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Alagoinhas/BA
Dezembro de 2022
Marconey de Jesus Oliveira
Banca examinadora:
Alagoinhas/BA
Dezembro de 2022
Ficha catalográfica
(Solicitar à Biblioteca do Campus II)
Agradecimentos
1
Carta de amor. Interprete: Maria Bethânia. Compositores: Paulo Cesar Pinheiro/Maria Bethânia. In: Oásis de
Bethânia. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, 2012, faixa 9.
[...] “Os historiadores não emitem meras opiniões, já que
seguem padrões e métodos científicos, e devem respeitar
limites éticos. Ainda que não seja infalível, o
conhecimento acadêmico é o que oferece os melhores e
mais confiáveis instrumentos para se tentar alcançar a
verdade histórica.”2
2
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados Presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de
Janeiro: Zahar, 2021. p. 15.
Resumo
Este trabalho analisa as comemorações e os festejos cívicos realizados pelo Ginásio Municipal de
Serrolândia durante a ditadura civil-militar e como essas práticas celebrativas estavam em
consonância ou não com a ideologia propagada pela ditadura instaurado após o golpe de 1964.
Nesse contexto, buscamos compreender como os governos militares tentaram legitimar suas ações
através dos festejos de efemérides consideradas importantes para história brasileira. Nascido em
1964, na cidade de Serrolândia no estado da Bahia, a 320 quilômetros da capital, Salvador, o
primeiro Ginásio Municipal seguiu os preceitos cívicos propostos pela ditadura. Os desfiles,
sessões solenes, hasteamento da bandeira e cânticos de hinos patrióticos foram frequentes no
cotidiano da referida instituição ginasial, principalmente nas datas comemorativas: Sete de
Setembro, Dia da Bandeira, Aniversário da Cidade etc. Além das datas consideradas tradicionais,
o Ginásio Municipal celebrou, entre os anos 1971 a 1973, o aniversário da ‘Revolução de 1964’ e
os festejos ao Sesquicentenário da Independência do Brasil realizados no transcurso de 1972.
Apesar do clima festivo, vivenciado durante os momentos cívicos, o espaço escolar estava envolto
à forte disputa política local entre os grupos denominados Chapéus Brancos e Chapéus Pretos,
que rivalizavam em busca do executivo municipal durante a segunda metade do século XX. A
pesquisa utilizou como fontes: a documentação do antigo Ginásio Municipal (livros de atas,
matrículas, reuniões e exame de admissão); atas das sessões do poder legislativo local; e entrevistas
dos diferentes agentes presentes no ginásio (ex-alunos, professores e diretores); e iconografias.
This work analyzes the commemorations and civic festivities realized by the Municipal
Gymnasium of Serrolândia during the civilian-military dictatorship and how these
commemoratives practices were in a concordance or not with the ideology spread by the
authoritarian regime established after the 1964 coup. In this context, we seek to understand how
the military governments tried legitimizing their actions through ephemeris celebrations
considered important to Brazilian history. Born in 1964, in the city of Serrolândia, in Bahia state,
320 kilometers away from the capital, Salvador, the first Municipal Gymnasium followed the civic
precepts proposed by the dictatorship. The parades, formal sessions, hoisting of the flag, and
singing of patriotic hymns were frequent in the daily life of the aforementioned educational
institution, especially on commemorative dates: September 7th, Flag Day, City Anniversary, etc.
Beyond the considered traditional dates, the Municipal Gymnasium celebrated between 1971 and
1973, the ‘1964 Revolution' anniversary, and the Independence Sesquicentennial Celebrations of
Brazil realized in 1972. Despite the festive mood experienced during civic moments, the school
space was surrounded by a strong local political dispute between the so-called groups, White Hats,
and Black Hats, that rivaled in search of the municipal executive during the second half of the XX
century. The research utilized as sources the old Municipal Gymnasium documentation: minute
books, registration, meetings, and entrance examination; minutes of the sessions of the local
legislative power; interviews of the different agents present in the gymnasium: ex-students,
teachers, directors; and iconography.
Introdução................................................................................................................................... 14
Fontes......................................................................................................................................... 149
11
Lista de Mapas e Tabelas
Tabela 01. Número de alunos matriculados no Ginásio Municipal de Serrolândia entre 1964 a
1985............................................................................................................................................... 45
12
Lista de abreviaturas e siglas
13
Introdução
3
Edite Almeida da Cruz Reis, nascida em 07/03/1963, entrou no Ginásio Municipal de Serrolândia em 1975, sendo
estudante na até 1981, quando formou-se no curso de magistério ofertado pelo mesmo estabelecimento ginasial.
Segundo informações da própria entrevistada, trabalhou como secretária do Ginásio Municipal e depois fixou-se como
professora do estabelecimento até sua aposentadoria. Entrevista concedida pela senhora Edite Almeida da Cruz Reis
ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 15 de agosto de 2017.
14
essenciais para a composição do período estudado. Optamos por tomar como “ponto de partida” o
ano de 1964, que marca a escrita da primeira ata de matrícula da instituição e a deflagração do
golpe civil-militar, e prosseguimos com a narrativa até o final da ditadura, em 1985. Apesar de
possuir uma delimitação temporal específica, a pesquisa, em nenhum momento, seguiu fielmente
uma linha cronológica hermética. Várias são as idas e vindas para o melhor entendimento da
temática.
Ao dissertar sobre os rituais no Brasil, Roberto DaMatta, aponta que “a maioria das
sociedades complexas, individualistas e modernas são marcadas por ritos comemorativos de algum
evento único, realizado por um grupo ou classe social bem definido.”4 Esses ritos visam
representar todas as estratificações que cercam a sociedade. Desta forma, é importante entender
que, muito mais que abarcar a coletividade, as comemorações, das principais datas da história
brasileira, viabilizam a construção de acordos e consonâncias entre povo e Estado.
O termo “comemorar” parte de um único objetivo, exaltar algo ou alguma data que fique
marcada na memória, individual ou coletiva. Para Helenice Rodrigues da Silva, “comemorar
significa, então, reviver de forma coletiva a memória de um acontecimento considerado como ato
fundador, a sacralização dos grandes valores e ideais de uma comunidade constituindo-se no
objetivo principal.”5 Mais que a “sacralização de valores”, é preciso que exista a construção de
consensos ou, pelo menos, consentimentos para a formação de uma memória da coletividade
envolvida. Os artífices da ditadura civil-militar viram nas práticas e celebrações cívicas a
oportunidade de alinhar as comemorações das efemérides com a edificação de apoio e legitimidade
das suas ações no meio civil mais amplo.
O interesse por estudar a ditadura civil-militar nasceu durante o desenvolvimento de uma
pesquisa no Departamento de Ciências Humanas, Campus IV da Universidade do Estado da Bahia
(DCH-IV/UNEB) na cidade de Jacobina, enquanto bolsista de iniciação científica. Junto com a
professora Dra. Polliana Moreno dos Santos, catalogamos e montamos um acervo de produções
televisivas – séries, filmes, novelas, reportagens jornalísticas, rodas de debates – que reverberavam
o período autoritário de 1964 a 1985. Tendo como principal objetivo mapear o material produzido
e veiculado nas emissoras de televisão aberta brasileira em decorrência do aniversário de cinquenta
anos do golpe civil-militar em 2014.6
4
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997. p. 31.
5
SILVA, Helenice Rodrigues da. “Rememoração”/Comemoração: as utilizações sociais da memória. Revista
Brasileira de História, vol. 22, n. 44, São Paulo, 2002. p. 8.
6
Refere-se ao desenvolvimento do subprojeto: Imagem televisiva: memória histórica e ditadura militar no Brasil,
realizado entre os anos de 2015 a 2016. Estando vinculado ao projeto A imagem televisiva: repercussão sobre a
memória e o saber histórico escolar, coordenado pela Profa. Dra. Polliana Moreno dos Santos, com financiamento do
15
Com acesso à bibliografia sobre a ditadura, proporcionado pela pesquisa de iniciação
científica, aconteceram as primeiras idas ao arquivo do Colégio Estadual de Serrolândia. Lá
encontramos um rico acervo documental que versava sobre o cotidiano do Ginásio Municipal –
atas de reuniões entre direção e professores, registros de organização das celebrações cívicas,
reuniões com os pais, livros de matrículas, resultado dos exames de admissão entre outros. Essas
fontes forneceram indícios preciosos para buscar entender o funcionamento da instituição escolar
durante a ditadura militar.
Em 2018, finalizamos o trabalho de monografia intitulada: Cotidiano, memória e política:
celebrações cívicas no primeiro Ginásio Municipal de Serrolândia-Ba, durante a ditadura civil-
militar (1964-1980). No tempo da pesquisa, que teve como orientador o prof. Dr. Thiago Machado
de Lima, buscamos investigar o cotidiano do Ginásio Municipal de Serrolândia no período da
ditadura civil-militar e compreender como os governos militares tentaram legitimar seus poderes
por meio do sistema educacional brasileiro.7 O interesse pessoal em pesquisar essa instituição
ginasial na cidade de Serrolândia nasceu durante minha estadia como aluno do ensino médio, entre
os anos 2010 a 2012. Integrar o espaço acabou fomentando o desejo de ressaltar a história do
principal centro educativo do município serrolandense durante as três primeiras décadas da
segunda metade do século XX.
Para o projeto de mestrado apresentado ao programa de Pós-graduação em História, no
Departamento de Educação do Campus II/Alagoinhas (DEDC-II/UNEB), buscamos
problematizar, mais detidamente, as celebrações e comemorações cívicas realizadas pelo Ginásio
Municipal de Serrolândia durante o período da ditadura civil-militar. Também é do nosso interesse
analisar como os agentes – ex-alunos, professores, diretores e demais integrantes da comunidade
escolar – construíram e problematizam as diferentes memórias do estabelecimento de ensino e dos
festejos desenvolvidos nas principais datas comemorativas.
A importância acadêmica dessa dissertação se encontra na insurgência de novos debates
acerca das celebrações, festejos e comemorações cívicas, e como esses momentos celebrativos
foram encarados, pelos governos militares, como pilares para a construção dos consensos,
consentimentos e legitimidades junto à sociedade brasileira. Cabe salientar que, no Brasil, esta
área de pesquisa é bastante significativa. Nos centros acadêmicos, produções como teses e
Programa Institucional de Iniciação Científica (PICIN/UNEB). Recentemente a proponente do projeto defendeu a tese
de doutorado: A memória midiática nos 50 anos do golpe de 1964: Alberto Dines, “chumbo quente” e o observatório
da imprensa. Universidade Federal da Bahia (UFBA). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFCH), Salvador,
2022.
7
OLIVEIRA, Marconey de Jesus. Cotidiano, memória e política: celebrações cívicas no primeiro Ginásio Municipal
de Serrolândia-BA, durante a ditadura civil-militar (1964-1980). Monografia (Graduação em História). Universidade
do Estado da Bahia (UNEB). Jacobina-Ba, 2018.
16
dissertações foram escritas nos últimos anos nos diversos programas de pós-graduações de
universidades em vários estados brasileiros. Como exemplos dessas produções, cito as teses de
Adjovanes Thadeu Silva de Almeida, O regime militar em festa: a comemoração do
Sesquicentenário da Independência Brasileira (1972), defendida em 2009, na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);8 Janaina Martins Cordeiro, Lembrar o passado, festejar o
presente: as comemorações do Sesquicentenário da Independência entre consenso e
consentimento (1972), defendida na Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2012;9 e Bruno
Duarte Rei, Celebrando a pátria amada: esporte, propaganda, e consenso nos festejos do
Sesquicentenário da Independência do Brasil (1972), também desenvolvida na UFF, no ano de
2019.10 Essas pesquisas nos ajudam a compreender como as comemorações cívicas se constituíram
em elementos fundamentais no diálogo entre ditadores e a sociedade.
Na Bahia, a historiografia que cerca o golpe civil-militar de 1964 e a ditadura subsequente
já computa um grande número de trabalhos. Destacamos as coletâneas organizadas por Grimaldo
Carneiro Zacarihades: Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos horizontes
(2009)11 e Ditadura militar na Bahia: histórias de autoritarismo, conciliação e resistência
(2014),12 que abordam diferentes temáticas, proporcionando debates acerca de questões voltadas
para eleições no transcurso da ditadura, movimento estudantil e de trabalhadores e a militância das
oposições entre outras discussões. A pesquisa sobre o impacto do golpe em cidades baianas tem
sido uma das linhas mais estudadas no estado. Contudo, no que concerne às discussões sobre a
ditadura civil-militar e à relação com a educação e práticas cívicas em escolas existe uma lacuna.
Sendo assim, esse trabalho visa contribuir para a ampliação dos debates como forma de participar
do processo historiográfico acerca da temática.
No Piemonte da Diamantina, região baiana na qual centramos nossas reflexões, alguns
trabalhos que trazem o contexto da ditadura militar já foram produzidos. Com maior relevância,
destacamos as dissertação de Herbert Santos de Oliveira Frente Nacionalista e Grupo dos Onze:
8
ALMEIDA, Adjovanes Thadeu Silva de. O regime militar em festa: o sesquicentenário da independência do Brasil
(1972). Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Rio de Janeiro 2009.
9
CORDEIRO, Janaina Martins. Lembrar o passado, festejar o presente: as comemorações do Sesquicentenário da
Independência entre consenso e consentimento (1972). Tese de Doutorado em História. Niterói: Universidade Federal
Fluminense (UFF), 2012.
10
REI, Bruno Duarte. Celebrando a pátria amada: esporte, propaganda, e consenso nos festejos do Sesquicentenário
da Independência do Brasil (1972). Niterói: Universidade Federal Fluminense (UFF), 2019. Tese (Doutorado em
História).
11
ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro (Org.). Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, novos
horizontes. Salvador: EDUFBA, 2009.
12
______. Ditadura Militar na Bahia (Org.). Histórias de autoritarismo, conciliação e resistência. Salvador:
EDUFBA, 2014.
17
nacionalismo de esquerda, política e repressão em Jacobina-BA 1963-1966 (2017), que buscou
compreender a formação e a atuação do Grupo dos Onze entre 1963 e no período imediato ao
golpe civil-militar em 1964.13 E Os Carcarás: política e sociedade em Jacobina 1966-1973 (2012)
de Carla Côrte Araújo, que destrinchou os conflitos entre os políticos jacobinenses Francisco
Rocha Pires e Fernando Daltro, tendo como pano de fundo a segunda metade do século XX.14
Ao escrever sobre fatos considerados “recentes”, incorremos nas desconfianças de alguns
pesquisadores, pois, segundo eles, é preciso que exista certo afastamento dos acontecimentos
históricos para possibilitar uma análise mais aprofundada dos eventos. René Rémond discute que
“os historiadores que trabalham em períodos sobre os quais se pode legitimamente pensar que o
ciclo está quase fechado, portanto, que a última palavra foi dita arriscariam abusar da vantagem
que lhes confere o fato de conhecer a sequência.”15 Nesse contexto, o autor sugere que o historiador
precisa se cercar de certos cuidados para não incorrer em armadilhas que a aproximação dos fatos
pode proporcionar. A história do golpe civil-militar de 1964 e da ditadura que a seguiu ainda é um
campo em construção, cabendo às novas pesquisas contribuírem para um maior esclarecimento de
como esse processo político foi conduzido nas diversas instituições do país.
Analisando o movimento político dos militares subalternos no início da década de 1960,
Paulo Eduardo Parucker afirma que “a história política do Brasil-República tem transcorrido em
marcos determinados sobremaneira pela ação das Forças Armadas: 1888, 1930, 1937, 1945,
1954.”16 Entretanto, devemos lembrar que cada momento de intervenção desse seleto grupo no
processo histórico brasileiro teve suas singularidades. A ditadura civil-militar, instaurada após o
golpe de 1964, não foi um resultado automático desses processos de intervenções anteriores, mas
fruto de acontecimentos e perturbações decorrentes da própria década de 1960.
Considerando a participação ativa dos militares na construção política do Brasil, devemos
compreender que, em 1964, as Forças Armadas não teriam expressividade para articular uma
tomada de poder sem o apoio de outros seguimentos da sociedade. Por esse motivo, é importante
frisar que o golpe de 1964 e a ditadura que se estendeu até 1985 foram mais que um processo
autoritário militar, eles contaram com o apoio, aberto ou velado, de diversos seguimentos da
13
OLIVEIRA, Hebert Santos. Frente Nacionalista e Grupo dos Onze: Nacionalismo de esquerda, política e repressão
em Jacobina-BA (1963-1966). Universidade Federal da Bahia (UFBA). Dissertação (Mestrado em História), Salvador,
2017.
14
ARAÚJO, Carla Côrte de. Os Carcarás: Política e sociedade em Jacobina (1966-1974). Dissertação de mestrado
em História: Salvador. Universidade Federal da Bahia (UFBA): 2012.
15
RÉMOND, René. O retorno do político. In: CHAVEAU, Agnès; TÉTART, Philippe (Orgs). Questões para a
história do presente. Bauru: EDUSC, 1999. p. 55.
16
PARUCKER, Paulo Eduardo Castello. Praças em Pé de Guerra: o movimento político dos subalternos militares no
Brasil 1961 a 1964 e a Revolta dos Sargentos em Brasília. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 70.
18
sociedade civil brasileira. Segundo Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes, “foram grupos civis
e militares de direita que se articularam, mesmo com discordância internas e sem comando único.
Foram forças militares que desencadearam o movimento armado, contando com o apoio político
civil em vários estados da federação e no Congresso Nacional.”17
As afinidades entre sociedade e a ditadura podem ser remontadas desde os primeiros
movimentos que levaram à derrubada do governo João Goulart. As Marchas da Família com Deus
pela Liberdade, orquestradas por grupos civis conservadores, buscaram consensualizar as ações
oposicionistas ao presidente Jango, principalmente, em temas voltados às reformas de base.
Segundo Aline Presot, essas Marchas são divididas em dois momentos: as de contestações ao
processo de aproximação à esquerda e um possível golpe comunista planejado por Goulart, Leonel
Brizola e companhia e, depois de março de 1964, as de comemorações ao movimento
‘revolucionário’ dos militares, que colocou fim aos “devaneios reformistas” que rondavam a nação
brasileira.18 Impulsionados pelo empresariado aglutinado no Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais (Ipes), as Machas buscaram “a adesão da população usando valores e elementos simbólicos
como amor à pátria, o respeito à democracia, a defesa da família e das liberdades políticas.”19
O historiador Daniel Aarão Reis Filho aponta que, sem o apoio dos grupos civis – ativos e
conscientes – os governos militares não conseguiriam se manter na governança do Estado
brasileiro por mais de duas décadas. Esta base de adesão, “consciente” e “ativa” à ditadura,
emanava especialmente dos meios empresariais e políticos.20 Ponderando as ideias de Reis Filho,
Rodrigo Patto Sá Motta afirma ser necessário entender que a ditadura, ao longo dos seus mais de
vinte anos, reuniu apoio de uma parcela da sociedade brasileira, porém, é imperativo adensar mais
as reflexões em torno de um possível consenso popular a ditadura.21
Carlos Fico argumenta que o golpe de 1964 angariou e contou com apoio da sociedade
civil, porém, “o regime subsequente foi eminentemente militar e muitos proeminentes que deram
o golpe foram logo afastados pelos militares justamente porque punham em risco o seu mando.”22
Assim, Fico sustenta que, após o golpe com a participação dos civis, nos primeiros meses de 1964,
17
FERREIRA, Jorge e GOMES, Angela Castro. 1964: o golpe que derrubou um presidente, pós fim ao regime
democrático e instituiu a ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014. p. 389.
18
Foram registrados a “ocorrência de 69 Marchas entre março e junho de 1964. Dessas, acima de 80% aconteceram
após o golpe, a grande maioria em abril”. PRESOT, Aline. Celebrando a “Revolução”: as Marchas da Família com
Deus pela Liberdade e o Golpe de 1964. In: ROLLEMBERG, Denise e QUADRAT, Samantha (Orgs). A Construção
Social dos Regimes Autoritários: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2010. p. 86.
19
Idem, 2010, p. 79.
20
REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à constituinte de 1988. Rio de
Janeiro: Zahar, 2014. p. 83.
21
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados Presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.
p. 124.
22
FICO, Carlos. O Golpe de 1964: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014. p. 9.
19
o restante do processo foi conduzido por uma ditadura/regime estritamente militar. É possível
encontrar o emprego de outras terminologias sobre esse período da história brasileira: ditadura
empresarial militar; regime militar e até mesmo ‘revolução’ ou ‘contrarrevolução’ militar de 1964.
Mais do que uma questão terminológica, elas representam também disputas pelas memórias
do período que compreende os acontecimentos inaugurados no dia trinta e um de março de 1964.
Para alguns, pensar a utilização do termo civil-militar, com relação à caracterização da ditadura
que comandou o Estado brasileiro por mais de vinte anos, significa diminuir as responsabilidades
dos agentes militares sobre os acontecimentos daquele período. Porém, as autoras Nadia
Gonçalves e Suzete Bornatto sustentam que o emprego dessa nomenclatura “não significa a
desresponsabilização dos militares acerca do que houve naquele contexto, mas sim a inclusão de
novos agentes como partícipes, ativos em diferentes níveis e perspectivas, na política e na
sociedade de então.”23 Assim como parte da historiografia atual, utilizamos o termo civil-militar
para adjetivar o golpe de 1964 e o regime que lhe seguiu. Essa terminologia visa destacar que
grupos civis apoiaram o golpe e participaram da sua condução até o final do seu processo em 1985.
Voltando às celebrações e festejos, percebemos que o projeto cívico-escolar, comandado
pela ditadura civil-militar, visou uma “nova educação” da juventude. Embasada em valores como
disciplina, hierarquia, obediência, exaltação à pátria e ao nacionalismo.24 Era imprescindível a
realização das comemorações cívicas nos ginásios, escolas, colégios e em todas as repartições
populares na qual os valores conservadores pudessem penetrar. Investir nesses valores seria o
caminho para livrar os jovens e a sociedade brasileira dos ‘ideais perversos’ do comunismo.
Segundo Reis Filho, dentro do contexto da Guerra Fria e após a bem sucedida Revolução Cubana,
em 1959, criou-se a ideia de que “a civilização ocidental e cristã estava ameaçada no Brasil pelo
espectro do comunismo ateu que invadiu o processo político, assombrando as consciências.”25 Para
manter-se afastado do perigo vermelho fazia-se necessário, além expurgar todos aqueles que
coadunavam com tal linha de pensamento, investir na propagação dos valores patrióticos,
normatizadores e conservadores de direita.
A partir da década de 1970, as comemorações cívicas se mostraram bastante presentes no
cotidiano das instituições escolares, pois, durante esse momento, a ditadura civil-militar investiu
em um discurso otimista, eufórico e do país que crescia motivado pelo “milagre econômico”. Para
Janaina Martins Cordeiro, a “(re)educação da juventude foi percebida, na década de 1970, como o
23
GONÇALVES, Nadia Gaiofatto e BORNATTO, Suzete de Paula. Educação e Sociedade na ditadura civil-militar:
adesões, acomodações e resistências. Curitiba: Editora CRV, 2019. p. 9.
24
CORDEIRO, Janaina Martins. A ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2015.
25
REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. p. 14.
20
antídoto necessário para curar as ideologias estranhas, que poderiam seduzir facilmente os
jovens.”26 No Ginásio Municipal da cidade de Serrolândia não foi diferente, por meio da
documentação encontrada no acervo da escola, pudemos analisar o crescimento dessas atividades
patrióticas. Nos primeiros anos da década de 1970, o referido ginásio comemorou, além dos
tradicionais festejos do Sete de Setembro, o aniversário da ‘revolução’ de trinta e um de março de
1964 consecutivamente, com desfiles e solenidades, repletos de exaltação aos hinos cívicos e
símbolos pátrios.27
Outro grande evento cívico que marcou essa instituição ginasial se constituiu dos festejos
ao Sesquicentenário da Independência da República no ano de 1972. Essa comemoração foi
pensada pelos representantes da ditadura civil-militar para tornar-se um grande marco na história
do país, uma vez que, ligou-se as celebrações do Sesquicentenário aos efeitos do “milagre
econômico” que a nação “vivenciava” sob o julgo das Forças Armadas. Cabe ressaltar que as
práticas cívicas, durante os governos militares, talvez não tivessem o consenso da coletividade,
mas contava com o consentimento velado de parcela significativa da população. Os valores
patrióticos apresentados durante as comemorações deveriam ser passados aos alunos
cotidianamente, no dia a dia da escola, sendo reforçados pelas disciplinas EMC e pela Organização
Social e Política Brasileira (OSPB).
Outro fator que podemos destacar no primeiro Ginásio Municipal de Serrolândia, a partir
da documentação trabalhada, é a presença de militares como professores e diretores da instituição.
Foi bastante comum e evidenciada nas fontes, documentais e memorialísticas, a participação de
sargentos da polícia na organização dos desfiles cívicos e também na condução de disciplinas
como EMC, OSPB e Educação Física. Os militares buscaram ocupar os espaços em qualquer local.
Tratava-se de não deixar lacunas possíveis para que os considerados inimigos da pátria se
proliferassem. A ocasião dos desfiles era bem propícia, pois aparentava um clima festivo, de
socialização com a população e servindo também para aproximação entre juventude e a estética e
os valores propagados pelos militares. A simples presença desses agentes passava uma mensagem
clara: “estamos aqui”, e isso, de certa forma, atuava como um inibidor das oposições ou mesmo
dissensões.
No decorrer da pesquisa, catalogamos os livros de atas, matrículas, resultado dos Exames
de Admissão e reuniões do Ginásio Municipal. Na Câmara de Vereadores de Serrolândia,
utilizamos os registros dos livros de atas das sessões entre os anos de 1963 até 1987, requerimentos
26
CORDEIRO, 2015, op. cit. p. 21.
27
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas nº 1. Ano de Abertura: 1971. Local: Ginásio
Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
21
e ofícios, como também colhemos as atas das sessões regulares da Igreja Batista de Serrolândia na
década 1970, além de outros documentos. A problematização que procuramos fazer da
documentação escrita, sempre que possível, foi cotejada com as demais fontes e a finalidade não
consistiu em comparar, mas, sim, em confrontá-las, não as hierarquizando, mas considerando suas
complementariedades e contradições.
Ao trabalhar as críticas direcionadas às fontes escritas, o historiador francês Jacques Le
Goff afirma que o documento é “um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de
forças que aí detinha poder.”28 Portanto, a fonte documental não pode ser encarada como “meros
papéis”, relegados a um passado inerte. A documentação pertencente ao Ginásio Municipal
revelou para essa pesquisa o “discurso oficial” das celebrações cívicas realizadas pela instituição
de ensino. Analisando as atas das comemorações do Sete de Setembro, entrada da primavera,
aniversário da ‘revolução de 64’ e dos festejos dos cento e cinquenta anos de independência do
Brasil, em 1972, o nosso principal intuito foi compreender como eram organizados esses ritos
comemorativos e sua importância na construção da legitimidade à ditadura civil-militar na
localidade.
Nesse contexto, compreendemos que as fontes escritas coletadas no estabelecimento de
ensino ginasial não seriam suficientes para sustentar nossa narrativa. Assim, fizemos leituras e
análises dos Livros de Atas do Poder Legislativo do município de Serrolândia. Tivemos acesso
aos registros de 1963 a 1968 (Livro de atas n. 1), de 1971 a 1977 (Livro de atas n. 3), aos
documentos de 1978 a 1983 (Livro de atas n. 4) e os que compreendem os anos 1984 a 1987 (Livro
de atas n. 5). Não foi encontrado o Livro de Atas n. 2, que abrangeria os anos de 1969 e 1970,
segundo os funcionários da Câmara Municipal essas atas desapareceram do acervo documental da
instituição já há algum tempo.
Incialmente, recorremos ao arquivo da Câmara Municipal de Vereadores para montar uma
breve trajetória do Ginásio Municipal de Serrolândia, seu projeto de criação, as principais
discussões em que essa instituição escolar estava envolta e se havia menções às comemorações e
celebrações cívicas realizadas na cidade. Os vestígios encontrados nessa investigação
proporcionaram não apenas alcançar nossos objetivos como abriram um leque para outras questões
que envolviam os meandros políticos da sociedade serrolandense.
Assim como Marieta de Moraes Ferreira, entendemos que “o político não é uma instância
ou um domínio entre outros da realidade. É o lugar onde se articula o social e sua representação, a
28
LE GOFF, Jacques. História e memória. 7ª ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2013. p. 495.
22
matriz simbólica na qual a experiência coletiva se enraíza e se reflete por sua vez.”29 O Ginásio
Municipal estava envolto pelo forte jogo político existente na cidade durante toda a segunda
metade do século XX. A maioria dos agentes que participava dessa instituição escolar detinha uma
participação política muito acentuada no município. A escola funcionava de acordo com os
interesses de cada grupo político que administrava a cidade e foi, por diversas vezes, utilizada para
penalizar as pessoas que se mostravam contra determinada gestão. O leitor não vai encontrar nessa
dissertação uma abordagem tradicional da História Política, assim como referenciado pela obra
organizada por Rémond, porém, não nos afastaremos desse campo de estudo.30
Segundo Carlo Ginzburg, a procura pelo sujeito dá-se por uma batalha, em que o
historiador investiga os documentos, catálogos e coleções.31 A análise documental que cerca o
Ginásio Municipal é de extrema importância, uma vez que, essa instituição de ensino é o nosso
principal personagem. Vários outros agentes apareceram em nossos fios narrativos, ajudando-nos
a compreender o contexto social, político, econômico e cultural em que o ginásio esteve inserido
e como as celebrações e práticas cívicas foram realizadas durante a ditadura civil-militar. Festejar
era de verdade uma honra? Nem todos pensavam assim. Tentamos entender, por meio das
memórias, como se dava o processo de burlas e resistências daqueles que não queriam desfilar nas
datas consideradas importantes.
A História Oral mostrou-se indispensável para esse trabalho. Ao lançar suas narrativas
individuais, cada depoente buscou rememorar as ocasiões festivas que envolviam o Ginásio
Municipal de Serrolândia sob sua perspectiva. Mesmo com a singularidade, que é imposta a cada
forma de lembrar, essas memórias nos possibilitam abarcar o ideário da coletividade assim como
descrito por Maurice Halbwachs.32 As entrevistas foram realizadas a partir da coleta de dados,
extraídos da documentação da própria instituição ginasial. Os livros de matrículas e Exame de
Admissão possibilitaram saber quem estava no educandário durante os anos de 1964 a 1985,
informações que permitiram conhecer e contatar ex-professores, alunos, diretores e outros
funcionários. Tivemos bom êxito em nossas excussões por entrevistados, apesar de alguns
personagens terem se recusado a ceder suas lembranças.
29
FERREIRA, Marieta de Moraes. A “nova velha” história: o retorno da história política. Revista Estudos Históricos,
v. 5, nº 10, 1992. p. 270.
30
RÉMOND, René. Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ; FGV, 2003.
31
GINZBURG, Carlo. “O nome e o como”. In:______. A Micro-História e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1991. p.
169-178.
32
Segundo Halbwachs, mesmo que trate de uma lembrança individual a memória vai pertencer ou se manter ligada
ao coletivo. Desta forma, quando os entrevistados empreenderem suas narrativas individuais, eles estarão compondo
uma memória coletiva. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva, São Paulo: Centauro, 2003. p. 30.
23
Tomamos como referência para o trabalho com a História Oral a obra do historiador inglês
Paul Thompson: A voz do passado. Segundo Thompson, a evidência oral vem transformando os
“objetos” de estudo em “sujeitos”, contribuindo assim com “uma história que não só é rica, mais
viva e mais comovente, mas também mais verdadeira.”33 Nesse contexto, compartilhando as
riquezas proporcionadas pela oralidade, procuramos ouvir a voz dos múltiplos e diferentes
narradores que se dispuseram a emprestar suas memórias para compor as linhas narrativas
presentes neste trabalho.
Contamos com um total de treze depoentes e dezesseis entrevistas realizadas nos anos de
2017 e 2021.34 A maioria dos entrevistados estiveram no Ginásio Municipal de Serrolândia entre
as décadas de 1960 a 1970, como alunos, professores ou gestores da instituição. Para Alessandro
Portelli, as representações da História Oral se constituem através das experiências pessoais de cada
indivíduo, desta forma, “os narradores articulam memória, avaliação e relatos em diálogos com
entrevistadores que estão tentando reconstruir uma estrutura mais ampla.”35 Apesar de possuir um
roteiro pré-definido, buscamos respeitar as singularidades presentes na seleção de lembranças de
cada depoente.
Afetados pela pandemia do Novo Coronavírus (SARS-CoV-2), ficamos impossibilitados
de ampliar de forma exponencial a coleta de novos depoimentos, entretanto, conseguimos realizar
mais algumas entrevistas de forma presencial. Esses novos documentos de história oral foram
obtidos seguindo todas as normas estipuladas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) –
distanciamento social, uso de máscaras de proteção facial e utilização de álcool gel. Contudo, com
o agravamento da crise sanitária resolvemos realizar os depoimentos restantes por intermédio de
ligação telefônica.36
De acordo com Ricardo Santigo e Valéria Magalhães, os depoimentos orais obtidos através
de dispositivos como ligações telefônicas, videoconferência ou qualquer outra modalidade que não
remeta ao encontro presencial entre entrevistado e entrevistador “costumam ser observadas com
cautela, se não imediatamente descartadas, como se não houvesse dúvidas de que a história oral e
a pesquisa em meio digital não são amigas, mas rivais.”37 A produção do documento de história
33
THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 137.
34
José Oliveira dos Santos (62 anos); Jonas Ferreira Gonçalves (75 anos); Elenita Oliveira de Sousa (64 anos); Paulo
Rodrigues de Oliveira (76 anos); Valdelice dos Reis Cunha (68 anos); Edite Almeida da Cruz Reis (60 anos); Cleonice
Barreto Rios (67 anos); José Reis Barreto da Silva (68 anos); Diógenes Vilas Boas (66 anos); Valentino Andrade da
Silva (85 anos) e Izailda Oliveira Vilela (64 anos).
35
PORTELLI, Alessandro. Ensaios de história oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010. p. 186.
36
Através das ligações telefônicas conversamos com a Sra. Maria Célia Matias de Araújo Mota (57 anos) e o Sr.
Nivaldo Valois de Oliveira (71 anos).
37
SANTIAGO, Ricardo e MAGALHÃES, Valéria Barbosa de. Rompendo o isolamento: reflexões sobre história oral
e entrevistas à distância. Anos 90, Porto Alegre, v. 27, 2020. p. 2.
24
oral consiste na relação direta, no diálogo e nas trocas de experiência entre depoente e pesquisador.
Nesse contexto, uma análise de entrevista oral procura levar em consideração a maneira como o
entrevistado articula sua forma de lembrar, como se posiciona diante do passado rememorado e
suas expressões tanto emocionais quanto físicas. Um dos limites encontrados na consecução de
um depoimento remoto é não conseguir empreender observações sobre essas percepções emanadas
pelos indivíduos durante as narrativas orais. Porém, executando a pesquisa durante uma das
maiores emergências sanitárias já vivenciadas pela humanidade e privados do contato social,
optamos por finalizar a coleta das entrevistas por meio dos dispositivos remotos.
Encontramos dificuldades quando relacionamos ditadura civil-militar e memórias. Mesmo
em cidades pequenas do interior, que a repressão regida pelos governos ditatoriais foi teoricamente
menor, há uma relutância sobre os compartilhamentos dessas lembranças. Tomamos como
referência os escritos de Michel Pollak, pois ele nos lembra que “em face dessa lembrança
traumatizante, o silêncio parece se impor a todos aqueles que querem evitar culpar as vítimas. E
algumas vítimas, que compartilham essa mesma lembrança ‘comprometedora’ preferem, elas
também, guardar silêncio.”38 Essas memórias são consideradas proibidas e tendem a sofrer um
“apagamento” proposital. “A memória individual resulta da gestão de um equilíbrio precário, de
um sem-número de contradições e de tensões.”39 Isso é perceptivo na narrativa dos depoentes,
pois, ao mesmo tempo em que afirmam não haver interferência direta das políticas de
disciplinarização e normatização da ditadura civil-militar no Ginásio Municipal de Serrolândia,
apontam o rigor e a falta de liberdade que a escola impunha naquele período.
Segundo Ecléa Bosi, a memória se constitui em cabedais infinitos nos quais os
pesquisadores conseguem registrar apenas pequenos fragmentos.40 O ato de rememorar constitui-
se em um processo seletivo: as pessoas escolhem o que querem lembrar e o que desejam apagar,
esquecer ou silenciar. Percebemos que as memórias do Ginásio Municipal de Serrolândia no
período estudado estão intrinsecamente ligadas ao jogo político existente na cidade. Para a maioria
dos entrevistados, a maior perseguição era feita pelos grupos políticos locais, passando assim
despercebida a ação normatizadora da ditadura civil-militar. É preciso levar em consideração o
que explana Paul Ricoeur, para quem, “ao se lembrar de algo, alguém se lembra de si”, e
possivelmente recorda-se de seus apoios, adesões, acomodações e consentimentos no passado.41
38
POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3, Rio de Janeiro, 1989, p. 3-
15. p. 6.
39
Idem, 1989, p. 13.
40
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 39.
41
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007. p. 107.
25
As fontes orais obtidas nos permitem analisar como as práticas cívicas estavam no ínterim
da sociedade serrolandense. Através dos depoimentos, foi possível perceber como essas memórias
povoam as lembranças dos sujeitos presentes no Ginásio Municipal no período estudado. Para
Lucileide Cardoso, “lembrar significa recriar a partir do presente, não importando se é fiel ou não
ao passado, pois interessa considerar que o presente lhe imprime uma marca singular diferente
daquele do acontecimento tal como ocorreu.”42 Cabe, entretanto, ao pesquisador problematizar a
construção dessas memórias. Foi nessa perspectiva apontada pela autora que dialogamos com as
entrevistas cedidas a essa pesquisa. Salientamos que os depoimentos serão encontrados pelo leitor
no decorrer de toda a dissertação, e cabe destacar que essas rememorações foram de extrema
importância para o entendimento das celebrações e festejos cívicos, além de nos possibilitar
problematizar as memórias acerca da ditadura civil-militar em Serrolândia.
