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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II / ALAGOINHAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

FABIANA DOS SANTOS DIAS

CORONEL SANTINHO DO RIACHO DA GUIA: O CORONELISMO NO


MEIO RURAL DE ALAGOINHAS-BA (1883-1963)

Alagoinhas-BA
2022
FABIANA DOS SANTOS DIAS

CORONEL SANTINHO DO RIACHO DA GUIA: O CORONELISMO NO


MEIO RURAL DE ALAGOINHAS-BA (1883-1963)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade do Estado
da Bahia – Campus II como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em História.

Orientadora: Profa. Dra. Marilécia Oliveira Santos

Banca examinadora:
Profa. Dra. Marilécia Oliveira Santos (UNEB)
Profa. Dra. Luana Carla Campos Akinruli (UFMG)
Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira (UNEB)

Alagoinhas-BA
2022
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Biblioteca Carlos Drummond de Andrade – Campus II
Rosana Cristina de Souza BarrettoBibliotecária – CRB 5/902

D541c Dias, Fabiana dos Santos.


Coronel Santinho do Riacho da Guia: o coronelismo no meio rural
de Alagoinhas – BA (1883-1963)./ Fabiana dos Santos Dias –
Alagoinhas, 2022.
131f.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia.


Departamento de Educação. Mestrado em História, Cultura e Práticas
Sociais.
Orientador: Prof.ª Drª Marilécia Oliveira Santos.

1. Coronelismo – Alagoinhas (BA) – História. 2. Alagoinhas (BA)


– Política e governo. 3. Coronel Santinho, 1883-1963 – Riacho da
Guia, Alagoinhas (BA). I. Santos, Marilécia Oliveira. II. Universidade
do Estado da Bahia.- Departamento de Educação - Campus II. III.
Título.

CDD 320.98142
Dedico este trabalho às minhas irmãs,
maiores incentivadoras, e aos
meus pais, Maria e Tolentino.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, como não poderia deixar de ser, pois me deu forças para chegar
aonde jamais imaginei.
Aos meus pais, que mesmo sem estudo trabalharam duro para que todos os filhos
tivessem oportunidades as quais eles não tiveram. Mesmo sem entender direito o que eu tanto
estudava, e sem poder dar o aporte necessário para manter a minha vida acadêmica, me
ensinaram a lutar pelo que eu queria. Para eles toda a minha gratidão e amor.
Sou grata às minhas irmãs, em especial Diana, Tatiana e Elenice, por todo o incentivo
e apoio que sempre depositaram em mim.
Ao meu marido Daniel, agradeço a paciência de sempre. Sempre compreensivo em
entender os dias que eu não podia sair, nem fazer coisas simples do dia a dia, assim como as
noites em claro que passei afundada nos livros. Um grande companheiro que a vida me deu.
Grandiosamente agradeço à minha orientadora, Marilécia Oliveira. Sou de poucas
palavras em nossas conversas, mas às lagrimas vem aos olhos quando escrevo este
agradecimento, acredito que ela nem imagina o quanto é importante para mim. Mais que uma
orientadora, foi uma incentivadora. Agradeço pela compreensão nos dias difíceis, pela
paciência com a escrita. Obrigada por tudo e por tanto.
Aos meus colegas do mestrado, pelo companheirismo tão importante para os dias
difíceis, pois de várias formas nos ajudamos e incentivamos. Agradeço por ter convivido e
aprendido com vocês nesse período.
Aos professores, à coordenação, e aos técnicos do programa de Pós-Graduação em
História, Cultura e Práticas Sociais, que nos deram o aporte necessário para a realização desta
pesquisa.
RESUMO

Esta dissertação investiga a trajetória do coronel Santinho na cidade de Alagoinhas, no estado


da Bahia. Norteada cronologicamente pelos anos de existência do coronel, de 1883 a 1963, a
abordagem investiga suas relações políticas, comerciais, e familiares no distrito do Riacho da
Guia, região rural de Alagoinhas. O local atuou como foco espacial desta investigação, uma
vez que o coronel Santinho concentrou suas atividades no Riacho da Guia, onde buscou-se
identificar elementos da história do coronelismo por meio da análise das práticas de Santinho
na região. Com o intuito de abranger as principais conjunturas políticas que o coronel
Santinho perpassou durante sua trajetória de vida, este estudo também investiga a sua
participação nas conjunturas da Primeira República e da Revolução de 1930, bem como as
posições políticas que defendeu enquanto esteve em oposição ao governo de Getúlio Vargas,
e posteriormente a sua mudança, com o fim do Estado Novo, ao aliar-se ao partido PSD, a fim
de compreender aspectos do coronelismo desenvolvidos no Riacho da Guia a partir das
condutas de Santinho nesses períodos.

PALAVRAS-CHAVE: Coronel Santinho; Alagoinhas; Riacho da Guia; Bahia; Coronelismo.


ABSTRACT

This dissertation investigates the trajectory of the Santinho colonel in the city of Alagoinhas,
in the state of Bahia. Chronologically orientated by the years of existence of the colonel, from
1883 to 1963. The current approach checks his political, commercial and family connections
in the Riacho da Guia district, rural area of Alagoinhas. The place acted as the focus location
of this research, given that Santinho colonel centered all his activities in Riacho da Guia,
where it was pursued the identification of historical elements of the coronelismo through the
practical analysis of Santinho in the region. With the goal of embracing the principal political
scenario that Santinho colonel passed on during his life journey, this study also looks into his
participation on the First Republic and the 1930’s Revolution context, as well as the political
positions that defended as he stood in opposition of the Getúlio Vargas government, and
subsequent of his change, with the end of the New State, by joining the PSD party, with the
aim of understading the aspects of the coronelismo created in Riacho da Guia from the
behavior of Santinho during this time period.

KEY-WORDS: Coronel Santinho; Alagoinhas; Riacho da Guia; Bahia; Coronelismo.


LISTA DE SIGLAS E ABREVEATURAS

CENDOMA Centro de Memória e Documentação de Alagoinhas.


CPDOC Centro de Pesquisa e Documentação sobre História Contemporânea do
Brasil
DIP Departamento de Imprensa e Propaganda
FGV Fundação Getúlio Vargas
FIGAM Fundação Iraci Gama
IBF Instituto Baiano de Fumo
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
LASP Liga de Ação Social e Política
PSD Partido Social Democrático
UDN União Democrática Nacional
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Localização de Alagoinhas e Riacho da Guia ......................................................... 20


Figura 2 - Planta das terras da família de Santinho .................................................................. 25
Figura 3 - Coronel Santinho, sua esposa Amélia e a filha Alzira ............................................. 31
Figura 4 - Mapa da Província da Bahia séc. XIX ..................................................................... 34
Figura 5 - Município de Alagoinhas em 1855 .......................................................................... 34
Figura 6 - Posição de Alagoinhas em relação ao Estado .......................................................... 38
Figura 7 - Casa comprada por Santinho no Riacho da Guia, 1911 .......................................... 41
Figura 8 - Casa de Santinho após reforma em 1926. ................................................................ 42
Figura 9 - Casa de Santinho na década de 80, após nova recuperação..................................... 43
Figura 10 - Casa de Santinho em 2005 ..................................................................................... 43
Figura 11 - Coronel Santinho no pátio interno de sua residência ............................................. 44
Figura 12 - Ruínas da casa de Santinho em 2021 ..................................................................... 45
Figura 13 - Loja Amélia e casa do administrador .................................................................... 46
Figura 14 - Loja e casa do administrador em 2021 .................................................................. 46
Figura 15 - Concurso do fumo.................................................................................................. 55
Figura 16 - Inauguração do Instituto do Fumo ......................................................................... 56
Figura 17 - Ponte sobre o rio Subauma .................................................................................... 87
Figura 18 - Bodas de ouro de Santinho .................................................................................... 92
Figura 19 - Jornal do coronel Santinho .................................................................................... 98
Figura 20 - Aniversário de Getúlio Vargas ............................................................................ 101
Figura 21 - Prefeito de Inhambupe ......................................................................................... 103
Figura 22 - Propaganda do trapiche de Santinho .................................................................... 104
Figura 23 - Festa de inauguração da eletricidade no Riacho da Guia ................................... 109
Figura 24 - Eleição de Santinho para vereador em 1953 ........................................................ 112
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11
CAPÍTULO 01: CORONEL SANTINHO: ORIGENS REGIONAIS E COMERCIAIS 19
1.1 ORIGENS REGIONAIS E FAMILIARES ........................................................................ 19
1.2 ALAGOINHAS .................................................................................................................. 32
1.3 AS INSTALAÇÕES NO RIACHO DA GUIA .................................................................. 39
1.4 O COMÉRCIO DO FUMO ................................................................................................ 47
CAPÍTULO 02: O CORONEL SANTINHO NAS CONJUNTURAS DA PRIMEIRA
REPÚBLICA E DA REVOLUÇÃO DE 1930...................................................................... 58
2.1 ATUAÇÃO DOS FAMILIARES DE SANTINHO NAS DISCUSSÕES SOBRE A
REPÚBLICA ............................................................................................................................ 58
2.2 ADESÃO DE ALAGOINHAS E RIACHO DA GUIA AO MOVIMENTO
REPUBLICANO ...................................................................................................................... 63
2.3 PRÁTICAS CORONELISTAS DE SANTINHO .............................................................. 66
2.4 PARTICIPAÇÃO DE SANTINHO NA CONJUNTURA DE 1930 ................................. 74
CAPÍTULO 03: CORONEL SANTINHO: OPOSIÇÃO E REDEMOCRATIZAÇÃO.. 81
3.1 EM OPOSIÇÃO ................................................................................................................. 81
3.2 CORONEL SANTINHO NO PERÍODO DO ESTADO NOVO ....................................... 94
3.3 POSIÇÃO POLÍTICA DE SANTINHO NA REDEMOCRATIZAÇÃO ........................ 104
3.4 FINALIZANDO A CARREIRA ...................................................................................... 116
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 122
FONTES ................................................................................................................................ 126
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 128
INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de analisar a trajetória de José Lúcio dos Santos
Silva (1883-1963), popularmente conhecido como coronel Santinho do Riacho da Guia1, na
cidade de Alagoinhas, na Bahia, buscando compreender elementos da história do coronelismo
na região por meio da análise das suas práticas. A discussão desta trajetória não pode passar
ao largo das mudanças políticas ocorridas nas conjunturas em que ele viveu, como a Primeira
República, a Revolução de 1930, o Estado Novo em 1937, e a redemocratização política, em
1945.
Filho de Antônio Lucio dos Santos Silva e Thereza Maria de Jesus, José Lúcio nasceu
em 15 de abril de 1883 na fazenda Prompto, localizada na zona rural de Alagoinhas. Em
1911, mudou-se com a família para o Riacho da Guia, um distrito de Alagoinhas, onde
desenvolveu atividades comerciais relacionadas principalmente ao comércio do fumo. Na vida
política, Santinho iniciou sua carreira como membro do Conselho Municipal de Alagoinhas
em 1907, mesmo ano em que recebeu sua patente de coronel, com 25 anos de idade. Foi
vereador do município por diversos mandatos representando o Riacho da Guia, falecendo em
1963, aos 80 anos de idade.2
Analisar a trajetória do coronel Santinho implica contextualizar todo o período em que
esteve envolvido, assim como compreender os elementos do coletivo e do social da cidade de
Alagoinhas e seus arredores. Edward Hallet Carr, considera que “a sociedade e o indivíduo
são inseparáveis; que são necessários e complementares um ao outro.”3 A trajetória do
coronel Santinho nos oferece essa rica complexidade da relação entre o individual e o social, e
a busca pela reconstituição da experiência de Santinho possibilita conhecer novos aspectos do
passado de Alagoinhas.
Concernente ao viés coronelista desta investigação, uma vertente que exerce grande
influência sobre as discussões em torno do coronelismo é a enfatizada por Victor Nunes Leal,

1
Nesse ponto é necessário esclarecer e diferenciar a trajetória do coronel Santinho de outros homens de mesma
nomenclatura e que tiveram suas trajetórias também analisadas por outros pesquisadores, a saber: a tese de Ceci
Vieira Juruá, Estado e Construção Ferroviária: quinze anos decisivos para a economia brasileira, 1852-1867, a
autora trata do visconde de Pirajá, também conhecido como coronel Santinho, e João José Reis no livro A Morte
é uma festa, também menciona um visconde de Pirajá que era chamado de coronel Santinho. Ver: JURUÁ, Ceci
Vieira. Estado e construção ferroviária: quinze anos decisivos para a economia brasileira, 1852-1867. Tese.
(Doutorado em Políticas Públicas e Formação Humana) – Faculdade de Educação –Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2012.; REIS, João José. A morte é uma festa: Ritos fúnebres e a revolta popular
no Brasil no século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
2
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011.
3
CARR, Edward Hallet. “A sociedade e o indivíduo”. In: CARR, Edward Hallet. Que é História? Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1982, p.67-90.
12

em Coronelismo, enxada e voto, na qual o autor define o coronelismo como um sistema de


troca de compromissos entre o Estado e os coronéis, possibilitado com o advento da Primeira
República e declinante a partir da Revolução de 1930.4 Maria de Lourdes Janotti, no livro O
coronelismo: uma política de compromissos, afirma que o coronelismo se constituía num
encadeamento de tráfico de influências, compromissos recíprocos entre o eleitorado, o
coronel, o poder municipal, estadual e federal, como uma pirâmide de compromissos.
Entretanto, para a autora, as raízes do coronelismo estavam sedimentadas desde o período
Imperial, e com a República o coronel apenas teria ampliado o seu papel dentro da nova
conjuntura política, que com o desenvolvimento da industrialização e urbanização no Brasil,
teria iniciado sua decadência, por volta dos anos de 1940.5
As discussões em torno do tema são variadas. Muitos trabalhos têm contribuído para
produzir evidências sobre o funcionamento e a natureza do coronelismo, e o estudo do tema
continua se renovando, pois, o coronelismo possui características que são peculiares em cada
região em que ele se manifestou. Neste trabalho, investigamos o coronelismo na região rural
de Alagoinhas, mais precisamente no Riacho da Guia, onde o coronel Santinho desenvolveu
relações que se adequam às práticas coronelistas, e que procuramos identificar neste estudo.
Ao tratar do coronelismo adentramos nas questões políticas que lhe envolve, e no que
diz respeito à historiografia, a história política durante décadas foi centrada no estudo de
grandes personalidades, daqueles que estavam no poder, sempre procurando por grandes
feitos e buscando construir uma narrativa heroificada de seus atores. Para René Rémond,

Durante muito tempo censurou-se a história política por só se interessar


pelas minorias privilegiadas e esquecer o povo, as multidões, as massas, o
grande número. Talvez fosse uma censura justificada na época em que os
historiadores políticos se acantonavam na biografia dos notáveis - mas será
que eles o fizeram algum dia? Não se aplica mais, certamente, contra uma
história que pretende integrar todos os atores - mesmo os mais modestos - do
jogo político, e que se atribui como objeto a sociedade global.6

Nessa perspectiva, esse estudo visa investigar a história política a partir da trajetória
do coronel Santinho, que foi um homem aparentemente comum no seu grupo social, assim
como tantos outros na cidade de Alagoinhas, mas que conseguiu ganhar destaque e certa

4
CPDOC. Verbete do coronelismo. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
tematico/coronelismo. Acesso em: 05 fev. 2022. ver: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o
município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Editora Alfa- Ômega, 1948.
5
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1981.
6
REMOND, René. Por uma História Política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p.19.
13

visibilidade no cenário político da cidade, através do título de coronel e de tudo que ele
abarcava.
Este estudo também tem um traço biográfico, na medida em que busca nortear o
trabalho com as características biográficas do coronel. Para Vavy Pacheco Borges, a biografia
se configura como um caminho para conhecer não somente uma pessoa, como também uma
época, a sociedade em que ela viveu, como uma fonte de conhecimento do ser humano por
meio da qual percebe-se a sua grande variedade em tempos e espaços diferentes, e que a vida
do biografado fornece pistas para outras fontes, pois carrega uma multiplicidade de
características de uma época.7
Para Pierre Bourdieu, seria uma ilusão tratar a trajetória de vida como um relato
coerente e sequencial, porque “o real é descontínuo” e a história de vida é imprevista, de
forma que para compreendermos uma trajetória é necessário analisar o seu espaço de
construção, o campo no qual ela se desenrola, e as relações que a envolve, pois cada indivíduo
age de forma diferente, de acordo com o campo e espaço que ele se relaciona.8
Dessa forma, o recorte temporal deste trabalho tem como ponto de partida o
nascimento do coronel Santinho, em 1883, avançando para o momento da sua ascensão
política, até o seu falecimento em 1963. A priori, a intenção era tratar de um recorte temporal
menos extenso, entretanto, em se tratando do momento de dificuldade vivido em virtude das
medidas de isolamento social em face da pandemia da Covid-19, que impediu o acesso a
algumas fontes, optamos por manter o recorte temporal que se refere a toda a trajetória de
vida do coronel Santinho, pois de outra forma, haveria lacunas na construção desta
dissertação. Ainda que em alguns períodos permaneçam algumas lacunas, em virtude mesmo
da dificuldade apontada anteriormente.
Em se tratando do recorte espacial, este estudo se debruça sobre a cidade de
Alagoinhas, que surgiu em meados do século XIX. A cidade que teve seu crescimento
associado principalmente à chegada da linha férrea em 1863, se tornou no início do século
XX uma das cidades mais importantes da economia baiana.9 Atrelado a cidade de Alagoinhas,
tratamos também do Riacho da Guia, local onde Santinho residiu com a família a maior parte
de sua vida, e que possibilitou ao coronel considerável aumento de seu poder político e
econômico. Ademais, o Riacho da Guia tornou-se importante neste estudo por ser o centro das

7
BORGES, Vavy Pacheco. “Grandezas e misérias da biografia”. In: PINSKY, Carla (org.). Fontes históricas. 3ª
ed. São Paulo: Contexto, 2011, p.214-215.
8
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaina & FERREIRA, Marieta M. (orgs.). Usos e
abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. p.185.
9
LIMA, Keite Maria Santos do Nascimento. Entre a Ferrovia e o Comércio: Urbanização e Vida Urbana em
Alagoinhas (1868-1829) Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.
14

relações de poder que o coronel mantinha nas diversas esferas de sua vida, e por estar
enraizado também em seu próprio nome, pois era conhecido por todos que conviveu como
coronel Santinho do Riacho da Guia.
O interesse pela temática surgiu da necessidade de um estudo mais aprofundado sobre
a trajetória do coronel Santinho, e a intenção com esta dissertação de mestrado foi realizar um
estudo mais específico sobre a participação do coronel no meio político e econômico da
região. O primeiro contato com o tema ocorreu por meio de uma exposição de objetos e
documentos do coronel, que foram doados pela família para a Fundação Iraci Gama de
Cultura (FIGAM), localizada em Alagoinhas, em meados de 2014. Destacamos que esta
pesquisa teve início com a monografia, que tinha em vista trabalhar com a documentação
existente naquela fundação. Entretanto, no referido Trabalho de Conclusão de Curso de
Licenciatura em História10, houve dificuldades no manuseio da documentação que ainda não
estava catalogada naquele período.11 Dessa forma, me propus a analisar, na monografia,
aspectos da vida do coronel Santinho tomando como fonte principal a memória construída
sobre ele por seus familiares, a saber, o livro Coronel Santinho do Riacho da Guia12, de
autoria de sua neta, Maria Da Guia Silva Lima.13
Neste estudo atual, procuramos fazer uma análise da trajetória do coronel com
intermédio de novas fontes. Todavia, a memória ainda é uma parte importante desse estudo,
pois foi responsável por nortear a condução deste trabalho, fornecendo pistas que
perseguimos. Entretanto, a tarefa de analisar a reconstrução do passado por meio da memória

10
DIAS, Fabiana dos Santos. Nos Rastros da Memória: Coronel Santinho do Riacho da Guia pelo olhar de Maria
da Guia Silva Lima (1883-1963). Monografia. Licenciatura em História pela Universidade do Estado da Bahia-
UNEB Campus II, Alagoinhas, 2017.
11
Não sabemos ao certo se a documentação referida já foi catalogada, para este trabalho não conseguimos acesso
à documentação, pois a instituição se manteve fechada em razão da pandemia de Covid-19.
12
No livro Coronel Santinho do Riacho da Guia, Maria da Guia retrata a trajetória de vida do coronel Santinho,
desde o seu nascimento à sua morte, em uma narrativa repleta de detalhes minuciosos sobre a vida familiar,
econômica e política do coronel, baseadas nas suas memórias, e também nas de familiares e moradores do
Riacho da Guia. O livro também conta com um posfácio escrito por Wilis Filho, bisneto primogênito do coronel.
A obra teve sua primeira edição publicada em 1997, em versão alemã, e em 2011, ano que completaria 100 anos
da chegada do coronel ao Riacho da Guia, a autora publicou uma versão em português, uma edição revisada e
com acréscimos.
13
Maria da Guia iniciou o curso secundário no Ginásio de Alagoinhas, e terminou os estudos no colégio
Imaculada Conceição em Fortaleza. Formou-se em medicina, pela Universidade Federal do Ceará em 1960,
recebendo medalha de ouro por se classificar em primeiro lugar nos estudos, e bolsa de estudos na Santa Casa de
Misericórdia do Rio de Janeiro. Em 1962 foi admitida como professora assistente da UFC, trabalhou no Instituto
Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e defendeu sua tese de doutorado no Departamento de Bioquímica no centro
de Estudos Nucleares de Grenoble, na França. Foi chefe do Departamento de Bioquímica por quatro mandatos,
bolsista do CNPq, publicando artigos em revistas científicas nacionais e internacionais. Atualmente Maria da
Guia é aposentada como professora titular de Bioquímica na Universidade Federal do Ceará (UFC). (Dados
extraídos do livro Coronel Santinho do Riacho da Guia).
15

encontra vários fatores e questionamentos que necessitam ser feitos, pois para analisar a
memória é necessário considerar o contexto social como sua base de reconstrução.
No livro Coronel Santinho do Riacho da Guia, observamos que as memórias sobre o
coronel partiram não apenas da autora, mas também do grupo familiar e de moradores do
Riacho da Guia, de forma que a narrativa presente no livro se constitui como uma memória
familiar ou coletiva. De acordo com as contribuições de Maurice Halbwachs, relacionado a
categoria de “memória coletiva”, a memória resulta de um processo coletivo, com um
contexto social específico, pois o indivíduo que lembra e rememora está sempre inserido em
um grupo social, de forma que a memória se constitui coletivamente, estando sujeita a
mudanças e transformações constantes.14 Entendemos que a construção da memória familiar
depende do ponto de vista de quem a escreve, podendo ser escrita em favor de um ideal, ou
para resgatar uma identidade ou identificação como descendência de alguém que teria sido
importante, como podemos observar na narrativa presente no livro de Maria da Guia.15
Cabe destacar alguns trabalhos de historiadores locais que, em suas investigações,
mencionaram o coronel Santinho. Keite Maria Santos Lima, no artigo Coronel Saturnino da
Silva Ribeiro: de caixeiro a intendente. Alagoinhas–Ba (1905-1937), descreveu o coronel
Santinho como figura importante da política local, ao tratar dos laços mantidos por Saturnino
Ribeiro com os políticos da região;16 Ede Ricardo de Assis Soares, na dissertação Os
Comunistas e a Formação da Esquerda (Alagoinhas, 1945-1956), identificou o coronel
Santinho como integrante do partido PSD (Partido Socialista Democrático), e como o político
mais poderoso do Riacho da Guia17; e na tese de doutorado de Eliana Evangelista Batista,
intitulada A Bahia para os baianos - Acomodação e reação política ao Governo de Getúlio
Vargas (1930-1937), a autora retratou o coronel Santinho como um dos maiores produtores de
fumo da região, e maior rival político do prefeito Mário Cravo.18 Todos esses estudos
inseriram em suas análises a participação de Santinho na política da região. Entretanto, são

14
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2013, p. 43.
15
BARROS, Miriam Moraes Lins de. Memória e Família. Rio de Janeiro: Estudos Históricos, 1989.
16
LIMA, Keite Maria Santos do Nascimento. Coronel Saturnino da Silva Ribeiro: de caixeiro a intendente.
Alagoinhas – Ba (1905-1937). In: XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Conhecimento histórico e
diálogo nacional, Natal/RN, 2013. Disponível em:
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1365196912_ARQUIVO_KEITENASCIMENTO.pdf Acesso
em: 22 mar. 2022.
17
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os Comunistas e a Formação da Esquerda (Alagoinhas, 1945-1956).
Dissertação. (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2013.
18
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos. Acomodação e reação política ao governo de
Getúlio Vargas (1930-1937). Tese. (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.
16

estudos que investigam outros temas da história local de Alagoinhas e da Bahia, de forma que
não há um aprofundamento específico na trajetória do coronel.
Nessa perspectiva, esta investigação se propõe a analisar a trajetória do coronel
Santinho com um olhar mais detido, buscando compreender mais as características da sua
trajetória. Para isso, utilizamos como fontes dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a fim de compreendermos a estrutura rural e urbana de Alagoinhas, seu
contingente populacional, e as questões relacionadas a economia e agricultura da região no
período estudado. Algumas atas da Câmara Municipal de Alagoinhas também foram
analisadas, para entender a atuação política do coronel em alguns dos mandatos de vereador
que exerceu.
Os jornais locais também foram de suma importância para este estudo, pois
permitiram observar quais as visões sobre coronel Santinho veiculadas nestes periódicos na
localidade, e também para identificar aspectos políticos da cidade nas diversas conjunturas
que cobrem o período analisado. Dessa forma, utilizamos o jornal Correio de Alagoinhas, o
Jornal O Nordeste, o Jornal O Popular, o Alagoinhas Jornal, e o Jornal de Alagoinhas, este
último que pertenceu ao próprio coronel Santinho e nos deu informações importantes sobre
suas posições políticas. Para tratar dos momentos posteriores a Revolução de 1930, utilizamos
periódicos digitalizados, encontrados nos sites da Fundação Getúlio Vargas, da Hemeroteca
Digital e do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, a saber, o jornal A Batalha (RJ), À
Tarde (BA), Diário de Notícias (RJ), Jornal do Brasil (RJ), Correio da Manhã (RJ), A Pátria
Baiana (BA).
Cabe destacar que os jornais, assim como outros meios de comunicação, tornaram-se
importantes fontes documentais para o historiador na medida em que se apresentam como
ferramentas capazes de desvendar aspectos importantes das relações sociais de uma época. O
emprego da imprensa nos estudos tem se intensificado em diversas áreas do conhecimento
humano. “Nos diversos campos de pesquisa, da comunicação à semiótica, da crítica literária à
educação, a imprensa aparece como fonte e também como objeto de pesquisa.”19 Na
investigação histórica, a utilização de jornais está cada vez mais generalizada, pois houve uma
maior valorização dos jornais como fonte pela historiografia, sobretudo nas últimas décadas.
A parcialidade presente nos jornais, e que foram aspectos que restringiam seu uso como fonte
histórica pelas desconfianças das narrativas que portavam, hoje são vistas como importantes

19
CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na Oficina do Historiador: conversas sobre
História e imprensa. Projeto História, São Paulo, n.35, p.253-270, dez. 2007.
17

para adentrar na arena das disputas dos grupos que os veículos estiveram vinculados em seu
período de circulação.
Destaca-se também como fontes para esta pesquisa os livros de memórias locais, que
nos forneceram uma compreensão mais abrangente das questões que envolvem o social, o
político e o econômico da cidade de Alagoinhas, a exemplo do livro Alagoinhas e seu
Município de Américo Barreira20, importante memorialista que escreveu sobre a história da
cidade do seu nascimento aos primeiros anos da República. Américo Barreira foi redator do
jornal Diário de Notícias em Salvador, e redator chefe do jornal O popular de 1901 a 1910,
em Alagoinhas.21 Médico, ele mudou-se para a cidade em 1897, com a função de dar
assistência aos prisioneiros da guerra de Canudos, atendidos em Alagoinhas, onde também
acompanhava de perto as epidemias que assolavam a cidade, principalmente a varíola, que
ocasionou milhares de falecimentos na região, entre os anos de 1886 a 1890.22 Em seu livro,
ele conta a história de Alagoinhas principalmente através de memórias, muitas das quais
foram testemunhadas pelo próprio autor.
Salomão Barros foi outro importante memorialista que escreveu sobre a cidade de
Alagoinhas. Segundo Thales de Azevedo23, que escreveu o prefácio do livro de Salomão
Barros, ele nasceu em 7 de junho de 1899, foi funcionário público, telegrafista, gráfico e
jornalista.24 Escreveu sobre Alagoinhas tomando como base dados de noticiários locais,
principalmente de O Popular e do Diário Popular, dos quais foi redator. Em seu livro Vultos
e feitos do município de Alagoinhas, ele se propôs a escrever sobre personagens e episódios
da cidade desde o final do século XVIII, descrevendo nomes, datas, lugares e acontecimentos
específicos da cidade. Sua obra aborda aspectos do desenvolvimento urbano da cidade, os
aspectos econômicos, políticos e sociais da vida urbana, e toma como referência o livro de
Américo Barreira, com a perspectiva de dar continuidade ao trabalho do mesmo.

20
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Typografia do Popular, 1902.
21
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979, p.298.
22
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Typografia do Popular, 1902, p.155.
23
Thales Olympio Góes de Azevedo nasceu em 1904 na cidade de Salvador, na Bahia. Na juventude seguiu
carreira médica, doutorando-se em 1927 pela Faculdade de Medicina da Bahia. Ainda estudante de medicina,
começou a escrever na imprensa local. Foi revisor do Diário Oficial da Bahia, do Diário da Bahia e do jornal A
Tarde. Em1949, escreveu “Povoamento da Cidade de Salvador”, obra que o credenciou para a dirigir a primeira
Cadeira de Antropologia e Etnografia do Brasil, na Faculdade de Filosofia da Bahia. A partir de então, Thales de
Azevedo tornou-se um dos antropólogos e etnólogos mais importantes do Brasil. Publicou vários trabalhos,
muitos dos quais baseados em pesquisas originais. Colaborou como professor e pesquisador em diversas
instituições científicas e culturais, na Bahia e em outros estados, e também ocupou cargos de projeção nacional
durante sua carreira, falecendo em 1955. Disponível em: http://ilustresdabahia.blogspot.com/2014/12/thales-de-
azevedo.html. Acesso em: 12 jul. 2022.
24
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979, p.06.
18

Outro livro de memórias que foi importante para este trabalho é Coronel Santinho do
Riacho da Guia, de Maria da Guia Silva Lima, que carrega as memórias de familiares sobre o
coronel Santinho, e relata a trajetória do coronel desde seu nascimento ao seu falecimento,
possibilitando a compreensão da estrutura familiar, econômica e política do coronel. O livro
também traz em anexo, nas suas últimas páginas, cópias de documentos pessoais do coronel,
fotografias da família, manchetes de jornais, bem como correspondências com políticos, que
também foram utilizadas como fonte para este trabalho.
As memórias de Joanitta Cunha, em Traços de Ontem, também nos permitiram
entender o cenário da cidade de Alagoinhas na primeira metade do século XX. Na obra a
autora rememora a sua vida familiar na cidade, desde a sua infância até a juventude e
casamento, onde também retrata aspectos da sociedade local, bem como sua estrutura
econômica, urbana e política. Seu trabalho permite adentrar nas características da sociedade
alagoinhense naquele período.
O resultado deste estudo foi dividido em três capítulos, que procuram seguir uma
ordem cronológica a partir da trajetória de vida do coronel Santinho. O primeiro capítulo tem
como título Coronel Santinho: origens regionais e comerciais, onde buscamos entender os
elementos da trajetória de vida do coronel desde o momento anterior ao seu nascimento,
atrelados a zona rural de Alagoinhas, sobretudo o Riacho da Guia, objetivando entender as
origens regionais e familiares das quais ele veio, bem como a importância que a localidade
conferiu à sua carreira comercial na produção e comercialização do fumo.
O Segundo capítulo tem como título O Coronel Santinho nas conjunturas da Primeira
República e da Revolução de 1930, em que fazemos uma análise de dois períodos de mudança
na política brasileira, a Primeira República e a Revolução de 1930, onde investigamos a
entrada de Santinho no cenário político da Primeira República, bem como suas práticas
coronelistas, e por conseguinte, o seu envolvimento nas discussões políticas do movimento
revolucionário de 1930, objetivando compreender as posições políticas assumidas pelo
coronel naquele contexto.
No terceiro capítulo intitulado Coronel Santinho: oposição e redemocratização
política, analisamos o período posterior a Revolução de 1930, quando o coronel Santinho
esteve em oposição, buscando compreender aspectos daquele momento vivido por ele e o
possível impacto nas suas relações comerciais e políticas. Posteriormente tratamos do
momento de redemocratização eleitoral em 1945, e da escolha do coronel de se colocar a
favor do governo, em contradição com os anos em que esteve em oposição, seguindo para os
últimos anos do coronel Santinho e a continuidade da sua atuação na política local.
19

CAPÍTULO 01: CORONEL SANTINHO: ORIGENS REGIONAIS E COMERCIAIS

Discorrer sobre o coronel Santinho sem mencionar suas origens regionais significaria
ignorar suas raízes, uma vez que os locais em que ele viveu permaneceram entrelaçados em
sua história, como o seu lugar de pertencimento. Assim, trataremos neste capítulo das
principais localidades que Santinho viveu e se relacionou: Riacho da Guia e Alagoinhas, com
a problemática de entender o panorama regional que caracterizou a imagem de Santinho como
coronel, buscando reconstituir aspectos do ambiente social em que ele nasceu, seus laços
familiares, e o período inicial do seu crescimento econômico. Para este capítulo utilizamos
como fontes principais o livro de memórias Coronel Santinho do Riacho da Guia, dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e livros de memorialistas da região.

1.1 ORIGENS REGIONAIS E FAMILIARES

Um território se configura como uma área delimitada sob uma posse, seja de uma
pessoa ou de um grupo, de uma organização ou instituição, que corresponde a área de um
país, de um estado ou de um município.25Ao trabalhar com a cidade de Alagoinhas, na Bahia,
buscamos analisar não somente a cidade como um espaço territorial histórico, como também
o ambiente rural, identificando ambos como espaços de formação de identidade. De acordo
com Milton Santos, “é o uso do território, e não o território em si mesmo, que faz dele objeto
de análise social.”26 Nessa perspectiva, o objeto de análise deve ir além do território,
destacando as articulações existentes nesse espaço, e os atores sociais que dele se apropriam.
O território de Alagoinhas possuía, até os anos de 1950, uma área correspondente a 1449 km²,
fazendo limite com os municípios de Catu, Entre Rios, Inhambupe, Irará, Mata de São João,
Pojuca e Santo Amaro. O município se dividia em cinco distritos, Alagoinhas, Araçás, Boa
União, Aramari e o Riacho da Guia.27
Nesse momento, concentraremos essa investigação no distrito do Riacho da Guia. A
localidade teve significativa contribuição na trajetória do coronel, considerando que favoreceu
o seu desenvolvimento econômico, e que foi onde criou seus laços familiares. Foi nesta
localidade que José Lucio dos Santos Silva, o coronel Santinho, conviveu a maior parte da sua

25
TERRITÓRIO. Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/territorio. Acesso
em: 22 mar.2022.
26
SANTOS, Milton. “O retorno do território”. In: SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura; SOUZA, Maria
Adélia (org.) Território– Globalização e Fragmentação. São Paulo, Hucitec/Anpur, 1994.
27
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de
Janeiro, 1958, p.22. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br. Acesso em: 23 jan. 2022.
20

vida. Nasceu em 15 de abril de 1883, na fazenda Prompto, pertencente a seus pais, que se
localizava nas proximidades do distrito. Após formar sua família Santinho passou a residir de
fato no Riacho da Guia. Assim, ao tratar do Riacho da Guia adentraremos também nas origens
familiares e nas questões políticas e econômicas que envolveram a trajetória do coronel, pois
todas estiveram entrelaçadas no seu espaço de convivência.
O Riacho da Guia está localizado à vinte e sete quilômetros da cidade de Alagoinhas. 28
Na imagem 01, podemos observar um mapa que destaca a distância entre a cidade e o distrito
do Riacho.

