com John Monteiro Carson; nas Companhias Bonfim e Baiana
de Navegação, com Antonio Francisco de Lacerda; no Banco Comercial da Bahia; e na
Caixa Filial do Banco do Brasil na província. Ademais, sua escancarada participação no
contrabando não impediu que alçasse importantes cargos de direção na Associação
Comercial da Bahia, nos bancos em que investiu, muito menos de assumir o posto de
cônsul dos Estados Unidos na província.
Singrando mares pelas vias da legalidade e ilegalidade, os interesses de John
Smith Gillmer cruzaram com os de Antonio Francisco de Lacerda, John Monteiro
Carson e Antonio Pedrozo de Albuquerque. Inicialmente, com os dois primeiros, de
forma visível, na Associação Comercial da Bahia e na companhia de colonização
americana. Com o último, de forma oculta, no contrabando negreiro. No ano de 1844,
Gillmer seria elo entre Lacerda, Pedrozo e Carson, na formação da firma Lacerda e Cia
e no estabelecimento da fábrica Todos os Santos.
147

PARTE II
A FÁBRICA TODOS OS SANTOS
148

4. “A FÁBRICA DE TECIDOS DE ALGODÃO QUE VAI SE ESTABELECER


NO DISTRITO DA VILA DE VALENÇA”462

4.1. “Um famoso engenheiro americano”463: o senhor John Monteiro Carson

A sociedade Lacerda e Cia foi constituída em 1844 por Antonio Francisco de


Lacerda, Antonio Pedrozo de Albuquerque e John Smith Gillmer464. Como vimos
anteriormente, Lacerda, Pedrozo e Gillmer eram importantes negociantes da Bahia e
haviam atuado juntos (Lacerda e Gillmer) em algumas oportunidades em esferas do
setor socioeconômico da província. A despeito destas colaborações pontuais, não
encontramos registros que indiquem que os negociantes tenham realizado algum grande
projeto coletivo até o momento de constituição da firma. Além disso, o início das
atividades relativas à fundação da fábrica no mesmo ano de instauração da sociedade
indica que ela fora formada com este propósito.
Antonio Francisco de Lacerda foi o principal investidor do empreendimento,
tendo ingressado com 50% do capital aplicado inicialmente, enquanto John Smith
Gillmer e Antonio Pedrozo de Albuquerque, representado pelo engenheiro John
Monteiro Carson465, empregaram cada um 25% do capital inicial466. Mesmo que não
figurasse como sócio da firma, Carson teria um importante papel na trajetória da Todos
os Santos, não apenas como representante de Pedrozo, mas também como responsável
por dirigir os trabalhos de edificação da fábrica, por adquirir o maquinário que seria
nela instalado e administrá-la desde o início da operação do estabelecimento até a sua
morte.
A escolha de um engenheiro dos Estados Unidos para assumir a direção da
fábrica Todos os Santos era uma decisão extremamente plausível, em virtude do grande
desenvolvimento que a produção algodoeira e a indústria têxtil alcançavam no país
norte-americano no período467, assim como pela presença de um sócio também oriundo

462
BN. HDB. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 24, n. 6.844, 17 de fevereiro de 1845. p. 1.
463
BN. HDB. O Americano (Rio de Janeiro). v. 3, n. 43, 5 de fevereiro de 1848. p. 4.
464
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.
465
Nas fontes e bibliografia consultadas o nome do engenheiro aparece tanto redigido como John
Monteiro Carson quanto como em sua versão aportuguesada João Monteiro Carson. Aqui optamos por
manter a versão original inglesa de seu nome, John.
466
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço
4602. Fábrica Todos os Santos, 1883. Caderno 53. D. PEDRO II. Viagem à Costa Leste – 4ª parte (de
Aracaju ao Espírito Santo) 11/01 a 28/01/1860. In: BEDIAGA, Begonha. Diário de D. Pedro II. CD-
ROM. Petrópolis: Museu Imperial, 1999. Paginação irregular.
467
Cf.: BAPTIST, Edward. A metade... op. cit.
149

dos Estados Unidos na firma, com quem Carson já mantinha certa aproximação. Além
disso, havia a questão de escassez destes profissionais no mercado brasileiro, visto que,
embora a engenharia tivesse sido desenvolvida no Brasil desde o período colonial, até
meados do século XIX havia uma predominância da engenharia militar, contando com
engenheiros e os chamados mestres de risco (artífices legalmente licenciados sem
formação regular), no começo, majoritariamente portugueses, e mais tarde, também
brasileiros468. A Bahia, por exemplo, teria seu primeiro engenheiro formado, Augusto
Frederico de Lacerda, filho de Antonio Francisco de Lacerda, apenas na década de
1850.
Logo, embora alguns empresários adquirissem livros de mecânica buscando
obter conhecimento para realizar seus investimentos, de modo geral, os proprietários de
fábricas têxteis no Brasil no período dependiam de técnicos especializados da Europa
(especialmente da Grã-Bretanha e da França) e/ou dos Estados Unidos para projetarem
seus estabelecimentos, bem como para supervisionar a instalação e a manutenção dos
equipamentos importados que fossem nele empregados. Estes engenheiros estrangeiros
vinham para o Brasil prestar serviço para alguma fábrica e acabavam, muitas vezes,
prestando seus serviços para mais de uma delas469.
De maneira convergente com estes casos, Carson não atuou apenas na fábrica
Todos os Santos, mas também em outros empreendimentos, especialmente obras de
interesse público, para os quais os seus serviços foram requisitados. Dado aos projetos
por ele chefiados, alguns dos quais abordaremos brevemente neste item, é possível crer
que ele tenha desempenhando um importante papel na construção do campo da
engenharia na Bahia no século XIX, uma questão ainda por ser aprofundada. Como
observado por Vinícius Silva, membros da rede em que Carson estava inserido, como
Francisco Gonçalves Martins e João Maurício Wanderley, por exemplo, estiveram
envolvidos na implantação do Imperial Instituto Bahiano de Agricultura470, em cuja
escola agrícola existia cursos de formação de engenheiro agrônomo e veterinário471.

468
TELLES, Pedro C. da Silva. Evolução Geral da Engenharia no Brasil. In: Revista Militar de Ciência e
Tecnologia. v. 14, out-dez de 1997. Disponível em:
http://rmct.ime.eb.br/arquivos/RMCT_4_tri_1997/evol_geral_eng_Brasil.pdf. Acesso em: 27 de setembro
de 2019. p. 83.
469
STEIN, Stanley. Origens e Evolução... op. cit. p. 50.
470
SILVA, Vinícius Santos da. A Moléstia da Cana de Açúcar no Recôncavo Baiano: Política, Saberes,
Práticas e Polêmicas Científicas (1865-1904). Tese (Doutorado em História). Rio de Janeiro:
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2019. p. 2. Sobre a escola agrícola da Bahia ver:
471
Cf.: TOURINHO, Maria Antonieta de Campos. O Imperial Instituto... op. cit. ARAÚJO, Nilton de
Almeida. Pioneirismo e hegemonia... op. cit.
150

Apesar de ser presumível o fato de que John Monteiro Carson tenha vindo para o
Brasil por intermédio de John Smith Gillmer especialmente para trabalhar na Todos os
Santos, como ocorria com outros engenheiros trazidos para o país para prestar serviços a
estes estabelecimentos, as fontes apontam para um caminho diferente. Em sua visita à
fábrica em meados da década de 1850, o missionário estadunidense James Cooley
Fletcher pode desfrutar em algumas oportunidades da companhia do engenheiro, a quem
considerou ―um homem interessantíssimo, por sua inteligência e bom senso‖. Segundo
Fletcher, Carson ―[...] Veio para morrer no Brasil [...]‖472.
A afirmação do missionário abre a possibilidade para algumas conjecturas sobre
a trajetória do John Monteiro Carson, como o fato de ele ter imigrado com certa idade,
não desfrutando de saúde plena, em busca de sossego, encontrar a morte nos ares
tropicais do Brasil. Ainda assim, essa versão idílica fornece poucas informações acerca
dos primeiros anos de sua estadia na Bahia. Contudo, sabemos que ele era proprietário
da Fazenda Candengo473, situada na vila de Valença, na mesma área em que a fábrica
Todos os Santos seria edificada. A presença de Carson na região deve ter contribuído
para que o local fosse escolhido para a edificação da fábrica, ou talvez o local no qual
havia grande potencial para geração de energia hidráulica tenha atraído o engenheiro.
Uma possibilidade não exclui a outra, nem uma terceira.
Carson estava estabelecido na província da Bahia desde, pelo menos, o início da
década de 1840 e devia manter relação de proximidade com seu conterrâneo John Smith
Gillmer. Em 1842 e 1843, poucos anos antes da formação da firma Lacerda e Cia,
ambos estiveram à frente da iniciativa de criação de uma colônia estadunidense na
comarca de Caravelas na província. Uma vida um tanto quanto agitada para quem veio
para morrer. Outro sócio de quem Carson deveria ser próximo era Antonio Pedrozo de
Albuquerque, afinal, ele foi seu representante na sociedade.
Nesse João que amava Antonio, todos entraram na história. Antonio Francisco
de Lacerda atuou com John Smith Gillmer desde 1833 por intermédio da Associação
Comercial da Bahia. Este, por sua vez, trabalhou em parceria com John Monteiro
Carson na iniciativa de formação de uma colônia dos Estados Unidos no sul da Bahia no
início da década de 1840. Enquanto isso, Carson seria representante de Antonio Pedrozo
de Albuquerque na firma Lacerda e Cia, o que aponta para a existência de uma ligação
prévia entre eles. Ademais, Pedrozo, Lacerda e Gillmer estiveram envolvidos em

472
KIDDER, D. P.. FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros... op. cit. p. 231.
473
OLIVEIRA, Edgar Otacílio da Silva. Companhia Valença Industrial... op. cit. p. 11.
151

diferentes escala e esferas com o contrabando negreiro para a Bahia, antes, e mesmo
após, no caso de Gillmer, constituírem a sociedade. Carson também?
Em toda documentação e bibliografia consultada não encontramos nenhuma
indicação de que John Monteiro Carson tenha atuado no contrabando negreiro.
Contudo, em virtude da rede na qual ele estava inserido, esta possibilidade não pode ser
completamente descartada. Não podemos esquecer que o engenheiro era proprietário de
terras situadas às margens de um rio navegável, com acesso ao litoral, em uma região
onde vinham ocorrendo desembarques do tráfico ilegal escravos. Do mesmo modo,
havia a questão da sua nacionalidade e do emprego de embarcações e da bandeira dos
Estados Unidos, assim como mencionamos para o caso de Gillmer, no crime. Por fim,
seu interesse em formar uma colônia na província aponta para o fato de que ele estava
interessado na questão da mão de obra. Aqui residem algumas questões: Suas
propriedades na vila de Valença foram pontos negreiros? Seus conhecimentos foram
empregados, em alguma medida, no contrabando para o Brasil? Por ora, estas questões
permanecem em aberto.
De todo modo, o engenheiro era, no mínimo, um defensor da continuidade do
tráfico transatlântico. Em seu Primeiro relatório apresentado a presidência da Bahia
sobre os melhoramentos da cultura da canna, e do fabrico do assucar474, publicado em
1854, o engenheiro criticava ―a repentina, senão prematura repressão do trafico‖ que,
474
Este relatório foi produto de um estudo prático encomendado pelos presidentes da província da Bahia
Francisco Gonçalves Martins e João Maurício Wanderley, e realizado por uma comissão chefiada por
John Monteiro Carson, em 1852, sobre as condições da cultura da cana e da produção açucareira na Bahia
e os melhoramentos realizados em ambas as atividades na Europa, nos Estados Unidos e em Cuba. O
estudo e o documento dele decorrente tiveram grande repercussão, tanto positiva, com cópias sendo
enviadas para outras províncias e/ou reproduzidas em periódicos, quanto negativa, com críticas à forma
como todo o arranjo para a realização do estudo e importação de tecnologia estrangeira fora feito,
especialmenta porque o maquinário adquirido por Carson no exterior seria instalado em um engenho
pertencente e Francisco Gonçalves Martins. BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos
Srs. Deputados, Quarto Anno da Oitava Legislatura, Sessão de 1852. Tomo segundo. Rio de Janeiro.
Typographia de H. J. Pinto: 1877. p. 27; 30; 718. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 32, n.
216, 8 de agosto de 1854. p. 1; e Ano 33, n. 216, 8 de agosto de 1854. p. 1. O Paiz (Bahia). Série 1, n. 22,
14 de junho de 1854. p. 1. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 27, n. 257, 27 de agosto de 1852.
p. 1. Correio da Victoria (Espírito Santo). Ano 6, n. 45, 7 de junho de 1854. p. 2. Diario de Pernambuco
(Pernambuco). Ano 30, n. 76, 3 de abril de 1854. p. 2; Ano 30, n. 131, 8 de junho de 1854. p. 3; Ano 31,
n. 64, 19 de março de 1855. p. 1. Publicador Maranhense (Maranhão). Ano 13, n. 1.551, 9 de julho de
1854. p. 2. Correio Sergipense (Sergipe). Ano 17, n. 41, 7 de junho de 1854. p. 3. Treze de Maio (Pará).
n. 340, 6 de junho de 1854. p. 3. O Conservador (Santa Catarina). Ano 4, n. 350, 21 de agosto de 1855. p.
3. A Imprensa (Maranhão). Ano 1, n. 57, 16 de dezembro de 1857. p. 3. O Bom Senso (Minas Gerais).
Ano 4, n. 333, 13 de agosto de 1855. p. 1. O Grito Nacional (Rio de Janeiro). n. 693, 22 de julho de 1854.
p. 4. Uma cópia do relatório na íntegra pode ser encontrada em: OLIVEIRA, Waldir Freitas. A crise da
economia açucareira do Recôncavo na segunda metade do século XIX. Salvador: Centro de Estudos
Baianos, 1999. Para maiores aprofundamentos sobre a comissão e seu impacto ver: ALVES, Vinicius
Bonifacio Santos. Os Engenhos Centrais no Recôncavo Baiano: 1874 – 1890. Dissertação (Mestrado em
História). Cachoeira: Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, 2019. SILVA, Vinícius Santos da. A
Moléstia da Cana... op. cit.
152

segundo ele, ameaçava ―de sérios comprometimentos a fortuna pública e particular da


província‖ da Bahia475.
É certo que foi por meio da atuação na fábrica que o engenheiro ganhou
notoriedade, ou fama, na província, como noticiava em uma matéria publicada em 1848
o periódico O Americano476. As primeiras referências a John Monteiro Carson no Brasil
que encontramos nas fontes, relativas aos anos de 1847 e 1848, aparecem justamente
atreladas a Todos os Santos. Nos dez anos seguintes, até o seu falecimento em 1858, ele
estaria à frente de uma série de projetos desenvolvidos na província da Bahia. Como
Fletcher completou em suas observações ―Veio para morrer no Brasil, mas o seu clima
delicioso fez dele um novo homem, e, na verdade, tem caminhado para frente [...]‖477.
Em março de 1849, cerca de um ano e meio após a fábrica ter entrado em
operação, Carson foi agraciado com o título honorífico de Cavaleiro da Ordem da
Rosa478. O aceite da condecoração parece ter lhe acarretado problemas com seu país de
origem. Com base nas fontes consultadas, isso levou a perda da cidadania estadunidense
pelo engenheiro, o que, por sua vez, deu início a uma ação pela aquisição da
brasileira479 que viria a ser autorizada a partir do decreto nº 633 de 18 de setembro de
1851480. No entanto, a perda da cidadania estadunidense por Carson no período não
deixa de levantar mais uma inquietação sobre sua possível participação no contrabando
negreiro para o Brasil.
No senado, o pedido de naturalização de John Monteiro Carson foi defendido
por dois importantes nomes da província da Bahia, Francisco Jê Acaiaba de
Montezuma, futuro Visconde de Jequitinhonha, e nosso velho conhecido, Francisco
Gonçalves Martins. Como argumento em favor da concessão, ambos buscaram destacar
as obras realizadas pelo engenheiro na região de Valença, especialmente a Todos os
Santos. No seu pronunciamento, Montezuma procurou deixar evidente a importância
que o engenheiro teve na conformação da fábrica. Em suas palavras:
O Sr. Carson estabeleceu na província da Bahia uma das mais
extensas e melhores reguladas fabricas de tecer algodão, num lugar

475
CARSON, João Monteiro. Primeiro relatório apresentado a presidência da Bahia sobre os
melhoramentos da cultura da canna, e do fabrico do assucar. In: Correio da Victoria (Espírito Santo).
Ano 6, n. 45, 7 de junho de 1854. p. 3.
476
BN. HDB. O Americano (Rio de Janeiro). v. 3, n. 43, 5 de fevereiro de 1848. p. 4.
477
KIDDER, D. P.. FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros... op. cit. p. 231.
478
BN. HDB. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 28, n. 8.051, 26 de março de 1849. p. 1
479
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). n. 1.022, 21 de julho de 1851. p. 3. A despeito de
inúmeras tentativas, não foi possível localizar o processo de naturalização de John Monteiro Carson no
Arquivo Nacional.
480
BN. HDB. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 30, n. 8.816, 13 de outubro de 1851. p. 1.
153

próximo à vila de Valença, e realmente encontrou a natureza mais


própria para um tal estabelecimento [...].
Mas o Sr. Carson não determinou pelas regras comuns que
ordinariamente dirigem fábricas destas natureza; ele estabeleceu, não
só toda a disciplina que é indispensável para que uma fábrica seja bem
regulada e policiada, mas adoptou um outro princípio, que é o
internato dos trabalhadores [...]
Sr. presidente, eu visitei essa fábrica: ela, não só está num pé de
prosperidade, como agoura um progresso que há de servir de poderoso
motor a propriedade daquele município [...]481

Como acima mencionado, além da fábrica Todos os Santos, Carson foi


responsável pela construção de outros empreendimentos na vila de Valença, como uma
serraria movida a energia hidráulica482, sobre a qual não encontramos mais detalhes,
uma ponte sobre o rio Una próxima à fábrica Todos os Santos483, e um farol no Morro
de São Paulo, estes últimos, incumbências recebidas de Francisco Gonçalves Martins
enquanto presidente da província da Bahia, em 1849, e financiadas pela sociedade
Lacerda e Cia ou membro, certamente, alguns dos principais interessados pela
edificação destes.
A construção do farol no Morro de São Paulo, como vimos, importante ponto de
referência da costa da Bahia, favorecia a navegação no litoral desta província, atividade
que teve, tanto na modalidade lícita quanto ilícita, um papel de suma importância nos
investimentos realizados por Antonio Francisco de Lacerda, Antonio Pedrozo de
Albuquerque e John Smith Gillmer. Assim, ela deveria atender diretamente aos
interesses destes. Ademais, falas sobre a necessidade de construção do farol do Morro
de São Paulo começaram a aparecer na Assembleia Legislativa da Bahia justamente em
meados da década de 1840, por meio da iniciativa dos presidentes da província Antonio
Ignacio D‘Azevedo e seu antecessor, Francisco Soares de Andréa, mesmo período de
fundação da fábrica Todos os Santos, o que ratifica a relação existente entre ambos484.
Foi somente na gestão de Francisco Gonçalves Martins, em 1849, que a edificação do
farol teve início485. Previsto para ser inaugurado em março de 1854486, o farol entrou em

481
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 26, n. 1.851, 20 de julho de 1851. p. 2.
482
BN. HDB. O Correio da Tarde (Rio de Janeiro). n. 1.022, 21 de julho de 1851. p. 3.
483
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). n. 412, 6 de junho de 1849. p. 1.
484
BN. HDB. Falla que recitou o presidente da provincia da Bahia, o conselheiro Antonio Ignacio
d'Azevedo, n'abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 2 de fevereiro de 1847. Bahia:
Typ. Do Guayucurú de D. Guedes Cabral, 1847. p. 18.
485
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 26.
154

operação apenas um ano mais tarde, em 3 de maio de 1855. Ainda assim, em 1856 o
empreendimento permanecia em obras487.
Em passagem por aquela faixa do litoral da Bahia, em 1859, apenas quatro anos
após o farol ter entrado em operação, o Imperador D. Pedro II fez um desenho do Morro
de São Paulo (Imagem 1). Na imagem, observa-se a Fortaleza de Tapirandú, construída
no século XVII, à beira-mar; a lateral da Igreja Nossa Senhora da Luz, padroeira da
localidade (construída em três etapas, cujas obras foram iniciadas no século XVII e
finalizas no século XIX) à direita; e, no alto, em destaque, o farol.

Imagem 1 – Desenho do Morro de São Paulo, 5 de outubro de 1859.

Fonte: D. PEDRO II. Viagem à Costa Leste – 4ª parte (de Aracaju ao Espírito Santo) 11/01 a 28/01/1860.
In: BEDIAGA, Begonha. Diário de D. Pedro II. CD-ROM. Petrópolis: Museu Imperial, 1999. Paginação
irregular.

Três anos depois da inauguração do farol, Carson veio a falecer, em 12 de julho


de 1858, em Liverpool, na Inglaterra488. De acordo com o periódico Correio Mercantil,
ele teria viajado para Europa para tratar da sua saúde, lá a sua condição teria se

486
BN. HDB. Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo Presidente da
Provincia o Doutor João Mauricio Wanderley no 1º de março de 1854. Bahia Typographia de Antonio
Olavo da França Guerra e Comp., 1854. p. 23.
487
BN. HDB. Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo Presidente da
Provincia o Doutor Alvaro Tiberio de Moncorvo e Lima em 14 de maior de 1856. Bahia: Typographia de
A. Olavo da França Guerra e Comp., 1856. p. 87.
488
No inventário, há duas referências diferentes ao local onde o engenheiro faleceu, Liverpool e Londres.
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário João Monteiro Carson. Classificação
05/2153/3622/11.
155

agravado, levando-o ao falecimento489. Sem herdeiros conhecidos, o engenheiro teve


como inventariante Manoel Leite Ribeiro.
A fortuna de Carson era composta por 87,2% (38:682$200rs) de dívidas ativas.
Destas, a maioria absoluta (29:120$927rs, ou 75,3%) era de Bernardino de Sena
Madureira, proprietário de uma serraria, uma fábrica de vidros e um dos fundadores da
fábrica Nossa Senhora do Amparo em Valença. Aparentemente, Madureira era o
depositário de Carson, visto que os débitos existentes diziam respeito às letras passadas
em seu nome. O maior deles, por exemplo, no valor de 23:000$000rs, correspondia às
três letras passadas por Lacerda e Cia, provavelmente, pagamento dos honorários do
engenheiro490.
O segundo maior devedor de Carson, com débito de 4:000$000rs (10,3%) era a
casa comercial do importante negociante e ex-contrabandista negreiro na Bahia,
Joaquim Pereira Marinho, proveniente de um saque feio por ele feito pelo
estabelecimento491. Este débito chama atenção, pois aponta para a existência de vínculos
entre John Monteiro Carson e mais um dos criminosos que atuaram no tráfico ilegal de
escravos para a Bahia. Afinal, o que teria motivado a negociação? O terceiro maior
devedor ao engenheiro era a Tesouraria Provincial, com débito de 3:461$000rs (8,9%),
correspondente a compra de ferragens e ferramentas que este adquiriu na Inglaterra para
a Bahia492. Quando faleceu, Carson não deixou nenhum escravo, mas deve ter possuído
cativos em algum momento de sua vida. Em suas dívidas ativas, aparecem um débito de
600$000rs em nome do ―preto africano‖ Carlos, por sua liberdade493.
Os bens materiais deixados por Carson, por sua vez, somaram 5:689$862rs.
Embora representem uma pequena porcentagem da riqueza do engenheiro, ele era
proprietário de uma série de itens de estimável valor qualitativo como medicamentos,
reagentes químicos, equipamentos científicos e livros, em francês e inglês, entre obras
de engenharia, arquitetura, comércio e agricultura. Estes itens representavam um ponto
fora da curva e deveriam ser mais um motivo para destaque na localidade. Menos de 1%

489
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 15, n. 253, 18 de setembro de 1858. p. 2.
490
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário João Monteiro Carson. Classificação
05/2153/3622/11.
491
Ibidem.
492
Ibidem.
493
Ibidem.
156

das pessoas que faleceram em Valença entre 1831 e 1866 tiveram livros avaliados em
seus inventários494.
Além daquilo que deveria ser seu material de trabalho, Carson era dono de dois
sítios de terra com localização privilegiada na cidade de Valença, um com 31 palmos,
situada à rua direita do Cais, e outro com 105, às margens do Rio Una, avaliados
respectivamente 217$000rs e 210$000rs. Completavam os bens de raiz do engenheiro a
já mencionada fazenda Candengo que, com suas 340 braças (748 metros) de terra e
avaliada em 4:000$000rs, respondia pela maior porcentagem destes (70,3%). Fazendo
divisa pelo sul com o Rio Una, pelo leste com o Rio Gereba, pelo oeste com o Rio
Jaguaripe e ―terras de índios‖ da Aldeia de São Fidélis, e pelo norte com a fábrica
Todos os Santos, a fazenda seria arrematada em hasta pública por ninguém menos que
Antonio Pedrozo de Albuquerque por 4:001$000rs, em 23 de outubro de 1860495, um
mês depois dele ter tomado posse como proprietário individual Todos os Santos, após a
dissolução da firma Lacerda e Cia496. Ao lado daquela fazenda, em 1845, teve início o
processo de instalação da fábrica.

4. 2. “O estabelecimento desta grande fábrica”497.

A sociedade Lacerda e Cia foi constituída em uma época de desenvolvimento de


manufaturas no Brasil. Na região fluminense (município neutro e província do Rio de
Janeiro), o número de estabelecimentos manufatureiros mais que duplicou neste
período, passando de 41 na década de 1840 para 108 na seguinte. De acordo Luiz
Carlos Soares, os principais fatores que contribuíram para isso foram a reforma tarifária
empreendida pelo Ministro da Fazenda Manoel Alves Branco em 1844 e o estímulo
indireto fornecido pela proibição do contrabando negreiro498.

494
SANTOS, Silvana Andrade dos. Nos terrenos... op. cit. p. 119. Cf.: APEB. Seção Judiciária. Série:
Inventários. Valença: 1831-1866.
495
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário João Monteiro Carson. Classificação
05/2153/3622/11. Presentemente a fazenda Candengo faz parte de uma área de proteção ambiental (APA
Candengo), propriedade da Companhia Valença Industrial. Cf.: BRASIL. Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade. Reservas Particulares Do Patrimônio Natural (RRPN): RRPN Candengo.
Disponível em: http://sistemas.icmbio.gov.br/simrppn/publico/consulta_publica/1051/. Acesso em: 7 de
fevereiro de 2020.
496
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 240, 23 de outubro de 1860. p. 2.
497
BN. HDB. O Crepusculo (Bahia). n. 4, v. 1, 20 de setembro de 1845. p. 59.
498
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... p. 155.
157

Apesar de, como exemplificado pelos proprietários da fábrica Todos os Santos, o


comércio de escravos a partir do continente africano não ter cessado após 1831, a
proibição do negócio teve efeitos no mercado brasileiro. Na Bahia, o preço de um
escravo adulto do sexo masculino empregado na agricultura apresentou alta significativa
entre as décadas de 1820 e 1840499. Em Santiago do Iguape, o preço médio dos escravos
passou de 290$000rs na década de 1830 para 660$000rs na década de 1840500.
A proibição do tráfico, associada à alta no preço dos escravos dela decorrente,
dificultou o acesso à mão de obra por parte de alguns senhores, o que levou à
concentração dos trabalhadores na lavoura e ao abandono das atividades artesanais
desenvolvidas nas fazendas, como a produção de tecidos de algodão. Este processo
resultou no aumento da demanda externa por produtos manufaturados que, por
consequinte, forneceu estímulo para o desenvolvimento de atividades industriais em
maior escala fora das unidades rurais501.
Em meados da década de 1840, a mudança de política alfandegária promovida
pelo Ministro Manoel Alves Branco viria fornecer mais um incentivo ao
desenvolvimento da indústria fabril no Império. A reforma, motivada por interesses
políticos e econômicos, elevou a tarifa cobrada sobre alguns artigos de importação
(dentre os quais estavam os tecidos de algodão ingleses) para 30%. Mesmo que esse
aumento não tenha levado a extinção destes produtos do mercado brasileiro, a reforma
representou um importante estímulo indireto ao desenvolvimento de atividades
manufatureiras e marcou o início do primeiro surto industrial no país502.
Assim, a opção pelos sócios da firma Lacerda e Cia por adentrarem no ramo
têxtil deveria estar relacionada à própria demanda interna já existente no mercado
brasileiro por tecidos para serem empregados, por exemplo, como roupas de escravos e
sacaria, gêneros que, como aprofundaremos no próximo capítulo, foram as principais
mercadorias produzidas inicialmente pela fábrica. Como observado por Eric

499
BARICKMAN, Bert J. Um Contraponto Baiano: Fumo, mandioca e escravidão no recôncavo, 1780-
1860. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 231.
500
ROCHA, Uelton Freitas. “Recôncavas” fortunas... op. cit. p. 110.
501
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 123-124.
502
LUZ, Nícia Vilela. A Luta pela Industrialização do Brasil. São Paulo: Alfa Omega, 1978. OLIVEIRA,
Geraldo de Beauclair Mendes de. A construção inacabada... op. cit. SAMPAIO, José Luís Pamponet. A
evolução de uma empresa no contexto da industrialização brasileira: A companhia Empório Industrial
do Norte, 1891-1973. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas). Salvador: Universidade Federal da
Bahia, 1975. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. VILELA, André. Política
tarifária no II Reinado: evolução e impactos, 1850-1889. In: Nova Economia. Belo Horizonte, n. 5, v.1,
jan-abr de 2005. Disponível em:
https://revistas.face.ufmg.br/index.php/novaeconomia/article/view/444/441. Acesso em: 12 de fevereiro
de 2020.
158

Hobsbawm, investidores do setor fabril preferiam aplicar seus capitais principalmente


na produção de mercadorias de consumo de massas, como os têxteis, em virtude da
existência de um mercado consumidorque, ademais, estava aberto à expansão503. Mais
recentemente, Sven Beckert apontou neste mesmo sentido. Para ele:
Quanto mais pessoas compravam tecidos de algodão a baixo preço,
empresários em um maior número de países ficavam convencidos de
que poderiam fabricar as mesmas mercadorias [...]504.

