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DIMENSIONAMENTO DO PODER DA MÍDIA

NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Juliana Leandra Maria Nakamura Guillen Desgualdo*

Sumário
INTRODUÇÃO. 1. COMUNICAÇÃO DE MASSA E A INFLUÊNCIA EXERCIDA PELA MÍDIA. 2. NOVA MÍDIA E A
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. 3. A FORÇA DOS BLOGS NA ERA INFORMACIONAL. 4. A EXPERIÊNCIA BRASI-
LEIRA. 5. A MOBILIZAÇÃO NAS REDES SOCIAIS. CONCLUSÃO.

Resumo
A mídia, não há dúvidas, exerce influência sobre as massas desde o surgimento do rádio e da televisão, especial-
mente na atual sociedade da informação, na qual se expandem as comunicações transnacionais e em tempo real,
por meio da Internet. Através de levantamento de dados junto a livros, periódicos, jornais e sítios na Internet, foi
*Doutoranda em Direito pela PUC/SP. possível aferir algumas constatações acerca do dimensionamento deste poder.
Mestre em Direito da Sociedade da In-
formação pela UniFMU. Especialista em
Direito Tributário pela PUC/SP. Professora
dos cursos de graduação em Direito da
197
Universidade São Judas Tadeu e advoga-
da em São Paulo.

// Revista da Faculdade de Direito // número 2 // segundo semestre de 2014


Revista da Faculdade de Direito da Universidade São Judas Tadeu //Dimensionamento do poder da mídia na sociedade da informação
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1. COMUNICAÇÃO DE MASSA E A INFLUÊNCIA EXER-


CIDA PELA MÍDIA

Desde o surgimento da espécie humana, surgiram meios que


viabilizaram a comunicação, desde a inscrição de símbolos em
argila até a linguagem corporal que permitia a sinalização e de-
INTRODUÇÃO codificação para que restasse compreendida a mensagem1.

Com o surgimento da linguagem falada, passaram a ser


desenvolvidas formas mais evoluídas de comunicação, não
apenas os gestos e sinais demonstrados por mímicas. A
partir dessa fase surgiu a escrita e as formas de comunica-
ção evoluíram até a chamada Era da Comunicação de Mas-

A
tualmente, muito se fala acerca das novas bases sa2, posteriormente ao surgimento da Idade da Imprensa.
de convergência tecnológica, como consequên-
cia do desenvolvimento da rede mundial de com- A era da comunicação de massa teve sua transição iniciada no
putadores, a Internet, e que perfaz um dos critérios que século XIX, com a expansão dos jornais, o surgimento do telé-
viabiliza a chamada Sociedade da Informação, expressão grafo e do telefone, mas só veio a ser implementada no século
cunhada pela Comunidade Europeia em Convenção rea- XX, com a adoção do filme, o surgimento do rádio e da televi-
lizada na década de 1.990, mas cujo conceito remonta a são, de forma acessível a um grande contingente de pessoas,
década de 1.960. numa sociedade organizada em conglomerados urbanos.

Ocorre que a Internet trouxe consigo um novo modelo mi- A partir daí, as formas de comunicação se expandiram num
diático, calcado numa forma de comunicação abrangente e ritmo intenso. Os aparelhos de televisão tornaram-se co-
transnacional, rompendo as fronteiras físicas territoriais dos muns, e não mais objetos raros, como quando de sua cria-
países conectados por meio das chamadas infovias, auto- ção. Surgiram novos veículos, a exemplo da TV a cabo e
estradas do conhecimento. Trata-se de mais uma forma de dos gravadores de videocassete.
comunicação de massa, apta a exercer influência sobre o 198
comportamento humano. Desde a Segunda Grande Guerra Mundial, desenvolve-se
a Internet, hoje com forte influência nas relações humanas,
Este artigo pretende, sem esgotar o tema, dimensionar o desde aquelas negociais, até pessoais, perpassando a dis-
poder que a mídia exerce sobre a sociedade de massa. ponibilidade, em rede, de grande acúmulo de informações
de todas as espécies.