As iconografias também se mostraram muito importantes para a consecução do trabalho.
Elas não foram introduzidas na pesquisa para fazer meras ilustrações ou ocupar páginas e foram
trabalhadas dentro da perspectiva de constituidoras de um discurso próprio, independente dos
outros documentos. Para Peter Burke, as “imagens podem testemunhar o que não pode ser
colocado em palavras”, cada representação imagética evidencia pontos de vistas e olhares de quem
as produziu.43 Burke chama a atenção para as críticas que o historiador precisa lançar sobre esse
tipo de documento. Segundo ele, as imagens precisam ser contextualizadas, “isso nem sempre é
fácil no caso das fotografias, uma vez que a identidade dos fotografados e dos fotógrafos é muitas
vezes desconhecida.”44 Assim como salientado pelo autor, a maioria das fotografias que
encontramos não trazem consigo informações sobre quem as produziu, ano ou local de registro.
Porém, mostram-se bastante ricas em detalhes e significados.
As celebrações cívicas eram consideradas ocasiões de grande importância na cidade. Os
eventos tinham imagens capturadas para guardar de recordação, tanto pelo poder público
municipal quanto pelas famílias. Inúmeros “retratos” foram encontrados em posse dos depoentes,
servindo para rememorar aqueles tempos de outrora. Os entrevistados Jonas Ferreira Gonçalves e
Valentino Andrade da Silva cederam seus riquíssimos acervos fotográficos para esta dissertação.
Empreendemos pesquisas no arquivo do Departamento Municipal de Cultura da cidade de
Serrolândia, onde foram encontrados alguns registros dos desfiles cívicos no período pesquisado.
42
CARDOSO, Lucileide Costa. Dimensões da memória na prática historiográfica. In: OLIVEIRA, Ana Maria
Carvalho dos Santos; REIS, Isabel Cristina Ferreira dos (Orgs). História Regional e Local: Discussões e Práticas.
Salvador: Quarteto, 2010.p. 158.
43
BURKE, Peter. Fotografias e retratos. In:______. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EDUSC, 2004. p.
38.
44
BURKE, 2004, op. cit. p. 27.
26
No mesmo contexto, recorremos ao blog Serrolândia Antigo – site responsável por armazenar
vários registros fotográficos da cidade tendo como principal objetivo ressaltar a história do
município.45
Destacamos, ainda, que o trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro, intitulado:
História, narrativa e memórias do Ginásio Municipal de Serrolândia, procuramos construir um
pequeno apanhado histórico sobre o nascimento dessa instituição ginasial, buscando ao longo
desse processo analisar a importância que o educandário angariou dentro da cidade sertaneja de
Serrolândia, uma vez que, entre as décadas de 1960 a 1980, com o crescimento iminente da
população serrolandense, esse espaço escolar passaria a atender um número significativo de
estudantes. Entender o cotidiano do estabelecimento de ensino também se constituiu em nosso
objetivo, assim, buscamos destacar as mais variadas percepções dos agentes – ex-alunos, diretores
e professores – que estavam no ginásio durante o período pesquisado.
Ainda no primeiro capítulo tecemos algumas análises sobre o cenário político local e como
as disputas pela prefeitura reverberavam na única instituição ginasial da cidade. Na conjuntura
estudada, o poder executivo de Serrolândia era disputado por dois grupos políticos ligados à Arena.
“Chapéus Brancos” e “Chapéus Pretos”, como ficaram popularmente conhecidos, revezaram-se
no poder durante toda a segunda metade do século XX. O ginásio esteve envolto a esses grupos
locais e a cada novo prefeito a instituição tinha sua nomenclatura trocada para atender aos
“caprichos” da nova administração. Desta forma, é bastante comum encontrar nos acervos
documentais, terminologias como: “Centro Educacional Florivaldo Magalhães Sousa” ou “Centro
Educacional de Serrolândia”. No exame das fontes, percebemos que as constantes disputas
políticas exerceram influência significativa nas celebrações e práticas cívicas realizadas pelo
ginásio.
A discussão sobre os festejos patrióticos teve maior aprofundamento a partir do segundo
capítulo: As comemorações cívicas realizadas pelo Ginásio Municipal de Serrolândia. Nesta
seção, procuramos entender como foram organizados e desenvolvidos os desfiles e as celebrações
patrióticas no Ginásio Municipal durante a ditadura civil-militar. Neste contexto, buscamos
compreender quais memórias povoam as lembranças dos depoentes sobre as celebrações
organizadas pelo estabelecimento de ensino. Estendendo os fios da narrativa, houve a possibilidade
de obter algumas informações sobre os militares que estavam presentes na instituição ginasial,
45
Pensamos as fontes iconográficas como textos não verbais, carregadas de sentidos e singularidades. Nesse contexto,
optamos por dialogar com autores que pensam a fotografia como representações culturais e sociais. Recorremos aos
escritos de Ana Maria Mauad (1996); Boris Kossoy (2002); Zita Possamai (2008); Philippe Dubois (2009); Ulpiano
Bezerra Meneses (2012) e Valter Oliveira (2017 e 2019).
27
personagens que tinham como principal responsabilidade assumir os cargos de direção ou
docência. Os documentos escritos, os depoimentos orais e as fontes iconográficas reunidas nesta
pesquisa, mostram que os desfiles, solenidades e festejos nas principais datas comemorativas
proporcionaram momentos de grande euforia na sociedade serrolandense.
A participação da população era evidente e “comprovava” o sucesso das celebrações
cívicas durante os governos militares. Finalizando o capítulo, analisamos os festejos à efeméride
de trinta e um de março, data que marca a deflagração do golpe civil-militar de 1964. Para entender
melhor essas comemorações que cercavam esta data, recorremos ao conceito de Tradições
Inventadas, cunhado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger.46 O aniversário da ‘revolução de 64’
teve como principal objetivo a exaltação da própria ditadura civil-militar, e no Ginásio Municipal
foi comemorado em pelo menos três anos, entre 1971-1973. Apesar do registro da sua realização
na documentação da instituição, poucos foram os depoentes que fizeram menção a esta celebração,
reforçando assim o apagamento das memórias sobre o período autoritário de 1964 a 1985.
No último capítulo: As comemorações do Sesquicentenário da Independência do Brasil,
analisamos como foram celebradas tais comemorações, em 1972, no Ginásio Municipal de
Serrolândia. Os festejos aos cento e cinquenta anos da independência brasileira obteve, através das
fortes propagandas do governo militar de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), destaque
nacional. Durante a pesquisa documental encontramos uma ata que descreve como a instituição
ginasial preparou e festejou aquela efeméride. Assim como exposto pelas fontes, percebemos que
as comemorações ao Sesquicentenário trouxeram para a população serrolandense o clima de
“união”, otimismo e euforia experimentado nacionalmente. Desta forma, o sentimento patriótico
despertado durante a celebração saiu do interior do Ginásio Municipal e foi ao encontro da
sociedade que se aglomerava na praça Manoel Novaes para assistir aos desfiles e os discursos
proferidos pelos alunos e autoridades locais.
Neste terceiro capítulo, aprofundamos os debates em torno do consenso e do consentimento
entre a sociedade civil e o Estado brasileiro durante a ditadura. Para muitos pesquisadores, a
utilização desses conceitos para designar a adesão ou colaboração de segmentos sociais às/para
com as Forças Armadas implicaria dizer, erroneamente, que houve um apoio unânime e consciente
de parcela da população nacional aos arbítrios cometidos durante o período ditatorial. Nessa
conjuntura, buscar conhecer e compreender a acomodação, o apoio ou a cooperação, da mesma
forma que empreender oposição, subverter-se ou burlar os ditames autoritários podem ser
46
HOBSBAWM, Eric J. e RANGER, Terence (Orgs). As tradições inventadas. 13ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz
e Terra, 2020.
28
encarados dentro da relação dicotômica em torno do chamado comportamento social. Sustentamos
que as comemorações e festejos cívicos, principalmente no início da década de 1970, tornaram-se
excelentes oportunidades para aproximar os civis aos agentes militares, pois através da propagação
de sentimentos nacionalistas, eufóricos e otimistas, criou-se a ideia da inauguração de um “novo
tempo” fruto da ‘revolução salvadora’ erguida em março de 1964.
Esperamos com este estudo contribuir com as investigações sobre o período da ditadura
civil-militar e suas variadas formas de construção dos consensos e consentimentos diante das
relações estabelecidas com a sociedade. Ao empreender pesquisas sobre a organização e o
desenvolvimento das práticas cívicas no Ginásio Municipal de Serrolândia na segunda metade do
século XX buscamos analisar como as propostas requeridas pelos dirigentes da ditadura chegaram
aos meios interioranos, sendo comumente partilhadas entre a instituição ginasial e a comunidade
na qual ela estava inserida. Desta forma, para além do contexto local, visamos aprofundar o
conhecimento histórico e contribuir, de alguma forma, para a construção da historiografia
nacional.
29
Capítulo I
História, narrativa e memórias do Ginásio Municipal de Serrolândia
Mapa 01:
Município de Serrolândia no contexto da região do Piemonte da Diamantina.48
Fonte: SILVA, Joseane Jordão. Mapa de localização do Piemonte da Diamantina. Elaborado com base
nos dados do IBGE de 2021. Serrolândia, 2021.
47
REIS, Diomedes Pereira dos. Serrote de ontem, Serrolândia de hoje. Salvador: Press Colo, 2010. p. 15.
48
O mapa focaliza a região do Piemonte da Chapada Diamantina atualmente, onde Serrolândia (em destaque) está
localizada junto com mais nove municípios; Caém, Capim Grosso, Jacobina, Miguel Calmon, Mirangaba, Ourolândia,
Saúde, Umburanas e Várzea Nova.
30
Aqueles que optarem por ver o anoitecer do Monte Serrote certamente ficarão encantados
com o brilho que o sol apresenta no horizonte por detrás da vegetação típica do sertão nordestino,
avistando também, possivelmente com grande encanto, as silhuetas das serras que compõem o
território do Piemonte da Chapada Diamantina. Caso resolva “zanzar” pela cidade, o visitante
atento perceberá a constituição de dois ambientes distintos, a Serrote mais antiga repleta de
casarões, prédios e repartições públicas característicos do século XX, tendo como ponto de
convergência a Praça Manoel Novaes e uma Serrolândia mais moderna, com arquitetura
contemporânea, uma urbe que se esgaça em todas as direções e ao mesmo tempo se converge para
o centro comercial ao longo da Avenida Manoel Roque Rodrigues.
Pelos limites dessa dissertação, não iremos explorar uma descrição mais densa sobre os
processos de construção social, econômica e cultural que recobrem o município de Serrolândia,
pois, nesse sentido, já foram produzidos alguns trabalhos que circunscrevem vários aspectos e
temáticas sobre a sociedade serrolandense. Destacamos as contribuições de Vânia Nara Pereira
Vasconcelos;49 Tânia Mara Pereira Vasconcelos;50 Jane Adriana Vasconcelos Pacheco Rios51 e
Jairo Soares Rios Júnior;52 entre outros.53
A maior parte dessas pesquisas compreende basicamente o período que vamos trilhar, a
segunda metade do século XX. Muitas temáticas, recortes e fontes foram suscitadas por essas
investigações, inclusive o próprio Ginásio Municipal aparece em algumas delas ocupando um
plano secundário. A ditadura civil-militar e suas várias formas e tentativas de construir
legitimidade passaram rapidamente pela escrita de alguns desses autores. O que buscamos fazer
ao longo dessa pesquisa foi trazer o Ginásio Municipal para o primeiro plano e analisar como a
49
VASCONCELOS, Vânia Nara Pereira. Evas e Marias em Serrolândia: práticas e representações acerca das
mulheres em uma cidade de interior (1960-1990). Salvador: Universidade Federal da Bahia (UFBA). Dissertação
(Mestrado em História Social), 2006. E o livro É um romance minha vida”: Dona Farailda uma casamenteira no sertão
baiano. Salvador: EDUFBA, 2017.
50
VASCONCELOS, Tânia Mara Pereira. Educar, catequizar e civilizar a infância: A Escola Paroquial em uma
comunidade do sertão baiano (1941-1957). São Paulo: Universidade de São Paulo (USP). Dissertação (Mestrado em
História). 2009.
51
RIOS, Jane Adriana V. Pacheco. Ser e não ser da roça, eis a questão: identidades e discursos na escola. Salvador:
EDUFBA, 2011.
52
RIOS JÚNIOR. Jairo Soares. Narrativas de fé e outras histórias dos batistas em Serrolândia. Dissertação (Mestrado
em História Regional e Local) Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Santo Antônio de Jesus-BA, 2012.
53
Para além dessas obras podemos citar as dissertações de Joseane Bispo Oliveira Marques (Trabalho e sociabilidade
no sertão da Bahia: As “quebras” e “tiras” de licuri) e Ivoneide Silva dos Santos (A indústria de bolsas em
Serrolândia – BA e os (Des)caminhos para o desenvolvimento local sustentável). Ambas produzidas na Universidade
do Estado da Bahia, Campus V no Programa de Pós-Graduação em Cultura, Memória e Desenvolvimento Regional,
Santo Antônio de Jesus, 2009. E o livro Por trás da serra: histórias, narrativas e saberes de uma cidade do interior da
Bahia. Organizado por Cláudia P. Vasconcelos, Jane Adriana V. P. Rios, Marcone Denys dos R. Nunes e Vânia Nara
P. Vasconcelos, lançado pela EDUFBA em 2014.
31
ditadura, instaurado após o golpe civil-militar de 1964, buscou a construção de consensos por meio
dos festejos cívicos e das datas comemorativas.
Aos vinte e sete dias do mês de abril do ano de mil novecentos e setenta e um. Foi
promovido por este educandário um desfile comemorativo, homenagem ao 9º aniversário
de fundação deste estabelecimento. O desfile teve início às quatorze horas, percorrendo
assim, várias ruas desta cidade[...].55
54
CÂMARA DE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 1, ata de 24 de setembro de 1964. Ano de
abertura 1963. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
55
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata 03. Ano de Abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
32
instituição ginasial? Seguindo os vestígios encontrados nas atas das sessões da Câmara de
Vereadores de Serrolândia, percebemos que as discussões para a edificação de um espaço próprio
do Ginásio Municipal se arrastaram até o ano de 1972.
Retornando a ata de setembro de 1964, do poder legislativo municipal, pudemos observar
que a proposição de criação do primeiro ginásio da cidade de Serrolândia partiu do poder
executivo, na pessoa do prefeito Florivaldo Magalhães Sousa e seu secretário Manoel Francisco
de Sousa. Tal proposição, além de aprovada, foi elogiada pelos vereadores que cumprimentaram
o prefeito pela criação do espaço de ensino no recém-emancipado município:
O Sr. Presidente autorizou que os vereadores poderiam falar algumas frases do seu íntimo.
[...] O vereador Antonio Ferreira dos Rêis, dando as jubilozas satisfação sôbre o Ginásio,
e novamente o vereador João Ferreira dos Santos, sobre os bons acolhimento do Prefeito
atual Florivaldo Magalhães, e algumas matéria da educação.56
56
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 1, ata de 24 de setembro de 1964. Ano de
abertura 1963. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
57
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 1, ata de 27 de outubro de 1964. Ano de
abertura 1963. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
58
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 1, ata de 20 de novembro de 1964. Ano de
abertura 1963. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
33
Tecendo narrativas sobre o nascimento desta instituição de ensino em Serrolândia,
entendemos como imprescindível a utilização da memória enquanto fonte histórica. Para Maurice
Halbwachs, a memória individual pertence ao coletivo, pois as “nossas lembranças permanecem
coletivas e nos sãos lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só
nós estivemos envolvidos e com objetos que só nós vimos.”59 Nesse contexto, mesmo que aborde
lembranças gestadas no âmbito particular, as memórias vão pertencer ou se manter ligadas à
coletividade. Na entrevista fornecida pelo Sr. Jonas Ferreira Gonçalves, temos um exemplo da
memória individual respaldada pelo coletivo. Questionado sobre o nascimento do Ginásio
Municipal, o entrevistado fez sua narrativa:
[...] começamos através de uma seleção de... chamado processo de admissão, entre esses
alunos escolhia os melhores e aí então a gente se via aprovado para 5ª série, que era
chamada na época, até um tempo então. Aí começamos a, a estudar no chamado Colégio
Municipal de Serrolândia [...]. Daí então nós começarmos a estudar. No colégio não
existia espaço físico para funcionamento, tivemos que iniciar na sede do DNOCS em
Serrolândia, foi lá o colégio municipal de Serrolândia, passamos lá um determinado
tempo...éramos sete, sete alunos formava o corpo e a estrutura para funcionamento desse
colégio [...]. Ali ficamos por esse período, depois achou melhor por bem de... irmos se
aproximando para a sede, para o centro da cidade [...]. Aí viemos pra a garagem de
Waldetrudes Carneiro de Magalhães, lá funcionou, que era pequenininho o grupo dentro
de um cômodo, dentro de uma garagem pra o estabelecimento. Ficamos lá por um
determinado… outro período. Depois nós saímos de lá, viemos pra Praça Manoel Novaes.
[...] tinha uma garagem, existia a garagem ficamos lá também um determinado período
até que o prefeito conseguisse a construção de um prédio. Não o próprio prédio, prédio
do estabelecimento e sim... é, uma escola municipal. [...] Florivaldo Magalhães era o
prefeito na época, foi o primeiro prefeito da cidade e aí ele construiu o prédio chamado
Rômulo Galvão que hoje é chamado professora Eunice Barbosa, né? Foi ali que nós
começamos...terminamos alí.60
59
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva, São Paulo: Centauro, 2003. p. 26.
60
Jonas Ferreira Gonçalves, nascido em 16/01/1946, foi aluno da primeira turma do Ginásio Municipal de Serrolândia
em 1962. O Senhor Jonas foi professor e diretor dessa mesma instituição durante tempo considerável. Ele foi eleito
vereador em 3 gestões: 1989-1992, 1997 a 2000 e 2001 a 2004. Concorreu também ao cargo de vice-prefeito no pleito
de 2004 não sendo eleito. Atualmente é professor aposentado pelo Estado. Entrevista concedida pelo senhor Jonas
Ferreira Gonçalves ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto
de 2017.
61
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autentica, 2005.
34
O nome do Sr. Jonas Ferreira aparece no livro de matrícula aberto em vinte sete de abril de
1964, constando ser da primeira turma do Ginásio Municipal.62 Segundo as memórias do
entrevistado, havia apenas sete alunos aprovados pelo exame de admissão, porém o livro de
matrícula apresenta dezesseis nomes para cursar o ano letivo de 1964. Essa prova de admissão
para os alunos do ginasial era resquício do primeiro governo de Getúlio Vargas (1930 a 1945) e
foi incorporada, pelo menos, nos primeiros anos da ditadura civil-militar na seleção dos alunos no
Ginásio Municipal em Serrolândia.
Outro aspecto frisado pelo entrevistado é a constante troca de lugar para o funcionamento
do ginásio. O primeiro espaço, segundo o mesmo, foi a sede do Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas (DNOCS),63 passado por algumas garagens no centro da cidade e terminando em
um prédio escolar que pertencia a outra instituição de ensino. As memórias construídas pelo Sr.
Jonas Ferreira parecem ter consonância com a documentação do poder legislativo municipal: o
Ginásio Municipal, pelo menos nos seus primeiros anos, não contava com um espaço próprio para
desenvolver suas atividades letivas. Entretanto, isso mudaria antes mesmo da finalização da década
de 1960, quando o anteprojeto de sete de junho de 1966 proporcionou um crédito especial no valor
de Cr$ 4.000.000 para a construção das salas do estabelecimento de ensino.
O valor aprovado pelos vereadores seria responsável por prover um espaço próprio para o
primeiro estabelecimento ginasial da cidade de Serrolândia. Junto a essa concessão de crédito, foi
apresentado o projeto que promoveria a mudança de nomenclatura do Ginásio Municipal que
passaria a ser denominado de Ginásio Florivaldo Magalhães. Todas as indicações e projetos foram
aprovados pela integralidade dos vereadores presentes em primeira discussão.
62
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Matrículas 1964 a 1992. Ano de Abertura: 1964.
Local: Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
63
O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) foi responsável pela construção do grande Açude
Público de Serrote (1950 a 1958). A edificação dessa barragem marcou a história do então povoado, contribuindo para
trazer uma maior visibilidade para o vilarejo que sofria com os longos períodos de estiagem.
64
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n 1, ata de 7 de junho de 1966. Ano de abertura
1963. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
35
A ata de sete de junho de 1966 do legislativo municipal disponibiliza robustas informações.
Inicialmente, percebemos que o projeto que visava trocar a nomenclatura do Ginásio Municipal
de Serrolândia para Ginásio Florivaldo Magalhães partiu do presidente da casa legislativa. Vários
seriam os motivos para o então chefe do executivo receber essa homenagem – por ter sido o
primeiro prefeito ou até mesmo o proponente do anteprojeto que criou a instituição lá em 1964 –
porém, acreditamos que o principal motivo se deu pela força política que esse personagem
representava na cidade.
O Sr. Florivaldo Magalhães Sousa foi o primeiro prefeito de Serrolândia, eleito em 1962,
pelo Partido Republicano (PR), ficando até 1966. Reeleito para o poder executivo em mais duas
ocasiões: 1971-1972, pela Aliança Renovadora Nacional (Arena) e em 1983-1988 sagrou-se
prefeito, pela terceira vez, concorrendo pelo Partido Democrático Social (PDS).65 Além dos
diversos mandatos no poder executivo serrolandense, Seu Flori, como ficou popularmente
conhecido, colecionou em sua carreira passagens pelo poder legislativo de Jacobina (1958- 1963)66
e Serrolândia (1997-2000), o último cargo político ocupado foi de vice-prefeito na gestão 2005 a
2008.67
Segundo Edward Hallet Carr, “a sociedade e o indivíduo são inseparáveis; eles são
necessários e complementares um ao outro e não opostos.”68 Nessa perspectiva, consideramos que
a figura do Sr. Florivaldo traz a complexidade entre as relações individuais e sociais. Percebemos,
por meio da documentação do ginásio, que Florivaldo Magalhães mostrava-se muito presente no
cotidiano daquela instituição. Para além de tudo isso, foi a principal liderança do grupo
denominado Chapéu Branco. No decorrer da nossa narrativa, realizamos uma análise mais detida
sobre a figura desse importante líder político local.
Ao décimo dia do mês de junho de 1966, portanto três dias após a apresentação e primeira
votação dos projetos que visavam renomear o Ginásio Municipal para Ginásio Florivaldo
Magalhães e da concessão de crédito para a construção de salas do referido ginásio, deu-se a
segunda votação:
[...] ordem do Dia durante a sessão foi apreciada aprovação do Ante Projeto de 7 Junho
de 1966, data que foi prorrogada o período de funcionamento da câmara, por maioria dos
senhores vereadores durante o mez de junho do ano em curso, e nesta data foi entrada
65
Forças Vivas da Nação: nossos políticos. Estado da Bahia, Tomo II. 1988.
66
“Na gestão legislativa entre 1959 e 1963, na cidade de Jacobina o Partido Republicano (PR) contou com sete
vereadores na bancada. São eles: Fernando Pires Daltro, Florivaldo Magalhães Sousa, Leonídio Soares da Rocha
Neto, José Moreira da Silva e Raimundo Diniz Veloso.” OLIVEIRA, Hebert Santos. Frente Nacionalista e Grupo dos
Onze: Nacionalismo de esquerda, política e repressão em Jacobina-BA (1963- 1966). Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Dissertação (Mestrado em História), Salvador, 2017. p. 54.
67
REIS, 2010, op. cit. p. 55 e 56.
68
CARR, Edward Hallet. “A sociedade e o indivíduo”. In:______. Que é História? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
36
ant. projeto do Sr. Prefeito municipal e Secretário criando um crédito especial de
4.000.000 C$ (quatro milhões) de cruzeiros para construir 2 salas do ginasio municipal
foi aprovada em 2ª e ultima discussão unanimidade, foi aprovado também o projeto do
vereador Antonio Ferreira dos Reis denominando o ginasio municipal com o nome de
ginásio Florivaldo Magalhães aprovado e 2ª discussão.69 (grifos nossos)
O registro dessa ata mostra que seriam construídas apenas duas salas com o valor dos
quatro milhões de cruzeiros. Levando em consideração que o ginásio funcionava em dois turnos –
manhã e tarde – e ainda não contava com um número expressivo de alunos, as duas salas poderiam
abrigar as quatro turmas do ensino ginasial, de quinta a oitava série. Tanto a concessão de crédito
para a construção das salas quanto a mudança na nomenclatura para Ginásio Florivaldo Magalhães
foram aprovadas por unanimidade nesta segunda votação.
A mudança de nomenclatura ainda passou por uma terceira rodada de discussões e votação,
no dia dezessete de junho de 1966. “Ordem do dia: durante a reunião foi aprovada em 3ª e última
discussão o projeto do vereador Antonio Ferreira dos Reis denominado nome do ginásio municipal
desta cidade com o nome de Ginásio Municipal Florivaldo Magalhães, foi por todos vereadores
presentes.”70A iniciativa de homenagear o então prefeito, dando o seu nome a um estabelecimento
de ensino, partiu do vereador Antonio Ferreira dos Reis, o mesmo que em 1964 deu “jubilosas
satisfações” pela “criação” da primeira instituição ginasial da cidade.
Ao tecer narrativas sobre a criação desse espaço ginasial, o Sr. Valentino Andrade da Silva,
prefeito da cidade entre os anos de 1967 a 1970, pela Arena, corrobora algumas de nossas
suspeitas. Segundo ele, a referida instituição escolar ocupou um prédio já construído:
Era um prédio velho que vivia em ruína... e aconteceu que algumas paredes do prédio
tinham condição de aproveitar... eu aproveitei aquelas paredes e como era um prédio que
não havia condição de se estender para de manter quatro salas de aulas eu fiz uma
extensão que daí ofereceu condições. E uma das salas que tinha no prédio eu aproveitei
para fazer o auditório, pequeno mais é importantizinho, compreendeu? E daí tudo que
precisou para a manutenção do colégio... para dá um acolhimento profundo... um espaço
de acolhimento profundo para os professores... eu realizei com muito amor.71
O processo de consecução da História Oral requer uma atenta crítica do historiador, assim
como o trabalho com qualquer fonte. As recordações disponibilizadas pelo Sr. Valentino Andrade
69
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 1, ata de 10 de junho de 1966. Ano de
abertura 1963. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
70
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 1, ata de 17 de junho de 1966. Ano de
abertura 1963. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
71
Nascido no antigo povoado de Cansanção, na cidade de Monte Santo-Bahia, em 14/02/1937 o Sr. Valentino Andrade
da Silva mudou-se para Serrolândia no final da década de 1950 e atuou como comerciante da indústria de bebidas.
Em 1966, foi convidado pelo então prefeito Sr. Florivaldo Magalhães Sousa para se candidatar ao cargo de chefe
executivo do município. Filiado à Arena, o Sr. Vavá foi candidato único, sendo eleito para o quadriênio de 1967 a
1970. Depois de deixar o comando da prefeitura municipal, ele mudou-se para Feira de Santana e logo após para a
cidade de Caldeirão Grande. Entrevista concedida pelo senhor Valentino Andrade da Silva ao pesquisador Marconey
de Jesus Oliveira. Local: Caldeirão Grande, Bahia, Brasil. Data: 23 de maio de 2021.
37
são memórias do tempo no qual ele era um agente político muito importante na cidade. Em sua
narrativa, percebemos o recorrente uso de expressões como: eu fiz, eu realizei, eu aproveitei. Mais
do que uma tentativa de se autopromover, o entrevistado demonstra que estava atento aos anseios
da população serrolandense e que partiu de sua administração o ato de providenciar um espaço
físico adequado a esse educandário. Ao ser apresentada as informações da ata que registrou a
discussão do anteprojeto de criação do espaço escolar em 1964, o Sr. Vavá, como ficou conhecido,
fez uma narrativa mais acusatória:
72
Entrevista concedida por Valentino Andrade da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local: Caldeirão
Grande, Bahia, Brasil. Data: 23 de maio de 2021.
73
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 12ª ed. Salvador: EDUFBA; São Paulo: EDUNESP, 2019.
38
primeiro plano, o próprio Sr. Valentino Andrade e em um plano secundário uma construção, na
qual ele afirma se tratar do Ginásio Municipal.
Imagem: 01
Prefeito Valentino Andrade da Silva
O retrato evidencia dois homens, um deles é o então prefeito que se fez fotografar
apontando para algo. Um gesto típico das personalidades envoltas no meio político. Na foto, o Sr.
Valentino Andrade surge ainda muito jovem, com pouco mais de trinta anos. Ele parece querer
mostrar algo para o outro homem que está em pé ao seu lado, de terno. Não conseguimos identificar
quem seria esse outro personagem, o próprio entrevistado afirmou não lembrar. Não sabemos se a
obra demonstrada no plano secundário da fotografia se trata de fato do Ginásio Municipal, o
depoente afirma que sim.
Segundo o depoente Jonas Ferreira Gonçalves, no período que compreende a gestão do Sr.
Vavá houve reformas em uma escola “desativada” que serviu para alojar o Ginásio Municipal.
[...] surgiu um outro prefeito na cidade chamado Valentino Andrade da Silva... o governo
criava nas roças... nas fazendas escola rural, era uma escolinha bem estruturada,
entendeu? E aí ficou aquele prédio desativado... onde estava estudando no Rômulo
Galvão... e aí ele ampliou e nessa ampliação nós retornamos pra essa escola rural que
depois deu o nome de Florivaldo Magalhães de Sousa.74
74
Entrevista concedida pelo senhor Jonas Ferreira Gonçalves ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
39
Ao lembrar deste ambiente ampliado pelo prefeito Valentino Andrade, o Sr. Jonas Ferreira
afirma tratar-se de uma escola rural. Possivelmente seria um espaço escolar um pouco mais
afastado do centro da cidade, porém não há indícios que a edificação desse prédio estivesse
localizada na zona rural do município serrolandense. Ainda segundo o entrevistado, as atividades
letivas do ginásio funcionavam na escola por nome Rômulo Galvão, depois da reforma dessa outra
instituição, o curso ginasial mudou-se e ganhou o nome do líder político local, Florivaldo
Magalhães de Sousa.
Empreender uma pesquisa histórica é sempre ficar atento aos vestígios, pistas e sinais que
as fontes proporcionam. Para Carlo Ginzburg, a função do historiador se assemelha a um caçador,
é preciso redobrar sua atenção aos movimentos das “presas”, às “pegadas” deixadas e a capacidade
de “farejar” os rastros.75 Seguindo as atas da Câmara Municipal de Vereadores, encontramos, no
ano de 1972, mais um pedido de concessão de crédito que visava a construção do espaço físico
agora do Ginásio Florivaldo Magalhães:
Aos 30 (trinta) dias do mês de maio do ano de um mil novecentos e setenta e dois (1972)
as 20 horas, no salão Nobre da Câmara Municipal de Serrolândia, a Avenida 6 de Maio,
realizou-se a Sessão do período ordinário, sôb a presidência do Senhor Pedro Fernandes
da Silva, Vice-presidente em exercício [...] Ordem do dia, foi apresentado três (03) anti-
projetos do Chefe do Executivo Municipal respectivamente de números sêis (6) sete (7)
e oito (8), sendo que o de número 6 Autorizando o Poder Legislativo um Crédito especial
no total de 50% do valor do orçamento do ano vigente para a construção do ginásio
Municipal Florivaldo Magalhães Sousa, sendo contraído em qualquer Banco Oficial,
particular, Caixa Econômica Federal ou B.N.H., com os juros previsto em Lei pagável no
prazo de dois a cinco anos.76
O pedido de concessão de crédito partiu, mais uma vez, da prefeitura que estava sob o
segundo mandato do Sr. Florivaldo Magalhães. Nessa ocasião esse crédito deveria ser de 50% do
orçamento do ano vigente. A ata da sessão não especifica qual o valor exato deveria ser contraído
como empréstimo, deixando livre o executivo para proceder essa concessão em qualquer banco
particular ou público e deveria ter os “juros previsto em lei pagável no prazo de dois a cinco anos”.
Depois dessa sessão, de trinta de maio de 1972, não encontramos mais menções à construção ou
qualquer congênere ligado ao Ginásio Municipal.
Acreditamos que entre os anos de 1964 até 1972, o primeiro Ginásio Municipal de
Serrolândia foi construído gradativamente. A cada administração, novas salas foram erguidas para
atender à crescente demanda. Apesar de ser o único espaço de formação ginasial na cidade até o
75
GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. In:______. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.
76
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 3, ata de 30 de junho de 1972. Ano de
abertura 1971. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
40
ano de 1984, o Ginásio Municipal de Serrolândia não possuía grandes proporções. Na verdade, o
educandário resumia-se a poucas salas em um único pavilhão. Na fotografia abaixo, podemos
observar como era a estrutura desse estabelecimento escolar no decorrer dos primeiros anos da
década de 1970:
Imagem: 02
Ginásio Municipal de Serrolândia na década de 1970
Segundo Ana Maria Mauad, “a fotografia é uma fonte histórica que demanda por parte do
historiador um novo tipo de crítica. O testemunho é válido, não importa se o registro fotográfico
foi feito para documentar um fato ou representar um estilo de vida.”77 Não sabemos quem produziu
e o motivo pelo qual o espaço do Ginásio Municipal foi fotografado, porém, a imagem nos
possibilita observar que próximo às dependências dessa instituição de ensino tinham muitas
árvores. Como estamos tratando de uma região bastante seca e quente, esses arbustos eram de
extrema importância para o sombreamento da instituição. Aprofundando a análise, podemos
visualizar um local para o hasteamento dos pavilhões e a presença de várias pessoas, que muito
provavelmente seriam estudantes da instituição. Na frente da escola, percebemos um imenso
espaço aberto que era utilizado para diversas atividades como: os ensaios para os desfiles, o
77
MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e História Interfaces. Revista Tempo, vol. 1, n. 2, Rio de
Janeiro, 1996, p. 73-98. p. 80.
41
hasteamento da bandeira e cântico do hino nacional e as atividades rotineiras da disciplina
Educação Física.
Durante a construção dos documentos orais, os depoentes rememoraram muitos aspectos
que recobriam o cotidiano dessa instituição de ensino no interior baiano. Nesse contexto, vamos
tratar um pouco do dia a dia desse estabelecimento ginasial e das memórias que foram emitidas
durante as entrevistas. Queremos aqui compreender as singularidades desse educandário e como
os próprios agentes entrevistados mobilizaram e construíram suas lembranças, trabalhando dessa
forma com o território das experiências.
78
CERTEAU, Michel de; GIARD, Luce e MAYOL, Pierre. A invenção do cotidiano: 2 morar, cozinhar. Petrópolis,
Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
79
LIMA, Thiago Machado de. Pelas ruas da cidade: o golpe de 1964 e o cotidiano de Salvador. Curitiba: CRV, 2018.
p. 12.
80
SANFELICE, José Luís. História, instituições escolares e gestores escolares. Revista HISTEDBR On-line,
Campinas, especial, p. 20-27, ago. 2006. p. 25. Revista eletrônica. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp>.
Acesso em: 19 out. 2017.
42
obrigatoriedade legal da aplicação dos Exames de Admissão ao Ginásio ocorreu de 1931 a 1971.”81
O Sr. Jonas Ferreira Gonçalves, destaca que:
O processo de admissão era o seguinte... é como você fazer o vestibular... era o vestibular,
tá entendendo? Você se submeteria as provas, você teria que obter uma nota razoável de
sete em diante, é a média era sete de aprovação, certo? E aí menos de sete você seria
reprovado, né? E aí você faria a prova de Geografia, História... todas disciplinas básicas
do currículo... curricular, sabe? Submetia... o processo da... do vestibular... fiscais
olhando e observando se você tava usando algum critério ilícito, mas ocorria tudo dentro
da normalidade. Era assim que procedia esse processo chamado de admissão. 82
[...] entrar no colégio tinha que passar no exame de admissão e Paulo criou um tal de CPG
– Curso de Preparação ao Ginásio, eu estava no Ginásio na época, eu já era da segunda
série do Ginásio e a gente chamava de curso pega gato, era o CPG, né? (risos) que aí ele
pegou alunos terceiro ano, terceira série, terceiro ano escolar da escola, terceiro ano e
quarto ano e outros alunos que não estudavam e ele botou aqueles cursos de preparação...
aí o colégio saiu de menos de oitenta alunos pra mais de cento e vinte, foram mais de
quarenta alunos que entraram nessa época, é, através desse curso de preparação ao
Ginásio, que foi criado sobre o governo de Valentino Andrade, né? 85
81
PIRES, Eliane Prochnow. A escola no período dos Exames de Admissão ao Ginásio: memórias do secundário. Anais
do XXX Simpósio Nacional de História-ANPUH. Recife, 2019. p. 3.
82
Entrevista concedida pelo senhor Jonas Ferreira Gonçalves ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
83
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Atas de Resultados de Admissão ao Ginásio 1968 a 1984.