Figura 1 - Localização de Alagoinhas e Riacho da Guia

Fonte: Google (2022). Alagoinhas. Google Maps. Disponível em: https://www.google.com/maps

De acordo com Américo Barreira, memorialista que escreveu sobre a cidade de


Alagoinhas em 1902, o surgimento inicial da localidade do Riacho da Guia se deu em um
período relativamente próximo àquele da fundação do próprio município de Alagoinhas.
Segundo ele,

Os tropeiros e negociantes de porcos, vindos do Inhambupe e de outros


pontos do Norte, costumavam estacionar à margem direita do rio Subaúma,
entre este e o riacho Tombadoiro, sendo ahi construído um rancho de
comboieiros. Por ser este ponto obrigado de pousada, lembrou-se alguém de
se estabelecer ahi com uma pequena bodega para vender caxaça e outros

28
Ibidem, p.21.
21

gêneros de mais fácil procura, isso mais ou menos na época da fundação de


Alagoinhas Velha. Logo se foram fazendo algumas casas e edificaram uma
capelinha, que a cerca de 20 anos foi reconstruída e aumentada.29

Existe uma carência de estudos relacionados a história rural da região. A historiografia


que trata sobre Alagoinhas enfatiza o seu desenvolvimento econômico e urbanístico, cujas
abordagens se concentram no processo de modernização da cidade e no crescimento do
comércio, principalmente após a chegada da linha férrea em 1863, mas com pouca abordagem
sobre o meio rural da região. Cabe destacar que o ambiente rural teve importante participação
no crescimento econômico da cidade, por meio das atividades agrícolas e agropecuárias que
eram responsáveis pela distribuição de produtos de primeira necessidade e de exportação.
A julgar pela historiografia que trata da região e da Bahia como um todo,
identificamos que a maioria da população urbana e também rural vivia em situação de
pobreza. Reportando a análise para o século XIX, podemos observar a desigualdade
econômica que existia no meio rural, relacionada ao acúmulo de riqueza nas mãos de poucos.
Walter Fraga Filho, ao analisar as desigualdades sociais na província da Bahia e no
Recôncavo nesse período, afirmou que a Bahia era uma sociedade muito desigual no que diz
respeito à distribuição de riquezas. Segundo ele, apenas 5% da população deixava inventário
após a morte, porque a maioria, principalmente os escravizados e livres ou libertos, viviam em
extrema pobreza.30
Ainda segundo Walter Fraga Filho, as diferenças sociais se aprofundaram ainda mais
no século XIX, por conta dos momentos de crise econômica que sobrevieram a província da
Bahia, a partir de uma instabilidade econômica que provinha das relações de dependência
com um mercado externo instável. A crise atingiu a camada mais pobre da população de
diversas formas, principalmente na carestia dos alimentos de primeira necessidade, levando a
um agravamento da pobreza. Para além disso, ele também afirma que no período aconteceram
epidemias e secas seguidas de chuvas extensas, que aprofundaram ainda mais essas
dificuldades, e que no meio rural, por volta de 1889, nas proximidades de Cachoeira, a fome
fez com que bandos de famintos atacassem propriedades e roubassem as plantações, situações
que expunham as contradições de uma sociedade desigual.31

29
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Tipografia do Popular, 1902. p. 217.
30
FRAGA FILHO, Walter. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. São Paulo/Salvador:
Editora Hucitec; EDUFBA, 1996.
31
Ibidem, p.17-24.
22

Ao que tudo indica, na região de Alagoinhas a situação era semelhante nesse período,
mesmo entre aqueles que já viviam nas lavouras da região, pois de acordo com as
investigações de crimes de furto em Alagoinhas e Inhambupe, feitas por Antônio Hertes de
Santana, na segunda metade do século XIX o furto era o segundo crime mais frequente na
região, ficando atrás apenas dos crimes de homicídio. A maioria dos bens furtados eram
animais de grande porte, objetos de valor, e produtos retirados diretamente da terra, como
raízes de mandioca. Segundo o autor, de todos os processos crimes analisados, a grande
maioria dos réus eram livres ou libertos que afirmavam viver da lavoura.32 Assim, as
autoridades locais buscaram agir no sentido de garantir a ordem, que nesse caso significava
manter as relações de dependência dos trabalhadores livres ou libertos com os proprietários de
terras.33
Analisando os dados do recenseamento do Brasil em 1872, observamos que na Bahia,
a maioria da população era composta por lavradores ou criadores, porém, a maior quantidade
estava relacionada àqueles identificados como “sem profissão”. Em Alagoinhas, a população
do período era de 17.076 habitantes, e a maior parcela populacional era composta por livres
ou libertos. Dentre as outras profissões destacadas, como advogados, médicos, comerciantes,
entre outros, a maioria das pessoas se encaixava na categoria dos “sem profissão”. 34 Podemos
pensar que, essa população era aquela que trabalhava nas lavouras, nas grandes e médias
fazendas das zonas rurais, ou aquelas que viviam da mendicância nas cidades, ou seja, a
população pobre.
Ao caracterizar como profissionais agrícolas os lavradores e criadores, é provável que
o censo estivesse se referindo aos proprietários de terras e de cabeças de gado, e não aos
trabalhadores braçais das fazendas agrícolas ou agropecuárias. Podemos inferir que a maioria
da população da região de Alagoinhas não possuía meios de trabalho ou uma profissão que
garantisse o seu sustento, e ao mesmo tempo, o ambiente rural poderia ser, nesses casos, o
principal meio de vida encontrado por essa parcela da população, que provavelmente não
tinha muitas opções.
De acordo com os estudos de Antônio Hertes de Santana, na região de Alagoinhas,
eram considerados ricos todos aqueles que trabalhavam com a produção agrícola voltada para

32
SANTANA, Antônio Hertes Gomes de. Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho em
Alagoinhas e Inhambupe (1860-1890). Dissertação. (Mestrado em História) – Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015.
33
Ibidem, p.74.
34
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Recenseamento do Império do Brasil em 1872.
Biblioteca do IBGE, Rio de Janeiro, 1872. Disponível em: Recenseamento Geral do Brazil 1872 (ibge.gov.br).
Acesso em: 25 maio. 2022.
23

o consumo interno e a exportação, que mantinham a criação de gado, e que possuíam mão de
obra escrava, livre ou liberta. Segundo o autor, mesmo aqueles que possuíam poucos escravos
eram considerados como ricos.35 Entendemos que a pobreza da população refletia na
caracterização de rico mesmo para aqueles que possuíam pouca quantidade de bens, pois
como reflexo da grande desigualdade em que a população vivia, possuir alguns bens
significava riqueza, em comparação com aqueles que viviam em extrema pobreza.
Não temos documentação que nos permita medir o grau de pobreza ou riqueza da
população do Riacho da Guia nesse período. Entretanto, em 1902, Américo Barreira
descreveu o Riacho da Guia como um local simples, com engenhos antes prósperos mas que
estavam abandonados, boas fazendas de gado e moradores humildes, e que poucos eram
saudáveis, a julgar por aqueles que iam se consultar com o médico em seus relatos.36
Provavelmente o distrito não tinha outras formas de renda, exceto alguns pequenos engenhos
que continuaram a vender “raspaduras do quizambu”, que de acordo com Barreira, eram
famosas na região. Entendemos assim, que a população do Riacho da Guia era desprovida de
bens valiosos, e que a maioria estava provavelmente submetida ao poder dos grandes e
médios fazendeiros da região.
Relacionado a este grupo de fazendeiros rurais, considerados como ricos, destacamos
Antônio Lucio dos Santos Silva, o pai do coronel Santinho, que não viveu propriamente no
distrito do Riacho da Guia, mas mantinha terras nas proximidades. A atividade de Antônio
Lucio naquela região estava voltada para agricultura, em que se dedicava a plantação de
mandioca, milho, feijão, e também do fumo. Além da agricultura, ele também trabalhava com
a criação de gado.37
A julgar pela desigualdade social existente no século XIX, os pais de Santinho
provavelmente vinham de uma família abastada, ou que acumulou alguma riqueza. Em meio
aos pertences do coronel, doados pela família à Fundação Iraci Gama, consta um documento
referente à quitação de venda de um escravo, deixado em inventário pelo avô de Antônio
Lucio da Silva, datado de 4 de maio de 1882, na fazenda Patioba. Antônio Lucio recebeu
como herança um escravo por nome Eduardo, e o documento se refere à venda do mesmo,
provavelmente a um parente próximo, o que fica explícito quando é relatada a frase “nosso

35
SANTANA, Antônio Hertes gomes de. Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho em
Alagoinhas e Inhambupe (1860-1890). Dissertação. (Mestrado em História) – Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2015, p.22.
36
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Tipografia do Popular, 1902, p.21.
37
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p.16.
24

avô” no documento.38 Não temos conhecimento sobre a quantidade de escravos que a família
de Santinho mantinha na região, mas a julgar pela indicação de riqueza do período, que
estava, entre outras coisas, no fato de possuir escravos, é provável que a família tivesse outros
escravos além do identificado no registro da família.
As raízes familiares de Santinho nas terras que correspondiam a zona rural do
município de Alagoinhas eram antigas. Segundo Maria da Guia, concernente a propriedades
de terras, o documento familiar mais antigo é datado de 1852, e faz referência à venda da
fazenda Prompto, pelo capitão Joaquim José da Costa a Manoel Ferreira de Sant’Anna, que
era o avô de Antônio Lucio, portanto bisavô de Santinho. Em 1894, as mesmas terras
pertenciam a José Domingos Pereira, que provavelmente as comprou de Manoel Ferreira de
Sant’Anna, e novamente as vendeu a Antônio Lucio da Silva, pai do coronel Santinho.39As
terras da fazenda Prompto posteriormente passaram a pertencer a Santinho, desta vez como
herança dos pais, pois o censo rural do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
menciona o coronel Santinho como seu proprietário no ano de 1920.40
De acordo com Maria da Guia, a fazenda Patioba também foi comprada pela família
de Santinho em 1897. As terras de Firmino Joaquim de Sant’Anna, tio de Santinho ficavam
em frente às do irmão, Antônio Lucio, indicando os laços familiares presentes na região,
como consta na planta das terras de Santinho demonstrada a seguir, executada pelo
agrimensor Joaquim Marcos de Souza Bastos, em que são descritas as terras da família, com
seus relevos e limites com outras propriedades.41

38
O documento aparenta ser um recibo de quitação, e encontra-se na Fundação Iraci Gama de Cultura, em
Alagoinhas, assim como outros documentos referentes ao coronel.
39
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p.17.
40
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Recenseamento do Brasil. Relação dos proprietários
dos estabelecimentos rurais recenseados no Estado da Bahia, Rio de Janeiro, 1920. p.25. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=217715&view=detalhes. Acesso em: 25 mai.
2022.
41
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p.18.
25

Figura 2 - Planta das terras da família de Santinho

Fonte: Lima, 2011

Além de possuir bens materiais consideráveis para os padrões da época, é provável


que Antônio Lucio também tivesse uma boa relação com as autoridades locais, pois possuía
patente de Tenente do Segundo Esquadrão da Guarda Municipal da Comarca de Alagoinhas,
assinada pelo presidente Floriano Peixoto em 1894.42 Esses cargos provavelmente não eram
distribuídos entre pessoas despossuídas de bens materiais, mas para aquelas que se
destacavam na sociedade, tanto por meios materiais quanto pelas articulações sociais e
políticas.
Essa influência também passava por Firmino Joaquim de Sant’Anna, irmão de
Antônio Lucio, que era conhecido como major Joaquim.43 Salomão Barros, ao enumerar os
cidadãos que exerceram mandatos no executivo municipal de Alagoinhas, em seus primeiros
exercícios desde que empossada em 2 de julho de 1853, na composição da primeira câmara de
conselheiros, destaca dentre outros senhores, Firmino Joaquim de Sant’Anna, em um de seus
primeiros mandatos.44 A atuação do irmão de Antônio Lúcio nas relações políticas do período

42
O referido documento tem uma cópia anexada ao final do livro “Coronel Santinho do Riacho da Guia”.
43
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 16.
44
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979. p. 177.
26

reafirma a ideia de que a família de Santinho possuía lugar de destaque no ambiente rural
daquela região.
Em relação às origens dos pais de Santinho, Maria da Guia assevera que o pai dele era
um português tranquilo, que gostava de um bom vinho e que tinha forte influência econômica
e política. Já a mãe de Santinho, Thereza, ou dona “Tetê”, foi descrita como uma mulher de
personalidade forte, que era conhecida como valente em suas decisões, que portava sempre
“uma garrucha na cintura”, e acordava todos os moradores muito cedo para rezar o Ofício da
Virgem Maria, antes de realizarem o trabalho no campo.45 Percebe-se que Maria da Guia
atribui características a seus descendentes que denotam um destaque, descrevendo o pai de
Santinho como um político com forte influência, e a mãe uma mulher forte, que também
mantinha certa autoridade sobre os moradores próximos.
Destaca-se que nos textos memorialísticos, como o de Maria da Guia, a escrita é mais
livre, e muitas histórias são reproduzidas através da oralidade, por integrantes da família, e no
já citado livro de memórias sobre o coronel Santinho é possível identificar momentos em que
a autora recorre à oralidade familiar para relatar alguns episódios vividos por sua família,
como no caso da descendência da mãe de Santinho. Assim ela discorre:

Sobre a mãe, Thereza Maria de Jesus, era dito á boca pequena ser uma
(cigana) (...) O depoimento de parentes remotos permitiu a seguinte
reconstituição: no tempo da construção da estrada de ferro de Alagoinhas em
direção ao rio São Francisco, um português Antônio de Souza Peixoto
ganhara dinheiro participando da execução e fora então habitar na localidade
(...) um dia, passou pela região um bando de ciganos que acampou nas
redondezas. Entre eles havia uma cigana jovem, que despertou o desejo de
Peixoto (...) algum tempo depois, localizou o bando no povoado conhecido
como Levada (...) não demorou muito para sair de levada com a ciganinha de
volta para a Roncaria. Da união de Peixoto com a ciganinha nasceu uma
menina, e assim organizou-se a vida familiar do casal (...), mas um dia, o
bando saiu mansamente da cidade e com ele seguiu a cigana tão
ousadamente conquistada. Ela deixou, porém a filhinha (...) esta menina
metade portuguesa metade cigana viria a ser a avó ou mãe de Thereza Maria,
a futura mãe do Coronel Santinho.46

Segundo este registro, por muito tempo o assunto da descendência da mãe do coronel
foi silenciado na família, talvez por vergonha das origens familiares, que contrastavam com a
origem dita portuguesa do pai de Santinho. No entanto, percebe-se que é um relato confuso
até mesmo para Maria da Guia, por ser uma história antiga, em que não há certeza de como

45
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011, p. 16.
46
Ibidem, p.20.
27

ocorreu. A própria autora afirma não saber se a história se referia à mãe ou a avó do coronel
Santinho. Isso também pode endossar o que ela afirmou sobre o assunto ser tratado a “boca
pequena”, afinal provavelmente não era uma origem considerada nobre, primeiro por se tratar
de uma descendência que resultava de um rapto, e segundo pela ascendência cigana, e talvez
por isso o ramo português tenha sido o mais enfatizado. Cabe destacar que a oralidade foi
importante neste resgate da história familiar feito por Maria da Guia.
Vindo de uma família já envolvida no meio político, é possível identificar que
Santinho foi preparado desde cedo para o exercício da vida política. Com o provável intuito
de fazer um sucessor, ainda criança Santinho foi enviado pelos pais para estudar na cidade de
Aporá, com o propósito de aprender latim, religião e aritmética, que era a base intelectual para
pessoas de sua condição social, e mais tarde foi mandado a Salvador, para estudar no Colégio
Interno do Mestre Carneiro Ribeiro, indicando uma preocupação da família em relação a sua
educação, provavelmente com a intenção de dar continuidade às atividades de Antônio Lucio,
que como vimos ocupava postos e funções de destaque na ocasião.
Ainda de acordo com Maria da Guia, no período em que Santinho estudava no
internato, no colégio Mestre Carneiro Ribeiro, nunca houve registro de queixas sobre o
desenvolvimento intelectual do mesmo, porém, logo ele teria conseguido entrar em atrito com
o diretor da escola, quando junto a colegas, compôs um poema apaixonado para a filha do
diretor. Segundo ela, “enquanto os colegas se eximiram da responsabilidade, Santinho
confessou sua participação na criação da composição, e por isso, foi mandado de volta pra
casa”.47 Ela afirma também, que um mês depois, um surto de febre amarela sobreveio a cidade
de Salvador, atingindo o colégio, e o colega que ocupara a cama que Santinho dormia logo
morreu, de forma que Santinho se considerava desde então um “protegido das rimas”, porque
a expulsão o salvou da morte.48
Percebe-se nesse relato que Santinho, provavelmente na sua adolescência, agia como
outros colegas, como em típicos casos de paixões adolescentes, em que se fazem declarações
amorosas. No entanto, Maria da Guia deixa claro que desde cedo ele já era diferente, e que ali
já se destacava com suas atitudes, ao reconhecer, diante do diretor da escola a sua
responsabilidade. Esta passagem do livro de Maria da Guia demonstra uma tentativa de
destacar as características de coragem e ousadia que a autora frequentemente atribuiu ao avô
em seu livro, e que nesse caso, ela procurou mostrar que ele tinha essas qualidades desde
cedo. Provavelmente com o intuito de reforçar a imagem de jovem promissor e inteligente que

47
Ibidem, p. 22.
48
Ibidem, p. 23.
28

a família cultuava a respeito de Santinho, Maria da Guia afirma que em pouco tempo de
estudos Santinho atingiu conhecimento que o permitia estabelecer confrontos com o próprio
mestre, e que vários anos mais tarde, traduziria os textos aprendidos para os netos, quando
esses se preparavam para prestar vestibular.49 É possível que de fato santinho tivesse esses
atributos, porém, fica evidente nas narrativas familiares a construção e alimentação da ideia
do coronel como um mito familiar, com características promissoras desde a infância.
Em fevereiro de 1905, com 21 anos, Santinho casou-se com Amélia Sant’Anna, filha
do seu tio Firmino Joaquim de Sant’Anna, portanto sua prima. Entretanto, Maria da Guia
afirma que essa não era a intenção de Santinho, pois ele teria se apaixonado por sua outra
prima, Júlia, também filha do seu tio Firmino, que, como já informamos, possuía terras em
frente às do pai de Santinho. Segundo os relatos presentes no livro, Firmino tinha cinco filhas,
Julia, Idelfonsa, Maria, Elisa e Amélia. Santinho teria preferido se casar com Julia, porque
ela era a mais bela e a única da família que aprendeu a ler e escrever. Entretanto, mesmo com
os bilhetes que o “preto Miguel” levava de uma fazenda a outra, o major Firmino não atendeu
a preferência sentimental de Santinho, destinando Julia a casar-se com o “coronel Zuza”, de
uma fazenda vizinha, enquanto que Santinho foi destinado a casar-se com Amélia.50 Mesmo
apaixonado por Júlia, a Santinho foi dada por esposa a outra irmã, Amélia. O desejo de
Amélia em relação ao casamento com Santinho não é mencionado por Maria da Guia.
Sabemos que no período a maioria dos casamentos derivavam de arranjos familiares, em que
principalmente as mulheres não tinham direito de escolher com quem se casariam. Todavia,
mesmo entendendo que a escolha provavelmente não agradou a Santinho, e talvez também a
Amélia, Maria da Guia faz questão de enaltecer o casamento dos avós e para isso fez críticas à
Julia, sua tia e antigo amor do coronel:

Julgando posteriormente, talvez enxergasse longe o velho Firmino. Só a


doçura de Amélia prolongaria em mais de meio século o casamento com
Santinho. Julia teve um casamento que, se durou até o fim da vida do casal,
isso era antes atribuído a paciência do coronel Zuza do coqueiro. Embora
dele também se contassem aventuras sentimentais como as de Santinho,
aparentemente elas não foram tantas nem com maiores consequências. De tio
Zuza e tia Julia não nasceram filhos. Assim, a escolha da esposa de Santinho
foi programada para ser tranquila e duradoura, pois eles viveram juntos
quase 60 anos.51

49
Ibidem, p. 18-22.
50
Ibidem, p. 24.
51
Ibidem, p. 25.
29

Observa-se que Maria da Guia procura romantizar o casamento de Santinho, mesmo


que ele tenha sido um casamento “programado”, e que também procura colocar defeitos em
Julia, pelo fato de Santinho não ter se casado com ela. Entende-se que, ao defender a escolha
do pai da moça, Maria da Guia esteja também defendendo a sua própria descendência, pois
sem esse matrimonio sua existência seria incerta. Todavia, o casamento de Santinho com
Amélia talvez tenha sido apenas por conveniência, e não por amor, como tantos outros
naquela e em outras conjunturas. A julgar pelos relatos de traições cometidas pelo coronel,
pode não ter sido um casamento feliz, como a autora enfatiza, ao menos para Amélia, pois as
traições de Santinho é um indicativo de infelicidade em seu casamento.
Nota-se o empenho de Maria da Guia em passar a imagem de que a escolha do sogro
de Santinho foi a melhor para ambos os lados, e, para isso, ela não mede esforços, até mesmo
colocando sua tia Júlia em um lugar desconfortável na narrativa, identificando-a como uma
mulher de difícil convivência, que, provavelmente não traria felicidade familiar ao coronel.
Como os tios não deixaram descendência, falar deles deste modo não gerou uma tensão
familiar. Aqui também há que se considerar que ela estava falando da avó, e quis enaltecer
sua capacidade de manter a coesão familiar, atributo costumeiramente dado às mulheres que,
a despeito dos problemas familiares e conjugais, se empenhavam em manter a coesão da
família a custo, muitas vezes, de supressões dos seus sentimentos e vontades.
No que diz respeito à Júlia, e ao fato da mesma não ter tido filhos em seu casamento,
pode não dizer respeito a ela, e sim ao marido, que talvez não pudesse ter, o que não quer
dizer que, se Santinho casasse com ela, seria infeliz no casamento por não ter filhos. O
coronel Zuza, escolhido para ser marido de Júlia, era conhecido como “Zuza do coqueiro”,
um rico fazendeiro produtor de laranjas nas terras do Riacho da Guia. 52 Percebe-se que a
família se entrelaçava, talvez com a intenção de manter os laços familiares mais unidos, ou até
mesmo garantir a permanência dos bens materiais entre os integrantes, e que também buscava
formar laços com famílias de mesmo nível social. Cabe destacar que, segundo os relatos, Júlia
era a mais bonita e a única que sabia ler, e provavelmente na negociação familiar com o já
abastado coronel, esses atributos tenham sido levados em conta.
Após casar-se com Amélia, o casal viveu inicialmente na fazenda Patioba, pertencente
aos pais de Santinho, onde se dedicavam ao cultivo do fumo e a criação de gado. 53 Seguindo a

52
PAIXÃO, Carlos Nássaro Araújo. Traços da cidade de Alagoinhas: Memória, política e impasses da
modernização (1930-1949). Dissertação. (Mestrado em História Regional e Local) Departamento de Ciências
Humanas- Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2009. p. 59.
53
O referido registro está anexado ao final do livro Coronel Santinho do Riacho da Guia. Ver LIMA, Maria da
Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2011.
30

ordem de uma árvore genealógica, a família do coronel Santinho se constituía da seguinte


forma:

MANOEL FERREIRA DE SANT’ANNA


(Bisavô)

ANTÔNIO LÚCIO DOS SANTOS FIRMINO JOAQUIM DE SANT’ANNA


SILVA E THEREZA MARIA

JOSÉ LÚCIO DOS SANTOS SILVA Maria Idelfonsa


(Coronel Santinho)
Elisa Amélia

José Lucio Amélia


Júlia Zuza do Coqueiro

Amelinha Tereza Antônio Silva Lima

Maria da Guia Silva Lima

Manoel Ferreira de Sant’Anna era avô de Antônio Lúcio dos Santos Silva e de seu
irmão, Firmino Joaquim de Sant’Anna. Antônio Lúcio casou-se com Thereza Maria de Jesus e
teve um único filho, José Lúcio dos Santos Silva (coronel Santinho). De seu irmão, Firmino
Joaquim, não identificamos o nome da esposa, mas que foi pai de cinco filhas: Júlia, Maria,
Elisa, Idelfonsa e Amélia. Esta última casou-se com José Lucio, seu primo. José Lúcio e
Amélia tiveram cinco filhas, das quais três vieram a falecer, tendo sobrevivido Amélia e
Teresa, que constituíram a descendência familiar legítima de Santinho. Amélia (filha) não
teve filhos e não se casou, e Teresa constituiu família ao casar-se com Antônio Silva Lima,
que tiveram dentre os seus filhos, Maria da Guia Silva Lima, que se empenhou a escrever
sobre a história de sua família.54

54
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p.15.
31

Reproduzimos a seguir uma fotografia presente no livro de Maria da Guia, que tem
como integrantes Santinho, sua esposa Amélia, e a primeira filha do casal, Alzira, que viera a
falecer posteriormente. A fotografia foi feita em 1908, e mostra um casal relativamente jovem
com semblante e roupas austeras, comuns para os registros fotográficos e poses do período. A
seriedade também vinha em função das questões técnicas, uma vez que, neste período, os
movimentos e mudanças de expressões costumavam “borrar” as imagens que para serem
capturadas precisavam de um longo tempo de exposição à luz. Não há informações sobre o
fotógrafo ou se a foto foi feita na residência ou em estúdio. Provavelmente foi feita na
residência pois não porta os objetos que costumam integrar as fotografias feitas em estúdios,
apenas as cadeiras em que estão sentados. No período em que foi tirada, Santinho ainda vivia
com os pais, na fazenda Patioba.

Figura 3 - Coronel Santinho, sua esposa Amélia e a filha Alzira

Fonte: LIMA, 2011

De acordo com Maria da Guia, fora do casamento Santinho tinha larga descendência,
que nunca foi reconhecida nem ajudada pelo coronel, fruto dos envolvimentos do mesmo com
outras mulheres, que resultavam em filhas, que segundo a autora eram sempre “reconhecidas,
além de reconhecíveis por sua semelhança física”. Segundo Maria da Guia Santinho teve
numerosas filhas, mas apenas um filho homem, e relata que, em determinada ocasião, o
32

coronel mostrou interesse em reconhecer o suposto filho, pedindo a seu genro que
encaminhasse a educação do menino, mas foi impedido pela esposa Amélia, que se achou
humilhada pela posição desafiadora que a mãe da criança assumiu, posição essa que a autora
do livro não deixa claro. Segundo o relato, o coronel atendeu ao pedido da esposa, não
assumindo o suposto filho..55
É possível que o coronel ajudasse de alguma forma esses filhos, ou ao menos tivesse
esse desejo, mas era barrado por sua esposa, que provavelmente sentia-se constrangida com a
situação, o que coloca também em contradição a autoridade do coronel enfatizada por Maria
da Guia, pois neste caso percebe-se um recuo de autoridade diante dos protestos da esposa.
Certamente se de fato ele desejasse dar assistência ao filho encontraria meios para fazê-lo, e
talvez o tenha feito, porém não há como saber sobre os desdobramentos deste episódio.
As investigações feitas até o momento, trataram da vida de Santinho enquanto este
vivia na dependência dos pais. Nesse período Santinho já mantinha certo domínio comercial,
pois de acordo com Maria da Guia ele já era agricultor e criador de gado. Entretanto, Santinho
muda-se para o distrito do Riacho da Guia, que corresponde a outra etapa da sua vida, e a
mudança talvez tenha sido impulsionada pelo desejo de ter um maior envolvimento com a
política da cidade de Alagoinhas, ou pelo progressivo desenvolvimento que a cidade
vivenciava, como veremos a seguir.

1.2 ALAGOINHAS

Localizada no interior do estado da Bahia, à aproximadamente 120 quilômetros da


capital, Salvador, a cidade de Alagoinhas tem a história do seu povoamento inicial um tanto
imprecisa. Os memorialistas Américo Barreira e Salomão Barros apresentaram explicações
diferentes para o seu surgimento. Américo Barreira afirma que no final do século XVIII, veio
a residir no Brasil um padre português, de nome desconhecido, que ao chegar à região fundou
a capela de Alagoinhas, que ficou dependente da Comarca de Inhambupe de Cima 56, onde

55
Ibidem, p. 26.
56
As primeiras histórias do município de Inhambupe remontam ao ano de 1570, com a chegada de um fidalgo
português chamado Alexandre Vaz de Gouveia, que fundara a capela de Nossa Senhora da Conceição em 1624,
e posteriormente à chegada de Guilherme D’Ávila, Marechal da Casa Torre dos Garcia D’Ávila, que por ocasião
da primeira invasão Holandesa à Bahia em 1624, seguiu ao norte de suas terras, chegando ao povoado dos
Gouveia, o qual solicitou ao governador geral da época, Diogo Mendonça Furtado, a posse de uma sesmaria
naquelas terras, entre o rio Inhambupe e o rio Subaúma.
56
Ao se estabelecer próximo as terras dos Gouveia, os Garcia D’Ávila construíram outra capela, a do Divino
Espírito Santo, e a partir daí o povoado ficou dividido como Inhambupe de Cima, domínio dos Gouveia, e
Inhambupe de Baixo, domínio dos Garcia D’Ávila. Ver: MARIS, Estela. Evolução Histórica de Inhambupe.
Salvador: Contemp. 1993.
33

dedicou-se à vida agrícola, tornando-se um abastado proprietário com residência na fazenda


Ladeira, distante a doze quilômetros da capela que construiu.57 Em contraponto, Salomão
Barros afirma que um sacerdote por nome João Augusto Machado, de ascendência Belga,
teria chegado ao Brasil através de uma ordem católica, designada para atravessar as matas
brasileiras catequizando seus habitantes, até chegar a região que atualmente corresponde a
cidade de Alagoinhas, e construir a “Igreja de Alagoinhas Velha”, iniciando assim um
povoado.58
Apesar das diferentes narrativas sobre o surgimento da cidade, existem pontos em
comum entre elas, que permitem concluir que o povoamento se deu por meio de um padre,
que ao construir uma pequena capela contribuiu para o surgimento de mais moradias no local,
iniciando um pequeno arraial que foi se desenvolvendo aos poucos. A região era banhada por
rios e diversas lagoas em seus arredores, características geográficas que provavelmente
inspiraram o nome da cidade, e que tornava a região propícia para a moradia e descanso de
tropeiros e viajantes, por ter abundante quantidade de água e provavelmente garantir
alimentação daqueles que viviam em seus arredores, através da atividade pesqueira e agrícola.
De acordo com Américo Barreira, os esforços do padre português José Rodrigues
Pontes, permitiram que a capela fosse elevada à Freguesia de Santo Antônio de Alagoinhas
em 07 de novembro de 1816, através de um alvará expedido por D. João V, concedendo ao
padre José Rodrigues Pontes o título de primeiro vigário.59 Inicialmente Alagoinhas pertenceu
a Comarca de Inhambupe de Cima, como um de seus distritos, até o ano de 1852, quando por
meio de uma resolução provincial, foi criado o Município de Alagoinhas. Na parte política e
na eclesiástica, Alagoinhas continuou a pertencer ao município de Inhambupe, até conseguir
ser elevada à categoria de vila, através da resolução provincial n° 442 de 16 de junho de 1852,
sendo declarado nessa mesma lei, que os limites do novo município seriam os mesmos que
para a freguesia de Alagoinhas foram marcados, pelo alvará de 7 de novembro de 1816.60
Para melhor compreensão espacial de Alagoinhas e seu entorno, apresentamos a seguir
dois mapas que destacam a região, e que fazem referência a um período relativamente
próximo ao do povoamento inicial do lugar que se formou a cidade de Alagoinhas, a fim de
demonstrar quais as principais localidades próximas, e a distância entre elas.

57
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Tipografia do Popular, 1902.
58
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979.
59
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Tipografia do Popular, 1902, p.29.
60
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979, p.49.
34

Figura 4 - Mapa da Província da Bahia séc. XIX

Fonte: Apud Santana, 2015.

Na figura 04, vemos um mapa da província da Bahia em meados do século XIX, com
destaque para a região de Alagoinhas e Inhambupe, em que se observa também os municípios
próximos da região.

Figura 5 - Município de Alagoinhas em 1855

Fonte: Apud Santana, 2015.