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As informações, que conduziam ao conhecimento, desde a crença política, fazendo despontar o sentimento naciona-
Antiguidade, eram restritas ao clero e à nobreza, mantendo- lista, ou a adoração de uma determinada figura política, ou,
-se o povo à margem do conhecimento, o que facilitava a até mesmo, ao repúdio a uma dada conduta.
manipulação, inclusive mediante o uso da força. Não havia
papel e os escritos em papiros eram caros e de difícil aces- Ao longo da recente história dos países que pregam a liber-
so. Somente com a invenção do papel, pelos chineses, e dade de expressão, como os Estados Unidos e o Brasil4, é
da prensa, por Gutenberg, é que foi possível o acesso de nítida a influência exercida pela sedução das massas sob
mais pessoas a informação, sem aqui adentrar nos aspec- os aspectos: social, psicológico e cultural, fazendo emergir
tos contextuais dos regimes de governo dos períodos his- questionamentos acerca deste poder5.
tóricos aqui mencionados.
Melvin L. DeFleur e Sandra Ball-Rokeach identificam o as-
Com a evolução dos meios de comunicação, já na era pós- pecto temporal da história em que se iniciou a crença na
-Revolução Industrial, foi possível às massas ter acesso à força da comunicação como meio hábil a moldar a opinião
informação, o que não é sinônimo de conhecimento, na me- pública, qual seja, o período da Primeira Grande Guerra
dida em que este demanda o processamento e apreensão Mundial. O poder de persuasão basear-se-ia numa reação
da informação. A informação isolada, por si só, é apenas do cérebro a um estímulo, causando efeitos diretos e ime-
um dado, ao passo em que o conhecimento se extrai da diatos, originando a chamada teoria da bala mágica que,
interpretação sistemática da informação, para a qual se ve- após estudos mais pontuais, mostrou-se insuficiente, dan-
rifica sua relação com outros elementos e dados. do lugar às teorias de influência seletiva, fundadas em seg-
mentação de aspectos da vida social para estudar os efei-
Inicialmente, as notícias chegavam mais rapidamente ao tos causados pelas mensagens transmitidas pelos veículos
povo, por meio do rádio. A televisão, além das notícias, de comunicação de massa.
passou a oferecer entretenimento visual, a exemplo das
telenovelas, complementando este segmento do mercado, O poder costuma ser compreendido como uma forma de in-
que já contava com os filmes, produzidos desde o final do fluência, conforme a lição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior6.
século XIX. E o aumento da complexidade da influência por ocasião de
diversas ações praticadas neste sentido (o de persuadir)
O que se pode observar é que os veículos de comunica- tende a aumentar o número de situações conflitivas que de- 199
ção de massa exerciam influência sobre o comportamento mandam novos métodos de solução.
social de um lado – incentivando o consumo, hoje, levado
a patamares sem precedentes3, por exemplo - e, de ou- Teorias à parte, o fato é que a mídia exerce influência so-
tro, entorpeciam a audiência, na medida em que ditavam bre a vida do homem, ditando os paradigmas de compor-
a moda lato sensu, ao mesmo tempo em que promoviam a tamento social, revelando-se uma fonte de poder capaz de

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manipular as escolhas individuais de cada um, dada a per- são hábeis nessa área. Fruto da influência, da manipulação
suasão exercida. das massas por meio do poder exercido pela mídia.

