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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA


CONTEMPORÂNEA DO BRASIL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS
CULTURAIS
DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

Elites agrárias, associativismo e representações do rural em Goiás


(1930-1964)

GABRIEL DE PAULA

Rio de Janeiro, junho de 2023


FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA DO BRASIL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS
CULTURAIS
DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

Elites agrárias, associativismo e representações do rural em Goiás


(1930-1964)

GABRIEL DE PAULA

Tese de Doutorado apresentado ao Centro de


Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio
Vargas como requisito para a obtenção do grau
de Doutor em História, Política e Bens
Culturais.

Professor orientador acadêmico: Prof. Dr. João


Marcelo Ehlert Maia.

Linha de pesquisa: Instituições e política.

Rio de Janeiro, junho de 2023


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV

Paula, Gabriel de
Elites agrárias, associativismo e representações do rural em Goiás (1930-
1964) / Gabriel de Paula. - 2023.

179 f.

Tese (doutorado) – Escola de Ciência Sociais da Fundação Getulio Vargas,


Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais.
Orientador: João Marcelo Ehlert Maia.
Inclui bibliografia.

1. História - Brasil. 2. Elites agrárias. 3. Associações agrícolas. 4. Reforma


agrária. 5 Política econômica. I. Maia, João Marcelo Ehlert. II. Escola de Ciência
Sociais da Fundação Getulio Vargas. Programa de Pós-Graduação em História,
Política e Bens Culturais. III. Título.

CDD – 981

Elaborada por Marcelle Costal de Castro dos Santos– CRB-7/016/20


AGRADECIMENTOS

O início da minha aproximação com o Centro de Pesquisa e Documentação de História


Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro se
deu a partir da participação em dois eventos: no V Ateliê Internacional do Pensamento Social,
realizado na FGV de São Paulo em setembro de 2015 e no VI Ateliê do Pensamento Social, em
2016, no Rio de Janeiro. O contato com os professores João Marcelo Ehlert Maia e Bernardo
Buarque de Hollanda, organizadores dos eventos, foi um ponto de inflexão na minha percepção
sobre a carreira acadêmica. Além da generosidade na recepção, da paixão rubro-negra e da
gentileza, organizaram um evento, especialmente em São Paulo, que me fez enxergar mais
longe, com a oportunidade de ter contato com pesquisadores internacionais como Luís Felipe
de Alencastro, Idelber Avelar, Vinicius Mariano de Carvalho e Maria Lúcia G. Pallares-Burke.
O evento do Rio de Janeiro contou com a participação de Ângela de Castro Gomes, Helena
Bomeny, Lúcia Lippi Oliveira e Antônio Brasil Júnior e ampliou algo que já tinha começado a
nascer em 2015: o desejo de realizar os meus estudos no CPDOC.
Por circunstâncias condicionadas pelas condições materiais de existência ou, de forma
mais direta, como o meu “ganha pão” era em Goiânia, resolvi entrar no doutorado em História
pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Porém, com minha aprovação no concurso público
para professor do Instituto Federal de Goiás (IFG) e minha posse no cargo ocorrida em 2017,
comecei a cogitar a possibilidade de retomar o projeto de estudar no CPDOC. Nesse momento,
na UFG tive a sorte de ter no início do doutorado a orientação do brilhante professor Noé Freire
Sandes. Infelizmente, o estado de saúde do professor o levou ao afastamento e infelizmente a
academia perdeu um mestre no ano de 2020. Já desiludido do objeto de estudo que tentava levar
adiante na UFG, resolvi abandonar o doutorado em curso e me candidatei para o doutorado no
CPDOC, no qual tive a felicidade de ser aprovado em 2019.
De 2019 em diante, inicialmente de maneira muito distante da minha parte, tive a sorte
de ter como orientador o professor João Marcelo. E falo mesmo em sorte pois o que já havia
visto e ouvido sobre orientações diversas de colegas de jornada em várias instituições me fez
crer que um bom e generoso orientador é fundamental em nosso percurso intelectual. Encontrei
tudo isso com o João. Vale ressaltar que, pelo fato de morarmos em estados diferentes e com o
início da pandemia em 2020, toda a orientação foi feita à distância. Não posso reclamar de
absolutamente nada. Obrigado pela disposição e toda atenção, professor.
Se a pandemia foi o grande evento trágico global da era recente, inviabilizando o acesso
aos arquivos físicos, a realização de pesquisas de campo e a atuação presencial nos cursos do
CPDOC, posso afirmar que duas coisas foram ótimas para mim no período: consegui fazer as
disciplinas de forma remota e tive a chance de conviver com um ser muito especial. O ser em
questão era um dálmata (com duas ou três patinhas na viralatice) chamado Joy (Division). Tudo
o que eu falar sobre o amor e o companheirismo do Joy será pouco pelo que eu senti. Foi um
companheiro fiel em muitas aulas remotas. Nosso contato não foi muito longo. Ele faleceu em
2021.
As disciplinas cursadas me permitiram ter contato com dois excelentes professores:
Marco Aurélio Vannucchi e Marcio Grijó Vilarouca em aulas que, além de serem muito
interessantes do ponto de vista acadêmico, me permitiram ter companhia em época de
isolamento. Quero agradecer a amizade à distância da colega de doutorado Melissa Vicente.
Não poderia deixar de lembrar de Daniela Aires e de sua disposição em sempre ajudar com
questões de registros acadêmicos, notas etc. Gostaria de agradecer à amiga e pesquisadora Keith
pelo auxílio na consulta aos arquivos da FAEG.
Agradeço à professora Dominichi Miranda de Sá e aos professores Marco Aurélio
Vannucchi e Sandro Dutra pelo aceite de participarem do exame de qualificação deste trabalho
e pelas preciosas dicas.
Agradeço a chance de ter iniciado minha carreira na rede federal no campus de Formosa
do IFG, onde fiz amigos para toda a vida: Murilo, Mário, Vinicius, Pablo e Geraldo. Agradeço
aos colegas do campus de Morrinhos do Instituto Federal Goiano (IF Goiano), em que atuo
desde 2020 e em especial aos colegas de área.
Agradeço a amizade de longa data de amigos como Daniel, Leonardo, Adriano, Luísa e
Tárik.
À minha família materna, que não carrego no sobrenome, mas no coração, dedico este
trabalho. Vocês são o meu ponto de apoio e o meu porto seguro. Agradeço especialmente à
minha mãe e à minha avó. Muito obrigado por tudo! Obrigado, Isa, pelo carinho e incentivo.
Por último, e não menos importante, agradeço ao meu avô materno, que de onde estiver ele
sabe que devo a ele o meu interesse pelo campo. Toda esta tese foi escrita sob a sombra de dois
chapéus que ele usava e que hoje fazem parte do meu escritório.
RESUMO

PAULA, Gabriel de. Elites agrárias, associativismo e representações do rural em Goiás (1930-
1964). 2023. 178f. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais). Centro de Pesquisa
e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas, Rio de
Janeiro, 2023.

Esta tese investiga a elite de classe agrária goiana, suas associações de classe e as representações
sobre o rural em Goiás entre os anos de 1930 e 1964. De que forma a elite de classe agrária
goiana atuou no campo político, em defesa dos seus objetivos econômicos, na reafirmação e na
efetivação de uma vocação agrária para o estado de Goiás? Analisamos as representações sobre
o rural em Goiás em curso na década de 1930 e o surgimento de modelos para o campo distintos
da recorrente fórmula do latifúndio. Este trabalho analisa as duas associações classistas mais
representativas dos fazendeiros goianos: a Sociedade Goiana de Pecuária (SPG), a Federação
das Associações Rurais de Goiás (FAREG) e suas respectivas lideranças emblemáticas, dentre
as quais se destacam Altamiro de Moura Pacheco e Joaquim Câmara Filho. A tese estuda as
demandas e as formas de atuação política dos membros da elite de classe agrária, representada
por políticos como Cônego Trindade, Jalles Machado e Domingos Vellasco. Analisaremos
quais demandas e quais projetos eram defendidos pelas associações classistas e pelos políticos
que compunham a elite de classe dos fazendeiros goianos. A tese enfoca ainda como o tema da
reforma agrária mobilizou a elite de classe agrária em Goiás no início da década de 1960 e
revela como no contexto crítico havia posições distintas no seio da elite agrária sobre os
encaminhamentos da situação agrária. Com o mapeamento das associações classistas e suas
lideranças, a análise dos temas defendidos pelos políticos vinculados ao mundo rural e as
diversas representações sobre o campo e problemas dele, foi possível perceber a existência de
uma elite de classe que atuava para a reprodução da vocação agrária de Goiás e que verbalizava
as demandas de um grupo mais numeroso.

Palavras-chave: História das Elites. História Agrária. Ruralismo. Modernização. Goiás.


ABSTRACT

This thesis investigates the Goiás agrarian class elite, its class associations, and the
representations about the rural in Goiás between the years 1930 and 1964. How did the Goiás
agrarian class elite act in the political field in defense of its economic objectives and in the
reaffirmation and effectuation of an agrarian vocation for the state of Goiás? We analyze the
representations of rural life in Goiás during the 1930s and the emergence of models for the
countryside different from the recurrent formula of latifundia. This work analyzes the two class
associations most representative of Goiás farmers: the Sociedade Goiana de Pecuária (SPG)
and the Federação das Associações Rurais de Goiás (FAREG) and their respective emblematic
leaders, such as Altamiro de Moura Pacheco and Joaquim Câmara Filho. The thesis studies the
demands and forms of political action of the members of the agrarian class elite represented by
politicians such as Cônego Trindade, Jalles Machado and Domingos Vellasco. We will analyze
which demands and projects were defended by the class associations and politicians that
composed the Goiás farmers' class elite. The thesis also focuses on how the agrarian reform
theme mobilized the agrarian class elite in Goiás in the early 1960s and how in the critical
context there were distinct positions within the agrarian elite on the forwardings of the agrarian
situation. With the mapping of the class associations and their leaderships, the analysis of the
themes defended by politicians linked to the rural world and the various representations about
the countryside and its problems, it was possible to perceive the existence of a class elite that
acted for the reproduction of the agrarian vocation of Goiás and that verbalized the demands of
a larger group.

Keywords: History of the Elites. Agrarian History. Ruralism. Modernization. Goiás.


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ACAR – Associação de Crédito e Assistência Rural


ARENA – Aliança Renovadora Nacional
CBAR – Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais
CNA – Confederação Nacional de Agricultura
CRB – Confederação Rural Brasileira
CANG – Colônia Agrícola Nacional de Goiás
CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
DEIP – Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda
DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda
DNC – Departamento Nacional do Café
DPEE – Departamento de Propaganda e Expansão Econômica do Estado
ED – Esquerda Democrática
FAEG – Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás
FAGO – Frente Agrária Goiana
FAREG – Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás
FGV – Fundação Getulio Vargas
FIEG – Federação das Indústrias do Estado de Goiás
IDAGO – Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás
IFG – Instituto Federal Goiano
IF Goiano – Instituto Federal Goiano
IPEHBC – Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central
IPMs – Inquéritos Policiais Militares
MAC – Movimento Anticomunista
MEB – Movimento de Educação de Base
MES – Ministério da Educação e Saúde
MTR – Movimento Trabalhista Renovador
OAI – Organización Agraria Interamericana
OFAR – Office of Foreing Agricultural Relations
PCB – Partido Comunista Brasileiro
PDC – Partido Democrata Cristão
PR – Partido Republicano
PSD – Partido Social Democrático
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSP – Partido Social Progressista
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
PUC-Goiás – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
SAAT – Sociedade dos Amigos de Alberto Torres
SGP – Sociedade Goiana de Pecuária
SGPA – Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura
SNA – Sociedade Nacional de Agricultura
SRB – Sociedade Rural Brasileira
SUMOC – Superintendência da Moeda e do Crédito
SUPRA – Superintendência de Política Agrária
UDN – União Democrática Nacional
UDR – União Democrática Ruralista
UFG – Universidade Federal de Goiás
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
USDA – United States Department of Agriculture
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Ofício de Joaquim Câmara Filho para o deputado goiano Hermógenes Coelho,
comunicando sua posse à frente de direção da Superintendência de Propaganda e Expansão
Econômica, 1935 ...................................................................................................................... 46
Figura 2 - Ofício de Joaquim Câmara Filho Para o Secretário Geral da Sociedade dos Amigos
de Alberto Torres no Rio de Janeiro, o senhor Raul de Paula (1) ............................................ 47
Figura 3 - Ofício de Joaquim Câmara Filho Para o Secretário Geral da Sociedade dos Amigos
de Alberto Torres no Rio de Janeiro, o senhor Raul de Paula (2) ............................................ 48
Figura 4 - Carta-convite ao professor Mário Vilhena da Escola Superior de Agricultura e
Pecuária de Viçosa.................................................................................................................... 51
Figura 5 - Encerramento do III Congresso Pecuário, realizado entre os dias 25 e 31 de maio de
1945. Dr. Altamiro de Moura Pacheco (primeiro à direita); Dr. Pedro Ludovico (segundo à
direita)....................................................................................................................................... 82
Figura 6 - O interventor Pedro Ludovico Teixeira, no centro da imagem, acompanhando o
discurso de encerramento proferido pelo Dr. Altamiro de Moura Pacheco (em pé) ................ 83
Figura 7 - Galeno Paranhos .................................................................................................... 124
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Presidentes | Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (1) .............. 70
Quadro 2 - Presidentes | Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (2) .............. 87
Quadro 3 - Partidos no Legislativo Estadual de Goiás (1947-1963) ........................................ 94
Quadro 4 - Partidos representando Goiás na Câmara Federal .................................................. 95
Quadro 5 – Senadores por Goiás entre 1946 e 1964. ............................................................... 96
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
Do tema ao estado da arte ..................................................................................................... 12
O objeto da tese .................................................................................................................... 23
Quadro teórico, metodologia e fontes................................................................................... 25
Estrutura dos capítulos da tese ............................................................................................. 32
CAPÍTULO 1. AS RAÍZES INTELECTUAIS DO AGRARISMO GOIANO (1930-1945)
1.1 Jefferson ibérico: o agrarismo de Alberto Torres .......................................................... 36
1.1.1 Diversificar, modernizar e nacionalizar: A Sociedade dos Amigos de Alberto Torres
e sua presença em Goiás (1930-1945) ............................................................................. 39
1.2 “Dois dedos de prosa”: as revistas e a modernização conservadora no campo .............. 54
1.3 A Informação chega ao Oeste ......................................................................................... 57
CAPÍTULO 2. ELITES E ASSOCIATIVISMO AGRARISTA GOIANO (1940-1950) .. 64
2.1 A Sociedade Goiana de Pecuária .................................................................................... 66
2.1.1 A fundação da SGP e a direção institucional (1941-1964) .................................... 66
2.1.2 Altamiro de Moura Pacheco: de jaleco e chapéu ................................................... 71
2.1.3 Goiânia: a cidade moderna e as exposições pecuárias .......................................... 77
2.2 A Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (FAREG)............................. 83
2.2.1 A FAREG e seu idealizador: Joaquim Câmara Filho ............................................. 83
2.2.2 Os presidentes, os temas e as ações da FAREG...................................................... 85
2.3 O campo em disputa: Altamiro e Joaquim ..................................................................... 88
CAPÍTULO 3: O CAMPO EM DEBATE (1946-1961)....................................................... 91
3.1. Uma visão panorâmica sobre a política goiana (1946-1961). ....................................... 92
3.2. As vozes políticas do campo. ...................................................................................... 101
3.2.1. Cônego Trindade: “De batina e botina”. ............................................................ 101
3.2.2. Jalles Machado: o liberal-conservadorismo e o agrarismo. ............................... 106
3.2.3. Domingos Vellasco: o campo à esquerda. ........................................................... 111
3.4. O coro pelo campo goiano ........................................................................................... 116
CAPÍTULO 4: DO REFORMISMO AO REACIONARISMO (1960-1964) ................. 119
4.1. Os reformistas: elite classista e elite política. .............................................................. 122
4.1.1. Galeno Paranhos: intervir, dividir e produzir. .................................................... 122
4.1.2. Mauro Borges e o campo em mutação ................................................................. 128
4.1.3 Frente Agrária Goiana (FAGO): reforma sim, comunismo não........................... 134
4.2. Proprietários de todo o estado de Goiás, uni-vos! ....................................................... 139
4.2.1 Reacionarismo e proprietarismo ........................................................................... 139
4.2.2 Reforma Agrária à Lampedusa ............................................................................. 140
4.2.3. Os currais como front político: os pecuaristas goianos e o caminho para o golpe.
........................................................................................................................................ 148
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 157
12

INTRODUÇÃO

Do tema ao estado da arte


O tema desta pesquisa são as elites agrárias goianas. Analisaremos particularmente as
representações sobre o rural, suas associações de classe, seus políticos agraristas e a atuação
política e econômica dessas elites na consolidação e na reprodução de uma vocação agrária de
Goiás entre os anos de 1930 e 1964.
O objeto empírico a ser analisado é o conjunto dos discursos ruralistas da elite agrária
goiana no período em questão, mais especificamente aqueles veiculados por suas organizações
classistas: a Sociedade Goiana de Pecuária (SGP)1 e a Federação das Associações Rurais do
Estado de Goiás (FAREG), bem como pelos atores políticos que advogavam os interesses da
elite agrária goiana no campo político: Altamiro de Moura Pacheco (médico, pecuarista, líder
classista e político), Joaquim Câmara Filho (agrônomo, jornalista, burocrata, líder classista e
político), Cônego Trindade (político pessedista), Jalles Machado (pecuarista, empresário e
político udenista), Domingos Vellasco (político que, após o fim do Estado Novo, esteve filiado
às ideias de esquerda) e Galeno Paranhos (político goiano e líder classista, que esteve vinculado
ao PSD e posteriormente à UDN).
Defendemos que as formas até então recorrentes de dominação política típicas da
Primeira República (1889-1930), marcadas pela lógica do coronelismo, foram sendo
paulatinamente substituídas por práticas distintas de se operar no campo político. As elites
rurais advogaram a permanência no controle político e econômico de Goiás, amparadas num
discurso que buscou evidenciar que somente eles, enquanto elites, seriam capazes de conduzir
o estado, aliando tradição (sócio-política) e modernidade (econômica) por intermédio de
recursos úteis para uma agropecuária moderna e dinâmica: melhorias dos rebanhos e das
pastagens; demandas por melhor infraestrutura no estado; tentativa de inserção política e
econômica de Goiás no âmbito nacional, a fim de favorecer as estruturas de produção e de
advogar para si mesmas a capacidade de inserir Goiás em um caminho rural de
desenvolvimento.
Acreditamos que a elite agrária goiana, localizada na condição de periferia na realidade
brasileira, ressignificou uma cultura política agrarista no pós-1930 e orientou a vocação agrária
com projetos de modernização do campo. Entendemos a necessidade de interpretar uma postura

1
Atualmente a entidade é chamada de Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura (SGPA).
13

política predominantemente conservadora, mas com práticas e manifestações econômicas


modernas. Sustentamos ainda que o hiato entre 1930 e 1945 em Goiás é um rearranjo
oligárquico orquestrado a partir da reprodução do ruralismo/agrarismo, catalisado pelos
discursos de modernização. Buscaremos entender o agrarismo/ruralismo como a forma possível
e viável aos olhos das elites goianas para a inserção do estado de forma mais plena na realidade
nacional até 1964. Partimos do pressuposto de que a adesão ao projeto da vocação agrária e a
uma ética de valorização do campo foram os elementos de coesão interna da elite goiana.
Em um primeiro momento, esta tese dialoga de forma direta com dois campos
historiográficos: a) os estudos sobre elites locais e o mundo rural na Era Vargas, com ênfase
nas novas pesquisas sobre as diversas dinâmicas regionais e suas interfaces com o aparato
estatal; b) os estudos sobre história goiana na Era Vargas. A despeito de avanços consistentes,
há lacunas significativas em cada um desses campos, para as quais esta tese se propôs a
contribuir.
Na produção acadêmica sobre o interregno varguista, de 1930 até 1945, uma posição
ainda domina boa parte das reflexões: as relações rurais não teriam sido objeto da política
getulista. Autores como Fernando Azevedo (1982) foram precursores nesse argumento sobre a
ausência de Vargas nas questões relativas ao campo e apresentaram teses que levantavam uma
relação pacífica e cordial entre Getúlio Vargas e os grandes proprietários. Clifford Andrew
Welch (2016, p. 83) nos informa que José de Souza Martins é um dos reprodutores da reflexão
inaugurada por Fernando Azevedo, ao afirmar que: “Vargas estabeleceu com os ‘coronéis’ ...
uma espécie de pacto político tácito ... O governo não interferiu diretamente nem decisivamente
nas relações de trabalho rural. Não as regulamentou, indiferente ao seu atraso histórico...”.
Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva (1999) já apontavam a necessidade
de revisão das posições historiográficas sobre a relação de Vargas e o contexto rural brasileiro.
Na trilha do que fora proposto por Linhares e Teixeira da Silva, o trabalho de Welch (2016)
ganhou destaque ao problematizar o varguismo com o campo de forma crítica.
Em artigo fundamental sobre a relação entre Vargas e o universo rural brasileiro, Welch
(2016) afirma que autores como Boris Fausto (1995) e Maria Celina D’Araújo (2003), ao
analisarem o varguismo, identificaram uma relação cordata entre o getulismo e os fazendeiros
e que as políticas de Vargas eram voltadas para transformações do mundo urbano, sem foco na
realidade rural. Os estudos de Verena Stolcke (1986) e Marcus Dezemone (2014) apontam em
direção contrária, ao afirmarem que o discurso varguista possuía uma extensão ampla no campo
brasileiro e que teve recepção pela população rural (majoritária à época no Brasil) e que foi
14

apenas posteriormente que se criou uma memória afetiva e positiva sobre Getúlio entre os
trabalhadores do campo.
Para além das políticas sobre o setor cafeeiro no pós-1930, estudos revisionistas como
os de Welch (2016) apontam para discursos varguistas nos quais a realidade rural se faz
presente: “Tanto o proletário urbano como o rural necessitam de dispositivos tutelares,
aplicáveis a ambos, ressalvadas as respectivas peculiaridades” (VARGAS apud WELCH, 2016,
p. 85).
É pertinente lembrar que a política de sindicalização no campo estava ao menos na
retórica do novo governo. Nas palavras de Lindolfo Collor, então ministro do Trabalho, “já que
os sindicatos de trabalhadores agrários praticamente não existem, será indispensável promover
a formação de alguns deles em vários estados” (COLLOR apud WELCH, 2016, p. 85). Ainda
de acordo com Welch (2016, p. 85), “em reunião com fazendeiros, Collor explicou que a
sindicalização seria o meio para que as duas classes (eles, os empregadores, e seus empregados,
os camponeses) poderiam ajudar a traçar a política agrícola do Brasil”. No primeiro ano de seu
governo,
Vargas emitiu o Decreto 19.770 que explicou como o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio de Collor assumiria a responsabilidade pela regulação
das condições de trabalho nos setores agrícola, comercial e industrial,
registrando as associações de empregador e empregado nas escalas local,
estadual e nacional como agências consultivas e técnicos do governo”
(Ibidem, idem).

Contudo, é importante lembrar do avanço de sindicatos patronais a passos largos e o de


trabalhadores de forma mais lenta, como bem analisa Beatriz de Miranda Brusantin (2003).
No campo político varguista, a posição de parte dos tenentes agrupados em torno do
Clube 3 de Outubro era simpática a algumas questões defendidas pelos trabalhadores do campo.
Aspásia Camargo (2007) e Welch (2016) indicam que após o Movimento Constitucionalista de
1932 houve, por parte do regime federal, uma aproximação com fragmentos das oligarquias
regionais e os projetos radicais de parte do tenentismo foram escanteados.
Os estudos de Flávio Heinz (2006) e Welch (2016) lembram que o próprio texto
constitucional de 1934 já afirmava que “o trabalho agrícola será objeto de regulamentação
especial”. Com a passagem do regime constitucional para a ditadura estadonovista, a partir de
1937, a legislação sindical voltada para o mundo rural brasileiro teve como ponto inicial do
debate a criação, em 1941, de uma comissão para discutir e colocar em perspectiva o “problema
da organização sindical do meio rural” (HEINZ, 2006, p. 125). Antes da deposição de Vargas
em 1945, a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) empenhou-se na aprovação de um novo
15

decreto-lei sobre a sindicalização no campo. Ponto fundamental levantado por Heinz (2006) é
que o decreto de 1945 buscava criar uma fantasia no campo sobre uma suposta harmonia entre
classe patronal e trabalhadores rurais, a fim de assegurar o monopólio da representação rural
nas mãos dos grandes proprietários.
Partindo desse quadro geral, a nossa proposta de análise sobre as práticas e
representações das elites goianas sobre o ruralismo se ancora no caminho interpretativo de
Sonia Regina de Mendonça (1997, p. 26), que afirma que
reside minha concepção do Ruralismo, aqui tomado como um
movimento/ideologia políticos, produzido por agentes sociais concretos,
econômica e socialmente situados numa dada estrutura de classes e portadoras
de interesses nem sempre convergentes.

De maneira complementar e de acordo com Evelyn Paiva (2014, p. 97),


a corrente agrarista surgiu no Brasil como uma crítica modernizante ao
latifúndio monocultor exportador. Apesar de o ruralismo ser categorizado de
tradicionalista, sua intenção era renovadora: reformular a estrutura rural com
base na produção de alimentos voltados para o mercado interno, tendo como
modelo produtivo a pequena propriedade.

De fato, o percurso intelectual da corrente agrarista projetava a alteração das bases


produtivas no Brasil, ao propor uma ruptura com o modelo arcaico, que remontava à América
Portuguesa, que atravessou o Império. A produção intelectual de tradição autoritária no Brasil,
tendo como um de seus mais célebres intelectuais Alberto Torres, buscava ultrapassar a lógica
do latifúndio (SOUZA, 2005) e tinha como meta a ampliação do acesso à propriedade para
além dos potentados rurais.
Defendemos a ideia de que após a Revolução de 1930 houve a elaboração de um
discurso e de práticas inspiradas nas ideias ruralistas de Alberto Torres, representadas pela
Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, que em Goiás teve como seu principal defensor
Joaquim Câmara Filho. Tais ideias defendiam uma política rural nacionalista, voltada para a
diversificação produtiva e para o maior acesso às terras para pequenos e médios proprietários,
processo que do ponto de vista intelectual interpretei como um jeffersionismo ibérico, categoria
que será desenvolvida no Capítulo 1.
Entre as entidades de representação patronal, Flávio Heinz (2006) aponta uma clivagem
entre a SNA, de perfil estatista, e a Sociedade Rural Brasileira (SRB), de vocação privatista. Já
no curso da República Liberal (1946-1964), com a criação da Confederação Rural Brasileira2

2
Em 1964, foi substituída pela Confederação Nacional de Agricultura (CNA).
16

(CRB), já prevista pelo decreto de 1945, inicia-se um confronto entre as alas estatista e
privatista. Havia, por parte dos fazendeiros de orientação liberal, uma reclamação sobre a
ingerência do Estado de forma disruptiva nas questões do campo.
No universo político goiano, associamos tal clivagem privatista e estatista com as
organizações já citadas anteriormente: a SGP e a FAREG, respectivamente. Contudo,
acreditamos que tais alinhamentos não eram automáticos, na medida em que, a título de
exemplo, a SGP advogava maior aporte estatal na condução dos negócios pecuários em temas
como o financiamento e era de postura liberal frente às questões fundiárias. Comparativamente,
ao colocar em perspectiva a realidade goiana e a paulista, pelo fato da última ser dotada de
condições e condicionantes que permitiam certa autonomia, entendemos o caráter adaptativo
das entidades goianas na periferia do contexto nacional.
Flávio Heinz (2006) afirma que a disputa pela representação dos interesses agrários
entre as décadas de 1950-1960 terá a concorrência entre a CRB e a SRB, em especial no
contexto das demandas por reforma agrária no campo político nacional. Entre as décadas de
1950 e 1960, os problemas rurais e, em particular, a reforma agrária ganham posto de tema
central nos debates políticos. De acordo com Mário Grynszpan e Marcus Dezemone (2007),
entre o fim do Estado Novo e o golpe de 1964 as esquerdas voltaram sua atenção para a
problemática rural e para o homem do campo.
Dos debates estudantis ao universo cultural (RIDENTI, 2010), o campo e suas mazelas
foram colocados em perspectiva de forma mais ampla. Se havia à esquerda uma disputa pela
representação política do mundo rural entre as Ligas Camponesas e o Partido Comunista
Brasileiro (PCB), havia também uma postura defensiva da Igreja Católica na tentativa de minar
o avanço revolucionário (GRYNSZPAN; DEZEMONE, 2007). Acreditamos na necessidade
historiográfica de compreender como as elites rurais goianas se posicionaram frente a essas
mudanças propostas para a estrutura rural brasileira e acreditamos que há ainda um vazio
acadêmico sobre o papel ativo das elites agrárias goianas nesses processos.
Vale ainda ressaltar que parte do olhar da produção acadêmica voltada para o mundo
rural brasileiro, seja de viés histórico, sociológico, econômico ou antropológico, esteve focada
(especialmente nas temáticas da era republicana) nas questões fundiárias e nas condicionantes
dos movimentos sociais do campo, em especial trabalhadores, posseiros, pequenos
proprietários etc. (GARCIA, 2003). É importante perceber que tais engajamentos temáticos da
produção acadêmica brasileira estiveram compreendidos entre 1950 e 1970 e foram, em grande
medida, fruto de situações políticas em que a reforma agrária esteve na pauta nacional como
17

elemento central (DELGADO, [s.d.]) e foram marcadas (não em todos os estudos, mas em sua
grande maioria) por fortes componentes políticos e ideológicos.
Nosso propósito é ampliar para uma leitura que busque entender o mundo rural pela
ótica da elite goiana, mas sem atuar como meros reprodutores de uma visão elitista.
Acreditamos na pertinência de tal empreitada na medida em que boa parte da historiografia
goiana, especialmente entre as décadas de 1970 e 1990,3 influenciada pelas análises marxistas
e estruturalistas elaboradas na Universidade de São Paulo, lançou luz sobre os temas
relacionados à exploração do homem do campo e às desigualdades fundiárias em Goiás.
Buscamos assim ampliar o leque de reflexão sobre o campo em Goiás, seguindo os passos de
outra parcela da produção acadêmica regional, que havia se voltado para as elites da Primeira
República e que, no curso das demandas políticas contemporâneas, foram perdendo espaço
frente ao imbricamento entre ideologia e produção intelectual.
Sustento que a historiografia goiana concentra suas análises sobre o período 1930-1964
em algumas figuras-chave, como Pedro Ludovico e Mauro Borges, que claramente deixaram
importantes contribuições, mas também lacunas no que se refere às articulações político-
ideológicas de diferentes frações da elite local.
Um ponto central na produção do conhecimento historiográfico em Goiás é a luta pela
libertação de um passado vinculado ao atraso, à decadência e à condição de periferia no sistema
nacional. A história teria, nesse sentido, uma função redentora no imaginário goiano. Caso mais
explícito de tal busca por elementos de modernidade são os estudos focados no período pós-
1930, que entendem a subida de Pedro Ludovico ao poder como uma janela para o progresso
em uma paisagem de atraso. Nars Chaul (2010, p. 169-170) exemplifica de forma clara tal
posicionamento historiográfico:
a representação da modernidade ganha força em Goiás nos anos 30, com a
ascensão econômica das regiões sul e sudeste do estado, conduzindo ao poder
político Pedro Ludovico Teixeira, médico, político e intelectual, um lídimo
intérprete dos interesses desenvolvimentistas dos grupos políticos que
pretendiam transformar Goiás em polo de desenvolvimento e progresso.

A historiadora Ana Lúcia da Silva (2005) opera em sentido diverso, ao afirmar, em


concordância com Luis Palacín (1990), que o ano de 1930 não representa uma ruptura com a
dominação oligárquica, mas sim a criação de um novo papel do estado, mais intervencionista e
condutor da expansão do capitalismo. Também há de se notar uma reflexão de caráter

3
Com a criação do programa de mestrado em História no ano de 1972 da Universidade Federal de Goiás, os temas
regionais mobilizaram as atenções acadêmicas do programa.
18

personalista sobre a figura de Pedro Ludovico. Nota-se uma atomização de suas ações, como
se fossem obras exclusivas de seu caráter e de sua vontade pessoal. A intervenção ludoviquista
operou não apenas na política, mas também na representação desse passado. Do ponto de vista
historiográfico, é fundamental localizar a Revolução de 1930 e seu principal nome em Goiás,
o interventor Pedro Ludovico Teixeira, atrelados à realidade rural do estado.
O impacto regional da política varguista da Marcha para o Oeste e seus desdobramentos
é outro tema importante na produção acadêmica sobre Goiás. João Marcelo Ehlert Maia (2012,
p. 46) informa que “a expressão Marcha para o Oeste designa um vasto processo de expansão
do poder estatal por diversas regiões do país, que se traduzia em variados eventos e programas”.
Com a criação de elementos simbólicos como a revista Oeste (1942-1944), responsável pela
elaboração e pela legitimação do imaginário varguista sobre o sertão goiano, a construção de
Goiânia iniciada em 1933, o batismo cultural da nova capital em 1942 e a criação da Colônia
Agrícola Nacional de Goiás em 1941 (Ibidem, p. 59), os anos 1930 e 1940 reforçaram o papel
estatista como motivador das realidades diversas. Nesse ponto, é válido compreender como as
elites agrárias goianas dialogaram com o projeto varguista, na medida em que, sendo elas
latifundiárias, A Marcha para o Oeste e sua demanda pela pequena propriedade interfeririam
na lógica de dominação delas mesmas, incentivando um conjunto de resposta da classe frente
aos novos tempos.
Ao analisar a Revolução de 1930 como um “fato”, Carlos Alberto Vesentini (1997, p.
190) afirma que “deixa de ser tema para transparecer realização coletiva e já dada. Instaurar a
ideia como fato é o mesmo que constituí-lo ponto central da memória do vencedor...”. No caso
de análises sobre a Revolução de 1930 em Goiás, responsável por abrir caminho para os
primeiros quinze anos de domínio ininterrupto do médico e político Pedro Ludovico Teixeira,
a retórica do vencedor funcionou como elemento de ordenação do fato e elaborou uma memória
incorporada por uma certa historiografia, na qual o discurso trintista ganhou destaque e
culminou até um processo de leitura quase hagiográfica1 de Pedro Ludovico, como podemos
identificar na dissertação de Maria Cristina Machado (1986) intitulada Pedro Ludovico: um
tempo, um carisma e uma história.
Na historiografia goiana há dois trabalhos sobre a Revolução de 1930 que merecem
maior destaque pelo fato de terem rompido uma leitura personalista e construído uma
interpretação mais ampla e crítica. O livro A Revolução de 30 em Goiás (2005), fruto da tese
de doutorado da historiadora Ana Lúcia da Silva, propõe uma interpretação edificada na teoria
da dependência e aponta para a permanência da estrutura oligárquica com a subida do grupo de
Pedro Ludovico ao poder. Sendo Goiás um estado com núcleos urbanos frágeis e praticamente
19

desprovido de uma burguesia e proletariado sólidos, a dominação oligárquica era o elemento


político hegemônico. Na medida em que fora apenas uma mudança de oligarquia no comando
de Goiás, a autora aponta para a inexistência de um conteúdo de classe distinto emergindo em
Goiás após 1930 (Ibidem, p. 123), embora reconheça uma mudança nas funções oligárquicas,
na medida em que os elementos de dominação passavam a ser oriundos de regiões dinâmicas
da economia goiana (sul e sudoeste), que organizariam uma expansão do capitalismo em Goiás
(Ibidem, p. 162), marcado pela forte presença do Estado e que apontava para a construção de
um Estado tipicamente burguês, fruto do deslocamento “do poder” das “oligarquias
tradicionais” para as “oligarquias modernas”.
Debatendo diretamente com o argumento historiográfico de Ana Lúcia da Silva e com
um discurso interpretativo que se pautava nas noções de decadência e atraso2 (CAMPOS,
2003), Nasr Chaul (2010) reconhece a importância das regiões sul e sudoeste no curso dos
acontecimentos de 1930, por serem os espaços de atuação da resistência ao caiadismo,
representada pelo morador de Rio Verde e futuro interventor Pedro Ludovico Teixeira. Chaul
identifica um caráter fragmentário da oposição3 aos Caiado em Goiás nos anos de 1920 e, assim
como Ana Lúcia da Silva (2005), reconhece a Aliança Liberal como fonte de união dos
dissidentes regionais. Contudo, devemos focar na trama que elabora seu argumento central
sobre 1930 em Goiás, que é a oposição à leitura de Silva sobre a simples mudança de oligarquias
no estado. Embora aponte para o caráter primário do uso do conceito “oligarquia” na
historiografia goiana, Chaul opera no sentido de reconhecer, de fato, o caráter moderno dos
novos grupos do poder no pós-1930 e que o são pela associação entre o rural e o urbano, na
qual o elemento de uma mentalidade urbana é dominante, seja pela figura do ruralista que é,
em especial, bacharel (Pedro Ludovico é médico e proprietário de terra), e pela construção de
Goiânia, que ratifica a chegada da modernidade. Arrematando seu ponto, Chaul enxerga a
integração de Goiás ao projeto nacional pelas mãos da nova capital e da Marcha para o Oeste
como definidores de uma nova ordem moderna.
Em um esforço interpretativo mais atual e de balanço da historiografia sobre a
Revolução de 1930 em Goiás, Cristiano Arrais (2013) aponta para uma ausência ideológica
clara no seio daqueles que disputavam o poder político e caminha para uma leitura que enxerga
1930 como um ano pautado pelo rearranjo oligárquico em Goiás. Para o autor, havia entre os
grupos pré e pós 1930 uma linha de continuidade sustentada pela prática autoritária e
conservadora (LAMOUNIER apud ARRAIS, 2013). Valendo-se da máxima da modernização
elaborada pelos vitoriosos de 1930, Arrais aponta que ela foi fruto apenas de um esforço
discursivo circunstancial (Ibidem, p. 113) e, que no intervalo entre 1930 e 1945, as mudanças
20

estruturais não foram levadas adiante na dinâmica estadual. A Revolução de 1930 em Goiás
seria uma zona cinzenta.
Ao afirmar “com certa desilusão: somos modernos”, Noé Freire Sandes (2002, p. 32)
coloca no centro da sala os espectros do atraso e a obsessão pela modernidade redentora
presentes no debate da historiografia goiana sobre a Revolução de 1930.
A nossa perspectiva sobre a Revolução de 1930 em Goiás e seus desdobramentos, em
especial no contexto rural, orienta-se numa dialética que reconhece, assim como Ana Lúcia da
Silva (2005), uma mudança da oligarquia arcaica (representada pelos Caiado e sua entourage)
para uma outra moderna (sintetizada pelo ludoviquismo), porém uma oligarquia construída
sobre a máxima de uma modernização conservadora. O trabalho de Cristiano Arrais (2013)
elabora a mesma perspectiva, embora afirme que o projeto de transformação estrutural ficou
localizado apenas no campo do discurso. Defendemos que houve projetos e tentativas efetivas
no pós-1930 de modernização do contexto rural goiano, mesmo sem alterar a base agrária de
forma significativa, mas que apontava, entre outros fatores, para uma percepção de aumento da
demanda interna por produtos agrícolas frente ao crescimento urbano e industrial do país.
Discordamos de Nasr Chaul (2010) em relação à vitória de uma mentalidade urbana,
especialmente após a edificação de Goiânia, como elemento definidor da modernidade em
Goiás. Embora indique o papel importante do fazendeiro/profissional liberal (representado por
Pedro Ludovico e outros) como indicativo de um novo grupo condutor do Estado, ao nosso
olhar o autor goiano confere demasiada importância ao bacharelismo, em detrimento do “ser
proprietário rural”.
Nosso modelo interpretativo acredita que a mudança se opera no seio do próprio
ruralismo, e não de forma externa ou urbana, caracterizando uma modernização conservadora.
Nasr Chaul (2010, p. 256) afirma que o fazendeiro se esconde atrás do profissional liberal e
acreditamos no exato oposto: o profissional liberal se esconde atrás do fazendeiro e é o último
adjetivo o elemento de consagração social e política por excelência. Fazemos nessa inversão
dos papéis sociais uma aproximação com a leitura de João Fragoso e Manolo Florentino (2001,
p. 21) sobre a realidade da América Portuguesa, na qual “a elite mercantil [...] viu-se marcada
por aquilo que chamamos de ideal aristocrático, que consistia em transformar a acumulação
gerada na circulação de bens em terras, homens e sobrados”. Por último, mas não menos
importante, acreditamos que a leitura de Chaul (2010) é marcada por uma dose de
impressionismo sobre os efeitos imediatos do advento de Goiânia, que manifesta em sua obra
uma vontade identitária de advogar para a região o traço de modernidade.
21

Embora o conceito de modernização conservadora já tenha sido utilizado como parte


do repertório de Barsanufo Gomides Borges (2000), na tentativa de compreensão dos
desdobramentos do pós-1930 em Goiás e seus impactos na realidade rural, a sua interpretação
da modernização conservadora como sendo pautada pela aliança entre o grande capital e o
latifúndio se difere da nossa perspectiva do conceito original de Barrington Moore Jr (2010, p.
458), que reconhece a modernização conservadora como fruto de uma aliança entre as elites
rurais e o Estado, numa simbiose para o avanço econômico, sem os riscos de uma revolução
social no campo e que “no conjunto, um governo conservador forte tem vantagens nítidas. Pode
encorajar e controlar o desenvolvimento econômico, simultaneamente. Pode zelar para que as
classes baixas, que pagam os custos de vida de uma modernização, não causem muitos
problemas”.
Ao mediar a modernização conservadora na lógica entre o grande capital e o latifúndio,
Barsanufo G. Borges (2000) afirma que não houve, por parte da elite agrária goiana, projeto
para permitir o avanço da pequena propriedade após 1930 e que a ideia ganhou espaço apenas
em locais de fronteira e na forma de projetos, como a Colônia Agrícola de Ceres (CANG)4.
Nossa contribuição sobre o tema aponta para o papel efetivo do Estado pós-1930, durante a
interventoria de Pedro Ludovico Teixeira e até 1945, como o centro propulsor de uma
modernização conservadora do campo em Goiás, na forma de discursos e práticas de melhoria
da produtividade, sem alterar as estruturas agrárias e nem atender às reivindicações mais
radicais dos despossuídos do mundo rural.
A chave para a proposta política de tal modelo de modernização conservadora pode ser
vista na apropriação e na ressignificação do agrarismo de Alberto Torres. Como evidenciado
por Moore Jr. (2010, p. 468), se o modelo reacionário glorificava as virtudes do camponês, “o
elogio de Jefferson ao pequeno lavrador” defendia “não tanto os camponeses como os
proprietários independentes” e ao nosso ver a modernidade capitalista se vale da estrutura
conservadora da ordem edificada na propriedade.
No âmbito nacional e regional, os condutores da modernização conservadora,
caracterizados por Luiz Werneck Vianna (1978, p. 134) como “os junkers caboclos”,
reproduzem um modelo também apontado por Barrington Moore Jr (2010), que faz alusão a
um camponês mítico e representante da ordem nacional como mera ferramenta de cooptação
política, que leva adiante a ideia norteadora de que “a própria grande propriedade agrária não
poderia mais subsistir sem se modernizar” (VIANNA, 1978, p. 134) e aposta numa lógica de
que a ideia/discurso da pequena propriedade seria uma ferramenta pacificadora das tensões
22

sociais no campo, garantindo o primado de uma lógica burguesa e capitalista e ratificando o


modelo agrário voltado para o mercado interno dos grupos vitoriosos no pós-1930.
Com o advento de um outro tempo político após a derrubada de Vargas em 1945 e o
início da República Liberal a partir de 1946, Goiás se insere em uma realidade política
polissêmica e com a atuação de diversos partidos, como a União Democrática Nacional (UDN)
e o Partido Social Democrático (PSD) como centros principais do poder político. Vale
mencionar também outras agremiações, como o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que pela
estrutura social rural não gozava de base considerável, e a atuação do PCB entre as décadas de
1950 e 1960, com importantes redes de lutas sociais no campo.
A historiografia regional mais recente lançou um importante olhar sobre os movimentos
sociais do campo e, em particular, sobre o caso específico do conflito de Trombas e Formoso,
dentre os quais se destacam os trabalhos desenvolvidos por Paulo da Cunha (2007), Carlos
Esteves (2007), Cláudio Maia (2008) e Maiara Dourado (2014). Essas abordagens estão
marcadas por uma reflexão marxista de história social, que busca evidenciar a luta dos posseiros
da região goiana e suas filiações ideológicas com correntes de esquerda.
O governo de Mauro Borges (1961-1964), por sua vez, figura como um dos temas mais
recorrentes na produção intelectual na área de Humanidades sobre Goiás. Os trabalhos
remontam ao pioneirismo do sociólogo Francisco Chagas E. Rabelo (1976; 2009) que, adotando
uma abordagem weberiana, analisou temas como a mobilização social à época do governo, os
projetos estatais de planejamento e uma certa dominação de cunho tradicional. Trabalho mais
recente e de fôlego sobre o tema foi conduzido por Tereza Favaro (2015), que realizou uma
sólida tese de doutorado de orientação marxista sobre o projeto de planejamento estatal de base
tecnocrática, representado pelo chamado Plano Mauro Borges, contribuindo com uma
abordagem crítica sobre o caráter populista do governador goiano. Os temas agrários do
governo Mauro Borges – seus projetos de cooperativismo, bem como os conflitos do campo à
época – foram mapeados pelos trabalhos de Francisco Rabelo (1976; 2009) e de Tereza Favaro
(2015).
Devemos ainda ressaltar estudos estruturais sobre o século XX, que abordaram os temas
da política e da economia em Goiás e suas imbricações com o universo rural, como os realizados
por Barsanufo Borges (2000), Francisco Itami Campos (2009; 2015) e Cristiano Arrais, Eliézer
Oliveira e Tadeu Arrais (2016), sendo que Borges (2000) e Campos (2009; 2015) se debruçaram
de forma mais sólida sobre a questão agrária em Goiás e criaram uma importante tradição de
reflexão de viés marxista, no caso particular de Borges, sobre a modernização rural em Goiás e
a predominância das atividades agropastoris como elementos centrais do estado.
23

No caso particular das associações classistas de produtores rurais de Goiás, um trabalho


introdutório foi levado adiante por Barsanufo Borges (2005), mas sem o desdobramento na
forma de uma sistematização sobre a Sociedade Goiana de Pecuária. O resultado foi um artigo
que buscou identificar a gênese e o papel da entidade de forma panorâmica até a década de
1980. Citamos ainda o trabalho de Mariana Barbosa (2018) que, ao analisar a União
Democrática Ruralista (UDR) em Goiás nos anos de 1980, realiza de forma introdutória uma
reflexão sobre entidades como a Sociedade Goiana de Pecuária.
Nossa proposta, portanto, é apontar como, em meio aos desdobramentos políticos entre
1930 e 1964, as elites agrárias goianas, conscientes de sua situação de periferia, se organizaram
para modernizar seu discurso agrarista, ajustando-os aos novos tempos da realidade política,
econômica e social. Esta tese, portanto, dá destaque ao debate travado por diferentes atores
classistas e políticos de Goiás no período analisado, tentando contribuir para um debate mais
matizado sobre os rearranjos políticos do mundo rural goiano no contexto de uma modernização
conservadora.