35

Na figura 05, vemos um desenho produzido pela Câmara de Alagoinhas 61 em 1855,


que mostra o município cortado ao centro pela Estrada das Boiadas, destacando também
alguns rios que passavam pelo local, como o rio Catu, o rio Subaúma, e o rio Sauípe.
Alagoinhas estava localizava num importante ponto de ligação entre Salvador e o norte da
província da Bahia, visto que era por ali que passava a estrada dos bandeirantes nortistas,
também conhecida como estrada das boiadas, que foi criada a partir da necessidade de se
estabelecer uma comunicação entre a província e o interior baiano. A estrada foi importante
para o surgimento e desenvolvimento econômico inicial da região, por ser uma rota de
passagem de viajantes, que possibilitou a formação de um comércio local e de povoamentos
nessas rotas.62
A vila de Alagoinhas possuía um pequeno comércio realizado por esses viajantes, que
vendiam seus produtos aos moradores que, em sua maioria, dedicavam-se a atividades
agrícolas de subsistência, além de alguns engenhos de açúcar e trapiches de fumo que
funcionavam na região. Os produtos eram comercializados na feira, realizada nos arredores da
Igreja de Santo Antônio de Alagoinhas, onde se concentravam as moradias da maior parcela
da população. Embora a circulação de pessoas e mercadorias fosse constante, facilitando o
desenvolvimento do local, foi a construção da ferrovia que desempenhou a função de
impulsionar um novo dinamismo comercial na cidade. A inauguração da estrada de ferro da
empresa Bahia and São Francisco Railway Company em 1863, alterou o modo de vida dos
moradores de Alagoinhas em diversos aspectos, a economia passou a se desenvolver em torno
da estrada de ferro, permitindo uma maior expansão comercial, pois proprietários de terras,
comerciantes e políticos buscaram estratégias para consolidar as atividades do município
voltadas para o comércio e a ferrovia.63
A implantação da estação ferroviária possibilitou que em 1870 se efetuasse uma
ruptura na estrutura da vila de Alagoinhas, que mudou seu núcleo inicial de povoamento e
também seu comércio em torno da Igreja de Santo Antônio de Alagoinhas, para as
proximidades da estação, alterando também a infraestrutura urbana. Com a mudança emergiu
uma nova área de moradias próximas à estação. Dessa forma, a linha férrea agiu como

61
SANTANA, Antônio Hertes Gomes de. Conflitos pela propriedade e reordenamento do trabalho em
Alagoinhas e Inhambupe (1860-1890). Dissertação. (Mestrado em História) – Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, 2015.
62
LIMA, Keite Maria Santos do Nascimento. Entre a Ferrovia e o Comércio: Urbanização e Vida Urbana em
Alagoinhas (1868-1829). Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2010.
63
Ibidem, p.22.
36

propulsora do crescimento da cidade, tanto na área comercial quanto no seu processo de


urbanização.64
O livro Traços de Ontem, escrito por Joanitta Cunha em 1987, é um livro de memórias
que apresenta situações vividas pela autora na cidade de Alagoinhas em sua infância e
juventude, entre os anos de 1930 a 1940. Nele Joanitta Cunha rememora suas vivências
familiares, e ao fazer isso destaca o cotidiano da cidade de Alagoinhas apresentando diversas
características da localidade. Ao reconstruir as memórias da família ela também rememora as
paisagens, os contextos sociais, econômicos e políticos de Alagoinhas, conduzindo o leitor a
uma relação também com a cidade. Iniciando o livro, a autora narra o seu encantamento ao
realizar uma viagem de trem com destino a Salvador, que nos permite observar detalhes
daquelas experiências vividas pelos alagoinhenses:

A viagem de trem que tanto me encantou foi feita num “pirulito” (não sei o
por que do nome) um Maria-Fumaça que saía pela madrugada e chegava
num horário bastante elástico: entre dez e meia noite, quando não atrasava
muito. Todo mundo viajava nesse trem. Virava-se os bancos e formavam-se
rodinhas cujos bate-papos versavam sobre assuntos mais diversos. Os
alagoinhenses viajavam para a capital para resolver negócios, fazer compras,
ou mesmo para assistir filmes onde apareciam estrelas famosas, como Greta
Garbo, Marlene Dietrich e outras em voga na época. E eram 125 quilômetros
de ferrovia!65

O relato de Joanitta Cunha demonstra a nova dinâmica da cidade com a chegada da


linha férrea, que transformou a vida dos moradores de Alagoinhas, principalmente na esfera
econômica, com a mudança do núcleo comercial para as proximidades da estação, o
fortalecimento do comércio, a facilidade de transporte de mercadorias, e novas oportunidades
de trabalho para os moradores, como por exemplo, a venda de produtos aos passageiros dos
trens, que era feita a cada estação em que o trem parava ao longo do trajeto. Joanitta Cunha
destaca que “em cada uma delas aparecia algo diferente para comer ou para beber”66,
demonstrando assim, a importância da ferrovia para o desenvolvimento da cidade em diversos
aspectos. A linha férrea também gerou empregos na manutenção do serviço ferroviário e nas
oficinas, em que a companhia ferroviária muitas vezes cedia casas para moradia dos
funcionários mais graduados.67

64
Ibidem, p.22.
65
SANTOS, Joanitta da Cunha. Traços de Ontem. Belo Horizonte: Graphilivros Editores, 1987.
66
Ibidem, p.18.
67
Ibidem, p.24.
37

Cabe destacar que os caminhos de ferro alteraram também o ritmo de vida social, pois
possibilitou que a população alagoinhense conhecesse lugares antes desconhecidos, e
vivessem experiências diferentes, que ocasionou mudanças no modo de pensar a vida, que a
pequena vila de Alagoinhas não lhes permitia antes:

Como um meio de transporte fácil e barato, a população da cidade, até então


condenada ao isolamento começou a viajar, a se comunicar, a viver melhor,
comportamentos que elevaram a mentalidade do povo, refletindo
sobremaneira, na vida sociocultural do lugar.68

Ressalta-se que as lembranças de Joanitta Cunha estão atreladas à cidade, de forma


que suas memórias e os lugares das histórias narradas estão intimamente ligados, uma
apropriação do espaço urbano feita pela autora que se diferencia da dos demais habitantes,
pois cada um faz uma apropriação diferente do espaço vivido, de acordo com suas
experiências. De acordo com Sandra Pesavento a cidade também é sensibilidade, e se
apresenta como a percepção dos seus próprios habitantes, pois “o imaginário urbano, como
todo imaginário, diz respeito a formas de percepção, identificação, e atribuição de
significados ao mundo”.69
Para Carlos Nássaro Araújo, a estrada de ferro era concebida como um símbolo de
progresso e modernidade para Alagoinhas, e a sua implantação refletiu também no aumento
populacional do município ao longo dos anos que se seguiram:

Em 1930, Alagoinhas era uma cidade que possuía aproximadamente 46.509


habitantes, sendo que destes, 20.000 residiam na sede do município. Até o
final da década de 1940, sua população atingiu a marca de 52.007 habitantes,
com 21.283 habitantes morando no quadro urbano e suburbano da sede,
resultando em 53% destes residindo na zona rural. Comparando com a
totalidade dos municípios baianos, Alagoinhas ocupava a 17ª posição se
fosse levada em consideração a totalidade da sua população, incluindo, zona
rural e zona urbana da sede e dos distritos e a 5º cidade mais populosa do
Estado, contando apenas com a população urbana e suburbana da sede do
município. No período compreendido entre as décadas de 1930 e 1940 a
população da cidade, incluindo sede e distritos, sofreu um acréscimo de
11,82% no total de habitantes.70

68
Ibidem, p.29.
69
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Cidades invisíveis, cidades sensíveis, cidades imaginárias. In: Revista
Brasileira de História. São Paulo, jan. – jun. de 2007, p. 13.
70
PAIXÃO, Carlos Nássaro Araújo. Traços da cidade de Alagoinhas: Memória, política e impasses da
modernização (1930-1949). Dissertação. (Mestrado em História Regional e Local) - Universidade do Estado da
Bahia, Salvador, 2009.
38

De acordo com Moisés Leal, Alagoinhas na metade do século XX viveu um processo


de desenvolvimento urbano e um aumento na capacidade de centro distribuidor de bens e
serviços para seu entorno. O comércio mantinha intercâmbio com outros centros, como
Salvador, Aracaju, Maceió, Rio de Janeiro e São Paulo, e foi um importante distribuidor de
fumo e couro, onde a produção agrícola, com destaque para a produção de fumo e laranja,
correspondia as principais atividades econômicas do município, além do comércio.
Alagoinhas possuía condições superiores na oferta de bens e serviços, em comparação com as
cidades vizinhas, no entanto, não repercutia em melhorias nas condições de vida para grande
parte da população, a exemplo dos operários do curtume, dos ferroviários, e também dos
pequenos produtores rurais, que mesmo residindo razoavelmente distante dos centros urbanos,
mantinham uma estreita relação com a cidade.71

Figura 6 - Posição de Alagoinhas em relação ao Estado

Fonte: IBGE, 1958.

De acordo com o recenseamento do IBGE de 1950, em Alagoinhas 27% das pessoas


com idade ativa tinham ocupação no ramo da agricultura, silvicultura e pecuária, 11% no
ramo da indústria, e 11% na área de transporte, comunicação e armazenagem. Em relação à
agricultura, a cultura da laranja representava no período 72% da produção agrícola,
71
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade do Estado da Bahia,
Salvador, 2011.
39

classificando a cidade em primeiro lugar do Estado como produtora de laranjas. Juntamente


com a laranja, outras das maiores parcelas da produção agrícola estavam no cultivo da
banana, limão, mandioca e fumo em folha. A atividade pecuária também tinha importância
significativa para a economia do município, principalmente no curtimento de couros.72
Em Alagoinhas, o coronel Santinho participou ativamente da vida política, sobretudo
na Câmara de Vereadores, em exercício dos seus mandatos. Foi essa cidade que permitiu ao
coronel atuar em atividades políticas nas diferentes conjunturas pelas quais ele perpassou
durante toda a sua vida.

1.3 AS INSTALAÇÕES NO RIACHO DA GUIA

De acordo com Keite Lima entre os anos de 1870-1880, mesmo com a construção da
linha férrea, Alagoinhas não tinha um comércio tão movimentado e diversificado,
consequência que a autora atribuiu a crise econômica vivenciada no século XIX. Segundo ela,
apenas quatro décadas depois a Bahia passou a vivenciar um período de prosperidade, pois
com a primeira República novas políticas de incremento às atividades econômicas foram
adotadas, que estimularam o comércio e também o aumento da exportação de produtos como
o fumo.73
Como já enfatizamos, na primeira metade do século XX o município de Alagoinhas
viveu um crescimento econômico vertiginoso. A população urbana também aumentou
consideravelmente, e não foi diferente no ambiente rural. Segundo as estatísticas do IBGE, até
o ano de 1950 Alagoinhas possuía uma população correspondente a 52.007 habitantes, e desse
total, 53% residiam nas comunidades rurais do município. Talvez impulsionado por esse
crescimento econômico, Santinho tenha resolvido mudar-se com a família recém-formada
para o Riacho da Guia, em 1911, por ser uma região próxima a Alagoinhas.
Possivelmente a mudança estava atrelada também a questões familiares, pois segundo
Maria da Guia, um dos motivos que fizeram a jovem família mudar-se da fazenda Patioba
para o Riacho da Guia foi a intenção de ganhar independência da mãe, dona Thereza, como já
mencionado. De acordo com Maria da Guia, a relação de Santinho com a mãe não era boa, e
relata as brigas entre eles que a memória familiar retinha:

72
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. Rio de
Janeiro, 1958, p. 22. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br. Acesso em: 23 jan. 2022
73
LIMA, Keite Maria Santos do Nascimento. Entre a Ferrovia e o Comércio: Urbanização e Vida Urbana em
Alagoinhas (1868-1829). Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2010.
p. 78.
40

Não foi só o fumo que mereceu interesse de Santinho. Ele aumentou bastante
o número de propriedades que herdara dos pais e do sogro. É conhecido o
quanto disputava com a mãe, que era, dizia a boca pequena, uma cigana que
zelava pelo que possuía e pelo seu próprio desempenho do poder. Santinho
em suas brigas com a mãe, dizia que só descansaria quando tivesse em sua
propriedade uma extensão de terra que permitisse deslocar-se do Riacho da
Guia para Alagoinhas, cerca de 20 quilômetros, exclusivamente em terras do
seu domínio. Esse objetivo ele alcançou.74

Foi após sair das dependências da mãe e passar a residir no distrito do Riacho da Guia,
que Santinho conseguiu auferir seus lucros e também fortalecer uma liderança política no
local, além de alcançar seus objetivos de obter uma extensão de terras que permitisse o
deslocamento do Riacho até Alagoinhas, projeto que segundo Maria da Guia ele conseguiu
realizar. Identificamos que após a mudança para o Riacho, Santinho conseguiu aumentar seus
domínios de terras em um período relativamente curto, considerando que 09 anos depois, o
censo brasileiro de proprietários rurais indicava duas propriedades em nome do coronel, a
fazenda Prompto, que era herança familiar, e mais o acréscimo do sítio São Pedro.75
A região proporcionou ao coronel maior visibilidade política, tendo em vista que era
do local que saía a maioria dos votos que permitiam a vitória de Santinho em todas as
candidaturas que se lançou. Para além disto, o distrito se configurava como seu local de
pertencimento, pois Santinho carregava o Riacho da Guia como aposto no próprio nome,
caracterizando a relevância daquele distrito para ele, e ao mesmo tempo o destaque de
Santinho para aquela localidade, onde era conhecido por todos como coronel Santinho do
Riacho da Guia, ou Santinho do Riacho.
No livro de Maria da Guia, algumas páginas são dedicadas a falar sobre a residência
adquirida pelo coronel ao mudar-se para o Riacho, chamada de “casa grande”, possivelmente
como uma referência aos antigos senhores de engenho. Segundo a autora, a compra da casa
“assobradada” foi feita pelo coronel Santinho por 650 mil réis, e a julgar pelas diversas
imagens da casa reproduzidas no livro, percebe-se a significância do local para a família, que
provavelmente considerava a mesma como um símbolo da riqueza familiar naquela
comunidade. Algumas das imagens serão reproduzimos logo a seguir.

74
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 36.
75
Recenseamento do Brasil. Relação dos proprietários dos estabelecimentos rurais recenseados no Estado da
Bahia, 1920. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br. Acesso em: 25 mai. 2022.
41

Figura 7 - Casa comprada por Santinho no Riacho da Guia, 1911

Fonte: LIMA, 2011.

Na figura 07, vemos a primeira imagem da casa reproduzida por Maria da Guia,
caracterizada por um sobrado, com pessoas em pé a sua frente, homens, mulheres e crianças,
que não são identificadas pela autora, posando ao lado de dois veículos que estão em
destaque. Segundo Maria da Guia, a parte de cima servia de moradia para a família de
Santinho e também para as pessoas que trabalhavam nos serviços da casa, e a parte térrea era
utilizada como uma casa comercial. Após a compra, o coronel teria iniciado uma reforma que
provavelmente teve início com a sua chegada ao local, por volta de 1911, e que terminou
somente no ano de 1926.76

76
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 14.
42

Figura 8 - Casa de Santinho após reforma em 1926.

Fonte: LIMA, 2011.

Na figura 08 vemos a casa após o término da reforma, em 1926. Entretanto, as


imagens nos permitem fazer alguns questionamentos, pois evidenciam que a primeira reforma
deixou a casa totalmente diferente em relação ao modelo inicial da chegada do coronel, como
pode ser visto comparando à figura 07 com a demais. A primeira casa tem dois andares e
depois fica com um pavimento só, ao menos na fachada. Aqui fica algo a ser investigado pois
dificilmente uma reforma reduziria uma casa de dois andares a uma casa térrea. Porém, há a
possibilidade da casa ter sido reconstruída totalmente, o que a autora não esclarece. Ou ainda,
que a entrada se dê por meio de uma escada e internamente tenha permanecido dois andares, e
que aparte de baixo tenha mantido umas janelas redondas para entrar a claridade, pois
observamos as janelas são mais altas que as demais casas vizinhas. A reforma tirou a
característica comercial, deixando-a apenas como residencial.
43

Figura 9 - Casa de Santinho na década de 80, após nova recuperação.

Fonte: LIMA, 2011.

Segundo a autora, a casa passou por três reformas no total. A figura 09 mostra o
resultado da última reforma, feita na década de 1980, ano que ficou na fachada da casa. A
reforma foi feita por Antônio Silva Lima, genro do coronel Santinho, pois nesse período o
coronel já havia falecido. Percebe-se assim uma preocupação da família com a preservação do
patrimônio familiar mesmo após o falecimento do coronel. Depois disso a casa permaneceu
sem maiores modificações.
Figura 10 - Casa de Santinho em 2005

Fonte: LIMA, 2011.


44

A imagem acima é do ano de 2005. Nela aparecem Antônio Silva Lima, genro do
coronel Santinho e mais duas pessoas não identificadas. Embora nesta imagem a casa
evidencie os traços dos desgastes e da falta de manutenção, percebe-se sua importância para a
memória dos membros da família, que persistem em colocar-se em pose para foto na frente da
mesma.

Figura 11 - Coronel Santinho no pátio interno de sua residência

Fonte: LIMA, 2011.

Acima uma imagem do interior da casa. Nesta, o coronel Santinho está em pé, no pátio
interior de sua residência, e não temos data desse registro. Nas demais imagens são os
membros da família que se deixam fotografar a frente da residência, mas nesta, embora o
coronel esteja posando, não houve uma preocupação em cuidar do cenário, uma vez que
aparecem roupas penduradas no gradil, demonstrando um cenário cotidiano. As escadas que
dão acesso ao pátio interno evidenciam a diferença entre os pavimentos
45

Figura 12 - Ruínas da casa de Santinho em 2021

Fonte: Google Maps. Disponível em:https://www.google.com/maps. Acesso em: 25 mai 2022.

Na imagem acima vemos a casa do coronel em ruínas, em fotografia feita em 2021.


Atualmente boa parte dos descendentes de Santinho reside em Fortaleza, onde ele mantinha
uma filial de sua empresa de fumo, o que talvez explique o descuido com a residência. O
conjunto dessas imagens e suas repetições revelam que este é um lugar privilegiado na
história e na memória da família, e as ruínas da mesma revelam o desgaste do tempo, ao passo
que também revela a importância do resgate da sua história para a família, a fim de que ela
não se perca, nem se finde como as estruturas desta casa em ruínas.
Segundo Maria da Guia, após a primeira reforma, a casa que antes era conjugada com
o comércio da família, foi desmembrada, e a loja construída ao lado. A loja era chamada de
Amélia, possivelmente uma referência à esposa do coronel, e era administrada por um tio da
esposa de Santinho, conhecido como Ioiô, que segundo Maria da Guia também teve sua
própria residência erguida ao lado da loja, em meio às reformas.77 A figura 13 mostra a loja e
a casa no período da finalização da reforma, onde o coronel Santinho aparece em pé à sua
frente, e a figura 14 uma imagem de 2021, onde observa-se apenas as fachadas da loja e da
casa do administrador em ruínas.

77
Ibidem, p. 14.
46

Figura 13 - Loja Amélia e casa do administrador

Fonte: LIMA, 2011

Figura 14 - Loja e casa do administrador em 2021

Fonte: Google (2022). Alagoinhas. Google Maps. Disponível em:https://www.google.com/maps.

A saída da fazenda Patioba para as novas instalações no Riacho da Guia


corresponderam a uma nova etapa na vida de Santinho. No Riacho ele continuou as atividades
agrícolas que já mantinha na propriedade dos pais, e que no local foram acrescidas da loja e
também de um trapiche, que permitiu que a produção de fumo se tornasse seu negócio de
maior rentabilidade, cultivado em suas terras e processado em seu próprio trapiche, que
47

recebiam o selo de J.L dos Santos Silva.78 Para além do fumo Santinho também se envolveu
no cultivo de milho, feijão, mandioca, e na criação de gado, pois foi registrado como criador
de gado pelo Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, em 1922.79

1.4 O COMÉRCIO DO FUMO

No município de Alagoinhas, as principais atividades econômicas estavam centradas


na agricultura e no comércio, que eram as maiores fontes de renda do município. Relacionado
a agricultura, o cultivo da laranja e do fumo eram responsáveis por 72% da produção
exportadora. A produção da laranja era responsável por 48,58% da produção agrícola da
cidade, e o fumo representava 23,32%, que era feita principalmente para a Alemanha. 80 Nas
terras de Santinho, no Riacho da Guia, passaram a trabalhar muitos moradores da região, que
se dividiam entre a criação de gado, as plantações de feijão, milho e mandioca. Entretanto, o
principal produto cultivado e comercializado por Santinho na localidade foi o fumo em corda.
No que diz respeito ao surgimento desse produto, Silza Borba afirma que o cultivo do
fumo teve origem nas Américas, onde era utilizado apenas por nativos como artigo medicinal.
A princípio condenado pela religião e pelo governo, o hábito do consumo do fumo se
disseminou por toda a Europa e outras partes do mundo, se tornando objeto de
enriquecimento daqueles que controlavam seu comércio. Segundo a autora, na Bahia a
produção de fumo teve início em meados do século XVII, e se tornou um importante produto
de troca para o comércio de escravos africanos durante o Brasil colonial. No entanto, a partir
do século XIX, a cultura do fumo iniciou um período de dificuldades com a independência do
Brasil em 1822, que privou o comércio com Portugal e Espanha, e teve a crise agravada com a
supressão do mercado de escravos. Todavia, mesmo diante desse cenário, o comércio e
produção do fumo continuou a ter grande força econômica em todo o Brasil. A economia
estava estritamente ligada ao comércio exterior, e na Bahia, que tinha a economia
essencialmente agrícola, a produção foi afetada pela conjuntura internacional após a Primeira
Guerra, período em que as indústrias foram prejudicadas.81

78
Ibidem, p. 28-34.
79
Cf. LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. Registro anexado ao final do livro.
80
PAIXÃO, Carlos Nássaro Araújo. Traços da cidade de Alagoinhas: Memória, política e impasses da
modernização (1930-1949). Dissertação. (Mestrado em História Regional e Local) Departamento de Ciências
Humanas- Universidade do Estado da Bahia. Salvador, 2009. p. 52.
81
BORBA, Silza Fraga Costa. Industrialização e Exportação de Fumo na Bahia (1870-1930). Dissertação.
(Mestrado em Ciências Humanas). Universidade Federal da Bahia -UFBA. Salvador, 1975, p. 09-11.
48

Para Roni Hilsinger, no país o tabaco estava presente desde que o Brasil ainda não
existia, pois os nativos já cultivavam e consumiam em rituais religiosos. Segundo ele, as
primeiras lavouras comerciais de tabaco no território surgiram na faixa litorânea entre
Salvador e Recife, e nos arredores do município de Cachoeira na Bahia. No Nordeste a
produção sempre esteve baseada no cultivo de fumos escuros, o fumo em corda, utilizado para
a fabricação de cigarros e charutos. O fumo passou a ser cultivado pelos alemães em 1824, e
com a imigração alemã para o Rio Grande do Sul, o cultivo foi ampliado na região, que lidava
principalmente com a produção do fumo claro. Assim, enquanto a Bahia continuava a
produzir o fumo escuro, o Sul buscava se adequar a demanda dos compradores,
principalmente a dos alemães que desejavam um produto com novas características. Essa
ruptura do tipo do tabaco desejado é importante para a história da produção de fumo no
Brasil, pois foi por essa razão que o polo mais dinâmico se transferiu da Bahia para o Rio
Grande do Sul em um processo que se consolida após 1920, quando a produção de fumo claro
se sobrepõe aos fumos escuros.82
De acordo com Paulo Henrique de Almeida, o complexo fumageiro baiano conheceu
seu auge do final do século XIX às primeiras décadas do século XX. O número de empresas
exportadoras de fumo do estado passou de 6 em 1860 para 26 em 1890, e chegou a 40 em
1930, de forma que o fumo em folha se tornou um dos três principais produtos de exportação
da Bahia, responsável por mais de 80% das exportações baianas até 1950. Neste período a
fumicultura de exportação permaneceu com os modos de produção consolidados no século
XIX, com o sistema dos armazéns de enfardamento e exportação, que controlavam a
comercialização da folha e dirigiam, através do fornecimento de crédito, sementes e
orientações técnicas para a produção fumageira.83
Entre as atividades comerciais de Santinho, a produção e o comércio do fumo
garantiram sua maior rentabilidade, e a loja Amélia, destinada ao abastecimento de seus
empregados do campo, teve um papel importante nesta lucratividade:

No Riacho da Guia, Santinho iniciou a sua atividade comercial, abrindo a


loja Amélia, destinada ao abastecimento de seus próprios empregados no
campo, fechando assim o ciclo de aproveitamento completo do dinheiro
empregado e do trabalho realizado em terras suas. Santinho passou a
financiar plantações de fumo aos que no ano seguinte iriam vender-lhe o

82
HILSINGER, Roni. O território do tabaco no Sul do Rio Grande do Sul diante da convenção quadro
para o controle do tabaco. Tese. (Doutorado em Geografia). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto
Alegre, 2016. p. 63-65.
83
ALMEIDA, Paulo Henrique de. A manufatura do fumo na Bahia. Dissertação. (Mestrado em Ciências
Humanas) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1983, p. 64.
49

produto, isto é, sua colheita. Isto era acrescido da obrigação de trabalharem


gratuitamente em suas terras uma vez a cada quinze dias dando a conhecida
quinzena. Por sua vez ele vendia o que os plantadores de suas terras
necessitassem para sobrevivência durante o ano e ainda negociava o preço da
safra na hora da compra.84

Percebe-se nessas relações de Santinho com os trabalhadores, uma exploração


intencional, com o intuito de reter a maior porcentagem de lucro possível. Mesmo com todo
empenho na narrativa de Maria da Guia, para que o coronel Santinho fosse visto como um
homem correto e justo, é possível observar atitudes que demonstram uma relação de
exploração. O negócio que Santinho conduzia era sem dúvida rentável para ele, mas
provavelmente não era tão proveitoso para os trabalhadores. Possivelmente para os
plantadores de fumo aquela era a negociação possível. Foi a maneira que o coronel encontrou
de controlar seus meios de produção e de ser o comprador exclusivo da produção dos que
lidavam com a terra. De acordo com Nunes Leal, essa era uma atividade frequente entre os
coronéis da época, que resultavam consequentemente nos “votos de cabresto”:

É, pois, para o próprio “coronel” que o roceiro apela nos momentos de


apertura, comprando fiado em seu armazém para pagar com a colheita, ou
pedindo dinheiro, nas mesmas condições, para outras necessidades.(...)
Completamente analfabeto, ou quase, sem assistência médica, não lendo
jornais nem revistas, nas quais se limita a ver as figuras, o trabalhador rural,
a não ser em casos esporádicos, tem o patrão na conta do benfeitor.(...) aí
estão os votos de cabresto, que resultam, em grande parte, da nossa
organização econômica rural.85

Provavelmente esses moradores não possuíam suas próprias terras para trabalhar, ou
recursos para o plantio, necessitando assim da ajuda do coronel. Além disso, ao acumular
dívidas durante todo o ano, é provável que na época da colheita o lucro se tornasse pequeno
após a quitação da dívida, que logo em seguida era retomada, de forma que o negócio do
coronel com a produção e venda do fumo além de rentável era estratégico, porque, além de
controlar o comércio, também conseguia manter a dependência e lealdade por parte dos
moradores, que era requisitada nos períodos eleitorais.
Considerando a proximidade com o período escravista, abolido pouco mais de duas
décadas antes de Santinho passar a residir no Riacho da Guia, é possível inferir que seus

84
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 34.
85
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1948.
50

trabalhadores eram antigos escravos, ou descendentes destes, e que os proprietários ainda


buscavam manter antigas formas de submissão.
Cabe destacar que, nos estudos de Walter Fraga Filho, o autor acompanhou a trajetória
de antigos escravizados e seus descendentes, observando que após o fim do cativeiro muitos
permaneceram nos antigos locais de trabalho por conta das relações estabelecidas e das
dificuldades que os recomeços exigiam, contudo, de um modo geral eles também buscaram
estabelecer novos acordos demarcando os limites a despeito das tentativas de permanência das
relações de mando e obediência dos antigos senhores e novos patrões.
De certa forma, o costume de submissão ao dono de terras, de quem dela dependia
para sobreviver, ainda permanecia, pois o trabalho na lavoura não dava oportunidade de
crescimento econômico. Como já vimos, estudos sobre a Bahia no século XIX afirmam que a
maioria da população baiana vivia em pobreza, sobretudo os negros livres ou libertos. Diante
desse cenário, compreende-se que a forma de sobrevivência dos libertos após a abolição era
muitas vezes continuar em seus antigos serviços buscando nas atividades cotidianas demarcar
suas conquistas.
De acordo com Nunes Leal, nas sociedades rurais do período, os donos de terras
mesmo que fossem despossuídos de recursos financeiros, eram considerados como ricos por
estabelecer negócios, ter propriedades e também pelas relações com políticos importantes. A
distribuição da propriedade de terras era desigual, com maior concentração nas mãos de
poucas pessoas, o que reflete a pobreza dos que viviam no meio rural.86 Dessa forma, a
ascendência do coronel Santinho resultou também de sua posição de proprietário rural, que
proporcionou a ele uma determinada autoridade, tornando-se respeitado em situações das
mais diversas.
Para Moisés Leal, Alagoinhas na metade do século XX vivia um processo de
desenvolvimento urbano e um aumento na capacidade de centro distribuidor de bens e
serviços para seu entorno. O comércio mantinha intercâmbio com outros centros, possuindo
condições superiores na oferta de bens e serviços, em comparação com as cidades vizinhas.87
Com uma constante conexão com mais de vinte municípios próximos, era a cidade da região
que mais possuía estabelecimentos comerciais. Assim, com o progressivo comércio de
Alagoinhas, a produção e venda de fumo do coronel Santinho foi beneficiada. Além das
cidades vizinhas, ele passou a comercializar fumo em corda também nos estados de Sergipe,

86
Ibidem. 45.
87
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade do Estado da Bahia.
Salvador, 2011. p. 28.
51

Maranhão, Amazonas, Pará, e Ceará, chegando a possuir seus próprios barcos para o envio de
seus produtos. Eliana Evangelista Batista cita o coronel Santinho como um dos homens mais
expressivos na política local na Primeira República, como político influente no Riacho da
Guia, além de ser um grande exportador de fumo.88
O fumo que Santinho comercializava ia além da produção local de suas terras, pois
segundo Maria da Guia ele tinha dezenas de compradores de sua produção, entre os quais ela
cita como Manoel das Almas, Antoninho da Baixa Grande, Pedro Figueiredo e Antônio
Moreno, homens que trabalhavam para o coronel, se deslocando pelas roças e redondezas, e
até mesmo no estado de Sergipe, para comprar fumo de pequenos produtores, a fim de que o
coronel pudesse adquirir uma maior quantidade de fumo da safra anual, que eram processados
no trapiche que Santinho instalou no Riacho da Guia:

As folhas eram inicialmente passadas em mel de açúcar mascavo, e o


trabalho era executado separadamente em outro local intitulado meleira.
Posteriormente as folhas já embebidas em mel eram organizadas em rolo ao
redor do sári, uma estaca de madeira de forma arredondada e com
extremidades pontiagudas. Uma vez preparado o rolo, este era revestido com
um tecido de algodão cru de cor amarelada, a aniagem. Havia os carimbos
em folha de metal indicando que o fumo fora processado por J.L. dos Santos
Silva.89

Durante os anos em que viveu no Riacho da Guia, os bens materiais do coronel


Santinho tiveram aumento considerável, principalmente no período anterior a Revolução de
1930. Esse aumento era evidenciado pelo coronel à população local, em que procurava
demonstrar exibi-lo, provavelmente com a intenção de reafirmar o seu poder econômico e
perpetuar a imagem de um coronel imponente, expondo aos seus pares, através das festas que
Maria da Guia menciona serem realizadas na residência de Santinho:

Sua casa teve o primeiro gerador de energia elétrica, encanamento de água


vinda do rio, a primeira geladeira a gás da localidade, linda vitrola
acompanhada de uma pilha de discos da Casa Edilson do Rio de Janeiro.
Porcelana de Limoges (França) e aparelho de louça inglesa faziam parte dos
objetos de uso cotidiano e dos dias de festa.90

88
BATISTA, Eliana Evangelista. A “Revolução de 30” no interior da Bahia: da queda da última barreira
legalista, à formação dos primeiros partidos políticos (Alagoinhas, 1930-1934). XXVIII SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA- Lugares dos historiadores: Velhos e novos desafios, 2015, Florianópolis-SC.
Anais [...] Florianópolis: FAPESB, 2015.p. 1-16. Disponível em:
http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1434423563_ARQUIVO_TEXTOAnpuh2015Eliana.pdf.
Acesso em: 22 mai.2022.
89
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 35.
90
Ibidem, p.36-37.
52

A julgar pelos indícios deixados por ele, seu poderio aumentou e isso também foi
posto em evidência. São documentos e objetos atualmente disponibilizados na Fundação Iraci
Gama que evidenciam as aquisições e sua exibição. São produtos que melhoravam a vida
cotidiana da família, mas que também funcionavam como símbolo da riqueza acumulada pelo
Coronel. Maria da Guia afirma no Riacho da Guia, Santinho foi o primeiro a ter um rádio a
bateria, em que ouvia nele, “fumando grandes charutos”, as notícias do final da Segunda
Guerra. O aumento dos bens também se evidenciou na compra de um automóvel, segundo ela
o primeiro da localidade:

Santinho era conhecido pela velocidade que conduzia seu carro. Vários
foram os acidentes que sofreu e em uma das vezes, ao conseguir
desvencilhar-se dos destroços após a virada do carro em uma estrada, ele
constatou que as quatro rodas ainda giravam no ar. Sacou seu revólver e
alvejou uma a uma. Aquelas rodas não tinham mais por que girar já que o
carro estava todo destruído!91

A narrativa desse episódio na família contribuiu para difundir a imagem de alguém


que tinha um temperamento intempestivo. Santinho é demonstrado nesse relato como um
homem imprevisível, e que não se deixava abater pelos problemas, pois seu carro estava
totalmente destruído, mas ao invés de se mostrar abatido com a situação, mostrou sua irritação
através de uma demonstração de força, ao atingir as rodas do carro com seu revólver. Assim
como a mãe de Santinho é citada no livro de Maria da Guia como uma mulher valente, que
“portava sempre uma garrucha na cintura”, Santinho também é descrito da mesma forma.
Essa visão de Maria da Guia sobre eles pode ser uma construção familiar, pois a memória, e
sobretudo a memória familiar, é produto de uma época e de um meio social. Dessa forma, é
possível que a família tenha reproduzido a memória de um coronel sem temor, como uma
virtude, típica dos homens da época.
A posição de Alagoinhas como entroncamento ferroviário facilitava aos comerciantes
e agricultores escoarem os seus produtos com mais agilidade, além de abrir portas para a
comercialização com outros mercados e a diversificação da produção. Na cidade, os
proprietários de trapiches mais importantes eram Saturnino da Silva Ribeiro, Mario da Silva
Cravo, e Antônio Martins de Carvalho Júnior. Todos eram atuantes na política da cidade,
inclusive exerceram cargos como prefeitos. Para Carlos Nássaro, esses comerciantes

91
Ibidem, p.37.
53

representavam a elite comercial da cidade.92 Isso nos faz pensar que o comércio do fumo
representava uma das atividades mais importantes do município.
Como os principais comerciantes do fumo eram participantes da política local,
podemos compreender a preocupação do poder público com a cultura do fumo, quando ela
entrou em crise após a Primeira Guerra Mundial, pois nesse período a Alemanha criou uma
sobretaxa sobre o produto, em que cobrava um imposto de 180 marcos de ouro por quilo de
fumo que entrasse no país, fazendo com que os negociantes que compravam fumo dos
comerciantes e produtores locais para revender no exterior se afastassem.93
Nesse período, a comercialização do fumo passou a ser prejudicada não só pela
concorrência com o Sul, mas também pelas dificuldades financeiras para manter as máquinas,
e a falta de investimentos que fez com que a Bahia, que tinha a economia baseada na
exportação para o mercado internacional, fosse atingida diretamente pelas oscilações desse
mercado.94Com a crise que provinha desde o início da década de 1930, o vereador Miguel de
Azevedo propôs alguns projetos de leis à Câmara de Vereadores de Alagoinhas em 1936, na
tentativa de solucionar os problemas de renda municipal. Entre esses projetos estava uma
premiação para os lavradores de fumo, criada com o intuito de incentivar a produção.95
Segundo Carlos Nássaro, a concessão de prêmios foi um pretexto dos políticos de
Alagoinhas, para aumentar a arrecadação pública, que vinha sofrendo baixa com a crise
econômica. O projeto buscava alcançar principalmente que os pequenos produtores de fumo,
desmotivados após imposto cobrado pela Alemanha em 1930, que deixou os lavradores e
comerciantes em situação difícil. Era preciso reerguer os proprietários de trapiches e
principalmente os pequenos produtores, que eram responsáveis pela maior quantidade de
produção, mas que não eram recompensados de forma suficiente para continuar a produção
em meio à crise. Dessa forma, o projeto tinha o intento de incentivar a produção de fumo pois
a mesma gerava grande arrecadação para os cofres púbicos.96
Além do fumo, o vereador Miguel de Azevedo também apresentou uma proposta na
Câmara de Vereadores, com o propósito de incentivar a produção da laranja, concedendo

92
PAIXÃO, Carlos Nássaro Araújo. Traços da cidade de Alagoinhas: Memória, política e impasses da
modernização (1930-1949). Dissertação. (Mestrado em História Regional e Local) Departamento de Ciências
Humanas- Universidade do Estado da Bahia. Salvador, 2009. p. 54.
93
Ibidem, p.55.
94
BORBA, Silza Fraga Costa. Industrialização e Exportação de Fumo na Bahia (1870-1930). Dissertação.
(Mestrado em Ciências Humanas) Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1975. p. 11.
95
PAIXÃO, Carlos Nássaro Araújo. Traços da cidade de Alagoinhas: Memória, política e impasses da
modernização (1930-1949). Dissertação. (Mestrado em História Regional e Local) Departamento de Ciências
Humanas – Universidade do Estado da Bahia. Salvador, 2009. p. 56-58.
96
Ibidem, p.57-58.
54

prêmios a quem atingisse a cota de produção determinada. O produto era cultivado em


Alagoinhas desde a segunda metade do século XIX, cujo solo era considerado propício para
sua cultura.97 Na década de 1940, a cidade de Alagoinhas atingiu o posto de maior produtora
de laranjas do Estado da Bahia.98
Joanita Cunha descreve a cidade de Alagoinhas como “a terra da laranja”, onde o fruto
era cultivado nos quintais das residências, e “em qualquer lugar onde houvesse um pedacinho
de chão, surgia uma laranjeira”. Segundo a autora, os frutos extrapolaram as fronteiras da
cidade através dos trens que saiam carregados de laranjas. Os maiores produtores de Laranja
da cidade foram Carlos Cunha, Antônio Martins de Carvalho júnior, Diomedes Robato,
Alvaro Dantas, Alípio Martins, Lucio Bento Cardoso, entre outros agricultores e fazendeiros
do município.99
As terras de Santinho também foram identificadas como adequadas para a plantação
de laranja, investimento de muitos produtores da cidade de Alagoinhas, mas segundo Maria
da Guia Santinho nunca se interessou por tal cultura, pois o “fumo foi seu negócio maior e sua
paixão foi a política local”.100
O projeto de incentivo à produção do fumo foi divulgado pelo coronel Santinho no
Jornal de Alagoinhas em 1939, periódico que pertencia ao próprio coronel. É provável que
naquele momento, o coronel também estivesse preocupado com a sua produção e
comercialização de fumo, em meio à crise que a produção vivenciava.

