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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA


CONTEMPORÂNEA DO BRASIL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS
CULTURAIS
DOUTORADO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

DANIELA TORRES DE ARAÚJO

Estrangeiras do Próprio País: Memória, Espaço e Representatividade das


Mulheres nas Torcidas de Futebol do Rio de Janeiro (1910 – 1950)

Rio de Janeiro
Dezembro de 2023
DANIELA TORRES DE ARAÚJO

Estrangeiras do Próprio País: Memória, Espaço e Representatividade das


Mulheres nas Torcidas de Futebol do Rio de Janeiro (1910 – 1950)

Tese de Doutorado apresentada ao Centro


de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil como requisito
para a obtenção do grau de Doutor em
História, Política e Bens Culturais.
Professor orientador acadêmico: Bernardo
Borges Buarque de Hollanda

Rio de Janeiro
2023
BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Bernardo Borges Buarque de Hollanda (orientador e presidente da


banca)
Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC
Fundação Getulio Vargas – FGV

Profa. Dra. Lívia Gonçalves Magalhães (titular)


Departamento de História
Universidade Federal Fluminense – UFF

Profa. Dra. Leda Maria da Costa (titular)


Departamento de Comunicação
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Prof. Dr. Silvio Ricardo da Silva (titular)


Departamento de Educação Física
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Profa. Dra. Ludmila Mourão (titular)


Faculdade de Educação Física e Desportos
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

Prof. Dr. Jimmy Medeiros (suplente)


Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC
Fundação Getulio Vargas – FGV

Profa. Dra. Vivian Luiz Fonseca (suplente)


Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC
Fundação Getulio Vargas – FGV
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas/FGV

Araújo, Daniela Torres de


Estrangeiras do próprio país: memória, espaço e
representatividade das mulheres nas torcidas de futebol do Rio de
Janeiro (1910 – 1950) / Daniela Torres de Araújo. - 2023.

120 f.

Tese (doutorado) – Escola de Ciência Sociais da Fundação


Getúlio Vargas, Programa de Pós-Graduação em História, Política e
Bens Culturais.
Orientador: Bernardo Borges Buarque de Hollanda.
Inclui bibliografia.

1. Esportes - Aspectos sociológicos - Brasil. 2. Futebol -


Torcedores - Rio de Janeiro (RJ). 3. Mulheres e esportes. 4. Gênero.
5. Feminismo. I. Hollanda, Bernardo Borges Buarque de, 1974-. II.
Escola de Ciência Sociais da Fundação Getulio Vargas. Programa de
Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. III. Título.

CDD – 796.334081

Elaborada por Marcelle Costal de Castro dos Santos– CRB-7/016/20


AGRADECIMENTOS

O trabalho de escrita de uma tese pode ser, por vezes, solitário e


exaustivo. É muito mais que a elaboração de um conhecimento acadêmico. É a
criação de um ser pesquisador que já nasce em nós desde os primeiros
momentos de vida. Um provérbio africano diz que é preciso uma aldeia para criar
uma criança. Afirmo que sou uma criança na aldeia acadêmica, que encontrou
nos seus pares o apoio para percorrer esse caminho. Atravessar o vasto mar de
conhecimento e as incertezas de uma pandemia ao mesmo tempo só foi possível
por saber que jamais estive só.
Primeiramente, agradeço aos meus pais, Reinaldo e Cláudia Araújo, e ao
meu filho Pedro Henrique. Desde os meus primeiros passos estiveram me
apoiando, impulsionando e suportando nos momentos mais difíceis. Mais do que
a dádiva da vida, eu recebo a bênção do amor todos os dias. São o mundo pelo
qual me reinvento todos os dias.
Ao meu marido, Lucas Palhavã, pela parceria desde os primeiros meses
de doutoramento. Um amor que nasceu pela busca de conhecimento para
elaboração de pesquisa e hoje geramos nosso fruto. Tenho a sorte de poder ter
um companheiro em todos os momentos da minha vida. Navegar pelos mares
da escrita é mais calmo quando reconheço o meu porto seguro.
Ao belíssimo encontro com o meu professor orientador, Bernardo Borges
Buarque de Hollanda, que soube me acolher e incentivar nos momentos mais
delicados. Fui em busca de uma referência acadêmica e encontrei uma
referência de ser humano. Paciente, humano, carinhoso, acolhedor e
incentivador. Como já afirmei, aprendi muito mais que a escrita de uma tese.
Gratidão.
Às amigas que fizeram dessa jornada um processo mais leve. Amanda
Lemos, Viviane Lima e Anna Cristina Almeida, fizeram cada passo no universo
acadêmico mais alegre e acolhedor. Dandara Molasso, além de contribuir com
sua fiel amizade, também teve participação ativa nos momentos de tradução da
escrita. Encontrar e reconhecer amizades-irmãs é uma dádiva que todos
deveriam viver.
À fé e à ancestralidade, sem as quais eu não teria forças para superar as
adversidades da vida e seguir a minha caminhada acadêmica. No mundo de
provas, enfrentar período pandêmico, para além das dificuldades da vida pós-
moderna, é um ato de fé. Saber que devo seguir em frente, mesmo com todas
as incertezas pairando sobre nossa existência, é honrar toda a minha
ancestralidade que lutou e sonhou por mim. Mulheres, pretas, mães e
acadêmicas são o sonho de todo um povo.
Por último, mas não menos importante, à FGV e à CAPES pela
oportunidade de desenvolver dois anos da minha pesquisa com o fomento da
bolsa de doutorado. Receber esse auxílio, principalmente no período de
pandemia, foi fundamental para minha continuidade no doutorado.
“O povo assiste ao jogo? Logo, eu também posso
assistir a torcida do Povo! ” – Carregal (Vida
Sportiva, 1918, p. 17).
RESUMO

Este trabalho elabora um panorama sobre as narrativas jornalísticas acerca da


presença feminina nas torcidas de futebol dos estádios do Rio de Janeiro, entre
as décadas de 1910 e 1950. O estudo foi realizado através da busca pelos
termos torcida e filtrados pelo gênero representado nos periódicos Jornal do
Brasil, O Paiz, Jornal dos Sports e a revista ilustrada Vida Sportiva:
hebdomadário esportivo e vida mundana. O espaço temporal, apesar de
extenso, é importante para entendermos a mudança nas representações das
mulheres torcedores no espaço futebolístico e como tais narrativas criaram e
impactaram na memória torcedora. O trabalho lança luz sobre a discussão
interseccional de gênero, classe e raça no universo esportivo a partir do binômio
ator-torcedor, uma vez que o espectador de futebol tem participação ativa no
espetáculo esportivo. A partir de um olhar panorâmico e diacrônico sobre os
acontecimentos no período, é possível identificar a transição do ideal de torcer
feminino para o masculino. Nas primeiras décadas do século XX, a mulher era a
maior representante do modelo de performance nas arquibancadas. Após o
crescimento, a diversificação das classes sociais e a proibição da prática
futebolística às mulheres, a presença feminina passa a ser caracterizada como
estranha ao ambiente.

Palavras-chave: Futebol; Torcedoras; Jornalismo esportivo; Gênero; Classe;


Raça; História Social do Esporte
ABSTRACT

This work elaborates a panorama on the media narratives about the female
presence in the football fans of the Rio de Janeiro stadiums, between the
decades of 1910 and 1950. The study was carried out through the search for the
terms “torcida” and filtered by the gender represented in the newspapers Jornal
do Brasil, O Paiz, Jornal dos Sports and the illustrated magazine Vida Sportiva:
hebdomadário esportivo e vida mundana. The temporal space, although
extensive, is important to understand the change in the representations of female
fans in the football space and how such narratives created an impact on the fans’
memory. The work sheds light on the intersectional discussion of gender, class,
and race in the sports universe from the actor-fan binomial, since the football
spectator has an active participation in the sports spectacle. From a panoramic
and diachronic view of the events in the period, it is possible to identify the
transition from the ideal of female cheering to male cheering. In the first decades,
women were the greatest representative of the performance model in the stands.
After the growth, the diversification of social classes, and the prohibition of
football practice, the female presence began to be characterized as strange to
the environment.

Keywords: Football; Female fans; Sports journalism; Gender; Class; Race;


Social History of Sport
Lista de Ilustrações

Figura 1: Presença das mulheres nas festas realizadas por clubes (JB, 1920,
p11). ................................................................................................................................27

Figura 2: Ilustração de como é um torcedor (VS, 1920, p.20)...............................29

Figura 3: Ilustração de uma torcedora (VS, 1918, p.4)...........................................30

Figura 4: Descrição da presença feminina na partida entre Fluminense e


Botafogo (OP, 1920, p. 7)............................................................................................32

Figura 5: JB cita a presença da torcida na competição de turfe em 1915 (JB,


1915, p.6) .......................................................................................................................43

Figura 6: Fotolegenda da partida do A.A palmeiras e sua torcida (VS, 918, p. 30)
.........................................................................................................................................49

Figura 7: Página de anúncios da primeira edição da revista Vida Sportiva (VS,


1917, p. 2) ......................................................................................................................51

Figura 8: Fotografia de uma mulher ilustra o editorial da primeira edição de Vida


Sportiva (VS, 1917, p. 3) .............................................................................................57

Figura 9: Coluna Confidenciais com as características da torcedora do Flamengo


(VS, 1919, p.3) ..............................................................................................................60

Figura 10: Presença de mulheres na torcida do Flamengo na partida contra o


Fluminense (VS, 1920, p. 14) .....................................................................................83

Figura 11: Anúncio da partida entre América x Fluminense rememorando a


revolta dos torcedores (JB, 1927, p. 18) ...................................................................85

Figura 12: A rivalidade da torcedora do Flamengo (Vida Sportiva, 1920, p. 10)


.........................................................................................................................................87

Figura 13: O chefe da torcida feminina promete festa na arquibancada (JS, 1941,
p. 5) .................................................................................................................................94
Figura 14: Torcida do Flamengo retratada no Jornal dos Sports (JS, 1941, p. 1)
.........................................................................................................................................96

Figura 15: Narrativa sobre uma partida de futebol de rua (Jornal do Brasil, 1947,
p. 33) ...............................................................................................................................97

Figura 16: Propaganda do programa de rádio voltada para torcida (Jornal dos
Sports, 1942, p. 6) ......................................................................................................101

Figura 17: Convocação de torcedoras para ingressar na torcida carioca (JS,


1943, p. 3) ....................................................................................................................103

Figura 18: Correspondência de uma torcedora do Rio de Janeiro (JS, 1945, p. 1)


.......................................................................................................................................104

Figura 19: Olympio Pio, ilustre torcedor da Legião da Vitória (JS, 1942, p. 6) .106

Figura 20: Olympio Pio recebe escudo do Vasco ao contribuir com 2 mil carteiras
para concurso (JS, 1937, p. 3) .................................................................................107

Figura 21: João de Lucca e Olympio Pio organizam caravana da torcida do Vasco
(JS, 1940, p.9) .............................................................................................................108
Lista de Abreviaturas e Siglas

JB Jornal do Brasil
JS Jornal dos Sports
Mlle. Mademoiselle
OP O Paiz
TOF Torcida Organizada do Fluminense
TOV Torcida Organizada do Vasco
VS Vida Sportiva: Hebdomadario Sportivo e Mundano
Sumário

Introdução .................................................................................................14

Contexto Metodológico ............................................................................................ 19

Capítulo 1 ..................................................................................................22

1. Por que estrangeiras do próprio país? A mulher torcedora e o seu


lugar de estranhamento nas arquibancadas de futebol ............................22
1.1 . Estrangeira nos territórios do torcer: distanciamentos e adaptabilidade
da mulher no campo esportivo ................................................................................ 26

1.2 . A torcedora como estrangeira nas arquibancadas: proximidades e


aceitabilidade das primeiras décadas do século XX ............................................. 33

Capítulo 2 ..................................................................................................37

2. Um novo século para o “bello sexo”: o surgimento da narrativa no


jornalismo esportivo e a participação feminina nas torcidas (1910 – 1920)
..................................................................................................................37
2.1. Vida Sportiva e Mundana: revistas semanais, participação feminina e o
desenvolvimento da imprensa esportiva na Primeira República ........................ 46

2.2. Torcer nos píncaros da fama: presença feminina e linguagem esportiva


como instrumento de popularização do futebol .................................................... 62

Capítulo 3 ..................................................................................................72

3. Minorias sociais, política e economia: As disputas femininas por


diretos dentro e fora das arquibancadas de futebol (1920 - 1930).............72

3.1. Há menos mademoiselles nas arquibancadas? A inserção de negros e


mestiços nos gramados de futebol e a presença feminina nos estádios .......... 77

3.2. Os sururus esportivos: a violência como marcador de masculinidade ...... 84

Capítulo 4 ..................................................................................................89

4. O futebol é o esporte da nação? A construção da identidade nacional e


a invisibilidade feminina (1940 – 1950) ......................................................89

4.1. Não é permitido! O impacto do Decreto-Lei nas narrativas sobre as


torcedoras de futebol ................................................................................................ 93

4.2. Agigantamento do torcer: participação feminina na primeira geração das


torcidas de futebol ................................................................................................... 100
Considerações Finais ............................................................................. 110

Referência Bibliográfica .......................................................................... 115


Introdução

“Futebol é esporte de homem! ”

A epígrafe destaca o senso comum do futebol brasileiro, repetida a


plenos pulmões por milhares de torcedores nos estádios, restringindo o esporte
como uma área reservada ao masculino, tal qual se referem Dunning e Maguire
(1997). Mesmo com a sua presença marcada no futebol brasileiro desde a
introdução do esporte bretão, o universo futebolístico masculino fez com que
a figura feminina fosse silenciada, relegada ao ostracismo histórico ou
interpretada como inferior.
Frequentadora assídua de estádios de futebol no Rio de Janeiro, pude
perceber e “sentir na pele” como o ambiente é masculino e masculinizante.
Não é raro perceber mulheres camuflando a sua feminilidade para serem
aceitas nas arquibancadas. Grupamento femininos, tal qual a Torcida Camisa
33, do Clube do Remo (PA), lutam para legitimar o espaço feminino nas
arquibancadas com provocações como a faixa “Elas sabem o que é
impedimento. Você sabe o que é respeito?”. Estar no ambiente de
arquibancada e observar os movimentos de legitimação do espaço feminino,
fez surgir o questionamento sobre o motivo da mulher, apesar de presente,
não se sentir convidada, respeitada e confortável a permanecer no ambiente
esportivo.
A escritora francesa Simone de Beauvoir (1908 – 1986), em O segundo
sexo (2014), afirma que a mulher é marcada negativamente como o outro em
relação ao indivíduo universal, cisgênero, homem-branco-heterossexual. Tal
afirmação também reflete o lugar da mulher torcedora de futebol no Brasil no
século XX. Ela fica marcada como sujeito estranho ao ambiente, apesar de ser
elemento importante para o desenvolvimento do esporte em território nacional,
visto que o público é um “fenômeno indissociável da trajetória do futebol”
(PINHEIRO, 2014, p. 01). A torcedora, portanto, é uma espécie de estrangeira
no território futebolístico.
Simmel (1983) postula que o estrangeiro é o sujeito considerado não

14
pertencente ao grupo ao qual se aproxima, mesmo que esse sentimento de
não-pertencimento seja referente a condições produzidas pela sociedade
moderna e não somente a mudança de país e cultura. Essa condição de não
pertencimento permeia as relações dentro do meio, no caso pesquisado o
futebolístico, e solidifica as tensões de poder. Assim, a mulher é vista e
considerada como estranha ao universo do futebol, mesmo que essa esteja
presente no esporte desde a sua introdução e consolidação no território
nacional.
Portanto, a mulher torcedora sofre com a estigmatização, como se fosse
invasora de um espaço masculino por natureza. Cabe ressaltar que estigma é
um conceito antropológico, definido por Erving Goffman, no qual uma marca
nas características físicas ou sociais do indivíduo “constitui uma discrepância
específica entre a identidade social virtual e a identidade social real” (1988, p.
06). Isto é, no caso da torcedora, a marca do gênero é uma discrepância entre
a identidade social virtual e a real na categoria de torcedores de futebol.
Outro conceito importante para o estudo da participação feminina no
futebol é o gênero. Afinal, o que é ser mulher? O que é ser torcedora? Quais
as características e tensões permeiam a construção dessa identidade social?
Qual é a relação de poder que hierarquiza os sujeitos fãs de futebol? Mais que
buscar respostas para tais questões, o uso da categoria de gênero busca
“investigar o que a colonialidade de gênero apagou, destruiu ou invisibilizou”,
tal qual afirma Gomes (2018).
Leda Maria da Costa assinala que as mulheres são constantemente
dissociadas do futebol e, sendo assim, as torcedoras “carecem de
credibilidade” (COSTA, 2021, p.4). É necessário administrar sua identidade de
gênero com a sua identificação com o esporte. Ou seja, não raramente a
identidade de fã se sobrepõe à feminilidade da mulher torcedora em função do
ambiente masculino ao qual está inserido o futebol na sociedade brasileira no
século XXI. O estádio de futebol, especialmente no contexto brasileiro, marca
o ambiente no qual aspectos da virilidade, violência e intimidação caracterizam
a masculinidade esperada no espaço. Para o senso comum, é onde se
aprende a ser homem de verdade.
Entretanto, desde a introdução do futebol no Brasil, a figura feminina se
fez presente. A crônica esportiva deu conta da presença do “belo sexo” nas
15
partidas do primeiro campeonato de futebol, ocorrido em 1895, como afirma
Marcos Guterman (2009). Na década de 1920, o cronista Henrique Coelho
Neto escreveu uma crônica que denominava as mulheres, presentes na
partida de futebol do Fluminense Football Club, de torcedoras. Pois estas
torciam as luvas e os lenços devido ao nervosismo do jogo e às altas
temperaturas do Rio de Janeiro, dando início ao uso da palavra torcida como
designação para os fãs do esporte no Brasil (MALAIA, 2012).
A presença feminina nos esportes pode ser comprovada mesmo antes
do surgimento do futebol. Na transição do século XIX para o século XX, Victor
Melo (2007) aponta para o envolvimento de mulheres com os esportes como
turfe, remo, atletismo, tiro ao alvo e cricket. “De qualquer maneira, é importante
registrar que desde o início encontramos a possibilidade de envolvimento
feminino no âmbito da prática esportiva” (MELO, 2007, p. 132).
No entanto, como torcedora do Club de Regatas Vasco da Gama e
pesquisadora do período de presidência de Dulce Rosalina na Torcida
Organizada o Vasco (TOV), questiono a figura feminina como estranha ao
ambiente esportivo. Afinal, como uma mulher consegue ser presidente e líder
de torcida já na década de 1950? Como outras mulheres, igualmente
importantes, são referenciadas na história de outros clubes brasileiros?
No Rio de Janeiro, os quatro clubes com maior número de adeptos na
atualidade, por exemplo, têm mulheres como torcedores-símbolos ao longo de
suas histórias, Tia Dulce, do Vasco da Gama, Dona Chiquitota, do Botafogo,
Maria de Lourdes Pereira, a Vovó Tricolor, do Fluminense e Dona Zica, do
Flamengo. Além destas figuras celebradas, tantas outras mulheres
frequentaram os estádios brasileiros apoiando seu time de paixão e com forte
envolvimento com o clube. É preciso reconstituir a memória destas mulheres
e tornar a torcedora centro da observação e vivência do futebol.
Recontar a história do esporte mais popular do Brasil através da figura
das mulheres torcedoras é importante para debater a constante deslegitimação
do lugar de fala feminino em face da masculinidade dominante cultivada pelo
universo futebolístico nacional. Além disso, o questionamento do lugar da
torcedora na hierarquia do torcer brasileiro e o desenvolvimento da sua
participação ao longo os anos também refletem sobrea realidade das
profissionais de comunicação esportiva. Isto é, retirar as torcedoras do
16
ostracismo histórico ao qual são confinadas também reverbera na revisão do
lugar de fala da mulher profissional no ambiente futebolístico. Com efeito, a
memória destas mulheres transcende a sua existência e são referência na luta
pela legitimação do espaço das torcedoras contemporâneas.
A pesquisa tem a intenção de revisar o olhar sobre a história do futebol
através da categoria da mulher-torcedora, desde o período de consolidação
do esporte no Brasil, na década de 1910 até a década de 1950, momento de
consolidação do profissionalismo esportivo e, em paralelo, de ascensão da
primeira mulher líder de torcida no Brasil, tia Dulce Rosalina, líder da Torcida
Organizada do Vasco (TOV). O intuito é uma reinterpretação do papel social
destas na hierarquia do torcer, de acordo com o momento ao qual estão
inseridas. Portanto, propõe-se investigar os pontos de transição e apagamento
da visibilidade femininas nas arquibancadas.

A cultura do torcer, bem como a sua representação midiática, difere de


acordo com o período histórico e com as questões em discussão na sociedade
da época, “na medida em que sujeitos, grupos e gerações significam
diferentemente suas ações” (PINHEIRO, 2014, p. 03). Por exemplo, logo com
a introdução e consolidação do futebol na sociedade brasileira, o modo de
torcer refletia o elitismo no qual o esporte estava inserido. A partir da sua
massificação, outras questões surgiram, como a legitimação do espaço
feminino e a luta contra o racismo e a homofobia nos estádios.
O futebol, seus torcedores e os estádios formam o que Franzini (2005)
afirmar ser um “espaço sociocultural” e Hollanda (2012) descreve como
“microfísica do poder torcedor”. A observância das nuances deste ambiente
nos ajuda a compreender os paradigmas sociais de um determinado período
histórico, bem como as tensões de “disputa por espaço, representação e
modos de dominação” (HOLLANDA, 2012, p. 109). É notório questionar o
porquê de o esporte nacional ser um ambiente historica e majoritariamente
masculino e como as mulheres se inserem nesse contexto.
Desde a importação do esporte bretão pela elite brasileira na virada do
século XIX para o XX, as mulheres têm seu papel social relegado ao
ostracismo histórico, sua paixão pelo esporte não é legitimada, sendo retratada
como belo “adorno da festa” (MAZZONI apud GUTERMAN, 2009, p. 238). Não

17
é raro perceber reportagens contemporâneas retratando como regra a falta de
conhecimento e envolvimento emocional do público feminino e como
extraordinária a paixão das fãs de futebol. Carrie Dunn (2014) narra em sua
pesquisa que a mídia esportiva presume que a audiência é masculina e assim
a sua própria experiência como torcedora não é refletida. Há um forte
investimento da sociedade para que os indivíduos moldem seus gostos de
acordo com o seu gênero. A mídia esportiva e a torcida, portanto, têm uma
relação de ressonância e reciprocidade social de seus modos.
Isto é, há um sistema de transferência e reprodução do modo torcedor
através da imprensa esportiva, que por sua vez reverbera na própria torcida de
futebol. Ou seja, o retrato do modo de torcer, comumente exaltando a virilidade
e a competitividade agressiva como ideal de masculinidade esperada no
esporte, impacta nas práticas e representações do torcedor, perpetuando os
valores retratados.
O trabalho visa preencher uma lacuna cada vez mais desvelada na
Academia, como no trabalho elaborado por Nathália Pessanha, Arquibancada
feminina: relações de gênero e formas de ser torcedora nas arquibancadas do
Rio de Janeiro (2020), a fim de traçar o desenvolvimento do envolvimento da
mulher torcedores com o esporte e a relação com os movimentos sociais de
legitimação da luta feminina.
O presente trabalho divide-se em quatro capítulos. No primeiro,
tecemos uma análise sobre o termo “estrangeira”, à luz dos conceitos
elaborados por Simmel (1983) e Schutz (2010). Entendemos como a presença
feminina no campo esportivo, ao longo dos anos, foi se construindo como
estranha ao grupo determinado como homogêneo e dominante.
No segundo capítulo, debruçamo-nos sobre as narrativas esportivas a
cerca da presença feminina nos estádios de futebol do Rio de Janeiro, nas
décadas de 1910 e 1920. Podemos observar que nesse momento a
participação das mulheres nas torcidas não causa grande desconforto e, por
vezes, é enaltecido pelos periódicos esportivos. No entanto, essa aparente
aceitabilidade é limitada pela figura masculina.
No terceiro capítulo, podemos perceber como as mudanças ocorridas
no futebol e na sociedade brasileira, nas décadas de 1920 e 1930, impactam
nas narrativas sobre mulheres torcedoras. Há uma significativa diminuição das
18
suas inserções nos períodicos esportivos e a sua performance passa a não
mais representar o ideal de torcida esperado nas arquibancadas.
Finalmente, no quarto e último capítulo observamos o quanto a
proibição das mulheres de praticarem diversas modalidades esportivas, as
imposições sociais, bem como o agigantamento e o desenvolvimento dos
modos de torcer, impactou no reforço histórico da ideia de estrangeiras ou na
representação de estranhas ao ambiente futebolístico.
Isso posto, investigar a relação da mulher com o esporte à luz do
binômio inclusão/exclusão se faz importante para entendermos os
investimentos da sociedade em designar os papeis dentro da sua hierarquia e
em contribuir com a luta feminina pela legitimação de seu espaço ante o
predomínio masculino.

Contexto Metodológico

É imperativo contextualizar que o processo de análise da pesquisa foi


atravessado pelo período de Pandemia da COVID-19. O impacto é refletido
não só na execução da pesquisa, em si, visto que foi necessário o isolamento
social e paralização de todos os eventos presenciais, como na saúde física e
mental de diversos pesquisadores no Brasil e no mundo.
A incerteza da vida e a suspensão da normalidade devem ser
lembradas ao longo de todo o texto e das demais produções acadêmicas que
foram concluídas durante a fase mais intensa de contaminação e no pós-
pandêmico. A produtividade foi afetada em todos os aspectos da vida de um
pesquisador. Ainda mais, por esse trabalho ser produzido por uma mulher mãe
que foi sensibilizada com a mudança na sua rotina pessoal e do seu filho.
A investigação é centralizada no futebol carioca, mais especificamente
na cobertura impressa em torno dos clubes do Rio de Janeiro e a presença de
suas torcedoras no cotidiano futebolístico. A escolha da delimitação espacial
é pelo fato do Rio de Janeiro ser a Capital Federal à época e o seu modelo de
sociedade a ser observado e irradiado em todo o território nacional.
Diante da impossibilidade do trabalho presencial, a pesquisa concentra-
se no acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Foram
investigados os dados das inserções jornalísticas através da busca pelo termo

19
“torcida” divididos entre as décadas no espaço de tempo entre 1910 e 1950.
Ou seja, a cada dez anos, foram observadas as narrativas sobre torcida e
coletados aqueles que fazem referência ao esporte e ao gênero feminino.
A tese busca correlacionar o papel feminino no futebol com os eventos
históricos ocorridos no Brasil durante o período observado e com o
desenvolvimento do jornalismo esportivo nos veículos de comunicação. Para
isso, serão analisadas as inserções sobre as mulheres torcedoras nos
periódicos: Jornal do Brasil, O Paiz, Vida Sportiva: hebdomadario sportivo e
mundano e Jornal dos Sports.
A escolha de tais periódicos é centrada na tentativa de abarcar
diferentes públicos e linhas editoriais dos veículos de comunicação do período
estudado. Importante ressaltar que, apesar da premissa de objetividade e
isenção do jornalismo, cada publicação tem seu viés editorial que direciona o
conteúdo produzido de acordo com o público a ser atingido. Assim como afirma
Tania Regina de Luca:

Em síntese, os discursos adquirem significados de muitas formas,


inclusive pelos procedimentos tipográficos e de ilustração que os cercam.
A ênfase em certos temas, a linguagem e a natureza do conteúdo
tampouco se dissociam do público que o jornal ou revista pretende atingir
(LUCA, 2005, p.20).