O objeto da tese
Como exemplo de atores políticos importantes do período citado anteriormente e que
são personagens centrais nas temáticas do campo, temos os líderes classistas Altamiro de Moura
Pacheco, fundador da Sociedade Goiana de Pecuária (SGP), e Joaquim Câmara Filho, fundador
da Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (FAREG).
A SGP foi criada em 1941 e a figura de seu fundador, o médico, pecuarista e político
goiano Altamiro de Moura Pacheco, foi central na organização das demandas das elites rurais
e na elaboração de um discurso atento às necessidades de modernização das atividades rurais
via melhoria dos rebanhos, política de crédito e à criação de um parque agroindustrial voltado
em especial para a pecuária. Tendo concorrido contra Pedro Ludovico na campanha eleitoral
para o governo do estado em 1950, Altamiro de Moura Pacheco é figura central no discurso e
nas práticas de defesa da modernização pelas elites agrárias. No contexto posterior a 1945, foi
uma figura udenista, central na montagem de uma oposição ao ludoviquismo, na articulação e
na busca por coesão das elites agrárias de Goiás.
No universo das associações de representação dos interesses da elite agrária goiana, foi
criada em 1951 a Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (FAREG), 4 que teve

4
Transformada posteriormente em Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG).
24

como seu primeiro presidente o jornalista, pecuarista, agrônomo e político Joaquim Câmara
Filho.5 Entre os objetivos da FAREG estavam a representação patronal dos produtores rurais e
o compromisso com o aumento de produtividade, vinculado ao apoio aos produtores com
tecnologia veterinária e agronômica.
Comparativamente, percebemos que as elites rurais goianas vislumbravam a
oportunidade de uma inserção mais contundente da região, por intermédio de uma agropecuária
que precisava se modernizar, enquanto as elites nordestinas lidavam com a decadência do
complexo açucareiro e as do Sudeste se alternavam entre a industrialização e a necessidade de
ressignificar a realidade cafeeira já em crise. As elites goianas, politicamente conservadoras,
conseguiram vislumbrar uma oportunidade de protagonismo até então nunca vivenciada e
sempre idealizada. Acreditamos que a contribuição de nosso trabalho sobre as associações
classistas da elite agrária goiana contribui não só para um mapeamento institucional, mas
também para uma melhor compreensão das práticas classistas em Goiás.
Pensamos que este trabalho, além de lançar um olhar mais extenso sobre a atuação da
Sociedade Goiana de Pecuária (SGP) e da Federação das Associações Rurais do Estado de
Goiás (FAREG), permite um mapeamento de suas principais lideranças e das ações práticas das
entidades classistas em prol da modernização e em torno de temas sensíveis aos proprietários
rurais, dentre eles a reforma agrária.
Contribuímos também para a elaboração de um panorama sobre os políticos goianos,
que em nossa análise eram componentes da elite de classe agrária, e que até então haviam sido
tratados pela historiografia goiana de forma singularizada. A atuação política do deputado
pessedista Cônego José Trindade da Fonseca e Silva foi posta de lado. Em detrimento de sua
presença como clérigo em Goiás, ele se tornou uma figura importante na história eclesiástica
do estado6. Ampliamos a análise sobre o Cônego Trindade e o inserimos no campo político,
como representante da elite de classe. Jalles Machado, parlamentar pela União Democrática
Nacional goiana, foi objeto de uma análise historiográfica por parte de Clever Fernandes e
Reginaldo Aquino (2001), na qual os autores buscaram compreender a contribuição do político
goiano no debate sobre a questão dos meios de transporte em Goiás e sua obsessão com a lógica
do progresso. Vale ressaltar que o trabalho citado apresenta ainda um rico material de discursos

5
A família Câmara foi responsável pela criação do mais importante e longevo jornal goiano, O Popular, criado
em 1938. Ao longo de nossa pesquisa o jornal será fonte importante.
6
Cf. PINHEIRO, Antônio César Caldas. “Cônego Trindade, sua vida, a Igreja e a História”. In: SILVA, José
Trindade da Fonseca e. Lugares e pessoas: subsídios eclesiásticos para a história de Goiás. Introdução de Antônio
César Caldas Pinheiro. Goiânia: Ed. Da UCG, 2006, p. XI – XV.
25

e projetos de Jalles Machado, que permitiram ao nosso projeto ampliar a interpretação e analisar
sua atuação nas questões referentes ao mundo e à produção rurais.
No caso de Domingos Vellasco, importante defensor das demandas rurais goianas no
âmbito parlamentar e que esteve posicionado em um campo de esquerda à época, a produção
historiográfica teve como foco a sua atuação nos debates sobre a construção de Goiânia e seus
embates com Pedro Ludovico Teixeira estudados por Eliézer Oliveira (1999), Jales Mendonça
(2008) e Cristiano Arrais (2008).
Galeno Paranhos foi outro personagem integrante desta pesquisa. Sua recorrência na
historiografia sobre Goiás foi incidental e temos sua presença citada de forma breve em dois
trabalhos acadêmicos: primeiramente, Marcelo Afonso (2011) menciona sua relação com a
Federação das Indústrias do Estado de Goiás; segundo, também de forma breve, Max Porphirio
(2016) situa Galeno Paranhos no contexto das lutas pela terra no início dos anos de 1960.
Ampliamos a reflexão e buscamos compreender como Paranhos, um líder classista da SGP,
teceu comentários sobre a necessidade de uma reforma agrária e fez uso até de exemplos do
bloco comunista.
No caso de entidades como a Frente Agrária de Goiás (FAGO), sua atuação foi analisada
por intermédio da tese de Lindsay Borges (2011), que tinha como objetivo mais amplo analisar
o arcebispo de Goiânia à época, Dom Fernando, e se deteve de forma breve sobre a questão
agrária. Buscamos estabelecer uma reflexão que conectasse a FAGO com as demandas da elite
rural goiana do período e ainda apontamos suas conexões internacionais em época de Guerra
Fria.
Por fim, vale ressaltar que a atuação de sindicatos municipais de fazendeiros goianos já
havia sido objeto de interpretação de Dalva Souza (2009). Avançamos para uma leitura mais
ampla sobre o possível recurso à violência por parte dos fazendeiros na luta pela defesa da
propriedade privada e suas conexões com os elementos golpistas.

Quadro teórico, metodologia e fontes


O fio condutor da reflexão historiográfica proposta passa, invariavelmente, pela
problematização das elites como objeto da história e da reconstrução da política como espaço
da operação historiográfica (CERTEAU, 2011). A questão central é compreender como o
mundo rural goiano era compreendido e interpretado pelas elites agrárias goianas em questão,
analisando suas manifestações nos espaços de imprensa, classistas e da política.
Nas palavras de Jean-François Sirinelli (2003, p. 235), o apreço da historiografia pelas
massas lançou sobre a temática das elites uma luz ofuscante e o tema passou a ser visto como
26

ultrapassado, positivista e reprodutor de uma lógica de dominação. Contudo, a nova história


política foi fundamental para romper com os preconceitos sobre objetos, dentre os quais as
elites, e legitimou leituras que contemplavam desde as massas até os grupos privilegiados do
poder (FERREIRA apud RÉMOND, 2003).
O reaparecimento do elemento político como objeto de interesse historiográfico foi
fruto, entre outros fatores, da “ampliação do domínio da ação política com o aumento das
atribuições do Estado. As fronteiras que delimitam o campo do político não são eternas: seu
traçado conheceu variações ao longo da história” (RÉMOND, 2003, p. 23).
Ampliando a reflexão teórica sobre a história política e servindo de base para a exegese
do nosso objeto, as elites agrárias e suas formas de inserção no campo político, Pierre
Rosanvallon (2010, p. 78) diz que a
história do político distingue-se então, pelo próprio objeto, da história da
política propriamente dita. Além da reconstrução da sucessão cronológica e
dos acontecimentos, esta última analisa o funcionamento das instituições,
disseca os mecanismos de tomada de decisões públicas, interpreta os
resultados das eleições, lança luz sobre a razão dos atores e o sistema de suas
interações, descreve os ritos e símbolos que organizam a vida. A história do
político incorpora evidentemente essas diferentes contribuições. Com tudo o
que ela acarreta de batalhas subalternas, de rivalidades de pessoas, de
confusões intelectuais, de cálculos de curto prazo, a atividade política stricto
sensu é, de fato, o que ao mesmo tempo limita e permite, na prática, a
realização do político. Ela é ao mesmo tempo uma tela e um meio.

O estudo das elites é também fundamental para identificar “quais são os espaços e os
mecanismos do poder nos diferentes tipos de sociedade ou os princípios empregados para o
acesso às posições dominantes” (CHARLE, 2006, p. 46), ideia que serve de sustentação para a
leitura da ação política dos membros e dos representantes da elite agrária goiana. Como o
conceito que iremos operar articula “elites” e “classe”, achamos por bem sistematizar de forma
breve como o debate sociológico e político buscou pensar estratégias teóricas que
aproximassem essas duas vertentes distintas.
A obra clássica do sociólogo americano C. Wright Mills, The Power Elite (2000[1956]),
se dispôs a analisar a estrutura de poder da sociedade americana. Contrariando uma visão
idealizada sobre a democracia estadunidense, “a sociedade americana é uma sociedade
controlada por uma minoria poderosa em oposição a uma maioria desprovida de poder”
(PERISSINOTTO, 2009, p. 102). Na análise de Mills há uma diferença em relação aos autores
citados anteriormente, na medida em que sua reflexão está amparada em uma perspectiva na
qual a história desempenha um papel central na formação dos grupos de poder. Mills (2000, p.
20) afirma que “its not my thesis that for all epochs of human history and in all nations, a
27

creative minority, a rulling class, an omnipotent elite, shape all historical events”. Na
elaboração de uma Sociologia do Poder sobre os Estados Unidos, Wright Mills identifica nas
figuras dos dirigentes das grandes corporações econômicas, dos líderes políticos e dos chefes
militares a tríade do poder. A elite do poder seria formada pela associação das três subelites
citadas.
Para compreender a estrutura de poder dos três grupos controladores nos Estados Unidos
Wright Mills “analisou sua origem social, sua trajetória escolar e profissional e, desse modo,
constatou a íntima relação existente entre seus membros” (PERISSINOTTO, 2009, p. 118). Um
condicionante para o exercício do poder pela elite estadunidense residia na transformação do
país em uma sociedade de massas (MILLS, 2000, p. 304), na qual um conjunto cada vez menor
da população controlava e produzia os conteúdos de informação e, como consequência, se valia
deles como ferramentas de controle e manipulação social. Há na análise de Mills a premissa de
que a sociedade americana perdeu o espaço público como local de exercício da individualidade
do cidadão.
A corrente do chamado elitismo democrático ou pluralismo elitista (PERISSINOTO,
2009; HOLLANDA, 2011) avança na aceitação da premissa de que um grupo minoritário, uma
elite, exerce o poder e que tal arranjo seria perfeitamente compatível com a democracia. O
grupo em questão – representado especialmente por Robert Dahl (1988) e Joseph Schumpeter
(2017) – identifica nas massas não o caráter alienado proposto por Mills (2000), mas sim um
risco para a democracia, por sua propensão ao autoritarismo. Acredita que a equalização da
democracia com um poder elitista deve pressupor uma variedade delas, isto é, uma pluralidade
das elites. Além de diversas, as elites deveriam ainda ter autonomia (PERISSINOTTO, 2009),
divergindo da lógica dos cânones do tema sobre uma suposta unidade interna psicológica ou de
outro fator. Para Schumpeter, “as elites passam de obstáculo a premissa da democracia: o
diagnóstico de uma elite política necessária converte-se de negação em condição de princípio
democrático” (SCHUMPETER apud HOLLANDA, 2011, p. 579). Robert Dahl (1988)
concorda com Schumpeter sobre o caráter viável de relação entre elites e democracia e aponta
para a necessidade de se identificar os objetivos concretos da elite e, portanto, “identificar as
preferências dos grupos com relação a um tema específico” (PERISSINOTTO, 2009, p. 133).
Para Dahl (Ibidem, p. 93) uma “elite dirigente [...] é uma minoria cujas preferências
regularmente prevalecem em casos de diferenças acerca da escolha de objetivos políticos
fundamentais”.
A teoria do pluralismo democrático foi alvo da crítica dos chamados neoelitistas e foi
realizada por autores como Peter Bachrach e Morton Barataz (1983). Os neoelitistas defendem
28

ser um equívoco metodológico analisar as elites exclusivamente pelo caráter decisório, isto é,
a partir da tomada de decisões. Eles defendem que um aspecto ainda mais relevante seria
analisar “a tomada de não decisões, isto é, a prática de limitar o âmbito da tomada de decisões
a questões ‘seguras’” (BARATAZ, 1983, p. 43-44), que contribuem para alijar as massas da
participação efetiva no poder. Para os neoelitistas, a análise deveria ter como foco os valores
dominantes, os mitos e as instituições políticas “que tendem a favorecer os interesses
constituídos de um ou mais grupos” (PERISSINOTTO, 2009, p. 154). Os neoelitistas
reconhecem que o pluralismo democrático auxiliou no avanço da teoria de Wright Mills e
defendem que reproduziram uma visão propriamente elitista, ao alijarem as massas dos
processos decisórios.
Para aprimorar o estudo sobre a teoria das elites é fundamental acrescentarmos as
críticas elaboradas pelo marxismo estruturalista e pela sociologia relacional de Pierre Bourdieu
(2010). No contexto do marxismo estruturalista, Nicos Poulantzas (2019) aponta que a teoria
das elites elaborou uma crítica ao marxismo a partir de uma visão determinista e superficial
sobre ele e que não conseguiu explicitar que a fundamentação do poder político deve ser
pensada em relação íntima com o capitalismo. Na medida em que a burocracia estatal atua no
sentido de manter a lógica da dominação e da divisão de classes, o pensamento marxista deveria
focar, diferentemente da teoria das elites que opera questionamentos como “quem governa ou
quem decide?”, em quais são as relações sociais que o Estado capitalista produz
(PERISSINOTO; CODATO, 2009; POULANTZAS, 2019).
Ralph Miliband (1982) aponta que é fundamental analisar se o controle dos meios de
produção pelos capitalistas se torna uma base importante para o controle do ambiente político
e se isso impacta nas estruturas de poder. De forma resumida, seria necessário articular
sociologicamente a elite econômica com as classes dominantes e compreender os seus vínculos.
A sociologia relacional de Pierre Bourdieu (2010) aponta que os estudos sobre o poder
e sobre os que o ocupam e o controlam partem de uma premissa que seria antissociológica: a
definição a priori dos grupos a serem analisados. Tal postura geraria uma deturpação da
realidade, ao afirmá-la antes de prová-la empiricamente. A alternativa para Bourdieu seria uma
análise relacional, instrumentalizada pelo “termo campo de poder [...] entendendo por tal as
relações de forças entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum
suficiente de força social” (Ibidem, p. 28-29) para a disputa pelo poder. No entanto, Bourdieu
reconhece que o estudo do campo parte essencialmente da análise das propriedades dos
indivíduos, pois “a informação acessível está associada a indivíduos” (Ibidem, p. 29). De acordo
com Renato Perissinotto e Adriano Codato (2009, p. 252) “feitas as contas, algumas
29

proposições de Bourdieu sobre os grupos socialmente dominantes sugerem, todavia, o retorno


sob nova roupagem terminológica da abordagem ‘posicional’ à la Wright Mills, com base num
conceito não menos tradicional de poder (‘capital’)”.
Além do conceito de elite, devemos refletir sobre o conceito de classe. Como ponto de
partida, a máxima de Ralph Miliband (1999, p. 501) é fundamental ao apontar que “a análise
de classes só poderia tornar-se irrelevante com o advento de uma sociedade sem classes”.
Partindo das formulações do Manifesto do Partido Comunista (1848), a “análise de classes é
com efeito uma análise da luta de classes: é um modo de análise que procede da crença segundo
a qual a luta de classes constituiu o fato crucial da vida social desde o passado remato até o
presente” (Ibidem, p. 473). Embora o fator de união das classes resida em um dispositivo de
ordem econômica, é importante ressaltar que nenhuma classe, dominante ou dominada, é
homogênea (Ibidem, p. 479). A análise de classes é uma ferramenta útil, dentre outros fatores,
para a compreensão das “maneiras pelas quais as classes dominantes procuram usar o sistema
político para seus próprios fins” (Ibidem, p. 485).
As críticas formuladas ao conceito de classe contribuíram ao cabo da discussão
acadêmica para um maior refinamento do conceito, que aliás não foi trabalhado teoricamente à
exaustão por Marx. Para Wright Mills (2000, p. 277) a recusa em se utilizar do conceito de
classe dominante e, em contrapartida, dar preferência à noção de elite do poder se deve ao fato
de que “rulling class is a badly loaded frase. ‘Class’is an economic term; ‘rule’a political onde.
The phrase, ‘rulling class’, thus contains the theory tha and economica class rules politically”.
Ao utlizar elite do poder, Wright Mills busca se dissociar de dois equívocos: o da tradição
marxista, que condensa na figura do homem capitalista o centro também do poder político, e o
da tradição liberal, que encapsulava o político como o responsável pelo exercício do poder
(PERISSINOTTO; CODATO, 2009, p. 253).
Trilhando o caminho da crítica ao conceito de classe, Raymond Aron diz que “nem o
Estado nem o governo podem ser explicados inteiramente a partir das classes sociais e dos seus
conflitos” (ARON apud PERISSINOTTO, CODATO, 2009, p. 254). Aron aponta não ser real
que uma “classe” é dotada de interesses plenos entre seus membros, que partilham a integridade
de uma ideologia e que “mesmo a consciência de classe depende da capacidade de organização
e direção de seus dirigentes. Para o intelectual liberal francês, a análise deve buscar “entender
a estrutura da elite, isto é, a relação própria a cada sociedade entre os diferentes grupos sociais”
e que seria impossível provar a “influência dos homens de negócio sobre o comportamento dos
dirigentes políticos” (ARON apud PERISSINOTTO; CODATO, 2009, p. 255).
30

Os apontamentos teóricos sobre a teoria das elites e classe levantados até o momento
servem para oferecer subsídios para uma mediação teórica previamente apresentada por três
importantes sociólogos que trilharam carreira no Reino Unido e que foram citados previamente:
Tom B. Bottomore (1965), Anthony Giddens (1974b) e Ralph Miliband (1972; 1982). No
entanto, a operação de síntese e que serve de base teórica para pensarmos a questão das elites
rurais em Goiás foi articulada por Renato Perissinotto e Adriano Codato (2009).
Tom Bottomore propõe uma aproximação entre os conceitos de classe dominante e elite
política. Reconhecendo que “como componentes de teorias globalizantes que interpretam a vida
política e especialmente as possibilidades futuras de organização política de maneira
inteiramente diferente” podem ser vistos também como conceitos complementares, que
permitiriam um conjunto vasto de operações analíticas como a distinção entre sociedades em
que
exista uma classe dominante e ao mesmo tempo elites que representem
aspectos particulares de seus interesses; sociedades em que não exista
uma classe dominante, mas uma elite política que baseie seu poder no
controle da administração ou da força militar, e não na posse e herança
em si; e sociedades nos quais exista uma multiplicidade de elites entre
as quais não se consiga distinguir nenhum grupo coeso ou duradouro de
indivíduos ou famílias poderosas (BOTTOMORE, 1974, p. 43).

Nesse sentido, “algumas sociedades podem ser marcadamente classistas, outras


marcadamente elitistas e ainda outras podem se caracterizar por uma combinação de classes e
elites com uma relação complexa entre ambas” (PERISSINOTTO; CODATO, 2009, p. 259).
No prefácio de Elites and power in British Society, os editores Philip Stanworth e
Anthony Giddens (1974, p. xi) afirmam que “it seems fruitful to abandon the ideia that use of
the vocabular of class theory is necessarily incompatible with that of elite theory”, e que se deve
ter no exercício da análise um cuidado em não tratar termos como classe dominante como
sinônimo direto entre elite do poder ou elite dominante.
De acordo com Renato Perissinoto e Adriano Codato (2009, p. 259), é importante se
atentar para como a posição na estrutura social é um fator determinante “estrutura de
oportunidades políticas e qualifica quem pode e quem não pode ascender a posições de elite”.
Para a aproximação entre os conceitos ser fecunda, se deve ainda compreender como a elite em
questão influencia de forma efetiva o exercício do poder.
O caminho proposto por Ralph Miliband (1972; 1982) é norteado pela ideia de que a
meta da ordem política e econômica seria buscar um objeto em comum: a permanência da
ordem capitalista. Os que são norteados por esse objetivo seriam membros de uma classe
31

economicamente dominante. O conceito de “elite econômica” elaborado pelo autor abarca a


ideia sobre o caráter multifacetado dos interesses no seio da sociedade capitalista em contextos
complexos. Há um jogo pendular, que oscila entre a disputa entre os vários grupos e a aliança
pela defesa das estruturas do sistema capitalista.
Ampliando sua reflexão, Miliband aponta que no sistema capitalista existe uma elite
estatal, que ocupa os principais postos de estado e de governo e é usualmente recrutada em
grande medida entre a classe economicamente dominante. Fugindo ao esquematismo atribuído
ao marxismo, Miliband afirma ser possível que a elite estatal seja um braço a serviço de uma
determinada classe, mas que isso não seria uma ação necessariamente mecânica.
Na formulação teórica de uma elite de classe, expressão da aproximação entre os dois
conceitos até aqui trabalhados, Renato Perissinoto e Adriano Codato (2009, p. 261) apontam
que uma determinada classe no contexto do jogo político é representada por uma minoria
organizada. Existem diferenças tanto de estruturas como de capacidades de pressionar o poder
entre os diversos grupos e uma mesma classe pode ainda ser representada de forma plural por
várias associações, partidos, indivíduos e sindicatos.
No contexto desta tese, ao analisarmos a elite rural goiana, percebemos a existência de
uma minoria organizada, que a representa por intermédio de entidades distintas – como a SGP
e a FAREG – e de lideranças variadas – como os presidentes das entidades classistas, partidos
e políticos diversos. Notamos ainda o poder mais efetivo de pressão na vida política da classe
pecuarista, em detrimento dos agricultores no período aqui analisado.
A elite de classe em nosso trabalho é objetivamente formada pelos dois principais
líderes classistas que militavam nas causas agrárias desde a década de 1930 e que continuaram
ativos politicamente por mais duas décadas: Altamiro de Moura Pacheco e Joaquim Câmara
Filho. A elite de classe entre os anos de 1946 e 1961 foi ampliada com a atuação política de
representantes dos interesses rurais como Cônego Trindade, Jalles Machado e Domingos
Vellasco – é importante citar a diversidade partidária e de propostas entre os três, oscilando
politicamente entre o PSD, UDN e ideias à esquerda, respectivamente – e que se uniam em um
coro que ecoava os interesses ruralistas em Goiás.
Entre 1960 e 1964, a elite de classe teve entre seus representantes de destaque Galeno
Paranhos, político e presidente da SGP, proponente de ideias reformistas e da ação institucional
da Frente Agrária Goiana (FAGO) com a liderança do então arcebispo da capital do estado e
movida por um forte anticomunismo. Embora não seja visto como um aliado imediato das elites
agrárias goianas, Mauro Borges (1961-1964), ao fazer a mediação dos conflitos rurais à época,
32

ocupa um espaço importante como a figura política que podia ocasionalmente atender aos
interesses de uma determinada classe como aponta Ralph Miliband (1972; 1982).
De forma mais ampla do ponto de vista institucional, formadas pelas entidades classistas
de âmbito estadual e municipais, mas unidos pela defesa da propriedade rural e contrários aos
projetos de reforma agrária oriundos da agitação social no campo e de propostas
governamentais, identificamos novamente uma minoria disposta ao enfrentamento político e
até mesmo físico.
Do ponto de vista metodológico, adotamos o modelo posicional consagrado pelo estudo
de Wright Mills (2000) e seu procedimento, que consiste nas seguintes etapas: i) identificar
quais são as instituições mais importantes numa estrutura social; ii) quais seriam os traços
fundamentais de tais instituições ou instituição; iii) há conexões entre a cúpula (elite do poder)
de tais instituições?; iv) quais seriam o ou os elementos que tais grupos possuem e que são
elementos de consagração social?; v) identificar o tipo de pessoa, ou um tipo ideal, valorizado
pelo sociedade; vi) qual o tamanho real da elite que exerce o poder?; vii) qual o elemento
principal de coesão, isto é, de unidade do grupo (PERISSINOTO; CODATO, 2015, p. 20-21).
Nesta tese identificamos as principais instituições de luta pelos interesses das elites
rurais: a SGP e a FAREG. Elas possuíam como traços fundamentais a defesa dos interesses dos
grandes proprietários, da necessidade de modernização da agropecuária e de apoio estatal na
forma de investimento. Pelo fato de representarem os proprietários rurais, elas estavam
vinculadas à propriedade rural, que na sociedade goiana era o principal elemento de
consagração social; representavam a figura do fazendeiro, símbolo do poder e do sucesso; a
extensão dos que exerciam de fato o poder não ia além dos líderes classistas e de parlamentares
articulados aos seus interesses e o principal elemento de coesão estava localizado no vínculo
profundo à vocação agrária de Goiás.

Estrutura dos capítulos da tese


Esta tese está estruturada em quatro capítulos. O Capítulo 1, intitulado “As raízes
intelectuais do agrarismo Goiano (1930-1945)” analisa como, no contexto tributário da
Revolução de 1930, o campo ocupou um espaço importante no debate nacional e regional, para
além do clássico tema do café, e como foram elaboradas propostas de modernização,
diversificação e nacionalização das atividades rurais. Um discurso sobre o campo foi elaborado
a partir das ideias do intelectual Alberto Torres através da atuação da Sociedade dos Amigos
de Alberto Torres e de Joaquim Câmara Filho. Apontamos que tal discurso pode ser entendido
analiticamente como o encontro de uma defesa do apoio estatal e, ao mesmo tempo, de
33

valorização da figura do pequeno e médio proprietário. Apresentamos ainda como o projeto de


modernização conservadora no campo à época foi fortemente difundido e incentivado por duas
importantes revistas: A informação Goyana (1917-1935) e Oeste (1942-1944).
O Capítulo 2, intitulado “Elites e associativismo agrarista goiano (1940-1950)” trata em
um primeiro momento da origem, dos projetos e dos presidentes da Sociedade Goiana de
Pecuária, da sua fundação em 1941 até 1964. O fundador e presidente mais longevo da SGP,
Altamiro de Moura Pacheco (pecuarista, médico e político) ocupa um papel central nesse
primeiro momento do capítulo, não apenas pela sua posição de líder classista da principal
entidade de defesa dos pecuaristas goianos, mas também pela sua entrada na política partidária
via UDN e pela disputa pelo governo de Goiás contra Pedro Ludovico Teixeira em 1950.
Analisamos também como a SGP teve um papel importante na manutenção de uma vocação
agrária de Goiás em um momento de transformação com a construção de Goiânia, a nova capital
com ares de modernidade.
A segunda parte do Capítulo 2 analisa a Federação das Associações Rurais do Estado
de Goiás (FAREG) e seus projetos principais de modernização da agricultura e da pecuária,
bem como a atuação de seu fundador, Joaquim Câmara Filho, agrônomo de formação e um dos
fundadores do principal jornal do estado, além de político com atuação que remonta aos
desdobramentos imediatos da Revolução de 1930. Por fim, estabelecemos uma análise
comparativa entre Altamiro de Moura Pacheco e Joaquim Câmara Filho, buscando apontar as
aproximações e os distanciamentos pela reflexão sobre suas respectivas formações e filiações
político-partidárias e como isso contribuía para uma disputa pela influência sobre o campo
goiano.
O Capítulo 3, intitulado “O campo em debate (1946-1961)”, traz uma reflexão sobre o
campo político goiano e a identificação dos principais atores que atuaram na defesa dos
interesses agrários. O primeiro passo foi um mapeamento panorâmico do campo político
goiano, identificando seus principais atores no âmbito do Executivo e do Legislativo, os
principais partidos e suas posições no contexto regional. O segundo passo foi um afunilamento
do objeto, ao realizar um estudo sobre três importantes políticos com atuação parlamentar e
atrelados às demandas rurais: Cônego Trindade, Jalles Machado e Domingos Vellasco. A tríade
escolhida foi baseada em um critério posicional e institucional, que permitiu entender como o
campo e as elites agrárias com os seus interesses foram defendidas por, respectivamente, um
político do PSD, outro da UDN e por fim um que oscilou entre a UDN e que ao fim teve posturas
à esquerda. Embora cada um entoasse a defesa dos interesses agrários a partir de perspectivas
próprias, o resultado, isto é, o coro, produzia uma música que atendia aos ouvidos da elite
34

agrária goiana. Defenderam desde a necessidade de renegociar as dívidas dos pecuaristas até
projetos estatais de auxílio na produção.
O Capítulo 4, “Do reformismo ao reacionarismo (1960-1964)”, tem sua argumentação
dividida em dois momentos que lidavam de forma distinta com o tema central à época da
reforma agrária e das agitações sociais e políticas no campo. No primeiro momento, analisamos
como projetos que aceitavam a necessidade de reforma da estrutura agrária, em particular a
goiana, foram encabeçados por lideranças e grupos distintos como Galeno Paranhos, político e
presidente da SGP na passagem da década de 1950 para 1960, que defendia a pertinência de se
repensar a base produtiva rural em Goiás. Em uma longa exposição sobre o tema, Paranhos
defendia ideias heterodoxas, como a inspiração em modelos socialistas de intervenção estatal e
a necessidade de se incentivar outras estruturas produtivas que não apenas o latifúndio.
Refletimos ainda sobre como o tema da reforma agrária em Goiás e os vários movimentos do
campo como o de Trombas e Formoso foram conduzidos pelo governo de Mauro Borges (1961-
1964) e por sua política de modernização estatal. Na última fase do momento reformista
estudamos a atuação da Frente Agrária Goiana (FAGO), suas conexões com a Igreja Católica e
com entidades internacionais integradas à Aliança para o Progresso a fim de evitar o avanço do
Comunismo no campo com o incentivo a políticas reformistas, mas não revolucionárias.
No segundo momento do Capítulo 4 fazemos a exposição de um processo de
radicalização dos proprietários rurais, na defesa da propriedade privada frente ao crescimento
dos movimentos sociais de esquerda no campo em Goiás. Analisamos como entidades
classistas, especialmente a SGP e a FAREG, contaram com o apoio de sindicatos municipais
de proprietários rurais de cidades como Trindade e Anápolis. A tensão à época escalou para um
possível confronto armado entre os ruralistas na defesa do proprietarismo e dos movimentos
sociais. Traçamos esse percurso de tensão e crise até as portas do golpe de 1964.
35

CAPÍTULO 1. AS RAÍZES INTELECTUAIS DO AGRARISMO GOIANO (1930-1945)

O objetivo deste capítulo é investigar o desenvolvimento de um discurso agrarista no


contexto posterior à subida de Getúlio Vargas ao poder em 1930, bem como seus
desdobramentos para a realidade de Goiás, um estado predominante rural à época.
Para a compreensão de um modelo agrarista brasileiro no contexto dos anos de 1930, é
fundamental a reflexão sobre o papel desempenhado pelas ideias do intelectual Alberto Torres
(1865-1917). As ideias nacionalistas desse intelectual tinham um campo fértil e central no
espaço rural, mesmo antes de 1930. Inserido em uma tradição dos “intérpretes do Brasil”, suas
reflexões encontraram no pós-1930 grande recepção na teoria e na prática.
A crença na importância de uma realidade agrária mais diversificada e que contemplasse
a existência de pequenos e médios proprietários permitiu que um discurso político fosse
conduzido na efetivação da Sociedade Amigos de Alberto Torres, criada em 1932 e responsável
por inúmeras propostas de diversificação da estrutura produtiva brasileira, como o incentivo
aos cultivos do arroz, do trigo, entre outros.
A atuação da Sociedade Amigos de Alberto Torres encontrou ressonância na estrutura
de governo do interventor de Goiás, Dr. Pedro Ludovico Teixeira. Em um estado marcado pelo
latifúndio e pela pecuária bovina, as ideias da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres
representaram uma oxigenação no debate sobre o campo, ao trazer temas como a diversificação
de cultivo, mencionada anteriormente, e a necessidade de se investir em conhecimentos
técnicos e racionais de produção.
Para que a compreensão sobre a circulação e a recepção destas novas ideias sobre o
agrarismo seja mais ampla, analisaremos também a presença do tema em duas importantes
revistas para o cenário intelectual goiano dos anos dos anos 1930 e 1940: A Informação Goyana
(1917-1935) e Oeste (1942-1944).
Nossa hipótese é a de que havia um discurso de modernização conservadora do campo
em Goiás entre os anos de 1930 e 1940, que abria espaço para a reflexão sobre a mudança da
estrutura agrária, assim como para as inovações tecnológicas. No entanto, tudo estava atrelado
à presença do Estado como força motriz, capaz de levar a cabo as possíveis transformações.
Em um primeiro momento, apresentamos as ideias de Alberto Torres à luz de uma
reflexão sobre o seu lugar no pensamento conservador brasileiro e o papel do mundo rural em
sua visão de Brasil. Posteriormente, analisamos a criação e as ideias centrais da Sociedade
Amigos de Alberto Torres, bem como sua atuação em Goiás nos anos da interventoria de Pedro
Ludovico Teixeira, e por último, buscamos apresentar como as ideias de um agrarismo
36

sustentado pela lógica de uma modernização conservadora repercutiu nos meios de imprensa
de Goiás citados anteriormente.

1.1 Jefferson ibérico: o agrarismo de Alberto Torres


“O Brasil tem por destino evidente ser um país agrícola: toda a ação que tender a desviá-
lo desse destino é um crime contra a sua natureza e contra os interesses humanos” (TORRES,
1938, p. 208). O agrarismo, um dos pilares intelectuais e políticos da obra de Alberto Torres e
compreendido como base para sua reflexão nacionalista, já foi extensamente analisado por
autoras como Lúcia Lippi Oliveira (1990) e Maria Fernanda Lombardi Fernandes (2010).
Bolivar Lamounier (2016) aponta que um elemento importante da obra de Alberto
Torres é o fato de ela estar vinculada não apenas a um esforço interpretativo do passado, mas
também ao diagnóstico do contexto da Primeira República (1889-1930) e, principalmente, de
ser pautada pela proposição de modelos alternativos. Nesse sentido, acreditamos que a obra de
Torres se encaixa na interpretação de Bernardo Ricupero (2016, posição Kindle 335) sobre o
lugar do pensamento político entre a ideologia (entendida como práxis) e a filosofia política
(vista como logos), sendo então “o pensamento político [...] uma espécie de logos que
direcionaria a práxis”.
É conhecido o debate no Pensamento Social Brasileiro sobre o universo intelectual que
abarca autores como Visconde de Uruguai, Alberto Torres, Oliveira Viana, para citar os de
maior vulto, e a decorrente reflexão sobre o enquadramento de tais atores intelectuais e políticos
em uma tradição autoritária, conservadora ou reacionária. Um esforço intelectual pioneiro de
análise desses autores, tendo como referência a história das ideias, foi levada a cabo por
Wanderley Guilherme dos Santos (2017) e construída sobre o conceito de autoritarismo
instrumental, modelo, ao nosso ver, de inspiração teleológica e que analisa como meta do
discurso autoritário brasileiro a preparação do caminho para uma “ordem burguesa e
capitalista”.
A contrapelo da reflexão do autoritarismo instrumental, Bolivar Lamounier (2016)
elabora um outro modelo interpretativo, pautado pelo conceito de ideologia do Estado e que
parte do princípio de que as ideias, como a meta de elaboração de uma “ordem burguesa” via
autoritarismo, seriam fruto de uma leitura impressionista das ideias políticas no Brasil.7 Bolivar
Lamounier (2016, p. 384) afirma que seu argumento

7
Para uma compreensão do debate entre as correntes interpretativas brasileiras sobre o pensamento
conservador/autoritário/reacionário, ver: RICUPERO, 2016.
37

é de que a transformação do pensamento político no período considerado deve


ser entendida basicamente como a formação de um sistema ideológico
orientado no sentido de conceituar e legitimar a autoridade do Estado como
princípio tutelar da sociedade.

Antecipamos que tal modelo interpretativo se aproxima de nossa reflexão sobre o


pensamento agrário de Alberto Torres e o papel do Estado. No entanto, apresentaremos a seguir
outros modelos analíticos.
O conceito de iberismo, construído a partir dos trabalhos de Richard Morse, em especial
O espelho de próspero (1988), aponta “o iberismo como uma das possíveis respostas à
modernidade” (RICUPERO, 2016, posição Kindle 828). Os dois proponentes da interpretação
do pensamento conservador que tem como chave interpretativa o iberismo são o sociólogo Luiz
Werneck Vianna (1997) e o historiador e cientista político José Murilo de Carvalho (1998).
Werneck Vianna (1997) analisa a obra de Oliveira Viana e aponta como o autor
saquarema sustenta suas reflexões, em especial na obra Populações Meridionais do Brasil
(1920), seguindo uma tradição do pensamento que se pautava no “caráter distinto” da população
brasileira e na inviabilidade da aplicação de modelos liberais alienígenas à nossa realidade
histórica. Como nossa meta não é orientada para a análise da obra de Oliveira Viana, achamos
prudente atalhar nossos esforços para delimitarmos que no estudo de Werneck Vianna é
construído um modelo ibérico reformulado como iberismo instrumental. Nas palavras de
Werneck Vianna (1997, p. 185, grifo meu),
o iberismo instrumental não se constituiria para criar o seu contrário – o
americanismo de matriz utilitarista e individualista -, mas para se completar
numa Ibéria plena e moderna pela via dos grupos intermediários da cultura
política anglo-saxônica.

Nessa busca por uma “Ibéria plena e moderna”, o Estado teria um papel reformador e
orientador de uma modernização corporativa e
Sob a ordenação corporativa, a Ibéria pode abrir-se ao moderno sem se
subverter, larga operação transformística em que o passado regula a identidade
dos seres modernos emergentes e em que o processo de modernização, sob o
controle social e político das forças da tradição, bloqueia a afirmação do
moderno e da modernidade (Ibidem, p. 184).

A modernidade ibérica seria alcançada “passando por cima da ‘etapa liberal’ e extraindo
vantagem do atraso social do nosso povo-massa, para o qual é exótica a institucionalidade
política do liberalismo” (Ibidem, p. 185). José Murilo de Carvalho (1998, p. 214) utiliza-se
também do conceito de iberismo ao refletir sobre a obra do pensador político saquarema. Sua
definição do conceito indica que
38

o iberismo pode ser entendido, negativamente, como a recusa de aspectos


centrais do que se convencionou chamar de mundo moderno. É a negação da
sociedade utilitária individualista, da política contratualista, do mercado como
ordenador das relações econômicas. Positivamente, é um ideal de sociedade
fundado na cooperação, na incorporação, no predomínio do interesse coletivo
sobre o individual, na regulação das forças sociais em função de um objetivo
comunitário.

Apontada a definição de iberismo na perspectiva de Carvalho (1998), podemos


estabelecer uma aproximação entre os dois representantes de tal modelo interpretativo e
perceber que existem diferenças entre os autores. Nas palavras de Bernardo Ricupero (2016,
posição Kindle 837):
Luiz Werneck Vianna fala num “iberismo instrumental”, que procuraria fazer
com que o Brasil acabasse por encontrar a “cultura política anglo-saxônica”,
enquanto José Murilo de Carvalho insiste em que o modelo de sociedade do
autor de Populações Meridionais do Brasil “não era a do capitalismo
industrial”. Isto, é, os valores desse católico, filho e neto de fazendeiros,
seriam pré-capitalistas.

Fizemos tal percurso com vias de estabelecer uma aproximação com nosso objeto, isto
é, o agrarismo de Alberto Torres, a fim de explicar a razão de o tratarmos como um Jefferson
ibérico. O nosso modelo de iberismo se pauta na estrutura construída por José Murilo de
Carvalho (1998), na medida em que Alberto Torres critica o modelo capitalista de nossa
formação, sustentada pelo latifúndio e pela agroexportação, e “propunha uma nova estrutura
baseada na pequena propriedade agrícola e voltada sobretudo para o consumo interno. Esta
classe de pequenos agricultores seria aquela capaz de ‘constituir’ a nação brasileira”
(OLIVEIRA, 1990, p. 124). O iberismo viria de uma recusa ao modelo capitalista de base
individualista, e
a visão orgânico-corporativa da sociedade tem como representação
preferencial da estrutura econômica uma sociedade de pequenos produtores.
Em Alberto Torres, por exemplo, a utopia implícita pode ser descrita como
uma sociedade concorrencial fechada na qual a existência da pequena empresa
é assegura e estimulada a competição entre os produtores. O homem é
essencialmente um produtor; a propriedade é a acumulação de seu trabalho.
Daí a virulência de suas críticas à grande propriedade, tanto agrária quanto
industrial ou comercial, e aos bancos (LAMOUNIER, 2016, p. 388).

Afunilando o caminho para justificar nosso modelo de um Jefferson ibérico, ressaltamos


que na tradição política dos Estados Unidos, de acordo com Lisi Krall (2002, p. 131), “Thomas
Jefferson is recognized as the foremost proponent of the agrarian ideal” e “agriculture would
assure virtue, morality, and independency of its citizenry, the necessary ingredients for a sound
democracy”. No modelo jeffersoniano estadunidense, a República seria formada por
39

agricultores independentes, longe dos vícios do ambiente urbano e industrial. O farmer seria o
exemplo perfeito do cidadão estadunidense, com sua vida sustentada na propriedade privada e
no esforço próprio.
Há recusa e desconfiança em ambos os casos, no modelo estadunidense e no modelo
brasileiro de Torres, ao modelo capitalista urbano e industrial, porém o jeffersionismo à
brasileira de Torres não compreende o pequeno fazendeiro como ser atomizado pela sua
propriedade, mas sim como fruto de uma visão orgânico-corporativa (LAMOUNIER, 2016, p.
388), na qual a “ideologia do Estado” (Ibidem, p. 386) seria o elemento regulamentador,
ordenador e organizador de uma vida social longe dos perigos individualistas e utilitaristas do
modelo liberal clássico.
A fórmula seria construída com pequenas propriedades rurais, amparadas por um Estado
demiúrgico e com um modelo de exploração não sustentado pela monocultura e pelo latifúndio.
A agricultura deveria ser diversificada, assim como a terra, berço do nacionalismo de Alberto
Torres, “é a base da vida social, fonte de prosperidade e desenvolvimento. O sentimento
nacional transplanta-se, do seu objetivo vivo, para patrimônio material da nação, berço de sua
existência (TORRES, 1938, p. 57). Uma terra dividida numa miríade de pequenos proprietários
formaria uma nação de fato unificada, e não fruto de particularismos com os pés no Brasil e
uma mente capitalista no estrangeiro.
Esse modelo de Alberto Torres, pautado em pequenos proprietários e, principalmente,
defensor de uma diversificação agrícola, vai encontrar eco na práxis da Sociedade dos Amigos
de Alberto Torres e em sua atuação em Goiás nos anos de 1930, como veremos a seguir.

1.1.1 Diversificar, modernizar e nacionalizar: A Sociedade dos Amigos de Alberto


Torres e sua presença em Goiás (1930-1945)
A edição de 20 de novembro de 1932 do Jornal do Commercio (RJ) publicou uma
pequena nota, que reporta a criação da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres8, uma
sociedade civil nascida no Rio de Janeiro:

8
“Sociedade civil fundada em 1932 no Rio de Janeiro, tendo como principal objetivo a discussão dos problemas
nacionais à luz do pensamento de Alberto Torres. Dissolveu-se provavelmente em 1945. A lista de fundadores da
sociedade contava com cerca de 50 assinaturas, dentre as quais figuravam os nomes de Ari Parreiras, Cândido
Mota Filho, Juarez Távora, Plínio Salgado e Ildefonso Simões Lopes. Em seu processo de expansão, a entidade
chegou a criar núcleos regionais em Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco, Goiás e São Paulo. A
atividade básica da sociedade era promover estudos — em geral na área socioeconômica — que eram divulgados
através de conferências e publicações. A educação rural, a imigração e o aproveitamento dos recursos naturais
como fonte de energia foram alguns dos temas abordados. No período 1935-1936, sob a presidência de Rafael
40

Um grupo de estudiosos da obra de Alberto Torres vae-se constituir em


sociedade para analysar e propagar as idéias e os ensinamentos do sociólogo
brasileiro. Não é preciso salientar o mérito que terá essa futura associação,
sendo também seu objetivo chamar a attenção do paiz para o trabalho da
constituição brasileira que empreendeu Alberto Torres. Não tem objectivos
litterarios, nem discutir byzantinices a Sociedade dos Amigos de Alberto
Torres mas, tão somente realizar um trabalho de exegese social e desenvolver
as idéias e estudos que foram deixados em these pelo autor da “Organização
Nacional”.9

O local de realização da primeira reunião da comissão organizadora da Sociedade dos


Amigos de Alberto Torres (SAAT) foi a sede da Sociedade Nacional de Agricultura,10 na então
capital federal. Trata-se de fato dotado de simbologia e de intencionalidade, na medida em que
o modelo agrarista/ruralista estava no cerne da reflexão de Alberto Torres sobre o nacionalismo
e de seu projeto alternativo ao modelo referendado pela carta de 1891 e pelo modelo
latifúndio/exportação da economia nacional à época da Primeira República. A nota do jornal
continua:
A “Sociedade dos Amigos de Alberto Torres” conta entre seus fundadores o
Dr. Alberto J. de Sampaio, Oliveira Vianna, Augusto Saboia Lima, Alcides
Gentil, Helio Gomes, Edgard Roquete Pinto, Comandante Alvaro Alberto,
Araujo Ribeiro, D. Armanda Alvaro Alberto, D. Heloisa Alberto Torres,
Alberto Torres Filho, Raul de Paula.

Xavier, a sociedade sofreu um processo de aproximação com o movimento integralista. Entretanto, a despeito dos
esforços de Plínio Salgado – chefe da Ação Integralista Brasileira –, a sociedade rejeitou um compromisso oficial,
preferindo manter-se como entidade apartidária. Uma das principais promoções da sociedade foi a conferência
sobre problemas da siderurgia, realizada em novembro de 1938” (“SOCIEDADE DOS AMIGOS DE ALBERTO
TORRES” (verbete temático). In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – pós-1930. Rio de Janeiro:
CPDOC, 2010.
9
“Sociedade dos Amigos de Alberto Torres”. In: Jornal do Commercio, 20 nov. 1932, grifo meu.
10
De acordo com Sonia Regina de Mendonça (2000, s. p.), “A primeira modalidade de institucionalização
autônoma dos interesses agrários foi a Sociedade Nacional de Agricultura, criada já na República, em 1897, em
meio ao turbulento período de consolidação do novo regime, quando do retorno do poder às mãos dos civis. A
entidade teria como modelo a instituição homônima francesa, onde o movimento de retour a la terre gozava de
considerável reconhecimento, mormente por consistir numa forma extrema de reação à depressão mundial dos
preços agrícolas pela via do protecionismo”.
41

Entre os participantes11 da primeira reunião da SAAT,12 destacam-se a presença de


nomes como Edgard Roquete Pinto,13 Augusto Saboia Lima, Alcides Gentil e, principalmente,
Oliveira Viana. Augusto Saboia Lima e Alcides Gentil foram importantes intérpretes e
divulgadores da obra de Alberto Torres. O primeiro publicou Alberto Torres e sua obra (1935)
e o segundo As idéias de Alberto Torres (1938). A própria nota do jornal aponta a necessidade
de possuir uma vinculação intelectual com a obra de Alberto Torres para “pertencer a futura
Sociedade ter escrito [sic] algum trabalho de crítica, propaganda ou analyse sobre a vida ou a
obra de Alberto Torres”.14
Além de sua atuação como membro da SAAT, Oliveira Viana é visto como um dos
herdeiros do pensamento de Alberto Torres, embora com nuances em relação às obras do
último. A relação entre o pensamento de ambos é bem explicada nos seguintes termos:
O nome de Alberto Torres se encontra intimamente ligado ao chamado
“pensamento autoritário brasileiro”, cujo expoente máximo, Oliveira Vianna,
se assumia como discípulo de Torres, um discípulo não tão fiel, mas um
seguidor das idéias de quem reputava como um dos maiores pensadores
brasileiros. A proximidade de muitos aspectos do pensamento de Torres e de
Oliveira Vianna, a reconhecida influência exercida pelo primeiro sobre o
segundo, bem como o “sucesso” obtido pelo último contribuíram para a
criação do rótulo de “autoritário” para Alberto Torres. Acreditamos que esta
visão de Torres, que aparece muitas vezes como simples precursor de Oliveira
Vianna, se encontra muito calcada na maior visibilidade do último e, em parte,
na própria leitura que este fez de Alberto Torres (FERNANDES, 2007, p.
278).