97
Ibidem, p. 60-62.
98
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Rio de
Janeiro, 1958, p. 21-25. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br. Acesso em: 23 jan. 2022.
99
SANTOS, Joanita da Cunha. Traços de Ontem. Belo Horizonte: Graphilivros Editores, 1987. p. 27-30.
100
Ibidem, p. 36.
55

Figura 15 - Concurso do fumo

Fonte: Jornal de Alagoinhas. Ano I, 15.01.39, p. 2.

O projeto concedia prêmios para lavradores que tivessem alcançado uma produção
superior a mil trezentos e cinquenta quilos de fumo por ano. Com o projeto aprovado pela
Câmara, foi necessária a ajuda do Instituto do Fumo, que segundo Carlos Nássaro tinha o
objetivo de trazer métodos modernos para o desenvolvimento do produto, financiando o
aumento da produção de forma quantitativa e qualitativa, com a disponibilização de créditos e
novas técnicas de manipulação.101
Segundo Paulo Henrique Almeida, o IBF (Instituto Bahiano de Fumo) foi implantado
em 1935 como um órgão do Estado que se responsabilizava pela produção e distribuição de
sementes e mudas selecionadas, além de prestar a orientação técnica no cultivo e
beneficiamento da folha.102 O instituto foi criado com a intenção de fortalecer a economia
fumageira baiana, pois de acordo com o autor, entre 1901 e 1950, houve dois períodos
distintos relacionados a exportação do fumo na Bahia. O primeiro caracterizou-se por um
lento crescimento da quantidade exportada, que durou até o início dos anos 1930, que

101
PAIXÃO, Carlos Nássaro Araújo. Traços da cidade de Alagoinhas: Memória, política e impasses da
modernização (1930-1949). Dissertação. (Mestrado em História Regional e Local) Departamento de Ciências
Humanas- Universidade do Estado da Bahia, Salvador, 2009. p. 57.
102
ALMEIDA, Paulo Henrique de. A manufatura do fumo na Bahia. Dissertação. (Mestrado em Ciências
Humanas) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1983. p. 66.
56

correspondeu ao auge do consumo de charutos em escala internacional. O segundo


caracterizou-se pela tendência declinante na quantidade exportada, que correspondeu ao
aumento do consumo do cigarro, que suplantou o consumo de charutos, e também a Segunda
Guerra, que abalou o mercado exterior.103

Figura 16 - Inauguração do Instituto do Fumo

Fonte: DESCONHECIDO

A imagem acima foi capturada na inauguração do Instituto do Fumo em Alagoinhas.


Não conseguimos ter acesso à data exata da inauguração, nem o autor da fotografia, e
mantemos a legenda da própria fotografia. É provável que ela tenha sido feita entre os anos de
1935 e 1937, pois esse período corresponde a criação do Instituto do Fumo em 1935, e o
projeto da Câmara Municipal de Alagoinhas para incentivar a produção do fumo em 1937.
Na imagem observamos um grupo de homens bem arrumados, provavelmente pertencentes a
“elite do comércio do fumo” como afirmou Carlos Nássaro. Não conseguimos identificar o
coronel Santinho na imagem, mas possivelmente ele estava envolvido nesses projetos, e que
estivesse inserido nesse contexto como uma forma de consolidar a permanência e ampliação
da produção fumageira no entorno da cidade, que considerando a promoção de incentivo aos
produtores, estava decaindo.

103
Ibidem, p. 67.
57

Alguns políticos importantes de Alagoinhas como Mario da Silva Cravo e Saturnino


da Silva Ribeiro eram proprietários de trapiches de fumo104, possuíam cargos políticos
importantes e uma estrutura financeira abastada. Joanitta Cunha aponta em suas memórias que
Saturnino da Silva Ribeiro possuía a casa comercial mais importante da cidade, e que o
mesmo era “um milionário da terra, com a fortuna avaliada, nesse tempo, em duzentos contos
de réis”.105 Entendemos assim que de fato havia uma elite comercial que estava preocupada
com a produção do fumo, e que esse incentivo se deu pelo declínio da produção e risco da
perda do status alcançado com a produção de fumo até então.
No entanto, mesmo com os esforços do poder político municipal, a economia
fumageira decaiu. Em meados de 1950 a difusão do consumo de cigarros, em detrimento do
consumo de charutos beneficiou as regiões produtoras dos fumos “louros”, localizadas no sul
do país, prejudicando assim a fumicultura baiana, especializada em fumos “escuros”,
utilizados na produção de charutos. A pressão da concorrência levou ao declínio antigas
empresas produtoras de artigos de fumo, conduzindo a queda da participação baiana no
comércio do produto.106
O comércio do fumo do coronel por mais rentável que tenha sido não chegou a
estabelecer relação com o exterior, como ocorreu com outros produtores baianos, mas ainda
assim, a decadência do fumo também chegou até os negócios do coronel, pois mesmo antes
do seu falecimento, suas filiais em outros estados tinham sido desfeitas. Segundo Maria da
Guia, quando o coronel estava em avançada idade, o genro se desprendeu da filial que o
coronel mantinha em Fortaleza, a qual ele administrava, e tornou-se comerciante de outros
gêneros na cidade. Já o coronel Santinho se manteve como vereador e com o negócio com
gado, até seu falecimento, em setembro de 1963.107

104
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979. 327-336.
105
SANTOS, Joanitta da Cunha. Traços de Ontem. Belo Horizonte: Graphilivros Editores, 1987. p. 20.
106
ALMEIDA, Paulo Henrique de. A manufatura do fumo na Bahia. Dissertação. (Mestrado em Ciências
Humanas) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1983. p.91-92.
107
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 36.
58

CAPÍTULO 02: O CORONEL SANTINHO NAS CONJUNTURAS DA PRIMEIRA


REPÚBLICA E DA REVOLUÇÃO DE 1930

Para analisar a inserção de Santinho na vida política é necessário voltar aos momentos
e pessoas que o motivaram, a fim de nortear os acontecimentos que, de certa forma,
conduziram o início de sua trajetória política. Santinho nasceu em 1883, em uma década
bastante agitada para a conjuntura política brasileira em diversos aspectos, e a atuação de
alguns membros da família do coronel naquele contexto, mais precisamente nas discussões
relacionadas à Primeira República, nos dá um indicativo de que sua família lhe passou o
legado ou o interesse para a política. Já inserido na política local, Santinho participou dos
movimentos que sucederam a Revolução de 1930, inicialmente como um apoiador da Aliança
Liberal. Neste capítulo, trataremos de alguns aspectos da trajetória econômica e política do
coronel Santinho, no período que se estende da Proclamação da República ao movimento
revolucionário de 1930, atentando para os aspectos de maior destaque, considerando como fio
condutor a participação do coronel e de seus familiares nessas conjunturas. Para este capítulo,
utilizamos como fontes principais, textos memorialísticos que se referem à cidade de
Alagoinhas, as memórias de Maria da Guia e dos familiares de Santinho, periódicos locais e
também de outros estados que cobrem o período.

2.1 ATUAÇÃO DOS FAMILIARES DE SANTINHO NAS DISCUSSÕES SOBRE A


REPÚBLICA

No decorrer da década de 1880, o Império brasileiro passava por momentos de


fragilidade diante de questões políticas e sociais, que culminariam no fim do regime
monárquico e início da Primeira República do Brasil. Segundo Emília Viotti da Costa, nas
versões tradicionais, a Proclamação da República resultou das crises que abalaram o fim do
Segundo Reinado, sendo elas a questão Religiosa, a Militar e a Abolição. No entanto, partindo
para uma análise mais objetiva dos acontecimentos, a autora afirma que a proclamação foi
resultado das profundas transformações que vinham ocorrendo no país, a decadência das
oligarquias ligadas a terra, a abolição, a imigração, o processo de industrialização e
59

urbanização, e a campanha federalista, aspectos que acabaram contribuindo para a ruína da


monarquia.108
Nos anos que antecederam a República, uma grande pauta em discussão era a abolição
da escravatura. A lei do Ventre Livre de 1871, e a lei dos Sexagenários em 1885, afloraram
ainda mais a campanha abolicionista, que possuía a participação de jornalistas, escritores,
advogados, tipógrafos, ferroviários, comerciantes, e até mesmo alguns proprietários, que
defendiam a abolição imediata e incondicional, sem medidas paliativas. Desde posições
abolicionistas mais moderadas, que não incitavam a sublevação escrava, como as de Joaquim
Nabuco, às vertentes mais radicais, como as de José do Patrocínio, que pregava uma
participação mais ativa da população, o Brasil seguia a caminho da abolição de fato. Assim,
entre projetos, propostas, e adesões de importantes segmentos políticos e sociais, e também
em meio às pressões, e a situação caótica que o momento trouxe para o Brasil, a escravidão
foi finalmente extinta em 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, assinada pela regente
Isabel.109
Emília Viotti da Costa, afirma que a abolição foi responsável por um “golpe de morte”
na estrutura colonial de produção do país, e a classe senhorial, que representava o alicerce da
monarquia, foi profundamente abalada, de forma que a Lei Áurea enfraqueceu a monarquia
em suas bases. Entretanto, a autora enfatiza que a abolição não foi a causa da República, mas
que ambas foram resultado das repercussões das mudanças ocorridas na estrutura econômica
do país, que provocaram a destruição dos esquemas tradicionais, abalando as classes rurais
que serviam de suporte para o trono, precipitando assim a queda da monarquia.110
Na Bahia, a abolição não foi bem recebida, a julgar pela quantidade de escravos que
ainda permaneciam realizando trabalhos forçados em propriedades senhoriais, cujos
proprietários possivelmente não esperavam o fim da abolição sem o recebimento de uma
reparação material. Com o advento da República, impunha-se a necessidade de ajustar-se a
um novo regime, tendo a mentalidade ainda ligada à sociedade monárquica outrora no poder,
causando conflitos em todo o Brasil entre os detentores do poder político, e na Bahia não foi
diferente.
Segundo Maria Yedda Linhares, o movimento abolicionista desmobilizou-se logo em
seguida à abolição, não mais se preocupando com o destino daqueles que estavam libertos,

108
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Fundação Editora
da UNESP, 1999.
109
LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990, p. 421-426.
110
COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo: Fundação Editora
da UNESP, 1999.
60

aos quais não restou alternativa senão permanecer trabalhando nas fazendas onde estavam, em
condições que pouco diferiam da anterior, sujeitos a tutela de seus antigos senhores. 111 Para
Walter Fraga Filho, mesmo após a abolição, muitos desses trabalhadores continuaram a
manter laços de dependência, e na maioria dos casos, a liberdade não significava a opção de
escolha em relação ao trabalho agrícola, pois os livres e libertos precisavam muitas vezes
continuar no mesmo ambiente, para garantir a sua sobrevivência e alguns acordos
costumeiros, de forma que a abolição não significou uma ruptura social e econômica com o
modelo anterior.112
De acordo com Iacy Maia Mata, na Bahia, uma região predominantemente agrícola,
as grandes lavouras do interior e do recôncavo dependiam fundamentalmente da mão de obra
escrava. A província baiana concentrava 10% da população escrava do Brasil, senhores ricos
empregavam número considerável de escravos na produção da cana, e às vésperas da
abolição, a Bahia possuía uma significativa população escrava. Para a autora, na Bahia a Lei
Áurea não significou o reconhecimento de um fato consumado, pois alguns escravocratas
baianos se recusaram a crer que a lei aboliria imediatamente a escravidão, muitos dos quais
não queriam abrir mão de suas prerrogativas senhoriais, utilizando-se muitas vezes até mesmo
da violência.113
Na cidade de Alagoinhas, a transição não foi diferente dos demais locais do país.
Havia uma preocupação das autoridades com o reordenamento do trabalho após a abolição,
principalmente após a chegada da linha férrea, que representava a modernidade, e por isso
prezava-se pelo seu bom funcionamento, reprimindo a população desocupada. Com a
predominância de atividades agrícolas na região, havia também por parte dos legisladores
uma preocupação com a economia agrícola, que era mantida principalmente com a mão de
obra escrava.114
De acordo com Américo Barreira, Alagoinhas já estava com uma economia em
decadência, com alguns engenhos antes prósperos como o Engelho Velho, Barbado e
Quizambú, transformados em fazendas para plantação de fumo. A decadência era atribuída a

111
LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990, p.426.
112
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da Liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia
(1870/1910). Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
113
MATA, Iacy Maia. Os “Treze de Maio”: ex-senhores, polícia e libertos na Bahia pós-abolição (1888-1889).
Dissertação. (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia – Salvador, 2002.p. 1-3.
114
SANTANA, Antônio Hertes Gomes de. Possíveis memórias do trabalho na escravidão e no pós-abolição em
Alagoinhas. In: X ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA ORAL. Testemunhos: História e Política, 2010,
Recife/PE. Anais [...] Recife: UFPE, 2010. p.1-13. Disponível em:
https://www.encontro2010.historiaoral.org.br/resources/anais/2/1268951319_ARQUIVO_Possiveismemoriasdot
rabalhonaescravidaoenoposabolicaoemAlagoinhas.pdf. Acesso em: 29 mai. 2022.
61

uma crise comercial e agrícola que assolava o Brasil no período, atingindo a cidade, que tinha
sua maior riqueza quase exclusivamente das lavouras. Segundo Barreira, a abolição anunciou
as perdas materiais que o Brasil teria, em que os maiores culpados eram os senhores de
engenho, que não se prepararam para a transformação que lhes chegou de surpresa:

Nunca se viu nem antes nem depois uma obsessão tão cega, uma teimosia
tão absurda como a dos escravocratas ou simples retardatários, que pareciam
obumbrados pelo clarão deslumbrante de Liberdade que se avizinhava,
dominando a sociedade inteira (...) e, consumado o fato, na certeza da perda
total e irremissível da propriedade escrava, colheu-os o desanimo com o
arredamento do braço forte do cativo, que eles, na vigência do regime negro,
não souberam preparar para o trabalho livre, honrado e produtivo.115

Dessa forma, com o regime Imperial enfraquecido em suas bases com a abolição, a
República se concretizou no Brasil em 1889, quando Marechal Deodoro da Fonseca assumiu
o cargo de primeiro Presidente do Governo Provisório, que durou até 1891. Iniciou-se um
novo regime, e o país passou de uma monarquia para uma República, uma mudança que, de
acordo com Boris Fausto, foi “quase um passeio em termos de episódio”116, em razão da
rapidez com que essa mudança se concretizou.
No âmbito político, a República se caracterizava por uma forte crítica à centralização
monárquica, e pela implantação de um regime político substanciado na política da federação,
baseado no fortalecimento do poder das oligarquias estaduais a partir do coronelismo. Entre
as mudanças feitas pelo novo regime, estava a deliberação de amplos poderes ao Estado, que
poderia criar seus próprios impostos interestaduais, e também o sufrágio universal, que
permitia uma “ampliação” da participação política, desde que os eleitores não fossem
analfabetos. Ou seja, estava excluída de exercer a cidadania a classe mais pobre da população,
que não era alfabetizada.117
José Murilo de Carvalho, no livro os Bestializados, faz um estudo sobre a transição do
regime monárquico para o republicano na cidade do Rio de Janeiro, e afirma que mesmo a
maioria da população permanecendo excluída do processo eleitoral, não estiveram inertes a
esse momento, pois encontraram outros meios de participação política, e construíram sua

115
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Typografia do Popular, 1902.p.206-207.
116
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP. 1994.
117
MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Sociedade: A consolidação da república oligárquica. In:
LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990.
62

própria identidade coletiva, de acordo com a diversidade popular existente. A aparente


indiferença refletia a percepção de que aquela mudança pouco interferiria em suas vidas.118
Concernente à conjuntura política da Bahia na Primeira República, Consuelo Novais
Sampaio afirma que a elite política da Bahia se manteve alheia ao movimento republicano,
que se restringiu a um pequeno número de jovens entusiastas. Os políticos do Império não
concordavam com a participação igualitária do povo na política, e abandonaram a monarquia
a contragosto, quando o regime já estava de fato consumado. Dessa forma, os partidos
políticos baianos que surgiram na Primeira República não eram fiéis aos ideais políticos
republicanos, pois eram organizados aleatoriamente representando interesses individuais, e
para se organizar, necessitavam apenas de um chefe político de prestígio. Por essa razão, os
partidos da Primeira República eram mais reconhecidos pelos nomes dos seus chefes do que
pela própria legenda, pois a fidelidade não era em relação ao partido, mas ao chefe político.119
Para Consuelo Novais Sampaio,

Adeptos de Severino Vieira, como Pedro Lago, por exemplo, depois da


morte do “chefe” e embora já filiado a outro partido, continuava
“severinista”. Mesmo ao considerar-se só e abandonado em 1923, Seabra
conservou um “entourage” de fiéis “seabristas”, muitos dos quais assim se
mantiveram até o fim de seus dias. O “ruismo”, embora esse termo tenha não
só uma conotação política, mas também ideológica, não teve fim com a
morte de Ruy Barbosa, em 1923. Em verdade, “ruistas” atravessaram toda a
República Velha e chegaram até os nossos tempos.120

As disputas não eram em torno de ideias e princípios, mas de interesses individuais,


sujeitos a rompimentos e a formação de novos partidos, sempre com a finalidade de
permanência no poder. Assim, para Consuelo Novais Sampaio, na Bahia da Primeira
República existia uma “política de acomodação”, em que dissensões e fusões partidárias
permitiam uma liberdade de transição entre membros de um partido para o outro. Essas
figuras influentes que eram oriundas da elite do Império, já traziam um controle eleitoral,
advindo de uma longa vida política no regime monárquico, de forma que o controle dos
partidos pelos “chefes” representava mais que uma projeção social, mas uma necessidade de
permanência no poder, no novo regime que se iniciava.121

118
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados. São Paulo: Companhia das Letras. 2001.
119
SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República. Salvador, Editora da
Universidade Federal da Bahia, 1998. p.13.
120
Ibidem, p. 15.
121
Ibidem, p. 16.
63

De acordo com Renato Lessa, na chegada do novo regime houve mais que uma
“ausência de povo”, pois existiu outra ausência marcante, que foi a não reação dos próprios
republicanos. Segundo o autor, não houve uma “modernização política” após a proclamação
da República, que teria sido limitada pela marca da moderação. Dessa forma, o golpe de
estado de 15 de novembro não teria sido um projeto minuciosamente planejado, e a derrubada
do poder monárquico não trouxe de imediato uma nova ordem, mas uma “desrotinização” da
vida política.122 Para Lessa, o governo de Campos Sales (1889-1894), teve como referência
negativa não o regime monárquico, mas a infância conturbada do próprio regime republicano
nos seus 10 primeiros anos, e por essa razão, Campos Sales implementou a política dos
governadores, visando estabelecer uma interação política que viabilizasse o seu mandato.
Com a intenção de suprimir os “inimigos do regime”, e transformar o sentimento republicano
que era pequeno, em maioria eleitoral, Campos Sales implementou a política dos estados, que
passou a intervir diretamente nas eleições:

O processo eleitoral ficaria subordinado, em suas partes mais relevantes, a


responsabilidade dos intendentes municipais, nomeados pelos governadores,
nomeados pelo governo central, que se autonomeou. Aos intendentes
caberiam as seguintes atribuições: a designação dos locais de votação, a
composição das mesas e a apuração final do pleito.123

Nos trinta anos que se seguiram à Primeira República, o Brasil teve uma organização
social marcada pelo predomínio do setor industrial e agrário, em que São Paulo e Minas
Gerais comandavam a vida política do país através de uma apropriação do poder central. O
federalismo consagrou os desejos das elites dominantes do país, que no regime Imperialista
não tinham possibilidades de ascensão ao poder, pois dependiam da submissão à elite
dominante do Império. O estabelecimento da República permitiu que diversas economias
locais ascendessem ao poder em seu âmbito regional, utilizando mecanismos para sua
permanência no poder, sendo um deles o coronelismo.124

2.2 ADESÃO DE ALAGOINHAS E RIACHO DA GUIA AO MOVIMENTO


REPUBLICANO

122
LESSA, Renato. A Invenção Republicana: Campos Sales, as bases e a decadência da Primeira República
brasileira. Rio de Janeiro: Topbooks, 1990, p. 17.
123
Idem, p. 25.
124
MONTEIRO, Hamilton de Mattos. Da República Velha ao Estado Novo. In: LINHARES, Maria Yedda
(org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990.
64

Conforme Américo Barreira, na cidade de Alagoinhas, a notícia da proclamação da


República foi uma surpresa, porque assim como para o restante dos brasileiros, na cidade ela
também não era esperada tão cedo. Segundo o autor, o povo alagoinhense soube das primeiras
notícias no dia 15 de novembro, continuando suas atividades corriqueiras sem muitos abalos,
e somente no domingo, dia 17, após as ocupações da feira do sábado, é que alguns cidadãos
combinaram uma reunião, a fim de aderir ao movimento republicano já vitorioso.125 A referida
reunião aconteceu na casa do coronel Anísio Pinto Cardoso, um político importante da região,
natural de Inhambupe, e fundador e coproprietário do jornal Correio de Alagoinhas por
diversos anos.126 A reunião contou com a presença de vários cidadãos locais, assim como
narrou Américo Barreira:

Aos dezessete dias do mês de novembro do ano do nascimento de Nosso


Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta e nove, nesta cidade de
Alagoinhas e casa de residência do cidadão Anísio Pinto Cardoso, presentes
os cidadãos abaixo assinados afim de deliberarem sobre o movimento
republicano que no Rio de Janeiro se levou a efeito, e mais para nomear-se
uma Comissão ou Centro Provisório que se dirija ao chefe do Governo
Provisório no Rio e ao governador na província, passou por aclamação que
se expedisse imediatamente telegramas ao chefe do governo provisório e ao
governador da Bahia, oferecendo adesão perfeita e sem restrições ao
programa do governo republicano, o que se fez por telegramas expedidos in
continenti.127

No episódio, elegeu-se o cidadão Pedro José Devay como presidente da reunião, e


Ignácio Pascoal Bastos como vice-presidente. Durante a sessão, um telegrama chegou às
mãos dos cidadãos reunidos, vindo da província da Bahia, e dirigido por Severino dos Santos
Vieira, o qual anunciava a todos a adesão da província baiana ao governo provisório, notícia
que foi recebida com entusiasmo por parte dos alagoinhenses reunidos. No dia 19 de
novembro, em uma nova reunião, desta vez realizada pela Câmara Municipal, o município
proclamou sua adesão oficial à causa republicana, criando também o Centro Provisório
Alagoinhense. O telegrama enviado pelos cidadãos de Alagoinhas ao governador da Bahia,
foi publicado no Diário Oficial em 21 de novembro de 1889.128
Em 29 de novembro, a população do distrito de Riacho da Guia também se reuniu para
afirmar sua adesão ao novo regime e ao Centro Provisório Alagoinhense. O Riacho da Guia

125
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Tipografia do Popular, 1902. p. 50.
126
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979. p. 277.
127
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Tipografia do Popular, 1902. p. 50.
128
Ibidem, p.50-55.
65

naquele momento, já evidenciava ser uma localidade de peso político da região, demonstrou
uma capacidade de adaptação aos novos rumos que a nação seguia, e que os cidadãos dali não
estavam alheios aos acontecimentos políticos do país. Américo Barreira retratou um trecho da
ata dessa reunião em seu livro:

Acta de reunião Republicana do Riacho:


Aos vinte e nove dias do mez de dezembro do anno do Nascimento de Nosso
Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e oitenta e nove, neste arraial do
Riacho de Nossa Senhora da Guia,(...) reunidos os abaixo assinados com o
fim de deliberarem sobre a atitude que devem assumir ante da transformação
política por que acaba de passar o país, aclamaram presidente da presente
reunião o cidadão Firmino Joaquim de Sant’Anna, que em breves palavras
explicou os motivos da reunião apoiando por si francamente sem reservas o
novo sistema estatuído e mais ainda, que se devia criar nesse arraial um
diretório Republicano provisório unido e aliado em todos os terrenos ao
centro Republicano provisório Alagoinhense, cuja ideia foi recebida debaixo
das mais vivas aclamações.129

A reunião resultou na criação de um Diretório Republicano, em que Firmino Joaquim


de Sant’Anna, tio do coronel Santinho, foi eleito presidente. Uma cópia da ata foi enviada ao
Centro Provisório Alagoinhense, a fim de que este a fizesse chegar às mãos do governador do
Estado, para que o mesmo soubesse da adesão dos riachenses ao movimento.130 No livro
Vultos e Feitos do Município de Alagoinhas, Salomão Barros também faz menção sobre a
reunião do dia 29 de novembro, no Riacho da Guia:

O Distrito de “Riacho da Guia” secundou nessa atitude pública e devotado


civismo, aos 29 de novembro do mesmo ano de 1889, - após reunião
efetuada na casa residencial do cidadão Januário Ferreira de Oliveira, e sob a
presidência do cidadão Firmino Joaquim de Santana – criando-se em seguida
um diretório provisório do Centro Republicano.131

Em meio aos participantes da citada reunião, relacionada à causa republicana,


estiveram presentes o pai do coronel Santinho, Antônio Lucio dos Santos Silva, e seu irmão
Firmino Joaquim de Sant’Anna, outrora mencionados, que a julgar pelo relato de Américo
Barreira e de Salomão Barros, participaram ativamente das discussões, demonstrando
envolvimento e interação com as mudanças ocorridas na conjuntura política do país. Firmino
Joaquim, tio de Santinho, foi descrito por Américo Barreira como lavrador, morador do

129
Ibidem, p. 58.
130
Ibidem, p. 59.
131
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979. p. 201.
66

Riacho da Guia, fundador do Club Republicano, e também Conselheiro Municipal, em


1891.132
Esse pano de fundo sobre a implantação da República no Brasil, na Bahia, em
Alagoinhas, e no Riacho da Guia, nos permite compreender a situação política existente no
período, que favoreceu o surgimento do sistema coronelista, e também permite considerar,
que a influência familiar ajudou Santinho a adentrar no cenário político local. Na ocasião da
Primeira República, Santinho tinha apenas 06 anos de idade, e anos depois se tornaria
personagem de destaque como coronel na cidade de Alagoinhas, atuando principalmente na
localidade do Riacho da Guia, terreno pavimentado politicamente por seu pai e seu tio.

2.3 PRÁTICAS CORONELISTAS DE SANTINHO

Como já mencionado, uma das características da Primeira República foi o


fortalecimento do poder do Estado através do sistema coronelista. Há várias vertentes
historiográficas que tratam do momento inicial do coronelismo. 133 Apesar das versões sobre a
formação do coronelismo serem conflitantes em alguns pontos, percebemos que a maioria dos
autores afirma a importância da Primeira República, seja para seu surgimento ou mesmo seu
desenvolvimento. Dada a inegável influência, tomamos como ponto de referência o texto de
Victor Nunes Leal, Coronelismo, Enxada e Voto, em que o autor afirma que o surgimento do
coronelismo teve estreita relação com a Primeira República, a qual permitiu a primeira
experiência do Brasil com o federalismo, criando um novo ator político com amplos poderes,
que foi o governador. Para o autor, o coronelismo surge como uma versão diferente do
mandonismo local, como uma fase de sua evolução, pois no momento em que o poder do
mandonismo local enfraquece com o surgimento do Estado, o coronelismo surge emprestando
os votos necessários para a manutenção do governador, e recebendo em troca poder e

132
BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro. Alagoinhas:
Typografia do Popular, 1902, p.144.
133
Para Eu Soo Pang, a raiz do coronelismo encontra-se no período colonial, onde sua legitimidade se baseava
em um status de senhor absoluto, em que o cargo de coronel poderia ser dado a advogados, professores,
comerciantes, padres, ou seja, ser coronel não significava necessariamente ser um fazendeiro. Entretanto, ele
afirma que o coronelismo passou por um amadurecimento como instituição com o início da Primeira República.
Na mesma vertente de Eu Soo Pang, Maria de Loudes Janotti também enfatiza que as raízes do coronelismo
estavam sedimentadas no Império, e que a República apenas ampliou o seu papel dentro da nova estrutura
política. Ver: PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934. A Bahia na Primeira República Brasileira.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1979.; JANOTTI, Maria de Lourdes M. O Coronelismo: Uma
política de compromissos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.Ver também: CARVALHO, José Murilo.
Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo. Uma discussão conceitual. Dados, Rio de Janeiro, 1997.; QUEIROZ,
Maria Isaura Pereira de. "O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira". Anhembi, 1957.; CAMMACK,
Paul. “O Coronelismo e o Compromisso coronelista: Uma Crítica". Belo Horizonte, 1979.
67

prestígio. Dessa forma, o surgimento do coronelismo tem a ver com a relação de cooperação
entre o Município, o Estado, e o Presidente da República. Um sistema de compromissos que
só passou a existir com o contexto político possibilitado pela Primeira República.134
Nos ambientes rurais, o coronelismo se apresentou por meio de homens providos de
terras, de relações comerciais e políticas, atributos que favoreciam a sua influência sobre a
população, como no caso do coronel Santinho. O envolvimento de Santinho na política
começou cedo, pois ao que tudo indica, sua família o preparou para essa carreira,
considerando a preocupação com a formação de Santinho quando criança. É provável que ao
mudar-se para o Riacho da Guia, Santinho já tivesse a intenção de desenvolver uma relação
política com a população, e formar uma estrutura de poder que favorecesse seu
desenvolvimento político, pois segundo Maria da Guia, mesmo quando ainda morava com os
pais na fazenda Patioba, na década de 1910, Santinho já tinha envolvimento com a política do
Riacho da Guia, e no período eleitoral se dirigia ao local para ajudar nas eleições, que no
período aconteciam pelo método “bico de pena”:

É sabido que, na época apropriada, Santinho ia ao Riacho da Guia para,


junto com um antigo e respeitado morador do Arraial, seu Santo Nogueira,
preparar e realizar a eleição. Essa acontecia pelo método “bico de pena” ou
“bicório”, isto é, os responsáveis convocavam as pessoas para votar e depois
redigiam a ata correspondente, provavelmente com resultados adequados a
uma realidade de certa maneira previsível.135

Segundo Nunes Leal, o método do “bico de pena” era um processo em que, na maioria
das vezes, o vencedor já era conhecido, pelo fato de ser corriqueira a compra de votos dos
eleitores, em sua maioria moradores rurais que “obedeciam” a orientação dos seus chefes
locais.136 De acordo com Boris Fausto, no período o voto não era obrigatório, mas o povo
encarava as eleições como troca de favores, e os resultados não representavam a escolha da
população, em razão das fraudes eleitorais, das falsificações de atas, e da pressão dos chefes
locais a que os votantes estavam sujeitos.137
Formalmente a atuação política de Santinho teve início quando ele tinha 24 anos, com
o exercício do mandato de Conselheiro Municipal, em 1907, como consta no livro de atas da

134
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São
Paulo: Companhia das letras, 1948. p. 6.
135
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011.p. 30.
136
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São
Paulo: Companhia das letras, 1948.
137
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP. 1994. p. 262.
68

Prefeitura Municipal de Alagoinhas.138 Sua nomeação para o posto de tenente coronel veio
logo depois, por meio do decreto de 20 de novembro de 1907, assinado em 9 de abril de 1908
pelo presidente da República Afonso Pena, que lhe conferia o título de comandante do 481°
Batalhão de Infantaria da Comarca de Alagoinhas.139
Segundo Maria Janotti, os postos da Guarda Nacional, utilizados no período regencial
para submeter escravos e grupos sociais aos interesses dos senhores de terras, foram ocupados
em sua maioria por mandatários locais:

Majores, tenentes, e coronéis eram títulos muito cobiçados. A patente de


coronel, uma das mais valorizadas, deixou aos poucos de se relacionar
estritamente ao exercício de uma função militar ou policial, passando
popularmente a ser empregada para distinguir os chefes políticos.140

Assim, o cargo de tenente coronel passou a ser prestigiado e representava o cargo ou


título de chefe local. Provavelmente só era concedido àqueles que possuíam determinado
prestígio, representado em forma de terras e poderio econômico. Santinho também foi
nomeado como suplente do Juiz de Direito da Comarca de Alagoinhas, pela Secretaria do
Interior, Justiça e Instrução Pública da Bahia, no período de 18 de novembro de 1922 ao ano
de 1924.141 Nesse cargo o coronel Santinho foi responsável por organizar os pleitos eleitorais
nas eleições estaduais de 1925. Ele trabalhou organizando as mesas eleitorais do município,
divulgando nos jornais da cidade informações sobre os locais do funcionamento das seções
eleitorais e seus respectivos mesários.142A julgar pela pouca idade de Santinho no período, a
obtenção de cargos e funções tão importantes certamente estiveram atrelados aos laços
familiares e políticos, que ao que parece, possibilitaram estas colocações.
Segundo o jornal Correio de Alagoinhas, o número de eleitores do Riacho da Guia no
início da década de 1920, era de aproximadamente 241 eleitores143, e nesse período, fraudes
eleitorais já eram relatadas no distrito. O jornal A Pátria Baiana, no ano de 1920, denunciou
ações ilícitas nas eleições de Alagoinhas, segundo o articulista ocorreram principalmente nos
distritos, como Igreja Nova, Araçás e Riacho da Guia, local em que “nem ao menos [ilegível]
o prédio onde devia funcionar a seção eleitoral dali, pelo que não houve sequer simulacro de
138
Livro de Atas do Conselho Municipal de Alagoinhas, 1907, p. 09. CEDOMA (Centro de Documentação e
Memória de Alagoinhas).
139
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011.p.30-31.
140
JANOTTI, Maria de Lourdes M.O Coronelismo: Uma política de compromissos. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1981, p. 22-21.
141
O Documento encontra-se com cópia em anexo ao livro Coronel Santinho do Riacho da Guia.
142
EDITAL. Correio de Alagoinhas, Alagoinhas, 23 jan. 1925. p.2/8.
143
EDITAL. Correio de Alagoinhas, Alagoinhas, 17 out. 1925.p.3/4.
69

eleição.”144 No ano mencionado Santinho ainda não era suplente de Juiz de Direito, mas a
julgar pela afirmação de Maria da Guia, de que Santinho desde cedo participava da
organização das eleições do Riacho, é possível que talvez ele soubesse ou mesmo tivesse
algum envolvimento nessas fraudes eleitorais narradas sobre o Riacho.
Exercendo o cargo de vereador, Santinho foi eleito por alguns mandatos representando
o Riacho da Guia e, em alguns deles tomou posse como presidente da Câmara, demonstrando
o peso da sua influência na localidade do Riacho nas eleições, pois na maioria das vezes, o
presidente da Câmara era o vereador eleito mais votado. Em meio aos documentos do coronel
disponibilizados pela família para a FIGAM, está presente uma lista de todos os eleitores do
distrito do Riacho da Guia, e essa relação provavelmente o ajudava no controle do seu
eleitorado. Keite Maria Santos Lima, ao dissertar sobre o Coronel Saturnino Ribeiro145,
afirmou que a ascensão política do mesmo se deu principalmente graças aos seus aliados,
representantes políticos de grande importância para o período, como J.J. Seabra e Dantas
Bião, e também por políticos influentes do local, como o coronel Santinho do Riacho da Guia,
citado pela autora como destacada figura no cenário político de Alagoinhas.146
No período, a organização agrária do Brasil possibilitava a dependência da população
rural ao fazendeiro, e impedia o contato direto dos partidos com essa parcela de eleitores, que
era majoritária, de forma que o intermédio do dono de terras se tornava essencial para o
governo do Estado conseguir vencer as eleições. Os dependentes dos senhores de terras
consideravam o patrão como seu benfeitor, pois era por meio dele que conseguiam alguns
favores, e os votos de cabresto resultavam dessa organização econômica rural, de forma que a
dependência que se mantinha impedia, na maioria das vezes, os trabalhadores contestarem por
melhorias, pois a falta de suporte do Estado mantinha na figura do coronel, o seu único
benfeitor.147 Além da proximidade, afinal, nas urgências da vida como a alimentação e os
auxílios nos momentos de doenças e mortes de familiares, era com eles que a população
poderia contar.