Ademais, ainda que as fontes apontem para o fato de que a sociedade tenha sido
formada antes da aprovação da tarifa Alves Branco, a sua constituição no mesmo ano de
aprovação da reforma tarifária (que vinha sendo discutida desde o ano anterior)505
demonstra que os sócios estavam atentos aos debates e às políticas econômicas do
governo imperial, bem como à conjuntura favorável à realização de investimentos desta
natureza.
Por fim, deveria haver as motivações provenientes de estímulos externos, em
virtude do grande desenvolvimento que a produção algodoeira e indústria têxtil
alcançavam no cenário mundial, desenvolvimento cujas condições Antonio Francisco de
Lacerda e John Smith Gillmer também estavam a par, como abordado no capítulo dois.
De acordo com Eric Hobsbawm
[...] Uma vez iniciada a industrialização na Grã-Bretanha, outros
países podiam começar a gozar dos benefícios da rápida expansão
econômica que a revolução industrial pioneira estimulava. Além do
mais, o sucesso britânico provou o que se podia conseguir com ela, a
técnica britânica podia ser imitada, o capital e a habilidade britânica
podiam ser importados [...]506.

503
HOBSBAWM, Eric. J. A era das revoluções: 1789-1848. 34. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. p.
65.
504
Tradução livre. No original: ―[...] As more people bought cheap cottons, entrepreneurs in more
countries became convinced that they could produce the same goods [...]‖. Beckert considera, no entanto,
que esta premissa não se aplica ao caso brasileiro. Segundo Beckert, o Brasil falhou em desenvolver uma
indústria algodoeira mecanizada, em virtude dos conflitos de interesses entre este ramo industrial e o setor
agroexportador escravocrata. Para exemplificar esta questão, o autor toma justamente o caso da Bahia.
Para ele, embora a Bahia dispusesse de condições favoráveis para a industrialização, como capitais e
matéria-prima, os interesses agrícolas, articulados, por exemplo, em torno da Associação Comercial,
buscaram minar o apoio do governo ao desenvolvimento industrial. Cf.: BECKERT, Sven. Empire of
cotton: A global history. Ebook. New York: Alfred A. Knopf, 2014. Paginação irregular. Embora o autor
não esteja completamente equivocado no que se refere ao processo de industrialização, ele não pode ser
dito com relação à indústria. O principal problema de sua interpretação com relação ao Brasil reside na
crença de uma separação entre agricultura e indústria fabril. Como procuramos demonstrar a partir dos
casos da sociedade Lacerda & Cia e da fábrica têxtil Todos os Santos, havia interesses convergentes entre
a indústria e a agroexportação e alguns agentes, como Antonio Pedrozo de Albuquerque, investiam em
ambos os setores. Além disso, como vimos para o caso de Antonio Francisco de Lacerda e John Smith
Gillmer, negociantes com importante atuação na Associação Comercial da Bahia também investiam em
indústrias.
505
LUZ, Nícia Vilela. A Luta... op. cit. p. 25
506
HOBSBAWM, Eric. J. A era das revoluções... op. cit. p. 66.
159

O processo de estabelecimento da Todos os Santos se deu em duas frentes de


atuação: uma delas sob responsabilidade do engenheiro John Monteiro Carson, voltada
principalmente às questões relativas aos trabalhos de edificação e montagem da
fábrica507; e outra, encabeçada por Antonio Francisco de Lacerda, direcionada à busca
por subvenções para o estabelecimento.
O local escolhido para a instalação da fábrica foi a margem do rio Una, na altura
da segunda cachoeira deste, situada na povoação de São Félix, na vila de Valença508.
Como mencionado anteriormente, a vila de Valença e a região na qual ela está inserida
era uma velha conhecida de, pelo menos, dois agentes envolvidos no projeto da Todos
os Santos: John Monteiro Carson, que era proprietário da Fazenda Candengo, na
localidade, e Antonio Pedrozo de Albuquerque que, desde pelo menos 1823, comerciava
com o Morro de São Paulo.
Em discussão realizada no senado anos depois, em 1851, o senador baiano
Francisco Jê Acaiaba de Montezuma afirmou que John Monteiro Carson havia
escolhido o lugar mais propício da província da Bahia para a fundação de fábricas para
instalar a Todos os Santos, em virtude da existência no Rio Una de uma longa extensão
de cachoeiras - findas em uma baía - que poderia ser aproveitada para a geração de
energia hidráulica509.
Tratando-se ou não do lugar mais favorável da província para a construção de
fábricas (visto que é não é possível mensurar até que ponto findava a realidade e
iniciava a retórica do senador), é certo de que o local escolhido para a construção da
fábrica era bastante propício para a realização de empreendimentos desta natureza.
Antes da construção da Todos os Santos, já existiam ali serrarias que utilizavam as
águas das cachoeiras do Rio Una como força motriz510, e mais tarde seriam construídas

507
Há indícios de que outros norte-americanos participaram dos trabalhos de edificação da fábrica. Em
deu diário, D. Pedro II registra que uma das rodas hidráulicas do estabelecimento foi construída sob a
direção de um americano chamado Randbow. É possível que este seja o mesmo A. R. Randall, norte-
americano, ―construtor de moinhos‖, mencionado por Fletcher. Cf.: D. PEDRO II. Viagem à Costa... op.
cit. Paginação irregular. KIDDER, D. P.. FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros... op. cit. p. 229.
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 40.
508
BN. HDB. O Crepusculo (Bahia). n. 4, v. 1, 20 de setembro de 1845. p. 59. Falla que recitou o
Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro Francisco Gonçalves Martins,
n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de 1849. Bahia: Typographia de
Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
509
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 26, n. 198, 20 de julho de 1851. p. 2.
510
BN. HDB. O Crepusculo (Bahia). n. 4, v. 1, 20 de setembro de 1845. p. 59.
160

na mesma localidade, entre outros estabelecimentos, fundições de metais 511 e mais uma
fábrica de tecidos, a Nossa Senhora do Amparo512, todas movidas a energia hidráulica.
A questão da disponibilidade de fontes de energia fora um elemento crucial no
processo de estabelecimento de fábricas no Brasil e no mundo. No caso da Bahia,
existiam problemas quanto à aquisição de combustíveis a serem utilizados pelas fábricas
no Recôncavo, haja vista que, desde o período colonial, ocorreu um processo de
desflorestamento na região, causado pelo corte de madeiras para abastecer os engenhos
e usinas. Embora houvesse, por exemplo, experiências de uso do bagaço da cana como
fonte de energia para os engenhos, as alternativas existentes para suprir as demandas
geradas por fábricas eram a importação de carvão mineral ou a compra de madeira das
regiões circunvizinhas. Valença se sobressaía em relação ao Recôncavo, por outro lado,
em virtude de dispor de energia hidráulica acessível513.
Em estudo sobre a indústria têxtil fluminense, Luiz Carlos Soares demonstrou
que a existência de quedas d‘água naturais ou artificiais foi um elemento de extrema
relevância para a instalação das fábricas de tecidos em determinadas localidades
daquela região. Para o autor, a necessidade de aproveitamento do potencial hidráulico
foi um dos fatores que levaram estes estabelecimentos a serem edificados fora das áreas
urbanas na província fluminense514. Logo, não restam dúvidas de que a disponibilidade
de uma fonte apropriada de energia hidráulica foi um elemento crucial para o
estabelecimento da fábrica em Valença.
Entretanto, outros fatores precisam ser levados em consideração neste processo.
Como mencionado na introdução deste trabalho, o investimento realizado em Valença
por negociantes vinculados a Salvador e ao Recôncavo foi já foi motivo de
questionamento pela historiografia515. Na nossa interpretação, além do potencial
hidráulico, outro elemento determinante para a instalação da fábrica Todos os Santos
em Valença fora a participação dos proprietários do estabelecimento no contrabando

511
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848.
512
A fábrica Nossa Senhora do Amparo viria a ser uma das três maiores fábricas têxteis do Brasil na
década de 1860, revezando com a Santo Aleixo (no Rio de Janeiro) entre o segundo e o terceiro lugar a
depender dos critérios escolhidos de definição. Cf.: OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de
Valença... op. cit. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 176.
513
BARICKMAN, B. J. Um Contraponto... op. cit. p. 288. AZEVEDO. Thales de. LINS, Edilberto
Quintela Vieira. História do Banco da Bahia, 1858-1958. Rio de Janeiro: Livraria José Olympia Editora,
1969. p. 192. BAIARDI, Almícar. SARAIVA, Luiz Fernando. ALMICO, Rita. Gênese e transformação...
op. cit. p. 87.
514
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 179.
515
Cf.: PAIXÃO, Neli Ramos. Ao soar do apito da fábrica... op. cit. p. 32.
161

negreiro e a ocorrência de atividades deste crime no território conhecido hoje como


Baixo Sul da Bahia.
Como apontado por Marcus de Carvalho, dada à necessidade de montagem de
uma nova estrutura de recepção dos cativos, visto que não era possível transportar a
estrutura anteriormente existente nos portos onde os desembarques ocorriam antes da
proibição, o contrabando passou a englobar agentes regionais que até então não estavam
envolvidos diretamente com esta atividade. Além disso, a realização dos desembarques
e as demandas provocadas por ele (por comida, abrigo e segurança, entre outros),
certamente alterou a rotina dos habitantes das novas regiões de desembarques, injetou
capitais nas economias locais e aumentou a possibilidade de acessão à mão de obra
escrava516.
É importante recordar que os traficantes não atuavam apenas no contrabando
negreiro. Como demonstrado por Manolo Florentino, estes agentes estavam envolvidos
também, desde o período colonial, direta ou indiretamente, na produção destinada tanto
ao mercado interno quanto ao externo517. Os casos de Antonio Pedrozo de Albuquerque,
Antonio Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer evidenciam que eles estavam
inseridos em múltiplas esferas de produção e circulação de mercadorias. Neste sentido,
é possível crer que com o estabelecimento de novos locais de desembarques, estes
contrabandistas, buscando maximizar seus lucros, passaram a investir nas áreas para as
quais tráfico ilegal fora direcionado. Finalmente, vale recordar que, como uma atividade
criminosa, o contrabando negreiro gerava ganhos que necessitavam de reinversão na
economia, para que sua origem ilegal fosse camuflada. Assim, demanda, conjuntura
favorável, disponibilidade de fontes de energia e disponibilidade de capitais a serem
investidos (e legitimados) formaram a base sobre a qual a fábrica Todos os Santos foi
fundada.
Após a definição de Valença como local para edificação da Todos os Santos, foi
necessária a realização de negociações com o poder público local e com grupos
privados relativas ao processo de instalação desta, bem como de seu impacto. Isto
porque, primeiro, a área escolhida para a construção da fábrica abrangia terras de uso
tanto privado quanto público. Segundo, como mencionado anteriormente, ali já existiam
outros estabelecimentos, como serrarias, movidas a energia hidráulica. Por último, o
leito do Rio Una era utilizado para transporte de mercadorias e suas águas para o

516
CARVALHO, Marcus Joaquim Maciel de. O desembarque... op. cit.
517
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras... op. cit. p. 182.
162

abastecimento da vila. Em uma litografia de Valença produzida por Bento José Rufino
Capinam, em meados da década de 1840, é possível ver a representação do intenso
trânsito de embarcações no Rio Una. Nela, também pode-se identificar ao longe a Ilha
de Tinharé, na qual está situada o Morro de São Paulo, onde uma década depois
Antonio Francisco de Lacerda e John Monteiro Carson edificariam seu farol (Imagem
2).

Imagem 2 - Vila de Valença em meados 1840518.

Fonte: BN. CAPINAM, Bento José Rufino. Villa de Valença. Bahia: [s.n.], 184?. 1 grav.: litograv, p&b,
19,5 x 27 cm. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon1450870/icon1450870.jpg>.
Acesso em: 11 nov. 2018.

As terras pertencentes a particulares foram adquiridas por meio de compra519.


Enquanto isso, a área situada em terreno nacional (terras, uma ilhota e pedras existentes
na segunda cachoeira do Rio Una) foi requerida em aforamento ainda em 1844 por John

518
Embora não haja especificação do ano em que o desenho foi confeccionado na cópia encontrada na
Biblioteca Nacional, encontramos uma menção à obra em uma matéria de periódico do ano de 1845, o
indica que a obra teria sido feita naquela oportunidade ou em data próxima. Cf.: BN. HDB. O Crepusculo
(Bahia). n. 3, v. 1, 2 de setembro de 1845. p. 44.
519
APEB. Seção de arquivos coloniais e provinciais: Série Documentos Avulsos. Correspondência
recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de Valença, 24 de junho de 1845.
163

Monteiro Carson. Nos trâmites que envolveram a concessão do aforamento, fica


evidente a existência de conflitos de interesses entre os poderes locais e os proprietários
da fábrica Todos os Santos520.
Como acima mencionado, o Una era de grande utilidade para a população local.
Por meio dele eram transportadas madeiras das abundantes matas existentes na região
até as serrarias localizadas nas margens do rio. Desta forma, havia receio por parte dos
madeireiros e proprietários de serrarias de que a construção da represa que abasteceria a
fábrica comprometesse o transporte de madeiras e, por conseguinte, o funcionamento
das serrarias. Por outro lado, havia preocupação por parte da câmara municipal e da
população local de que o funcionamento da fábrica, por meio do descarte de resíduos e
dejetos no rio, tornasse a água insalubre e imprópria para o consumo, aspecto negado
por Carson521.
Os receios quanto aos possíveis prejuízos às serrarias e ao trânsito de madeiras
são perfeitamente inteligíveis se levarmos em conta o papel que esta atividade
econômica ocupava em Valença. Em virtude da abundância de madeiras de lei ali
existente, sua extração, comércio e escoamento pelos rios da região, foram, desde o
período colonial, importantes atividades econômicas desenvolvidas na localidade.
Legisladas pela Coroa, a administração dos cortes de madeira e a produção de pranchas,
utilizadas principalmente na fabricação de embarcações, foram, com a produção de
farinha de mandioca, os responsáveis pela inserção da região nos principais circuitos
econômicos do Brasil e se constituíam como um rentável negócio para aqueles que
estavam direta ou indiretamente envolvidos nestas atividades522.
Assim, os temores e conflitos de interesses relativos à instalação da fábrica
levaram a Câmara Municipal da Vila de Valença a, inicialmente, fazer oposição à
concessão do aforamento. Contudo, a recomendação feita pela instituição não foi
acatada pelo governo provincial e o então presidente da província, Joaquim José
Pinheiro de Vasconcelos, solicitou ao juiz de direito da comarca de Valença, Manoel

520
APEB. Seção de arquivos coloniais e provinciais: Série Documentos Avulsos. Correspondência
recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de Valença, 15 de abril de 1844.
521
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 28 de fevereiro de 1844.
522
Os registros sobre a importância da atividade madeireira na região de Valença são muitos, indo desde
viajantes e cronistas, até estudos recentes sobre a economia da região. Cf.: DIAS, Gentil Martins. Depois
do latifúndio: continuidade e mudança na sociedade rural nordestina. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro;
Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1978. DIAS, Marcelo Henrique. Economia, sociedade... op. cit.
SANTOS, Silvana Andrade dos. Nos terrenos... op. cit. SPIX Johann Baptiste von. MARTIUS, Carl
Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil... op. cit.
164

José Espinola, que avaliasse pessoalmente a situação523. Embora o governo da província


pudesse estar interessado e visse vantagens no estabelecimento de uma fábrica como a
Todos os Santos, seguramente, a intensa atuação de Antonio Pedrozo de Albuquerque,
Antonio Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer na Bahia, assim como seus
vínculos econômicos, políticos e sociais, devem ter contribuído para que Vasconcelos
tenha contestado o posicionamento da Câmara de Valença.
Como é possível supor, o relatório apresentado pelo juiz de direito da comarca
atendia perfeitamente aos interesses da sociedade Lacerda e Cia. Após inspeção no local
(e, talvez, após ganhar algum benefício), Manoel José Espinola avaliou que a concessão
do aforamento, assim como a construção da represa, não comprometeria as serrarias
existentes as margens do Rio Una, nem o transporte de madeiras e taboas, visto que,
segundo ele, o trânsito de mercadorias ocorria em localidade situada acima da área em
questão. Na oportunidade, Espinola deve ter atuado como mediador dos diferentes
interesses em torno do assunto, pois em seu relatório também sinalizou que a instalação
da fábrica não representava ameaça àquelas atividades. Assim, os proprietários das
serrarias também não se opunham à cessão do foro. A autoridade recomendou,
entretanto, que constassem explicitamente no título do aforamento duas condições: que
a passagem de madeiras não fosse impedida e que as margens do rio não sofressem
modificações (sendo retraídas ou expandidas), prejudicando o funcionamento das
fábricas circunvizinhas524.
Feitos os devidos esclarecimentos e acordos sobre a instalação da fábrica, a
Câmara Municipal de Valença se manifestou a favor do aforamento. Em
correspondência enviada à presidência da província, afirmou que o terreno requerido
estava devoluto e que não havia inconvenientes relativos à concessão do foro. Com uma
explícita mudança de discurso, declarou que considerava o estabelecimento da fábrica
algo vantajoso, tanto para a vila quanto para o país525.
Assim, ainda em 1844, a sociedade Lacerda e Cia conseguiu junto ao governo
imperial aforamento perpétuo do terreno requerido, bem como de todas as ilhotas e
pedras da segunda cachoeira do Rio Una, contendo a área 361 braças (aproximadamente
794 metros) de terra no total. Atentando às preocupações da população e dos

523
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 28 de fevereiro de 1844.
524
Ibidem.
525
APEB. Seção de arquivos coloniais e provinciais: Série Documentos Avulsos. Correspondência
recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de Valença, 15 de abril de 1844.
165

negociantes locais, foram impostas as condições de que um espaço (rampa ou canal)


fosse reservado para a travessia das madeiras e de que o funcionamento dos
estabelecimentos já ali existentes, assim como os que viessem a se estabelecer, não
fossem prejudicados pela construção da represa526. Vale mencionar que esta condição
aparentemente não foi respeitada ao longo dos anos. Em 1860, os proprietários de outras
fábricas localizadas às margens do Rio Una queixavam-se da Todos os Santos,
protestando que, por vezes, o estabelecimento interrompia o fornecimento das águas do
Rio, prejudicando o funcionamento das demais fábricas527.
Após o início dos trabalhos de edificação da fábrica, em março de 1845528,
conflitos com a câmara municipal e com a população local permaneceriam existindo.
Em agosto de 1845, por exemplo, trabalhadores da Câmara foram impedidos de extrair
pedras e areia da área aforada pela firma Lacerda e Cia. Desta forma, a Câmara solicitou
aos proprietários da fábrica a cessão dos materiais existentes no terreno ao serviço
público, o que foi negado por eles529. Anos mais tarde, em 1849, quando Carson
requereu o aforamento de mais duas cachoeiras no rio Una, uma série de condições
foram impostas, inclusive, a de que não fosse vedada a extração de pedras das
cachoeiras do rio para obras do município. Mesmo que a condição tivesse sido
explicitada, havia o receio de que os termos não fossem cumpridos, seguramente,
reverberando o ocorrido em 1845530.
Muito provavelmente em virtude dos conflitos de interesses que surgiram ao
longo do processo de instalação da fábrica, Carson começou a sofrer críticas e
acusações. O juiz de direito da comarca, Manoel José Espinola, por exemplo,
qualificava-o de intrigante e ingrato, acusando o engenheiro de criar querelas entre o
juiz, tanto com os proprietários da fábrica quanto com o governo da província531.

526
APEB. Seção de arquivos coloniais e provinciais: Série Documentos Avulsos. Correspondência
recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de Valença, 24 de junho de 1845; e
Câmara de Valença, 8 de agosto de 1845.
527
D. PEDRO II. Viagem à Costa... op. cit. Paginação irregular.
528
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848.
529
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 9 de agosto de 1845.
530
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1849-1858. Maço 2630. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 25 de outubro de 1849.
531
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 9 de agosto de 1845.
166

Enquanto Carson negociava o aforamento dos terrenos onde a Todos os Santos


seria estabelecida (e encarava os problemas daí provenientes), teve início na Corte a
busca por subvenções para o estabelecimento. Em 15 de fevereiro de 1845, entrou em
discussão na Assembleia Geral da Câmara dos Deputados uma proposta do deputado
baiano João José de Oliveira Junqueira relativa à concessão de três subvenções à Todos
os Santos: a primeira delas solicitava a isenção da prestação de serviços a Guarda
Nacional para oito pessoas empregadas na fábrica; a segunda, a isenção da cobrança de
imposto de exportação para os artigos por ela produzidos; e a terceira, mais ampla,
requeria que, caso algum privilégio fosse concedido aos outros estabelecimentos da
mesma natureza da Todos os Santos, deveria ser estendido a ela também.532.
A resolução entrou em debate na Assembleia em 9 de julho daquele ano e gerou
calorosa discussão entre os deputados Bernardo de Souza Franco (futuro Ministro da
Fazenda e ferrenho opositor da concessão de ―favores individuais a companhia ou
estabelecimentos‖), Manoel José de Souza França (defensor da concessão dos favores,
desde que fossem comprovadas as vantagens destes) e Junqueira (apresentador da
proposta). Por fim, em virtude da falta de consenso, foi apresentada pelo deputado
Francisco de Souza Martins uma emenda abrangendo todas as fábricas de tecidos de
algodão do país, composta por três artigos. A emenda propunha (1) dispensa do serviço
militar a um número de empregados das fábricas de tecidos de algodão, (2) isenção de
direitos de transporte, tanto dentro do país quanto no exterior, da produção destas e (3)
isenção de impostos alfandegários para máquinas ou peças de máquinas por elas
importadas533. A proposta apresentada por Souza Martins foi aprovada e viria a se
consolidar no ano seguinte por meio do decreto 386, de 8 de agosto de 1846,
regulamentado pelo decreto 494, de 13 de Janeiro de 1847, beneficiando o conjunto das
fábricas de tecidos de algodão do Brasil534. Esta medida, profundamente ligada à
trajetória da Todos os Santos, foi uma das primeiras ações diretas de amparo/proteção e
incentivo à indústria feitas no Brasil Império no âmbito do parlamento.
No caso do decreto de 1847, uma série de exigências era estabelecida para que a
concessão do título fosse feita às fábricas. Em primeiro lugar, caberia aos presidentes
532
BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da Sexta
Legislatura, Primeira Sessão de 1845. Tomo segundo. 3. ed. Rio de Janeiro. Typographia de Hippolyto J.
Pinto, 1881. p. 647.
533
BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da Sexta
Legislatura, Primeira Sessão de 1845. Tomo segundo. 3. ed. Rio de Janeiro. Typographia de Hippolyto J.
Pinto, 1881. p. 100-102.
534
LUZ, Nícia Vilela. A Luta... op. cit. p. 24-25. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op.
cit. p. 127.
167

das províncias em que as fábricas estavam situadas informarem a situação destas,


declarando que estavam habilitadas a requerer e gozar dos privilégios instituídos pela
Lei de 1846, à Secretaria de Estado dos Negócios do Império, responsável pela emissão
do título às fábricas535.
No que se refere à dispensa do serviço militar, o artigo terceiro instituía que a
cada três trabalhadores livres empregados na produção direta nas fábricas um seria
isento do recrutamento. Como consta nos artigos 4º, 5º e 6º, o número e o nome dos
trabalhadores livres das fábricas contempladas com a dispensa do serviço militar
deveriam ser acompanhados de perto pelos órgãos competentes (chefes de polícia,
ministério e presidentes de província), procurando-se assim evitar fraudes536.
Por sua vez, buscando regulamentar as isenções nos transportes, o decreto
estabelecia que as fábricas deveriam ter uma marca própria e que esta marca deveria ser
entrelaçada aos tecidos produzidos, o que possibilitaria a certificação da produção, a
distinção dos produtos de cada um dos estabelecimentos e a isenção da cobrança dos
direitos de transporte tanto no comércio interprovincial quanto no de exportação. Ainda
como forma de manter o controle sobre os produtos isentos e evitar falsificações, o
decreto instituía que as marcas das fábricas não poderiam sofrer alterações sem prévia
comunicação ao Ministro do Império e aos presidentes das províncias, e que amostras
destas deveriam ser enviadas para as Alfândegas, Consulados e Mesas de Rendas das
províncias onde as fábricas estavam situadas537.
Em caso de verificação de fraudes de qualquer natureza na identificação do
produto, por meio da atribuição de uma marca isenta a um artigo produzido por fábrica
não titulada, a mercadoria deveria ser apreendida e os envolvidos deveriam ser punidos
por crime de falsificação. Ademais, caso o falsário fosse proprietário de uma fábrica
titulada, deveria perder os privilégios recebidos e, caso fosse proprietário de uma fábrica
não titulada, deveria ficar permanentemente impossibilitado de receber os privilégios 538.
O decreto também estabelecia que os proprietários das fábricas deveriam
apresentar relatórios mensais sobre a quantidade e qualidade da produção realizada ao
Ministro do Império e aos presidentes da província. O relatório deveria, por
conseguinte, ser passado por estes para as autoridades policiais locais, que deveriam

535
BRASIL. Collecção das Leis do Império do Brasil. Tomo IX, Parte I. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1847. p. 4.
536
Ibidem.
537
Ibidem.
538
Ibidem.
168

inspecionar os estabelecimentos, procurando verificar se os dados apresentados nos


relatórios estavam condizentes com as condições encontradas nas fábricas, e reportar as
informações obtidas por meio da inspeção às repartições fiscais da província. Os
presidentes de província deveriam apresentar relatórios semestrais à Secretária de
Estado de Negócios do Império contendo informações de diversas naturezas sobre a
condição das fábricas (como tipo, qualidade e quantidade dos produtos fabricados;
número total de operários empregados e número de operários isentos do serviço militar;
e mudanças pelas quais os estabelecimentos passassem)539. Infelizmente, até o momento
de redação desta tese, não conseguimos localizar estes relatórios.
Por fim, a respeito da isenção dos direitos de importação de máquinas
empregadas nos setores de produção das fábricas (preparação, fiação e tecelagem do
algodão), os proprietários dos estabelecimentos deveriam requerer às autoridades
competentes (Ministro do Império, na Corte, e presidentes de províncias, nas
províncias) o despacho do maquinário nas Alfândegas, apresentando a descrição e
quantidade das máquinas e o valor que tivessem empregado ou que pretendessem
empregar nas fábricas540.
Para permanecerem usufruindo dos privilégios, as fábricas deveriam manter um
funcionamento regular e, caso fechassem ou deixassem de operar por mais de dois
meses, sem razão extraordinária e sem que as autoridades competentes (Ministro do
Império, na Corte; presidentes de província, nas fábricas situadas a uma distância
inferior a 12 léguas das capitais; e Câmara municipais, caso a fábrica estivesse
localizada a uma distância superior a 12 léguas de distância da capital, como era o caso
da Todos os Santos) fossem comunicadas a respeito dos motivos do fechamento ou
interrupção no funcionamento, deveriam perder os privilégios adquiridos541.
Embora, como acima mencionado, a promulgação dos decretos 386, de 8 de
agosto de 1846 e 494, de 13 de janeiro de 1847, estivessem diretamente ligados à
trajetória da Todos os Santos, ela não foi imediatamente contemplada com os
privilégios por eles instituídos. Assim, em 1848, a firma Lacerda e Cia requereu junto
ao governo imperial o título de Fábrica Nacional, necessário para que a fábrica pudesse
desfrutá-los542.