Ainda de acordo com Maria Fernanda Lombardi Fernandes, o autoritarismo atribuído à


obra de Alberto Torres deve-se, em grande medida, à apropriação levada adiante por Oliveira

11
Mônica Velloso (1993, p. 104), ao analisar o verde-amarelismo em suas manifestações regionais em São Paulo,
opera uma aproximação intelectual entre Alberto Torres e Plínio Salgado, apontando como o tema do Brasil rural
esteve presente na construção política e ideológica de Salgado: “Para conhecer a sua terra, o intelectual deverá
aprender geografia, único saber capaz de colocá-lo em contato direto com a realidade e com os fenômenos naturais.
Tal idéia é defendida por Plínio Salgado que, na sua Geografia sentimental, narra suas viagens pelo Brasil. Detalhe
importante: leva apenas um livro na bagagem: O problema nacional, de Alberto Torres. E Plínio vai confirmar a
tese do seu mentor: o Brasil verdadeiro é rural...”.
12
Doravante ao nos referirmos à Sociedade dos Amigos de Alberto Torres, adotaremos a sigla SAAT.
13
Como membro ativo da SAAT, Roquete Pinto pertence a uma geração de intelectuais vinculados a uma rede
que teve forte contato com as ideias de Alberto Torres. De acordo com Vanderlei Sebastião de Souza (2011, p.
147) “Deste modo, tal qual anunciava Alberto Torres no início dos anos 1910, Roquette Pinto entendia que o
grande problema brasileiro consistia na falta de organização nacional, sentença que o antropólogo repetiria com
bastante freqüência em seus livros, conferências e em artigos publicados na imprensa. O seu contato com as
principais obras de Alberto Torres se daria, aliás, por intermédio do seu próprio autor, que em janeiro de 1915
escrevia-lhe anunciando a publicação e o envio dos seus “dois novos trabalhos”, O problema nacional brasileiro
e A organização nacional, ambos publicados em 1914. O sociólogo fluminense ressaltava que o objetivo traçado
nestes livros era dar “um ideal de organização e um programa pátrio a este país explorado e a este povo desiludido”.
14
“Sociedade dos Amigos de Alberto Torres”. In: Jornal do Commercio, 20 nov. 1932, grifo meu.
42

Viana e à sua inserção política no campo autoritário pós-1930.15 Acreditamos que o papel
desempenhado por Oliveira Viana em relação aos trabalhos e ideias de Alberto Torres permite
identificá-lo como um “mediador cultural”, articulado a “genealogias e passados imaginados,
além de e em diálogo com as questões políticas e sociais de seu tempo” (GOMES; HANSEN,
2016, p. 24).
A ação da SAAT em diversos estados brasileiros entre as décadas de 1930 e 1940 marca,
ao nosso ver, uma cultura política conservadora agrarista. Entendemos cultura política como
“uma espécie de código e de um conjunto de referentes, formalizados no seio de um partido ou,
mais largamente, difundidos no seio de uma família ou de uma tradição políticas” (SIRINELLI
apud BERSTEIN, 1998, p. 350). A SAAT estava conectada ao modelo do pensamento político
de Alberto Torres que, embora pertença a uma longa tradição intelectual, guarda como
diferença em relação ao conservadorismo do Império a defesa da pequena e média propriedade
e da diversificação da produção. A cultura política conservadora agrarista seria “uma leitura
comum do passado” e uma “projecção no futuro vivida em conjunto” (SIRINELLI apud
BERSTEIN, 1998, p. 351). É fundamental perceber que a ideia de uma cultura política é
marcada por polissemias e que não corresponde necessariamente a uma totalidade regional ou
nacional (BERSTEIN, 1998).
“Para os historiadores, é evidente que no interior de uma nação existe uma pluralidade
de culturas políticas, mas com zonas de abrangência que correspondem à área dos valores
partilhados” (Ibidem, p. 354). Nesse sentido, numa realidade pós-1930, marcada pelo
incremento e pelo desenvolvimento de uma lógica industrial, é possível falar em modelo
agrarista e dentro desse modelo identificar vocações conservadoras, liberais, socialistas etc. “A
cultura política [...] à escala das gerações, não é de forma alguma um fenómeno imóvel”
(Ibidem, p. 357).
A cultura política conservadora agrarista teve na SAAT sua representação de grupo:
atuou em Goiás na defesa da diversificação das atividades agrárias e na utilização de novas
técnicas, como bem evidenciam suas representações no periodismo goiano da época. A nota
“Amigos de Alberto Torres”, publicada no jornal Voz do Povo no dia 15 de julho de 1933,
descreve que o núcleo regional goiano em sua reunião na Cidade de Goiás,16 em sede provisória

15
Dando continuidade à sua reflexão sobre a obra de Alberto Torres, Maria Fernanda Lombardi Fernandes (2007)
reconhece o caráter autoritário do autor, porém acredita ser pertinente vinculá-lo a uma tradição político-intelectual
mais ampla, que remonta ao tempo imperial e ao modelo “saquarema”.
16
A sede do núcleo goiano da SAAT foi criada na então capital do estado, a Cidade de Goiás. Foi somente em
outubro de 1933 que ocorreu o lançamento da pedra fundamental da nova capital que seria construída: Goiânia.
43

na rua Morretti Foggia, no dia 12 de julho, “exhibiu aos presentes amostras de trigo colhido no
norte Estado [sic] e cuja analyse, feita anteriormente, demonstrou a sua superior qualidade”.
No mesmo periódico vilaboense, no dia 26 de agosto de 1933, uma reportagem de maior fôlego
intitulada “A cultura do trigo em Goyaz: a acção do núcleo goyano da sociedade dos Amigos
de Alberto Torres” dizia:
Tendo como um dos seus principaes objectivos o estudo dos problemas
estaduaes com a indicação das soluções aconselháveis, instalou-se há dias,
nesta Capital, o Núcleo Goyano da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres,
em cujo programma se inclue o incentivo à cultura do trigo, nas zonas em que
ela seja viável, como um dos meios de se alcançar a nossa emancipação
econômica [...] Na Chapada dos Veadeiros, prolongamento do planalto
central, mantem a Inspetoria Agrícola de Goyaz dois campos de experiência
de trigo. Este ano foram colhidos 196 alqueires. O Núcleo Goyano da
Sociedade dos Amigos de Alberto Torres remeteu à sociedade central, dois
kilos daquelle trigo em grão e que, entregues ao Laboratório Bromatológico
da Saúde Pública, foram analysados [...].17

Dois anos depois, em 1935, na edição de abril da revista A Informação Goyana,18 um


dos sócios da SAAT de Goiás, Benedicto Silva, retorna ao tema da produção de trigo em Goiás
e envia novamente para a SAAT do Rio de Janeiro o resultado de novas safras para análise.
Tratando ainda da triticultura no Planalto Central, em artigo intitulado “Ainda o trigo de
Goyaz”, um comunicado da SAAT do Rio de Janeiro apresenta a qualidade do produto da
região goiana como um
optimo trigo e se conservar suas excelentes qualidades, não se regateando os
cuidados que a sua cultura exige, deve representar um authentico valor
‘ouro’na economia do paiz. Aquelle trigo comparado aos melhores trigos do
mundo, conforme ainda o relatório do laboratório daquelle moinho, pode ser
classificado entre os melhos que a humanidade possue.19

Ainda na mesma edição de abril de 1935 da revista A Informação Goyana, o artigo de


Theodulo Emrich, intitulado “As riquezas de Goyaz”, informa que
dia a dia vem se manifestando ao mundo as riquezas e possibilidades de Goyaz
[...] agora, aparece aqui um novo produto que, a cerca de dois anos, vem sendo
experimentado, tendo agora a prova de sua especialidade. Trata-se da

Tal fato será importante na reflexão dos capítulos seguintes. Entre os participantes da reunião fundacional da
SAAT na Cidade de Goiás, constam o presidente Dr. Agnello Fleury e os sócios: Dr. Carvalho Azevedo, Benedicto
Silva, Thais de Carvalho, Esmeralda de Faria, Dr. Armando de Godoy, Claro Godoy, Augusto Fleury Curado,
Maximino da Mata Teixeira, Dario Cardoso e João Perillo.
17
“A cultura do trigo em Goyaz: a acção do núcleo goyano da sociedade dos Amigos de Alberto Torres”. In: Voz
do Povo, 26 ago. 1933.
18
A revista teve circulação entre os anos de 1917 e 1935 e era editada no Rio de Janeiro. No capítulo 2 da tese em
questão, a revista será analisada, focando os discursos agraristas referentes a Goiás. É importante informar que se
tratava de uma revista que tinha como objetivo colocar Goiás em evidência para o resto do país.
19
“Ainda o trigo de Goyaz”. In: A Informação Goyana, nov. 1935, p. 29.
44

palhinha goyana. Esta é extrahida do conhecido cipó que o povo chama de


gibata, que cresce nos logares pantanosos e húmidos [...] [e que se destinava
à produção de móveis].20

Ao final do texto, há um apelo para que “nosso povo pobre do sertão aprenda usufruir
da portentosa riqueza deste abençoado Paraíso Goyano, benefícios, deixando a sua habitual
indigência à espera que só o boi dá dinheiro. Hoje as pequenas indústrias são mais lucrativas”.21
Os símbolos da diversificação da produção e das estruturas produtivas que não fossem
exclusivamente pautadas pela grande propriedade formavam, em certos grupos, uma cultura
política conservadora agrarista. Vamos acrescentar agora uma outra dimensão da cultura
política em questão, que se pauta na aproximação com os agentes do Estado pelas forças
produtivas do setor agrário e no discurso de modernização agronômica e veterinária na ordem
do dia.
De acordo com Tamás Szmrecsányi e Pedro Ramos (2002, p. 229), “entre 1930 e 1945,
houve um redirecionamento técnico e científico da pesquisa agronômica do País, com a criação,
no âmbito federal, de numerosos ‘postos de experimentação’, ou estações experimentais”. Tais
ações também foram levadas adiante no âmbito das esferas estaduais e, em nosso caso
específico, a vinculação a SAAT é referência importante.
Pelo decreto n. 23822 de 06 de julho de 1935, publicado no Correio Oficial de Goiás em
13 de julho do mesmo ano, foi criado o Departamento de Propaganda e Expansão Econômica
do Estado, que era formado por duas seções distintas e autônomas: a Superintendência
Cadastral do Estado e a de Propaganda e Expansão Econômica. Essa última superintendência
nos interessa e tinha como algumas de suas competências: a) promover a propaganda das
riquezas e das possibilidades econômicas do Estado, por meio da imprensa, do rádio etc.; b)
promover e incentivar a realização de palestras, conferências, exposições, feiras livres e
congressos agrícolas; c) corresponder-se, diretamente, com as sociedades rurais, sindicatos,
cooperativas e quaisquer associações especializadas nos assuntos atinentes à agricultura e à
pecuária dos país e do estrangeiro etc.
A incumbência de assumir a Superintendência de Propaganda e Expansão Econômica
do Estado de “Goiaz” ficou a cargo do engenheiro agrônomo, jornalista e homem público

20
EMRICH, Theodulo. “As riquezas de Goyaz”. In: A Informação Goyana, nov. 1935, p. 29.
21
Ibidem, idem.
22
GOVERNO DO ESTADO DE GOIÁS. “Decreto n. 238, de 6 de julho de 1935”.
45

Joaquim Câmara Filho23 (1899 – 1955). Já em exercício e em ofício de número 10, enviado
para o deputado goiano Hermógenes Coelho,24 Joaquim Câmara Filho anunciou sua função
pública de diretor da Superintendência (Figura 1):

23
Joaquim Câmara Filho, natural do estado do Rio Grande do Norte, foi para o estado de Goiás em 1928 e atuou
como participante ativo da Revolução de 1930, na interventoria de Pedro Ludovico Teixeira em Goiás. Em 1938,
fundou com seu irmão e sócio, do jornal de maior representatividade em Goiás no século XX, chamado O Popular.
Em 1951, fundou e presidiu a Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (FAREG), depois
transformada em Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG). Sua atuação política e classista na
FAREG será um dos elementos formadores do Capítulo 2 desta tese.
24
De acordo com Jales Mendonça (2012, p. 77), Hermógenes Ferreira Coelho nasceu na Cidade de Goiás em
1898. Comerciante e banqueiro, foi deputado estadual por duas vezes (1921-1924 e 1935-1937). Na segunda
oportunidade, presidiu a Constituinte Estadual, sendo eleito posteriormente duas vezes presidente da Assembleia
Legislativa por unanimidade. Em 1936, exerceu temporariamente a governadoria de Goiás. Foi eleito prefeito de
Vila Boa em 1947, pela União Democrática Nacional. Faleceu em 1953.
46

Figura 1 - Ofício de Joaquim Câmara Filho para o deputado goiano Hermógenes


Coelho, comunicando sua posse à frente de direção da Superintendência de
Propaganda e Expansão Econômica, 1935

Fonte: Acervo do Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central


(IPEHBC), Goiânia/GO.

No mês de agosto de 1935, Joaquim Câmara enviou um ofício em resposta ao então


secretário-geral da Sociedade “Alberto Torres” (como grafado no documento a seguir), o senhor
Raul de Paula, comunicando que a Superintendência sob seu controle recebera positiva e
animadamente o chamado para estar à frente dos Clubes Agrícolas em Goiás e se incumbir da
realização das Semanas Ruralistas. Tal obra seria possível com o apoio técnico de membros da
47

SAAT do Rio de Janeiro. No ofício, Joaquim Câmara apontou que a simbiose entre a “lavoura
goiana” e as práticas da SAAT em Goiás seria marcada por forte reciprocidade (Figuras 2 e 3).

Figura 2 - Ofício de Joaquim Câmara Filho Para o Secretário Geral da Sociedade dos Amigos
de Alberto Torres no Rio de Janeiro, o senhor Raul de Paula (1)

Fonte: Acervo do Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central


(IPEHBC), Goiânia/GO.
48

Figura 3 - Ofício de Joaquim Câmara Filho Para o Secretário Geral da Sociedade dos Amigos de
Alberto Torres no Rio de Janeiro, o senhor Raul de Paula (2)

Fonte: Acervo do Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central


(IPEHBC), Goiânia/GO.

No mês seguinte ao contato com a sede da SAAT no Rio de Janeiro, a Superintendência


comandada por Joaquim Câmara enviou uma série de missivas que comunicavam a realização
no ano de 1935, a priori sem data definida, de uma “Semana Ruralista”, na nova capital do
49

estado, isto é, Goiânia. Entendemos tratar-se, também, de uma ferramenta de publicidade do


empreendimento urbano inovador, representado pela construção de Goiânia, que foi levada
adiante pelo então interventor do estado, Pedro Ludovico Teixeira. Ao longo de sua história,
Goiânia será marcada nas análises sociais como uma realidade urbana fortemente conectada
com o mundo rural (CHAUL, 2010).25
A primeira carta/ofício é de 6 de setembro de 1935, endereçada para a direção do
Serviço de Reflorestamento, Colonização e Emigração do Ministério da Agricultura,
comunicando sobre a “Semana Ruralista”, o apoio da SAAT e a colaboração com o Ministério
da Agricultura. De acordo com Tamás Szmrecsányi e Pedro Ramos (2002, p. 228-229), após a
Revolução de 1930 e mesmo após a reforma administrativa levada adiante por Juarez Távora
em 1933 e 1934, o Ministério da Agricultura perdeu protagonismo e sua atuação foi pulverizada
em centros federais de pesquisa na área agrícola, com assistência técnica à lavoura e à pecuária.
Porém, “essa dispersão de esforços entre vários ministérios não impediu [...] que já na segunda
metade da década de 1930, surgisse no Brasil ‘pela primeira vez, embora ainda de forma
incipiente, uma estratégia agrícola no âmbito do governo central’” (MUELLER apud
SZMRECSÁNYI; RAMOS, 2002, p. 229). Na interpretação de Tamás Szmrecsányi e Pedro
Ramos (2002, p. 229), a ação federal à época
não era mais voltada para a defesa de um determinado produto ou de uma
determinada região, mas tendo como objetivo ampliar e diversificar a
produção agropecuária do País como um todo, particularmente aquela
destinada ao abastecimento de seu mercado interno.

A movimentação institucional para a realização da semana ruralista teve a cobertura da


imprensa, especialmente no âmbito nacional. O jornal carioca A Noite, em edição de 13 de
setembro de 1935, publicou uma nota intitulada “A Sociedade Amigos de Alberto Torres em
Goyaz”, em que anuncia os preparativos para a “Semana Ruralista” em Goiânia e que Joaquim
Câmara Filho:
o Superintendente do D.P.E. acaba de convidar por intermédio dos Drs. Rafael
Xavier e Raul Paula, os technicos da Sociedade “Amigos de Alberto Torres”,
do Rio, a tomarem parte e dirigirem os trabalhos de importante certame. Como
tudo faz crer, a Semana Ruralista aludida se revestirá de grande vulto, visto
como o governador Pedro Ludovico cuja administração tem tido como maior
preocupação o fomento das nossas fontes naturais de riqueza, é o primeiro
interessado pela sua realisação.26

25
Nos capítulos posteriores desta tese trataremos da relação entre campo e cidade com foco no caso goiano.
26
“A Sociedade Amigos de Alberto Torres em Goyaz”. In: A Noite, Rio de Janeiro, 13 set. 1935.
50

O Jornal do Commercio (RJ), em nota intitulada “A Semana Ruralista de Goiaz”,


publicou uma carta do então prefeito da cidade goiana de Pires do Rio, Coronel João Rincon,
endereçada a Joaquim Câmara, declarando apoio para a realização da “Semana Ruralista” e
As classes productoras desse munícipio, em geral, vêm acompanhando com
vivo interesse o movimento iniciado pelo Departamento sob a criteriosa
direcção de V.Ex. em prol do desenvolvimento da lavoura e pecuária goyanas,
com a projectado Semana Ruralista – a primeira do gênero a realizar-se neste
Estado. Trata-se evidentemente, de uma iniciativa de alto alcance econômico-
social, que bem caracteriza os elevaos conhecimentos de V.Ex a respeito e o
esclarecido tino administrativo do eminente governado, Dr. Pedro Ludovico
Teixeira; correspondendo, assim, ao anseio de progresso do lavrado e do
pecuarista desta unidade federativa [...] Como agricultor e na qualidade de
administrador de um dos mais prósperos municípios goyanos, cumpre-me
felicital-o [sic] e ao patriótico governo do Estado, pelo enthusiasmo que vem
sendo recebida a ideia da promissora realização.27

A política de diversificação e aprimoramento tecnológico da agropecuária estava, à


época, como meta da “Semana Ruralista” de Goiás. A fim de buscar o contato entre os estudos
acadêmicos e a prática agrícola, a edição do jornal Correio da Manhã do dia 23 de agosto de
1935, em pequena nota intitulada “Goyaz: a Semana Ruralista”, afirma que
sabe-se de fonte segura que o superintendente do departamento de propaganda
de expansão econômica [sic], convidou o dr. Mario Vilhena, professor da
Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa a tomar parte na
semana ruralista e apreço e nella dirigir os trabalhos de sericultura.28

O ofício enviado pela Superintendência consta na imagem a seguir (Figura 4):

27
“A Semana Ruralista de Goiaz”. In: Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 23 set. 1935.
28
“Goyaz: a Semana Ruralista”. In: Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 23 ago. 1935.
51

Figura 4 - Carta-convite ao professor Mário Vilhena da Escola Superior de Agricultura e


Pecuária de Viçosa

Fonte: Acervo do Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central


(IPEHBC), Goiânia/GO.

No dia 04 de setembro de 1935, o jornal Diário Carioca publicou na seção “Notícias


dos Estados” uma nota com o título “Programma da Semana Ruralista de Goyaz”, enviada de
52

Goiânia no mês de agosto pelo correspondente do jornal no Brasil Central. No auspicioso


programa constavam dez itens, subdivididos em vários pontos. A introdução da nota afirma que
os trabalhos da Semana Ruralista a se realizar em a nova capital em outubro
próximo, serão dirigidos pelos technicos da Sociedade dos Amigos de Alberto
Torres que virão do Rio a Goyaz especialmente para esse fim. Tomarão parte
também neste certame além de vários funcionários do Ministério da
Agricultura, diversos intelectuais goyanos que focalisarão [sic] importantes
problemas ligados ao progresso e ao desenvolvimento do Estado de Goyaz.

O programa estava dividido em muitos itens, de maneira que selecionamos àqueles


vinculados ao contexto rural: curso para fazendeiros; culturas do estado; reflorestamento;
pecuária; defesa sanitária vegetal e animal; proteção à natureza; horticultura; adubação; cultura
da mamona; cultura do trigo; cultura do café; exploração do babaçu; combate à saúva; preparo
de solo (roçadas, aração, gradagem, nivelamento etc); adubos; sementeiras; seleção,
beneficiamento e a distribuição gratuita pela SAAT de livros, folhetos e cartazes sobre temas
agrícolas e debates sobre a obra de Alberto Torres.29
Para dar impulso à realização da “Semana Ruralista de Goiás”, o governador do estado
Dr. Pedro Ludovico Teixeira abriu um crédito especial de 100:000$000, destinado ao
Departamento de Expansão Econômica e Propaganda do Estado (Lei n. 33, de 20 de novembro
de 1935 apud SANDES; CAIXETA, 2016). A relação entre o governo do estado e a esfera rural
evidencia uma política agrarista não dependente, em tese, do exclusivo do latifúndio, mas nem
por isso o governo estava disposto em deflagrar um enfrentamento com tais grupos, na medida
em que as relações eram próximas e as finanças do estado dependiam dos grandes produtores.
Como informado pelo jornal Lavoura e Commercio (MG) de 11 de janeiro de 1936, a
“Semana Ruralista de Goiás”, que estava marcada para o mês de outubro de 1935 foi
sucessivamente adiada. Em janeiro de 1936, última data proposta, ocorreu outro adiamento,
sem apresentação das causas.30 Finalmente, depois de alguns adiamentos, a “Semana Ruralista
de Goiás” realizou-se renomeada como a “Semana Ruralista de Goiânia” e no contexto do
Batismo Cultural da nova capital, no decorrer de julho de 1942.
No cenário do Estado Novo (1937-1945), Goiânia foi incorporada pelo discurso oficial
do varguismo como “um símbolo do processo de integração nacional” (MAIA, 2012, p. 56) e
se tornou um pilar importante da Marcha para o Oeste. A jovem capital do estado de Goiás, que
teve seu nascimento gestado a partir do Decreto n. 3.359 de 18 de maio de 1933, assinado por

29
“Programma da Semana Ruralista de Goyaz”. In: Diário Carioca, Rio de Janeiro, 04 set. 1935, p. 8.
30
“Semana Ruralista de Goiás”. In: Lavoura e Commercio (MG), 11 jan. 1936.
53

Pedro Ludovico Teixeira, foi uma ferramenta importante na estrutura de governo desse
interventor e foi utilizada, principalmente, como exemplo do progresso e do desenvolvimento
obtido após a Revolução de 1930.
Na visão de Nasr Chaul (2010), Goiânia era uma ação do interventor para evocar
também o rompimento com o passado caiadista, associado aos desmandos oligárquicos que
encontravam sede na Cidade de Goiás, até então a capital do estado. Chaul (Ibidem, p. 258)
desenvolve a tese de que Goiânia seria a efetivação do “moderno” em Goiás e que nascia
marcada pela ambivalência entre o campo e a cidade. A cidade planejada e arquitetonicamente
edificada com obras no estilo art decó, “foi o símbolo do moderno e do urbano em solo rural”.
Acreditamos que tal modelo proposto pelo historiador goiano incorpora os valores
pretendidos pelo ludoviquismo e acaba por reforçar uma leitura dualista que associa o campo
ao atraso e o urbano ao progresso. Em nossa visão, o campo em Goiás estava passando por um
processo de modernização, que visava o progresso e principalmente que tal processo dependia
do êxito no apoio estatal.
Dentre os eventos que transcorriam nos festejos do Batismo Cultural de Goiânia
estavam a Semana Ruralista, o 8º Congresso Brasileiro de Educação, a 1ª Exposição de
Produtos Econômicos, as Assembleias Gerais dos Conselhos Nacionais de Estatística e de
Geografia, Exposição de Pecuária, entre outros.
O desenvolvimento da Semana Ruralista de Goiânia transcorreu entre os dias de 27 de
junho e 3 de julho de 1942 e foi organizada pela Superintendência do Ensino Agrícola e
Veterinário do Ministério da Agricultura. “Durante a Semana Ruralista foram ministradas
palestras e aulas sobre higiene rural e alimentação do homem do campo, o ensino agrícola no
Brasil, método de combate as formigas [...] e como se escolhe uma propriedade agrícola”.31
Embora presente no encerramento da Semana Ruralista, o interventor não realizou o
discurso oficial, que ficou a cargo de Joaquim Câmara Filho, diretor naquele momento do
Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda. As palavras proferidas no discurso
evidenciam o caráter ainda predominantemente rural do trabalhador brasileiro à época e que
cabia aos agrônomos e veterinários “cultivar os campos, desenvolver os rebanhos e abastecer
de matérias primas as fábricas, de modo a que os 43 milhões de brasileiros que povoam o solo
brasileiro tenham um padrão de vida correspondente à nossa civilização”.32

31
“Durante a Semana Ruralista [...]”. In: A Manhã, 12 jun. 1942.
32
“Durante a Semana Ruralista [...]”. In: A Manhã, 12 jun. 1942.
54

Contrariando uma voga constante da historiografia brasileira, que enxerga na


industrialização o elemento mobilizador da política econômica de Vargas à época do Estado
Novo,33 Câmara diz que “a grandeza de um país tem as suas bases na economia e é por isso que
devemos construir o Brasil novo começando pelo campo”.34 A defesa de práticas modernas nos
diversos cultivos e manejos, assim como o papel de protagonismo que profissionais como
agrônomos e veterinários deveriam ter, apontam para uma lógica de modernização do campo
que somente seria possível com o apoio estatal.
Ao analisar a institucionalização dos saberes agronômico e veterinário no Brasil ao
longo da Primeira República, Sonia Regina de Mendonça (1998) evidencia sua ação a serviço
de uma vocação agrária do país e de reprodutores de uma estrutura de poder que deitava raízes
na posse de terras. O discurso de Joaquim Câmara é finalizado de forma a deixar transparente
a adesão ao imaginário varguista da época, ao entender a Semana Ruralista e suas pautas como
“uma concretização da ‘Marcha para o Oeste’ preconizada pelo presidente Getúlio Vargas”.35
Cotejando com a historiografia goiana sobre o tema da modernização do campo nas
décadas de 1930 e 1940, podemos identificar que os modelos propostos de explicação do fato
passam por justificativas que sustentam o uso de implementos agrícolas, adubação, evolução
genética, novos cultivos e melhorias das pastagens (ARRAIS; OLIVEIRA; ARRAIS, 2016).
Somando aos modelos interpretativos clássicos, acreditamos também na pertinência de
acrescentarmos o impacto da cultura política agrarista conservadora, pois a articulação entre
ideia e prática política também contribuiu para a incipiente modernização do campo goiano a
partir dos anos de 1930.
Como evidência empírica da existência de um projeto discursivo e prático de
modernização conservadora agrária em Goiás a partir dos desdobramentos de 1930, a
interpretação sobre a incidência do tema em revistas como A informação Goyana (1917-1935)
e Oeste (1942-1944) são subsídios ao nosso modelo interpretativo que será apresentado a
seguir.

1.2 “Dois dedos de prosa”: as revistas e a modernização conservadora no campo


Duas revistas produzidas e veiculadas no intervalo de tempo que vai de 1917 até 1944
oferecem um importante repertório para a compreensão das mentalidades que estavam à

33
Para uma leitura ampla da história da economia brasileira no período republicano, ver: ABREU, 1989.
34
“Durante a Semana Ruralista [...]”. In: A Manhã, 12 jun. 1942.
35
“Durante a Semana Ruralista [...]”. In: A Manhã, 12 jun. 1942.
55

disposição e em circulação no Brasil e, especialmente, em Goiás: A Informação Goyana (1917-


1935) e a Oeste (1942-1944).
A Informação Goyana (1917-1935) era editada na então capital federal e teve a sua
circulação no estado de Goiás e outros. De acordo com Maria de Araújo Nepomuceno36 (2003,
p. 11), a revista era pautada pelos princípios que já figuravam no discurso editorial de 1917, ou
seja, “comprometida com a divulgação dos atributos naturais e com a divulgação simultânea
das possibilidades econômicas do Brasil Central”. Era um “órgão temático especializado em
Brasil Central, com fim político e publicitário [...]” (Ibidem, p. 33). Do ponto de vista da origem
social em que a revista foi originalmente pensada, tendo como uma tentativa primeira a
publicação de um outro periódico intitulado Brazil Central, estava a “Escola Militar da Praia
Vermelha”, na qual alguns colaboradores fizeram sua formação, em especial Henrique Silva,37
visto como o “mentor intelectual” (Ibidem, p. 35) do projeto editorial. Henrique Silva “além de
dirigir a revista, escreveu em praticamente todos os seus números. Assinou ao todo 247
matérias” (Ibidem, p. 37). Figuram no hall de colaboradores da revista nomes como Capistrano
de Abreu e Leopoldo de Bulhões. Os autores mais recorrentes foram:
Americano do Brasil, com 26; Eduardo Sócrates e Colemar Natal e Silva, com
17; José Carlos de Carvalho e Victor de Carvalho Ramos, com 15; Hugo de
Carvalho Ramos e Mario Vaz, com 14; Jorge Maia com 12, Francisco Ayres
da Silva, com 10; e os demais com menos de 10 matérias.

Partindo dos temas abordados ao longo dos seus 213 números, “a revista deu mais ênfase
aos aspectos econômicos (27,99%) e geográficos da região” (Ibidem, p. 39). Maria de Araújo
Nepomuceno prontamente aponta que mesmo à luz de tal estatística a revista “nem por isso
deve ser caracterizada como uma revista de economia ou como revista geográfica”, mas sim
como uma publicação que tinha como meta maior “divulgar [...] as várias formas de expressão
da vida de uma particular região do Brasil”. Era, portanto, um periódico de caráter
“enciclopédico e que acentua seu intento de defender e projetar Goiás no cenário nacional,
tratando-se, portanto, de uma revista regionalista” (Ibidem, p. 39).
Embora a revista tenha iniciado sua publicação em 1917, em um tempo distinto do
recorte temporal nosso trabalho, sua continuidade até 1935 serve como suporte ao nosso esforço
historiográfico, e em particular, pela sua adesão ao grupo ludoviquista. Nepomuceno (Ibidem,

36
O trabalho de Maria de Araújo Nepomuceno (2003) é referência para uma leitura ampla sobre a revista. A autora
utiliza-se de uma reflexão dos intelectuais pela lógica do pensamento de Gramsci.
37
Para maiores informações sobre a produção intelectual de Henrique Silva, ver: GALVÃO, 2017.
56

p. 45) sublinha uma postura política em A Informação Goyana de apoio “ao grupo político que
chegou ao poder em Goiás, em 1930”. Nosso argumento é que tal adesão foi não apenas no
sentido político convencional, mas também na incorporação de uma retórica de modernização
agrária conservadora, que encontrou nas páginas da revista ferrenhos defensores e que tinha
ainda um apelo regionalista e nacionalista sintonizado ao clima intelectual do pós-1930.
A revista Oeste (1942-1944), criada no contexto do Estado Novo em que em Goiás
aponta a continuidade de Pedro Ludovico como interventor, “se tornou um instrumento de
poder do Estado, não só na esfera do governo estadual, mas do Estado Novo também”
(SCHWAB, 2010, p. 43) e prestou serviço como plataforma do discurso de modernização do
pós-1937 (COSTA, 1994). Rildo Bento de Souza (2018, p. 240) evoca o estudo clássico de
Eliane Dayrell38 e aponta a divisão da Oeste em três fases:
a primeira, composta apenas do primeiro número, que conseguiu ser
“uma revista literária, de um elemento incentivador e apresentador do esforço
intelectual goiano”; a segunda fase, de março de 1943 a fevereiro de
1944, quando buscou-se conciliar a “função de divulgador literário com a
de divulgador político ideológico”; e a terceira fase, de março a dezembro de
1944, com a “utilização da Oeste como instrumento exclusivamente de
cunho político- ideológico”, onde “não há mais preocupação em conciliar
propósitos distintos”.

Nas duas últimas fases apontadas por Dayrell (apud RILDO, 2018, p. 240), o tema da
modernização e do nacionalismo são peças-chave do discurso estadonovista que a revista Oeste
reproduz e incentiva. Nota-se que a temática da modernização conservadora do campo,
vinculada ao tema desta tese, perde o papel de protagonista na Oeste, embora continue atrelada
à ideia de elemento central do desenvolvimento. Indústria, trabalhismo e aversão ao liberalismo
ganham força e evidenciam que não é uma simples substituição de um modelo agrário por um
industrial ou uma hegemonia doravante de uma elite industrial sobre a agrária, mas sim uma
relação dialética em que “a modernização agrária, intimamente articulada ao centro urbano-
industrial, pressuporá a industrialização, como decorrência de uma política centrada na
expansão do mercado interno” (VIANNA, 1978, p. 134).
Reforçamos que o elemento agrário de base interna foi preponderante na condução do
país no pós-1930 e que a “revolução pelo alto” não se associa à ideia de que tal processo tenha
levado a burguesia industrial ao poder político, mas sim que os interesses específicos da

38
O texto em questão é DAYRELL, 1979.
57

indústria tenham encontrado apoio e estímulo eficaz na nova configuração estatal” (Ibidem, p.
135), essa comandada por setores agrários voltados ao mercado interno.

1.3 A Informação chega ao Oeste


Em relatório de 1939, apresentado ao presidente Getúlio Vargas por Pedro Ludovico
Teixeira, Interventor Federal de Goiás, a pecuária é tratada como elemento central da estrutura
econômica do estado e responsável pela fonte de receita ao erário estadual a partir dos impostos
de exportação do gado para outros locais e, em particular, para o estado de São Paulo.39 No ano
corrente de 1939 foram exportados para outros estados brasileiros o total de 259.090 cabeças
de bovinos, resultando no valor de 56.030:263$500 réis. No âmbito nacional, “o nosso rebanho
é, em quantidade, o terceiro entre os dos demais Estados, com um total de mais de quatro
milhões e seiscentas mil cabeças”.40 Pelo fato de a pecuária ser a locomotiva econômica de
Goiás, daremos atenção aos discursos referentes a esse setor na A Informação Goyana e em
Oeste. A agricultura e sua relação com o modelo de modernização já foram discutidas
anteriormente.
A edição de novembro e dezembro de 1930 d’A Informação Goyana traz em sua
primeira página duas notícias: “Goyaz sob o novo governo”41 e “O problema do trigo no
Brasil”.42 Nada mais explícito do que a relação entre os desdobramentos, ainda incipientes, da
subida de Vargas e de Ludovico ao poder, no mundo rural. Como já apontamos anteriormente,
a filiação editorial com os novos grupos do poder era uma realidade.
Ainda nessa edição, o artigo de opinião assinado por Ignacio Xavier do Rio Janeiro e
intitulado “Pelo progresso de Goyaz: agricultura e pecuária” introduz o apreço “com a nova
mentalidade que nos governa e dirige os destinos do paiz”. Xavier reconhece a subida de novos
protagonistas políticos no âmbito nacional e estadual e declara: “estamos no período da boa
vontade. E isso nos anima a produzir qualquer cousa em benefício da nossa terra”. Vendo nessa
fresta histórica a oportunidade de advogar mudanças nas técnicas agropecuárias praticadas em
Goiás para um conjunto de ações modernas, reconhece que “a lavoura, da maneira que vem
sendo praticada, é o maior absurdo: aos poucos dá cabo das nossas reservas florestais e, ao
mesmo tempo, diminuta recompensa deixa aos laboriosos agricultores”. Xavier continua: “se

39
TEIXEIRA, Pedro Ludovico de. Relatório ao Exmo. Presidente da República pelo Dr. Pedro Ludovico Teixeira
– Interventor Federal. Goiânia: Oficinas Gráficas da Imprensa Oficial, 1939.
40
Ibidem, p. 21.
41
“Goyaz sob o novo governo”. In: A Informação Goyana, volume XV, n. 4/5, nov./dez. 1930, p. 1.
42
“O problema do trigo no Brasil”. In: A Informação Goyana, volume XV, n. 4/5, nov./dez. 1930, p. 1.
58

fossemos salientar o valor das florestas sob todos os pontos de vista, principalmente quanto às
diversas utilizações da madeira nas indústrias e no trabalho, bem como na proteção dos
mananciais, encontraríamos razão de sobra para dedicarmos o maior esforço no sentido de
protegê-las”. Contudo, na continuação de seu texto afirma: “o que desejamos é que os actuaes
dirigentes de Goyaz destruam a barreira que não tem permitido o desenvolvimento econômico
goyano”. A meta seria a realização de “uma propaganda eficaz no meio agrícola goyano,
tentando a melhoria da produção, introduzindo novos methodos de trabalho e promovendo
novas culturas” e reconhece que “o actual Governo da República não tem occultado o seu
interesse em dar o maior impulso às actividades agropecuárias, de onde se pode deduzir que
delle se conseguirão o apoio e o auxílio necessários”.43 A modernização conservadora agrária
evidentemente gozava de recepção na geração de autores d’A Informação Goyana.
Em janeiro de 1932, A Informação Goyana reproduz um resumo e faz comentários a
partir da conferência proferida pelo engenheiro Orlando de Siqueira na Sociedade Nacional de
Agricultura (SNA), intitulada “A pecuária no Brasil Central”. Reconhecendo que, dentre os
grandes problemas do Brasil à época, a pecuária é “ao meu ver o mais simples, o de mais fácil
solução e de molde a nos arrancar da pobreza”. Vislumbrando no boi o elemento redentor da
miséria nacional, argumenta sobre a necessidade de atrelar a pecuária a um universo industrial
de produção de carnes no qual “O Brasil, na sua parte central” teria “todas as condições
necessárias a um paiz fadado, como elle o é, a ser o grande productor de carnes que já seria, se
não fora o desatino e menosprezo das nossas administrações relativamente a tudo quanto diz
com o fomento da pecuária no Brasil central”.44 Além da clara advocacia por uma pecuária
articulada com a indústria e de um papel mais relevante para o Brasil Central, percebe-se que
Goiás (assim como Mato Grosso e sudoeste de Minas Gerais) deveria ser não apenas uma área
de exportação de animais para as invernadas paulistas, mas também espaço para manufatura de
carne.
O autor do artigo ainda demonstra desapreço com as políticas econômicas da Primeira
República de salvação exclusiva do café e aponta a omissão do governo nos anos 1920, quando
não socorrera a praça pecuarista de Barretos com “20.000 contos, por prazo máximo de 6meses
e garantias reaes superiores a 100.000 contos”, fato que contribuiu para um clima de incertezas
na economia interna brasileira e que, portanto, a política de valorização do café foi responsável

43
XAVIER, Ignacio. “Pelo progresso de Goyaz: agricultura e pecuária”. In: A Informação Goyana, volume XV,
n. 4/5, nov./dez. 1930, p. 30.
44
“A pecuária no Brasil Central”. In: A Informação Goyana, volume XVI, n. 6, jan. 1932, p. 39.
59

por grandes perdas para o setor pecuário e frigorífico e que “o café, só elle, esgotou a
potencialidade dos estabelecimentos de credito e já não houve dinheiro para mais nada”.45
Também aparecem no artigo a fala do conferencista Orlando de Siqueira e suas saídas
para a preparação do terreno de consagração da pecuária nacional, que indicavam a necessidade
de melhorar o crédito bancário, os transportes, incrementar tecnologicamente a produção e,
principalmente, que a indústria da carne atingisse os espaços do Brasil Central, de maneira que
a indústria da carne estivesse mais próxima das grandes boiadas do sertão. A dimensão do
mercado interno e a integração com a indústria reforça a ideia de que a modernização agrária
está intimamente conectada com as demandas de uma indústria nacional articulada em torno do
Estado (VIANNA, 1978).
Como já apontamos anteriormente em nossa reflexão sobre o “Jefferson ibérico”, o
modelo da modernização conservadora agrária no pós-1930 deitava raízes profundas no
nacionalismo. Essa postura pode ser vista nas páginas d’A Informação Goyana na defesa do
chamado “gado nacional”, isto é, das raças nativas do Brasil, que encontraram em Goiás espaço
propício para o seu surgimento e para o seu desenvolvimento e que deveriam ser defendidas
não apenas pelas suas (pretensas) virtudes comerciais, mas também como uma forma de
contrapor a entrada de bovinos estrangeiros, fossem raças taurinas (europeias) ou zebuínas
(asiáticas).
Na edição de maio/junho de 1932, A Informação Goyana publica um texto sem
assinatura, intitulado “Pelo gado nacional: sua seleção e não cruzamento”, no qual é feita uma
defesa nacionalista do gado da raça “caracu”, “oriunda dos floridos campos nativos de Amaro
Leite no norte de Goyaz”, raças nativas que deveriam ser elemento “de honra nacional” e que
“no estado em que a vamos deixando, criminosamente, mui breve dellas só restará a tradição,
porque todo o vasto hinter-land já está invadido pelo Zebu”.46
Embora pareça um elemento pueril em meio às temáticas nacionalistas mais conhecidas,
é importante notar como as ideias ganham significados e significantes distintos em locais
variados. Os animas zebuínos que começaram a adentrar a economia agrária brasileira nas
primeiras décadas do século XX seriam os representantes de um modelo internacionalista, que
daria as costas às questões genuinamente brasileiras. Joana Medrado Nascimento (2013) indica
que, desde a chegada dos primeiros exemplares, travou-se uma verdadeira luta entre os pró-
zebuínos e os antizebuínos, disputa essa que trazia em seu seio o elemento nacionalista. Citando

45
Ibidem, idem.
46
“Pelo gado nacional: sua seleção e não cruzamento”. In: A Informação Goyana, maio/jun. 1932, p. 72.
60

o “Inquérito sobre o gado Zebu”, de 1907 e vinculado à Sociedade Nacional de Agricultura


(SNA), o preconceito contra essa invasão imperialista bovina pode ser visto na tentativa de
apontar que em nenhum país pecuarista de relevo no mundo o zebu tinha protagonismo:
A Índia não é país pastoril, nem a Inglaterra tentou colonizá-la, e, sim, trata
de explorá-la da melhor forma, o que não acontece com a Nova Zelândia, o
Cabo da Boa Esperança e o Canadá. Nem na Nova Zelândia nem no Cabo da
Boa Esperança se conhece o zebu, como tipo de gado aproveitável a nenhum
título! Na Argentina, Uruguai e Estados Unidos tampouco (SNA apud
NASCIMENTO, 2013, p. 133).

Ampliando o debate crítico à interferência estrangeira na pecuária nacional, com


enfoque no caso goiano, em março de 1935 A Informação Goyana traz em sua primeira página
um artigo de autoridade, no qual o professor de Zootecnia W. Fretz47 faz a defesa das virtudes
do gado goiano da raça “mocha”48 e aponta que “não raro zootechnistas extrangeiros, escrevem
sobre coisas de nossa pecuária sem nunca ter tido o trabalho de primeiramente estudá-la e de
conhecê-la”.49 Defendendo a modernização da pecuária, sem interferência de animais
estrangeiros e privilegiando o aprimoramento e a seleção das raças nacionais em detrimento do
cruzamento, o zootecnista cita pesquisa realizada pelo intelectual positivista brasileiro Luís
Pereira Barreto.50 Sobre a raça mocha em questão, declara que “a vacca mocha de Goyaz é o
typo ideal da perfeição. Não exagero, quando afirmo que nunca vi, quer aqui, quer na Inglaterra,
um animal tão completo como uma vacca Mocha exposta pelo senhor Reynaldo Salles”. Num
momento de forte apelo ufanista, o pesquisador W. Fretz arremata seu texto dizendo que
“precisamos nos convencer que as raças nacionais serão em todos os tempos as melhores raças
a serem criadas no paiz. Vivemos a engrandecer o que é dos outros, desprezando todas as
iniciativas nacionaes”.51
Assim como a revista Cultura Política, a revista Oeste (1942-1944) já estava inserida e
fazia parte de “um grande conjunto de realizações na área da política cultural do Estado Novo,
materializadas principalmente pela ação de dois órgãos do aparelho de Estado: o Ministério da
Educação e Saúde (MÊS) e o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)” (GOMES, 2013,

47
Não conseguimos localizar o pesquisador em questão, nem identificamos seu local de pesquisa. Para uma leitura
sobre as origens dos cursos superiores voltados para o campo no Brasil, ver: MENDONÇA, 1998.
48
De acordo com o dicionário online Priberam, o animal mocho é desprovido de chifres (MOCHO. In: Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa [online], 2008-2021. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/mocho.
Acesso em: 25 abr. 2023).
49
FRETZ, W. “A necessidade de melhoramento de nossas raças indígenas”. In: A Informação Goyana, mar. 1935,
p. 45.
50
Para maiores informações sobre o intelectual positivista Luís Pereira Barreto, ver: ALONSO, 1995.
51
FRETZ, W. “A necessidade de melhoramento de nossas raças indígenas”. In: A Informação Goyana, mar. 1935,
p. 46.
61

p. 125). Este periódico goiano apresenta em suas páginas elementos de uma visão agrária,
combinados com a forte presença de signos do trabalhismo, do corporativismo e de outros
elementos que compunham a gramática do pós-1937.
Em nossa interpretação sobre a revista Oeste, destacamos em um primeiro momento a
figura de um escritor ativo de suas páginas: Zoroastro Artiaga. De acordo com Enderson
Medeiros (2016), Artiaga poderia ser descrito na passagem dos anos de 1930 para 1940 como
um intelectual vinculado ao Estado e integrante de um grupo de intelectuais já verificado no
contexto do Estado Novo por autores como Sergio Miceli (2001) e Helena Bomeny (2001). A
temática recorrente em seus textos para a revista oficial do estadonovismo em Goiás era o
contexto da economia rural.
Na edição de número 1, publicada em 5 de julho de 1942 e dedicada à jovem capital
símbolo da Marcha para o Oeste, a cidade de Goiânia, Artiaga assina artigo intitulado
“Economia goiana”, no qual afirma que em Goiás “a pecuária sempre foi a fonte gerado de
riquezas, e nela teve base a fortuna particular dos serões, ao ponto de ser formar uma verdadeira
aristocracia rural”.52 O autor reconhece que havia entre os fazendeiros de gado e homens do
comércio de animais em Goiás uma mentalidade capitalista e burguesa e que o “fazendeiro
goiano compreendeu bem a realidade desses negócios, que era a necessidade de um tipo de boi
comercial, um produto econômico apropriado para os frigoríficos e atendeu aos imperativos
dos mercados de carne”, estando assim inserido em uma lógica clara de mercado. Aponta ainda
que, ao seu ver, “o crédito pecuário para o qual trabalhamos tem concorrido, eficazmente, a fim
de melhoras o nível econômico e o padrão de vida dos que tratam no Centro-Oeste53 da criação
de gado e de outros animais, de interesse comercial”.
Da safra de artigos de Zoroastro Artiaga, o texto da edição de número 21, de outubro de
1944, merece a atenção interpretativa de nossa parte, pois evidencia elementos da ordem social
estadonovista representados pelo corporativismo e sua relação com o mundo rural. De acordo
com Marco Aurélio Vannucchi (2019, p. 198),
O Estado Novo configurou-se o “momento forte” do corporativismo na
história brasileira. Como se sabe, nesse período as instituições da democracia
liberal, como os partidos políticos e o legislativo, foram proscritas e o
principal canal de representação de interesses franqueado aos grupos sociais
pelo Estado foi construído pelos mecanismos corporativos, como os conselhos
econômicos, os sindicatos profissionais e as ordens profissionais.

52
ARTIAGA, Zoroastro. “Economia goiana”. In: Oeste, 05 jul. 1942, p. 22.
53
Interessante identificar a substituição do conceito “Brasil Central” por “Centro-Oeste”. Para compreender a
relação entre o Estado Novo e a Geografia, ver OLIVEIRA, 2010.
62

Valendo dos estudos de Philippe Schmitter (1974), Vannucchi (2019, p. 198) ainda
aponta a existência de um “corporativismo estatal” no Brasil do Estado Novo,
modalidade de corporativismo ao incremento do domínio estatal sobre os
gêneros primários de exportação, a políticas destinadas à substituição de
importações, a tentativas do país de exercer maior protagonismo no comércio
internacional e à progressiva autonomização do governo em relação aos
grupos sociais.
[...]
Ademais, Schmitter sugere que o corporativismo estatal dispõe-se a superar
os problemas gerados por um desenvolvimento capitalista atrasado e
dependente e por relações de classe não hegemônicas (que, entendo, são mais
permeadas pela força que pelo consentimento) (Schmitter, 1974, p. 108).
Nesse ponto o autor desvela as duas funções primordiais exercidas pelo
corporativismo no Brasil pós-1930: viabilizar o desenvolvimento do
capitalismo industrial e garantir estabilidade ao Estado que sobreveio ao
esboroamento do regime oligárquico-liberal.

Ampliando suas interações teóricas sobre o corporativismo brasileiro no período em


questão, Vannucchi, em diálogo com Vianna (1978), aponta no modelo proposto pelo último
que “o efeito perseguido e (obtido) pelo governo ao instaurar o corporativismo foi elevar a
acumulação de capital pelos industriais” e que, “em acréscimo, observa Werneck Vianna, o
corporativismo dotou o empresariado industrial de um eficiente acesso ao estado”. Interagindo
as propostas de Werneck Vianna com outros autores e autoras, Vannucchi chama a atenção para
a capacidade do Estado de drenar para si as disputas entre as “classes dominantes criando órgãos
de participação compartilhada entre burocracia e empresariado” (DINIZ apud VANNUCCHI,
2019, p. 198) e a tática estatal de atração dos grupos de trabalhadores urbanos como pensada
por Angela Araújo (2002).
Vannucchi (2019, p. 199) declara que, “todavia, não apenas as classes dominantes e o
operariado urbano foram atraídos pelo aceno da participação corporativa, como também as
classes médias”. Completamos que entre as classes dominantes não apenas os grupos
industriais, mas também as elites agrárias foram induzidas pela retórica corporativista.
Embora tenhamos feito um pedágio teórico longo, mas importante, o texto de Zoroastro
Artiaga de outubro de 1944, intitulado novamente “Economia goiana”, problematiza a
necessidade de se repensar as relações entre o latifundiário e o pequeno lavrador “que vive
abandonado e entregue ao fazendeiro-criador, que faz dele um satélite da sua organização
comercial”.54 Não se trata em absoluto de uma defesa à esquerda da causa do arrendatário ou
do pequeno lavrador, mas sim de uma tentativa de sensibilizar parcelas da elite criadora sobre

54
ARTIAGA, Zoroastro. “Economia goiana”. In: Oeste, out. 1944, p. 11.
63

a necessidade de contribuírem de forma mais solidária e coletiva com a causa dos arrendatários,
em particular.
Ainda nesse artigo, Zoroastro Artiaga diz que na
maioria das vezes, é o latifúndio o causador dos males econômicos regionais,
se bem que não possamos considerar como latifúndio senão as terras incultas,
reservadas para a usura, porque as ocupadas com a criação de gado, que exige
largueza, não são, absolutamente, dessa classe.