Ano de Abertura: 1968. Local: Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
84
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Atas de Exame de Admissão 1969 a 1976. Ano de Abertura:
1969. Local: Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
85
Nivaldo Valois de Oliveira nasceu na cidade de Serrolândia, mais precisamente na Fazenda Caraíba Grande, em
20/11/1951. De acordo com o livro de matrículas do Ginásio Municipal, entrou na instituição através do Exame de
43
Conversamos com o Sr. Nivaldo Valois através de ligação telefônica, pelo agravamento
da pandemia do Novo Coronavírus. Segundo o entrevistado, o Curso de Preparação ao Ginásio
(CPG) foi criado pelo então diretor Paulo Rodrigues de Oliveira e visava aumentar o número de
alunos aprovados através do Exame de Admissão. Essa ação foi realizada na gestão do ex-prefeito
Valentino da Silva Andrade (1967-1970) e ficou conhecido como “Curso Pega Gato (CPG)”. Para
o depoente, esse cursinho foi o responsável por aumentar significativamente a quantidade de
alunos no final da década de 1960. Ao narrar sua entrada no Ginásio Municipal, a Sra. Cleonice
Barreto Rios afirma ter participado de curso preparatório para a entrada no ensino ginasial:
[...] existia um cursinho, que chamava admissão pra lhe ingressar no colégio, então na
quarta série eu fiz esse curso de admissão e realizamos a prova que era tipo um vestibular,
a gente chamava vestibulinho, era assim que a gente chamava, e outros chamavam mesmo
curso de admissão, a gente tinha que passar nessa prova pra depois ingressar no colégio,
né?86
A Sra. Cleonice Barreto Rios aborda que fazer o cursinho preparatório não seria pré-
requisito para a aprovação no Exame de Admissão, “tinha que passar na prova” para ingressar no
ginásio. Não temos mais indícios sobre esse curso de preparação, infelizmente não conseguimos
mais informações sobre seus alunos, professores, onde acontecia e qual o público que ele atingia.
Alguns outros entrevistados fizeram menções a ele, porém, sem lembrar mais informações.
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), promulgada
em maio de 1965, os exames admissionais tinham por objetivo verificar se o candidato postulante
à vaga no ensino secundário detinha satisfatórios níveis de conhecimento na etapa primária para
ingressar ao ensino ginasial. O teste de admissão poderia ser feito “mediante a prestação de provas
ou limitar-se-á à verificação da autenticidade e idoneidade do certificado de aprovação em curso
Admissão no ano de 1971 para cursar o ensino ginasial. Depois de formado, o Sr. Nivaldo mudou-se para o Estado de
São Paulo, retornando a Serrolândia em 1979 e, no mesmo ano, ingressou no curso de magistério ofertado pelo ginásio.
Com a habilitação do magistério, em 1981, ele recebeu o convite para compor o quadro de docentes do Ginásio
Municipal. Atualmente o Sr. Nivaldo Valois de Oliveira reside no município de Jacobina. Entrevista concedida, por
intermédio de ligação telefônica, pelo senhor Nivaldo Valois de Oliveira ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira.
Local: Jacobina, Bahia, Brasil. Data: 21 de maio de 2021.
86
Cleonice Barreto Rios nasceu em 15/06/1956 no povoado de Várzea do Poço que pertencia à cidade de Miguel
Calmon. Um ano após o seu nascimento, sua família mudou-se para a Vila Serrolândia, então distrito de Jacobina. A
Sra. Cleonice Barreto entrou no Ginásio Municipal em 1968 através do Exame de Admissão, em 1976 ingressou no
segundo grau no mesmo educandário. Depois de formada ela atuou como professora do município e do estado até o
ano de 2006, quando se aposentou por tempo de serviço. Tivemos a oportunidade de conversar com a Sra. Cleonice
em duas ocasiões (22 de agosto de 2017 e 13 de abril de 2021). Entrevista concedida pela senhora Cleonice Barreto
Rios ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 13 de abril. 2021.
44
primário reconhecido e fiscalizado pela autoridade competente, com a duração mínima de quatro
séries.”87
A LDBEN especifica que a entrada dos alunos no nível secundário poderia acontecer por
meio da prestação de provas ou através da verificação do histórico escolar da etapa primária. A
prova oral também poderia ser requerida com forma de seleção para entrada no ensino ginasial.
Na Bahia, descreve Marta Gama e Laura Isabel Almeida, houve uma propensão em seguir a
legislação vigente, caracterizando o ingresso no ensino ginasial, principalmente, por meio das
provas escritas.88 Através da documentação coletada, acreditamos que a instituição ginasial que
pesquisamos utilizou, até 1971, apenas avaliações escritas como forma de exame admissional.
O Ginásio Municipal de Serrolândia cresceu muito ao longo das décadas. Como vimos
anteriormente, no ano de 1964, havia apenas dezesseis estudantes, esse número aumentou para
mais de duzentos no final da década de 1970, alcançando a quantidade de trezentos alunos em
1985. No ano de 1975, foi instaurada a primeira turma de segundo grau elevando o número de
estudantes do educandário.89 Inicialmente, a escola tinha funcionamento em dois turnos e
precisaria atender às demandas de uma população consideravelmente grande. A historiadora Vânia
Vasconcelos, ao fazer um levantamento minucioso, nos informa a quantidade de alunos do ensino
ginasial matriculados no Ginásio Municipal de Serrolândia entre 1964 a 1986. Na tabela abaixo
reproduzimos esses números até 1985.
Tabela: 01
Número de alunos matriculados no Ginásio Municipal de Serrolândia entre 1964 a 1985.
1964 6 10 16
1965 7 12 19
1966 12 20 32
1967 15 36 51
1968 22 45 67
1969 19 30 49
1970 29 43 72
1971 30 76 106
1972 48 77 125
1973 40 72 112
87
BRASIL, Circular n. 973 de 25 de maio de 1965 (1965). Consolidação da Legislação do Ensino Secundário, após a
LDBEN. p. 23.
88
GAMA, Marta Maria e ALMEIDA, Laura Isabel Marques V. de. Os exames de admissão da década de 1931 a 1971.
Anais do XVI seminário temático: Provas e Exames e a escrita da história da educação matemática. Boa Vista-RR,
2018.p. 5.
89
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Matrículas 1964 a 1992. Ano de Abertura: 1964.
Local: Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
45
1974 39 72 111
1975 46 84 130
1976 53 108 161
1977 44 90 134
1978 67 134 201
1979 67 132 199
1980 64 125 189
1981 91 125 216
1982 107 164 271
1983 101 175 276
1984 93 161 254
1985 119 184 303
Fonte: Vânia Vasconcelos, 2006.
Tabela: 02
Número de alunos matriculados no curso de Magistério no Ginásio Municipal de
Serrolândia entre 1975 a 1985.
1975 4 20 24
1976 6 23 29
1977 7 37 44
1978 6 32 38
1979 14 45 59
1980 18 39 57
1981 18 39 57
1982 23 50 83
1983 17 48 65
1984 19 59 78
1985 25 64 89
Fonte: Vânia Vasconcelos, 2006.
Na década de 1960, Serrolândia contava com cerca de 11.971 munícipes, sendo que a
maioria, 10.311, morava na zona rural e apenas 1.660 na zona urbana.90 Em 1970, a população
alcançou 19.812 habitantes, número bastante significativo para uma cidade pequena no sertão
baiano.91 Mesmo com essa taxa de crescimento considerável entre as décadas de 1960 e 1970 a
dinâmica de ocupação territorial não mudou, pois a maioria da população continuava morando na
zona rural (17.445) e a minoria na sede do município (2.367). O número de alunos aumentou
gradativamente acompanhando o crescimento da população serrolandense.
90
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico de 1960: VII
Recenseamento Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1960. (Bahia, Série Regional – v. IV, tomo V).
91
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico de 1970: VIII
Recenseamento Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1970. (Bahia, Série Regional – v. I, tomo XXIV).
46
Em 1974, quando o ginásio completou dez anos de atuação no município, o número de
matrículas passava de uma centena. Analisando as tabelas, percebemos que, nas três décadas e em
todos os anos estudados, a quantidade de mulheres estudantes supera a de homens. Sobre isso
Vânia Vasconcelos afirma:
As mulheres constituíam a grande maioria das alunas do Ginásio Municipal, desde o ano
de implementação do curso ginasial. No Ensino Fundamental a média do número de
matrículas das mulheres girou em torno de 65 % nas décadas de 1960 e 1970, havendo
uma pequena queda na década seguinte.92
Era…uma escola com mais ou menos oito salas, quando eu cheguei, né? Ela já tinha
sofrido uma reforma, mais era mais ou menos umas oito salas, era com cerca ainda, não
tinha muro, era cerca. Só tinha um pavilhão, uma sala de professores junto com secretaria,
era uma coisinha bem fraquinha, mais era assim. Tinha fren... já tinha, né? Um terreiro
enorme mais ainda tudo terra, não tinha calçamento nenhum que era o lugar da gente se
apresentar.96
92
VASCONCELOS, 2006, Op. cit. p. 137.
93
Idem, 2006, p. 139.
94
AREND, Silva Fávero. Trabalho, escola e lazer. In: Nova História das Mulheres. PINSKY, Carla Bassanezi;
PEDRO, Joana Maria (Org). São Paulo: Contexto, 2012. p. 77.
95
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Projeto História, n. 14, São Paulo, 1997. p. 31.
96
Elenita Oliveira de Sousa, nascida em 22/07/1958, foi aluna do Ginásio Municipal de Serrolândia entre os anos de
1971 até 1978. Depois de formada no curso de magistério do próprio Ginásio Municipal, a depoente entrou para o
quadro de professores do estabelecimento. No campo político-partidário, a Sra. Elenita Sousa foi eleita para o cargo
de vereadora na gestão 2001-2004. Entrevista concedida pela senhora Elenita Oliveira de Sousa ao pesquisador
Marconey de Jesus Oliveira. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 21 de ago. 2017.
47
O discurso construído através das memórias revela que a estrutura física da escola era
relativamente precária “uma coisinha bem fraquinha”, certamente a entrevistada faz essas
considerações movida por ressignificações do presente. A Sra. Elenita Sousa entrou no ginásio em
1971, segundo ela a instituição já havia passado por uma reforma anteriormente, que teria elevado
o número de salas para aproximadamente oito. A entrevistada faz questão de enfatizar que não
havia “calçamento nenhum” e que existia “um terreiro enorme” que era usado para apresentações.
Estudando em 1975, o Sr. José Oliveira dos Santos também faz suas considerações acerca da
estrutura dessa instituição: “era muito carente, não tinha assim estrutura adequada pra colégio não.
A sala, o telhado simples, não tinha nada mais que um quadro negro, as cadeiras... a cadeira de
professor e as cadeiras pra gente sentar só, exclusivamente.”97
No período em que o entrevistado começou a estudar no Ginásio Municipal, a escola
contava com cento e trinta estudantes do 5ª até a 8ª série ginasial e vinte e quatro alunos do recém
criado segundo grau. Ou seja, mais de cento e cinquenta alunos em uma estrutura pequena. Nas
palavras do Sr. José Oliveira, não havia ali uma estrutura de colégio. O entrevistado fornece uma
visão de como era essa instituição por dentro, segundo ele, internamente as salas de aulas também
eram “carentes”, contavam apenas com um quadro negro e cadeiras dos alunos e do professor. O
depoente faz essas considerações do ginásio na década de 1970 com o olhar do presente em que
as salas de aulas dispõem de alguns recursos a mais do que propriamente a lousa e as cadeiras.
Mas devemos lembrar que, naquele contexto, o quadro negro, mimeógrafo e as carteiras eram
talvez as únicas ferramentas disponíveis ou pelo menos com mais acesso.
Ao ser perguntado sobre a estrutura do Ginásio Municipal de Serrolândia, o Sr. Paulo
Rodrigues de Oliveira lançou a mesma visão dos outros dois entrevistados: “muito precárias, a
gente tinha até as vezes que improvisar pra as coisas funcionar bem.” 98 Os três entrevistados
seguem uma mesma narrativa da escola modesta e sem muitos recursos. Essa “carência”
evidenciada nos discursos não foi impedimento para o crescimento da escola, pois, a cada novo
97
Entrevista concedida pelo senhor José Oliveira dos Santos ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data:10 de agosto de 2017.
98
Paulo Rodrigues de Oliveira, nascido em 25/01/1946, foi diretor e professor do Ginásio Municipal de Serrolândia
entre 1968 a 1970. A partir de 1970, ele deixa a instituição para torna-se professor da escola Polivalente de Miguel
Calmon-BA. No campo político-partidário, o Sr. Paulo Rodrigues concorreu a alguns pleitos eleitorais ao executivo
municipal, amargando derrotas em todas as ocasiões. Na eleição municipal de 2000, ele ficou na segunda colocação,
porém, após a cassação da chapa vencedora em 20 de fevereiro de 2003, ele assumiu a prefeitura até 31 de dezembro
de 2004. Hoje o Sr. Paulo Rodrigues de Oliveira tem um escritório de advocacia na cidade e continua residindo no
município de Serrolândia. Tivemos a oportunidade de conversar com o Sr. Paulo em duas ocasiões (11 de agosto de
2017 e 12 de abril de 2021). Entrevista concedida pelo senhor Paulo Rodrigues de Oliveira ao pesquisador Marconey
de Jesus Oliveira. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 11 de agosto de 2017.
48
ano, mais e mais alunos se matricularam e, devemos reiterar, por muitos anos, essa escola foi a
única instituição ginasial presente na cidade.
Apesar das precariedades e carências levantadas pelos entrevistados, ter um filho estudando
no ginásio da cidade era motivo de orgulho para os pais. Em uma sociedade rural, na qual o número
de pessoas alfabetizadas era baixo, cursar o ensino ginasial podendo obter até o segundo grau
consistia em uma grande conquista para as famílias. Segundo a entrevistada Edite Almeida da Cruz
Reis:
Em termos de estudar meu pai sempre teve uma preocupação muito grande de que os
filhos dele... seria uma honra se formar. Chamaria formar, naquela época, né? Que seria
concluir o segundo grau. Naquela época a gente não tinha opção, era fazer o magistério e
pronto! Fazer o magistério, concluir o curso de magistério naquela época era uma honra,
porque a gente tinha facilidade de conseguir emprego sendo professor. 99
A Sra. Edite Reis narra o apoio e o incentivo que, principalmente, seu pai dava para a
consecução dos estudos. Ter uma formatura no segundo grau seria uma honra não só para os pais,
mas também para os demais familiares. Outros entrevistados tecem narrativas sobre a importância
do ingresso, permanência e conclusão do curso ginasial, porém mostram que para além do
incentivo, muitas famílias tinham dificuldades para manter seus filhos estudando, pois não
detinham de meios para custear as necessidades básicas como: fardamento, livros e cadernos –
considerados materiais próprios de utilização dos alunos no ginásio:
Primeiro tinha dificuldade de, de, de acesso... mesmo [...] primeiro que tinha que ter a
farda, você tinha que comprar livros, tinha que, que pagar a taxa de matrícula, então tinha
tudo isso, e os meus pais não tinham como [...] tanto é que na época as pessoas que estava
naquela linha da pobreza, o que é que fariam, iam precisar ir na delegacia, pedir um
atestado de pobreza ao delegado, então isso minha mãe correu atrás e conseguiu o atestado
de pobreza, foi assim que eu entrei na escola, então já no início já teve essa dificuldade
no acesso, eu não tinha esse acesso livre de chegar e me matricular naturalmente como os
que eram é, a... é, com muita grana, que são ricos no caso, tinham condição, A
permanência pra mim já foi mais tranquila porque, porque o que eu não tinha antes pra
entrar, pra acessar, eu procurei desenvolver depois que eu estava lá dentro, porque aí eu
tinha que fazer jus a, a, a toda aquela, a todo aquele cuidado que meu pais tiveram, né?100
Em sua entrevista, a senhora Maria Célia Matias relembrou os percalços que enfrentou para
cursar o ginasial. Percebemos que as dificuldades encontradas por ela, no ingresso ao Ginásio
Municipal, possivelmente foi a realidade de muitos outros alunos. Apesar das adversidades, a
99
Entrevista concedida pela senhora Edite Almeida da Cruz Reis ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 15 de agosto de 2017.
100
Maria Célia Matias de Araújo Mota, nascida em 12/05/1964, entrou no Ginásio Municipal de Serrolândia em 1976,
fez seu ginasial até o ano de 1979. Logo após ingressou no curso de magistério dessa mesma instituição. Atualmente
trabalha como professora no Colégio Estadual de Serrolândia. Entrevista concedida pela Sra. Maria Célia Matias de
Araújo Mota, por telefone, ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 20 de
abril de 2021.
49
depoente lembra que sua permanência foi mais tranquila, estudava muito para fazer jus aos
esforços que seus pais fizeram para que ela pudesse continuar na escola. Para muitos alunos, a
obrigatoriedade de dois fardamentos, um para o uso no dia a dia e outro para as comemorações e
celebrações organizadas pelo ginásio tornava-se um dos principais obstáculos para estudar.
Imagens: 03 e 04
Alunos do Ginásio de Serrolândia, final da década de 1960
Para Boris Kossoy, “a imagem fotográfica fornece provas, indícios, funciona sempre como
documento iconográfico acerca de uma dada realidade. Trata-se de um testemunho que contém
50
evidências sobre algo.”101 Conforme apontado por Kossoy, a fotografia fornece indícios e
proposições e não podemos tomá-las como detentora da verdade, ela representa uma práxis social,
carregada de intenções. As imagens três e quatro, carregam semelhanças no posicionamento dos
alunos, no fardamento utilizado e no local onde foram registrados.
As duas fotografias são de autor desconhecido, sendo que o registro n. 3 traz um
quantitativo maior de alunos e alunas, vestidos com uma camisa social branca de mangas curtas e
calças muito semelhantes com o tecido jeans ou tergal. No centro, há um homem com a camisa de
cor diferente do grupo, possivelmente um professor. O retrato de n. 4 tem a presença de dezoito
estudantes, o fardamento tem a mesma descrição da imagem anterior. No canto esquerdo da foto
quatro, percebemos a presença de um jovem vestido com uma roupa mais escura, possivelmente
um docente do estabelecimento ginasial. Ambos têm como pano de fundo uma construção, que
talvez seja o espaço onde funcionava o Ginásio Municipal. Essas duas fontes iconográficas
compõem o acervo pessoal do Sr. Jonas Ferreira Gonçalves e foram cedidas por ele para integrar
o quadro de documentos da nossa pesquisa. Como vimos anteriormente, o Sr. Jonas foi aluno da
primeira turma do Ginásio em 1964 e, depois de estudar um período em Jacobina, retornou a
Serrolândia para assumir o cargo de diretor e professor do Ginásio Municipal.102
Imagem: 05
Turma da sétima série ginasial, 1978.
Fonte: https://portalserrolandia.com.br/galeria/94/turma-da-7--serie-em-1978-na-cidade-de-serrolandia
Nesta fotografia de 1978, percebemos alguns traços semelhantes com as anteriores. Uma
turma de alunos do Ginásio Municipal de Serrolândia com a sua tradicional farda. Os estudantes
101
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 2ª ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. p. 33.
102
Entrevista concedida pelo Senhor Jonas Ferreira Gonçalves ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
51
aparecem segurando materiais didáticos: pastas, cadernos e livros. No centro, notamos a presença
de uma mulher com roupa listrada de botão e óculos. Em entrevista realizada no ano de 2017 a
Sra. Cleonice Barreto lembrou com detalhamento a composição do fardamento do Ginásio
Municipal de Serrolândia e sobre a obrigatoriedade de seu uso.
Nós tínhamos um fardamento que era uma blusa branca de tergal, tercal, era um
tecidozinho assim leve mais tecido e uma saia de prega... que também não lembro agora
o nome do tecido e meia branca e sapato preto, nós não podíamos usar outro tipo de
calçado que não fosse aquele que a escola determinava, se virasse... fizesse o que, mas
tinha que chegar, eu dobrava quando eu chegava do colégio todos os dias, pegava minhas,
levantava o colchão da minha cama botava a saia toda de preguinha assim oh
[demostrando como colocava a saia] e colocava por cima, pra no outro dia ela estar
perfeita... nos eventos cívicos, por exemplo qualquer data cívica mudava o fardamento,
era blusa de manga comprida uma gravatinha borboleta e tínhamos que participar [...] não
vestisse a farda, quando a farda começou já a mudar que você acabava ficando, depois do
almoça ia pra rua alguma coisa, era cobrada, a farda é do colégio, a farda não é roupa de
passeio, a farda não é roupa de diversão... era apenas a blusa, né? Porque a calça depois
que passou esse, esse fardamento veio a calça jeans.103
A entrevistada por vezes confunde o traje de gala, usado principalmente nas comemorações
e desfiles cívicos, com o fardamento rotineiro do ginásio. Mas ela fornece pistas valorosas sobre
como aquela instituição cobrava o uso do fardamento como um meio de normatização e controle
dos alunos. Segundo a Sra. Cleonice Barreto, a farda era algo exclusivo para o ginásio, “a farda
não é roupa de passeio, a farda não é roupa de diversão”. Em 2021, voltei a conversar com a Sra.
Cleonice e sentados na varanda de sua chácara dialogamos longamente sobre o Ginásio Municipal,
as tramas políticas que envolviam esse educandário e sobre sua vida como professora. Embalada
pelos sons emitidos com o ressoar dos pássaros, ela voltou a se referir ao fardamento e como era
a cobrança referente a ele:
[...]a farda do colégio era muito cobrada, você não podia chegar, era igual ao, o colégio
militar hoje, você chegava com a roupa em ordem, saia de pregas azul marinho, tergal a
gente chamava o tecido e blusa branca também de tecido, mangas e abotoadas, no dia a
dia se usava o sapato, sapato que a gente chamava... ca... aquelas marcas assim que eu
chamava do cabedal tinha a, o estilo, né? Mas podia ser mais simples, né? Podia ser de
cadarço, podia ser um estilo mais simples, porém no sete de setembro como a gente
chamava era farda de gala, a gente chamava farda de gala, era a blusa de manga comprida
para os homens, a blusa normal pra gente e tinha também uma boinazinha, que era quem
dava, né?104
Na segunda entrevista, percebemos que a Sra. Cleonice Barreto organizou melhor suas
lembranças. Segundo ela, havia uma cobrança muito forte sobre o uso do fardamento da escola,
103
Entrevista concedida pela senhora Cleonice Barreto Rios ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 22 de agosto de 2017.
104
Entrevista concedida pela senhora Cleonice Barreto Rios ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 13 de abril. 2021.
52
chegando a ser comparado com modelo rígido de cobrança dos colégios militares. Durante a
entrevista, a depoente faz distinção entre as roupas cobradas no cotidiano do ginásio e aquelas que
seriam para as comemorações cívicas. A foto encontrada no acervo do Sr. Jonas Ferreira
Gonçalves nos mostra como era composto o traje de gala que a entrevistada fez referência.
Imagem: 06
Traje de gala
Infelizmente, não conseguimos especificar o ano em que foi registrada e nem o autor da
fotografia. Provavelmente corresponde às primeiras turmas do Ginásio Municipal ainda na década
de 1960. Assim como descrito pela Sra. Cleonice Barreto, o traje de gala era composto, para as
mulheres, de uma blusa social de mangas compridas branca, saia plissada, luvas, gravata, meias
brancas, sapato preto e uma boina, possivelmente fazendo menção aos militares. Para os homens:
era a camisa social branca de mangas compridas, gravata, calça e sapatos pretos.
Não queremos recorrer à fonte iconográfica como mera confirmadora das citações das
memórias. Consideramos memórias e fotografias como documentos constituidores de um discurso
próprio. E neste sentido, é válido observar as semelhanças e contradições entre as recordações e o
texto imagético buscando efetuar um confronto das fontes trabalhadas. Reiteramos que o traje de
gala era utilizado especificamente para os desfiles, solenidades e comemorações, não sendo
empregado como farda do dia a dia.105
105
Para o pesquisador Valter Oliveira “a fotografia é testemunha de uma época e está intimamente marcada nas práxis
social.” OLIVEIRA, Valter de. “Offereço meu original como lembrança”: circuito social de fotografia nos sertões da
Bahia (1900-1950). Salvador: EDUNEB, 2017. p. 30.
53
Nos restou uma inquietação: como as famílias mais carentes conseguiam adquirir esse
traje? Como vimos antes, alguns registraram dificuldades para a compra do fardamento rotineiro
do ginásio e, no decorrer das entrevistas do Sr. Paulo Rodrigues Oliveira e da Sra. Elenita Oliveira
de Sousa, algumas luzes foram lançadas sobre esta questão:
Segundo o Sr. Paulo Rodrigues, os pais faziam questão que seus filhos tivessem bem
fardados, fazendo o impossível para comprar os trajes. Em última instância, os professores
ajudavam na compra. Outra opção empregada foi pegar os retalhos daqueles que tinham melhor
condição e “ajeitar” o menino mais pobre. Não sabemos até onde foi o alcance dessa ação relatada
pelo entrevistado e é possível que seja mais uma ressignificação do passado pelo olhar atual. Ao
recordar a temática do fardamento, a Sra. Elenita Sousa afirmou que “doavam fardamentos pra
algumas famílias muito carentes, mas quem tivesse condição de comprar sua fardinha que se
virasse. Mais também era, era poucas pessoas que eles doavam, só quem fosse muito carente,
muito carente mesmo.”107 Desprovidos de recursos ou não, o uso do fardamento no dia a dia ou
nas celebrações realizadas em datas comemorativas era essencial. Entretanto, devemos considerar
que para qualquer presunção de obrigatoriedade existirá sempre o mecanismo de contestação ou
burla.
Teve aluno que ia para a escola não era permitido de bolsa de... de palha de milho, sabe?
Pra sacanear, sandália aquela de... sapato... aquela chamado sarga bunda, tá entendendo?
E as vezes a gente... as vezes eram... passava também das limitações a gente tinha as
nossas falhas, porque ela se pintaria de batom... bonitinha, menina jovem, ela quer ir
bonitinha, toda organizadinha, né?108
O Sr. Jonas Ferreira narrou uma lembrança do período em que esteve na direção do ginásio,
referindo-se ao ato de não seguir as regras como uma tentativa de “sacanear” as normas requeridas
pelo estabelecimento ginasial. Ele também demonstrou ter sensibilidade com o fato de as garotas
quererem esta arrumadas, usar batons, como sinais da vaidade própria da adolescência na qual as
alunas estavam inseridas.
106
Entrevista concedida pelo senhor Paulo Rodrigues de Oliveira ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 11 de agosto de 2017.
107
Entrevista concedida pela senhora Elenita Oliveira de Sousa ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 21 de ago. 2017.
108
Entrevista concedida pelo senhor Jonas Ferreira Gonçalves ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
54
Já para a Sra. Elenita Oliveira Sousa, ao contar sua experiência como aluna, aponta que,
além do esquecimento corriqueiro entre os estudantes, o fardamento era considerado horroroso.
Quando a gente chegava é... era calça Jeans, Conga... não Kichute preto, um calçado
horroroso tipo uma chuteira, tinha até birros em baixo, então era um Kichute, tinha que
usar meias pretas, calça Jeans ou Tergal azul, camisa branca e quando você chegasse na
porta tinha que suspender, que mostrasse que tava de meia preta se tivesse entrava, se
não... agora sempre tinha a malandragem, que os meninos faziam; eles esqueciam de ir
de meia, os colegas lá dentro pegava jogava só aquele pé que estava com a meia e como
ele já era velho [o porteiro do Ginásio] acabava acreditando que tinha as duas meias,
alguns passavam, então fazia tipo de malandragem (risos).109
A malandragem descrita pela entrevistada pode ser compreendida como uma forma de
resistência às regras impostas. Vários seriam os motivos para os alunos não quererem utilizar o
fardamento do ginásio ou não ver muito sentido na rigidez do cumprimento. Nas entrevistas,
alguns depoentes assinalaram que as vestimentas eram extremamente desconfortáveis, o clima
seco e de altas temperaturas fazia com que o uso do sapato, a calça jeans/tergal e a camisa social
fossem um processo penoso. Não vamos aprofundar, agora, a discussão sobre as comemorações
cívicas, as vestimentas e todo o significado que essas celebrações ganharam nesse espaço ginasial
durante a ditadura civil-militar. Antes disso, faz-se necessário entender o jogo político local no
qual o Ginásio Municipal de Serrolândia estava inserido.
1.3 Chapéus Brancos e Chapéus Pretos: Jogo político e suas reverberações no Ginásio de
Serrolândia.
109
Entrevista concedida pela senhora Elenita Oliveira de Sousa ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 21 de ago. 2017.
110
Para maiores informações sobre os grupos políticos Chapéus Brancos e Chapéus Pretos ver SANTOS, Elisiane
dos Reis. Chapéu Branco X Chapéu Preto: abordagem das representações da política partidária em Serrolândia-Bahia
entre as décadas de 1960 a 1980. Especialização (Educação, cultura e contextualidade). Universidade do Estado da
Bahia (UNEB), Jacobina-BA, 2010.
111
Segundo Thiago Machado de Lima, em novembro de 1965 o governo Castelo Branco (1964-1967) “instaurou o
Ato Complementar Número 4 (AC-4), que firmou as regras para a criação de novas agremiações políticas. Ficou
estabelecido que para serem organizadas, elas precisariam da adesão de pelo menos 120 deputados federais e 20
55
Tabela: 03
Composição do poder executivo em Serrolândia (1963-1988)
Entre 1962 a 1976, a prefeitura municipal ficou sob o comando do grupo Chapéu Branco,
tendo como prefeitos os senhores Florivaldo Magalhães em duas ocasiões (1963-1966 e 1971-
1972), Valentino Andrade da Silva (1967-1970) e José Ribeiro de Matos (1973-1976). O domínio
desse grupo só foi desfeito em 1977 depois da eleição do líder político dos Chapéus Pretos, o Sr.
Jaime Franco. Apesar de pertencer a legendas e grupos distintos, os políticos serrolandenses
congregaram da mesma sigla em quase todo período da ditadura. Segundo Lucia Grinberg, durante
a ditadura civil-militar a Arena foi associada diversas vezes à antiga União Democrática Nacional
(UDN), enquanto o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido que teoricamente fazia
oposição aos governos militares, foi aproximado às bases políticas do PSD.112 Contudo, “a Arena
formou-se a partir de uma extensa rede de políticos organizados em cada município, provenientes
tanto a UDN quanto do PSD, cuja organização em todo o território nacional era um dos seus
valiosos capitais políticos.”113
Em terras baianas, assegura Thiago Machado de Lima, “diferente do cenário nacional no
qual a UDN e o PSD formaram a base majoritária da Arena e o PTB foi a base do MDB, na Bahia
o cenário inverteu. O PSD tornou-se central para a constituição do MDB.”114 A Aliança
Renovadora, por sua vez, agregou uma diversidade de sublegendas e foi responsável por reunir em
uma engrenagem complexa grandes nomes da política baiana: Antônio Carlos Magalhães, Juracy
senadores, ou seja, no mínimo dois terços dos membros do Congresso Nacional.” LIMA, Thiago Machado de. O fim
do jogo democrático: o jogo de 1964 e o Poder Legislativo da Bahia. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2021. p. 208.
112
GRINBERG, Lucia. Partido político ou bode expiatório: um estudo sobre a Aliança Renovadora Nacional (Arena),
1965-1979. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009.p. 26.
113
Idem, 2009, p. 27.
114
LIMA, 2021, op. cit. p. 215.
56
Magalhães, Luís Viana Filho, entre outros políticos expoentes no cenário estadual. Certamente
podemos inferir que a Arena se consolidou como o partido das diferenças, congregando os
desafetos e inimigos políticos em uma mesma base.115
Nesse contexto, lançar alguns questionamentos nos parece pertinente: quais foram os
principais motivos que levaram os grupos políticos serrolandenses a aderirem à Aliança
Renovadora? Os políticos locais compactuavam com os ideais propostos pelos governos militares?
O que representava se constituir como correligionário da Arena para integrantes dos grupos
Chapéus Brancos e Chapéus Pretos?
Ao rememorar e justificar a sua entrada na Arena, o Sr. Valentino Andrade comenta que a
“Arena pertencia ao governo federal, que era na época da ditadura, e quem não tivesse na Arena
não podia arranjar as coisas.”116 Eleito para a chefia do executivo municipal na segunda metade
da década de 1960, o Sr. Valentino expõe seus motivos para adentrar à Arena. Segundo ele,
pertencer as bases de tal agremiação estaria muito além do apoiar ou não os ideais propostos pela
ditadura, seria uma maneira de “arranjar as coisas” para o município. Contudo, manter-se aliado
com aqueles que desfrutavam do poder renderia não apenas benesses para a cidade, mas também
uma administração tranquila sem intromissões nem intervenções por parte dos militares.117
Chapéus Brancos e Pretos regiam suas ações pautados na predominância da política
assistencialista que “incluía a prática de ‘compras de votos’, além de ameaças à população”.
Segundo Vânia Vasconcelos, além da política de dependência desenvolvida pelos grupos, as
intimidações à população estiveram presentes nas formas de governar da época.118 Dentro do
Ginásio Municipal, alguns alunos abandonavam os cursos ou buscavam sua transferência para
outras instituições de ensino em cidades vizinhas, evitando assim estudar no colégio sob o
comando dos adversários políticos de suas famílias.
Durante os depoimentos, os entrevistados reportavam mais sobre as perseguições que
aconteciam na cidade por parte dos grupos locais do que o cenário autoritário nacional. Ao serem
115
Segundo Lucia Grinberg “havia disputas permanentes nos diretórios da Arena e que uma das questões mais difíceis
para os arenistas era tornar possível a convivência, em um só partido, de lideranças de várias legendas extintas,
principalmente da UDN e do PSD, tradicionais adversários políticos desde 1945”. GRINBERG, 2009, Op. cit. p. 27.
116
Entrevista concedida pelo senhor Valentino Andrade da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Caldeirão Grande, Bahia, Brasil. Data: 23 de maio de 2021.
117
Segundo Alessandra Carvalho “a necessidade de estar próximo das benesses do Estado fez com que muitos
políticos, cuja base eleitoral se sustentava na distribuição de bens públicos, se ligassem ao partido do governo” e nesse
caso a “premência pelo sucesso eleitoral da Arena que a própria ditadura exigia, principalmente a partir de 1974,
derivou na intensa manipulação dos recursos federais em benefício dos candidatos arenistas.” CARVALHO,
Alessandra. As atividades político-partidárias e a produção de consentimento durante o regime militar brasileiro. In:
ROLLEMBERG, Denise e QUADRAT, Samantha (Orgs). A Construção Social dos Regimes Autoritários: Brasil e
América Latina. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2010. p. 239.
118
VASCONCELOS, 2017, Op. cit. p. 189.
57
questionados sobre essa política repressiva dos anos 1964 a 1985, muitos entrevistados voltavam
suas narrativas para a “política de cabresto”, corriqueiramente desenvolvida pelos líderes políticos
de Serrolândia. O Sr. Paulo Rodrigues de Oliveira foi bastante enfático ao discorrer sobre a
participação desses grupos no cenário da política nacional:
Não, os grupos, os grupos tinham receio inclusive de porque o.... eu me recordo na época
doutor Ângelo Brandão era prefeito de Jacobina e só porque ele deu uma declaração lá
queriam até é... ameaçaram até de uma intervenção em Jacobina, de tirar ele da prefeitura
é.... é.... de forma ilegal. Que o ato institucional n. 5 foi um absurdo, não é? E derrubava
mesmo quem se insurgisse contra o regime. Então qualquer palavrinha que se falasse
contra o regime na época a consequência era essa.119
Apesar de negar a participação, o apoio ou a discordância dos grupos locais com a ditadura
civil-militar, o Sr. Paulo Rodrigues de Oliveira demonstra que havia certo “receio” de retaliações
caso houvesse um posicionamento contrário ao governo militar. Como exemplificação desse temor
ele citou o caso de Jacobina, que segundo o mesmo, quase sofreu uma intervenção militar por
conta de uma declaração do então prefeito Ângelo Mário Moura Brandão.
Ao trabalhar com o Inquérito Policial Militar (IPM), n. 27/64 de Auditoria da 6ª Região
Militar, Hebert Santos Oliveira discorre sobre essa ameaça de intervenção ao poder executivo da
cidade de Jacobina em 1964. Segundo Oliveira, “nos derradeiros dias da democracia, o prefeito
jacobinense, Ângelo Brandão, possivelmente sem saber ao certo o que de fato estava se passando
no cenário nacional, manifestou apoio ao governo Goulart.” Essa possível defesa do governo Jango
colocou o chefe do poder executivo jacobinese contra a parede e sob os olhares vigilantes das
Forças Armadas.120
No Inquérito do Partido Comunista, n. 709 de 1966, o nome do então chefe do poder
executivo serrolandense, Florivaldo Magalhães de Sousa, aparece na lista de “cidades interioranas
que possuem prefeitos esquerdistas.”121 Não sabemos quais foram os reais motivos que levaram a
inclusão do então prefeito no IPM n. 709. Como discorremos anteriormente, o grupo comandado
pelo Sr. Florivaldo estava ligado à Arena, partido que concentrava a base de apoio a ditadura. É
preciso considerar que a ditadura civil-militar foi usada por muitos para ajustes de contas, eliminar
concorrentes, comprometer desafetos, por meio de denúncias das mais diversas formas. Outro fator
119
Entrevista concedida pelo senhor Paulo Rodrigues de Oliveira ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 11 de agosto de 2017.
120
OLIVEIRA, 2017, op. cit. p. 117.
121
IPM do Partido Comunista Brasileiro. Processo 709. Auditoria da 1ª Região Militar. Guanabara, 1964. Fundo de
documentos da Base Digital do Projeto Brasil Nunca Mais. Pasta BNM 279 (1). Endereço Eletrônico:
http://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/.