O Jornal do Brasil, fundado em abril de 1891, caracteriza-se por ser um


jornal matutino e, a partir de 1910, manteve uma linha editorial voltada para
questões populares. Ficou conhecido, pejorativamente, como “O
popularíssimo”, por tratar basicamente de assuntos cotidianos e de interesse
da camada da sociedade menos abastada. Nesse período, o jogo do bicho e
o carnaval tinham destaque nas publicações. Posteriormente, com a mudança
de propriedade, adotou uma linha moderada e de valorização da arte e da
literatura. Até que, com a Revolução de 1930, o periódico sofreu o
empastelamento de sua sede que impediu a sua circulação por quatro meses.
Assim, entre 1931 e 1950, o JB passou a ser reconhecido como o jornal dos
anúncios, para recuperar a sua saúde financeira, sem abandonar o perfil
moderado de defesa da legalidade (FERREIRA e MONTALVÃO, 2001).
O Paiz tem curta duração no período analisado neste trabalho, ao
encerrar suas atividades no final de 1934, após o episódio de empastelamento

20
de sua redação. No entanto, torna-se importante para a temática, pois teve a
colaboração de grandes nomes da literatura e manteve uma forte ligação com
o posicionamento político da Primeira República (LEAL, 2001). Além disso,
durante o período de 1910 e 1930, o jornal tem impacto na formação do
imaginário do ideal torcedor. Em suas colunas esportivas é possível perceber
grandes inserções sobre o modo de apoiar nas arquibancadas e a atuação das
mulheres nas torcidas de futebol.
Assim como O Paiz, Vida Sportiva: hebdomadario sportivo e mundano
também tem uma duração efêmera. O semanário ilustrado tem pouco mais de
200 edições e encerra em 1922. No entanto, é uma das primeiras publicações
voltadas especificamente para o universo esportivo. Ademais, as revistas
ilustradas são, em sua maioria, publicações voltadas para o público feminino.
O Vida Sportiva, já no editorial da primeira edição, traz a imagem de Lydia
Cardoso de Oliveira, filha do ministro Carso de Oliveira, e afirma “corridas,
sports, de toda a espécie, absorvem e atraem as nossas gentis patrícias” (VS,
1917, p. 3).
O último periódico escolhido para análise é o Jornal dos Sports, que
circulou entre as décadas de 1930 e 1960. Para os amantes de esportes e os
pesquisadores do campo, o jornal das páginas cor de rosa é uma importante
fonte de estudos. O diário de notícias teve como seu principal proprietário o
ilustre Mario Filho e incentivou a participação das torcidas e das mulheres no
mundo esportivo. Como no “Duelo de torcidas”, competição de festas nas
arquibancadas enquanto os times se enfrentavam em campo.
Por fim, é importante registrar que a divisão por décadas ao longo do
trabalho é um reflexo da ferramenta metodológica e expressão do processo de
arqueologia da história do torcer feminino no Brasil. Para isso, a divisão
temporal dos capítulos dá a dimensão do traço da linha do tempo do
desenvolvimento da participação das mulheres na torcida de futebol. No
entanto, os eventos ocorridos em determinado período não se esgotam com o
tempo. Ou seja, a ocorrência de um fato em 1910 não se limita a esse espaço
de tempo. Ao longo da história, há processos de avanços e limitações
inerentes às disputas e rupturas de poder na sociedade moderna.

21
Capítulo 1

1. Por que estrangeiras do próprio país? A mulher torcedora e o seu


lugar de estranhamento nas arquibancadas de futebol

Este trabalho indica o seu objetivo já no título. Designar um determinado


grupo social como estrangeiro aciona uma série de conceitos e estigmas
importantes na construção de uma sociedade moderna. Porém, é possível
também suscitar a dúvida: “O que é ser estrangeira? ”. Ainda mais, “o que é ser
estrangeira em seu próprio país? ”.
Afinal, por definição, pelo dicionário online Michaelis1, estrangeiro (a)
pode significar:

1. Que ou o que é proveniente ou característico de outra nação.


2. Que ou quem efetivamente não pertence ou não é natural de um
país, de uma nação, de uma comunidade etc. ou que não se considera
como tal, sentindo-se alheio, estranho, ádvena, forasteiro.
3. Pessoa que não é natural do país onde se acha ou vive, e de cuja
cidadania não goza.
4. Conjunto de todos os países, exceto aquele onde se nasceu.
5. Língua ou idioma de país diferente daquele que se está
considerando; língua de outra nação.

É incomum pensar que um indivíduo pode ser nacional, ou seja,


pertencente a um país e estranho a esse mesmo território. Há uma dicotomia
entre os termos “estrangeiras” e “próprio país” que pode causar surpresa,
desconforto e instigar a curiosidade dos leitores.
No entanto, no senso comum, não é difícil perceber espaços nos quais
o ser mulher é visto como diferente ou invasor de um espaço dominantemente
masculino. Dentro do campo esportivo, não só o futebol, a presença feminina,
mesmo estimulada, pode causar certo desconforto. Em adendo, a sua
representação é permeada por significados para além das suas ações naquele
ambiente. Como afirma o historiador Victor Melo (2001), ao falar sobre a
presença de mulheres no remo:

1 Disponível em: < https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=estrangeiro>.

22
Aos homens se procura representar a partir de uma imagem de ação e
poder, figuras aliás bem adequadas e características do novo modelo
de prática esportiva. Já as mulheres estavam associadas à família, à
casa e ao lazer, neste apenas como expectadoras (p.155).

A representação da participação feminina nas arquibancadas de futebol


herda características associadas às ações das mulheres nos esportes de
maior público nos períodos anteriores. Tais como o remo e o turfe, esportes
modernos destacados pela popularidade, entre outros aspectos, entre o fim do
século XIX e o início do século XX (MELO, 2001). Ou seja, toda a narrativa em
torno dos signos no campo esportivo é passada entre os esportes. Importante
ressaltar que, de fato, determinados signos absorvem outros significados, a
partir da congruência dos poderes ao qual é submetido e suas discussões na
sociedade de determinado período.
O significado de mulher torcedora de futebol é amplo e pode remeter a
diversos signos de acordo com o período ao qual é submetido. Como veremos
nos capítulos a seguir, no início das décadas de 1910 e 1920, a presença da
mulher nas arquibancadas é exaltada e significantes do ideal de torcida. Para
além do sentido tradicional de embelezar e denotar a adequação do ambiente
às famílias, as primeiras torcedoras são fundamentais para caracterizar o que
é a torcida e fomentar as discussões sobre o aportuguesamento dos termos
originalmente em inglês utilizados nos periódicos.
A partir de 1920 e 1930, o futebol ganha contornos de esporte de ampla
aceitação popular, deixa de ser um desporto de elite e passa a ser elemento
importante para a criação de uma identidade nacional. Junto a isso, é nesse
período que ocorre o seu processo de profissionalização. Diante desse cenário
esportivo, as torcidas ganham aspectos cada vez mais masculinizantes. As
mulheres, portanto, deixam de representar o ideal de torcida para ser elemento
extraordinário nas narrativas esportiva.
Já no período entre 1940 e 1950, a participação feminina nas
arquibancadas de futebol foi impactada pelo Decreto-Lei 3.199, sancionado
em 1941, que interditava as mulheres de praticarem diversas modalidades
esportivas sob a justificativa de incompatibilidade com sua natureza. Ademais,
a representação das torcedoras nas narrativas esportivas também foi
influenciada pelo processo de agigantamento das torcidas, que teve como
23
marco a construção do Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã, inaugurado
em junho de 1950.
Para além dos aspectos centrais que caracterizam os períodos
destacados acima, a categoria mulher abarca diversos significados a partir da
sua localização nos campos classe, raça, etnia etc. Deste modo, a
interseccionalidade impacta diretamente na representação feminina nas
narrativas esportivas. Podemos observar, a partir dos capítulos a seguir, que
notadamente a persona narrada nos periódicos trata-se de uma mulher da elite
econômica e social, de pele clara e com certo grau de ensino formal. Mulheres
negras, de classes mais populares e sem amplo acesso à educação,
dificilmente são retratadas nas narrativas esportivas. Principalmente, quando
associamos a figura feminina ao ideal de mulher moderna a ser seguido pela
sociedade.
O apagamento dessas mulheres nas narrativas ocorre para além das
narrativas esportivas. Tais representações sociais localizam-se à margem da
idealização de sociedade moderna. Portanto, mesmo dentro da categoria
mulher podemos perceber polos de pertencimento e não-pertencimento. O
conjunto de poderes que influem sobre indivíduo tencionam a sua presença
como membro do grupo social e as representações em torno da sua
participação.
Independente da sua localização no espaço e tempo, a narrativa sobre
o papel da mulher torcedora engloba traços de similaridade. Como a garantia
de docilidade do ambiente, o caráter familiar e a submissão aos propósitos
masculinos. Características marcadas como ideal de feminilidade nos diversos
campos sociais e não somente no esportivo: “Deve-se, contudo, tomar cuidado
para identificar os avanços, tanto dentro da ótica da conquista de espaços
(indicador de libertação) quanto dentro da ótica de uma liberdade controlada e
concedida (indicador de submissão) ” (MELO, 2001, p. 158).
Além disso, a representação feminina nas arquibancadas esportivas é
realizada a partir do olhar masculino. Poucas são as mulheres com lugar de
fala capazes de produzir textos que demostrassem a sua participação e os
seus sentimentos durante as partidas de futebol. A primeira a realizar tal
façanha foi Anna Amélia de Queiroz, ao publicar o seu poema “O Salto”, em
homenagem à performance esportiva do goleiro, e seu marido, Marcos de

24
Mendonça (ARAÚJO, 2022).
Vilma Piedade sublinha que “lugar de fala é lugar de pertencimento”
(PIEDADE, 2017, p. 17). Sendo assim, a partir do momento em que a mulher
não tem a legitimidade para se auto definir como indivíduo do ambiente
futebolístico, não pode ser considerada membro do grupo social em questão.
Sua figura está à margem do perfil idealizado.
Dessa forma, a mulher é uma categoria, no campo futebolístico, que
“está fisicamente perto, mas simbolicamente distante” (MARIZ, 1988, p.86).
Isto é, tal qual Simmel, sociólogo alemão teorizador da “cultura feminina” no
início do século XX, caracteriza a categoria “estrangeiro”, pode-se dizer que
as mulheres torcedoras são integrantes próprias do grupo futebolístico que não
estão na centralidade das representações sociais: “São elementos que se, de
um lado, são imanentes e têm uma posição de membros, por outro lado estão
fora dele e o confrontam” (SIMMEL, 1983, p. 183).
Também podemos reconhecer semelhanças entre as torcedoras e os
estrangeiros, a partir da visão do filósofo alemão Alfred Schutz, que define
como quem “tenta ser aceito permanentemente ou pelo menos tolerado pelo
grupo do qual se aproxima” (SCHUTZ, 1971 apud MARIZ, 1988, p. 86). Desta
maneira, percebemos que a mulher torcedora está constantemente
reafirmando a sua identidade perante o grupo caracterizado a partir de
aspectos masculinizantes de identificação.
Dessa maneira, para entender tal pensamento, que norteará todo o
trabalho, precisamos recorrer aos conceitos de alteridade e de mulher
correlacionados com a ideia de estrangeiro propriamente dita.
Resumidamente, nas discussões sociológicas, esses três pilares dizem
respeito a indivíduos que não fazem parte do extrato social dominante. Isto é,
são aquelas que fazem parte das minorias sociais, indivíduos que,
historicamente, são alijados e exilados do protagonismo de suas vivências em
função do outro. Desse modo, sofrem diversos fatores de opressão social.

25
1.1 . Estrangeira nos territórios do torcer: distanciamentos e
adaptabilidade da mulher no campo esportivo

Simmel e Schutz foram dois pensadores alemães que se debruçaram sobre


o conceito histórico-sociológico de estrangeiro. No entanto, suas ideias são
alicerçadas a partir da figura masculina na sociedade moderna. Cecília Mariz
(1988) afirma que o interesse dos autores pela figura do estranho desperta a
partir de suas vivências pessoais. Ambos tiveram experiências como figuras
estranhas ao ambiente social.

A experiência de Simmel, como judeu numa Alemanha antissemita,


transparece nos exemplos com judeus em seu ensaio. Também a
experiência pessoal de Schutz, como austríaco exilado nos Estados
Unidos, se reflete nos exemplos por ele escolhidos para ilustrar sua
análise (MARIZ, 1988, p. 85).

No entanto, as análises não se esgotam apenas na vivência pessoal.


Ambos caracterizam a existência do ser humano na sociedade moderna. A todo
momento somos levados a nos colocar em situações e ambientes fora do nosso
eixo cotidiano. Dito de outra forma, a sociedade moderna produz a
experimentação de estarmos em ambientes nos quais não nos identificamos
como pertencentes ou partícipes, mesmo que temporariamente. Por exemplo,
quando o indivíduo ingressa na universidade, em uma nova turma de estudos
ou em um novo emprego.
Em cada situação, é necessário um conjunto de adaptações do indivíduo
ao meio para que possa ser aceito pelos membros de tal grupo social. Assim,
o estranho não necessariamente é aquele que não pertence ao território por ser
egresso de outra sociedade. É possível ser um estranho dentro do seu próprio
grupo de origem, a partir de outros marcadores sociais. Tais como: nível de
escolaridade, gênero, sexualidade, raça, classe, localização geográfica etc.
Podemos, então, analisar que o estranhamento é uma característica que pode
ser experimentada pelo indivíduo a partir de elementos macro e micro de
convivência social.
No caso das mulheres, essa sensação de estranhamento e
adaptabilidade ao grupo social é recorrente desde os primeiros anos de vida. O
sentimento de não pertencimento ao território e/ou ao grupo social, faz com que

26
as mulheres sejam referenciadas como figuras extraordinárias em
determinados universos sociais. Por exemplo, a diferenciação entre jogadores
e jogadoras de futebol nos mostra como a figura feminina ainda é observada
como estranha no campo esportivo, principalmente relacionado a sua prática.
Simone de Beauvoir (1908 – 1986), em O Segundo Sexo, caracterizou a
mulher como “o outro” (2014, p.183). Ou seja, a sua identificação na sociedade
é a partir da relação com o homem. Nela, o masculino é absoluto em si e
autônomo em suas ações e pensamentos: “A mulher determina-se e diferencia-
se em relação ao homem, e não este em relação a ela; a fêmea é o inessencial
perante o essencial” (DE BEAUVOIR, 2014, p.183). Em outras palavras, a
identidade feminina é caracterizada a partir de e em oposição à identidade
masculina.

Figura 1: Presença das mulheres nas festas


realizadas por clubes (JB, 1920, p11).

Na nota publicada pelo Jornal do Brasil, em 14 de março de 1920, a


presença feminina no evento promovido pelos clubes esportivo é narrada a
partir do olhar masculino e serve aos seus interesses. Assim, as “lindas e
graciosas patricias” emprestam à festividade o “encanto de seus gestos, uma
‘torcida’ elegante e febril”. Dito de outra forma, a função social das mulheres
nesse evento, por exemplo, é tornar o ambiente supostamente agradável, belo,

27
elegante sem deixar de ser enérgico para os demais presentes.
Esse mesmo viés narrativo na transcrição da reportagem sobre um jogo
entre Botafogo e Flamengo, publicada pelo Vida Sportiva, em 21 de agosto de
1920, pode ser observado a seguir:

A tarde sportiva de domingo

O campo do glorioso Botafogo apresentava, domingo, por occasião


do sensacional embate com o querido Flamengo, aspectos de verdadeiro
encanto; as archibancadas repletas de lindas torcedoras de ambos os
clubs, que com suas toiletes de fino gosto, a alegria deliciosa dos seus
sorrisos maravilhosos, o seu enthusiasmo delirante da torcida, tornavam o
ambiente cheio de alta seducção.
Os nomes de Petiot, Menezes, Sisson, Sidney e Kuntz eram
pronunciados pelas boquinhas perfumadas das lindas torcedoras, de
minuto em minuto, saudando ou censurando aquelles distinctos e valente
“players”, pelo seu jogo acertado ou pela sua incerteza nos passes.
E a brilhante lucta trascorria cheia de lances empolgantes, ao som
do voxerio que gremia no auge da torcida.
Com enorme difficuldade conseguimos vuslimbrar os perfis das
seguintes torcedoras [...] (VS, 1920, p.9. Grifo nosso).

O papel instrumental de adorno e embelezamento do ambiente social


das arquibancadas está em evidência no trecho transcrito acima. Apesar de
não haver assinatura dos textos publicados, pode-se interpretar que tais
descrições obedecem ao imaginário masculino, detentor hegemônico da escrita
em periódicos. A presença feminina é objetificada e sexualizada com base na
leitura de suas ações por olhares masculinos.
As mulheres descritas nos textos destacados acima são destituídas de
suas características individuais para representarem a um único grupo dentro do
universo futebolístico. Apesar de aparentemente incentivadas a pertencer ao
espaço, as mulheres são tão somente toleradas para que sirvam de adorno do
evento esportivo protagonizado e produzido para os homens.

No caso de uma pessoa estranha ao país, à cidade, à raça, etc., este


elemento não-comum, todavia, mais uma vez, não tem nada de
individual, é meramente a condição de origem, que é ou poderia ser
comum a muitos estrangeiros. Por essa razão, os estrangeiros não são
realmente concebidos como indivíduos, mas como estranhos de um tipo
particular: o elemento de distância não é menos geral em relação a eles
que o elemento de proximidade (SIMMEL, 1983, p. 187).

28
Porém, para além dos aspectos físicos enaltecidos pela narrativa, as
mulheres possuíam performances torcedoras ativas. A exemplo dos seus
gestos ou dos seus gritos de encorajamento ou de crítica aos jogadores em
campo. Isso aparece mesmo em aspectos tidos por característicos dos
torcedores homens, como podemos ver na charge (figura 2), publicada pelo
Vida Sportiva em 4 de setembro de 1920.

Figura 2: Ilustração de como é um torcedor (VS, 1920,


p.20)

O gênero dos indivíduos frequentadores das arquibancadas esportivas


torna-se um elemento geral de distanciamento igualmente, ou até mesmo
superior, aos elementos de aproximação, tal qual o ato de torcer. Assim, mesmo
que organicamente presentes no grupo e correspondendo aos atos esperados
para o gesto de incentivo ao seu time nos eventos esportivos, o fato de ser
mulher a torna estranha ao ambiente do futebol.
Apesar da presença das mulheres de forma atuante e comunicativa nas
arquibancadas, até mesmo com efeito na cunhagem e na utilização do vocábulo
“torcida” para designar em seu vocábulo espectadores apaixonados por futebol,
a figura masculina adquire ao longo das décadas a posição de referência central

29
do que se entender por torcedor. Aspectos de feminilidade são interpretados e
colocados à margem do cenário esportivo.
A mulher pode até se vincular ao grupo social, mas não comunga ethos
e o padrão cultural do futebol. Sua presença, quando aceita no grupo
futebolístico, grosso modo tem por fim satisfazer o olhar masculino, corroborar
suas expectativas estéticas. Com efeito, a torcedora passa a internalizar a
lógica hegemônica masculinizante das arquibancadas de futebol e a adaptar
seu comportamento para ser acolhida no grupo.

Figura 3: Ilustração de uma torcedora


(VS, 1918, p.4)

A adaptação do padrão cultural da mulher torcedora de futebol se reflete


de igual maneira nas vestimentas utilizadas para acompanhar os seus times em
campo. Como podemos perceber na figura acima, ao invés de vestidos e
toialettes, a torcedora está vestida com roupas semelhantes aos uniformes
esportivos. Tal comportamento perpassa o decorrer do desenvolvimento do
esporte ainda hoje é possível reconhecer a adaptabilidade feminina nas
arquibancadas de futebol. Camufla-se, pois, a sua identidade feminina em prol
da sua identificação como torcedora.
No texto seguinte à ilustração acima, a torcedora é descrita da seguinte

30
forma:

Bocca risonha, rosto alegre e franco,


N’essa attitude que me põe maluca,
Dona “Fulana”, que ama o negro e branco,
Torce demais ali pelo Tijuca.

Com esta roupa com que vês vestida


Emblema e gorro iguaes ao seu calção
Se abrires a su’alma de “torcida”
Verás, vestido igual, seu coração.

Na posição em que ella está, risonha,


N’essa attitude, assim, que estamos vendo
Pensam que a joven com seu noivo sonha?
Pois eu, garanto que ella – “está torcendo”
(Mimi in VS, 1918, p . 4).

Para adequar-se ao grupo social, a torcedora assimila o código de


indumentária e assimila a sua vestimenta ao ambiente futebolístico. Entretanto,
seus gestos e olhares de torcedoras podem ser interpretados como
apaixonados e sonhadores por seu noivo e não pelo time de adoração. A
interpretação de suas expressões e gestualidade, portanto, está em constante
disputa e necessidade de tradução para o grupo masculino.

Por causa de sua distância simbólica, o estrangeiro não pode se


comunicar bem com os membros do grupo. A aquisição da linguagem
corporal é, na opinião de Schutz, o passo mais importante no processo
de adaptação de um estrangeiro ou um novato no grupo (MARIZ ,1988,
p.90).

Assim, é possível comparar esse sentimento de aproximação e tradução


das expressões tal qual o estrangeiro é submetido quando se aproxima do
grupo. Conforme afirmação de Schutz (2010):

Aplicado ao mundo social isto significa que somente membros do grupo


interno, tendo um definitivo status em sua hierarquia e também estando
ciente dele, podem usar seu padrão cultural como um esquema de
orientação natural e digno de confiança. O estrangeiro, entretanto, tem
de encarar o fato de que ele carece de qualquer status como um
membro do grupo social no qual está entrando e, portanto, está inapto
para alcançar um ponto de partida para tomar seus rumos. Ele descobre
a si mesmo como um caso limite fora do território coberto pelo esquema
de orientação corrente dentro do grupo (SCHUTZ, 2010, p.124).

31
Destarte, a mulher torcedora de futebol também pode ser considerada
uma estrangeira dentro de um grupo ou de sua sociedade de origem.
Conquanto faça parte ativa das torcidas, as mulheres são lidas como estranhas
ao ambiente. Para serem aceitas e para ser parte integrante do grupo torcedor,
ela precisa passar por uma série de adaptações contínuas. Afinal, as
expressões e suas interpretações dentro do universo esportivo estão em
constante disputa.
A presença nas arquibancadas de futebol não garante ao gênero
feminino a sua fácil aceitação no universo esportivo. Sua participação é
estimulada e exaltada quando obedece aos olhares masculinos. Ou seja,
embora suas atitudes e seus sentimentos como torcedora se assemelham ao
esperado do público das arquibancadas de futebol, a mulher é representada a
partir de critérios de beleza e graciosidade. Comparada a uma estrangeira, não
pertencente ao território. Eis uma passagem jornalística elucidativa:

Figura 4: Descrição da presença feminina


na partida entre Fluminense e Botafogo
(OP, 1920, p. 7).

A mulher presente nas torcidas de futebol é uma espécie de “caso limite”,

32
conforme afirma Schutz (2010, p. 124). Inserida no universo esportivo, desde a
introdução do futebol no Brasil, a sua presença obedece a esquemas e
orientações que limitam a sua performance. Abdica de elementos da sua
feminilidade para adaptar-se ao perfil esperado de torcida. Entretanto, a sua
figura nesse espaço aciona uma série de significados que ultrapassam a sua
ação como torcedora e, de certa forma, a limitam dentro do universo das
arquibancadas.

1.2 . A torcedora como estrangeira nas arquibancadas: proximidades e


aceitabilidade das primeiras décadas do século XX

A mulher frequentadora das arquibancadas de princípios do século


passado é vista de modo distante, um corpo à parte do grupo dominante,
masculino, no universo do futebol. Mesmo que apresente comportamentos,
linguagens e performances idênticas a de torcedores do gênero masculino,
estas são observadas com base em uma série de entrelaçamentos limitantes.
O elemento incomum é enfaticamente demarcado.
No entanto, a estrangeira dentro do universo social do futebol também
pode observar o espaço com o distanciamento necessário para elaborar críticas
às crenças estabelecidas de modo objetivo e moldar a sua participação no
grupo de forma subjetiva. Essa subjetividade está intrinsecamente relacionada
à individualidade da estrangeira. Uma vez que, ao ser limitada em suas ações
no espaço futebolístico, passa a questionar suas próprias crenças e as do grupo
ao qual se aproxima.
O “padrão cultural de vida do grupo” (SCHUTZ, 2010, p. 118) determina
valores, hábitos, costumes, orientações morais e construção de pensamento do
grupo social. Este conhecimento intrínseco aos membros do grupo é assimilado
e passado por gerações sob o aspecto de verdade habitual. No entanto, tal qual
afirma Schutz (2010, p. 120), este conhecimento sobre a vida cotidiana é
“incoerente, somente parcialmente claro e não totalmente livre de
contradições”.
No universo das torcidas de futebol, ser a estranha ao sistema

33
estabelecido torna a mulher capaz de distanciar-se para criar as condições
necessárias para a transformação, ao menos parcial, do conhecimento habitual:

Ele [o estrangeiro] torna-se essencialmente o homem que tem que


colocar em questão, aproximadamente, quase tudo que parece ser
inquestionável para os membros do grupo ao qual ele se aproxima
(SCHUTZ, 2010, p. 122).