Continuando sua crítica àqueles que caracteriza como “criadores de gado fino”, afirma
que esses últimos “não precisa[m] de terras, porque o gado de elite é criado em estábulos. As
terras são inúteis são um luxo da aristocracia rural, ostentação de bens e de imóveis para crédito-
agrícola, senão para egoísmo tradicional [...]”.
A saída para Artiaga seria uma política de financiamento dos agricultores a partir de
“fomentos de agricultura do Estado”, e, também, deveria ocorrer uma prática altruísta por parte
dos fazendeiros criticados, “em prol da grandeza econômica do Brasil”. Articulando o
nacionalismo ufanista, a defesa da exploração capitalista do campo por parte – também – de
pequenos agricultores e arrendatários, e advogando crédito estatal para ampliar a modernização
do campo, Zoroastro Artiaga acredita ser o caminho para dar “assistência moral” ao homem do
campo, “porque como estão, constituem célula social negativa, homens rebelados, fugitivos do
convívio social, recalcados, inimigos do homem da cidade” e, portanto, uma séria ameaça para
o corpo da pátria e um risco para a elite agrária, que dava sustentação ao projeto varguista.
Desse jeito, os “junkers caboclos” não teriam sua ordem abalada radicalmente e a modernização
do campo e da indústria encontrariam campo aberto para seu desenvolvimento.
Veremos no Capítulo 2 como as elites agrárias goianas se articularam em associações
classistas a partir da década de 1940 e como as elites de classe atuaram, entre os anos de 1940
e 1950, no jogo político regional e nacional na defesa dos interesses agrários.
64

CAPÍTULO 2. ELITES E ASSOCIATIVISMO AGRARISTA GOIANO (1940-1950)

O objetivo deste capítulo é analisar a atuação de duas associações classistas da elite


agrária goiana entre os anos de 1940 e 1950: a Sociedade Goiana de Pecuária (SGP), criada em
1941, e a Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (FAREG), nascida em 1951.55
Temos como metas: identificar aquilo que caracterizaremos como uma elite de classe
(PERISSINOTTO; CODATO, 2009); enfatizar quais eram os projetos norteadores de cada uma
das associações; perceber algumas de suas formas práticas de atuação e identificar as
aproximações políticas de suas lideranças representativas. Importante ressaltar que não se trata
de uma reflexão institucional de caráter diacrônico, que buscaria inventariar a ação social das
associações de classe desde suas fundações até o tempo presente.
A pertinência da análise de instituições similares no curso da historiografia brasileira
encontra amparo em estudos clássicos como o de Sonia Regina de Mendonça (1997, p. 39), que
busca compreender o ruralismo brasileiro entre os anos de 1880 e 1930. Ela o entende como
um “movimento político organizado” e não apenas como uma reação discursiva ao mero avanço
de uma agenda industrialista. Pensando a partir da temporalidade de seu trabalho, a autora
informa que
a proliferação de sociedades agrícolas ao longo do período merece especial
atenção, quer pela procedência variada de seus quadros, quer pelo fato de que
sob seu dogma genérico – a defesa da vocação eminentemente agrícola do
país – se ocultavam articulações de interesses diferenciados, tanto regional,
quanto nacionalmente.

Acreditamos também no caminho proposto por Elisa Pereira Reis (1982; 2008) quanto
à pertinência de se identificar o desenvolvimento de uma “politização da economia” no curso
da Primeira República, que vai manter-se nas décadas seguintes com contornos distintos,
decorrentes dos desdobramentos da Revolução de 1930 e da democratização ao fim do Estado
Novo. Analisar a “politização da economia” consiste também em identificar os espaços sociais
de organização das elites agrárias em Goiás, não como locus único, mas importante, de
produção de discursos e de políticas para o setor agrário elitista.
Flávio Heinz (1998; 2006, p. 124) oferece uma reflexão importante sobre as associações
de classe, a partir da constatação de uma demanda por “organização sindical do meio rural” na
passagem dos anos 1930 para os anos 1940. Ele aponta a existência de dois modelos de

55
Com o intuito de facilitar a fluidez da escrita, usaremos a partir daqui as siglas das instituições, SGP e FAREG,
quando nos referirmos a elas.
65

associações rurais no regime democrático pós-1945: um de caráter estatista, representado pela


Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), e outro de caráter privatista, representado pela
Sociedade Rural Brasileira (SRB). Tal modelo interpretativo auxilia na compreensão dos
caminhos possíveis de modernização pensados pelas entidades classistas de proprietários.
Heinz, justificando o caráter estatista da primeira e o privatista da última instituição, informa
que a SNA, influenciada pelo contexto de 1930 até 1945, buscava “dotar o espaço rural do país
de uma estrutura ampla e uniforme”, isto é, corporativista e orgânica, enquanto a SRB “buscava
[...] pôr um freio nessas iniciativas e manter distância da cultura sindical corporativista”
(Ibidem, p. 127).
Os trabalhos de Joseph L. Love (1982) e Verena Stolcke (1986) sobre os cafeicultores
e exportadores de café do início do século XX de São Paulo e, em especial, o estudo de Maurício
Font e Elba Barzelatto (1988) sobre o mesmo tema contribuem para o esforço interpretativo do
papel exercido pelas elites agrárias na História do Brasil. No entanto, Font e Barzelatto (Ibidem,
p. 45) têm como enfoque “a importância de se estudar as associações de classe”, pois “as ações
coletivas das classes e frações dominantes ligadas à economia agroexportadora dava-se no
interior dessas entidades”.
Orientando em particular o nosso percurso, Renato Perissinotto (2000, p. 203), ao
analisar o papel das associações classistas de cafeicultores paulistas e paulistanos no decurso
da Primeira República, afirma que estudar tais associações “não implica dizer que todos os
membros daquela classe estivessem presentes no interior das agremiações...” e que “qualquer
organização é composta [...] por uma ‘elite de classe’ que se põe à frente das ações coletivas”.
Cabe identificarmos e comprovarmos “a existência de uma relação de representação de
interesses entre esta elite organizacional e a classe que supomos estar sendo representada por
aquele grupo”.
A hipótese que iremos desenvolver a seguir parte do pressuposto de que é possível
identificar algumas diferenças de composição e de projetos entre as entidades rurais classistas
de Goiás. A Sociedade Goiana de Pecuária (SGP) foi dotada de uma perspectiva sintonizada,
de forma mais clara, com as demandas da atividade pecuarista e com as demandas dos grandes
proprietários. Melhorar os rebanhos, aumentar a produtividade do gado, construir um frigorífico
em Goiás, garantir a melhoria de preços para a cadeia bovina foram ideias centrais dessa
entidade. Houve também uma forte presença de pecuaristas entre suas lideranças, naturalmente,
mas também de médicos, advogados e altos membros do Judiciário de Goiás. Politicamente, e
especialmente após 1945, estavam mais sintonizados com o modelo político udenista.
66

A Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (FAREG) reuniu um conjunto


mais amplo de projetos para o campo e advogou, de forma crescente, os interesses dos
agricultores e não somente dos pecuaristas. Embora a produção e o mercado estivessem entre
suas aspirações de aprimoramento, essa instituição se interessou em desenvolver ações de
extensão rural, de criação de cursos técnicos e superiores voltados para o setor agrário e, em
especial, pela figura de seu fundador Joaquim Câmara Filho. Embora em vários casos e
momentos a SGP e a FAREG tenham apresentado quadros diretivos semelhantes, entre seus
membros ficou evidente um perfil burocrático mais sólido, com raízes administrativas oriundas
do Estado Novo, representado em Goiás pela burocracia ludoviquista dos anos 1930, 1940 e
1950.

2.1 A Sociedade Goiana de Pecuária


2.1.1 A fundação da SGP e a direção institucional (1941-1964)
No dia 13 de junho de 1941, o jornal carioca Correio da Manhã publicou uma nota, em
que noticiava que no dia 19 de maio daquele mesmo ano havia ocorrido a fundação da
“Sociedade Goiana de Pecuária, que dentre outras finalidades tem a de congregar criadores
invernistas56 e comerciantes de gado residentes neste Estado [Goiás]”.57 Dois dias após essa
nota, o mesmo periódico anunciou:
A Sociedade Goiana de Pecuária se funda com intuitos salutares e planos de
larga amplitude; aí se mantiver nesse terreno elevado, objetivando os
interesses da coletividade, sem descambar para as intrigas e para as segundas
intenções, tão comuns nas associações congêneres, cedo conquistará as
simpatias e a confiança de todos os pecuaristas goianos, podendo então
realizar com facilidade e belos resultados as finalidades que inspiraram a sua
criação.58

Quando do seu nascimento, as linhas mestras da atuação da SGP apontam para a “prática
de ensinamentos técnicos, o incentivo e o maior desenvolvimento da pecuária, a defesa dos
interesses da classe, a eficiência do esforço coletivo e, em síntese, a grandeza e o progresso
econômico de Goiaz”.59 Podemos avaliar uma dimensão inicial que perdurou na prática
histórica da SGP: a preocupação com a dimensão de melhoramentos técnicos da atividade
pecuária, a fim de estabelecer ganhos mais volumosos financeiramente e no ponto de vista da

56
“Invernista” é a categoria de pecuarista voltada para a engorda de animais para o abate.
57
Correio da Manhã, 13 jun. 1941.
58
Correio da Manhã, 15 jun. 1941.
59
Correio da Manhã, 13 jun. 1941.
67

produtividade. Outro elemento que chama a atenção é a relação da atividade de uma classe
econômica com o desenvolvimento econômico do estado, demonstrando que “a maioria dos
criadores dali, cerca de vinte mil”60 defendiam uma vocação agrária de Goiás, que viria a ser
fundamental para abrir “horizontes novos à indústria animal numa das regiões mais futurosas
do Brasil”.
A fim de orientar a pecuária goiana de forma mais efetiva para o mercado e tendo como
norte desvencilhar-se do controle de preços da praça de carne de São Paulo, com vias de
aumentar a produção e a produtividade,
A sociedade Goiana de Pecuária poderá ser realmente útil à economia do
Estado, de um lado orientando tecnicamente os criadores, racionalizando os
seus métodos de trabalho, promovendo a introdução de bons reprodutores,
realizando a defesa sanitária dos rebanhos, difundindo as normas certas de
marcação de gado, afim de evitar a depreciação dos couros, evitando também,
mediante criação sadia, a perda de bezerros etc., além de prestar-lhes
assistência financeira, encaminhando-lhes negócios rendosos, enfrentando a
ação dos grandes frigoríficos que agora impõem ditatorialmente os preços do
gado [...].61

Quando da criação da instituição, sua primeira diretoria era formada pelo médico
Altamiro de Moura Pacheco na presidência, Horácio Rodrigues de Rezende na vice-
presidência, Joaquim Câmara Filho como secretário-geral, Aluísio Canêdo como primeiro
secretário, Levy Fróes na tesouraria e Licardino Oliveira Ney como segundo tesoureiro. Ponto
importante a ressaltar e que evidencia a relação próxima da SGP com o centro do poder goiano
é a presidência honorária atribuída ao então interventor Pedro Ludovico Teixeira. Outro
personagem que corrobora a tese da relação profunda entre a ordem política goiana e
estadonovista com a SGP é a figura de Joaquim Câmara Filho, jornalista, agrônomo e
funcionário público, já sublinhado no Capítulo 1 como burocrata importante do ludoviquismo,
e que ocupava o cargo de diretor do Departamento de Propaganda de Goiás na interventoria de
Ludovico Teixeira.
Fechando os primeiros quadros condutores da primeira diretoria da SGP estão os
membros do conselho fiscal: José Ludovico de Almeida (presidente do conselho e irmão do
interventor do estado); Augusto França Gontijo; Lindolfo Louza; Aurélio de Moraes; Otávio
Tavares de Moraes; Urias Magalhães; Andrelino de Moraes; Efrain de Moraes; Osvaldo Lobo;
Benedito Umbelino e João Manoel.

60
Correio da Manhã, 15 jun. 1941.
61
Correio da Manhã, 15 jun. 1941.
68

Uma nota de 25 de março de 1943 do jornal A Manhã informa que a primeira diretoria
foi reeleita nesse ano.62 É importante perceber que, em seus primeiros anos, a composição da
direção da SGP não contou com a presença de grupos historicamente ligados à pecuária em
Goiás, que comandavam os caminhos da política até 1930. Nomes como os “Caiado” não
atuaram na origem da SGP, o que mostra uma nova elite de classe não apenas na cena política,
mas também na direção dos temas econômicos.
Da sua fundação até os primeiros anos da ditadura civil-militar, os presidentes da SGP
apontavam para um caráter social e profissional, que misturava a figura do pecuarista com
profissões liberais ou altos cargos públicos. A posse de terras e de rebanhos seriam elementos
de consagração social que indicavam uma relação de reciprocidade entre o campo e a cidade
no contexto goiano.
O primeiro presidente da instituição, o médico Altamiro de Moura Pacheco, teve dois
mandatos entre 1941 e 1946 e é em nosso trabalho personagem-chave que será devidamente
tratado na seguinte seção. Ele foi sucedido na presidência, respectivamente, por Lindolfo Souza
(1947-1948), que teve um papel importante no avanço de animais zebuínos em Goiás, e por
Augusto França Gontijo (1949-1950), que “teve um mandato curto, porém marcante” e que foi
responsável por receber “as primeiras escrituras de algumas áreas do Parque Agropecuário de
Goiânia”, além de ter atuado no incentivo à “vacinação periódica do rebanho contra as
zoonoses, entre elas a temível febre aftosa” (SEIXAS, 2019, p. 27).
Dando início a dois mandatos de pecuaristas que também foram personagens
importantes do mundo jurídico, temos Romeu Pires de Campos Bastos (1951-1952), paulista
da cidade de Jaú, que exerceu diversos cargos atrelados ao ofício do Direito em Goiás como
juiz municipal, procurador-geral do estado em dois governos, conselheiro da Ordem dos
Advogados do Brasil (seção de Goiás), desembargador do Tribunal de Justiça de Goiás,
representando a classe dos advogados, e professor na Universidade Federal de Goiás.
Hamilton de Barros Vellasco (1953-1954), goiano nascido na antiga capital do Estado,
fez longa carreira na magistratura goiana até sua aposentadoria forçada em 1969, por “não
aceitar a imposição da ditadura militar” (Ibidem, p. 28). Vellasco é, portanto, um curioso caso
no hall das personagens de vulto da instituição, já que não adotou uma política adesista ao
contexto pós-1964.

62
A Manhã, 25 mar. 1943.
69

José Camilo de Oliveira (1955-1956), além de ser natural de Bela Vista de Goiás, assim
como o fundador da sociedade, era também pecuarista, médico e fez carreira na UDN, seguindo
os mesmos caminhos trilhados à época pelo doutor Altamiro de Moura Pacheco. Como
deputado63 foi constituinte ao fim do Estado Novo e exerceu a legislatura entre 1947 e 1951.
Randall do Espírito Santo Ferreira (1957-1958) foi personagem importante da UDN
goiana entre os anos de 1940 e 1950. Ocupou o posto de secretário da economia de Goiás entre
1949 e 1950, na administração de Jerônimo Coimbra Bueno (UDN) e atuou no processo de
construção da cidade de Brasília. Randall possuía fortes laços políticos com Magalhães Pinto,
político mineiro, e com Alfredo Nasser, político de proa da UDN em Goiás. Atuou como diretor
da agência Banco Nacional (de propriedade de Magalhães Pinto) em Goiânia.
Galeno Paranhos (1959-1960) foi um dos mais relevantes políticos goianos em sua
longa carreira de homem público. Bacharel em Direito, Wandell Seixas (2019, p. 31) nos
informa que quando ele esteve no
Congresso Nacional [...] sempre teve os olhos voltados para a interiorização
brasileira. Por isso, cobrava em 1961 uma reforma agrária planejada e nova
redação ao Decreto-Lei nº 7.449, de 9 de abril de 1945, que dispõe sobre a
organização da vida rural.

Paranhos foi deputado estadual em 1935 e dez anos depois elegeu-se para a Assembleia
Constituinte, tornando-se congressista em sequência pelo PSD. Já rompido com a sigla
pessedista, aderiu à UDN, partido pelo qual concorreu à eleição de 1954 para o governo de
Goiás, contra José Ludovico de Almeida. Acabou derrotado em uma eleição contestada.64
Na primeira metade dos anos de 1960, mais precisamente entre 1960 e 1964, a entidade
foi comandada por Carlos Machado de Araújo. Embora ultrapasse o recorte temporal desta
pesquisa, vale a menção ao médico e pecuarista Manoel dos Reis e Silva, que esteve no
comando da instituição na segunda metade de 1960 e que teve papel importante no apoio ao
golpe de 1964.

63
No Capítulo 3 analisamos a relação entre as demandas rurais e a classe política goiana no âmbito regional e
nacional.
64
Uma década após os recursos da chapa derrotada, o Tribunal Superior Eleitoral deu ganho de causa para a
candidatura undenista.
70

Quadro 1 - Presidentes | Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (1)

Período Presidente Formação Filiação política

1941-1946 Altamiro de Moura Médico e Pecuarista Filiado à União


Pacheco Democrática Nacional
– UDN

1947-1948 Lindolfo Souza Pecuarista Sem dados sobre


vinculação política

1949-1950 Augusto França Gontijo Pecuarista Sem dados sobre


vinculação política

1951-1952 Romeu Pires de Bacharel em Direito, Filiado à União


Campos Barros Magistrado, Procurador Democrática Nacional
Geral do Estado, Professor (UDN)
Universitário,
Desembargador e
Pecuarista

1953-1954 Hamilton de Barros Bacharel em Direito, Sem dados sobre


Vellasco Magistrado, vinculação política
Desembargador, Professor
de Direito. Aposentado do
TJ-Goiás em 1969, após o
AI-5

1955-1956 José Camilo de Oliveira Farmacêutico, Médico, Filiado à União


Deputado Estadual e Democrática Nacional
Pecuarista (UDN)

1957-1958 Randall do Espírito Diretor de Instituição Filiado à União


Santo Ferreira Financeira Democrática Nacional
(UDN)

1959-1960 Galeno Paranhos Bacharel em Direito, Filiado ao Partido


Deputado Estadual e Social Democrático -
Federal, Candidato ao PSD e posteriormente
Governo de Goiás em à União Democrática
1954 e Fundador da Nacional (UDN)
Federação das Indústrias
do Estado de Goiás (FIEG)

1960-1964 Carlos Machado de Presidente do Sindicato de Filiado à União


Araújo Comércio Varejista de Democrática Nacional
Goiás e Pecuarista (UDN)
Fonte: elaboração própria.

No tópico seguinte focamos nossas atenções ao fundador da SGP, apresentando suas


principais ideias e práticas para o mundo rural goiano.
71

2.1.2 Altamiro de Moura Pacheco: de jaleco e chapéu


Altamiro de Moura Pacheco faleceu em 1996, no ano de seu centenário. Natural da
cidade de Bela Vista de Goiás, atuou ainda jovem como farmacêutico prático e se diplomou na
área em 1928, pela Escola de Farmácia e Odontologia de Goiás. Primogênito da família e órfão
de pai a partir de 1909, sua biógrafa Rosarita Fleury (s.d.) nos revela que ele nutria desde cedo
o desejo pela Medicina, curso no qual formou-se em 1933, pela Faculdade Fluminense de
Medicina, localizada na cidade de Niterói. Após a graduação, voltou para Goiás e exerceu a
Medicina em sua cidade natal. No fim dos anos 1930 mudou-se para Goiânia, a jovem capital
que dava seus primeiros passos.
Em 1938 fundou o Instituto Médico Cirúrgico de Goiânia e atuou ativamente na
Medicina, até que “em fins de 1954, vendeu ao Dr. Francisco Ludovico de Almeida Neto” o
referido Instituto e “dessa data [...] continuou como fazendeiro, sem nunca deixar de atender ao
Governo do Estado ou da República, quando solicitada sua cooperação, principalmente através
de doações ou obras beneficentes” (Ibidem, p. 25).
Homem de múltiplas facetas, foi sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás e
eleito em 16 de setembro de 1970 para a Academia Goiana de Letras, momento em que foi
recebido pelo discurso do acadêmico Alfredo de Faria Castro, que reconheceu que Altamiro
foi eleito por unanimidade de votos, numa eleição que é tributo de homenagem
à sua invulgar personalidade de goiano. De há muito seu nome transpôs as
lindes provincianas e ecoa na alta administração do país, na qual se fez
presente, de maneira brilhante, quando dos primórdios da transferência da
Capital da República para o novo Distrito Federal do Brasil” (CASTRO apud
FLEURY, s.d., p. 102).

Embora ao longo dos cinco anos finais da interventoria de Pedro Ludovico Teixeira
possuísse fortes conexões com o grupo político no poder, a partir de 1945 Altamiro de Moura
Pacheco caminhou para uma aproximação e posterior filiação à UDN (partido de oposição ao
ludoviquismo, naquele momento abrigado no PSD). Lançou-se candidato ao governo de Goiás
em 1950 e utilizava-se do Jornal de Goiás, por ele mesmo fundado, para dar sustentação à sua
campanha para o Palácio das Esmeraldas, sede do governo estadual.
Na edição de número 11, do dia 14 de setembro de 1950, um anúncio da campanha de
Altamiro de Moura Pacheco chama a atenção por retratá-lo como o “candidato dos fazendeiros”
e seu vice, Achilles de Pina, como o “amigo do agricultor”.65 Na edição do dia 29 de agosto de
1950 consta uma outra propaganda com os seguintes dizeres: “os fazendeiros e os criadores

65
Jornal de Goiás, n. 11, 14 set. 1950.
72

indicam para Governador Dr. Altamiro de Moura Pacheco e para Vice-Governador Snr.
Achilles de Pina”.66 Quando da realização das eleições em outubro de 1950, Altamiro foi
derrotado e Pedro Ludovico Teixeira do PSD, antigo interventor, foi eleito.67 Ainda na vida
pública dos anos de 1950, Altamiro teve um papel central no processo mudancista da nova
capital federal e exerceu o
cargo de Presidente da Comissão de Cooperação para a Mudança da Capital
Federal. Nessa oportunidade a Comissão fez totalmente os estudos técnicos e
jurídicos da área de 5.8000 quilômetros quadrados que integram o atual
Distrito Federal (CASTRO apud FLEURY, s.d., p. 104).

Feito um breve panorama da diversa carreira pública de Altamiro, voltamos agora as


atenções para a primeira metade da década de 1940, quando da criação da SGP, que teve
Altamiro como homem fundador e de proa.
Uma obra importante da primeira presidência de Altamiro à frente da SGP foi a
construção, na importante Avenida Goiás da jovem capital, da sede da Sociedade em um prédio
de três andares, com projeto iniciado em 1942.68 A sede da SGP, localizada a poucos metros da
Praça Cívica, é uma importante demonstração da força da elite pecuarista em Goiás, que se
fazia presente também na nova capital goiana.
Em entrevista concedida para a seção “Marcha para o Oeste” do jornal A Manhã,
publicada no dia 1º de agosto de 1943, Altamiro de Moura Pacheco, então presidente da SGP,
sublinha a necessidade de se estender a mão para as classes produtoras, a fim de alcançar o
progresso de um país, numa clara demonstração de uma postura que será recorrente à SGP, ou
seja, de buscar apoio frente às administrações públicas. Num exercício que oscila entre a
economia e uma certa filosofia da história, o líder classista diz que
o expansionismo no comércio é a tendência natural dos que se não deixam
prender nas malhas da imprevidência. E o ensinamento da história, a se
desdobrar num repetir incessante, brada contra a negligência dos fracos,
chama-os à realidade.69

Reconhecendo o contexto bélico do momento, Altamiro defende a ideia da “mobilização


econômica do país”, tendo o “Presidente Getúlio Vargas uma atitude de maior
responsabilidade”. Olhando por uma ótica espacial, típica do contexto da Marcha para o Oeste,
o médico e pecuarista diz ainda que “Estados afastados da orla litorânea e de acesso nem sempre

66
Jornal de Goiás, 29 ago. 1950.
67
A política goiana e seus desdobramentos no meio rural é objeto do Capítulo 3 desta tese.
68
A Manhã, 12 ago. 1942.
69
“Marcha para o Oeste”. In: A Manhã, 01 ago. 1943.
73

favorável, que, debatendo em meio às mais opulentas possibilidades, se nos mostram sequiosos
de uma contribuição, correspondente ao montante de suas riquezas”. Reforçando a força dos
minérios estratégicos que saem de Goiás à época, Altamiro não deixa de colocar a atividade
criadora de bovinos no patamar de destaque e declara: “não é permitido um olhar de indiferença
ao vulto da sua pecuária, que também se mobiliza”.
Alocando Goiás como estado pivô do Centro-Oeste no assunto pecuarista, Altamiro diz
que “na vanguarda do Brasil Central como criador do gado bovino de corte, em número e
qualidade, Goiás, entretanto se viu privado até hoje de um auxílio eficiente para seu
desenvolvimento”. Desenhando projetos importantes que seriam por ele realizados e levados a
cabo, afirma que “não é por razão diversa que empreendimentos de vulto a estimular a indústria
pastoril anhanguerina, estejam sendo estudados enquanto outros [...] nos deparam em vias de
realização”. O líder classista fazia menção ao projeto de criação do Banco Agro-Pecuário do
Estado de Goiás, à Empresa Frigorífica de Goiás S.A e à realização do III Congresso Pecuário
do Brasil Central.
O projeto de construção de um frigorífico em Goiás já havia aparecido em entrevista ao
mesmo periódico (A Manhã), em abril de 1943. Desde a implementação das primeiras indústrias
frigoríficas no Brasil no início do século XX, Goiás abastecia o mercado paulista com animais
que seriam levados para as invernadas de engorda e que, por sua vez, seriam processados na
nascente indústria da carne, um símbolo da modernidade. Nas palavras do historiador Humberto
Perinelli Neto (2009, p. 220):
Frente aos incentivos e apelos governamentais, bem como o quadro de
dificuldade nos países do Prata, assistiu-se a fundação de indústrias
internacionais de refrigeração no país. No Rio Grande do Sul surgiram os
frigoríficos pertencentes as norte-americanas Swift & Co. (1919), Armour &
Co. (1917), juntamente com o frigorífico da Companhia de Pelotas (1919).
Em São Paulo foram fundados frigoríficos pertencentes à norte-americana
Armour & Co. (1921) e a Companhia Frigorífica de Santos (1917), empresa
subsidiária da Companhia Mecânica e Importadora de São Paulo, a mesma
que havia construído e operava o estabelecimento de Barretos (1913).

A presença de poucas empresas no Brasil à época que controlavam os preços da arroba


do boi gordo, e assim cimentavam a estrutura produtiva como um todo, não era um problema
apenas brasileiro. No final do século XIX, o Senado dos Estados Unidos teve que investigar as
empresas do setor de carne, dentre as quais Armour & Company, Swift & Company, Morris &
Company e Hammond & Company, conhecidas como as “Big Four”. Sobre o caso americano
do mercado de carne, Joshua Specht (2019, p. 174) informa que as quatro grandes empresas do
setor foram “accused of manipulating the prices they paid ranchers on one end of their supply
74

chain and using predatory pricing to bankrupt butchers on the other”. O caso advogado por
Altamiro estava mais atrelado a uma questão de logística, na medida em que os animais
produzidos pelas fazendas goianas precisavam ser abatidos em frigoríficos de São Paulo e
Como se sabe Goiás, que possui uma população bovina superior a cinco
milhões de espécimes, e que exporta anualmente mais de 330 mil cabeças de
gado vacum, continua com seu problema pecuário sem solução. Assim
afirmamos porque o frigorífico em Barretos, no estado de São Paulo, ou no
Triângulo [Mineiro] estará sempre deslocado do centro da matéria prima.70

Na construção de argumentos que evidenciam a pertinência de um frigorífico em Goiás,


no mesmo artigo o presidente da SGP afirma que “o prejuízo que Goiás experimenta
anualmente pelo motivo de o frigorífico se encontrar distante dos seus rebanhos é superior a
setenta milhões de cruzeiros” e “é sabido [...] que as longas jornadas desvalorizam o boi, porque
este para ser levado ao abate necessita de um longo repouso e consequentemente da reengorda”.
A construção do empreendimento desejado por Altamiro ampara-se no fato de que a
receita global de Goiás tinha na pecuária 60% de suas divisas, ainda de acordo com o líder
classista, e que estaria ainda sintonizado com “os superiores interesses do Brasil”,71 apelando
para uma retórica nacionalista típica dos idos do Estado Novo.
Há uma clara demonstração de adesão ao governo goiano daquele momento na
afirmação “com entusiasmo, a ação do interventor federal, dr. Pedro Ludovico, a quem a
numerosa classe dos criadores goianos deve uma soma de serviços inestimáveis”. Articulando
um clamor patriótico, diz que “neste agudo momento de nossa história, em que todos os
brasileiros se reúnem em torno do presidente Getúlio Vargas, num grande e meritório esforço
de guerra” e, pautando-se pelo cenário corrente de destruição da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), declara que “no momento em que os rebanhos do mundo vão desaparecendo,
devido à guerra, mais se destaca a importância dos nossos rebanhos, especialmente do chão
goiano”.
Na condução da classe dos pecuaristas goianos nos anos 1940, Altamiro de Moura
Pacheco assumiu outra pauta importante à classe: a construção de um banco que atendesse às
demandas financeiras dos criadores. No dia 11 de agosto de 1943, o jornal A Manhã publica
uma breve reportagem sobre o projeto de criação de um banco:
prestigiada pelo interventor Pedro Ludovico Teixeira e dirigida pelo dr.
Altamiro de Moura Pacheco, médico e grande conhecedor dos problemas
relacionados com a pecuária de sua terra, aquela organização de classe está

70
“Um rebanho de 5 milhões de cabeças”. In: A Manhã, 03 abr. 1943.
71
A Manhã, 03 abr. 1943.
75

fundando em Goiânia, sob os seus auspícios e direta fiscalização, o Banco


Agro-Pecuário do Estado de Goiás.72

É latente a relação de proximidade entre a classe produtora dos pecuaristas e a estrutura


governista. O jornal aponta que “como era de se esperar, desde o seu início, o apoio e a
colaboração do governo Estadual, hoje, mais que nunca, empenhado em amparar a causa dos
pecuaristas goianos”.73 O banco foi inaugurado no dia 12 de fevereiro de 1946 e buscou atender
a uma demanda já manifestada no final de 1945: a resolução de problemas de crédito.
No dia 30 de dezembro de 1945, Altamiro de Moura Pacheco pediu o apoio de outras
associações classistas, dentre as quais a União das Associações Agro-Pecuárias do Brasil
Central, comandada por Iris Meimberg, e a Sociedade Rural do Triângulo Mineiro, no nome de
seu presidente o Sr. J. S. Rodrigues da Cunha, para sensibilizar o então ministro da Fazenda
José Pires do Rio, da presidência interina de José Linhares (1945-1946), para resolver questões
sensíveis aos pecuaristas e aos comerciantes de gado, dentre elas “o retraimento dos Bancos
nas operações de empréstimo o que fechou para os produtores sua fonte de crédito”.74 Há, ainda,
menções a problemas como o escoamento da produção, recorrente em Goiás desde o século
XIX, e a liquidação governamental da dívida dos pecuaristas, pauta muito relevante na virada
dos anos 1940 para os anos de 1950.
A crise relatada no final de 1945 está relacionada, entre outros fatores, aos
desdobramentos do decreto-lei n. 7.774, de 24 de julho de 1945,75 que estabeleceu preços
mínimos a serem cobrados em produtos rurais e o financiamento de determinados produtos
como arroz, milho, feijão girassol etc., mas não para a atividade pecuária. De acordo com
Guilherme Costa Delgado (2002, p. 213),
curiosamente, não havia qualquer instituto específico para a defesa, ou
fomento, da pecuária nacional, fato que de certa forma corroborava um certo
sentido de reprodução natural da atividade, calcada no latifúndio e nas
técnicas ultra-extensivas de exploração.

Concordamos em parte com a análise desse economista. De fato, olhando pela ótica
nacional não havia um “Instituto Brasileiro da Pecuária” como havia para outros setores rurais,
porém a luta se fazia no âmbito regional, o que aponta para uma postura das associações
classistas de pecuaristas marcada pelo pragmatismo sobre o apoio estatal ou uma rota mais

72
A Manhã, 11 ago. 1943.
73
“Pequenas notas”. In: A Manhã, 11 ago. 1945.
74
A Manhã, 30 dez. 1945.
75
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. “Decreto-lei n. 7.774, de 24 de julho de 1945. Dispõe sobre o
financiamento da produção de gêneros de primeira necessidade, e dá outras providências”.
76

autonomista, isto é, privatista. Tal postura já ficara evidente quando do discurso de inauguração
do Banco Agro-Pecuário do Estado de Goiás S.A., pronunciado pelo Dr. Altamiro.
Enquanto elabora em suas palavras as demandas econômicas dos pecuaristas goianos,
que sofrem nas entressafras “pela falta de capital de giro”, Altamiro Pacheco (1968, p. 46),
escorrega de forma pragmática frente ao fim recente da longa era ludoviquista e diz que “é um
empreendimento que se ergue sem favores governamentais, e isento de conchavos”, e continua
em sua demonstração de isenção que “é uma instituição que viverá fora das competições
partidárias, e dentro das normas de seu Estatuto”.
Havíamos apontado recorrentemente até agora em nossa reflexão a simbiose entre a
SGP, Pedro Ludovico e seu governo, mas numa clara percepção de outro tempo político e com
o realismo para defender sua causa, adota agora uma retórica distinta. Vimos também
anteriormente que o apartidarismo da SGP e de sua liderança mais notória não serão reais, basta
que recordemos a já referida campanha para o governo de Goiás em 1950.
É ainda pertinente identificar uma mudança na gramática ideológica de Altamiro de
Moura Pacheco, ao abrir espaço em seu discurso para uma interpretação do desenvolvimento
de base liberal que se contrapõe, em termos, com as frases basicamente de cunho nacionalista
do pré-1946, em que o progresso da pecuária goiana era parte de um progresso nacional. Agora
o líder classista diz que “todos os povos que alcançara elevado grau de adiantamento, é ao
banco, como instituição creditícia, que se deve ao florescimento da indústria, a pujança do
comércio [...]” e numa inspiração de contorno smithiana faz uma defesa das virtudes do labor
entre as atividades humanas e “nenhuma [...] excede a do trabalho, que é primordial, e de cuja
nobreza só não se orgulham os impelidos pelo mau destino” (Ibidem, p. 48).
No intuito de estabelecer comparações institucionais – em particular durante a atuação
de seu primeiro e mais representativo líder e quando colocada em perspectiva com outras
instituições como a Sociedade Rural Brasileira, analisada por Renato Perissinotto (2000) – na
SGP não houve de forma perene uma postura antiindustrialista como na SRB. A aproximação
é válida entre as duas instituições, já que ambas eram claramente controladas por grupos do alto
capital agrícola, tinham a pecuária como atividade importante (no caso da SGP era a atividade
principal, na SRB uma atividade que só era menor que a cafeeira), havia entre seus membros
mais relevantes uma clara conexão com atividades liberais e burguesas citadinas, para pegar os
elementos mais representativos.
Perissinotto (Ibidem, p. 226) identifica na Sociedade Rural Brasileira duas formas de
antiindustrialismo: uma relação entre protecionismo e defesa da indústria, contrária à política
econômica defendida pela SRB, e aquilo que pode ser visto como uma oposição ao
77

industrialismo como “projeto de Nação”. Embora o autor ressalte a existência de industriais no


seio da SRB, ele identifica uma postura de negação ao industrialismo. Importante ressaltar que
Perissinotto analisa a associação antes mesmo da crise de 1929 (predominantemente) e que,
portanto, ainda dialogava com o laissez-faire. Contudo, vale a pena ressaltar a análise de Elisa
Pereira Reis (1982; 2008), com a qual concordamos e que aponta que as elites agrárias no Brasil
dependeram, historicamente, da intervenção do Estado em várias esferas e, em especial, na
Economia. O caso da SGP será marcado em boa parte de sua história, entre os anos de 1940 e
1960, por essa dependência do Estado, em uma clara demonstração da presença da via
prussiana.

2.1.3 Goiânia: a cidade moderna e as exposições pecuárias


A construção de Goiânia na passagem da década de 1930 para 1940 foi um evento
histórico repleto de significados e interpretações, dentre os quais o fato de ser um dos mais
potentes símbolos da Marcha para o Oeste e outro, de contornos mais fortes na historiografia
regional e que acabou repercutindo nacionalmente, que considera a nova capital de Goiás como
uma representação do moderno. Embora o historiador Nasr Chaul (2010), o principal
representante dessa leitura, evidencie que a modernidade goianiense seja marcada pela
reciprocidade entre o campo e a cidade, ao longo de sua obra ele elabora uma interpretação que
busca apontar a existência da modernidade em vários momentos da história goiana e, assim,
tenta comprovar que a tese do atraso não corresponde a uma totalidade. Acreditamos, como já
apontamos na seção anterior, que a modernidade em Goiás é, de fato, uma fronteira entre o
campo e a cidade, porém evidenciamos que a modernização central se faz no campo e que se
trata de uma característica fundamental na compreensão de Goiás.
No início de julho de 1942, os dias festivos do Batismo Cultural de Goiânia tiveram
continuidade com a 1ª Exposição-Feira Pecuária de Goiânia, “promovida pela Sociedade
Goiana de Pecuária, graças ao apoio do governo goiano, cujo chefe, dr. Pedro Ludovico, é um
grande animador de todas as iniciativas que objetivem o progresso do Estado”.76 Embora
inicialmente estivesse programado para acontecer entre 2 e 8 de julho, o evento foi finalizado
por conta de uma onda de frio que atingiu a cidade de Goiânia. Dentre os participantes
figuravam nomes de uma “comissão de honra, constituída pelos srs. Presidente Getúlio Vargas
e interventor Pedro Ludovico, presidentes beneméritos, e ministro Apolonio Sales”.

76
A Manhã, 12 jul. 1942.
78

A Exposição Pecuária, sintonizada com o projeto de modernização do campo, que já


havia sido exposto na Semana Ruralista de Goiânia e na Sociedade Amigos de Alberto Torres,
reforçou a necessidade de se investir em conhecimento técnico e um primeiro exemplo foi a
participação de “diversos zootecnistas do Ministério da Agricultura”. O aprimoramento animal
a fim de garantir maior produtividade justifica a inscrição de 80 fazendeiros, dentre os quais 64
expuseram 264 cabeças de bovinos de raças como Indubrasil (111 animais), Gir (84), Guzerá
(29), Nelore (apenas 3) e 37 animais de raças diversas. Em entrevista concedida ao jornal A
Manhã, publicada a 12 de julho de 1942, o agrônomo Arthur Natividade, do Serviço de
Informação Agrícola, descreveu os eventos e seus objetivos e reforçou que o aprimoramento
racial firmava “as diretrizes de uma política econômica mais avançada e que exige a produção
organizada evoluída, dentro de moldes técnicos”.77
Arthur Natividade oferece relevância ao papel exercido pelo dr. Altamiro de Moura
Pacheco, “a quem o Estado fica devendo a maior parte do êxito alcançado pela exposição de
Goiânia” e que “sendo ele o a maior criador do Estado, não inscreveu um só animal e prestigiou
totalmente” as avaliações de animais expostos. Contrariando a ideia de uma pecuária, que por
ser extensiva seria automaticamente distante da busca pela produtividade, o cronista do certame
realça o “intercâmbio de ideias entre [fazendeiros] e os técnicos, para perfeita racionalização
do seu sistema criatório”.
Ainda em sua descrição, Natividade aponta um significado para a exposição e advoga
que as melhorias técnicas da pecuária, a principal atividade econômica goiana, seriam uma peça
central para “fortalecer a estrutura econômica do seu povo” e que esse mesmo povo goiano
“contempla os mais longínquos rincões da sua terra, com ardente e sincero desejo de perpetuar
o alvorecer da grande hora, que se estende para Oeste, numa simbólica visão de intrépidas
bandeiras”. Ocupar o Oeste demograficamente e economicamente seria um “complemento
civilizador e marco fecundo do progresso e da evolução de um povo”. O boi e sua força
econômica seriam elementos de civilização dos sertões.
Dando continuidade à presença das demandas rurais na moderna capital de Goiás, no
ano de 1945 foram realizados dois eventos simultâneos, encabeçados pela SGP e pelo dr.
Altamiro: a inauguração do Parque de Exposição da instituição classista e o III Congresso
Pecuário do Brasil Central, realizado entre os dias 25 e 31 de maio. Na ocasião, foi realizada a
II Exposição Feira-Pecuária de Goiânia.

77
“A inauguração oficial de Goiânia – 1ª Exposição – Feira Pecuária de Goiânia. Fala-nos o agrônomo Arthur
Natividade Seabra sobre o significado do certame”. In: A Manhã, 12 jul. 1942, p. 13.
79

Coube ao Dr. Altamiro de Moura Pacheco realizar dois discursos de abertura, um para
cada evento, no dia de 25 de maio de 1945. Nesses discursos é possível notar a recorrência de
uma retórica que visa reforçar a vocação agrária de Goiás, como se fosse a missão goiana para
o engrandecimento do Brasil. Pacheco (1968, p. 31) coloca Goiânia como o centro de uma
“usina futura da industrialização do boi” e a cidade “recebe a seiva vivificadora de seis milhões
e quinhentos mil bovinos, e acena, confiadamente, à Nação com promessas dadivosas”. A nova
capital deveria ser o centro de uma cultura agrária moderna, que contribuiria com o país a partir
da ocupação e da exploração do Oeste. A dimensão da necessidade de melhorias técnicas, tema
já trabalhado anteriormente em outros momentos, reaparece em uma clara demonstração de que
seria uma condição básica para o progresso.
Há também em seu discurso para o III Congresso Pecuário do Brasil Central a indicação
de certos gargalos a serem resolvidos para melhor desenvolvimento da pecuária, como o
escoamento da produção e o apoio financeiro. Vale lembrar que menos de um ano após o
discurso foi criada pelo próprio Altamiro uma instituição bancária para os produtores rurais,
como já mencionamos anteriormente.
Dois congressos pecuários já haviam sido realizados. O I Congresso Pecuário do Brasil
Central, em março de 1942 na sede da Sociedade Rural Brasileira, em Barretos (SP), e que
contou com diversas associações classistas, dentre elas a SGP. Deu-se no encontro a criação da
Federação Pecuária do Brasil Central, que reunia associações de classe de estados como São
Paulo, Mato Grosso, Goiás e do Triângulo Mineiro. Na reunião de fundação da Federação
Pecuária do Brasil Central foram debatidos temas relevantes para a categoria, como a expansão
de associações de classe de pecuaristas, a necessidade de estudos sobre o abastecimento do
mercado interno com carne, bases de preços etc.78 O II Congresso Pecuário do Brasil Central
realizou-se em Campo Grande, no estado do Mato Grosso.
O III Congresso Pecuário do Brasil Central, organizado pela SGP, contou com apoio da
União e do governo do estado de Goiás. A comissão de honra foi entregue ao presidente Getúlio
Vargas e teve como vice-presidentes nomes de relevo na política nacional: Apolônio Sales
(Ministro da Agricultura); Alexandre Marcondes Filho (Ministro do Trabalho); Pedro Ludovico
(Interventor de Goiás); Fernando Costas (Interventor de São Paulo); Benedito Valadares
(Interventor de Minas Gerais); Júlio Muller (Interventor do Mato Grosso); Amaral Peixoto
(Interventor do Rio de Janeiro) e o Coronel Anápio Gomes (Coordenador da Mobilização

78
Correio Paulistano, 14 mar. 1942.
80

Econômica Nacional). À frente do Congresso, nos postos práticos de organização, estavam


nomes como Altamiro de Moura (Presidente da Comissão Organizadora) e Iris Meinberg,
liderança importante do ruralismo paulista.79
Foram levantados, ao todo, trinta e quatro assuntos a serem trabalhados no decurso do
Congresso, dentre os quais acreditamos ser importante destacar os principais: aumento da
produção de gado de corte; importação de gado bovino indiano e europeu; estudo objetivo do
gado indiano (zebuíno); reflorestamento; situação do comércio de gado de corte e leiteiro;
problema do abastecimento de carne para os centros urbanos; abastecimento global de carne
bovina; financiamento e formas de baratear os custos de empréstimos; sindicalização rural e as
realidades da vida pecuária no Brasil, entre outros. Ainda nas primeiras falas de seu discurso
inaugural do III Congresso Pecuário do Brasil Central, dr. Altamiro Pacheco (1968, p. 36) disse:
Reunidos, hoje, representantes de trinta associações pecuárias do Brasil
Central, em pleno coração da Pátria; dominados pelas mesmas esperanças na
defesa dos mesmos ideias; com os olhos voltados para o futuro do Brasil, no
propugnar a elevação do nível do padrão de vida da laboriosa e honrada gente
do brasíleo Oeste, - assistimos, sob incontidos anseios de cooperação amistosa
para a solução de transcendentais problemas econômicos, o descortinar de um
novo horizonte, consequência lógica de nosso evolver, resultante de nosso
engrandecimento.

Ao longo do III Congresso Pecuário do Brasil Central foram realizadas sessões de


debates. Pudemos identificar a proposição e o debate de algumas teses sobre a atividade
pecuarista: “A infecundidade em reprodutores bovinos”, do professor Dorival Fonseca Ribeiro
da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo; “Do pastoreio no Brasil
Central”, de Franklin de Almeida, professor da Faculdade Nacional de Medicina Veterinária e
uma terceira tese produzida pelo patrono do evento, Dr. Altamiro, intitulada “A industrialização
do boi no seu ‘habitat’”.
No dia 03 de junho de 1945, o jornal O Estado de S. Paulo deu destaque à tese do líder
classista e evidenciou que seu argumento era a necessidade de se criar um frigorífico em
Goiânia ou nas proximidades da nova capital. Como já apresentamos em páginas anteriores,
tratava-se de um projeto gestado por ele desde os primeiros anos da década de 1940.
Interessante estabelecer uma comparação entre o discurso de Altamiro Pacheco quando da
inauguração do banco goiano, que atenderia às classes produtoras e sua defesa de uma lógica
de cunho mais liberal em 1946, e poucos meses antes em sua tese no III Congresso, na qual
apresentou uma crítica de cunho protecionista à exploração levada adiante no Brasil pelas

79
O Estado de S. Paulo, 20 maio 1945.
81

companhias estrangeiras de carne. A efetivação do projeto de construir em Goiás uma unidade


frigorífica atenderia ao enorme rebanho local, evitaria prejuízos aos criadores e contribuiria
para o progresso da região. A fórmula econômica passava pelo congraçamento de
capitais, oriundos do governo estadual, das prefeituras municipais goianas de
sócios fundadores da Sociedade Goiana de Pecuária, de brasileiros que
desejam empregar o fruto de suas economias, fundar-se-ia, em sociedade
anônima, uma grande indústria nacional da carne.80

O projeto do dr. Altamiro Pacheco não chegou a ser concretizado. Na tentativa de


explicar a razão do fracasso da SGP na construção de um frigorífico em Goiás à época, João
Lemes de Paula (2011) aponta dois fatores: a pressão contrária de paulistas da região de
Barretos, que teriam concorrência na produção de carne e afluxo de gado reduzido nos seus
abatedouros, e a mudança da política econômica do governo Eurico Gaspar Dutra, ocorrida
após o ano de 1946. Concordamos com Lemes de Paula e acrescentamos que, frente às
mudanças políticas no pós-1945, as classes pecuaristas goianas entraram de forma mais forte
na cena política e tentaram apropriar-se do governo de forma mais efetiva, como veremos no
Capítulo 3.

80
“III Congresso Pecuário do Brasil Central – ‘A industrialização do boi no seu habitat’”. In: O Estado de S.
Paulo, 03 jun. 1945.
82

Figura 5 - Encerramento do III Congresso Pecuário, realizado entre os dias 25 e 31 de maio de 1945.
Dr. Altamiro de Moura Pacheco (primeiro à direita); Dr. Pedro Ludovico (segundo à direita)

Fonte: Acervo do IPHBC.


83

Figura 6 - O interventor Pedro Ludovico Teixeira, no centro da imagem, acompanhando o discurso de


encerramento proferido pelo Dr. Altamiro de Moura Pacheco (em pé)

Fonte: Acervo do IPHBC.

2.2 A Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (FAREG)


2.2.1 A FAREG e seu idealizador: Joaquim Câmara Filho
A Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (FAREG) foi criada em
Goiânia no mês de maio de 1951, no primeiro ano do retorno do ex-interventor e então
governador, eleito pelo Partido Social Democrático (PSD), Pedro Ludovico Teixeira. De acordo
a edição do jornal A Manhã do dia 16 de maio de 1951, “agricultores e pecuaristas goianos”
ficaram entusiasmados “pois o acontecimento, além da sua significação social e econômica,
possibilita ao Estado de Goiás integrar a Confederação Rural Brasileira”. 81 A Confederação
Rural Brasileira, criada entre os dias 26 e 27 de setembro de 1951, foi fruto da aliança de 13
federações rurais estaduais: Rio de Janeiro, Pará, Paraíba, Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Rio
Grande do Sul, Maranhão, Goiás, Pernambuco, Piauí, Santa Catarina e Ceará (HEINZ, 2006).