58
a ser analisado é que, talvez, os apoios do Sr. Florivaldo na própria conjuntura política baiana
tenham constituído motivos para a inclusão de seu nome nessa investigação.122
Para o Sr. Jonas Ferreira Gonçalves, as políticas da ditadura civil-militar não se
concentraram no Ginásio Municipal diretamente:
Saber que existia, [ditadura] que tinha, os livros diziam que nós tava passando por esse
processo, mais não fomos tão afetado diretamente, fomos indiretamente, né? Não tinha
liberdade de fazer aquilo que tinha vontade, uma abertura maior. Mas era, era aquela
rigidez, só o fato de botar o aluno... você tem de vim de sapato, meia e farda, se você não
vim, você não entra, já é uma forma de opressão, né? Mais num foi muito, é.... como é
que diz? Rígido! A... a, a esse... questionado por esse golpe não, na educação. Agora
sentido que haveriam coisas que a gente não poderia jogar por que seria automaticamente
punido.123
122
Segundo o historiador Carlos Fico, o governo do general Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967),
buscou desde os primeiros momentos restringir e reprimir os opositores à ditadura civil-militar e para isso impulsionou
as investigações de grupos dissidentes, através de IPM. FICO, Carlos. O Golpe de 1964: momentos decisivos. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2014. p. 117.
123
Entrevista concedida pelo senhor Jonas Ferreira Gonçalves ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
124
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto história PCC, 1993. p. 9.
125
BURKE, Peter. História como memória social. In:______. Variedades de história cultural. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2000. p. 73.
59
Apesar do “medo” que a ditadura civil-militar proporcionava aos grupos locais, a política
partidária serrolandense não se distanciava do panorama nacional. No Ginásio Municipal de
Serrolândia essas disputas ficaram mais evidentes. Segundo Elisiane Santos:
[...] a escola foi um espaço de forte influência e conflito da ação partidária dos grupos
“Chapéu Branco” e “Chapéu Preto”. Serrolândia, por um grande período, não dispunha
de muitos espaços formais de educação, apenas contando com um Colégio Estadual, além
de poucas escolas primárias para toda a população. Por causa dos confrontos políticos,
houve no Colégio Estadual de Serrolândia um impasse político, o qual impossibilitava
que estudantes que eram opostos ao grupo “Chapéu Preto” não pudessem estudar no
referido colégio.126
O trecho do texto de Elisiane Santos demonstra bem o uso do Ginásio Municipal nas
disputas políticas da cidade. Devemos destacar que a autora se vale da nomenclatura “Colégio
Estadual de Serrolândia” para se referir ao Ginásio. Além dela, parcela da população serrolandense
se refere a essa instituição por esse nome, ocupando assim o espaço da “memória coletiva”.
Assim como exposto pela autora, alunos filhos de pais simpatizantes ao grupo político
Chapéu Branco, ficavam impedidos de estudar, tendo que recorrer a outras instituições de ensino
– geralmente nas cidades vizinhas de Várzea do Poço ou Jacobina – para concluírem seus cursos.
A rivalidade presente nos pleitos eleitorais marcou o dia a dia do Ginásio Municipal. Segundo o
relato da Sra. Valdelice dos Reis Cunha:
[...] chegou uma época que o colégio... [pausa] que o colégio teve.... sofreu! Na
perseguição em relação a isso, a briga entre eles afetou o colégio, aí o que aconteceu, um
candidato dizia que quem votasse pra ele não era pra estudar lá e o outro dizia que os
filhos dos candidatos... do candidato de fulano não era pra estudar lá. 127
Olha, chegava às vezes sobrar pros próprios alunos, naquele tempo não havia concurso
público, alguns professores e direções era colocado pelos representantes políticos da
126
SANTOS Chapéu Branco X Chapéu Preto: representações sobre a política partidária em Serrolândia. In:
VASCONCELOS, Cláudia P., RIOS, Jane Adriana V. P. NUNES, Marcones Denis R. e VASCONCELOS, Vânia N.
P. (Orgs). Por Trás da Serra: história, narrativas e saberes de uma cidade do interior da Bahia. Salvador: EDUFBA,
2014. p. 61.
127
Nascida em 01/10/1954, a Sra. Valdelice dos Reis Cunha entrou no Ginásio Municipal em 1970. Antes de concluir
seus estudos ela se afastou por um período da instituição, retornando em 1976. Após concluir o curso de magistério,
tornou-se professora do município de Serrolândia. Atualmente é servidora municipal aposentada, residente na cidade
de Serrolândia. Entrevista concedida pela senhora Valdelice dos Reis Cunha ao pesquisador Marconey de Jesus
Oliveira. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 22 de agosto de 2017.
60
época, então se você votou você se tornava o diretor daquela escola, ou vice-diretor, a
secretária ou o professor, se você fosse professor e filho de uma família que deu muitos
votos aquele político, ô podia contar que você ia ser professor daquele colégio no próximo
ano nem que você não tivesse competência! Nem que você não tivesse graduação, mais
você ia se tornar professor daquela escola.128
[...] pertencer a determinado grupo significava, também, um meio pelo qual o indivíduo
tinha a possibilidade de obter alguma vantagem pessoal. Principalmente porque no
período em que a pesquisa foi desenvolvida a comunidade de Serrolândia tinha como
principal fonte de renda a agricultura, através da quebra e venda de licuri – planta nativa
da região. Diante disto, a prefeitura tornava-se uma espécie de “cabide” de emprego para
a população. Desse modo, os grupos “Chapéu Branco” e “Chapéu Preto” exerciam uma
força sobre os indivíduos, que os seguiam de maneira impressionante, de modo que a
cidade era dividida politicamente em dois grupos, sobretudo no período das eleições.129
A autora argumenta que ser “fiel” a um determinado grupo poderia ocasionar vantagens
quando o mesmo estivesse à frente do poder executivo. Esses benefícios se revestiam em diversas
formas e uma delas foi o emprego na prefeitura. Em 1976, após catorze anos, o principal líder do
grupo Chapéu Preto, Jaime Ferreira Franco, foi eleito para assumir o posto de chefe do poder
executivo municipal na gestão 1977-1982.130 Desta forma, os atos persecutórios mudaram de lado,
seria o momento do revanchismo Jaimista contra os correligionários Florisistas.131
O Ginásio Municipal de Serrolândia configurou-se, entre 1962 até 1978, como único centro
de formação ginasial e de magistério do município. Entretanto, no segundo ano de mandato, o
prefeito Jaime Franco apresentou à Câmara Municipal, o projeto de Lei n. 41 que visava criar outro
centro educacional, essa outra instituição foi edificada no distrito de Quixabeira, principal povoado
do município serrolandense. A indicação foi aprovada por unanimidade por todos os edis na sessão
realizada no dia vinte e dois de fevereiro de 1978.132
Chegando à década de 1980, momento ao qual a ditadura civil-militar já estava em declínio
e a abertura política ganhava cada vez mais terreno, as disputas políticas em Serrolândia se
128
Entrevista concedida pela senhora Elenita Oliveira de Sousa ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 21 de ago. 2017.
129
SANTOS, 2014, op. cit. p. 55.
130
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 3, ata de 01 de fevereiro de 1977. Ano de
abertura 1971. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
131
As disputas partidárias entre Chapéus Brancos e Chapéus Pretos também ficaram conhecidas como política
Jaimista e Florisista, fazendo alusão ao nome dos dois líderes políticos que comandava os grupos locais: Jaime Franco
e Florivaldo Magalhães. SANTOS, 2014, Op. cit. p. 50.
132
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 4, ata de 22 de fevereiro de 1978. Ano de
abertura 1977. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
61
intensificaram com a proposição da criação de outra instituição escolar. O Sr. Nivaldo Valois
ressignificou esse momento em seu depoimento:
Quando Flori assumiu [em seu terceiro mandato], a direção do colégio [Ginásio
Municipal] era toda de Jaime Franco. Flori tentou mudar, não conseguiu... aí na hora de
fazer a matrícula Áurea Franco, a irmã de Jaime Franco, era a diretora... na hora de fazer
a matrícula o pessoal dizia “só faço a matrícula quando tiver novo diretor”, e num teve,
aí quando resolveu fazer a matrícula já tinha passado o período, naquele tempo tinha um
período de matrícula... não matriculava em qualquer tempo. Áurea não aceitou mais a
matrícula do pessoal ligado a Flori, aí veio essa confusão, uns foram estudar em Várzea
do Poço, outros em Jacobina, sei que espalhou os ligados a Flori, né? [...] no ano seguinte,
Flori criou é... como ele não conseguiu tirar a direção do colégio que era ligado a Jaime
Franco, ele criou o... colégio e é, teve essa influência porque separavam estudantes, né?133
Imagem: 07
Ofício encaminhado à Câmara Municipal de Serrolândia, 1984.
133
Entrevista concedida, por intermédio de ligação telefônica, pelo senhor Nivaldo Valois de Oliveira ao pesquisador
Marconey de Jesus Oliveira. Local: Jacobina, Bahia, Brasil. Data: 21 de maio de 2021.
134
O levantamento demográfico realizado no ano de 1983 registrou cerca de 22.359 habitantes residindo no município
de Serrolândia. Esse quantitativo de moradores foi superior aos números registrados em décadas anteriores, contudo,
os dados seguiram a mesma linha dos últimos recenseamentos: maioria dos habitantes se concentrava na zona rural e
uma pequena parcela residia no perímetro urbano. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Censo Demográfico de 1980: IX Recenseamento Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1983. (Bahia, Série
Regional – v. I, tomo III).
62
Fonte: Acervo da Sra. Elisiane dos Reis Santos
63
nenhum debate sobre o mérito da construção do COMUSE.135 A Segunda e última votação se deu
no dia vinte do mesmo mês, sendo registrada da seguinte forma:
Aos vinte dias do mês de Novembro do ano de 1984, realizou mais uma sessão ordinária
da Câmara Municipal de Vereadores de Serrolândia, Estado da Bahia, situada à Praça
Manoel Novaes, nº 99, nesta cidade. Deu início às 20 horas, sob a presidência do Sr.
Moisés Marques da Silva. [...] Na ordem do dia foi apresentado pela segunda vez o projeto
de Lei nº 10 de 1º de Novembro de 1984, que cria o Colégio Municipal de Serrolândia –
COMUSE e dá outras providências. O Prefeito Municipal de Serrolândia, Estado da
Bahia, no uso de suas atribuições e de acordo ao artigo 94 paragrafo IV a Lei Nº 3.531 de
Novembro de 1976, faz saber que a Câmara Municipal aprova e eu sanciono e promulgo
a seguinte Lei Art. 1º - Atendendo a solicitação de pessoas da comunidade, fica criado o
Colégio Municipal de Serrolândia – COMUSE, que funcionará em regime de três turnos
(matutino, vespertino e noturno), Estabelecimento de 1º grau e 2º grau, com formação
para magistério de 1º grau e contabilidade. Art. 2º - A Direção do referido estabelecimento
será ocupada por professor devidamente habilitado com curso superior e que possua
idoneidade moral comprovada perante a sociedade. Art. 3º - O Colégio Municipal de
Serrolândia abrigará a sua clientela em prédio próprio, construído pelo poder municipal
e funcionará a partir de 1985. Art. 4º - Esta Lei entrará em vigor na data da sua publicação,
revogadas as disposições em contrário, gabinete do Prefeito Municipal de Serrolândia,
em 6 de novembro de 1984.136
[...] para não haver o conflito como já houve conflitos aqui, eles saíam [Colégio Municipal
de Serrolândia–COMUSE] para outros povoados para deixar que fizéssemos... e as vezes
com essa opressão [...] o prefeito fechava as vias para que eu não pudesse... para que o
135
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 5, ata de 06 de novembro de 1984. Ano de
abertura 1983. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
136
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 5, ata de 20 de fevereiro de 1984. Ano de
abertura 1983. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
64
colégio [Ginásio Municipal] não desfilasse, era obrigado a gente procurar outro recurso
pra gente sair porque não tinha saída mais.137
O clima político era acirrado. O poder administrativo municipal, na versão do Sr. Jonas
Gonçalves, chegava a fechar ruas para evitar os desfiles do Ginásio Municipal. Percebemos que o
ato de levar os alunos de uma determinada escola para outras localidades consistia em provocar
um esvaziamento na cidade, evitando a interação do público com o desfile das instituições de
ensino adversárias. Nesse período, o Sr. Jonas Gonçalves era diretor do Ginásio Municipal de
Serrolândia e adversário político do prefeito da época, Florivaldo Magalhães.
A oposição entre diretores do Ginásio Municipal e a gestão do Sr. Florivaldo, sobretudo no
terceiro mandato à frente do poder executivo (1983-1988), é bastante singular. Por que o prefeito
não conseguiu retirar seus opositores do cargo de direção da instituição? Existia alguma
interferência ou articulação política a nível estadual que assegurava aos correligionários do grupo
Chapéu Preto a permanecerem no Ginásio? Como os adversários conseguiram manter certa
independência frente às reverberações da administração local? Esses questionamentos nos
acompanharam durante o levantamento e análise das fontes escritas, orais e iconográficas, sem,
contudo, conseguirmos respostas efetivas.
Inferimos, de início, que o Ginásio tivesse passado por um processo de estadualização,
contudo, isso só ocorreu no ano de 1990, através da portaria n. 926 publicada no Diário Oficial do
estado.138 Nessa conjuntura, possivelmente a manutenção desses opositores na direção do Ginásio
Municipal dava-se por meio das intrínsecas relações políticas que recobria os apoios angariados
tanto fora quanto dentro do contexto local.
Apesar das informações escassas, percebemos que o Sr. Florivaldo Magalhães buscou
substituir seu modus operandi: uma vez que não possuía gerência sobre a antiga instituição escolar,
recorreu a opção de construir outro espaço ginasial para que conseguisse manter seu controle e
“afagar” seus correligionários que foram impedidos de fazer a matrícula de seus filhos no Ginásio
Municipal.
As festividades de caráter cívico, realizadas durante as primeiras décadas da segunda
metade do século XX, alcançaram muito espaço no município de Serrolândia. Ao falar de sua
trajetória como aluna a pesquisadora Jane Adriana Rios discute um pouco sobre as construções
simbólicas que esta urbe sertaneja dispunha para com as datas comemorativas. Segundo a autora,
era comum a participação da sociedade local nas celebrações patrióticas: “a cidade se preparava
137
Entrevista concedida pelo senhor Jonas Ferreira Gonçalves ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
138
BAHIA. Portaria n. 926 de 04 de março de 1990.
65
toda para o desfile, todos acordavam muito cedo para acompanhá-lo. A escola mobilizava os
alunos.”139 Esse clima festivo, personificado nos cortejos comemorativos, se espalhava por todos
os educandários da cidade, incluindo o Ginásio Municipal de Serrolândia. Nesse contexto,
percebemos que as instruções cívicas, normatizadoras e físicas, eram trabalhadas no cotidiano das
instituições escolares através das práticas educacionais de EMC, OSPB e Educação Física.
139
RIOS, Jane Adriana Vasconcelos Pacheco. Trajetória e experiências da profissão docente. In: VASCONCELOS,
C.P., RIOS, J.A. V. P. NUNES, M. D.R., VASCONCELOS, V.N. P. (Orgs). Por Trás da Serra: história, narrativas e
saberes de uma cidade do interior da Bahia. Salvador: EDUFBA, 2014.p. 127.
140
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de História: Experiências, reflexões e aprendizagens.
Campinas-SP: Papirus, 2012. p. 20.
141
Nascimento, Adalson de Oliveira. Exercícios físicos militares em escolas civis brasileiras e portuguesas na
passagem do século XIX para o XX. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, 2009. p. 111.
66
proclamação da República, não sendo propriamente resultado dos discursos provindos de regimes
ditatoriais. Para a autora,
[...] a ideia de estabelecer nas escolas um ensino moral e cívico surgiu logo após a
proclamação da República, apontando para a missão civilizadora e moralizadora tida
como necessária à formação do cidadão, como preparação permanente, com o intuito de
defesa nacional. Desta forma, a formação do cidadão, cívica e moralmente, era
considerada essencial ao progresso na nação.142
No decorrer das primeiras décadas do século XX, a instrução à moral e ao civismo foram
gradativamente incluídas nos programas de ensino como prerrogativas obrigatórias para a
formação do cidadão nacional. A educação na República deveria se constituir dentro da laicidade
do Estado, fazendo, dessa forma, oposição aos ensinamentos religiosos comumente trabalhados
durante a regência do Império, e assim, a instrução religiosa católica seria suplantada pelas
tendências positivistas requeridas pelo novo regime. Para Juliana Miranda Filgueiras, “a educação
do homem moderno exigia um conhecimento baseado nos princípios da ciência, da educação moral
e cívica e na preparação para o trabalho.” Neste sentido, as instituições de ensino se constituíram
em locais que possibilitavam essa concepção.143
Durante a ruptura institucional que possibilitou a edificação da ditadura do Estado Novo
em 1937, o ambiente escolar continuou ocupando espaços distintos para a difusão dos preceitos
morais e a disciplinarização cívica requerida ao corpo estudantil. A ditadura getulista prezava pelo
controle e a normatização das redes escolares, colocando como carro chefe dessa política o afago
à nacionalidade ou aos sentimentos que essa palavra proporcionava no período. Segundo Thais
Nivia de Lima e Fonseca “a escola já aparecia, no início do governo de Getúlio Vargas, como o
espaço privilegiado para a prática do civismo.”144 Para além do controle e da norma, objetivos
primordiais do regime de Vargas, a formação da consciência cívica era de extrema importância
para combater as “ameaças” internas e externas.145
A instrução da moral e do civismo vivenciou momentos distintos durante a vigência da
primeira estada de Getúlio Vargas no poder executivo nacional. A aproximação entre o governo
Vargas e Igreja foi responsável pela retirada dessa prática educativa do currículo das escolas
142
CORDEIRO, Emanuelle Giamberardino Rochavetz. A disciplina de Educação Moral e Cívica no Colégio Estadual
do Paraná (1969-1986). Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Curitiba, 2010. p. 32.
143
FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A Educação Moral e Cívica e sua produção didática: 1969-1993. Dissertação
(Mestrado em Educação: História, Política e Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo,
2006. p. 23.
144
FONSECA, Thais Nívia de Lima e. História & ensino de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p.79-80.
145
Mesmo procurando distanciarem-se das comparações com o governo de Getúlio Vargas, os governos ditatoriais,
erguidos a partir do golpe civil-militar 1964, também encaravam as práticas cívicas como peça-chave para combater
os “inimigos da pátria”. O patriotismo seria o pilar das relações entre Estado e sociedade civil.
67
secundárias em 1931. Segundo Juliana Filgueiras, o então Ministério da Educação e Saúde, sob o
comando de Francisco Campos, identificava a educação moral com o ensino religioso, pois a
formação da juventude deveria se constituir pelo viés da moral católica, uma vez que essa religião
consistia na doutrina oficial do Estado.146
A legislação de 1934 não incluiu a Educação Moral e Cívica no currículo, mas tornou
obrigatório os ensinos do Canto Orfeônico e a Educação Física em todos os
estabelecimentos escolares. A educação física nas escolas ficou sob a responsabilidade
dos militares, que por meio do Ministério da Educação e Saúde, procuravam garantir o
controle sobre ela.147
A edificação de um projeto de nação não poderia apenas ficar restrito à normatização dos
códigos morais e cívicos, era necessário cuidar do corpo dos cidadãos, principalmente dos jovens,
pois, seria de extrema necessidade evitar a formação de indivíduos “desajustados”. A instrução
physica, no início do século XX, deveria compor a tríade educativa junto com a moral e a
intelectualidade, dessa forma, os corpos “seriam tomados como suporte de inscrição dos
predicados esperados de um cidadão republicano, consagrando-se à escola a façanha de cultivá-
los para neles plantar hábitos e condutas que os fizessem limpos, saudáveis, ordeiros, robustos –
atributos de uma miragem estética.”148
Durante o Estado Novo, explana Maurício Parada, houve uma perceptível acentuação
intervencionista da instrução física na constituição corporal do “homem brasileiro”. Essa
intervenção, promovida pelo Ministério da Educação e Saúde, buscou associar a Educação Física
escolar às práticas esportivas e à cultura cívica brasileira objetivando o desenvolvimento
civilizatório do cidadão.149 A prática física foi associada à estética, aos hábitos saudáveis e à
higiene, sem perder de vista a sua aproximação com a instrução pré-militar que procurava
estabelecer uma simetria dos corpos junto à disciplinarização através do ideário cívico. Essas
características angariaram aceitações dos especialistas da chamada Escola Nova.
Com o fim da ditadura do Estado Novo varguista e a volta do jogo democrático, as questões
ligadas ao aparelho educacional encontravam-se em meio às efervescências políticas que
146
FILGUEIRAS, 2006, op. cit. p. 26.
147
Idem, 2006, p. 27.
148
Tarcísio Mauro Vago afirma que “ancorado em pressupostos de uma decantada racionalidade científica,
destacando-se sua sintonia com teorias racistas e higienistas que circulavam no País, a escola, em seu novo molde, foi
projetada como instituição capaz de introjetar nas crianças maneiras julgadas superiores, modos considerados
civilizados, orientando-as para assumir condutas inteiramente distintas daquelas que possuíam.” Nesse contexto, “os
corpos das crianças tornaram-se alvo do investimento da escola, sendo colocado no centro das práticas educativas:
constituí-lo, ou reconstituí-lo, racionalmente, tornou-se atribuição da escola.” VAGO, Tarcísio Mauro. Cultura
escolar, cultivo de corpos: Educação Physica e Gymnastica como práticas constitutivas dos corpos de crianças no
ensino público primário de Belo Horizonte (1906 – 1920). Educar. Curitiba, n. 16, p. 121-135. 2000. p. 126.
149
PARADA, Maurício. Educando os corpos e criando a nação: cerimônias cívicas e práticas disciplinares no Estado
Novo. Rio de Janeiro, ed. PUC-Rio. Apicuri, 2009. p. 157.
68
circundavam o Brasil e todo o mundo – processo de redemocratização do país, final da Segunda
Guerra Mundial, polarização entre Estados comunistas e economias capitalistas. Em 1948, foi
encaminhado para o Congresso Nacional o projeto que visava construir e nortear as bases da
educação no país, dessa forma, as Leis de Diretrizes e Bases (LDB) tramitou durante treze anos na
casa legislativa recebendo diversas contribuições de agentes políticos e da sociedade civil
brasileira. De acordo com os autores Luiz Antônio Cunha e Moacyr de Góes, a LDB aprovada em
1961 “consagrou a descentralização, reservando ao governo federal a fixação de metas e a ação
supletiva, financeira e técnica.”150
O Brasil, na entrada da segunda metade do século XX, de modo geral, mostrou-se desigual
e com o processo de crescimento dessemelhante entre suas regiões. Na educação, assegura Herbert
Klein e Francisco Luna, poucos foram os esforços aplicados pelos governos para uma melhoria
real do sistema educacional, elevando assim o quantitativo de pessoas analfabetas, sobretudo, nas
regiões mais carentes do Norte e Nordeste.151
Concretizada a derrubada de João Goulart e instaurada a ditadura civil-militar, a educação
brasileira sofreu reordenações significativas, diversos projetos e campanhas que estavam em
consecução no país foram obstruídas ou modificadas processualmente.152 Em busca da
implantação de suas propostas, os militares instituíram duas reformas no sistema educacional
nacional: a primeira, ambientada no ensino superior em 1968, que mostrou a face centralizadora e
persecutória do governo ditatorial e a segunda no ensino fundamental e no ginasial no ano de 1971.
Esta reforma promovida no início da década de setenta teve um alcance maior, pois foi implantada
em todos os centros educacionais do país, nas escolas públicas e particulares. Neste mesmo
contexto, foram instituídos os Estudos Sociais, que reduziram disciplinas como História e
Geografia a meras reprodutoras de informações factuais.153
150
CUNHA, Antônio Luiz e GÓES, Moacyr de. O Golpe na Educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 14.
151
KLEIN, Herbert S. LUNA, Francisco Vidal. População e sociedade. In: REIS FILHO, Daniel Aarão.
Modernização, ditadura e democracia: 1964. História do Brasil Nação: 1808-2010, volume 5. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2014. p. 52.
152
Segundo Cunha e Góes, entre 1960 a 1964 estavam sendo realizados quatro projetos ligados a educação e cultura:
O Movimento de Cultura Popular (MCP), no Recife-PE, tinha como principal objetivo promover e incentivar a
educação de crianças e adultos; A Campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, realizada no Rio Grande
do Norte, voltava suas pautas para o letramento dos jovens e adultos e a qualificação de profissionais para trabalhar
nesse processo; o Movimento de Educação de Base (MEB), compreendia a utilização do rádio para a alfabetização
dos alunos. Esse projeto teve sua área de atuação no Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país e derivava de uma antiga
prática de ensino da Igreja Católica. O Centro Popular de Cultura (CPC) estava mais voltado para o espaço cultural
e tinha ligação direta com a União Nacional de Estudantes (UNE). Esses movimentos foram interrompidos assim que
o golpe civil-militar de 1964 foi concretizado, sendo que a maior parte acabou extinto no decorrer da ditadura.
CUNHA; GÓES, 2002, Op. cit., p. 29.
153
Segundo Maria do Carmo Martins, a reforma educacional empreendida a partir da década de 1970 “reorganizou o
conhecimento escolar, criando o ensino por áreas, e a proposta de ensinar os Estudos Sociais como a matéria prioritária
para o ensino de história e geografia, de forma interdisciplinar, também ganhou fôlego nessa época, e em 1971, na
69
Com a Lei n. 5.692/71 o objetivo da ditadura civil-militar ficou evidenciado: criar um
“novo homem”, disciplinado, normatizado, de “caráter aprimorado”, ligado ao culto dos símbolos
nacionais e ao civismo do país, obediente às leis e fiel ao trabalho. Basicamente, foram esses
pontos levantados no Conselho Federal de Educação (CFE) e previstos para serem transmitidos
em todas as instituições de ensino do país por meio de disciplinas como EMC e OSPB.154 Iêda
Viana disserta que essa nova política educacional funcionou como um dispositivo estratégico para
o controle dos cidadãos e que,
[...] a finalidade de constituição de uma cidadania social mais ampla ficava limitada pelo
quadro geral dos dispositivos estratégicos de regulação social, que se orientava mais por
interesses políticos da modernização conservadora, centrada na ideia de progresso e
estratégias de racionalização e controle, do que pelo interesse em desenvolver a
capacidade intelectual dos alunos.155
reforma curricular, se efetiva seu ensino, que foi sistematizado por meio de currículos regionais.” MARTINS, Maria
do Carmo. Reflexos reformistas: o ensino das humanidades na ditadura militar brasileira e as formas duvidosas de
esquecer. In: Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 51, p. 37-50, jan./mar. 2014. p. 44.
154
BRASIL. Lei n. 5692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá
outras providências. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1970-1979/lei-5692-11-agosto-1971-
Acesso em: 18 de dez. 2017.
155
VIANA, Iêda. A prática escolar de Estudos Sociais nas escolas municipais de Curitiba (1975-1985). In:
GONÇALVES, Nadia G; RANZI, Serlei M. F. (Orgs). Educação na Ditadura Civil-Militar: políticas, ideários e
práticas (Paraná, 1964-1985). Curitiba: Ed. UFRP, 2012. p. 144.
156
FILGUEIRAS, 2006, op. cit. p. 53.
70
Em seu artigo segundo, o decreto-lei n. 869/69 traz as atribuições que deveriam orientar as
práticas disciplinares da EMC. Entre elas estavam,
Para concatenar essas imputações, foi criada a Comissão Nacional de Moral e Civismo
(CNMC), que tinha como principal objetivo organizar e gerir a doutrina da referida disciplina em
todas as instituições, não só as de ensino.158 O culto aos valores patrióticos, o preparo dos cidadãos
para as atividades cívicas e o afago aos sentimentos nacionalistas buscavam disciplinar e “livrar”
o corpo estudantil brasileiro das condutas subversivas comunistas que ganharam espaço,
sobretudo, nos protestos de estudantes pelo mundo no ano de 1968. Além do caráter disciplinador
e o combate aos subversores, destaca Emanuelle Cordeiro, a ditadura buscou, na Educação Moral
e Cívica, “a construção de um país forte, enquadrando a política, a economia e a educação.” Nesse
contexto, “a EMC era uma estratégia do governo para a promoção do cidadão que vislumbravam
como ideal, com princípios morais e patrióticos.”159
Ao pesquisar o arquivo documental do Ginásio Municipal de Serrolândia, não encontramos
manuais ou materiais didáticos que versassem sobre as disciplinas durante a ditadura civil-militar.
Porém, através do aporte memorialístico, conseguimos resgatar indícios de como a EMC e a OSPB
foram trabalhadas na instituição escolar. Segundo a Sr. Edite de Almeida da Cruz Reis, o conteúdo
dessas matérias
[...] tratava praticamente dessa questão do civismo... a questão dos... das coisas nacionais,
Bandeira Nacional a gente estudava muito isso... Bandeira Nacional, Selo Nacional, Hino
Nacional. Era tudo muito relacionado a isso aí, relacionado também ao comportamento
da gente, a gente se comportar na escola e em casa era mais uma coisa assim, como se
fosse um ensinamento familiar... voltados aos valores morais, aos princípios morais que
157
BRASIL. Decreto-lei n. 869, de 12 de setembro de 1969. Dispõe sobre a inclusão da Educação Moral e Cívica
como disciplina obrigatória nas escolas de todos os graus e modalidades, dos sistemas de ensino no país e dá outras
providências. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-869-12-setembro-
1969-375468-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 18 de dez. 2020.
158
A Comissão Nacional de Moral e Civismo (CNMC) foi um órgão articulado entre “às autoridades civis e militares
com o intento de instituir a EMC em todas as instituições, não só as escolares, a fim de influenciar a opinião pública
e de torná-la uma prática cotidiana. A comissão devia assessorar, influenciar, colaborar e supervisionar tudo que dizia
respeito a Educação Moral e Cívica.” CORDEIRO, 2010, op. cit. p. 42.
159
CORDEIRO, 2010, op. cit. p. 28.
71
a gente já levava de casa, né? As obediências... a maneira de se comportar na escola, se
comportar perante as pessoas.160
160
Entrevista concedida pela senhora Edite Almeida da Cruz Reis ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 15 de ago. 2017.
161
BRITO FILHO, Wilson de Lima. A Educação Física da Bahia: a construção nas décadas de 1950 a 1970. Tese
(Doutorado em Educação: Faculdade de Educação) – Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador, 2019. p. 11.
162
FILGUEIRAS, 2006, op. cit. p. 23.
163
PARADA, 2009, op. cit. p. 182.
72
No Ginásio Municipal de Serrolândia evidenciamos, através do aporte documental e
memorialístico, que em algumas ocasiões a Educação Física esteve condicionada aos agentes
militares que ocupavam o cargo de professor/delegado de polícia na cidade. No início da década
de 1970, dois sargentos se destacaram na condução desta disciplina no ginásio serrolandense:
Aloísio Barbosa Alves e Raimundo Oliveira Almeida. A atuação desses personagens será melhor
aprofundada no decorrer dos próximos capítulos, entretanto, cabe adiantar que as práticas físicas,
assim como a EMC e a OSPB, ficaram no encargo desses agentes que se ocuparam de organizar e
gerir as celebrações em datas festivas, sobretudo, as competições esportivas como torneios de
futebol e corridas de resistência entre os alunos do educandário.
Imagem: 08
Instruções físicas
Na imagem acima, sem identificação de local e data, podemos visualizar algumas alunas
do Ginásio Municipal posando para foto durante a realização das instruções físicas. Com
expressões tranquilas e mantendo uma posição de alinhamento, as estudantes foram fotografadas
vestidas de forma padronizada, com camisas e sapatos claros e calça tergal, segurando em suas
mãos aros que popularmente ficaram conhecidos como bambolê. Acreditamos que o retrato
objetivava enaltecer a estrutura corporal saudável e arregimentado das estudantes. Nesse contexto,
disciplinar os corpos funcionava como meio de moldar os cidadãos, sobretudo, para o
desenvolvimento do sentimento nacionalista e controle dos gestos e expressões corporais.
Normatizar, disciplinar e controlar constituíam-se em importantes aspectos no processo de
legitimação dos discursos dos governos militares. Ao dissertar sobre a construção da legitimidade
73
durante a ditadura civil-militar, é preciso pensar na ideia de colaboração ou até mesmo na adesão
por parte de setores civis. Com esta percepção, entretanto, não queremos afirmar que a sociedade
em geral concordava integralmente com os ditadores. Ao escrever sobre a construção social dos
regimes autoritários, as autoras Denise Rollemberg e Samantha Quadrat deixam claro que “afirmar
que um tirano foi amado por seu povo não significa concordar com a tirania, apoiar suas ideias e
práticas. Tampouco o falseamento das relações da sociedade com o autoritarismo deve ser um
instrumento válido e útil para combatê-lo.”164
164
ROLLEMBERG, Denise e QUADRAT, Samantha (Orgs). A construção Social dos Regimes Autoritários: Brasil e
América Latina. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2010. p. 14.
74
Capítulo II
As comemorações cívicas realizadas pelo Ginásio Municipal de
Serrolândia
Antes de discutir as celebrações, festejos e comemorações cívicas que envolveram o
Ginásio Municipal de Serrolândia, durante a ditadura civil-militar, precisamos tecer algumas
considerações sobre a constituição histórica do civismo no Brasil e como esse conceito foi
desenvolvido durante o século XX.
O Civismo, em sua definição básica, perpassa pela demonstração de dedicação, fidelidade
e/ou admiração à pátria, atuando diretamente na construção do patriotismo. Para alguns
pesquisadores, a construção do ideário cívico brasileiro se deu sob a égide da primeira República
no final do século XIX.165 Segundo a historiadora Angela de Castro Gomes, as ideias propostas
pelos valores cívicos ajudaram a recém proclamada república a pensar uma “história pátria”,
englobando um novo discurso político junto a simbologia cívico-moral.166 Nesse contexto, o
civismo representou
[...] uma ordem ideológica, desenvolvida como forma de mudança social, que objetivava
formar cidadãos nacionalistas para uma sociedade mais liberal, e foi partindo dessa visão
que as várias correntes ideológicas disputavam a forma para definir o novo regime. O
cidadão era um dos pontos chave para se conquistar o poder, moldando-os a partir de
ideologias, ou modelos e valores, que eram transmitidos socialmente .167
165
MAIA, Tatyana de Amaral (2014); CARVALHO, José Murilo de (2017); GOMES, Angela de Castro (2009).
166
GOMES, Angela de Castro Gomes. República, educação cívica e história pátria: Brasil e Portugal. Anais do XXV
Simpósio Nacional de História- ANPUH. Fortaleza/CE, 2009. p. 01.
167
STRUJAK, Ana Paula; LEDESMA, Maria Rita Kaminski; ZANLORENZI, Claudia Maria Petchak. Desfiles
escolares: a análise do civismo pela via das fotografias. Anais do II Seminário internacional de representações sociais,
subjetividades e educação. Curitiba/PR, 2013. p. 03.
168
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. 2ª ed. São Paulo:
Companhia das letras, 2017.
75
O civismo e todos os valores que perpassam esse conceito ganharam amplo destaque
durante a ditadura do Estado Novo, a partir de 1937. Neste período, afirma Maurício Parada, a
juventude brasileira obteve preocupações perenes das políticas públicas governamentais e “suas
presenças nas cerimônias cívicas foram tão constantes quanto a de trabalhadores ou dos
militares.”169 A figura do jovem tornou-se a representação do futuro da nação, acessá-los através
dos artifícios normatizadores foi fundamental para os desdobramentos da política estadonovista.
Segundo Simon Schwartzman, em Tempos de Capanema, a educação moral, cívica e física
da juventude nacional deveria ser cotejada junto a uma instrução pré-militar. Pois, para os ideais
varguistas, o Brasil se constituiria em uma entidade sagrada na qual cada cidadão teria
responsabilidade por sua segurança, engrandecimento e por sua perpetuidade.170 Neste contexto,
os alunos civilizados “pela disciplina da autocontenção aprendida na escola e vinculada como
massa à ordem nacional, as massas escolares deixariam, no futuro, de ser desordeira, desviantes
ou revolucionárias, para se tornar um recurso político capaz de garantir a segurança e a estabilidade
do regime.”171
A disciplinarização, arregimentação normativa e o afago aos preceitos cívicos propostos e
difundidos durante a ditadura do Estado Novo chegaram ao Serrote, então povoado de Jacobina,
através da rede de escolas paroquiais fundadas pelo padre cisterciense Alfredo Haasler. Segundo
Tânia Pereira Vasconcelos, essa instituição escolar desempenhou, durante muito tempo, o papel
de formadora do cidadão no referido arraial, atuando entre os anos de 1941 a 1957. Ao analisar as
celebrações presentes na Escola Paroquial, Vasconcelos discorre sobre como os valores
patrióticos, requisitados pelo regime varguista, moldaram os sentimentos e as percepções dos
alunos e da comunidade daquele pequeno vilarejo sertanejo localizado no interior da Bahia.172
Ginásio Municipal de Serrolândia, fundado na primeira metade da década de 1960,
possivelmente herdou muitas características da Escolar Paroquial. Foi possível compreender
algumas semelhanças na organização das práticas educativas, cívicas, físicas e disciplinares.173
Outro fator que correlaciona a trajetória dessas instituições escolares é que estas iniciaram suas
169
PARADA, Maurício. Educando os corpos e criando a nação: cerimônias cívicas e práticas disciplinares no Estado
Novo. Rio de Janeiro, ed. PUC-Rio. Apicuri, 2009. p. 40.
170
SCHWARTZMAN, Simon. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra; São Paulo: EDUSP, 1984. p. 133.
171
PARADA, 2009, op. cit. p. 49.
172
VASCONCELOS, Tânia Mara Pereira. Educar, catequizar e civilizar a infância: A Escola Paroquial em uma
comunidade do sertão baiano (1941-1957). São Paulo: Universidade de São Paulo (USP). Dissertação (Mestrado em
História). 2009.