O convencimento é uma arte que remonta a própria história O avanço tecnológico possibilitou que, no final do século
do comércio. Para se vender um produto, é preciso motivar o XX, a mídia transmitisse imagens geradas em tempo real,
potencial adquirente, convencendo-o de que se trata de algo como ocorreu na guerra do Kuwait, no início da década
útil, necessário, valioso. E isso é necessário até os dias de de 90, ou mesmo a guerra na província de Kosovo (antiga
hoje. A boa imagem de um político, por exemplo, é, de mes- Iugoslávia), no final da mesma década. Mais recentemen-
ma maneira, exposta na mídia de forma “positiva”, ressal- te, o mundo assistiu ao desabamento das torres do World
tando seus feitos, seu carisma junto ao povo, a fim de con- Trade Center, em Nova York, nos Estados Unidos, fruto de
vencer o receptor da mensagem de que se trata da pessoa atentados terroristas. O mesmo se deu durante a Maratona
“ideal” para ocupar um determinado cargo público eletivo. de Boston, em 2013, quando um artefato explodiu próximo
ao percurso da prova. Como consequência dos atentados
A boa propaganda de um produto e o carisma de uma de- de 11 de setembro de 2.001, também se assistiu à guerra
terminada pessoa são decisivos para sua sobrevivência no travada pelo país atacado contra o Afeganistão e, poste-
mercado específico que ocupam. E as técnicas de propa- riormente, o Iraque, em tempo real, e de uma tal maneira
ganda são vitais nesse momento, bem como a mídia, que que fazia crer tratar-se de medida legitimada pelo povo que,
permite a um número indeterminável de pessoas o acesso até certo ponto, num primeiro momento, por força da mídia,
a informação sobre esse produto ou sobre essa pessoa. chancelou a conduta do governante. Em 2.011, a morte de
Exemplo que comprova essa premissa reside no resulta- Osama Bin Laden, um dos mentores dos atentados de 11
do das eleições havidas no Brasil em 2.006 para membros de setembro de 2.001, foi noticiada quase simultaneamente
do Congresso Nacional. Foram eleitos como deputados em todos os Estados Unidos e no restante do mundo.
federais personalidades públicas, mas não políticas, Frank
Aguiar, conhecido cantor popular e Clodovil, estilista e ex- No Brasil, basta lembrar do episódio Fernando Collor de
-apresentador de televisão – já falecido, dentre outros, cuja Melo, eleito Presidente da República, empossado em mar-
incursão na vida política foi inaugural. Em 2.010, o palhaço ço de 1.990. O então candidato à Presidência da República
Tiririca foi um dos candidatos eleitos com maior número de era conhecido apenas em Alagoas, onde detinha negócios,
votos e concorre, agora em 2.014, a um segundo mandato. inclusive ligados a veículos de comunicação de massa que, 200
neste país, operam por concessão governamental.
Isso mostra que a aparição nos meios de comunicação de
massa faz com que a pessoa seja conhecida por um elevado Devido à ampla exposição na mídia, Fernando Collor, des-
número de pessoas, persuadindo-as a emprestar credibili- conhecido do maior colégio eleitoral brasileiro, foi eleito
dade política, mas sem que isso signifique que tais figuras para Chefe do Poder Executivo Federal. Da mesma manei-

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ra, em face de denúncias de corrupção contra si veiculadas Com o avanço tecnológico, a dinâmica da indústria e a con-
pela mídia, foi suspenso em meio a um processo de im- vergência digital, emergiu a chamada sociedade da infor-
peachment, que culminou na sua renúncia e cassação dos mação, também chamada de sociedade do conhecimento,
direitos políticos por oito anos. sociedade digital, dentre outras terminologias que desig-
nam, igualmente, esse novo período marcado pelo surgi-
Recentemente, em 13 de agosto de 2.014, faleceu o candi- mento de cabos e satélites que interligam o mundo através
dato à Presidência da República, Eduardo Campos, morto das chamadas infovias8.
em acidente aéreo que desencadeou forte comoção nacio-
nal e uma reviravolta nas pesquisas eleitorais relativas à su- Nesse novo modelo social, vige uma mudança organiza-
cessão presidencial. cional e econômica, na medida em que se propugna a
globalização do conhecimento, sendo a informação sua
O candidato era bastante conhecido em Pernambuco, que matéria-prima, vale dizer, houve um deslocamento dos
governou, mas pouco conhecido nos demais estados da fe- meios de produção, sem eliminação do comércio. Antes,
deração. No entanto, sua morte trágica catapultou sua ima- a indústria trabalhava a matéria-prima que geraria um pro-
gem às alturas e influencia decisivamente o quadro eleitoral. duto. Hoje, a matéria-prima é a informação e o produto, o
conhecimento.
Este trabalho é realizado a poucos dias das eleições presiden-
ciais mas, qualquer que seja o resultado final, certamente se A existência das infovias possibilita falar em desterritoriali-
poderá creditar em parte a força da mídia e o modo de repercu- zação, uma vez que as barreiras físicas territoriais são rom-
tir os eventos relacionados a precoce morte do presidenciável. pidas, de modo a viabilizar o acesso a sítios registrados em
todo o mundo, seja para averiguar notícias em tempo real,
Essas situações apenas ilustram o poder de influência da seja para fins de comunicação, ou para entabular relações
mídia, amplamente criticada por Ladislau Dowbor, para negociais ou pessoais.
quem “somos manipulados porque raciocinamos com as
informações que nos dão”7. Essa realidade, influenciada pelo surgimento e desenvol-
vimento da rede mundial de computadores, a Internet,
O caso brasileiro ilustrado (Fernando Collor de Melo) mostra trouxe consigo um novo padrão midiático. A velha mídia
coerência à ideia de Dowbor, reforçando a tese de poder era composta por um emissor e diversos receptores, ca- 201
que a mídia exerce, não só no âmbito comportamental so- racterizando uma forma de comunicação “um para todos”.
cial, como também, político. Já a nova mídia concede a todos a oportunidade de falar
e ouvir, tornando os receptores potenciais emissores de
2. NOVA MÍDIA E A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO informações, daí se falar numa forma de comunicação “to-
dos para todos”9.