81
A Manhã, 16 maio 1951.
84

Seguindo um movimento que se deu no âmbito federal e em outras unidades da


federação com o retorno de Vargas, os atores políticos dos quinze anos de varguismo voltaram
à baila, reassumindo diretamente às rédeas da política (HIPPOLITO, 2012).
Descrever o surgimento da FAREG e o papel central exercido pelo seu fundador e
primeiro presidente, Joaquim Câmara Filho, é uma tarefa complicada e com resultados incertos.
Nascido em 26 de dezembro de 1899 na cidade de Baixa Verde, no Rio Grande do Norte, era
filho de Joaquim Rebouças de Oliveira Câmara e de Maria Melquíades de Miranda Câmara.
Iniciou seus estudos em Agronomia na Escola Superior de Agricultura e Engenharia de São
Bento, na cidade do Recife, em Pernambuco, e os finalizou já em Minas Gerais, na cidade de
Passa Quatro em 1922, na Escola de Agricultura e Pecuária. Atuou como funcionário público
do Ministério da Agricultura no Paraná e, após fugas decorrentes de sua participação na Revolta
Paulista de 1924, contra o governo de Arthur Bernardes e comandado pelo general Isidoro Dias
do Paraná, Joaquim Câmara Filho deslocou-se em definitivo para Goiás. Fixou-se em 1928 na
atual cidade de Luziânia, conhecida à época como Planaltina, e atuou em vários ofícios:
professor de grupo escolar, agrimensor e iniciou sua carreira no jornalismo, que resultaria na
criação em 1938 com seus irmãos do principal jornal do estado ao longo do século XX,
chamado O Popular (ALVES, 2019).
Politicamente, Joaquim Câmara Filho tomou partido de forma ativa no desenrolar dos
eventos de 1930 e participou da deposição do grupo caiadista e da ascensão e consolidação do
ludoviquismo. Em obra até hoje não superada de exercício biográfico de Joaquim Câmara Filho,
o trabalho de José Asmar, intitulado Câmara Filho: o revoltoso que promoveu Goiás, publicado
em 1989 e que contou em 2019 com a primorosa introdução à nova edição da jornalista Cileide
Alves, aponta para uma leitura heroica e revolucionária do biografado, mas que não erra na
categorização, apenas na dose dela.
Como apresentamos no Capítulo 1, Joaquim Câmara Filho foi personagem importante
nos quadros burocráticos dos quinze anos de governo de Pedro Ludovico Teixeira, entre 1930
e 1945, e ocupou inicialmente a direção do Departamento de Propaganda e Expansão
Econômica do Estado (DPEE), fruto do Estado Novo e transformado posteriormente em
Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP) (ALVES, 2019).
Ao estudarem a história do jornalismo e da propaganda em Goiás, Iúri Rincon Godinho
(2006) e Rosana Borges (2013) apontam o pioneirismo de Câmara Filho. É importante ressaltar
que o ofício da comunicação sempre esteve conectado com a sua formação e com a sua atuação
agrícola: “para onde vai, Câmara Filho carrega a agricultura com ele” (ASMAR, 2019, p. 300).
85

Após a queda do Estado Novo, Joaquim Câmara Filho teve sua vida partidária iniciada
nos quadros do PSD. Em um primeiro momento, pertenceu a um grupo dissidente do PSD,
crítico do controle partidário de Pedro Ludovico Teixeira, e em 15 de junho de 1950 filiou-se
ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Aproximou-se novamente do ex-interventor durante a
campanha eleitoral de 1951 contra o udenista e candidato ao governo do estado, Altamiro de
Moura Pacheco, e assumiu o posto de secretário da Agricultura até 1954. Embora tenha
participado entre 1946 e 1954 de uma disputa para o legislativo estadual e de duas para o
federal, não se elegeu em nenhum dos pleitos. Joaquim Câmara Filho faleceu precocemente em
15 de dezembro de 1955 (ALVES, 2019).
Importante ressaltar que, quando da criação da FAREG em 1951, Joaquim Câmara Filho
exercia o posto de secretário de Agricultura de Goiás, o que reforça a sua posição como
importante representante dos interesses agrários em Goiás e como membro de uma elite de
classe. Enquanto burocrata, jornalista e naturalmente pela formação agronômica, Câmara Filho
esteve à frente das demandas rurais de Goiás.

2.2.2 Os presidentes, os temas e as ações da FAREG


A FAREG teve em sua condução quatro presidentes, desde a sua fundação em 1951 até
1964: Joaquim Câmara Filho (1951-1955); Ezequiel Fernandes Dantas (1955-1963); Múcio
Teixeira (1963-1964) e Sebastião Vianna Lobo (março de 1964-1967) (Quadro 2). Ezequiel
Fernandes Dantas era proprietário rural e havia participado da SGP na década de 1940 como
procurador da instituição e no início dos anos 1950 como 1º secretário. Múcio Teixeira era
bacharel em Direito, major reformado da polícia goiana, funcionário de carreira do Banco do
Brasil (do qual foi diretor), atuou como presidente da Associação de Crédito e Assistência Rural
(ACAR), foi um dos diretores do Banco do Estado de Goiás S.A. e atuava como advogado.
Sebastião Vianna Lobo era fazendeiro na região da cidade goiana de Formosa, localizada no
nordeste do estado, e atuou no legislativo municipal como presidente da Câmara.
É possível perceber nos temas e nas ações da FAREG uma postura mais diversa em
relação ao campo, na medida em que quando comparada com a SGP, tratava de temas não
apenas relativos à pecuária, mas também de questões vinculadas à agricultura. No mês de maio
de 1954, o jornal Correio da Manhã apresentou a atuação da FAREG na defesa do arroz
produzido em Goiás e o pedido da instituição para que o então presidente do Instituto Brasileiro
86

do Café, o sr. João Pacheco Chaves, recolocasse Goiás no quadro dos estados beneficiados com
os auxílios econômicos à produção cafeeira.82
Acreditamos que o jornalista e agrônomo Joaquim Câmara Filho, figura fundadora e de
comando nos primeiros anos da FAREG, inoculou a semente de um agrarismo diverso e que
não dependesse exclusivamente da pecuária. A ideia de vocação agrária da FAREG era mais
pluralista, enquanto a SGP era portadora de um perfil mais bem definido e sintonizado com os
interesses pecuaristas de Goiás.
Em edição do mesmo jornal, no dia 5 de dezembro de 1953, Câmara Filho, por ocasião
da II Conferência Rural do Estado de Goiás, diz que “o que mais prejudica a coletividade rural
brasileira, em verdade, tem sido a ausência de uma consciência de classe e a falta de união para
a vigilância e defesa de seus interesses”. Câmara Filho, em entrevista ao jornal O Tempo,
defende a necessidade de se operar uma distribuição de terras aos pequenos lavradores,
operando uma reforma agrária (CÂMARA FILHO apud ASMAR, 2019, p. 307).
A questão do crédito rural, até então defendida pela congênere pecuarista e voltada para
uma única atividade e de capital mais elevado, assume na FAREG a necessidade atender aos
pequenos proprietários, dando-lhes suporte financeiro para levarem adiante a produção
agrícola.83 Houve uma série de incentivos políticos e até de ordem financeira para a
implementação de uma escola Agrotécnica e de uma Faculdade de Agronomia, ambas em
Goiânia, a fim de atender às demandas do grande capital, mas também do pequeno e do médio
produtor.84
O cooperativismo rural tornou-se uma bandeira de luta da FAREG como ferramenta de
fornecimento de crédito para toda a classe de produtores.85 Não que a pecuária estivesse ausente
das demandas da instituição, como é possível notar no engajamento dessa instituição na
oposição ao teto sobre o preço da carne proposto em 1959, que prejudicaria toda a cadeia
produtiva.86 Contudo, identificamos que havia no caso específico da atividade pastoril uma
disputa pelo campo de poder entre a FAREG e a SGP.
É possível identificar a existência de uma rivalidade entre as entidades classistas goianas
quando lembramos que a FAREG era uma das fundadoras da Confederação Rural Brasileira
(CRB), criada em setembro de 1951. Flávio Heinz (2006, p. 127) aponta que a CRB é um

82
“Protestos das Associações Rurais junto ao presidente do Instituto Brasileiro do Café”. In: Correio da Manhã,
12 maio 1954.
83
O Jornal, 24 dez. 1952
84
O Jornal, 19 dez. 1952.
85
O Jornal, 05 fev. 1958.
86
O Jornal, 01 set. 1959.
87

desdobramento da Sociedade Nacional de Agricultura e “herda vários de seus dirigentes, ocupa


suas instalações no Rio de Janeiro e se faz conhecer através das páginas de seu órgão oficial, A
Lavoura”. A CRB seria fruto do Decreto-Lei nº 8.127 de 1945, que foi postergado na sua
implementação e sofreu oposição de elites regionais, que viam na medida uma interferência
preocupante do Estado na estrutura produtiva. A SGP era próxima da SRB e, portanto, de teor
atrelado ao grande capital. Ao comparar a SRB com a CRB, Heinz confere à primeira uma
vocação de cunho privatista e à segunda o caráter preferencialmente estatista. Para tornar tal
comparação mais nítida, na próxima seção será apresentada uma síntese comparativa entre as
duas principais lideranças e os fundadores das respectivas instituições, Altamiro de Moura
Pacheco (SGP) e Joaquim Câmara Filho (FAREG).

Quadro 2 - Presidentes | Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (2)

Período Presidente Formação Filiação política

1951-1955 Joaquim Câmara Filho Agrônomo, jornalista, Filiado ao Partido


burocrata, político Social Democrático
(PSD/1945-1950) e ao
Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB/1950-
1954)

1955-1963 Ezequiel Fernandes Sem dados de formação, Sem dados sobre


Dantas proprietário rural vinculação política

1963-1964 Múcio Teixeira Bacharel em Direito, Sem dados sobre


diretor do Banco do vinculação política
Brasil, major reformado
da Polícia Estadual

1964-1967 Sebastião Lobo Proprietário rural e Filiado ao Partido


vereador no município de Social Democrático
Formosa-GO (PSD)

Fonte: elaboração própria.


88

2.3 O campo em disputa: Altamiro e Joaquim


Altamiro de Moura Pacheco e Joaquim Câmara Filho, as duas figuras de proa na luta
pelos interesses do setor agrário em Goiás entre os anos de 1940 e 1960, apresentam em suas
trajetórias sociais e políticas características que permitem analisar em nossa hipótese a ideia de
que enquanto o primeiro foi dotado de uma maior proximidade com a lógica do liberalismo e
do mercado, o segundo foi pautado por uma relação de maior afinidade com uma visão estatista,
próximo de uma rota que acredita na burocracia estatal como elemento de modernização.
Importante perceber que, embora ambos possuíssem formação superior, Altamiro com
formação médica e Joaquim Filho com graduação na área agronômica, o poder simbólico
conferido pela Medicina e pela Agronomia, em especial numa sociedade conservadora como a
goiana à época, é desigual e com maior grau de consagração social proporcionado pela carreira
na área da Saúde.
Analisando o caso de Goiás e o peso da Medicina como elemento de projeção social e
política na realidade regional, autores como Nasr Chaul (2010) e Tamara Rangel Vieira (2012)
apontam o simbolismo que tal carreira proporciona na realidade goiana. Contudo, Adriano
Codato (2014, s. p.), ao analisar a burocracia do Estado Novo em São Paulo, reconhece a
posição de destaque assumida por uma elite estratégica e especializada, que pode ser definida
pelas formas de recrutamento e principalmente pelo “seu grau de especialização técnica e não
tanto pela fonte social do recrutamento”. A formação agronômica de Joaquim Câmara Filho o
habilitava para tomar assento em cargos vinculados ao mundo rural na estrutura do estado,
enquanto sua carreira como jornalista o credenciava para operar a propaganda oficial do estado
de Goiás durante os anos de 1930 e 1940.
Na construção das trajetórias de líderes classistas, dentre os projetos encampados pelos
dois próceres – sem perder de vista que o fundo das intenções é sempre o interesse do mundo
rural – uma diferença que achamos importante ressaltar é a luta encabeçada por Altamiro de
Moura Pacheco pela construção de um frigorífico em Goiás, a fim de escapar da dependência
da indústria da carne paulista e concentrar regionalmente toda a cadeia produtiva no estado.
Isso pode ser compreendido como uma mentalidade empresarial e de contorno liberal, voltada
para beneficiar, em especial, os grandes criadores de gado, que perdiam dinheiro ao terem que
enviar seus animais para o abate no estado de São Paulo.
Uma luta importante de Joaquim Câmara Filho nos anos de 1950 foi orientada para a
necessidade de se concretizar a criação da Escola Agrotécnica e do curso superior de
Agronomia em Goiás. Partindo de uma chave analítica gramsciana, Sonia Regina de Mendonça
(1998) defende a ideia de que o saber agronômico está a serviço do grande capital e opera como
89

controlador daqueles à margem da estrutura produtiva rural. Concordamos que tal


desdobramento é uma realidade que está no horizonte de possibilidades dos agrônomos, mas
isso não elimina o fato de que, entre a clara defesa da construção de um frigorífico e de locais
de construção e desenvolvimento de saberes sobre o campo, a primeira ideia tem contornos
mercadológicos mais imediatistas e diretos. Mesmo que o projeto do frigorífico não tenha sido
concretizado, Altamiro Pacheco foi o responsável pela criação de um banco para atender às
demandas de crédito por parte dos pecuaristas no ano de 1946.
Embora Altamiro de Moura Pacheco e Joaquim Câmara Filho tenham entrado de forma
definitiva na vida política goiana após a Revolução de 1930 e, em especial, no contexto do
Estado Novo – próximos, portanto, da figura de Pedro Ludovico Teixeira–, após o fim do
regime autoritário, os caminhos partidários das duas lideranças foram trilhados por rotas
distintas.
Altamiro de Moura Pacheco foi importante no quadro da UDN em Goiás e disputou a
eleição para o governo do estado em 1950, contra a candidatura de Pedro Ludovico Teixeira,
resultando na eleição do ex-interventor e agora liderança máxima pessedista em Goiás. Um
homem de posses fundiárias de grande extensão em Goiás, médico, líder classista dos grandes
pecuaristas e político, sua adesão ao udenismo está em sintonia com o caráter elitista do partido.
De acordo com Maria Victoria Benevides (1981, p. 252), “o liberalismo udenista permanece,
sem dúvida, marcado por um profundo elitismo”. A defesa das elites como condutoras da
política, a crença na vocação agrária de Goiás – tese da vocação agrária brasileira que, aliás,
estava no centro do pensamento do udenista e liberal brasileiro Eugênio Gudin – e o apreço
pelo latifúndio e pelo mercado compõem um quadro claro das filiações liberais-conservadoras
de Altamiro de Moura Pacheco.
Joaquim Câmara Filho, por sua vez, subiu no barco do PSD após a queda do Estado
Novo e, como já apresentamos anteriormente, esteve dentro de um grupo crítico do caciquismo,
representado por Pedro Ludovico Teixeira no PSD goiano. Acabou filiado ao PTB em 1950.
Tendo disputado eleições legislativas pelos dois partidos entre 1946 e 1954, nas quais não se
elegeu, reatou laços políticos com Pedro Ludovico Teixeira, de quem foi secretário de
Agricultura no governo estadual, entre 1951 e 1954. O perfil burocrata de Joaquim Câmara
Filho e sua vinculação aos quadros da administração pública contribuíram, ao nosso ver, para
inocular na FAREG a sua forte relação com as forças públicas na defesa dos interesses do
mundo agrário goiano.
Enquanto representante de uma elite estratégica e especializada (KELLER apud
CODATO, 2014, s. p.), identificamos Joaquim Câmara Filho como um participante ativo do
90

que no Capítulo 1 chamamos de uma cultura política conservadora agrarista, que acreditava
na viabilidade e na necessidade de uma mudança da estrutura agrária brasileira e, que para isso
acontecer, o Estado deveria assumir para si a responsabilidade pelas transformações. Contudo,
fica evidente que na disputa entre as duas vertentes agraristas em Goiás, representadas de um
lado pela SGP e de outro pela FAREG, na figura de seus principais líderes, o modelo de cunho
empresarial e pautado na lógica de uma modernização-conservadora que atendesse aos grandes
pecuaristas acabou por prevalecer.
91

CAPÍTULO 3: O CAMPO EM DEBATE (1946-1961)

Este capítulo analisa os discursos e os posicionamentos de atores políticos goianos entre


os anos de 1946 e 1961, com destaque para os debates no contexto da Constituinte de 1946, que
reverberaram até o início dos anos de 196087 e que tinham engajamento com os temas e questões
ligados às demandas do mundo rural local e com seus desdobramentos no âmbito nacional. Se
no capítulo anterior fizemos a exposição de lideranças classistas do campo e que estavam,
também, vinculadas direta ou indiretamente com a estrutura política estatal, neste capítulo
temos como foco os representantes políticos dos interesses agrários no Legislativo, que no
conjunto desta tese são parte da chamada elite de classe agrária, que atuava na órbita do Poder
Legislativo. Partimos da premissa de que a estruturação e a construção hegemônica de uma
classe social necessitam de vários protagonistas em áreas distintas, a fim de atuar na
uniformização e na concretização dos diversos interesses da classe em questão e de ocupar
espaço no campo político.
Investigamos as ideias e discursos vinculados às demandas rurais dos políticos: José
Trindade da Fonseca e Silva, mais conhecido como Cônego Trindade; Domingos Netto de
Vellasco, deputado de esquerda e que atuava também nas questões referentes à pecuária e Jalles
Machado de Siqueira, empresário e liderança importante das demandas agrárias de Goiás. A
escolha de tais personagens está atrelada à nossa percepção de certos pontos importantes, dentre
elas: os temas agrários que atendiam às demandas das elites econômicas do campo eram pautas
de políticos de diferentes partidos e espectros ideológicos em Goiás, apontando para uma base
comum rural regional e que, em um contexto de experiência democrática pós-1945, a atuação
nas Câmaras foi um importante expediente de luta política adotado pelos proprietários rurais a
partir da escolha de políticos que defendessem no exercício legislativo os interesses da elite
econômica agrária.
Acreditamos também que a escolha dos três políticos citados anteriormente serve ainda
como tipologia, isto é, como “tipos ideais” de três vertentes agraristas que formavam o conjunto
das posições políticas da elite econômica goiana sobre o campo: o Cônego Trindade como um
representante de uma forma de cristianismo oligárquico88, Domingos Vellasco como um

87
Os anos de 1961 e 1964 são tratados no Capítulo 4, no qual focamos na crise da República Trabalhista, nas
posições e nas atuações da elite agrária goiana nos eventos que irão desembocar no golpe civil-militar de 1964.
88
O conceito de “cristianismo oligárquico” é uma construção nossa, feita a partir da leitura da análise de José de
Souza Martins (1994, p. 108), de que a Igreja Católica no Brasil esteve vinculada “à tradição conservadora,
absolutista e centralizadora, por oposição à tradição liberal, oligárquica e latifundista [...]”. Em nossa interpretação,
certos grupos da Igreja, como o representado pelo Cônego Trindade, estavam mais aliados à tradição oligárquica
92

agrarista de base cristã e socialista e, por fim, Jalles Machado como exemplo do agrarismo
liberal-conservador.
Importante citar que o período histórico em questão é pautado pelo acirramento das
disputas entre os grandes e médios proprietários rurais contra o avanço das pautas de reforma
agrária e que em Goiás ganharam contornos dramáticos de violência política, que ocasionaram
confrontos armados. Tal cenário que convergiu no golpe civil-militar de 1964, que é tema
discutido com profundidade no Capítulo 4.

3.1. Uma visão panorâmica sobre a política goiana (1946-1961).


Ao fim dos quinze anos (1930-1945) de domínio ininterrupto do ludoviquismo em
Goiás, como resultado dos desdobramentos regionais da Revolução de 1930, a política goiana
viveu os ares da primeira experiência democrática entre 1946 e 1964 e inseriu-se no quadro
mais amplo da vida partidária e da rotina de trocas recorrentes de governo.
Com a saída de Pedro Ludovico da Interventoria, o governo foi transferido para Eládio
de Amorim, desembargador e então presidente do Tribunal de Justiça, que por sua vez e ao
cabo de poucos meses passou o poder para o militar Felipe Antônio Xavier de Barros. Embora
as eleições para o governo do estado de Goiás viessem a acontecer apenas em janeiro de 1947,
os partidos nacionais começaram a deitar raízes no estado já em 1945, seguindo o fluxo do
restante do país. De acordo com o cientista político Francisco Itami Campos
Tendo como base os prefeitos municipais, nomeados por Pedro Ludovico,
estrutura-se o Partido Social Democrático (PSD), cujo diretório estadual é
presidido pelo ex-interventor. Constituída de antigos opositores a Pedro
Ludovico e de ex-colaboradores, dissidentes do antigo interventor, a União
Democrática Nacional (UDN) forma-se também em 1945, tendo como
presidente Domingos Neto Velasco. Este, posteriormente, deixa o partido para
formar a Esquerda Democrática. Em razão da sua saída, Jales Machado de
Siqueira [...] assume a presidência da UDN. A Esquerda Democrática, que
participa das eleições estaduais de 1947, transforma-se no Partido Socialista
Brasileiro (PSB), que tem pouca expressão no cenário político goiano.
Domingos Neto Velasco é um dos nomes desse partido. Na legalidade, o
Partido Comunista Brasileiro (PCB) se apresenta bem organizado no estado,
com diretórios em 37 municípios goianos (CAMPOS apud SOUZA, 2009, p.
24).

Vale ainda citar que o PTB foi criado no mesmo contexto e atuou em vários pleitos em
Goiás, de forma coligada com o PSD, pois individualmente não dispunha de grande base de

do poder local e atrelados aos interesses dos grandes proprietários. Isso aponta para maior diversidade no interior
da instituição.
93

apoio como aquela vista em outros estados brasileiros à época. Iniciando a disputa que
atravessou a política goiana entre 1946 e 1964 entre pessedistas e udenistas, o resultado da
eleição presidencial de 1945 em Goiás foi um bom termômetro: o candidato vitorioso do PSD,
o general do Exército Eurico Gaspar Dutra obteve 48,11% dos votos e o udenista e brigadeiro
Eduardo Gomes atingiu 40,22% dos votos dos goianos.
Entre 1947 e 1960, todas as eleições para o Executivo goiano tiveram uma disputa de
dois polos: o PSD e a UDN. Entre 1947 e 1950, Goiás teve como governador Jerônimo Coimbra
Bueno, da UDN. Em 1951, o ex-interventor Pedro Ludovico Teixeira foi eleito
democraticamente, derrotando o candidato da UDN e líder classista dos pecuaristas, o médico
Altamiro de Moura Pacheco. Pedro Ludovico elegeu-se pelo PSD, partido controlado por ele
mesmo com mãos de ferro. Para concorrer ao Senado, Pedro Ludovico deixou o controle do
Palácio das Esmeraldas em 1954 e o governo do estado passou para as mãos de Jonas Ferreira
Duarte até 1955, quando novas eleições aconteceram para o período entre 1955 e 1958.
José Ludovico de Almeida89, sobrinho de Pedro Ludovico, elegeu-se pelo PSD em
aliança com o PTB. No biênio de 1959 até janeiro de 1961, José Feliciano do PSD foi eleito
governador, sucedido em 1961 por Mauro Borges Teixeira, filho de Pedro Ludovico, que
governou até os desdobramentos do golpe civil-militar de 1964. Percebe-se que, no contexto da
República Liberal (1946-1964), o Executivo goiano esteve majoritariamente nas mãos do PSD
e, em grande medida, orbitou ao redor da figura de Pedro Ludovico Teixeira.
José de Souza Martins (1994, p. 49), ao reconhecer no âmbito nacional um antagonismo
entre PTB e UDN, informa, respectivamente, um corte populista no primeiro e elitista no
segundo. Nos revela que o “PSD (Partido Social Democrático), claramente [era o] representante
dos interesses oligárquicos do interior e das regiões mais atrasadas do País” e que ao cabo das
disputas políticas do período “decidiu os rumos do poder durante todo o período democrático”.
Continua Martins, ao apontar que o PSD funcionou como um fiel da balança para a
governabilidade no período em questão. Acrescentamos que, aliada à hegemonia pessedista no
Executivo goiano, havia também uma sólida dianteira deles nas eleições legislativas em Goiás.
Para melhor visualização da situação partidária em Goiás nos âmbitos Legislativo
Estadual e Federal, elaboramos o Quadro 3 e o Quadro 4:

89
Na gestão de José Ludovico de Almeida foi costurado um acordo político entre PSD, UDN e outros partidos
menores para que as datas de eleições de governador e de prefeitos estivessem sintonizadas com a da presidência
da República. O mandato de José Ludovico foi prorrogado e o governador seguinte teve um mandato sui generis
de dois anos (1959 e 1961). Para maiores informações, ver Campos (apud SOUZA, 2009).
94

Quadro 3 - Partidos no Legislativo Estadual de Goiás (1947-1963)

Legislatura PSD UDN OUTROS

1947-1951 46,9% 31,3% 21,8%90

1951-1955 46,9% 28,1% 25%91

1955-1959 41,8% 41,8% 16,4%92

1959-1963 47,1% 28,6%93 11,7%94

1963-196695 48,7% 23%96 28,3%97


Fonte: elaboração própria.

O Quadro 3 ratifica a posição do PSD na liderança da casa legislativa goiana e a UDN,


sempre com mais de 20% dos deputados estaduais eleitos, consolidou-se como a segunda força.
Mesmo elegendo o governador do estado em 1947, a UDN não atingiu a maioria na Assembleia
de Goiás. Somados os dois fatores, não se pode, contudo, tratar a UDN como uma força menor
na política goiana: especialmente nas questões do campo, seu elitismo posicionou-se junto ao
PSD, nas defesas dos interesses da elite agrária.
Vejamos agora a composição partidária goiana na Câmara dos Deputados Federais
(Quadro 4):

90
Dois deputados pelo PCB, um do PTB e quatro do ED (Esquerda Democrática).
91
A aliança do Partido Social Progressista (PSP) com o Partido Republicano (PR) elegeu 5 deputados e o PTB
elegeu 3.
92
Os 4 deputados são do PTB, que estava em coligação com o PSD na referida eleição.
93
Tratou-se de uma aliança entre UDN (8 deputados) e PSP, com 2 deputados (PSP).
94
Desse total, 5 deputados eram do PTB e da União Cristã, aliança entre o Partido Democrata Cristão e o Partido
Republicano Progressista, que não atingiram o quociente eleitoral.
95
Após as cassações e a implementação do bipartidarismo, o quadro eleitoral sofreu alterações vigentes até o fim
da legislatura, em 1967.
96
Aliança entre UDN e PSP.
97
Interessante notar que houve aumento do número de partidos no Legislativo Estadual com a eleição de deputados
das coligações do PTB-PSB e do Partido Democrata Cristão (PDC) com o Movimento Trabalhista Renovador
(MTR). Por se tratar da fase final da República Democrática, as implicações de tal situação partidária são
analisadas no Capítulo 4 desta tese.
95

Quadro 4 - Partidos representando Goiás na Câmara Federal

Legislatura PSD UDN OUTROS

1946-1950 71,5% 28,5% -

1951-1955 57,1% 25,6% 19,5%98

1955-195999 52,9% 47,1% -

1959-1963 49,3% 26,2% 12,4%100

1963-1966 53,8% 30,8% 15,4%101


Fonte: elaboração própria.

Assim como apresentado na Câmara Legislativa Estadual, no âmbito federal o PSD


também exerceu protagonismo e a UDN manteve a segunda posição. Para termos uma visão de
conjunto, vejamos agora os senadores por Goiás no período ora analisado (Quadro 5):

98
Aliança Partido Social Progressista (PSP) e Partido Republicano (PR) elegeram um deputado federal.
99
Na campanha em questão, PSD estava coligado ao PTB e a UDN ao PSP.
100
O PTB elegeu o primeiro deputado federal por Goiás: Antônio Rezende Monteiro, natural de Caiapônia (GO),
que atuava como advogado e agricultor. Após o golpe civil-militar de 1964, filiou-se à Aliança Renovadora
Nacional (ARENA). Foi ainda vice-governador de Mauro Borges.
101
O PTB elegeu Haroldo Silva Duarte, natural de Anápolis (GO).
96

Quadro 5 – Senadores por Goiás entre 1946 e 1964.102

Legislatura PSD UDN OUTROS

1946-1951 Pedro Ludovico

1946-1955 Dário Cardoso

1947-1951 Alfredo Nasser

1951-1959 Domingos Vellasco


(PSB)

1955-1963 Pedro Ludovico

1955-1963 Jerônimo Coimbra


Bueno

1957-1962 Frederico Nunes

1958-1961 Taciano Gomes de Mello

1961-1964 Juscelino Kubitschek

1963 José Feliciano e Pedro


Ludovico
Fonte: elaboração própria.
Ampliando a interpretação de José de Souza Martins (1994), que apontava a política
pessedista como a representante dos interesses rurais nos rincões brasileiros à época,
argumentamos que, independentemente da filiação partidária – e no caso da UDN a defesa da
elite agrária era tema central) –, as pautas relativas ao campo estavam na ordem do dia de
políticos que iam da direita liberal-conservadora, como a UDN, até políticos de inclinações de
esquerda, como Domingos Vellasco. A pauta das questões agrárias e em especial da elite agrária
dava unidade para um quadro partidário não monolítico. A defesa dos interesses da elite agrária
pela sua fração da elite de classe nas tribunas parlamentares estava atrelada, entre outros fatores,
à crise da pecuária que sucedeu o fim do Estado Novo. Tal crise englobava as seguintes
questões: o perdão das dívidas dos pecuaristas, as questões de financiamento e o crédito das
atividades produtivas agrárias.
O primeiro fator inerente à crise na pecuária estava diretamente relacionado ao contexto
marcado pela queda de Vargas em 1945. Se os esforços do governo no contexto da Segunda

102
De acordo com Jairo Nicolau (2012, p. 90-91), entre 1945 e 1964 o Senado estava composto “por representantes
dos estados eleitos segundo o princípio majoritário para mandatos de oitos anos. Cada estado e o Distrito Federal
elegiam três senadores. A renovação era feita de maneira alternada, a cada quatro anos; em uma eleição era eleito
um senador, na seguinte eram eleitos dois”.
97

Guerra Mundial (1939-1945) passaram pela criação, em 1942, da Coordenação da Mobilização


Econômica, oficializada pelo Decreto-Lei n. 4.750, que buscava “estabelecer a mobilização
completa dos recursos econômicos existentes no território nacional” justificados pelo conflito
(LINHARES; SILVA, 1999, p. 115), mesmo após o término da guerra, o governo Vargas em
seus últimos suspiros baixou a Portaria n. 405, por via da Coordenação da Mobilização
Econômica, que implementou a Comissão Nacional de Preços. A referida comissão tinha como
atribuição o tabelamento de preços de alimentos, o controle da inflação, a análise dos custos
produtivos e a elaboração de pesquisas econômicas (Ibidem, p.116)
Com uma política econômica de viés intervencionista, os resultados incomodaram
pecuaristas e agricultores com a herança da ação estatal no campo produtivo. Em reportagem
do jornal Correio da Manhã, Domingos Vellasco, deputado eleito pela UDN para a Constituinte
por Goiás e que ajudou a fundar o PSB, partido ao qual esteve filiado oficialmente a partir de
1947, disse que “era meu intuito [...] expor pela imprensa a situação da lavoura e da pecuária
de meu Estado”. Citando o caso de Goiás, afirmou que “há nas fazendas goianas para mais de
100.000 cabeças de gado gordo [...] e cerca de 150.000 bois magros para a engorda” e que “o
mercado [está] inteiramente paralisado” e sem compradores. Na lavoura a situação não era
melhor e, afirmou o deputado, mais de um milhão de sacas de arroz estavam estocadas “sem
saída, sem preço, sem compradores”.
Com a ausência das relações de compra e venda, “não há dinheiro; os títulos vencidos
se amontoam nos Bancos” e, portanto, poderia gerar um efeito de crise estrutural em uma
economia regional dependente das atividades agropastoris. Quando perguntado pelo jornal
sobre as causas da crise da lavoura e da pecuária, o representante goiano no parlamento federal
citou desde causas de infraestrutura, tais como problemas de transporte, que dificultavam a
exportação, até a denúncia da política econômica do Estado Novo, que para “servir a seus
interesses políticos e constituir uma base no operariado urbano, enveredou pela demagogia
trabalhista, com a cumplicidade altamente compensada, dos capitães de nossa indústria”.103
Embora o deputado Vellasco tivesse sido eleito pela UDN, devemos lembrar que,
quando da fundação desse partido, havia grupos à esquerda dentro da sigla liberal-conservadora
em 1945: tratava-se do grupo denominado de Esquerda Democrática. Jorge Chaloub (2016, p.
24) nos informa que
a Esquerda Democrática também se afirma como grupo cada vez mais
autônomo – como a atuação dos seus dois deputados na Constituinte de 1945,
Hermes Lima e Domingos Vellasco, bem demonstra – até que, em 1947, o

103
Correio da Manhã, 11 jan. 1946.
98

grupo sai da UDN e forma o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Inicialmente


aliados dos liberais na resistência à ditadura, os socialistas caminham, ao
longo da República de 1946, para um terreno cada vez mais próximo do PTB
[...]. Os partidários de uma UDN mais distante de aspirações esquerdistas não
se mostraram, todavia, exatamente pesarosos pela saída e posterior
afastamento.

Importante para o nosso argumento é ressaltar que, embora o discurso da vocação


agrária esteja localizado pelo pensamento econômico brasileiro basicamente atrelado aos
liberais como Eugênio Gudin e Daniel de Carvalho (ministro da Agricultura do presidente
Dutra), Ricardo Bielschowsky (2004, p. 272) afirma que, no contexto em questão, “os
economistas que manifestavam preocupações com a estagnação agrícola e com a ineficiência e
os ‘lucros excessivos’ do setor industrial não eram necessariamente liberais”.
Partimos da ideia de que Vellasco, embora não fosse economista, e mesmo tendo sido
eleito pela UDN, não partilhava a lógica liberal da não intervenção. O argumento se sustenta,
acreditamos, ao lembrar que foi figura de proa na criação do PSB e, portanto, atrelado a uma
dinâmica intervencionista. Iremos ainda verificar que Jalles Machado, membro da bancada da
UDN goiana a partir de 1946, baseava sua ação política voltada para o mundo agrário de forma
sintonizada com as ideias econômicas de Eugênio Gudin (Ibidem, p. 43), como demonstraremos
mais à frente nesta tese.
A crise da pecuária motivou constituintes de vários estados, dentre eles Jalles Machado
e Galeno Paranos (UDN-Goiás), João Henrique (PSD-Minas Gerais), Flores da Cunha (UDN-
Rio Grande do Sul), a se manifestaram no sentido de obter do governo providências para salvar
os pecuaristas da “bancarrota”.104
A edição de 02 de abril de 1951 da Tribuna da Imprensa traz uma reportagem do
jornalista Robério Júlio, enviado especial para a cobertura da passagem do presidente Getúlio
Vargas pelo Triângulo Mineiro, intitulada “Perdão da dívida pecuária e amparo econômico ao
criador”. Robério Júlio aponta que se tratava de uma crise de atacava todos os envolvidos na
atividade pecuarista, mas afirma que “duas classes estão gritando: o produtor e o
consumidor”.105 Criticando as ações governamentais que buscavam resolver a questão apenas
no âmbito do consumo, isto é, da inflação e falta de oferta de carne, o enviado do jornal carioca
reforça que “o criador em desamparo financeiro, [está] entregue à exploração dos
intermediários”.

104
Correio Paulistano, 15 mar. 1946.
105
JÚLIO, Robério. “Perdão da dívida pecuária e amparo econômico ao criador”. In: Tribuna da Imprensa, 02
abr. 1951.
99

Ainda de acordo com o correspondente, a Sociedade Rural do Triângulo Mineiro,


entidade visitada por Vargas, pleiteava “uma ação corajosa, eficiente e justa, que faça
desaparecer o clima de moratória que envolve criadores e que possibilite o restabelecimento
imediato do crédito”. Na linha das medidas do governo esperadas pelos fazendeiros, a ideia
central era a adoção uma política de “desindividamento – o perdão puro e simples de todas as
dívidas pecuárias”. Cabia, na visão dos pecuaristas, ao Banco do Brasil resolver a crise, na
medida em que enxergavam a ação do banco como o elemento gerador dos problemas do setor,
ao cobrarem juros abusivos de créditos agrícolas.
Em reportagem publicada no dia 26 de março de 1951, o enviado especial do periódico
carioca dava para as lideranças da Sociedade Rural de Uberaba o direito de explicarem a
“verdadeira história” da crise. Na visão dos representantes de classe, o Banco do Brasil, ao criar
a Carteira Agrícola do Banco do Brasil e ao aprovar o crédito para o setor pecuarista, permitiu
a compra de reprodutores e de matrizes zebuínas que iriam melhorar a qualidade do criatório
do Brasil Central, contribuindo para o crescimento da atividade econômica. Ao perceber os
resultados lucrativos para a Carteira Agrícola, o banco, animado com os retornos pecuniários,
liberou verbas para a compra de animais de alto custo, porém com o fim da guerra e a crise
subsequente, decretou uma carta-circular (n. 2.305, de 14 de fevereiro de 1946) e abaixou o
preço dos animais na avaliação bancária, prejudicando os pecuaristas.
Interessante perceber que, na avaliação dos pecuaristas entrevistados, o Banco do Brasil
“esquecido de que era e é, antes de tudo, um departamento de Estado e não um banco privado
[...] agiu com o critério de um estabelecimento particular e com a preocupação exclusiva de
salvar o seu dinheiro [...]”.106 Essa opinião indica que, na perspectiva dos fazendeiros, o Estado
era visto como uma fonte de obtenção de capital, visão essa que destoa da lógica corrente no
pensamento econômico brasileiro, que os associa recorrentemente à visão liberal.
Getúlio Vargas, como ainda aponta a reportagem em questão do dia 26 de março de
1951, apoiava a causa dos pecuaristas, embora o chefe da Carteira Agrícola do Banco do Brasil,
o senhor Loureiro da Silva, tenha apontado que as causas da crise eram especulativas, e estava,
portanto, em dissonância com o chefe do Executivo federal.107 O perdão para com as dívidas
dos pecuaristas foi sancionado por Vargas na forma da Lei n. 1.728, de 10 de novembro de

106
“Crise provocada pelo Banco do Brasil – A história verdadeira da queda do zebu – Ilusório reajustamento das
dívidas – Loureiro da Silva contra Getúlio”. In: Tribuna da Imprensa, 26 mar. 1951, p. 1.
107
Tribuna da Imprensa, 26 mar. 1951.
100

1952, porém era válida apenas para os pecuaristas do chamado “Polígono das Secas” e que
estavam em situação calamitosa frente aos problemas da falta de chuva.
Buscando ampliar a validade da lei para todos os pecuaristas do território nacional e
assim atendendo aos interesses em conjunto dos pecuaristas do Brasil Central, Coutinho
Cavalcanti108 (PTN), deputado eleito pelo estado de São Paulo, apresentou o projeto de lei n.
3.279, no ano de 1953, para a análise da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal.
Para dar sustentação e justificar a ampliação do auxílio fiscal, o deputado afirmou que tal
medida “assim, igualando estes elementos laboriosos aos do Polígono das Secas, desafogar-se-
á a aflitiva situação dos que lidam com o gado, dando ensejo aos mesmo para melhorarem as
condições dos seus rebanhos, com a normalização do fornecimento de carne, leite e sucedâneos
às populações citadinas”.109
O parecer do projeto de lei apresentado por Coutinho Cavalcanti ficou nas mãos da
relatoria do deputado mineiro Rondon Pacheco (UDN) e foi considerada uma “medida
injurídica, constituindo precedente discriminatório nocivo ao crédito, com evidente prejuízo
para terceiros” (Ibidem, p. 2).
Recuando temporalmente a análise de José de Souza Martins (1994, p. 80), que
identifica no pós-1964 uma série de incentivos fiscais para o avanço da agropecuária para a
fronteira amazônica, podemos ver que a fome dos grandes fazendeiros por apoio financeiro e
fiscal por parte do Estado encontrava-se também no contexto abordado nesta tese.
Frente às demandas geradas pela crise do setor pecuarista na virada dos anos de 1940
para 1950, as elites agrárias buscaram sua consolidação no campo político do pós-1945 com
representantes que atuavam vinculados aos seus interesses e necessidades. Outro tema que
apontou para a necessidade do reforço de representantes dos interesses dos grandes pecuaristas
goianos foi a velha demanda da maior integração econômica de Goiás e a construção de Brasília
tornou-se a oportunidade para a efetivação de tal desejo. Nota-se ainda que a temática da

108
“Joaquim Nunes Coutinho Cavalcanti nasceu em Recife no dia 1º de maio de 1906, filho de José Peregrino
Albuquerque Cavalcanti e de Maria Augusta Coutinho Cavalcanti. Formou-se pela Faculdade de Medicina de
Minas Gerais em 1932 e radicou-se em seguida em São José do Rio Preto (SP). Cirurgião, no pleito de outubro de
1934 foi eleito vereador à Câmara Municipal, exercendo o mandato de maio de 1935 a 10 de novembro de 1937,
quando o golpe do Estado Novo suprimiu os órgãos legislativos do país. No pleito de outubro de 1946 candidatou-
se à prefeitura de São José do Rio Preto, assumindo o mandato em fevereiro seguinte. Desincompatibilizando-se
do cargo, no pleito de outubro de 1950 candidatou-se a uma cadeira na Câmara dos Deputados, pela legenda do
Partido Trabalhista Nacional (PTN). Eleito, deixou a prefeitura de São José do Rio Preto, assumindo uma cadeira
na Câmara em fevereiro do ano seguinte” (“JOAQUIM NUNES COUTINHO CAVALCANTI” (verbete
biográfico). In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC, 2010).
109
BRASIL. Câmara dos Deputados. “Despacho de 24 de junho de 1953, do Sr. Coutinho Cavalcanti sobre o
projeto de lei n. 3.279”.
101

reforma agrária ganhou tração no debate público brasileiro e goiano e a saída, cogitada à época
pelas elites agrárias, era investimento em modernização do campo para não haver espaço para
uma divisão das terras, especialmente das improdutivas.
Iremos na sequência compreender de que maneira a crise da pecuária se desdobrou nos
quadros da vida política de Goiás. Amparados nas ações parlamentares de três congressistas
goianos, vamos analisar quais foram as respostas para a referida crise, destacando as três
tipologias políticas já mencionadas: o cristianismo oligárquico, o liberal-conservadorismo e o
socialismo de base cristã.

3.2. As vozes políticas do campo.


3.2.1. Cônego Trindade: “De batina e botina”.
A partir da década de 1950, a atuação da Igreja Católica no Brasil no âmbito da reforma
agrária, do avanço da legislação trabalhista para o campo e de outros temas referentes à vida do
homem simples do meio rural foi fartamente explorada pela literatura especializada. Aspásia
Camargo (2007, p. 174) nos informa que, a partir de 1950, a Igreja Católica buscou reaver a
sua “tradicional audiência rural”. Nas palavras de D. Inocêncio Engelke, liderança católica em
Minas Gerais e organizador da Primeira Semana Ruralista, ocorrida em janeiro de 1950,110 a
ação da Igreja no campo deveria ser rápida, pois
os agitadores estão chegando ao campo. Se agirem com inteligência nem vão
ter necessidade de inventar coisa alguma. Bastará que comentem a realidade,
que ponham a nu a situação em que vivem ou vegetam os trabalhadores rurais.
Longe de nós, patrões cristãos, fazer justiça movidos pelo medo. Antecipai-
vos à Revolução. Fazei por espírito cristão o que vos indicam as diretrizes da
Igreja (ENGELKE apud CAMARGO, 2007, p. 175).

As diretrizes da Igreja Católica orientavam uma aproximação com os trabalhadores do


campo para que as ideias à esquerda não os conquistassem primeiro, fazendo com que a Igreja
perdesse a influência na massa de trabalhadores do campo brasileiro. As metas de tal
aproximação previam ainda a criação de lideranças orgânicas nos movimentos rurais e a
conquista de direitos como assistência médica, proteção contra acidentes no ambiente de

110
“Entre 3 e 10 de setembro de 1950, na cidade de Caxambu, a Diocese de Campanha realizou a sua Primeira
Semana Ruralista sob a liderança de Dom Inôcencio Engelke (1881-1960). Foram 8 dias de evento, contando com
a presença de 250 fazendeiros, 270 professoras rurais, além de religiosos e religiosas representando os
estabelecimentos de ensino secundário, cuja maior parte dos alunos provinha de regiões agrícolas. O evento foi
fruto de um trabalho de colaboração que ocorreu entre o Ministério da Agricultura e os setores do clero nacional
em uma reunião realizada na Universidade Rural de Minas Gerais, em Viçosa, em julho de 1947; o objetivo
primeiro era a realização de cursos para padres acerca das zonas rurais” (SOUZA, 2020).
102

trabalho, crédito rural e o direito de plantar. Aspásia Camargo (2007, p. 176) identifica um viés
reformista de base conservadora, que visava a “desproletarização” dos homens e das mulheres
do campo.
Embora a máxima do engajamento da Igreja nas questões agrárias tivesse como meta
evitar a eclosão de uma saída revolucionária, “a primeira constatação que a Igreja fez foi a de
que a distribuição dos bens, em particular a terra, era distribuição injusta” (MARTINS, 1994,
p. 108). Ao contrário da interpretação de Aspásia Camargo (2007, p. 176), José de Souza
Martins (1994, p. 109) reconhece uma postura moderna da Igreja no Brasil, ao identificar a
nessa instituição a prevalência da força transformadora do capital em detrimento da força
conservadora da terra. Isto significa, na análise de Martins, que a atuação da Igreja preconizou,
“num primeiro momento, o desenvolvimento capitalista e o progresso material como
instrumento da promoção humana e justiça social”.
A atuação da Igreja Católica no Brasil deve ser analisada como uma “Instituição que
busca, ao mesmo tempo, interferir na estrutura política da sociedade e pregar sua mensagem
religiosa, sendo a ênfase em um desses caminhos orientada por conflitos endógenos e exógenos.
No início da década de 1960 e nas reformas operadas dentro da estrutura eclesiástica, a visão
da Igreja Católica passava a defender que “a promoção dos agricultores deveria ser realizada
pelos próprios agricultores” (PORPHIRIO, 2016, p. 79-80). O instrumento de tal ideia foi o
Movimento de Educação de Base (MEB), que teve forte atuação nas regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste e era norteado pelos seguintes princípios:
1) a ideia de que antes de se organizar politicamente, a população rural deveria
estar “consciente” das formas de dominação a que estava submetida; 2) nas
teorizações da Igreja Católica brasileira, o foco na juventude rural foi
enfatizado, pois dela surgiriam as futuras lideranças rurais, que, por sua vez,
atuariam na organização da população rural; 3) os católicos progressistas
acreditavam a referida “conscientização” viria por meio da introdução de uma
“nova” e “endógena” cultura popular, em oposição àquela imposta e alienante.
A alfabetização assumia importante papel na constituição dessa “nova”
cultura popular (Ibidem, p. 80).

Em Goiás, na passagem dos anos de 1950 para os anos 1960, o então Arcebispo de
Goiânia, D. Fernando111, “também se opunha ao ‘perigo real do socialismo’” e “preferia usar a
palavra ‘revisão agrária’, e não ‘reforma agrária’” e “o medo de uma reforma agrária do tipo

111
Dom Fernando Gomes dos Santos (1910-1985) assumiu o Arcebispado de Goiânia em 1957 e teve importante
atuação no cenário cultural goiano, com a criação da Sociedade Goiana de Cultura em 1958. Ele implementou
uma prática de reforma agrária em uma fazenda na cidade de Corumbá de Goiás, de propriedade da Igreja. Além
disso, atuou ativamente nas sessões do Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1968 (“Dom Fernando” (verbete
biográfico). In: Portal do Instituto Dom Fernando – PUC Goiás, sem data).
103

socialista era evidente. Contudo os bispos se opunham, também, contra a inércia do Estado”
(AMADO, 1996, p. 39).
Como citamos no parágrafo anterior, o desejo do catolicismo de evitar uma saída radical
para a questão agrária no Brasil, aponta que “a militância católica era diferente da militância
comunista, em muitos aspectos” (MARTINS, 1994, p. 112). A militância católica tinha como
meta a manutenção do homem do campo na terra e a ampliação do capital simbólico da figura
do camponês. Importante citar ainda que a reforma desejada pela Igreja passava pelo respeito à
propriedade privada (Ibidem, p. 113). Atitudes aparentemente contraditórias, mas que
apontavam para uma simbiose de metas progressistas e conservadoras nas ações da Igreja.
Do ponto de vista institucional, a Igreja católica abrigava simultaneamente àqueles que
eram favoráveis a uma certa reforma agrária e outros que portavam um viés mais próximo aos
interesses das classes proprietárias, como é o caso de José Trindade da Fonseca e Silva, mais
conhecido como Cônego Trindade.
Nascido na cidade goiana de Jaraguá, no dia 07 de junho de 1904, era filho de Ernesto
Camargo da Fonseca e Ernestina Lina de Oliveira. Como aponta Antônio César Pinheiro (2006,
p. XI), biógrafo do Cônego, a morte do pai, vítima de uma emboscada no dia 30 de maio de
1914, “ficou impressa em sua vida, plasmando no órfão uma vida de luta e de franco combate
à antiga ordem política de Goiás, o que levou, mais tarde, a ser um ardoroso correligionário de
Pedro Ludovico”.
Entre 1924 e 1928, Cônego Trindade realizou os estudos teológicos no Seminário de
Mariana, em Minas Gerais, onde se destacava “pela disciplina nos estudos e excelência de seus
trabalhos intelectuais”. Em 04 de maio foi ordenado diácono e em 08 de junho foi elevado a
presbítero. Posteriormente,
retorna a Goiás e entra em cheio na campanha da Aliança, escrevendo nos
jornais que se batiam contra a velha ordem política instituída. Em 1930,
estourando o movimento revolucionário, é preso no dia 05 de outubro e
remetido para a Cidade de Goiás, sendo detido na Chácara do Bispo, de onde
saiu no dia 25 de outubro, quando já vitoriosa a Revolução [...] Alguns anos
depois, demorando o advento de uma constituição para o Estado Novo112,
como ferrenho combatente dos governos totalitários, adere ao movimento de
São Paulo pela constitucionalização do país, sendo a única vez em que não se
colocou ao lado de Pedro Ludovico (Ibidem, p. XII).