Tal questionamento também se dá por não compartilhar da mesma


linguagem que os membros do grupo ao qual se aproxima. De tal sorte, a
incidência da mulher do ambiente esportivo gera um questionamento sobre os
signos acionados pelos atores sociais do evento esportivo. Mesmo que aceita
e próxima ao esporte, a lógica de suas ações pode não representar o pleno
entendimento do padrão cultural.
Os hábitos e valores culturais, bem como a sua linguagem, são
elementos vivos e dinâmicos da sociedade. Estão em constante
desenvolvimento e mutação, de acordo com as forças políticas, sociais e
econômicas que atuam sobre elas. As gírias, os padrões comportamentais de
homens e mulheres, os códigos de vestimentas e até mesmo as leis são
exemplos da variabilidade das expectativas dos padrões sociais.
Durante o início do século XX, como afirmam Maluf e Mott (1998), as
mudanças nos comportamentos das mulheres nas diversas esferas sociais
foram rápidas e causaram embates e desconforto na sociedade brasileira.
Discussões como acesso à educação mais igualitária, lazer, cultura,
casamento e a presença das mulheres para além da vida dentro dos lares,
pautaram as primeiras décadas.
O espaço dos esportes constitui um campo fértil para a posição social
das mulheres nesse período, porquanto representa um novo ambiente de
sociabilidade. Apesar de os membros originários do grupo elaborarem o seu
padrão cotidiano distinguindo-se do gênero feminino, o período de
consolidação e popularização do futebol é propício para a aceitabilidade da
aproximação das mulheres.

A Hora da Saudade No Flamengo


Interpretando O Sentir Da Familia Rubro-negra, A Phalange
Feminina Homenageou O Team De Football

34
Antes do jogo Flamengo versus Bangu, no campo da rua
Paysandu, houve uma cerimonia tocante, que reflectiu a saudade de
quantos deixarão, em breve, aquella veterana praça de sports.
Desde 1916 o Flamengo vem actuando naquelle campo, à
sombra daquellas arvores acolhedoras.
Agora, o rubro negro se prepara para deixar o gramado de
Paysandu, jungido, porém, a uma grande saudade.
Succedem-se, por isso, entre os rubro negros, manifestações de
amizade ao ambiente que viu a fama de seu club crescer.
Por ocasição do match com o Bangu, antes dos teams entrarem
para a luta, a Phalange Feminina do Flamengo, representada pela
doutora Anna Teixeira Leite e senhoritas, offereceram linda flamula aos
jogadores de football.
Foi o presente da saudade... Sabendo que vão deixar Paysandu,
o elemento feminino do Flamengo quiz demonstrar, assim , o seu bem
querer pela moçada que responde pelos destinos athleticos do rubro
negro.
A doutora Anna falou em nome da Phalange Feminina e o sr.
Milton Caldas, director de football do club, respondeu calorosamente,
nester termos:
“Exma. Sra. Dra. Anna Teixeira Leite! Brava e encantadora
Phalange Feminina fo Flamengo! Gentis senhoritas!
Nesta occasião em que é profunda a minha emoção, cumpre-
me dizer-vos que guadaremos com o mesmo carinho com que o pai
guarda o retrato de um filho estremecido, com o mesmo sentimento com
que se conserva e guarda um bem ou dom de um ente querido, com a
mesma devoção com que o crente guarda a imagem do santo de sua
devoção, esta flammula – a flammula rubro negra que sempre tremulou
em nossos corações, como symbolo de arduas jornafas, de esforços
titanicos, prellos gigantescos e triumphos brilhantes!
Conserval-a-emos bem perto de nós, bem junto ao nosso peito,
tão junto ao nosso corpo quanto as mesmas camisas em listras negras
e merbelhas que envergamos em dias de memoraveis pelejas!
Não a abandonaremos nunca, durará comnosco o quanto nos
durar a vida.
Leval-a-emos. Havemos de a exaltar por toda parte,
ufanosamente, não por orgulho nosso, mas por orgulho della, expressão
que é da nergia soberna da mocidade flamenga, oruhlho de um passado
glorioso, de um presente digno, de um porvir promissor e, mais do que
isso, um pedaço d’alma da mulher flamenga, da Phalange Feminina do
Flamengo, esta que nunca nos tem faltado nas duras horas de peleja,
que sempre tem compartilhado das nossas glorias, das nossas honras
e que nos temservido de estimulo em todos os transes da nossa vida
sportiva.
Jovens componentes da Phalange Feminina do Flamengo!
Abnegadas irmãs de ideal, que enchis de encanto, brilho e
enthusuasmo, todos os certamens do nosso gremio! Companheiras
incansaveis de luta, podeis estar certas de que esta flammula será
sagrada para nós; não descuraremos um momento, siquer, de alto, bem
alto, fazel-a tremular no mastro da victoria, para exemplo da mocidade,
para orgulho do Flamengo, para maior gloria do sport nacional.
Recebei, pois, distinctas senhortias, as expressões do nosso
profundo respeito e admiração pelo muito que já fizestes pelo nosso
Flamengo, e as demonstrações mais sinceras do nosso
reconhecimento, da nossa gratidão pelo lindo e generoso gesto de

35
agora, pela offerta da flammula – o melhor presente que podereis
offerecer.
Ao Flamengo, hurrah!
Á Phalange Feminina, hurrah!” (JS, 1932, p. 6).

A longa inserção no periódico esportivo Jornal dos Sports indica a atuação


das mulheres rubro-negras no cotidiano e nas torcidas dos clubes.
Reconhecidas pelo diretor do futebol, Milton Caldas, como “companheiras
incansáveis de luta” e estímulo para os jogadores nas “duras horas de peleja”.
As senhoritas representantes da Phalange Rubro-Negra possuem a aceitação
dos seus pares masculinos no universo do clube. Além disso, o seu gesto de
homenagem ao time, que deixaria de atuar no campo da rua Paysandu, gera a
comoção, a gratidão e a legitimação do seu espaço.
Entretanto, a aceitação e admissibilidade da mulher no universo esportivo
é limitada ao interesse e à validação dos membros masculinos do grupo em
questão. Na narrativa destacada acima, podemos perceber que a ação de
homenagear o time de futebol do Flamengo é ratificada pelo longo discurso do
diretor Milton Caldas. Não há a mesma importância ao discurso da doutora Anna
Teixeira Leite.
A aproximação da mulher ao meio do futebol é permeada por limitações
e constrangimentos demarcados por seu gênero. Não há o lugar de fala para
que a mesma pudesse exprimir a sua linguagem de torcer e, assim, tornar-se
membro nativa e constitutiva do grupo. A performance feminina no universo do
torcer, mesmo que questione, modifique e seja aceita pelo grupo, não é validada
como originária no padrão cultural do esporte.
No capítulo seguinte, analisaremos em que medida, nas décadas de 1910
e 1920, a figura feminina aproxima-se do universo futebolístico e modifica as
formas de torcer. No entanto, essa aproximação é tolhida e cerceada pela figura
masculina. Tais modificações no comportamento feminino nas arquibancadas de
futebol – em nosso recorte voltadas aos equipamentos esportivos da cidade do
Rio de Janeiro – também são reflexo das discussões sociais ocorridas no
período, qual seja, os princípios do século XX.

36
Capítulo 2

2. Um novo século para o “bello sexo”: o surgimento da narrativa no


jornalismo esportivo e a participação feminina nas torcidas (1910 – 1920)

O surgimento das narrativas no jornalismo esportivo pode significar que


há um novo grupo social emergente sendo criado ao longo do período, sem as
crenças, os preconceitos e os hábitos vigentes nos mais diversos campos
sociais. Contudo, o esporte está inscrito nos hábitos cotidianos da sociedade
brasileira e reverbera os costumes e os conhecimentos consolidados para além
do campo esportivo. Com efeito, a mulher encontra nas arquibancadas de futebol
um campo mais favorável à sua aproximação e à modificação da linguagem do
grupo, em suas práticas e representações, mas é limitada com base no seu
status de estranha ao ambiente público do futebol, em que o estádio é seu
principal loco de encontro, sociabilidade e manifestação.
Para compreender a importância e o desenvolvimento da participação
feminina nos estádios de futebol, é necessário iniciar nossa análise pelo período
de introdução e consolidação dos esportes modernos no Brasil. O papel e
significado da mulher dentro das torcidas futebolísticas, no contexto esportivo e
na sociedade brasileira em geral, pode ser assim observado. Consoante as
palavras do historiador Leonardo Affonso de Miranda Pereira, em sua tese
Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro (1902 – 1938),
defendida em 1998: “ela [a história do futebol] aparece como um rico meio de
análise sobre as possibilidades de diálogo e os embates entre os grupos” (p. 06).
Desde o século XX, o futebol e seus torcedores constituem uma
importante lente através da qual podemos examinar, sob um ângulo específico,
as relações de gênero e as questões sociais de cada época e de cada
comunidade histórica. De acordo com Pinheiro, “as formas de torcer, assim,
diferenciam-se em cada momento da sociedade e dialogam com os seus
costumes e transformações” (2014, p. 02).
Entre 1889 até o final da década de 1920, a história política do Brasil
vivencia a chamada Primeira República. Essa conjuntura histórica foi de grandes

37
transformações na conformação da sociedade moderna brasileira, ainda que
uma série de resiliências tenha permanecido do regime político anterior. Trata-
se de um período de implantação do futebol no Brasil, em que a economia
brasileira principiava seu processo urbano-industrial – em especial as indústrias
têxteis e alimentícias – e ainda se baseava na produção agrícola, notadamente
na exportação do café, entre outros bens primários. Segundo José Miguel Arias
Neto (2003), “o binômio café-indústria” (p. 195), a despeito de ter raízes mais
profundas, caracteriza o processo de desenvolvimento econômico nacional. A
política emissionista de papel moeda e a alta na exportação da cafeicultura
criaram condições favoráveis para o desenvolvimento industrial no país.
Com efeito, o crescimento urbano também apresentou uma intensificação,
especialmente na Capital Federal, Rio de Janeiro, e em São Paulo (NETO,
2003), principalmente com a inovação nos meios de transporte, por meio das
linhas de bondes (à tração animal e posteriormente elétricos), investimento em
comércios e o estabelecimento de manufaturas, ainda que rudimentares.
Segundo Humberto Fernandes Machado:

Nesse contexto, hábitos inovadores surgiam. As elites, especialmente as


mulheres, começavam a flanar pela rua do Ouvidor, onde pulsava o coração
da sociedade carioca, por aí estarem situadas as lojas, que exibiam as
últimas novidades da moda europeia. Os trajes masculinos acompanhavam
o rigor da moda inglesa, enquanto mulheres se deliciavam com os
ornamentos encontrados nas lojas de comerciantes de origem francesa
(MACHADO, 1999, p.92).

O mito de origem da introdução do futebol no Brasil dá conta de que este


foi trazido da Inglaterra pelo estudante paulistano bem-aquinhoado Charles
Miller, em 1894. No bojo de seu amadorismo, era acompanhado por uma elite
“muito bem-educada, como se podia esperar em se tratando de um esporte
alimentado por gente rica” (GUTERMAN, 2009, p.229). O futebol, dessa
maneira, se estabelece no Brasil, em princípio como mais um modismo
novidadeiro da modernidade europeia, incorporado à cultura das elites
brasileiras, com sua preocupação em imitar costumes e em transplantar aos
trópicos padrões de civilidade.
Segundo o historiador Marcos Guterman (2009), já na primeira
competição oficial de futebol da cidade de São Paulo, o Campeonato Paulista,
em 1902, o público feminino chamou atenção por seus belos trajes enfeitando a

38
festa. Em terras cariocas, o jovem Oscar Cox, retornando de estudos na cidade
de Lausanne, Suíça, traz consigo a experiência do contato com o futebol. Junto
com Victor Etchegaray, torna-se um dos influenciadores da prática do esporte
bretão no Rio de Janeiro, em 1897, promove jogos e agita a juventude na então
capital federal, apesar de não receber a atribuição de introdutor dessa
modalidade esportiva no país.
Para o historiador Leonardo Pereira:

Como contemporâneo de Cox, Victor bem sabia que, mesmo antes de


sua temporada na Europa, o futebol já era conhecido no Rio de Janeiro
– não só nos clubes formados por ingleses, onde era praticado há mais
tempo, mas também nas exibições de marinheiros estrangeiros na região
do cais do porto ou em sua prática esporádica em colégios elegantes
(PEREIRA, 1998, p. 11).

A narrativa de origem do futebol no Brasil expressa o retrato do ideal da


elite da sociedade carioca à época. Para esta, o progresso e a modernidade
impactavam positivamente na vida social. Importante ressaltar que o período de
adensamento demográfico no Rio de Janeiro também representou, para negros
e brancos pobres, o período de desempregos, subempregos e crescimento
habitacional desordenado (MACHADO, 1999). Humberto Machado (1999) afirma
que negros e mulatos, saídos havia poucos anos da escravidão, foram colocados
à margem da cidade que busca uma civilidade nos moldes da Europa.
Nesse contexto, o esporte inglês chega em terras brasileiras,
principalmente cariocas e paulistas, através dos filhos de uma elite econômica
que mandavam seus herdeiros na certeza de uma boa educação europeia. O
foot-ball assume de início feições de um esporte de elite, exclusivo a seus
praticantes, “uma outra face do afamado imperialismo britânico”, a impactar os
hábitos modernos do novo século (PEREIRA, 1998, p. 18). No início dos anos
1900, clubes e times de foot-ball foram surgindo na capital carioca com grande
entusiasmo dos seus fundadores e praticantes, mas sem maiores relevâncias no
espaço ordinário das notícias da imprensa.
Neste período, o turfe, assim como o remo, era o esporte popularizado
que merecia a atenção de jornalistas e leitores (PEREIRA, 1998;
MASCARENHAS, 1999). Não obstante, essa atenção e intensa atividade
esportiva não representa, de fato, uma notoriedade do jornalismo esportivo do

39
período. A imprensa, no início do século XX, voltava-se para a discussão política
provocada pela ainda acalorada divisão dos periódicos entre republicanos e
defensores do antigo regime imperial (SODRÉ, 1966).

[...] a cidade do Rio de Janeiro vivenciou, a partir de 1850 e mais


intensamente no período que se estende pelas três primeiras décadas de
vida republicana, uma rica atividade esportiva, caracterizada pela
introdução e multiplicação de novas modalidades de esportes e pela
proliferação de associações civis criadas para esse fim
(MASCARENHAS, 1999, p.18).

De fato, quando o futebol é introduzido no Brasil, encontra um campo


esportivo já em prévia formação. Essa febre esportiva, para usar o termo criativo
e contextualmente expressivo, visto que se refere ao período marcado pela
Gripe/Febre Espanhola, utilizada por Gilmar Mascarenhas (1999), ocorre a partir
das mudanças modernas da vida urbana brasileira, principalmente na capital da
República, o Rio de Janeiro. Ainda no período colonial, pouco se sabe sobre
práticas esportivas, há apenas menções esparsas à caça, à cavalhada e à
eventual tourada.
No início do século XX, a adesão aos esportes e ao lazer ganha força na
sociedade. Novos hábitos para o cuidado com o corpo e para o entretenimento
surgem e expandem-se na cidade do Rio de Janeiro. Há, portanto, a
incorporação do lema latino de mente sã em corpo são, atribuído ao poeta e
orador romano Juvenal, no cotidiano de homens e mulheres da capital
republicana. Surge a figura do sportman e, posteriormente, especificamente no
Brasil, dos torcedores (MELO, 2012). Victor Andrade de Melo afirma:

Os sportmen, como na Inglaterra se chamavam os envolvidos com a


prática esportiva nas mais diversas funções (seja como público, dirigente,
treinador ou praticante) com o decorrer do tempo receberão novas
denominações: para os competidores, vai se vulgarizar o uso do termo
atleta; o público será chamado de fã, aficionado, torcedor (no caso do
Brasil), entre outros (MELO, 2012, p. 24).

Apesar de “frequentemente ignorado pela historiografia futebolística no


Brasil, que tende a concentrar suas análises na alta capacidade sedutora do
futebol e em sua fácil assimilação” (MASCARENHAS, 1999 p. 28-29), o espaço
esportivo já consolidado pelo remo, turfe e ciclismo é fundamental para a rápida
popularização do futebol. Este traz em sua gênese a forma de torcer

40
característica que remete às modalidades de seus antecessores. O futebol se
difunde no Rio de Janeiro, junto com natação, ciclismo e atletismo, já inspirado
pelos modelos construídos pelas touradas, pelo remo e pelo turfe anteriormente
(MELO, 2012). Isso sucede tanto na organização do evento, quanto no
comportamento esperado por seus espectadores.
Nas primeiras décadas do século XIX, a modalidade popular consolidada
no Brasil era a tourada. Com a utilização do esporte como entretenimento, não
só em datas festivas, notadamente festividades católicas, foram construídas
arenas com vendas de ingressos e valores diferenciados a partir do conforto das
arquibancadas (MELO, 2012). Segundo Victor Melo (2012), as touradas
alternavam períodos de popularidade e grande desinteresse, principalmente
devido aos atos de desordem dos espectadores presentes. O público, a partir do
momento que pagava por um espetáculo e apostava dinheiro nele, se via no
direito de cobrar por maior qualidade e assim causavam brigas e destruição das
estruturas da arena.
As touradas foram, no decorrer do século XX, substituídas pelas corridas
de cavalo (turfe). Muito embora ainda atraísse um grande público, as touradas
sofriam com a conjuntura econômica e as mudanças estruturais e sociais da
cidade do Rio de Janeiro. Com os ares de modernidade chegando à capital
urbanizada, atividades que remetiam ao rural perderam popularidade (MELO,
2012). O marco dessa mudança do status de esporte mais popular, segundo
Victor Melo (2007), é a criação em 1849 do Club de Corridas.
O turfe chega ao cenário carioca ainda nas primeiras décadas do século
XIX “como mais uma atividade civilizadora” (MASCARENHAS, 1999, p. 28)
promovida pelas elites e pela colônia inglesa. De 1850 em diante, as corridas
começam a ganhar notoriedade inclusive nos periódicos. O evento de
inauguração do Derby Club, situado onde posteriormente foi construído o
Estádio Mario Filho – Maracanã –, foi assistido por cerca de 8 mil pessoas, por
exemplo, com corridas que contariam com a presença de D. Pedro II na
assistência. Melo (2012) postula que a “sua inauguração parece ter sido um dos
grandes acontecimentos sociais do ano” (p. 30). De fato, o sucesso de público
do Derby Club, creditado principalmente pela boa organização dos eventos
esportivos e por sua privilegiada localização, também retrata o crescimento do
turfe como o esporte de expressão do período.

41
Outro indício da importância do turfe na sociedade brasileira,
principalmente a da capital, Rio de Janeiro, é a associação do esporte com uma
prática de especulação econômica, o Encilhamento. A referência anedótica ao
ponto de partida dos cavalos nas corridas diz respeito à política de emissão de
capital e ações de empresas, existentes praticamente só no papel (NETO, 2003;
SEVCENKO, 1998).
O espaço para a realização das provas turfistas carregava as
características da distinção social a partir dos valores dos ingressos, os mais
caros, destinados à elite, davam acesso a lugares mais confortáveis. O turfe
inaugura uma prática relevante para o modo de torcer do futebol, a associação
aos clubes esportivos. Essa prática permite que membros da alta sociedade
tenha privilégios e suas esposas e filhas frequentem às instalações das
agremiações.

Normalmente as arquibancadas eram divididas em quatro setores:


público em geral, indivíduos das camadas médias ou baixas; sócios,
membros da elite; autoridades e convidados especiais, onde os sócios
tinham relativo trânsito; e um setor especial para a imprensa, considerada
de grande importância por divulgar os eventos e atrair público (MELO,
2012, p. 32).

Com a consolidação do turfe, observamos a participação mais ativa do


público nas arquibancadas, muito embora os contorcionismos dos aficionados
fossem devidos aos valores apostados, elemento fundamental para
popularidade das corridas, de acordo com Melo (2012). Entretanto, não se pode
negar a popularidade do esporte e o seu impacto na cultura do torcer que ainda
estava por vir no futebol. Apesar de a torcida mais ativa ser creditada à cultura
de apostas em dinheiro, o turfe ainda atraía grande público e a atenção das
colunas esportivas dos periódicos na década de 1910. Como, por exemplo, na
edição de 30 de abril de 1915, do Jornal do Brasil, na qual a coluna Sport instiga
a torcida do cavalo Buenos Aires a participar do Grande Prêmio (figura 5).

42
Figura 5: JB cita a presença da torcida na competição de turfe em 1915 (JB, 1915, p.6)

A gradual mudança da sensibilidade coletiva e do comportamento social


permite a observação de uma maior presença feminina nos espaços públicos.
Victor Melo (2007) afirma que “o turfe foi uma das válvulas de participação social
feminina, já que era considerado de caráter aristocrático e familiar” (p. 130). De
fato, o público feminino acompanha seus pais e maridos, sócios dos clubes, nos
eventos turfistas e esse era o momento de convívio em sociedade. Havia,
inclusive, para as mulheres da elite carioca uma moda específica para desfilar
nos espaços das arquibancadas dos hipódromos com o uso de chapéus,
vestidos de última moda e joias comumente fazendo menções às corridas de
cavalo (PACHECO apud. MELO, 2007).

Não se pode desconsiderar que a presença feminina nos prados era


também concebida como mais uma forma de apresentar as mulheres à
“nata da sociedade”, tornando-as conhecidas de algum “bom partido”,
predispondo-as a um bom matrimônio. Para as solteiras era mesmo uma
possibilidade de flertar, algo que afrontava a tradicional estrutura social
(MELO, 2007, p. 131).

O turfe torna-se possivelmente o primeiro espaço social que enseja o


encontro e o flerte entre homens e mulheres em eventos esportivos. Convém
ressaltar que tal comportamento é uma mudança notória na sociedade brasileira.
Neste momento, o sufrágio universal, com a popularização das obras de John
Stuart Mill, começa a ser discutido com mais veemência no Brasil. A participação
feminina ativa na vida política social ainda é ponto de grandes divergências,

43
vigorando com mais força o conceito da missão precípua da mulher: ser
educada, ser progenitora e zelar por sua família.
O remo, por sua vez, eliminou as apostas e reformulou uma série de
conceitos e práticas esportivas. Privilegiado pela Reforma Pereira Passos (1902
– 1906), a modalidade náutica tornou-se um importante evento social, com a
reunião de enormes públicos nas enseadas e à beira-mar. Isso decorreu,
principalmente, da mudança do comportamento social, da maior frequência dos
habitantes à praia, das recomendações e prescrições médicas para o banho de
mar, da popularização da teoria higienista e do embelezamento da orla da cidade
(MASCARENHAS, 1999). Para Victor Andrade de Melo:

Na transição dos séculos XIX e XX, o remo já estava mais estruturado,


existindo muitos clubes que não só promoviam frequentes atividades
como buscavam uma organização em forma de federação, vislumbrando
o estabelecimento de regras únicas e a potencialização de sua presença
no novo cenário da cidade e do país. É nesse instante que começa a
surgir no Brasil um dos elementos que marca a prática esportiva
contemporânea, inclusive e fundamentalmente no que se refere à
participação do público: a identificação clubística (MELO, 2012, p. 38-39).

O remo configura as bases prévias de inspiração para a modelagem do


torcer, tal qual a conhecemos no futebol, não só por meio da identificação
clubística, mas também graças ao padrão da rivalidade e da emulação entre
agremiações; a incorporação a distinção social da arquibancada, através dos
valores dos ingressos dos pavilhões; maior participação de mulheres nos salões
das agremiações e nas arquibancadas (MELO, 2012). O JB, já em 26 de agosto
de 1912, mostra indícios desta participação feminina na assistência das
competições de remo:

O Aspecto do Cais
Não se observava a concorrência memorável da regata de
abertura da temporada, dedicada pelo Natação ao Sr. General Julio
Roca, Ministro Plenipotenciário da República Argentina no Brasil.
Entretanto, o extenso cais abrigava espessos círculos de pessoas
debruçadas umas sobre a amurada, outras nas pontas dos pés para
melhor observar as guarnições, vinham céleres em demanda das balizas
de chegada.
Sobre esta facha multicor e ondulante de povo, baloiçavam-se
diversas filas de bandeiras e folhagens que eram o adorno fixo.

44
Na estrada de cavaleiros e nos jardins daquele trecho da Avenida
Beira-Mar, o número dos que se transportaram até Botafogo para assistir
às regatas era considerável.
Ali predominavam as famílias em passeio e o variado matiz dos
trajes femininos davam ao local lindíssimo aspecto (JB, 26 de agosto
de 1912. Grifo nosso).

O esporte náutico se consolida na virada do século e torna-se um dos


símbolos na modernidade a qual se pretendia alcançar no Rio de Janeiro. A
população da recém capital da República era composta na maioria por negros,
ex-escravizados migrantes das fazendas de café do Vale do Paraíba ou já
moradores da capital, que se agrupavam principalmente no entorno da região do
Porto em busca de trabalho. Essa população vivia em cortiços insalubres, o que
acarretava uma série de endemias que assolavam a cidade todos os anos,
segundo as autoridades. A imagem do Rio de Janeiro, especialmente para o
estrangeiro, era de uma cidade suja, deletéria e pouco atrativa. Apesar do seu
porto ser o terceiro mais importante do mundo.
Para modificar o aspecto e a fama de “túmulo do estrangeiro”
(SEVCENKO, 1998, p. 22) da cidade do Rio de Janeiro, foram feitas reformas
estruturais e de saneamento no porto e no centro. O engenheiro e urbanista,
Pereira Passos, foi o encarregado pela reforma da cidade, alargando ruas para
ampliar o fluxo, derrubando os casarões do centro e valorizando a orla das
praias.
O remo retardou a ultrapassagem do futebol como esporte mais popular
devido ao seu forte apelo na constituição da vida mais saudável na orla oceânica
da zona sul e também no incentivo produzido pelas reformas de Pereira Passos
(MASCARENHAS, 1999). Neste sentido, podemos justificar inicialmente o
surgimento dos principais times de futebol ligados aos clubes de remo e às
rivalidades nascidas nas competições marítimas que se desenvolvem também
no campo futebolísticos.
Já com relação à presença feminina nas competições de remo, observa-
se uma maior ocupação dos espaços públicos pelas mulheres, principalmente
nos momentos de lazer. Não só a ideia de acompanhar as atividades e
competições desportivas, o remo possibilitou também uma nova maneira de
convívio social. Victor Melo (2007) afirma:

45
No Remo, percebe-se realmente uma pequena participação direta de
mulheres. Como dirigentes, algumas sportwoman chegaram a ocupar o
cargo de diretoras sociais ou de arquibancadas. Não se tratava dos
cargos mais importantes dos clubes e regatas, mas há que se ressaltar
que, de qualquer forma, um novo passo tinha sido dado. Deve-se
destacar que anteriormente sequer existia um termo para designar as
mulheres envolvidas com o esporte, como o sportman, utilizado para
designar os aficionados masculinos. Se um novo termo chega aos jornais
e revistas, isso pode ser um indicador de que havia uma nova
sensibilidade acerca dos papéis femininos (MELO, 2007, p. 137-138).