144
O PLEITO nos distritos ocorreu fraudulentamente. Jornal A Pátria Baiana, Salvador, 16 jun. 1920.
145
Segundo Keite Lima, o coronel Saturnino foi um homem de origem simples que conseguiu fazer carreira
política, chegando até o cargo de Intendente do município de Alagoinhas.
146
LIMA, Keite Maria Santos do Nascimento. O Coronel Saturnino da Silva Ribeiro e a cidade de
Alagoinhas – Ba. Uma história de reconhecimento e esquecimento (1905-1937). In: XXVIII SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA – Lugares e Historiadores: Velhos e novos desafios. Florianópolis/SC, 2015.
Disponível em:
http://www.snh2015.anpuh.org/resources/anais/39/1434398820_ARQUIVO_OCORONELSATURNINODASIL
VARIBEIROEACIDADEDEALAGOINHAS.pdf. Acesso em 24 maio 2022.
147
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São
Paulo: Companhia das letras, 1948. p. 25.
70

Por essa razão a figura de homens como Santinho se fizeram notórias nessas regiões
rurais, seja por seus padrões de vida abastados, ou pelo seu modo de demonstrar poder e
autoridade entre os moradores. Maria da Guia enfatiza que para os padrões da época, os
homens eram íntegros em sua forma de viver, e que o coronel Santinho procurava seguir esses
padrões éticos, mesmo em meio a situações desconfortáveis. Ela relata que em certa ocasião,
Santinho seguia para Alagoinhas na boleia de um caminhão, que atolou no caminho, e
“mesmo vestido de terno branco” começou imediatamente a ajudar os que estavam ali a
retirar o caminhão da lama. Segundo ela, em certo momento Santinho viu um jovem que
estava parado, apenas olhando, e então gritou para que o mesmo viesse ajudar, e a resposta
que recebeu foi: “se o senhor está apressado, leve o caminhão na cabeça!”. Essas palavras
teriam levado o coronel a esbofetear o rapaz, e também a sacar o seu revólver para ele, atitude
que segundo a autora foi denunciada à polícia, fazendo com que Santinho respondesse um
processo judicial.148
Percebemos neste episódio, que a autoridade de Santinho foi questionada, pois mesmo
Maria da Guia enfatizando que ele possuía atitudes de um homem que seguia os padrões
éticos da época, procurando ajudar as pessoas mesmo com seu “paletó branco”, elas não
deixavam de ser questionadas, uma vez que ele foi posteriormente denunciado à polícia. Não
tivemos acesso ao processo mencionado, mas destacamos que a autoridade de Santinho foi
enfrentada perante a justiça. Após o ocorrido, Maria da Guia afirma que os amigos do
coronel, e também o seu genro, o incentivaram a negar o espancamento diante do juiz, para
que a situação fosse amenizada e sua sentença fosse favorável, mas que na hora precisa ele
narrou os fatos como realmente tinham acontecido, afirmando que: “um homem da minha
idade não vai mais aprender a mentir!” Maria da Guia afirma ainda que “esse era o código de
ética dos homens daqueles tempos”.
É um relato questionável, pois dizer a verdade perante o juiz provavelmente não o
isentava da culpa e da responsabilidade dos atos que cometeu. Há de se pensar que,
possivelmente ao ser aconselhado a dizer a verdade, seus amigos ou o próprio coronel,
tenham tentado subornar testemunhas que estavam presentes no local, para confirmar que ele
não tinha espancado ou ameaçado o rapaz com o revólver. Esta é uma verdade que não
conseguiremos alcançar. Assim, percebemos que Maria da Guia identifica no coronel uma
figura que seguia os padrões de respeitabilidade da época, pelo fato do mesmo não mentir
para esconder os seus erros. Ela não leva em conta a violência da ação. Por outro lado,

148
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 51-52.
71

percebemos que, mesmo descrito como um homem digno, que não aceitava ofensas, o coronel
não estava isento de pagar pelos seus atos, precisando responder na justiça pelos seus erros.
Ainda de acordo com Maria da Guia, no período eleitoral, era na casa de Santinho que
os eleitores do Riacho faziam a solicitação direcionada ao Juiz da Comarca, pedindo a sua
qualificação como eleitor, para que assim fosse expedido o título, que também chegava pelas
mãos do coronel. Segundo ela, nesse período o coronel Santinho e toda a família se
empenhavam em cobrar os favores prestados à população local, e diante da possibilidade de
suspeita de mudança de voto, o eleitor era interrogado na Igreja Católica do Riacho, perante o
altar de Nossa Senhora da Guia, tarefa que era feita por Teresa e Amélia, as filhas de
Santinho.149 Além disso, o coronel oferecia regalias no dia das eleições, possivelmente uma
estratégia para angariar votos e persuadir o eleitorado a comparecer na votação:

Fazia-se o transporte dos eleitores dispersos na redondeza, fosse a carro de


boi ou no carro do coronel, neste dia generosamente utilizado! A comida era
farta, com matança de bois, carneiros, porcos, dentro da variedade possível
da região. As filhas de Santinho trabalhavam como podiam, reforçando os
motivos que justificavam os votos esperados de cada um e até mesmo
tentando persuadir o eleitor a trocar as cédulas (chapas) de votação com o
nome dos candidatos esperados contra os da oposição. 150

Percebe-se no relato, que as trocas de cédulas na hora do voto, feita pelas filhas de
Santinho, indicam que havia oposição política a Santinho no Riacho da Guia, e que o poder e
controle do eleitorado exercido pelo coronel não era absoluto como ela tentou demonstrar,
pois de outro modo não se cogitaria a possibilidade de mudança de voto. É provável que as
regalias oferecidas pelo coronel ocorressem apenas nos períodos eleitorais, como um tipo de
“compra de votos”, ou uma maneira de ludibriar os moradores do local. Para os eleitores de
Santinho as eleições provavelmente não representavam algo relevante em suas vidas. Por
outro lado, o voto que eles direcionavam ao coronel também lhes era conveniente, pois
naquele dia poderiam usufruir de regalias que talvez não conseguissem por seus próprios
meios, e dessa forma era vantajoso para ambos os lados. Nota-se também, que o favor
prestado pelo coronel não representava uma total fidelidade dos eleitores, pois se assim fosse,
não haveria a necessidade coagir o eleitorado, apelando com o recurso da sua fé. Com o
receio de que os eleitores mentissem sobre suas escolhas, se valiam do apelo do juramento
diante do altar da Santa.

149
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011, p. 59.
150
Ibidem, p.58.
72

Cabe descartar que a fala de Maria da Guia denota um engrandecimento do coronel


pelas ações feitas nos dias de eleições, colocadas por ela como ações generosas. Essas
justificativas nos fazem refletir sobre o que Roger Chartier considera sobre as representações
do mundo social, que estão sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam,
que não são de forma alguma discursos neutros.151 Percebemos que Maria da Guia e seus
familiares buscaram promover o discurso de uma família de posses, com um líder político
dominante e influenciador conduzindo esta família, e que suas ações eram justificadas e seus
efeitos atenuados .
Há de se considerar que no município de Alagoinhas havia outros políticos e coronéis
influentes, como é o caso do coronel Saturnino Ribeiro, um caixeiro que fez fortuna
emprestando dinheiro, comprando casas comerciais, investindo em lavoura de fumo, de forma
a adquirir visibilidade na sociedade alagoinhense, se tornando um dos homens mais ricos da
região e também intendente.152 Sendo assim, havia nos arredores outras pessoas detentoras de
poder, as quais disputavam com o coronel os votos dos eleitores, o que deixa explícito a
preocupação dos familiares e do próprio coronel em controlar o voto da população do Riacho.
Em um episódio narrado no livro de memórias sobre Santinho, o Dr. Vieira Lima teria
ido até o Riacho da Guia, distribuir chapas de sua candidatura de vereador, e teve todas elas
uma semana depois, devolvidas pelo próprio coronel Santinho.153 Mario Figueiredo Vieira
Lima era médico diplomado pela Faculdade de Medicina da Bahia, e manteve consultório na
cidade de Alagoinhas por vários anos, onde constituiu família.154 Há de se pensar como o
coronel conseguiu reunir “todas” as chapas distribuídas para devolver ao médico. Pode ser
que até mesmo alguns eleitores do coronel, para demonstrar sua lealdade e continuar contando
com as “trocas” dos favores, tenham entregado as chapas do candidato opositor a Santinho, e
é possível também, que alguns tenham preferido ficar com as chapas sem que o coronel
tivesse conhecimento. Observamos neste episódio narrado, que os políticos, de certo modo,
traçavam linhas de atuação em que outros não poderiam ultrapassar. E estabeleciam alianças
com base nos interesses políticos locais e mais amplas na esfera estadual e mesmo nacional,
como a relação do Coronel Santinho com o coronel Saturnino Ribeiro.

151
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela
Galhardo. Lisboa: Difel/rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p. 17.
152
LIMA, Keite Maria Santos do Nascimento. Entre a Ferrovia e o Comércio: Urbanização e Vida Urbana em
Alagoinhas (1868-1829). Dissertação. (Mestrado em História) Universidade Federal da Bahia – UFBA.
Salvador, 2010. p. 02.
153
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011, p.59.
154
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979. p.312.
73

O envolvimento da família de Santinho nos processos eleitorais, as relações políticas


das quais ele descendia, e os envolvimentos matrimoniais entre familiares, permite-nos
adentrar na discussão de Eul-Soo Pang, quando este afirma que a maioria dos coronéis
brasileiros se situava na categoria de uma oligarquia familiocrática, caracterizada por uma
oligarquia que incluía a família em si, ou parentes por afinidade, como afilhados, organizada
pelo chefe de uma família, em que

O desejo de ganhar o poder público era motivado pela necessidade do clã


defender seus interesses sociais e econômicos, tais como terras agropastoris.
A legitimidade desse tipo de controle era obtida pela habilidade do chefe do
clã em dispensar favores aos seus membros.155

Para Eul-Soo Pang, a oligarquia familiocrática tinha como base defender a


sobrevivência dos seus agregados e conquistar a lealdade política e social dos seus
dependentes. Os laços mantidos entre os familiares de Santinho permitem a reflexão de que a
intenção era manter o poder político e também econômico no seio familiar, como uma forma
de proteger os bens da família. A documentação consultada sobre as eleições permite observar
que Santinho exerceu uma grande influência sobre as pessoas do Riacho, que pôde ser notada
através da fidelidade dos votos que vinham do local, fossem eles para o coronel ou para seus
apoiados. Entretanto, a influência exercida por Santinho na região provavelmente era
resultado das relações de dependência que ele mantinha com os moradores, com as relações
de trabalho e pelos favores prestados, pois para os moradores ele era o coronel,
provavelmente o mais rico da localidade, que tinha mais propriedades de terras, e dessa forma
nos momentos de necessidade era a ele que se recorria, e para tal, era necessário estar em
concordância com os mandos do coronel, mesmo que existisse discordâncias no local.
Entretanto, de acordo com Eul-Soo Pang, seria exagero dizer que o sucesso de um
coronel dependia apenas das suas propriedades de terras, pois durante a Primeira República os
títulos de posse de terras tiveram pouca influência no desenvolvimento do coronelismo, de
forma que para o autor, o sucesso do coronel dependia basicamente da sua habilidade em
trocar os favores sociais políticos e econômicos por votos.156 Considerando essa ideia,
observamos que o coronel Santinho se mostrava empenhado em fazer valer o seu título,
agindo para que houvesse dependência da população em relação a ele, seja através de relações
de trabalho ou dos favores prestados. Provavelmente ele viu no Riacho da Guia uma

155
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934. A Bahia na Primeira República Brasileira. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 40
156
Ibidem, p. 47.
74

oportunidade de empreendimento, e também de exercer ali uma carreira política promissora.


Dessa forma percebe-se que o coronel foi habilidoso em conduzir sua formação, pois suas
ações denotam um coronel empenhado em garantir a continuidade do seu poder político na
localidade do Riacho da Guia.

2.4 PARTICIPAÇÃO DE SANTINHO NA CONJUNTURA DE 1930

O cenário político do Brasil sofreu outra grande mudança em 1930. Um movimento


revolucionário destituiu o poder que as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais exerciam
sobre os Estados e o Governo na Primeira República que passou a ser conhecida como
República Velha. Na primeira República as oligarquias regionais colocavam seus interesses
particulares acima dos interesses do Estado e da Nação, e a política do “café com leite”
caracterizava bem essa conjuntura política do período. Assim, refletindo um conjunto de
transformações que ocorreram na estrutura social e econômica da República Velha e a
insatisfação daqueles que não tinham espaço no poder, formou-se um processo cumulativo
que culminou na Revolução.
Nas eleições de 1929, o presidente paulista Washington Luís insistiu na candidatura do
também paulista Júlio Prestes, a sucessão, o qual era governador do Estado de São Paulo.
Dessa forma, deu-se uma cisão entre as elites dos estados, e a atitude de Washington Luís fez
com que mineiros e gaúchos entrassem em acordo para articular uma candidatura que fizesse
oposição ao candidato apoiado pelo então presidente. A escolha recaiu sobre Getúlio Vargas
para a presidência, e João Pessoa para vice. Formou-se assim a Aliança Liberal, que segundo
Boris Fausto, tinha um programa político que refletia as aspirações das classes dominantes
não associadas ao núcleo cafeeiro, em que defendiam o incentivo da produção nacional e não
apenas do café. O programa também propunha medidas de proteção aos trabalhadores, a
regulamentação do trabalho para menores de idade e mulheres além da aplicação da lei de
férias.157
A partir desse momento, foram formadas as caravanas liberais, que percorreram as
principais cidades do Nordeste divulgando o programa político aliancista. Como apoiador da
Aliança Liberal no período, as articulações na Bahia ficaram a cargo de José Joaquim Seabra,

157
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP. 1994. p. 319-320.
75

que ficou responsável para divulgar a Aliança Liberal na capital e em alguns municípios da
Bahia.158
De acordo com Eliana Evangelista Batista, em Alagoinhas os grupos de maior
projeção social mostraram-se a favor da candidatura de Vital Soares para vice-presidente do
país, onde importantes líderes locais assinaram um telegrama em apoio a essa indicação, entre
os quais estavam Dantas Bião159 e Saturnino Ribeiro, importantes comerciantes da cidade e
apoiadores de Otávio Mangabeira.160
O jornal Correio de Alagoinhas, destacou a passagem da Aliança Liberal na cidade,
em que um discurso em favor da chapa de Getúlio Vargas foi realizado por J.J. Seabra, na
praça de Alagoinhas que leva o seu nome.161A campanha da Aliança Liberal também recebeu
adesão de chefes políticos locais de Alagoinhas. Ligado a José Joaquim Seabra, na esfera
local, o coronel Santinho procurou seguir suas decisões políticas, apoiando inicialmente a
campanha aliancista e posteriormente colocando-se em oposição ao governo Vargas. A
documentação pesquisada permite-nos considerar que Santinho foi muito influenciado por J.J.
Seabra, e foi durante um de seus mandatos como governador da Bahia que Santinho foi
nomeado como substituto do juiz de direito da cidade. Entendemos assim que o sistema de
compromissos do coronelismo era uma realidade na vida do coronel, que buscava dar apoio
ao poder estadual, do mesmo modo que provavelmente dependia do apoio de Seabra, pois
segundo Consuelo Novais Sampaio, enquanto esteve no poder, Seabra procurou desenvolver
em seu governo um esquema de domínio absoluto da política estadual, em que procurava
“controlar o Legislativo na capital, e domesticar os coronéis no interior”.162
Em primeiro de março de 1930, o candidato que representava a elite cafeeira, Júlio
Prestes, venceu as eleições presidenciais. Após a derrota nas eleições, alguns oposicionistas
viram como alternativa apoiar o ponto de vista dos tenentes, que nos anos anteriores teriam
tentado conseguir respostas pelas armas, através do movimento tenentista iniciado em 1922
com a Revolta do Forte de Copacabana. Segundo Boris Fausto, mesmo derrotado,

158
A FRENTE única da Bahia. Jornal A batalha, Rio de janeiro, 4 de set. 1930. Disponível em :
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em 03/03/2022.
159
Joaquim Climério Dantas Bião era natural da cidade de Santo Amaro, na Bahia. Mudou-se para Alagoinhas
na sua juventude e tornou-se um político prestigiado. Formado em medicina pela Faculdade da Bahia, exerceu
mandatos de Senador Estadual, entre os amigos políticos destaca-se Otávio Mangabeira. Ver: BARROS,
Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979.
160
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos. Acomodação e reação política ao governo de
Getúlio Vargas (1930-1937). Tese. (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018. p. 40
161
PRÓ liberal. Correio de Alagoinhas, Alagoinhas, 26 fev.1930. p. 1.
162
NOVAIS, Consuelo Sampaio. Partidos políticos da Bahia na Primeira República. Salvador, Editora da
Universidade Federal da Bahia, 1998, p. 29.
76

posteriormente o movimento tenentista continuava sendo uma força de importância por sua
experiência militar.163 Assim, a Revolução de 1930 foi caracterizada como um Golpe de
Estado, que impediu a posse do candidato Júlio Prestes a presidência da República, eleito
pelo voto popular, e colocou em seu lugar Getúlio Vargas, que assumiu a presidência no
momento que marcou o fim da Primeira República do Brasil. Após o movimento, Getúlio
assumiu um governo provisório, que durou até o ano de 1934, quando pelos termos legais da
Constituição foi eleito como presidente, o que garantiria sua estadia no poder até 1938, ano
em que haveria novas eleições.164
Para Boris Fausto, as disputas em torno da sucessão presidencial, ocorridas em 1929,
ganharam uma expressão mais ampla com a formação da Aliança Liberal. Entretanto, as
forças que realizaram a Revolução não eram exatamente as mesmas que formaram a Aliança,
de forma que a derrota eleitoral de 1929 teria explicado apenas em parte a Revolução. 165De
acordo com Sonia Mendonça, o monopólio do poder estatal pelas elites agrárias não estava
isento de conflitos entre as classes dominantes, e as insatisfações das oligarquias de “segunda
classe”, que reivindicavam a extensão das políticas setoriais, abriu possibilidades para as
cisões oligárquicas que, atreladas a crise econômica que o Brasil passava em 1929, resultaram
na articulação de estados para a derrubada do regime republicano em 1930.166
Na Bahia, as elites baianas receberam o movimento de 1930 com um sentimento de
mal-estar, ao ver desfeita a estabilidade política que o Estado vivia antes desse período. De
acordo com Paulo Santos Silva, era um momento em que as lideranças do Estado
recuperavam uma posição de destaque com a transição governamental de 1930, que colocou a
Bahia em uma posição relevante no cenário político nacional, com a eleição de Pedro Lago.
Essa perspectiva foi afastada com o movimento de 1930, que desfez a acomodação e o bem-
estar dos políticos baianos, visto que a Revolução afastou os principais membros políticos da
Bahia do aparelho do Estado, estes que consequentemente não aderiram ao movimento.167
Para Paulo Santos Silva, o único nome da política baiana que aderiu ao movimento de
1930 foi José Joaquim Seabra. Nascido em 21 de agosto de 1855 e falecido em 5 de dezembro
de 1942, J.J. Seabra foi um personagem expressivo na política baiana, principalmente durante
a República Velha, quando foi governador da Bahia por dois mandatos, o primeiro na eleição

163
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP. 1994. p. 309-310.
164
Ibidem, p.365.
165
Ibidem, p. 227-250.
166
MENDONÇA, Sônia Regina de. Estado e Sociedade: A consolidação da república oligárquica. In:
LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990.p.475-477.
167
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2000, p.25.
77

de 1912, posteriormente senador federal, e novamente governador da Bahia em 1920. Após


alguns conflitos políticos foi enviado ao exílio, retornando em 1926.168
Em um telegrama direcionado a Getúlio Vargas, em 11 de novembro de 1930, J.J.
Seabra manifestou solidariedade ao seu governo e também ao Rio Grande do Sul, afirmando
que ‘sempre seria” aliado do governo de Getúlio, oferecendo também seus préstimos para
seguir como apoiador da causa no estado da Bahia.169 Entretanto, para Paulo Santos Silva, essa
aliança de J.J. Seabra com o governo Vargas deveu-se mais a dissidências políticas locais do
que a identificação do mesmo com a Aliança Liberal. Prova disso é que logo ele se juntou à
oposição, principalmente após ser encarregado pelo novo governo de apurar e punir crimes de
corrupção praticados por políticos opostos, o que significava perseguir os próprios amigos.170
Dessa forma, foi através dessa influência exercida por Seabra que o coronel Santinho
apoiou de início os revolucionários em 1930. Em uma correspondência enviada ao coronel
Santinho pelo governador do estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, um
dos principais articuladores da Aliança Liberal e da Revolução de 1930, o mesmo pedia o
apoio do coronel para a Aliança no ano de 1929:

Ao prezado Sr. Cel. José Lucio dos Santos Silva, saúda cordialmente, e toma
a liberdade de pedir o valioso concurso de sua real e merecida experiência
nesse município, em favor da causa da Aliança Liberal, afirmando-lhe que se
sentirá muito penhorado com o acolhimento que este apelo encontrar em seu
alto patriotismo.171

A correspondência enviada ao coronel em busca do apoio do mesmo endossa a


afirmação de Eliana Batista de que em Alagoinhas a adesão de líderes locais à Aliança Liberal
se deu em função dos laços de amizade e de pedidos pessoais, e não necessariamente pela
defesa do programa de agremiação política.172 Dessa forma, Santinho provavelmente apoiou a
Aliança liberal por sua ligação com Seabra, e também por pedidos pessoais como o de
Antônio Carlos Ribeira Andrada, pois certamente, o que contava para o coronel era reforçar a
ligação com aqueles que lhe trariam benefícios políticos.

168
Ibidem, p. 26.
169
CPDOC. Telegrama de Seabra a Getúlio Vargas. Arquivo: Getúlio Vargas. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo. Acesso em: 10 jun.2022.
170
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2000, p.26.
171
Carta emitida por Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, e endereçada ao coronel Santinho. Este documento
encontra-se nos anexos do livro Coronel Santinho do Riacho da Guia.
172
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos. Acomodação e reação política ao governo de
Getúlio Vargas (1930-1937). Tese. (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018. p.42.
78

A adesão do coronel Santinho foi destacada em alguns jornais do país, e denota que a
inclinação política do coronel naquela conjuntura se mostrava relevante para aqueles que
tinham o seu apoio político. O jornal Correio da Manhã, da cidade do Rio de Janeiro,
publicou no dia 25 de fevereiro de 1930, em uma coluna cujo título era “Uma influência
política que adere a Aliança Liberal”, o anúncio de que José Lucio dos Santos Silva, citado
como influência política da cidade de Alagoinhas, tinha aderido à Aliança Liberal, através de
um manifesto publicado na imprensa.173
O periódico O jornal, em dia 11 de fevereiro de 1930, ao tratar das “Caravanas
Liberais do Norte do Paiz”, informou que, em Alagoinhas, elas foram recebidas por uma
grande massa popular, e que na ocasião o coronel José Lucio dos Santos Silva, e também o
coronel Joaquim Cravo foram citados como prestigiosos políticos de Alagoinhas que
prestaram adesão a Aliança Liberal.174 As caravanas liberais tinham a função de percorrer os
municípios realizando comícios em favor da campanha. Na Bahia, ela era realizada por
políticos como J. J. Seabra, Nelson Carneiro, João Neves, Carlos Machado, entre outros
políticos que ficaram responsáveis por viajar pelas regiões baianas discursando a favor da
causa aliancista.175
A chapa aliancista foi derrotada nas urnas, e as acusações de fraudes eleitorais foram
constantes. De acordo com Eliana Batista, na Bahia, os grupos que estiveram à frente da
Aliança Liberal foram sondados para participar do movimento de conspiração revolucionária,
mas apenas alguns militares e poucos civis foram envolvidos na conspiração. Para a autora,
deve-se considerar que a derrota deveu-se em parte aos efeitos produzidos pela censura da
imprensa, que agiu como uma estratégia para barrar o crescimento da campanha.176
Da mesma forma, percebe-se um descrédito na forma de tratamento dos jornais locais,
quando despontou o movimento revolucionário em outubro de 1930, como observamos no
jornal Correio de Alagoinhas, que traz o título de Borrasca Revolucionária:

É de lamentar que o país voltasse a ser teatro de uma luta sanguinária de


irmãos contra irmãos. O movimento subversivo irrompido em Minas e Rio
Grande do Sul, com o concurso da Parayba, já há meses conflagrada, cujos
governos de há muito propalaram estar contrários a política da União, vem

173
UMA INFLUÊNCIA política adere a Aliança Liberal. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 25 fev.1930. p.2.
Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em: 03/03/2022.
174
CARAVANAS Liberais do Norte do Paiz. O Jornal, Rio de Janeiro, 11 fev.1930. p.18. Disponível em:
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em 03/03/2022.
175
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos. Acomodação e reação política ao governo de
Getúlio Vargas (1930-1937). Tese. (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.p.42-43.
176
Ibidem, p.50-51.
79

merecendo a censura de quantos prezam o Brasil. Infelizmente parece grave


esse movimento, mas não terá piores consequências uma vez que o chefe da
nação conta com o apoio das classes armadas.177

O jornal destacava ainda as forças de combate que estavam disponíveis para vencer o
movimento, e que diante da sua gravidade, Washington Luis afirmava a garantia de que o
abafaria. Todavia, Eliana Batista afirma que a mobilização do governo foi tardia. Segundo a
autora, no âmbito militar, assumiu a liderança na Bahia o tenente Joaquim Ribeiro Monteiro,
que recebia instruções de Joaquim Távora, líder da Revolução no norte do país, e apesar da
derrota nas urnas pelo situacionismo, o movimento revolucionário que se seguiu foi vitorioso.
De acordo com Salomão Barros, em Sauípe, um povoado que fica a 3 km de
Alagoinhas, em 24 de outubro de 1930, a vanguarda revolucionária entrou em combate com o
Posto de Vigilância Legalista, que resultou na morte de um militar, o cabo Josino, deixando
também outros militares feridos. Segundo o autor, Alagoinhas teve um papel de destaque no
movimento revolucionário, e acolheu os vitoriosos da revolução, pois segundo o autor a
vitória da revolução foi anunciada em Alagoinhas, às 10 horas da manhã do dia 24 de outubro
de 1930.178
Segundo Maria da Guia, nesse período de agitações militares com o movimento
revolucionário, os homens do Riacho da Guia se esconderam no matagal em torno do
povoado, e as mulheres e crianças se esconderam na Igreja do distrito. De acordo com a
mesma, o coronel Santinho foi ao encontro da coluna de militares vindos da Paraíba,
comandada por Juraci Magalhães, e foi considerado como um membro vitorioso do
movimento.179 Assim, ao que tudo indica, Santinho esteve inserido na luta revolucionária,
todavia não podemos deixar de identificar no relato da autora, o destaque para a participação
de Santinho no movimento, em detrimento da população do Riacho, que segunda a mesma
teria se escondido.
Com uma base de apoio limitada, a Revolução de 1930 foi se implantando com a
indicação de interventores. Na Bahia, Getúlio Vargas nomeou Leopoldo do Amaral, Artur
Neiva, e por fim, em 1931, o tenente Juracy Magalhães. 180 De acordo com Maria da Guia,
enquanto estava aliado à Aliança Liberal, Santinho participou das articulações revolucionárias

177
BARRASCA revolucionária. Correio de Alagoinhas. Alagoinhas, 11 out. 1930, p.5.
178
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979. P.204-
205.
179
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011.p.30-41.
180
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2000, p.28-30.
80

da época, e da organização da nova liderança do município de Alagoinhas. Na ocasião, Maria


da Guia afirma que foi oferecido ao coronel o cargo de intendente de Alagoinhas, mas que o
mesmo recusou, por se afirmar não ser “ávido por um poder maior do que o que já exercia em
seu povoado”. Segundo a autora, Santinho indicou para o cargo, em seu lugar, Mário da Silva
Cravo, filho do Major Cravo, que segundo o relato era amigo do coronel. 181 Mário Cravo era
um comerciante da cidade, que tinha como principal comercialização o fumo em corda. Não
há registros sobre essa indicação de Santinho para o cargo, mas Mario Cravo da Silva assumiu
o cargo de intendente na cidade de Alagoinhas permanecendo até o ano de 1937.182
A atitude do coronel Santinho, mencionada por Maria da Guia de indicar em seu lugar
Mário Cravo foi bastante destacada pelo próprio Santinho quando se colocou em oposição ao
governo de Getúlio Vargas, pois se dizia arrependido de ter indicado Mario Cravo para o
cargo de intendente em seu lugar. Ao que tudo indica o arrependimento de Santinho era tanto
pela questão política, pois ao se colocar em oposição ao governo, Mario Cravo como prefeito
tornou-se seu opositor direto, quanto pela questão econômica, pois Mario Cravo era
concorrente de Santinho no comércio do fumo em folha. Essas questões serão analisadas no
capítulo seguinte.

181
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 40.
182
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos. Acomodação e reação política ao governo de
Getúlio Vargas (1930-1937). Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018. p. 80.
81

CAPÍTULO 03: CORONEL SANTINHO: OPOSIÇÃO E REDEMOCRATIZAÇÃO

Com a Revolução de 1930, José Joaquim Seabra afirmou seu apoio a Getúlio Vargas e
ao programa da Aliança Liberal. Santinho, que era seu aliado, também apoiou o movimento.
Entretanto, em 1933 ambos já se colocavam em oposição ao governo, participando das
disputas eleitorais com a Concentração Autonomista. Neste capítulo trataremos do período em
que Santinho fez oposição ao governo de Juracy Magalhães (interventor nomeado por Getúlio
Vargas), objetivando entender se esse momento atingiu sua vida econômica e política.
Analisaremos o período que se seguiu ao fim do Estado Novo, em 1945, discutindo a
participação política de Santinho com a redemocratização eleitoral e o seu posicionamento
político no período. Para a condução deste capítulo utilizamos como fontes os periódicos do
município e de alguns estados do país, Atas da Câmara Municipal de Alagoinhas e o livro de
memórias Coronel Santinho do Riacho da Guia.