173
Segundo Tânia Vasconcelos, entre os anos de 1940 a 1970 é possível classificar três tipos de instituições escolares
no território serrolandense: a escola particular rural, a paroquial e a pública. A diferença entre elas dava-se na forma
de organização e não na essência de sua pedagogia. VASCONCELOS, Tânia Mara Pereira. Do castigo ao prêmio:
concepções de infância e educação em uma comunidade do interior. Revista da FAEEBA: Educação e
Contemporaneidade. Salvador, v.14, n. 24, p. 175-191, jul./dez., 2005.
76
atividades sob o advento de regimes autoritários, uma no Estado Novo (1937-1945) e a outra na
ditadura civil-militar (1964-1985).
Como afirmamos anteriormente, o ato de legitimar uma proposta de governo por meio do
sistema educacional não foi algo idealizado apenas pela ditadura civil-militar após o golpe de 1964,
mas sim por diversos aparelhos políticos impostos a sociedade, até mesmo em regimes
democráticos. Para Helenice Rodrigues da Silva “em busca de um consenso nacional o poder
político investe nas lembranças das grandes datas, de maneira a encontrar no passado uma
legitimidade histórica que permita consolidar a memória coletiva.”174 Consequentemente, celebrar
o passado foi e é encarado como uma oportunidade para legitimar as ações e fomentar a memória
coletiva. Ao dissertar sobre o civismo em tempos autoritários Tatyana Maia afirma que,
[...] no civismo, tal como reelaborado na ditadura civil-militar, os direitos políticos, civis
e sociais dos cidadãos podem ser restringidos em favor da harmonia social e da
“segurança nacional”. O conceito foi habilmente utilizado para redefinir a relação entre o
Estado e os cidadãos, num período marcado por Atos Institucionais que feriam os
princípios da cidadania, mas que estavam perfeitamente ajustados aos princípios do
civismo.175
A autora demonstra que as práticas cívicas e o civismo que emana delas, além de buscarem
uma harmonia social, tinham como carro chefe o ideário da segurança nacional. Segundo Maia,
esse conceito foi utilizado com habilidade pelos militares para criar uma relação entre Estado e
sociedade. Dentro do sistema educacional brasileiro, aponta José Willington Germano, a Doutrina
de Segurança Nacional, a Teoria do Capital Humano e as correntes do pensamento cristão
conservador formaram um tripé que seria responsável por toda a base de sustentação do ensino
durante a ditadura civil-militar.176
Distante do aparelho educacional, o civismo, na medida do possível, deveria interligar-se
aos preceitos da cidadania. Ainda de acordo com Tatyana Maia, “o ideário cívico na ditadura civil-
militar foi gestado dentro dos padrões estabelecidos pelo fenômeno da cidadania; contudo,
radicalizado pelo pensamento conservador e nacionalista, sobrepôs-se ao fenômeno originário.”177
Por se tratar de um regime que suprimia direitos, perseguia adversários políticos, torturava
174
SILVA, Helenice Rodrigues da. “Rememoração”/Comemoração: as utilizações sociais da memória. Revista
Brasileira de História, vol. 22, n. 44, São Paulo, 2002, p. 425-438. p. 425.
175
MAIA, Tatyana de Amaral. Os usos do civismo em tempos autoritários: as comemorações e ações do Conselho
Federal de Cultura (1966-1975). Revista Brasileira de História. São Paulo, 2014, v. 34, n. 67, pp. 89-109. p. 92.
176
GERMANO, José Willington. Estado Militar e Educação no Brasil. São Paulo: Cortez, 2011.p. 183.
177
MAIA, Tatyana de Amaral. Os cardeais da cultura nacional: o Conselho Federal de Cultura na ditadura civil-
militar (1967-1975). São Paulo; Itaú Cultural: Iluminuras, 2012. p. 172.
77
opositores e matava dissidentes, seria necessário prover uma ideia de legalidade, tornando-se
imprescindível a busca por legitimidade. Dessa forma, o civismo, a celebração das datas históricas
e o culto a algumas das grandes personagens da história brasileira tornaram-se momentos propícios
para os governos militares esconderem os porões das torturas e mostrar uma face mais alegre, que
comemorava com todo vigor a Independência do Brasil, o aniversário da ‘revolução de 1964’, o
martírio de Tiradentes, o Sesquicentenário e a Proclamação da República. Além desses objetivos,
as celebrações cívicas angariaram ampla importância dentro do processo formativo dos cidadãos
brasileiros.
Marcelo Ridenti, ao discorrer sobre a construção da legitimidade dos governos ditatoriais
mostra que “qualquer regime só pode durar ao longo do tempo se construir alguma base de
legitimidade.”178 Legitimidade que a ditadura civil-militar tentou edificar por meio de vários
aportes da sociedade: econômico, político, educacional, financeiro, entre outros. Para Ridenti, a
melhor forma de legitimar o golpe civil-militar de 1964 foi alinhar seus ideais aos preceitos
democráticos. Ou seja, potencializar o discurso de defesa da democracia e a luta contra os
comunistas “perversos” foram os melhores meios para convalidar a ditadura civil-militar e suas
ações. Abordando o imaginário anticomunista na segunda metade do século XX, Rodrigo Patto
Motta corrobora a ideia de que a defesa da democracia e a oposição ferrenha aos ideais do
comunismo foram as principais bandeiras dos apoiadores e simpatizantes ao regime. Segundo
Motta,
Diante desta conjuntura, o ambiente escolar era compreendido como um lugar bastante
propício para as ações legitimadoras do novo regime. Nesse espaço, seria dada a formação dos
futuros cidadãos comprometidos com os destinos do país, afinal, as “práticas cívicas” – presentes
nas comemorações em datas especiais, na valorização dos grandes mitos da história brasileira, no
canto do hino nacional – seriam os instrumentos responsáveis por assegurar coesão e apoio ao
Estado. Assim podemos compreender a importância que as instituições de ensino representaram
na contribuição para a consolidação do projeto. Podemos considerar ainda as escolas brasileiras
178
RIDENTI, Marcelo. As oposições à ditadura: resistência e integração. In: REIS FILHO, Daniel. A; RIDENTI,
Marcelo; SÁ MOTTA, Rodrigo. P. (Orgs). A ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro:
Zahar, 2014. p. 17.
179
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O segundo grande surto anticomunista: 1961/64. In:______. Em guarda contra o
perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2ª ed. Niterói: Eduff, 2020. p. 271.
78
como um ambiente propício para a difusão de ideias e um forte papel legitimador das mesmas.
Nesse contexto, analisa Janaina Cordeiro,
180
CORDEIRO, Janaina Martins. A ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2015. p. 21.
181
MAIA, 2012, op. cit. p. 180.
79
visão que promovesse “esperança e otimismo”, sem perder de vista os rompantes autoritários.182
Cabe destacar a importância de investir na educação dos jovens de acordo com os interesses
projetados e os usos na divulgação deste investimento. As crianças e os jovens como metáforas do
novo país.
Quando discorremos sobre a participação da única instituição de ensino ginasial da cidade
nas comemorações cívicas durante a ditadura civil-militar, não queremos sugerir que houve um
apoio irrestrito ou até mesmo uma adesão por parte de integrantes da escola aos preceitos
conservadores emanados pelos ideais militares. Como veremos, nas memórias acionadas durante
as entrevistas, a maioria dos estudantes gostava de participar dos desfiles por estarem ou serem
elevados ao papel de destaque. Naqueles momentos de celebrações a sociedade serrolandense
encontrava-se na praça principal para ver os desfiles das escolas e principalmente para prestigiar
a passagem do Ginásio Municipal. Para o historiador português Fernando Catroga,
Como aponta Catroga, as festas cívicas têm por característica criar momentos de comunhão
no qual os indivíduos devem sentir-se integrados ao todo. Nesse sentido, os festejos patrióticos
atuam na produção dos consensos e consentimentos. Em comunhão com Catroga, Thais Nivia
Fonseca discorre que as festas cívicas são momentos propícios para celebrar a comunhão nacional
em torno de ritos e símbolos. Segundo a autora,
[...] as festas cívicas tornam-se os momentos privilegiados para a celebração de uma certa
comunhão da comunidade nacional, simbolizada nos rituais que envolvem a participação
real ou imaginada de vários segmentos da sociedade; nos discursos que exaltam a nação
como o resultado de lutas ancestrais; na afirmação da crença na coesão, na conjunção de
interesses e no espírito de coletividade.184
Tanto Thais Nivea Fonseca quanto Fernando Catroga afirmam que as festas cívicas
consistem em oportunidades bastante propícias para a fabricação da comunhão nacional. No que
diz respeito ao nosso recorte espacial, será que as divergências políticas proporcionadas pela
disputa entre Chapéus Brancos e Chapéus Pretos subvertiam essa ideia de comunhão e união dos
182
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV,
1997. p. 74.
183
CATROGA, Fernando. Nação, mito e rito: religião civil e comemoracionismo. Fortaleza: Edições NUDOC/Museu
do Ceará, 2005. p. 8.
184
FONSECA, Thais Nivia de Lima e. A comemoração de 21 de abril: o cenário do jogo político (1930-1960). Anos
90, v. 12, n. 21/22. Porto Alegre, 2005.p. 439.
80
povos na sociedade de Serrolândia? Percebemos que nem os momentos patrióticos ficavam de fora
do jogo político-partidário desses dois grupos. Como referenciado anteriormente, as práticas
cívicas não atendiam apenas ao Ginásio Municipal, pois a população ficava envolvida nas
comemorações e em cada desfile o município de “Serrote” se alvoroçava e se espremia na praça
Manoel Novaes, então apoteose cívica serrolandense, para ver os alunos “marcharem”. No tópico
seguinte, analisaremos como eram organizados esses desfiles cívicos, realizados pelo Ginásio de
Serrolândia e como os agentes envolvidos, ex-alunos, professores e diretores constituíram suas
memórias sobre esses eventos.
185
José Reis Barreto da Silva, nascido em 07/01/1954, foi aluno do Ginásio Municipal de Serrolândia entre 1968 a
1975 no qual saiu formado na primeira turma de Magistério desse mesmo educandário. Atuou como professor durante
muitos anos no município serrolandense. Reizinho, como é popularmente conhecido, foi vereador por sete mandatos
que corresponderam de 1989 até 2015 e nos recebeu, em sua casa, em duas ocasiões (10 agosto de 2017 e 13 de abril
de 2021) para conversarmos sobre seu período como aluno no Ginásio Municipal. Entrevista concedida pelo senhor
José Reis Barreto da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 13 de
abril de 2021.
81
sua vez, atrelava-se às políticas culturais propostas pelo Conselho Federal de Cultura (CFC),
também criado pelo regime autoritário de 1964.186
Nas atas, principal meio no qual os dirigentes do ginásio registravam as comemorações,
não encontramos nenhuma menção ao Dois de Julho nem ao aniversário de emancipação política
da cidade. Porém, há registros de outras comemorações como: o aniversário da própria instituição
ginasial no dia vinte e sete de abril, a passagem do Sesquicentenário da Independência do Brasil
no dia vinte um de abril de 1972, e do aniversário da ‘revolução’ de 31 de março de 1964.
Provavelmente, essas fontes administrativas mencionam apenas aquelas celebrações organizadas
e desenvolvidas pelo próprio Ginásio de Serrolândia, consequentemente, não registrando os
festejos realizados por outros estabelecimentos escolares ou pelo próprio poder público local.
Conforme afirmamos anteriormente, buscamos investigar as celebrações e os festejos
cívicos realizados pelo primeiro Ginásio Municipal de Serrolândia no período da ditadura civil-
militar (1964-1985) e percebemos, por intermédio da análise documental, que nem sempre foram
realizados grandes desfiles pelas ruas da cidade. Em algumas ocasiões as festas ficaram restritas a
sessões solenes dentro do próprio Ginásio Municipal e aconteceram sem grandes alardes. Essas
comemorações, em sua maioria, iniciavam-se pela manhã com o hasteamento da Bandeira
Nacional, entoação do Hino Nacional e patrióticos, estendendo-se até o final da tarde. Em alguns
momentos aparecem os registros das práticas esportivas completando as celebrações.
Imagem: 09
Hasteamento da Pavilhão Nacional, início da década de 1970
Fonte:http://serrolandiaantigo.blogspot.com/2011/04/colegio-estadual-de-serrolandia-decada.html
186
CARVALHO, Anselmo Ferreira Machado. Intelectuais, políticas culturais e poder na Bahia (1968-1987). Aracajú:
editora do IFS [e-book], 2020.
82
Para Upiano Bezerra de Meneses, “as imagens não contribuem apenas para apresentar o
passado, mas também para construí-lo.” Ao se referir a imagem, correlacionando-a com a
memória, Meneses afirma que os diferentes meios de representação visual proporcionam marcas
específicas na produção do passado.187 Ao pesquisar a respeito da produção fotográfica das
comemorações cívicas do Ginásio Municipal encontramos significativo volume de retratos e esse
material mostrou-se uma fonte profícua para nossa investigação.
A fotografia de número oito proporciona visualizar como aconteciam as solenidades de
hasteamento da Bandeira Nacional. Possivelmente, trata-se de um registro do início da década de
1970, o número de alunos neste período passava de uma centena. Ao centro, podemos perceber o
mastro com o pavilhão nacional e ao fundo os alunos enfileirados, portando seu fardamento social,
ou traje de gala como descrito pelos entrevistados. Não sabemos informar se essa sessão aconteceu
em alguma festividade cívica, o que conseguimos observar é que talvez por estar distante dos
grandes centros urbanos, o Ginásio Municipal de Serrolândia fazia questão de manter, em seu
cotidiano, as práticas de patriotismo e os valores normatizadores propostos pela ditadura civil-
militar.
Observamos que, dentre as celebrações, o Sete de Setembro ganhou maior destaque, seja
nas atas ou nas memórias dos depoentes. No livro de atas aberto em 1971 – com registros até 1973
– as comemorações da Independência do Brasil apareceram em todos os anos. O ritual do Sete de
Setembro tinha sua celebração praticamente idêntica: sessão solene com hasteamento da bandeira
nacional no Ginásio Municipal e depois os alunos desfilavam até a praça Manoel Novaes, local
onde havia um palanque no qual discursavam as figuras políticas. A população serrolandense, da
sede e da zona rural, se aglomerava esperando ansiosamente pela passagem das escolas e da banda
marcial/fanfarra do Ginásio Municipal.
A praça Manoel Novaes ocupou por muito tempo o posto de principal espaço público do
município de Serrolândia. Segundo o memorialista Diomedes Reis, ela “está situada bem no
coração da cidade. É nela onde está concentrado o comércio mais antigo, a prefeitura, a Igreja
matriz.”188 Esta praça era o centro de efervescência da urbe e os desfiles cívicos organizados pelo
Ginásio Municipal de Serrolândia tinham esse espaço como principal ponto de passagem, além
das campanhas políticas e até as feiras livres ocorrerem nesse ambiente. A nomenclatura da
referida praça é em homenagem ao médico e deputado federal, Manoel Cavalcanti Novaes, o
187
MENESES, Upiano T. Bezerra de. História e imagem: iconografia/iconologia e além. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs.) Novos domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2012. p. 259.
188
REIS, Diomedes Pereira dos. Serrote de ontem, Serrolândia de hoje. Salvador: Press Colo, 2010. p. 78.
83
mesmo agente político que recebeu, no ano de 1967, da Câmara de Vereadores de Serrolândia o
título de cidadão serrolandense em reconhecimento ao “grande trabalho” que o legislador federal
prestava ao município.189 Segundo a historiadora Carla Côrte de Araújo, o aludido político teve
uma participação muito acentuada junto aos líderes políticos na região do Piemonte da Chapada
Diamantina.190
Na conjuntura estadual, aponta Thiago Machado de Lima, Manoel Novaes “contava com
importantes apoios dentro do Legislativo baiano.” Na legislatura de 1963-1967, seu ex-partido, o
PR, contava com oito deputados e, com a reformulação das legendas, esses políticos se
concentraram sob a base da Aliança Renovadora Nacional. “Além dos ex-perristas, algumas
projeções indicam que Novaes contava com outros apoios, perfazendo um total de 14
parlamentares estaduais ligados à sua linha de ação política.”191
Voltando aos festejos do Sete de Setembro de 1971, os preparativos para esta comemoração
começaram dias antes.
Aos três dias do mês de setembro do ano de mil novecentos e setenta e um (1971) na sala
onde funciona a diretoria deste Educandário foi realizado o primeiro encontro de
professores e funcionários deste estabelecimento deste semestre. Acharam se presentes
os seguintes profs. Reverendo Evilásio Rodrigues Padro, vice-diretor em exercício Sra.
Delegada Escolar, Profª. Arionete Guimarães de Sousa, Profª Maria das Graças Pereira
Mendes, Prof. Manoel Xavier dos Santos, Sargt. Aloísio Barbosa Alves, Profª Haydée
Simões Gomes, e ainda Sra. Elísa de Almeida Moreira, secretária e o Sr. Maria Pimentel,
zeladora. O assunto tratado foi “como realizar o desfile do próximo dia 7. Foram ouvidas
vária opiniões as quais levaram ao vice-diretor a criar uma, uma comissão de organização
com o fim de funcionários e professores, juntos o mesmo ideal cooperarem na
organização e apresentação do referido desfile. Ficando assim designando cada professor
com sua função a desempenhar para melhor andamento. Sra. Delegada Escolar do
Município, como articuladora Educacional deste estabelecimento, ficando encarregado
pela boa apresentação do desfile, durante estes dias.192
Para Roberto DaMatta, o “dia da pátria”, comemorado no dia sete de setembro, junto com
o carnaval constituem os dois ritos de maior duração no Brasil. A comemoração não fica resumida
apenas ao dia do evento, mais sim a uma semana de preparativos e festividade.193 Como vimos no
trecho da ata de três de setembro de 1971, o vice-diretor em exercício, Reverendo Evilásio
Rodrigues Prado, reuniu os funcionários do Ginásio Municipal para discorrer sobre a organização
189
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 1, ata de 28 de abril de 1967. Ano de
abertura 1963. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
190
ARAÚJO, Carla Côrte de. Os Carcarás: Política e sociedade em Jacobina (1966-1974). Dissertação de mestrado
em História: Salvador. UFBA: 2012.
191
LIMA, Thiago Machado de. O fim do jogo democrático: o jogo de 1964 e o Poder Legislativo da Bahia. Rio de
Janeiro: 7 Letras, 2021. p. 223.
192
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata n. 4. Ano de abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
193
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997.
84
dos festejos daquela data cívica. A fonte documental ainda nos informa que uma comissão foi
criada para ficar responsável pela organização e apresentação do desfile. À delegada escolar, Sra.
Arionete Guimarães de Sousa, coube o encargo de garantir uma boa apresentação do ginásio no
dia do desfile. Vejamos como acorreu os festejos no dia:
Aos sete (7) dias do mês de setembro de mil novecentos e setenta e um as 9 horas deu-se
início a 1ª sessão comemorativa ao dia sete de setembro data mágna da Independência do
Brasil. Reuniu-se no Ginásio Municipal Florivaldo Magalhães Sousa, alunos e
professores a fim de dar início às solenidades. Depois do hasteamento do Pavilhão
Nacional foi entoado por alunos e professores o A Bandeira e o Hino Nacional Brasileiro.
Partindo daí para o ponto de concentração situado à Praça Manoel Novaes onde se
encontrava armado o palanque oficial. Usaram da palavra os seguintes professores:
Aloísio Barbosa Alves, Diretor deste estabelecimento, Evilásio Rodrigues Padro Vice-
diretor, Arionete Guimarães de Sousa, Haydée Simões. Representando o Ginásio falaram
as seguintes alunas: Nevolanda Mariane de Sousa da 4ª série ginasial e Edlurdes
Rodrigues da 3ª série ginasial; falaram ainda os Sr. João Batista de Sousa, e o Sr. Prefeito
Municipal Florivaldo Magalhães Sousa. Os quais falaram sobre a Independência do
Brasil. Terminando esta segunda parte o Ginásio desfilou pelas principais ruas da cidade,
rumando depois para o estabelecimento onde foi servido aos alunos um lanche, logo
depois o ginásio se deslocou para o povoado de Quixabeira, onde desfilaram, e foram
bem recebidos, pelo hospitaleiro povo daquela localidade. Seguindo-se ainda com os
festejos comemorativos ao dia da Independência do Brasil.194
194
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata n. 5. Ano de abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
85
pessoas recém-chegadas ao município e que detinham alguma formação tornavam-se docentes na
instituição. É muito comum encontrar o nome de delegados da polícia, bancários e pastores
ocupando o cargo de professores do Ginásio Municipal.
O artigo sétimo do decreto-lei 869/69 dispunha sobre a formação dos professores para
ministrar as aulas e práticas educativas da EMC. Segundo o documento, “a formação de
professores e orientadores da disciplina Educação Moral e Cívica, far-se-á em nível universitário,
e para o ensino primário, nos cursos normais.”195 No educandário onde empreendemos nossas
pesquisas, percebemos que os docentes responsáveis por esta e outras disciplinas não possuíam
formação em conformidade com o decreto de 1969. Instruções físicas, organização social e política
e a educação cívica ficavam sob tutela de pessoas com “afinidades” para o ensino, geralmente
agentes militares que chegavam à cidade para assumir o cargo de delegado de polícia.
Para o Sr. José Oliveira da Silva, o Sete de Setembro representava um marco na história
brasileira e tinha o apoio de toda a sociedade:
[...] um apreço pelo desfile do dia sete de setembro quando todo mundo tinha aquilo como
um, realmente uma a.... um marco, né? Pra o nosso país, então era bem respeitado mesmo,
o pessoal apoiava, tava todo mundo na rua pra observar quem..., as vezes vinha também
um tiro de guerra de Jacobina pra qui, pra completar o desfile e aquilo era, pra sociedade
era um marco, né? Naquele período.196
Em seu depoimento, o Sr. José Oliveira afirma que os festejos ao Sete de Setembro em
Serrolândia eram marcados pela participação do Tiro de Guerra (TG) que se deslocava da cidade
de Jacobina para fazer apresentações. Não sabemos informar ao certo sobre a participação dessa
instituição militar nas comemorações cívicas realizadas pelo Ginásio Municipal, porém, podemos
afirmar que festejos cívicos proporcionavam uma interação maior entre sociedade civil e militares.
Notamos que no final de sua rememoração o depoente buscou se distanciar das memórias
saudosistas que as celebrações da independência do Brasil proporcionavam naquela sociedade. Ao
utiliza a expressão naquele período o entrevistado procurou manter um afastamento do significado
que os festejos do dia sete de setembro detinha naquele momento.
Assim como o Sr. José Oliveira, outros entrevistados relataram sobre a importância que o
ginásio requeria e adquiria nas comemorações da independência brasileira:
[...] o desfile do sete de setembro era um desfile mais cívico, né? Mais voltado para todo
aquele respeito nacional. No desfile a gente tinha que se comportar muito formal, né?
Seria formal, onde no sete de setembro a gente tinha que desfilar todo no ritmo, né? Da
195
BRASIL. Decreto-lei n. 869, de 12 de setembro de 1969. Disponível em: http://www2.camara.lehtml. Acesso em:
18 de dez. 2017.
196
Entrevista concedida pelo senhor José Oliveira da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
86
fanfarra, naquela época dava o nome de banda, hoje é fanfarra, naquela época se falava
banda “a Banda do Colégio Estadual”. Então, tinha o pelotão que era a banda, era todos
os instrumentos e a gente tinha que desfilar, nem um brinco a gente podia colocar na
orelha, no sete de setembro era apenas cabelo solto, não podia amarrar o cabelo, não podia
nada disso, porque era assim um respeito muito grande a pátria.197
Para a Sra. Edite Reis, o desfile do Sete de Setembro era mais formal que os demais, uma
vez que, para além dos sentimentos cívicos, havia o respeito muito grande para com a pátria. Seria
necessário que todos os alunos desfilassem em um só ritmo, eram formados pelotões e esses
marchavam no compasso da fanfarra/banda marcial da escola. Segundo a Sra. Elenita Oliveira
Sousa,
No Sete de Setembro era farda de gala, era as meni... as mulheres de saia prensada azul
marinho, camisas de manga cumprida branca, uma boinazinha branca, luvas brancas,
gravatinha da mesma cor da saia e o sapato era um sapato colegial, tinha que ser de couro,
diferente do que você ia pra escola no dia a dia do colégio. Um sapato que todos tinham
que ter! Essa farda todos... era uma farda de gala chamada, muito bonita na época. Mas
era assim, acaba... acabava numa perversidade por que alguns pais não podiam ter aquela
farda pro filho usar no 7 de setembro e muitos, coitados, deixavam de se alimentar pra ter
essa farda. Por que se o filho não desfilasse! Com aquela farda, ele é... era suspenso,
deixava de fazer algumas provas.198
197
Entrevista concedida pela senhora Edite Almeida da Cruz Reis ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 15 de ago. 2017.
198
Entrevista concedida pela Senhora Elenita Oliveira de Sousa ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 21 de ago. 2017.
87
Elenita Sousa destaca em seu depoimento a “perversidade” que o ginásio submetia alguns
pais, pois muitos não tinham recursos financeiros para bancar o traje de gala e a única alternativa
seria economizar para adquirir o fardamento para os filhos.
Imagem: 10
Traje de gala feminino
A fotografia é uma fonte riquíssima para a historiografia, nela nos é permitido visualizar
detalhes que talvez outras documentações e os relatos orais não são capazes de expressar. Para
Valter de Oliveira, ao trabalhar com memórias fotográficas na primeira metade do século XX, a
“fotografia teve papel significativo nas construções das memórias coletivas e nos espaços das
lembranças individuais.”199 A maioria dos depoentes, ao fazerem suas narrativas, assinalavam a
existência de fotos em seus acervos pessoais, demarcando, assim, a imersão da memória coletiva
nas lembranças individuais. Para alguns entrevistados os retratos gozam de caráter de “prova” e
servem para confirmar sua participação nas comemorações realizadas pelo ginásio.
Imagem: 11
Alunas concentradas na praça Manoel Novaes
199
OLIVEIRA, Valter de. “Offereço meu original como lembrança”: circuito social de fotografia nos sertões da Bahia
(1900-1950). Salvador: EDUNEB, 2017. p. 177.
88
Fonte: Acervo do Departamento Municipal de Cultura
200
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata n. 09, 10 e 11. Ano de Abertura:
1971. Local: Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
89
eles nos permitem analisar como os alunos do Ginásio Municipal compunham seus trajes durante
as celebrações cívicas em Serrolândia.
Voltando à documentação escrita do Ginásio Municipal de Serrolândia, encontramos mais
dois registros das comemorações do Sete de Setembro. Em 1972, as comemorações em torno da
data aconteceram da seguinte forma:
Aos sete dias do mês de setembro de 1972, as 8 horas deu-se início das comemorações
do dia da Independência; hasteamento do Pavilhão Nacional e a bandeira da Bahia ao som
do Hino Nacional entoado pelos alunos deste estabelecimento, sob a direção e orientação
do professor de Educação Física, Sarg. Raimundo Oliveira; estavam presentes a este ato
os seguintes professores: Sra. Arionete Guimarães Sousa Vice-diretora e Orientadora
Educacional, Profª Maria das Graças Pereira Mendes, Miriam Miranda de Meideiros,
Manoel Xavier dos Santos, Creusa Pereira, Nelciria Mª Rios de Oliveira, Eliane de Sousa
Araujo, Dalva Maria de Albuquerque, Valcy Araujo, Ednalva Nascimento Silva e Sra.
Diretora Haydee Simões Gomes. Terminado esta cerimônia o Ginásio rumou para a praça
Manoel Novais onde estava instalado o palanque com instalações de serviço de som para
melhor abrilhantar ás festividades. Nesta data juntamente com o Ginásio Municipal
desfilaram as Escolas Estaduais e Municipais da Sede. Participaram vários oradores, e
alunos que usaram da palavra, a fim de expressarem a sua alegria pelo fato de serem
independentes e de seu País também independente. As 11:32 minutos foram encerradas
as festividades escolares.201
Aos sete dias do mês de setembro de um mil novecentos e setenta e três. As oito horas
deu início as comemorações do dia da Independência, hasteamento da Bandeira Nacional
sob a direção do professor de Educação Moral e Cívica, Sarg. Raimundo Almeida; os
alunos em forma ao som do Hino Nacional Brasileiro deu-se a cerimônia do hasteamento.
Daí seguiu em desfile para a praça Pr. Manoel Novais ponto de concentração onde estava
armado o palanque municipal. A população se deslocava para a praça onde se via grande
201
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata n. 11. Ano de Abertura: 1971. Local,
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
202
KRAAY, Hendrik. “Sejamos brasileiros no dia da nossa nacionalidade”: comemorações da Independência no Rio
de Janeiro, 1840-1864. TOPOI, v. 8, n. 14, jan.-jun. 2007, pp. 9-36. p. 10.
90
massa da população deste município. Estavam presentes as seguintes autoridades Sr.
Prefeito municipal, Sr. Florivaldo Magalhães, Sra. Delegado Escolar deste município, Sr.
Delegado de Polícia, Professores Estaduais e municipais. Depois de usarem a palavra
vários oradores foram encerradas as solenidades.203 (Grifo nossos)
203
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata n. 16. Ano de Abertura: 1971. Local,
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
204
RIOS JÚNIOR. Jairo Soares. Narrativas de fé e outras histórias dos batistas em Serrolândia. Dissertação
(Mestrado em História Regional e Local) Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Santo Antônio de Jesus-BA,
2012. p. 42.
91
ritualização dos batalhões juvenis e das evoluções militares “contribuía para a difusão e o
fortalecimento de laços simbólicos nacionais entre as crianças que participavam como atores ativos
nesses rituais e os espectadores que participavam das festas e solenidades cívico-escolares.”205 Na
esteira do nosso processo narrativo, percebemos que os agentes militares, presentes no Ginásio
Municipal de Serrolândia ficavam responsáveis pelas práticas educativas que trabalhavam as
questões morais, normatizadoras, físicas e cívicas.
Sobre a participação da sociedade serrolandense nos desfiles e nos festejos cívicos, os
entrevistados teceram longas narrativas. A cidade entrava em um clima eufórico e se alvoroçava
muito nas principais datas comemorativas. Segundo a Sra. Edite Almeida Reis,
[...] aquela época toda a cidade estava na praça, estava nas ruas para assistir os desfiles,
porque era uma coisa assim... era um momento histórico que mexia mesmo com a cidade.
Era uma coisa muito importante... pra população. [...] todo mundo estava na rua,
fotografando, todo mundo aplaudia! Era aplaudido cada pelotão que, que passava. As
pessoas estavam principalmente...todos na praça principal. Na praça Manoel Novaes, e
na hora que o desfile passava todo mundo aplaudia. Todo mundo estava na praça, vinha
da zona rural, vinha de todos os lugares, pra assistir esse desfile. Era assim um momento
histórico na vida do município... da cidade[...].206
Na segunda entrevista que realizamos com o Sr. Paulo Rodrigues de Oliveira, em 2021, ele
teceu inúmeros comentários sobre o entusiasmo que tomava os pais dos alunos. Possivelmente,
essa euforia não ficava restrita apenas aos familiares que observavam seus filhos desfilarem em
meio à “multidão” que se fazia presente nas praças e ruas da cidade. Para Janaina Cordeiro, a
205
Nascimento, Adalson de Oliveira. Exercícios físicos militares em escolas civis brasileiras e portuguesas na
passagem do século XIX para o XX. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, 2009. p. 161 a 162.
206
Entrevista concedida pela senhora Edite Almeida da Cruz ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 15 de ago. 2017.
207
Entrevista concedida pelo senhor Paulo Rodrigues de Oliveira ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 12 de abril de 2021.
92
década de 1970 foi marcada pela reativação das tradições cívicas, esse retorno ao patriótico ligava-
se ao ideal de modernização e ao discurso sobre o “milagre econômico”, aumentando assim o
otimismo e o clima festivo da população brasileira.208 Mas, para além desse clima festivo, otimista
e eufórico, o que levava os alunos a participarem das celebrações cívicas? Só os sentimentos
patrióticos explicariam esse desejo de desfilar? Para a Sra. Valdelice Cunha, as comemorações
transformavam-se em oportunidades para se divertir:
[...] eu gostava dos desfiles cívicos, porque a gente não tinha perspectiva de nada aqui.
Não tinha diversão nenhuma, aí eu ficava ali aguardando aquele dia como se fosse uma
festa... esperava como se fosse uma festa. Então, era desfile de sete de setembro e o desfile
da primavera, era o que mais a gente gostava, porque era um desfile diferente... de cores,
sabe? Era animado, de bichos, de flores... roupas diferentes.209
Não há dúvidas que as celebrações cívicas se mostravam ótimas ocasiões para sociabilizar.
Consistia em um momento festivo, muitas pessoas na praça Manoel Novaes aplaudindo a cada
oração, desfiles e apresentações. A entrevistada ainda destaca que a cidade não oferecia nenhum
momento de lazer e diversão e, por esse motivo, os festejos encabeçados pelo ginásio eram
esperados com certa ansiedade. Segundo relata o Sr. Paulo Rodrigues de Oliveira, naquele tempo
“ninguém se recusava a não ir pra desfilar [...] a televisão era precária, num tinha internet, não
tinha o movimento que atraia mais... era esse momento.”210 Dizer que os alunos olhavam os
festejos cívicos como uma oportunidade de diversão não resume a participação só a esse fator. A
normatização, os preceitos patrióticos e os valores conservadores que a ditadura civil-militar
prezava estavam ali presentes, massificados pela força propagandística do governo militar. Porém,
é necessário levar em consideração que essas comemorações eram excelentes oportunidades para,
por exemplo, encontrar pessoas, “jogar conversa fora” e namorar. Aliado a isso tudo, havia um
entusiasmo para desfilar, para estar em destaque perante a família, amigos, autoridades políticas e
sociedade em geral.
O entusiasmo que eles [alunos] tinham pra mostrar, pra sair na cidade e se mostrar mesmo
para o povo, havia-se um desejo dos alunos em se mostrar, atrair, pra que os pais também
vissem eles desfilando, tinha alunos que era um entusiasmo que sonhava com o dia do
desfile... a verdade é essa.211
208
CORDEIRO, 2015, op. cit. p. 22.
209
Entrevista concedida pela senhora Valdelice dos Reis Cunha ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 22 de agosto de 2017.
210
Entrevista concedida pelo senhor Paulo Rodrigues de Oliveira ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 11 de agosto de 2017.
211
Entrevista concedida pelo senhor Paulo Rodrigues de Oliveira ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 12 de abril de 2021.
93
Os desfiles cívicos seriam ocasiões de maior destaque que os estudantes poderiam usufruir
durante o ano, os meses de ensaios se resumiram naquele momento perante as autoridades e
sociedade serrolandense. Este clima festivo também era apreciado pelos militares, deixava-se de
lado uma atmosfera mais belicosa e assumia-se uma face branda.
Imagem: 12
Concentração em frente ao Ginásio de Serrolândia, década de 1970.
[...] em parte, era obrigatoriedade, né? E outros era porque gostava, né? Ficava ansioso
pra ir pra alvorada, pra ir pra o desfile, né? Então, tinha uma parte que as vezes não
queriam... eram obrigados, e outros que se sentia entusiasmado, né? Aquele movimento.
[...] havia, só não tinha gratificação de dizer tem um ponto, tem isso tem aquilo porque
foi... é obrigação, agora quem não fosse tinha penalidade.213
Com narrativa semelhante à de outros depoentes, o Sr. José Oliveira dos Santos disserta
que havia interesse dos estudantes, porém, afirma haver certas obrigatoriedades cobradas pela
administração da instituição ginasial:
[...] alguns alunos tinham interesse, outras vezes a própria escola forçava porque ela tinha,
ela fazia com que realmente os alunos participasse como se fosse uma atividade pra nota,
então aí no final das contas quem não participava seria praticamente penalizado né? Na
atividade da... e no dia a dia.214
todo mundo ia de bom agrado, todo mundo ia, eu lembro disso aí no hasteamento de
bandeiras, coisas assim, do dia sete de setembro, da fanfarra não, a gente ia com prazer,
agora do dia sete de setembro tinha, entendeu? Tinha, fazia parte, a nota de, da Educação
Moral e Cívica vai ser a participação, a nota de História vai ser dois pontos, essa coisa aí
212
Entrevista concedida pela senhora Elenita Oliveira de Sousa ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 21 de ago. 2017.
213
Izailda de Oliveira Vilela nasceu em 18/07/1958, entrou no Ginásio Municipal no ano de 1974. Cursou todo ensino
ginasial e o magistério nessa instituição de ensino. Depois de formar-se, ela começou a trabalhar como professora para
a prefeitura municipal e em seguida entrou para o quadro de servidores públicos do estado da Bahia. A entrevista foi
realizada em sua casa, no povoado de Novolândia, na cidade de Serrolândia. Entrevista concedida pela senhora Izailda
de Oliveira Vilela ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 12 de abril de
2021.
214
Entrevista concedida pelo senhor José Oliveira da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
95
tinha... mas da fanfarra não, se você quisesse você apenas seguia as normas, tinha
disciplina e alegria, não era, não tinha exigências em termo de cobrança de nota não.215
215
Entrevista concedida pela senhora Cleonice Barreto Rios ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 22 de agosto de 2017.
216
PORTELLI, Alessandro. História oral como arte da esculta. Tradução: Ricardo Santiago. São Paulo: Letra e Voz,
2016. p. 47.
217
FILGUEIRAS, Juliana Miranda. A Educação Moral e Cívica e sua produção didática: 1969-1993. Dissertação
(Mestrado em Educação: História, Política e Sociedade) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo,
2006. p. 187.
96
diz respeito a como essa prática educativa foi sendo moldada de acordo com os interesses dos
agentes que estavam no poder.