539
Ibidem.
540
Ibidem.
541
Ibidem.
542
A concessão do título Fábrica Nacional para que as fábricas pudessem usufruir destes privilégios era
uma das exigências do artigo segundo do decreto 494 de 13 de janeiro de 1847, que regulamentava a Lei
169

Em parecer emitido em 25 de novembro de 1848, o deputado inspetor das


fábricas da Junta do Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação, José Antonio Lisboa,
avaliou que o estabelecimento cumpria os requisitos necessários para desfrutar dos
privilégios instituídos na lei de 1846, por trabalhar em ponto grande, uma das condições
necessárias para que as fábricas fossem contempladas com o título e, por conseguinte,
com os privilégios543. O estabelecimento recebeu, então, o título de Fábrica Nacional
em 17 de abril de 1849. Cumprindo um dos requisitos impostos pelo decreto 494 de
1847, a Todos os Santos adotou com marcas as Armas Imperiais, contornadas com as
inscrições ―Manufacturas de Valença na Provincia da Bahia‖ e ―Fabrica Todos os
Santos‖, estampadas com tinta, sobre seus artigos544.
Quanto aos incentivos provinciais, a Todos os Santos seria beneficiada pela lei
nº 246 de 20 de maio em 1846, que isentava por dez anos da cobrança de impostos
provinciais os gêneros produzidos pelo estabelecimento, assim como pela fábrica do
Queimado545. Em 1849, ela receberia mais um estímulo indireto por meio do governo
provincial, a partir da instituição de um imposto adicional de 2% sobre gêneros de
exportação ensacados ou enfardados em fazendas não manufaturadas na província546.
Em setembro de 1845, a edificação da fábrica já se encontrava bastante
adiantada. Assim, Antonio Francisco de Lacerda solicitou junto ao governo da província
autorização para compra e extração de madeiras em terras de particulares para serem
utilizadas no prédio onde o maquinário seria assentado, tendo sua solicitação aprovada
pelo juiz de paz Manoel da Cunha Menezes Vasconcelos547. Mesmo em se tratando da
extração de madeiras em matas particulares, o pedido de autorização para a realização

de 1846, mencionados no capítulo anterior, e perpetuava uma antiga prática vigente no Brasil desde o
período joanino, de concessão de isenções às fábricas desta categoria. Cf.: BRASIL. Collecção das Leis
do Império do Brasil. Tomo IX, Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1847. p. 4. SOARES,
Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 147.
543
AN. 7x Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423, v 3. Fábrica de fiação e
tecidos. Comarca de Valença, Bahia. Proprietário Lacerda e Cia. 1848-1849. BRASIL. Collecção das
Leis do Império do Brasil. Tomo IX, Parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1847. p. 4.
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit.
544
AN. 7x Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423, v 3. Fábrica de fiação e
tecidos. Comarca de Valença, Bahia. Proprietário Lacerda e Cia. 1848-1849.
545
BN. HDB. Falla que recitou o presidente da provincia da Bahia, o dezembargador João José de
Moura Magalhães, n'abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 25 de março de 1848.
Bahia: Typographia de João Alves Portella, 1848. p. 50. BACELAR, Jonildo. Parque e Fonte do
Queimado: In: Guia Geográfico. Cidade do Salvador. Disponível em: http://www.cidade-
salvador.com/patrimonios/queimado.htm. Acesso em 31 de janeiro de 2020.
546
BAIARDI, Almícar. SARAIVA, Luiz Fernando. ALMICO, Rita. Gênese e transformação... op. cit. p.
83.
547
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 29 de setembro de 1845.
170

dos cortes era necessário em virtude do controle da extração de madeiras na região


realizado pela Coroa desde o período colonial548.
A respeito disso, as fontes indicam que, se não ao todo, em algum momento, o
fornecimento destes materiais para a de edificação da Todos os Santos foi feito por
indígenas locais549. Em 1846, por exemplo, ocorreram desentendimentos entre estes e
os proprietários da fábrica, a respeito da questão. Os proprietários queixavam-se que as
―desinteligências‖ com os indígenas estavam criando entraves ao acabamento do
edifício da fábrica e requereram intervenção do presidente da província, Francisco José
de Sousa Soares de Andréa, na matéria; que, por sua vez, encarregou o juiz de direito da
comarca, Manoel José Espinola, de resolver o imbróglio. Não conseguimos maiores
informações sobre o ocorrido, mas, no relatório apresentado a presidência da província,
Espinola afirmou que havia tomado as providências que julgou necessárias para resolver
a situação e que a condução das madeiras para a construção havia se normalizado550.
Os trabalhos de edificação não tiveram lugar sem maiores problemas. Em maio
de 1847, um paredão da represa desabou, deixando cinco operários feridos e levando à
morte um sexto. As fontes indicam que, no momento em que ocorreu o desabamento,
Carson estava sondando a profundidade da água no pé da muralha e, ao perceber a
eminência do desastre, se jogou no Rio. O engenheiro permaneceu desparecido por
algum tempo, levantando a suspeita de que tivesse morrido afogado no acidente, porém
fora salvo por um ―caboclo brasileiro‖551.
A primeira represa construída foi feita de madeira e media 28 palmos (pouco
mais de seis metros) de altura552. A despeito das promessas realizadas sobre a não
alteração das margens do rio Una, o represamento da segunda cachoeira deste causou a
elevação do nível das suas águas, afetando a rotina das pessoas que moravam próximas

548
DIAS, Marcelo Henrique. Economia, sociedade... op. cit.
549
A região onde Valença estava inserida era fortemente marcada pela presença indígena, havendo
inclusive, durante o período colonial, aldeamentos na localidade. De acordo com Dias, a pacificação dos
aimorés na primeira metade do século XVII um fator de suma importância para o avanço da ocupação e
do estabelecimento das primeiras vilas do norte da Capitania. Cf.: OLIVEIRA, Edgar Otacílio da Silva.
Valença... op. cit. DIAS, Marcelo Henrique. Economia, sociedade... op. cit.
550
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 24 de outubro 1846.
551
BN. HDB. O Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 4, n. 160, 9 de junho de 1847. p. 2. D. PEDRO II.
Viagem à Costa... op. cit. Paginação irregular.
552
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1861, caderno 19. BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o
desembargador conselheiro Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da
mesma provincia em 4 de julho de 1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
171

ao seu leito ou que dele necessitavam. Em meados de 1849, quando a fábrica já havia
entrado em operação, os lavradores da região do Gereba solicitaram à Câmara
Municipal providências acerca da ponte do rio Gereba, um dos principais rios da vila,
afluente do Una.
O aumento do nível da água do rio Una, ocasionado pela construção da represa
da fábrica, havia submergido a ponte, tornando-a intransitável553. Algumas semanas
após a realização da petição, um escravo, de nome não identificado, pertencente a João
Albino, um dos lavradores requerentes da petição acima mencionada, havia se afogado
após desequilibrar-se e cair da ponte submersa554. Consta que era o único escravo de
João Albino, o que deve ter lhe causado grandes inconvenientes, assim como ainda mais
insatisfação e receio por parte dos lavradores e moradores que necessitavam da ponte
para travessia.
Além da represa e do edifício da fábrica, estava em andamento sob a direção de
Carson em 1847 a construção de uma fundição de ferro555. A fundição deve ter sido
construída, inicialmente, para a fabricação de pequenas peças e como uma oficina de
reparos para as máquinas empregadas na Todos os Santos, visando diminuir a
dependência do estabelecimento da importação de itens destes gêneros, processo que
costumava gerar transtornos para os proprietários das fábricas brasileiras556.
Posteriormente, esta fundição seria expandida e aperfeiçoada tecnologicamente,
passando a produzir máquinas e peças para engenhos e embarcações a vapor557. Deveria
também fazer parte da estrutura inicial da fábrica as casas onde foram instalados os
trabalhadores que seriam ali empregados, visto que desde o início da sua operação eles
passaram a viver no estabelecimento558 e, mais tarde, um laboratório químico onde
Carson trabalhava, tanto a serviço da fábrica quanto para outros interesses, como
durante a sua atuação na comissão para melhoramento de açúcar559.

553
APEB. Seção de arquivos coloniais e provinciais: Série Documentos Avulsos. Correspondência
recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de Valença, 4 de junho de 1849.
554
APEB. Seção de arquivos coloniais e provinciais: Série Documentos Avulsos. Correspondência
recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de Valença, 11 de julho de 1849.
555
BN. HDB. Falla que recitou o presidente da provincia da Bahia, o conselheiro Antonio Ignacio
d'Azevedo, n'abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 2 de fevereiro de 1847. Bahia:
Typ. Do Guayucurú de D. Guedes Cabral, 1847. p. 20.
556
STEIN, Stanley. Origens e Evolução... op. cit. p. 52.
557
BN. HDB. Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo presidente da
provincia, o dezembargador João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú, no 1º de setembro de 1857. Bahia:
Typ. de Antonio Olavo da França Guerra, 1857. p. 103.
558
Ibidem.
559
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço
4602. Fábrica Todos os Santos, 1883. Caderno 53. Fabrica Todos os Santos, 1853, caderno 11.
172

A compra do maquinário da Todos os Santos foi feita nos Estados Unidos e na


Inglaterra por Carson560, prática também recorrente entre os proprietários de fábricas de
tecidos de algodão no Brasil561. Mesmo que não tenhamos mais informações a respeito,
a presença de dois norte-americanos no negócio deve ter facilitado o contato com
indústrias na Europa e, especialmente, nos Estados Unidos, bem como a aquisição dos
equipamentos562. Carson era engenheiro formado em seu país de origem. Gillmer
matinha negócios com a sua terra natal, inclusive, em regiões como a Filadélfia, o maior
centro têxtil dos Estados Unidos na primeira metade do século XIX563. Ambos
certamente detinham contatos que contribuíram para a aquisição dos equipamentos e
devem ter agido diretamente na compra.
Além do maquinário, as fábricas de tecidos do Brasil importavam destes países
mãe de obra especializada, destinada à montagem, manutenção e operação das
máquinas, tanto de engenheiros quanto de trabalhadores564. A aquisição de mãe de obra
especializada pela Todos os Santos fica evidente já com o emprego do engenheiro John
Monteiro Carson. Além de Carson, foram contratados inicialmente pela fábrica
operários de ambos os sexos vindos dos Estados Unidos, para serem mestres e mestras
dos trabalhadores nacionais que seriam nela empregados565.
A Todos os Santos foi instalada em um edifício de quatro andares, com 210
palmos (46,2 metros) de comprimento por 64 palmos (cerca de 14 metros) de largura e
88 palmos (aproximadamente, 19,3 metros) de altura566. A verticalização do prédio
principal da fábrica também deveria ter recebido influência dos padrões estrangeiros.
Desde a década de 1820, buscando superar a escassez de terrenos disponíveis para

560
BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da Sexta
Legislatura, Primeira Sessão de 1845. Tomo segundo. 3. ed. Rio de Janeiro. Typographia de Hippolyto J.
Pinto, 1881. p. 157. APEB. Seção de arquivos coloniais e provinciais: Série Documentos Avulsos.
Correspondência recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de Valença, 24 de
junho de 1845.
561
STEIN, Stanley. Origens e Evolução... op. cit. p. 50. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na
formação... op. cit. p. 179.
562
STEIN, Stanley. Origens e Evolução... op. cit. p. 50.
563
MCCONAGHY, Mary. The Whitaker Mill, 1813–1843: A case study of workers, technology and
community in early industrial Philadelphia. In: Pennsylvania History: A Journal of Mid-Atlantic Studies
v. 51, n. 1, janeiro de 1984. p. 1. Disponível em:
https://journals.psu.edu/phj/article/viewFile/24429/24198. Acesso em: 9 de janeiro de 2019.
564
STEIN, Stanley. Origens e Evolução... op. cit. p. 52. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na
formação... op. cit. p. 179.
565
AN. 7x Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423, v 3. Fábrica de fiação e
tecidos. Comarca de Valença, Bahia. Proprietário Lacerda e Cia. 1848-1849.
566
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848.
173

edificação, as fábricas na Inglaterra passaram a ser construídas com quatro ou mais


andares567. No caso da Todos os Santos, é improvável que a disponibilidade de espaço
fosse o problema. É possível crer, desta forma, que a edificação do prédio principal da
fábrica tenha sido uma escolha inspirada nos parâmetros estrangeiros.

4. 3. Considerações parciais

A Todos os Santos foi edificada em uma conjuntura favorável tanto interna


quanto externamente. No âmbito nacional, havia a demanda gerada pela proibição do
comércio negreiro, a inversão de capitais do contrabando e elevação das taxas
alfandegárias. Enquanto isso, no âmbito internacional, estava em curso a difusão da
técnica e tecnologia têxtil inglesa e estadunidense, ambas aproveitadas pela Todos os
Santos, por exemplo, em termos infraestruturais e na mão de obra.
A escolha da vila de Valença, para estabelecimento da fábrica, deve ter se dado
em virtude, primeiro da disponibilidade de uma fonte para geração de energia, o Rio
Uma, e pela própria presença do engenheiro John Monteiro Carson na região. Mas,
como procuramos demonstrar, outros fatores devem ter contribuído para isso, como a
ocorrência de desembarques do contrabando negreiro na região, negócio no qual os
membros da sociedade Lacerda e Cia estiveram envolvidos. É possível crer, desta
forma, que a escolha tenha sido feita como forma de reinvestir os capitais provenientes
do crime, camuflando sua origem ilícita.
Além da questão conjuntural, seguramente, favoreceram o estabelecimento da
Todos os Santos o poder político, econômico e social dos membros da sociedade
Lacerda e Cia. Os eventos (e conflitos) que envolveram o estabelecimento da Todos os
Santos demonstram que ela foi, ao menos inicialmente, um projeto exógeno a sociedade
local, que punha em contraste, por exemplo, diferentes práticas e usos com relação ao
rio Una (de um lado a atividade madeireira e o consumo e, de outro, a construção e a
dinâmica de uma grande fábrica têxtil), assim como forças políticas e econômicas já
consolidados naquela localidade e novos atores recém-chegados, com atuação
respaldada pelo governo provincial.

567
BEAUD, Micheal. História do capitalismo: de 1500 a nossos dias. São Paulo: Brasiliense, 1987. p.
146.
174

Neste capítulo, fica evidente como os sócios da firma Lacerda e Cia


conseguiram utilizar sua influência, político, econômico e social, para conseguir
angariar benefícios para a fábrica Todos os Santos junto à presidência da província da
Bahia, ocupada, muitas vezes por membros diretos da sua rede, como no caso de
Francisco Gonçalves Martins. Nesta esfera, Antonio Francisco de Lacerda, Antonio
Pedrozo de Albuquerque, John Smith Gillmer e John Monteiro Carson encontravam
importantes aliados na defesa dos seus interesses tanto no âmbito local, quanto imperial,
que beneficiavam diretamente seus investimentos e, neste caso, a fábrica Todos os
Santos.
A fábrica seria inaugurada em 1847 e permaneceria funcionando por 29 anos, até
1876. Ao longo deste período, o empreendimento viveu duas fases: entre 1847 e 1860,
como propriedade da firma Lacerda e Cia; e de 1860, após a dissolução da firma, até
1878, como propriedade exclusiva de Antonio Pedrozo de Albuquerque.
175

5. TODOS OS SANTOS: “A MAIS BELA FÁBRICA DO BRASIL - E TALVEZ


DA AMÉRICA DO SUL”

5.1. Primeira fase: Companhia Lacerda e Cia (1844-1860)

A fábrica entrou funcionamento em 1º de novembro de 1847, dia dedicado a


Todos os Santos no calendário cristão, a quem seu nome prestava homenagem568. Em
1848, ela contava com um capital fixo de 220:000$000rs e um capital de giro de
80:000$000rs569.
Como mencionado no capítulo anterior, ela foi instalada em um edifício de
quatro andares. Nos primeiros anos de funcionamento, sua estrutura contava com cerca
de dois mil fusos, 50 teares, 30 cardas, um afofador, dois batedores, além de máquinas
preparatórias da matéria-prima570. Em termos numéricos, no período, o maquinário da
Todos os Santos se enquadrava no tamanho médio das fábricas do México e era
ligeiramente superior ao das fábricas dos Estados Unidos da América, países cujo
desenvolvimento da indústria têxtil antecedia significativamente o do Brasil 571. Em
1843, a média por fábrica no México era de aproximadamente 2.199 fusos e 46
teares572. Enquanto isso, nos Estados Unidos, a média de fusos na década de 1840 era de
aproximadamente 1.855 por estabelecimento têxtil573.
Além da fábrica, o complexo contava já em 1848 com uma fundição de ferro
acessória ao estabelecimento (funcionando em ponto pequeno e tendo como mestre o
brasileiro Felipe de Nery, além de um pequeno número de operários) e um hospital.
Também fazia parte do complexo uma eclusa, ou ―caldaria‖, como era chamada,
contendo 70 palmos (15,4 metros) de comprimento e 14 palmos (aproximadamente 3
568
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848.
569
Ibidem.
570
Ibidem. BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador
conselheiro Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em
4 de julho de 1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
571
Sobre o desenvolvimento da indústria têxtil no México e nos Estados Unidos da América ver:
BECKERT, Sven. Empire of cotton... op. cit. em especial o capítulo 6.
572
Segundo Howard Cline, em 1843, o México contava com 57 fábricas, as quais possuíam, no total,
125.362 fusos e 2.609 teares. Cf.: CLINE, Howard. The ‗Aurora Yucateca‘ and the Spirit of Enterprise in
Yucatan, 1821–1847. In: Hispanic American Historical Review. v. 27, n. 1, fev-1947. Disponível em:
https://www.jstor.org/stable/2508590. Acesso em 22 de janeiro de 2020.
573
Segundo Melvin Thomas Copeland, na década de 1840 os Estados Unidos contavam como 1.240
estabelecimentos têxteis, os quais, no total, possuíam 2.300.000 fusos. Cf.: COPELAND, Melvin
Thomas. The cotton manufacturing industry of the United States. Cambridge: Harvard University, 1912.
p. 6.
176

metros) de largura, feita na primeira cachoeira do rio Una para permitir a passagem de
pequenas barcas que navegavam dali para a fábrica574.
Muito provavelmente em virtude da sua grande dimensão, desde o início do seu
funcionamento a Todos os Santos encontrou problemas para operar com capacidade
máxima. Em visita ao estabelecimento em fevereiro de 1848, representantes do Correio
Mercantil da Bahia registraram que apenas 600 fusos e 15 teares, pouco mais de um
quarto do maquinário, estavam em operação575. Assim, tendo capacidade de produção
estimada em duas mil varas (2.200 metros) de tecidos por dia (além de fios), ela
fabricava apenas seiscentas (660 metros). Os proprietários da fábrica atribuíram esta
baixa capacidade de produção a falta de prática dos operários com o trabalho 576. Ao
longo dos anos, por diversos fatores, a fábrica permaneceria encontrando entraves para
operar na sua capacidade máxima.
Gradativamente, a Todos os Santos aumentou a produção. Na segunda metade
de 1848, ela fabricava mais que o dobro da quantidade de tecidos confeccionados no
início daquele ano, produzindo diariamente 1.400 varas (1.540 metros) destes e 100
metros de fios de algodão577. Em meados de 1849, o estabelecimento produzia duas mil
varas (2.200 metros) de tecido por dia (cada vara pesando em média 10 onças, cerca de
283 gramas), possuindo estrutura para aumentar sua produção a uma quantidade
estimada em 2.400 varas (2.640 metros), o que demonstra que ela ainda não operava
com sua capacidade máxima578. Este aumento da produtividade pode ser atribuído tanto
ao ganho de prática que os operários devem ter adquirido com o passar dos meses de
trabalho, quanto pelo simples aumento no contingente de trabalhadores ali empregados
ao longo do ano.

574
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848.
575
Em relatório apresentado à presidência da província, o juiz de direito da comarca de Valença afirmou
que, em março de 1848, apenas 16 teares estavam em operação. Cf.: APEB. Seção de Arquivos coloniais
e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência recebida de Valença - 1844-1848. Maço
2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença ao Presidente da Província. Valença, 1
de março de 1848. BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 52, 2 de fevereiro de 1848. p. 2.
576
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1848, caderno 3.
577
AN. 7x Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423, v 3. Fábrica de fiação e
tecidos. Comarca de Valença, Bahia. Proprietário Lacerda e Cia. 1848-1849.
578
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
177

Em fevereiro de 1848, a fábrica empregava 80 operários, sendo 50 do sexo


feminino (62,5%) e 30 do sexo masculino (37,5%)579. Como acima mencionado, na
segunda metade daquele ano o contingente de trabalhadores havia aumentado e ela
passou a contar com 120 operários580. A dificuldade de acesso aos documentos internos
da Todos os Santos impossibilitou um maior detalhamento da mão de obra nela
empregada, porém há indícios de que a predominância de operárias do sexo feminino se
manteve ao longo dos anos581.
Em termos etários, os operários da Todos os Santos possuíam entre 10 e 25 anos,
havendo, como registrado por contemporâneos, um expressivo número de crianças
empregadas no local. Em inspeção realizada na fábrica no início de 1848, o juiz de
direito da comarca de Valença, Manoel José Espinola, afirmou que das 50 trabalhadoras
do sexo feminino a metade possuía idade inferior a 12 anos582. Em fins daquele ano, um
relatório apresentado à Secretária de Estado de Negócios do Império pelo deputado
inspetor de fábrica José Antonio Lisboa indicava que os trabalhadores do
estabelecimento possuíam idade superior a 10 anos583. Uma terceria fonte, produzida em
1849 pelo então presidente da província da Bahia, Francisco Gonçalves Martins, aponta
que todos os trabalhadores dá fábrica possuíam idade inferior a 25 anos, sendo a maioria
deles, segundo o presidente, de idade muito baixa584.
O emprego de crianças e mulheres era uma prática recorrente desde os
primórdios da indústria têxtil mecanizada na Inglaterra. Isto porque, a mecanização da
produção e o emprego de energia hidráulica e a vapor foi gradativamente, de um lado,
eliminando a necessidade de emprego de força humana e, de outro, diminuindo a
demanda por trabalhadores especializados, o que, por conseguinte, reduziu o emprego
de homens adultos nas fábricas. Os homens passaram, assim, a serem empregados em
579
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848. D. PEDRO II. Viagem à Costa... op. cit.
Paginação irregular.
580
AN. 7x Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423, v 3. Fábrica de fiação e
tecidos. Comarca de Valença, Bahia. Proprietário Lacerda e Cia. 1848-1849.
581
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
582
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848.
583
AN. 7x Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423, v 3. Fábrica de fiação e
tecidos. Comarca de Valença, Bahia. Proprietário Lacerda e Cia. 1848-1849.
584
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
178

menor número e a desempenharem outras funções que requeriam o emprego da força e


não estavam diretamente ligadas à produção têxtil, como serviços mecânicos e de
vigilância. Por outro lado, mais mulheres e crianças passaram a ser empregadas no
trabalho da fábrica propriamente dito, entre outros fatores, por receberem menores
salários585. Em 1831, 59,24% dos trabahadores de estabelecimentos têxteis nos Estados
Unidos da América eram mulheres e 8,29% eram crianças, já em 1850 o número de
mulheres subiu para 64,08%586. Na Inglaterra, em 1834, 13% dos empregados na
indústria têxtil eram crianças com menos de treze anos587 e 56,25% dos operários
existentes nas fábricas têxteis do Império Britânico, em 1839, eram mulheres588.
No caso estadunidense, durante a primeira metade do século XIX, a força de
trabalho foi suprida principalmente por filhos e filhas de agricultores589. Enquanto isso,
na Inglaterra a principal forma de recrutamento de mão de obra infantil era por meio de
instituições paroquiais para menores pobres e abandonados. Nestas, os proprietários das
fábricas alugavam grupos de crianças para trabalharem como aprendizes por um certo
número de anos590. O próprio Samuel Greg, pioneiro da indústria têxtil britânica,
recrutou mais da metade dos seus trabalhadores entre 1784 e 1840 nestes
estabelecimentos591.
Assim como em relação ao sexo e à faixa etária, a sociedade Lacerda e Cia
também se espelhou no modelo estrangeiro de recrutamento de mão de obra. Os
trabalhadores da Todos os Santos eram provenientes principalmente de
estabelecimentos de órfãos, como a Casa Pia e Colégio de Órfãos de São Joaquim e a
Santa Casa de Misericórdia592, ambas as instituições da capital da província, além de
famílias pobres dos arredores de Valença593.

585
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra: segundo observações do autor e
fontes autênticas. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 179. BECKERT, Sven. Empire of cotton... op. cit..
COPELAND, Melvin Thomas. The cotton manufacturing... op. cit. BEAUD, Micheal. História do
capitalismo... op. cit. p. 108. HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. p. 49.
586
COPELAND, Melvin Thomas. The cotton manufacturing... op. cit. p. 11.
587
BEAUD, Micheal. História do capitalismo... op. cit. p. 149.
588
ENGELS, Friedrich. A situação da classe... op. cit. p. 181.
589
COPELAND, Melvin Thomas. The cotton manufacturing... op. cit. p. 12.
590
BEAUD, Micheal. História do capitalismo... op. cit. p. 108. ENGELS, Friedrich. A situação da
classe... op. cit. p. 187.
591
BECKERT, Sven. Empire of cotton... op. cit. Paginação irregular.
592
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 52, 2 de fevereiro de 1848, p. 2. Diario do Rio de
Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 37, n. 229, 23 de agosto de 1857. p. 1.
593
BN. HDB. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 37, n. 229, 23 de agosto de 1857. p. 1. D.
PEDRO II. Viagem à Costa... op. cit. Paginação irregular.
179

No caso da Casa Pia e Colégio de Órfãos de São Joaquim, Antonio Francisco de


Lacerda foi o responsável pelo agenciamento da mão de obra. Lacerda adotava os órfãos
por cinco anos, período no qual estes deveriam trabalhar na Todos os Santos na
condição de aprendizes, sem receberem qualquer remuneração. Neste ínterim, a fábrica
se responsabilizava por vestir, calçar e dar tratamento às doenças que viessem a
acometer os menores. Só depois dos cinco anos de experiência/aprendizado os menores
deveriam ser tratados como operários comuns da fábrica (quando possivelmente
passavam a receber salários), devendo ali permanecer até os 21 anos de idade594.
Alfredo da Matta relata que, de todos os termos de saída registrados na Casa Pia
e Colégio de Órfãos de São Joaquim, os contratos assinados por Antonio Francisco de
Lacerda são os que deixam mais evidente o objetivo de alistamento da mão de obra, em
virtude do grande número de menores por ele adotados. Em 1848, dos 30 trabalhadores
do sexo masculino existentes na fábrica, 11 eram oriundos da Casa Pia e Colégio de
Órfãos de São Joaquim595. No ano seguinte, com o aumento do contingente de operários
no estabelecimento, o número de órfãos provenientes desta instituição passou para
30596. Em 1853, foram admitidos mais 17 órfãos da Casa Pia na Todos os Santos597.
Segundo Matta, entre 1845 e 1865, 100 menores oriundos da instituição foram
empregados na fábrica Todos os Santos, o que correspondeu a aproximadamente 71%
do total de menores provenientes da Casa empregados em fábricas entre 1835 e 1899.
Do total de órfãos empregados na Todos os Santos, 70 ingressaram no estabelecimento
no quinquênio 1845-1849598, ou seja, momento de início dos trabalhos desta.
As informações apresentadas por Matta revelam os interesses e vantagens que os
proprietários da fábrica deveriam encontrar na adoção de órfãos da Casa Pia como
trabalhadores, especialmente o direito de explorar a mão de obra destes sem
remuneração por um período de cinco anos, fornecendo apenas os meios para sua
sobrevivência. Além das vantagens que a adoção dos menores por si só apresentava aos

594
MATTA, Alfredo Eurico Matta. Casa Pia Colégio de Órfãos de São Joaquim: de recolhido a
assalariado. Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1996. p. 187.
595
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848.
596
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 12.
597
BN. HDB. Falla que recitou o exm.o presidente da provincia da Bahia, Dr. João Mauricio
Wanderley, n'abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia no 1º de março de 1853. Salvador:
Typ. Const. de Vicente Ribeiro Moreira, 1853. p. 23.
598
MATTA, Alfredo Eurico Matta. Casa Pia... op. cit. p. 179.
180

proprietários da fábrica, a preferência por crianças provenientes Casa Pia e Colégio de


Órfãos de São Joaquim deve ter se dado em virtude da instrução profissional que era
fornecida aos órfãos na instituição. A frequente admissão de pessoas oriundas da Casa
Pia de São Joaquim na Todos os Santos indica que essa prática se perpetuou ao longo
dos anos de existência da fábrica, certamente, tanto complementando quanto repondo a
mão de obra do estabelecimento, com um contingente regular de trabalhadores
juridicamente livres não remunerados.
Os proprietários da fábrica e a Mesa Diretora da Casa Pia consideravam essa
relação como vantajosa, porém o mesmo não pode ser dito com relação aos órfãos. De
acordo com Matta, um relatório da Casa Pia enviado ao governo da província da Bahia
em 1852 registrava a insatisfação e o temor existentes tanto por parte dos órfãos da Casa
quanto de seus parentes de que estes fossem enviados para a fábrica Todos os Santos599.
Isso demonstra que já havia reconhecimento da população do tipo de exploração do
trabalho ali realizado, em condições análogas a dos trabalhadores juridicamente
escravizados.
Com relação aos trabalhadores provenientes da Santa Casa de Misericórdia de
Salvador, apesar de não ter sido possível localizar dados sistematizados sobre seu
agenciamento, é provável que Antonio Pedrozo de Albuquerque tenha tido um papel
importante neste sentido, em virtude da sua profunda inserção no estabelecimento. Vale
recordar que ele havia sido provedor da instituição no ano de 1837.
É possível crer que a chegada de trabalhadores na fábrica, tanto para sua
construção quanto operários, tenha afetado a rotina da vila. Tal como registra o Mappa
da população e dos fogos da comarca de Valença, cuja elaboração remonta ao ano de
1845, publicado na fala do presidente da província da Bahia Francisco Gonçalves
Martins em 1849600, o município de Valença contava com uma população de 8.026
pessoas, enquanto a Comarca (compreendendo os municípios de Valença, Jequiriçá,
Cairú, Taperoá e Santarém) possuía 25.544. Com base em algumas observações
contidas no Mappa, a população da vila de Valença havia aumentado em decorrência da

599
Ibidem. p. 188.
600
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849.
181

construção da fábrica de fiar e tecer algodão, a Todos os Santos; sendo que não se
poderia computar os habitantes da comarca em menos de 30.000601.
A jornada de trabalho dos operários ia do nascer do sol até as sete e meia da
noite, o que durante o verão significava mais de 14 horas diárias. Ao longo deste
período, eles tinham vinte minutos para almoço, meia hora para o jantar e meia hora
para a ceia. Em 1849, a produção diária por operário variava entre 50 e 80 varas (55 e
88 metros) de tecidos. Além da produção têxtil, os trabalhadores eram submetidos a
uma rígida rotina de atividades extras, o que tornava sua jornada diária ainda mais
extensa. Nos dias de trabalho, após as 22h, eles recebiam aulas de leitura, escrita,
música e dança. Nos domingos e dias santos, não havia trabalho e é possível crer que os
operários pudessem ter algum descanso602. Assim, a fábrica contava com um sacerdote e
um mestre de música, para celebrar missas e ministrar as atividades603.
Além de trabalharem na fábrica, os operários também moravam em alojamentos.
Há indícios de que, inicialmente, não havia separação por sexo nestes, mas apenas por
estado civil. Homens e mulheres solteiras (ou melhor, meninos e meninas) habitavam o
mesmo espaço, passando a viver separadamente quando se casavam. A respeito disso,
eram promovidos casamentos entre operários nos festejos anuais de aniversário da
Todos os Santos604.
Como demonstrado por Friedrich Engels, especialmente no caso de fábricas
instaladas em áreas rurais, como era a Todos os Santos, onde havia pouca ou nenhuma
disponibilidade de moradia para os operários, a construção de habitações por parte dos
empresários no entorno das fábricas era mais uma forma de obtenção tanto de lucro (por
meio da cobrança de aluguéis) quanto de controle sobre a mão de obra, contribuindo,
nas palavras do autor, com a escravidão do operário605.