112
O texto provavelmente buscou fazer menção ao novo governo pós-1930 e aos eventos que desembocaram no
Movimento Constitucionalista de 1932.
104

Cônego Trindade atuou entre a década de 1930 e 1940 como professor na cidade de
Silvânia, iniciou a carreira eclesiástica em Anápolis e dirigiu na mesma cidade o jornal O
Anápolis. Seguindo na trilha do jornalismo, assumiu em 1939 o jornal da Arquidiocese de
Goiás, Brasil Central. Em 1948 publicou duas obras: Poliantéa (sobre Dom Emanuel Gomes
de Oliveira, Bispo de Goiás) e Lugares e pessoas: subsídios eclesiásticos para a história de
Goiás.
A entrada para a vida partidária se deu em 1945, em Anápolis: “fora um dos fundadores
do PSD em Goiás, ocupando o lugar de primeiro secretário do Diretório Municipal em
Anápolis, naquele tempo, o maior reduto eleitoral”. Participando da criação do partido
ludoviquista em Goiás, era ainda “amigo pessoal de Pedro Ludovico [e] elege-se suplente de
Deputado Federal de 1950 a 1954, assumindo a Secretaria de Educação do Estado de Goiás em
1951” e
em 1955, elege-se Deputado Federal, quando lutou pela interiorização da
capital federal [...] onde defende com argumentos histórico e de progressos a
construção de Brasília. Na Câmara Federal realizou 345 discursos, de pequeno
e grande expediente, sobre os mais diversos assuntos, não se furtando de dar
a sua contribuição ao país. Em 1958 recebe o título de cidadão de Delfinópolis,
Minas Gerais, por serviços prestados aos pecuaristas daquela região mineira.
Nesse sentido publica um opósculo acerca da pecuária como fomento à
riqueza nacional. Vencendo seu mandato em 1959, é nomeado Presidente do
Conselho Regional do Serviço Social Rural de Goiás, assumindo, ainda, uma
das Diretorias do Banco do Estado de Goiás (Ibidem, p. XIII).

Cônego Trindade exerceu atividade parlamentar entre os anos de 1955 e 1959.


Recuperamos aqui um discurso por ele proferido na Tribuna da Câmara, na sessão do dia 06 de
março de 1957, intitulado “O drama da pecuária nacional: sua origem e solução”, que indica a
filiação do deputado goiano às demandas da elite agrária regional e nacional. As vinculações
com as pautas rurais do deputado goiano eram ideológicas e institucionais, na medida em que
ele ocupava também o posto de membro diretor da Confederação Rural Brasileira.
Interessante perceber que, na tentativa de mostrar um distanciamento produtor de uma
presumível parcialidade frente ao tópico em questão, o deputado afirma que
presto nessa altura e com muita oportunidade meu modesto depoimento, eu
que não tenho interesses de ordem pessoal ou financeiro e o faço no intuito,
sobretudo, de esclarecer a mentalidade nova que aí está e que julga essa
situação caótica mais sobre um prisma de destacada excepção, deixando, na
realidade, ao largo, uma coletividade de fazendeiros completamente ao
abandono, como todos os seus bens penhoras, créditos suspensos e negócios
paralisados, à mercê das contabilidades inumanas de muitos bancos [...]
(SILVA, 1958, s. p.).
105

Com o objetivo de justificar a sua retórica, continua o parlamentar, afirmando que “o


faço com a mesma sinceridade, porque não sou fazendeiro, não tenho financiamento, não sou
pecuarista. Move-me a defesa dos legítimos homens da terra, fazendeiros simples que no
passado, acreditaram no fogo fátuo de um estado ditatorial” (Ibidem, s. p.). Vale lembrar que,
em Goiás, o Estado Novo era representado por Pedro Ludovico Teixeira, que como citamos
anteriormente travava próxima amizade com o Cônego Trindade.
O padre deputado identificava no Estado Novo varguista a origem da crise da pecuária
que, por intermédio do Banco do Brasil, “incentivou, assistiu, manipulou os créditos de
financiamentos”. Cônego Trindade afirmou ainda que muitas pessoas que não faziam parte do
métier pecuarista e que, por contatos políticos à época, receberam financiamento e crédito do
Banco do Brasil e se tornaram “falso fazendeiros” ou “fazendeiros do asfalto”, contribuindo
para uma crescente especulação com os valores dos animais. Citando a já mencionada circular
n. 2.305 do Banco do Brasil, de 1946, através da qual o banco cortou o crédito e reduziu
drasticamente o valor de comércio dos animais, acabando com a era do “bezerro de ouro”.
Seguiu-se, de acordo com o parlamentar uma “quebradeira dos fazendeiros que acreditaram nos
benefícios outrora anunciados e facilitados pelo Banco do Brasil” (Ibidem, s. p.).
A saída para o deputado goiano passava pela validação retroativa da lei n. 2.804, que
conferia as normas processuais para o reajuste das dívidas dos pecuaristas e que seria
promulgada em 25 de junho de 1956 pelo presidente Juscelino Kubitschek (PSD) e pelo
ministro da Fazenda José Maria Alkmin (PSD). Contudo, frente ao entendimento do Ministério
Público de que a lei não poderia ser retroativa, “tal situação acarreta as mais graves
consequências à pecuária brasileira, onde, perto de 20 mil fazendeiros financiados se encontram
com seus bens penhorados, e créditos congelados” (Ibidem, s. p.).
Cônego Trindade reconhece ainda a necessidade por parte do Banco do Brasil de
“separar o trigo do joio” e diferenciar os chamados “fazendeiros do asfalto”, que apenas
especularam com os animais adquiridos frente aos créditos bancários, dos “verdadeiros
fazendeiros”, que “acreditaram no fogo fátuo do financiamento à pecuária nascido no ventre de
um Estado Totalitário que precisava, à guisa de propaganda, do apoio do ruralismo brasileiro”
(Ibidem, s. p.).
Já em 1958, na construção política de uma saída para os fazendeiros endividados, o
deputado goiano reuniu-se com José Maria Alkmin, então ministro da Fazenda, na busca de
maiores informações. Na ocasião, o comandante da pasta informou que “estava dando curso
normal a todos os processos inerentes ao propalado reajustamento dos pecuaristas” e que cabia
106

aos congressistas oferecerem suporte legal para o encaminhamento célere no sentido da


resolução dos problemas dos pecuaristas (Ibidem, s. p.).
No dia 28 de fevereiro de 1958, encaminhando para o fim de outro pronunciamento na
Câmara, Cônego Trindade retomou o problema dos pecuaristas e afirmou que a sua luta
remontava à época do Estado Novo e que o “célebre DIP abafava os meus protestos na imprensa
do Brasil Central. Trata-se de um os graves erros econômicos, no Estado Novo. Erro que só o
Estado cumpre sanar. Essa é minha bandeira, essa é minha atitude” (Ibidem, s. p.). Ele finaliza
o referido discurso com as seguintes palavras:
Não estou nessa luta para defender os falsos fazendeiros. Absolutamente.
Cumpre, entretanto, ao Banco do Brasil, historicamente o maior responsável
pelo desbarato de tanto dinheiro da Nação, separar os legítimos homens do
campo, daqueles paraquedistas, os célebres fazendeiros do asfalto, cujas terras
que não existiam foram substituídas pela afilhadagem política dos corifeus
que endeusaram o regime inaugurado em novembro de 37.

A batina do Cônego Trindade esteve, portanto, claramente vinculada à defesa dos


pecuaristas nacionais e naturalmente goianos, apontando que os pés e, portanto, as botinas
estavam também pisando no solo de defesa dos interesses do mundo agrário.

3.2.2. Jalles Machado: o liberal-conservadorismo e o agrarismo.


Jalles Machado de Siqueira nasceu em São Joaquim da Serra Negra, no estado de Minas
Gerais, no dia 14 de abril de 1894. Graduado em Engenharia Civil na prestigiosa Escola
Politécnica de São Paulo no ano de 1919, foi homem público, empresário e agropecuarista em
Goiás. Nos anos finais da Primeira República, assumiu em 1928 a Intendência da cidade de
Buriti Alegre, no interior goiano, pelo Partido Libertador de Goiás e prosseguiu sua ascensão
aos quadros da administração pública de Goiás como secretário de Viação e Obras Públicas,
sendo nomeado em 1929 pelo então presidente do estado, Alfredo Lopes de Moraes. Foi ainda
diretor da Estrada de Ferro de Goiás no começo dos anos de 1930; fundou e dirigiu, entre 1931
e 1933, a Empresa de Força e Luz Minerva de Buriti Alegre e administrou suas propriedades
rurais (FERNANDES; AQUINO, 2001).
Jalles Machado foi um dos fundadores da União Democrática Nacional em Goiás, no
ano de 1945. Importante ressaltar que no momento de criação da UDN em Goiás e no âmbito
nacional, a sigla abrigava uma corrente de esquerda, que localmente foi representada na figura
de Domingos Vellasco. Jalles e Domingos, embora estivessem na mesma sigla, tinham posições
políticas distintas e traziam algumas desavenças de anos anteriores. Tais situações resultaram
no desligamento de Vellasco da UDN. Jalles Machado, ao ser eleito deputado constituinte pela
107

UDN, “rasgou o véu que encobria os erros e os crimes praticados em quinze anos de arbítrio
em Goiás” (BRITTO, 1980, p. 164).
Entre 1946 e 1955, sempre como importante figura da UDN de Goiás, Jalles Machado
representou e defendeu pautas relevantes para grupos da elite do estado – elite da qual ele era
integrante –, como a defesa dos interesses de agricultores e de pecuaristas, além de ter sido um
ferrenho combatente pela melhoria da infraestrutura de transportes. Nesse sentido, um
ambicioso projeto encampado por Jalles Machado foi a criação de uma rede integrada de
rodovias, ferrovias e hidrovias, intitulado de “Anápolis-Belém”, integrando o Centro-Oeste
com o Norte do país. Na visão de Clever Luiz Fernandes e Reginaldo Aquino (2001, p. 72),
havia contornos de “utopia” na ambição do político goiano. Os autores afirmam que
o objetivo central desse projeto de Jalles Machado era o da valorização
econômica da região Amazônica, pois, para ele, o homem só pretende realizar
o sonho de progresso de modernidade porque existe algo quase “inato” nele,
uma tendência natural para o progresso econômico (Ibidem, p. 74).

No horizonte de expectativa de Jalles Machado, havia uma relação de continuidade entre


desenvolvimento econômico, progresso e modernização. Acrescentamos que, além da lógica
de valorização da região amazônica presente no projeto do congressista goiano, havia também,
naturalmente, a meta de facilitar o problema histórico de Goiás de escoamento da produção
agrícola e que acarretaria, também, na valorização das terras goianas. Contudo “o ideal de
desenvolvimento não foi obtido pelo projeto de Jalles Machado, mas a construção da rodovia
Belém-Brasília113 provocou mudanças significativas na região Norte” (Ibidem, p. 78).
No tocante aos temas diretamente vinculados à economia agrária, a atuação do udenista
goiano foi incisiva, em especial nos debates constituintes do ano de 1946. Em discurso realizado
na sessão do dia 27 de fevereiro de 1946, intitulado “Advertência à Constituinte: a lavoura e a
pecuária sob a economia dirigida do Estado Novo”, Jalles Machado opera sua retórica com base
na crítica ao modelo intervencionista da economia adotado à época do Estado Novo e afirma
ser o “dirigismo estatal” um problema para o desenvolvimento da economia agrária brasileira,
que busca frear o seu continuísmo e seus ecos na nova ordem política e econômica do pós-1945.
Diz o deputado constituinte de Goiás que
“O Jornal” de 15-2-46 anunciou que vai ser, ou já foi constituída nova
comissão de tabelamento, sem participação dos produtores. Ora, Sr.
Presidente [da Câmara Federal], nesta altura, quando já nos achamos reunidos

113
“A Belém-Brasília foi oficialmente inaugurada em 3 de fevereiro de 1959. A cerimônia aconteceu nas
proximidades de Açailândia, no Maranhão, onde ocorreu o encontro das duas frentes de trabalho” (FERNANDES;
AQUINO, 2001, p. 77).
108

em assembleia constituinte e somos, portanto, uma parte do poder público,


não poderíamos deixar de vir clamar que já era tempo de ser abandonado esse
tipo de economia dirigida, que tantas desgraças de ordem moral e material já
tem causado à nossa pátria (MACHADO apud FERNANDES; AQUINO,
2001, p. 191).

Buscando exemplos concretos dos males gerados pelo “dirigismo estatal” na economia
agrícola brasileira, Jalles Machado (apud FERNANDES; AQUINO, 2001, p. 191) afirma que,
no caso do café, “a sua obra destruidora começou em 1931, quando, como solução à crise
cafeeira, adotou-se uma contribuição obrigatória, em espécie, para ser queimada” e que o
intervencionismo estatal recaiu sobre os ombros dos produtores de cana, que “no interior do
Brasil, lá pelos sertões, onde o transporte de um saco de açúcar vale mais que o seu valor de
custo, o povo se socorria de suas engenhocas, onde se produzia a rapadura, o açúcar de fôrma
e a sua indispensável pinguinha”, porém, com a criação do “Instituto do Açúcar e do Álcool”,
a produção deveria ser restrita aos grandes engenhos e com cotas de produção .
Remetendo à crise que a pecuária enfrentava na transição da ditadura varguista para o
período democrático, o representante por Goiás afirma que “aos descalabros que a inflação
descontrolada vai levando o nosso país, nem se puderam opor aos seus efeitos estimulantes
sobre a produção” (MACHADO apud FERNANDES; AQUINO, 2001, p. 191). O constituinte
ainda declara que, a simples sinalização de uma política de retração de crédito aos pecuaristas
(distinta da prática expansionista dos anos anteriores), apontada pela Superintendência da
Moeda e do Crédito (SUMOC)114, “foi bastante para lançar a pecuária do Brasil Central na
pavorosa crise econômica em que ora se debate, ameaçando levar à ruína uma das classes mais
laboriosas e patrióticas, tal a dos criadores e invernistas [...]” (MACHADO apud
FERNANDES; AQUINO, 2001, p. 192).
Ao defender o auxílio do Estado em momentos de crise da economia, como na situação
dos pecuaristas, que precisavam do perdão das dívidas para contrair novos empréstimos via
Banco do Brasil, Jalles Machado articulava-se com o a teoria de Eugênio Gudin, que
“[...]aceitava alguma intervenção do Estado para corrigir as deficiências de funcionamento do
sistema econômico em períodos de depressão [...]” (BIELSCHOWSKY, 2004, p. 43). O

114
“A Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) foi criada no final do primeiro período de Getúlio
Vargas como presidente da República, pelo decreto-lei nº 7.293, de 02 de fevereiro de 1945, que instituiu a
autoridade monetária brasileira, com a missão de preparar a organização de um Banco Central no país. A sugestão
de se criar a superintendência, como alternativa à criação imediata de um Banco Central, foi de Octavio Gouvêa
de Bulhões, em 1939. Durante a gestão do ministro da Fazenda Arthur de Souza Costa, a avaliação era de que
seria conveniente um estágio intermediário devido ao contexto econômico da época” (“História da SUMOC”
(verbete temático). In: Página Oficial do Banco Central do Brasil, sem data).
109

receituário para resolver os problemas da economia rural oriundos do Estado Novo, como
proposto pelo político goiano, ratifica o modelo neoliberal de Gudin (Ibidem, p. 37): “A
terapêutica para nossos males todos sabem: corte nas despesas; deflação lenta com os superávits
orçamentários, liberdade sobre todas as formas e justiça como garantia da paz social: rumo aos
campos, trabalho e sacrifício” (MACHADO apud FERNANDES; AQUINO, 2001, p. 195).
Atuando novamente em defesa dos interesses da “lavoura e da pecuária”, Jalles
Machado pronunciou outro discurso na Assembleia Constituinte no dia 12 de março de 1946,
intitulado “Em defesa da Pecuária e da Lavoura”. Como produtor de café, uma das atividades
agrárias operadas pelo político goiano, o primeiro tema a ser abordado na fala aos demais
congressistas versou sobre a crise cafeeira. Ele ressaltou a importância à época da velha
atividade nacional que, “apesar de todas as vicissitudes, ainda dá 50% aproximadamente, das
nossas exportações” (MACHADO apud FERNANDES; AQUINO, 2001, p. 197).
Três dias após o discurso em questão, cumprindo a promessa do então ministro da
Fazenda do governo Dutra, Gastão Vidigal (que esteve no comando da pasta de 31 de janeiro
até 14 de outubro de 1946), de acabar com o Departamento Nacional do Café (DNC), foi
promulgado o decreto-lei n. 9.068, que colocava um fim nas ações do órgão estatal. Em seu
discurso, Jalles Machado aplaudiu a decisão do dutrismo (MACHADO apud FERNANDES;
AQUINO, 2001, p. 197) e apontou o produtor de café e político goiano que era necessário, além
da liberdade cambial, da reabertura da Bolsa do Café, da ampliação de mercados, do corte da
bitributação do produto e da extinção do DNC, uma ação para “debelar o custo da produção
[...] dando-nos subsídios como vem acontecendo ou eliminando os preços tetos”. Na sua
empreitada contra os ecos do intervencionismo, Jalles Machado afirmou que
a medida mais eficiente de amparo, não só do café, mas de toda a lavoura
nacional, coibida a especulação criminosa, seria o abandono absoluto do
dirigismo econômico e a decretação da inteira liberdade de comércio e
produção (MACHADO apud FERNANDES; AQUINO, 2001, p. 197-198).

Amarrando as pontas do seu pensamento neoliberal na Assembleia Constituinte, o


deputado diz que o esquecimento do dirigismo era fundamental
para que seja possível o reajustamento natural dos preços dos produtos
industriais e agrícolas; para que, pelos meios racionais e naturais, as
atividades, no campo, recompensadas como as da indústria, induzam os
nossos trabalhadores a ele retornarem e de onde estão fugindo, com razão,
como quem foge da miséria; para que possamos voltar ao ritmo da nossa
produção agrícola que foi e será, por muito tempo ainda a principal fonte de
riqueza e prosperidade nacionais (MACHADO apud FERNANDES;
AQUINO, 2001, p. 198).
110

Arrematando o raciocínio, Jalles Machado assume claramente que o objetivo seria o de


que “não venham faltar braços à lavoura”, que evitaria o crescente “aumento dos custos de
produção” para os produtores rurais brasileiros. Continuando o discurso e atendendo novamente
ao contexto da crise da pecuária, que “atravessa talvez a maior crise, em que patrimônios,
custosamente formados, estão na eminência de soçobrarem frente a débitos”, pede o
constituinte que o então ministro da Fazenda dispense a mesma atenção oferecida aos
cafeicultores para os pecuaristas e resolva as suas angústias financeiras, pois “se ainda não
igualou, em amplitude, o papel que a lavoura cafeeira desempenha na economia e nas finanças
nacionais, a pecuária já tem o seu lugar saliente nesse setor, e vem marchando a passos largos
para a posição que, aí, em futuro ocupará” (MACHADO apud FERNANDES; AQUINO, 2001,
p. 198).
O deputado goiano reconhece que a luta contra o dirigismo estatal e a “liberdade
absoluta de comércio e produção [...] possivelmente não traria um abaixamento imediato de
preços de algumas das utilidades, dada a escassez delas, que o desinteresse da vida do campo
[...] determinou”, gerado, na opinião do Constituinte, pelo modelo econômico do Estado Novo.
Dever-se-ia evitar a compressão e controle dos preços como à época da Guerra e “sob o efeito
da oferta e da procura, teria o seu preço mínimo natural” (MACHADO apud FERNANDES;
AQUINO, 2001, p. 198).
Jalles Machado afirma que a política de tabelamento dos preços era uma tática de Vargas
para fazer valer o seu “título de pai dos pobres”, que acabou ocasionando a supressão da
produção, isto é, a falta de produtos e o empobrecimento dos trabalhadores rurais: “era a política
de fazer barretada com o chapéu alheio, o chapéu esfarrapado do nosso pobre jeca tatú”.
Usando como exemplo a experiência americana115, “se o governo quer o barateamento dos
nossos produtos agrícolas, siga caminho oposto ao que tem trilhado de comprimir os seus
preços, unilateralmente enquanto, se torna sócio dos lucros extraordinários das indústrias”
(MACHADO apud FERNANDES; AQUINO, 2001, p. 200). Demonstrando claramente a sua
percepção econômica, Jalles Machado encaminha o seu discurso nos seguintes termos:
Imaginem, Sr. Presidente e Srs. Constituintes, que aos 2 bilhões de cruzeiros
de aumento de vencimentos do funcionalismo federal, ajuntássemos todos os
aumentos de salário que ultimamente tem sido concedidos a todos os demais
funcionários estaduais e municipais e a todas as classes trabalhadoras e
empregássemos essa soma quase astronômica na subvenção e no
aperfeiçoamento dos nossos meios de transporte e dos meios de produção

115
Ao citar o modelo americano durante a Guerra, Jalles Machado sofreu um aparte do deputado fluminense Carlos
Pinto (PSD-RJ), que afirmou que a política americana foi também de criar preços-teto, como havia sido informado
pela Comissão Americana.
111

agrícola. Qual seria o resultado? Teríamos, estou certo disso, um abaixamento


do custo da vida tão grande, que compensaria realmente, com muita largueza,
a falta desses aumentos. Por outro lado, os nossos campos não seriam os
desertos em que estão se transformando, mas seriam, na certa, uma vasta
superfície de produção e prosperidade, a promover nosso fortalecimento
econômico e financeiro e, então, poderíamos estar contribuindo para matar a
fome a essa grande massa sofredora, vítima do maior cataclisma que o mundo
já conheceu.

À luz da exposição do Constituinte goiano, a relação entre as características do Estado


capitalista com as
classes e frações dominantes, poderemos ver que esse Estado apresenta uma
unidade própria, conjugada com sua autonomia relativa, não na medida em
que se constitui o instrumento de uma classe já politicamente unificada, mas
na medida em que constitui precisamente o fator de unidade do bloco no poder
[...] Nesse sentido, a unidade do poder de Estado reside [...] em sua relação
particular com a classe ou fação hegemônica, no fato da correspondência
unívoca do Estado com os interesses específicos dessa classe ou fração
(POULANTZAS, 2019, p. 309).

Pela atuação parlamentar de Jalles Machado, podemos perceber uma postura ao mesmo
tempo de crítica à política intervencionista do Estado na vida social e principalmente
econômica, culminando numa defesa de que o Estado servisse aos interesses das elites do poder,
em especial, das elites agrárias.

3.2.3. Domingos Vellasco: o campo à esquerda.


Domingos Netto de Vellasco nasceu em Goiás, na antiga capital, no dia 08 de outubro
de 1899 e faleceu em março de 1973. Embora a carreira política de Vellasco remonte aos idos
do Movimento Tenentista, na década de 1920, e que ele tenha se graduado na Escola Militar do
Realengo em 1920, além de ter tido importante participação nos anos decorrentes da Revolução
de 1930 e se graduado também na Faculdade de Direito de Niterói em 1931, é a sua atuação no
pós-Estado Novo ganhará destaque em nossa análise.
Como apontamos anteriormente, e de acordo com a análise de Jorge Chaloub (2016, p.
24), o nascimento da UDN contou com uma vertente progressista chamada esquerda
democrática, que tinha Vellasco como um personagem de destaque nacional. De tal vertente
udenista foi criado o Partido Socialista Brasileiro (PSB), com Vellasco em posição de liderança.
Em 1947, momento em que estava vinculado ao jornalismo, profissão que o acompanhou ao
longo da vida, Vellasco “fundou, em Goiás, um jornal denominado ‘O debate’, órgão do Partido
Socialista Brasileiro” (CONTART, 1995, p. 67).
112

De acordo com as memórias do fazendeiro e político goiano Francisco de Britto (1980,


p. 162), Vellasco era um “político de extraordinária sagacidade” e “não era homem de recuar
diante de qualquer dificuldade. Era um cínico, à maneira de Maquiavel, para quem os fins
justificam os meios”. Na campanha presidencial do candidato da UDN em 1945, Vellasco “por
onde passava ia lançando as bases da UDN, através de comitês [...]”.
Ainda no curso da campanha presidencial de 1945, “houve uma concentração política
em Uberlândia, com a presença do Brigadeiro, e ali foram escolhidos os candidatos de Goiás à
Constituinte Nacional” (Ibidem, p. 163) pela UDN. Os selecionados foram Domingos Vellasco
e Francisco Britto, sendo que o último desistiu da campanha e indicou Jalles Machado de
Siqueira para o seu posto.
Nas eleições de 1945, Domingos Vellasco elegeu-se deputado federal pela UDN e foi
atuante na Assembleia Nacional Constituinte de 1946. Pela promulgação da nova carta magna,
teve seu mandato, como os demais, estendido até 1951.116 Iniciou uma carreira política marcada
à época pela defesa de pautas atreladas às demandas regionais de Goiás e seus estados vizinhos
e foi vice-presidente da Comissão Especial de Pecuária. Foi figura central na luta pelo perdão
das dívidas dos pecuaristas, como já apontamos anteriormente.
Atuou de forma incisiva nos debates sobre a nacionalização do petróleo e o controle
estatal dele. “Em 1950, Vellasco é eleito Senador” por Goiás, já desvinculado da UDN, e pela
sigla socialista. Vellasco participou de viagens internacionais na década de 1950, dentre elas a
reunião da Internacional Socialista de 1951 em Londres, e realizou viagens para a China como
representante do PSB (CONTART, 1995, p. 68). Vellasco foi ainda em 1958 eleito suplente de
deputado federal pelo PTB do Rio de Janeiro, porém renunciou na ocasião de sua nomeação
como juiz do Tribunal Superior do Trabalho, em 1961.
É possível perceber, no momento de fundação do PSB na trajetória de Domingos
Vellasco, uma adesão a um projeto socialista de verniz democrático e cristão, com flertes ao
conservadorismo católico. Contudo, mesmo aderindo partidariamente à esquerda, Vellasco
continuou usufruindo de uma posição importante no establishment político goiano.
Biógrafo, amigo e companheiro político de Domingos Vellasco, o jornalista e político
goiano Luiz Contart recorda como um homem de esquerda como Vellasco era capaz de criar
sociabilidade com fazendeiros goianos:

116
“VELASCO, Domingos” (verbete biográfico). In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – pós-1930. Rio
de Janeiro: CPDOC, 2010.
113

Lembro-me do Vellasco numa roda de fazendeiros, no Café Central117, pelos


idos de 1958, quando dizia a eles que os preços do boi, que eles criavam em
suas fazendas, era impostos pelos frigoríficos estrangeiros radicados no
Brasil, principalmente em Barretos, São Paulo. Os compradores do gado
goiano não permitiam nenhuma margem de lucro aos nossos produtores
pecuaristas (CONTART, 1995, p. 72).

Entendemos que a posição de Vellasco em relação à política de preços do gado brasileiro


estava atrelada a uma dinâmica do capitalismo internacional e sujeita, portanto, às ingerências
do grande capital. A praça comercial de Barretos (SP), ao estipular o preço da arroba dos
animais a serem abatidos, funcionava como uma caixa de ressonância de grandes
conglomerados da indústria da carne, que acabavam por escalonamento ditando os preços de
toda a cadeia pecuarista. A distância dos centros de abate e o controle dos preços ditados pela
economia internacional também era um problema de pecuaristas estadunidenses há muito
tempo, como já mencionamos anteriormente: “transactions were grunded on trust and cattle
owners were often far from the point of sale, allowing ample room for deception” (SPECHT,
2019, posição Kindle 2826).
Luiz Contart (1995, p. 72) afirma que “embora muitos desses fazendeiros tivessem
algum receio com a referência ao termo socialismo, pela confusão que se estabelecia com a
propaganda anti-comunista, Vellasco, mesmo assim, conquistava os votos tanto do fazendeiro”,
como de outros grupos sociais. Vellasco advogava a necessidade de auxílio financeiro aos
produtores rurais e criticava a própria estrutura produtiva goiana como sendo movida por uma
lógica arcaica.
Desde a Constituinte de 1946, Vellasco já se mostrava vinculado às demandas do mundo
rural, em especial à pecuária. Na edição de setembro do jornal fluminense O Campo,118 o
constituinte goiano é citado como um dos defensores da criação do gado zebu nacional e como
um importante representante dos interesses pecuaristas.
Importante ressaltar que a posição de Vellasco mais próxima aos interesses dos grandes
proprietários em um primeiro momento – embora sua visão humanista não o fizesse esquecer
dos desamparados no campo – estava, ao nosso ver, no cerne de sua disputa programática com
Luiz Carlos Prestes, que o acusava de condescendência com o grande capital e com o

117
A história de Goiânia passa invariavelmente pelo Café Central, que se localizava na esquina da rua 7 com a
avenida Anhanguera, no centro da capital. Foi um espaço de sociabilidade de boêmios e de trocas de informações
políticas e econômicas. Tornou-se uma importante rede de sociabilidade dos pecuaristas goianos, que ali se
reuniam e discutiam preços de animais no mercado, buscavam informações sobre compra e venda de gado e outros
temas referentes ao mundo rural.
118
“A momentosa questão do zebu nacional”. In: O Campo, set. 1946, p. 7-11.
114

imperialismo. Em resposta às críticas do “cavaleiro da esperança”, Vellasco publica “Carta a


um comunista”,119 divulgada na capa da edição do dia 07 de abril de 1946 do Diário de Notícias:
Enumerando os oito pontos que os diferenciava dos comunistas e logo, de Prestes, Vellasco
amarra seu argumento na máxima de que sendo cristão, não poderia aderir ao comunismo, na
medida em que os princípios desse sistema político e ideológico fosse materialista e ateu. O
constituinte goiano aponta para um realismo inerente à sua visão cristã, distante de uma certa
utopia comunista. Na montagem do seu argumento, ele nega o uso da violência e defende a
necessidade de uma autoridade para a concretização da vida social. Entendemos em suas ideias,
portanto, a elaboração de um modelo de socialismo pacifista e conservador, na medida em que
reconhece a importância de instituições diversas como o Estado e a religião.
Acreditamos que a tentativa reiterada de Vellasco nos anos 1950 de marcar uma posição
de distanciamento do comunismo e de defender que nunca esteve atrelado a tal ideologia era
não apenas uma questão programática, mas também uma questão de sobrevivência política em
um estado onde o peso dos fazendeiros era evidente. Contudo, percebe-se que temas relevantes
para as esquerdas reformistas e radicais estarão no horizonte de Vellasco a partir dessa mesma
década.
No final da década de 1950, mais especificamente nos anos de 1956, 1957 e 1959,
Domingos Vellasco realizou três viagens para a China, que geraram repertório para a
publicação do livro Nova China (1960). Dentre os vários aspectos abordados pelo político
goiano nesta obra, daremos atenção aos temas agrários. No capítulo III, intitulado “Luta contra
a fome”, Vellasco (1960, p. 25) reconhece que, após 1949, um dos grandes desafios do novo
governo chinês havia sido o “problema da fome e do frio que dizimavam milhões de criaturas,
anualmente”. Continua o político goiano:
[a] reforma agrária, de 1949 a 1959, foi lógica e necessária, nas suas
transformações. Em 1949, desapropriaram-se as terras dos latifundiários que
as arrendavam, sem nelas trabalharem. Tais terras foram imediatamente
doadas aos camponeses que as cultivavam, respeitando-se a propriedade
daqueles que, pessoalmente, trabalhavam as suas glebas. A terra se tornou,
assim, propriedade dos que a regavam com o suar do próprio rosto (Ibidem,
p. 26).

Ao analisar a dinâmica de criação das cooperativas de trabalho no campo chinês,


Vellasco afirma que elas surgiram como “grupos de ajuda mútua, uma espécie de mutirão120 do

119
VELLASCO, Domingos. “Carta a um comunista”. In: Diário de Notícias, 07 abr. 1946, p. 1.
120
De acordo com Antonio Candido (2003, p. 89), o mutirão é uma forma de solidariedade no mundo agrário
brasileiro e na sociedade caipira, que desempenha um papel de coesão social pela via do trabalho: “a necessidade
115

interior do Brasil. Os camponeses se reuniam para ajudarem uns aos outros nas tarefas
principais. Na interpretação dele, as cooperativas agrárias da China, que foram agrupadas na
forma de comunas populares, permitiram um aumento considerável da produtividade.
Comparando a produção de algodão da China com outros países, o então senador goiano afirma
que “a produção chinesa foi a que mais aumentou: 18,9%”, no decênio de 1949 a 1959, e outros
países como Índia (6,73%), Brasil (0,2%) não atingiram o mesmo nível de produtividade e nos
“Estados Unidos, houve um decréscimo de 28,1%” (Ibidem, p. 28).
Identificando que o incremento da agricultura resultou na possibilidade de combate à
fome do povo chinês, Vellasco diz que “o desenvolvimento da produção agrícola [...] melhorou
o seu nível de vida [e] elevou o seu poder aquisitivo, o que promoveu, por sua vez, o
desenvolvimento industrial” (Ibidem, p. 29).
No capítulo IV, intitulado “Notas sobre cooperativas”, Vellasco aponta que, de acordo
com a Constituição Chinesa de 1954, havia formas distintas de propriedade: estatal,
cooperativa, isto é, propriedade coletiva dos trabalhadores e propriedade dos trabalhadores
individuais (Ibidem, p. 33-34). O autor afirma que “minha impressão, já em 1956, era favorável
à reforma agrária empreendida pelo governo chinês. E pareceu-me que os camponeses estavam
verificando rapidamente a superioridade do cooperativismo sobre o individualismo” (Ibidem,
p. 37).
Continuando suas observações sobre o modelo chinês, no capítulo “Miséria e
latifúndios”, o autor afirma que “creio mesmo que a reforma agrária é o fator mais importante
do progresso da China, porque, sem ela, a industrialização não teria o êxito alcançado” (Ibidem,
p. 44). Interessante notar que Vellasco compara a situação dos camponeses sem terra na China
com os trabalhadores goianos, em situações correlatas:
quando leio a descrição das condições em que viviam esses trabalhadores,
lembro-me de que não diferiam muito das que prevaleceram, dezenas de anos,
em certas regiões de Goiás, no tratamento dos trabalhadores (camaradas) das
fazendas (Ibidem, p. 48).

Embora remonte à sua participação no governo goiano em 1930, no cargo de secretário


de Segurança Pública, Vellasco afirma que, lutando contra a situação dos camaradas no campo,
introduziu “pela primeira vez no Brasil, por um decreto-lei de 23 de dezembro daquele ano, o
contrato de trabalho, o salário-mínimo e o arbitramento nas questões entre patrão e empregado.
Foi o primeiro passo para liquidar a escravidão em que viviam os camaradas” (Ibidem, p. 48).

de ajuda, imposta pela técnica agrícola e a sua retribuição automática, determinava a formação duma rede ampla
de relações [...]”.
116

A reforma agrária, vista pelo senador como fundamental ao progresso econômico e social do
modelo chinês
não se limitou à distribuição da terra o que constituiu característica
fundamental de uma revolução agrária. Concomitantemente, foram tomadas
outras providências, para a adoção de novos implementos, mais fertilizantes,
melhores sementes, mais crédito, aumento da irrigação e técnicas modernas
(Ibidem, p. 51).

Na análise do político goiano, o sucesso da Revolução na China, iniciada em 1949,


encontra nas alterações da estrutura agrária, e naturalmente na mudança das relações de
produção e de posse da terra, o caminho para o sucesso do modelo de forma mais ampla.
Acreditamos que a prática política de Domingos Vellasco se sustentou na capacidade de
dialogar tanto com os grandes fazendeiros, que se reuniam no Café Central em Goiânia nos
anos de 1950 e estavam profundamente vinculados à defesa da propriedade privada da terra,
como simultaneamente o político sabia reconhecer e enaltecer as mudanças em curso na China
maoísta.
Contudo, vale a pena acrescentar que posteriormente Vellasco não mais se elegeu por
Goiás e escolheu o caminho da magistratura trabalhista. Se as suas críticas aos frigoríficos
internacionais encontravam audiência cativa entre os pecuaristas nas décadas anteriores, a elite
agrária goiana dos anos de 1960 não recebeu bem a sua obra, que apontava os méritos da
reforma agrária na China. O campo caminhava para a radicalização, como veremos de maneira
mais aprofundada no Capítulo 4.

3.4. O coro pelo campo goiano


Ao analisarmos as atitudes políticas de três importantes lideranças parlamentares de
Goiás, que atuavam ativamente nas temáticas relativas ao campo, conseguimos identificar e
tipificar uma tríade de posições políticas: o cristianismo oligárquico do Cônego Trindade, o
liberal-conservadorismo de Jalles Machado e o socialismo cristão de Domingos Vellasco.
A existência de uma polifonia advogando os interesses do mundo rural evidencia que,
frente às diferenças ideológicas ou programáticas, o fator de coesão interna dos representantes
políticos era o campo e as necessidades dos produtores rurais de Goiás, em especial dos
pecuaristas. No interior da própria elite política agrarista é possível identificar aquilo que era
observável no âmbito nacional do fim dos anos de 1940 e ao longo da década de 1950: a
existência de um campo político diverso, embora marcado por uma hegemonia dos grupos
vinculados ao pessedismo e ao udenismo. Os grupos claramente à esquerda eram minoritários,
mas não deixaram de ser importantes.
117

Ampliando a análise dos três atores políticos centrais nesta tese, e para além de suas
ações parlamentares, acreditamos ser pertinente chamarmos atenção para as suas aproximações
com as associações classistas interpretadas e descritas no Capítulo 2: a SGP e a FAREG.
Além da atuação parlamentar e eclesiástica, José Trindade da Fonseca e Silva – o
Cônego Trindade – foi membro-diretor da Confederação Rural Brasileira (CRB) e nomeado
para o cargo de Presidente do Conselho Regional do Serviço Rural de Goiás. Como já
mencionamos no Capítulo 2, a CRB era marcada por um perfil profissional, mais burocrático e
governamental, que encontraria na composição de suas lideranças conexões com o varguismo,
dentre eles o Cônego Trindade, haja vista a sua proximidade com Pedro Ludovico Teixeira.
Goiás e mais outros doze estados formavam as federações locais que participaram da
criação da CRB, em setembro de 1951 (HEINZ, 2006, p. 129). A CRB partia do pressuposto
de que as transformações do mundo rural, em temas como a reforma agrária e os direitos dos
trabalhadores do campo, deveriam ter o Estado como centro organizador das demandas sociais,
pois ele seria “a única instituição capaz de corrigir distorções sociais e eliminar entraves
estruturais à modernização da sociedade e da economia” (Ibidem, p. 130).
Podemos perceber que frente à sua luta pela pecuária nacional e local no final da década
de 1950, Cônego Trindade buscou uma via propositiva para a resolução da crise, que passava
pelo diálogo com o Ministério da Fazenda e por uma ação junto ao governo federal. Vale ainda
acrescentar que sua posição importante na CRB não estava em dissonância plena com a Igreja
Católica, na medida em que a primeira buscava a “sindicalização dos trabalhadores rurais e
pequenos proprietários” (Ibidem, p. 130) e uma ala reformista do catolicismo defendia a mesma
lógica para os problemas do campo brasileiro.
Um elemento a mais da atuação extraparlamentar do padre-político nas questões
relativas ao campo foi a sua atuação como presidente do Conselho Regional do Serviço Social
Rural de Goiás, órgão local vinculado ao Serviço Social Rural, órgão federal criado pela Lei n.
2.613, de 23 de setembro de 1955.121 A proposta para a criação do Serviço Social Rural foi
elaborada pelo deputado goiano Galeno Paranhos, que à época era colega de partido do Cônego
Trindade, isto é, ambos eram pessedistas, e que ao ser efetivada tinha como objetivos: prestar
serviços sociais no meio rural, visando à melhoria das condições de vida da população;
promover a aprendizagem e o aperfeiçoamento das técnicas de trabalho adequadas ao meio
rural; fomentar no meio rural a economia das pequenas propriedades e as atividades domésticas;

BRASIL. Presidência da República. “Lei n. 2.613, de 23 de setembro de 1955. Autoriza a União a criar uma
121

Fundação denominada Serviço Social Rural”.


118

incentivar a criação de comunidades cooperativas ou associações rurais; realizar inquéritos e


estudos para o conhecimento e a divulgação das necessidades sociais e econômicas do homem
do campo (PARANHOS, 1961, p. 59-60).
Como a FAREG estava vinculada na forma de ente federado à CRB, Cônego Trindade
atuou de forma sintonizada com a lógica norteadora das instituições, na medida em que buscava
constantemente uma aproximação com os aparatos do Estado que fossem favoráveis ao
intervencionismo nas atividades econômicas.
Crítico à intervenção estatal no âmbito econômico, mas unido pela causa do campo
goiano estava o udenista Jalles Machado. O deputado goiano foi o patriarca de uma importante
linhagem de políticos e homens de negócio no estado de Goiás, sendo um dos seus filhos, o
engenheiro, agropecuarista e empresário Otávio Lage de Siqueira, o último governador eleito
em Goiás após o golpe civil-militar de 1964, pela UDN, com mandato de 1966 até 1971.122 Pela
atuação de Jalles Machado em seu primeiro mandato como deputado e seu engajamento nas
questões da pecuária já debatidos na seção anterior, acreditamos que do ponto de vista
ideológico havia uma clara aproximação de suas posições com a Sociedade Goiana de Pecuária
(SGP).
Embora não tenhamos encontrado registros de sua filiação à instituição, ao observar
pela ótica política nota-se que desde a fundação da SGP, em 1941, e até 1964, dos nove
presidentes da instituição classista, seis presidentes eram vinculados à UDN (Quadro 1). A
lógica empresarial e defensora de uma maior liberdade econômica eram elementos centrais aos
udenistas goianos na condução de suas atividades agrícolas. Eles estavam filiados à corrente
neoliberal de Eugênio Gudin, que “aceitava alguma intervenção do Estado para corrigir as
deficiências de funcionamento do sistema econômico em períodos de depressão, porém,
defendia “o princípio da mínima intervenção estatal e a ideia de que, nas épocas de
prosperidade, a presença do Estado na economia deve ser evitada ao máximo [...]”
(BIELSCHOWSKY, 2004, p. 43).
A SGP, sendo vinculada à Sociedade Rural Brasileira (HEINZ, 2006, p. 130), era
orientada por uma postura de maior autonomia frente ao Estado e tinha postura arredia às
intervenções, sendo Jalles Machado um defensor de tais princípios, como buscamos evidenciar
quando comentamos sua ação sobre a crise do setor pecuário e suas posições críticas frente à
ação estatal herdada do Estado Novo.

122
Para uma compreensão descritiva e factual da trajetória de Otávio Lage de Siqueira, ver Naves (2014).
119

Compondo o coral de vozes políticas que representavam a agropecuária goiana, a figura


de Domingos Vellasco é interessante frente ao seu movimento no campo das ideias e das
posições políticas por eles adotadas ao longo das décadas de 1940 e 1950. Se, por um lado, ele
atuou na defesa dos pecuaristas goianos, setor política e economicamente liberal-conservador,
fez a transição para o socialismo cristão e preocupou-se em analisar modelos de reforma agrária
em sociedades não capitalistas, sobretudo a chinesa. Tal movimento para a esquerda justifica o
fato de que Vellasco não tenha se vinculado diretamente com entidades classistas goianas, como
a SGP e a FAREG.
Sua eleição para suplente de deputado pelo Rio de Janeiro em 1959, pelo PTB, e a
entrada no Judiciário em 1961 selaram o distanciamento de Domingos Vellasco das questões
referentes ao campo. Contudo, vale a pena perceber que sua posição de defesa da reforma
agrária e de maior atenção ao trabalhador do campo o colocava num espectro mais próximo do
Cônego Trindade do que de Jalles Machado, este último representante do grande capital rural.
A reflexão de Vellasco sobre a necessidade de se repensar a estrutura rural brasileira apontava
para o acirrado debate sobre a reforma agrária, que iria acompanhar a vida política e social
brasileira na virada dos anos 1950 para os anos 1960, como veremos no Capítulo 4.

CAPÍTULO 4: DO REFORMISMO AO REACIONARISMO (1960-1964)

Nos primeiros quatro anos da década de 1960 o Brasil viveu um dos momentos
históricos mais fecundos de sua história política e social, período em que as forças do
progressismo tentaram transformar a utopia da justiça socioeconômica em realidade e,
simultaneamente, as forças conservadoras regrediram ao reacionarismo e se articularam para o
ocaso da sua breve e até então única experiência de republicanismo democrático. A questão
agrária esteve no cerne do debate político à época e teve um papel catalisador no colapso
político com o golpe civil-militar123 de 1964. O objetivo deste capítulo é analisar como os
representantes da elite agrária goiana, por intermédio da política oficial e de suas entidades
classistas, atuaram frente ao avanço das demandas por reforma agrária e extensão dos direitos
trabalhistas para os homens e mulheres do campo e, consequentemente, analisar a participação

123
Adotamos a definição de Carlos Fico (2014, p. 9), “do golpe de Estado de 1964 como civil-militar”. O
historiador ainda evidencia que “não é o apoio político que determina a natureza dos eventos da história, mas a
efetiva participação dos agentes históricos em sua configuração”. Nesse sentido, este capítulo irá apontar como
grupos da elite agrária goiana efetivamente participaram da organização e da realização do golpe em 1964.
120

dos referidos representantes da elite agrária goiana no desfecho autoritário de 1964. Na


percepção das elites agrárias goianas do período, o campo era representado por aqueles que
produziam e que eram principalmente proprietários de terras. A figura do fazendeiro, em
especial do criador de gado, seria o símbolo da produção e da própria ideia de campo em Goiás.
A terra não seria de quem trabalha nela, mas sim de quem a possui.
A subida de João Goulart – o Jango – à presidência do Brasil, em setembro de 1961, um
mês após a renúncia de Jânio Quadros, contou com a participação crucial de Mauro Borges,
então governador de Goiás pelo PSD, na “Campanha da Legalidade” capitaneada por Leonel
Brizola, cunhado de Jango e à época governador do Rio Grande do Sul. O chamado pela
“Legalidade” proferido pelo Palácio do Piratini, sede do governo gaúcho, encontrou recepção
franca no Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano:
embora os clamores do governador do Rio Grande do Sul pela posse de
Goulart tivessem encontrado ressonância em todo o país, somente o
governador de Goiás, Mauro Borges, acompanhou Brizola na resistência
frontal aos ministros militares (FERREIRA, 2017, p. 333).

Enquanto a tentativa golpista para impedir a posse de João Goulart era urdida e
conduzida pelos “ministros militares e Carlos Lacerda” (Ibidem, p. 336), Mauro Borges
rememorava que

diante da perplexidade geral, achei que devia dar minha contribuição para
forçar um dos pratos da balança a pender para um lado – o lado da democracia
e da lei. Firmando logo posição em defesa da legalidade [...] convém assinalar
que ainda não conhecia pessoalmente o engenheiro e então governador Leonel
Brizola [...] também não tinha nenhuma intimidade com o Vice-Presidente
João Goulart. Teria feito a mesma coisa se o vice-presidente fosse o senhor
Milton Campos, por exemplo (BORGES apud TEIXEIRA, 1994, p. 22).