Empreendendo análises das celebrações cívicas no Ginásio de Serrolândia, percebemos que
esses festejos, em quase sua totalidade, se iniciavam pela manhã, com o hasteamento da bandeira
do Brasil, entoação do Hino nacional e de canções patrióticas. Depois dessa primeira parte, os
festejos variavam um pouco de um ano para outro, como por exemplo, em 1971, no dia vinte e
sete de abril, foi comemorado o nono aniversário da referida instituição ginasial. Essa festividade
começou às onze horas, com sessão solene no prédio do estabelecimento e contou com
apresentações de músicas, poesia e agradecimentos ao prefeito. Às quatorze horas, deu-se início
ao desfile pelas ruas da cidade.218 Possivelmente, em 1972, a comemoração do décimo aniversário
do Ginásio Municipal não foi realizada, pois não encontramos registros em atas. Essa celebração
voltou a aparecer em 1973, quando comemorava-se o décimo primeiro aniversário da instituição.
Esta comemoração mostrou-se um pouco mais modesta, não houve desfile, apenas apresentações
teatrais e o que a ata descreveu como partes cívicas – canto do hino brasileiro e hasteamento do
pavilhão nacional.219
Na documentação do Ginásio Municipal ainda encontramos, referente ao ano de 1971, uma
celebração que festejava a entrada da primavera realizada no dia vinte e um de setembro.
218
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de atas n. 1, ata n. 3. Ano de abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal de Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
219
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de atas n. 1, ata n. 15. Ano de abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal de Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
220
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de atas n. 1, ata n. 8. Ano de abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal de Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
97
primavera não é considerada uma data cívica, porém, ao que tudo indica, ela gozou de relevância
similar aos festejos patrióticos no Ginásio Municipal.
Imagem: 13
Desfile em celebração à entrada da primavera, 1982
Essa fotografia compõe o acervo do Sr. Jonas Ferreira Gonçalves e, segundo ele, resgistra
a celebração de entrada da primavera, realizada no ano de 1982. O depoente afirma não lembrar
de muitos detalhes da produção desta imagem, afirma apenas que o desfile aconteceu no destrito
de Quixabeira. O retrato foca na figura de dois alunos fantasiados, provavelmente, de anões de
contos de fada ou duendes, em suma, seres ligados à natureza. No plano secudário, é possivel
visualizar uma menina carregando a bandeira da Bahia e, atrás dela, vários estudantes enfileirados
com camisas brancas e calças jeans.
Os festejos à entrada da primavera ou as celebrações ao Dia da Árvore já compunham o
calendário celebrativo das instituições escolares desde a instauração da Primeira República.
Contudo, afirma a pesquisadora Cassiane Fernandes, essas comemorações não foram uma
invenção do aparelho educacional brasileiro durante governo republicano, mas sim, uma
apropriação cultural que adveio de outras celebrações difundidas em países como França e Estados
Unidos, no decorrer dos séculos anteriores, bem como em Portugal no início de 1900.221 Na Escola
Paroquial do pequeno povoado de Serrote, ainda na primeira metade do século XX, a entrada da
primavera também se constituía como data comemorativa, havendo atividades de cunho patriótico
221
FERNANDES, Cassiane Curtarelli. Os festejos do dia da árvore no Grupo Escolar Farroupilha: rituais de exaltação
e respeito à natureza (farroupilha/RS, 1940-1944). Anais do XIV encontro estadual de História, ANPUH-RS. Rio
Grande do Sul, 2018. p. 6.
98
– hasteamento do pavilhão nacional, entoação de hinos e cortejos cívicos –, além dos tradicionais
plantios de árvores nos principais espaços do vilarejo, finalizado a programação com a promoção
de brincadeiras.222
Ao rememorar as celebrações e comemorações realizadas pelo Ginásio Municipal de
Serrolândia, o Sr. Jonas Ferreira Gonçalves teceu algumas considerações entre as relações que o
espaço ginasial mantinha com outros meios, a exemplo do poder legislativo municipal e algumas
instituições religiosas locais.
[...] Até atos legislativos, quando chegava um deputado aqui na cidade a gente... era
obrigado ir na... impecável para o colégio... era de praxe, a gente recebia aquela
autoridade como se fosse...é....um ser superior, tá entendendo? [...] na época dona... a
professora Arionete ela era diretora do colégio e criava, não aquela criativa, criação de...
mais fazia festa religiosa. A gente se trajava espécie de um, de um... de uma imagem de
Santo, né? E desfilava na rua. Cada um representando aquele determinado santo.223
222
VASCONCELOS, 2009, op. cit. p. 107.
223
Entrevista concedida pelo senhor Jonas Ferreira Gonçalves ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
224
Sobre as biografias, partidos políticos e períodos que atuaram no legislativo, seja federal ou estadual, consultamos
o site da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA). Disponível em: https://www.al.ba.gov.br/. Acessado em:
09/06/2021, às 13h56min.
99
A Igreja Católica tinha a função de ensinar os preceitos morais, necessários para a formação do
cidadão ideal para o Brasil.”225
Ainda de acordo com Gilmara Plácido, ficaria a fé católica com a “responsabilidade de
estimular” nos alunos a disciplina, normatização, obediência, o caráter e a moral que um bom
cidadão deveria demonstrar.226 A junção entre Igreja e Estado apresentou como convergência
principal o combate às ideias comunistas que “estavam rondando” a juventude brasileira. Ao
recorrer as atas do Ginásio Municipal, encontramos a presença do Reverendo Evilásio Rodrigues
Prado que foi pastor da Igreja Batista e chegou à cidade de Serrolândia ainda no início da década
de 1970.227
Como citamos anteriormente, o Sr. Evilásio Prado assumiu o cargo de vice-diretor do
Ginásio Municipal em 1971. A documentação não deixa muitos indícios sobre os trabalhos
realizados por ele na escola, possivelmente ficou responsável pelo ensino religioso do
estabelecimento ginasial. Ao escrever sobre a denominação Batista durante a ditadura civil-militar,
Elizete da Silva discorre que tradicionalmente os evangélicos tentavam manter distanciamento
entre a política e a religião. Porém, a Igreja Batista mostrou-se bastante interessada nos planos
conservadores dos militares e para a autora, “as afinidades eletivas entre conservadorismo
protestante e a ditadura militar produziram convergências ideológicas e cooperação efetiva das
instâncias eclesiásticas com as autoridades e governos militares.”228 A Igreja Batista foi a primeira
religião protestante existente em Serrolândia, sendo fundada na década de 1960.229 Não reunimos
indícios para especificar qual sua atuação junto ao primeiro ginásio da cidade.
As religiões apresentaram uma forte articulação com as práticas cívicas durante a ditadura
civil-militar. Elas funcionavam como mais um meio através dos quais os preceitos normatizadores
e os bons costumes deveriam ser passados aos estudantes. A própria inclusão das normas religiosas
nas instituições escolares tinha como finalidade “impedir” que os alunos tivessem uma
aproximação com o comunismo, que por sua vez ligava-se ao ateísmo. Seria mais uma forma de
ocupar as mentes “vazias dos jovens brasileiros”.230
225
PLÁCIDO, Gilmara Duarte. Educação, Civismo e Religiosidade durante a Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964-
1985). X ANPED SUL, Florianópolis, out. 2014. Disponível em: http://xanpedsul.faed.udesc.br/arq_pdf/1559-0.pdf.
Acesso em: 15 de dez. 2017. p. 12.
226
Idem, 2017, p. 12.
227
IGREJA BATISTA DE SERROLÂNDIA. Livro de atas n. 1, ata n. 68. Ano de Abertura 1962. Local: Igreja Batista
de Serrolândia, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Igreja Batista de Serrolândia.
228
SILVA, Elizete da. Protestantes e o Governo Militar: convergências e divergências. In: ZACHARIADHES,
Grimaldo Cerneiro, (Org). Ditadura Militar na Bahia: novos olhares, novos objetos, Novos horizontes. Salvador:
EDUFBA, 2009. p. 49.
229
RIOS JÚNIOR, 2012, op. cit.p. 41.
230
Segundo Rodrigo Patto Motta, “no que tange às representações anticomunistas da conjuntura é importante destacar
as mudanças operadas no papel desempenhado pela religião católica. Comparando a década de 1960 com a de 1930,
100
Contudo, devemos afirmar que as denominações religiosas não foram de total
homogeneidade em apoio à ditadura civil-militar. Durante esse período, membros das igrejas,
assim como religiosos se colocaram contra o autoritarismo e efetuaram diversas práticas de
resistência. Na Bahia, como analisado por Iraneidson Santos da Costa, o grupo Católico
denominado Pastoral Popular (PaPo) foi um dos principais expoentes de resistência contra os
governos militares. Formados principalmente por religiosos e intelectuais jesuítas, o grupo
questionava a face excludente do suposto crescimento econômico alardeado pelos militares na
década de 1970.231
Imagem: 14
Desfile cívico em frente à Igreja Matriz de Serrolândia
Na foto cedida pelo ex-prefeito Valentino Andrade, notamos a presença da Igreja Matriz,
primeiro templo religioso da cidade, edificado quando Serrolândia ainda era povoado de Jacobina.
Ao fundo, conseguimos visualizar o Monte Serrote, formação rochosa que nomeia nome à cidade.
O fotógrafo direcionou seu olhar de dentro do desfile cívico para, acreditamos, dar destaque à
igreja e ao enorme cruzeiro erguido sobre o monte. Durante a pesquisa, encontramos outra
fotografia que inferimos se tratar do mesmo ato celebrativo.
a influência do imaginário católico diminuiu um pouco. A primeira onda anticomunista foi marcada pelo
fortalecimento da ortodoxia católica, tendo inclusive havido perseguições a cultos e “seitas” não tolerados pela Igreja
Romana (espiritismo e maçonaria, por exemplo). Nas representações maniqueístas da época, o catolicismo assumiu o
papel de principal força do ‘bem’ a opor-se ao comunismo ‘maléfico’.” MOTTA, 2014, Op. cit.p. 303.
231
COSTA, Iraneidson Santos. Que Papo é esse? Igreja Católica, movimentos populares e política no Brasil (1974-
1985). Feira de Santana: UEFS Editor, 2011.
101
Imagem: 15
Cotidiano cívico serrolandense
232
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. 12ª ed. Campinas-SP: Papirus, 2009. p. 25.
233
Entrevista concedida pela senhora Izailda de Oliveira Vilela ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 12 de abril de 2021.
102
Festejar as efemérides e os grandes vultos da história nacional foi de extrema importância
para a ditadura civil-militar. Contudo, para além de comemorar as principais datas e “heróis” do
panteão nacional, foi necessário celebrar aqueles que “salvaram o país do caos comunista” e
proporcionaram ao Brasil a oportunidade de ser a nação do presente. No tópico seguinte,
trabalharemos como as comemorações do aniversário da ‘revolução de 1964’ foram realizadas,
entre os anos de 1971 a 1973, no Ginásio Municipal de Serrolândia.
O golpe orquestrado pelos civis e militares no último dia do mês de março de 1964
proporcionou mais um momento de ruptura institucional no Brasil. Depois de concretizado o ciclo
“revolucionário”, coube aos novos “donos” do poder organizar e difundir suas memórias e, naquele
contexto, os integrantes das Forças Armadas e setores civis conservadores justificaram que a
deposição do governo Jango representou a “salvação” da nação, o combate à corrupção e a
erradicação dos subversivos comunistas que estavam à espreita para, junto com João Goulart,
golpear a democracia brasileira.234
Segundo Lucileide Cardoso, as alusões ao Trinta e um de Março foram ganhando contornos
ao longo das décadas no meio militar. Mesmo após o processo de redemocratização, em meados
de 1980, as celebrações com a finalidade de exaltar a ‘revolução de 64’ não deixaram de acontecer,
sendo realizadas de forma mais velada pelos membros das Forças Armadas.235
Com a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e de outras comissões em níveis
estaduais e municipais, durante o governo de Dilma Rousseff (2011-2016), as batalhas de memória
que cercam o golpe e a ditadura civil-militar reacenderam. Os objetivos das referidas comissões
estavam na investigação das violações aos direitos humanos no percurso de 1946 a 1988. Os
debates gerados, principalmente entre os anos de 2012 a 2014, foram carregados por um
negacionismo camuflado de revisionismo por partes dos agentes da chamada “Nova direita” que
buscaram dissimular as narrativas sobre o processo autoritário de 1964. Ao analisar as guerras de
234
Segundo Daniel Aarão Reis, ao passo que as direitas permaneceram no poder durante a ditadura civil-militar,
“esmeraram-se em cultivar a memória do golpe com uma intervenção salvadora, em defesa da democracia e da
civilização cristã, contra o comunismo ateu, a baderna e a corrupção. Para isto, mobilizaram-se grandes meios
propagandísticos e educacionais.” REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória.
In: ______; RIDENTI, Marcelo; SÁ MOTTA, Rodrigo. P. (Orgs). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois
(1964-2004). Bauru: EDUSC, 2004. p. 43.
235
Segundo Lucileide Cardoso, “o Clube Militar localizado na cidade do Rio de Janeiro, tornou-se ‘porta-voz’ oficial
da memória dos militares golpistas. Além dos pronunciamentos, uma série de outros eventos comemorativos: missas,
festas, cursos, medalhas e placas insistem em perpetuar a ‘revolução de 64’ como ‘lugar de memória’.” CARDOSO,
Lucileide Costa. Os discursos de celebração da “Revolução de 1964”. Revista Brasileira de História. Vol. 31, nº 62.
p. 117-140. São Paulo, 2011. p. 19.
103
memória, sob o advento da CNV, Mateus Pereira assinala que “as disputas de memória são também
disputas de poder, em especial os conflitos em torno de um ‘passado’ que ainda é atual, como é o
caso da ditadura militar brasileira.”236
Com a subida de Jair Messias Bolsonaro, eleito pelo Partido Social Liberal (PSL) ao posto
de chefe do executivo da República (2018-2022), as alusões ao ato de comemorar ou não o
aniversário do golpe civil-militar voltou a gerar amplas discussões. Bolsonaro e sua grei, sustenta
que o ocorrido em trinta e um de março de 64 foi uma ‘contrarrevolução’ proporcionada pelos
militares contra um golpe da esquerda que estava sendo arquitetado pelos comunistas, com o aval
do presidente João Goulart. Fruto de muitas contestações dos partidos opositores e de parcela da
sociedade civil brasileira, o ato de celebrar o aniversário de instauração da ditadura foi levado à
justiça. Em dezessete de março de 2021, o Tribunal Regional Federal (TRF5) aprovou um recurso
impetrado pela Advocacia Geral da União (AGU) que defendia o direito de o Governo Federal
fazer referências e atividades em celebração a essa efeméride.237
Percebemos nitidamente os embates pelas memórias que ainda cercam o golpe e a ditadura
civil-militar de 1964 a 1985. Ao pesquisar como o Ginásio Municipal de Serrolândia comemorou
o aniversário da ‘revolução de 64’, estamos empreendendo essa análise com olhares voltados para
estas disputas de narrativas que nos cercam no presente. Ao discorrer sobre os desafios e
problemáticas da História do Tempo Presente nas ditaduras de segurança nacional, Enrique Padrós
demonstra ser este um campo bastante complexo, pois, sustenta o autor, a função do historiador
não é julgar os fatos e sim decodificá-los, interpretá-los e explicá-los, deixando de lado todas “as
motivações político/ideológica”.238
Ao analisar as festividades referentes ao aniversário do golpe civil-militar de 1964,
recorremos ao conceito de Tradições Inventadas cunhado por Eric Hobsbawm e Terence Ranger.
Para os autores, o referido termo abrange um conjunto de práticas reguladas por determinadas
regras. “Essas práticas visam inculcar certos valores e normas de comportamentos através das
repetições, o que implica, automaticamente; uma continuidade em relação ao passado.”239 Toda
tradição partiu de uma invenção que foi calcificada ao longo dos anos, Hobsbawm e Ranger partem
desta metáfora para ressaltar que as tradições inventadas tem como principais objetivos responder
236
PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Nova Direita? Guerras de memórias em tempos de Comissão da Verdade
(2012-2014). Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 31, n. 57, p. 863-902, set/dez 2015. p. 27.
237
Informação retirada do site: congressoemfoco.uol.com.br/especial/noticias/governo-bolsonaro-ganha-na-justica-
direito-de-celebrar-golpe-de-1964. Acesso no dia 10 de junho de 2021, às 15h30min.
238
PADRÓS, Enrique Serra. História do Tempo Presente, Ditaduras de Segurança Nacional e Arquivos Repreensivos.
Tempo e argumento, vol. 1, n. 1, Florianópolis, 2009. p. 30-45.
239
HOBSBAWM, Eric J. e RANGER, Terence. “A Invenção das Tradições”, RJ: Paz e Terra, 1984. p. 10.
104
a questões atuais e com certa emergência no cenário social.240 Ao celebrar seu próprio aniversário,
a ditadura civil-militar buscava construir o consenso, consentimento e legitimidade perante a
sociedade brasileira.
Circe Bittencourt utiliza o termo tradições inventadas para demonstrar que as recordações
cívicas não ocuparam apenas contextos ou disciplinas dos espaços escolares. Para a autora as
“festas e comemorações, discursos e juramentos tornaram-se partes integrantes e inerentes da
educação escolar.”241 As escolas, ginásios e colégios deveriam irradiar conhecimento e práticas
cívicas, exortar os vultos e datas históricas escolhidos pelos próprios militares e, na medida do
possível, exaltar o próprio regime. A data escolhida para celebrar os louros da ‘revolução
redentora’ foi trinta e um de março de 1964, dia em que as tropas do general Mourão Filho
começaram a se deslocar em direção ao Rio de Janeiro, acentuando assim os movimentos que
levaram ao golpe civil-militar e deposição do presidente João Goulart.
No Ginásio Municipal de Serrolândia, em trinta e um de março de 1971, ocorreu a sessão
solene em comemoração ao sétimo aniversário da ‘revolução de 64’. Além de 1971, essa
comemoração foi realizada em mais duas ocasiões: 1972 e 1973. Durante esses três anos, dois
militares ficaram responsáveis pela organização do evento, os sargentos Aloísio Barbosa Alves e
Raimundo Oliveira Almeida. Conforme discutido anteriormente, os primeiros anos da década
1970 foram marcados pela euforia do “milagre econômico”, impulsionando a popularidade da
ditadura civil-militar. Segundo Janaina Cordeiro, “a felicidade estava diretamente relacionada aos
novos rumos tomados pelo país desde aquele 31 de março. Mais que isso, relacionava-se, outra
vez, à ideia de construção/transformação da ordem.”242 Por toda essa popularização, o aniversário
do golpe civil-militar ganhou destaque no calendário cívico das escolas.
Ao discorrer sobre as peças publicitárias requeridas pelos governos militares, Almeida
aponta que “periodicamente, ocorriam campanhas específicas, em comemoração à acontecimentos
marcantes – destacando-se a Semana da Pátria, a Proclamação da República, a execução de
Tiradentes e o aniversário do golpe de estado de 31 de março de 1964.”243 Comemorar as datas
tidas como especiais para a história brasileira era muito importante para a busca do consenso e
consentimento e, desta forma, celebrar a própria ditadura consistia em algo imprescindível.
Vejamos como ficou o registro, em ata, dos festejos relativos ao trinta e um de março de 1971 no
Ginásio Municipal de Serrolândia:
240
ALMEIDA, 2009, op. cit. p. 43.
241
BITTENCOURT, Circe. As “Tradições nacionais” e o ritual das festas cívicas. In PINSKY, Jaime (Org). O Ensino
de História e a criação do fato. 14ª ed., 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto 2017.p. 59.
242
CORDEIRO, 2015, op. cit. p. 118.
243
ALMEIDA, 2009, op. cit. p. 55.
105
Aos trinta e um (31) dias do mês de março de mil novecentos e setenta e um, no Ginásio
Municipal Florivaldo Magalhães Sousa, na sala da 1ª série deste estabelecimento,
realizou-se em sessão solene a passagem do 7º aniversário da Revolução de 31 de março
de 1964. A sessão foi presidida pelo Sr. Diretor, sargento Aloísio Alves Barbosa. A
mesma foi iniciada às 16 horas. Em primeiro lugar ouviu-se o hino do Expedicionário,
entoado pelos alunos da 3ª e 4ª série ginásio. Em seguida falou a aluna da 3ª série
Edlourdes Matos Rodrigues e o aluno José Pereira da Silva, ambos representantes da 3ª
série, logo depois os alunos da 3ª e 4ª série entoaram alguns hinos cívicos. Falaram ainda
os alunos da 4ª série Nevolanda Mariane Sousa e Nivaldo Valois de Oliveira, foram
ouvidas ainda algumas poesias pelos da 1ª série, e hinos pelos da 2ª série. Nesta ocasião
falaram os seguintes: Reverendo Pastor Evilásio Rodrigues Padro, representante da Igreja
Batista dessa cidade; o Sr. Diretor deste Educandário, sendo distribuídos alguns prêmios
aos alunos Valter Marques da Silva e José Reis Barreto, por terem conquistado os dois
primeiros lugares na corrida de resistência promovida pela direção desta casa de ensino
na parte da manhã. Os prêmios foram distribuídos pelo delegado escolar, em nome do Sr.
Prefeito municipal Florivaldo Magalhães Sousa. A sessão foi encerrada com o Hino
Nacional Brasileiro, entoado por alunos e pelo povo que compareceu em massa. Não
havendo mais nada a tratar e tendo sido narrado tudo o que se passou, dei por encerrado.
Sou Elísa de Almeida Moreira secretária deste Ginásio, lavrei a presente que vai assinada
por mim e pelo diretor.244
244
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata n. 02. Ano de Abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
106
[...] lia-se histórias, as vezes a gente formava grupos pra fazer uma representação, outra...
Contava a história, mais ou menos do que... Claro que a gente não tinha aquele
entendimento que tem hoje, a gente não se apegava muito... que na época da ditadura
tinha muita gente que sofria por isso, por aquilo... por determinadas perseguições. Mas!
A gente fazia numa boa, comemorando como se fosse uma data qualquer.245
A memória é uma construção do passado feita pelo presente, por isso ela sempre tende a
ser renovada.246 No depoimento do Sr. José Reis Barreto, percebemos a atualização da memória
daquele período ao se comemorar o aniversário da ‘revolução de 64’. Os alunos, supostamente,
não tinham entendimento das mazelas que a ditadura civil-militar ocasionava com as perseguições
políticas e as restrições da liberdade. Devemos também lembrar que estamos falando de uma
cidade no interior da Bahia, as informações custavam a chegar, geralmente pelo rádio e pelos raros
televisores existentes no período. Outro fator a ser destacado é que as rádios e as emissoras de TV,
naquele contexto, não falavam em ditadura ou regime autoritário, sofrendo com as restrições
impostas pela censura nas suas programações.
Após o período de redemocratização nos anos 1980, uma memória negativa da ditadura
civil-militar que vinha sendo construída e ganhou mais espaço tornando-se dominante no país por
meio de discursos políticos da esquerda, dos liberais, e das produções televisivas, cinematográficas
além da publicação de diversas pesquisas acadêmicas analisando o período pós-ditadura. O
entrevistado, talvez, tenha buscado minimizar esses festejos do dia trinta e um de março justamente
por essas memórias negativas criadas ao longo do tempo e ressignificadas no presente. Ao
entrevistá-lo mais uma vez, agora ano de 2021, o Sr. José Reis Barreto fez as seguintes declarações:
Rapaz, eu não me recordo bem não, mas todas as datas ditas comemorativas geralmente
tinham movimento, mas esse período mesmo, eu não tenho assim uma farta lembrança....
É provável que participasse viu, no dia trinta e um, agora era menos, não era como as
outras datas que até hoje tem as tradições, não tem os desfiles, não tem os eventos, mas a
gente vê os manifestos do povo nessas datas, né?247
Ao trabalhar com as memórias e suas identidades sociais, Michael Pollak afirma que “a
memória é seletiva. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado.”248 Na entrevista concedida
em 2021 o depoente afirmou incialmente não lembrar dos festejos e não possuir fartas lembranças
245
Entrevista concedida pelo senhor José Reis Barreto da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 08 de agosto de 2017.
246
Segundo Ecléa Bosi, “pela memória, o passado só vem à tona das águas presentes, misturando-se com as percepções
imediatas, como também empurra, “desloca” estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. BOSI, Ecléa.
Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. 3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 47.
247
Entrevista concedida pelo Senhor José Reis Barreto da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 13 de abril de 2021.
248
POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Histórico, Rio de Janeiro, v. 5, n.10, p. 200-215, 1992.
p. 203.
107
sobre esta comemoração. Em sequência ele aponta que provavelmente era celebrado, porém, em
menor escala se comparado a outros festejos cívicos.
O depoente não lembrou ou não quis lembrar que foi um dos alunos premiados em 1971
por ter conquistado um dos primeiros lugares na corrida de resistência. Esse “esquecimento” pode
estar ligado à carreira que o Sr. José Reis Barreto construiu depois de sair formado na primeira
turma de magistério do Ginásio de Serrolândia. Ele atuou por muitos anos como professor da rede
municipal de educação e, em 1989, passou a integrar o quadro do poder legislativo local, sendo
reeleito em mais oito pleitos eleitorais seguidos, ficando na Câmara de Vereadores até sua
aposentadoria em meados de 2016.
Por sua vez, o Sr. Nivaldo Valois de Oliveira lembrou-se de ter sido requerido para fazer
um discurso em homenagem ao referido aniversário da ‘revolução de 64’:
Participei! inclusive uma vez eu... até me botaram pra fazer um discurso, mas em sala de
aula, entendeu? Era aquele colégio, a primeira sala quando você entra, a primeira sala era
uma sala maior, era nessa época um, a escola tinha é, é cento e poucos alunos... Aí nessa
época, eu... eu até fiz um discurso lá, me botaram pra fazer um discurso, aquelas coisas
que a gente não entendia muito, mas a gente falava[...] geralmente só comemoração em
sala de aula.249 (grifos nossos)
Diferente de José Reis Barreto, o Sr. Nivaldo Valois recordou-se dos festejos em
homenagem ao golpe civil-militar de 1964. Lembrou também como foi sua participação, sem
detalhar muito sobre a sessão solene. O entrevistado narra que foi requisitado para fazer um
discurso, possivelmente, em exaltação aos militares que assumiram o poder do executivo federal.
Ao se referir a seu discurso, o entrevistado, afirma que são “coisas que a gente não entendia muito,
mas a gente falava!”. Estaria o Sr. Nivaldo Valois tentando explicar-se por ter discursado na
celebração em festejo ao aniversário da instalação da ditadura civil-militar? Ou, de fato, ele e seus
colegas de ginásio não entendiam muito sobre o sentido daquela comemoração? Ou a duas coisas
juntas?
Como discorremos anteriormente, os anos iniciais da década de 1970 foram marcados pelo
forte ideal de crescimento econômico, otimismo exacerbado e apoio popular ao regime. Para
Almeida, além desses fatores, “a publicidade governamental objetivava atingir todas as parcelas
da sociedade, principalmente aqueles indivíduos que se encontravam alijados do ambiente
escolar.”250 Dessa forma, naquele período não havia os sentimentos negativos em comemoração à
249
Entrevista concedida, por intermédio de ligação telefônica, pelo senhor Nivaldo Valois de Oliveira ao pesquisador
Marconey de Jesus Oliveira. Local: Jacobina, Bahia, Brasil. Data: 21 de maio de 2021.
250
ALMEIDA, 2009, op. cit. p. 18.
108
data que marcou o início dos governos militares, como observamos depois do processo de
redemocratização.
Ainda nesse contexto, o Sr. Nivaldo Valois de Oliveira afirmou lembrar que essas
solenidades aconteciam na maior sala do Ginásio Municipal, uma espécie de auditório:
[...] eu me lembro que tinha poesias, tinha alguns discursos mesmo, textos de discurso lá,
uns textos que, na solenidade que fazia ali na sala de aula, geralmente era a sala maior
que tinha, era como se fosse um auditório na época, a escola era pequena e naquela sala
geralmente as solenidades aconteciam naquela sala maior.251
A História oral e as formas de lembrar são marcadas pelo subjetivo, porém, como afirma
Portelli, a subjetividade revela a verdadeira riqueza e maior contribuição cognitiva proporcionadas
pelas fontes orais e as memórias.252 O depoente recorda-se das poesias e discursos que ocorriam
nas solenidades de aniversário da ‘revolução de 64’, entretanto dá ênfase no espaço físico onde
ocorriam os festejos, repetindo que a sessão solene acontecia na “maior sala” do ginásio.
Para Janaina Cordeiro, o Trinta e um de Março de 1964 foi encarado, pela força
propagandística do governo, como um “novo renascer” da sociedade brasileira:
[...] aquela que inaugurou esse novo tempo, que salvou o país da decadência moral e
material e que operava um verdadeiro milagre: o 31 de março de 1964 não foi esquecido
pela propaganda da festa. E a rememoração da data se fazia também tomando parte da
grande euforia otimista que caracterizava o país naqueles anos. 253
Aos 31 dias do mês de março de 1972 na sala onde funciona a 3º série ginasial, deu-se
início as comemorações do dia da revolução. As 8 horas desfilou pelas principais ruas
desta localidade o Ginásio Municipal Florivaldo Magalhães Sousa. Sendo a concentração
na praça principal onde se achava grande massa aplaudindo com entusiasmo o ginásio. A
tarde houve competição, corrida de resistência e futebol, disputa entre 3º e 2º série. Sendo
disputado três taças e várias medalhas. Não havendo nada mais a tratar dou por encerrada
esta ata que vai assinada por mim e pelo Diretor.254
251
Entrevista concedida, por intermédio de ligação telefônica, pelo senhor Nivaldo Valois de Oliveira ao pesquisador
Marconey de Jesus Oliveira. Local: Jacobina, Bahia, Brasil. Data: 21 de maio de 2021.
252
PORTELLI, Alessandro. A filosofia e os fatos: narração, interpretação e significado nas memórias e nas fontes
orais. Tempo, Rio de Janeiro, vol. 1, n. 2, 1996, p. 59-72. p. 60.
253
CORDEIRO, 2015, op. cit. p. 117.
254
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata n. 09. Ano de Abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
109
Segundo as memórias do Sr. Nivaldo Valois de Oliveira, as celebrações ao aniversário do
golpe civil-militar de 1964 geralmente aconteciam de forma interna, mas, em 1972, foi diferente,
houve desfile pelas ruas da cidade. A ata de trinta e um de março de 1972 é bem sucinta, mas nos
fornece informações divergentes da documentação anterior. No primeiro momento, somos
informados que a comemoração começou bem cedo, com cortejo cívico pelas principais ruas da
cidade. As informações presentes no registro documental apontam que a “grande massa” esperava
o desfile na praça Manoel Novaes.
Imagem: 16
Avenida Seis de Maio, final da década de 1960
A Avenida Seis de Maio foi, durante muitos anos, a principal rua da cidade de Serrolândia.
Nela estavam concentradas as principais casas comerciais, a prefeitura, as secretarias municipais
e, por um determinado período, a Câmara Municipal de Vereadores. A avenida era trajeto
obrigatório para os desfiles cívicos, sejam eles realizados pelo Ginásio Municipal ou não. Na
fotografia, percebemos que se tratava de uma via larga, com o calçamento de paralelepípedo e com
iluminação elétrica – evidenciada pela presença de postes –, recursos que não se estendiam a todas
ruas e casas serrolandenses no contexto estudado. Podemos observar também que o retrato
capturou pessoas em frente às residências ou transitando pela avenida, registrando assim o
cotidiano da urbe.
Para Zita Possamai, a ação de fotografar o espaço urbano foi “revestida de um caráter
documental, sendo chamada a dar conta das profundas e rápidas transformações pelas quais
passavam as grandes cidades.” Nessa perspectiva, “era comum as administrações municipais
110
contratarem fotógrafos a fim de registrar bairros inteiros que sofriam reformas urbanas.” 255 Esta
prática fotográfica também se repercutiu em cidades médias e pequenas. Não sabemos quem foi o
autor ou os motivos por trás desta foto, ela foi cedida a nossa pesquisa pelo ex-prefeito Valentino
Andrade da Silva.
Voltando para a análise da ata em comemoração ao aniversário da ‘revolução de 64’ em
1972, percebemos que, depois do desfile, realizado pela manhã, as festividades continuaram com
as práticas esportivas durante a tarde do dia trinta e um. A documentação escrita também revela
que foi realizada corrida de resistência e uma disputa de futebol entre os alunos do 2º e 3º anos do
ensino ginasial, para qual foram distribuídas taças e várias medalhas. Ao ser questionado sobre a
realização dessa comemoração, o Sr. Jonas Ferreira Gonçalves tece a seguinte narrativa:
[...] nesse período a gente...30 [31] de março, que foi extinto, a gente não tinha aula em
homenagem a essa data. Isso ficou gravado na memória daqueles que passaram por lá. É
o golpe! Feriado! Nós comemorava, mas não participava, é....ficava sem aula, por não
ter....pôr a homenagem a esse ato baixado por esse presidente dessa época. 256
As memórias do Sr. Jonas Ferreira se aparentam confusas, ora afirma que havia a
comemoração do Trinta e um de Março, porém, nega a participação: “nós comemorava, mas não
participava”. Michael Pollak afirma existir “nas lembranças de uns e de outros, zonas de sombra,
silêncios, ‘não-ditos’.”257 Possivelmente, o depoente tenha lembranças sobre as comemorações do
aniversário da ‘revolução de64’, mas prefere silenciar ou pouco aprofundar suas considerações
sobre tal celebração. Certamente, no período estudado, o termo “golpe” não seria cunhado pelos
discentes, nos parece ser uma percepção atual do depoente. Para Pollak,
Ao referenciar a ideia de “não dito”, conforme levantado por Pollak, afirmamos que o
silêncio ou o esquecimento são alternativas para enfrentar, talvez, uma memória traumática e se
isentar da identificação com este passado. Segundo as lembranças do Sr. Jonas Ferreira Gonçalves,
o dia trinta e um de março era marcado pela falta de aulas no ginásio, não temos informações como
255
POSSAMAI, Zita Rosane. Fotografia e cidade. ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 67-77, jan.-jun. 2008. p.
68.
256
Entrevista concedida pelo senhor Jonas Ferreira Gonçalves ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 10 de agosto de 2017.
257
POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, vol. 2, n. 3, Rio de Janeiro, 1989, p. 3-
15. p. 8.
258
Idem, 1989, p. 8.
111
essa data foi comemorada depois de 1973, porém, até esse ano, a escola adotava uma programação
diferente, abraçando as sessões solenes e os desfiles cívicos pelas ruas da cidade.
O último registro documental desta comemoração no Ginásio Municipal de Serrolândia foi
em 1973.259 Na sua derradeira aparição, a celebração não contou com o entusiasmo de 1971 e
muito menos com o desfile de 1972. Foi algo restrito ao ginásio, a ata não faz menções a jogos de
futebol ou a corrida de resistência, também não destaca leitura de poesias, registrando apenas os
ritos patrióticos. Coincidência ou não, em 1973 o diretor do Ginásio Municipal era um civil, o
professor Jonas Ferreira Gonçalves, e não mais um militar. Vejamos como foi registrada, em ata,
essa comemoração:
aos trinta e um dias do mês de março de um mil e novecentos e setenta e três, as oito horas
da manhã realizou-se a cerimônia de hasteamento do Pavilhão Nacional pelos alunos
deste estabelecimento, sob a direção do professor de Educação Física, Sargento
Raimundo Oliveira Almeida, entoaram o Hino Nacional Brasileiro. Ao terminar foi dado
ordens para que o ginásio tomasse a última forma. Estavam presentes os seguintes
professores Jonas Gonçalves Diretor, Raimundo Almeida e Josafá Ribeiro Lopes. Não
tendo mais nada a tratar, eu Elísia de Almeida Moreira secretária deste estabelecimento,
lavrei a seguinte ata que assinada por mim e pelo Diretor deste estabelecimento. 260
259
No contexto nacional, o ano de 1973 marcou o final da administração de Emílio Garrastazu Médici tendo início a
transição para o governo do General Ernesto Geisel, que apresentou um plano de distensão “lenta”, “gradual” e
“segura”. Para Marcos Napolitano “o processo de ‘distensão’ e ‘abertura’ era, sobretudo, um projeto de
institucionalização do regime. Como estadista de visão estratégica, Geisel sabia que o aparato policialesco de
repressão era insuficiente e arriscado para tutelar o sistema político, sob risco do governo isolar-se dele.”
NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014. p. 210.
260
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata n. 13. Ano de Abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
112
Professor Aloísio por exemplo que era tenente ou coronel da época, sei que era uma
representatividade político aqui dentro, assim... político da, da do militarismo, então ele
era um senhor muito respeitado, assim... conservador ao extremo um cara muito frio,
muito na dele, não discutia com ninguém... muito sério, uma postura assim de militar
mesmo. Quando ele dizia uma coisa tinha que ser.261
[...] era uma pessoa muito séria, uma pessoa... era exigente, mas todos nós respeitavam.
Ele não era uma pessoa ignorante, não era uma pessoa de portar para você com as
expressões grosseiras não, mas ele era uma pessoa fechada... muito séria, exigia as coisas
tudo certinho. Mas é como estou te falando... não era agressivo...262
O entrevistado mostra que uma das principais características do Sr. Aloísio Barbosa era a
seriedade e o nível de exigência. Segundo o depoente, apesar desses atributos o sargento não era
uma pessoa grosseira, rude ou agressiva, sendo muito respeitado pelos alunos do Ginásio
Municipal. A Sra. Cleonice Barreto Rios também destacou esse respeito que os estudantes tinham
pelo sargento Aloísio:
Era muito fechado... era assim aquela pessoa de pouca conversa... dentro do colégio, ele
não, não, não agia como militar, a gente sabia que era o sargento da cidade e que fulano
não podia andar desse jeito porque era chamado na delegacia por isso e por aquilo, agora
lá dentro era uma pessoa encantadora um, um, um senhor moreno, negro, alto, magro, me
lembro bem da fisionomia dele, [...] Mas era uma pessoa que a gente respeitava demais,
mas não, não aquele respeito de medo, aquele respeito mesmo assim de um amigo.263
Ao lembrar do senhor Aloísio a entrevistada narra sua fisionomia “um senhor moreno,
negro, alto e magro”. Em consonância com as outras memórias, a depoente o descreve como um
homem fechado, de pouca conversa. Segundo a Sra. Cleonice Barreto, havia um respeito muito
grande pela figura daquele sargento e esse tratamento não se dava por medo ou receio da figura
militar, mas por ser uma pessoa muito querida pelos alunos. Outros entrevistados também
lembraram do Sr. Aloísio e muitos se recordaram dele como diretor do Ginásio Municipal e
professor das disciplinas Educação Física e Educação Moral e Cívica.