601
Mesmo os elaboradores do mapa demográfico de 1849 tinham conhecimento das dificuldades para a
realização de uma contagem populacional, no período. Constam nas observações existentes no Mappa da
população e dos fogos da comarca de Valença que os dados eram imperfeitos pela negligência dos
encarregados na elaboração do censo e pela recusa ou omissão da população em prestar informações.
602
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
603
APEB. Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência
recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença
ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848.
604
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
605
ENGELS, Friedrich. A situação da classe... op. cit. p. 218.
182

Desta forma, mesmo que a fábrica oferecesse alojamento e aulas para os


operários, os custos destes serviços eram pagos pelos próprios trabalhadores. Tendo
visitado o estabelecimento em 1849, o então presidente da província da Bahia,
Francisco Gonçalves Martins, relatou que o sustento de uma trabalhadora do sexo
feminino era calculado em cerca de $500rs diários (aproximadamente 15$000rs por
mês). Para ele, as trabalhadoras procuravam exceder sua tarefa para ganhar um salário
maior, sendo que algumas delas conseguiam lucrar com trabalhos excedentes mais de
8$000rs por mês606.
A fala de Martins indica que o trabalho realizado na fábrica era por
produtividade e que parte do produto obtido com o trabalho era retido pelos
proprietários do estabelecimento para o pagamento do que seria considerado equivalente
ao sustento das trabalhadoras. Mesmo que Martins tenha afirmado que algumas
operárias realizavam uma produção excedente, buscando auferir maiores quantias
mensais, é possível crer que este número fosse diminuto. As práticas conhecidas de uso
do trabalho livre neste momento demonstram que havia uma busca pelo endividamento
dos trabalhadores com seus patrões e não sua independência financeira.
O emprego de mão de obra livre e a oferta de trabalho assalariado, ensino,
moradia e lazer aparece na maior parte dos registros de pessoas que estiveram no
estabelecimento e, como mencionado na introdução deste trabalho, perdura até hoje.
Essas práticas eram vistas como extremamente modernas e utilizadas em discursos para
promover a imagem ―humanitária‖ do estabelecimento. No entanto, como apontado por
Henrique Espada Lima, ao contrário do que se fez propagar na ―narrativa tradicional do
trabalho livre‖, o emprego de mão de obra juridicamente livre nas Américas durante o
século XIX não se apresentava como oposição radical ao trabalho escravo. De acordo
com o autor, nestas sociedades os termos ―liberdade‖ e ―escravidão‖ não significavam
necessariamente, ‗trabalho livre‘ e ‗trabalho escravo‘. Segundo o autor, os contratos de
trabalho estabelecidos entre patrões e trabalhadores, majoritariamente egressos ou
descendentes de egressos do cativeiro, sugerem que os termos estabelecidos nestes
documentos tinham o intuito de reassegurar ―[...] os vínculos de obediência e
dependência aos antigos senhores e aos novos patrões [...]‖607.

606
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
607
LIMA, Henrique Espada. Sob o domínio da precariedade: escravidão e os significados da liberdade de
trabalho no século XIX. In: Topoi. v. 6, n. 11, jul.-dez. 2005. Disponível em:
183

Ao atentarmos para o emprego de menores sem remuneração, as longas


jornadas, a moradia no ambiente de trabalho, a promoção de casamentos entre os
operários e a imposição de atividades de ensino e lazer, a rotina imposta aos operários
da fábrica Todos os Santos, embora certamente apresentasse avanços para os padrões do
período, revela uma busca por manter os trabalhadores sob total controle e com
ocupação em tempo integral.
A visão sobre os trabalhadores, especialmente do sexo masculino, carregava os
preconceitos latentes relativos aos livres pobres no meio urbano no período608. Martins
afirmava que os rapazes empregados na fábrica, considerados preguiçosos e
insubordinados ao ingressarem no estabelecimento, quando submetidos a uma rotina de
trabalho, aprendizado e lazer, passavam a ser tão eficientes quanto os melhores
trabalhadores da Europa e dos Estados Unidos e propícios para o trabalho na indústria
fabril609, revelando uma visão própria de seu tempo, de disciplinarização por meio do
trabalho.
A ocupação de pessoas livres, certamente muitas das quais descendentes ou
provenientes do cativeiro, era vista com algo extremamente positivo no período, pois
retirava das ruas uma população considerada de grande ameaça para a manutenção da
ordem do sistema escravista610. Francisco Gonçalves Martins aponta que havia na
comarca de Valença tantos livres e pobres capazes de suprir de trabalhadores mais cinco
fábricas do porte da Todos os Santos, sem que a agricultura ou outras atividades
econômicas fossem prejudicadas com a falta de mão de obra. Tal como evidencia, o
emprego destes trabalhadores seria um ―alívio para os pais pobres, e um asilo para os
órfãos e desemparados‖ 611 e, seguramente, para as classes mais abastadas.
A respeito da matéria-prima, os relatos apontam que nos primeiros anos de
funcionamento a fábrica não teve dificuldades de adquiri-la , em virtude, conforme os

https://www.scielo.br/pdf/topoi/v6n11/2237-101X-topoi-6-11-00289.pdf. Acesso em: 20 de julho de


2020.
608
Sobre isso ver: FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São
Paulo: Hucitec; Salvador: EDUFBA, 1996.
609
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
610
Ilmar Mattos faz uma importante reflexão sobre a organização do sistema escravista, com a gente da
casa (senhores e escravos) como parte da ordem e a gente da rua (livres, libertos, desempregados e
pobres, entre outros) como uma ameaça a esta ordem. Cf.: MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo
Saquarema. São Paulo: HUCITEC; Brasília: INL, 1987.
611
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
184

proprietários, de ser abundante e barata612. Inicialmente, o algodão que abastecia a


Todos os Santos era oriundo do interior da província, especialmente da comarca do Rio
de Contas, e era levado a Valença pela estrada de Maracás 613. Por este caminho
chegavam até a fábrica 420 arrobas (6.300 quilogramas) de algodão, considerado de
ótima fibra, porém sujo e mal tratado. Já da cidade de Maracás, em específico,
chegavam a fábrica entre mil e 1.200 arrobas (15 mil a 18 mil quilogramas), também
considerado de boa fibra e melhor tratado614. Como vimos no capítulo 2, no relatório
elaborado a pedido da Associação Comercial da Bahia, Antonio Francisco de Lacerda e
John Smith Gillmer já haviam registrado a baixa qualidade do algodão produzido pela
província da Bahia no que diz respeito à limpeza, e, portanto, estavam cientes destes
problemas antes do início do funcionamento da Todos os Santos.
Apesar da facilidade de aquisição da matéria-prima, em virtude da sua ampla
disponibilidade, como afirmavam os proprietários, é possível crer que a fábrica tenha
encontrado dificuldades relativas ao transporte do algodão do interior da província para
a vila de Valença, outro problema já apontado por Lacerda e Gillmer no seu relatório.
Assim, embora a fábrica estivesse situada em um local de acesso privilegiado, ao lado
do Rio Una e de fácil acesso à navegação marítima615, carecia de vias terrestres em boas
condições. A estrada de Maracás, por exemplo, saia de Valença e percorria 18 léguas
(108 quilômetros) acompanhando as margens do Rio Jiquiriçá até a povoação de Santa
Inês e dali seguia por mais 12 léguas (72 quilômetros) até Maracás. De acordo com
observadores contemporâneos, o primeiro trecho da estrada era mais movimentado e
apresentava melhores condições de trânsito, enquanto o segundo, talvez pelo pouco
trânsito, apresentava piores condições616.
A partir de outro trecho desta mesma estrada era possível chegar ainda ao porto
da vila de São Félix, na cidade de Cachoeira. Este caminho é importante quando

612
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1861, caderno 19.
613
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 52, 2 de fevereiro de 1848. p. 2.
614
A frequência com que o algodão chegava não foi registrada pelo juiz. Cf.: APEB. Seção de Arquivos
coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes. Correspondência recebida de Valença - 1844-1848.
Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença ao Presidente da Província.
Valença, 1 de março de 1848.
615
Cf.: SANTOS, Silvana Andrade dos. Rumo ao sul: Considerações sobre os locais de desembarques do
tráfico transatlântico de escravizados na Bahia após 1831. In: Anais do 8º Encontro Escravidão E
Liberdade No Brasil Meridional. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017.
Disponível em http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/8encontro/Textos8/silvana
andradedossantos.pdf. Acesso em: 18 de abril de 2017.
616
BN. HDB. O Crepusculo (Bahia). n. 4, v. 1, 20 de setembro de 1845. p. 58.
185

pensamos no projeto, criado poucos anos depois, de construção da estrada de ferro Tram
Road Paraguassu que ligaria a cidade de Cachoeira ao interior da província, na qual
entre os investidores constava Antonio Pedrozo de Albuquerque. Os investimentos de
Pedrozo na fábrica e na estrada de ferro poderiam ser vistos como mera coincidência,
não fosse, como mencionamos anteriormente, a concessão de trechos ao longo da
estrada de ferro para o cultivo do algodão, matéria-prima da fábrica Todos os Santos.
Portanto, a construção da estrada de ferro ia ao encontro dos interesses da fábrica tanto
de aquisição de matéria-prima quanto de exportação da sua produção. Vale dizer que já
em 1846 o periódico O Crepúsculo havia mencionado um projeto de construção de
estrada de ferro que deveria começar em um dos portos intermediário a vila de Valença
e a Cidade de Cachoeira e, passando pelas vilas de Rio de Contas e de Caetité, chegar as
margens do Rio São Francisco617. Este bem poderia ser o projeto que viria a se
concretizar mais tarde com a Tram Road Paraguassú.
Em 1849, a fábrica Todos os Santos consumia diariamente 45 arrobas (675
quilogramas) de algodão. Os problemas relativos à qualidade do beneficiamento do
algodão produzido na Bahia levaram-na, contudo, a passar a adquiri-lo principalmente
da província da Alagoas. Segundo John Monteiro Carson, embora o produto oriundo de
ambas as províncias tivesse qualidades naturais semelhantes, o algodão vindo de
Alagoas era melhor colhido e preparado, o que proporcionava um aumento de 5 a 7%
na produção, além de resultar num tecido de melhor aparência618.
Novamente aqui é necessário recordar dos demais investimentos realizados pelos
proprietários da fábrica Todos os Santos. Como vimos na primeira parte deste trabalho,
a Companhia Santa Cruz de Navegação a Vapor, de Antonio Pedrozo de Albuquerque,
em sua linha norte, alcançava a província de Alagoas. Já a Companhia Bonfim, de
Antonio Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer, possuía uma e, posteriormente,
duas linhas regulares para Valença. Fundidas em 1858 na segunda Companhia Baiana
de Navegação, elas cobriam um amplo trajeto que englobava as áreas de produção de
matéria-prima, a cidade onde a Todos os Santos estava instalada e regiões onde as
mercadorias produzidas pela fábrica eram consumidas.
A aquisição de algodão da província de Alagoas parece não ter resolvido em
definitivo a questão do fornecimento de matéria-prima para a Todos os Santos. De

617
BN. HDB. O Crepusculo (Bahia). n. 11, v. 1, 10 de janeiro 10 de 1846. p. 170.
618
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
186

acordo com Francisco Gonçalves Martins, havia um projeto sendo criado por John
Monteiro Carson para enviar aos fazendeiros cultivadores de algodão da Imperial Vila
de Vitória (atualmente Vitória da Conquista), que produziam um algodão considerado
de melhor qualidade que o de Alagoas, máquinas apropriadas para melhor
beneficiamento deste, eliminando-se assim o problema da qualidade do beneficiamento
da matéria-prima recebida pela fábrica619.
A produção da fábrica foi comercializada, inicialmente, nos escritórios dos
próprios proprietários do estabelecimento, em virtude de que o produto ainda era
desconhecido no mercado e teve dificuldade de ser vendido620. Em fevereiro de 1848,
por exemplo, estavam disponíveis para venda no escritório de Antonio Francisco de
Lacerda, no Trapiche Grande, 8.000 varas (8.800 metros) de tecidos621 (Imagem 3). Os
anúncios dos produtos da fábrica feitos nos jornais locais, como o Correio Mercantil,
procuravam tanto destacar a qualidade destes quanto propagar a mensagem que
permeia há quase dois séculos a memória coletiva da população local: o emprego de
mão de obra livre na Todos os Santos622.

Imagem 3 - Anúncio de venda de artigo da Fábrica Todos os Santos, 1848.

Fonte: BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 17, 22 de janeiro 1848. p. 4.

Na segunda metade de 1848, a produção da fábrica havia se popularizado,


existindo, inclusive, propostas de compras de tecidos sendo feitas por outras províncias.
Em setembro daquele ano, o presidente da província e comandante do exército em
guarnição do Rio Grande do Sul, Francisco José de Sousa Soares de Andréa apresentou

619
Ibidem. p. 37.
620
Ibidem.
621
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 52, 2 de fevereiro de 1848. p. 2.
622
BN. HDB. Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 17, 22 de janeiro 1848. p. 4.
187

uma proposta ao diretor do Arsenal de Guerra para compra de algodão trançado da


Todos os Santos623, o que demonstra que as vendas dos artigos estavam se expandindo.
Sobre este requerimento, de modo específico, é preciso atentar para dois
aspectos: primeiro, o Rio Grande do Sul era a província natal de Antonio Pedrozo de
Albuquerque, onde, como vimos, ele continuou mantendo contatos comerciais mesmo
após sua mudança para o Rio de Janeiro e para a Bahia; segundo, Francisco José de
Sousa Soares de Andréa havia sido presidente da província da Bahia nos anos de 1845 e
1846, e acompanhou o processo de fundação da fábrica624. Vale mencionar que Andréa
foi o presidente da província da Bahia que requereu da Associação Comercial da Bahia
em 1845 o que viria a ser Parecer de uma comissão de negociantes sobre o meio de
promover a agricultura da Bahia, elaborado por Antonio Francisco de Lacerda, John
Smtih Gillmer e André Comber; que, em 1846, intervira nos conflitos existentes entre a
sociedade Lacerda e Cia e os indígenas locais sobre o fornecimento de madeiras para a
fábrica Todos os Santos; e que, naquele mesmo ano, ordenou a realização de estudos
para a construção do farol do Morro de São Paulo. Assim, sua atuação na província da
Bahia e o contato com os membros da sociedade Lacerda e Cia devem ter contribuído
para a expansão das vendas dos artigos da Todos os Santos para o sul do Império do
Brasil.
Entre os anos de 1848 e 1858, anúncios de venda de artigos da Todos os Santos
foram pulicados em jornais, além do Rio Grande do Sul, nas províncias do Rio de
Janeiro e de Pernambuco, onde os tecidos da fábrica, empregados na confecção de
sacaria e roupa para escravos, eram ofertados por diferentes vendedores. Em 1849, o
presidente da província Francisco Gonçalves Martins afirmou que os produtos da
fábrica haviam se popularizado a tal ponto que não havia receio de que a produção se
acumulasse, existindo, pelo contrário, ocasiões em que encomendas eram feitas com
meses de antecedência625. Vale salientar que, assim como no caso do anúncio feito pelo

623
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 5, n. 262, 24 de setembro de 1848. p. 2.
624
Em seu relatório de 1845 Soares de Andréa registrou que seria estabelecida na província uma fábrica
de tecidos grossos, provavelmente em referência a Todos os Santos. Cf.: BN. HDB. Falla dirigida a
Assembleia Legislativa Provincial da Bahia, na abertura da sessão ordinaria do anno de 1845, pelo
presidente da provincia Francisco José de Sousa Soares D’Andrea. Bahia: Typographia de Galdino
Bizerra e Companhia, 1845. p. 80.
625
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
188

escritório de Lacerda, na maior parte dos anúncios feitos em jornais de outras províncias
constava que os produtos eram fabricados por mão de obra livre626.
Em meados da década de 1850, a Todos os Santos recebeu a visita de James
Cooley Fletcher. O missionário estadunidense não poupou elogios para o que avaliou
ser ―A mais bela fábrica do Brasil — e talvez da América do Sul‖, naquela que
considerou uma das mais agradáveis excursões que realizou durante sua estadia na
Bahia627. Fletcher viajou de Salvador para Valença acompanhado de John Smith
Gillmer (que então ocupava o posto de cônsul dos Estados Unidos na província) e sua
esposa, que, como vimos no capítulo três, o hospedaram. Chegando a Valença, a
pequena comitiva se encontrou com John Monteiro Carson e, reembarcando em canoas,
subiu o rio até a fábrica.
A descrição feita por Fletcher da chegada ao local onde a fábrica estava
estabelecida nos fornece algumas informações do complexo ali existente em meados da
década de 1850. Segundo ele, havia a grande fábrica, de paredes brancas, destacando-se
do fundo da vegetação, além de outras menores, onde estavam instaladas entre outras
coisas, as oficinas mecânicas e fundições (Imagem 4). Impressionado, mas não
surpreendido, Fletcher afirmou que os ruídos emitidos pelo funcionamento da fábrica
fizeram com que tivesse a impressão de que estava em Lowell (cidade fabril e um dos
principais centros têxteis dos Estados Unidos) e comparou a disciplina e a moral
imposta aos trabalhadores da Todos os Santos ―com a das mais bem dirigidas fábricas
norte-americanas‖. A respeito dos artigos produzidos pela Todos os Santos, observou
que eram de qualidade superior aos da Santo Aleixo, no Rio de Janeiro.

626
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 24, n.os 276, 278, 279, 281, 285, 286, 288,
dezembro de 1848. p. 3; Ano 26, n.os 109, 110, 112, 155, 157 e 173, maio-julho de 1850; Ano 27, n. 230 e
239, outubro de 1851. O Rio-Grandense (Rio Grande do Sul). Ano 5, n.os 537, 542, 544 e 584,
setembro/outubro de 1849 p. 4. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 253, 16 de setembro de
1849, p. 4; n. 518, 21 de novembro de 1849; Ano 7, n.os 73, 74, 77, 167 e 169, março/julho de 1850. p.
3; Ano 8, n. 154 e 161, julho de 1851; Ano 9, n. 115, 122, 129, abril-maio de 1852. Jornal do Commercio
(Rio de Janeiro). Ano 24, n.os 114 e 281; abril/outubro de 1849; Ano 25, n. 75, 175, 230 e 316, março-
novembro de 1850; Ano 26, n.os 309 e 316, novembro de 1851; Ano 27, n.os, 17, 114 e 123, janeiro/maio
de 1852; Ano 33, n.os 54, 55, 56, 64, 66, 109, 113, 114, 115, 116, fevereiro-abril de 1858. O comercial
(Pernambuco). Ano 1, n. 95, 4 de maio de 1850. p. 4.
627
KIDDER, D. P.. FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros... op. cit. p. 227.
189

Imagem 4 - Fábrica Todos os Santos em meados de 1850.

Fonte: KIDDER, D. P.. FLETCHER, J. C. Brazil and the brazilians: portrayed in historical and
descriptive sketches. 9. ed. Boston: Little, Brown, and Company, 1879. p. 499.

Fletcher também registrou o trabalho realizado na fundição, na qual o


contramestre era um ―negro brasileiro‖ e onde eram fabricados ―os mais complicados
maquinismos‖ e toda operação de moldagem e acabamento era feita por ―negros‖628.
Ainda que Fletcher não tenha colocado explicitamente, é possível refletir se os ―negros‖
a quem se referia eram escravos ou se os trabalhadores livres ali existentes eram pessoas
de cor. Sendo a primeira afirmativa verdadeira, seu relato se torna um importante
registro por ser um dos primeiros e escassos a mencionar a presença de trabalhadores
escravos no complexo da Todos os Santos.
A fábrica Todos os Santos parece ter se mantido estável nos primeiros anos de
funcionamento e em meados da década de 1850 começou a passar por um processo de
expansão infraestrutural (Quadro 5).

628
Ibidem. p. 229.
190

Quadro 5 – Evolução da fábrica têxtil Todos os Santos, primeira fase (1848-1860)


1848 1849 1850 1851 1852 1858 1859 1860
Trabalhadores livres 80-120 150 - - - - - 200-300
Escravos - - - - - 59 - 54
Motor hidráulico (HP) 40 300 - - - - - 80
Fusos 2.000 2.084 - - - - - -
Cardas - 30 - - - - - -
Afofador - 1 - - - - - -
Batedores - 2 - - - - - -
Teares 50 50 - - - - - 50
Produção tecidos/dia 660-1.540 2.200 - - - - - 4.400
(m)
Produção tecido/ano - - - 660.000 - 641.300 883.300 792.000
(m)
Produção fios/ano (m) - - - - - 52.000 58.000 70.000
Principal origem da Rio de Contas Alagoas - - - - - -
matéria prima
Destino da produção Bahia, Bahia, Rio Bahia, Bahia, Bahia e Rio Bahia e Rio - -
Pernambuco, de Janeiro e Pernambuco Pernambuco de Janeiro de Janeiro
Rio de Janeiro Rio Grande e Rio de e Rio de
e Rio Grande do Sul Janeiro Janeiro
do Sul
Capital 300:000$000 - - - - - -
Elaboração própria.
Fontes: BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa
da mesma Provincia em 4 de julho de 1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 52, 2 de fevereiro de 1848. p. 2. Correio
Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, n.os 154, 156 e 158, junho de 1858. Diário de Pernambuco (Pernambuco). Ano 24, n.os 276, 278, 279, 281, 285, 286, 288, dezembro de
1848. p. 3; Ano 26, n.os 109, 110, 112, 155, 157 e 173, maio-agosto de 1850; Ano 27, n. 230 e 239, outubro de 1851. O Rio-Grandense (Rio Grande do Sul). Ano 5, n.os 537,
542, 544 e 584, setembro/outubro de 1849. p. 4. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 253, 16 de setembro de 1849, p. 4; n. 518, 21 de novembro de 1849; Ano 7,
191

n.os 73, 74, 77, 167 e 169, março/julho de 1850. p. 3; Ano 8, n. 154 e 161, julho de 1851; Ano 9, n. 115, 122, 129, abril-maio de 1852. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro).
Ano 24, n.os 114 e 281; abril/outubro de 1849; Ano 25, n. 75, 175, 230 e 316, março-novembro de 1850; Ano 26, n.os 309 e 316, novembro de 1851; Ano 27, n.os, 17, 114 e
123, janeiro/maio de 1852; Ano 33, n.os 54, 55, 56, 64, 66, 109, 113, 114, 115, 116, fevereiro-abril de 1858. O Comercial (Pernambuco). Ano 1, n. 95, 4 de maio de 1850. p.
4. APEB. Seção: Provincial. Fundo: Governo da Província. Série: Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço 4602. Fabrica Todos os Santos, 1883. Caderno 53. Seção
Provincial. Fundo: Governo da Província. Série: Agricultura.. Correspondência recebida do conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603.
Fábrica de tecidos Todos os Santos (1848, caderno 3; 1851, caderno 6; e 1861, caderno 19). D. PEDRO II. Viagem à Costa... op. cit.
192

Na oportunidade de sua visita, Fletcher também registrou as reformas pelas


quais o complexo estava passando. Assinalou que estavam em andamento na Todos os
Santos grandes construções que visavam aprimorar a produção de tecidos. Grandes
igualmente, segundo ele, eram as despesas que estavam sendo depreendidas pela firma
Lacerda e Cia no estabelecimento, a quem rogoava recuperar os investimentos em
poucos anos629. Além da fábrica de tecidos, a fundição também estava em processo de
ampliação no período630.
Vários fatores devem ter contribuído para a expansão do negócio. Como vimos,
a produção e a comercialização da fábrica Todos os Santos esteve em ascendência
durante a primeira década de seu funcionamento. Ademais, embora na década de 1850
não tenham existido políticas diretas de subvenções às manufaturas, a primeira metade
da década de 1850 apresentou uma conjuntura econômica favorável no Império do
Brasil. Em primeiro lugar, a supressão do contrabando negreiro, no qual, como vimos,
pelo menos um dos sócios da Lacerda e Cia, John Smith Gillmer, permaneceu atuando
intensamente até os últimos anos, por um lado, liberou capitais para serem reinvestidos
em outras atividades e deve ter possibilitado uma nova injeção de capitais e, por
conseguinte, mais um impulso para a Todos os Santos; por outro, deve ter aumentado
ainda mais a demanda por tecidos manufaturados para a confecção de roupas para
escravos e sacarias. Em segundo, o aumento das emissões bancárias, autorizadas pelo
governo em 1855, e a pluralidade emissionista, adotada a partir de 1857, resultaram na
ampliação e na liberdade de crédito, criando condições para a realização de
investimentos (e para especulação)631, o que deve ter encorajado os proprietários da
Todos os Santos a ampliarem o negócio.
No entanto, na segunda metade da década de 1850, a primavera de florescimento
transformou-se em verão de dificuldades. Mas, naquela altura as obras no complexo já
estavam em andamento e, segundo Antonio Pedrozo de Albuquerque, não era possível
abandoná-las, o que fez com que a fábrica se endividasse632. Além disso, em 1856,
durante o andamento das obras de expansão, em virtude de uma forte enchente no rio

629
Ibidem. p. 228-229.
630
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1851, caderno 6.
631
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 130-133. GUIMARÃES, Carlos
Gabriel. A presença inglesa... op. cit. p. 169.
632
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1861, caderno 19.
193

Una, a primeira represa (feita de madeira) foi destruída. Visto que todo o maquinário da
fábrica de tecidos, assim como da fundição, era movido a energia hidráulica, o
desabamento causou grandes empecilhos ao estabelecimento. A construção da nova
represa, desta fez de alvenaria, levou nove meses, período no qual as atividades do
complexo ficaram interrompidas. A nova represa tinha 227 pés (aproximadamente 75
metros) de comprimento, 16 pés (5,28 metros) de largura da base, 8 pés (2,64 metros)
de largura superior, e 18 pés (cerca de 6 metros) de altura. Ela continha 24 portões, que
regulavam os níveis da água do rio, e um canal, abastecido por seis portões de
preenchimento e 2 de esvaziamento. O canal, medindo 500 pés (165 metros) de
comprimento, 27 pés (aproximadamente 9 metros) de largura e 8 pés (2,64 metros) de
profundidade, distribuía a água para as rodas d‘água ali existentes633.
Em 1857, as obras de expansão da fábrica e da fundição foram concluídas e a
nova represa fora finalizada. Não localizamos registros sobre as novas dimensões da
fábrica no período imediatamente posterior a reforma. Por outro lado, a fundição,
dispunha em 1857 de três fábricas: a primeira destinada à fabricação de peças
empregadas em embarcações a vapor de navegação costeira; a segunda destinada à
produção de peças de máquinas de engenho a vapor, a exemplo de caldeiras, destinadas
principalmente do Recôncavo da província; e a terceira destinada quase exclusivamente
à produção de peças empregadas na fábrica de tecidos634. Nota-se dessa forma que a
produção da fundição convergia não só com os interesses da Todos os Santos como
também dos demais investimentos da sociedade Lacerda e Cia, a exemplo das
companhias de navegação a vapor, Santa Cruz e Bonfim (posteriormente, segunda
Companhia Baiana e Navegação) e com a produção açucareira, na qual ao menos
Antonio Pedrozo de Albuquerque estava inserido. No início da década de 1860, a
fundição existente na Todos os Santos era considerada uma das melhores da província,
somente comparada a pertencente ao Arsenal da Marinha635 e, em 1883, fora tida como
uma das três principais do país636.