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Como aponta Antonio Albino Canelas Rubim, “A mídia, ao matéria-prima, o produto “conhecimento” não é de fácil per-
consumar um espaço eletrônico em rede, povoado de tele- cepção. Isto porque existe dificuldade em processar e des-
vivências em abrangência globalizante, em verdade, cons- tacar todas as informações às quais se tem acesso diuturna-
trói uma outra e nova dimensão constitutiva da sociabilida- mente, para se alcançar o conhecimento. E, como já citado
de contemporânea (...)”10. por Ladislau Dowbor, a sociedade lida com a informação que
recebe. E hoje, o volume de informações torna difícil a apre-
Considerando o fato de que a mídia é dotada de poder ensão de todas elas e a geração do conhecimento.
exercido junto às massas, é de se supor que, igualmente,
assim o seja no que tange à nova mídia. Uma questão que suscita o debate diz respeito à aceitação
pacífica ou questionamento acerca da idoneidade das in-
Esse avanço tecnológico permite a desconstrução de uma formações veiculadas pela mídia, nos modelos ditos velho
série de conceitos tradicionais, inclusive do que seja a pró- e novo. Considerando a influência exercida pela mídia no
pria informação. Em obra recente, Tércio Sampaio Ferraz que se refere aos padrões comportamentais sociais, eco-
Júnior exemplifica a confusão que se nota entre a vida real nômicos e políticos de outrora, quer parecer que, com o
e a vida na televisão, mencionando que a apresentação de surgimento da nova mídia, não será, a princípio, diferente.
projetos políticos se torna uma “jogada de venda articulada,
tornando-se a participação política uma escolha entre dife- Com a Internet, surgiram as chamadas comunidades virtu-
rentes imagens consumíveis.”11. Assim, o indivíduo acaba ais, espaços criados em rede aptos a gerar relações huma-
coletivizado na mídia tecnológica, o que cria um “curto-cir- nas por meio de debates acerca dos mais variados temas.
cuito nas relações humanas, por força dessa transformação Também surgiram os blogs, diários virtuais que revoluciona-
da informação numa espécie de commodity.”12. ram a comunicação. O enfoque desses novos instrumentos
virtuais é diferente. Nas comunidades virtuais, um número
3. A FORÇA DOS BLOGS NA ERA INFORMACIONAL indeterminado de pessoas pode discutir ideias, fatos, pes-
soas, visando a interação humana, ainda que por meio da
Os veículos de comunicação de massa têm como caracte- rede mundial de computadores. Já os blogs trazem uma
rística a influência que exercem sobre a sociedade, desde os visão pessoal de seu detentor, sujeito a comentários de ter-
paradigmas comportamentais no âmbito social, perpassan- ceiros que visitem a página virtual onde se situa.
do pelo aspecto econômico até o político, como demonstra- 202
do acima. Resta saber se, com o surgimento da nova mídia, O ponto convergente de ambos reside na habilidade de
os meios midiáticos continuam a exercer esses poderes, exercer o poder de convencimento, seja por meio do deba-
considerando a multiplicidade de fontes informacionais. te (comunidades virtuais), seja pela persuasão decorrente
de uma exposição clara e concisa de ideias (blogs).
Muito embora a informação tenha sido elevada ao status de