261
Entrevista concedida pela senhora Elenita Oliveira de Sousa ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 21 de ago. 2017.
262
Entrevista concedida pelo senhor José Reis Barreto da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data:08 de agosto de 2017.
263
Entrevista concedida pela senhora Cleonice Barreto Rios ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 22 de agosto de 2017.
113
A comemoração do aniversário da ‘revolução de 64’, em 1973, mostra a participação de
outro sargento, o Sr. Raimundo Oliveira Almeida. Poucos entrevistados lembraram de sua
passagem pelo Ginásio Municipal, entretanto, alguns documentos vinculam seu nome como
professor dessa instituição ginasial. Diferente do Sr. Aloísio Barbosa Alves, temos indícios sólidos
que o Sr. Raimundo Almeida ocupou o cargo de policial no município de Serrolândia na década
de 1970. Na ata que descreve os festejos do Sesquicentenário da Independência, que iremos
trabalhar no próximo capítulo, consta o nome desse personagem ocupando o posto administrativo
de delegado do município.264 Em pesquisa, no arquivo do poder legislativo serrolandense,
encontramos a ata de posse do prefeito José Ribeiro de Matos que ocorreu no primeiro dia do mês
de fevereiro no ano de 1973 e, naquele momento festivo, encontravam-se presentes algumas
autoridades, políticos e populares, entre eles o Sr. Delegado de Polícia Raimundo Oliveira
Almeida.265Ao rememorar as características desse sargento, o Sr. José Reis Barreto entra em
contradição,
[...] um cara muito preparado, muito educado, tinha um bom relacionamento com todo o
colégio, de professor a aluno... era uma pessoa muito educada, educada, justa, até como
delegado, eu, foi uma pessoa que eu tenho admiração e respeito pela maneira como ele
atendia todo mundo [...] Raimundo era mais rígido, o cara... as vezes até extrapolava na
função, porque o cara errasse como delegado, né? Lá dentro ele procurava impor a ordem,
não sei se é porque a gente também tinha medo de fazer besteiras e ele lá fora ele querer...
fazer, mandar enquadrar a gente, né?266
Era uma pessoa assim muito próxima aos alunos, não parecia um policial, não parecia,
ele ensinava Educação Moral e Cívica... e foi através dele que a gente conseguia aprender
alguns hinos, a gente aprendeu hino da Independência, a gente aprendeu hino da bandeira,
264
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de atas n. 1, ata n. 10. Ano de Abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
265
CÂMARADE VEREADORES DE SERROLÂNDIA. Livro de Atas n. 3, ata de 01 de fevereiro de 1973. Ano de
abertura 1971. Local: Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo da Câmara Municipal de Vereadores.
266
Entrevista concedida pelo senhor José Reis Barreto da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 13 de abril de 2021.
114
hino nacional e ele cantava com a gente, mas não aquela coisa rigorosa, era, eu achava
assim uma, uma forma mais tranquila dele conduzir aquele momento, né?267
Imagem: 17
Sargento Raimundo Oliveira Almeida
267
Entrevista concedida pela senhora Cleonice Barreto Rios ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 13 de abril. 2021.
115
no ambiente escolar, as roupas, os livros, pastas e a pose demonstram maior descontração estando
longe do formalismo do meio militar.
A falta de fontes acabou prejudicando uma sustentação mais precisa sobre esses e outros
agentes que atuaram no ginásio no período pesquisado. Sobre os sargentos Aloísio Alves e
Raimundo Oliveira, infelizmente, não conseguimos saber suas origens, como era a atuação desses
personagens dentro do Ginásio Municipal nem suas impressões sobre as comemorações cívicas
organizadas por essa instituição ginasial. O pouco que pudemos avançar foi através das memórias
dos depoentes, mesmo com as contradições, imprecisões e subjetividades, que são inerentes à
qualquer que seja a fonte histórica.
Durante a entrevista, fizemos a mesma pergunta para todos os entrevistados, se haviam
participado das comemorações em homenagem ao aniversário da ‘revolução de 64’. Poucos
responderam positivamente. Muitos depoentes optaram por ficar na “zona do não dito”, assim
descrito por Pollak, e silenciaram sobre tal comemoração.268 Porém, algumas respostas chamaram
a nossa atenção.
Eu não sei se encontrou meu nome no meio dessa ata, não sei quem assinou essa ata, você
se recorda? [...] veja isso ai, por que eu não me lembro que a gente dava muita ênfase a isso
não! Eles! Os militares! Queriam isso que as escolas se enquadrassem com ela para puder
mudar, forçar! O povo a... acompanhar a revolução.269
Eu nem me lembro que se teve, teve participado dela, não sei se meu nome figura lá...
num sei, você que pesquisou, mas eu, pra mim recordar da comemoração, eu não me
lembro. Eu só me lembro que na, na época da revolução era recomendado comemorar, é,
fazer momentos comemorativos, mas nós da escola, até porque eu não era simpático
muito ao sistema regime militar.270
268
POLLAK, 1989, op. cit.
269
Entrevista concedida pelo senhor Paulo Rodrigues de Oliveira ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 11 de agosto de 2017.
270
Entrevista concedida pelo senhor Paulo Rodrigues de Oliveira ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 12 de abril de 2021.
116
a 1970, não encontramos indícios dos festejos em homenagem ao golpe civil-militar nessa ocasião.
O prefeito do quadriênio 1967-70, Sr. Valentino Andrade da Silva, afirmou ser um defensor da
democracia e que tentava se manter distante dos malefícios dos governos militares:
[...] na minha época não foi, porque eu fui cinquenta por cento do sim e cinquenta por
cento do não, eu sou um democrata nato, a democracia é o amor, faz parte da cultura, toda
ditadura ela tem os... os malefícios e os benefícios e eu sou mais do lado do benefício e
não do malefício [...] agora as anteriores que foram de comemoração e professor Aloísio...
jamais esses homens, pelo menos foram lá fazer alguma coisa, não, não eram professores,
eram... lá da polícia.271
“Lembrar não é reviver, mas refazer, repensar, com imagens e ideias de hoje, as
experiências do passado.”272 O ex-prefeito afirma que teve suas convicções divididas, durante a
ditadura civil-militar, entre os malefícios, que provavelmente incluiriam as torturas, perseguições,
censura, rigidez moral e mortes dos adversários ao regime e os benéficos, “milagre econômico”,
euforia e otimismo, propagandeados naquele período. Ao retornar ao passado, com novos olhares
possibilitados pelo presente, o depoente se considera um democrata nato e que do sistema
democrático emana o amor, mas será que ele compartilhava dessa visão quando ainda era chefe
do poder executivo serrolandense? Qual seria o lado benéfico dos regimes ditatoriais?
Correlacionamos fragmentos lançados pelas lembranças do Sr. Valentino Andrade com o
conceito de modernização autoritário-conservadora trabalhado pelo historiador Rodrigo Patto
Motta. Segundo Motta, “o grande paradoxo da ditadura era expressar, simultaneamente, impulsos
conservadores e modernizadores que, por vezes, geraram ações contraditórias,”. Nesse sentido, o
anseio modernizador revelava a cobiça pelo desenvolvimento econômico e tecnológico, sobretudo
nos meios industriais e agrícolas. Já as gradações conservadoras se mostravam na necessidade de
preservar a ordem social e os valores tradicionais, combatendo os desejos revolucionários
subversivos que “circundavam” a nação brasileira.273 Talvez, o lado benéfico do regime
autoritário, apontado pelo depoente, estivesse voltado para essa ideia da modernidade requerida
pela ditadura civil-militar, enquanto os malefícios concentravam-se nas práticas persecutórias e
repressivas engendradas pelas políticas conservadoras adotadas pelos agentes militares.
No mesmo contexto, o Sr. Valentino Andrade tentou atribuir esses festejos, em homenagem
a ‘revolução de 64’, ao professor Aloísio Barbosa Alves. Segundo ele, em seu período como
271
Entrevista concedida pelo senhor Valentino Andrade da Silva ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Caldeirão Grande, Bahia, Brasil. Data: 23 de maio de 2021.
272
BOSI, 1994, op. cit. p. 55.
273
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A modernização autoritário-conservadora nas universidades e a influência da cultura
política. In: REIS FILHO, Daniel. A; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo P. Sá (Orgs). A ditadura que mudou o
Brasil: 50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. p. 28.
117
prefeito, tal sargento da polícia jamais teria sido professor do Ginásio Municipal. Nos registros
documentais do ginásio, tanto o sargento Aloísio quanto as comemorações em homenagem ao
golpe civil-militar só são mencionados a partir de 1971, já na segunda gestão do senhor Florivaldo
Magalhães Sousa (1971-1972).
Depois de 1973, não obtivemos mais informações sobre as comemorações da ‘revolução
de 64’ no Ginásio Municipal de Serrolândia, possivelmente tenha perdurado por mais alguns anos,
sendo extinto antes mesmo do processo de redemocratização na década de 1980. Para Mateus
Pereira, sustentar a ideia de revolução aos fatos ocorridos em março de 1964 causa um certo
embaraço, contradição e dissimulação teórica, pois, se o golpe foi uma contrarrevolução, ele não
teria nenhuma “legitimidade” para outorgar atos institucionais. Nesse contexto, “se tivesse
ocorrido uma contrarrevolução o governo seria ilegítimo, logo, no interior da tradição liberal
fundamentada em John Locke, seriam legítimas a luta armada e a guerra civil.” 274 Para esses
algozes, a democracia brasileira ganhou uma tutela militar que compreendeu os anos 1964-1985,
negando assim, a ideia do golpe e da ditadura civil-militar que envolveu o Estado brasileiro por
mais de duas décadas.
Segundo Rodrigo Patto Motta, “no imaginário da ‘Revolução de 1964’, os temas da
liberdade e da democracia ocupavam lugar importante, opondo obstáculos aos que desejavam
estabelecer um regime ditatorial puro.” Neste sentido, os condutores da ditadura civil-militar não
conseguiram transformar o Trinta e um de Março em uma data cívica popular e, desta forma, as
celebrações que visavam festejar a instauração do regime não obtiveram maiores expressividades
fora do círculo militar.275 Entretanto, no contexto ao qual debruçamos nossas análises, percebemos
que os festejos da ‘revolução de 64’, nos primeiros anos da década de 1970, adentraram ao rol de
celebrações cívicas comemoradas pelo Ginásio Municipal de Serrolândia envolvendo parte da
população citadina.
Os registros documentais do Ginásio Municipal de Serrolândia mostram a construção de
um discurso embasado na normatização, disciplina e controle dos corpos. Sutilmente, percebemos
que a moral cívica, o ufanismo patriótico e as “boas condutas”, pregadas pelo sistema de ensino,
deveriam combater o inimigo ideológico oculto do comunismo. Na conjuntura estudada, outra
ação importante na comemoração do passado, com intuito de celebrar o presente, foram os festejos
ao aniversário do Sesquicentenário da Independência do Brasil, realizados no decorrer do ano de
274
PEREIRA, 2015, op. cit. p. 11.
275
MOTTA, 2014, op. cit. p. 29 e 30.
118
1972. O Ginásio de Serrolândia não poderia deixar de comemorar, com toda a pompa requisitada,
essa efeméride.
119
Capítulo III
As comemorações do Sesquicentenário da Independência do
Brasil
As comemorações que cercam o Sesquicentenário da Independência do Brasil,
transcorridas durante boa parte do ano 1972, comporta uma bibliografia extensa. Esses festejos
consistiram em ponto de análise para diversos historiadores em suas teses e dissertações ou em
artigos publicados em periódicos e anais de eventos. As pesquisas de Janaina Martins Cordeiro276
e Adjovanes Almeida277 se constituíram em referenciais basilares para entender os
desdobramentos políticos, sociais e culturais que essa efeméride representou para a sociedade
brasileira e para a ditadura civil-militar. Não podemos deixar de mencionar as contribuições de
Luís Fernando Cerri278 e, mais recentemente, a tese de Bruno Duarte Rei, que aborda as
interrelações entre esporte e política no contexto das celebrações do Sesquicentenário.279
Aparentemente, não encontramos produções acadêmicas em nível de dissertações ou teses
que se debrucem exclusivamente sobre as comemorações do Sesquicentenário da Independência
na Bahia.280 Nas obras de Adjovanes Almeida, Bruno Rei e Janaina Cordeiro, é possível encontrar
sucintas alusões sobre como esses festejos foram realizados em terras baianas. Salientamos que, o
estado encontrava-se sob a gestão de Antônio Carlos Magalhães (1971-1975), político que gozava
de estrita confiança dos militares e, além disso, os números do chamado “milagre econômico”
elevaram a Bahia à condição de vitrine nordestina por seus passos sólidos em direção ao
276
CORDEIRO, Janaina Martins. Lembrar o passado, festejar o presente: as comemorações do Sesquicentenário da
Independência entre consenso e consentimento. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense (UFF), 2012. Tese
(Doutorado em História).
277
ALMEIDA, Adjovanes Thadeu Silva de. O regime militar em festa: o sesquicentenário da independência do Basil
(1972). Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Rio de Janeiro 2009.
278
CERRI, Luís Fernando. 1972: “Sete bandeiras do setecentenário por mil cruzeiros velhos”. Estudos Ibero-
Americanos, Porto Alegre, v. 25, n. 1, p. 193-208, 1999.
279
REI, Bruno Duarte. Celebrando a pátria amada: esporte, propaganda, e consenso nos festejos do Sesquicentenário
da Independência do Brasil (1972). Niterói-RJ: Universidade Federal Fluminense (UFF), 2019. Tese (Doutorado em
História).
280
Apesar da aparente falta de trabalhos em nível de pós-graduação sobre os festejos ao Sesquicentenário realizado
no estado da Bahia, destacamos o trabalho monográfico de Micaelle Evelin Pereira intitulado Celebrações cívicas e
ditadura civil-militar: os discursos dos jornais baianos sobre o Sesquicentenário da Independência do Brasil e da
Bahia (1972-1973), defendida em 2020 na Universidade do Estado da Bahia (UNEB/DCH-IV). A autora analisou os
discursos empreendidos pelos jornais baianos durante as celebrações ao Sesquicentenário da Independência do Brasil
em 1972 e da Bahia em dois de julho de 1973. Destacamos também o livro de Anselmo Ferreira Machado Carvalho,
que procurou refletir sobre as políticas culturais desenvolvidas pelo Conselho Estadual de Cultura da Bahia durante o
período de 1968-1987. Ainda que não tenha trabalhado detidamente as celebrações ao sesquicentenário de
emancipação política do Brasil, o autor faz menções a esses festejos em território baiano. CARVALHO, Anselmo
Ferreira Machado. Intelectuais, políticas culturais e poder na Bahia (1968-1987). Aracajú: editora do IFS [e-book],
2020.
120
crescimento e à modernidade.281 Por esses motivos acreditamos que as celebrações aos cento e
cinquenta anos de Brasil independente, no início da década de 1970, tenha suscitado grandes
oportunidades para notabilizar não só as conquistas do passado, mas os “triunfos” do presente que
o referido estado nordestino demonstrava à época.
As celebrações ao Sesquicentenário da Independência tornaram-se, possivelmente, o
momento que melhor sintetizou as adesões/colaborações entre as camadas sociais e as propostas
engendradas pelas Forças Armadas.282 No início da década de 1970, os agentes militares gozavam
de certo apoio perante a sociedade civil. A luta armada protagonizada por dissidentes
revolucionários mostrava-se cada vez mais fraca, sobretudo após a decretação do Ato Institucional
n. 5, em dezembro de 1968; outros opositores ao regime se encontravam encarcerados sob tortura
ou nos exílios fora do Brasil, sem muito poder para contestação.283
Nesse contexto, o Sesquicentenário foi planejado pelos condutores da ditadura civil-militar
para se tornar um grande marco na história do país. Uma festa até então nunca vista em território
brasileiro, seriam quase seis meses de duração, começando nas celebrações ao martírio de
Tiradentes em 21 de abril e se estendendo até o dia da independência, sete de setembro. Outra
característica desta comemoração é que ela deveria mobilizar o país de norte a sul apelando ao
imaginário cívico-nacionalista brasileiro. Para Janaina Cordeiro, o aniversário dos cento e
cinquenta anos de independência brasileira ajustou,
281
Segundo Janaina Cordeiro, a Bahia conheceu um período de grande crescimento econômico e urbano,
principalmente a partir da segunda metade da década de 1960, coincidindo com os mandatos de Antônio Carlos
Magalhães tanto na prefeitura de Salvador quanto no governo de estado. Neste momento, a Bahia se mostrava como
uma espécie de vitrine nordestina – e mesmo nacional – do milagre brasileiro. CORDEIRO, 2012, Op. cit. p. 77.
282
Para Janaina Cordeiro, “as comemorações do Sesquicentenário da Independência talvez seja o momento que
melhor sintetiza tanto a euforia gerada pelos anos de ouro do Milagre brasileiro.” CORDEIRO, Janaina Martins. As
comemorações do Sesquicentenários da Independência em 1972: uma festa esquecida? Anais XXVI Simpósio
Nacional de História- ANPUH. São Paulo, 2011. p. 2.
283
Segundo Daniel Aarão Reis “em meados dos anos 70, todas as organizações de esquerda estavam praticamente
dizimadas, ou decisivamente enfraquecidas, os principais dirigentes mortos, ou nas prisões ou nos exílios sem fim.
Suas forças, dispersas, tenderiam a se reorganizar na esteira dos movimentos que tiveram lugar na segunda metade
dos anos 70. REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória. In: REIS FILHO,
Daniel. A; RIDENTI, Marcelo; SÁ MOTTA, Rodrigo. P. (Orgs). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois
(1964-2004). Bauru: Edusc, 2004. p. 43.
284
CORDEIRO, 2015, op. cit. p. 2.
121
Nacional; Olimpíadas do Exército, e a Corrida do Fogo Simbólico da Pátria, entre outros
momentos esportivos, cívicos e religiosos.285 Contudo, em busca de apoio popular, seria
imprescindível criar correlações entre as comemorações nacionais e os festejos regionais e locais.
Na Bahia, por exemplo, a independência do Brasil foi cortejada junto com as festividades do
Sesquicentenário da insubmissão baiana do 2 de julho de 1973.286 Neste capítulo analisaremos
como essa efeméride foi realizada no município baiano de Serrolândia, levando em consideração
a participação da primeira instituição ginasial da cidade.
Segundo Bruno Rei, “as primeiras iniciativas oficiais voltadas para a organização das
comemorações do Sesquicentenário da Independência do Brasil são anteriores ao governo do
general Emílio Garrastazu Médici e, portanto, ao próprio ‘milagre brasileiro’.” 287 Foi sob o
governo de Artur da Costa e Silva (1967-1969) que estudos preliminares começaram a formatar o
evento de 1972. Contudo, o clima eufórico e otimista que circundava a sociedade brasileira na
década de 1970, proporcionou novos contornos aos festejos. O futuro, tantas vezes alardeado na
frase Brasil, país do futuro,288 havia chegado e coube as comemorações do Sesquicentenário da
independência inaugurar esse “novo tempo”.
Sob a vigência do governo Médici, foi criado, em janeiro de 1972, a Comissão Executiva
Central (CEC) que tinha como principal finalidade conduzir e coordenar as comemorações do
Sesquicentenário de emancipação dos territórios brasileiros frente à coroa de Portugal. Essa
comissão foi formada por
285
Entre os atos considerados celebrativos ao Sesquicentenário da Independência em 1972, podemos citar o
lançamento do filme Independência ou Morte dirigido por Carlos Coimbra e produzido por Oswaldo Massaini.
Segundo Adjovanes Almeida, essa película reuniu o maior elenco até então formado no país e constituiu-se como a
obra cinematográfica mais cara já produzida no Brasil, sendo lançado poucos dias antes dos festejos finais da
emancipação brasileira. ALMEIDA, 2009, op. cit. p. 25.
286
Mesmo fato ocorreu no estado do Pará, onde os festejos dos cento e cinquenta anos de emancipação brasileira
estiveram correlacionados as comemorações a “Adesão” paraense a libertação nacional, em 1973. MORAES, Cleodir
da Conceição. O Pará em festa: política e cultura nas comemorações do Sesquicentenário da Adesão (1973). Belém:
Universidade Federal do Pará (UFPA), 2006. Dissertação (mestrado em História).
287
REI, 2019, op. cit. p. 24.
288
Brasil, país do futuro é uma obra do escritor austríaco de origem judaica Stefan Zweig que imigrou para o Brasil
em 1941.
289
CORDEIRO, Janaina Martins. Milagre, comemorações e consenso ditatorial no Brasil, 1972. CONFLUENZE Vol.
4, No. 2, 2012, pp. 82-102, ISSN 2036-0967, Dipartimento di Lingue, Letterature e Culture Moderne, Università di
Bologna. p. 86.
122
Janaina Cordeiro argumenta que a organização do Sesquicentenário contou com o diálogo
entre integrantes das Forças armadas e instituições ligadas à sociedade civil. Neste aspecto, é
possível analisar como a ditadura civil-militar buscou alinhar seu discurso e interagir com a
população, pois, nem só de repressão vive um regime autoritário. É preciso cultivar adesões, apoios
e consentimentos, mesmo que velados.
Foi escolhido para os festejos do Sesquicentenário um slogan sugestivo: “Você constrói o
Brasil”. Segundo Cerri, as celebrações cívicas cumprem, em parte, o papel de suprir a necessidade
popular de identificação com o todo, pois, através delas é possível proporcionar uma “integração
ao corpo político, se não pela participação nas decisões, pela participação ao culto ao passado
comum.”290 Proporcionar à sociedade civil o papel de destaque nas comemorações organizadas no
decorrer de 1972 foi uma das ferramentas utilizadas pela ditadura para alcançar apoio, ainda que
não coubessem aos civis as reais tomadas de decisões. Tê-los como partícipes ativos seria a melhor
forma de legitimar e consensualizar os mandos dos agentes “contrarrevolucionários” que
“tutelavam” o Estado brasileiro.
Comissão estruturada, lema balizado, datas definidas, o Sesquicentenário estava pronto
para ganhar as ruas, praças, ginásios e todos os lugares que o imaginário nacionalista conservador
pudesse penetrar. Seria a festa da união, do otimismo, do Brasil grande, do “ninguém segura esse
país” e também consistiria em celebrar as adesões, apoios e consentimentos que o regime
conseguiu catalisar durante o “milagre econômico brasileiro”. Maurício Parada discute que,
durante a ditadura do Estado Novo (1937-45), os ritos cívicos se constituíram como um dos
principais lugares de integração entre as massas e à política.291 Percebemos que durante a ditadura
civil-militar as cerimônias patrióticas angariaram semelhantes objetivos, colocando em “diálogo”
a sociedade civil e o regime autoritário.
Investigando as celebrações transcorridas durante o ano de 1972, a historiadora Janaina
Cordeiro afirma que, “as comemorações do Sesquicentenário mostram como, em um momento de
festa somado ao processo de modernização do país, a sociedade foi capaz, de formas diferenciadas,
aderir, dialogar, consentir ou conviver harmoniosamente.”292 Nesse contexto, “se o consenso pode
designar um acordo que diz respeito a um conjunto de pessoas, consentimento é, antes, aceitação,
e pode dizer respeito a uma única pessoa. Tal aceitação pode também se apresentar em diferentes
290
CERRI, 1999, op. cit. p. 203.
291
PARADA, Maurício. Educando os corpos e criando a nação: cerimônias cívicas e práticas disciplinares no Estado
Novo. Rio de Janeiro, ed. PUC-Rio. Apicuri, 2009. p. 40.
292
CORDEIRO, Janaina Martins. A ditadura em tempos de milagre: comemorações, orgulho e consentimento. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2015. p. 336.
123
formas, engendrando reações distintas à mesma situação.”293 As práticas cívicas, durante a
ditadura civil-militar, talvez não tivessem o consenso da coletividade, mas contavam com o
consentimento velado de setores da sociedade. Antes de analisar mais detidamente como se deram
as celebrações aos cento e cinquenta anos da independência do Brasil no primeiro Ginásio
Municipal de Serrolândia, adensaremos, nos limites desta pesquisa, as discussões sobre esses dois
conceitos que perpassam nosso trabalho.
293
Idem, 2015, p. 212.
294
SANI, Giacomo. Consenso. In: BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco (Orgs).
Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998. p. 240.
295
ROLLEMBERG, Denise e QUADRAT, Samantha (Orgs). A Construção Social dos Regimes Autoritários: Brasil
e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2010. p. 15.
124
interesses em voga. Porém, nesse jogo de acomodações é possível afirmar que: quem cala ou pouco
se posiciona consente?
Segundo Rodrigo Patto Motta, “estudar o apoio à ditadura significa admitir que ela teve
aceitação popular, mas não necessariamente que foi consensual.”296 Em As universidades e o
regime militar, publicado em 2014 – ano em que o golpe civil-militar completou cinco décadas –
Motta disserta sobre os processos de adesões, resistências e acomodações dentro da cultura política
brasileira. A ditadura civil-militar foi composta por complexas redes paradoxais de contradições
que movimentaram as relações entre os agentes do Estado autoritário e a sociedade civil. Para o
autor, “a conciliação/negociação como estratégia para a saída de crises políticas foi adotada
diversas vezes na história do Brasil, e o episódio de 1964, em linhas gerais, se encaixa no
modelo.”297
Ao abordar a construção dos consensos, Daniel Aarão Reis aponta que a formação de
acordos ocorre de diversificadas formas, sendo elas: explícita ou implícita, compreendendo um
apoio ativo ou, na medida do possível, assimilando simpatias acolhedoras.298 Naquela conjuntura,
dizer que houve edificações de consentimentos entre povo e Estado não deve, necessariamente,
ligar-se ao sinônimo de unanimidade. Como observamos até aqui, as celebrações cívicas realizadas
principalmente no decorrer dos primeiros anos da ditadura civil-militar foram vetores exponenciais
na construção desses consentimentos.
Assim como Aarão Reis, Janaina Cordeiro, aborda que o trabalho com o consenso e o
consentimento deve partir de observações diversas, “a partir das quais as sociedades se expressam
com relação a determinados acontecimentos ou regimes, bem como de compreender o universo de
referências simbólicas”, acionando assim, “determinadas situações e com o qual setores
expressivos da sociedade puderam se identificar em certos momentos.”299 A utilização dessas duas
categorias, correlacionando-as com a intrínseca relação entre sociedade e governos autoritários
remetem as complexidades dos comportamentos sociais.300
296
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Passados Presentes: o golpe de 1964 e a ditadura militar. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.
p. 124
297
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Adesão, resistência e acomodação: o influxo da cultura política. In:______. As
universidades e o regime militar: cultura política brasileira e a modernização autoritária. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
p. 289.
298
REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura, anistia e reconciliação. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 23, n. 45, p.
171‐186, jan./jun. 2010. p. 182.
299
CORDEIRO, 2012, op. cit. p. 89.
300
Para Denise Rollemberg e Janaina Cordeiro, “a ideia de consenso foge, portanto, de uma visão dicotômica e remete,
em si mesma, ao problema das complexidades do social. Em outras palavras, diz respeito à gama diferenciada de
comportamentos e atitudes que concorrem, ao fim, para garantir a sustentação do regime em questão.”
ROLLEMBERG, Denise e CORDEIRO, Janaina Martins. Por uma revisão crítica: ditadura e sociedade no Brasil.
Salvador: Sagga, 2021. p. 35.
125
Em 2021, instigadas pelos crescentes embates historiográficos, as autoras Denise
Rollemberg e Janaina Cordeiro organizaram a obra Por uma revisão crítica: ditadura e sociedade
no Brasil. Na introdução as historiadoras afirmam que,
o consenso em torno do regime encontrou sua maior expressão nos anos de “milagre
econômico”. Os resultados do crescimento da economia, por sua vez, reforçavam a coesão
em torno da ditadura, viabilizando a modernização do país de “cima para baixo”. O Brasil
do futuro surgiria dessa relação. As cisões nesse consenso não tardaram quando o milagre
revelou sua fragilidade.301
301
ROLLEMBERG e CORDEIRO, 2021, op. cit. 25.
302
Segundo Paul Singer, o declínio do crescimento econômico e o aumento inflacionários se deram entre o final do
ano 1973 até 1977, porém não é possível afirmar com segurança o ano exato em que o “milagre econômico brasileiro”
teria terminado. SINGER, Paul. O processo econômico. In: REIS FILHO, Daniel Aarão. Modernização, ditadura e
democracia: 1964. História do Brasil Nação: 1808-2010, volume 5. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. p. 196.
303
ALMEIDA, 2009, op. cit. p. 43.
304
CORDEIRO, 2012, op. cit. p. 92.
126
(AERP), articular habilmente o discurso otimista com as políticas de Estado e, na medida do
possível, destacar o caráter ordeiro e civilizado do povo brasileiro. Segundo Carlos Fico, a AERP
não foi criada sob o influxo da linha dura durante a gerência de Garrastazu Médici. “Ela surgiu
ainda em janeiro de 1968 para melhorar a imagem do marechal Costa e Silva.”305 As propagandas
realizadas por tal assessoria atingiram toda a sociedade civil, sobretudo nas comemorações de
caráter cívico-nacionalista. Nos festejos ao Sesquicentenário da Independência, a publicidade
deveria carregar consigo palavras como otimismo, modernidade, crescimento, união e euforia.
A inclusão do otimismo no pensamento social brasileiro não foi implantada na ditadura
civil-militar. Segundo Tatyana Maia, “a incorporação da visão otimista pelo Estado brasileiro tem
origem no primeiro governo Vargas (1930-1945) por meio de sua associação às correntes
nacionalistas conservadoras.” Entretanto, no regime autoritário instaurado pós-64, o otimismo
ganhou a responsabilidade em anunciar um futuro próspero gestado por um passado nacional
cuidadosamente reinventado.306
Retomando nossas reflexões sobre a construção dos consensos e consentimentos entre
sociedade civil e militares, é possível afirmar que os agentes que se encontravam no Ginásio
Municipal de Serrolândia nutriam apoios conscientes aos ditames propostos pelo regime? Existia
consciência ou colaboração explícita dos alunos, professores e administradores desse educandário
ginasial às propostas dos governos autoritários?
Como discutimos nos capítulos anteriores, aparentemente, não havia um processo de
adesão evidente entre comunidade escolar e a ditadura civil-militar. Muitos entrevistados alegaram
que as participações nos desfiles em momentos patrióticos ou no próprio festejo ao aniversário da
‘revolução-64’ se dava por obrigatoriedade imposta pela escola. Outros depoentes destacaram que
essas celebrações eram momentos de sociabilidade, ganhando destaque por se tratar de uma
comunidade interiorana com poucos atrativos para a diversão.
Segundo Aarão Reis, “a sociedade, depois que a aderiu aos valores e às instituições
democráticas, enfrenta grandes dificuldades em compreender como participou, num passado ainda
recente, da construção de uma ditadura, que definiu a tortura como política de Estado.”307 Nesse
sentido, ainda que inconsciente e sem pretensões em apoiar as propostas solicitadas pelos
condutores do regime, os desfiles e as práticas cívicas, corriqueiramente empreendidos no Ginásio
305
FICO, Carlos. A pluralidade das censuras e das propagandas da ditadura. In: REIS FILHO, Daniel. A; RIDENTI,
Marcelo; SÁ MOTTA, Rodrigo. P. (Orgs). O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004). Bauru:
Edusc, 2004. p. 272.
306
MAIA, Tatyana de Amaral. Os cardeais da cultura nacional: o Conselho Federal de Cultura na ditadura civil-
militar (1967-1975). São Paulo; Itaú Cultural: Iluminuras, 2012. p. 179.
307
REIS FILHO, 2004, op. cit. p. 49.
127
Municipal de Serrolândia, atuavam na edificação de acordos entre agentes civis e o regime
autoritário.
Nos estudos recentes, os regimes autoritários e as ditaduras “não são mais compreendidos”
somente “a partir da manipulação, da infantilização e da vitimização das massas, incapazes de
fazer escolhas.” É preciso colocar em revisão as discussões sobre o controle da sociedade civil
através, puramente, da “repressão, do medo, da ausência de ação popular.” Nesse contexto, é
necessário analisar como “se constroem consensos e consentimentos”, e como se estabelecem as
relações entre Estado e sociedade. Nesta perspectiva, acredita-se que, “uma vez gestadas no
interior das sociedades, as ditaduras não lhes são estranhas.”308
Para adentrar ao panteão nacional, é necessário que o candidato a herói tenha aproximações
com o corpo social que visa representar. Segundo Almeida, “é preciso atingir algum nível de
308
ROLLEMBERG e QUADRAT, 2010, op. cit. p. 27-28.
309
CORDEIRO, 2015, op. cit. p. 18.
310
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. 2ª ed. São Paulo:
Companhia das letras, 2017. p. 58.
128
respaldo popular, pois, do contrário, o processo de fabricação não logrará êxito.”311 Dentro dos
festejos do Sesquicentenário, a figura de Tiradentes foi trabalhada visando representar a unidade
nacional, o homem cívico, a luta e o martírio por uma pátria livre de ameaças externas, essas
características foram interligadas ao “combate” que a ditadura civil-militar travava contra o
espectro comunista que estava, no imaginário conservador, à espreita. Contudo, a personificação
do líder inconfidente também foi relacionada a uma corporatura contestatória: grupos dissidentes
à ditadura requeiram a imagem subversiva do alferes mineiro para pautar suas ações contra o
regime. Dessa forma, seria necessário a cooptação de outra pessoa de feitos notáveis para
apadrinhar as celebrações de 1972.312
Escolhido, D. Pedro I foi constituído como modelo patriótico, um verdadeiro exemplo de
figura heroica que os cidadãos deveriam se aproximar. Elevado a principal condutor da
independência brasileira em 1822, os despojos do imperador retornaram ao Brasil – vindos de
Portugal – onde desfilou em cortejo fúnebre por diversas cidades do território nacional durante os
quase seis meses de comemorações ao Sesquicentenário da Independência. O encerramento dos
festejos, no dia 7 de setembro, dar-se-ia com o descanso dos restos mortais do príncipe na cripta
imperial, construída no Parque da Independência, no bairro do Ipiranga em São Paulo. Para Janaina
Cordeiro, ao optar por trabalhar com a exemplaridade de D. Pedro I, a ditadura buscou a edificação
de um modelo triunfante, nobre, um vencedor para corresponder às expectativas de uma nação
que vivia euforicamente a chegada do progresso.313
Em Serrolândia, os registros documentais levantados indicam como as celebrações ao cento
e cinquenta anos de independência do Brasil foram realizadas. Buscando uma melhor análise desta
comemoração, vamos trabalhar a ata de 21 de abril de 1972 em dois momentos, pois, apesar da
uniformidade projetada pela ditadura civil-militar, percebemos que as singularidades de cada
cidade ou instituições escolares influenciavam na forma de organização dos festejos cívicos.314
Inicialmente abordaremos o começo do evento, que contou com sessão solene e desfile:
311
ALMEIDA, 2009, op. cit. p. 72.
312
Segundo Adjovanes Almeida, “a figura de Tiradentes aparecia, na conjuntura de 1972, excessivamente popular e
subversiva, potencialmente identificável com os integrantes da oposição armada à ditadura militar. Afinal de contas,
não podemos esquecer que inclusive grupos guerrilheiros se inspiravam no alferes Joaquim José da Silva Xavier,
utilizando sua figura como exemplo ao mesmo tempo patriótico e contestatório, buscando em sua existência a
legitimidade para combater o regime militar que então vigorava no Brasil.” ALMEIDA, 2009, op. cit. p. 73-74.
313
Para Janaina Cordeiro, nos festejos de 1972 “a figura de um príncipe combinava muitíssimo bem com um país em
festa, que vivia euforicamente um Milagre, que assistia entusiasmado à construção de grandes obras, as quais
integravam uma nação de dimensões continentais, que acompanhava satisfeita a chegada do progresso tecnológico,
que era campeão nos esportes. Era através deste espelho, o de um príncipe, que aquela sociedade, país do Milagre,
pretendia olhar para o passado, vendo ali, a promessa de um grandioso futuro.” CORDEIRO, 2012, op. cit. p. 98.
314
Ao discutir as singularidades dos espaços escolares durante a ditadura civil-militar, Emanuelle Cordeiro afirma que
“as pessoas de cada escola se relacionam de modos diferentes, suas concepções são diversas, a cultura escolar local
também tem caráter diferenciado, e tudo isso influi na apropriação e nas ações dentro de uma instituição escolar.”