633
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.
634
BN. HDB. Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo presidente da
provincia, o dezembargador João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú, no 1º de setembro de 1857. Bahia:
Typ. de Antonio Olavo da França Guerra, 1857. p. 103.
635
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1861, caderno 19. BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20
de novembro de 1861. p. 1.
636
BN. HDB. O Auxiliador da Indústria Nacional. v. 51. Rio de Janeiro: Typographia Universal de H.
Laemmert & C., 1883 p. 205.
194

Assim, o complexo voltou a operar. Mas o período no qual os trabalhos foram


interrompidos ainda reverberava em despesas e prejuízos aos proprietários637. Ademais,
após a reabertura, a Todos os Santos permaneceria enfrentando condições adversas em
virtude de catástrofes naturais, de choques externos e de mudanças nas políticas
monetária e tarifária do Império. Entre 1855 e 1856, uma epidemia de cólera-morbo
assolou a Bahia, levando à morte aproximadamente vinte mil pessoas e repercutindo
diretamente sobre o comércio interior e exterior638. No ano seguinte, em 1857, os
problemas se acentuariam com o início de uma grande seca no interior da província que,
se estendendo até 1861, teve fortes efeitos sobre sua economia e atingiu diretamente a
Todos os Santos, em virtude do aumento no preço do algodão e da diminuição da
demanda das mercadorias por ela produzidas639.
Como apontado anteriormente, a conjuntura adversa afetaria outros
investimentos dos proprietários da fábrica Todos os Santos, especialmente de Antonio
Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer, como no caso da Companhia Bonfim de
Navegação a Vapor. Muito provavelmente, sentindo os efeitos das catástrofes sobre
suas atividades, Lacerda e Gillmer prestaram auxílio à província da Bahia durante a
epidemia de cólera, atuação que renderia a Lacerda um título honorífico. Da mesma
forma, Antonio Francisco de Lacerda e Antonio Pedrozo de Albuquerque fariam parte
de comissões encarregadas de distribuir socorros à população afetada pela seca640.
A situação da firma Lacerda e Cia e da fábrica Todos os Santos se agravaria
ainda mais com a crise econômica mundial de 1857 que, embora tenha tido efeito
retardado na Bahia, levou a falências e a queda na corrente de comércio 641, e com as

637
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1861, caderno 19.
638
Cf.: DAVID, Onildo Reis. O inimigo invisível: a epidemia do cólera na Bahia em 1855-1856.
Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1993. SAMPAIO, Marcos
Guedes Vaz. Uma análise regional das crises de 1857 e 1860: os efeitos na província da Bahia. In:
Revista de Desenvolvimento Econômico. Ano XVIII, v. 3, n. 35. Salvador, dezembro de 2016. Disponível
em: https://revistas.unifacs.br/index.php/rde/article/view/4561/3080. Acesso em: 28 de janeiro de 2020. p.
904.
639
Sobre os efeitos da seca na província da Bahia ver: GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas na
Bahia dos século XIX: Sociedade e Política. Dissertação (Mestrado em História). Salvador: Universidade
Federal da Bahia, 2000. SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma análise regional das crises de 1857 e
1860: os efeitos na província da Bahia. In: Revista de Desenvolvimento Econômico. Ano XVIII, v. 3, n.
35. Salvador, dezembro de 2016. Disponível em:
https://revistas.unifacs.br/index.php/rde/article/view/4561/3080. Acesso em: 28 de janeiro de 2020.
640
Ver capítulos 2 e 3.
641
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. A crise internacional de 1857 e os efeitos sobre a Província da
Bahia. In: Crítica Histórica. Ano VIII, n. 16. Dezembro de 2017. Disponível em:
http://www.seer.ufal.br/index.php/criticahistorica/article/download/4160/pdf. Acesso em: 9 de maio de
2019.
195

reformas tarifária e bancária empreendidas no Império entre 1857 e 1860. Em 1857, o


então Ministro da Fazenda, João Maurício Wanderley, iniciou uma política de revisão
tarifária que levou a extinção da política de fomento às Fábricas Nacionais, mantendo
apenas a isenção da cobrança de direitos de importação sobre maquinário. Entre 1857 e
1858, decretos de caráter liberal emitidos nas gestões dos ministros Bernardo de Souza
Franco e Francisco de Salles Torres Homem aprofundariam as reduções da cobrança de
direitos de importação sobre produtos de consumo de massas, agravando a situação de
empresas brasileiras. A política de revisão tarifária iniciada por Wanderley seria
completada em 1860, na gestão do Ministro Ângelo Moniz da Silva Ferraz, cuja nova
tarifa reduziu o percentual cobrado sobre os produtos importados, favorecendo a entrada
de manufaturados estrangeiros no Brasil e, consequentemente, aumentando a
competitividade para com os artigos produzidos pelas fábricas do país642, como no caso
da Todos os Santos. Por fim, a reforma bancária também consolidada na gestão de Silva
Ferraz, com a promulgação da lei 1.083, de 22 de agosto de 1860, a chamada Lei dos
Entraves, impunha, por exemplo, restrições as emissões bancárias e a oferta de
crédito643.
As circunstâncias desfavoráveis levaram a buscas por empréstimos que viessem
socorrer a Todos os Santos. Em 14 de julho de 1857, em sessão da Assembleia Geral
Legislativa que discutia um empréstimo para a fundição da Ponta D‘Areia, em virtude
de um incêndio que o estabelecimento havia sofrido, o deputado maranhense Viriato
Bandeira Duarte apresentou uma emenda requerendo a concessão de um empréstimo
para a Todos os Santos. O empréstimo à Ponta D‘Areia foi aprovado, no entanto, a
emenda relativa à fábrica têxtil não644. Na sessão seguinte, em 15 de julho, outro
deputado maranhense, Joaquim Gomes de Souza, voltou a trazer à pauta o empréstimo
para a Todos os Santos, mas, novamente, os legisladores não consideraram o
estabelecimento como digno da concessão645.
Esgotadas as tentativas na Câmara dos Deputados, partiu-se para o Senado. Em
21 de agosto de 1857, novamente em sessão que discutia a concessão de um empréstimo
para a fundição da Ponta D‘Areia, foi apresentada uma emenda relativa à concessão de
um empréstimo para Todos os Santos. A emenda foi apresentada pelo senador baiano

642
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 127-128.
643
GUIMARÃES, Carlos Gabriel. A presença inglesa... op. cit. p. 187-189.
644
BN. HDB. Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da Sexta
Legislatura, Primeira Sessão de 1845. Tomo segundo. 3. ed. Rio de Janeiro. Typographia de Hipollyto J.
Pinto, 1881. p. 261.
645
Ibidem. p. 9.
196

João Maurício Wanderley, que há poucos meses, na condição de Ministro da Fazenda,


havia aprovado a revisão tarifária que, diminuindo os direitos a serem cobrados por
alguns gêneros exportados de consumo de massas, ampliava a concorrência às
manufaturas brasileiras646. Isso aponta para a complexidade dos interesses que
envolviam a economia brasileira no século XIX, pois, mesmo que Wanderley pudesse
ser contrário à adoção de medidas protecionistas com relação à indústria fabril, era
favorável à concessão de ―favores individuais‖ a determinados estabelecimentos, como
poderia considerar seu sucessor na pasta, o Ministro Bernardo de Souza Franco.
O acréscimo propunha um empréstimo no valor de 150:000$000rs para a Todos
os Santos, em virtude dos prejuízos causados pela enchente, estimados em
200:000$000rs. Em seus argumentos, Wanderley procurou justificar a viabilidade da
concessão destacando a unicidade da fábrica no Império, em virtude de não ser ―uma
simples fábrica de tecidos‖, mas ―também uma escola de educação industrial‖. A
emenda entrou em uma longa discussão e foi apoiada pelos também senadores baianos,
Francisco Jê Acaiaba de Montezuma e Ângelo Moniz da Silva Ferraz (futuro Ministro
da Fazenda) e pelo senador pernambucano Antônio Francisco de Paula de Holanda
Cavalcanti de Albuquerque (Visconde de Albuquerque). Mas, encontrou oposição no
então Ministro da Fazenda Bernardo de Souza Franco sendo, por fim, a proposição de
empréstimo à Ponta D‘Areia aprovada, mas a emenda relativa a Todos os Santos não647.
Em 1858, outro acontecimento viria acentuar ainda mais os problemas da já
atribulada Todos os Santos: a morte do diretor do estabelecimento John Monteiro
Carson, que faleceu em Liverpool em 12 de julho daquele ano648, após 14 anos à frente
do estabelecimento. Carson fora substituído em suas atividades por Augusto Frederico
de Lacerda, filho de Antonio Francisco de Lacerda, primeiro engenheiro baiano,
diplomado pela Escola Superior de Engenharia do Rensselaer Polytechnic Institute, nos
Estados Unidos649, que administraria a fábrica por oito anos650. Augusto de Lacerda
havia se formado em engenharia em 1856, tendo trabalhado em uma fábrica de algodão

646
BN. HDB. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 37, n. 229, 23 de agosto de 1857. p. 1.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 22, n. 233, 24 de agosto de 1857. p. 1.
647
BN. HDB. Diario do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro). Ano 37, n. 229, 23 de agosto de 1857. p. 1.
Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 22, n. 233, 24 de agosto de 1857. p. 1.
648
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário João Monteiro Carson. Classificação –
05/2153/2622/11.
649
OLIVEIRA, Edgar Otacílio da Silva. Valença... op. cit. p. 79-80.
650
BRASIL. Relatorio da 2ª Exposição Nacional de 1866. 2ª parte. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1869. Disponível em:
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=coo.31924019972011;view=1up;seq=9. Acesso em: 14 de janeiro de
2019. p. 37.
197

em Holyoke, em Massachussets. Ele retornou ao país Brasil em 1858, aos 21 anos de


idade, possivelmente em virtude do falecimento de Carson651.
Um ano depois de ter reiniciado as atividades, a fábrica não apresentava sinais
de recuperação. O gigantesco empreendimento tinha capacidade, segundo os seus
proprietários, para produzir mais de dois milhões de metros de algodão anualmente, mas
fabricava apenas 700 mil, em virtude da falta de demanda. Conforme Antonio Pedrozo
de Albuquerque, apenas um terço da produção gerada pela fábrica era consumida pela
Bahia, enquanto os outros dois terços eram vendidos para outras províncias do Império,
o que acarretava despesas com fretes e comissões652.
Certamente impulsionada por tantas adversidades, em 1858, a fábrica foi
colocada à venda, tendo anúncios veiculados no Rio de Janeiro, onde o encarregado da
venda era o conselheiro Luiz Antonio Sampaio Viana653. As publicações procuravam
destacar a capacidade produtiva da Todos os Santos, declarando que seu maquinário
tinha capacidade de fabricar 6 mil varas (6.600 metros) de tecidos por dia. Elas também
mencionavam aspecto de grande valia para o nosso estudo, o primeiro registro explícito
que localizamos a respeito da existência de escravos no estabelecimento. Com base nos
anúncios, a Todos os Santos contava, em 1858, com 59 escravos ―do serviço da fábrica
e de suas dependências‖654 (Imagem 5).

651
Posteriormente, Augusto Frederico de Lacerda seria responsável pela construção do Elevador
Hidráulico da Conceição em Salvador, mais tarde conhecido como Elevador Lacerda. Além disso, se
casaria em segundas núpcias em Ubaldina Pedrozo de Albuquerque, sobrinha de Antonio Pedrozo de
Albuquerque. Cf.: OLIVEIRA, Edgar Otacílio da Silva. Valença... op. cit. p. 79-80. OLIVEIRA, Waldir
Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 40-43.
652
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura. Correspondência recebida
do conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1861, caderno 19.
653
D. PEDRO II. Viagem à Costa... op. cit. Paginação irregular.
654
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, n.os 154, 156 e 158, junho de 1858.
198

Imagem 5 - Anúncio de venda da Fábrica Todos os Santos, 1858

Fonte: BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, número 154, 8 de junho de 1858, p. 3.

Apesar de todos os contratempos pelos quais a fábrica passava, seu último


suspiro sob propriedade da firma Lacerda e Cia foi glorioso: em janeiro de 1860 ela
recebeu a ilustre visita de D. Pedro II655. Isso ratifica a influência político, econômica e
social que a sociedade Lacerda e Cia desfrutava na sociedade baiana no período. Vale
recordar que Antonio Pedrozo de Albuquerque foi, inclusive, um dos responsáveis por
organizar a recepção do Imperador em Salvador.
Em seu diário, D. Pedro II avaliou a Todos os Santos como um excelente
estabelecimento e deixou registros sobre sua estrutura e funcionamento naquele
período656. As rodas, assim como o maquinário da fábrica, principalmente as
provenientes dos Estados Unidos, agradaram-no. Segundo ele, a fábrica era movida por
duas rodas hidráulicas, ambas medindo 10 pés (3,3 metros) de raio. A primeira continha
16 pés (5,28 metros) de largura e gerava a queda da água a uma altura de 16 pés; com
força de 45 cavalos, trabalhava apenas com 30. A segunda, por sua vez, media 14 pés
(4,62 metros) de largura, gerando uma queda de 14 pés de altura, e possuía força de 35
cavalos, trabalhando, no entanto, com 20 (ou seja, também operando com potência
menor do que sua capacidade permitia). A respeito da produção, o Imperador registrou
que cada tear produzia uma vara de tecido em um intervalo de 10 a 15 minutos,
enquanto todos os 50 teares existentes produziam 4 varas (4,4 metros) de tecido por

655
D. PEDRO II. Viagem à Costa... op. cit. Paginação irregular.
656
Ibidem.
199

minuto. Sendo o total da produção diária da fábrica de 4 mil varas (4.400 metros) de
tecido657.
Enquanto isso, sobre a estrutura do complexo, ele registrou a existência de um
oratório, com a presença de um capelão; de uma botica, contendo um médico (o Dr.
Brito) e medicamentos básicos para demandas urgentes; e de um refeitório, onde eram
ofertadas as refeições para os trabalhadores. O Imperador relatou ainda a existência de
plantações de alguns gêneros no complexo (embora não tenha especificado quais), a
fabricação de carvão para uso doméstico, o aproveitamento da água para o torrador de
café (indício de que este era um dos gêneros ali produzidos), e a existência de boas
madeiras nos terrenos pertencentes à fábrica.
O monarca estimou que trabalhavam no estabelecimento naquela altura entre
200 e 300 operários, a maioria do sexo feminino. De acordo com ele, os operários eram
então separados pelo sexo e por aqueles que detinham filhos. Ademais, assinalou que as
mães tinham trabalho suspenso na fábrica. Registrou também aspectos da vida e do
cotidiano dos trabalhadores, indicando que a rotina a eles imposta (como a ocorrência
das aulas) não havia passado por modificações ao longo dos anos658.
A fundição também foi alvo de observação do Imperador. Agora ampliada, esta
última dispunha, entre outros equipamentos, de duas forjas de ferro e dois tornos,
capazes de abrir parafusos e fazer dentes em rodas, e de fundir peças de 1.200 libras
(cerca de 550 quilogramas). As informações apresentadas no Diário de D. Pedro II
ratificam o uso da mão de obra escrava na fundição, pois de acordo com ele tanto os
moldadores quanto os trabalhadores da fundição eram escravos que haviam aprendido o
ofício com estadunidenses659.
O emprego de mão de obra escrava na metalurgia era comum em alguns
estabelecimentos do Brasil no período, como verificado por Mario Danieli Neto e
Beatriz Piva Momesso para os casos, respectivamente, da fábrica de ferro São João de
Ipanema, em Sorocaba, na província da São Paulo, e na fundição da Ponta da Areia, em
Niterói, na província do Rio de Janeiro660. No caso da Todos os Santos, embora D.
Pedro II tenha afirmado que os escravos haviam aprendido as técnicas de fundição com
estadunidenses, estudando a Fábrica de Ferro São João de Ipanema, Danieli Neto

657
Ibidem.
658
Ibidem.
659
Ibidem.
660
Cf.: DANIELI NETO, Mario. Escravidão e indústria... op. cit. MOMESSO, Beatriz Piva. Indústria e
trabalho... op. cit.
200

chamou atenção para o fato de que o emprego de escravos na fundição de ferro e na


metalurgia poderia estar relacionado aos conhecimentos predecessores adquiridos em
algumas regiões do continente africano, onde estas atividades eram desenvolvidas há
muito tempo661.
Contudo, não passaram despercebidos ao Imperador os problemas que a fábrica
vinha enfrentando: a destruição da represa (que apesar de ter sido reconstruída
continuava apresentando problemas), a diminuição da demanda de produtos (tendo o
estabelecimento cerca de 200 contos em artigos acumulados em seu depósito) e a baixa
qualidade da matéria-prima empregada que, segundo ele, vinha com muito caroço e, por
isso, além de estragar o maquinário, resultava em um tecido de baixa qualidade.
Segundo ele, os proprietários haviam investido entre 800 a 900 contos no
estabelecimento, que gerava uma renda anual estimada entre 200 a 300 contos de réis. A
despeito disso, em virtude dos problemas que acometiam a fábrica, esta não estava
gerando dividendo para os sócios662. Tal como afirmou, havia o interesse de um
Sampaio Viana, cunhado de Lacerda por parte de sua mulher Angélica Michelina de
Sampaio Vianna, na compra da Todos os Santos. Mesmo que não tenha sido possível
confirmar este dado, é possível crer que se tratasse do mesmo Sampaio Viana
encarregado da venda da fábrica no Rio de Janeiro.
Em 26 de setembro de 1860, nove meses depois de a fábrica receber a visita do
Imperador, a firma Lacerda e Cia foi amigavelmente dissolvida, em virtude do interesse
de Antonio Francisco de Lacerda e John Smith Gillmer de deixarem a sociedade663.
Como vimos, a conjuntura desfavorável da segunda metade da década de 1850 havia
afetado outras atividades dos empresários, o que deve tê-los motivado a sair do
investimento. Ademais, a própria fábrica vinha passando por um período de
instabilidade. Antonio Pedrozo de Albuquerque afirmou que, naquela altura, ela estava
onerada por dívidas e prejuízos, causados tanto pelas consequências do desabamento da
represa quanto pelas obras de expansão, e agravados pelas reformas econômicas
imperiais e pela a crise comercial que a Bahia passava664.
A fábrica tornou-se, assim, propriedade individual de Antonio Pedrozo de
Albuquerque. A aquisição das partes dos demais sócios por ele não deve ter sido a

661
DANIELI NETO, Mario. Escravidão e indústria... op. cit. p. 44.
662
PEDRO II. Viagem à Costa... op. cit. Paginação irregular.
663
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço
4602. Fábrica Todos os Santos, 1883. Caderno 53.
664
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.
201

primeira opção de negócio dos membros da firma Lacerda e Cia. Vale recordar que
anúncios de venda da Todos os Santos foram publicados em periódicos do Rio de
Janeiro e da Bahia desde 1858, o que indica que os empresários devem ter encontrado
dificuldades para dela se desfazerem. Desta forma, é provável que diante da
impossibilidade de venda para outros agentes, a fábrica foi comprada pelo próprio
Pedrozo, conforme Antonio Francisco de Lacerda, único capaz de adquiri-la665.
Com a dissolução da firma, coube a Antonio Francisco de Lacerda o
recebimento dos ativos e o pagamento dos passivos da fábrica e um valor de
280:000$000rs. A Pedrozo, por sua vez, restou a estrutura da fábrica, incluindo prédios,
máquinas, embarcações e os 54 escravos ali existentes. Nada há de explícito no distrato
da firma sobre a parte competida à Gillmer com sua dissolução, mas há indícios de que
ele ainda fazia parte da sociedade naquela altura666.
Não nos parece, contudo, que Lacerda tenha ficado totalmente satisfeito com a
necessidade e condições de venda da Todos os Santos. Para ele, a fábrica foi adquirida
por Antonio Pedrozo de Albuquerque por um valor abaixo do seu preço667 (o que
ratifica a tese da dificuldade na venda). Ademais, como visto no capítulo 2, o
negociante despediu-se da sociedade com uma carta aberta destinada aos operários da
fábrica e reproduzida em periódicos na Bahia e no Rio de Janeiro, na qual fazia uma
série de acusações e questionamentos sobre as novas políticas de crédito e a reforma
bancária consolidadas na gestão do Ministro Silva Ferraz, que gerou grande polêmica na
Corte.
Assim, encerrava-se a primeira fase da fábrica Todos os Santos. Ao longo dos 16
anos que se passaram desde a fundação até a dissolução da firma Lacerda e Cia, período
no qual a fábrica foi instalada e administrada pela sociedade, observamos o surgimento
de um projeto bem estruturado e grandioso, inspirado nos padrões da Inglaterra e dos
Estados Unidos. Em sua segunda fase, sobre propriedade exclusiva de Antonio Pedrozo
de Albuquerque, a fábrica estaria expandida, mas manteria uma dinâmica muito
semelhante à da primeira fase de seu funcionamento, como veremos a seguir.

665
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 17, n. 277, 6 de outubro de 1860. p. 2.
666
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço
4602. Fábrica Todos os Santos, 1883. Caderno 53.
667
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 17, n. 277, 6 de outubro de 1860. p. 2.
202

5. 2. Segunda fase: A era Pedrozo (1860-1878)

Em 27 de setembro de 1860, um mês após a dissolução da firma Lacerda e Cia,


Antonio Pedrozo de Albuquerque tomou posse como proprietário individual da Todos
os Santos. O acontecimento foi permeado de cerimônias que envolveram desde grandes
nomes e amigos pessoais de Pedrozo, a exemplo de Francisco Gonçalves Martins, ex-
presidente da província da Bahia, e Antonio Pereira Franco, proprietário de terras na
região e seu provável associado no contrabando negreiro, até os operários do
estabelecimento668.
Foi acompanhado destes dois, Martins e Franco, que o capitalista chegou a
Valença no dia 27, a bordo do vapor Pedro II669. O Pedro II era uma das embarcações
pertencentes à segunda Companhia Baiana de Navegação, da qual, como vimos,
Antonio Pedrozo de Albuquerque e Francisco Gonçalves Martins eram sócios, e a qual
possuía uma linha regular para Valença670. Chegando à cidade, Pedrozo e seus amigos
seguiram para a Todos os Santos acompanhados do engenheiro Augusto de Lacerda,
então administrador do estabelecimento, para que a posse fosse efetivada671.
Pedrozo permaneceu na cidade por alguns dias, durante os quais deve ter
procurado se inteirar da situação na qual a fábrica se encontrava e participou de
festividades. Dois dias após sua chegada, houve celebração de dois casamentos entre
operários na capela da fábrica. Mais cinco deveriam ocorrer no dia 1 de novembro, data
de aniversário de fundação desta, e outros estavam sendo arranjados. Como vimos no
início deste capítulo, os arranjos matrimoniais entre operários da Todos os Santos eram
recorrentes desde o início de seu funcionamento. É possível crer que esta prática fosse
incentivada pelos proprietários do estabelecimento com objetivo de reter a força de
trabalho por meio da formação de vínculos familiares. Por outro lado, os trabalhadores
também poderiam ver certas vantagens nos casamentos, especialmente diante da
oportunidade de viver uma vida, em alguma medida, privada, em moradias individuais.
No dia 29, após a realização dos casamentos, no horário de jantar dos operários,
Pedrozo compareceu à fábrica e mandou que lhes fosse servido vinho. Nesta
oportunidade, ele e Francisco Gonçalves Martins proferiram discursos e Augusto de

668
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 240, 23 de outubro de 1860. p. 2. Sobre a
provável associação de Antonio Pedrozo de Albuquerque e Antonio Pereira Franco, ver capítulo 1.
669
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 240, 23 de outubro de 1860. p. 2.
670
Cf.: SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição... op. cit.
671
BN. HDB. Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 240, 23 de outubro de 1860. p. 2.
203

Lacerda fez a leitura da carta de despedida de seu pai. Além das já referidas críticas ao
Ministério da Fazenda, em tom paternalista, a carta buscava dar garantias aos
funcionários tanto da proteção de Pedrozo quanto da continuidade do funcionamento da
Todos os Santos672.
Treze anos após sua inauguração e dezessete anos após a formação da sociedade
Lacerda e Cia, em 1861, além da dissolução da firma, a fábrica já havia passado por
algumas transformações e melhoramentos físicos. Uma gravura da fábrica no século
XIX de autoria desconhecida, provavelmente de um período posterior às reformas de
meados da década de 1850, embora não contemple todo o complexo, colabora para a
visualização da infraestrutura ali existente no período (Imagem 6).

Imagem 6 - Gravura da fábrica têxtil Todos os Santos, século XIX

Fonte: OLIVEIRA, Edgar Otacílio da Silva. Valença: Dos primórdios a contemporaneidade. 2. ed.
Valença/ Ba: FACE, 2009. p. 79.

A Todos os Santos mantinha então a rotina e a disciplina dos trabalhadores de


forma muito semelhante à época da inauguração, com os arranjos matrimoniais, como
acima mencionado, e as aulas. Ademais, permanecia enfrentando alguns dos problemas
existentes no fim da sociedade, como a escassez e aumento no preço de algodão e as
dificuldades no transporte da matéria-prima673.

672
Ibidem.
673
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação –
07/3191A/06. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura. Correspondência
204

Conforme Antonio Pedrozo de Albuquerque, a fábrica havia tomado como base


de cálculo para produção o valor de 5$000rs por arroba de algodão e naquela
oportunidade a arroba custava 9$000rs, quase o dobro do preço inicialmente calculado.
Segundo ele, a despeito disto, o aumento do custo da produção não podia ser acrescido
sobre o preço de venda das mercadorias, possivelmente em virtude da concorrência de
tecidos estrangeiros. Por fim, a supressão da lei de 1849, relativa à cobrança de 2% de
impostos sobre os gêneros produzidos na Bahia enfardados em fazendas não fabricadas
na província, havia novamente aberto o mercado para a concorrência de artigos de
outras localidades, especialmente os estrangeiros, cujo preço era inferior ao das
mercadorias produzidas na Bahia674.
Em 1861, entre os quatro andares do edifício principal estavam distribuídos os
espaços onde eram realizadas as diferentes etapas do processo da produção, desde a
limpeza do algodão até a tecelagem: a sala dos batedores, a sala de cardar, a sala de fiar
e a sala de tecer (Quadro 6)675.

Quadro 6 - Setorização da produção na fábrica Todos os Santos, 1861.


Nº de Capacidade de
Espaço Fabricação Função
máquinas produção diária
Sala dos
6 Estados Unidos Limpeza 2.000 libras de algodão
Batedores
60 Estados Unidos Cardagem 2.600 libras de algodão
Sala de Cardar
22 - Estiragem -
Estados Unidos e
Sala de Fiar 22 Fiação 45.000 arrobas de fios
Inglaterra
135 - Tecelagem 6.230 varas de tecido
Sala de Tecer
- - Costura 250 sacos
Elaboração própria.
Fonte: BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.

A produção era iniciada na sala dos batedores, quando o algodão passava por um
processo de limpeza para a retirada de impurezas existentes na fibra. Para a realização
deste procedimento, existiam na Todos os Santos seis máquinas, todas provenientes dos
Estados Unidos, capazes de limpar duas mil libras (pouco mais de 900 quilogramas) de

recebida do conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de
tecidos Todos os Santos, 1861, caderno 19.
674
BN. HDB. Relatorio com que o excellentissimo senhor conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão
passou a administração da provincia da Bahia ao excellentissimo senhor conselheiro Antonio Coelho de
Sá e Albuquerque, em 30 de setembro de 1862. Bahia: Typ. de Antonio Olavo da França Guerra, 1862. p.
69.
675
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.
205

algodão por dia. Limpa, a fibra deveria ser preparada para a fiação. Era na sala de cardar
que este processo ocorria. Havia ali 60 cardas, também provenientes dos Estados
Unidos, das quais, em novembro de 1861, 40 estavam em operação. Cada uma das
máquinas tinha capacidade de produzir 40 libras (aproximadamente 18 quilogramas) de
algodão cardado por dia. As cardas escovavam a fibra do algodão, desembaraçando,
alinhando-a e removendo as impurezas que por ventura restassem. Na sala de cardar
também estavam instaladas 22 máquinas de estiragem de diferentes medidas, que
finalizam a preparação da fibra para a fiação676.
Só então o algodão era levado para a sala de fiar. Neste ambiente, havia 22
fiadeiras, 10 de fabricação inglesa e 12 de fabricação estadunidense. As fiadeiras
inglesas possuíam cada uma 200 fusos, cada fuso com capacidade de produzir 12
arrobas (ou 180 quilogramas) de fios por dia. As fiadeiras estadunidenses possuíam
cada uma 180 fusos, cada fuso com capacidade de produzir 10 arrobas (ou 150
quilogramas) de fios por dia. A Todos os Santos contava, naquela altura, com 4.160
fusos, capazes de produzir até 45.600 arrobas (ou 684 toneladas) de fios por dia. Vale
ressaltar que, de acordo com Antonio Pedrozo de Albuquerque, em 1861, mais mil
fusos recém-chegados da Europa estavam por ser instalados na fábrica, o que deveria
elevar ainda mais sua produção. Ainda na sala de fiar, parte dos fios era enrolada em
novelos. Este processo também era realizado por meio de máquinas capazes de produzir
até 500 libras (aproximadamente 226 quilogramas) de fios por dia. A outra parte era
enviada para a tecelagem677.
A produção era finalizada na sala de tecer. Nela, havia 135 teares, dos quais 65
estavam em operação em 1861. Estes produziam cerca de três mil varas (3.300 metros)
de tecido por dia. Desta forma, é possível estimar que, em sua totalidade, os teares da
Todos os Santos tinham capacidade de produzir 6.230 varas (cerca 6.800 metros) de
tecido por dia. Além dos teares empregados na confecção de tecidos, existiam na sala
de fiar máquinas de costura utilizadas na fabricação de sacaria, nas quais se produzia
250 sacos por dia678.
Ao todo, em 1861, a fábrica produzia seis diferentes mercadorias: dois tipos de
tecidos (um largo, com trama fechada, e outro estreito, com trama mais aberta), lona e
meia lona, além dos já mencionados fios em novelos e sacos. O tecido largo, indicado,

676
Ibidem.
677
Ibidem.
678
Ibidem.
206

entre outros, para confecção de roupas de escravos, lençóis e toalhas, era vendido a
$440rs a vara. O tecido estreito era indicado para a confecção de sacos, embora, em
virtude do seu preço inferior ($420rs a vara), também fosse utilizado para a confecção
de roupas. As lonas (consideradas de qualidade superior, mas pouco conhecidas no
mercado) eram vendidas a $800rs a vara e utilizadas para velas de embarcações.
Enquanto isso, as meias lonas eram comercializadas por $600rs a vara, e empregadas
tanto na fabricação de velas de embarcações quanto por lavradores para o transporte de
mercadorias679. Como é possível observar, a produção gerada pela fábrica no início da
década de 1860 havia se diversificado e o estabelecimento havia passado a produzir
tecidos de melhor qualidade, além dos iniciais panos para sacaria e roupa de escravos.
Todo o maquinário da fábrica era movido por quatro motores, duas grandes
rodas de madeira e duas turbinas de ferro. As rodas de madeira possuíam, cada uma, 22
pés (7,26 metros) de diâmetro. Sua envergadura e potência, porém, eram diferentes:
uma delas possuía 20 pés (6,60 metros) e potência de 20 cavalos e outra 16 pés (5,28
metros) de largura e potência de 15 cavalos. Já as turbinas possuíam 4 pés (1,32 metros)
de diâmetro e potência de 16 cavalos cada uma680.
Em relação à indústria têxtil do Reino Unido, o número de fusos da Todos os
Santos em 1861 estava muito abaixo da média por fábrica, que era de 10.443 na
Inglaterra e País de Gales, 11.751 na Escócia e 13.327 na Irlanda. Quanto aos teares, em
termos numéricos, a fábrica baiana se aproximava da média dos estabelecimentos
têxteis do Reino Unido, que era de 135 na Inglaterra e País de Gales, 185 na Escócia e
195 na Irlanda681.
Não deixa de chamar atenção a disparidade entre o número médio de fusos e
teares das fábricas têxteis do Reino Unido em comparação a Todos os Santos.
Tomemos, por exemplo, o caso da Inglaterra e País de Gales propriamente ditos. Como
acima mencionado, ali a média por fábrica têxtil era de 10.443 fusos e 135 teares em
1861. No mesmo ano, a Todos os Santos possuía 4.160 fusos e os mesmos 135 teares,

679
Ibidem. BRASIL. Relatorio geral da exposição nacional de 1861 e relatorios dos jurys especiaes,
colligidos e publicados por deliberação da Commissão Directora pelo secretario Antonio Luiz Fernandes
da Cunha. Rio de Janeiro: Typographia do Diario do Rio de Janeiro, 1862. p. 313. Disponível em:
http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/22502. Acesso em: 14 de janeiro de 2019.
680
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.
681
Segundo Karl Marx, em 1861, havia na Inglaterra e País de Gales 2.715 fábricas, com 28.352.125
fusos e 368.125 teares a vapor; na Escócia, 163 fábricas, com 1.915.398 fusos e 30.110 teares a vapor; e,
na Irlanda, 9 fábricas, com 119.944 fusos e 1.757 teares a vapor. Cf.: MARX, Karl. O Capital: Crítica da
economia política. Livro 1: O processo de produção do capital. 2. ed. E-book. São Paulo, Boitempo:
2017. Paginação irregular.
207

ou seja, menos da metade de fusos para o mesmo número de teares. Neste caso, a
discrepância entre o número de fusos e teares aponta para uma maior eficácia dos teares
empregados na indústria britânica em comparação aos da fábrica baiana. O dado não
surpreende, visto que nem mesmo os estabelecimentos do Norte dos Estados Unidos
possuíam a mesma dimensão e eficiência da pioneira indústria têxtil britânica no
período.
É possível crer que a capacidade de tecelagem da Todos os Santos fosse
significativamente maior. Como acima mencionado, em 1861 apenas 65 dos 135 teares
estavam em operação, ou seja, 4.160 fusos produzindo para 65 e não 135 teares. Neste
cenário, pode-se estimar que o total de teares da fábrica tinha capacidade de tecer a
produção gerada por 8.640 fusos, um número bastante expressivo. Ratifica esta hipótese
o fato de que, conforme Antonio Pedrozo de Albuquerque outros mil fusos estavam por
ser instalados no estabelecimento naquele ano.
Quanto aos Estados Unidos, em termos numéricos, a Todos os Santos
encontrava-se 12,7% abaixo da média geral de fusos nos estabelecimentos têxteis ali
existentes que, na década de 1860, era de aproximadamente 4.766. Quando esta
comparação é feita em relação às diferentes áreas geográficas do país norte-americano,
nota-se que o número de fusos da Todos os Santos era bastante inferior ao número
médio existente nos estabelecimentos têxteis da Nova Inglaterra que era de 6.667. Por
outro lado, o número de fusos da fábrica baiana era significativamente maior que a
média existente nos estabelecimentos têxteis nas outras áreas dos Estados Unidos, que
era de 2.941 nos estados do meio, 1.887 nos estados do Sul e 1.818 nos estados do
Oeste682.
Em 1861, chegaram a existir 250 trabalhadores internos livres de ambos os sexos
na Todos os Santos. Já em 1866, havia 200 destes683. Esse número era, sem dúvida,