Embora entre 25 de agosto e 07 de setembro de 1961 o país estivesse vivendo uma


duríssima crise política e institucional, que apontava para uma saída inconstitucional, “qualquer
tentativa de golpe, em 1961, não encontraria o menor respaldo político e, sobretudo, social. Se
levado adiante, com um custo altíssimo, os embates deixariam a dimensão política para atuar
no campo das armas” (FERREIRA, 2017, p. 336).
A resolução para o impasse entre golpistas e legalistas foi a implementação do sistema
de governo parlamentarista, que vigorou até janeiro de 1963. Um ingrediente central na crise
que se arrastaria pelos anos iniciais da década de 1960 estava localizado no campo. O horizonte
de expectativa das reformas necessárias nas estruturas social e econômica do campo brasileiro
viveu o seu período mais intenso e de maior engajamento até então. Veremos na sequência
121

como atores classistas e políticos aventaram a necessidade e construíram ideias e projetos para
resolver os problemas agrários em Goiás.
Este capítulo está estruturado a partir de discursos distintos sobre o campo goiano e, em
particular, sobre o tema da reforma agrária, assunto central no debate político regional e
nacional no início da década de 1960. Em um primeiro momento, vamos analisar como certos
atores políticos importantes defenderam a importância de uma reforma agrária em Goiás,
aceitando o espírito do tempo, que preconizava mudanças nas estruturas agrária e produtiva:
eram reformistas, mas não revolucionários.
Galeno Paranhos, presidente da Sociedade Goiana de Pecuária (SGP) entre 1959 e 1960,
é um personagem central no debate sobre a necessidade de se pensar a reforma agrária e a ideia
sobre a propriedade, na defesa de uma ação estatal mais atuante sobre o tema. Por ter sido no
biênio citado o presidente da entidade classista mais elitista dos produtores rurais de Goiás,
suas ideias eram inovadoras frente ao caráter reacionário da entidade no curso dos anos de 1960.
Utilizaremos como fonte principal os escritos de Galeno Paranhos, reunidos no livro Reforma
agrária e planejamento (1961).
Mauro Borges, governador de Goiás entre 1961 e 1964 e autor de projeto de intervenção
estatal sobre as questões agrárias em Goiás, foi ator central no contexto não apenas pela sua
posição política, mas também pela tentativa de efetivar práticas inovadoras sobre o campo,
como a criação do Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás (IDAGO), órgão de governo
responsável pelo planejamento e pela execução da reforma agrária no estado e também pela
gestão de inúmeros casos de levantes rurais à época, que pediam a reforma agrária e eram
comandados por grupos como as Ligas Camponesas. Sobre o projeto de reforma agrária do
governo estadual, utilizamos como referência a obra Estrutura agrária do governo Mauro
Borges, produzida como informe sobre as ações do governo sobre o delicado tema do campo
(1987 [1963]).
Entre os reformistas, analisaremos a atuação da Frente Agrária Goiana (FAGO),
entidade classista comandada na passagem dos anos de 1950 para os anos de 1960 pelo então
arcebispo de Goiânia, Dom Fernando Gomes dos Santos. A entidade defendia a necessidade de
uma reforma agrária em Goiás, embora buscasse impedir o controle do processo pelos grupos
políticos de esquerda, acreditando em uma saída cristã para a crise do campo, sustentada pela
Encíclica Mater et Magistra do Papa João XXIIII, que defendia uma atuação mais sólida da
Igreja nos assuntos sociais. A FAGO, na figura de seu líder de proa, o Arcebispo de Goiânia,
era fortemente imbuída de um anticomunismo aguerrido e possuía conexões com entidades
internacionais que buscavam barrar o avanço das ideias comunistas pelas Américas, no contexto
122

da Guerra Fria. O contato entre a FAGO e a Organización Agraria Interamericana (OAI),


instituição não-governamental vinculada à Aliança para o Progresso, foi mediado por troca de
correspondências que serviu como fonte central em nossa interpretação.
A segunda parte deste capítulo está estruturada a partir de discursos que chamaremos de
reacionários e que se opõem a uma ação mais profunda sobre o tema da reforma agrária em
Goiás. Tal grupo é representado pela Sociedade Goiana de Pecuária após a gestão de Galeno
Paranhos, pelas Associações Rurais de cidades do interior de Goiás como Trindade e Anápolis
(vinculadas à FAREG) e pela aliança com políticos regionais, como Emival Caiado (UDN) e
Alfredo Nasser (UDN), e nacionais, como Carlos Lacerda (UDN).
Frente ao avanço de movimentos populares pela reforma da terra, dentre eles as Ligas
Camponesas e a ação de Francisco Julião e de José Porfírio – deputado estadual e líder do
movimento de Trombas e Formoso, em Goiás –, as entidades classistas dos fazendeiros goianos
estavam se armando para defender as suas propriedades privadas, vistas pelos fazendeiros como
uma entidade natural e sagrada, impassíveis de serem confiscadas para um projeto coletivo.
Tais entidades classistas tiveram papel central na pressão contra o governo reformista de Mauro
Borges e no ocaso da experiência democrática em 1964.

4.1. Os reformistas: elite classista e elite política.


4.1.1. Galeno Paranhos: intervir, dividir e produzir.
Galeno Paranhos (Figura 7) foi uma figura central no debate político sobre os
problemas do campo goiano e nacional nas décadas de 1950 e 1960. Nascido na cidade de
Catalão, estado de Goiás, em 26 de março de 1898, era bacharel em Direito e começou sua
atuação política ainda na década de 1930, quando elegeu-se deputado estadual em Goiás.
Possuiu uma vida partidária que transitou entre o PSD, sigla pela qual se elegeu deputado para
a Assembleia Constituinte, formada após o colapso do Estado Novo, se reelegeu e tomou posse
novamente como deputado federal em 1951.124 Sua proximidade com os temas rurais pode ser
vista em atuações diversas: na vice-presidência da Comissão de Agricultura no seu segundo
mandato federal na Câmara com as já comentadas atuações na defesa dos pecuaristas na “Crise
da Pecuária” e na elaboração do projeto de criação do Serviço Social Rural (SSR), levado
adiante pelo Cônego Trindade. Sua proximidade com os interesses da elite pecuarista foi

124
“GALENO PARANHOS” (verbete temático). In: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – pós-1930. Rio
de Janeiro: CPDOC, 2010.
123

marcada por um evento anedótico, que mostra o compromisso firmado entre o político e a elite
criadora:
O político goiano Galeno Paranhos (1898-1969) era deputado federal no início
da década de 1950. A Câmara dos Deputados funcionava na época no Rio de
Janeiro, capital da República. Ele foi um dia à tribuna fazer um discurso
defendendo interesses dos pecuaristas. Ele fizera regime para emagrecer.
Usava, pois era advogado, o tradicional anel de grau. O dedo afinara e, como
ele gesticulava muito no discurso, o anel voou e sumiu no plenário. Um grupo
de criadores de gado de Uberaba ficou sabendo e adquiriu para ele um novo
anel.125

Após sua ruptura com o ludoviquismo, Paranhos filiou-se momentaneamente à UDN,


partido pelo qual lançou uma chapa para o governo de Goiás que teve como candidato a vice o
médico e pecuarista Ruy Brasil Cavalcanti. Foram derrotados no pleito de outubro de 1954 pelo
situacionista e parente de Pedro Ludovico, o governador eleito José Ludovico de Almeida,
vulgo Juca Ludovico. No entanto, a eleição foi alvo de contendas e questionamentos, que se
arrastaram por anos: “os resultados fornecidos pelo TER de Goiás dão uma vitória com pequena
vantagem – 1.128 votos (0,6%) – para o candidato do PSD – PTB, José Ludovico de Almeida.
A oposição entra na justiça contra os resultados, alegando fraude eleitoral” (CAMPOS, 2009,
p. 33). O caso teve a sentença do Tribunal Superior Eleitoral somente dez anos após a
reclamação judicial, reconhecendo a demanda dos “derrotados”.126

125
ROCHA, Hélio. “Deputado fez dieta, o dedo afinou e o anel saiu quando gesticulava. E sumiu”. In: Jornal
Opção, out. 2020.
126
“Deputado Galeno Paranhos ganhou, mas, não levou”. In: Diário da Manhã, 09 jun. 2018.
124

Figura 7 - Galeno Paranhos

Fonte: Página Oficial da Câmara dos Deputados127

Como líder classista, a atuação de Galeno Paranhos esteve vinculada ao mundo da


indústria e da pecuária. Ele foi um dos fundadores da Federação das Indústrias de Goiás (FIEG)
e presidente da Sociedade Goiana de Pecuária (SGP) entre 1959 e 1960, como já mencionamos
no Capítulo 2.
No mês de janeiro de 1960, durante a 4ª Plenária da Indústria em Goiânia, Galeno
Paranhos apresentou uma comunicação intitulada “Novos rumos à organização da vida rural”,
que transformada e ampliada deu origem ao livro Reforma agrária e planejamento (1961).
Partindo da premissa de que o “Brasil é um país essencialmente agrícola” (PARANHOS, 1961,
p. 10), o palestrante e autor aponta que os estudos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
haviam articulado a necessidade de um diálogo entre o desenvolvimento industrial e agrário
aliado ao incremento da produção agrícola para dar sustentação alimentar ao campo e ao
crescimento urbano (Ibidem, p. 11).
Buscando ampliar o debate sobre as questões rurais da época para além da temática da
reforma agrária, “tomada a expressão no sentido de distribuição de terra [...] como solução
única para a angustiante situação da agricultura nacional” (Ibidem, p. 9), defende também a
necessidade de se oferecer assistência técnica e financeira aos rurícolas e critica a existência de

127
“GALENO PARANHOS” (verbete biográfico). In: Página Oficial da Câmara dos Deputados, sem data.
125

uma classe de especuladores de terras. Usando a análise comparativa entre o Brasil e outros
países (fórmula que, aliás, é utilizada recorrentemente em seu livro), defende que o caso
nacional difere da situação indiana, em que Vinoba Bhave (1895-1982), discípulo de Mahatma
Gandhi, arregimentara 4 milhões de acres para distribuição aos despossuídos, e que tal medida
no Brasil, se não acompanhada de assistência técnica, tenderia a agravar os problemas do
campo, gerando queda de produção e pauperização (Ibidem, p. 12).
A premissa de seu argumento é que “procuraremos apenas examinar o problema como
o concebe a nossa consciência de observador dos fatos econômicos, e, sobretudo, dentro dos
princípios que cimentam nossa formação cristã”128 (Ibidem, p. 13). O argumento de Galeno
Paranhos aparece no texto dividido em três eixos analíticos: “Da propriedade rural”; “Aspectos
da vida rural brasileira” e “Planejamento da Economia Rural.
Em uma longa digressão histórica sobre a conquista da terra no Brasil, desde os anos
iniciais da invasão lusitana até o século XX, Paranhos argumenta que o discurso elaborado à
época da monarquia absoluta portuguesa, de que a expansão e conquista em nome da fé
legitimaria a dominação espacial dos trópicos, é baseado em alicerces da espoliação e portanto
contrário “aos princípios cristãos” (Ibidem, p. 19), de maneira que se “decretou a espoliação do
pobre aborígene, tangido, em nome da civilização, para as margens dos rios e lombadas das
serras, onde ainda se encontra e ficará até o extermínio da raça”.
Aponta ainda que todos os atos posteriores à conquista/invasão do Brasil pelos europeus
foram pautados pelo vício de origem: a espoliação (Ibidem, p. 20). No curso do século XX e
em particular nos anos 1950, “os lavradores do asfalto” adquirem terras a “preços vis e a
prestações” e “aguardam a valorização para cedê-las aos verdadeiros agricultores a preços
elevadíssimos”. Arremata, desconstruindo uma máxima que será utilizada à exaustão nos anos
1960 pelos grupos reacionários e golpistas sobre o suposto “caráter sagrado da propriedade”:
“esta é a verdade, e não me venham depois alegar que o direito de propriedade, assim adquirido
e para fins inconfessáveis, é sagrado e intocável”.
Paranhos afirma que os proprietários brasileiros buscam arrimo na “suposta
intangibilidade do seu direito, pouco se importando com o destino de miséria a que se condena
todo um povo com o desvio das finalidades altruísticas do uso normal da terra”. Não teria, ao
seu ver, sentido ético construir elocubrações sagradas sobre a propriedade para evitar a sua
melhor distribuição aos que desejam produzir a terra (Ibidem, p. 21).

128
Como apresentamos no Capítulo 3, o cristianismo foi uma peça central na teoria e na práxis de certos grupos
sociais que buscavam uma mudança conservadora dos diversos problemas do campo no Brasil.
126

Galeno Paranhos antecipa em alguns anos e sem a forma teórica plena aquilo que José
de Souza Martins (1980) vai categorizar como terra de trabalho e terra de negócio, distinção
que será útil a grupos progressistas da Igreja Católica, que apontavam a hipocrisia da instituição
ao “defender a propriedade lato sensu [...]” o que “a colocava em oposição à massa pobre do
campo, majoritariamente católica, vitimada pela primado jurídico sobre o propriamente socia”
(MARTINS, 2013, posição Kindle 5399).
Tanto a posição de Paranhos como a de Martins oferecem uma interpretação social,
popular e antropológica da importância da terra e de sua reforma, posições que foram negadas
pela elite do campo e pelas classes médias dos anos 1960. Produzida na passagem dos anos
1970 para 1980, a análise de Martins, embora fosse inovadora e apontasse para uma reforma de
base popular, não foi acolhida pelos membros do clero e da Comissão da Pastoral da Terra
(Ibidem, posição Kindle 5419), assim como quase duas décadas antes ocorrera com as ideias
de Paranhos no cenário goiano e nacional.
Na parte de seu livro intitulada “Aspectos da vida rural brasileira”, Galeno Paranhos
retoma temas que já haviam sido pautas defendidas por outros atores representantes da elite de
classe pecuarista – e que foram trabalhados nos capítulos anteriores desta tese –, como a questão
do gado nos anos 1950 e a velha demanda por crédito rural facilitado e com melhores condições
de negociações desde os anos de 1930.
Há nessa seção uma reflexão sobre os usos intensivos e desprovidos de cuidados com o
solo brasileiro que, nas palavras de Paranhos (1961, p. 23), tiveram como consequência uma
“terra cansada”. Segundo ele, o uso da terra pela atividade agropastoril é marcado por uma
“exploração antieconômica do solo” e que “não é preciso muito esforço a qualquer observador,
para descobrir que sempre se praticou aqui uma espécie de agricultura autófaga , com a
criminosa e sistemática destruição dos recursos da natureza” e principalmente “exaurindo o
solo até que sua produtividade não mais compense o trabalho, quando o lavrador vai em busca
de terras virgens para novas destruições [...]” (Ibidem, p. 23-24).
Desde os anos de 1930, o aspecto itinerante do uso do solo e o avanço da fronteira
agrícola para terras virgens encontrava no Centro-Oeste o locus da fronteira, que
gradativamente vai se expandindo para o Norte do país, isto é, para a região amazônica, em
especial a partir dos anos 1970 no seio da ditadura militar brasileira (VELHO, 1976;
MARTINS, 2009).
Na visão de Galeno Paranhos (1961, p. 28), uma reforma agrária só poderia ser levada
ao cabo no Brasil se, dentre muitas mudanças, fosse realizada também uma política agrária de
conservação e recuperação do solo. Ele indica que havia à época um uso reiterado de técnicas
127

obsoletas de produção em regiões como o Centro-Oeste, em que o uso do arado ainda era
precário ou quase inexistente (Ibidem, p. 36). É evidente aos olhos do nosso trabalho que a
modernidade no Brasil é claramente marcada tanto pela sua polissemia como pelo seu caráter
difuso: um capitalismo de fronteira, que convive perfeitamente com os aromas e com as práticas
do arcaísmo (MARTINS, 1994, p. 54).
Ao abordar o tema do “associativismo rural”, é muito claro o projeto de Galeno
Paranhos de estabelecer uma clivagem entre os interesses dos agricultores ou lavradores, isto
é, entre aqueles que praticam o cultivo de arroz, milho, feijão e outros víveres, e os pecuaristas,
sendo os responsáveis pela criação de gado e, em particular, de bovinos de forma extensiva à
época. Nas palavras de Galeno Paranhos (1961, p. 54-55):
há, pois, necessidade de a lei determinar a criação de associações específicas
para os lavradores e pecuaristas, com as respectivas federações e
confederações, e exigências mais severas quanto à constituição e
funcionamento das mesmas, evitando-se o que se vê por aí – associações rurais
de que quase sempre os rurícolas não participam e que funcionam com
elementos da cidade para atender a interesses estranho à classe, salvo algumas
honrosas exceções.

Como já apontamos no Capítulo 2, embora em Goiás e em outros estados a existência da


SGP e da FAREG apontasse para a clivagem entre pecuaristas e agricultores, Paranhos adota
em sua obra o discurso de base liberal da divisão do trabalho, a fim de defender a necessidade
de entidades classistas distintas com enfoque em suas demandas específicas. Citando uma
passagem do sociólogo rural estadunidense Thomas Lynn Smith (1903-1976),129 em que esse
justifica a profunda diferença de demandas nas diversas produções do campo, isto é, as
diferenças existentes no seio da própria agricultura que se divide em trigo, milho, algodão etc.;
e cada qual com as suas particularidades, assim como a própria pecuária (Ibidem, p. 56).130
O contato de Galeno Paranhos com a obra de Lynn Smith é uma demonstração de que
o avanço da sociologia rural de base estadunidense, como obra do governo federal daquele país
a partir dos anos de 1940 por intermédio do Office of Foreing Agricultural Relations (OFAR)
e que era o escritório de assuntos internacionais do United States Department of Agriculture
(USDA), teve uma capacidade de difusão bastante efetiva, se levarmos em conta a recepção do
autor por um líder classista goiano em uma região periférica. No entanto, como bem apontam
Thiago Lopes e Marcos Chor Maio (2022, p. 3), é importante perceber que “o espraiamento da

129
Para maiores informações sobre T. Lynn Smith, ver: LOPES; MAIO, 2017.
130
Galeno Paranhos não se aprofunda na obra sociológica do autor estadunidense, usando a passagem apenas para
ratificar seu ponto sobre a necessidade de se dividir o campo em produções na busca por maior eficiência.
128

sociologia rural para além dos EUA tenha ocorrido na esteira da política externa norte-
americana, a disciplina e seus praticantes dificilmente podem ser vistos como meros
instrumentos utilizados na persecução dos interesses geopolíticos do país”.
A incorporação das matrizes intelectuais da sociologia rural estadunidense na América
Latina foi verificada em campos intelectuais de diversos países. No caso do Brasil, José Arthur
Rios “abraçou a agenda reformadora e os métodos de pesquisa da sociologia rural a partir de
sua atuação em órgãos de educação e saúde do governo brasileiro” (Ibidem, p. 4). Na Colômbia,
“o sociólogo Orlando Fals Borda, após estudar sociologia rural com Lowry Nelson e T. Lynn
Smith, tornou-se um dos mais conhecidos interlocutores desse filão das ciências sociais norte-
americanas; ainda que tenha assumido posições epistemológicas bastante críticas às matrizes
teóricas do Hemisfério Norte” (Ibidem, p. 4-5).
Vale ainda apontar que os estudos da sociologia rural americana, que encontravam em
Lynn Smith sua figura mais destacada, não reproduziam uma perspectiva acrítica à
modernização e não compactuavam com a retórica governamental estadunidense, que
acreditava que a tecnologia seria a tábua de salvação para os problemas do campo latino-
americano: eles tinham conhecimento de que os problemas iam além das dificuldades técnicas
(Ibidem, p. 15).
Galeno Paranhos defendia a ideia do “associativismo rural” atrelado a um dos elementos
centrais de tal escola de sociologia rural, que acreditava na lógica do “comunitarismo” e do
“associativismo” como caminhos para a melhoria da vida das populações rurais a fim de
alcançar melhores resultados econômicos. Acrescentamos ainda uma filiação de pensamento
entre Galeno Paranhos e a sociologia rural americana, pois ambos defendem que o caminho das
sociedades não seria inevitavelmente o destino urbano-industrial, já que muitas sociedades
estavam assentadas e assim continuariam a ser, em bases rurais, e que isso não seria um
comprometimento para a rota do desenvolvimento (Ibidem, p. 28-29).

4.1.2. Mauro Borges e o campo em mutação

Mauro Borges Teixeira, governador de Goiás entre 1961 e 1964, era filho de Pedro
Ludovico Teixeira, que à época era senador de Goiás pelo PSD. Mauro Borges “em 1951, após
a conclusão do Curso da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército, foi nomeado Diretor
da Estrada de Ferro de Goiás. Em 1958 foi eleito deputado federal pelo estado de Goiás [...]”
(RABELO, 2009, p. 51), dando prosseguimento ao protagonismo familista no cenário político
goiano.
129

Mauro Borges se elegeu pelo PSD, partido comandado por seu pai desde 1945, mas
estabeleceu alianças com o PTB estadual. Embora esse no âmbito estadual fosse de menor
importância que o PSD e a UDN, sua estratégia lhe permitiu uma maior aproximação com
trabalhadores urbanos e rurais “e, de modo secundário e menos oficial, com partidos de
esquerda que atuavam no interior de Goiás” (Ibidem, p. 54). Na visão de certa produção
historiográfica goiana, “as forças políticas que apoiaram a candidatura de Mauro Borges
estavam associadas aos interesses de grandes proprietários de terras e chefes políticos locais
que formavam a principal base de apoio do partido” (ARRAIS; OLIVEIRA; ARRAIS, 2016,
p. 105).
No entanto, concordamos com Francisco Rabelo (2009, p. 56), que afirma que “a
mobilização era necessária como base de apoio para um governo progressista, mas tinha de se
colocar dentro dos limites permitidos pela vinculação deste governo com a força política
tradicional que o elegeu”.
O governo de Mauro Borges em Goiás ocupa espaço de destaque na historiografia e na
sociologia regional. Para além do pioneirismo, os estudos de Francisco Chagas E. Rabelo
(1976; 2009) elaboraram uma interpretação do governo em uma perspectiva que estabelece que
as transformações iniciadas nos anos de 1930, com Pedro Ludovico Teixeira, oscilaram nas
duas décadas posteriores em um movimento pendular de avanços e recuos e foram
concomitantes com a “expansão do capitalismo periférico brasileiro” na forma da “Marcha para
o Oeste”. O governo de Mauro Borges seria “o ponto alto da dinâmica” de modernização e de
reformas, que teriam sido iniciadas com o rompimento da dominação caiadista, com a
Revolução de 1930 (RABELO, 2009, p. 50). Rabelo ainda reconhece que a filiação familiar
entre Pedro e Mauro não seria um passo natural para a ascensão política do último, na medida
em que os quadros do PSD goiano eram marcados por “representantes mais tradicionais”, que
não estariam abertos para uma “administração planejada” e que buscavam “estabelecer relações
políticas de tipo racional”. Além do weberianismo analítico, o sociólogo da Universidade
Federal de Goiás incorporou à sua análise os traços do “populismo brasileiro, levantados por
Weffort [...] tais como: a política de alianças, mobilização social, o papel do Estado, da
ideologia e do líder” (Ibidem, p. 51).
Em nossa interpretação, o governo Mauro Borges não é um exemplo de populismo nos
moldes propostos por Francisco Weffort (1978), na medida em que socialmente Goiás não era
urbanizado e não dispunha de atividades econômicas tipicamente urbanas como o elemento
central da sua economia. Também não estamos sintonizados com uma interpretação de viés
130

marxista, que parte do pressuposto de que a gestão Mauro Borges era um braço político
exclusivamente a serviço dos interesses das elites estaduais.
Partimos da ideia de que se tratava de um governo de mediação de interesses de classe,
em uma realidade claramente periférica e de base conservadora, que não deixava espaço para
mudanças revolucionárias. Apontar Mauro Borges como um defensor exclusivo dos interesses
das elites é olhar de forma ideologizada para uma realidade histórica marcada por confrontos
diversos e, portanto, incapaz de ver sua complexidade.
A base de sustentação do governo de Mauro Borges era “o I Plano de Desenvolvimento
Econômico do Estado de Goiás” (RABELO, 2009, p. 59), que tinha forte inspiração no modelo
desenvolvimentista de JK. Em Goiás,
o setor mais favorecido era a agricultura. Das cinquenta metas inseridas no
Plano, nenhuma faz referência à industrialização, e as demais, direta ou
indiretamente, têm em vista criar uma infraestrutura necessária ao
desenvolvimento do setor agrícola (Ibidem, p. 60).

De acordo com Tereza Favaro (2015, p. 176), “os ideólogos do Plano MB pressupunham
a expansão da agropecuária como imperativo ao desenvolvimento econômico de Goiás e do
Brasil”. Contudo, os problemas diversos da economia rural goiana eram conhecidos pelos
teóricos do plano, tais como o uso ainda predominante do trabalho braçal, e não da
mecanização, isto é, a foice e a enxada em vez do trator. A pesquisadora goiana ainda nos
informa que
o Plano almejava o aumento da produção, incentivo à mecanização da
agricultura, instalação de armazéns e silos, melhoria da assistência técnica,
desenvolvimento do fomento vegetal e animal e desenvolvimento de
pesquisas sobre agrotologia [estudo de forragens e gramíneas] e pastagens.

Ao mesmo tempo em que ocorria o projeto estadual de modernização da estrutura


produtiva agrícola, as relações sociais e políticas no campo em Goiás no início dos anos de
1960 viviam um cenário de crescente tensão. O projeto de reforma agrária contido no Plano
Mauro Borges era pautado em ações de governo que apresentavam como solução o
investimento na criação de núcleos de colonização, com um processo de dirigismo estatal na
implementação (ESTEVES, 2016, p. 114). Nas palavras do então governador Mauro Borges
(1987 [1963], p. 6), a saída para o problema da terra em Goiás é
lógica, límpida e axiomática – organização das pequenas propriedades em
cooperativas, pois elas podem ter a base física necessária às garantias de
rentabilidade indispensáveis aos investimentos da tecnização, sem os grandes
inconvenientes sociais da grande propriedade.
131

O modelo de inspiração para a reforma agrária do Plano Mauro Borges era Israel: “esse
país democrático possui mais de 90% de sua estrutura agrária em regime cooperativista de
diferentes níveis de socialização”: a) “o kibutz, altamente socializado, tanto na produção,
quanto no consumo; b) o moshav ovdim, com mais liberdade de produção e consumo; c) o
moshav shitufi, beneficiando-se dos elevados índices de produção dos kibutzim e do mais
liberalismo de consumo dos moshavin”. Para o governador, “essas cooperativas são os mais
vigorosos e impressionantes exemplos de estrutura agrária democrática do mundo” (Ibidem, p.
9).
A fim de levar adiante as reformas no campo, o Plano Mauro Borges criou o Instituto
de Desenvolvimento Agrário de Goiás (IDAGO), que era o “instrumento administrativo para a
colonização e recolonização do Estado” (Ibidem, p. 10). Foram ainda criadas a Companhia
Agrícola e a Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Goiás S/A., que eram controladas
majoritariamente pelo próprio IDAGO.
Na visão de certa historiografia regional marxista, as ações do Plano Mauro Borges para
o campo eram baseadas em “estratégias de modernização com racionalização, na tentativa de
superar o atraso, aumentar a produtividade, sem colocar em risco os interesses dos
latifundiários, mas contrapondo-se à organização camponesa” (FAVARO, 2015, p. 259).
Porém, devemos perceber que o modelo de socialização idealizado na gestão de Mauro Borges
era formado por dois pilares: o já citado exemplo israelita e as orientações católicas da Mater
et Magistra131 (RABELO, 2009, p. 69). Não se tratava de uma socialização com bases
materialistas, isto é, de origem marxista. Veremos que à esquerda e à direita a posição de Mauro
Borges provocou irritações que repercutiram no curso de 1964. De acordo com Carlos Leandro
Esteves (2016, p. 114),
a preocupação estatal com o controle e a direção do acesso à terra ocorria
naquele momento em face dos inúmeros conflitos espalhados pelo estado. Não
haveria mais tolerância com novos apossamentos de terras realizados por
pequenos posseiros, tidos a partir de então como invasores, categoria
institucionalizada para a qual seriam canalizadas as ações violentas das
agências repressivas do Estado. O reconhecimento do direito à terra aos
pobres do campo restringia-se aos posseiros de longa data em áreas de
ocupação já consolidadas por meio de inúmeras lutas pela permanência na
terra.

131
Carta encíclica do Papa João XXIII, divulgada em 1961. Em Goiás, Dom Fernando Gomes dos Santos, o
arcebispo de Goiânia, foi um atento representante do chamado do Papa para que a Igreja atuasse de forma mais
incisiva nos assuntos sociais. No caso da agricultura, a Encíclica defendia, por exemplo, que os próprios
agricultores deveriam ser os protagonistas sociais de suas lutas, forma essa de evitar a cooptação pelas esquerdas
materialistas do campesinato.
132

Dos conflitos que atravessavam o campo em Goiás à época, o mais longevo e conhecido
e que se arrastou de 1950 até 1964 foi o de Trombas e Formoso,132 envolvendo a disputa por
terras devolutas entre sertanejos, no caso posseiros, e grileiros, em região próxima da Colônia
Agrícola Nacional de Goiás (CANG). A disputa pelas terras da região, originalmente ocupada
pelos posseiros, teve atores políticos importantes como o Partido Comunista Brasileiro (PCB),
que por intermédio de estudantes, parlamentares, intelectuais e militantes atuou em confrontos
armados na região (DOURADO, 2014, p. 103). Localmente, os posseiros foram centralmente
representados por José Firmino na região de Formoso e por José Porfírio em Trombas
(CUNHA, 2007, p. 169). Com a repercussão regional e nacional da lutados posseiros, José
Porfírio
se candidatou a deputado estadual de Goiás pelo PTB. A vitória veio em 1962,
com 4.663 votos, de acordo com levantamento do jornal O Movimento.
Porfírio foi ainda presidente de dois congressos de camponeses, em 1962, no
estado de Goiás e em 1963, em Belo Horizonte. Porém, logo em seguida se
deu o golpe militar de 1964 e houve uma intensa perseguição aos camponeses,
empreendida pelo novo governo do Estado de Goiás. Muitos participantes
foram presos ou mortos, outros fugiram e outros ainda foram considerados
desaparecidos. Porfírio, mediante sua força representativa dentro do âmbito
político camponês, se tornou o principal alvo da perseguição militar na região.
Fugiu, sendo preso em 1972, na Fazenda Riachão, no município de Angelical,
no Maranhã o. Foi condenado a seis meses de prisão, sendo solto em 07 de
junho de 1973. Nesse dia José Porfírio teria comprado uma passagem para
Goiânia – estava preso em Brasília - tendo sido deixado na rodoviária por sua
advogada. Nunca mais foi visto e é considerado, hoje, desaparecido político
(DOURADO, 2014, p. 104).

Em uma política de acomodações e alianças, Mauro Borges se articulou politicamente


com certas lideranças do movimento e forjou “as bases de um acordo político” e “o acordo em
si reconhecia a Associação como a legítima interlocutora entre os posseiros e o governo do
estado e o atendimento e a mediação do processo a ser desenvolvido na área [...], principalmente
[...] a titulação e assentamento dos posseiros” (CUNHA, 2007, p. 223). Importante ainda
acrescentar que a Resolução Política do V Congresso do Partido Comunista Brasileiro, de
setembro de 1960, ensaiada na “Declaração de Março”, apontava para uma rota para a
legalidade, a via democrática, o nacionalismo e a aproximação com as massas populares, o que

132
Maiara Dourado (2014, p. 103) informa que, ainda nos anos iniciais do conflito, os posseiros criaram conselhos
deliberativos locais, intitulados “Conselhos de Córrego”, subordinados à Associação de Lavradores que “assumiu
caráter gerenciador mediante os Conselhos e organizava a vida política e social da região. Por meio das práticas
dos mutirões realizadas pelas famílias de posseiros desde a chegada à região, criaram uma rede de auxílio mútuo
tanto para o plantio, a colheita e a venda dos gêneros nos mercados locais quanto para a construção coletiva da
resistência contra as ameaças de expulsão e roubo das colheitas”.
133

ajuda a compreender a conivência da aproximação com Mauro Borges (SEGATTO; SANTOS,


2007).
Ampliando a dimensão dos conflitos agrários em Goiás nos anos iniciais da década de
1960, para além do bem documentado caso do Trombas e Formoso, o historiador Carlos
Leandro Esteves (2016, p. 116) cita outros eventos, dentre os quais destacamos o primeiro
conflito, ocorrido em 1961 no município de Goianésia, na Fazenda São Carlos:
O início dos conflitos nas terras que compreendiam a dita fazenda ocorrera
pelo menos 3 anos antes. Nesse tempo teriam ocorrido os primeiros
enfrentamentos entre posseiros e pistoleiros contratados pelo fazendeiro. O
proprietário da São Carlos – antiga área de plantação de café que desde a
década de 1920 pertencia à sua família, mas que em 1961 encontrava-se em
decadência por causa do abandono de grande parte do cultivo do cafezal –
residia em São Paulo, onde mantinha fazenda de cana de açúcar, e só
esporadicamente permanecia em Goiás para cuidar da São Carlos.

Esse conflito foi solucionado mediante o envio de tropas da polícia goiana para a região
e com o apoio do proprietário da fazenda. No “dia 27 de julho, 5 dias após a ida da tropa de
Goiânia para a Fazenda São Carlos, a situação estava resolvida: as armas em posse dos
invasores foram apreendidas, realizaram-se prisões, a garantia da ordem foi restabelecida”
(Ibidem, p. 117).
Na região noroeste do estado de Goiás, na macrorregião da antiga capital, ocorreu no
município de Jussara um conflito em torno da ocupação da Fazenda “Salôba”, propriedade de
quase 6 mil alqueires pertencente ao fazendeiro João Francisco dos Santos. Há a menção à
utilização de táticas semelhantes aos eventos de Trombas e Formoso e à criação de
trincheiras,133 que seriam utilizadas para combates futuros (Ibidem, p. 118). Por fim, não houve
conflito entre as forças de segurança e os posseiros da região.
Um elemento que comprova a nossa tese de que a retórica socialista e cristã era um pilar
importante da mentalidade reformista de Mauro Borges é a dimensão da importância da vida
comunitária para os habitantes do campo presente na visão do governador. De acordo com
Mauro Borges (1987 [1963], p. 7), ao viver isolado o camponês estaria alijado dos benefícios
produtivos e sociais proporcionados pelo associativismo e “conclui-se, pois, que a vida em
pequenas comunidades é indispensável à plena realização econômica, social e espiritual dos

133
“A inspiração na experiência de Trombas e Formoso, entretanto, vai muito além do exemplo das estratégias
das trincheiras nas matas. No início da década de 1960, José Porfírio de Souza, principal liderança das lutas em
Trombas, ajudou a criar inúmeras associações de lavradores por todo Goiás que buscavam nas de Trombas e
Formoso um modelo de organização na luta pela terra” (ESTEVES, 2016, p. 119).
134

ruralícolas”. Nesse sentido, suas ideias estão sintonizadas com a defesa do comunitarismo da
tradição da sociologia rural americana também defendida por Galeno Paranhos.
Muitos outros pontos de congruência entre as propostas de Galeno Paranhos e o Plano
Mauro Borges para o campo podem ser percebidos, dentre eles a defesa da reforma agrária, mas
sem a utilização de métodos de partidos revolucionários. Pelo contrário, trata-se de reformas na
ordem, de base conservadoras. Ambos buscaram melhorar a estrutura produtiva com o
incremento em tecnologia, pela forte intervenção estatal, com formas eficazes de distribuição,
auxílio na forma de crédito e, principalmente, as duas ideias convergem para a aceitação e para
a reprodução da afamada vocação agrícola de Goiás. A modernização viria pelo campo.
No caso de Galeno Paranhos, falamos de um político conservador, que como apontamos
anteriormente, transitou nos dois partidos mais elitistas daquele momento – PSD e UDN – e
que havia sido presidente da principal associação classista dos condutores da economia goiana,
ou seja, os pecuaristas. Mesmo em sua condição de classe, advogou a necessidade de reformas
no campo.
Mauro Borges, um homem progressista, mas que construiu o caminho para a política na
arcaica fórmula do familismo, se utilizou da intervenção estatal a fim de modernizar o estado.
Veremos a seguir que a poeira levantada pelas reformas de Mauro Borges e pelas palavras de
Galeno Paranhos impediram que boa parte da esquerda enxergasse o caminho das mudanças
pela via democrática, fato que criou na classe proprietária o medo de que essa mesma poeira
seria fruto de uma agitação revolucionária no sertão.

4.1.3 Frente Agrária Goiana (FAGO): reforma sim, comunismo não.


A Frente Agrária Goiana (FAGO) foi criada pela Arquidiocese de Goiânia em 1962 e
tinha como meta principal a sindicalização rural a fim de dinamizar a vida dos trabalhadores
rurais e evitar que fossem cooptados pelas ideias socialistas e comunistas. De acordo com
Lindsay Borges (2011, p. 144):
na cerimônia de instalação da FAGO, Dom Fernando, após chamar a atenção
para as “soluções pacíficas que a Igreja deseja[va] apresentar para os graves
problemas que angustiam a classes ruralista”, convidava “a todos para uma
decidida união de forças nesta hora decisiva que atravessa a nação.

O contexto de criação da FAGO está vinculado à publicação de um documento redigido


pela Confederação Nacional do Bispos do Brasil (CNBB), intitulado “A Igreja e a situação do
campo”, de outubro de 1961. Na difusão das ideias norteadoras da FAGO durante a sua fase de
criação e implementação, Dom Fernando em um “programa radiofônico” disse aos membros
135

da Igreja localizados no interior de Goiás que “a finalidade da Frente era levar o camponês a
debater os assuntos relacionados ‘aos interesses básicos do homem do campo’, ‘difundindo a
doutrina social cristã” (Ibidem, p. 178).
Importante ressaltar que um dos pilares de sustentação da FAGO era a crença de que os
trabalhadores rurais deveriam se organizar e que “a associação é atualmente uma exigência
vital”.134 Não se tratava de um pensamento local, mas sim de algo estimulado pela própria
Mater et Magistra e que compõe um dos elos de aproximação entre a FAGO e as ideias
associativistas e comunitaristas de Galeno Paranhos e de Mauro Borges.
Dom Fernando Gomes dos Santos,135 arcebispo de Goiânia, deu início a um projeto de
reforma agrária na Fazenda Conceição, na região de Corumbá de Goiás, movido pela Doutrina
Social da Igreja, que incorporava no seio da Instituição uma preocupação com os problemas
sociais (Ibidem, p. 13) e que nos anos 1960 era representada pela Encíclica Mater et Magistra,
do papa João XXIII. O modelo de capitalismo liberal e consumista era também um objeto de
crítica por parte daqueles que seguiam a Encíclica Papal. Porém, como bem afirma Lindsay
Borges em sua tese de doutorado sobre o arcebispo de Goiânia, a ameaça do comunismo e a
tentativa de evitar o avanço das ideias revolucionárias no campo goiano estavam no cerne da
entrada da Instituição no importante tema da reforma agrária:
As iniciativas de Dom Fernando à frente da Arquidiocese de Goiânia, visando
recristianizar o mundo laicizado, se dariam também no sentido de contribuir
com o desenvolvimento social, com ações voltadas particularmente para o
setor rural, em que a instituição se via ameaçada pelo avanço do comunismo
com sua proposta de reforma agrária (Ibidem, p. 96).

A ação social levada adiante por D. Fernando era baseada nas estratégias da “Ação
Católica, que preparava o leigo para atuar em seu local de trabalho ou estudo” (Ibidem, p. 13)
e se encontrava filiada ao posicionamento reformista de Dom Hélder Câmara (FERNANDES,
2018, p. 138). O líder religioso goianiense era uma figura reacionária, mas sim conservadora e
sua conexão para além do círculo da Igreja Católica aponta para a vinculação com uma rede
internacional de combate ao comunismo, em especial na América Latina, contra a sua
infiltração no mundo rural.

134
SANTOS, Dom Fernando Gomes dos. “Vida Rural: Frente Agrária”. In: Revista da Arquidiocese, Goiânia, n.
1/2, jan./fev. 1962, p. 26.
135
Para maiores informações gerais sobre a vida e trajetória do então arcebispo de Goiânia, ver: “Dom Fernando”
(verbete biográfico). In: Portal do Instituto Dom Fernando – PUC Goiás, sem data.
136

De acordo com a fonte por nós utilizada da Organizacion Agraria Interamericana


(OAI), entidade que estabeleceu contato com a FAGO através da troca de correspondências,
encontramos vestígios da vinculação da organização com o discurso da Aliança para o
Progresso, com destaque para a atuação do secretário-geral Alberto Salinas. A consulta a esses
documentos foi realizada de maneira presencial, na sede do Instituto de Pesquisas e Estudos
Históricos do Brasil Central (IPEHBC), na cidade de Goiânia, em julho de 2019.
Em carta oficial da OAI do dia 14 de setembro de 1963, redigida em decorrência da
Segunda Conferencia General Ordinaria, que havia ocorrido entre os dias 11 e 16 de setembro,
e assinada pelo então secretário-geral da organização, Alberto Salinas Ramos, foi remetida da
Cidade do México no dia 02 de outubro de 1963 para o então arcebispo de Goiânia, Dom
Fernando Gomes, na condição (indicada na carta) de líder da Frente Agrária Goiana.
A missiva informa que estava acompanhada do resumo das recomendações e conclusões
da referida assembleia geral ordinária da instituição e que a ata completa seria enviada
posteriormente. A Conferencia General Ordinaria, como descrita na carta, teria transcorrido
em clima de cordialidade, contando com inúmeros intercâmbios de conhecimentos entre os
“delegados” e “observadores” dos países participantes, com a finalidade de fortalecer a frente
democrática de um movimento agrário livre nas Américas e, em especial, contrário ao
“comunismo internacional y las doctrinas totalitarias y actividades de extensión subversiva de
la ditadura Castrista que desgraciadamente impera em Cuba”.136
De acordo com o sociólogo mexicano Hubert Grammont (1989, p. 49), Alberto Salinas
Ramos, então secretário geral da OAI, era engenheiro e havia fundado em 1952 a Asociación
Nacional de Cosecheros, associação que
Nació así en el contexto de la derechización del Estado mexicano y con los
auspicios de organizaciones internacionales controladas por Estados Unidos.
Em tempos de la guerra fría fue un importante portavoz del anticomunismo em
América Latina. Sus tesis – similares a las de la Alianza para el Progreso –
planteaban la necesidad de desarrollar la economía del continente para
impedir el avance del comunismo, que quería aprovecharse de la miseria.

A Aliança para o Progresso, conduzida como política externa para a América Latina
pelo governo de John Fitzgerald Kennedy (1961-1963) do Partido Democrata, além de tentar
espalhar a presença estadunidense pelas Américas para evitar o avanço do comunismo soviético
e cubano, era construída sobre a teoria da modernização elaborada nos Estados Unidos no pós-
Segunda Guerra Mundial. De acordo com Lucas Trindade da Silva (2013, p. 171), a teoria da

136
Carta de Alberto Salinas Ramos (OAI) para Dom Fernando Gomes, 14 set. 1963. Acervo IPEHBC.
137

modernização era um corolário americano de expansão do ethos estadunidense para o mundo


que, ao se utilizar de “assistência técnica e financeira” (NATIVIDADE, 2018, p. 169), era uma
agente da dominação social, econômica, cultural e política dos Estados Unidos. De acordo com
Ricardo Ribeiro (2006, p. 54),
Cientistas sociais americanos, baseando-se na teoria econômica, e nos
avanços da teoria social e da psicologia comportamental, criaram a área de
estudos conhecida como ‘teoria da modernização’, dentro da qual
desenvolveram-se abordagens que dividiam entre si, um conjunto de
pressupostos e premissas. Uma delas, a que deu nome à escola, era a que
acreditava, de forma não-problemática, que o Terceiro Mundo iria
experimentar a mesma sequência de crescimento econômico, estabilidade
social e democratização, pela qual haviam passado as sociedades do ocidente
industrializado, tornando-se, por sua vez, modernas.

Uma das áreas fortes em que a Aliança para o Progresso atuou na América Latina foi a
das questões rurais. De acordo com Melissa Natividade (2018, p. 214), a retórica para o
fornecimento de ajuda técnica e financeira era sombreado pela
constatação de que a agricultura desses países era um obstáculo estrutural ao
desenvolvimento, dado seu direcionamento prioritário à exportação, lastreada
em latifúndio e minifúndios, além do baixo nível de incorporação de
tecnologia.

Ainda de acordo com Natividade, “A Carta de Punta del Este” (1961), que foi o
documento-síntese das propostas estadunidenses na Aliança para o Progresso, apontava para a
necessidade de: aumentar a produtividade agrícola; dinamizar a teia de produção, armazenagem
e distribuição; realizar projetos de reforma agrária e focar na melhoria da qualidade de vida dos
inseridos no mundo rural.
O documento anexo enviado ao arcebispo de Goiânia resumia em dezesseis pontos as
conclusões e as recomendações aprovadas na plenária da conferência. A “Carta de Punta del
Este” foi utilizada recorrentemente para legitimar ações que visavam a justiça social, a
estabilidade política e a condução de reformas agrárias no continente baseadas “en la
distribución de los recursos nacionales y de cooperación internacional”.137
Entre os temas do resumo, o sétimo ponto indica que os diversos “delegados” e
“observadores”, tanto da América anglo-saxônica como da América Latina, se aproveitaram de
“conocimientos y experiencias de mutuo interés, para la cooperación de la libre empresa rural
– con los gobiernos democráticos y organismos Internacionales, em su noble y generoso

137
Carta de Alberto Salinas Ramos (OAI) para Dom Fernando Gomes, 14 set. 1963. Acervo IPEHBC.
138

empeño de llevar adelante, em forma práctica y sincera – salvaguardando la libertad y la


dignidad del hombre – los programas de reforma agraria integral”.138
A recorrência de termos como “democráticos” e “liberdade”, que também aparecem no
conteúdo do trecho anteriormente citado, operam no imaginário da Guerra Fria como armas de
luta contra o comunismo. Em uma interpretação pós-estruturalista dos discursos ideológicos
empreendida pelas Relações Internacionais, a retórica da Guerra Fria operava constantemente
com a negação do outro e a construção discursiva, que partia do princípio da pureza de ação do
ator político em questão, no nosso caso a ação e as práticas estadunidenses (CAMPBELL, 1992,
p. 6). A lógica da luta contra o autoritarismo e a barbárie representadas pelos países comunistas
era também uma prática simbólica e discursiva.
O incentivo ao associativismo rural e a criação de cooperativas percorre alguns pontos
do resumo da Conferência, sempre voltado retoricamente para o atendimento das demandas de
“la población campesina de América”.139 Foi ainda alvo de destaque na conferência a atuação
de entidades como a Fundação Rockfeller e o Corpo da Paz, no desenvolvimento de políticas
de extensão rural em diversos países americanos. De acordo com Sonia Regina de Mendonça
(2010, p. 94), a família Rockfeller desde os anos de 1940 já atuava em questões relativas ao
campo na América Latina:
Nelson Rockfeller firmaria, através de uma agência privada norte-americana
e do Ministério da Agricultura brasileiro, o primeiro acordo de “cooperação”
binacional destinado ao ensino agrícola, dando origem à Comissão Brasileiro-
Americana de Educação das Populações Rurais (CBAR). Sua atribuição
consistiria em implantar centros de treinamento para trabalhadores rurais
adultos e clubes agrícolas em todo o país, intervindo tanto na formação de
técnicos especializados, quanto na das chamadas “lideranças rurais” mediante
programa educativo capaz de incutir nos trabalhadores o “amor à terra e ao
trabalho”, a partir de sua fixação a seu “próprio meio”.

O último ponto do resumo enviado para a FAGO em Goiânia aponta de forma


transparente que
Finalmente la Conferencia proclama su lealtad inquebrantable a los axiomas
fundamentales de la Unión Panamericana, Organización de Estaos
Americanos y Alianza para el Progreso, proclamando su firme decisión de
movilizar las fuerzas progresistas del agro Americano, despertando la
consciencia campesina, para alcanzar las metas de superación a que tiene
derecho, presentando, como baluarte de la libertad y del progreso, un solo
frente, positivo y constructivo, contra toda amenaza o agresión de los sistemas
totalitarios.140

138
Carta de Alberto Salinas Ramos (OAI) para Dom Fernando Gomes, 14 set. 1963. Acervo IPEHBC.
139
Carta de Alberto Salinas Ramos (OAI) para Dom Fernando Gomes, 14 set. 1963. Acervo IPEHBC.
140
Carta de Alberto Salinas Ramos (OAI) para Dom Fernando Gomes, 14 set. 1963. Acervo IPEHBC.
139

Ao nosso ver, a FAGO, representada por Dom Fernando, sua principal liderança, foi
encapsulada pela luta anticomunista em Goiás, na busca por um movimento reformista do
campo, não revolucionário. Percebemos ainda como foi recorrente o fato de que figuras do clero
católico em Goiás foram ativas no campo e se colocavam em muitas de suas posições mais
próximos dos interesses das elites do que dos camponeses de fato. Veremos nas próximas
seções como o conservadorismo, que acreditava no reformismo que não atacasse de forma
incisiva a propriedade privada, foi sendo substituído pelo espírito revolucionário de direita, isto
é, reacionário.