129
Aos (21) vinte e um dias do mês de abril do ano de mil novecentos e setenta e dois as (5)
cinco horas. Deu-se início as comemorações do Sesquicentenário da Independência do
Brasil, nesta cidade tendo havido sessão entre alunos do ginásio municipal e o povo,
principalmente os pais dos alunos. Enviou-se para a praça onde se achavam armado o
palanque oficial, e grande massa aglomerada aplaudia com grande entusiasmo aos
oradores e ao Ginásio.315
[...] antiga tradição nacional de participação estudantil nas festas patrióticas, incutir na
juventude a necessidade da participação cívica a partir de um novo modelo, o qual,
naquele momento, primava principalmente pela disciplinarização da participação social
e pela pacificação do espaço público.316
Essa retomada da “participação cívica” não deveria ficar condicionada apenas às datas
comemorativas, mas sim em todo o ano letivo. A partir das assertivas dos capítulos anteriores, as
disciplinas de EMC, OSPB, Estudos Sociais e Ed. Física deveriam trabalhar com a construção do
CORDEIRO, Emanuelle Giamberardino Rochavetz. A disciplina de Educação Moral e Cívica no Colégio Estadual
do Paraná (1969-1986). Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Curitiba, 2010. p. 32.
315
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas n. 1, ata n. 10. Ano de Abertura: 1971. Local,
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
316
CORDEIRO, 2015, op. cit.135-36.
130
caráter patriótico dos estudantes no dia a dia em cada espaço escolar. Nesse contexto, as
celebrações e os desfiles cívicos deveriam refletir a normatização e a disciplina que o novo regime
tinha impresso no sistema educacional.
Para Telma Valério, a “educação e, mais propriamente, o ambiente escolar foram
compreendidos, pelos militares, como importantes espaços nos quais poderiam empreender o
controle social, visto que, por meio destes, educavam-se os futuros cidadãos.”317 Nesse contexto,
[...] as escolas públicas deveriam funcionar como modelos de ordem e disciplina. Esse
civismo se diferenciava do cívico-militar, até porque quem ministrava aos alunos a prática
cívica era os próprios professores. Em consonância com esses objetivos, fazia-se o culto
à bandeira, a organização em filas para a entrada dos alunos, o uso do uniforme escolar e
etc. Dava-se o treinamento da obediência às regras e à ordem, muitas dessas
compreendidas pela comunidade das escolas como questão importante de respeito, bons
modos e asseio.318
Imagem: 18
Festejos ao Sesquicentenário, 1972.
317
VALÉRIO, Telma Faltz. Ideologia política na ditadura civil-militar e o ensino secundário de segundo grau a partir
da Lei 5.692/71. In: GONÇALVES, Nadia G; RANZI, Serlei M. F. (Orgs). Educação na Ditadura Civil-Militar:
políticas, ideários e práticas (Paraná, 1964-1985). Curitiba: Ed. UFRP, 2012. p. 55.
318
Idem, 2012, p. 55.
319
CORDEIRO, 2015, op. cit. p. 120.
131
Fonte: http://serrolandiaantigo.blogspot.com/2011/01
Não dispomos de informações que nos levem a precisar o responsável pela captura desse
registro fotográfico ou suas reais intenções na produção da imagem. Mantendo certa distância da
grande massa, o fotógrafo buscou enquadrar a presença de vários populares, que atenciosamente
dedicavam suas preocupações ao palanque armado na praça Manoel Novaes. Os alunos do Ginásio
Municipal estão dispostos em meio ao aglomerado, em posição vertical ao tablado onde
encontravam-se as autoridades locais.
As singularidades desse retrato encontram-se na tentativa do seu autor em ampliar o olhar
e enquadrar todos aqueles que se faziam presentes na praça durante os festejos do
Sesquicentenário. Concentrados sobre a larga rua de paralelepípedo, os alunos portavam seus trajes
de gala, que eram utilizados apenas em ocasiões celebrativas. A massa popular que acompanha a
solenidade também aparentava vestir-se com roupas mais arrojadas, diferentes daquelas utilizadas
no dia a dia. O clima conflituoso, ocasionado pela forte disputa política local entre Chapéus
Brancos e Pretos, provavelmente foi posto em segundo plano, pois esse seria o momento de
festejar a união e o “progresso” que rondavam o povo e a nação brasileira.
Em 1972, o poder executivo serrolandense encontrava-se sob a segunda gestão do Sr.
Florivaldo Magalhães Sousa. Filado ao partido do governo, à Arena, esse agente político
acompanhava de perto as comemorações e práticas cívicas que envolviam, não apenas o Ginásio
Municipal, mas toda a cidade de Serrolândia. Nos registros fotográficos capturados durante os
festejos ao Sesquicentenário da Independência, é possível identificar o líder político do grupo
132
Chapéu Branco envolto a outras autoridades da cidade, mas sempre ocupando a centralidade das
imagens.
Imagem: 19
Palanque com as autoridades locais
Fonte: http://serrolandiaantigo.blogspot.com/2011/03/
Na dissertação da historiadora Tânia Vasconcelos, consta que o Sr. Florivaldo foi aluno da
Escola Paroquial do povoado de Serrote durante a ditadura do Estado Novo e, provavelmente, esse
afago às celebrações de cunho patriótico decorram de sua vivência enquanto aluno da instituição
escolar católica no final da primeira metade do século XX.320 O processo de normatização,
disciplinarização e a construção dos acordos sociais dentro da ditadura civil-militar, guardadas as
devidas proporções e conjunturas, pode ser encontrado no interior do regime varguista. Contudo,
o discurso criado em torno do civismo durante o regime autoritário instaurado em 1964 apresenta
especificidades próprias, diferentes, muitas vezes, de períodos anteriores ao golpe.321
Imagem: 20
Florivaldo Magalhães nos festejos ao Sesquicentenário da Independência
320
VASCONCELOS, Tânia Mara Pereira. Educar, catequizar e civilizar a infância: A Escola Paroquial em uma
comunidade do sertão baiano (1941-1957). São Paulo: Universidade de São Paulo (USP) 2009. Dissertação (Mestrado
em História).
321
Para Tatyana Maia, visando a construção de uma “consciência cívica”, a ditadura civil-militar radicalizou o
“espírito da nacionalidade” elaborado no primeiro governo Vargas (1930-1945). Seria necessário que o civismo
estivesse ancorado ao otimismo, buscando dessa forma no passado as experiências consideradas constitutivas da
cultura nacional. MAIA, 2011, op. cit. p. 29.
133
Fonte: http://serrolandiaantigo.blogspot.com/2011/01/
322
Segundo Elisiane dos Santos, o termo Paixão Política visa conceituar as ações que tendem a ser menos racionais
no campo da política partidária. Nesse contexto, essa paixão motiva os indivíduos a cometerem atos inapropriados,
transcendendo, muitas vezes, seus próprios limites. SANTOS, Elisiane dos Reis. Chapéu Branco X Chapéu Preto:
abordagem das representações da política partidária em Serrolândia-Bahia entre as décadas de 1960 a 1980.
Especialização (Educação, cultura e contextualidade). Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Jacobina-BA, 2010.
p. 31.
134
do fotógrafo que operou um recorte do espaço e do tempo.”323 Tentando permanecer longe da mera
análise descritiva da fonte iconográfica, percebemos uma certa inclinação do retratista em focar
sua captura na figura do prefeito Florivaldo Magalhães. Na foto de número 19, o aludido líder
político serrolandense encontra-se na parte superior do tablado cercado por outras
representatividades locais enquanto a população concentra-se em torno do palanque oficial.
A tribuna utilizada para acolher as autoridades tinha como principal objetivo proporcionar
um maior conforto e possibilitar que os representantes políticos vislumbrassem melhor a passagem
dos pelotões durante os eventos cívicos. Armados, geralmente, nas principais avenidas ou praças,
esses locais ocupavam a centralidade dos desfiles, pois, nesses tablados, os discursos eram
proferidos, promovendo a interações entre o povo e os agentes do Estado. Nesse contexto, para
além da comodidade, esses recintos oficiais funcionavam para distinguir as lideranças e
representatividades políticas do restante da população.324
Na imagem de número 20, o Sr. Florivaldo é fotografado à frente dos populares e
colocando-se ao lado do palanque das autoridades, aparentemente, proferindo algum discurso.
Como dissertamos anteriormente, não conseguimos precisar o autor da fotografia e suas intenções
para com ela, acreditamos tratar-se de um profissional contratado pelo poder executivo municipal
serrolandense para registrar as comemorações daquele dia (21 de abril de 1972). Essa inferência
explicaria a centralidade e a presença do prefeito em quase todos os registros fotográficos dos
festejos ao Sesquicentenário.
Os documentos fotográficos que coletamos para construção da nossa narrativa pouco
capturaram a participação do corpo estudantil do Ginásio Municipal. Contudo, algumas imagens
demonstram a presença, principalmente, de alunas vestida com seus tradicionais trajes de gala:
saia plissada, camisa social, sapatos e boina. De cabelos soltos e segurando bandeiras e estandartes,
essas estudantes foram fotografadas em frente ao tablado onde permaneciam as lideranças locais.
Nessa conjuntura, realizar desfiles, colocar-se em posição de destaque perante os políticos e a
população local funcionava como catalizador de entusiasmo para a juventude do ginásio que se
dedicava cotidianamente aos ensaios para os eventos patrióticos.
O entusiasmo gerado durante os desfiles em datas cívicas deparou-se com o otimismo e a
euforia propagados pelas comemorações do Sesquicentenário da Independência em 1972. O “país
323
OLIVEIRA, Valter Gomes Santos de. Revelando a cidade: cultura fotográfica no sertão da Bahia. Curitiba: Brazil
Publishing, 2019. p. 17.
324
STRUJAK, Ana Paula; LEDESMA, Maria Rita Kaminski; ZANLORENZI, Claudia Maria Petchak. Desfiles
escolares: a análise do civismo pela via das fotografias. Anais do II Seminário internacional de representações sociais,
subjetividades e educação. Curitiba/PR, 2013. p. 15.
135
do futuro” encontrou, com a “tutela” dos agentes militares, o caminho para “desenvolvimento”,
“modernidade” e para o “crescimento”. Segundo Carlos Fico, as ideias de
Os civis e militares que golpearam o presidente João Goulart e puseram fim ao processo
democrático brasileiro em 1964 apostaram na construção do discurso de decadência moral que o
país estaria vivendo. Ao dissertar sobre a segunda onda anticomunista entre 1961 a 64, Motta
aborda que o estigma da corrupção foi vinculado, frequentemente, aos agentes comunistas. Para
os setores conservadores da direita brasileira, “os vermelhos seriam responsáveis por estimular a
corrupção, pois através deste recurso aliciariam para o seu lado os políticos”, principalmente
aqueles poucos sensíveis às questões morais e patrióticas.326 O “novo tempo”, sob a “proteção”
das Forças Armadas, traria o expurgo desses agentes de moral duvidosa, seja através dos IPMs, do
exílio ou da tortura sistêmica desferida pelos agentes da ditadura civil-militar.
Requerendo para a sua retórica a defesa da moral dos bons costumes, das crenças religiosas,
sobretudo a católica, e a defesa da pátria e da família, os artífices da ditadura civil-militar buscaram
se colocar como representantes legítimos do conjunto de valores e tradições que cercavam o
imaginário social brasileiro.327 Discorrendo sobre a implementação da República, nos primeiros
anos do século XX, José Murilo de Carvalho assinala que, “a manipulação do imaginário social é
particularmente importante em momentos de mudança política e social, em momentos de
redefinição de identidades coletivas.”328 Alinhando esse conjunto de valores a um discurso
otimista reinventado, os agentes militares catalisaram para sua base o apoio/adesão de segmentos
da sociedade brasileira, principalmente, no início da década de 1970.
Voltando ao Ginásio Municipal serrolandense, percebemos, através dos registros
documentais, que muito provavelmente essa urbe sertaneja não contou com um cronograma de
quase seis meses de festejos celebrando a independência, assim como em outros centros urbanos.
No livro de atas, as menções ao Sesquicentenário são encontradas apenas no dia 21 de abril de
1972, data a qual marca o início das festividades através dos Encontros Cívicos Nacionais que
ocorreram em todo o país. Possivelmente, as celebrações aos cento e cinquenta anos de
325
FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV,
1997. p. 121.
326
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. O segundo grande surto anticomunista: 1961/64. In:______. Em guarda contra o
perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2ª ed. Niterói: Eduff, 2020. p. 297.
327
REI, 2019, op. cit. p. 19.
328
CARVALHO, 2017, op. cit. p. 11.
136
emancipação brasileira continuaram sendo realizadas no cotidiano da instituição ginasial, através
das disciplinas como a EMC, OSPB e Ed. Física, até seu encerramento em setembro.
Como argumentamos anteriormente, os festejos ao Sesquicentenário começaram com
sessão solene no Ginásio Municipal. Esse momento contou com a participação dos alunos,
professores, pais e do povo serrolandense. Em prosseguimento à celebração, os estudantes
desfilaram até a praça Manoel Novaes onde se encontrava o palanque com as autoridades locais.
Vejamos agora como se deu o restante das comemorações ao aniversário da independência:
[...] nesta data [21 de abril] falaram vários personagens, das quais são dignos de serem
ressaltados. O Sr. Prefeito Municipal Florivaldo Magalhães Sousa, Sr. Delegado de
Polícia Sarg. Raimundo Oliveira, Sra. Delegada Escolar Arionete Guimarães Sousa [...]
houve uma brilhante passeata, o povo se uniu com um só pensamento e ideais, a fim de
melhor dar ênfase à festa. Durante a festividades foram cantadas pelo povo vários hinos
patrióticos, acompanhado com o conjunto musical desta cidade e a banda marcial do
ginásio (Grifos nossos). 329
329
COLÉGIO ESTADUAL DE SERROLÂNDIA (CES). Livro de Atas nº 1, ata nº 10. Ano de Abertura: 1971. Local:
Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
330
ALMEIDA, 2009, op. cit. p. 76.
331
Ao dissertar sobre o aparato político/ideológico requerido pela ditadura varguista, Maurício Parada pontua que a
juventude brasileira foi elevada ao patamar de Categoria Social, dessa forma, repousaria sobre ela a centralidade das
ações normatizadoras, cívicas e físicas empreendida pelo Estado. PARADA, 2009, op. cit. p. 44.
137
O registro documental não apresenta o teor dos discursos proferidos pelas autoridades
locais, possivelmente, o conteúdo dessas alocuções tenha girado em torno dos valores morais,
conservadores, cívicos e nacionalistas característicos do período. No plano geral, os festejos ao
Sesquicentenário da Independência deveriam atuar no fortalecimento da união nacional, da
concórdia, e da integração do povo brasileiro, contudo, seria necessário manter a vigilância contra
os “inimigos da pátria” que estavam a observar os louros alcançados pelo regime.
O povo se uniu com um só pensamento e ideias: ao delinear a reação da grande massa
presente na principal praça da cidade a Sra. Elisa Moreira – secretária do Ginásio Municipal e
responsável por lavrar as atas – evidenciou o caráter ufanista tomado pela cidade de Serrolândia
durante as celebrações ao Sesquicentenário da Independência do Brasil. Essa união buscava
celebrar as glórias pretéritas e, sobretudo, as conquistas do presente, consideradas fruto dos
governos militares. Segundo Helenice Silva, o ato de rememorar abre caminho para as projeções
futuras:
em outras palavras, a comemoração tem por objetivo demonstrar, como já vimos, que o
acontecimento “rememorado”, por seu valor simbólico, pode se reportar ao devir. As
comemorações buscam, pois, nessa reapropriação do acontecimento passado, um novo
regime de historicidade, projetando-o em direção do futuro.332
332
SILVA, Helenice Rodrigues da. “Rememoração”/Comemoração: as utilizações sociais da memória. Revista
Brasileira de História, vol. 22, n. 44, São Paulo, 2002, p. 425-438. p. 425.
138
das celebrações ao Sesquicentenário foi justamente sua capacidade de movimentar e aproximar-se
a vida cotidiana dos brasileiros.333 O governo Médici investiu intensamente em propaganda para
que o aniversário da independência do Brasil se tornasse uma festa popular e ao que tudo indica,
essa publicidade, requerida pelos militares, chegou às casas e ao único espaço ginasial da cidade
de Serrolândia no interior da Bahia.
333
CORDEIRO, 2011, op. cit. p. 3.
334
CORDEIRO, 2012, op. cit. p. 306.
335
CORDEIRO, 2012, op. cit. 310-311.
139
memórias coletivas.336 Durante a pesquisa, percebemos que os festejos ao Sesquicentenário não
adentrou ao quadro de lembranças dos agentes presentes no Ginásio Municipal de Serrolândia,
apenas uma entrevistada relatou ter participado dessas comemorações.
Em 2017, na varada de sua residência, a Sra. Cleonice Barreto Rios narrou como se deu a
participação dos alunos, professores e autoridades locais nos festejos do dia 21 de abril de 1972:
nas ruas, a gente ia recitar e cantar o... alguns hinos, essas coisas do Brasil, eu me lembro
que “Já podeis, da Pátria filhos” [cantando trecho do hino da independência] ah! Era um
grupo, um coral, né? “Ver contente a mãe gentil, já raiou” [cantando trecho do hino da
independência] era um coral lindo que a gente ensaiava antes, muito bem ensaiado, então
os alunos participavam nesse momento, né? E na hora do palanque tinha as poesias
alusivas a data... e alguns representantes políticos, professores também, os professores
falavam da data, prestavam homenagem a data, mas a gente não se envolvia assim pra...
aquele patriotismo era... fazia por fazer e era necessário fazer (risos), mas a gente não
tinha aquela coisa de brigar, de discutir porquê disso, porque daquilo não, não. 337
336
Ao abordar as correlações entre memória e os interesses das classes sociais, Le Goff afirma que “a memória coletiva
foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do
esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as
sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação
da memória coletiva.” LE GOFF, Jacques. História e memória. 7ª ed. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013. p.
490.
337
Entrevista concedida pela senhora Cleonice Barreto Rios ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 22 de agosto de 2017.
338
PORTELLI, Alessandro. História oral como arte da esculta. Tradução: Ricardo Santiago. São Paulo: Letra e Voz,
2016. p. 47.
140
daquilo que desejamos lembrar. Nesse contexto complexo da memória, a Sra. Cleonice Barreto
buscou destacar suas recordações sobre os festejos ao Sesquicentenário, mas, na medida do
possível, procurou atenuar os motivos que levaram a sua participação e a dos seus colegas do
ensino ginasial.
Voltamos a conversar com a Sra. Cleonice Barreto em 2021, no mesmo local, onde
havíamos gravado a primeira entrevista e assim ela articulou suas recordações sobre as celebrações
ao Sesquicentenário da independência:
Nessa última entrevista, a depoente teceu uma narrativa mais saudosista sobre o
desenvolvimento das comemorações ao cento e cinquenta anos da independência. Entoando um
pequeno trecho da marcha do Sesquicentenário, composta por Miguel Gustavo, ela destacou o
caráter “extraordinário” pelo qual a ditadura civil-militar buscou encarar aqueles festejos.340
Semelhante à nossa primeira entrevista, a Sra. Cleonice voltou a relembrar os cânticos patrióticos
realizados pelo corpo estudantil do Ginásio municipal em sintonia com a fanfarra do próprio
estabelecimento ginasial.
Tirando o foco dos possíveis motivos que levavam os estudantes a participar ou não dessa
celebração, a depoente fez uma fala mais sublime sobre as celebrações de 1972. Apesar de dizer
que não se recordava detidamente dos detalhes da festividade, a entrevistada prossegue sua
narrativa destacando a beleza e a normatização que o desfile cívico seguiu, ocupando as principais
ruas e avenidas da cidade.
Nesse segundo depoimento, a Sra. Cleonice Barreto não buscou distanciar-se das
comemorações ao Sesquicentenário, também não encontramos expressões com fazia por fazer ou
uma possível imposição em participar de tais festividades como se apresentou na entrevista de
339
Entrevista concedida pela senhora Cleonice Barreto Rios ao pesquisador Marconey de Jesus Oliveira. Local:
Serrolândia, Bahia, Brasil. Data: 13 de abril. 2021.
340
Segundo Janaina Cordeiro, a macha do Sesquicentenário composta por Miguel Gustavo – que em 1970 compôs a
celebre música Pra frente, Brasil – evocava D. Pedro I, o Grito do Ipiranga e a mistura racial que unia nossa gente
neste imenso continente e trazia os festejos do cento e cinquenta anos de Independência brasileira como um marco
extraordinário e abordava o Brasil como potência nem só econômica, mas também de amor e paz. CORDEIRO, 2012,
op. cit. p. 114.
141
2017. Estaria nossa entrevistada ressignificando suas memórias sobre o período autoritário? Ou
incorporando em seu discurso o teor revisionista/negacionista sobre a ditadura civil-militar que se
incorporou na sociedade brasileira depois da escalada acentuada da extrema direita no país na
última década?
No pretérito, não tão distante assim, apoiar explicitamente os atos dos governos ditatoriais
estaria longe de cogitação até para os mais saudosistas do período. Entretanto, nos últimos anos,
grupos ligados à extrema direita com características fascistas popularizaram um discurso
negacionista em torno da ditadura civil-militar e de suas ações autoritárias.341 Como dissertamos
anteriormente, para esses agentes, o que vigorou entre 1964 a 1985 foi um estado de tutela no qual
as Forças Armadas brasileiras preventivamente apossaram-se do poder para combater uma
iniciativa golpista comunista que estaria em pleno desenvolvimento no Brasil. Dentro desse
contexto, o prolongamento do regime se deu para dissipar os perigos do terrorismo da luta armada
e pelos bons frutos conquistados durante a “milagre econômico”.
Assim como Portelli, acreditamos que a memória “é mais do que um registro da
experiência, do que um arquivo de dados: ela é um trabalho incessante de interpretação e
reinterpretação e de organização de significados.”342 Nesse contexto, as recordações acessadas
pela depoente passaram pelo processo de ressignificação que são intrínsecas às memórias. Em
tempos de negacionismos explícitos, enfrentamos uma forte disputa pelas memórias que cercam o
golpe e a ditadura civil-militar de 1964. Essas novas versões, muitas vezes de caráter falacioso e
anacrônico, são propagadas pelos meios de comunicação e conseguem penetrar profundamente as
camadas da sociedade. Não queremos inferir que a depoente, quando empreendeu sua narrativa,
compactuava com esse “revisionismo” desonesto que nos cerca na atualidade, porém, não
podemos descartar que essas disputas do tempo presente podem atribuir novas reinterpretações a
determinados eventos do passado.
Possivelmente, no ginásio serrolandense, a parca lembrança do Sesquicentenário esteja
ligada ao fato desse festejo ter recebido celebrações apenas em 1972, diferindo do Sete de
Setembro e da Proclamação da República que até os dias atuais povoa o calendário festivo das
instituições escolares. Fazendo uma comparação entre o aniversário da ‘revolução de 64’ e as
341
Segundo Mateus Henrique Pereira, a negação, e em especial o revisionismo, é um tipo radical e perigoso de
fundamentalismo (diverso, portanto, do relativismo cultural, que é inclusivo e reconhece o valor da diversidade), pois
coloca em questão o poder de veto das fontes com base em lógicas de justificação e dissimulação que pretendem
extrapolar, estender, manipular, e, no limite, negar o poder de veto das fontes. PEREIRA, Mateus Henrique de Faria.
Nova Direita? Guerras de memórias em tempos de Comissão da Verdade (2012-2014). Varia Historia, Belo
Horizonte, vol. 31, n. 57, p. 863-902, set/dez 2015. p. 27.
342
CORDEIRO, 2016, op. cit. p. 159.
142
comemorações aos cento e cinquenta anos de independência, percebemos que lembrar a primeira
efeméride ocasionou maior desconforto aos entrevistados, enquanto os festejos da emancipação
brasileira passaram sem muita expressividade pelas narrativas dos depoentes. Portanto, podemos
analisar que quão mais próximos os segmentos sociais estiveram dos ditames autoritários do
regime maiores foram as dificuldades em realizar rememorações.
Apesar do esquecimento e do ostracismo angariado logo após sua baliza final, os festejos
ao Sesquicentenário da Independência em 1972 se constituíram como um importante momento de
“reafirmação da confiança que seguimentos expressivos da sociedade depositavam em seus
generais, fosse na guerra ou na paz.” Nesse contexto, o ato de celebrar o passado representou um
espaço fundamental na reafirmação do consenso entre as camadas populares e o regime ditatorial,
principalmente, durante os primeiros anos da década de 1970.343 Nesse contexto, Janaina Cordeiro
argumenta que
343
CORDEIRO, 2015, op. cit. p. 318.
344
Idem, 2015, p. 318-319.
345
Maurício Parada afirma que “a suspensão do cotidiano é o que permite a intensidade da comemoração, pois é neste
“vazio de significados” que a novas formas de ordenamento social podem ser encenadas, partilhada e tornaram-se
significativas para a maior parte da população.” PARADA, 2009, op. cit. p. 22.
143
no Palácio do Itamaraty em Brasília.346 Outra similitude entre as datas foi seu uso político por parte
do executivo nacional: se durante a ditadura civil-militar as celebrações ao cento e cinquenta anos
deveriam refletir a euforia e o otimismo fruto do “milagre” comandado pelos militares, em 2022
os ditos celebrativos ao bicentenário da independência estiveram envoltos aos discursos falaciosos
comandados pelo governo federal.
Na esteira das disputas de memória do tempo presente, os correligionários do presidente
Bolsonaro pautaram suas ações na dissimulação negacionista sobre a ditadura civil-militar de 1964
a 1985 e fomentando suas ações na chamada guerra cultural contra grupos de oposição e os
agentes localizados mais à esquerda no cenário político nacional. Nesse contexto, preocupado em
fazer acenos cada vez mais antidemocráticos a sua base inclinada à cólera, em troca de apoio
político, o presidente da república e sua “equipe” de governo utilizaram as rememorações aos
duzentos anos de independência da nação para fazer dessa efeméride um palanque político visando
o pleito eleitoral em curso no período.
346
https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2022/08/22/coracao-de-dom-pedro-i-chega-ao-brasil. Acesso em:
16/11/2022, às 15h11min.
144
Considerações finais
No decorrer desta dissertação, procuramos analisar, por meio de variadas fontes obtidas ao
longo da pesquisa, como a primeira instituição ginasial do município baiano de Serrolândia,
empreendeu e organizou diversas celebrações e práticas cívicas durante o regime autoritário
instituído após a derrubada do presidente João Goulart nos idos finais de março de 1964. Nesse
contexto, percebemos que os valores, as normas e os sentimentos patrióticos requeridos
nacionalmente pelos agentes das Forças Armadas passaram a fazer parte dos festejos realizados
por esse estabelecimento escolar.
O afago patriótico, o respeito aos símbolos nacionais, a disciplinarização e normatização
dos corpos e dos comportamentos geraram preceitos cívicos que foram amplamente desenvolvidos
dentro do sistema educacional brasileiro. Conforme discussões realizadas, a ditadura civil-militar
não foi o primeiro regime a utilizar as escolas para a sua construção ideológica, pois no decorrer
do Estado Novo (1937-1945), comandado por Getúlio Vargas, essas práticas foram recorrentes.
Os militares de 1964 procuraram realinhar os espaços de ensino com as propostas de segurança
nacional, visando a construção do cidadão ordeiro e obediente, objetivando, dessa forma, eliminar
qualquer sombra dos pensamentos subversivos e comunistas que reverberavam o território
nacional.
As instruções morais, patrióticas e físicas eram trabalhadas no cotidiano das instituições de
ensino do país por meio de disciplinas como Educação Moral e Cívica, Organização Social e
Política Brasileira e Educação Física. No ginásio serrolandense, as festividades cívicas ganharam
destaque nas memórias dos personagens que vivenciaram o cotidiano desse espaço escolar. Por
vezes, as comemorações ultrapassaram os limites do educandário e adentravam à sociedade local,
proporcionando a edificação dos consensos e das adesões entre os grupos civis e os ditames dos
governos militares, sobretudo nos primeiros anos da década de 1970.
No plano local, o Ginásio Municipal de Serrolândia se constituiu como a única instituição
de ensino ginasial da cidade até o final da década de setenta, ficando envolta em fortes disputas
políticas, protagonizadas pelos grupos comandos pelos senhores Florivaldo Magalhães de Sousa e
Jaime Ferreira Franco, ambos pertencentes aos quadros da Aliança Renovadora Nacional. Tanto
Chapéus Brancos quanto os Chapéus Pretos compreendiam a importância que esse
estabelecimento escolar detinha na sociedade serrolandense e, em vários momentos, foi possível
analisar o quanto esse espaço de formação esteve submerso aos jogos políticos. Evidenciamos,
através dos documentos orais, escritos e iconográficos, que até os momentos festivos e as práticas
145
cívicas ficavam propensos aos mandos políticos dos grupos locais, apesar de toda a normatização
requerida em nível nacional.
Esta pesquisa foi construída a partir do diálogo e da escuta de variadas fontes, trazendo
para o debate os documentos administrativos do próprio Ginásio Municipal, as atas do poder
legislativo de Serrolândia, os documentos orais produzidos em duas ocasiões 2017 e 2021, e as
fotografias, que em sua maioria pertencem aos acervos pessoais dos agentes que estiveram na
instituição no período pesquisado. Recorremos a leis, decretos e deliberações expedidos pelos
variados segmentos da administração pública, sobretudo, aqueles voltados para a instruções
educacionais e que versavam sobre a organização das celebrações cívicas durante a ditadura civil-
militar.
Dentre as fontes utilizadas, o uso da História Oral se constituiu como importante monta
para erguer uma narrativa sobre o Ginásio Municipal. Durante a consecução dessa pesquisa, foram
realizadas várias entrevistas com ex-alunos, professores e agentes administrativos do ginásio, que
estiveram entre 1964 até o final da delimitação temporal da pesquisa, 1985. A rememoração das
comemorações cívicas nos possibilitou pensar como eram instigados os valores patrióticos naquele
período e a receptividade desses agentes ao que era proposto pelo sistema político/educacional
durante os governos militares. Nesse contexto, as percepções individuais de cada depoente
compuseram a coletividade das lembranças referentes ao educandário.
O trabalho com a memória suscita alguns questionamentos e certas complexidades para o
pesquisador. Os não ditos têm igual importância ao que foi proferido pelos entrevistados, os
silêncios ou esquecimentos também funcionam como indicadores das lembranças. Silenciar ou
esquecer assim como escolher o que será lembrado são pressupostos essenciais da memória. Em
contexto pandêmico, trabalhar com depoimentos orais tornou-se quase inviável, foi necessário
lançar mão de outras alternativas para alcançar as construções desses documentos.
No que se refere à memória social, muitos entrevistados destacaram a vontade dos alunos
em participar das comemorações patrióticas, principalmente dos desfiles. Porém, no
desenvolvimento do diálogo, os mesmos entrevistados relataram que a não participação nas
práticas cívicas geravam punições para os discentes, como suspensão ou até mesmo reprovação na
unidade. Entre os ditos e não ditos, silenciamentos e apagamentos existentes, principalmente
quando tratamos das comemorações do aniversário da ‘revolução de 64’, as celebrações ocuparam
as lembranças dos ex-estudantes, professores e funcionários como momentos gloriosos.
Além do uso da História Oral, outras fontes foram essenciais para a constituição dessa
pesquisa. Através da documentação administrativa do ginásio – livros de matrículas, admissão,
146
atas de celebrações e reuniões –, procuramos entender a dinâmica de organização dos festejos e
celebrações cívicas tanto no cotidiano do Ginásio Municipal quanto na sociedade serrolandense.
Essas fontes foram trabalhadas como constituidoras de um discurso oficial da instituição,
proporcionando informações substanciais da ordenação desses festejos patrióticos na cidade de
Serrolândia. Não obstante, o uso das fontes iconográficas também obteve espaço singular no
decorrer da pesquisa, pois como dito anteriormente, através dos acervos fotográficos, pudemos
pensar o processo histórico para além do que foi revelado pelas fontes escritas.
As tradições inventadas, que visavam inculcar valores e normas através das repetições,
objetivando, principalmente, tecer relações entre o pretérito e as questões que cercavam o tempo
presente, ganharam destaque no Ginásio de Serrolândia. As comemorações do aniversário da
‘revolução de 64’ foram realizadas em pelo menos três ocasiões, de 1971 a 1973. O Trinta e um
de Março deveria ser percebido como a inauguração de um novo tempo, que havia salvado o país
das “mazelas” do comunismo que “assolava” o mundo. Nos primeiros anos da década de setenta,
o regime gozou de certa popularidade nos meios civis, com o chamado “milagre econômico” e o
forte teor propagandístico comandado pela AERP. O Brasil estaria deixando de ser o país do futuro
para se tornar a nação “do presente”, com forte apelo modernista, mas mantendo, ou pelo menos
tentando manter, suas bases conservadoras. Nesse contexto, os agentes militares investiram no
discurso otimista e eufórico tendo como objetivo principal a construção da legitimidade e a busca
de adesões nos meios populares.
Outro festejo que alcançou igual importância no ginásio serrolandense foi o
Sesquicentenário da Independência da República em 1972 e essa comemoração deveria prezar pela
união do povo brasileiro. Em Serrolândia, a fonte documental demonstrou que, apesar do
acirramento da política local, essa efeméride envolveu uma parcela significativa dos munícipes.
Abordar os consensos e consentimentos entre certos segmentos sociais e a ditadura não
implica afirmar categoricamente que havia um apoio irrestrito e consciente aos ditames militares.
Os momentos celebrativos se constituíram em excelentes oportunidades para o regime mostrar
uma face mais alegre, mantendo oculta as práticas autoritárias, promovendo maior aproximação
entre sociedade civil e agentes militares. No Ginásio Municipal de Serrolândia, percebemos que
as adesões aos preceitos difundidos pelas Forças Armadas se davam de maneira velada, os festejos
eram utilizados como meio de sociabilidade nos quais a população aproveitava dos momentos para
se divertir, encontrar pessoas ou no caso dos alunos do ginásio se colocarem em destaque perante
seus pais, familiares e as autoridades locais. Contudo, a participação nessas ocasiões festivas
proporcionava o compartilhamento dos ideários requeridos pela ditadura civil-militar.
147
O regime autoritário de 1964-1985 ainda é cercado por um passado sensível e com
discussão bastante presente na sociedade atual. Nesse contexto, em pouco mais de uma década,
vislumbramos recrudescimentos em torno dos debates que reverberam essa temática. A partir de
2012, com o advento da Comissão Nacional da Verdade, grupos ligados à chamada Nova direita
e outros segmentos conservadores empreenderam uma onda “revisionista” sobre os eventos
decorrentes do golpe civil-militar em 1964. Esse revisionismo não tardou em se transformar em
um mecanismo negacionista que busca, entre outras coisas, a reinterpretação, por vezes de forma
vil e falaciosa, desse período da história brasileira. Com a subida de Jair Bolsonaro à chefia do
poder executivo nacional, esses debates se intensificaram.
Esse tom revisionista/negacionista argumenta que o golpe infligido ao governo de Goulart
e contra a democracia brasileira tratou-se uma “contrarrevolução” com o intuído de defender o
Estado e os valores tradicionais das famílias de um “revolução vermelha” que estava sendo
arquitetada pelas forças obscuras do comunismo internacional e por suas ramificações internas e,
desse forma, o Brasil teria recebido a “tutela” das Forças Armadas que tinham como objetivo
defender a pátria desses agentes subversivos e terroristas que colocavam em perigo a soberania da
nação e os preceitos conservadores nacionais. Essas narrativas, construídas por esses agentes da
extrema direita nacional, visavam distorcer os eventos históricos e ressignificar as memórias dos
fatos transcorridos durante a segunda metade do século XX.
O processo historiográfico tem marcas significantes da época em que seu autor viveu ou
ela foi produzida, dessa forma, este trabalho encontra-se no campo dessas disputas de memória
que nos cercam no tempo presente. Os desdobramentos que proporcionaram a edificação do golpe
e da ditadura de 1964 encontram-se próximo de completar seis décadas, e muitos algozes que
obtiveram destaque naquele período ainda permanecem nos meios sociais, sendo homenageados e
tendo suas ações elogiadas em casas legislativas pelo Brasil adentro. Nesse contexto, a ‘revolução’
passou de simpatias veladas para discursos inflamados de apoio nas ruas e nas redes sociais.
Contudo, nos acalenta perceber que esses embates pela memória estão sendo travados, pela
comunidade acadêmica e segmentos da sociedade civil.
Durante a consecução dessa dissertação algumas questões foram levantadas, muitas
lacunas foram surgindo na medida em que o trabalho foi avançando. Nessa conjuntura, a pesquisa
não esgotou todas as possibilidades do tema e nem tínhamos essa pretensão. No processo
historiográfico, procuramos trabalhar com os questionamentos, com as problematizações e não
necessariamente com as respostas.
148
Fontes
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Ginásio Municipal, Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
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Brasil. Arquivo do CES.
______. Livro de Matrículas 1964 a 1992. Ano de Abertura: 1964. Local: Ginásio Municipal,
Serrolândia, Bahia, Brasil. Arquivo do CES.
2- Depoimentos Orais
MOTA, Maria Célia Matias de Araújo. Entrevista por mediação telefônica, 20 de maio de 2021.
149
VILELA, Izailda Oliveira. Entrevista, Serrolândia, 12 de abril de 2021.
3- Iconografias
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Valentino Andrade da Silva.
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Antigo.
Imagem 16. Autor desconhecido. Avenida Seis de Maio, final da década de 1960. Fonte: Acervo
do Sr. Valentino Andrade da Silva.
150
Imagem 17. Autor desconhecido. Sargento Raimundo Oliveira Almeida. Fonte: Acervo do Sr.
Jonas Ferreira Gonçalves.
Imagem 18. Autor desconhecido. Festejos ao Sesquicentenário, 1972. Fonte: Acervo do Blog
Serrolândia Antigo.
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Serrolândia Antigo.
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6- Livros
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7- Mapa
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nos dados do IBGE de 2021. Serrolândia, 2021.
7- Militar
IPM do Partido Comunista Brasileiro. Processo 709. Auditoria da 1ª Região Militar. Guanabara,
1964. Fundo de documentos da Base Digital do Projeto Brasil Nunca Mais. Pasta BNM 279 (1).
Endereço Eletrônico: http://bnmdigital.mpf.mp.br/pt-br/
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