682
De acordo com Melvin Thomas Copeland, em 1860, existiam nos Estados Unidos 1.091
estabelecimentos têxteis com 5.200.000 fusos. Em termos de distribuição geográfica, havia na Nova
Inglaterra 570 estabelecimentos e 3.800.000 de fusos; nos estados do meio, 340 estabelecimentos e
1.000.000 de fusos; nos estados do sul, 159 estabelecimentos e 300.000 fusos; e, nos estados do oeste, 22
estabelecimentos e 40.000 fusos. Na soma dos fusos, por meio da distribuição geográfica obtivemos como
resultado 5.140.000 fusos. No entanto, para calcular a média geral de fusos utilizamos os dados
fornecidos pelo o autor. Cf.: COPELAND, Melvin Thomas. The cotton manufacturing... op. cit. p. 6-8.
683
O relatório da Exposição Nacional dá conta de que existiam 400 trabalhadores livres no
estabelecimento em 1861. Cf. BRASIL. Relatorio geral da exposição nacional de 1861 e relatorios dos
jurys especiaes, colligidos e publicados por deliberação da Commissão Directora pelo secretario
Antonio Luiz Fernandes da Cunha. Rio de Janeiro: Typographia do Diario do Rio de Janeiro, 1862. p.
318. Disponível em: http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/22502. Acesso em: 14 de janeiro de
2019. BRASIL. Relatorio da 2ª Exposição Nacional de 1866. 2ª parte. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1869. Disponível em:
208

muito expressivo, mas não diz muito a respeito da eficiência do trabalho na produção
realizada no estabelecimento. Para isso, procuramos realizar um cálculo do número
médio de trabalhadores ali existentes por fusos. Quanto menor a proporção de operários
por fusos, ou melhor, quanto maior o número de fusos que um operário fosse capaz de
manusear, mais aperfeiçoado e eficiente era o maquinário de uma fábrica684. Vale
ressaltar que não foi possível definir se os dados levantados acerca da quantidade de
trabalhadores existentes na Todos os Santos neste período dizem respeito ao total de
trabalhadores livres existentes no complexo ou que ali habitavam, ou se esse número faz
referência apenas ao número de operários da fábrica de tecidos. Portanto, os cálculos
por nós realizados caracterizam apenas uma estimativa.
Dividindo-se o número de fusos existentes na Todos os Santos pelo número de
trabalhadores, obtém-se como produto 16,6 trabalhadores por fusos para o ano de 1861
e 20,8 para o ano de 1866. Em comparação com a média da indústria têxtil britânica
que, em 1866, era de 74685, a quantidade de fusos por operários da fábrica Todos os
Santos era significativamente inferior. A quantidade de fusos por operários da Todos os
Santos também era inferior à média geral dos Estados Unidos na década de 1860, que
era de 42, 6686. Por outro lado, havia um país cuja média da indústria têxtil a Todos os
Santos suplantava tanto em número quanto em eficiência: a França. Em 1866, as
fábricas têxteis deste país contavam em média com 1.500 fusos e aproximadamente 107
operários, num total de 14 fusos por operário687.
Antonio Pedrozo de Albuquerque afirmou que naquela altura os trabalhadores
empregados no complexo recebiam salários que podiam chegar a até 4$000rs diários,
segundo a ocupação e habilidade de cada um deles688. É possível crer que apenas um
pequeno número destes trabalhadores, os mais especializados, recebessem este valor.
Vale recordar que, para Francisco Gonçalves Martins, o sustento de um operário da
fábrica Todos os Santos era calculado em 15$000rs mensais e alguns trabalhadores
conseguiam exceder seus ganhos, além do valor mínimo para seu sustento, em até

https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=coo.31924019972011;view=1up;seq=9. Acesso em: 14 de janeiro de


2019.
684
MARX, Karl. O Capital... op. cit.
685
Ibidem.
686
Melvin Thomas Copeland aponta que, em 1860, existiam nos estabelecimentos têxteis dos Estados
Unidos 5.200.000 fusos e 122.028 empregados. Cf.: COPELAND, Melvin Thomas. The cotton
manufacturing... op. cit. p. 6; 11.
687
MARX, Karl. O Capital... op. cit.
688
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1876, caderno 30.
209

8$000rs689. Ou seja, somando-se o valor do sustento, mais o valor máximo excedente,


temos um ganho de 23$000rs mensais. A título de estimativa, se dividirmos este valor
por 20 dias de trabalho, obtemos como resultado um salário médio de 1$150rs diários,
quase um quarto do valor mencionado por Pedrozo. Ainda a título de comparação, em
1863, a fábrica de velas Luz Stearica no Rio de Janeiro pagava aos colonos que ali
trabalhavam um salário de 10$000rs mensais. Já o salário médio entre pedreiros na
Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, também no Rio de Janeiro, era, em
1866, de 3$000rs diários690.
Em 1861, havia na Todos os Santos, além dos trabalhadores internos livres,
outros empregados, cujo número não foi possível identificar, que exerciam atividades
externas à fábrica, e mais 50 escravos, destinados ao serviço do campo. Os
trabalhadores internos viviam em edifícios no entorno da fábrica, separados por sexo e
estado civil691. Existia também distinção do local de moradia entre os trabalhadores
livres e escravizados692.
Assim, embora tenha sido negligenciada pela historiografia até muito
recentemente693, a existência de escravos a serviço da fábrica aparece em alguns
registros sobre o estabelecimento, como no relato de D. Pedro II e no anúncio de venda
do estabelecimento. O ano de 1861 é, contudo, o único para o qual dispomos de
informações referentes aos trabalhadores livres internos e de escravos que atuavam na
Todos os Santos, dado que merece atenção. Naquele ano, como vimos, chegaram a
existir no estabelecimento 250 trabalhadores internos e 50 escravos.
As referências ao trabalho realizado pelos escravos na fábrica são diversas.
Segundo Fletcher (por votla de 1855) e D. Pedro II (1860), havia, respectivamente,
―negros‖ e/ou escravos trabalhando na fundição existente no complexo694; o anúncio de
venda da fábrica (1858), por sua vez, afirmava que os escravos eram ―do serviço da

689
BN. HDB. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 4 de julho de
1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849. p. 37.
690
LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer. Evolução dos preços e do padrão de vida no Rio de Janeiro, 1820-
1930 - resultados preliminares. In: Revista Brasileira de Economia. V. 25, n. 4. Janeiro, 1971. Disponível
em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rbe/article/view/67/6249. Acesso em: 31 de janeiro de
2020.
691
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.
692
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação
– 07/3191A/06.
693
A dissertação de Nilceanne Felício defendida em 2019 foi um dos primeiros trabalhos publicados, se
não o primeiro, a abordar a presença de escravos na fábrica Todos os Santos. Cf.: FELÍCIO, Nilceanne
Nogueira Lima. As fábricas têxteis do rio Uma... op. cit.
694
KIDDER, D. P.. FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros... op. cit. p. 229. D. PEDRO II. Viagem à
Costa... op. cit. Paginação irregular.
210

fábrica e de suas dependências‖695; enquanto isso, um panorama do estabelecimento


apresentado pelo Jornal do Commercio, em 1861, aponta que os escravos eram ―do
serviço do campo‖ 696; já o inventário de Antonio Pedrozo de Albuquerque (1878-1879)
evidencia que os escravos existentes na fábrica Todos os Santos eram da ―lavoura‖ 697;
por fim, o distrato da firma Lacerda de Cia (1860) não apresenta informações sobre o
trabalho que era realizado pelos escravos na fábrica698.
Neste sentido, além de trabalharem na fundição, os escravos deveriam executar
atividades pesadas e acessórias ao desenvolvimento da fábrica, como o cultivo das
plantações registradas pelo Imperador em sua visita. Como mencionado anteriormente,
na medida em que a produção têxtil ia se mecanizando, o uso da força física e, por
conseguinte, a presença masculina, ia se fazendo menos necessária. Ademais, é possível
crer que, dado a alta no preço dos escravos e ao aumento da demanda agrícola por esta
mão de obra no período, o sistema de emprego de aprendizes na produção têxtil fosse
mais viável.
Contudo, não podemos descartar totalmente a possibilidade de que os escravos
(em partes ou em sua totalidade) pudessem atuar também na produção têxtil. Embora,
segundo Soares, o ramo têxtil na formação social escravista do Sudeste fosse um dos
poucos setores manufatureiros a empregar apenas mão de obra livre699, de acordo com o
censo de 1872, do total de 6.471 operários do setor de tecidos na Bahia 929
(aproximadamente 14%) eram escravos700. Mesmo levando em consideração as
limitações do censo e que seus dados não sejam totalmente precisos, ele confirma que
escravos eram empregados na indústria têxtil na província, o que ratifica a hipótese de
que os cativos pertencentes à fábrica Todos os Santos poderiam também ser empregados
na produção de tecidos. As informações que dispomos para o ano de 1861 indicam que
16% dos trabalhadores existentes na fábrica eram escravos. Chama atenção que tal
porcentagem seja muito próxima da proporção de trabalhadores livres e escravos na
indústria têxtil na Bahia que aparece no Censo de 1872.

695
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, n.os 154, 156 e 158, junho de 1858.
696
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.
697
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação
– 07/3191A/06.
698
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço
4602. Fábrica Todos os Santos, 1883. Caderno 53
699
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 309.
700
IBGE. Recenseamento do Brazil em 1872. Disponível em: <: http//biblioteca.ibge.gov.br >. Acesso
em: 21 de fevereiro de 2020.
211

O número de escravos que a fábrica possuía era consideravelmente grande para


os padrões da região e, certamente, era mais um aspecto pelo qual a ela deveria se
distinguir. Em meados do século XIX, a média de cativos por proprietário para Valença
era de 4,7. Há indícios de que a média geral de cativos por proprietário vinha se
mantendo próxima dos 4,7 já há algum tempo nas localidades ao sul do Recôncavo,
onde a principal atividade econômica era a cultura da mandioca701. Segundo Stuart
Schwartz, em fins do século XVIII, a média de escravos para cada produtor de farinha
na região de Cairu – da qual Valença se integrava - era de 4,3, sendo que em raros casos
era possível encontrar senhores com mais que 15702.
Em nossa pesquisa de mestrado, analisamos 308 inventários post-mortem
referentes à vila/cidade de Valença para o período compreendido entre 1836 e 1866.
Destes, 228 (74%) tiveram escravos avaliados. Em mais da metade dos casos (122), os
proprietários detinham três ou menos escravos e apenas 7 possuíam mais de 20 cativos,
sendo a maior escravaria encontrada, pertencente a Braz Gonzaga de Souza (1862)
composta por 26 cativos, pouco mais que a metade dos escravos pertencentes à fábrica
Todos os Santos em 1861703.
O único ano para o qual obtivemos um perfil dos escravos existentes na fábrica é
o ano de 1879, em virtude da avaliação do estabelecimento, procedida durante a
realização do inventário de Antonio Pedrozo de Albuquerque (Quadro 7).
Naquela altura, a fábrica contava com 23 escravos. O diminuto número, em
comparação aos registros encontrados para anos anteriores, deve estar relacionado ao
encerramento da operação da Todos os Santos três anos antes, em 1876. Sendo assim,
com o seu fechamento, parte dos trabalhadores escravizados ali existentes,
especialmente os que detinham alguma especialização, devem ter sido vendidos para
outros proprietários. Isso explica o fato de todos os escravos ali existentes em 1879
trabalharem na lavoura, a despeito da menção em registros anteriores da existência de
escravos trabalhando, por exemplo, na fundição. Parte destes escravos pode ter sido
vendida, inclusive, na própria cidade de Valença, a instituições com a fábrica Nossa
Senhora do Amparo.

701
SANTOS, Silvana Andrade dos. Nos terrenos... op. cit.
702
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, Roceiros e Rebeldes. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 167.
703
SANTOS, Silvana Andrade dos. Nos terrenos arenosos e no infame comércio: os desdobramentos do
fim do tráfico transatlântico em Valença (Bahia, 1831-1866). Dissertação (Mestrado em História).
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2016.
212

Quadro 7 - Escravos pertencentes à fábrica Todos os Santos, 1879.


Local de Estado
Nome Idade Ocupação Preço (réis)
Nascimento Civil
Galdino Brasil 13 Solteiro Lavoura 600$000
Constança Brasil 15 Solteira Lavoura 700$000
Martinho Brasil 18 Solteiro Lavoura 1:400$000
Anastácia Brasil 22 Solteira Lavoura 1:000$000
Sebastião Brasil 25 Solteiro Lavoura 1:400$000
Rosanna Brasil 25 Solteira Lavoura 1:000$000
Águida Brasil 25 Solteira Lavoura 1:000$000
Paulo Brasil 39 Solteiro Lavoura 1:400$000
João Brasil 42 Solteiro Lavoura 1:200$000
Lucrécia Brasil 42 Casada Lavoura 900$000
Anna Joaquina Brasil 43 Solteira Lavoura 800$000
Fiel África 56 Solteiro Lavoura 1:400$000
Raymundo África 57 Solteiro Lavoura 1:200$000
Eduardo Brasil 57 Solteiro Lavoura 1:000$000
Macário África 57 Solteiro Lavoura 1:000$000
Matheos África 57 Viúvo Lavoura 1:000$000
Cezario África 57 Solteiro Lavoura 1:000$000
Enmiria Brasil 57 Solteira Lavoura 800$000
Lazaro África 60 Solteiro Lavoura 1:000$000
Salomão África 62 Solteiro Lavoura 1:200$000
Romão África 63 Viúvo Lavoura 800$000
Antonio África 63 Casado Lavoura 1:000$000
Honorato Brasil 63 Solteiro Lavoura 800$000
Elaboração própria.
Fonte: APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque.
Classificação – 07/3191A/06.

Dos escravos existentes na fábrica em 1879, 16 (69,6%) eram do sexo masculino


e 7 (30,4%) do sexo feminino. É possível que a predominância dos escravos do sexo
masculino sobre o sexo feminino estivesse relacionada ao tipo de ocupação destes
indivíduos. A respeito da existência de uniões entre os escravos da fábrica, nota-se que
quatro (17,4%) destes estavam ou haviam sido casados. Enquanto isso, os demais 19
213

(82,6%), mesmo os que estavam em idade avançada, como os velhos Honorato e


Salomão, este africano, aquele brasileiro, eram solteiros.
No que diz respeito a origem dos escravos, 14 (60,9%) nasceram no Brasil e 9
(39,1%) eram africanos. Mesmo que o número de escravos que nasceram no Brasil seja
maior do que os nascidos em África, a porcentagem de escravos africanos entre os
trabalhadores existentes na fábrica era significativamente alta. Nota-se ainda que todos
os africanos eram do sexo masculino. Assim, no conjunto dos escravos do sexo
masculino existente na fábrica Todos os Santos, em 1879, mais da metade (56,2%) eram
africanos. Neste sentido, mesmo se considerando que todos os africanos tenham idades
estimadas entre 56 e 63 anos, portanto, compatíveis com o período do tráfico legal, essa
amostra demonstra que o tráfico transatlântico de escravos teve grande importância para
a constituição da mão de obra da Todos os Santos, o que reforça a hipótese da existência
de profundos vínculos entre a fábrica e o comércio negreiro.
Em termos estruturais, em 1861, também faziam parte do complexo a fundição
de ferro e bronze e de oficinas de diversas especialidades, a exemplo de ferreiro,
moldista, carpina (com serras e plainas) e torneiro. Nestas oficinas, eram realizadas
todas as obras e produzidos todos os materiais necessários ao estabelecimento, o que
indica um elevado grau de autonomia da fábrica, dependente externamente apenas do
fornecimento de matéria-prima. Nelas, serviços externos, sob encomenda, também eram
prestados. Além dos espaços de trabalho, havia ainda no complexo edifícios destinados
à moradia dos trabalhadores, uma botica e uma capela704.
De acordo com Antonio Pedrozo de Albuquerque, em 1861 estava em
andamento ainda a construção de uma serraria e a realização de novos melhoramentos
estéticos e infraestruturais no complexo. Contudo, as fontes indicam que a fábrica
sofreu poucas modificações nos anos seguintes, tendo apenas oscilado o número de
trabalhadores nela empregados (Quadro 8).

704
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura. Correspondência recebida
do conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1861, caderno 19. BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20
de novembro de 1861. p. 1.
214

Quadro 8 – Evolução da fábrica têxtil Todos os Santos, segunda fase (1861-1879)

1861 1862-1865 1866 1868 1871 1876 1879


Trabalhadores livres 180-250 - 200 - 200 - -
Escravos 50 - - - - - 23
Motor hidráulico (HP) - - 128 - 128 100 -
Fusos 4.160 - 4.160 - 4.160 - -
Cardas 60 - 60 - 60 - -
Batedores 6 - - - - - -
Teares 135 - 136 - 136 - -
Produção tecidos/dia (m) 3.300 - 3.300 - 3.300 - -
Produção tecido/ano (m) - - 1.000.000 - - - -
Produção fios/ano (m) - - 70.000 - - - -
Principal origem da - - - - - Sergipe e -
matéria prima Alagoas
Destino da produção Bahia e Rio Bahia e Rio Bahia e Rio Bahia, Ceará - Pernambuco -
de Janeiro de Janeiro de Janeiro e Pernambuco
Capital - - - - 570:000$000 - -
Elaboração própria.
Fontes: BRASIL. Relatorio da 2ª Exposição Nacional de 1866. 2ª parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1869. Disponível em:
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=coo.31924019972011;view=1up;seq=9. Acesso em: 14 de janeiro de 2019. APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário
Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação – 07/3191A/06. Seção Provincial. Fundo: Governo da Província. Série: Agricultura. Correspondência recebida do conselho
administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos (1861, caderno 19; 1876, caderno 30). BN. HDB. Jornal do
Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1. A Constituição (Ceará). Ano 9, n. 107, 12 de julho de 1871. p. 3. Jornal do Recife
(Pernambuco). Ano 10, n.os 227, 235 e 256, outubro-novembro de 1868. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o ano
de 1862. Ano 19, série 2, n. 14. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1862. p. 530. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de
Janeiro para o ano de 1863. Ano 20, série 2, n. 15. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1863. p. 530 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e
Provincia do Rio de Janeiro para o ano de 1864. Ano 21, série 2, n. 16. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1864. p. 546. Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o ano de 1865. Ano 22, série 2, n. 17. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1865. p. 528. Almanak
215

Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o ano de 1866. Ano 23, série 2, n. 18. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert,
1866. p. 508.
216

A Todos os Santos detinha, no período, a primazia da produção de tecidos de


algodão no Brasil. Ainda em 1861, ela foi a única premiada com a medalha de ouro na
categoria Indústria Fabril e Manual, na I Exposição Nacional realizada no país705. Os
tecidos por ela apresentados na Exposição foram considerados pelo júri como de
excelente qualidade, especialmente as meias lonas, as quais, segundo eles, competiam
perfeitamente com os produtos estrangeiros. Assim, elas estiveram entre os itens
escolhidos para representar o Brasil na exposição Universal em Londres, em 1862706.
Naquele mesmo ano, um decreto de 27 de julho concedeu a fábrica o título de
Imperial707, honrarias que passou a estampar em seus anúncios nos anos seguintes
(Imagem 7) 708.

Imagem 7 - Anúncio de venda de artigo da Fábrica Todos os Santos, 1863

Fonte: BN. HDB. A Actualidade (Rio de Janeiro). Ano v, n. 532, 29 de setembro de 1863. p. 4.

Em 1866, a fábrica foi premiada pela segunda vez com medalha de ouro na II
Exposição Nacional do Brasil. Desta vez, dividiu o primeiro lugar com as fábricas Santo
Aleixo (inaugurada em 1849, pertencente José Antonio de Araujo Filgueiras e
localizada em Magé, no Rio de Janeiro,) e a Nossa Senhora do Amparo (inaugurada em

705
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 19, n. 73, 15 de março de 1862. p. 1; e n. 142, 24
de maio de 1862. p. 2. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de
Janeiro para o anno de 1863. Ano 20, série 2, n. 15. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert,
1863. p. 81
706
BRASIL. Relatorio geral da exposição nacional de 1861 e relatorios dos jurys especiaes, colligidos e
publicados por deliberação da Commissão Directora pelo secretario Antonio Luiz Fernandes da Cunha.
Rio de Janeiro: Typographia do Diario do Rio de Janeiro, 1862. p. 313. Disponível em:
http://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/22502. Acesso em: 14 de janeiro de 2019.
707
BN. HDB. Publicador Maranhense (Maranhão). Ano 21, n. 175, 4 de agosto de 1862. p. 2.
708
BN. HDB. A Actualidade (Rio de Janeiro). Ano 5, n. 532, 29 de setembro de 1863. p. 4. Correio
Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 18, n. 282, 16 de outubro de 1861. p. 4; Ano 20, n. 70, 12 de março de
1863. p. 4; Ano 21, n. 1, 1 de janeiro de 1864. p. 3.
217

1862, de propriedade de Madureira e Dutra, também situada em Valença, na Bahia)709.


A fábrica Todos os Santos superava suas duas principais concorrentes em número em
todos os quesitos, exceto na quantidade de fios produzidos anualmente, aspecto no qual
a fábrica Nossa Senhora do Amparo se sobressaía (Quadro 9).

Quadro 9 - Situação das três maiores fábricas têxteis do Brasil em 1866.


Todos os Santos Santo Aleixo N. S. do Amparo
Motor (HP) 128 25 30
Fusos 4.160 2.640 2.412
Teares 136 52 48
Trabalhadores livres 200 150 90
Produção tecidos/dia (m) 3.300 1.760 1.980
Produção de tecido/ano (m) 1.000.000 550.000 600.000
Fios fabricados por ano (m) 70.000 28.000 100.000
Valor da produção anual 570:000$000 350:000$000 450:000$000
Elaboração própria.
Fontes: BRASIL. Relatorio da 2ª Exposição Nacional de 1866. 2ª parte. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1869. Disponível em:
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=coo.31924019972011;view=1up;seq=9. Acesso em: 31 de janeiro de
2020. p. 36-42. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit.

A Todos os Santos era a maior fábrica do Brasil em meados da década de 1860,


mas não a mais eficiente, posto ocupado pela Nossa Senhora do Amparo. Em 1866,
enquanto na Todos os Santos a média era de 20,8 fusos por operários, na Nossa Senhora
do Amparo era de 26,8. Neste quesito, a Santo Aleixo ficava em última posição, com,
em média, 17,6 fusos por operários. Quanto à produção média diária de metros de
tecidos por tear, a Nossa Senhora também se sobressaía, com 41,25 metros, enquanto na
Santo Aleixo e na Todos os Santos, a média era de, respectivamente, 33,85 e 24,26
metros diários por tear.
Vale salientar que, conforme o júri da exposição, o maquinário da Todos os
Santos tinha capacidade de realizar o dobro da produção então em andamento. É
possível estimar, desta forma, que o estabelecimento tinha capacidade de produzir 6.600
metros de tecidos por dia, em uma média de 48,53 metros por tear, superior à da Nossa

709
BRASIL. Relatorio da 2ª Exposição Nacional de 1866. 2ª parte. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1869. Disponível em:
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=coo.31924019972011;view=1up;seq=9. Acesso em: 31 de janeiro de
2020. p. 40.
218

Senhora do Amparo e da Santo Aleixo. Contudo, a operação do estabelecimento


encontrava-se reduzida, em virtude da dificuldade de comercialização dos produtos710.
Em termos de variedade de produção, naquela altura a Todos os Santos fabricava
as já mencionadas lonas e meias lonas, tecidos riscados, fios em novelos, além de
tecidos diversos (próprios para roupa de escravos). Para o júri da II Exposição Nacional,
a qualidade dos tecidos por ela produzidos era comparável a dos importados e os
riscados eram semelhantes aos drillings produzidos nos Estados Unidos711. Assim, o
estabelecimento foi novamente indicado para participar da Exposição Universal que
seria realizada em Paris, em 1867712. Anos mais tarde, em 1874, a Todos os Santos
também participaria da Exposição Universal da Filadélfia713.
A premiação da fábrica nas Exposições Nacionais deve ter contribuído para o
aumento da popularização de seus artigos. Há registro da existência de um depósito de
produtos da Todos os Santos na Rua de São Pedro, 84, na Corte, entre 1862 a 1866714.
Vale recordar que este era o mesmo endereço onde Antonio Joaquim Maia, que fora
testemunha de Antonio Pedrozo de Albuquerque em sua matrícula na Junta do
Comércio em 1816, possuía um escritório no ano de 1824. O representante de vendas da
fábrica era João Pedrozo do Amaral Brandão, sobrinho de Antonio Pedrozo de
Albuquerque715, único agente autorizado na Corte a vender produtos da fábrica (Imagem
6).
No depósito, eram vendidos panos de algodão trançado de diferentes larguras,
sacos, lona larga e meia lona, fio torcido e fio simples de várias espessuras, indicados
para fabricação de roupas de escravos, sacaria, lençóis, toalhas e velas de pequenas
embarcações. As mercadorias da Todos os Santos parecem ter se popularizado na Corte
a tal ponto que existiam mesmo pessoas anunciando a venda de tecidos produzidos por

710
Ibidem. p. 37.
711
Ibidem. p. 37.
712
BN. HDB. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 25, n. 202, 23 de julho de 1868. p. 3.
713
BN. HDB. Diario de Pernambuco (Pernambuco). Ano 1, n. 61, 15 de março de 1874. p. 2.
714
BN. HDB. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro
para o anno de 1862. Ano 19, série 2, n. 14. Rio de janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1862. p. 530.
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de
1863. Ano 20, série 2, n. 15. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1863. p. 530. Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno bissexto de
1864. Ano 21, série 2, n. 16. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1864. p. 546 Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1865. Ano
22, série 2, n. 17. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1865. p. 528. Almanak Administrativo,
Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1866. Ano 23, série 2, n.
18. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1866. p. 508.
715
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Testamento de Antonio Pedroso de Albuquerque.
Classificação: 01/03/125/02.
219

outros estabelecimentos como sendo da fábrica716. Já em 1868, os produtos desta


estavam sendo comercializados no Ceará, tendo como agente John William Studart
(comerciante e primeiro vice-cônsul britânico na província, pai de Guilherme Chambly
717
Studart, Barão de Studart, considerado percursor da historiografia cearense) e, em
Pernambuco, por Joaquim José Gonçalves Beltrão718.
É possível estimar que o meado da década de 1860 foi o auge do
desenvolvimento da Todos os Santos (Apêndices 3, 4, 5 e 6). Levando em conta a
adoção de tarifas liberais pelo governo imperial e, por conseguinte, ao provável
aumentado na importação de tecidos estrangeiros, é possível crer que no início da
década de 1860 a fábrica tenha diversificado a sua produção procurando se tornar mais
competitiva no mercado brasileiro. Por outro lado, com o desenrolar da Guerra do
Paraguai a fábrica deve ter ganhado um impulso positivo, visto que, dado as despesas
com o conflito, o governo teve que aumentar a arrecadação e, sendo que a alfândega era
uma das principais fontes de renda do Império brasileiro, as tarifas alfandegarias foram
elevadas, encarecendo mais uma vez os produtos estrangeiros e favorecendo a fábrica
baiana. Ademais, durante a guerra, o governo retomou a política monetária emissionista,
o que aumentou o meio circulante e favoreceu a concessão de crédito aos
empresários719. Por fim, no âmbito externo, a guerra de secessão dos Estados Unidos
estimulou a produção algodoeira no Brasil, o que deve ter favorecido em alguma
medida as fábricas têxteis do próprio país720.
No início da década de 1870, a Todos os Santos ainda era considerada a maior
fábrica do Império721 e sua produção anual era estimada em 570:000$000rs722. Sua