As regatas trazem em sua configuração as bases modelares mais


solidificadas para a implantação do futebol e para o delineamento dos tipos
coletivos de assistência. Percebe-se, inclusive, o envolvimento de mulheres nas
arquibancadas com papéis de destaque no modo de o público assistir ao evento.
Assim, a presença feminina no acompanhamento dos esportes populares não é
uma novidade ou exclusividade do futebol, que encontra seu modelo em
modalidades estabelecidas previamente. O mesmo vale para a mudança do
comportamento social feminino, ante as crescentes discussões sobre igualdade,
sufrágio e educação para mulheres, reverberou também na sua atuação no
campo esportivo.
Com este breve resumo do panorama esportivo na chegada do futebol no
Brasil, é lícito inferir que a consolidação desse esporte no país se deu mais
facilmente não só devido ao seu poder de fascinação, seu grau de
imprevisibilidade e sua inspiração de justiça social, tal qual nos indica Roberto
DaMatta (1994). O campo esportivo já estava preparado para receber a novidade
europeia e a sociedade também ansiava pela incorporação dos ícones da
modernidade da época.

2.1. Vida Sportiva e Mundana: revistas semanais, participação feminina e o


desenvolvimento da imprensa esportiva na Primeira República

Entre 1910 e 1914, o Brasil, proclamado como República desde 1889,


governado pelo Marechal Hermes da Fonseca, experimentou uma série de

46
transformações políticas, urbanas e comportamentais que marcou a chamada
modernidade periférica no país. Uma das primeiras medidas do governo
republicano foi a abertura da economia ao capital estrangeiro e uma corrida para
a industrialização e modernização do país (SEVCENKO, 1998). Essas e outras
mudanças provenientes da Segunda Revolução Industrial, ou Revolução
Científico-Tecnológica, impactaram diretamente no comportamento social.
Nicolau Sevcenko, em História da vida privada no Brasil- volume 03, afirma que:

De fato, em nenhum período anterior, tantas pessoas foram envolvidas


de modo tão completo e tão rápido num processo dramático de
transformação de seus hábitos cotidianos, suas convicções, seus modos
de percepção e até seus reflexos instintivos. Isso não apenas no Brasil,
mas no mundo tomado agora como um todo integrado (SEVCENKO,
1998, p. 7-8).

Efetivamente, no recorte temporal deste capítulo, podemos observar


grandes mudanças no comportamento social e nas narrativas sobre tais.
Grandes eventos históricos, para além da Primeira Guerra Mundial (1914 –
1918), impactaram diretamente no cotidiano da sociedade brasileira,
notadamente a carioca, como a Revolta da Chibata (1910) e a Febre ou Gripe
Espanhola (1918-1919). Esta última, por exemplo, adiou a realização do III
Campeonato Sul-Americano de futebol no Brasil. Sua previsão inicial era 1918,
mas realizou-se apenas no ano seguinte, com a primeira conquista internacional
de peso da Seleção, no estádio das Laranjeiras.
Cabe salientar, a princípio, que ambos incidentes – Revolta da Chibata e
Febre Espanhola – representam dois grandes problemas que o governo e a elite
da sociedade tentaram suprimir na edificação da imagem da cidade: a herança
de uma economia escravagista, com uma crescente população negra habitando
a região do porto, e as condições de insalubridade do Rio de Janeiro.
Para tanto, foram orquestradas as transformações das reformas
urbanistas e sanitárias de Pereira Passos. Na virada para o século XX,
percebemos uma modificação dos espaços públicos na capital federal. Esse
contexto social é fundamental para o entendimento da produção comunicacional
do período (BARBOSA, 2013). Ademais, o auge da Belle Époque no Rio de
Janeiro também reverberou no comportamento social, principalmente da elite

47
carioca. Essa buscava aproximar-se do ideal de modernidade europeia, em
particular a francesa, não somente na arquitetura urbanista. Com isso, há uma
construção social de novas práticas consideradas de bom gosto e requinte nas
classes altas, a impactar diretamente a inserção e a participação feminina na
sociedade e nas suas representações (VOKS, 2012).
A velocidade das transformações do novo século também surtiu efeitos
nos padrões de comunicabilidade. “Durante a toda a Primeira República (1889 -
1930) observa-se o início da implantação da moderna comunicação de massa
no país” (BARBOSA, 2013, p. 236). Isto é, neste período há uma expansão do
público metropolitano, com a consolidação das novas tecnologias de
comunicação. Citem-se o uso do telégrafo para a transmissão de mensagens em
longas distâncias e a utilização das imagens fotográficas como aporte da
realidade narrada pelos periódicos (BARBOSA, 2013).
A década de 1910 na cidade do Rio assiste a um crescente número de
profissionais da fotografia, bem como de publicações impressas, que se utilizam
desse aporte imagético para uma ampliação da possibilidade de ampliação do
seu público. Os avanços tecnológicos, facultados pela abertura econômica no
Brasil e pelas transformações oriundas da Revolução Científico-Tecnológica,
também influenciam a forma como o leitor observa o mundo ao seu redor. O
trabalho não abarca a história da fotografia e da leitura no Rio de Janeiro, mas
estes fatos impelem a um novo subsídio para o comportamento social e para o
desenvolvimento das narrativas pertinentes aos periódicos da época.
Para Marialva Barbosa (2013), graças à expansão das tecnologias do
século XX surge o “observador moderno” (p.227). Ou por outra, o leitor começa
a ser capaz de decodificar a mensagem através da fotografia, da leitura e da
oralidade, ampliando a capacidade de leitura dos indivíduos. O recurso
fotográfico não só amplia as possibilidades de leitura do indivíduo, como também
contribui para o alargamento público atingido. Uma vez que a fotografia
independe do letramento do leitor para a sua compreensão.
Mesmo que lhe faltem informações pertinentes ao acontecimento
retratado, a observação da imagem iconográfica impressa já suscita no
observador a mensagem a ser transmitida. O texto escrito, portanto, passa a ser
acessório em determinadas produções impressas, tais como as fotolegendas.
Bem como afirma Marialva Barbosa (2013), ao descrever que as máquinas de

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fotografar substituíram o registro de momentos que antes só poderiam ser feitos
através do relato escrito. Por conseguinte, só poderia ser decodificado por um
público seleto e letrado.

Figura 6: Fotolegenda da partida do A.A palmeiras e sua torcida (VS, 918, p. 30)

Na década de 1910, “o futebol começou a se tornar assunto de grande


interesse jornalístico” (SILVA, 2006, p. 35). Além disso, nesse decênio o futebol
inicia a sua transição de esporte representante da fidalguia para o esporte mais
popular do país (PEREIRA, 1998). A popularização do esporte representante da
modernidade almejada pela elite é iniciada também no período de transformação
da imprensa em comunicação de massa. Voks (2012) assinala que as
transformações sociais ocorridas no início do século XX tiveram alcance e
repercutiram na imprensa. Isso a faz crescer, a perder o caráter artesanal e a
tornar-se um conjunto de empresas de comunicação que visam lucratividade.
Portanto, tem em vista um aumento do seu público leitor-consumidor em
potencial.
Neste período observamos o surgimento de uma revista semanal voltada
exclusivamente para os esportes, o lazer e a vida social. A revista semanal Vida
Sportiva: hebdomadário sportivo e mundano circulou no Rio de Janeiro entre

49
1917 e 1922 e, de acordo com a ficha catalográfica do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) 2, editada por Guimarães & C. Apesar do seu curto
tempo de circulação, o período nos indica a crescente expansão da importância
do jornalismo esportivo até alcançar seu ápice no processo de consolidação com
a criação do Jornal dos Sports em 1931, a observar nos próximos capítulos. Além
disso, a revista semanal também dá indícios do desenvolvimento feminino e da
sua correlação com a participação esportiva. Já na primeira edição de Vida
Sportiva podemos notar que a publicação tende a atingir tanto o público
masculino, quanto o feminino com a novelas e as notícias sobre o
comportamento das mademoiselles, moda, flertes e bailes ocorridos durante a
semana.
O semanário ilustrado Vida Sportiva surge com a opção de compra avulsa
ou de assinaturas semestrais e anuais, com sede na Avenida Mem de Sá n. 149
e 151, centro da cidade. O periódico publicou sua primeira edição em 25 de
agosto de 1917. Mais do que uma publicação informativa semanal, Vida Sportiva,
em consonância comas revistas ilustradas da época, é um “produto destinado à
comercialização e ao consumo” (VOKS, 2012, p. 179).
A publicação traz em suas primeiras edições o aporte de anúncios de
remédios, produtos para cabelo, lojas de roupas femininas e cursos de fotografia.
Texto e imagens projetadas no periódico deveriam atrair, agradar e galvanizar o
público pagante, aqueles em condições socioeconômicas privilegiadas, com
vistas à lucratividade da empresa de comunicação e dos seus anunciantes.

2 Para maiores informações, consultar a ficha catalográfica disponível no site do Instituto


Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) através do link:
https://www.ihgb.org.br/pesquisa/hemeroteca/periodicos/item/102250-vida-sportiva-
hebdomadario-illustrado,-sportivo-e-mundano.html.

50
Figura 7: Página de anúncios da primeira edição da revista Vida
Sportiva (VS, 1917, p. 2)

O hebdomadário Vida Sportiva, mais que uma publicação sobre esportes,


amplifica a construção narrativa do comportamento em sociedade e reproduz o
desenvolvimento da imprensa dos primeiros anos da Primeira República. Suas
fotos, ilustrações, charges e textos representam o ideal civilizatório que a elite,
em especial a carioca, desejava alcançar. Porém, como um jogo de espelhos, a
imagem refletida pode provocar uma ilusão de ótica no observador. Isso porque
as representações construídas pela revista demonstram os desejos de um
pequeno círculo letrado, nicho consumidor da publicação e dos produtos
anunciados, de modo a encobrir realidades sociais com as quais a elite não
deseja compartilhar o mesmo espaço, quer seja nas publicações, quer seja no
ambiente urbano.
A revista semanal tem papel fundamental no cenário comunicacional da
época e articula imagens do cotidiano com projetos político-culturais das frações
intelectuais elitizadas (BARBOSA, 2013). De tal sorte, a popularização do futebol
também faz parte de um processo político-cultural das elites letradas em ampliar
seu público a partir dos recursos fotográficos. E assim transmitir para um número
maior de indivíduos os comportamentos modernos que deveriam ser replicados
em toda a sociedade. Cria-se uma memória do tempo presente na qual as
51
transformações sociais, econômicas e urbanas se deram de forma acelerada. A
modernidade e o desenvolvimento de uma economia voltada para o consumo
assinalam no país um novo padrão e horizonte comportamental cada vez mais
instigado pelas revistas ilustradas e pelos processos culturais, através da música
e da dança, pela difusão dos desportos e, posteriormente, pelo cinema
(SEVCENKO, 1998).
A fotografia, no início do século XX, é um ponto importante para a
popularização dos periódicos na vida social. De acordo com Marialva Barbosa,
o uso as imagens é um recurso amplamente utilizado nas publicações do período
e transforma o leitor em observador. Ademais, a fotografia torna-se um
instrumento de consolidação de uma memória visual de um período de
aceleradas modificações tecnológicas, econômicas, sociais e comunicacionais.
A fotografia, segundo Ana Mauad:

É uma mensagem, que se processa através do tempo, cujas unidades


constituintes são culturais, mas assumes funções sígnicas diferenciadas,
de acordo tanto com o contexto no qual a mensagem é veiculada, quanto
com o local que ocupam no interior da própria mensagem (MAUAD, 1996,
p. 7).

Mais do que um instrumento para construção de uma memória ou um


retrato da realidade, a fotografia torna-se, no século XX, um importante elemento
para a popularização dos periódicos e, por consequência, dos esportes e
comportamentos sociais retratados por eles. A iconografia colabora para a
transformação dos periódicos restritos a um seleto público letrado para imprensa
de massa, aqui sinônimo de imprensa de grande circulação, e do público em
leitor e observador da construção da memória de sua realidade contemporânea.
O uso da fotografia, principalmente das fotos legendadas das
competições esportivas, foi essencial para a consolidação do esporte e da
narrativa esportiva. Para Ana Mauad (1996), a fotografia é um retrato
estabelecido pela sociedade para representar uma realidade social. “Sem
esquecer jamais que todo documento é monumento, se a fotografia informa, ela
também conforma uma determinada visão de mundo” (MAUAD, p. 8).
Vida Sportiva constitui uma publicação esportiva e mundana, que retrata
o desenvolvimento da sociedade através de seus eventos esportivos ou de seus
clubes e agremiações. O periódico estampa as seções de moda e as novelas
52
narradas em suas páginas. O apelo a fotografias, charges e caricaturas aproxima
o leitor da narrativa jornalística. Para o público feminino, especificamente, é
mister perceber uma caracterização dos comportamentos e das vestimentas
adequadas para as moças frequentadoras dos espaços de lazer da cidade do
Rio de Janeiro. Na condição de uma revista que ansiava a venda de seus
exemplares e o aumento de publicidades em seus espaços, a construção do
imaginário feminino corresponde ao de uma mulher branca, pertencente à elite,
cujo comportamento caracterizava-se pela docilidade, graciosidade e gentileza.
As “ilustríssimas” e “gentilíssimas” não representavam a mulher negra na
sociedade do Rio de Janeiro. A população pobre e subalterna fazia parte de uma
memória colonial escravocrata oculta nesse discurso, porquanto deveria ser
alijada da modernidade urbana com inspirações francesas da República.
A revista semanal e as fotolegendas constantes dos periódicos do decênio
também contribuem para a transformação do futebol em um esporte para além
da elite. O esporte bretão torna-se um código compartilhado, um ponto de
contato de diversos grupos sociais, no qual a centralidade das atenções é
comumente associada aos sportmen. “O jogo mostrava-se capaz de articular
diferenças e identidades, fossem raciais, regionais ou nacionais” (PEREIRA,
1998, p. 05). Dado que com o uso da imagem não é necessário o conhecimento
das letras, o futebol passa a enquadrar a sua época, a atrair novos leitores e a
ampliar a sua capacidade de encantamento.
Para Marialva Barbosa (2013):

Nos grandes centros havia um território midiático comum caracterizad o


pela criação de novos modos de comunicação a partir da proliferação de
periódicos cuja principal estratégia foi a conquista de público, num longo
processo que desaguará na formação de uma sociedade de massas
(BARBOSA, 2013, P. 245).

Dito de outra forma, sendo instrumento político social, o futebol constrói a


sua imagem com base na figura do jovem fidalgo morador da emergente zona
sul do Rio de Janeiro. Estes têm a sua memória preservada na história do futebol
no Brasil como os seus precursores. Em contrapartida, seus retratos reforçam
também as histórias que devem ser apagadas da memória do campo
futebolístico. Como parte de um projeto de enquadramento e adequação social
para os novos comportamentos urbanos aceitáveis, as mulheres assíduas das

53
arquibancadas passam também a ser retratadas com frequência na revista
ilustrada.
O propósito sub-reptício é a identificação e a caracterização também do
comportamento moderno feminino, com o realce das expectativas de moralidade
e fisionomia a seu respeito. A mulher de elite, de silhueta branca, começa a
circular nos espaços públicos da cidade. O futebol e os espaços de lazer passam
a ter centralidade na vida social das mulheres de classe alta. São esses locais
de sociabilidade em ascensão e visibilidade que permitem a sua presença e o
convívio com indivíduos do sexo oposto.
O editorial da primeira edição do referido periódico, no qual podemos
observar a intenção de seus redatores em retratar a dinâmica da vida social e
esportiva através do discurso da modernidade. O jornalismo passa a ser o
conformador da realidade, o retrato verossímil da verdade e da atualidade
(BARBOSA, 2013). É através de publicações, tal qual o semanário Vida Sportiva,
que a memória do futebol começa a ser construída a partir do viés da
popularização do esporte, transformando leitores em público de massa,
consumidor de periódicos impressos. E, pouco a pouco, caracterizam-se e
internalizam-se os comportamentos aceitáveis nos ambientes esportivos, bem
como a distinção das classes.
Na década de 1910, apesar de o futebol iniciar o seu processo de
inserção, para a prática e para o torcer, das camadas negras e mais populares,
o retrato do estrato social associado ao esporte corresponde à imagem da
fidalguia. As esferas públicas e privadas, o desfrute do convívio social, eram
privilégio de uma elite cerceadora de classes mais populares. O futebol, portanto,
também apresenta este ponto de tensão e atrai, cada vez mais, a atenção das
camadas populares, ao passo que sua representação permanece como uma
atmosfera elitista.

Vida Sportiva
Num meio como este, aonde o gosto e o enthusiasmo pelas cosas
de sport, crescem diariamente, o aparecimento d’um semanário
illustrado, sportivo e mundano, como a - Vida Sportiva – era
indispensável.
Dizemos sportivo e mundano, porque se acham tão
intimamente ligados. Que se completam, não podendo existir um
sem outro.

54
Theophile Gautier dizia: “a face humana é uma cera molle, fácil de
ser modificada à vontade” e Delphina de Girardin afirmava também, aliás
com um grande bom senso que, “o primeiro dever de uma mulher é ser
bonita”.
A plasticidade do musculo é realmente admirável e é curioso que
o homem de hoje não tenha sabido aproveital-a, deixando a planta
humana vegetar, em vez de florescer no seu vigor e graça.
Dickens immortalizou o retrato da institutrice que obrigava seus
discípulos a psalmodiar litanias com palavras em pr, com o fito de fazer
uma boca pequena!
Os gregos que sabiam tudo, ou que advinhavam tudo que não
sabiam, levaram a Educação physica muito mais longe que qualquer
nação moderna.
Jogavam o disco, a bola, a espada; lançavam a flecha e
conheciam muito bem a arte de preparar um punhado de homens para
fazer frente a milhões; os seus corredores anunciavam a victoria de
Marathona quasi tão depressa como o telegrapho; ganhavam a remo
batalhas navaes e conseguiam luctadores tão belos como os mármores
de Phidias.
A moda, por outro lado, não consiste, como muitos podem pensar,
somente, no vestuário, existe também no modo de viver, no emprego da
existência, nas ocupações, nas distrações.
O dia de uma mundana de hoje, não obstante ser muitas vezes
tão frivolamente empregado como o da de outr’ora, não se parece em
cousa alguma com o d’aquelle tempo.
Não são mais as reuniões intimas que absorvem horas; de
manhã as igrejas, de tarde a Avenida, compras, footing, etc., de
noite, cinema, concerto ou theatro.
Nossa época é o triumpho da vida ao ar livre: corridas, sports,
de toda a espécie, absorvem e attrahem as nossas gentis patrícias.
Todas as secções estão a cargo de pessoas competentes e como
para todo mundo há um lugar debaixo do sol a – Vida Sportiva – conta
com a benevolência de seus distinctos colegas da imprensa desta capital
e do respeitabilíssimo público, para conseguir esse desideratum (VIDA
SPORTIVA, edição 01, 25 de agosto de 1917, p.3. Grifo nosso).

O trecho transcrito salienta que os eventos esportivos são tratados como


grandes eventos sociais da vida urbana e recentemente moderna. O esporte e a
vida mundana são indissociáveis no modismo do período. As atividades de lazer,
festas e até mesmo bailes de carnaval são realizados nos salões dos clubes
esportivos. Nesse ambiente, a alta sociedade pode ser reconhecida e seus
membros apresentados uns aos outros, a fim de unirem-se em casamentos ou
alianças político-econômicas. O espaço esportivo, em paralelo ao teatro e depois
ao cinema, é o espaço de espelhamento para a modelagem do corpo físico e
para a ostentação da aparência social. Trocando em miúdos, está em jogo o
processo de exibição, mas também de disciplinarização do corpo (FOUCAULT,

55
2014), tanto através da sua exposição nos espaços públicos, quanto pelas
narrativas presentes nas publicações.
Outro aspecto destacado já na primeira edição é a presença de mulheres
na vida esportiva e mundana. A participação feminina nos espaços públicos da
sociedade brasileira, nesse período, está associada aos momentos de lazer e
fruição do ambiente urbano. A constatação de moças nas arquibancadas era
constantemente celebrada pela crônica jornalística por sua dimensão por assim
dizer ornamental, com o embelezamento do evento ou pela caracterização do
ambiente como familiar.
Segundo Aira Bonfim (2019, p.36), “...a presença de mulheres nos
ambientes esportivos da época corroborava com a designação de atributos como
‘riqueza’, ‘família’, assim como a sensação de ‘adequação’ social às
arquibancadas e espaços de sociabilidade do esporte”. A mulher desloca o seu
loco social do privado para o público, mas ainda carrega em suas características
o caráter familiar, dócil e subserviente exaltado nas cuidadoras da família e do
lar no período anterior.
Sem embargo, o retrato de uma vida citadina do entretenimento
proporcionado ao esporte também representa o movimento de ampliação da
incidência feminina na sociedade metropolitana carioca. O ato de ir a um local
para prática ou observação de uma competição esportiva pode parecer
insignificante para um observador contemporâneo desatento, mas representa o
início de um movimento de afirmação e de emancipação, principalmente para as
mulheres da elite. A vivência feminina, o tornar-se mulher, descritas décadas
depois por Simone de Beauvoir em O segundo sexo (2014), é tensionado por
um conjunto de poderes interseccionais, a exemplo de classe e raça.
As mulheres que frequentam as arquibancadas são representantes de um
extrato social seleto do Rio de Janeiro, caracterizado pelos termos
mademoiselle, senhora, gentilíssima e patrícia. Observa-se em destaque no
trecho acima e na fotografia da Mlle. Lydia Cardoso de Oliveira (figura 8), descrita
como “gentilíssima filha do ministro Cardoso de Oliveira, figura de alto relevo na
diplomacia brasileira” (VIDA SPORTIVA, edição 01, 25 de agosto de 1917, p. 3).

56
Figura 8: Fotografia de uma mulher ilustra o editorial da primeira edição de Vida Sportiva ( VS,
1917, p. 3)

A representação dessa elite feminina também evidencia o


desenvolvimento da participação feminina na sociedade brasileira. Conforme
afirma a revista Vida Sportiva, no editorial de sua primeira edição, transcrito
acima, “não são mais as reuniões intimas que absorvem as horas” (VIDA
SPORTIVA, 1917, p. 3). A mulher deixou de participar apenas dos espaços
privados para também circular pelos ambientes públicos da vida urbana.
A ampliação do convívio entre homens e mulheres em espaços públicos
da cidade proporcionou também uma mudança nas relações amorosas. Os
tradicionais casamentos arranjados começam a dar lugar ao hábito da paquera
ou flerte sob distintos padrões e expectativas de interação social. Este novo
comportamento na relação entre os gêneros pode ser retratado por diversas
vezes na seção Frivolidades da revista Vida Sportiva, uma coluna de notas
sociais das arquibancadas esportivas e da vida mundana do Rio de Janeiro.
57
Na edição de 15 de junho de 1918, a coluna reportou:

Quer saber a verdade, Mlle. N.V.C.?


Pois bem. Não se fie muito nele. É um rapaz muito volúvel, é um
“flirt” só de ocasião. Ainda domingo, vimo-lo flertar com uma torcedora
americana por ocasião do match America x São Christóvão.
O C.B. preocupa-se demais com a outra, a linda torcedora do
tricolor. É ela o seu ídolo de ouro. Portanto, mlle., dê-lhe o fora... (Vida
Sportiva, edição 43, 15 de junho de 1918, p. 18)

Até meados do século anterior, a mulher, principalmente da elite, era


educada para ser prendada, “boas” donas de casa, sem a permissão para
grandes circulações nos espaços públicos. Além disso, os casamentos eram
arranjados de acordo com a conveniência das alianças almejadas por seus pais
(MELO, 2007). Destarte, o ato de flertar e despertar o interesse dos jovens para
namoros e casamentos é uma mudança, ainda que lenta, na sociabilidade entre
homens e mulheres.
As dinâmicas causadas por essa afronta “a tradicional estrutura social”
(MELO, 2007, p. 131), apesar de causar estranheza nos indivíduos mais
tradicionais da sociedade brasileira, são narradas positivamente e com certa
leveza nas páginas das edições da VS. A coluna Frivolidades era o espaço para
narrar os encontros e desencontros dos possíveis casais da alta sociedade,
preservando suas identidades com a designação apenas das iniciais de seus
nomes. De igual maneira, podemos perceber na edição 43, de 15 de junho de
1918, de Vida Sportiva, no qual a jovem H.S.G, “encantador perfil da elite
paulistana”, ao voltar toda a sua atenção ao ato de torcer por seu time, na partida
válida pela competição Rio-São Paulo, não observou a admiração do “jovem
simpático” da sociedade que demostrava impaciência e desespero ao ser
ignorado pela “mademoiselle”.
A torcedora, via de regra, era caracterizada por determinadas qualidades,
tais como “meiga”, “bondosa”, “grácil donzela”, “mademoiselle”, “bello sexo”
entre outros adjetivos que conferem beleza e docilidade ao espaço esportivo.
Ademais, o emprego de qualificativos, tal qual ocorria no concurso de beleza,
“Qual mais bela torcedora? ”, promovido pela revista em 1918, que premiava a
primeira e segunda colocada com fotos impressas em grande espaço na
publicação, corrobora a normatividade de o comportamento feminino necessitar

58
da aprovação da autoridade masculina. Em outras palavras, as narrativas sobre
a presença de mulheres nos estádios também reforçam o comportamento social
de subserviência, secundário e auxiliar feminina ante os interesses patriarcais
e/ou paternais.

Profundamente impressionados com a beleza daquela silhueta, subimos


com enorme dificuldade, para a para a arquibancada, e vislumbramos o
vulto encantador de mlle. L.P., a suave torcedora do campeão de 1910.
Os ares de Ipanema tornaram-na mais corada, mais bela. Mlle. L. não
dizia palavra: estava como que muda, tal era o seu abatimento.
Ao longo divisamos a silhueta de mlle. D. Maia, cuja tristeza era visível
e... contagiosa. E a tarde caia lentamente...
Foi o ponto final daquele dia cheio de emoções e alegrias para as
torcedoras do tricolor, pleno de azares e tristezas para as torcedoras do
alvi-negro (Vida Sportiva, edição 50, 27.07.1918).

Entrementes, apesar de, por vezes, servir aos interesses e olhares dos
homens, o elemento feminino nas arquibancadas não deve ser observado como
secundário. Assim como no início do século as mulheres começam a reivindicar
maior participação nas atividades sociais, como os estudos e o voto, a presença
feminina nas arquibancadas não deve ser analisada como meramente passiva.
As torcedoras são retratadas como “bairristas”. Trata-se de pessoas
qualificadas como “distraídas”, pois focam sua atenção apenas na partida,
mostrando-se “nervosas”, “enrágee”3. Na edição de 05 de outubro de 1918, de
Vida Sportiva, na coluna Frivolidades, foi narrado o acontecimento de “violentas
discussões” entre torcedores do Botafogo e do Fluminense. Uma torcedora do
alvinegro, indignada com a derrota, gesticulava, gritava e vituperava ao torcedor
do tricolor que o seu time só ganhara por ter um juiz comprado. Já na edição de
13 de julho de 1918, o hebdomadário narra que uma torcedora carioca
gesticulava com a sua “sombrinha cor de rosa” quando “a torcida era muita”, sem
se preocupar se poderia incomodar ou ferir outro espectador na arquibancada.
Em adendo, a revista ilustrada endossa a caracterização e o
desenvolvimento da torcedora de futebol, ao publicar em suas páginas em 1919
um questionário voltado para os perfis femininos, na coluna Confidenciais.