3.1 EM OPOSIÇÃO

Após a vitória do movimento revolucionário em 1930, José Joaquim Seabra esperava


ser colocado em uma posição de relevo, influenciando na indicação de interventores no novo
governo. Entretanto, os primeiros nomeados ao cargo de interventor não foram seabristas, e
além disso, a Seabra foi dado o posto de presidente do Tribunal Especial, cuja função era
perseguir correligionários e amigos seus, participantes do governo deposto. Seabra então
pediu demissão do cargo, e pouco tempo depois já se encontrava em oposição ao governo.183
A indicação de Juracy Magalhães, para interventor do estado da Bahia, provocou a
união das facções baianas em resistência ao seu nome, pois além de ser jovem, era também
militar e cearense. Em oposição a ele aliaram-se antigos adversários, como J.J. Seabra, Otávio
Mangabeira, Pedro Lago, entre outras forças políticas do período que foram desalojadas do
poder após 1930. Entretanto, apesar das críticas, Juracy Magalhães teve um desempenho
político satisfatório enquanto esteve como interventor da Bahia, pois soube usar o apoio do
coronelato, uma estratégia que foi bem-sucedida, pois, de acordo com Paulo Santos Silva, os
coronéis continuaram a ter papel decisivo no processo político posterior a 1930.184

183
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2000. p. 37.
184
Ibidem, p. 28-31.
82

Inicialmente os grupos adversários criaram a Liga de Ação Social e Política (LASP), e


em seguida a Concentração Autonomista da Bahia, uma corrente política que reivindicava a
autonomia do Estado frente ao poder central. Traduzindo o sentimento dos grupos baianos
afastados do poder em 1930, a Concentração Autonomista pregava uma busca pelo retorno do
prestígio que a Bahia mantinha em comparação a outros estados do país antes de 1930, uma
terra que teria sido o “berço da civilização brasileira”, e morada de grandes intelectuais e
líderes políticos, além de grandiosa em suas produções agroexportadoras. Segundo essa
corrente, a aclamada grandiosidade teria se perdido a partir das mudanças políticas ocorridas
em 1930, mas que apesar da perda de prestígio, “a Bahia ainda era a Bahia”, frase que se
tornou o nome da chapa que reuniu os candidatos a deputados federais, que nas eleições de
1933 se colocaram em oposição a Juracy Magalhães.185
Entre os articuladores do grupo, destacava-se J. J. Seabra, que com 78 anos de idade
passou a assumir a frente de combate do governo de Juracy Magalhães, um governo que
outrora foi aliado. A Concentração Autonomista apresentou candidatos aos pleitos ocorridos
em 1933, para a eleição da Assembleia Constituinte, chapa que foi vencida pelo interventor,
conseguindo eleger apenas dois candidatos, Aloísio de Carvalho Filho e José Joaquim Seabra.
Em 1934, nas eleições para o Legislativo Estadual, os oposicionistas buscaram passar por
cima das divergências grupais e aliar-se por uma causa em comum, assim J.J. Seabra procurou
se reconciliar com Otávio Mangabeira, que passou a encabeçar o bloco oposicionista,
unificando as facções existentes. Entretanto, mesmo em meio às alianças das facções da
oposição, a chapa “governador Otávio Mangabeira” foi parcialmente derrotada nas eleições
estaduais de 24 de outubro de 1934.186
De acordo com Eliana Batista, na campanha eleitoral, os oposicionistas baianos
peregrinaram pelos principais municípios da Bahia, defendendo a devolução da Bahia à posse
de si mesma. Segundo a autora, em Alagoinhas a Concentração Autonomista teve Santinho
como forte aliado nas campanhas, pois o coronel agiu como um importante parceiro na
oposição aos aliados do governo de Juracy Magalhães na cidade. 187 O Diário de Notícias,
periódico do Rio de Janeiro, publicou em 1933, o pacto que Dantas Bião fez com o coronel
Santinho, que nesse período já se colocava em oposição ao interventor do Estado.

185
Ibidem, p.15.
186
Ibidem, p.35-41.
187
BATISTA, Eliana Evangelista. Reações à Concentração Autonomista no interior da Bahia (1932/1937).
In/: XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA- Conhecimento histórico e diálogo social, 2013, Natal/RN.
Anais [...] Natal: UNEB, 2013. p. 1-18. Disponível em:
http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1364955997_ARQUIVO_TextoAnpuh-2013.pdf Acesso em:
10 jun.2022.
83

Informam de Alagoinhas ter o S.r., Dantas Bião, chefe político naquele


município, firmado um pacto com o Sr. José Lucio dos Santos Silva, para o
congraçamento das facções políticas ali existentes. Sabe-se ter entrado no
acordo o senhor Carlos Azevedo, ex deputado estadual, e como o Sr. Dantas
Bião, elemento ligado ao Sr. Otávio Mangabeira. Desfaz-se assim a versão
segundo a qual o Sr. Dantas Bião, permaneceria retraído, como vinha
fazendo desde a vitória da revolução, dando margem a ampla atividade do
Sr. Mario Cravo, e outros que galgaram o poder com o advento da nova
República.188

Joaquim Climério Dantas Bião era natural de Santo Amaro, na Bahia, mas passou a
residir em Alagoinhas na juventude, onde tornou-se um grande proprietário de terras e de
gado na cidade. Formou-se em medicina e também foi senador estadual, sendo politicamente
muito ligado a Otávio Mangabeira. Faleceu em 10 de outubro de 1936, e foi sepultado em
Alagoinhas.189 Percebe-se que as facções políticas buscavam se interligar e formar laços em
favor da oposição, e a necessidade de se posicionar frente à conjuntura existente. Observamos
também que o coronel Santinho tinha considerável força política, e esteve envolvido nessas
junções políticas em torno da corrente oposicionista.
Ainda segundo Eliana Batista, em meio às campanhas eleitorais, o governo de Getúlio
Vargas perseguiu seus opositores. José Joaquim Seabra, em uma visita a Bahia em 1933, teve
sua estadia marcada por essas perseguições. Na viagem, Seabra fez palestras na capital,
Salvador, e também procurou trocar correspondências com seus correligionários do interior,
fazendo campanha e criticando a administração de Juracy Magalhães. Nesta visita, um de seus
oradores, o advogado Otávio Barreto, foi preso pouco tempo depois do desembarque, e além
disso o jornal O Imparcial, que tentou manter-se contra o governo, relatando essas
perseguições, também teve sua circulação suspensa.190
Retornando ao Rio de Janeiro, Joaquim Seabra concedeu algumas entrevistas para o
jornal A Batalha, denunciando as perseguições à imprensa baiana, e também aquelas sofridas
por ele e seus apoiadores durante a visita ao estado da Bahia. Em uma dessas entrevistas, em
21 de outubro de 1933, que tinha por título “Selvagerias e Violências”, Seabra relatou, entre
outras informações, a prisão e o espancamento, na penitenciária baiana, de Nelson Carneiro
de Souza, afirmando que após o espancamento ele teria aparecido “com a roupa

188
AMIGOS do sr. Otávio Mangabeira aderem ao situacionismo baiano. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 24
de fev. 1933. p. 3, http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em 03/03/2022.
189
BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979. p.281.
190
BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos. Acomodação e reação política ao governo de
Getúlio Vargas (1930-1937). Tese. (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.
84

ensanguentada, todo lapeado pelos braços e pelo corpo, efeito da surra levada na Bahia.”191
Nelson Carneiro era um bacharel em direito, que sempre reafirmava a sua fidelidade a Seabra,
e que anos depois, após a derrubada do Estado Novo, daria encaminhamento a organização
dos centros Cívicos J. J. Seabra, que entre outras coisas, tinha o objetivo de cultuar a memória
de Seabra e buscar a implantação de suas ideias, reiterando a sua fidelidade.192
Ainda nesta entrevista fornecida ao jornal A Batalha, Seabra relatou a perseguição
imposta a Antônio Silva Lima, o genro do coronel Santinho, que segundo o jornal militava na
oposição, trabalhando no periódico A União, em Alagoinhas:

Também no interior do Estado, a imprensa tem sido vítima de brutais


atentados (...) Em Alagoinhas, o jornalista Antônio Silva, da União, é preso e
enviado aos xadrezes da chefatura de polícia isso nas vésperas do pleito de 3
de maio.193

Antônio Silva Lima era marido da filha caçula de Santinho, Teresa, e pai de Maria da
Guia. Não encontramos registros do jornal A União, mas em seu livro, Maria da Guia traz
relatos de perseguições sofridas por seu pai Antônio Silva Lima, destacando também a
estratégia que ele teria usado para “escapar” da prisão, conseguindo ajuda do Cabo do
exército, que teria sido aluno da sua mãe, permitindo assim, por consideração, que ele se
comunicasse com a redação do jornal que trabalhava.

Na esteira dos ódios políticos estava meu pai Antônio Silva Lima então
noivo da filha do Coronel Santinho, Teresinha. Ele militava no jornalismo de
oposição em Alagoinhas, foi feito prisioneiro e mandado de trem sob escolta
para Salvador. O soldado que o vigiava, um cabo do Exército de nome
Dourado, puxou conversa com seu prisioneiro e chegaram à conclusão que o
mesmo fora alfabetizado no sertão bahiano pela mãe de Antônio Silva Lima,
agora seu prisioneiro. (...) O cabo Dourado fingiu que não viu quando meu
pai, em uma parada de trem já nas proximidades de Salvador, foi a estação
ferroviária e conseguiu comunicar-se por telefone com a redação do jornal
no qual trabalhava em Salvador. Esta iniciativa possibilitou o conhecimento
da sua prisão e as iniciativas foram tomadas para a sua libertação.194

191
SELVAGERIAS e violências. A Batalha, Rio de Janeiro, 21 out. 1933.
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em 03/03/2022.
192
SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático, Bahia 1945. Salvador: Assembleia Legislativa da
Bahia. Salvador, 1992, p.130-131.
193
SELVAGERIAS e violências. A Batalha, Rio de Janeiro, 21 out. 1933.
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em 03/03/2022.
194
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 47.
85

Destacamos que Maria da Guia está retratando o próprio pai nesse episódio, e que as
interferências familiares de resgate da memória podem ter influenciado na construção deste
relato. Maria da Guia afirma que o coronel Santinho também passou por momentos de
perseguições como este, depois que se colocou em oposição ao governo. Ela relata um
episódio em ele foi cercado em sua casa para ser preso, por causa dos ataques às autoridades
que fazia em seu jornal. No entanto, diferente do genro, que chegou a ser preso, o coronel
conseguiu escapar, com a ajuda de uma de suas filhas:

O resultado dos ataques às autoridades foi que certa vez a polícia, com
ordem de prisão, cercou a casa de Santinho. Ele conseguiu escapar pela porta
dos fundos para a fazenda Patioba. Para tentar localizá-lo, uma das filhas foi
levada de carro pelos policiais para a casa da avó na Patioba. A intenção era
atrair Santinho com a presença da filha e assim seria determinar sua presença
no local. Mas a filha agiu astuciosamente. Ao aproximar-se da casa da avó,
ela começou a chamá-lo pelo nome, assinalando com isso sua presença e
possibilitando a fuga do pai mais uma vez.195

Através do relato, percebemos que a autoridade de Santinho na região em que morava


foi questionada, pois provavelmente a população do Riacho da Guia teve ciência dessas
perseguições, e da fuga do coronel para a casa da mãe, colocando em xeque a dita autoridade
que Maria da Guia afirma que ele mantinha inconteste no local. Por outro lado, ela enfatiza a
inteligência da filha de Santinho, que agiu de forma estratégica para ajudar o pai a fugir
novamente. Outro fato a ser questionado é a afirmação de que Santinho foi perseguido pelos
ataques que fazia em seu jornal às autoridades políticas, pois como veremos mais a frente,
pouco se encontrou no jornal do coronel episódios de ataques diretos às autoridades locais,
estaduais ou federais. Pelo contrário, em alguns momentos houve registro de determinado
apreço por políticos oposicionistas por parte do jornal.
Para Maria da Guia, além das perseguições, Santinho teve dificuldades durante este
período para conseguir recursos e atender a demanda da população. Ela cita a interdição que o
coronel encontrou em conseguir fundos para a construção de uma ponte sobre o rio Subaúma,
que corta o distrito do Riacho da Guia, e afirma que aquela era uma situação que o coronel
não conhecia até aquele momento, visto que estava em oposição àqueles que estavam no
poder estadual e nacional. Segundo Nunes Leal, ficar em oposição ao governo estadual
enquanto coronel era uma posição desconfortável, pois as correntes políticas municipais
disputavam a preferência do governo do Estado para conseguir credenciais nas preferências
estaduais, pois quanto maior eleitorado conseguissem, mais prestígio obteriam perante o
195
Ibidem, p. 46.
86

governo, de forma que “o maior mal que poderia acontecer a um chefe político era ter o
governo do Estado como adversário”, pois sem o Estado não conseguiriam manter por muito
tempo a sua liderança.196
Para Paulo Santos Silva, a base de apoio do governo de Juracy Magalhães estava na
troca de favores com os coronéis, atividade típica da Primeira República. No entanto, não
eram todos os coronéis que se tornavam a base de apoio do interventor, pois ele identificava
os coronéis que lhe pareciam mais adequados e repudiava os que, segundo ele, não mereciam
sua confiança.197 Entre esses provavelmente estavam aqueles que, assim como o coronel
Santinho, se opuseram ao seu governo. Percebe-se assim que mesmo após o fim da Primeira
República, os chefes locais continuaram a ter papel decisivo no processo político,
principalmente em razão da maioria do eleitorado brasileiro se encontrar nos ambientes rurais,
o que endossa a percepção de Eul-Soo Pang, quando afirma que a influência do coronelismo
na Primeira República não desapareceu com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, que não
houve um declínio, mas sim mudanças. Para o autor, o coronelismo evoluiu para “uma nova
forma de domínio oligárquico”,198em que o coronel não dependia mais dos seus próprios
recursos para expandir o seu poder pessoal, mas dos recursos do governo:

O significado da revolução de 1930 não é tanto seu impacto no declínio, ou


mesmo na destruição do coronelismo, mas seu papel de transformar o
coronelismo oligárquico e integrá-lo na política nacional. O primeiro passo
em direção a uma modernização política foi dado quando Vargas começou a
estruturar a verdadeira integração nacional de diversas forças políticas e
sociais, que em certa época haviam permanecido na periferia da política na
Primeira República. O coronel, anteriormente altamente personalista, tornou-
se um membro do partido disciplinado, senão submisso.199

Já na percepção de Victor Nunes Leal, o coronelismo viveu um processo de declínio


após o movimento de 1930, pois segundo ele, as mudanças globais, como a crescente
industrialização, conduziram o coronelismo ao desaparecimento. Entretanto, o Estado que
estava progressivamente se fortalecendo, buscava adiar a morte definitiva do coronelismo
como tática política, visto que necessitava do apoio do eleitorado rural.200Mesmo com o

196
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1948. p. 36.
197
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2000. p. 31.
198
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias 1889-1934. A Bahia na Primeira República Brasileira. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p. 60.
199
Ibidem, p.232-233.
200
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 1948. p. 20.
87

rompimento da estrutura de poder tradicional da Primeira República, que indicava o declínio


do coronelismo, isso não aconteceu de uma forma homogênea em todo país.
De acordo com Paulo Santos Silva, houve uma persistência dos poderes locais, de
forma que o coronelismo não desapareceu definitivamente, e no Nordeste sua existência foi
prolongada principalmente pelo nível da educação política da população, aspecto fundamental
para sua sobrevivência local. A interrupção do processo político-partidário, com a
implantação do Estado Novo em 1937, impediu o amadurecimento da organização política da
sociedade civil, que buscava romper com a política do voto de cabresto e a eleição a bico de
pena, típicos da República Velha, o que permitiu que os grupos que manipulavam a política
nesse período permanecessem intocados.201
Concernente à construção da ponte do Riacho da Guia, em meio às dificuldades
encontradas pelo coronel ao se manter em oposição ao governo Estadual, Maria da Guia
afirma que só muito tempo depois, e apenas pela intervenção do deputado federal Nelson
Carneiro de Souza, Santinho teria conseguido a verba necessária para realizar a construção.202

Figura 17 - Ponte sobre o rio Subauma

Fonte: LIMA (2011)

Nelson Carneiro, como já mencionamos, era correligionário de J. J. Seabra, assim


como o coronel Santinho. Além disso, ele e o coronel eram amigos pessoais a julgar pelas
correspondências trocadas por ambos, e pela fidelidade do coronel Santinho, que permaneceu
aliado de Nelson Carneiro até o final de sua vida, mesmo nos momentos em que estiveram em

201
SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático, Bahia 1945. Salvador: Assembleia Legislativa da
Bahia. Salvador, 1992. p. 118-120.
202 LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,

2011. p. 45.
88

partidos opostos. Nascido em Salvador em 1910, Nelson Carneiro foi um político com
trajetória extensa. Participou de diversos partidos, foi deputado federal em cinco mandatos, e
senador em dois mandatos, findando carreira com 44 anos de exercício. Filiou-se ao Partido
Democrático Universitário Baiano em 1929, influenciado por Joaquim Seabra. Iniciou
carreira como jornalista em O Jornal, órgão aliancista que apoiou a Revolução. Formou-se em
direito da família, onde começou a traçar os primeiros esboços das teses divorcistas, que mais
tarde marcariam sua atuação.203
No período das discussões da emenda sobre o divórcio, defendida pelo deputado
Nelson Carneiro, o periódico de Alagoinhas O Nordeste, se manifestou em um tom favorável,
pois segundo o referido jornal, o projeto do deputado tinha “um cunho moral e cristão (...) um
velho anseio do povo brasileiro que se sente envergonhado de ser tão atrasado”, finalizando a
matéria afirmando que, o jornal estava liderando um movimento de solidariedade a Nelson,
enviando uma mensagem de apoio, que poderia ser assinada por todos que quisessem
comparecer ao jornal.204 Algumas páginas depois, mas na mesma edição, a matéria Notas e
Fatos, trazia a notícia dessa vez em um tom um pouco mais crítico:

O deputado Nelson Carneiro e mais cento e nove deputados apresentaram


um requerimento pedindo para que seja secreta a votação dobre o divórcio.
Assim passará o salutar projeto do deputado baiano, pois os senhores
deputados tem medo da Igreja, mas não o tem do inferno...205

Assim, em meio a opiniões diversas, em 1977, após várias tentativas, Nelson Carneiro
conseguiu aprovar a emenda constitucional que instituiu o divórcio no Brasil.206Nesse período
de oposição e dificuldades, Maria da Guia afirma que na localidade do Riacho da Guia
Santinho também teve seus opositores, que procuravam persegui-lo politicamente. O maior
deles teria sido o subdelegado Manoel Virgílio da Caldeira, indicado pelo intendente de
Alagoinhas e pelo interventor do Estado. Maria da Guia relata que, certa vez o subdelegado,
que era seu rival, fez uma batida policial no local em que Santinho jogava, para dar ordem de
prisão ao coronel por porte de arma, prática de jogo em local não autorizado, e também pela
morte de uma cabra do próprio subdelegado, que teria entrado na propriedade de Santinho, e

203
Biografia Nelson de Souza Carneiro. FGV – CPDOC, 1984. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/nelson-de-sousa-carneiro. Acesso em
05/03/2022.
204
NOTAS e fatos. Jornal Nordeste, Alagoinhas, 29 jul. 1951. p. 5.
205
NOTAS e fatos. Jornal Nordeste, Alagoinhas, 29 jul. 1951. p. 9.
206
Biografia Nelson de Souza Carneiro. FGV – CPDOC, 1984. Disponível em:
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/nelson-de-sousa-carneiro. Acesso em
05/03/2022.
89

este teria abatido o animal com um tiro, deixando o corpo exposto na praça do Riacho da
Guia. Segundo o relato, três tiros foram disparados contra Santinho, mas as balas não saíram.
Maria da Guia narra que, para os que estavam no momento e relataram o ocorrido, houve
ajuda de um poder sobrenatural ao coronel, que o fez escapar de uma morte certa pelo
subdelegado Manoel Virgílio. Por outro lado, Maria da Guia afirma que foi a esposa do
subdelegado que tirou as balas do revólver do marido, mas que a interpretação corrente foi a
de que, por ser filho de uma cigana, dotada de “poderes misteriosos, ela teria feito as balas do
revólver do subdelegado desviar-se do alvo, que era seu filho”. Santinho não foi preso, mas
ainda assim, respondeu outro processo que durou muitos anos, e ao final foi absolvido da
acusação.207
Para Maria da Guia, situações como essas ocorreram várias vezes, e tinham o intuito
de “desmoralizar e apear” a liderança do coronel no local. Observa-se que ela procura explicar
os fatos como algo sobrenatural, demonstrando que o coronel era diferente, “protegido”, e que
se destacava dentre os outros, pois de acordo com ela, no Riacho da Guia, Santinho era

Habituado a ser obedecido de forma irrestrita, a conquista de muitas


mulheres, ao culto ferrenho ao cumprimento da palavra dada, a proteção
total aos aliados, ao gosto pelo jogo de cartas e a defesa absoluta do que
considerava seus direitos sobre a propriedade de terra.208

Assim, para Maria da Guia, no Riacho da Guia Santinho era o chefe, aquele que todos
obedeciam irrestritamente. Ao que parece o coronel Santinho era um homem com uma
autoridade econômica e política que impunha um determinado respeito, e talvez até temor por
parte das pessoas que o rodeavam. Entretanto, nada disso poderia conferir para ele o título de
homem “obedecido de forma irrestrita”, pois o respeito e até mesmo o temor podem ter
surgido entre os moradores pelo poder econômico e político que ele possuía, pela influência
que ele exercia sobre as pessoas, e pela dependência das mesmas, fosse por causa das relações
de trabalho ou por troca de favores. Contudo, a própria narrativa da sua descendente permite
acessar diversos episódios em que essa obediência irrestrita foi colocada em xeque.
Maria da Guia afirma que o coronel Santinho tinha “gosto pelo jogo de cartas”, uma
afirmação contraditória em relação à imagem de um homem que procurava manter os valores
éticos da época, considerando que a jogatina era proibida no período. Ela afirma que Santinho
costumava se reunir com seus compradores de fumo, para jogar na casa de “Maria de Bebé”,

207
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 44.
208
Ibidem, p. 43.
90

que ficava próxima ao seu trapiche, e tinha fama de ser o cassino da época. Segundo Jocélia
Gonçalves, nos anos seguintes à República, a imprensa local de Alagoinhas passou a
reproduzir um discurso de civilidade e progresso, na qual passara a refutar as atividades de
diversão como a jogatina que manchava a imagem da cidade. Havia também, segundo ela,
uma perseguição constante da polícia principalmente ao jogo do bicho, que foi proibido de
acordo com o Código Penal em 1890, mas que continuou a ser realizado e se expandiu por
diversas áreas do município.209
Ao analisar a trajetória do coronel Santinho, percebemos que mesmo em oposição ao
governo ele continuou a ter determinado prestígio como chefe político do Riacho da Guia. Ao
que tudo indica, o seu poder econômico também não diminuiu, pois identificamos que ele
continuou a ser retratado por jornais locais como um homem abastado e de influência no
local, mesmo após o movimento de 1930. No periódico Correio de Alagoinhas, podemos
observar como o coronel foi apresentado na publicação da sua festa de bodas de prata em 11
de fevereiro de 1930, antes do movimento, e após a Revolução de 30, nas felicitações pelo seu
aniversário, em 29 de abril de 1937:

As bodas de prata do casal José Lúcio


Passou, a 4 deste, as bodas de prata do casal José Lucio – Amélia dos Santos
Silva, residente do vizinho arraial do Riacho da Guia. Para compartilhar a
alegria dessa família foi organizado nesta cidade, um terno de reis, composto
de pessoas da nossa melhor sociedade, o qual se transportou em caminhões e
automóveis. Lá chegando houve danças que se prolongaram até alta hora da
noite, sendo servido aos visitantes lauta mesa, finos doces e bebidas. O
correio felicita o estimado casal, de quem é amigo sincero.210

Aniversário de um prócer oposicionista alagoinhense


O coronel José Lucio dos Santos Silva, prócer oposicionista dos mais
prestigiosos do município, residente no Riacho da Guia, onde
incontestavelmente representa a figura de maior destaque não só na política
como no comércio, comemorou no dia 15 do mês corrente mais um ano de
idade. O 54° aniversário do conhecido e acatado político foi motivo de
alegria e jubilo, já no seio de sua família, já entre seus inúmeros amigos e
correligionários. Unindo-nos ás numerosas provas de amizade, dispensadas
ao ilustre aniversariante, nós lhe damos os parabéns ao mesmo tempo que
lhe desejamos muitos anos mais de vida e saúde. 211

Nota-se que mesmo em momentos distintos o jornal se refere ao coronel Santinho com
o mesmo apreço. Na primeira citação, o jornal faz referência à comemoração das bodas de

209
GONÇALVES, Jocélia Novaes. A imprensa de Alagoinhas-Ba no início do século XX e o desejo de
“controlar” os excluídos. In: BATISTA, Eliana Evangelista (org.). Quarteto editora, 2015, p.55.
210
AS BODAS de prata do casal José Lúcio. Correio de Alagoinhas, Alagoinhas, 11 fev. 1930.
211
ANIVERSÁRIO de um prócer oposicionista alagoinhense. Correio de Alagoinhas, Alagoinhas, 29 abr.
1937.
91

prata do coronel e sua esposa, que completavam 25 anos de casamento, e foi comemorado
com festejos na casa do coronel, no Riacho da Guia. Na matéria também podemos observar
que o prestígio dado ao coronel era compartilhado pela sociedade de Alagoinhas, a julgar pela
ostentação que tinha na festa, e pela presença de convidados que faziam parte da “melhor
sociedade”, que se transportara até o Riacho da Guia por meio de automóveis, demonstrando
assim que a casa de Santinho era frequentada por pessoas da “elite”, e que o mesmo também
fazia parte dela. Já no aniversário do coronel, em 1937, o jornal não menciona festejos, mas
observamos que há uma permanência do prestígio do coronel como comerciante e político,
mesmo num momento em que estava em oposição, e que não exercia nenhum cargo público,
ele continuava a ser visto como um “oposicionista prestigioso”.
Anos depois, o casal também comemorou bodas de ouro, em fevereiro de 1955, um
momento em que Santinho não estava mais em oposição, e na ocasião vários políticos da
região compareceram à casa do coronel. A notícia também foi anunciada em uma matéria do
jornal Nordeste, que felicitou casal por completar meio século juntos.
92

Figura 18 - Bodas de ouro de Santinho

Fonte: Jornal Nordeste, ed.173, p. 4, 1955.

O jornal aponta como participante dos festejos o coronel Filadelfo Neves e o deputado
Nelson Carneiro, que teria se deslocado do Rio de Janeiro para participar das comemorações,
que contou com uma missa realizada na igreja de Nossa Senhora da Guia, no distrito.
Podemos observar na imagem, que ao falar das bodas de Santinho e sua esposa, a única
imagem que aparece é a do coronel. É um uso político da imagem de uma família
personificada e estruturada pelo coronel. Observamos que a imagem da moral familiar foi
explorada politicamente pelo coronel, de uma família coesa apesar de tudo, pois os casos
amorosos de Santinho eram amplamente conhecidos, de acordo com os relatos, nem mesmo
da esposa ele escondia as suas “aventuras” amorosas, que resultavam em filhos fora do
casamento. No posfácio do livro Coronel Santinho do Racho da Guia, Wilis Filho, bisneto de
Santinho, narra esses momentos, afirmando que o coronelismo em si, analisando pelos
padrões da atualidade, estaria completamente errado, e que no caso do seu avô, tinha “sérios
agravantes”, no que diz respeito a sua conduta amorosa. Assim ele narra:
93

Segundo me consta, o que havia em geral, era um envolvimento por um


certo tempo, e às claras, com uma pessoa por vez, sem que fosse escondido
da comunidade, mesmo da vovó Amélia – uma mulher de verdade, a quem
tive oportunidade de amar em vida- e desses envolvimentos, inclusive,
resultavam filhos, ou melhor, filhas, sempre reconhecidas, ou reconhecíveis,
por sua semelhança física conosco. Então tínhamos- e temos- aquela família
estendida, tanto por laços de sangue, como também pela fidelidade que vinha
das amas de leite, descendentes de antigos escravos, desses que também
foram possuídos, ao modo a um só tempo, rigoroso e amoroso, que me
parece era o do coronel.212

O bisneto de Santinho procurou justificar as relações que o bisavô mantinha com


várias mulheres, afirmando que era “uma forma de amor que o movia, e não uma espécie de
caça predatória as mulheres”, e assim como Maria da Guia, Wilis Filho também procura
exaltar os feitos do coronel, mesmo em situações deletérias como essa. Há de se analisar que
as descendentes de escravos que se relacionavam com o coronel eram amas de leite que
provavelmente viviam na casa do coronel ou em seus arredores, e que talvez elas fossem
exploradas em razão da dependência que elas e suas famílias mantinham com Santinho, e pela
habitual submissão que decorria desde o período escravista e que nesta época ainda estivesse
impregnada nas relações de mando e obediência. Aqui constatamos mais uma vez a tentativa
de romantizar as relações de exploração sexual e de infidelidade do coronel com sua esposa.
Entretanto, é preciso atentar para o fato de que o casamento de Santinho era baseado em
pactos, e talvez os limites impostos por ela e respeitados por ele fosse mesmo o não
reconhecimento público e oficial dos filhos fora do casamento.
Refletindo sobre a atuação do coronel Santinho como opositor político neste período,
entendemos que mesmo em meio a dificuldades de cooperação entre o Estado e o coronel, e
com as perseguições a ele e aos seus, politicamente e economicamente a vida de Santinho não
obteve muitos abalos, pois ele continuou exercendo lugar de destaque onde vivia. Por outro
lado, é necessário observar que o discurso sustentado por Maria da Guia, de que Santinho
durante a oposição não conseguiu verbas para ajudar a população, pode ter sido uma retórica
por parte do coronel, para se isentar e se justificar perante a população o fato de não fazer
nada em prol da mesma. Colocar a culpa na falta de ajuda do Estado se tornava conveniente
para ele, afinal, é provável que como abastado comerciante e político poderia, se quisesse,
construir a ponte da localidade com seus próprios recursos, pois como podemos observar era
uma construção simples.

212
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011, p.86.
94

3.2 CORONEL SANTINHO NO PERÍODO DO ESTADO NOVO

Em 1937 teve início no Brasil o período do Estado Novo. As eleições presidenciais


estavam previstas para acontecerem em janeiro de 1938, e o candidato indicado por Getúlio
Vargas era José Américo de Almeida, que foi ministro em seu governo. Todavia, Vargas usou
um golpe para continuar no poder, através do Plano Cohen, caracterizado por um plano de
insurreição comunista, que segundo Boris Fausto, nada mais foi que um pretexto para o golpe:

Aparentemente, o (plano) era uma fantasia a ser publicada em um boletim da


Ação Integralista Brasileira, mostrando como seria uma insurreição
comunista e como reagiriam os integralistas diante dela. A insurreição
provocaria massacres, saques e depredações, desrespeito aos lares, incêndios
de igrejas e etc. O fato é que de obra de ficção o documento foi transformado
em realidade, passando das mãos dos integralistas à cúpula do exército.213

Fazendo uso desse argumento, Getúlio Vargas deu um novo golpe em 1937, e instituiu
o Estado Novo, que durou até 1945, cancelando as eleições previstas para 1938, fechando o
Poder Legislativo e cassando o registro de partidos e mandatos de deputados. No Estado da
Bahia, desde 1930 a liderança política dividia-se entre Juracy Magalhães, interventor do
Estado, e Otávio Mangabeira, representante da Concentração Autonomista. Entretanto,
segundo Paulo Santos Silva, mais tarde, com a aproximação do fim do Estado Novo, a
Concentração Autonomista da Bahia seria reforçada com a adesão de Juracy Magalhães. Isso
porque em 1937, Juracy Magalhães deixou a interventoria do Estado, e em seu discurso de
despedida, pregou sobre a democracia a qual defendia, optando por servir ao governo Vargas
em esferas não diretamente políticas. Todavia, essa atitude já o aproximava de certa forma da
Concentração Autonomista, a qual passaria a se vincular com a luta pelo fim do Estado Novo
na década de 1940.214
Com a saída de Juracy Magalhães do cargo de Interventor, o baiano Landulfo Alves de
Almeida assumiu a interventoria, e se manteve no poder até o ano de 1942, quando foi
substituído pelo General Renato Onofre Pinto Aleixo, o qual foi responsável pelo processo de
articulação política do governo Vargas, nas eleições de 1945. Com as eleições, antigos
adversários tentaram superar suas divergências, e mesmo sendo embaraçoso para juracistas e

213
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da USP. 1994. p. 264.
214
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2000.p.44-46.
95

mangabeiristas, eles se uniram formando a frente oposicionista, que se organizou em torno


deles reunindo quase a totalidade das lideranças baianas.215
De acordo com Paulo Santos Silva, na fase que se estendeu da implantação do estado
Novo em 1937, até 1945, foi uma fase de censuras impostas pelo governo de Getúlio Vargas,
entre elas o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) que censurava a imprensa. Para o
autor, foi nesse período que os intelectuais baianos, em sua maioria também políticos,
escreveram as obras que foram diretamente voltadas para o combate ao projeto nacionalista
centralizador proposto pelo governo de Getúlio.216
De acordo com Maria da Guia, após a Revolução de 1930, o coronel Santinho teria
participado das articulações para indicação dos chefes políticos locais. Segundo ela, ao
coronel foi oferecido o cargo de prefeito, em lugar do coronel Saturnino Ribeiro, entretanto,
ela afirma que Santinho recusou, e indicou em seu lugar Mário da Silva Cravo, filho do seu
amigo Major Cravo, o qual se tornou prefeito da cidade de Alagoinhas. 217
Entretanto, após se
colocar em oposição a Aliança Liberal, Santinho se mostrou arrependido da indicação que fez,
pois naquele momento, Mário Cravo se tornou seu opositor.
Com o início do Estado Novo em 1937, e a saída de Mário Cravo da Prefeitura de
Alagoinhas, Santinho divulgou através de uma matéria paga no jornal Correio de Alagoinhas,
duas cartas abertas, endereçadas a população de Alagoinhas e ao ex-prefeito Mario Cravo, em
29 de novembro de 1937. Na carta direcionada a cidade de Alagoinhas, Santinho faz um
desabafo, demonstrando sua alegria ao ver o afastamento do seu opositor, e destacando a
melhoria pela qual Alagoinhas passava, ao receber como prefeito Antônio Martins de
Carvalho, que ao que tudo indica, tinha da parte de Santinho muito apreço. Vejamos a seguir
o tom das cartas:

A Alagoinhas
Lutei e sofri para reparar o mal que contra ti pratiquei. Tarde demais
compreendi o meu crime, haver contribuído para a retirada de um Saturnino
da Silva Ribeiro, da tua prefeitura para colocar em seu lugar um Mário da
Silva Cravo. Graças ao bom Deus pude viver e ver entregue os teus destinos
a um filho ilustre, Antônio Martins de Carvalho Junior, a quem me prendem
laços de verdadeira estima, e a quem todos apontam como um digno.
Reparado o mal, não precisando a política de mim, nem eu dela, enrolo a
minha velha bandeira, esfarrapada na agrulha dos combates, e recolho-me a
vida privada. Sei que tens muitos filhos dignos os quais deverão ocupar os
postos de vigilância do teu futuro, confia a eles os teus cargos. Fui um

215
Ibidem, p. 47.
216
Ibidem, p. 47.
217
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 40.
96

desastrado, sofri pelo meu erro, não quero, pois, recompensa, nem desejo
vingança, contigo chorei, contigo exulto de alegria.218

Ao ex-prefeito Mário Cravo


Quis o destino que eu assistisse, ao seu lado, a sua ascensão a direção de
minha terra. Por mais que retardasse minha chegada à Prefeitura, para
assistir à posse de um outro amigo, e não quisesse presenciar a sua queda
tive que assisti-la. Não caíram V. S. e o seu grande amigo Juraci Magalhaes,
de pé como disse ele, correram para não ser enxotados. 219

Na segunda carta direcionada a Mário Cravo, o coronel Santinho reitera a sua


participação na colocação política de Mario Cravo como prefeito em seu lugar, e se mostra
satisfeito com a saída do ex-prefeito assim como a do interventor, Juracy Magalhães. Na
mesma carta, Santinho menciona as perseguições sofridas por seu genro, Antônio Silva Lima,
no período da administração de Mário Cravo, afirmando que o mesmo foi preso quando
trabalhava no jornal A União, que segundo Santinho era um jornal de sua propriedade, e que
dessa forma, a prisão do seu genro foi feita com o intuito de atingi-lo. Para além da política,
Santinho afirma ainda que também foi perseguido por Mário Cravo em seu negócio com o
fumo, pois o ex-prefeito também se tornou seu concorrente no comércio de exportação do
fumo em corda. Na carta, Santinho afirma com ares de vitória, que não guardaria rancores do
antigo amigo, porém fez questão de enumerar todas as perseguições sofridas, inclusive uma
tentativa de assassinato a sua pessoa:

Já teria esquecido que alguém cujo nome não devo pronunciar, tenha querido
assassinar-me, desfechando seu revólver em minhas costas (dizem as más
línguas que a seu mando) e que V. S. com seu prestígio transformou a vítima
em algoz e o assassino em vítima? (...) ignorará que meu jornal “A União”
deixou de circular por perseguição de V. S.?2(...) Ignora talvez que V. S.
com o poder do seu ouro tentou negociar em fumo em corda (meu ramo de
trabalho) para perseguir-me? Ignora talvez que o seu agente em Fortaleza, V.
S. o levou ao armazém de Saturnino Ribeiro, onde sabia encontrar-me para
mostrar o sogro de Antônio da Silva Lima, meu genro e agente em Fortaleza,
a quem V. S. já havia mandado prender. (...). As palmas que Alagoinhas lhe
deu, foram por se ver livre de V. S. e daquela xaropada. Hoje V. S. não é
mais o poderoso sic transite glória mundi! Não guardarei rancores nem
desejos de vingança, pois V. S. não fez mais que dar realce ao meu pobre
nome, e criar para ele essa grande aura de simpatia que hoje desfruta na
sociedade. Muito grato. Renuncio até o desejo de reaver um dia, o meu
revólver colt calibre 32, registrado e que conservava como relíquia em seu
escritório, quando V.S. era Cravo & Cia, e eu era e sou José Lucio dos
Santos Silva.220

218
CARTA aberta a Alagoinhas. Correio de Alagoinhas, Alagoinhas, 08 jan. 1938.
219
CARTA aberta ao ex-prefeito Mário Cravo. Correio de Alagoinhas, Alagoinhas, 08 jan. 1938.
220
CARTA aberta à Alagoinhas. Correio de Alagoinhas, Alagoinhas, 08 de jan.1938.
97

Percebe-se através desta carta aberta de Santinho, que mesmo afirmando que não tinha
desejos de vingança em relação a Mário Cravo, apresentar suas queixas após a derrota política
de seu rival denota uma atitude vingativa, mesmo porque, após relatar as perseguições que
teria sofrido é provável que tivesse mágoa daquele que um dia foi seu amigo e que teria
alcançado o posto pela sua indicação e influência. Aqui percebemos que as rixas e querelas
entre os políticos locais influenciaram significativamente nas questões políticas e também
comerciais que afetaram o município.
Não encontramos fontes referentes ao jornal A União, mencionado por Santinho como
sendo de sua propriedade. Maria da Guia afirma que nesse período Santinho abriu o jornal
Opinião Livre, no qual ele atacava e criticava a administração local. Entretanto, encontramos
divergências nos nomes do jornal, pois identificamos que no ano seguinte, o coronel Santinho
abriu o Jornal de Alagoinhas, que durou até o ano de 1939. O jornal inaugurado em 7 de
setembro de 1938, tinha como diretor gerente Fausto Moreira Campos e suas publicações
eram feitas quinzenalmente. Em seu primeiro ano, o redator chefe era o jornalista Theodoro
dos Santos Filho, que no ano seguinte passou a trabalhar como gerente na agência de fumo em
corda do coronel Santinho na cidade de Parnaíba, além de manter também uma casa de
consignações e representações no local.221 A inauguração do Jornal foi divulgada no Correio
de Alagoinhas: “Alagoinhas tem mais um órgão de publicidade” , enfatizando que a “cidade
devia o seu novo jornal ao coronel José Lucio dos Santos Silva”.222

221
Jornal de Alagoinhas, Alagoinhas, 15 de março de 1939. p.8.
222
ALAGOINHAS tem mais um órgão de publicidade. Correio de Alagoinhas, Alagoinhas, 17 set. 1938.
98

Figura 19 - Jornal do coronel Santinho

Fonte: Jornal de Alagoinhas, 1939.