716
BN. HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 38, n. 188, 9 de julho de 1863. p. 3.
717
Cf.: BN. HDB. O Cearense (Ceará). Ano 23, n.os 2.750, 2.751, 2.753, 2.757, 2.760, 2.763, novembro
de 1868. Ver também: OLIVEIRA, Raimundo Eufrásio de. Centenário da morte de John William Studart.
In: Revista do Instituto do Ceará. Ano 42, 1978. Disponível em
https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1978/1978-
CentenarioMorteJohnWilliamStudart.pdf . Acesso em: 10 de fevereiro de 2020. GIRÃO, Raimundo.
Barão de Studart e a historiografia cearense. In: Revista do Instituto do Ceará: 1º. Centenário de
nascimento do Barão de Studart. Tomo especial de 1956. Disponível em:
https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1956TE/1956TE-
BaraoStudartHistoriografiaCearense.pdf. Acesso em: 10 de fevereiro de 2020.
718
BN. HDB. Jornal do Recife (Pernambuco). Ano 10, n.os 227, 235 e 256, outubro-novembro de 1868.
719
. VILELA, André. Política tarifária... op. cit. p. 42. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na
formação... op. cit. p. 156. SAMPAIO, José Luís Pamponet. A evolução de uma empresa... op. cit. p. 24.
STEIN, Stanley. Origens e Evolução... op. cit. p. 31
720
STEIN, Stanley. Origens e Evolução... op. cit. p. 32.
721
BN. HDB. Falla com que o excelentíssimo senhor dezembargador João Antonio de Araujo Freitas
Henriques abrio a 1.ª sessão da 19.ª Legislatura da Assembléa Provincial da Bahia em 1.º de março de
1872. Bahia: Typographia do ―Correio da Bahia‖, 1872. p. 131.
722
BN. HDB. A Constituição (Ceará). Ano 9, n. 107, 12 de julho de 1871. p. 3
220

aparência estável não resistiria, porém, à nova conjuntura econômica imperial. Em


primeiro lugar, houve no período uma revisão dos impostos adicionais sobre
importações adotados durante a Guerra do Paraguai. Posteriormente, nos anos de 1874 e
1875, a nova reforma tarifária, implantada na gestão do Ministro José Maria da Silva
Paranhos, reduziu as taxas de sobre tecidos de algodão cru liso, levando ao aumento das
importações destes produtos, o que se demonstrou extremamente prejudicial às fábricas
têxteis do país. Já em 1875, a nova crise econômica mundial, iniciada em 1873, atingiu
o Brasil levando à falência de uma série de estabelecimento bancários e,
consequentemente, à diminuição da oferta de crédito redução e meio circulante,
abalando de crédito e os estabelecimentos industriais existentes723.
Esta mudança de conjuntura afetou diretamente os estabelecimentos têxteis do
país724, e não foi diferente com a Todos os Santos. Em 1875, a fábrica produziu
1.100.000 metros de tecidos, o equivalente a quase um terço de toda produção gerada
pela da província naquele ano, calculada em 3.466.825 metros725. No entanto, de acordo
com Antonio Pedrozo de Albuquerque, de 1874 a 1876, a produção fora se acumulando
e a atividade da fábrica teve que ir gradativamente diminuindo.
No início de 1876, o estabelecimento dava sinais de decadência, produzindo
apenas algodão trançado (indicado principalmente para a fabricação de sacos, mas
também para roupas de escravos e das classes mais pobres) e fios de algodão (indicado
para o fabrico de redes e velas)726. Em 1 de agosto de 1876, a Todos os Santos foi
fechada e os operários foram demitidos727. Em novembro daquele ano, Antonio Pedrozo
de Albuquerque autorizaria por meio de procuração Augusto Frederico de Lacerda, ex-
administrador da Todos os Santos, a realizar um inventário dos bens ali existentes.
Ademais, concederia permissão a Augusto de Lacerda para administrar o
estabelecimento enquanto este estivesse parado, assim como receber os jornais dos
escravos que estivessem no ganho e dirigir os serviços dos que ali permanecessem728.
Pedrozo atribuía a decadência do estabelecimento a uma série de fatores: a falta
de proteção dirigida pela Assembleia Provincial à indústria manufatureira da Bahia; a

723
VILELA, André. Política tarifária... op. cit. p. 43. SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação...
op. cit. p. 157. SAMPAIO, José Luís Pamponet. A evolução de uma empresa... op. cit. p. 25.
724
SOARES, Luiz Carlos. A manufatura na formação... op. cit. p. 182. v. 2.
725
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 47.
726
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1876, caderno 30.
727
Ibidem.
728
OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial Cidade de Valença... op. cit. p. 44.
221

dificuldade de venda de produtos e a competitividade do mercado, que oferecia panos


de qualidade e preços inferiores; além do fechamento do mercado de Pernambuco para
sacaria produzida em outras províncias do Império729. Em 1878, com seu falecimento, a
propriedade passaria então a pertencer a seu filho730.
As avaliações realizadas em virtude da abertura do inventário de Pedrozo,
realizadas em 1879, fornecem um último retrato do complexo existente em torno da
Todos os Santos. Naquela altura, existiam ali sete sobrados, nos quais estavam
estabelecidos: (1) a fábrica Todos os Santos; (2 e 3) dois anexos, um à fábrica e um à
casa de teares; (4) o motor hidráulico e um depósito de tecidos; (5) a serraria; e (6 e 7)
duas moradias para os operários, separadas por sexo. Dezessete casas térreas onde
estavam alocados: (1) o escritório e (2) o armazém; (3) os teares; (4) o tin e a caldaria a
vapor; (5 a 16) doze moradias para os operários casados; e (17) uma casa contigua a
moradia dos operários, cujo emprego não foi especificado. Dois edifícios onde estavam
instalados, no primeiro, a fundição de ferro, a oficina de carpina e o armazém de moldes
e ferragens; e, no segundo, a tenda de ferreiro, o depósito de ferragens, as senzalas e a
enfermaria de escravos solteiros. Dez senzalas, moradia dos escravos casados, assim
como outros dois espaços, onde se encontravam a cozinha e seus anexos e um forno de
padaria. Quatro pontes: duas de alvenaria, uma das quais dava acesso à fundição; uma
coberta com pavimento; e uma de madeira, que dava acesso à moradia dos casados.
Além de uma estrebaria e um forno para carvão731.
O complexo contava ainda com uma mesa de pedra, contendo alvenaria e cinco
portões. Dois aquedutos de alvenaria: um principal, com nove portões, possivelmente
utilizado na fábrica de tecidos, e outro da fundição. Três turbinas: a primeira, feita de
bronze, com condutor de água feito de ferro batido e madeira, com força de 80 cavalos,
que movia todo o maquinário do sobrado principal da fábrica; a segunda, feita de bronze
com caixa de água de madeira, com força de 20 cavalos, que movia os teares; a terceira,
feita de ferro fundido, tendo caixa de água também de madeira, por sua vez, movia as
oficinas de carapinas, maquinistas e ferreiros, e tinha força de 10 cavalos. Dois
carneiros hidráulicos, que forneciam, por meio de encanamentos de ferro e chumbo,
água potável aos sobrados da fábrica e à moradia das operárias de sexo feminino. Um

729
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura.Correspondência recebida do
conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1876, caderno 30.
730
APEB. Seção Judiciária. Série Inventários. Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação
– 07/3191A/06.
731
Ibidem.
222

elevador hidráulico sobre a primeira cachoeira do Rio Una, contendo 17 metros de


comprimento e 2 metros de largura. E um trapiche localizado abaixo da primeira
cachoeira do Rio Una, na margem setentrional732. Toda a estrutura e maquinário foram
avaliados em mil contos de réis. Além destes, o complexo contava com 23 escravos,
anteriormente mencionados, avaliados no total em 23:600$000rs.
Em 1883, a fábrica foi vendida, incluindo todo maquinário e terrenos, por
Antonio Pedrozo de Albuquerque Filho para Moreira, Oliveira e Companhia,
encerrando assim a trajetória da fábrica Todos os Santos e dando início ao que viria se
tornar a Companhia Valença Industrial733.

5. 3. Considerações parciais

A Todos os Santos importou dos modelos das fábricas têxteis da Inglaterra e,


principalmente, dos Estados Unidos infraestrutura e maquinário. Quanto aos dois
primeiros, a despeito de apresentar dimensão e eficiência inferiores à da indústria têxtil
britânica, ela equiparava-se à média das suas congêneres dos Estados Unidos e do
México na década de 1840. Na década de 1860, superava a dimensão e eficiência destes
estabelecimentos no sul dos Estados Unidos e na França.
Apesar das oscilações provocadas por inúmeros fatores, como problemas quanto
ao fornecimento de matéria-prima, a comercialização de mercadorias, mudanças nas
políticas econômicas imperiais e crises internacionais, a fábrica apresentaria uma
tendência ascendente em seus primeiros anos de funcionamento. Menos de uma década
após sua inauguração, ela passou por reformas e expansão. Até meados da década de
1860, a despeito da dissolução da sociedade Lacerda e Cia, diversificou sua produção.
No início da década de 1870, após seu ápice, a Todos os Santos entrou em decadência.
É possível crer que a própria dimensão do estabelecimento, assim como o aumento e a
diversificação da produção foram decisivos para a forma com que ela fora impactada
negativamente por elementos externos.
No que diz respeito à mão de obra, a Todos os Santos também importou o
regime de trabalho empregado nas fábricas dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha:

732
Ibidem.
733
APEB. Seção Provincial. Fundo Governo da Província. Série Agricultura. Correspondência recebida
do conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos
Todos os Santos, 1883, caderno 42.
223

majoritariamente jovens, órfãos, mulheres, sujeitos a mais de 14 horas de trabalho por


dia, além de uma rotina de atividades extras, e habitando alojamentos existentes no
próprio estabelecimento. Mas, antes de tudo, juridicamente livres. Para a sociedade
brasileira escravista oitocentista, sem dúvidas, um grande avanço. Este dado era
intencionalmente enaltecido em anúncios dos produtos por ela fabricados veiculados em
periódicos em diversas partes Brasil, bem como pelos visitantes que passaram pelo
estabelecimento, e ainda hoje permeia os discursos sobre sua história.
Aqueles mesmos documentos históricos, com muito menos ênfase, deixaram
escapar, como em um ato falho, não só os limites desta liberdade, como o trabalho não
remunerado dos órfãos, mas também o próprio emprego do trabalho escravo no
complexo. Eles também apontam como o próprio surgimento da fábrica e seu bom
funcionamento dependiam das demandas oriundas do regime escravista, demonstrando
como ambos caminhavam lado a lado.
224

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em meados de 1850, durante sua estadia na Bahia, o missionário estadunidense


James Cooley Fletcher visitou a Todos os Santos. Situada na cidade de Valença, a
fábrica era, naquela altura, o maior estabelecimento têxtil do Império e foi por ele
considerada como ―A mais bela fábrica do Brasil — e talvez da América do Sul‖. Antes
de conhecer a Todos os Santos, mas já tratando desta em suas anotações, o missionário
escreveu: ―O comércio da Bahia sofreu algum tanto com a supressão do tráfico dos
escravos; mas já vai progredindo aos poucos por meios mais legítimos [...]‖734.
Não deve ser coincidência o fato de que o comentário de Fletcher tenha sido
registrado no início do relato de sua ida a Valença e de sua visita a Todos os Santos,
mas, pelo contrário, é uma evidência da associação entre a fábrica e o tráfico
transatlântico. Embora tenha havido um silenciamento por parte de alguns setores a
respeito da existência do contrabando negreiro e da participação de grandes vultos do
cenário socioeconômico do Império no crime, não devia passar despercebido para a
sociedade da época que a fábrica havia sido estabelecida em um local onde ocorreram
desembarques do contrabando, assim como o fato de que os proprietários estiveram nele
envolvidos em diferentes escalas e esfera. Aparentemente, até mesmo os proprietários
da fábrica tinham consciência desta associação e da necessidade de dissociar este ―meio
mais legítimo‖ de comércio do ―ilegítimo‖ contrabando de almas, propagando nos
anúncios de produtos desta o emprego exclusivo de mão de obra livre no
estabelecimento, a despeito deste também empregar mão de obra escrava.
Entre a visita de Fletcher e a redação desta tese, quase dois séculos se passaram.
Ao longo deste período, pouco restou na memória coletiva dos moradores de Valença,
bem como de tantos outros que escreveram e ouviram falar sobre a fábrica Todos os
Santos, a respeito da relação desta com o sistema escravista e com o contrabando
negreiro. Majoritariamente, ela foi abordada em textos e depoimentos como uma fresta
de progresso em meio aos atrasos da sociedade escravista. Nas poucas vezes em que a
participação dos proprietários da fábrica Todos os Santos no tráfico transatlântico, por
exemplo, foi mencionada, a informação apareceu de forma periférica, como se não
tivesse existido qualquer relação entre ambos.

734
KIDDER, D. P.. FLETCHER, J. C. O Brasil e os brasileiros... op. cit. p. 226.
225

Em grande medida, os discursos difundidos sobre a ausência de relações


escravistas na Todos os Santos devem estar relacionados com a ideia por muito tempo
perpetuada e ainda hoje recorrente, especialmente no senso comum, da
incompatibilidade entre escravidão e indústria. Desta forma, a própria premissa
sustentava o discurso: a suposta ausência de relações escravistas é o que tornava a
fábrica o maior estabelecimento têxtil do Brasil no século XIX, porque a escravidão
representava um atraso e não poderia fornecer as condições para o desenvolvimento de
um estabelecimento fabril de tamanho porte. O que procuramos demonstrar neste
trabalho foi que, justamente ao contrário, o sistema escravista, por meio da oferta de
capitais e da própria demanda por produtos manufaturados, entre outros, em uma época
em que a mão de obra escrava deveria ser concentrada na agricultura, forneceu as bases
para o surgimento e deu sustento a Todos os Santos.
Na medida em que abordamos a trajetória dos sócios da firma Lacerda e Cia,
constatamos que capitais oriundos do contrabando negreiro foram sendo gradativamente
reaplicados em outras atividades, num processo de diversificação de investimentos,
dentre os quais destacamos neste estudo a indústria têxtil. Além disso, o caso da Todos
os Santos, aqui abordado, evidencia a complexidade deste processo, em virtude da
presença de três negociantes com trajetória distintas, mas conectadas.
Oriundos de diferentes lugares, Antonio Francisco de Lacerda, Antonio Pedrozo
de Albuquerque e John Smith Gillmer estiveram envolvidos em diferentes escalas e
esferas no contrabando negreiro. Pedrozo, um contrabandista habitual, iniciou sua
participação na atividade enquanto o tráfico ainda era uma atividade lícita, a despeito de
infringir a legislação brasileira, abastecendo seus negreiros ao norte da linha do
Equador. Enquanto isso, Antonio Francisco de Lacerda, assim como parece ter feito
com relação a diferentes atividades em que investiu, participava de forma especulativa
no contrabando, nele ingressando e saindo, de acordo com oscilações do mercado. John
Smith Gillmer, por sua vez, participou do tráfico ilegal tanto organizando expedições
negreiras quanto fretando e vendendo embarcações de fabricação estadunidense para os
contrabandistas, aspecto de extrema relevância para a continuidade do crime no Brasil.
Como procuramos demonstrar ao longo deste trabalho, a atuação no contrabando
negreiro deve ter sido o elo de formação desta rede que incluía ainda o engenheiro John
Monteiro Carson, além de outros agentes indiretamente ligados à trajetória da fábrica
Todos os Santos, como Francisco Gonçalves Martins.
226

A participação no contrabando negreiro na primeira metade do século XIX fora


apenas uma das faces dos negócios realizados por estes indivíduos que, de modo
concomitante, também atuavam na esfera legal do comércio de grosso e no transporte de
passageiros e mercadorias, entre outros. A despeito de querelas pontuais existentes, por
exemplo, entre John Smith Gillmer e as autoridades estadunidenses no Brasil sobre sua
participação no crime, os membros na sociedade Lacerda e Cia não tiveram problemas
em se inserir nos principais círculos da sociedade e da política baiana oitocentista. Vale
lembrar, por exemplo, que enquanto atuava ativamente no contrabando negreiro
Antonio Pedrozo de Albuquerque fora eleito provedor da Santa Casa de Misericórdia da
Bahia. Já John Smith Gillmer, receberia o cargo de Cônsul dos Estados Unidos da
Bahia, como ―punição‖ por sua atuação no tráfico ilegal. Ademais, ambos, além de
Antonio Francisco de Lacerda, participaram ao longo de toda a sua vida em uma série
de comissões organizadas, por exemplo, pelo governo da província.
Quando se uniram em sociedade, em meados da década de 1840, período em que
se acirrava a pressão pelo fim do contrabando negreiro para o Brasil, Antonio Francisco
de Lacerda, Antonio Pedrozo de Albuquerque e John Smith Gillmer estavam em
diferentes momentos de sua atuação no crime. É possível, por exemplo, que Antonio
Pedrozo de Albuquerque tivesse encerrado sua participação, enquanto John Smith
Gillmer estava provavelmente no auge de sua atuação no contrabando. A opção pelo
primeiro investimento realizado na indústria têxtil deve ter ocorrido em virtude da
conjuntura a favor tanto nacional quanto internacionalmente, pela disponibilidade de
capitais, técnica e tecnologia e existência de uma demanda.
Como vimos, a sociedade Lacerda e Cia importou, da Inglaterra e dos Estados
Unidos da América, para a fundação da fábrica Todos os Santos todo o modelo
infraestrutural e maquinário, além de mão de obra especializada de um engenheiro,
mestres operários e o próprio regime de trabalho. Durante toda a sua existência, a
fábrica fora o maior estabelecimento têxtil do Império, equiparando-se na década de
1840 a média do México e dos Estados Unidos, e superando em tamanho e eficiência na
década de 1860 a média do sul dos Estados Unidos e da França. O fato de a fábrica
Todos os Santos ter sido menor e menos eficiente do que a média de suas congêneres de
outras regiões, cujo desenvolvimento industrial antecedia em décadas o do Império do
Brasil, com a Inglaterra e o norte dos Estados Unidos, não deve ofuscar o fato de que
ela fora um dos mais modernos empreendimentos industriais que a sociedade escravista
brasileira foi capaz de produzir dentro de suas especificidades naquele período.
227

Se, por um lado, a atuação no contrabando não parece ter comprometido a


imagem dos sócios da Lacerda e Cia, por outro, sua profunda inserção na elite política,
econômica e social da Bahia fora uma grande aliada no rumo dos seus negócios. Basta
lembrar como em diversas circunstâncias diferentes políticos nas esferas provincial e
imperial interferiram em favor da sociedade, por exemplo, desde o princípio, no conflito
de interesses com a Câmara Municipal de Valença, relativo ao aforamento dos terrenos
onde a fábrica seria edificada, e nos pedidos de privilégios e empréstimos feitos à
fábrica ao longo de sua existência. Essa inserção também deve ter contribuído para o
agenciamento da mão de obra para a fábrica na Casa Pia e Comércio de Órfãos de São
Joaquim, feita por Antonio Francisco de Lacerda, e na Santa Casa de Misericórdia da
Bahia, provavelmente mediada por Antonio Pedrozo de Albuquerque; e na
comercialização de seus produtos, como vimos, por meio da interferência do ex-
presidente da província da Bahia, Francisco José de Sousa Soares de Andréa, na
aquisição de mercadorias fabricadas na Todos os Santos pela província do Rio Grande
dos Sul.
Após o investimento na fábrica Todos os Santos, Antonio Francisco de Lacerda,
Antonio Pedrozo de Albuquerque e John Smith Gillmer continuaram diversificando os
investimentos em companhias de navegação, companhias de colonização, bancos e
estradas de ferro, entre outras atividades que majoritariamente contaram com o apoio do
governo provincial e tiveram um papel relevante na província da Bahia. Aparentemente
desconexos, ao analisarmos a atuação destes investimentos em conjunto, verifica-se
como eles estavam integrados entre si, como o algodão, matéria-prima da Todos os
Santos, que deveria ser plantado na área cedida à Tram Road Paraguassú, e as
companhias de navegação a vapor, que atuavam em áreas fornecedoras da matéria-
prima e consumidoras das mercadorias produzidas pela fábrica.
O investimento na indústria fabril e em atividades econômicas emergentes no
setor terciário e secundário da economia brasileira oitocentista, não implicou no
abandono de práticas e outros negócios escravistas pelos sócios da firma Lacerda e Cia,
ao contrário, a despeito de possíveis conflitos de interesses existentes entre indústria e
agricultura, por exemplo, em relação às tarifas alfandegárias, eles deveriam ser
completamente convergentes. Como vimos, Antonio Pedrozo de Albuquerque,
considerado pelos seus contemporâneos como primeiro capitalista do norte do Império,
quando morreu, uma década antes da abolição da escravidão, possuía ações em bancos e
companhias de seguros, títulos do governo português e da dívida pública brasileira, ao
228

mesmo tempo em que era proprietário de cinco grandes engenhos (alguns dos quais
empregavam energia a vapor) e mais de 500 escravos.
Os casos da Todos os Santos e de seus proprietários exemplificam alguns dos
inúmeros investimentos realizados por contrabandistas e escravistas no
desenvolvimento industrial Brasil, bem como explicitam como indústria e escravidão
estavam perfeitamente articuladas na sociedade brasileira oitocentista. Isso evidencia
como o enaltecimento de figuras como o Visconde de Mauá serve tão somente para
reforçar o estereótipo de uma suposta incompatibilidade entre escravidão e indústria e
para perpetuar o silenciamento do que deve ter sido o padrão da sociedade brasileira no
oitocentos: a atuação de escravistas na indústria.
De certa forma, seria alívio concluir que o discurso construído em torno da
Todos os Santos é uma exceção na sociedade brasileira e que, com a redação desta tese,
não houvesse mais nada para ser dito. Seria reconfortante pensar que sabemos quem
foram e que conhecemos a trajetória dos criminosos que roubaram milhares de homens,
mulheres e crianças do continente africano e os arrastaram para o Brasil; e olhar para
muitas instituições que existiram e ainda existem e reconhecer, não sem pesar, que suas
origens remetem ao contrabando negreiro e ao sistema escravista.
No entanto, infelizmente, o caso da Todos os Santos representa uma regra.
Mesmo que uma geração de pesquisadores venha buscando cada vez mais trazer à tona
trajetórias de contrabandistas negreiros, sua inserção e, não raras vezes, prestígio no
Império e sua herança na sociedade brasileira contemporânea, ainda há muito trabalho a
ser feito. Quantos Antonios e Joões permanecem desconhecidos, escondidos por
quantas fachadas de Todos os Santos?
229

FONTES

Arquivo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia

- Livro 7º de Termos de Irmãos, nº 07 (1834 - 1863).


- Livro 1º das Actas da Mesa. 1790-1860.

Arquivo Nacional

- Fundo 7x. Coleção Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 423,
v 3. Fábrica de fiação e tecidos. Comarca de Valença, Bahia. Proprietário Lacerda e Cia.
1848-1849.
- Fundo 7x. Coleção Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Série
Fábricas. Códice 171, volume 1. Termo de juramente deferido a Antonio Joaquim Maia,
e João Alvares da Silva Porto, testemunhas oferecidas por Antonio Pedrozo de
Albuquerque.
- Fundo Graças Honoríficas. Albuquerque, Antonio Pedroso D/‖ e outros.

Arquivo Público do Estado da Bahia

Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Série Administração.

- Juízes. Correspondência recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629.


Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença ao Presidente da Província.
Valença, 28 de fevereiro de 1844.
- Juízes. Correspondência recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629.
Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença ao Presidente da Província.
Valença, 9 de agosto de 1845.
- Juízes. Correspondência recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629.
Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença ao Presidente da Província.
Valença, 29 de setembro de 1845.
- Juízes. Correspondência recebida de Valença - 1849-1858. Maço 2630.
Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença ao Presidente da Província.
Valença, 25 de outubro de 1849.
- Juízes. Correspondência recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629.
Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença ao Presidente da Província.
Valença, 24 de outubro 1846.
- Juízes. Correspondência recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629.
Correspondência do juiz de direito da comarca de Valença ao Presidente da Província.
Valença, 1 de março de 1848.

Seção de Arquivos Coloniais e Provinciais. Série Documentos Avulsos.

- Correspondência recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de


Valença, 15 de abril de 1844.
230

- Correspondência recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de


Valença, 24 de junho de 1845.
- Correspondência recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de
Valença, 4 de junho de 1849.
- Correspondência recebida da câmara de Valença, 1839-1868. Maço 1454. Câmara de
Valença, 11 de julho de 1849.

Seção Judiciária. Série Inventários.

- Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação – 07/3191A/06;


- Inventário João Monteiro Carson. Classificação 05/2153/3622/11.
- Inventário Maria Acciaivoli de Albuquerque. Classificação: 03/917/1386/11.
- Testamento Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação: 01/03/125/02.
- Testamento Antonio Pedroso de Albuquerque (Conde). Classificação: 1/103/125/02.

Seção Judiciária. Série Escrituras.

- Escritura de compra e venda. Interessado: José Joaquim da Costa. Parte: John S.


Gillmer. Salvador, ano 1829, livro 236.

Seção Provincial. Fundo Governo da Província.

- Série Administração. Correspondência recebida da Casa do Comércio, Praça do


Comércio e Associação Comercial (1819-1858). Maço 1580. 26 de março de 1846.
- Série Agricultura. Correspondência recebida do conselho administrativo da companhia
de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos, 1848,
caderno 3.
- Série Agricultura. Correspondência recebida do conselho administrativo da companhia
de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos, 1851,
caderno 6.
- Série Agricultura. Correspondência recebida do conselho administrativo da companhia
de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos, 1861,
caderno 19.
- Série Agricultura. Correspondência recebida do conselho administrativo da companhia
de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos, 1876,
caderno 30.
- Série Agricultura. Correspondência recebida do conselho administrativo da companhia
de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos, 1883,
caderno 42.
- Série Agricultura. Correspondência recebida do conselho administrativo da companhia
de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Mappa administrativo dos operários da
fábrica Sete de Setembro, em Itapagipe, do Comendador Antonio Pedrozo de
Albuquerque.
- Série Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço 4602. Fábrica de tecidos Todos os
Santos, 1852. Caderno 15.
- Série Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço 4602. Fábrica Todos os Santos, 1853,
caderno 11.
- Série Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço 4602. Fábrica Todos os Santos, 1883.
Caderno 53.
231

Seção Provincial. Série Governo da Província.

- Correspondência recebida da Associação Comercial (1840-1872). Maço 1580-1. 18 de


junho de 1846.
- Documentos avulsos. Correspondência recebida do Consulado dos Estados Unidos
(1811-1875). Maço 1177. 24 de julho de 1826.
- Documentos avulsos. Correspondência recebida do Consulado dos Estados Unidos
(1811-1875). Maço 1177. 3 de março de 1828.

Biblioteca Nacional – Hemeroteca Digital Brasileira

Annaes do Parlamento Brazileiro

- Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da Sexta Legislatura, Primeira Sessão de
1845. Tomo segundo. 3. ed. Rio de Janeiro. Typographia de Hipollyto J. Pinto, 1881.
- Camara dos Srs. Deputados, Quarto Anno da Oitava Legislatura, Sessão de 1852.
Tomo segundo. Rio de Janeiro. Typographia de H. J. Pinto: 1877.
- Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da Nona Legislatura, Sessão de 1853.
Tomo Primeiro. Rio de Janeiro: Typographia Paralmentar, 1876.
- Camara dos Srs. Deputados, Quarto Anno da Decima Legislatura, Sessão de 1860.
Tomo 3. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve & C.,
1860.
- Camara dos Srs. Deputados, Primeiro Anno da Undecima Legislatura, Sessão de 1861.
Tomo 4. Rio de Janeiro: Typographia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve & C.,
1861.

Falas e relatórios de presidentes da província da Bahia

- Falla dirigida a Assembleia Legislativa Provincial da Bahia, na abertura da sessão


ordinaria do anno de 1845, pelo presidente da provincia Francisco José de Sousa Soares
D‘Andrea. Bahia: Typographia de Galdino Bizerra e Companhia, 1845.
- Falla que recitou o presidente da provincia da Bahia, o conselheiro Antonio Ignacio
d'Azevedo, n'abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 2 de fevereiro
de 1847. Bahia: Typ. Do Guayucurú de D. Guedes Cabral, 1847.
- Falla que recitou o presidente da provincia da Bahia, o dezembargador João José de
Moura Magalhães, n'abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia em 25 de
março de 1848. Bahia: Typographia de João Alves Portella, 1848.
- Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador conselheiro
Francisco Gonçalves Martins, n‘abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia
em 4 de julho de 1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849.
- Falla que recitou o exm.o presidente da provincia da Bahia, Dr. João Mauricio
Wanderley, n'abertura da Assembléa Legislativa da mesma provincia no 1º de março de
1853. Salvador: Typ. Const. de Vicente Ribeiro Moreira, 1853.
- Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo Presidente da
Provincia o Doutor João Mauricio Wanderley no 1º de março de 1854. Bahia
Typographia de Antonio Olavo da França Guerra e Comp., 1854.
232

- Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo presidente da


provincia o Doutor Alvaro Tibeiro de Moncorvo e Lima em 14 de maio de 1856. Bahia.
Typographia de Antonio Olavo da França Guerra e Comp., 1856.
- Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo presidente da
provincia, o dezembargador João Lins Vieira Cansansão de Sinimbú, no 1º de setembro
de 1857. Bahia: Typ. de Antonio Olavo da França Guerra, 1857.
- Falla recitada na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia pelo Presidente da
Provincia o Conselheiro e Senador do Imperio Herculano Ferreira Penna em 10 de abril
de 1860. Bahia: Typographia de Antonio Olavo da França Guerra, 1860.
- Falla que recitou na abertura da Assembléa Legislativa da Bahia, o Vice-Presidente da
Provincia Dr. José Augusto Chaves, no dia 1º de setembro de 1861. Bahia: Typographia
de Antonio Olavo da França Guerra, 1861.
- Relatorio com que o excellentissimo senhor conselheiro Joaquim Antão Fernandes
Leão passou a administração da provincia da Bahia ao excellentissimo senhor
conselheiro Antonio Coelho de Sá e Albuquerque, em 30 de setembro de 1862. Bahia:
Typ. de Antonio Olavo da França Guerra, 1862.
- Relatorio com que Exm. Snr. Conselheiro Antonio Coelho de Sá e Albuquerque,
presidente da provincia, passou interinamente a administração da mesma ao Exm.
Senhor o Conselheiro Manuel Maria do Amaral, vice-presidente, em 15 de dezembro de
1863. Bahia: Typ. Poggetti, 1864.
- Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial da Bahia pelo
excellentissimo Presidente da Provincia o Comendador Manuel Pinto de Souza Dantas
no dia 1º de março de 1886. Bahia: Typographia de Tourinho & C, 1866.
- Relatorio apresentado a Assembléa Legislativa Provincial da Bahia pelo
excellentissimo senhor Barão de S. Lourenço, Presidente da Mesma Provincia, Em 6 de
Março de 1870. Bahia: Typographia do Jornal da Bahia, 1870.
- Relatorio apresentado ao Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Dezembargador João
José D‘Almeida Couto 1º Vice-Presidente da Provincia pelo 4º Vice-Presidente Dr
Francisco José da Rocha ao passar-lhe a administração da Provincia Em 17 de Outubro
de 1871. Bahia: Typographia do "Correio da Bahia", 1870.
- Relatorio com que ao excelentissimo senhor desembargador João Antonio de Araujo
Freitas Henrique, presidente da provincia da Bahia, passou a administração da mesma
no dia 8 de Novembro de 1871, o 1º vice-presidente Excellentissimo senhor
dezembargador João José d‘Almeida Couto. Bahia: Typographia do ―Correio da Bahia‖,
1871.

Periódicos

- A Actualidade (Rio de Janeiro). Ano 5, n. 532, 29 de setembro de 1863.

- A Constituição (Ceará). Ano 8, n. 53, 11 de março de 1870.