3 A expressão em francês significa enraivecida, irritada, furiosa, entusiasta ou apaixonada.

59
Figura 9: Coluna Confidenciais com as características da torcedora do Flamengo (VS,
1919, p.3)

De fato, o ato de torcer desenvolve-se no decorrer do tempo e, à luz da


diacronia, percebe-se a participação feminina na sociedade e no esporte. As
mulheres presentes nas arquibancadas não serviam somente aos interesses
masculinos, mas torciam por seus times de forma ativa. Volte-se a sublinhar que
o mito de origem do termo torcer, como assistência de futebol, é creditado ao
cronista Coelho Netto. Este ao observar os movimentos nervosos das moças
torcendo suas toilettes nas arquibancadas, as denominou de torcidas. Os
vocábulos torcer, torcida e torcedor passam a ganhar notoriedade durante a
década de 1910 e substituem os anglicismos do sportmen e sportwomen
(MALAIA, 2012).
Conforme se depreende dos recortes analisados, a presença feminina
nos estádios de futebol não se caracterizava pela passividade ou apenas pela
subsunção aos desígnios masculinos. As mulheres demostravam suas paixões
e fidelidade ao seu time. Dito isso, não raramente eram retratadas a partir das
manifestações das suas emoções e de seu pertencimento clubístico, antes,
durante ou após o resultado alcançado pelo seu clube de adoração.
As revistas ilustradas, no decurso dos primeiros anos do século XX,
tiveram um papel estratégico na criação e disseminação de uma nova

60
perspectiva de sociedade no Brasil. Através de suas narrativas fáceis e do uso
do recurso da fotografia e da caricatura, elas ampliaram a sua comunidade
imaginada e transformaram-se em imprensa de massa. Causa e efeito, esses
periódicos, tal qual a Vida Sportiva, destacaram as aceleradas transformações
do século, enquanto também contribuíram para construção de tais mudanças.
As revistas colaboraram, com as suas publicações, para a consolidação de
transformações sociais de sua época e, a partir de um olhar histórico, para
preservação de uma memória em constante desenvolvimento.
No desenvolvimento da narrativa do jornalismo, a revista ilustrada Vida
Sportiva expõe o início da setorização da subárea esportiva e a sua correlação
com a vida cotidiana da sociedade brasileira. Conquanto não seja a primeira
publicação voltada a narrar os esportes na capital, Vida Sportiva é um semanário
que merece atenção exatamente pela associação da vida social e da vida
esportiva. Como o próprio editorial da primeira edição revela, para a revista estes
dois campos da vida social brasileira, notadamente carioca, são indissociáveis.
Com efeito, o desenvolvimento da popularização do futebol também serve
ao propósito de disseminação das ideias e ideais de modernidade que a elite da
sociedade brasileira buscava para o novo regime político do país. As narrativas
em torno do esporte e de seus torcedores estão inseridas no contexto de
institucionalização de novos hábitos à luz das reformas civilizadoras e
modernizadoras da Belle Époque no Rio de Janeiro. O enquadramento do lugar
físico e simbólico das mulheres nas arquibancadas, sobretudo, expressa o
desenvolvimento da participação feminina na sociedade em momentos de
quebra das tradições coloniais e imperiais que as colocavam quase
exclusivamente cerceadas em espaços privados. Como afirma Victor Melo
(2007), a narrativa sobre as mulheres nos esportes e nas arquibancadas também
reflete “as lutas e reivindicações femininas por reconhecimento de sua
possibilidade ampla de participação” (p. 128).

61
2.2. Torcer nos píncaros da fama: presença feminina e linguagem esportiva
como instrumento de popularização do futebol

A despeito do aumento do interesse pelo esporte, a linguagem e a


representação nas páginas jornalísticas refletiam parte do elitismo futebolístico
e da suposta aura de distinção dos esportes modernos (LOPES, 1994).
Geralmente, neste período jornais dedicavam espaços somente depois das
partidas concluídas, após o já conhecimento do público sobre o ocorrido em
campo. “Em geral, o futebol só ocupava uma ou duas colunas de páginas”
(LOPES, 1994, p. 68), assim como podemos comprovar na observação do
periódico Jornal do Brasil. Antes, outros esportes têm registro nos espaços dos
periódicos, mas sem grande destaque. O jornalismo esportivo ainda não havia
alcançado notoriedade dentro das redações, sendo tratado como tema menor.
No período de consolidação do futebol, ou foot-ball, tal como era
consignado no cenário de tratamento jornalístico do Rio de Janeiro, seus
conceitos e termos retomavam a origem inglesa e a distinção elitista da novidade
moderna. O futebol era um evento social constantemente associado às festas
das senhoras das altas sociedades, segundo afirma Pereira (1998). Na condição
de um evento próprio da vida ordinária, tal qual descrito pelo semanário Vida
Sportiva, o esporte também ganha espaço nas publicações de revistas ilustradas
voltadas para o público feminino.

No início do século XX, o futebol era football. O jogador era player, ou


sportsman. Nas posições em campo havia o goalkeeper, o right defender,
o left defender, o center-half, havia ainda o right wing e o left wing, além
do striker. O árbitro era o referee, e os bandeirinhas, os linesmen. Todos
se apresentavam no field, no stadium, em jogos cheios de goals, hands,
off-sides e fouls. Esses termos perduraram durante quase toda a Primeira
República no Brasil e geraram acalorados debates sobre a utilização
desses anglicismos entre intelectuais, cronistas e o público em geral
(MALAIA, 2012, p. 53).

A partir de 1910 um termo brasileiro começa a ganhar importância e um


novo significado na narrativa jornalística sobre o esporte. O torcer começa a
entrar no vocabulário dos periódicos como uma característica dos aficionados
por futebol. João Malaia (2012) frisa que termos como “ser torcedor ou uma
torcedora e fazer parte de uma torcida” (p.54) passaram a aparecer em grande

62
escala nas narrativas esportivas dos periódicos do Rio de Janeiro. O público,
quer seja em praças esportivas, quer seja em espetáculos culturais, já faziam
parte das narrativas da vida esportiva, cotidiana e mundana nos periódicos.
Assim, os termos assistência, supporters e sportman designavam o público
esportivo, enquanto audiência e espectador referiam-se a espetáculos teatrais
ou dos cinemas da cidade.
Durante a década de 1910, as narrativas sobre torcida, referentes a um
indivíduo ou a um conjunto de aficionados pelo futebol, se desenvolvem e
ganham paulatina e progressiva repercussão nas páginas esportivas dos
periódicos. Em O Paiz, por exemplo, nos primeiros cinco anos do decênio, é
possível encontrar menos de dez publicações referentes a espectadores de
futebol. Em contraponto, somente no ano de 1918, os “torcidas” superam a
marca de vinte inserções no periódico. Durante todo o período de 1910 a 1919,
o termo torcida, referente à plateia de eventos esportivos, nos periódicos
analisados, ultrapassa a marca contábil de 130 inserções. Foram analisados
Jornal do Brasil, O Paiz e Vida Sportiva: hebdomadário sportivo e mundano,
publicados entre 1910 e 1919, disponíveis na Hemeroteca da Biblioteca
Nacional, filtrados através do termo de pesquisa “torcida”.
Para uma expressão recém-cunhada na narrativa jornalística e em
crescente utilização no passar das décadas, nota-se a preocupação constante
de caracterização do termo torcida e do seu comportamento esperado, tanto
para homens quanto para mulheres. A ênfase da narrativa acercado futebol e
de seus espectadores, e a consequente popularização do esporte bretão no Rio
de Janeiro, também servem aos interesses de uma elite brasileira em
transformar a sociedade à luz da modernidade europeia. Leonardo Pereira
(1998) afirma que o orgulho identitário do futebol brasileiro não era envolto em
uma originalidade nacional, ao contrário, era permeado pela necessidade de
reproduzir fidedignamente os modelos de sua matriz no Velho Mundo.

Tendo aparecido no país como um esporte estrangeiro, foi sua suposta


modernidade, assentada em padrões europeus, que sustentara o seu
crescimento – fosse entre os sportman ou entre aqueles que tomaram o
jogo para si. Embora difundido por todos os grupos, por todos os bairros,
por todas as classes, o futebol mantinha assim seu perfil importado,
aparecendo até então como uma técnica vinda de fora sobre a qual os
brasileiros começavam a ter algum domínio (PEREIRA, 1998, p. 284).

63
Destarte, a adoção de uma expressão em língua nacional para designar
um comportamento fundamental no espetáculo do esporte é um marco para a
popularização e para o enraizamento do futebol na sociedade brasileira. Em seu
mito de origem, a torcida é sinônimo dos hábitos coletivos das assistências
femininas nos estádios. De modo célere o vocábulo transforma-se em homólogo
de fã, em indivíduo apaixonado pelo esporte, o que ultrapassa o campo
futebolístico.
Sendo assim, embora ainda haja a utilização do termo assistência para
designar o público presente nas competições esportivas, a partir de 1910 a
narrativa jornalista passa a empregar em larga escala e de maneira corrente o
termo torcida. É possível observar tentativas de categorização do novo
significado do termo brasileiro. Se torcida designa na atualidade uma
coletividade de pessoas adoradoras de um determinado esporte ou clube, no
início da sua utilização também podia designar um indivíduo em particular, tanto
homem quanto mulher.
Se o remo inaugurou a utilização do termo sportwoman para denominar
um novo panorama da participação feminina no campo esportivo, o termo torcida
e torcedora também aponta para uma mudança do status quo da mulher
frequentadora das arquibancadas futebolísticas e nos mais variados campos
sociais. O futebol, desde a ampliação de seus círculos sociais, é um campo no
qual os conflitos e as questões sociais podem ser observados de forma
potencializada. Em outras palavras, como bem afirma Franzini (2005), o futebol
e suas torcidas são um “espaço sociocultural” onde as nuances das práxis e dos
paradigmas sociais reverberam as discussões em vigência na sociedade como
um todo.
De acordo com Pereira (1998), ao menos desde 1917 há um movimento
de nacionalização do futebol, renegando os termos ingleses usados para
designar o esporte, seus jogadores, suas técnicas e posições nos “teams”. Em
1919, houve ainda uma tentativa de renomear o esporte de acordo com a língua
portuguesa falada no Brasil. O football seria peból, balidopo ou futiból. Esse
movimento nacionalista na linguagem do esporte, no entanto, não leva em conta
o desenvolvimento do termo torcida. Desde 1910 é possível encontrar evidências

64
do seu uso para designar um (a) assistente presente na arquibancada do jogo
na narrativa jornalística. Segundo João Malaia (2012):

[...] é na década de 1910 que o termo vai se tornar de uso corrente pelos
profissionais da imprensa, cronistas esportivos ou literatos, Foi a partir
deste período que os torcedores passariam a ser mais precisamente
caracterizados e transformam-se em objeto de reflexão (p.60).

O termo torcida é configurado ao longo de suas inserções nas páginas


esportivas. A análise de suas utilizações aponta para a construção de uma
identificação fragmentada no decorrer do tempo, através da narrativa do
cotidiano dos periódicos esportivos. Mais do que apenas assistir a uma partida,
o/a torcida, posteriormente designado como torcedor, tem papel fundamental no
espetáculo esportivo. E a sua importância é desenvolvida paulatinamente no
imaginário do espectador esportivo. Enquanto, para o remo, a diretoria de
arquibancada não representa um alto cargo no campo esportivo, no decorrer da
história do futebol o papel de chefe de torcida é de grande expressividade na
“microfísica do poder” (HOLLANDA, 2012). João Malaia (2012) observa que nas
primeiras décadas do século XX “podemos ver a torcida como um personagem
projetado por uma coletividade de torcedores de um clube de futebol” (p.59).
Assim, as iniciais inserções do termo torcida, bem como suas
caracterizações, indica a conduta esperada por aqueles que chefiariam grandes
multidões de espectadores. Muitos dos comportamentos dos torcedores já estão
descritos no momento de designação dos significados do termo.

Tentativa de Classificação dos Torcidas

Torcida é comum de dois: tanto significa o jovem pálido, escaveirado,


neurastênico, que obedecia muito antes dos conselhos presidenciais aos
preceitos de uma rigorosa economia, pois tudo sacrificava para o
pagamento da entrada no campo do (jogo), como aplicar se pode também
à mocinha nervosa (neurastênico é muito forte e pouco diplomático para
moça), que teve frases sempre ardentes e elogiosas em mi-mi (é nota
musical e algo onomatopaica, pois se presta-se perfeitamente a
interpretar os estados agudos de uma roxa torcida).

Vou procurar, em rápidos traços, dar uma ideia pálida do torcida e por
uma especial deferência ás representantes do sexo chamado fraco, mas
forte realmente, pois é diante dele que todos nós nos curvamos

65
reverentes, variando apenas o modo de fazê-lo: impedindo que a bola
vase o goal que defendemos (por sabermos que a nossa namorada torce
por nós), estudando para aparecer brilhantemente no fórum, no
magistério, nos marciais desfiles da Avenida, a cabeceira dos doentes
ou... escrevendo crônicas com pretensões psicológicas, sobre o balidopo
(football).

Conforme dizia, por especial deferência as moças, procurarei dizer algo


primeiramente sobre o “torcida” feminina, - É geralmente franzina
(mesmo que fosse gorda, as emoções do jogo, que quando muito
violentas podem até matar, exemplo o facto acontecido em S. Paulo, no
jogo do Corinthians, acabariam por emagrecê-las), bonitinha (o
diminutivo é de carinho), possui profundas olheiras e, em summa,
constitui o tipo do romantismo desportivo - Não admite discussões e muito
menos crítica ao clube afeiçoado. É porque é, vence por não pode deixar
de vencer, eu o quero, e o destino não podia desmentir na prática.

É esta síntese da sua lógica (sua dela torcida). Da à torcida “corda” (não
para se enforcarem...) a todo os filiados do seu club predileto, e se
porventura, vencendo a resistência partidária, consegue alguém se impor
a consideração da torcida, pertencente que seja a club contrário as
predileções da eleita, recebe um “ultimatum”, e dentro de 24 horas tem
que virar casaca, mudar de partido, rasgar recibos do outro club com
grande satisfação de uns e tristeza profundíssima de outros.

Quando a torcida assiste a algum jogo, é inteiramente distraída,


preocupa-se tão somente com as peripécias desse, de maneira que não
será difícil prever as consequências desse desprendimento por tudo
quanto cercá-la possa. Tem a torcida gestos familiares, abraços que
distribui nos momentos psicológicos. O que vem talvez compensar os
beliscões distraidamente ofertados aos mortais que possuem a ventura
ou desventura de lhe servirem de encontro. É um elemento necessário
num jogo para que seja completo o entusiasmo!

O jogador quando sai a campo, a primeira precaução é olhar para as


arquibancadas e ver se lá estão a postos seus devotos, se já se
encontram arregimentadas as suas prosélitas.

Toda a torcida (exceto “confirma regulam”: a excepção confirma a regra,


eu traduzi porque isso não é balidopo) tem um duplo culto: o do partido a
que se filia e em especial, único o do Mimi. Mimi é uma espécie de canção
do soldado do balidopo. Hymno de toda a torcedora que se presa produz
verdadeiros delíquios o pronunciar-lhe e cai-se numa monotonia musical,
não tendo “dó” dos que são pisados pelos excessos de seus
entusiasmos, não caindo em “si” de suas exaltações partidárias e vendo
apenas brilhar o “sol” de sua predileção, abandonando-se completamente
ao domínio ao prestigio desportivo do mi-mi – Robin (OP, edição 12253,
28 de abril de 1918, p. 7).

A longa transcrição da crônica de Robin para O Paiz é necessária para


compreendermos o universo no qual a mulher aficionada pelo futebol está
inserida. Nesta narrativa ainda podemos perceber os desenvolvimentos das

66
discussões do aportuguesamento dos termos do football, denominado balípodo,
e a caracterização do ser torcida na década de 1910. É fundamental perceber
que ao longo do período analisado, a “Tentativa de Classificação dos Torcidas”
dicotomiza as características do torcer feminino e masculino. Neste caso, a
torcida feminina é comumente exaltada, apesar de sua caracterização por (a)
valência negativa dos termos como nervosa, histérica e indignada; (b)
valorização dos corpos com adjetivos como franzina, bonitinha, tipo física de
romantismo esportivo; (c) docilidade dos comportamentos de mademoiselles
gentis e graciosas.
Apesar da mulher da década de 1910 conquistar espaços na vida pública
da sociedade carioca, principalmente a partir das reformas estruturais na cidade,
o comportamento feminino ainda é moldado a partir dos conceitos de docilidade
e subserviência presentes no espaço privado. A presença feminina nos
ambientes esportivos confere docilidade, beleza e domesticidade ao espaço,
portanto, comportamentos mais exaltados são caracterizados negativamente na
construção do significado do torcer nas narrativas esportivas.
Tal como afirmam Marina Maluf e Maria Lúcia Mott (1998), a mulher deve
manter a honra e a ordem familiar, “tida como mais importante ‘suporte do
Estado’ e única instituição social capaz de represar as intimidadoras vagas da
modernidade’” (p. 372), mesmo que desfrutem a maior liberdade no convívio
social.
A presença feminina também é narrada por meio do olhar masculino das
redações de jornais e exaltada com base nas características pertinentes aos
homens. No Jornal do Brasil, edição de 19 de setembro de 1917, ao retratar a
partida entre Vila Isabel e Botafogo, a narrativa afirma que “as partidas que o
Botafogo toma parte tem sempre um cunho original pela torcida impenitente e
graciosa do belo sexo que com sua presença dá grande entusiasmo à peleja
esportiva” (p.9). Isto é, a construção da representação feminina nas
arquibancadas de futebol, por conseguinte do tipo ideal de torcida, é permeada
pelo embate ideológico de modernos (que exaltavam a presença feminina no
espaço público) e conservadores (limitando a sua experiência à docilidade
familiar do ambiente).
De acordo com a análise de Marina Maluf e Maria Lúcia Mott (1998):

67
O dever ser das mulheres brasileiras nas três primeiras décadas do
século foi, assim, traçado por um preciso e vigoroso discurso ideológico,
que reunia conservadores e diferentes matizes de reformistas e que
acabou por desumanizá-las como sujeitos históricos, ao mesmo tempo
que cristalizava determinados tipos de comportamento convertendo-os
em rígidos papéis sociais. “A mulher que é, em tudo, o contrário do
homem”, foi o bordão que sintetizou o pensamento de uma época
intranquila e por isso ágil na construção e difusão das representações do
comportamento feminino ideal, que limitaram seu horizonte ao “recôndito
do lar” e reduziram ao máximo suas atividades e aspirações, até encaixá-
las no papel de “rainha do lar”, sustentada pelo tripé mãe-esposa-dona
de casa (p. 373).

No contexto esportivo, a torcedora de futebol é observada em uma


variação desse tripé de sustentação do papel social da mulher. Nas
arquibancadas, a esposa-mãe-dona de casa representa o comportamento ideal
da subserviência, docilidade e adorno do ambiente. Na edição de 21 de maio de
1918, de O Paiz, em que o leitor envia uma carta à redação manifestando o seu
descontentamento com o comportamento das torcedoras de todos os times da
capital, principalmente do Fluminense, e sugere uma “campanha da seção
esportiva contra os usos e abusos” e “em prol da moralidade que deve reinar
entre os assistentes de futebol”. No entanto, a configuração da assistência do
jogo de futebol também espelha novas dinâmicas sociais.
Além da possibilidade de desfrute do lazer fora do ambiente do seu lar, o
comparecimento das mulheres, especialmente as solteiras, muda a dinâmica
social da pretensão de um relacionamento. Surge a possibilidade de flerte e
namoro, coma escolha e interação dos indivíduos de sexos diferentes. Há uma
“intolerável corrosão dos costumes” criticadas por intelectuais da época (MALUF
e MOTT, 1998, p. 372). Nos periódicos esportivos, esse contato entre homens e
mulheres nas arquibancadas de futebol é caracterizado de forma positiva e bem-
humorada, quando a moça demonstra desatenção ao flerte. Outro indício desta
caracterização está evidente no trecho “por sabermos que nossa namorada torce
por nós”, da transcrição supracitada, quando o cronista descreve a importância
da torcedora nas arquibancadas de futebol.
Apesar de a crônica ser assinada por Robin, o uso corrente de
pseudônimos e a prática textual de compartilhar o texto por várias pessoas na

68
redação torna impreciso a denominação do autor da matéria. No entanto,
podemos entender como um posicionamento do periódico. Assim, a construção
de uma identidade nacional para o futebol perpassa por um entendimento das
práticas torcedoras e da categorização do termo nas narrativas jornalísticas.
Conforme afirma o cronista denominado Tesoura, no Jornal do Brasil, de 22 de
setembro de 1919, da década de 1910 em diante, “quem não torce, não é
civilizado”.

Torcer, torcer, torcer


É um verbo adjetivo que está nos píncaros da fama.
Quem não torce, não é civilizado. A graça está, porém, no modo variado
de torcer por ambos os sexos de todas as idades. Vejamos como se torce
e as consequencias das torcidelas.
A elegante e sympathica “señorita” J... se torce, por tal modo, que acaba
sentada no collo do primeiro cavalheiro da direita ou da esquerda,
conforme o lado do goal.
A mimosa e gentil D... estava nervosa e attenta para a bola que rolava
em direcção ao seu goal. A crise foi tão forte que ella atacou com um
beliscão um respeitável matrona que estava à sua esquerda. À direita
estava eu que chuchei um puxavante de orelha formidável.
Madame B... respeitabilíssima senhora, conhecida na alta sociedade
como um verdadeiro typo modelar, não pôde fugir ao mal contaminante.
A situação no campo era melindrosa. Ella torcia para que seus patrícios
fizessem o primeiro goal.
Quando Heitor correu com a bola, Madame B... desceu a ponta dos pés
e abriu os braços com tanta rapidez que esmurrou as ventas do marido,
à direita, e de um outro torcedor à esquerda.
A graciosa e gentil N... estava fazendo o seu “lunch”, quando os
jogadores entraram no campo. Tinha em mãos um avantajado sandwich.
No auge da torcida, a graciosa N... arrumou com o dito sandwich nas
faces do Dr. F..., velho professor da F. de...
O abastado negociante M... foi para casa com o espirito tão impregnado
de foot-ball que teve um sonho tão horrível, que o despertar foi alarmante.
Sonhou que estava jogando. Queria fazer um goal e ferrou na bola um
shoot tão forte foi mesmo um toque de rabate. Tinha dado um ponta-pé
na sua cara esposa. Como? Não se sabe...
Enfim, se nós formos contar, por escripto, o grande e variado modo de
torcer no foot-ball, custou convencido de que nem todo papel fabricado
na América do Norte, chegaria para isso.
O que posso garantir é que nunca vi coisa tão divertida como prestar
attenção aos espectadores na hora em que os jogadores conduzem a
bola para o goal. Tudo se desmancha, e todos perdem a noção do tempo,
do local, e, das conveniências sociaes, É uma loucura o tal foot-ball
(TESOURA, O Paiz, 23 de maio de 1919, p. 7).

A comicidade do texto acima se dá com base na distinção dos perfis dos


torcedores e as suas reações durante a partida de futebol. As mulheres,
especificamente, são caracterizadas por madames, mimosas, graciosas e gentil.

69
No entanto, com o aflorar das emoções das partidas de futebol, suas atitudes
são distraídas, violentas e imorais (ao sentar-se no colo de um homem
desconhecido, por exemplo). O próprio texto considera que no futebol as
conveniências sociais são desmanchadas. O conceito de torcer, segundo o
Jornal do Brasil, alcança o auge da sua fama e torna-se sinônimo das reações
emotivas dos indivíduos presentes nos estádios, durante e após o término das
partidas.
A crônica evidencia que a presença de público de ambos os sexos nas
arquibancadas é comum e bem aceita socialmente. A mulher torcedora confere
ao ambiente a distinção social que se pretende abarcar na construção de uma
sociedade moderna no Rio de Janeiro. Com isso, o comportamento das moças
da chamada “boa sociedade” nas partidas de futebol é retratado como um tipo
ideal a ser observado, almejado e replicado no convívio nos espaços públicos
dos eventos esportivos.
Outro traço importante do texto é o uso de expressões anglófonas,
enquanto define-se um “verbo adjetivo” em português. Torcer, consoante o
gestual feminino, principalmente, encontra o seu ápice na narrativa jornalística e
consolida-se como um termo referente a aficionados por futebol e seus
comportamentos. A categoria da mulher torcedora durante a década de 1910,
portanto, pode ser considerada a mãe do torcer em seu mito de origem. Tal qual
o futebol, enquanto prática, reverencia aos pais fundadores do jogo em diversas
localidades, como Oscar Cox, no Rio de Janeiro, e Charles Miller, em São Paulo.
Cabe inferir que a incidência do público feminino coincide com a
popularização do futebol no Rio de Janeiro e no território nacional. Desde as
suas primeiras narrativas, o público nos estádios é um ator do espetáculo tanto
quanto os praticantes. Afinal, torcer é “um verbo adjetivo que está nos píncaros
da fama” como podemos observar na narrativa assinada por Tesoura, publicada
pelo O Paiz, em 1919, que transcrevemos acima.
De acordo com a análise deste capítulo, o futebol é inserido no contexto
brasileiro a partir de um momento de grande efervescência de novos hábitos
esportivos e de costumes sociais. Consolida-se sob o aspecto de um esporte de
elite, oriundo de um país europeu e praticado por membros das elites
econômicas do país. Além disso, atrai também a atenção das moças para a
assistência e a prática do esporte. Com isso, torna-se um evento social notório

70
para moças e rapazes das classes sociais mais elevadas. Os salões dos clubes
e as arquibancadas, durante as partidas, proporcionaram o convívio entre os
indivíduos de sexos opostos, tal qual ocorreu na assistência das competições de
turfe e remo.
Desse modo, o desenvolvimento da participação feminina na sociedade
brasileira, aqui sob o enfoque do Rio de Janeiro, capital da República nesse
período, a partir da sua atuação no ambiente esportivo, principalmente o futebol.
Além do público e seus praticantes, esporte bretão passa a chamar a atenção
de jornalistas, poetas e intelectuais a partir da década de 1910. Por conseguinte,
tantos os modos de prática como as características do torcer começam a ser
narrados com mais frequência nos periódicos da época.
No período de inserção e enraizamento do futebol na sociedade carioca
e, por extensão, brasileira, a presença feminina é enaltecida. A categoria mulher -
torcedora torna-se fundadora do modelo ideal de torcida do período. A narrativa
sobre a participação das mulheres nas arquibancadas é através do olhar
masculino. A voz feminina, apesar de existente, ainda não tem credibilidade
socialmente.
No decurso dos anos seguintes, a presença feminina na sociedade e nos
espaços de lazer é cada vez mais naturalizada. No entanto, sua figura ainda é
edulcorada, considerada um belo adorno do protagonismo das ações
masculinas. Por exemplo, no periódico Vida Sportiva, o concurso de beleza para
saber qual a mais formosa “torcedora” do Fluminense. A beleza, as questões
familiares e matriarcais ainda são parâmetros importantes que balizam a vida
social das mulheres da época. Porém, nesse período observamos as primeiras
lutas das mulheres em busca de mais direitos sociais, tal como o direito ao voto.
Conforme veremos no próximo capítulo, tais mudanças no campo
esportivo e na luta por direitos das mulheres, também no âmbito dos esportes,
reverbera nas narrativas sobre a sua presença nas arquibancadas de futebol. A
despeito da sua naturalização enquanto figura da assistência do espetáculo
esportivo, a validação e a permissão desse ator dos eventos sociais ainda
procedem e são ajuizados sob um olhar censor masculino. Ou seja, a mulher
ainda é limitada na sua atuação à condição de torcida, distanciada dos membros
originários do grupo futebolístico, o que terá consequências nos decênios
seguintes.