Na figura acima vemos uma imagem de Santinho estampada na primeira página do seu
jornal, já no ano de 1939, com felicitações pelo seu aniversário. Observamos que o jornal traz
o destaque de que é uma propriedade de José Lucio dos Santos Silva, e ao mesmo tempo se
coloca como um órgão independente, noticioso e comercial. Certamente os interesses
comerciais e políticos davam o tom dos interesses do jornal e de seu proprietário, onde
provavelmente as notícias eram filtradas e adequadas também aos seus interesses. Esse jargão
de neutralidade era um recurso largamente usado pela imprensa para escamotear seus
propósitos e interesses. Segundo Tania Regina de Luca, a imprensa periódica seleciona,
ordena e narra de uma determinada forma aquilo que elege como digno de chegar ao público,
que pode atender a diferentes poderes ou interesses financeiros.223 Dessa maneira, é necessário
considerar que os discursos e a linguagem dos jornais não são neutros ou isentos, e que

223
DE LUCA, Tania Regina. A História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi
(org.) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 139.
99

atendem a interesses que vão muito além de uma simples informação à sociedade, em que a
identificação dessas intenções é fundamental para entendermos o seu contexto.224
De acordo com Maria da Guia, o jornal servia para expressar as aspirações de
Santinho no campo social, como melhoramentos para o Riacho da Guia e a instalação de uma
agência do Banco do Brasil na cidade. Além disso, também tinha o propósito de atacar o
prefeito de Alagoinhas e o interventor do Estado, afirmando sua política de oposição
estadual.225 No entanto, pouco se vê no jornal de Santinho críticas ao prefeito Antônio Martins
Carvalho ou ao governador Landulpho Alves que estavam no poder nesse período. Pelo
contrário, o jornal tece elogios aos mesmos, talvez uma indicação de que Santinho mudaria de
ideia em relação aos seus ideais políticos, como se veria em 1945, quando aderiu ao partido
PSD.
As críticas em seu jornal continuaram direcionadas ao ex-prefeito Mario Cravo, e a
pequenas situações das quais a administração da cidade deixava a desejar, porém, nada que
demonstrasse ares de um jornal oposicionista ferrenho, talvez pelo momento político em que
o país vivia, com o início do regime ditatorial do Estado Novo, que reprimia a imprensa. Um
outro ponto é que provavelmente Santinho buscou ter boas relações com a política local e
estadual, mesmo estando inicialmente em oposição, porque sem o apoio do estado o coronel
teria dificuldades de conferir favores àqueles que tinham sua “proteção”.
Paulo Santos Silva afirma que depois do movimento de 1930, as pretensões dos
coronéis continuaram sendo de ordem prática, pois estavam preocupados em atender aos
apelos de suas clientelas, que os tornariam merecedores de reconhecimento e de votos nos
futuros pleitos, e que na interventoria de Juracy Magalhães os coronéis do interior
encontraram circunstâncias adequadas as suas necessidades.226 Sabemos que ao se colocar em
oposição ao interventor Juracy Magalhães, Santinho provavelmente não obteve apoio do
governo do Estado no período em que ele esteve no poder, sendo muitas vezes até mesmo
perseguido pelo mesmo. Todavia, há de se considerar que enquanto coronel, e com a saída de
Juracy Magalhães, Santinho procurasse se adequar a política daquele período, buscando assim
uma continuidade do seu poderio no Riacho da Guia, pois provavelmente era dependente dos
favores do governo para manter sua liderança local. Constata-se também, que possivelmente
as querelas e alianças locais se sobrepunham as travadas no âmbito estadual e nacional.

224
CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na Oficina do Historiador: conversas sobre
História e imprensa. Projeto História, São Paulo, n.35, p.253-270, dez. 2007.
225
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 76.
226
SILVA, Paulo Santos. Âncoras de tradição: luta política, intelectuais e construção do discurso histórico na
Bahia (1930-1949). Salvador: EDUFBA, 2000. p. 31.
100

Em um dos artigos do seu jornal, Santinho cobra do novo prefeito uma agência do
Banco do Brasil para Alagoinhas, que segundo ele por seu “pouco prestígio” com o prefeito
anterior, não foi atendido quando fez o pedido a Mario Cravo, criticando abertamente atitude
do mesmo em seu jornal, e mais uma vez, afirmando a sua responsabilidade em sua posse
como prefeito da cidade de Alagoinhas:

Há tempos, na interventoria do Dr. Leopoldo Amaral, escrevi ao Exmo. Sr.


Dr. Muniz Sodré, pedindo-lhe que se interessasse por tão grande benefício
para Alagoinhas. Como dever de solidariedade, na ocasião mostrei essa carta
ao Sr. Prefeito. Infelizmente, ou o pouco prestígio de quem pedia, ou a
ocasião não permitir, Alagoinhas não conseguiu esse benefício (...) confesso
não tinha grande confiança na ação administrativa de S. Exa., porém, como
S. Exa. Era filho obediente e sócio do Major Joaquim da Silva Cravo que,
justiça se lhe faça, muito trabalhou pelo progresso e pelo embelezamento de
Alagoinhas, pensei que S.Sa. Major Cravo guiasse o seu filho e sócio, no
mesmo caminho de amor e trabalho por nossa Alagoinhas (...) foi um mal
para Alagoinhas e um erro meu. Contrito e arrependido, eu confesso minha
culpa, minha culpa, minha máxima culpa!227

Percebe-se que Santinho não perdia a oportunidade de destacar seu arrependimento, e


essa fala dele foi reiteradamente reproduzida trazendo para si mais destaque, e também o
papel daquele que sabe reconhecer seus erros. A agência do Banco do Brasil foi inaugurada
em 1941, em decorrência do crescimento populacional e do aumento de estabelecimentos
comerciais, industriais e de serviços. Desde meados do século XX, já havia também na cidade
uma agência bancária da Caixa Econômica Federal. 228Em outro momento, o jornal cobrou
melhorias na iluminação do distrito do Riacho da Guia, destacando que a população
reclamava ser a mesma bastante deficiente, pois os poucos “bicos de acetilene” que existiam,
eram acendidos pelo encarregado da prefeitura às 19 horas sendo apagados novamente às 21
horas, gerando reclamações da população riachense pela escuridão que o distrito ficava na
maior parte da noite. No entanto, nem mesmo através de cobranças como essas, se percebia
uma posição de crítica, ou de oposição à gestão municipal, e em algumas vezes, os elogios
eram feitos ao próprio presidente Getúlio Vargas:

227
Artigo do coronel Santinho no Jornal de Alagoinhas, intitulado “Fábrica de Fitas”, anexado ao final do livro
Coronel Santinho do Riacho da Guia. Infelizmente não encontramos a matéria nos exemplares do jornal
disponíveis. Ver: LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão
Gráfica Editora, 2011.
228
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade do Estado da Bahia.
Salvador, 2011. p. 26.
101

Figura 20 - Aniversário de Getúlio Vargas

Fonte: Jornal de Alagoinhas, 19.05.1939.

A matéria destaca o aniversário de Getúlio Vargas, afirmando que o presidente


representava a alma cívica do povo brasileiro, que estaria conduzindo o destino da nação com
exemplar patriotismo. Outro aspecto destacado foi a mensagem de Vargas ao presidente norte
americano Roosevelt, no que tangia a paz mundial, e que ele se vale de aspectos referentes a
questão mundial e não local, provavelmente se desviando das questões que trariam tensões
políticas locais. Percebe-se aqui que Santinho nesse momento já flertava aproximações com o
governo, o qual futuramente voltaria a apoiar. Convém destacar que Maria da Guia afirmou
que Santinho passou por um período relativamente difícil na oposição, o que pode explicar os
elogios como uma tentativa de reaproximação com o governo.
Em uma matéria intitulada “O Prefeito de Alagoinhas”, publicada em 15 de fevereiro
de 1939, o redator chefe conhecido como Flávio Pepe, enalteceu a gestão municipal:

(...) bom amigo e sobretudo cidadão prestante, refiro-me ao Cel. Antônio


Martins de Carvalho júnior, prefeito dessa frutuosa cidade. E que sendo
homem de bem conhece com precisão as paixões humanas, dando-nos assim
o exemplo de que cada um responde pelas consequências dos seus atos. Não
se esquece porém, de que um homem por discordar do nosso ideal, não é
menos homem do que nós.(...) 229

229
O PREFEITO de Alagoinhas. Jornal de Alagoinhas, Alagoinhas, 15 fev. 1939. n.10.
102

Dias depois, os elogios feitos ao prefeito foram duramente criticados por Felippe de
Sant’Anna, em carta aberta direcionada ao “Pepe”, publicada no dia 15 de março de 1939 no
Jornal de Alagoinhas, indicando que os elogios ao prefeito nomeado pelo regime político de
Vargas, incomodavam o meio político opositor. Não conseguimos registros sobre as correntes
políticas defendidas por Felipe de Sant’Anna, nem a sua ligação com o coronel, no entanto,
sua carta permite inferir que ele seria da oposição e um crítico dessa aproximação de Santinho
ao governo Vargas ou aos seus representantes:

Temo meu caro, que no seu conceituado jornalzinho, tão colorido e enfeitado
de panegyricos aos homens de bem, (...) não haja lugar para um elogio aos
maus. (...) porque não termos também, uma palavrinha de elogios aos tidos
como maus, cujos corações são muitas vezes verdadeiros transumptos de
raras virtudes ainda desconhecidas pelos socialmente bons?230

Para além das questões políticas do município, o jornal de Santinho também


expressava as suas alianças políticas com as cidades próximas, como por exemplo
Inhambupe, onde Santinho aparentemente mantinha ligação com o prefeito. Na figura 22, um
artigo no Jornal de Alagoinhas trata do progresso esperado para a cidade de Inhambupe
através do “exemplar desempenho no cargo de prefeito da cidade” conduzido por Manoel José
da França, demonstrando o apoio do coronel Santinho ao prefeito da cidade vizinha, que
segundo o jornal teria o ano de 1939 como um ano promissor devido às melhorias públicas
que o prefeito teria iniciado na cidade.231

230
CARTA aberta ao Pepe. Jornal de Alagoinhas, Alagoinhas, 15 mar. 1939. p.3.
231
É PROMISSOR o ano de 1939 para Inhambupe. Jornal de Alagoinhas, Alagoinhas, 15 jan. 1939.
103

Figura 21 - Prefeito de Inhambupe

Fonte: Jornal de Alagoinhas. Ano I, nº 09,15.01.39.

O Jornal do coronel também serviu para divulgar suas atividades com o comércio do
fumo, funcionando como espaço de articulação e divulgação dos seus próprios interesses,
como no caso do concurso com distribuição de prêmios para estimular o comércio e produção
de fumo, que desde a década de 1930 vinha enfraquecendo sua produção na Bahia, e a
divulgação do evento beneficiaria o próprio Santinho, que provavelmente não desejava que
seu negócio decaísse e findasse, o que de fato aconteceu alguns anos depois. Por motivos
desconhecidos, o jornal mantido pelo coronel José Lucio durou pouco mais de um ano,
encerrando atividades em 1939.
Com relação aos demais jornais citados e as divergências referentes as suas
nomenclaturas, é possível que em momentos distintos alguns tenham sido criados e acabaram
tendo vida curta e exemplares não tenham sobrevivido. Este foi um recurso comum criado
pelas mesmas elites letradas do período na tentativa de criar um clima de diferentes opiniões,
mas que na prática se tratava das mesmas pessoas.
104

Figura 22 - Propaganda do trapiche de Santinho

Fonte: Jornal de Alagoinhas, 1939.

Observamos acima uma imagem retirada do Jornal de Alagoinhas, em que aparece a


propaganda do comércio de fumo do coronel Santinho, na página 4 do jornal, em 1939. Nota-
se que a propaganda está em maior destaque, se comparada às matérias ao lado, demonstrando
que Santinho utilizava o jornal para beneficiar seu próprio negócio. Nota-se também o alcance
das negociações dele, pois além de vender fumo em folha que era produzido em suas terras
também comprava de outros produtores, assim como a grande quantidade de agências que ele
mantinha em outros estados. O destaque, contudo, era dado ao Escritório e Trapiche
localizado no Riacho da Guia, o que também denota o interesse de Santinho em utilizar o
jornal como meio de divulgação das suas próprias atividades comerciais.

3.3 POSIÇÃO POLÍTICA DE SANTINHO NA REDEMOCRATIZAÇÃO

Com a Segunda Guerra Mundial, o governo ditatorial de Getúlio Vargas colocou-se ao


lado dos “aliados”, e não conseguiu subsistir a vitória das forças democráticas, pois com às
pressões externas e internas, a posição de Vargas tornou-se insustentável com o fim da guerra.
O regime do Estado Novo começou então a declinar, e o país passou por um processo de luta
105

pela redemocratização, um período de transição que se estendeu de 1943 a 1945, e culminou


na reestruturação do Estado de Direito, que passou a vigorar em 1946. Nas eleições de 1945
foi escolhido como novo presidente Eurico Gaspar Dutra, período em que houve a instalação
da Assembleia Nacional Constituinte, que permitiu o início de uma nova etapa na história
política do Brasil.232
O ano de 1945 foi decisivo para o mundo e para o Brasil, assim como para a Bahia.
Manifestações de resistência ao Estado Novo se desenvolveram nos meios acadêmicos,
jurídicos e nas ruas, e as forças políticas baianas exigiam a imediata convocação das eleições,
a anistia para os presos políticos exilados, assim como o direito de expressão e organização
político-partidária.233No entanto, de acordo com Paulo Silva, a retomada do processo eleitoral
em 1945 trouxe consigo alguns traços da República Velha que não foram superados pela
Revolução de 30, entre eles o regionalismo, o personalismo das lideranças, o despreparo
político do eleitorado e o coronelismo. Na Bahia, os dois grandes partidos que se estruturaram
na luta pela redemocratização foram a UDN(União Democrática Nacional) e o PSD (Partido
Social Democrático)234, ambos organizados a partir das articulações de segmentos
oligárquicos, com suas bases políticas no interior.235
A Concentração Autonomista da Bahia, que iniciou sua atuação em 1934 em oposição
as forças políticas do estado, período em que foi derrotada nas eleições, manteve-se inativa
com a implantação do Estado Novo em 1937, que encerrou o regime representativo. Porém,
para Paulo Silva, enquanto grupo, o autonomismo ainda existia, e o declínio do Estado Novo
permitiu o seu retorno. O rompimento de Juracy Magalhaes com o governo Vargas em 1937,
aproximou os remanescentes do PSD dos autonomistas, que com a luta pela redemocratização
acabaram se unificando e fundando a UDN. De início houve resistência por parte dos
autonomistas como Nestor Duarte, Luiz Viana Filho, Pedro Lago, entre outros, em relação a
união com os “juracistas”, mas apesar dos ressentimentos, se organizaram como uma frente
oposicionista do Estado, lançando a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes.236
A fundação do Partido Social Democrático nesse período ficou a cargo dos
interventores nomeados por Vargas em cada estado, encarregados de articular a candidatura
de Eurico Gaspar Dutra a presidência. A Bahia tinha como interventor Renato Onofre Pinto
232
SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático, Bahia 1945. Salvador: Assembleia Legislativa da
Bahia. Salvador, 1992. p.17.
233
Ibidem, p.157.
234
Cabe destacar a diferença entre o Partido PSD fundado em 1933 pelo interventor Juracy Magalhães, e o PSD
de 1945, criado pelos interventores nomeados por Getúlio Vargas.
235
SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático, Bahia 1945. Salvador: Assembleia Legislativa da
Bahia. Salvador, 1992 p.74.
236
Ibidem, p.96-97.
106

Aleixo, que passou a convocar os elementos ligados a administração pública, para definirem
suas posições políticas diante das duas candidaturas. Essa atitude era uma forma de pressionar
os seus subordinados, como os executivos municipais que temiam pela perda do poder caso
não atendessem o chamado do interventor, pois para os prefeitos municipais, se colocar em
oposição significava perder o prestígio político e assim vários prefeitos declararam
imediatamente o apoio ao interventor.237
Era no interior que se concentrava a maioria dos votos, e o apoio dos prefeitos era
importante tanto para a UDN quanto para o PSD, pois o controle desse eleitorado decidiria a
eleição. No entanto, segundo Paulo Santos, os chefes municipais não pareciam sensíveis aos
apelos da oposição, e a política clientelística era responsável por aumentar as vantagens de
Pinto Aleixo na disputa. Em uma exposição-feira de animais, que reuniu na capital do estado
prefeitos, fazendeiros, criadores de gado, e homens de destaque da política municipal, muitas
lideranças do interior prestaram apoio público ao interventor.238 Ao que tudo indica, entre
esses apoiadores estava o coronel Santinho, que após anos de oposição ao governo Vargas,
em apoio a J. J. Seabra e a Concentração Autonomista, com a volta da redemocratização
optou por apoiar o PSD, partido contrário a UDN, que representava a união dos autonomistas
com Juracy Magalhães. De acordo com Maria da Guia, Santinho arregimentou
correligionários para colaborar com a criação e conseguir filiados a um “partido político que
lhe coubesse com os aliados”. Segundo ela,

O coronel Santinho foi convocado ao Palácio da Aclamação em Salvador


pelo interventor ainda em exercício, Pinto Aleixo, para acertar sua adesão ao
PSD. Ficou então acertado que, por ocasião da eleição, o candidato a
presidência da República seria Eurico Gaspar Dutra. Para governador da
Bahia, por um acordo dos partidos recém fundados, PSD e UDN, o
candidato seria Otávio Mangabeira. Para Senador o próprio Pinto Aleixo
seria o candidato.239

Segundo Maria da Guia, Santinho concordou com tudo, mas avisou ao interventor que
tinha um compromisso com seu amigo Nelson Carneiro, que estava fora das definições
partidárias, e que por essa razão apoiaria a candidatura do amigo para deputado estadual. Na
ocasião, Nelson Carneiro optara pela UDN, como fiel adepto de Seabra, e participante da
Concentração Autonomista desde o seu início. Na redemocratização política fez parte da

237
Ibidem, p.105-106.
238
Ibidem, p.107.
239
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011p. 54.
107

vertente seabrista do autonomismo, que teve papel decisivo no processo eleitoral.240A amizade
do coronel com Nelson Carneiro durou até o fim da vida de Santinho, segundo Maria da Guia,
e ele se manteve fiel no apoio a Nelson Carneiro até nas eleições seguintes, e que em 1950 a
legenda da UDN foi majoritária no Riacho da Guia, por força dos votos articulados pelo
coronel.241
Ao que parece, a amizade e respeito do coronel Santinho por Nelson Carneiro era
recíproca. Em 1949, quando estava na Câmara Federal, Nelson Carneiro fez agradecimentos
no Jornal do Brasil (RJ), àqueles que ajudaram a sua candidatura e entre eles menciona o
coronel Santinho:

Acontece que sou baiano. Foram uns cabras (ilegível) de minha terra que me
permitiram chegar à Camara Federal (...). No Riacho da Guia o coronel
Santinho usa outros métodos. Há decênios ele é o chefe, menos pela
autoridade, de que não se gaba, do que pela dedicação com que a todos
atende, aconselha e assiste. Seu prestígio por isso mesmo, atravessa
governos e transpôs e supera oposições.242

Outro autonomista que teve papel importante na luta contra o Estado Novo, foi Luiz
Viana. Advogado e também jornalista, durante a ditadura do Estado Novo dedicou-se ao
trabalho historiográfico, escrevendo livros como A Sabinada. Em 27 de fevereiro de 1945, ele
escreveu para o coronel Santinho, fazendo um apelo para a continuidade do coronel na
posição política a qual antes se mantinha.

Nos últimos sete anos, mesmo nas ocasiões em que tive o prazer de
conversar com o distinto amigo, evitei sempre tratar assuntos políticos, pois
o ambiente reinante não me proporcionava esperar poder amparar qualquer
amigo, que fosse vítima de violência. Agora, no entanto, os ventos mudaram.
E não só já respiramos um ar de liberdade e garantias, mas também nos
organizamos para sufragar um candidato, que tudo indica estar recebendo o
apoio, que lhe há de assegurar um triunfo esmagador. Nessas condições,
havendo sido sempre o distinto amigo um dos mais dedicados e valiosos
companheiros, sentir-me-ia mal se não lhe enviasse uma palavra, que, não
pretendo ser de orientação, é contudo uma advertência e um apelo no sentido
de vê-lo continuar na posição que sempre teve entre os nossos companheiros
(...).243

240
SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático, Bahia 1945. Salvador: Assembleia Legislativa da
Bahia. Salvador, 1992. p.94.
241
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 55.
242
EU não sou daqui. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 06 out. 1949. de 1949. Disponível em:
http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acesso em: 15 mai. 2022.
243
Correspondência de Luiz Viana Filho para o coronel Santinho em 1945, em cópia anexada ao livro Coronel
Santinho do Riacho da Guia. Ver: LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia.
Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2011.
108

Mesmo com os apelos de Luiz Viana, Santinho continuou a fazer parte do partido PSD
até o fim da vida. Nas eleições de 1945, a vitória nas urnas foi do seu candidato, Eurico
Gaspar Dutra, resultado que segundo Paulo Santos já era esperado, devido à pressão do
interventor para que as chefias locais assegurassem o apoio ao partido, e consequentemente a
sua vitória.244 A real motivação de Santinho ao mudar sua posição política é inalcançável,
porém, analisando o momento político, pode-se identificar suas possíveis motivações, se
observarmos que, até as eleições de 1934 o sistema político funcionava a base do
clientelismo, da relação de troca de favores entre deputados e suas bases eleitorais. Com o
fechamento do Legislativo Estadual em 1937, eles não conseguiram mais acesso aos recursos
públicos para administrar de acordo com a necessidade de suas bases eleitorais, pois quem
passou a manter esses recursos foram os interventores, vinculados aos chefes políticos de cada
município. Assim, o clientelismo passou a ser exercido diretamente pelo poder executivo, que
poderia recompensar ou punir aqueles que se mostrassem favoráveis ou contra a candidatura
oficial, o que dava ao interventor Pinto Aleixo um maior poder eleitoral, que provavelmente
foi o motivo de sua vitória.245Sendo assim, o coronel Santinho pode ter se visto acuado e
temeroso de perder favores políticos, que no momento estavam centrados nas mãos dos
interventores e do prefeito, a quem ele deu apoio, pois as articulações locais demarcavam as
alianças políticas. Cabe destacar, que ao apoiar o prefeito Santinho também estava reiterando
a sua oposição a Mario Cravo, pois estava apoiando o candidato que havia sucedido a ele.
Nas eleições municipais de 1947, o coronel Santinho, então com 64 anos, se
empenhou em colocar um sucessor político no Riacho da Guia, e indicou como candidato a
vereador seu genro, Antônio Silva Lima, pois como disse na carta aberta de 1937, ficaria
recluso. Nas eleições municipais de 1947, doze vereadores foram eleitos para a primeira
legislatura pós- Estado Novo, dos principais partidos brasileiros. Representando o PSD,
mesmo partido do sogro, Antônio Silva Lima venceu as eleições como o vereador mais
votado do município, com 394 votos, tornando-se presidente do Legislativo Municipal.246
De acordo com Moisés Leal, o pleito realizado em 1947 em Alagoinhas, apresentava
características diferentes das eleições ocorridas anteriormente, pois a maioria dos vereadores
assumiu os cargos pela primeira vez. No entanto, alguns casos traziam consigo o elemento da
continuidade, por carregarem a permanência dos nomes de famílias que estavam presentes em

244
SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático, Bahia 1945. Salvador: Assembleia Legislativa da
Bahia. Salvador, 1992. p. 143.
245
Ibidem, p.145.
246
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade do Estado da Bahia.
Salvador, 2011.p. 46.
109

mandatos que antecederam o Estado Novo247, lugar que também se encaixa Antônio Silva
Lima, pois mesmo não tendo o sobrenome do coronel Santinho, estava ali como seu sucessor.
Antônio Silva Lima permaneceu como vereador representante do Riacho da Guia por
apenas um mandato. Durante esse período, recebeu o título de Cidadão Alagoinhense, pela
Câmara Municipal, e segundo Maria da Guia construiu uma escola rural, em um terreno que
ele mesmo havia doado, e diligenciou para que a luz elétrica fosse fornecida no distrito do
Riacho da Guia.248 Notadamente, Maria da Guia, como filha de Antônio Silva Lima,
empenhou-se na narrativa do seu livro em exaltar os feitos do pai enquanto vereador, mesmo
que sua carreira política no Riacho tenha sido curta.

Figura 23 - Festa de inauguração da eletricidade no Riacho da Guia

Fonte LIMA, (2011)

A disponibilização da energia elétrica sem dúvida foi um marco de mudança para a


localidade. Percebe-se na figura acima que a mobilização da população foi intensa, observa-se
pelas bandeirolas que o dia foi de festa na localidade, que ao que parece era ainda bem
simples. Mas é necessário observar também, que a chegada da energia foi um tanto tardia,
tendo em vista que na cidade de Alagoinhas, a luz elétrica foi inaugurada em 1929, ou seja, 21
anos antes.