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Para se demonstrar a força dos blogs, é emblemático o se pode dizer do Brasil, classificado como “país emergen-
caso eleições presidenciais havidas nos Estados Unidos te”. Neste país, o acesso às novas tecnologias e à nova
para a qual concorriam George W. Bush (para reeleição) e mídia cresce e demanda políticas públicas voltadas a edu-
John Kerry (atual Secretário de Estado do Governo dos Es- cação digital. Mas ainda há um número elevado de brasilei-
tados Unidos). As equipes dos candidatos George W. Bush ros que vivem abaixo da linha de miséria, desprovidos do
e John Kerry mobilizaram a opinião pública através de cor- acesso à educação regular, quiçá digital.
rentes entabuladas pelos blogs13. Às vésperas das eleições,
o candidato John Kerry figurava nas pesquisas de intenção Em algumas cidades, como São Paulo, há espaços públi-
de voto como sendo favorito. Os blogs tiveram importância cos dotados de acesso livre à Internet. O consumo de smar-
decisiva no resultado das eleições, uma vez que divulgaram tphones com acesso à rede vem aumentando a cada ano.
informações acerca do histórico pessoal do candidato até As pessoas estão a todo tempo atualizando informações
então favorito, que contrastavam com o quanto informado nas redes sociais, por meio do Facebook, twitter, Insta-
no período de campanha eleitoral. gram e outras. Nas universidades mundo afora é avançado
o acesso a cursos à distância. No Brasil, também existem
Também nos Estados Unidos ocorreu outra situação que de- modalidades similares de acesso ao ensino.
monstra a força deste instrumento virtual, o blog, mas no as-
pecto empresarial. Algumas crises nas grandes corporações 4. A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
tiveram início nos blogs, inclusive a referente a empres Krypto-
nite, fabricante de cadeados e travas de segurança para mo- O poder da mídia no Brasil é exercido pelos veículos midiá-
tos e bicicletas. Em 2004, um blog demonstrou ser possível ticos, em especial a televisão, apesar da crescente força da
o arrombamento das travas de segurança com uma caneta Internet. Por mais que o avanço tecnológico propicie o de-
Bic. A partir daí, outros blogs passaram a tratar do assunto e senvolvimento de uma série de relações no âmbito virtual,
os grandes veículos midiáticos passaram a noticiar o fato, de não se pode ignorar que se trata de um país de proporções
modo a acarretar em prejuízos a empresa fabricante.14 continentais, no qual a maioria da população é pobre e não
tem acesso sequer ao ensino fundamental de qualidade.
Os blogs são exemplos nítidos daquilo que se convencio-
nou chamar de nova mídia, que instituiu uma forma de co- Dentre as emissoras de televisão, ressalta-se o poder exer-
municação na qual os receptores de informação também cido pela Rede Globo. Só em 2001, atingia 99,84% dos 203
são emissores. 5.043 municípios brasileiros.15 Ainda que se fale, nos dias
atuais, da perda da audiência para os canais da Internet,
Embora a realidade estrangeira dos países desenvolvidos, ainda há uma grande massa que se utiliza dos meios de
ditos de “Primeiro Mundo” comporte a influência da nova comunicação mais antigos se comparados à rede mundial
mídia no plano social, econômico e político, o mesmo não de computadores.