4.2. Proprietários de todo o estado de Goiás, uni-vos!


4.2.1 Reacionarismo e proprietarismo
Nos anos que antecederam o golpe civil-militar de 1964 no Brasil, uma velha tradição
do pensamento político brasileiro ganhou novo tônus na participação no debate político
nacional, em especial atuando nas pautas de costumes, como podemos verificar nas inúmeras
“Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”141 (CODATO; OLIVEIRA, 2004) realizadas
antes e após ao golpe, assim como um profundo anticomunismo associado à Guerra Fria e de
forte matriz cristã, que enxergava nas doutrinas esquerdistas um grave risco para a mentalidade
e para as práticas cristãs, em especial as católicas (FICO, 2014, p. 64). Acrescentamos a esse
quadro uma defesa intransigente da propriedade privada (CORDEIRO, 2021), por parte de
segmentos da classe média e alta, assim como de muitos oriundos de classe baixa que atuavam
na lógica de um habitus de origem tradicionalista.
O pensamento conservador possui raízes profundas no pensamento político brasileiro
desde a formação do Estado-Nação, em curso no século XIX, e avança para o campo político
republicano no desenrolar do século seguinte (FERREIRA; BOTELHO, 2010). Gildo Marçal
Brandão (apud LYNCH; CHALOUB, 2021, p. 302) afirma que, entre as linhagens políticas,
somente os conservadores possuem uma história do pensamento que seria capaz de identificar
em uma arqueologia política as suas origens saquaremas.

141
No dia 19 de março de 1964, como resposta ao Comício da Central do Brasil realizado poucos dias antes no
Rio de Janeiro, se realizou em São Paulo a primeira “Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade”, em data
simbólica, na medida em que se tratava do dia de São José, padroeiro da família. A retórica das marchas era
fundada no anticomunismo, no apego à propriedade privada e na defesa dos valores da família cristã (FICO, 2014).
Em Goiânia, a marcha foi realizada no dia 13 de maio de 1964.
140

No entanto, cabe aqui fazer uma distinção entre o conservadorismo e


reacionarismo/tradicionalismo (nesta tese tratamos os dois conceitos de forma aproximada).
Para João Coutinho (2018, p. 22), “o conservadorismo pode ser encarado, portanto, como uma
ideologia. Mas não será uma ideologia ideacional e ativa, como as restantes. [...] o
conservadorismo será antes uma ideologia posicional e reativa [...]”. O reacionarismo, por sua
vez, seria uma postura política que aponta para uma “felicidade utópica passada” (Ibidem, p.
25), que nega qualquer possibilidade de alteração da realidade tal como conhecida (ou
idealizada) há gerações.
De acordo com o cientista político norte-americano Mark Lilla (2018, posição Kindle
91), “os reacionários não são conservadores. É a primeira coisa que se deve entender a seu
respeito. À sua maneira, são tão radicais quanto os revolucionários e não menos presos nas
garras da imaginação histórica”. Em nossa perspectiva, os atores políticos que serão
apresentados a seguir estavam marcados por uma postura reacionária e refutavam toda e
qualquer mudança no status quo, de maneira que caminharam para o radicalismo que defendia
o recuso à violência na defesa de seus valores e o golpe civil-militar como anteparo político ao
espírito da mudança.
Outro valor que acompanhou esses atores políticos, em especial vinculados ao campo
em Goiás, foi a defesa do proprietarismo. Embora a criação de uma sociedade de proprietários
tenha sido uma elaboração histórica decorrente das revoluções burguesas europeias, o olhar
reacionário para um passado idealizado era cúmplice de uma visão de “proprietarismo
exacerbado”, que “sacralizava” a propriedade privada como início, meio e fim (PIKETTY,
2020, p. 123) e que encontrava um amparo legal e racionalizante para sua legitimação no
Estado (DARDOT; LAVAL, 2015, p. 265) e um abrigo sacralizante na fé cristã. Vejamos como
os grupos sociais contrários às mudanças estruturais operaram em Goiás a partir da análise de
suas práticas e retórica política.

4.2.2 Reforma Agrária à Lampedusa


No livro O leopardo, que narra o contexto da Península Itálica na segunda metade do
século XIX e num momento em que os espíritos do nacionalismo, do republicanismo e da
unificação aterrorizavam membros da nobreza meridional siciliana, o escritor Giuseppe Tomasi
di Lampedusa, por intermédio de um personagem aristocrático, lançou a frase que irá guiar
nossa reflexão nesta seção: “Se quisermos que tudo continue como está, é preciso que tudo
mude. Fui claro?” (TOMASI DI LAMPEDUSA, 2017, p. 29). Nos primeiros anos da década
141

de 1960, os senhores de terras em Goiás e de vários pontos do Brasil, embora não fossem
nobres, temiam a revolução e se apegaram aos valores da reação.
A nota intitulada “Ruralistas querem a reforma sem confisco”,142 publicada na Tribuna
da Imprensa, foi um manifesto redigido e assinado, decorrente da realização de um “Congresso
sobre a Reforma Agrária”, realizado pela Sociedade Rural do Triângulo Mineiro, na cidade de
Uberaba (MG) e que contou com a participação de oitocentos ruralistas. Entre esses, alguns
foram nomeados pelo jornal: Iris Meimberg, então presidente da Confederação Rural Brasileira;
Sebastião Viana Lôbo, presidente da FAREG;143 Antônio José Loureiro Borges, presidente da
Sociedade Rural do Triângulo Mineiro e os políticos udenistas goianos, respectivamente, o
senador Jerônimo Coimbra Bueno e o deputado federal Emival Caiado.
O senador Coimbra Bueno, engenheiro, fazendeiro e ex-governador de Goiás entre 1947
e 1950, era proprietários de terras em Barretos, reduto pecuarista no interior de São Paulo, e em
Caçú, município goiano. Entre 1930 e 1934 atuou como representante no Rio de Janeiro da
Associação de Pecuária do Brasil Central,144 essa que nos anos de 1940 foi dirigida por Iris
Meimberg, então presidente da Confederação Rural Brasileira (CRB).145 Além dessa
aproximação classista, Coimbra Bueno e Iris Meimberg estiveram envolvidos na construção da
nova capital federal, assim como o próximo signatário do manifesto.
Emival Caiado146 (1918-2004) era filho de Antônio di Ramos Caiado, mais conhecido
como Totó Caiado, e que teve o seu grupo político afastado momentaneamente do poder por
Pedro Ludovico Teixeira. Era ainda tio do médico e político goiano Ronaldo Caiado que, em
cerimônia no Senado Federal em 2018 disse: “Emival Caiado fazia política com paixão.
Aprendi muito com meu tio Emival, que tanta falta faz a nós todos. Com determinação e espírito
público, ele mostrou que a democracia só tem um caminho, o caminho político”.147 A matéria
sobre o político goiano afirma que
Com o Plenário do Senado Federal lotado, dezenas de autoridades, políticos,
familiares, amigos, ex-parlamentares e admiradores homenagearam nesta
sexta-feira (8) o centenário de nascimento do ex-senador, ex-deputado federal,
jornalista, advogado e produtor rural Emival Ramos Caiado. Sobrinho do
homenageado, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) presidiu a sessão e

142
“Ruralistas querem a reforma sem confisco”. In: Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 16 maio 1963.
143
Ver o Quadro 2.
144
Para maiores informações sobre a atuação política de Coimbra Bueno, ver: “Coimbra Bueno” (verbete
biográfico). In: Página Oficial do Senado Federal, sem data.
145
Entidade analisada no Capítulo 2 desta tese.
146
Para maiores informações sobre a atuação política de Emival Caiado, ver: “EMIVAL CAIADO” (verbete
biográfico). In: Página Oficial da Câmara dos Deputados, sem data.
147
“Atuação de Emival Caiado para desenvolvimento de Goiás e do país é destacada em homenagem”. In: Senado
Notícias, Brasília, 08 jun. 2018.
142

lembrou a convivência desde a infância com o tio, autor da lei que fixou a data
de mudança da capital brasileira do Rio de Janeiro para o centro do país (Lei
3.273/1957), determinando que Brasília deveria ser inaugurada no dia 21 de
abril de 1960.

Além da filiação de Iris, Coimbra Bueno e Emival com a construção de Brasília, os três
possuíam uma filiação orgânica com o campo, isto é, eram proprietários rurais e tinham
representatividade local e regional.
O documento, lançado na forma de manifesto e assinado por várias mãos elitistas da
agricultura e da pecuária nacional dos anos 1960, trazia cinco pontos. O quinto e último ponto
é, ao nosso ver, um elemento de amálgama dos valores defendidos pelo grupo ruralista em
questão. A reforma agrária (possível) deveria seguir os seguintes preceitos: “que, numa palavra,
em nada se atente contra o direito de propriedade e contra as nossas tradições cristãs”.148
Além da defesa dos valores cristãos, a abertura do manifesto expressa que a “reforma
não tenha caráter confiscatório, socialista [...], e que não vise eliminar ou perseguir os médios
e grandes proprietários”.149 Para além dos elementos de ideologia política e religiosa
apresentados, podemos notar que a reforma não deveria atentar contra o sentido quase sagrado
da propriedade que, levada adiante nos termos propostos, não resolveria o problema agrário
nem no caso brasileiro, nem no goiano. Analisando os dados da estrutura fundiária goiana, Itami
Campos (2015, p. 53) afirma que “em 1940, 63,7% da área total dos estabelecimentos rurais
era controlada por 8,3% de grandes proprietários. E o quadro se mantém mais ou menos
inalterado [...] em 1960, 4,7% dos estabelecimentos rurais controlam 48,5% área total dos
imóveis”. A concentração fundiária nos anos 1960 ainda era uma marca do campo goiano e a
elite política ruralista, defensora dos interesses de classe, não estava disposta a modificá-la. Os
representantes classistas afirmavam que, caso uma reforma viesse a ocorrer,
os poderes públicos concedam terras devolutas aos pequenos agricultores
desejosos de se tornarem proprietários, de forma a não perturbar a vida do
campo através de expropriações injustificáveis.150

Não se tratava de combater a concentração, mas sim de difundir a ideologia


proprietarista mediante terras públicas e ações estatais.
No ano derradeiro do governo João Goulart, o jornal O Estado de S. Paulo traz em nota
na primeira página: “Proprietários goianos estão alerta contra os invasores”. Na cidade de

148
“Ruralistas querem a reforma sem confisco”. In: Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 16 maio. 1963.
149
“Ruralistas querem a reforma sem confisco”. In: Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 16 maio 1963.
150
“Ruralistas querem a reforma sem confisco”. In: Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 16 maio 1963.
143

Trindade, próxima à capital, um total aproximado de “200 fazendeiros, reunidos na sede da


Associação Rural, deliberaram constituir comandos armados para defender-se dos lavradores
que tentarem invadir terras localizadas naquele município”.151
A reportagem afirma que, frente às tentativas de invasão de propriedades em Goiás, o
então presidente da Sociedade Goiana de Pecuária (SGP), Carlos Machado de Araújo, declarou
que “essa decisão é ‘inteiramente absurda’ e que confia ‘na existência da autoridade em Goiás
para garantia dos direitos dos proprietários de terras”.152
A Superintendência de Política Agrária (SUPRA) em Goiás manifestou ao jornal que “a
decisão dos lavradores [foi] ‘precipitada e violenta’, principalmente porque ‘estamos às portas
da desapropriação das margens de rodovias e ferrovias federais’”.153 A SUPRA154 foi criada na
fase parlamentarista do governo João Goulart, pela lei delegada n. 11, de 11 de outubro de 1962,
“que se incumbiu de auxiliar trabalhadores e representantes a formarem sindicatos”
(SCHMITZ; BITTENCOURT, 2015, p. 582). A SUPRA teve a sua lei de criação revogada em
novembro de 1964. Podemos perceber na nota da SUPRA no jornal paulista uma postura de
crítica aos lavradores, que almejavam terras e um certo aceno para os proprietários rurais, isto
é, para a elite do campo.
O clima de tensão no campo goiano em fevereiro de 1964 escala de forma significativa
para um desfecho violento, como bem sinaliza a matéria do dia 16 de fevereiro de 1964,
intitulada “Goiás: proprietários unem-se diante da ameaça de invasões”.155 Somando forças
com a Associação Rural de Trindade encontra-se agora a Associação Rural do Município de
Anápolis (Goiás), que
mantém um dispositivo de defesa da propriedade rural privada, armado ao
longo da rodovia Brasília-Belém, no trecho Anápolis-Ceres, pronto para
entrar em ação sozinho ou em conjunto com qualquer instituição pública ou
particular empenhada em manter a paz, a ordem e a legalidade, tão logo seja
ameaçada ou transgredida a ordem legal.156

A presença de grupos armados da elite proprietária no trecho da rodovia federal entre


Anápolis e Ceres se devia ao fato de o conflito de Trombas e Formoso estar localizado na região

151
“Proprietários goianos estão alerta contra os invasores”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 fev. 1964.
152
“Proprietários goianos estão alerta contra os invasores”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 fev. 1964.
153
“Proprietários goianos estão alerta contra os invasores”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 fev. 1964.
154
Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4504.htm#art117.
155
“Goiás: proprietários unem-se diante da ameaça de invasões”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 fev.
1964, p. 5.
156
“Goiás: proprietários unem-se diante da ameaça de invasões”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 fev.
1964, p. 5.
144

de Ceres, mesma área da CANG. O líder do movimento de lavradores, eleito deputado estadual
pela aliança PTB-PSB, José Porfírio de Souza,157
explicou que o problema das invasões ‘não foi interpretado convenientemente
pelos fazendeiros, pela imprensa e pelas autoridades’. Afirmou inicialmente
que os lavradores de Goiás não estão agora em condições de sustentar lutas
armadas para defender a posse da terra.158

Continua o representante dos posseiros e deputado estadual, declarando que “serão


invadidos apenas os grandes latifúndios, cujos proprietários residam fora e a terra esteja
praticamente abandonada”.159 Nas palavras de José Porfírio, entre 300 e 400 famílias irão
ocupar e produzir nas terras que foram destinadas para a reforma pela SUPRA e, caso as
desapropriações não sejam levadas adiante, a “solução é apenas apelar para a violência”.160
O governo Mauro Borges, na figura do então secretário de Segurança Pública do estado
de Goiás, Rivadávia Xavier Nunes, declarou que o “governo não permitirá qualquer movimento
subversivo e está em condições de manter a ordem a qualquer preço”, que em Goiás não
existiriam entidades terroristas de posseiros e que o movimento de trabalhadores rurais no
Estado é “semelhante do que ocorre no Nordeste, com a denominação de ‘Ligas’. Aqui existem
sindicatos e associações de trabalhadores rurais, fundados de acordo com a legislação em
vigor”.161. O secretário de Estado confrontou o deputado Emival Caiado (UDN), que havia
afirmado ao jornal a existência de “organizações subversivas operando em Goiás”.162 Frente a
outras localidades, além daquela às margens da Belém-Brasília foram citadas como foco de
insurreição camponesa pelo deputado udenista Itauçu, Itumbiara, Itapirapoã e outras. Nas

157
“Em 1950, migra para a região de Trombas, no médio norte goiano, lidera o movimento dos camponeses contra
os fazendeiros da região. Na defesa da posse da terra, esteve várias vezes em Goiânia e duas vezes no Rio de
Janeiro, Capital da República, tendo inclusive audiência com o presidente Getúlio Vargas. Em 1956, ingressa no
Partido Comunista. Após o XX Congresso, discorda da linha do Partido. Em 1960, passa 8 meses em Cuba.
Presidente dos Congressos Camponeses: Goiás, 1962; Minas Gerais, 1963. Deputado Estadual, PTB-PSB, 5.ª
Legislatura, 1963-1967. Deputado mais votado da Coligação, eleito com 4.663 votos. Em 01.06.1964, teve
seu mandato cassado por ato do Presidente da República, foge para o estado do Maranhão. Em 1968, com o ex-
padre Alípio Cristiano de Freitas, funda o PRT – Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Em 1972, na repressão
à guerrilha do Araguaia, é preso na fazenda do Riachão, município de Angelical (MA) e levado para Brasília. Em
07.06.1975, é solto, sua advogada o deixa na rodoviária, destina-se a Goiânia. Não mais é visto” (“José Porfírio
de Souza – PSB” (verbete biográfico). In: Página Oficial da Assembleia Legislativa de Goiás, sem data).
158
“Goiás: proprietários unem-se diante da ameaça de invasões”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 fev.
1964, p. 5.
159
“Goiás: proprietários unem-se diante da ameaça de invasões”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 fev.
1964, p. 5.
160
“Goiás: proprietários unem-se diante da ameaça de invasões”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 fev.
1964, p. 5.
161
“Goiás: proprietários unem-se diante da ameaça de invasões”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 fev.
1964, p. 5.
162
“Goiás: proprietários unem-se diante da ameaça de invasões”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 fev.
1964, p. 5.
145

palavras do chefe da Segurança Pública, não havia indícios de levantes armados de posseiros e
lavradores.
O nível de tensão social e política em Goiás fez com que a Associação Rural de Trindade
fosse a mais atuante no momento e “os fazendeiros de Trindade são, presentemente, os mais
bem organizados do Estado, tendo inclusive fundado o Banco Rural de Trindade, instalado
precisamente para reunir os fundos necessários à campanha [...] em defesa de suas terras”.163 O
capital estava, mais uma vez, a serviço da reprodução social da elite agrária goiana.
Uma longa reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada no dia 18 de fevereiro
de 1964, deu destaque para os estados de Goiás e Minas Gerais. Seu título é “Proprietários
aceitam reforma mas não invasão”. A organização dos fazendeiros goianos contra as invasões
de terras será levada para o confronto, de acordo com o periódico paulista, se “o plano de
agitação organizado por alguns sindicatos de trabalhadores rurais tiver sequência, estimulado,
ao que parece, pela SUPRA”.164
Ao apontar a SUPRA como a incentivadora dos levantes de lavradores pelos seus
sindicatos de trabalhadores rurais, o centenário jornal paulista busca estabelecer conexões entre
as demandas do campo e o governo federal. A antessala do golpe civil-militar de 1964 é
marcada pela “ira moralista de veículos como o Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Globo,
O Estado de S. Paulo, Folha de São Paulo, Tribuna da Imprensa, O Dia e dos Diários
Associados de Assis Chateaubriand” (SILVA, 2014, s. p.)165.
Concordamos com Rodrigo Patto Sá Motta (2013, p. 65) que afirma que
as reflexões de Jürgen Habermas166 sobre o papel da imprensa na constituição
de uma esfera pública tornaram-se clássicas, contribuindo para destacar a
relevância política dos jornais e a necessidade de estudá-los. No entanto, nesta
direção, muitos trabalhos seguiram caminhos simplistas, reduzindo os
periódicos ao papel de mero instrumento nas estratégias discursivas burguesas
ou estatais. Avaliação adequada das fontes de inspiração política da grande
imprensa demanda olhar mais cuidadoso. Naturalmente, trata-se de empresas
inseridas no sistema capitalista, portanto, contrárias a mudanças sociais
radicais. Além disso, os jornais sofrem anuência do Estado, seja de ordem
financeira, na forma de vantagens ou publicidade social, seja pela ameaça de
ações coercitivas. [...] A razão é que a imprensa também sofre a influência do
público, da sua clientela; por isso, estratégias de mercado, em certas situações,
marcam as escolhas políticas dos editores. Por outro lado, é fundamental
considerar a opinião política dos proprietários da empresa ou de seus editores
que, às vezes, adotaram estratégias arriscadas motivados por suas convicções.

163
“Goiás: proprietários unem-se diante da ameaça de invasões”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 16 fev.
1964, p. 5.
164
“Proprietários aceitam reforma mas não invasão”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 fev. 1964, p. 5.
165
“1964, Golpe Midiático-Civil-Militar”. In: Carta Capital, São Paulo, 03 abr. 2014.
166
Para uma reflexão sobre a esfera pública, ver: HABERMAS, 1984.
146

Os estudos de Maria Lígia Prado (1980) e Maria Helena Capelato (1989) apontam que
a postura do “Estadão” esteve atrelada aos ditames do liberalismo, do conservadorismo e
acrescentamos, do reacionarismo. Este periódico foi um dos principais apoiadores do desfecho
golpista e profundo defensor da ideologia proprietarista.
Um total de dez dirigentes de Associações Rurais goianas enviaram um convite para o
Superintendente da SUPRA, João Pinheiro Neto, para que fosse até Anápolis e debatesse com
a elite rural o problema agrário, dando a entender o empenho da elite classista dos fazendeiros
em debater a sensível questão.167 Não há menção se o convite foi concretizado na forma de um
encontro entre governo e fazendeiros.
Há no texto do jornal paulista uma clara tentativa de evidenciar os valores morais dos
fazendeiros goianos e, principalmente, de associar a sua condição de elite ao trabalho duro sobre
a terra e de explicitar que seriam todos legítimos “homens da terra”. De acordo com o presidente
da Associação Rural de Anápolis, o senhor Lincoln Xavier Nunes, o jornal cita que:
Os proprietários rurais de Goiás são todos legítimos homens da terra.
Cultivam suas glebas com sacrifício; enfrentaram, anos atrás, o sertão bruto;
mataram onças, perderam filhos e lutam contra o tempo e todas as
adversidades. Como, agora, entregar as terras assim de forma violenta? Nossas
glebas não formam latifúndios improdutivos; pelo contrário, produzem muito
e à custa de sacrifícios de toda ordem.168

A narrativa que busca valorizar a terra como obra do trabalho dos proprietários apela à
lógica de uma conquista à moda de um self-made man estadunidense do século XIX, que
realizou a conquista do oeste domando a natureza e tornando a terra, que em sua concepção
seria selvagem, estéril em terra de valor, isto é, terra produtiva. O fazendeiro goiano seria
análogo ao farmer estadunidense,
herói rústico, que havia desenvolvido força física no duro trabalho do campo.
Com isso, garantia tenacidade de caráter e ação determinadas – atributos que
formavam o “homem de ação” que construía a nação norte-americana. Essa
versão mítica do homem do Oeste justificava a tomada dos territórios e
escamoteava a extrema violência com que foi realizada a anexação e, por outro
lado, impulsionava para que pessoas originárias do Leste se estabelecessem nas
terras conquistadas (JUNQUEIRA, 2000, p. 56).

Outro fazendeiro narra a sua trajetória do nordeste para o Brasil Central, revelando a
dinâmica da frente pioneira:

167
“Proprietários aceitam reforma mas não invasão”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 fev. 1964, p. 5.
168
“Proprietários aceitam reforma mas não invasão”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 fev. 1964, p. 5.
147

Eu vim da Bahia [...] e ninguém conhece a luta que travei para vencer a mata
que dominava essas regiões; da Bahia, ainda, trouxe mudas e sementes de
capim colonião, que hoje viceja em minha propriedade. É essa propriedade
que agora desejam invadir violentamente.169

Ao derrubar a mata no cerrado goiano e formar pastagens para o gado com o capim
colonião, o proprietário egresso da Bahia incorpora a região de Goiás na dinâmica da “economia
de mercado” (MARTINS, 1975, p. 45) e, ao defender sua posse, está ratificando um “ponto-
chave da implantação da frente pioneira [que] é a propriedade privada da terra” (Ibidem, p. 47).
É como sombra da frente pioneira, espaço de imbricamento de temporalidades
históricas, em que o tradicional e o moderno se misturam e produzem algo distinto, mas
vinculado à dinâmica e a exploração capitalista, que se instaura a frente de expansão. Nesse
“entrelugar”, o elemento definidor é o conflito, “um lugar de descoberta do outro e de
desencontro” (MARTINS, 2009, p. 133). É aí que a fronteira se instaura e só deixará de existir
quando os conflitos saírem de cena e “quando os tempos se fundem, quando a alteridade
original e mortal dá lugar à alteridade política [...] quando a história passa a ser nossa história”
(Ibidem, p. 134), ou seja, quando a história do proprietário e do lavrador se misturam de maneira
não brutal e não violenta.
A violência da fronteira suspendeu o Estado de Direito. Em um depoimento do sr.
Antônio Oliveira, dono da fazenda “Vão dos Angicos”, na região de Luziânia (GO), afirma que
um ex-colono o informou que havia um “verdadeiro arsenal, montado por lavradores, nas
vizinhanças de sua propriedade”.170 O depoimento do ex-colono ocorreu, como o próprio sr.
Antônio Oliveira afirma, depois que aquele estava preso pelo próprio fazendeiro. São ecos de
um passado tradicionalista em uma realidade já inserida na lógica do mercado, provando que
ambos coexistem e se impulsionam. O discurso pela reforma era apenas uma retórica. Os
fazendeiros estavam preparados para pegar em armas e estavam movidos por uma lógica
reacionária, isto é, uma revolução que apontava para o passado. A postura reacionária das
associações rurais municipais acabou contaminando a FAREG, fazendo com que a federação
se distanciasse do seu tradicional reformismo.

169
“Proprietários aceitam reforma mas não invasão”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 fev. 1964, p. 5.
170
“Proprietários aceitam reforma mas não invasão”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 fev. 1964, p. 5.
148

4.2.3. Os currais como front político: os pecuaristas goianos e o caminho para o golpe.
No segundo semestre de 1961, o Brasil vivia mais um momento de tensão política, que
poderia ter caminhado para um desfecho ainda mais problemático. Com a renúncia de Jânio
Quadros em agosto e a crise sucessória, que terminou com a implementação do sistema
parlamentarista, o governador goiano Mauro Borges, que estava em seu primeiro ano de
mandato, teve papel crucial no desenrolar dos fatos entre 25 de agosto e 7 de setembro de 1961.
A pressão da SGP sobre o governo estadual em relação aos conflitos no campo já
frutificava em 1961 e somava-se às associações vinculadas à FAREG. Em memorial aprovado
no dia 27 de dezembro, que deveria ter sido entregue ao governador goiano, a SGP alertava-o
“sobre os perigos que acarreta ao estado de Goiás uma campanha pela reforma agrária feita em
termos demagógicos, ‘mais de cunho político do que social, prejudicial às atividades
agropastoris e encetada por processos pouco recomendáveis”.171 A mensagem, que seria
divulgada após apresentação ao governador, já tinha endereço certo: “a atuação de Julião,
chamando-o de ‘inimigo da democracia e da iniciativa privada’”.172 Francisco Arruda de Paula
(1915-1999) foi um advogado e político pernambucano de família de senhores de engenho.
Movido pelas desigualdades sociais que cercavam o seu estado e pela “leitura de obras
teológicas, marxistas e do pensamento social brasileiro [...] começou a refletir e engajar-se na
luta camponesa” (SIMONETTI; HALLEY, 2020, p. 178). “Julião” ganhou repercussão
nacional ao defender e aderir às Ligas Camponesas, movimento de trabalhadores surgido no
Engenho Galileia (Ibidem, p. 178) e
ainda em 1959, as Ligas também alcançaram outros estados, como o Rio de
Janeiro e o Paraná. Eram associações de caráter civil e voluntário, baseadas
em estatuto e registradas em cartório, que atendiam diversos trabalhadores
rurais (foreiros, meeiros, arrendatários e pequenos proprietários), ofertando
assistência jurídica, médica e também a autodefesa dos seus membros em
casos de expulsão das terras sem indenização. Dada sua popularidade, em
1961, as Ligas chegaram a organizar comitês em dez estados do Brasil,
alcançando o ápice de seu prestígio com a eleição de Julião para deputado
federal, em 1962 (Ibidem, p. 181).

De acordo com Saimon de Britto e Elizeu Lira (2021, p. 348),


enquanto Mauro Borges implantava seu projeto de Reforma Agrária no antigo
norte goiano, atual do Estado do Tocantins, surgiu concomitantemente na
mesma região, no município de Dianópolis, no então povoado Rio da
Conceição, um núcleo guerrilheiro das Ligas Camponesas, inicialmente
disfarçados de Companhia Agropecuária, porém com uma proposta de reforma
agrária através da revolução socialista nacional.

171
“Pecuaristas goianos advertem Mauro Borges”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28 dez. 1964, p. 1.
172
“Pecuaristas goianos advertem Mauro Borges”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28 dez. 1964, p. 1.
149

Frente à entrada do movimento de luta pela terra em Goiás, os fazendeiros apontam no


memorial que seria infeliz a pregação de Julião no estado e “lamenta que ele pretenda voltar,
anunciando uma reforma agrária de fins políticos e de processos ilegais, para chegar ao
poder”.173 A advertência ao governador, como consta na chamada da matéria, apontava no
manifesto que “a classe de pecuaristas recorrerá à autodefesa violenta se as providências
governamentais falharem”.174
O memorial entregue ao governador goiano foi publicado na íntegra pelo jornal paulista.
A matéria abre dizendo que “a exemplo das classes conservadoras, a Sociedade Goiana de
Pecuária, representada por uma comissão, entregou ontem memorial ao governado Mauro
Borges, alertando-o sobre pregações subversivas”.175 Nesse texto, a entidade classista afirma
acreditar no “idealismo e responsabilidade do Governo Estadual, mas não seria lícito nem
patriótico ocultar-lhe as suas fundadas apreensões, ditadas pelo bom senso, experiência
histórica e sentimento conservador”.176 Julião é citado no texto da SGP como “uma liderança
ideológica” e “comunista” e a entidade “entende o Capital como instrumento premiador e
dinamizador do Trabalho, opondo-se portanto, a qualquer revisão constitucional que, direta ou
veladamente, lhe inverta a titularidade, a segurança jurídica e o regular exercício”.177
O memorial termina dizendo que a elite proprietária rural de goianos “naturais ou
adotivos” estavam juntos com o governo estadual “pela ordem, legalidade, democracia e
tradições cristãs” e que esperavam de Mauro Borges “energia serena, franqueza leal e sabedoria
patriótica”.178 A seção “Política nos Estados” do jornal Correio da Manhã também fez menção
ao memorial da SGP na luta contra Francisco Julião e suas tendências “comunistas” e “não
democráticas”179. O Jornal do Brasil180 em janeiro de 1962 também publica a nota da SGP em
matéria com o título “Pecuaristas e agricultores de Goiás querem respeito à ordem e tradições
cristãs”, reafirmando a retórica reacionária da crença no cristianismo, na propriedade e do
recurso à violência, caso alguma estivesse sob ameaça vermelha.

173
“Pecuaristas goianos advertem Mauro Borges”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28 dez. 1964, p. 1.
174
“Pecuaristas goianos advertem Mauro Borges”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28 dez. 1964, p. 1
175
“Ameaça ao regime nos conflitos sociais em Goiás”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 30 dez. 1964, p. 1.
176
Ameaça ao regime nos conflitos sociais em Goiás”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 30 dez. 1964, p. 1.
177
Ameaça ao regime nos conflitos sociais em Goiás”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 30 dez. 1964, p. 1.
178
Ameaça ao regime nos conflitos sociais em Goiás”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 30 dez. 1964, p. 1.
179
“Política nos Estados”. In: Correio da Manhã. In: Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 31 dez. 1964, p. 8.
180
“Pecuaristas e agricultores de Goiás querem respeito à ordem e tradições cristãs”. In: Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 16 jan. 1962, p. 8.
150

A elite de classe dos proprietários era representada por políticos diretamente vinculados
aos seus interesses ou representantes de suas reivindicações, dentre eles Carlos Lacerda. O
governador da Guanabara era aguardado em Goiânia no mês de agosto de 1963 para um
“encontro de ruralistas goianos e de estados vizinhos [...] promovido pela Sociedade Goiana de
Pecuária, Federação das Associações Rurais de Goiás [FAREG], Sindicato dos Produtores
Agropastoris de Goiás e Associação Comercial e Industrial de Goiás”.181 Lacerda não esteve
presente por ter decidido não participar de “reuniões políticas” no mês corrente e foi
representado pelo deputado federal Afrânio de Oliveira, da UDN paulista.
De acordo com o Estado de S. Paulo, em encontro na praça do Bandeirante, importante
local na região central de Goiânia, no cruzamento das duas principais avenidas da cidade, a
Avenida Goiás e a Avenida Anhanguera, o político discursou para quase 10 mil pessoas. O
convite para o prócer da UDN e que se fez representar pelo deputado paulista foi feito por
Astolfo Borges,182 “chefe do PSD da cidade de Rio Verde e tio do governador do Estado, sr.
Mauro Borges”.183 Políticos diversos e líderes classistas dos proprietários discursaram nos
eventos da semana dos ruralistas:
dos deputados federais Plínio Lemos, da UDN da Paraíba, Wilson Roris, do
PSD do Ceará, representando o deputado Armando Falcão, Jales Machado e
Emival Caiado, da UDN de Goiás; os deputados estaduais Almir Turisco de
Araújo, presidente da Assembleia Legislativa de Goiás, Geraldo Freire, da
UDN de Minas; Getúlio Vaz, representando o prefeito de Goiania, sr. Helio de
Brito, da UDN; Olímpio Jaime, da UDN de Goiás; o diretor da Faculdade de
Direito, sr. Jeronimo Geraldo de Queiroz e representantes das classes
produtoras e dos estudantes locais.184

Ao fim do encontro realizado na praça do Bandeirante em Goiânia, marcado pelo


discurso do udenista paulista, foi “lida a ‘Carta de Goiânia’, que seria enviada a todas as
autoridades brasileiras, firmada pelas entidades promotoras do certame, que lançaram à Nação
uma ‘declaração de princípios’ fundada no intento de preservar a democracia [...]”. A frustrada
espera por Carlos Lacerda gerou manifestações de grupos de esquerda em Goiânia, que o jornal

181
“Deputado salienta em Goiânia realizações do gov. Lacerda”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 ago.
1963, p. 9.
182
A família materna de Mauro Borges era de proprietários de terra do sudoeste goiano. O avô materno de Mauro
Borges era chamado Antônio (Totonho) Borges e se tratava de importante líder político em Rio Verde e
proprietário rural. Em seu livro de memórias, o ex-governador retrata com saudosismo e afeto as vezes em que
esteve na companhia do avô na lida com a fazenda e o gado (TEIXEIRA, 2002, p. 43-58).
183
“Deputado salienta em Goiânia realizações do gov. Lacerda”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 ago.
1963, p. 9.
184
“Deputado salienta em Goiânia realizações do gov. Lacerda”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 ago.
1963, p. 9.
151

apontou como sendo oriundos de Brasília: seriam “funcionários pagos pelo governo federal”
de João Goulart para enfrentar o líder carioca. A polícia efetuou bloqueios para impedir os
manifestantes de chegarem ao local do comício, houve confrontos entre policiais e
manifestantes e os últimos realizaram um enterro simbólico de Carlos Lacerda.185
A “Carta de Goiânia”, documento das entidades classistas publicada durante os
encontros na segunda semana de agosto, dizia que as entidades (SGP, FAREG etc.) sentiam-se
angustiadas com os problemas sociais e econômicos brasileiros e que “sob a orientação negativa
dada ao equacionamento das reivindicações populares, com o objetivo de levar-nos ao regime
comunista, contrário às tradições e aspirações do nosso Povo”,186 temiam pelo pior contra seus
interesses.
Diz ainda que a “reforma agrária radical e demagógica tem sido usada para iludir o Povo
Brasileiro, representando grave ameaça ao nosso sistema de vida democrático”187. Na seção da
declaração de princípios da “Carta de Goiânia”, o discurso recorrente anticomunista se faz
presente, aliado à ideia de preservação da democracia, dos direitos à vida e à dignidade humana.
Colocam-se aliados ao Congresso Nacional na defesa da justiça social e das reformas de base,
desde que elas fossem feitas dentro do ordenamento legal e constitucional vigente, isto é, não
enfrentando de forma radical a questão agrária e, por sua vez, a reforma agrária deveria ser
democrática e cristã. Levantam a bandeira das liberdades de culto e pensamento e de forma
quase irônica se dizem contrários à exploração do homem pelo homem, mas temem de forma
mais clara a exploração do homem pelo Estado.188
O cerco aos movimentos que reivindicavam uma reforma agrária mais profunda no
Brasil sofria a vigilância do governo federal à época do parlamentarismo com o então ministro
da Justiça, Alfredo Nasser,189 jornalista e político goiano que havia ocupado pelo estado de
Goiás nos anos de 1950 a cadeira de senador da República pela UDN. Em reportagem publicada

185
“Deputado salienta em Goiânia realizações do gov. Lacerda”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 ago.
1963, p. 9.
186
“Deputado salienta em Goiânia realizações do gov. Lacerda”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 ago.
1963, p. 9.
187
“Deputado salienta em Goiânia realizações do gov. Lacerda”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 ago.
1963, p. 9.
188
“Deputado salienta em Goiânia realizações do gov. Lacerda”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 ago.
1963, p. 9.
189
“Nasser, que era filho de imigrantes libaneses, nasceu em 30 de abril de 1905, em São Paulo, embora se
orgulhasse em dizer que era natural da cidade de Caiapônia (GO). Sua família nunca foi rica, e ele passou sua
trajetória cheia de mudanças de cidade: Caiapônia, Tupaciguara e Uberlândia, ambas em Minas Gerais. Viveu
a juventude dividido entre São Paulo e a Cidade de Goiás. Os tempos de maturidade passou no Rio de Janeiro,
então capital da República. Depois, Goiânia, quando fundou o Jornal de Notícias, em 1952. Por fim, foi para
Brasília, quando integrou os quadros do Ministério da Justiça, ganhando projeção política nacional” (“A trajetória
de Alfredo Nasser” (verbete biográfico). In: Página Oficial da Assembleia Legislativa de Goiás, sem data).
152

na primeira página da Tribuna da Imprensa do dia 24 de janeiro de 1962, Nasser afirmou que
Francisco Julião seria interpelado e investigado e que apresentaria ao Conselho de Ministros,
“tudo sobre o Movimento Anticomunista (MAC)”.190 A tomada de medidas investigativas e
repressivas contra os movimentos populares, que queriam a reforma da estrutura agrária
brasileira, transformou Alfredo Nasser em possível candidato da filiação UDN-PSP para o
governo de Goiás, como consta em reportagem de junho de 1963.191
Entre 1963 e 1964, a situação caminhava para uma difícil equalização da parte de Mauro
Borges entre seu plano de governo, que flertava com progressismo e o estatismo, com a pressão
oriunda das classes proprietárias em Goiás e a “reação de fazendeiros e de seus representantes
políticos [...] em torno da Frente de Mobilização Democrática” (RABELO, 2009, p. 55).
O desfecho para a crise com o golpe civil-militar de 31 de março de 1964 acabou
resultando no apoio de Mauro Borges para a sua implementação. De acordo com Dalva Borges
de Souza (2009, p. 92), a adesão do governador goiano contrariava seu apelo legalista de 1961,
que ao olhar da autora parece ter sido um dos poucos desvios de Mauro Borges do espírito da
caserna, espaço de sua formação. Para a socióloga goiana, os laços do governador de Goiás
com os golpistas antecedem aquilo que ele chamou de “Movimento de 1964”. Ao nosso ver, as
pressões políticas e classistas dos fazendeiros goianos tiveram um papel decisivo na
participação de Mauro Borges, que adotou uma postura estratégica de sobrevivência em um
estado que havia entrado de cabeça no reacionarismo por via de suas elites.
No curso do ano da morte da primeira experiência democrática brasileira, Mauro Borges
foi sendo acossado pelo regime autoritário por via de Inquéritos Policiais Militares (IPMs),
abastecidos com o apoio de políticos udenistas e pessedistas que, pressionados pelos
proprietários de terra, levaram ao afastamento de Mauro Borges em novembro de 1964
(SOUZA, 2009, p. 125).
Em seu livro de memórias, o ex-governador goiano narra uma viagem para Bagé, no
interior do Rio Grande do Sul, para uma exposição agropecuária ocorrida três meses antes de
sua deposição, importante sinal de apoio à causa ruralista e que não foi suficiente para evitar
sua perseguição. No ano seguinte, o governador golpeado viveu meses na Fazenda Congonhas,
em Corumbá de Goiás. O campo foi o refúgio, outrora o sonho e o pesadelo, de Mauro Borges.
Concluímos que os projetos reformistas para o campo no início dos anos de 1960,
representados por Galeno Paranhos durante seu mandato como presidente da SGP entre 1959 e

190
“Nasser pedirá inquérito parlamentar: subversão”. In: Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 24 jan. 1962, p. 1.
191
“Medidas contra agitadores do campo em Goiás”. In: O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29 jun. 1963, p. 8.
153

1960, Mauro Borges durante sua gestão estadual e a FAGO, instituição vinculada à Igreja
Católica em Goiás apontavam para o mesmo caminho de pacificação do campo e para a criação
de um ambiente rural baseado na permanência da propriedade privada, aliado à existência de
cooperativas e de um forte senso de comunidade entre os habitantes do campo. Todos
acreditavam que era necessário reformar a estrutura agrária e não a revolucionar com ideias
vistas à época como subversivas, isto é, comunistas.
Aos olhos dos reformistas, o campo era a base produtiva e moral de Goiás e caberia ao
Estado e às instituições, dentre elas a Igreja, criar um espaço rural baseado em um forte senso
de solidariedade social e econômica, em que a propriedade privada conviveria com as
cooperativas rurais, a tradição cristã seria respeitada, a produção seria ampliada pela
diversificação da produção e das estruturas produtivas, distante da ideologia comunista.
Os reacionários, por sua vez, partilhavam de forma mais contundente, como vimos, o
anticomunismo, porém representavam o campo goiano como o espaço marcado pela hegemonia
da propriedade privada e conduzida pelo fazendeiro como a representação do self made man.
Para os reacionários, trabalhar a terra era antes de tudo deter o título dela. Para eles, os
verdadeiros trabalhadores eram os proprietários, que estavam dispostos, recorrendo ao
necessário uso da força a fim de protegerem um bem que lhes parecia sagrado: a terra.
154

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta tese buscou analisar a elite de classe do mundo rural entre os anos de 1930 e 1964
no estado de Goiás, focando em seus discursos sobre a modernização do campo, nas suas
associações de classe, com destaque para a Sociedade Goiana de Pecuária (SGP) e para a
Federação das Associações Rurais do Estado de Goiás (FAREG) e suas principais lideranças,
Altamiro de Moura Pacheco e Joaquim Câmara Filho. Analisamos ainda as posturas adotadas
por políticos goianos vinculados às demandas rurais entre 1946 e 1961, como Cônego Trindade,
Jalles Machado, Domingos Vellasco e Galeno Paranhos, que atuaram no campo parlamentar.
Por fim, revelamos como no contexto de ocaso da primeira experiência democrática brasileira,
entre 1961 e 1964, o tema da reforma agrária foi interpretado e enfrentado pela elite de classe
rural goiana.
A pesquisa mostrou que no contexto posterior à Revolução de 1930 em Goiás, que teve
como desdobramento político regional a ascensão de Pedro Ludovico ao poder estadual, um
sólido discurso de modernização do campo foi conduzido a partir de modelos teóricos que se
sustentavam nas ideias de Alberto Torres. Tais ideias encontraram recepção entre certos
membros da nova burocracia estadual, como Joaquim Câmara Filho, e sua abertura às ideias e
ações da Sociedade dos Amigos de Alberto Torres. Nossa pesquisa apontou que houve à época
em Goiás o surgimento de um cenário no campo que projetava a expansão de pequenos e médios
proprietários com suporte tecnológico para o desenvolvimento da produção, assim como um
incentivo à diversificação de culturas agrícolas e todas as mudanças deveriam ser amparadas
por uma forte base estatal.
Acreditamos ser pertinente evidenciar tais desdobramentos do debate sobre o campo em
Goiás e seu impulsionamento por parte da imprensa à época, por intermédio das revistas A
Informação Goyana e Oeste. Em um estado marcado até então por uma forte estrutura agrária
latifundiária nas mãos de uma oligarquia, o tema da modernização e o incentivo aos pequenos
e médios proprietários foram, em sua forma conjugada, inovadores.
Neste trabalho desenvolvemos uma análise de duas associações de classe dos grandes
proprietários rurais: a Sociedade Goiana de Pecuária (SGP) e a Federação das Associações
Rurais do Estado de Goiás (FAREG). A SGP, criada em 1941 e fundada por Altamiro de Moura
Pacheco, se tratava de uma típica associação da elite rural, composta pelos pecuaristas goianos.
Além de defender pautas como a necessidade de melhoria dos rebanhos, das pastagens e outros
elementos que melhorariam a produtividade do pastoreio, a SGP contribuiu de forma sólida
para o enraizamento de uma cultura rural, em um momento em que no caminho diverso a
155

construção de Goiânia buscava apontar para a modernidade urbana. Seu fundador e primeiro
presidente, Altamiro Pacheco, era médico, pecuarista e teve importante atuação partidária via
UDN nos anos de 1950, chegando a concorrer ao governo do estado em 1950. Embora fosse
um médico de destaque em Goiás, nosso estudo aponta para um caminho inverso à
historiografia recorrente: buscamos evidenciar que ser fazendeiro, e não bacharel, era o
elemento de consagração social.
Já no caso da FAREG e de seu fundador Joaquim Câmara Filho, podemos verificar uma
atenção para a agricultura, e não apenas a pecuária, e uma forte luta pelo avanço dos estudos
agronômicos e veterinários para o incremento produtivo. Joaquim Câmara Filho já possuía ação
política voltada ao campo desde os momentos imediatamente posteriores à Revolução de 1930.
Sua formação de agrônomo e de jornalista deu a ele uma base teórica e de ação para defender
um campo atendido pela mão estatal. Verificamos que uma mesma classe econômica possui
diversos atores e instituições que “falam” por ela e Altamiro, com a SGP, e Joaquim Câmara,
com a FAREG, formavam também uma parcela da elite de classe do mundo rural.
A partir da democratização após 1945, esta tese buscou analisar como representantes
políticos se articulavam às demandas do meio rural e como o campo político-partidário em
Goiás incorporava e traduzia em discursos e em políticas públicas os interesses da elite agrária
goiana, em especial àquela vinculada com a pecuária. Na análise político-partidária demos
atenção a três membros da elite de classe no campo político goiano: Cônego Trindade (PSD),
Jalles Machado (UDN) e Domingos Vellasco (PSB). Embora não ocupassem o mesmo espaço
partidário, a tríade da elite de classe do campo político se dispôs a defender o interesse dos
pecuaristas, como o perdão de dívidas com o Banco do Brasil, entre outras demandas. Se havia
uma diversidade de posições ideológicas, a luta pelos interesses do campo e, em particular, do
interesse dos grupos dominantes rurais era o elemento de coesão.
O quarto e último momento de análise em nossa tese buscou compreender como no seio
da elite de classe houve uma diversidade de posições frente ao avanço do movimento pela
reforma agrária no alvorecer da década de 1960. Galeno Paranhos que foi presidente da SGP e,
portanto, deveria, em tese, estar plenamente associado aos interesses dos grandes fazendeiros,
levantou à época a bandeira da necessidade de uma reforma agrária, que se respeitasse o direito
à propriedade, e fez uso ainda de exemplos do bloco socialista para justificar o papel estatal no
processo.
A FAGO, por sua vez, entidade voltada aos interesses do campo, era marcada pela
presença do discurso católico e anticomunista, que a fazia defender a reforma em busca de
justiça social, para evitar o avanço de organizações de esquerda nas áreas rurais.
156

Embora não fosse um membro direto da elite de classe rural, o governador Mauro
Borges teve um papel importante por ter levado para o seio da máquina pública o debate sobre
as necessidades de mudar a estrutura agrária de Goiás, mas com o avanço de movimentos
sociais no campo, que radicalizavam nas práticas e nos discursos e frente à projeção do tema
da reforma agrária no cenário político nacional, uma parcela da elite de classe na pessoa de
lideranças de sindicatos rurais municipais, da SGP e da FAREG no contexto de véspera do
colapso da breve experiencia democrática, também radicalizaram os seus discursos e se
propuseram a defender com recurso às armas suas propriedades privadas.
Em nossa análise, o caráter diverso das posições de lideranças de um grupo
socioeconômico apenas evidencia que somente uma elite de classe é capaz de responder de
forma plural a uma realidade complexa. O resultado foi o empoderamento da ala radicalizada e
reacionária da elite de classe rural, que acabou por se unir ao projeto vitorioso do decorrente
golpe civil-militar.
Concluímos que o mundo rural goiano não foi monolítico em suas aspirações, discursos
e ações entre 1930 e 1964. Ao analisar uma determinada classe social, em nosso caso os
fazendeiros goianos, devemos perceber que seus interesses são levados ao campo da prática por
uma elite de classe. Compreender esse cenário histórico ajuda a lançar luz sobre a construção
de uma vocação agrária goiana, que está no coração de um modelo capitalista que oscila entre
o arcaísmo e a modernidade e que mantêm o Brasil como um país que na divisão internacional
do trabalho permanece como um exportador de commodities agrícolas e de devastação de
corpos e espaços.
Compreender esse percurso implica necessariamente em entender as elites que
historicamente estiveram aliadas a tal modelo econômico, social e cultural. Portanto, afirmamos
que o rural do ponto de vista econômico passou a ser representado pela elite de classe agrária
goiana como o único caminho para o desenvolvimento do estado, desenvolvimento capitalista
esse que, no curso do processo, flertou com possibilidades reformistas da estrutura produtiva,
mas que ao cabo do período se amarrou na cerca do autoritarismo.
157

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Acervos consultados
Arquivo Histórico Estadual de Goiás
Federação da Agricultura do Estado de Goiás
177

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional


Instituto de Pesquisas e Estudos Históricos do Brasil Central
Instituto Histórico e Geográfico de Goiás
Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura

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