247
Ibidem, p.45.
248
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p.57.
110

A usina hidrelétrica Saturnino Ribeiro passou a fornecer energia com uma


certa regularidade a partir de 22 de setembro de 1929. O então governador
da Bahia, Vital Soares, veio prestigiar o evento de inauguração da energia
elétrica em Alagoinhas.249

No final da década de 1930, discutia-se sobre a possibilidade de construção de uma


barragem no rio Subaúma, em cachoeiras que se localizavam a três quilômetros do distrito do
Riacho da Guia, com a intenção de melhorar a iluminação da cidade e substituir a usina que
estava enfraquecida. Em 1939 foram feitas visitas de inspeção na área, realizadas pela
prefeitura, e o coronel Santinho divulgou que acompanhou de perto essas visitas, como chefe
do Riacho da Guia.250 Em 12 de agosto do mesmo ano, o Jornal de Alagoinhas publicou que o
prefeito Antônio Martins de Carvalho Junior havia contratado profissionais para fazerem um
estudo definitivo, para iniciar a construção da barragem.251Porém, o início da construção foi
noticiado apenas um ano depois, através do Correio de Alagoinhas.252A data de finalização
das obras da barragem é desconhecida, porém, é possível que a sua construção tenha ajudado
o vereador Antônio Silva Lima a conseguir levar eletrificação para o Riacho da Guia, alguns
anos depois.
Nas eleições seguintes, Antônio Silva Lima optou por não se candidatar novamente ao
cargo de vereador, mudando-se com a família para Fortaleza, pois, segundo Maria da Guia,
com o crescimento dos filhos viu-se obrigado a retornar para o estado em que antes residia,
para que os filhos pudessem ter melhores estudos,

De comum acordo com o sogro e com a intervenção maior da esposa, que


queria acima de tudo acompanhar o crescimento dos filhos em lugar de
enviá-los a internatos, retornaram a Fortaleza para períodos de duração
maior. Assim, os filhos seriam educados com a família unida e meu pai
ficaria ligado ao comércio de fumo. Meus pais entretanto, voltariam para, na
eleição seguinte, ajudar na campanha do sogro, que novamente voltaria à
cena política.253

Há algumas contradições sobre a mudança da família do genro do coronel Santinho


para Fortaleza. Maria da Guia afirma que a mudança se deveu ao fato de permitir que os
filhos tivessem melhores estudos, no entanto, não seria necessário ir à Fortaleza para isso,

249
GONÇALVES, Jocélia Novaes. A imprensa de Alagoinhas-Ba no início do século XX e o desejo de
“controlar” os excluídos. In: BATISTA, Eliana Evangelista (org.). Quarteto editora, 2015, p. 41.
250
TEMOS a barragem. Correio de Alagoinhas. Alagoinhas, 29 jul. 1939.
251
SOBRE a barragem. Correio de Alagoinhas. Alagoinhas, 12 ago. 1939.
252
BARRAGEM. Correio de Alagoinhas. Alagoinhas, 14 set. 1940.
253
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011, p. 61
111

pois na maioria das vezes, as famílias mais abastadas da região mandavam seus filhos para
estudar em Salvador, como foi o caso do próprio coronel Santinho quando jovem. Outro fato
a se analisar, é que de acordo com Maria da Guia, o genro teria percebido que no Riacho da
Guia não tinha possibilidade de crescer economicamente, e que ele queria ser independente do
sogro, pois o plantio de laranja que Antônio Silva Lima teria iniciado na localidade seria
insuficiente para cuidar da família como desejava.254 Todavia, é provável que, caso
continuasse a seguir a carreira de vereador, dificilmente teria dificuldades econômicas, tendo
em vista que se tornaria o sucessor do coronel, e que poderia ser eleito novamente. Em
Fortaleza, Antônio Silva Lima trabalhou com o comércio de fumo do coronel, que tinha filial
na localidade, o que de certa forma, continuaria a deixá-lo dependente dos negócios do sogro.
Dessa forma, tentativa do coronel Santinho de colocar um sucessor político foi frustrada, e
como não tinha filhos homens legítimos, significava para a época, que a carreira política da
família acabaria após a morte do coronel.
Com o genro fora da política, Santinho voltou a concorrer para vereador nas eleições
seguintes, e mesmo em idade avançada, continuou a exercer carreira política e também
influência na localidade, sempre ligado ao partido PSD. Em 1950, o PSD elegeu quatro
vereadores, Elias Amâncio de Souza, Heitor Dantas, Orlando Azevedo e José Lucio dos
Santos. Segundo Ede Assis, o coronel Santinho, além de ter grande ligação com Seabra,
também estava muito ligado a Pedro Dórea, quando foi eleito vereador pelo partido PSD, nas
legislaturas de 1951 a 1954. Em 1953, ele venceu novamente as eleições, tornando-se
novamente presidente da Câmara.255

254
Ibidem, p.60.
255
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-1956)
Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
112

Figura 24 - Eleição de Santinho para vereador em 1953

Fonte: Jornal O Nordeste, Ano IV, nº 123,13.04.53, p. 1

A matéria do Jornal Nordeste afirma que a votação para a composição do cargo de


presidente da câmara foi acirrada, empatando com 6 a 6 votos, e que Santinho tornou-se o
presidente por ser o vereador com mais idade. Como já havia exercido o cargo anteriormente,
entende-se que Santinho já nutria apoiadores em meio a Câmara, assim como opositores, e
que as legendas partidárias influenciavam na votação. Observamos na imagem, que o coronel
Santinho aparece ao centro, e ao lado provavelmente estão alguns dos vereadores eleitos,
sendo eles João Nou, Milton Leite, Eurico Costa e Altamirano Campos. Reunidos para a
votação do pleito, o jornal também menciona a presença de funcionários federais e
municipais, além de comerciantes e pessoas importantes na sociedade. As vestimentas
denotam o caráter de solenidade exigido para o momento, pois todos na fotografia estão de
terno e gravata, e enquanto alguns não encaram o fotógrafo, Santinho posou para a foto,
provavelmente sabedor do destino da fotografia.
Em setembro de 1954, Santinho recebeu uma correspondência de Otávio Mangabeira,
na qual o mesmo solicitava a ajuda do coronel em forma de votos para a eleição de deputado
federal, diante das ligações anteriores com Alagoinhas, e consequentemente com o Riacho da
113

Guia, mesmo demonstrando saber do apoio que seria dado pelo coronel a Nelson Carneiro,
seu amigo pessoal:

Meu caro José Lucio,


Sem prejuízos a Nelson, (ilegível) de modo que Alagoinhas não me deixe de
dar votação para deputado federal. Não posso é claro, ter o que tive em
outros tempos. Tudo passa... mas também seria (ilgível) que esquecessem
completamente o velho amigo.
Agradecimentos e um abraço.256

Relações como essas demonstram que o eleitorado de Santinho, representado pelo


Riacho da Guia, tinha um peso político importante tanto para as eleições municipais quanto na
esfera estadual e federal, e mesmo nesse período, em que o coronel se colocava contra antigos
aliados políticos, ainda mantinha certo prestígio e influência nas eleições. Segundo Maria da
Guia, e em conformidade com o resultado dos pleitos eleitorais, o eleitorado do Riacho da
Guia possuía uma margem de 400 votos, que garantia para o coronel, na maioria das eleições
disputadas, a maior porcentagem de votos como vereador. Por essa razão, alguns políticos
buscavam o apoio do coronel, pois sabiam que como autoridade na população do Riacho, a
influência de Santinho seria de grande ajuda na vitória de qualquer pleito. O Jornal
Nordeste,257 na eleição estadual de 1954, afirmava que em Alagoinhas o pleito eleitoral teria
se dado em meio a corrupções. Segundo o jornal, falsos eleitores teriam votado em todas as
seções da cidade, inclusive se descolando também para os distritos, e que somente no Riacho
da Guia, por ser a “fortaleza inexpugnável do coronel José Lucio, a vitória sorriu a Pedro
Calmon”258, que foi derrotado nas demais urnas da cidade.
Em 1955, o mesmo jornal, que a princípio apoiava a UDN, tecia críticas à perda de
força política do partido nas eleições, atacando abertamente a direção do partido, e afirmando
que o coronel Santinho, oposicionista da UDN pelo partido PSD, “com a autoridade dos seus
400 votos garantidos, perguntou na Câmara Municipal se ainda havia UDN em

256
A carta possui cópia anexada ao livro Coronel Santinho do Riacho da Guia. Infelizmente alguns trechos estão
ilegíveis. Ver: LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão
Gráfica Editora, 2011.
257
O jornal Nordeste foi fundado em 1948, por Joanito Rocha e com a direção de João Nou, e noticiava os
acontecimentos de Alagoinhas e das cidades vizinhas. Nas eleições de 1950, colocou-se do lado da UDN,
apoiando Juracy Magalhães, e combatendo a campanha do PSD, o jornal colocava-se contra as ideias
autonomistas, e também era antigetulista, provavelmente por influência de João Nou, que era membro da UDN
no período, e foi eleito deputado estadual no mesmo ano, sendo também advogado. Ver: SOARES, Ede Ricardo
de Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-1956) Dissertação. (Mestrado em História)
- Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.
258
SOB UM clima de corrupção feriu-se o pleito. Jornal o Nordeste. 2 out. 1954.
114

Alagoinhas”259. Era uma crítica ao fracasso da UDN nas eleições, a partir da vitória de
Santinho pelo partido PSD, deixando claro que o eleitorado do Riacho da Guia era, ao menos
em sua maioria, constante no apoio ao coronel nos períodos eleitorais.
Em outubro de 1954, saíram 12 vereadores eleitos. O PSD elegeu 5 vereadores, assim
como a UDN, e o PSP elegeu 2, nessa eleição também foi vitorioso o prefeito Antônio
Martins de Carvalho Junior, representando a UDN. O candidato ao executivo municipal que
representava o PSD recebeu 2.936 votos, não conseguindo se eleger. 260
Segundo Maria da
Guia, no período de 1959 a 1963, quando Juracy Magalhães se apresentou novamente como
candidato a governador pela UDN, a filha de Santinho, Teresa, e o marido Antônio Silva
Lima, foram pressionados pelos “antigos inimigos” a intercederem por um período de paz
entre os que faziam oposição, e que assim houve um “desfile de políticos” na casa do coronel.
De acordo com Maria da Guia, até mesmo Juracy teria organizado uma visita ao coronel, que
acabou não acontecendo, por motivos que ela não relata. Ela afirma que ficou acertado que os
familiares e aliados de Santinho, votariam em Juracy Magalhães, menos o coronel, que
concordou em manter silêncio sobre sua posição nas eleições, mas deixou claro que não
votaria num antigo inimigo.261 Esse fato evidencia que Santinho não apoiava a união que se
fez entre Juracy Magalhaes e a Concentração Autonomista, após Juracy ter rompido com
Vargas em 1937, e se unido a sua antiga oposição em 1945, com o retorno das eleições.
Ao que parece, Santinho ainda guardava rancores em relação a Juracy Magalhães, pois
este, enquanto estava como interventor da Bahia no governo de Vargas perseguiu o coronel,
que por sua vez estava em oposição, e talvez esse tenha sido um dos motivos que fez Santinho
mudar de opinião ao compor o partido PSD, com o retorno da democracia. Em 1955, O jornal
O Nordeste, ao criticar o apoio de Juracy Magalhães ao candidato Juarez Távora, relembra os
momentos de perseguições feitas por Juracy ao coronel Santinho, quando o mesmo era
governador:

Tudo poderá acontecer se Juarez for presidente, pois quem mandará serão
coronel Juracy Magalhães. Poderemos até ver revividos os sofrimentos do
coronel José Lucio, no Riacho da Guia, que não está esquecido da luta que
teve que enfrentar pela sua lealdade às tradições de sua terra. Ele – o coronel
Santinho – não esquece que foram os revolucionários de 30, os comandados

259
PONTOS nos ii... Jornal O Nordeste. 15 ago.1955.
260
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade do Estado da Bahia,
Salvador, 2011. p. 78.
261
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 65.
115

do general Juarez, que fizeram o delegado “Porfírio José de Araújo” o seu


algoz.262

Não encontramos registros sobre o delegado citado pelo jornal, nem relatos de sua
possível perseguição ao coronel, porém, como já mencionamos, através dos relatos do próprio
coronel Santinho, ele quase foi levado preso, no período em que fez oposição ao interventor
Juracy Magalhães, assim como seu genro, Antônio Silva Lima, que não teve a mesma sorte de
fugir como Santinho, e acabou sendo preso por atuar em um jornal da oposição. Entretanto, é
possível que nesse período o delegado em exercício fosse o mencionado pelo jornal.
Nas eleições municipais de 1958, Santinho demonstrou seu apoio ao candidato a
prefeito Antônio Valverde Bastos, do partido PTN, anunciando seu apoio em um
pronunciamento na praça da matriz do Riacho da Guia, que foi noticiado pelo Alagoinhas
Jornal, em 29 de setembro de 1958, ocasião em que o coronel teria afirmado que “entre os
quarto dignos candidatos ao cargo de prefeito de Alagoinhas, eu escolhi e indico ao meu
eleitorado o nome digno e honrado de Antônio Valverde Bastos.”263Com o apoio de Santinho
explicitado para a população do Riacho, que era notadamente fiel aos candidatos que o
coronel apoiava, e às próprias candidaturas do coronel, o que pode ser observado nos números
de votos que do Riacho se contavam, não seria surpresa que o candidato escolhido
conseguisse ser eleito, ou ao menos ser o mais votado na localidade do Riacho. Uma
“fidelidade” ao coronel que foi criticada pelo jornal Alagoinhas Hoje, em 23 de abril de 1960:

Repelido e derrotado em toda linha por falta de tato político, a UDN, partido
político de oposição ao PSD, ao qual Santinho pertenceu toda sua vida,
capitulou e para não ser alijada, completamente, da mesa da câmara,
perdendo a presidência que era exercida com acerto e diplomacia pelo Sr.
Luiz Rabelo, que passou para o cargo de primeiro secretário, recaindo a
escolha do presidente na pessoa do “coronel do envelope” José Lucio dos
Santos, mais conhecido como Santinho do Riacho da Guia, cuja virtude é ser
cabo eleitoral e conduzir em cabresto cerca de 500 eleitores do arraial do
Riacho da Guia, numa previsão pouco lisonjeira para os destinos de
Alagoinhas que, no impedimento do prefeito terá que ser entregue a uma
pessoa sem qualquer mérito administrativo, haja vista o atraso em que vive a
pobre gente do Riacho. Sinal dos Tempos.264

262
JURACY quer Juarez. Jornal Nordeste, Alagoinhas, 25 set. 1955. n. 188.
263
Matéria do Alagoinhas Jornal, que se encontra anexada ao livro Coronel Santinho do Riacho da Guia. Ver:
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011.65.
264
Matéria do Jornal Alagoinhas Hoje, que se encontra anexada ao livro Coronel Santinho do Riacho da Guia.
Ver: LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p.65.
116

O Jornal Alagoinhas Hoje, faz uma descrição pouco lisonjeira do coronel Santinho,
afirmando que ele “conduzia em cabresto” seus eleitores, demonstrando também certa
decepção com o partido da UDN, por ser derrotado na eleição para câmara de vereadores, que
foi entregue ao coronel Santinho, o qual o jornal denota preocupação de que na falta do
prefeito, Santinho descrito como alguém “sem qualquer mérito administrativo” poderia
assumir a prefeitura de Alagoinhas. Fica explícito que a imagem de Santinho como um
político que conduzia seu eleitorado por meio do voto de cabresto era falada entre seus pares,
e cabe ressaltar, que nesse período, por volta dos anos de 1960, essa atividade ao que tudo
indica, ainda era realizada pelo coronel, porque conseguia conduzir a população do Riacho da
Guia a votar nele, demonstrando que a prática típica do coronelismo ou seus resquícios ainda
subsistia, ao menos no Riacho da Guia.

3.4 FINALIZANDO A CARREIRA

Independente do declínio gradual do coronelismo ao passar dos anos, o poder político


que o coronel exercia naquele no Riacho da Guia foi além, perdurando por praticamente toda
a sua vida. Entretanto, os últimos anos de Santinho na política foram de muitas ausências,
pois a saúde do coronel impedia que participasse de todas as atividades da câmara.
Analisando as atas disponíveis, observamos que desde o ano de 1953, Santinho já
demonstrava ter problemas de saúde. Na seção do dia 20 de novembro de 1953, Santinho
retirou-se, alegando a necessidade de cuidar da saúde, passando a presidência para o vice
Altamirano Cerqueira Campos.265 Em 1955, apresentando um atestado médico, Santinho pediu
uma licença de 60 dias para tratamento médico, e em seu lugar tomou posse o suplente José
Araújo Batista, como seu substituto.266É possível que até mesmo em anos anteriores, pela sua
avançada idade, o coronel tenha passado por problemas com sua saúde, o que talvez pode
explicar a tentativa de inserção do genro como seu sucessor político, em 1948.
Analisando as atas da câmara, entre os anos de 1953 e 1959, observamos poucas falas
do coronel nas discussões, na maioria das vezes ele aparecia apenas como orador, pelo fato de
ser, em alguns mandatos o presidente da câmara, porém, nesse período não encontramos
projetos de leis lançados por iniciativa do coronel. Essa atitude, de manter-se afastado das
discussões, podem indicar que Santinho era um político apenas de bastidores, que procurava
não se envolver, considerando que não encontramos nas atas analisadas pedidos ou projetos

265
Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata do Legislativo Municipal de Alagoinhas, 20 nov.1953.
266
Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata do Legislativo Municipal de Alagoinhas, 25 abr.1955.
117

referentes ao distrito do Riacho da Guia. Entretanto, observamos uma discussão em que


Santinho recebe algum destaque, que dizia respeito à feira livre de Alagoinhas.
Em 1953, estava em curso na Câmara Municipal, uma discussão sobre a feira livre,
localizada na praça da Bandeira. Em maio de 1953, o vereador Eurico Costa reclamou na
Câmara, sobre boatos que estavam sendo divulgados na cidade por um candidato a vereador,
que não teve seu nome citado, mas que estaria se dirigindo pessoalmente aos proprietários das
barracas, dizendo-lhes que a Câmara Municipal os estava perseguindo, e que retirariam todas
as barracas do local, e segundo o vereador Eurico Costa, o mesmo estava criando uma
“atmosfera de antipatia contra o corpo legislativo”, que desejava apenas a higienização do
local. Continuando sua explanação, Eurico Costa afirmou que o aspirante a vereador também
afirmou aos feirantes que o único vereador que não apoiava o projeto era o presidente da
câmara, o Sr. José Lucio. De fato, Santinho chegou a protestar sobre o possível fechamento
das barracas, respondendo que o caso da feira de Alagoinhas estava aquém da capital, e que a
feira de “água de meninos” era um “verdadeiro atentado à saúde, porque até hoje não foi
possível tirá-la dali”, fazendo referência às feiras da cidade de Salvador, as quais ele afirmava
não serem diferentes das de Alagoinhas.267
Em outra seção do mesmo mês, uma proprietária de uma das barracas da feira foi
chamada para participar da seção da Câmara, e na oportunidade, solicitou que não houvesse a
retirada das barracas. O vereador Eurico Costa respondeu que apenas desejava a higienização
da feira para a prevenção de moléstias, porém o vereador Joaquim Batista, contrariando as
palavras de Eurico Costa, afirmou que a ação aconselhada pelo Posto de Higiene era acabar
com as barracas, e a voz que protestou mais uma vez sobre isso foi a de Santinho, dizendo que
“a medida devia ser aplicada em primeiro lugar aos grandes, e não aos pequenos”, e entre
outras considerações, citou novamente como exemplo as barracas existentes em “aguas de
meninos”, na capital do Estado.268
A questão da feira livre da praça da Bandeira também foi assunto nos jornais da
cidade. Em 1951, o Jornal O Nordeste já tratava sobre a falta de higiene da feira, reportando a
visita do prefeito Pedro Dórea, que teria “determinado providências”, afirmando que o
prefeito não contava com “funcionários capazes de lhe auxiliar, porque o funcionalismo
municipal de Alagoinhas, com raríssimas exceções, é uma inércia a toda prova, e vem viciado
a longos anos”, fazendo assim uma clara crítica aos vereadores de Alagoinhas.269 Segundo

267
Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata do Legislativo Municipal de Alagoinhas, 08 mai.1953.
268
Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata do Legislativo Municipal de Alagoinhas, 15 mai. 1953.
269
MUITO bem Sr. Prefeito. Jornal Nordeste. Alagoinhas, 29 jul.1951. p. 8.
118

Moisés Leal, a feira se iniciou na praça J.J. Seabra e se expandiu até a praça da Bandeira,
ficando conhecida como “feira do pau”, que acabou sendo deslocada em 1955, para a rua
Coronel Tamarindo, nas proximidades do colégio Brasilino Viegas, na gestão do prefeito
Antônio Martins de Carvalho Junior.270
Santinho faleceu em 6 de setembro de 1963, após agravamento dos seus problemas de
saúde, aos 80 anos de idade. Nota-se que em toda sua trajetória, Santinho buscou manter-se
em um lugar que lhe garantisse estabilidade política, e lhe permitisse continuar com o seu
poderio local, através das trocas de apoios e alianças com os deputados. No período inicial da
Revolução de 1930 ele esteve ao lado daqueles que já lhe ajudavam anteriormente, como
Seabra e Nelson Carneiro, e a mudança para a oposição reforça essa ideia, pois ele, por
ligação com Seabra, também passou para a oposição, demonstrando que a sua posição política
independia do partido político, mas sim do nome que estava por trás dele.
Com a redemocratização, quando o interventor Pinto Aleixo sugeriu que os chefes
locais demonstrassem sua posição política, a atitude de Santinho em apoiar governo,
dominante indica que provavelmente ele já mantinha relações estabelecidas com o mesmo,
pois como mencionamos, em seu jornal Santinho já demonstrava uma inclinação ao governo,
principalmente ao se colocar como apoiador do prefeito Antônio Martins de Carvalho.
Podemos observar também, que o apelo de Luiz Viana, para que Santinho continuasse na
oposição, indica que a relação dele com os oposicionistas já estava estremecida.
Sabemos que houve um hiato entre o primeiro momento da Concentração
Autonomista e o retorno da democracia. Todavia, mesmo com o período de tempo que se
passou, muitos daqueles que estavam no início da formação da corrente autonomista,
continuaram atuantes depois do Estado Novo. Entretanto, o coronel Santinho decidiu afastar-
se, em discordância com seus antigos aliados políticos da oposição. Podemos identificar essa
atitude como uma estratégia política, pois com os deputados da oposição desempossados dos
seus cargos durante o Estado Novo, e sem poder garantir ao coronel benfeitorias ou proteção,
Santinho, naquele novo momento, procurou ficar ao lado daqueles que tinham mais a lhe
oferecer, e que na época eram os detentores do poder político. Assim, é possível que Santinho
tenha buscado ajustar-se as situações favoráveis a ele, que fortaleciam a sua liderança no
Riacho da Guia.

270
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação. (Mestrado em História) - Universidade do Estado da Bahia,
Salvador, 2011. p. 26.
119

Para Paulo Santos Silva, o momento que se estende da Revolução de 1930 a 1946,
representou um processo de “prestígio, desprestígio e represtígio dos coronéis” visto que a
retomada do processo eleitoral, em 1945, trouxe condições favoráveis ao seu reflorescimento,
permitindo a eles papel importante no processo político no período. Sendo assim, o
coronelismo se adaptou aos momentos históricos, transformando-se com eles.271 Por esse viés,
concluímos que o coronel Santinho procurou se adaptar aos momentos políticos, e talvez o
momento em que esteve em oposição o permitiu entender as dificuldades de se manter em
desacordo com os poderes governamentais, de forma que com a redemocratização, ele buscou
ir além de suas antigas alianças políticas, buscando se manter aliado do governo.
Em seus últimos anos de vida, sua saúde não permitiu um desempenho político como
manteve nos primeiros anos, pois ficava mais retraído em sua residência. De acordo com
Maria da Guia, com o tempo, o coronel tornou-se de humor introspectivo, e “passava muito
tempo contemplando o cemitério branco que se avistava do alpendre na parte de trás da casa”,
e quando ia para as seções da Câmara, um vizinho chamado Pidô dirigia seu automóvel, pois
o coronel já não podia conduzi-lo sozinho. A comercialização de fumo do coronel foi
encerrada, e ele passou a se manter como vereador e com a venda de gado. Com a saúde
muito frágil, Santinho passou seus últimos dias de vida residindo na cidade de Alagoinhas, em
residência de sua cunhada Idelfonsa, irmã de sua esposa Amélia, para que ficasse mais perto
dos serviços médicos.272
Após seu falecimento, em 6 de setembro de 1963, o deputado Nelson Carneiro, amigo
de longa data de Santinho, enviou uma carta a filha do coronel, na qual apresentava suas
condolências:

(...) soube que nosso Santinho se fora desse mundo, conduzido pela mão de
Nossa Senhora da Guia. (...) Estou mandando para ser publicado em “A
Tarde” um artigo sobre o nosso saudoso amigo, apontando-o como um
exemplo para os mais novos, pela fibra, pela lealdade, pela bravura. (...) a
mágoa que me invade a alma é irmã da que alcança aos da família, entre os
quais sempre me considerei. Não tenho o endereço, em Fortaleza do Silva e
da Terezinha, que certamente foram chamados a tempo para assistir aos
últimos momentos daquele velho jequitibá, que só a morte venceu. (...) cabe-
lhe Amelinha, assumir o lugar vazio, mantendo viva a chama do ideal por
melhores dias para esse povo.273

271
SILVA, Paulo Santos. A volta do jogo democrático, Bahia 1945. Salvador: Assembleia Legislativa da
Bahia. Salvador, 1992. p. 118-120.
272
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p.69-70.
273
Carta de Nelson Carneiro á Amelinha, em 30 de outubro de 1963. Cópia anexada ao livro Coronel Santinho
do Riacho da Guia. Ver: LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza:
Expressão Gráfica Editora, 2011.
120

Amelinha, filha de Santinho, não seguiu os passos do pai na política, como Nelson
Carneiro indicou que fizesse, e como Santinho não tinha outros filhos legítimos ou
identificados, a trajetória política familiar se encerrou com o coronel. De acordo com Maria
da Guia, com a saúde agravada, houve conversações familiares para preparar a retirada do
coronel Santinho da cena política para tratamento médico, e dessas discussões também
participava um morador do Riacho identificado como José, ou “Zé do Bode”, que
posteriormente tornou-se vereador do Riacho da Guia.274 A relação de Zé do Bode com a
família de Santinho, e a continuação da vida política no Riacho da Guia, suscitam uma
investigação futura.
Amélia, a esposa do coronel, faleceu em 1965, e com seu falecimento Amelinha, que
não era casada e não teve filhos, passou a morar com a irmã e o genro em Fortaleza, onde
faleceu em 1984, e desde então, a casa de Santinho foi apenas visitada pelos familiares, até se
transformar em ruínas, como se vê atualmente.275 O artigo citado por Nelson Carneiro na
carta, foi publicado no Jornal À Tarde, no dia 07 de novembro de 1963, e teve como título
“Um líder de Resistência”:

Aquele coronel sertanejo de pele curtida ao sol nas lavouras de fumo, tinha
as qualidades de liderança que vão esgarçando no mundo cada vez mais
utilitário e entre as solicitações dia a dia menos nobres. E resistiu contra todo
o peso da ditadura da violência à corrupção, do terror policial à promessa do
bem querer, ninguém o venceu eleitoralmente em seu reduto, (...) Deus
levou-o primeiro para que pudesse na hora derradeira sentir o ar de ternura
de D. Amélia, o espírito forte das filhas, as netas vencendo na vida. A
estrada que se abria diante de seus olhos moribundos devia ser, com certeza
menos difícil, mais acolhedora do que aquela outra que por amor a seu povo
lutou trinta anos. E a Senhora da Guia devia estar a espera-lo, no pórtico,
para guia-lo pela última vez, até o Reino dos Céus.276

No artigo, Nelson Carneiro reitera o trabalho de Santinho como produtor de fumo,


perseguições políticas sofridas por ele, e a força política que ele mantinha em relação aos
eleitores do Riacho da Guia, segundo o qual ele teria lutado por aquele povo por 30 anos. Mas
analisando a trajetória de Santinho, podemos observar que durou mais que 30 anos,
praticamente toda a sua vida. Após seu falecimento, os familiares diretos de Santinho
passaram a residir em Fortaleza. Da filha Teresa e do genro Antônio Silva Lima vieram netos
e bisnetos, e sua neta primogênita, Maria da Guia Silva Lima, que escreveu o livro Coronel
274
IMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 79.
275
LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2011. p. 75.
276
UM LÍDER de Resistência. Jornal à Tarde, Salvador, 07 nov. 1963.
121

Santinho do Riacho da Guia, em memória do seu avô, e que nos ajudou a construir a trajetória
de Santinho nesta dissertação.
122

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste trabalho investigamos a trajetória do coronel Santinho no município de


Alagoinhas, na Bahia. As análises desenvolvidas nos capítulos que compõe esta dissertação,
destinaram-se a compreender o processo de formação e desenvolvimento da sua trajetória,
buscando descrever e analisar aspectos da sua vida familiar, econômica, e política, entre os
anos de 1883 e 1963.
Aliado a isto, analisamos o espaço urbano e rural em que ele se relacionou, com o
intuito de caracterizar a importância dos mesmos na construção e identificação de Santinho
como coronel. Nesta empreitada, as obras de memorialistas locais como Américo Barreira,
Salomão Barros, Joanitta Cunha, e Maria da Guia, foram de suma importância para traçar o
perfil da região. A cidade de Alagoinhas era, no período estudado, um centro urbano em
expansão, com uma forte economia agroexportadora. Acrescida da implantação da linha
férrea, que ampliou a sua capacidade de comercialização e a urbanização, a cidade propiciou
o crescimento econômico de Santinho, que tinha a produção de fumo em corda como
principal atividade comercial. Além disso, Alagoinhas foi palco das vitórias eleitorais de
Santinho como vereador do município.
Atrelado ao espaço territorial do município de Alagoinhas, analisamos também o
distrito do Riacho da Guia, uma localidade rural próxima à cidade, onde Santinho residiu com
a família. Identificamos que a localidade de certa forma definiu os rumos da vida de Santinho,
tanto nos aspectos econômicos quanto nos políticos, através das relações de poder que ele
conseguiu estabelecer com os moradores locais, pelos laços de dependência aos favores
prestados por Santinho. Essa região conferiu ao coronel eleitores que proporcionaram suas
vitórias políticas, assim como a progressão dos seus bens, através das relações de trabalho que
ele obtinha no local. Constatamos assim, que o espaço de convivência foi relevante na análise
da trajetória de Santinho em seus diversos aspectos. Alagoinhas e principalmente o Riacho da
Guia definiram os rumos da vida do coronel, agindo como complemento necessário para o seu
desenvolvimento político e comercial.
No que concerne à inserção de Santinho no meio político local, investigamos mais
detalhadamente as atividades políticas de seus familiares, a saber o seu tio, Firmino Joaquim,
e seu pai Antônio Lucio. Observamos a partir das fontes investigadas, que eles participaram
da política local, e demonstraram certo destaque no meio em que viveram. Considerando a
provável preocupação familiar com a formação de Santinho, que foi enviado para estudar em
outras cidades, a sua pouca idade quando exerceu seu primeiro cargo público, como
123

Conselheiro Municipal em 1907, e a nomeação para o posto de tenente coronel no mesmo


ano, constatamos que a família de Santinho contribuiu muito para sua inserção na política
municipal.
No tocante às atividades de Santinho enquanto coronel e vereador, observamos que ele
possuía um percentual de eleitores que se destacava para as eleições locais, que o permitiam
ser eleito como mais votado na maioria das eleições. Entretanto, esse favoritismo se dava pela
relação de dependência que o coronel desenvolveu com os moradores locais, e não por falta
de oposições políticas no Riacho da Guia. A julgar pelas fontes analisadas, Santinho era
provavelmente o homem mais “rico” do distrito, possuía bens característicos de um homem
abastado, e procurou demonstrar essas posses à população. A relação com os trabalhadores da
lavoura e do trapiche de fumo era de dependência. Nelas Santinho emprestava favores que
eram cobrados nas eleições, em que havia o envolvimento da família, em busca de manter o
voto da população a favor do coronel, em eleições municipais ou estaduais. Entendemos
assim, que a atuação política e comercial de Santinho na região do Riacho da Guia, se
encaixava nos moldes típicos do sistema coronelista existente no período.
Referente às ligações políticas do coronel Santinho, nas conjunturas em que ele
perpassou, destacamos as alianças firmadas com o desenrolar da Revolução de 1930 e dos
anos que se seguiram a esse momento político. Analisando jornais do período, identificamos
que Santinho inicialmente apoiou a Revolução, aderindo a Aliança Liberal, influenciado por
José Joaquim Seabra, com quem ele tinha forte ligação. Por conseguinte, assim como J.J.
Seabra, Santinho mudou para a oposição, momento em que participou das campanhas
eleitorais de 1933, apoiando os políticos que faziam parte da Concentração Autonomista.
Com a derrota da oposição nas urnas, a documentação analisada nos permitiu inferir que
Santinho passou a ser perseguido politicamente, assim como alguns membros da sua família,
principalmente no período em que Juracy Magalhães esteve como governador da Bahia. Foi
uma situação que o coronel Santinho não tinha vivenciado até aquele momento, e que lhe
trouxe desavenças com políticos locais, aos quais ele fazia oposição, demonstrando que na
esfera política o seu poderio esteve estremecido, pois alianças que antes mantinha foram
desfeitas, quando se colocou em oposição ao governo.
Para autores como Victor Nunes Leal, a Revolução de 1930 representou um declínio
do coronelismo, que só continuou a resistir porque o poder público necessitava do apoio do
eleitorado rural, formando assim um sistema de compromisso entre um poder público que se
fortalecia, e a influência dos donos de terras que estava em decadência. Todavia, mesmo com
o rompimento da estrutura de poder tradicional da Primeira República, que indicava o
124

declínio do coronelismo, isso não aconteceu de uma forma homogênea em todo país.
Analisando a trajetória do coronel Santinho, percebemos que mesmo em oposição ao governo,
ele continuou a ter determinado prestígio como chefe político regional, em relação à
população do Riacho da Guia e seu entorno, que pode ser justificado também pelo seu poder
econômico.
Relacionado à retomada do processo eleitoral no Brasil, a Concentração Autonomista
que se manteve inativa durante o Estado Novo, retornou às disputas políticas para as eleições
presidenciais de 1945. O rompimento de Juracy Magalhães com o governo Vargas em 1937, e
sua aproximação com a Concentração Autonomista, aproximou os remanescentes do PSD dos
autonomistas, que acabaram se unificando e fundando a UDN, que lançou a candidatura de
Eduardo Gomes para a presidência da República. Do outro lado estava o Partido Social
Democrático, fundado por Vargas, que nesse período deixou a cargo dos interventores de cada
estado, que articularam a candidatura de Dutra a presidência. Como era no interior que se
encontrava a maioria dos votos, o apoio dos chefes políticos decidiria as eleições. Em meio a
essa disputa, o coronel Santinho, que vinha de uma trajetória oposicionista, decidiu aliar-se ao
PSD, ficando em oposição àqueles que antes apoiara. A real motivação de Santinho ao mudar
sua posição política é inalcançável, porém, analisando o momento político, podemos inferir
que o coronel provavelmente se viu acuado e temeroso de novamente perder favores políticos,
que no momento estavam centrados nas mãos dos interventores e do prefeito. Identificamos
assim a importância dos acordos e alianças locais, que se sobrepunham a ideologias ou
filiações partidárias. Por outro lado, ao sair da oposição, Santinho não deixou de apoiar alguns
dos antigos aliados, como Nelson Carneiro, ao mesmo tempo em que ainda se manteve
contrário a Juracy Magalhães, pois enquanto Santinho passou a apoiar o governo, Juracy
voltou-se para a oposição.
No período de redemocratização, Santinho demonstrava dificuldades para manter o
vigor político, provavelmente em face dos problemas de saúde. Provavelmente por esse
motivo, ele tentou fazer do seu genro, Antônio Silva Lima, seu sucessor. Entretanto, depois de
exercer um mandato como vereador do Riacho da Guia, Antônio Silva Lima decidiu não
continuar carreira política, mudando-se com a família para outro estado. Sem filhos homens
para dar continuidade à sua carreira política, Santinho voltou à cena política, e se elegeu por
mais algumas candidaturas, porém, os seus últimos anos como vereador foram dificultados
pelas limitações de sua saúde, pois naquele período já estava avançado em idade.
A importância da memória nesta dissertação está demonstrada em todos os capítulos
narrados. O livro Coronel Santinho do Riacho da Guia foi o ponto de partida para se pensar
125

as questões discutidas nesse trabalho, pois a leitura do livro suscitou interesse e direcionou o
olhar para as fontes. São memórias de familiares de Santinho relatadas após seu falecimento,
detalhando a trajetória do coronel nos diferentes momentos de sua vida. Entretanto, sabe-se
que a memória é passível de questionamentos, e que porta uma carga de valores impostos pela
sociedade, pela relação familiar, de forma que se fez necessário entender as representações e
imagens que se intencionou apresentar sobre o coronel. Identificamos uma narrativa
intencionada em mostrar os feitos do coronel, de engrandecer os momentos vividos por ele
nas mais variadas situações. Em se tratando de memória herdada, há uma ligação estreita com
o sentimento de identidade. Assim, analisando a narrativa de Maria da Guia, e a oralidade
presente de demais familiares, notamos que a todo momento procurou-se divulgar a imagem
de um mito familiar, e também uma busca pela preservação de uma identidade concebida
como uma herança familiar.
126

FONTES

Legislativas:

ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Livro de Atas, 1953.


ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Livro de Atas, 1955.
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Livro de Atas, 1959.
CENDOMA. Conselho Municipal de Alagoinhas. Livro de Atas, 1907.

Periódicos:

A Batalha. Rio de Janeiro- RJ – Hemeroteca Digital


A Pátria Baiana. Salvador –BA - GEPEA
À Tarde. Salvador- BA – Biblioteca Pública do Estado da Bahia
Alagoinhas Jornal. Alagoinhas- BA – GEPEA
Correio da Manhã. Rio de Janeiro-RJ – Hemeroteca Digital
Correio de Alagoinhas. Alagoinhas- BA – GEPEA
Diário de Notícias. Rio de Janeiro- RJ – Hemeroteca Digital
Jornal de Alagoinhas. Alagoinhas- BA- GEPEA
Jornal do Brasil. Rio de Janeiro – RJ- Hemeroteca Digital
O Nordeste. Alagoinhas –BA – GEPEA

Internet:

Site do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC).


Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc.

Site do Dicionário online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br.

Site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (1BGE). Disponível em:


https://biblioteca.ibge.gov.br

Memórias:

BARREIRA, Américo. Alagoinhas e Seu Município: Notas e apontamentos para futuro.


Alagoinhas: Typografia do Popular, 1902.
127

BARROS, Salomão. Vultos e feitos do município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas,


1979.

LIMA, Maria da Guia Silva. Coronel Santinho do Riacho da Guia. Fortaleza: Expressão
Gráfica Editora, 2011.

SANTOS, Joanita da Cunha. Traços de Ontem. Belo Horizonte: Graphilivros Editores, 1987.
128

REFERÊNCIAS

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em Ciências Humanas) - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 1983.

BARROS, Miriam Moraes Lins de. Memória e Família. Rio de Janeiro: Estudos Históricos,
1989.

BATISTA, Eliana Evangelista. A Bahia para os baianos. Acomodação e reação política ao


governo de Getúlio Vargas (1930-1937). Tese. (Doutorado em História Social) - Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

____________. Reações à Concentração Autonomista no interior da Bahia (1932/1937). In/:


XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA- Conhecimento histórico e diálogo social,
2013, Natal/RN. Anais [...] Natal: UNEB, 2013. p. 1-18. Disponível em:
http://www.snh2013.anpuh.org. Acesso em: 10 jun.2022.

BORBA, Silza Fraga Costa. Industrialização e Exportação de Fumo na Bahia (1870-


1930). Dissertação. (Mestrado em Ciências Humanas). Universidade Federal da Bahia.
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