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A eleição do ex-Presidente da República, Fernando Collor de é influenciada pela mídia e a televisão ainda possui grande ape-
Melo, sofreu influência decisiva da Rede Globo, na medida em lo popular. Com a Internet, esse poder só tende a aumentar.
que vinculava a imagem do então candidato à emissora de
televisão. A partir da queda do Presidente Collor, em meio a 5. A MOBILIZAÇÃO NAS REDES SOCIAIS
processo de impeachment, a Rede Globo entendeu por bem
empreender métodos para modificar sua imagem, pregando Em junho de 2013, diversas manifestações populares foram
uma suposta autonomia política e isenção de jornalismo. agendadas pela Internet, tendo por suposta17 motivação
principal o aumento dos valores das tarifas cobradas para o
No âmbito das telenovelas, tem o poder de ditar a moda, o uso do transporte público.
comportamento social, os paradigmas de relacionamento
socialmente aceitáveis, bem como desconstituir valores de Embora tenham se iniciado aparentemente sem grande
cunho moral, a exemplo do final que teve a personagem alarde, houve uma adesão expressiva em todo o País, ape-
Bia Falcão, vivida por Fernanda Montenegro, na telenovela sar de não se ter verificado uma continuidade de mesma
Belíssima, que saiu ilesa de toda sorte de ilicitudes que co- intensidade. Hoje há manifestações diárias, mas não se
meteu ao longo da trama. observou a mobilização de milhões de pessoas País afora,
unidos por um mesmo ideal.
Mais recentemente, na novela Amor à vida, o personagem
Félix, vivido por Matheus Solano, após atirar a própria so- Mas os movimentos havidos em junho do último ano de-
brinha numa caçamba de lixo - numa atitude irracional e monstram a força que as redes sociais podem ter e o cuida-
que, numa visão kantiana seria considerada desumana16 - do necessário no tratamento das informações, justamente
comete uma série de ilicitudes e, ao final, foi “regenerado” e em razão do poder que tem o condão de balizar a conduta
convertido ao bom comportamento, no que seria uma mu- das pessoas, daí a observação feita anteriormente, no sen-
dança duvidosa para os padrões empíricos. tido de que é preciso questionar as informações e ter res-
ponsabilidade em sua transmissão.
A realidade que, atualmente, é retratada de forma mais fi-
dedigna, está mais presente nas telenovelas da Rede Re- Nas comunidades virtuais e nas redes sociais em geral,
cord, que mostra a vida em comunidade, por exemplo. E, discutem-se várias pautas. A liberdade de informar parece
para não perder mais espaço na preferência do expectador, não ter limites quando se trata da rede mundial. Evidente- 204
a Rede Globo procura inserir na programação elementos mente, devem ser observadas as regras constitucionalmen-
mais populares, mas sem descurar de seu perfil. te impostas, de modo a vedar o anonimato (art. 5º, IV, da
Constituição Federal) e assegurar o direito à indenização
O que se pretende demonstrar é que, independentemente do por danos materiais ou, morais que resultem de ofensas
viés político que possa assumir, a população brasileira também perpetradas contra a vítima (art. 5º, incisos V e X, da Cons-

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tituição Federal). Mas a liberdade de informar e o direito de mento da Internet, que mudou a forma de comunicação da
ser informado estão garantidos (art. 220; art. 5º, XIV, CF). sociedade contemporânea, consolidando a existência da
chamada sociedade da informação, na qual a informação é
Nas redes sociais o compartilhamento de informações as matéria-prima do produto “conhecimento”.
tornam públicas. Diversas notícias são repercutidas em
escala geométrica, sem que necessariamente sejam ve- Nos Estados Unidos, o poder da mídia se deslocou, em
rídicas. Há poucos meses, uma mulher foi linchada até a parte, para a Internet, a exemplo da influência exercida pe-
morte no litoral do Estado de São Paulo por ter sua imagem los blogs em eleições presidenciais, ou mesmo o caso da
confundida com a de uma criminosa, o que revela grande empresa Kryptonite, fabricante de travas de segurança.
intolerância e demanda cauteloso estudo sociológico para
apurar o que influencia o comportamento extremo numa Já no Brasil, a mídia exerce influência, de modo a manipular
nação civilizada. as massas. Embora seja inegável o poder de mobilização
nas redes sociais, a televisão ainda tem forte apelo junto
Atitudes extremas como essa permitem concluir que há neces- a população que, em grande parte, ou não tem acesso ou
sidade de cuidado na transmissão de informação e que, defini- não tem instrução digital.
tivamente, a informação não é sinônimo de conhecimento.
O avanço das formas de comunicação é inexorável, assim
A Internet aconteceu. Isso não significa que se saiba li- como é, ao menos por enquanto, patente a influência dos
dar com essa ferramenta tecnológica da forma mais ade- multimeios no cotidiano da população que, diante do ex-
quada. Embora permita as liberdades de informação, é cesso de informação, não consegue processá-la, sucum-
necessário promover instrução de acesso para o melhor bindo às tendências reveladas.
aproveitamento, inclusive para os fins que hoje se mos-
tram almejados. É preciso que se pondere sobre a natureza e idoneidade
das informações recebidas para, a partir daí, não ceder ao
CONCLUSÃO primeiro impulso fruto de uma reação a algo noticiado ou
encenado na mídia. Mas, ainda assim, o poder é exercido,
Os veículos de comunicação de massa têm a possibilidade especialmente na sociedade da informação, dada a multi-
de manipular o grande público, e o faz em razão de seu plicidade de canais interativos em tempo real. 205
poder de persuasão no campo social, econômico, político
e psicológico. REFERÊNCIAS