71
Capítulo 3

3. Minorias sociais, política e economia: As disputas femininas por diretos


dentro e fora das arquibancadas de futebol (1920 - 1930)

A divisão dos capítulos desta tese não obedece apenas a uma separação
por períodos cronológicos. Ainda que se tente traçar uma linha do tempo com
relação à participação feminina nas arquibancadas de futebol, cada capítulo
representa um momento de disputa por representatividade das mulheres dentro
do esporte, sem que isso implique em um pressuposto evolucionista e, muito
menos, unilinear. Como percebemos no capítulo anterior, entre 1910 e 1920, os
indícios do jornalismo permitem aduzir que a mulher foi uma figura importante
para a introdução e popularização do futebol no Rio de Janeiro.
Mesmo que ainda sob o estigma da vida cotidiana privada, a mulher
começou a ser mais presente na vida externa ao ambiente doméstico, sem ser
confinada apenas às paredes do lar. Entendem-se paredes como estrutura,
física ou imaterial, barreira que limita o espaço privado e coletivo. Inseridas em
espaços públicos e/ou ao ar livre, o papel da mulher é relacionado ao privado,
na condição de esposa, filha, mãe e cuidadora.

Na segunda metade do século XIX e nas primeiras décadas do século


XX as lutas e manifestações esparsas cederam lugar a uma campanha
mais orgânica pelos direitos políticos de votarem e serem votadas. O
movimento sufragista se espalhou pela Europa e pelos Estados Unidos,
construindo a primeira vaga de feminismo organizado no mundo.
No Brasil, da mesma forma, a primeira fase do feminismo teve como foco
a luta das mulheres pelos direitos políticos, mediante a participação
eleitoral, como candidatas e eleitoras (PINTO, 2003, p. 13).

As reivindicações femininas, junto às de outras minorias sociais, não se


limitam ao período entre 1920 e 1930. No entanto, verifica-se a efervescência do
momento para as discussões que atravessam a sociedade brasileira até o
presente momento. Séculos depois, não é raro perceber movimento de gênero,

72
raça, classes sociais, sexualidade etc. em disputa por representatividade e
legitimação do seu espaço nos estádios de futebol, por exemplo.
A partir de 1920, o movimento feminista ganha força no Brasil e no mundo
com as sufragistas. As mulheres passaram a mobilizar e a estruturar
coletivamente a sua luta por direitos iguais aos dos homens. São reivindicações
de melhorias e equidade na educação e no direito ao voto, tal qual a primeira
onda do feminismo internacional. Bertha Lutz e Gilka Machado são expoentes
na representação do movimento das mulheres nesse primeiro grande momento
de lutas.
Como afirma Céli Pinto (2003):

O feminismo daquele período esteve intimamente associado a


personalidades. Mesmo quando apresentou algum grau de organização,
esta deriva do esforço pessoal de alguma mulher que, por sua
excepcionalidade, na maioria das vezes intelectual, rompia com os
papéis para ela estabelecidos e se colocava no mundo público na defesa
de novos direitos para as mulheres (p.14).

Bertha Maria Júlia Lutz (1894 – 1976) exerceu o papel de liderança do


movimento feminista no Brasil com alcance nacional. Sua questão fundamental
é a inclusão da mulher como cidadã portadora de direitos políticos. Zoóloga,
nascida em São Paulo, foi educada na Europa, formou-se pela Sorbonne, na
França, onde teve contato com o movimento das sufragistas e fundadora do
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (MASCARENHAS, 2021).
Outra expoente representante do movimento feminista foi Gilka Machado.
Poetisa, nascida no subúrbio do Rio de Janeiro, foi fundadora do Partido
Republicano Feminino. A criação de um partido, anterior à Federação Brasileira
pelo Progresso Feminino, por indivíduos excluídos do rito eleitoral, demarcou o
posicionamento dessas mulheres em relação ao debate público (PINTO, 2003).
Gilka também é uma figura importante por estar na interseção dos estigmas das
minorias sociais, mulher e afrodescendente (PALMEIRA, 2013).
O movimento feminista desse período é estudado com base no
protagonismo dessas personalidades. No entanto, à maneira da categoria
mulher, ela representa uma pluralidade de personas com características
distintas, as demandas reivindicatórias das mulheres também refletem as

73
interseccionalidades atuantes na vida cotidiana. Glaucia Fraccaro (2018), ao
analisar o feminismo e o trabalho no Brasil, afirma que a luta das mulheres
operárias era baseada em melhores condições de trabalho, contra a violência
sofrida nas fábricas e igualdade salarial.

As “feministas de classe média relutavam em cruzar a fronteira de classe”


e essa seria a razão que explicava por que “as operárias tinham poucos
motivos para aderir ao movimento feminista” (Besse, 1999:194-196). No
entanto, a eleição de marcos históricos feministas, como a fundação da
FBPF [Federação Brasileira pelo Progresso Feminino], calcados na
experiência de uma determinada classe, qual seja a de Bertha Lutz,
conduziu a contradição numa linha reta e sem desvios. A depender das
greves e mobilizações entre os anos 1917 e 1920 e ainda daquelas dos
anos 1930 que, não sem conflitos e com grande participação de
mulheres, denunciaram abusos, reivindicaram licença-maternidade e
“trabalho igual, salário igual” pode-se afirmar que o tema da igualdade
entre homens e mulheres esteve mais presente na disputa da classe
trabalhadora do que nos primeiros anos da federação feminista
(FRACCARO, 2018, p. 77).

O período é marcado pela inquietação dos movimentos organizados pela


melhoria das condições femininas na sociedade. As questões de trabalho,
direitos civis e maternidade pautaram as discussões e as reivindicações
femininas. Há uma clara diferenciação entre o movimento das mulheres de elite
e as de classe trabalhadora. Entretanto, ambos colocam a personagem feminina
como uma alteridade subjugada à figura masculina dominante. A mulher está em
oposição ao homem, de pele clara, pertencente à elite econômica e social.
O período em questão é timbrado pelo pós-abolicionismo relativamente
recente. Portanto, questões e determinismos raciais passaram a incorporar as
discussões sociais gradativamente. Seja pelo destaque de personalidades
negras ou pelo movimento eugênico brasileiro, que supunha um “melhoramento
da raça” para a construção de uma identidade nacional (GERMINATTI e SOUZA,
2022).
O futebol não é um universo isolado da sociedade a que pertence. As
discussões ocorridas na sociedade ecoavam e se expressavam, conquanto sem
uma relação mecânica de causa e efeito, no universo do campo e das
arquibancadas dos clubes, constituindo uma via de mão dupla. O debate sobre
as condições para a estruturação do trabalho dos jogadores de futebol e as
questões de raça são encontradas nas narrativas esportivas.

74
As condições físicas e o treinamento corporal passam a ganhar
importância frente a classe social e/ou raça dos jogadores. Segundo afirma João
Malaia (2008), o mais importante era ter mais vitórias em campo para manter o
público e a renda gerada. O futebol rapidamente tornou-se protagonista entre os
esportes praticados e, não raro, a sua receita era fonte para a manutenção das
demais modalidades em uma agremiação esportiva.

Cultura physica e sport


II
Já de outra feita analysamos a diferença existente entre cultura
physica e sport e chegamos a conclusão de que no Brasil o sport é
praticado exageradamente, e a cultura physica quase não o é.
Vejamos agora o modo por que a pratica do sport é levada a efeito.
O FOOTBALL
Não é necessário discutir, pois, a primeira affirmativa, todos
indiscutivelmente concordarão que o football é o sport mais praticado no
Brasil.
Infiltrando-se a principio vagarosamente, a seguir mais
apressadamente e por fim avassaladoramente, o football atingiu
aspecto epidemiológico, determinando quase que a morte dos demais
sports então praticados, e creando terreno arido aos que procuravam
florescer.
Já houve um escritor que assignalou com uma phrase sugestiva
essa epidemia: “Outrora as igrejas denunciavam a presença de visa
humana, hoje denunciam-na duas balisas de football”.
O football tem todas as qualidades que pode ter uma
modalidade de sport, excepto uma: a concernente a cordialidade
que deve reinar entre os adversários.
Mas, como cultura physica o football só o é em relação as pernas,
atrofiando geralmente o thorax.
O modo por que é ele praticado aberra de todas as regras de
hygiene.
O jogador de football aparece no club para treinar, como
geralmente se diz, no máximo duas vezes por semana.
Treinar sem tempo certo, que varia e muito. Às vezes, passa do
prazo exigido durante o jogo, em outras nem chega a elle.
Ninguem é submetido a exame medico para que este affirme a
possibilidade de pratica de tão violento exercício.
É só aparecer e ensaiar. Se tem jeito, pode ter a lesão que tiver
no organismo porque assim mesmo continuará jogando.
Até doente os players dos nossos clubs são forçados a jogar. Se
não jogarem estão sujeitos a perder o seu logar no team, e perdendo
esse logar deixam de ser semi deuses.
A saúde pouco vale; o football, o delírio da multidão que o
aplaude, a victoria do seu club, o ser apontado na rua como
footballer, isto é que tem valor.
Se um ou outro teme pela saúde é insultado pela torcida e mal
visto no club. [...] (OP, 1930, p. 7. Grifo nosso).

75
O trecho retirado do periódico O Paiz, publicado em 17 de janeiro de 1930,
mostra a primazia do futebol adquirida no âmbito desportivo. Ademais,
percebemos de que maneira os jogadores, apesar de não profissionais
oficialmente, eram cobrados para ter dedicação ao clube e acumular vitórias. A
rivalidade entre os times, seus jogadores e torcedores já estava presente na
narrativa. A saúde é menos importante que o futebol e esse aspecto é
especialmente validado pela torcida. Torcedores, homens e mulheres ganham o
aspecto de fiscalizadores e cobradores do desempenho esportivos do empenho
dos atletas em campo. Decerto, essa cobrança é estimulada pelos apelos
econômicos que o futebol começa a ter no período.
João Malaia (2008) postula que as mudanças econômicas do país
também são encontradas no futebol: “é uma janela para o entendimento de um
dos períodos mais ricos da história contemporânea do Brasil” (p.130). Donde se
conclui que as mudanças econômicas e sociais podem ser observadas pela lente
do futebol. Esse movimento pendular de modificações e continuidades nos
aspectos culturais do Brasil também encontra correspondência no meio
esportivo, impactando na proximidade e nos distanciamentos de grupos sociais
das arquibancadas de determinados times.
As mudanças nos times principais ocasionaram alterações nas torcidas,
uma vez que a identificação entre os pares é fundamental para a relação
torcedores-clube. Assim, a frequência das mulheres nas arquibancadas também
é impactada pelos aspectos econômicos que se infiltram no futebol nesse
período. Ao deixar de representar o ideal europeu de lazer da elite e ao passar
a constituir uma parte significativa da economia do clube, o futebol sofre
modificações na performance dentro de campo que reverberam nas narrativas
sobre a participação feminina nos modos de torcer.
É frequente encontrar, nas narrativas esportivas, episódios de
reclamações exacerbadas, rivalidades acaloradas, discussões e “sururus”
(brigas) envolvendo o público presente nas arquibancadas. Esse aspecto da
agressividade ocasiona a rivalidade e aumenta a competitividade interclubista,
que tem como pano de fundo o desenvolvimento econômico-financeiro do
futebol, com desdobramentos diretos no início de uma mudança narrativa sobre
a cultura do torcer futebolístico.

76
3.1. Há menos mademoiselles nas arquibancadas? A inserção de negros e
mestiços nos gramados de futebol e a presença feminina nos estádios

O período de 1920 e 1930 foi marcado na história do futebol brasileiro pela


efervescência das disputas e discussões sobre a inserção de negros e mestiços
nos principais times de futebol da liga carioca. Essa importante mudança dos
extratos atuantes dentro de campo é baseada em fatores sociais e econômicos.
As questões ocorridas no futebol também se manifestam em outras esferas da
sociedade.
Nessa época, cidades como Rio de Janeiro foram o destino de migrantes
nacionais e internacionais. O processo abolicionista acarretou de igual maneira
o adensamento da população das cidades urbanizadas, sem o correspondente
aumento das ofertas de emprego e moradia. Tais características aumentaram o
contraste social nos grandes centros metropolitanos.

O temor social, que nas épocas anteriores à Abolição provinha da figura


dos escravos, em suas rebeldias domésticas, suas revoltas coletivas e
ligações pontuais com a plebe urbana, espraiava-se agora na direção de
figuras multifacetadas de diferentes etnias e composições de mestiçagem
que iam do branco estrangeiro ou nacional pobre, passando pelo mulato
e chegando ao negro retinto, localizados indistintamente nas moradias
coletivas e nos cortiços, nas áreas insalubres da cidade, invadindo
cotidianamente as ruas, os mercados, e as praças públicas
(WISSENBACH, 1998, p. 1131)

Conforme afirma Wissenbach (1998), a maior incidência de negros e


mestiços nos espaços urbanizados caracterizou um temor na sociedade. Afinal,
contrastava com o ideal de modernidade civilizatória em referência aos moldes
europeus. Não por coincidência, os cortiços e morros da cidade do Rio de
Janeiros foram os maiores afetados nas reformas urbanas promovida por Pereira
Passos nos anos anteriores. As intervenções urbanísticas provocaram em 1922,
ano do centenário da Independência, o desmantelamento de espaços
tradicionais, com a derrubada do Morro do Castelo e um novo movimento
arquitetônico que se implantava, com o francófono Plano Agache.

77
A população negra enfrentou a falta de empregos e sofreu dificuldades de
inserção na economia capitalista. A abolição, recém assinada, não representou
a humanização e a real conquista de direitos civis e sociais. Pereira e Azevedo
sublinham que “na verdade reforçou e remodelou as opressões e dominações
sociais sobre os negros” (2021, p.173). Ou seja, os negros eram excluídos de
forma sistêmica, fruto de um “racismo estrutural”, para falar com Sílvio Almeida
(2019), de uma vida social e economicamente ativa. A população negra, dentro
da estrutura de hierarquia social, é qualificada como estranha em comparação
ao ideal dominante.
Nessa pirâmide das hierarquias de poder, a mulher também é observada
como a estrangeira dentro do grupo dominante. Sua identidade é forjada por
meio de diversas estruturas de dominação que se sobrepõem ao indivíduo. O
homem negro também é um estrangeiro que carece de adaptação ao ambiente.
Em consequência, a mulher negra sofre uma dupla categorização dentro da
dinâmica do grupo social. Quanto maior as forças de opressão compelem o
indivíduo, mais distante, mais estranho se torna ao grupo socialmente intitulado
como natural ao ambiente. Torna-se cada vez mais distante do ideal dominante
daquele espaço social.
Em suas origens, o futebol era um dos esportes que representava esse
ideal civilizatório europeu praticado por membros da elite econômica, política e
social do Rio de Janeiro. O esporte deveria ser praticado apenas para o
aprimoramento da raça em seu momento de lazer ou prática de atividade física,
por exemplo (MALAIA, 2008). Não caberia, portanto, a inserção de indivíduos de
raças e classes sociais diferentes e o ganho de capital para a sua prática.

Sendo assim, quando o futebol assume posição central nesses clubes


esportivos, inclusive com a formação de “Football Clubs”, sua prática
ainda não estava associada à lógica econômica e comercial, mas sim à
lógica de simbolismos social do “status”, da modernidade e da
superioridade (PEREIRA e AZEVEDO, 2021, p. 177 - 178).

Outrossim, o futebol deveria manter-se amador, sem a profissionalização


de jogadores, dirigentes, técnicos e outros atores do esporte. Em contraponto,
com o seu crescimento no Brasil, o futebol tornou-se um produto altamente
rentável para os clubes. A arrecadação com os ingressos para as partidas, por

78
vezes, representava o mecanismo rentável para a manutenção dos espaços dos
clubes e dos demais esportes praticados (MALAIA, 2008).
Para anunciar a partida entre Botafogo x Cantuaria, pelo campeonato da
Liga Brasileira de Desportos, o Jornal do Brasil publicou em 1925 que:

[...] A torcida feminina que os dois clubes possuem de um modo invejável


e em número elevado comparecerá em peso para aplaudir os lances
desta grande partida que é difícil de um prognostico tal o valor dos
quadros combatentes [...] (p. 17. Grifo nosso.).

A certeza do número elevado de torcedoras presentes na partida


anunciada é em consequência do “valor dos combatentes”. Ou seja, o evento
concentraria um grande número de jogadores habilidosos que produziriam um
jogo com grandes lances em busca de uma vitória imprevisível. Esta valorização
do jogador em campo faz surgir os primeiros passos para a superação do etos
amadorista em prol do profissionalismo futebolístico.
No primeiro momento, com os impedimentos por parte das organizações
dos campeonatos, surge o chamado amadorismo marrom. Os jogadores,
recrutados em clubes de menor expressão recebiam premiações em dinheiro
para jogar e treinar. Esse prêmio é conhecido comumente como o “bicho”
(MALAIA, 2008).

Na década de 1920, se tornou normal a “contratação” de jogadores, ainda


em um período em que o futebol não era profissional, os jogadores
passaram a receber ofertas financeiras, fosse por meio do “bicho”
(recompensas financeiras oferecidas posteriormente às vitórias), prática
existente até hoje, porém muito ligada à conquista de títulos, ou pelo
emprego nas casas comerciais dos sócios, em bancos, usinas no
comércio em geral, como forma de gratificação salarial. Esses atletas
recebiam regalias, como dispensa de horários rígidos, para que
pudessem se empenhar nos treinamentos diários (PEREIRA e
AZEVEDO, 2021, p. 185).

A profissionalização do futebol é decretada em 1933, mas o tema


permanece em litígio até 1937 pelo menos. A mudança no perfil dos jogadores
de futebol guarda relações – ou “afinidades eletivas”, para empregar um conceito
de Max Weber – na identificação dos torcedores com os clubes. A modificação

79
da configuração torcedora é mais visível nas diferenciações dos espaços nas
arquibancadas de futebol. Pretendia-se atrair os espectadores ricos para as
partidas de futebol. Nesse período, as estruturas para os frequentadores
ganham maior similaridade com os espaços já consolidados no remo, por
exemplo. Há o local reservado para membros da elite (tribunas e cadeiras
sociais) e espaços mais populares (arquibancadas e gerais), diferenciados no
valor dos ingressos e, por vezes, no conforto dos ambientes.
A narrativa sobre esses espaços torcedores é afetada pelas modificações
da configuração e da escala dos times de futebol. Conforme observamos no
capítulo anterior, o ideal de torcer é construído a partir de uma variante feminina.
Mesmo estas sendo constantemente invalidadas como personagens ativas do
espetáculo esportivo e utilizadas como figura para embelezamento para os
olhares masculinos. Porquanto ainda vista como estrangeira, a mulher torcedora
tem maiores pontos de aproximação com o grupo tradicional do ambiente
esportivo.
Observa-se uma gradual transformação nos significados dos termos
torcida. Antes, designava uma pessoa que acompanha e tinha devoção a um
determinado clube. O torcida ou A torcida era um termo no singular e com
frequência referenciava as moças presentes nas arquibancadas de futebol. Entre
1920 e 1930, podemos verificar nas narrativas esportivas a associação do termo
torcida com o aglomerado de pessoas. Ou seja, torcida passa a representar um
termo que identifica um grupo de adoradores do esporte sem a sua identificação
de gênero. Todavia, não é raro perceber que a narrativa dá conta da presença
masculina nos estádios, pois, para distinguir a presença de mulheres, o termo
ganha a adição de adjetivos como “feminina”.
Ao descrever a partida entre Andarahy e São Cristóvão, o periódico O
Paiz publicou:

[...] O aspecto do local era festivo. Entramos. Nunca vimos tantas


moças em um campo de foot-ball. E o interessante é que a cor verde
nos vestuários femininos era a preferida constituindo assim as
arquibancadas, uma deliciosa continuação do gramado e um símbolo
gracioso de esperança no triunfo andarahyense.
Quase que totalmente cheias, as arquibancadas, deixavam
patentear, logo à primeira vista, a alegria mesclada de ansiedade de que
se achavam possuídas as centenas de adeptos que ali se comprimiam.

80
Atravessamos o pátio fronteiro até o canto direito onde se acha
localizado o recinto destinado à imprensa. Recinto acanhado e contendo
quatro cadeiras para dez ou doze representantes de jornais.
O jogo secundário transcorria mais ou menos equilibrado. Dois a
dois era o score que marcava o placar. Informamo-nos com os colegas
sobre os marcadores de tentos. O sanchristovense Ramiro havia feito os
do seu bando, ao passo que, do Andarahy, era autor o player Paschoal.
Mas o Andarahy estava no ataque. Perigava o gol
sanchristovense que Durval defendia como um leão...
A torcida feminina exultava. Os seus gritinhos nervosos, os
comentários rápidos, as suas frases de encorajamento foram-nos, a
pouco e pouco, tirando a atenção ao jogo, para observal-as. Aqui era
uma lourinha endiabrada, contrastando berrantemente com quatro
trefegas morenas que a acompanhavam, a mastigar nervosamente
pastilhas “chicklets”. Mais adiante duas morenas de cor jambo, de
narizes petulantes como a apontarem a direção oposta à da
felicidade... Acolá dois chapeuzinhos vermelhos quase que ocultos dos
malévolos olhadores dos lobos, ao lado de uma criaturinha esguia, de
olhares languidos e maças excessivamente besuntadas de vermelho...
A “torcida” era louca e ensurdecedora. Tinhamos a impressão
de estarmos em plena floresta ao amanhecer em que aves de todas as
qualidades davam arrahs à alegria da alvorada...
É que Jorge, Cid Borges e Gentil conquistavam, cada um, um
ponto para o Andarahy, sob os mais entusiásticos aplausos daquela
graciosa e garrula falange de torcedoras [...] (O Paiz, 1927, p. 8. Grifo
nosso.).

O trecho acima transcrito evidencia a mudança nas dimensões do torcer.


O vocativo torcida é acompanhado do qualificativo “feminina” para identificar a
performance das mulheres presentes. Há um incremento de mulheres nas
arquibancadas de futebol e a incidência de mulheres com a cor de pele não
branca. Afora isso, o comportamento das torcedoras relatadas é mais ativo e
participativo, mais incisivo e enérgico. O narrador a descreve como “louca” e
“ensurdecedora”, tal qual o comportamento das aves no alvorecer.
Outrossim, a torcedora presente nas arquibancadas de futebol passa a
representar não somente as mulheres de elite. Há uma ampliação e
diversificação de classe e raça no espaço do torcer. Com efeito, o
comportamento das mulheres torcedoras também é descrito de modo a enfatizar
aspectos para além do ideal torcedor. A narrativa do O Paiz, por exemplo,
identifica a torcedora pelos designativos de inquieta, tagarela, louca e
endiabrada capaz de desconcentrar os profissionais que estavam ali para assistir
ao jogo como representantes da imprensa.

81
Pouco a pouco, dentro das narrativas esportivas, a caracterização do
padrão de assistir a uma partida vai-se desconectando das originárias
características femininas. Os gritos das torcedoras presentes são qualificados
como “gritinhos nervosos”. Apesar de graciosa, a torcida das mulheres é ruidosa
a ponto de roubar a atenção dos demais em relação ao jogo. Há uma valência
negativa nas expressões usadas para descrever a performance feminina nas
arquibancadas de futebol. Apesar de graciosas e da beleza física exaltada, o
comportamento causa estranheza e certo incômodo no público presente
relatado.
Portanto, a presença feminina nos estádios não diminuiu com a mudança
nos aspectos do jogo nem com a transição do amadorismo ao profissionalismo.
Há uma modificação na estruturação das torcidas com maior diversidade de
classe e raça entre as mulheres presentes. O Vasco da Gama, por exemplo,
passou a recrutar vários jogadores dos subúrbios do Rio de Janeiro, o que
culminou na proibição da participação no Campeonato e na resposta de seus
dirigentes, posição atualmente conhecida na sua torcida como Resposta
Histórica. Para João Malaia:

Mudou o aspecto do seu time principal e da sua própria torcida, uma vez
que os torcedores de mais baixa renda se identificavam com os jogadores
do Vasco, nada parecidos com os meninos da elite que compunham os
times grandes como Fluminense, Flamengo, América e Botafogo
(MALAIA, 2008, p. 129).

Com o processo de profissionalização e inserção de negros e mestiços


nos times de futebol, o futebol deixa de modo paulatino de representar o ideal
europeu de aprimoramento eugênico da raça. A modalidade perde o caráter de
prática da elite com o intuito de lazer e entretenimento esportivo. Em igual
proporção, também deveria ser apenas apreciada in loco pelas moças
pertencentes à elite da sociedade. Na esteira do profissionalismo, o ambiente
futebolístico deixou de simbolizar um espaço para sociabilidade da apresentação
das mulheres para alta sociedade.
A narrativa sobre os modos do torcer começa a enfatizar aspectos
masculinizantes. Ocorre um aumento das narrativas sobre os homens
torcedores, a rivalidade entre times e suas respectivas torcidas, os atos de

82
desordem em consequência dos ânimos exaltados nos momentos das partidas,
as invasões de campo, os “sururus" nas arquibancadas, etc. Em contraponto, a
participação feminina é observada como um fato extraordinária no ambiente.