- A Constituição (Ceará). Ano 8, n. 98, 12 de maio 1870.
- A Constituição (Ceará). Ano 9, n. 107, 12 de julho de 1871.

- A Imprensa (Maranhão). Ano 1, n. 57, 16 de dezembro de 1857.

- A Phenix (São Paulo). n. 46, 7 de julho de 1838.

- Almanach do Rio de Janeiro para o anno de 1816. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1816.
233

- Almanach do Rio de Janeiro para o anno de 1824. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1824.
- Almanach do Rio de Janeiro para o anno de 1825. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1825.
- Almanach do Rio de Janeiro para o anno de 1826. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
1826.
- Almanach para o anno de 1845. Bahia: Typ de M. A da S. Serva, 1845.

- Almanak Administrativo, Commercial e Industrial da Província da Bahia para o anno


de 1873. Ano 1. Bahia: Typographia de Oliveira Mendes & C., 1872.

- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1855. Ano 1.


Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1854.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1856. Ano 2.
Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1855.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1857. Ano 3.
Bahia: Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1857.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1858. Ano 4.
Bahia: Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1858.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1860. Ano 6.
Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1860.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1862. Ano 8.
Bahia: Typ. De Camillo de Lellis Masson & C., 1862.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Bahia, para o anno de 1863. Ano 9.
Bahia: Typ. de Camillo de Lellis Masson & C., 1863.

- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de


Janeiro para o anno de 1850. Ano 7, série 2, n. 2. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique
Laemmert, 1850.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio De
Janeiro para o anno bissexto de 1852. Ano 9, série 2, n. 4. Rio de janeiro: Eduardo e
Henrique Laemmert, 1852.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de
Janeiro para o anno de 1862. Ano 19, série 2, n. 14. Rio de janeiro: Eduardo e Henrique
Laemmert, 1862.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de
Janeiro para o anno de 1863. Ano 20, série 2, n. 15. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique
Laemmert, 1863.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de
Janeiro para o anno bissexto de 1864. Ano 21, série 2, n. 16. Rio de Janeiro: Eduardo e
Henrique Laemmert, 1864.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de
Janeiro para o anno de 1865. Ano 22, série 2, n. 17. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique
Laemmert, 1865.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de
Janeiro para o anno de 1866. Ano 23, série 2, n. 18. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique
Laemmert, 1866.
- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de
Janeiro para o anno de 1867. Ano 24, série 2, n. 19. Rio de Janeiro: E. & H. Laemmert,
1867.
234

- Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de


Janeiro para o anno de 1870. Ano 27, série 2, n. 22. Rio de Janeiro: E. & H. Laemmert,
1870.

- Almanak Imperial do Commercio e das Corporações Civis e Militares do Imperio do


Brasil. Ano 2. Rio de Janeiro: Pedro Plancher Seignot, 1829.

- Brasil Historico. 2ª série. Tomo I. Rio de Janeiro: Typographia de Pinheiro & C.,
1866.

- Chronica Maranhense (Maranhão). n. 284, v. 3, 5 de janeiro de 1841.

- Correio da Tarde (Rio de Janeiro). n. 272, 11 de dezembro de 1848.


- Correio da Tarde (Rio de Janeiro). n. 412, 6 de junho de 1849.
- Correio da Tarde (Rio de Janeiro). n. 1.022, 21 de julho de 1851.
- Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 5, n. 232, 11 de outubro de 1859.
- Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 240, 23 de outubro de 1860.
- Correio da Tarde (Rio de Janeiro). Ano 25, n. 26, 16 de agosto de 1868.

- Correio da Victoria (Espírito Santo). Ano 6, n. 45, 7 de junho de 1854.


- Correio da Victoria (Espírito Santo). Ano 21, n. 101, 25 de dezembro de 1860.

- Correio Mercantil (Bahia), v. 3, n. 456, 4 de maio de 1838.


- Correio Mercantil (Bahia). v. 3, n. 526, 6 de agosto de 1838.
- Correio Mercantil (Bahia), v. 3, n. 527, 7 de agosto de 1838.
- Correio Mercantil (Bahia). v. 3, n. 533, 16 de agosto de 1838.
- Correio Mercantil (Bahia). v. 3, n. 540, 25 de agosto de 1838.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 52, 2 de fevereiro de 1848.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 6, n. 22, 26 de janeiro de 1839.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 6, n. 83, 17 de abril de 1839.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 6, n. 141, 6 de julho de 1839.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 6, n. 267, 13 de dezembro de 1839.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 6, n. 271, 18 de dezembro de 1839.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 7, n. 68, 24 de março de 1840.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 7, n. 234, 5 de novembro de 1840.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 8, n. 86, 24 de abril de 1841.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 8, n. 101, 14 de maio de 1841.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 8, n. 138, 6 de julho de 1841.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 10, n. 8, 11 de janeiro de 1843
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 10, n. 191, 4 de setembro de 1843.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 10, n. 202, 18 de setembro 1843.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 11, n. 2, 3 de janeiro de 1844.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 11, n. 5, 8 de janeiro de 1844
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 11, n. 200, 19 de setembro de 1844.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 12, n. 150, 30 de junho de 1847.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 24, 1 de fevereiro 1847.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 25, 02 de fevereiro de 1847.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 33, 11 de fevereiro de 1847.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 45, 25 de fevereiro 1847
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 46, 26 de fevereiro de 1847.
235

- Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 120, 22 de maio 1847.


- Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 178, 3 de agosto de 1847.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 180, 5 de agosto de 1847
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 14, n. 272, 23 de novembro de 1847.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 15, n. 17, 22 de janeiro 1848.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 15, n. 32, 4 de fevereiro de 1848.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 15, n. 253, 18 de setembro de 1858.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 15, n. 255, 13 de novembro de 1848.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 15, n. 261, 20 de novembro de 1848
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 15, n. 272, 3 de janeiro de 1848.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 16, n. 10, 13 de janeiro de 1849.
- Correio Mercantil (Bahia). Ano 16, n. 239, 17 de outubro de 1849.

- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 5, n. 262, 24 de setembro de 1848.


- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 253, 16 de setembro de 1849.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 6, n. 518, 21 de novembro de 1849.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 7, n. 73, 16 de março 1850.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 7, n. 74, 17 de março de 1850.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 7, n. 77, 20 de março de 1850.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 7, n. 167, 2 de julho de 1850.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 7, n. 169, 4 de julho de 1850.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 8, n. 154, 1 de julho de 1851.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 8, n. 160, 8 de julho de 1851.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 9, n. 115, 25 de abril de 1852.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 9, n. 122, 2 de maio de 1852.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 9, n. 129, 9 de maio de 1852.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 10, n. 209, 27 de julho de 1853.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 11, n. 144, 26 de maio de 1854.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 11, n. 239, 15 de agosto de 1854.
- Correio Mercantil. (Rio de Janeiro). Ano 12, n. 137, 19 de maio de 1855.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 12, n. 182, 3 de julho de 1855.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 12, n. 223, 13 de agosto de 1855.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 199, 23 de julho de 1857
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 14, n. 277. 10 de outubro de 1857.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, n. 154, 8 de junho de 1858.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, n. 156, 10 de junho de 1858.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, n. 158, 12 de junho de 1858.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, n. 291. 16 de outubro de 1858.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 17, n. 74, 14 de março de 1860.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 17, n. 277, 6 de outubro de 1860.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 18, n. 78, 20 de março de 1861.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 18, n. 282, 16 de outubro de 1861.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 19, n. 73, 15 de março de 1862.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 19, n. 142, 24 de maio de 1862.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 20, n. 40, 9 de fevereiro de 1863.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 20, n. 70, 12 de março de 1863.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 20, n. 243, 4 de setembro de 1863.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 21, n. 1, 1 de janeiro de 1864.
- Correio Mercantil. (Rio de Janeiro). Ano 21, n. 17, 17 de janeiro de 1864.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 22, n. 105, 17 de abril de 1865.
236

- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 22, n. 246, 8 e 9 de setembro de 1865.


- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 22, n. 267, 30 setembro de 1865.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 23, n. 263, 23 de setembro de 1866.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 23, n. 331, 4 de dezembro de 1866.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 24, n. 79, 20 de março de 1867.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 25, n. 154, 4 de junho de 1868.
- Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 25, n. 202, 23 de julho de 1868.

- Correio Official (Rio de Janeiro). Tomo I, n. 90, 14 de outubro de 1833.


- Correio Official (Rio de Janeiro). Tomo III, n. 64, 16 de setembro de 1834.
- Correio Official (Rio de Janeiro). n. 133, v. 1, 21 de junho de 1837.
- Correio Official (Rio de Janeiro). n. 4, v. 1, 5 de janeiro de 1838.
- Correio Official (Rio de Janeiro). n. 38, v. 2, 16 de agosto de 1838.

- Correio Paulistano (São Paulo). Ano 15, n. 3.604, 10 de junho de 1868.

- Correio Sergipense (Sergipe). Ano 17, n. 41, 7 de junho de 1854.


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259

APÊNDICES
260

APÊNDICE 1 - LISTAGEM DOS INDIVÍDUOS, FIRMAS OU INSTITUIÇÕES


COM OS QUAIS ANTONIO FRANCISCO DE LACERDA ESTEVE
ENVOLVIDO JUDICIALMENTE NA CONDIÇÃO DE INTERESSADO OU
PARTE (BAHIA, 1830-1872).

Ana Maria da Conceição Pinheiro; André Gonçalves Ferreira Bastos; Angelo da


Costa Ferreira [e/ou Angelo da Mota Ferreira]; Antônia Silvestre de Souza Andrade;
Antonio Alves Pereira da Silva; Antonio Bernardo Jacinto; Antônio Carlos Salvi;
Antonio da Cunha Carvalho Bastos; Antônio José da Costa Júnior (e sua mulher);
Antônio José Marques Guimarães (e esposa); Antônio José Pereira Machado; Antonio
Rodrigues Francisco; Aprigio José da Cruz; Atanazia Cristina da Rocha Pita; Augusto
Frederico Adanison; Balthazar de Araújo Aragão Bulcão; Caixa Filial do London e
Brasilian Bank; Câmara Municipal de Salvador; Carlos Behrendr (e sua mulher); Catao
Guerreiro de Castro; Coelho S. Figueredo; Convento da Soledade; Custodio Rabelo de
Figueiredo; David Lindgres; Direção da Caixa Comercial de Salvador; Domingos da
Costa Espinheira; Domingos Joaquim Alves; Domingos Jose Fernandes de Aguiar;
Duarte e Irmão; Emílio Hanthack; Ernesto Hanthack [e/ou Ernesto Kanthack (e sua
mulher) e/ou Ernesto Kautlak]; Evaristo de Castro Lima (e mulher); Feliciano Gomes
de Castro; Fernando Francisco Gomes de Castro; Francisca Maria de Brito Lopes;
Francisco Gomes Magarão; Francisco Henrique Cardoso Menezes; Francisco Joaquim
Teixeira Chaves; Francisco Maria de Lima; Francisco Paraguaçú Cachoeira; Francisco
Vieira Tosta (Barão de Nagé); G. C. Salvi [e/ou Jeronimo Carlos Salvi]; Gaston e Cia;
Giuseppe Carlenoz; Gustavo Amancio Hasselmann (e sua mulher); Gustavo de
Magalhães Castro; Henrique de Souza Brandão; Hermano D. Greve; Hortencia
Constança da Cunha; Ilomar Pereira Geremoabo; Inacio Marciano de Barros; J. Both e
Irmão; Jacomini Vacarem; Joana Marcolina da Fonseca Bahia; João Afonso de Moura
(e sua mulher); João de Araujo Gonçalves; João Fernandes de Carvalho (e sua mulher);
João Gonçalves Furtado; João Pereira Braga (e outros); Joaquim Alves Coelho da Silva;
Joaquim Antonio Pereira Barreto; Joaquim de Barros Teixeira; Joaquim de Santana
Barrozo; Joaquim Fernandes Ribeiro; Joaquim Francisco de Lacerda; Joaquim Jose de
Oliveira e Silva; Joaquim Vidal de Oliveira (e esposa); Jose Antonio Pereira Bastos;
José Carneiro da Silva (herdeiros de); José Cerqueira Lima; José de Góes Siqueira (e
sua mulher); José Ferreira Dias Leite; José Francisco Rocha da Tavares; José Julião dos
Santos; José Luís Soares Junior (e sua mulher); Jose Rodrigues Martelo Junior; Jose
261

Salustiano da Silva (e outros); Josefa Vieira de Santana; Lino (africano); Luis Maria de
Oliveira Mendes; Luiz da Rocha Dias; Luiz Felipe Croces; Luiz Martiliano (pardo);
Manoel Antonio Gaspar (e mulher); Manoel Carneiro dos Santos; Manoel de Castro
Neves; Manoel de Saldanha da Gama; Manoel Domingos Santo; Manoel Francisco
Borges Leitão (e mulher); Manoel Gomes de Magalhães; Manoel José de Almeida
Couto; Manoel José do Couto (e outros); Manoel José Pereira da Cunha; Manuel de
Castro Nery; Margarida J. Gillmer; Maria Feliciana de Assis; Maria Francisca da França
Pinto; Maria Luiza Ribeiro de Oliveira; Miguel Barreiros; Oscar; Paulo Rodrigues
Guimarães; Pedro José de Souza Junior; Persiano Bocanera; Ramiro da Silva
Guimarães; Ricardo José d'Araújo (outros); Ritta Senhorinha de Souza Severo; Rufino
José dos Santos; Salvador Pires de Carvalho e Aragão [e/ou Salvador Pires de Carvalho
e Araujo]; Severino Ezequiel Meira; Solon S. G. Miner (e Cia); Tito (nagô); e
Venceslao Miguel de Almeida.

Fonte: APEB. Seção Judiciária. Séries: Escrituras e processos cíveis.


262

APÊNDICE 2 - LISTAGEM DOS INDIVÍDUOS, FIRMAS OU INSTITUIÇÕES


COM OS QUAIS ANTONIO PEDROZO DE ALBUQUERQUE ESTEVE
ENVOLVIDO JUDICIALMENTE NA CONDIÇÃO DE INTERESSADO OU
PARTE (BAHIA, 1823-1879).

Affonso (crioulo); Affonso Pedrozo do Amaral Brandão; Alípio Autram da Mota


Albuquerque (e mulher); Aniceto; Antonio Bezerra de Calmon Negreiros; Antônio
Caetano da Silva; Antônio de Cerqueira Lima; Antonio de Oliveira Barros [e/ou
Antonio de Oliveira Bastos]; Antônio de Padua da Cunha Pimentel; Antônio Dias
Coelho (e suas filhas); Antônio Domingos Ferreira Bastos (e sua mulher); Antonio
Eleuterio de Menezes (e sua mulher); Antônio Eleuterio de Moraes (e sua mulher);
Antônio Ferreira Barros (e sua mulher); Antonio Ferreira Bastos de Figueiredo; Antonio
Joaquim Alvares Almeida; Antônio Joaquim Rodrigues da Costa; Antônio José de C.
Menezes (e outros); Antonio Moreira de Paiva; Antônio Pedrozo de Albuquerque
Júnior; Antônio Rocha Pita e Argolo (Primeiro Visconde de Passé); Augusto (africano);
Augusto Cândido Avache; Balbino Vieira de Miranda; Balthazar de Araújo Aragão
Bulcão; Barbara (africana); Bevenuto (pardo); Bonifacia (nação nagô); Caixa Mercantil
de Salvador; Carlos Eduardo Gantois; Carolina Joaquina Maciel; Christiano Francisco
de Pinho; Companhia Bahia[na] de Navegação a Vapor; Costa Alves & Cia; Cropp
Leony e Companhia; Custódio José Gomes Lima (e sua mulher); David (nagô); David
Lindgrin; Diogo Moniz Barretto (e outros); Direção da Caixa Econômica de Salvador;
Direção do Banco da Bahia; Domingos Guedes Cabral; Edwin Beach; Egas Moniz
Barreto de Aragão (Barão de Muniz Aragão); Eloy Martins de Souza; Emília Francisca
(cabra); Emília Pedroso do Amaral Brandão; Emiliano Moreira de Carvalho Silva;
Erenita Cachoeira; Estevão Eremita Cachoeira; Eufrasia (africana); Eulalia (crioula);
Evaristo Jose da Silva; Feliciana (africana); Felisberto (nagô); Firmina (nagô);
Francisco Adans Vilas Boas Jr; Francisco Antônio do Espírito Santo (e sua mulher);
Francisco Antônio Rocha Pita e Argolo (Segundo Visconde de Passé); Francisco
Baldino Ferreira; Francisco Euzebio Soares Filho; Francisco Félix Bahia; Francisco
Gomes de Castro (e sua mulher); Francisco Gonçalves Martins (Barão de São
Lourenço); Francisco Gonçalves Monteiro; Francisco Jose de Souza Nobre; Francisco
Lopes Giquiriçar; Francisco Lourenço de Araújo; Francisco Pimenta das Neves
Carmos; Francisco Pires de Carvalho e Albuquerque; Francisco Rosa Fonseca
Bittencourt Tourinho; Gonçalo Alves Guimarães; Governo da Província da Bahia;
263

Guilherme Moford; Guisepe Correia (e outro); Ignacio Gomes Lisboa (e seu filho);
Ignácio José de Moraes Cid; Inácio Rigaud; Izabel Joaquina dos Santos; Joanna
(crioula); João Alves Portella; João Batista Zeiurs; João Berlinck Gaspar; João
Bernardino Nunes; João D. C. J. Ar e Cia (os administradores da massa falida); João
Diogo da Silva Leite; João Emigdio Rodrigues da Costa [e/ou João Emílio Rodrigues da
Costa (e sua mulher)]; João Fernandes Chaves (e outros); João José de Almeida Couto;
João Manoel de Freitas; João Odruyer (e sua mulher); João Victor Carvalho (e mulher);
Joaquim Bernardino Falcão de G. Argolo Queirós; Joaquim Caetano de Almeida Couto
(e mulher); Joaquim Caetano de Almeida Couto Junior; Joaquim do Valle Cabral;
Joaquim Elias Antonio Lopes; Joaquim Gonçalves Cancella; Joaquim Leal Ferreira (e
sua mulher); Joaquim Lopes da Silva; Joaquim Pereira Marinho; Joaquim Torquato
Carneiro de Campos; Jose Alves Pinto Leite; Jose Antonio Mirales Bitencourt; José
Eusebio Caxoeira (outros); Jose Gomes Vilarinho; José Joaquim Seabra; José Joaquim
Silverio dos Santos; José Maria Fragão de Lima (outros); Jose Narcizo de Carvalho;
José Pedro De Souza Alcamim (e sua mulher); Julius Meyer e Cia; Justino Jose
Fernandes (e irmão); Lino Dagõa (preto africano); Lúciana de Araújo Góes (outros);
Luiz (africano); Luiz Alvares Paderma Caldas; Luiz da Rocha Dias (e seu filho);
Manoel Gonçalves de Pinto; Manoel Joaquim Fernandes de Barros; Manoel Joaquim
Tabira de Lima; Manoel José Freire de Carvalho (e sua mulher); Manoel Mauricio
Rebouças (e outros); Manuel José de Almeida Couto; Maria da Conceição Pessanha
(Baronesa de São Lourenço); Maria de São José Barros; Maria José (crioula); Maria
Luisa da Rocha Pita Moniz Barreto (Primeira Viscondessa de Passé); Maria Rosa
(africana); Marinha (nagô); Martinha (crioula); Moises Serfaty; Pedro (pardo); Pedro da
Cunha Barbosa; Polidoro Henrique de Lemos; Procurador da Câmara Municipal de
Itaparica; Rafael Areane; Raimundo Betencourt Pina e Melo; Raimundo de Arribas;
Ribeiro & Andrade; Ritta (africana); Salvador Pires de Carvalho e Aragão (e mulher);
Sancho (africano); Seabra e Irmão; Simão Teles de Meneses; Thomaz (nagô); Thomaz
da Silva Paranhoz; Thure E. Sandgren; Tibúrcio José Bahia; Umbelina Candida Pereira
Geremoabo; Vicente Ignácio da Silva (e sua mulher); Vicente Ribeiro Moreira (e outro);
e Wiliam Prior.

Fonte: APEB. Seção Judiciária. Séries: Escrituras, processos cíveis e processos crimes.
264

APÊNDICE 3 – EVOLUÇÃO DA FÁBRICA TODOS OS SANTOS: MÃO DE OBRA (1848-1878)

1848 1849 1858 1859 1860 1861 1866 1871 1878


Trabalhadores livres 80-120 150 - - 200-300 180-250 200 200 -
Escravos - - 59 - 54 50 - - 23

Elaboração própria.
Fontes: BRASIL. Relatorio da 2ª Exposição Nacional de 1866. 2ª parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1869. Disponível em:
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=coo.31924019972011;view=1up;seq=9. Acesso em 14 de janeiro de 2019. APEB. Seção Judiciária. Série Inventários.
Inventário Antonio Pedroso de Albuquerque. Classificação – 07/3191A/06. Seção: Provincial. Fundo: Governo da Província. Série: Agricultura. Fábricas
(1829-1886). Maço 4602. Fabrica Todos os Santos, 1883. Caderno 53. Seção Provincial. Fundo: Governo da Província. Série: Agricultura.. Correspondência
recebida do conselho administrativo da companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos, 1861. Caderno 19. BN.
HDB. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o
desembargador conselheiro Francisco Gonçalves Martins, n‘abertura da Assembléa Legislativa da mesma Provincia em 4 de julho de 1849. Bahia:
Typographia de Salvador Moitinho, 1849. Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 52, 2 de fevereiro de 1848. p. 2. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15,
n.os 154, 156 e 158, junho de 1858.
265

APÊNDICE 4 – EVOLUÇÃO DA FÁBRICA TODOS OS SANTOS: MAQUINÁRIO E PRODUÇÃO (1848-1876)

1848 1849 1851 1858 1859 1860 1861 1866 1875 1871 1876
Motor hidráulico (HP) 40 300 - - - 80 - 128 - 128 100
Fusos 2.000 2.084 - - - - 4.160 4.160 - 4.160 -
Cardas - 30 - - - - 60 - - 60 -
Afofador - 1 - - - - - - - - -
Batedores - 2 - - - - - - - - -
Teares 50 50 - - - - 135 136 - 136 -
Produção tecidos/dia (m) 660- 2.200 - - - 4.400 3.300 - - 3.300 -
1.540
Produção tecido/ano (m) - 660.000 641.300 883.300 792.000 - 1.000.000 1.100.000 - -
Produção fios/ano (m) - - - 52.000 58.000 70.000 - 70.000 - - -
Elaboração própria.
Fontes: BRASIL. Relatorio da 2ª Exposição Nacional de 1866. 2ª parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1869. Disponível em:
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=coo.31924019972011;view=1up;seq=9. Acesso em 14 de janeiro de 2019. OLIVEIRA, Waldir Freitas. A Industrial
Cidade de Valença: Um surto de industrialização na Bahia no Século XIX. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1985. p. 47. BN. HDB. Jornal do
Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1.. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador
conselheiro Francisco Gonçalves Martins, n‘abertura da Assembléa Legislativa da mesma Provincia em 4 de julho de 1849. Bahia: Typographia de Salvador
Moitinho, 1849. ABEP. Seção: Provincial. Fundo: Governo da Província. Série: Agricultura. Fábricas (1829-1886). Maço 4602. Fabrica Todos os Santos,
1883. Caderno 53. Seção Provincial. Fundo: Governo da Província. Série: Agricultura.. Correspondência recebida do conselho administrativo da companhia
de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos (1848, caderno 3; 1851, caderno 6; 1861, caderno 19; 1876, caderno 30).
266

APÊNDICE 5 - EVOLUÇÃO DA FÁBRICA TODOS OS SANTOS: ORIGEM DA MATÉRIA-PRIMA E DESTINO DA PRODUÇÃO


(1848-1876)

1848 1849 1850 1851 1852-1866 1868 1876


Origem da matéria- Sergipe e
Rio de Contas Alagoas - - - -
prima Alagoas

Bahia, Bahia, Rio de Bahia, Bahia,


Bahia, Ceará
Pernambuco, Rio Janeiro e Rio Pernambuco Pernambuco Bahia e Rio
Destino da produção e Pernambuco
de Janeiro e Rio Grande do e Rio de e Rio de de Janeiro
Pernambuco
Grande do Sul Sul Janeiro Janeiro

Elaboração própria.
Fontes: ABEP. Seção Provincial. Fundo: Governo da Província. Série: Agricultura.. Correspondência recebida do conselho administrativo da companhia de fábricas úteis
(1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos (1848, caderno 3; 1851, caderno 6; 1861, caderno 19; 1876, caderno 30). BN. HDB. A Constituição (Ceará).
Ano 9, n. 107, 12 de julho de 1871. p. 3. Jornal do Recife (Pernambuco). Ano 10, n.os 227, 235 e 256, outubro-novembro de 1868. Almanak Administrativo, Mercantil e
Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o ano de 1862. Ano 19, série 2, n. 14. Rio de janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1862. p. 530. Almanak
Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1863. Ano 20, série 2, n. 15. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert,
1863. p. 530. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno bissexto de 1864. Ano 21, série 2, n. 16. Rio de Janeiro:
Eduardo e Henrique Laemmert, 1864. p. 546 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de 1865. Ano 22, série 2, n.
17. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1865. p. 528. Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Provincia do Rio de Janeiro para o anno de
1866. Ano 23, série 2, n. 19. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1866. p. 508. Falla que recitou o Presidente da Provincia da Bahia, o desembargador
conselheiro Francisco Gonçalves Martins, n’abertura da Assembléa Legislativa da mesma Provincia em 4 de julho de 1849. Bahia: Typographia de Salvador Moitinho, 1849.
Correio Mercantil (Bahia). Ano 5, n. 52, 2 de fevereiro de 1848. p. 2. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 15, n.os 154, 156 e 158, junho de 1858. Diário de Pernambuco
(Pernambuco). Ano 24, n.os 276, 278, 279, 281, 285, 286, 288, dezembro de 1848. p. 3. Ano 26, n. os 109, 110, 112, 155, 157 e 173, maio-agosto de 1850. Ano 27, n. 230 e
239, outubro de 1851. O Rio-Grandense (Rio Grande do Sul). Ano 5, n.os 537, 542, 544 e 584, setembro/outubro de 1849. p. 4. Correio Mercantil (Rio de Janeiro). Ano 6, n.
253, 16 de setembro de 1849, p. 4; n. 518, 21 de novembro de 1849. Ano 7, n. os 73, 74, 77, 167 e 169, março/julho de 1850. p. 3. Ano 8, n. 154 e 160, julho de 1851. Ano 9,
n. 115, 122, 129, abril-maio de 1852. Jornal do Commercio (Rio de Janeiro). Ano 24, n.os 114 e 281; abril/outubro de 1849. Ano 25, n. 75, 175, 230 e 316, março-novembro
de 1850. Ano 26, n.os 309 e 316, novembro de 1851. Ano 27, n.os, 17, 114 e 123, janeiro/maio de 1852. Ano 33, n.os 54, 55, 56, 64, 66, 109, 113, 114, 115, 116, fevereiro-
abril de 1858. O Comercial (Pernambuco). Ano 1, n. 95, 4 de maio de 1850. p. 4.
267

APÊNDICE 6 – PRODUÇÃO TÊXTIL DA FÁBRICA TODOS OS SANTOS


(1848-1876)
Ano Produto
1848 - Algodão trançado.
1852 - Algodão trançado;
- Meias lonas.
1861 - Fios em novelos;
- Meias lonas;
- Tecido encorpado;
- Tecido estreito;
- Lona para velas de embarcações;
- Sacos.
1863 - Tecidos de diferentes espessuras;
- Sacos;
- Lona;
- Meia lona;
- Fios torcidos;
- Fios simples.
1866 - Lonas;
- Meias lonas;
- Fios em novelos;
- Riscados.
1868 - Tecido;
- Brim de algodão (branco e de cor);
- Fios de algodão.

1871 - Algodão trançado;


- Meias lonas para velas de embarcação;
- Riscados;
- Fios em novelos.
1876 - Algodão trançado;
- Fios em novelos.

Elaboração própria.
268

Fontes: APEB. Seção: Provincial. Fundo: Governo da Província. Série: Agricultura. Fábricas (1829-
1886). Maço 4602. Fábrica de tecidos Todos os Santos, 1852. Caderno 15. Seção Provincial. Fundo:
Governo da Província. Série: Agricultura. Correspondência recebida do conselho administrativo da
companhia de fábricas úteis (1839-1889). Maço 4603. Fábrica de tecidos Todos os Santos (1861, caderno
19; 1876, caderno 30). Seção de Arquivos coloniais e provinciais. Série Administração. Juízes.
Correspondência recebida de Valença - 1844-1848. Maço 2629. Correspondência do juiz de direito da
comarca de Valença ao Presidente da Província. Valença, 1 de março de 1848. BN. HDB. Jornal do
Commercio (Rio de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1. Jornal do Commercio (Rio
de Janeiro). Ano 36, n. 320, 20 de novembro de 1861. p. 1. A constituição (Ceará). Ano 9, n. 107, 12 de
julho de 1871. p. 3. Jornal do Recife (Pernambuco). Ano 10, n.os 227, 235 e 256, outubro-novembro de
1868. BRASIL. Relatorio da 2ª Exposição Nacional de 1866. 2ª parte. Rio de Janeiro: Typographia
Nacional, 1869. Disponível em:
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=coo.31924019972011;view=1up;seq=9. Acesso em 14 de janeiro de
2019. p. 37.
269

GLOSSÁRIO

Arroba (@) - Unidade de medida de peso, equivalente a 15 quilogramas.


Braça - Unidade de medida agrária, equivalente a 2,20 metros.
Légua - Unidade de medida de distância, equivalente a 6.000 metros.
Libra - Unidade de medida massa, equivalente a 0,4535923 quilograma.
Onça – Unidade de medida de massa, equivalente a 28,349 gramas.
Palmo - Unidade de medida de comprimento, equivalente a 22 centímetros.
Pé - Unidade de medida de comprimento, equivalente 33 centímetros.
Polegada – Unidade de medida de comprimento, equivalente a 2,54 centímetros.
Tarefa - Unidade de medida agrária, equivalente na Bahia, a 4,356 metros quadrados.
Vara - Unidade de medida de comprimento, equivalente a 1,10 metros.

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