Nas civilizações desenvolvidas, esse poder midiático é exer- BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. História do Direito Brasi-
cido, também, nos novos moldes trazidos pelo desenvolvi- leiro. São Paulo: Atlas, 2003.

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Notas
206
1. DeFLEUR, Melvin L.; BALL-ROKEACH, Sandra. Teorias da comunicação de massa; tradução da 5. ed. norte-americana de Octavio Alves Velho. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993, p. 23

2. Ibidem, p. 24

3. Nesse sentido, Gilles Lipovetsky discorre sobre a sociedade atual, que classifica como sendo de hiperconsumo e de massa. In: Felicidade paradoxal:
ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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4. Ressalvado o período da ditadura militar, iniciada com o Golpe de 1.964, que acarretou na edição do Ato Institucional nº 5, na supressão de direitos e
garantias individuais e instituição da censura, conforme BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. História do Direito Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2003.

5. A expressão “poder” é dotada de várias acepções possíveis. Para Michel Foucault, o poder está relacionado à disciplina (In: Microfísica do poder. Rio de
Janeiro: Graal, 1999). Tércio Sampaio Ferraz Júnior destaca variadas teorias acerca do poder, a exemplo das teorias da soberania e do poder soberano. No
entanto, referido autor destaca as mudanças conceituais acerca do poder, incluindo aquelas decorrentes da teoria da comunicação. Para Tércio, “o código
do poder exige não a produção de relações (por exemplo, mando/obediência), mas da relacionalidade entre relações, pois seu sucesso está ligado à combi-
nação de relações de ação de ambas as partes e não, diretamente, de suas ações.” (In: Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade,
a justiça e o direito. São Paulo: Atlas, 2009, p. 47).

6. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito. São Paulo: Atlas, 2009, p. 42.

7. DOWBOR, Ladislau; ...[et al]. Desafios da comunicação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 193.

8. BRASIL. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Sociedade da Informação no Brasil – Livro Verde. Brasília: setembro, 2000, p. 05

9. DIZARD Jr., Wilson. A nova mídia: a comunicação de massa na era da informação, 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

10. Contemporaneidade, (idade) mídia e democracia In: DOWBOR, Ladislau; ...[et al]. Desafios da comunicação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, p. 86.

11. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O direito entre o passado e o futuro. São Paulo: Noeses, 2014, p. 77.

12. Idem, p. 77.

13. Conforme matéria entitulada “Blogs completam dez anos de existência”, datada de 20/04/2007, disponível em http://tecnologia.terra.com.br/interna/,
acessado em 23/06/2007.

14. ibidem

15. Conforme dado extraído do artigo Comunicação de Massa e Poder Político: o atual discurso da Rede Globo revelando seu empenho por uma nova
imagem, de Márcia Fantinatti In: BEZZON, Lara Andréa Crivelaro (org.) Comunicação, política e sociedade. Campinas, SP: Editora Alínea, 2005, p. 156

16. Kant pregava o uso da razão como critério para discernir o que seria atitude humana ou não. Assim, o comportamento racional seria próprio dos huma-
nos, ao passo que o comportamento irracional não seria humano. Para Kant, era necessário sistematizar a experiência empírica com o elemento racional,
dada a falibilidade de um pensamento estruturado apenas num desses vetores. (In: KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Tradução: Edson Bini. São
Paulo: Folha de S. Paulo, 2010).

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17. As verdadeiras causas que motivaram um número tão expressivo de pessoas a sair às ruas não se esgotam nas tarifas de transporte público e preci-
sariam ser analisadas num contexto maior, demandando outro trabalho. Neste, a proposta é tão somente demonstrar que a mídia é dotada de poder e seu
potencial diante das novas tecnologias.

// DIREITO E TRANSFORMAÇÃO // número 2 // segundo semestre de 2014

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