Figura 10: Presença de mulheres na torcida do Flamengo na partida contra o


Fluminense (VS, 1920, p. 14)

Pode-se concluir que não há uma diminuição na presença das mulheres


nos eventos futebolísticos. Há uma diversificação dos indivíduos presentes nas
torcidas e consequentemente o espaço deixa de ser um ambiente ideal para a
frequência das mulheres de elite. Por consequência, as narrativas que exaltavam
a participação feminina nas arquibancadas, colocando-as como figura central do
modo de torcer, abre espaço para os aspectos masculinos que se contrapõe a
presença das mulheres no futebol. A partir desse período, entendemos que a
construção da torcedora como estrangeira no ambiente futebolístico ganha maior
expressão nos periódicos.

83
3.2. Os sururus esportivos: a violência como marcador de masculinidade

Outro aspecto importante do modo torcedor começa a ganhar maior


notoriedade nas narrativas esportivas sobre o futebol. Assim como o
desenvolvimento do capitalismo e do profissionalismo relaciona-se à entrada de
negros, mestiços e brancos pobres nos times da principal liga carioca, o aumento
das rivalidades entre atletas e torcedores se estabelece. Esse acirramento dos
ânimos torcedores constantemente resultava em xingamentos, brigas e
“sururus”, conforme a nomenclatura dos jornais.

As partidas de futebol ganhando cada vez mais importância no meio


social, geraram “brincadeiras”, que vezes se travestiam de humilhações
ao derrotados após as partidas, o que influenciava o comportamento já
citado de alguns jogadores que se sentiam “menos brancos” nos times,
buscando, além de naturalização no ambiente, fugir de situações em que
se sentiriam desconfortáveis. Isso aumentou também a competitividade
das partidas. Todos buscavam fugir das humilhações, e a vitória em
campo era a melhor forma de espantá-la (PEREIRA e AZEVEDO, 2021,
p. 182).

A competitividade não se refletia apenas dentro dos gramados de futebol.


As torcidas também compartilhavam as relações jocosas e as provocações, num
limite tênue entre as brincadeiras e as humilhações dos adversários. Além disso,
a torcida também se torna mais exigente, com a crítica à manifestação da
insatisfação, quando o desempenho dos seus representantes em campo não
correspondia. É comum perceber a participação dos torcedores nos periódicos
esportivos indagando os jogadores de seu time em busca de uma melhor
performance em campo. Não somente os jogadores sofrem com as cobranças
dos frequentadores das partidas de futebol. O Jornal do Brasil, em 1927, ao
retratar a partida entre América e Fluminense, descreve que a torcida do América
se revoltou contra o juiz da partida.

84
Figura 11: Anúncio da partida entre América x
Fluminense rememorando a revolta dos torcedores
(JB, 1927, p. 18)

Essa propriedade do torcer via de regra é narrada pelo viés da


coletividade anônima, sem mencionar especificamente a presença das mulheres
nos atos de violência, ou pela marca da suposta onipresença masculina no relato
jornalístico. É rara a atribuição das desordens a mulheres partícipes das
arquibancadas de futebol. Tais atos são sempre registrados pela valência
negativa, em repressão ao comportamento exacerbado dos envolvidos e ao
descontrole das massas futebolísticas. Podemos perceber isso no trecho acima,
quando os revoltados torcedores são tratados como incoerentes, haja vista que
o juiz da partida é “um sportman distinto e um arbitro imparcial”.

A torcida
A torcida é necessária para o entusiasmo e encorajamento dos nossos
players favoritos, porém deveis evitar que ela se transforme em insultos,
em discussões e rixas pessoais, pois isso concorre grandemente para
depor contra vós e contra o clube a que pertencerdes, o qual deverá ser
respeitado, honrado e enobrecido, e o não conseguireis senão
procedendo corretamente e com a devida compostura.
Obrigai os vossos companheiros de torcida a não exagerarem, assim
como aos vossos vizinhos de arquibancada. Todos deverão proceder
com correção. Odilon Penteado (Vida Sportiva, 1920, p.10. Grifo nosso.).

85
Como podemos analisar no apelo de Odilon Penteado para o periódico
Vida Sportiva, práticas de xingamentos, discussões e rixas são relacionadas aos
homens presentes na arquibancada de futebol. O texto demonstra a
preocupação com a reputação da torcida e dos clubes em questão. A sugestão
é para haver um controle dos companheiros e vizinhos de arquibancada. Por
mais que a língua portuguesa preconize a utilização do masculino quando se
refere a homens e mulheres, o texto não sugere a atuação de mulheres nos atos
de insulto.
O aumento da rivalidade e da violência no torcer, ao ser caracterizado
como um elemento masculino e masculinizante das arquibancadas, corrobora a
ideia indiciária feminina como um marcador de docilidade e familiaridade do
ambiente esportivo. Ou seja, esses “sururus” e insultos são opostos ao etos
feminino de torcer.
Malgrado os avanços na participação feminina na sociedade, ainda
encontramos fortemente a discussão sobre o seu papel social. Tanto as
reivindicações de melhores condições de trabalho, igualdade salarial, voto e
maior participação civil são limitadas pelo atributo de cuidadora e mantenedora
do lar e da família. Assim, a figura feminina é ligada à ternura e à delicadeza,
mesmo quando impulsionadas pelas emoções das partidas de futebol.

Um match de football na 1ª divisão


Ninguém mais pode presenciar um jogo de football sem muito se arriscar;
Antes do lance tudo pega fogo entre contendas de atemorizar.
Procurando logar em desafogo o povaréu oscila em preamar, ouve-se um
grito aqui, além um rogo... E a torcida começa a reclamar.
No campo a coisa é negra e tenebrosa. O juiz, sob uma vaia estrepitosa
suspende o jogo e novamente o enceta.
Por fim, apita e põe termo à disputa, mas nas bancadas recomeça a luta:
Gritos, taponas, socos... e etc. Neptuno (VS, 1920, p. 29).

O relato publicado pelo periódico Vida Sportiva alerta para o perigo de


frequentar um jogo de futebol e acabar sendo envolvido em alguma briga. Os
ânimos oscilam de acordo com o andamento da partida e culminam com a
interrupção e o fim da partida pelo juiz. No entanto, o término do jogo em campo

86
não resulta na volta à calma tampouco à resignação de seus torcedores. As
brigas retomam com gritos, quiproquós e socos. A ambiência descrita em nada
se assemelha ao ideal de mansidão e fraternidade que a presença feminina
supostamente conferiria aos espaços. As arquibancadas de futebol tornam-se
espaços de ebulição, onde a frequência é arriscada.
No entanto, a rivalidade entre torcedores não é um aspecto
exclusivamente masculino. Mesmo que a assiduidade das mulheres nas partidas
de futebol venha sofrendo um apagamento nas narrativas esportivas, o seu
envolvimento com o esporte pode ser observado em outras situações. Nestas
verifica-se uma rivalidade marcadamente agressiva. Conforme podemos
analisar nas respostas da Mlle. Eternamente rubro negra ao questionário do Vida
Sportiva.

Figura 12: A rivalidade da torcedora do Flamengo (Vida Sportiva,


1920, p. 10)

A torcedora do rubro-negro carioca demonstra a sua rivalidade com


relação a torcedores de outros clubes de forma hostil. O que mais detesta é a
torcida contrária e seu maior defeito é não suportar insultos provenientes de
outra torcida. Podemos, então, refletir que a docilidade exaltada e atribuída à
feminilidade dos anos 1920 e 1930 não é uma característica una das mulheres
e nem coesa das torcedoras. Elas também são capazes de praticar humilhações,
insultos e até mesmo envolver-se em brigas nas praças desportivas.

87
Contudo, essa característica é apontada exclusiva e inerente à virilidade
masculina nas arquibancadas de futebol e um aspecto plausível para o
distanciamento das mulheres do ideal torcedor. Isso ocorre na proporção em que
o aumento da competitividade dos times reflete nas rivalidades e na
agressividade das demonstrações de discordância no torcer.
Podemos concluir que o marcador distintivo de masculinidade viril
hegemônica começa a ser acionado nas narrativas esportivas sobre os atos de
rixas protagonizados pelos torcedores daqueles decênios. Por mais que a
presença e a proximidade das mulheres no esporte continuem efetivas, o seu
papel e lugar social prescreve a condição de mãe, cuidadora, apaziguadora e
sustentação do lar. Ela se contrapõe, pois, ao ambiente esportivo narrado pelos
periódicos.
Essa caracterização feminina realça a centralidade e a salvaguarda da
família nuclear. Sua condição de cuidadora e progenitora do lar permanece como
um pilar social e, ato contínuo, um fenômeno importante ressaltado pela
cobertura da imprensa de esportes nas décadas seguintes. Vamos observar, no
período entre 1940 e 1950, em que medida esse foi um fato determinante para
a proibição da prática esportiva de algumas modalidades, inclusive no futebol.
Esse ato institucional de interdição afetará, como veremos a seguir, diretamente
a representação feminina em suas práticas torcedoras.

88
Capítulo 4

4. O futebol é o esporte da nação? A construção da identidade nacional e


a invisibilidade feminina (1940 – 1950)

No capítulo anterior, observamos que a não visibilidade das mulheres nas


narrativas esportiva começa a se fazer presente. É deixado o caráter feminino
do ideal de torcida. Passamos a observar gradativamente o aumento de
referências a performances masculinas como características do torcer. Tanto
pelo aumento da competitividade, advinda pelo processo de profissionalização
cada vez mais latente, quanto pela diversificação dos perfis de frequentadores
de estádio. Classes sociais, não pertencentes à elite econômica e social, passam
a se identificar com os clubes e seus jogadores.
Para compreender as dinâmicas ocorridas a partir da década de 1940, é
preciso olhar para os anos anteriores. Com a Revolução de 1930, Getúlio Vargas
assume a presidência do Brasil. O Estado torna-se mais presente na vida do país
e orientado para a consolidação de uma identidade nacional como estratégia de
consolidação do poder, através do esporte, da valorização do trabalho e da
utilização de elementos culturais ligados à camada mais popular (FERNANDEZ,
2016). Como afirma Renato Lanna, “nesse modelo o esporte continuou a ser um
espaço essencial na consolidação da nacionalidade” (2016, p.357-358).
A Era Vargas (1930 a 1945), nas suas três fases de governo – Provisório
(1930 – 1934), Constituinte (1934 – 1937) e Estado Novo (1937 – 1945) -
contribuiu significativa para o agigantamento das torcidas e para a construção
de uma identidade nacional pautada pelo futebol e pelo samba, principalmente.
Além disso, Getúlio Vargas, popularmente conhecido como “pai dos pobres”,
também utiliza a pauta do trabalho como valorização do cidadão brasileiro. Em
1934, é criada a primeira lei trabalhista, um ano após a consolidação da
profissionalização do futebol no Brasil.

89
O processo de profissionalização foi facilitado pelo contexto da Era
Vargas de reconhecimento do trabalho como um valor positivo e do
enfraquecimento dos clubes de futebol, com a saída de seus principais
jogadores para os mercados que praticavam o profissionalismo. Em um
período que a legislação trabalhista ganhava força e o trabalhador
assumiu o papel de cidadão, a questão do profissionalismo no futebol,
tornou-se um debate natural. A profissionalização do jogador de futebol
adaptava-se perfeitamente à ordem varguista (FERNANDEZ, 2016, p.
361 – 362).

Outro aspecto da forte influência do Estado na vida cotidiana é o controle


a partir da moral, dos bons costumes e da natureza dos corpos. Com isso, a
partir de 1940, há uma forte campanha para a não prática de futebol por parte
das mulheres. Essa diferenciação sexual do papel social culmina, em 1941, na
proibição da pratica de determinadas modalidades esportivas pelo Decreto-Lei
nº 3.199.
No artigo 54, o decreto não explicita quais esportes deveriam ou não ser
praticados por mulheres. Apenas determina que a proibição da prática de
desportos “incompatíveis com as condições de sua natureza” (BRASIL, 1941).
Ficou a cargo do Conselho Nacional de Desportos deliberar sobre quais
modalidades estariam permitidas. Tal determinação só foi publicada em 1965 e
listava o futebol como um dos esportes proibidos para as mulheres brasileiras.
“Os esportes recomendados, dentre outros, eram o tênis, o voleibol, o críquete,
a natação e o ciclismo, todos eles ligados à elite, ao contrário do futebol”, como
afirma Cecília Nunes (2022).
Nas narrativas jornalísticas, a partir das décadas de 1930 e 1940, o futebol
já ganhava contornos de um esporte de intensa disputa, virilidade e violência .
Não era compatível com o papel esperado para as mulheres como cuidadoras,
dóceis, delicadas e capazes de gerar filhos. Ou seja, o papel social das mulheres
era restrito ao lar até mesmo por força de lei. Importante ressaltar que lar não se
restringe ao espaço físico, mas às limitações da sociabilidade feminina.

NUM ANTIPLANO
O gosto nacional pelo football vai num crescendo aterrorizante,
ameaçando empolgar as classes mais adversas a pratica deste esporte
que é irmão de sangue e de espírito do box e da luta romana, duas
das mais selvagens expressões da força bruta primitiva.
Não queremos em absoluto falar aqui do acentuado pendor dos
nossos rapazes por este jogo que os ingleses inventaram, mais para ser

90
disputado em regiões frias – como coadjuvante do desenvolvimento físico
da juventude – do que mesmo em países tórridos como o nosso onde
não são necessários estes movimentos violentos para que a mocidade
se desenvolva galharda, sadia, robusta.
Queremos fazer menção a esse triste torneio de football em que
duas equipes de mulheres se empenharam, há dias, nos subúrbios,
porfiando por levar ao triunfo as cores de seus clubes favoritos.
A hora marcada, lá estavam elas de shooteiras e camisa de meia,
sob um sol de 40 à sombra, à espera do primeira puto para avançar. A
juíza – uma matrona entendida do riscado – não tardou a pôr em linha as
amadoras, e o espetáculo começou. Não havia entre elas a menor
disciplina, a mais leve harmonia, no tocante aos passes. Corriam
para aqui e para ali a dar caneladas, trancos, calça-pés, afogueadas,
ansiosas, agressivas, bulhentas, desejosas todas de encontrar no campo
inimigo e marcar o primeiro goal.
A assistência divertia-se a mais não poder. A torcida era quase
toda do sexo forte. Uns mastigavam em seco. Outros davam murros na
arquibancada. Outros ainda berravam como doidos. As mulheres eram
mais calmas. Uma ou outra de vez em quando soltava um grito.
Despeito. Mulher quase nunca elogia mulher. Até o silêncio – elas que
tanto gostam de falar – é arma contra o inimigo. Caladas, se vingavam
dos aplausos que as outras recebiam dos brutos, isto é, dos
homens.
Quando a pugna terminou havia mais mortos do que vivos dentro
do campo de football.
As jogadoras estavam exaustas. As vencidas, irritadas. As
vencedoras, arriadas sob o peso da gloria e do cansaço prolongado.
Uma coisa verdadeiramente deprimente o tal encontro suburbano
que só veio depor contra os nossos foros de civilização mandando que
gentis patrícias nossas fossem até a insensatez de dar pontapé numa
bola.
À mulher, pela sua delicadeza e sua graça, assistem outros
meios e modos de competir com o homem sem descer a certas
situações que não são próprias do seu sexo.
O lar é um campo de horizontes ilimitados. Dentro dele,
afeitas aos seus labores domésticos, aos seus filhos, ao seu
esposo, ou dedicada aos pais, aos irmãos, aos estudos e às leituras
sãs, pode ela cumprir o seu destino, aformoseando a terra com a
sua presença e iluminando o mundo com as suas virtudes, num
altiplano que fique muito distante do football e de outras coisas que só
podem amesquinhar o nosso espírito de gente culta! Joaquim Tomaz (O
PAIZ, 1940, p. 6. Grifo nosso).

A longa transcrição da reportagem sobre um torneio de futebol praticado


por mulheres no subúrbio, publicada pelo jornal O Paiz e assinada por Joaquim
Tomaz, apresenta indícios de como a prática e a presença feminina no futebol
são retratadas negativamente. Tanto as jogadoras em campo quanto as
torcedoras nas arquibancadas são criticadas por suas atuações durante o
evento. O autor deixa explícito que o papel da mulher é circunscrito ao ambiente

91
doméstico. O futebol é inapropriado ao sexo feminino até por representar uma
modalidade fundamentado na força bruta e com adeptos das mais variadas
classes sociais.
Além disso, a descrição do ser feminino é pautada por conceitos pré-
concebidos de uma disputa feminina pela atenção dos homens presentes. Para
o autor, as mulheres nas arquibancadas sentem inveja dos aplausos dos homens
torcedores. A rivalidade feminina não está ligada à partida de futebol e ao desejo
de vencer. Alinhado ao controle do Estado sobre os corpos e construção de uma
moral nacional, o texto publicado pelo O Paiz sintetiza a distinção sexual e a
hierarquização dos papeis sociais.
Podemos identificar com mais clareza marcadores nas narrativas que
posicionam a mulher como aquela que é estranha ao ambiente futebolístico. O
seu papel social não é o dominante e natural no grupo dos torcedores e
praticantes do esporte bretão. O espaço começa a ser retratado enfaticamente
como reservado à masculinidade, através da brutalidade e em oposição à
feminilidade exaltada pela docilidade.
Outro ponto de destaque do texto é a evidência do agigantamento do
futebol e seus adeptos, praticantes e torcedores, pelo país. “O gosto nacional”
(OP, 1940, p. 6) ligado ao futebol também faz parte do projeto de nação do
Estado na Era Vargas. A partir das manifestações mais populares, a identidade
do brasileiro é moldada, da mesma maneira que a sua moral civilizatória. A
presença e a performance das mulheres no ambiente futebolístico não
corroboram para a ideia de civilidade da sociedade brasileira.
O estigma de estrangeira nos ambientes, para além do doméstico, é cada
vez mais difundido nas narrativas esportivas. A sua presença no futebol não faz
parte do projeto de construção de identidade nacional. À mulher é reservado o
espaço do cuidar de seus familiares e embelezar os ambientes. Nesse momento,
o papel de matriarca gentil, dócil, amorosa, protetora e frágil é inerente ao sexo
feminino. Toda sua vivência deve ser pautada em proteger a sua natureza e
consequentemente a moral das famílias e da sociedade brasileira.
Com a campanha negativa e proibição da prática esportiva, o torcer
também é impactado nas narrativas dos periódicos. A violência e a diversidade
de classes sociais empolgadas com o esporte são características que
incompatibilizam o esporte com a figura da mulher. Como afirma Cecília Nunes

92
(2021, p. 140), “aqui é possível perceber como o gênero não é o único marcador
social a operar nas relações de poder”. Gênero, classe e raça estão
intrinsecamente presentes na configuração do ideal de torcedora e de presença
feminina na sociedade brasileira.

4.1. Não é permitido! O impacto do Decreto-Lei nas narrativas sobre as


torcedoras de futebol

O Decreto-Lei que não permitia a prática de desportos incompatíveis com


a natureza do sexo feminino é um dos elementos de distinção do papel social
entre homens e mulheres presentes no projeto de nação do Estado. A discussão
sobre a fragilidade, docilidade e a destinação em ser mãe gerando e cuidando
dos seus filhos permeia vários campos da sociedade brasileira. O
conservadorismo da pauta de costumes moldava o ideal de moral e quais
comportamentos deveriam ser seguidos.
A construção de gênero ganha mais força nas narrativas dos periódicos e
vai ao encontro do estigma de sexo frágil. Para as mulheres reserva-se o lar
como um “campo de horizonte ilimitado” (O Paiz, 1940, p.6). Não é permitido
ultrapassar os limites do cuidado doméstico, mesmo que em ambientes públicos.
Portanto, as ações femininas na sociedade são limitadas à compatibilidade com
o sexo e as condições físicas do ser mulher.
Toda a construção de gênero tende a ser pautada na mulher branca e de
elite. Marcadores como raça e classe são opressores que impõem o indivíduo à
margem do ideal de performance e comportamento da sociedade civil. Enquanto
as mulheres de elite lutam por mais visibilidade na vida política, como o direito
ao voto, e por maior liberdade, as mulheres de classes mais populares e negras
lutam por melhores condições de trabalho e contra a violência sofrida
(FRACARRO, 2018).
A mesma lógica pode ser percebida nas narrativas esportivas sobre as
torcedoras de futebol. O perfil de mulher presente e observado pelos jornalistas
nas arquibancadas é comumente de representantes das classes mais altas da
sociedade. É incomum perceber nos textos jornalísticos menção a torcedoras de
93
camadas mais populares. Até mesmo quando as partidas são entre times do
subúrbio, a caracterização das mulheres presentes não dá conta de sua
estratificação social. Apenas de sua performance mais calma em relação aos
homens e com ciúmes da atenção recebida pelas jogadoras em campo, como
vemos no texto de Joaquim Tomaz (O Paiz, 1940, p.6).
A condição feminina é validada, observada e narrada através do olhar
masculino. A mulher precisa do aporte masculino para pertencer ao espaço do
futebol. O elemento estranho ao ambiente masculinizante do futebol apenas
ganha visibilidade a partir da validação do indivíduo que pertence naturalmente
ao grupo. Nesse sentido, a mulher é a estrangeira do grupo que ganha espaço
e contornos de aceitabilidade com base na legitimação do homem. Como
podemos perceber na notícia anunciando o confronto entre o Dancing Avenida
e o Dancing Brasil, publicada pelo Jornal dos Sports, em 3 de abril de 1941, na
qual o chefe da torcida feminina é entrevistado e oferece premiação para a
torcedora mais animada (figura 13).

Figura 13: O chefe da torcida feminina promete festa


na arquibancada (JS, 1941, p. 5)

Mesmo a torcida formada por mulheres, tem como líder a figura de um


homem. Este quem tem o poder de falar dentro da esfera torcedora. Ou seja,
mesmo no grupo formado por mulheres, a sua performance só é válida a partir
da legitimação de um indivíduo do sexo masculino. A mulher não possui o poder

94
de falar em seu próprio nome. Além disso, é podemos inferir que a escrita do
texto, apesar de não assinado, é realizada por um homem ou o conjunto deles
na redação dos jornais.

Quando mencionamos direito à palavra ou à voz na imprensa e no rádio,


estamos pensando no acesso à cadeia de produção de textos que
caracteriza a imprensa escrita e o rádio, na qual ocorre um trabalho
colaborativo e hierárquico, em que diversos profissionais, em variadas
funções e cargos, orientam, leem, ajudam, editam, limitam, julgam uns
aos outros (WEBER, 2020, p. 492).

O trecho em destaque, na imagem acima, ratifica a ideia de distinção


sexual dos papeis sociais. A presença das mulheres é validada pela chefia do
homem, mas também por ser um evento que também contempla esportes
“menos violentos” (Jornal dos Sports, 1941. p.6). Apesar de o futebol concentrar
a maior atenção do público e do periódico, a questão feminina não entra em
conflito com a virilidade masculina uma vez que o evento também teria
competições de outros esportes mais adequados ao público feminino.
De acordo com Aira Bonfim (2019), a partir da publicação do Decreto-Lei
nº 3.199, em 14 de abril de 1941, o futebol feminino passou a enfrentar a censura
do Estado através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). No
processo de controle do Estado sobre o cotidiano do povo, apenas o que servia
ao interesse da nação recebia o aval para ser publicado.

O DIP era responsável pela censura teatral, assim como cabia-lhe


aprovar ou reprovar programas de rádio, livros e jornais. Sob o respaldo
da “Lei Getúlio Vargas”, o mesmo órgão passou a regulamentar o
esporte, definindo novas regras e critérios já em uso para o controle das
diversões públicas, a exemplo do próprio teatro (DRUMOND, 2014:77).
Com ligação direta à presidência da República, cada Estado brasileiro
agia separadamente com seus respectivos processos de censura: caso
o produto cultural fosse aprovado, passaria pelos órgãos de censura de
cada Estado com pretensão de receber o projeto artístico. Uma vez
reprovada, a peça/objeto analisado não poderia ser encenada/exibida em
nenhum lugar do país. (ROSA:2009) (BONFIM, 2019, p. 181).

Não é apenas as mulheres praticantes do futebol que sofreram com a


repressão do Estado. As torcedoras também tiveram a sua representação
apagada pelas narrativas esportivas. Em comparação aos anos anteriores, é
notória a dificuldade em encontrar notícias, reportagens ou simples menção às

95
torcedoras de futebol. Apesar do forte desenvolvimento da imprensa,
principalmente a esportiva, no período.

Figura 14: Torcida do Flamengo retratada no Jornal dos Sports (JS, 1941, p. 1)

A torcida passa a significar no sentido mais amplo um conjunto de homens


torcedores de futebol. Quando esse agrupamento é formado por mulheres, é
necessária a caracterização por adjetivos que marcam a presença feminina. A
ambiente futebolísticos torna-se cada vez mais uma área reservada ao ensino e
a prática da masculinidade, tal qual descreve Eric Dunning e Joseph Maguire
(1997). Esse grupamento masculino é o responsável pela animação dentro e
fora das arquibancadas e pela receptividade com relação aos atletas do clube.
A ação masculina, portanto, pauta o ideal de torcer nas partidas de futebol e de
ser torcedor para além do momento dos eventos esportivos.

96
Figura 15: Narrativa sobre uma partida de futebol de rua
(Jornal do Brasil, 1947, p. 33)

Como podemos verificar na narrativa sobre uma partida de futebol de rua


(figura 14) publicada pelo Jornal do Brasil, em 13 de abril de 1947, já são
esperados episódios de violência e xingamentos entre os participantes. A
competitividade esportiva não se resume a apenas os jogadores dos times de
grande e médio porte, bem como a seus torcedores. Nesse retrato do cotidiano

97
da vida comum, verificamos a existência da agressividade na prática esportiva e
na observação dos jogos.
Duas figuras femininas são descritas na cena. A primeira, observando o
jogo dos “moleques”, é caracterizada negativamente. A senhora assiste ao jogo
e ofende os jogadores da janela quando a bola a atinge. Na imagem criada pela
narrativa, percebemos a desqualificação da assistência da mulher. Apesar de o
jogo prometer ter muita torcida, apenas essa personagem é narrada. A senhora
dentro do seu ambiente doméstico é incomodada com a partida informal
realizada na rua. O ambiente feminino do lar entra em conflito com o espaço
masculinizante do futebol praticado pelos meninos na rua.
A outra personagem feminina diz respeito à bela “mulata” que estava no
bonde e chamou a atenção de um dos meninos jogadores. Esta não estava
assistindo ao jogo, estava de passagem no bonde que interrompe a partida.
Embora esteja fisicamente fora do ambiente doméstico, sua atitude não é
conflituosa com o ideal esperado para o sexo feminino. A mulher não faz parte
da torcida, não observa o jogo. Está apenas de passagem e exerce, na narrativa,
o papel de encantamento embelezamento. Mesmo alheia ao ambiente do lar, a
moça exerce o papel social esperado para mulher na sociedade brasileira. Ela é
gentil, dócil, embeleza e serve aos olhares sonhadores do menino jogador.

No Vasco Não se Pensa Em Derrota!


Uma Enorme Caravana Para Assistir À Vitória do Gremio Da Cruz
de Malta
A torcida vascaína está voltando aos seus bons tempos. Não
acredita mais em derrota, O jogo de domingo para os cruzmaltinos é
considerado como ganho na certa.
Muitos milhares de vascaínos, formando enorme caravana
irão ao estádio da Gavea assistis ao encontro, certos de que chegarão
triunfantes ao está do de São Januário.
Um dos mais entusiastas é o Sr. Manoel Pereira, que nos afirmou
ontem que Vasco voltará a escrever-se com “V” maiúsculo, isto é, com o
“V” da vitória.
O DESÂNIMO DA TORCIDA É CONTAGIOSO
O Sr. Manoel Pereira, prosseguindo em suas considerações
disse-nos:
- A torcida vascaína deixou-se contaminar pelo desânimo
contagiando até o próprio team. Felizmente agora tudo é entusiasmo
e decisão. Já no próximo domingo surgirão no estádio da Gavea as
famosas “bandeiras” vascaínas que são o maior incentivo à vitória.
Olimpio Pio, Maquieiras, João de Luca, Vieira Jacinto e outros

98
“legionários” estão formando uma grande caravana que sairá do Largo
da Carioca às 12:30. A vibração da torcida vascaína é um sintoma de
confiança no quadro de football. Essa confiança se irradiou por toda a
família vascaína que não acredita em derrotas futuras (JS, 1942, p. 6.
Grifo nosso).

Em contraposição à descrição das personagens femininas na história


publicada pelo Jornal do Brasil, destacadas anteriormente, na notícia sobre a
movimentação do Vasco da Gama para a partida contra o Flamengo, a torcida é
retratada como ator importante para o desempenho do clube. O desânimo e o
entusiasmo dos torcedores impactam diretamente nos jogadores em campo. Há
uma exaltação da participação da torcida com a vibração e elaboração de
bandeiras vascaínas.
Os nomes dos ilustres torcedores são citados na narrativa como
importantes atores para a animação dos milhares de vascaínos e dos próprios
jogadores que estarão em campo. As suas ações são específicas para uma
performance de apoio, vibração e confiança. Os “legendários” (JORNAL DOS
SPORTS, 1942, p.6) são os membros da Legião da Vitória. Esse grupo de
apoiadores e membros do quadro de diretores e conselheiros do Vasco da Gama
é o protótipo da Torcida Organizada do Vasco, que viria a ser fundada apenas
dois anos depois da publicação da reportagem.
João de Lucca, “um torcedor ‘alto e de foz mansa’”, como descreve
Bernardo B. Buarque de Hollanda (2008, p. 121), embora sem a mesma
notoriedade de Domingos Ramalho, Jaime de Carvalho, Tolito, Bolinha e
Fontainha, também é uma figura importante para o período de formação das
torcidas organizada e/ou uniformizadas e seus torcedores símbolos.
Percebemos que a narrativa sobre as torcidas de futebol reconfigura-se
de fato a partir da opressão e da censura do Estado Novo, a fim de criar uma
identidade nacional e pelo conservadorismo dos valores de moral e civilidade.
Há um significativo hiato na descrição das performances femininas nas
arquibancadas de futebol. Enquanto figuras masculinas despontam para o novo
momento da cultura do torcer, a criação dos grupamentos torcedores e a
hierarquização do papel social do torcer.
Os torcedores-símbolos são, na maioria dos casos, homens que têm a
sua performance exaltada em apoio aos times de devoção. Às mulheres, fica
99
reservado o espaço doméstico e subjugado ao masculino. Quer seja para servir
como matriarca cuidadora e dócil, quer seja como adorno para embelezamento
do ambiente para os olhares masculinos. Quando a mulher é retratada na
observação do futebol, é constantemente descredibilizada ou descrita
negativamente. A mulher e sua atuação como importante personagem no
espetáculo esportivo só é aceita quando possui a legitimação de um homem.

O direito individual de livre manifestação, por sua vez, subordina-se a


condição e limites prescritos em lei. Em nome de garantir a paz, a ordem
e a segurança pública, justificava-se a censura prévia à imprensa, teatro,
cinema e radiodifusão, além de se facultar às autoridades competência
para proibir a circulação, a difusão ou a representação do quer que fosse
considerado impróprio (LUCA, 2010, p. 65).

Em conclusão, não somente as mulheres praticantes do futebol foram


impactadas diretamente pelas políticas conservadoras do Estado. A censura à
participação das mulheres nos ambientes esportivos também atinge as
torcedoras de futebol. A mulher, então, é a estrangeira do ambiente masculino.
A sua presença é constantemente distanciada pelos grupos dominantes.

4.2. Agigantamento do torcer: participação feminina na primeira geração


das torcidas de futebol

Para compreendermos o processo do crescimento do torcer nas décadas


de 1940 e 1950, precisamos nos debruçar sobre o desenvolvimento da imprensa
no Brasil, principalmente no período do Estado Novo. Além de jornais e revistas,
o rádio também tem seu período de expansão e passa a ser um importante
veículo de difusão de informações. Em um país de dimensões continentais,
grandes disparidades econômicas e alto índice de analfabetismo, o uso de
variados meios de comunicação é essencial para difusão de uma identidade
nacional (LUCA, 2012).
Diante do cenário de construção de uma identidade nacional, amplo
desenvolvimento de uma imprensa esportiva e controle estadonovista do

100
conteúdo a ser reproduzido, a criação das torcidas organizadas ou uniformizadas
corresponde aos ideais do governo de Vargas (HOLLANDA e CHAIM, 2020).

Os segmentos de torcedores, reunidos sob a denominação de


organizados — termo comum da imprensa do Rio de Janeiro — e
uniformizados — caracterização empregada usualmente pelos jornais
paulistanos — tonavam-se protagonistas e partícipes do espetáculo
esportivo, que se profissionalizava em definitivo ao longo dos anos 1940,
com a condição de se moldar à maneira prescrita pelos organizadores da
competição, indício do atrelamento e da conformidade à ideologia
desportiva apregoada pelo regime estadonovista (HOLLANDA e CHAIM,
2020, p. 4).

O desenvolvimento da imprensa e a difusão para maiores localidades do


país dos ideais do governo são elementos importantes para o crescimento do
futebol e de suas torcidas. Com isso, é preciso criar mecanismos de controle das
grandes multidões que frequentam os eventos esportivos nos estádios
progressivamente maiores construídos e administrados pelo governo. As
primeiras gerações de grupamentos de torcedores organizados seguem a lógica
de corporativismo, sindicalização e chefia única presentes na ideologia de
controle do governo do Estado Novo. (HOLLANDA e CHAIM, 2020).

Figura 16: Propaganda do programa de rádio voltada para


torcida (Jornal dos Sports, 1942, p. 6)

101
É usual perceber o uso de espaços nos periódicos para propagandear
uma programação de rádio. No universo esportivo, os programas de rádio e sua
repercussão nos jornais antes e depois da exibição auxilia na consolidação do
espaço torcedor no espetáculo esportivo. Além disso, aumenta a popularidade
das figuras conhecidas e dos chefes de torcida. Assim, todo o aparato de
controle das massas passa pela figura do representante único da torcida de
determinado time.
Não coincidentemente todos os chefes de torcida, nesse primeiro
momento, são homens. O poder de fala e de controle da grande concentração
de pessoas, no espaço masculinizante do futebol, é associado à figura do
homem. A visibilidade da performance masculina e a ocupação do espaço nas
arquibancadas também confere poder ao homem com relação aos demais
grupos sociais que pretendem habitar o ambiente do universo futebolístico.

Assim como as designações enumeradas até aqui provinham de palavras


de universos linguísticos particulares, o epiteto chefe de torcida era
decalcado do contexto de dominação dos aparelhos de Estado da época,
traduzida em nomes correntes no cotidiano que evocavam papéis
masculinos de mando e de autoridade na sociedade brasileira, como as
expressões chefe de polícia, chefe de família, chefe da nação, entre
outras (HOLLANDA, 2008, p. 103).

Porém, seria ingenuidade afirmar que, malgrado a dominação masculina


na hierarquia do torcer e nas narrativas sobre as torcidas de futebol, a mulher
não está ausente no espaço esportivo. Em reportagem sobre o jogo entre Vasco
e Fluminense, no estádio de São Januário, observamos o relato de uma vascaína
que retrucou quando o jornalista Geraldo Romualdo, também presente na
arquibancada, reclamava da atuação do jogador vascaíno (JS, 1941, p.4).

102
Figura 17: Convocação de torcedoras para
ingressar na torcida carioca (JS, 1943, p. 3)

Nesse período fica evidente uma nova nomenclatura na esfera do torcer.


Torcida, que antes designava um ou uma pessoa adoradora de determinado
time, agora mais efetivamente ganha o significado no plural. Torcida, pois, é um
agrupamento de indivíduos que apoiam determinado clube nas diversas
modalidades esportivas. O termo transcende o universo do futebol e expande -
se para os outros desportos.
Com a reconfiguração do termo torcida, o indivíduo passa a ser chamado
de torcedor ou torcedora. Não é mais o torcida ou a torcida referente a pessoa
aficionada pelo esporte. Além disso, há uma ampliação dos significados de
torcedor. O termo não designa somente àqueles presentes nas arquibancadas
de futebol. O aumento da difusão do esporte pelos veículos de comunicação,

103
proporcionaram que indivíduos se identificassem sem a necessidade de
comparecimento ao ambiente esportivo. Por vezes, observam-se torcedores,
homens e mulheres, que acompanham o esporte à distância e têm a nas
correspondências dos periódicos a oportunidade de ter um espaço para a fala
(figura 18).

Figura 18: Correspondência de uma torcedora do Rio de Janeiro (JS, 1945, p. 1)

Tal qual o futebol utiliza de conceitos e características já consolidadas


pelos esportes anteriores, como remo e turfe, os outros esportes também
começam a herdar aspectos linguísticos e semânticos do universo futebolístico
nas suas estruturas. O próprio espectador de remo passa a ser designado como
torcedor. A identificação clubística que anteriormente vinha deste esporte, a
partir de agigantamento do torcer no futebol profissional, tem a sua lógica
invertida. É frequente torcedores do futebol prestigiarem os seus clubes no remo,
basquete, natação, etc. O futebol, como projeto de identificação nacional,
repercute no vocabulário das diversas modalidades praticadas.
Os agrupamentos dos torcedores passam a ser organizar, a fim de
comandar a festa nas arquibancadas de futebol e controlar as ações mais

104
exacerbadas de torcedores. O grupamento único, sob o comando de um único
chefe, facilita a execução do poder do Estado no espaço das arquibancadas de
futebol. Afinal, é a esse chefe e a esse grupamento que se referem dirigentes,
jogadores, forças policiais e jornalistas.
As primeiras agremiações a surgirem no Rio de Janeiro foram a Charanga
do Flamengo, por Jaime de Carvalho, em 1942, e a Torcida Organizada do
Vasco (TOV), fundada por um grupo de torcedores, dentre eles a notória Aida de
Almeida, em 1944. Depois, em 1946 surge a Torcida Organizada do Fluminense
(TOF), criada por Paulista; em 1952, a Torcida Organizada do Bangu, por Juarez;
e a Torcida Organizada do Botafogo, liderada por Tarzan, em 1957. Cabe
salientar que, da primeira geração de torcidas, apenas a TOV se mant ém
existente e representada nas arquibancadas de futebol até o momento atual
(HOLLANDA, 2008).

Dentre esses, Jaime de Carvalho pode ser considerado o exemplo


paradigmático, espécie de tipo-ideal, do que então se preconizara como
chefe de torcida, com a combinação de aura, de autoridade e de exemplo
para os demais torcedores, tendo em vista a reputação em âmbito não
só local como o nacional (HOLLANDA, 2008, p. 108).

O caso excepcional da criação das torcidas de organizadas de futebol, no


Rio de Janeiro, encontra-se no fato de a TOV se identificar com o perfil feminino
desde a sua fundação. Aida de Almeida foi a primeira torcedora registrada pelo
grupamento. No entanto, a sua formação é através do desenvolvimento da
agremiação torcedora “Legiões da Vitória”, que se faz registrada nas narrativas
esportivas nos primeiros anos da década de 1940. Em 1942, o Jornal dos Sports
considera o grupo como a torcida organizada do Vasco da Gama (Jornal dos
Sports, 1942, p.6). Dentre as figuras ilustres, os legionários eram comandados
por Olympio Pio (figura 19) e João de Lucca.

105
Figura 19: Olympio Pio, ilustre torcedor da Legião
da Vitória (JS, 1942, p. 6)

Olympio Pio dos Santos é uma das figuras históricas da torcida do Vasco.
Membro do quadro associativo do clube, também foi um dos fundadores da
Legião da Vitória. Era casado com a sra. Adélia Conceição e Souza e participava
ativamente das ações do Vasco. Foi membro da comissão executiva da
organização de uma disputa de sambas e marchinhas relacionadas ao Vasco,
visitava as redações do periódicos e atuou diretamente, a favor dos
representantes vascaínos, em concursos promovidos por empresas e jornais
junto com João de Lucca (figura 20).

106
Figura 20: Olympio Pio recebe escudo do Vasco ao contribuir com 2 mil carteiras para concurso
(JS, 1937, p. 3)

Podemos afirmar que João de Lucca foi o primeiro presidente de um


grupamento torcedor do Vasco da Gama, ainda na década de 1930. Comandou
a legião da vitória em suas ações de apoio ao clube nas mais diversas
modalidades esportivas. Além disso, foi um dos incentivadores da fundação da
TOV e figura importante para a validação da presidência de Dulce Rosalina na
década de 1950 (HOLLANDA, 2008; ARAÚJO, 2019).

107
Figura 21: João de Lucca e Olympio Pio organizam
caravana da torcida do Vasco (JS, 1940, p.9)

O marco do agigantamento do futebol é a inauguração do Estádio Mario


Filho, Maracanã, para a Copa do Mundo de 1950. Nesse período, os
agrupamentos de torcedores ganharam mais notoriedade, uma vez que era
preciso manter a ordem e disciplinar a grande massa de expectadores presentes
nas arquibancadas dos estádios. Como incentivo ao caráter festivo e pacificador
das torcidas, em 1951, há a reedição do Duelos das Torcidas por Mário Filho, no
jornal dos esportes (HOLLANDA. 2012).
A competitividade nas arquibancadas, então, obtém contornos de controle
e disciplinarização através da festividade promovida pelas torcidas em duelo e
com o aporte do clube. Como afirma, Bernardo B. Buarque de Hollanda (2012):

Duas competições, pois, se armavam: uma no campo, outra na


arquibancada. A repercussão entre as torcidas implicava o envolvimento

108
dos dirigentes dos clubes, que apoiavam as lideranças torcedoras para
que elas pudessem organizar e promover a alardeada festa multicor
(HOLLANDA, 2012, P. 89).

No contexto de disciplinarização, pacificação e controle da emoção dos


torcedores nas arquibancadas durante o seu momento de lazer, surge a figura
de uma chefe de torcida. Dulce Rosalina, liderança da Torcida Organizada do
Vasco (TOV), preside a torcida em 1956. Inicialmente, a sua fala precisa ser
constantemente legitimada por João de Luca e dirigentes do Vasco. No entanto,
na esteira das suas performances de apoio ao Vasco e inovação nas festas das
arquibancadas com a chuva de papel picado e o concurso de bateria, por
exemplo, a tia Dulce ganha projeção como a voz da torcida vascaína nas
arquibancadas de futebol. Torna-se, anos depois, a torcedora número 1 do Brasil
(ARAÚJO, 2019).
O processo de agigantamento das torcidas de futebol traz à tona dois
momentos opostos na relação entre a mulher e o esporte. A princípio, corrobora
com o conservadorismo do regime do Estado Novo, há uma supressão das
representações femininas nas narrativas sobre o futebol. Apesar do uso do
futebol como elemento unificador da nação, pelo Estado, o ideal é
masculinizante. À mulher é reservado o espaço doméstico e atividades
compatíveis com o sexo frágil.
Já no segundo momento, há a retomada gradativa das representações
femininas nas arquibancadas de futebol. Ainda que apresentadas
negativamente, é possível perceber que a mulher é figura presente no espaço
do torcer. Constantemente em negociação de proximidade com o grupamento
dominante, caracterizado pelos homens e a construção da virilidade no espaço
do futebol através da rivalidade entre os clubes.
No entanto, presença efetiva e ativa das mulheres nas torcidas de futebol
e a necessidade de figuras que representassem o ideal disciplinador das massas
presentes nos eventos esportivos, faz com que a figura feminina ganhe
notoriedade nos periódicos esportivos. Essa liberdade culmina em protagonistas
como Tia Aida e Tia Dulce, importantes torcedoras do Vasco da Gama. Porém,
tal qual um estrangeiro naturalizado, as mulheres presentes no futebol precisam
da validação masculina na reafirmação de seu lugar e na ocupação dos espaços
na hierarquia do torcer.
109
Considerações Finais

Observar o desenvolvimento da participação das mulheres nas


arquibancadas de futebol, entre as décadas de 1910 e 1950, é um árduo
exercício não apenas pelo longo período de tempo. É um trabalho de arqueologia
do torcer, uma vez que as fontes são escassas. É preciso recorrer aos periódicos
publicados na primeira metade do século XX e entender as nuances presentes
na subjetividade da crônica divulgada (LUCA, 2005).
Descortinando a ideia de a mulher ser uma intrusa no ambiente esportivo,
já em 1910, durante a consolidação do futebol em terras brasileiras,
especificamente do Rio de Janeiro, espaço aqui pesquisado, a figura feminina já
se faz presente. Elas são as responsáveis pelas primeiras caracterizações
simbólicas e materiais do torcer. O ideário de torcida, nesse período, até meados
de 1920, decorre da performance de mulheres nas arquibancadas. Inclusive, a
contribuição do mito da criação do termo torcida para designar pessoas
adoradoras de determinado clube e/ou time (MALAIA, 2012).
No momento de consolidação do esporte no Brasil, o futebol representa o
ideal de modernidade europeia. Portanto, é um espaço de convívio e
apresentação social da elite social e econômica brasileira. Assim como ocorreu
nas arquibancadas do turfe, por exemplo, os eventos futebolísticos foram
momentos de flerte, negociação entre famílias de classe econômica mais
elevada, e de aparição para a sociedade. O refinamento do ambiente dos clubes
era comparado aos passeios para os grandes salões e teatros.
A vestimenta das mulheres era compatível com o porte do evento
esportivo. Com seus vestidos, chapéus, luvas e lenços, as mulheres também
eram as responsáveis pelo embelezamento das arquibancadas para os olhares
masculinos. As representantes do “bello sexo” são o indicativo de um ambiente
harmonioso e ideal para o convívio das famílias das elites brasileiras. Importante
ressaltar que a representação feminina nas narrativas dos periódicos esportivos
é calcada na persona da mulher branca e de classe social elevada. Não há,

110
nesse primeiro momento, indícios nas narrativas esportivas da presença de
indivíduos de outra classe social e raça no universo futebolístico.
Com o processo de profissionalização, ainda durante os anos de 1920, o
futebol começa apresentar novos corpos nos campos e nas arquibancadas de
futebol. A diversificação das classes sociais no futebol faz com que a torcida
também seja impactada. Há um processo de identificação e pessoas não
membro da elite e de outras extrações sociais começam a se interessar e a
demonstrar sua paixão pelos clubes.
Nesse momento, mulher de elite passa a ser distanciada do universo
futebolístico nas narrativas jornalísticas. Gradativamente, a sua presença causa
estranheza nos homens presentes. A identidade torcedora entra em disputa,
abandonando as suas características femininas, e absorvendo o caráter
masculinizante do futebol.
A rivalidade crescente entre os times de futebol também é um fator
emulador para a configuração do torcer dentro do período pesquisado. A
competitividade entre os times reverbera nas arquibancadas. Com isso, há um
progressivo incremento de descrições de xingamento, “sururus” e outros atos de
desordem. Essa hostilidade é estimulada pelo desejo de vencer dos torcedores
para ter motivos para brincadeiras e provocações aos rivais e também pelo
objetivo dos clubes em manter o seu lucro com a venda dos ingressos dos jogos.
Quanto mais vitorioso é o time, mais o público é atraído para os espetáculos
esportivos. Assim, o futebol começa a se tornar a principal receita dos clubes,
inclusive, financiando a manutenção de outras modalidades esportivas (MALAIA,
2008).
O aumento da representação da violência nos estádios nos permite
observar o distanciamento da figura feminina deste espaço. Ainda que, nesse
período, haja uma intensa disputa do significado de ser mulher na sociedade
brasileira, o estigma de reservada ao lar é preponderante. Mesmo com sua
presença mais efetiva em ambientes públicos, o papel social da mulher, dentro
da moral de civilidade, reflete o espaço doméstico. À mulher é reservado o papel
de cuidado, apaziguamento, docilidade e fragilidade. Esse ideal de feminilidade
é diretamente oposto à hostilidade do ambiente no qual a virilidade exacerbada
é retratada de maneira constante.

111
Nesse sentido, o imaginário coletivo do torcer reforça a identificação com
o caráter masculinizante. O indivíduo dominante é aquele que exerce o seu
poder através das características masculinas de violência, virilidade e
hostilidade. Toda e qualquer representação diferente do ideal projetado torna-se
como estranha ao ambiente. A representação de masculinidade nas narrativas
esportiva confere poder de fala e legitimidade aos homens presentes no universo
esportivo. Portanto, há uma dominação do meio inclusive através da mediação
das narrativas esportivas.
Essa dominação masculina no cenário desportivo corrobora com o
discurso conservador do Estado Novo. Nesse período ocorre uma constante
deslegitimação da mulher no meio do futebol, com campanha na imprensa de
caracterização negativa da presença feminina na prática e na torcida no espaço
esportivo. A opressão do regime estadonovista resulta na proibição da prática,
em 1941, e na censura dos veículos de comunicação. Assim, é possível perceber
um baixo número de representações das mulheres nas arquibancadas nas
narrativas publicadas.
Dentro desse período do Estado Novo (1937 – 1945), as personagens
femininas representadas no ambiente do torcer são caracterizadas
negativamente. E, por vezes, através da perpetuação de estigmas
preconceituosos no qual a mulher não é capaz de incentivar outras mulheres,
está em busca da atenção masculina e quando irrita-se com facilidade quando o
universo esportivo entra em choque com o seu ambiente doméstico.
Essas representações majoritariamente negativas começam a abrir
espaço para narrativas mais positivas, a partir da legitimação da presença
feminina pelo homem. O indivíduo masculino é o responsável por validar a
permanência e a performance das mulheres torcedoras nas arquibancadas de
futebol.
Na década de 1940 surgem as torcidas organizadas no Rio de Janeiro,
fator importante para a hierarquia dos papéis sociais no universo do torcer. Cria-
se a figura do chefe de torcida como aquele responsável pela disciplina e ordem
moral dentro das arquibancadas de futebol. O líder de torcida torna-se a
representação de toda a massa de torcedores de determinado clube. É a voz
que simboliza todas as outras vozes presentes no universo torcedor. Não

112
coincidentemente, a maioria dos chefes de torcida são homens, representação
do poder masculino na dominação do ambiente.
Essa nova configuração do torcer repercute na semântica da palavra
torcida. Anteriormente utilizada para designar o indivíduo presente nas
arquibancadas de futebol diferenciando o seu gênero pelo uso do artigo, passa
a significar um grupamento de pessoas que dedicam sentimento ao clube e
atuam efetivamente para o apoio nos eventos esportivos.
Com efeito, outros termos adquirem visibilidade nas narrativas esportivas.
A pessoa que torce para determinado clube é designada por torcedor ou
torcedora. Essa nova significação dos vocábulos relacionados à assistência do
esporte impacta nas narrativas de outras modalidades. Assim como o futebol se
apropria das características de organização e torcer de outros desportos, estes
absorvem o novo vocabulário para denominar os seus expectadores. Além disso,
a identificação clubística advinda de esportes de notoriedade anteriormente,
como o remo, começa a se originar a partir do futebol.
O ponto desviante dessa caracterização do torcer, através dos
grupamentos unos, é a Torcida Organizada do Vasco. Desde a sua fundação,
em 1944, o grupo tem identificação com a figura feminina. Aida de Almeida, entre
outras colegas torcedoras, participaram da criação da torcida que no decênio
seguinte seria comandada por Dulce Rosalina. No entanto, as mulheres da TOV
também precisaram da legitimação dos homens no seu espaço do torcer. João
de Luca, Olímpio Pio e Domingos Ramalho são alguns nomes de torcedores
ilustres que validaram a presença e atuação feminina nas arquibancadas
(ARAÚJO, 2019).
Importante ressaltar que a presença das mulheres nas arquibancadas de
futebol não é mais uma representação conflituosa com os interesses do Estado
e da sociedade esportiva. Inclusive, a sua presença confere a docilidade e
harmonia necessárias no processo de controle das massas e disciplinarização
dos corpos no seu momento de lazer.
Podemos concluir que, de acordo com a visão panorâmica da atuação das
mulheres nas arquibancadas de futebol durante o período pesquisado, a figura
feminina não era considerada uma estranha no ambiente esportivo. Enquanto o
futebol representou um esporte de elite e o ideal de modernidade europeia, a
presença do “belo sexo” foi exaltada e significou o padrão de torcer. A partir do

113
momento que há uma quebra nessa idealização cultural da elite, a figura
feminina passa a sofrer a opressão e o apagamento nas narrativas esportivas.
O ambiente futebolístico torna-se hostil a sua presença.
Ao longo do desenvolvimento do futebol e do torcer no Rio de Janeiro, a
mulher foi-se distanciando do padrão de indivíduo esperado nas tribunas e
arquibancadas nos espetáculos esportivos. A figura masculina ganha maior
visibilidade e poder dentro da hierarquia do torcer. O homem, de classes mais
elevadas e branco, é a representação do nativo ideal do futebol.
As forças de gênero, raça e classe são intervenientes na caracterização
do ideal de torcedoras nas arquibancadas. Com a diversificação dos perfis
presentes nas partidas de futebol, a representação das torcedoras deixa de ser
o modelo padrão de torcer. Esse espaço ganha aspectos de virilidade e
masculinidade, confrontando o comportamento moral esperado para as
mulheres de elite da sociedade brasileira.
Portanto, as mulheres tornam-se estrangeiras em seu próprio território,
diante da ampliação do universo do torcer para outras classes e raças. O
conservadorismo do ideal esperado para comportamento de moral elevada das
mulheres não comporta a sua presença nos ambientes que não fossem
representantes da civilização europeia desejada. O perfil feminino é
constantemente distanciado do universo esportivo também por uma atuação da
censura e por força da lei no Estado Novo. À mulher, mesmo em ambientes
públicos, está reservado o espaço doméstico de protetora e conciliadora.

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