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BIONOTAS

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LEONILDE SERVOLO DE
MEDEIROS

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Por Sergio Pereira Leite (CPDA-UFRRJ)

N
ascida em São Paulo, SP, em 07 de fevereiro de 1949 em um bairro
operário, Leonilde Servolo de Medeiros construiu, ao longo da sua
trajetória profissional e acadêmica, uma bela carreira como
professora e pesquisadora, contrariando, como ela mesma diz em seu
Memorial para professora titular, o destino que estaria reservado às moças do
seu estrato social. Seu interesse por leitura e sua curiosidade intelectual, além
do apoio da família e de uma rede pública de ensino, abriram oportunidades
que ela soube explorar de maneira muito competente e comprometida,
atributos que marcaram seu engajamento institucional e sua dedicação ao
trabalho.

Matriculada no curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP),


ela atravessou o tumultuado final dos anos 1960, dividindo-se entre a faculdade
e o magistério em salas de aula no que seria hoje o Ensino Médio. Professora
comprometida com a tarefa de estimular e despertar o interesse para a ciência
e as artes promovendo o aprendizado dos filhos de uma camada pobre da
periferia paulistana, empreendimento do qual muito se orgulha. Graduada em
1971, buscou o mestrado na mesma instituição, ainda que alterando, no meio
do percurso, o campo de interesse, defendendo sua dissertação em 1983 em
Ciência Política com o tema da reforma agrária brasileira entre 1945 e 1964.
Diga-se de passagem, que, já na graduação, Leonilde Medeiros começara a se
interessar pelo meio rural enquanto área de estudo e pesquisa, sendo que os
cursos e as atividades de trabalho com Maria Isaura Pereira de Queiroz tiveram
um peso nessa escolha, assim como a frequência em outras disciplinas e o
contato com outros professores da USP. Também foi nesse período – entre o
início e o término do mestrado – que se inseriu no campo profissional
acadêmico, seja como pesquisadora vinculada aos projetos na área, seja como
professora universitária, primeiro na Pontifícia Universidade Católica de
Campinas (PUCCAMP) e depois no Campus de Botucatu da Universidade
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), onde se juntou a um importante grupo
de colegas de diferentes áreas de formação e participou de pesquisas
igualmente relevantes, além de integrar a organização de eventos que
marcaram o debate na época , como aqueles sobre a mão-de-obra volante na
agricultura.

Foi também nesse período que ela experimentará uma outra guinada na sua
caminhada acadêmica ao ingressar, em 1979, como professora contratada do 2
então Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola (CPDA) ligado à
Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, que se transformaria depois no
Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
(UFRRJ). Na realidade, a própria história do CPDA se confunde com a trajetória
de Leonilde, visto que o curso havia sido criado em 1976/77 e que ela somente
se aposentaria da UFRRJ em 2022, mesmo assim permanecendo vinculada ao
seu corpo docente. Sua enorme disponibilidade para pensar a instituição e
atuar nas mais diferentes frentes (foi coordenadora e vice do Programa
diversas vezes, coordenadora de área de concentração, integrante de inúmeras
comissões etc.) tornou-a personagem estratégica para operar as diferentes
mudanças ao longo de mais de 40 anos de casa.

Ainda no CPDA, criou linhas de pesquisa, abriu novas disciplinas, formou um


número enorme de estudantes, especialmente na pós-graduação, realizou
sucessivos estudos e coordenou e/ou participou de grupos de pesquisa, em
particular o Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre
Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo (NMSPP), criado em 1997,
que permanece sob sua direção. Aliás, é notório o seu envolvimento nas mais
diversas redes de pesquisa e/ou associações científicas, especialmente aquelas
ligadas ao campo. Além da Associação Latino-americana de Sociologia Rural
(ALASRU) precisamos destacar sua contribuição decisiva na formação do
Projeto de Intercâmbio de Pesquisa Social em Agricultura (PIPSA), ainda nos
tempos de FGV, que viria depois a se transformar na Associação PIPSA nos anos
1990 e, em 2006, na Rede de Estudos Rurais. Em todos os momentos desse
circuito singular de pesquisadores do meio rural brasileiro das mais diferentes
áreas do conhecimento, Leonilde esteve à frente da diretoria, da coordenação
de grupos de trabalho, da organização dos encontros unindo capacidade
administrativa e contribuição acadêmica. Esteve também associada às redes
internacionais de pesquisa, frequentou um bom número de eventos e atuou
em diversas situações em centros universitários e de pesquisa no exterior, mas
como ela mesma afirma, optou por não investir em estadias mais longas fora
do Brasil.

Sua importância e representatividade para a pesquisa de Ciências Sociais no


país se refletiu nos “grants” recebidos ao longo da carreira como pesquisadora
Produtividade de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), como Cientista do Nosso Estado da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), entre outros auxílios. Com
efeito, suas reflexões, produção bibliográfica e áreas de estudo privilegiaram,
em diferentes estágios da sua caminhada, áreas como Sociologia Rural,
Sociologia Política, Sociologia do Direito, História, Ciência Política etc. sempre
atenta ao desafio em não se fechar no diálogo relativamente hermético entre
os especialistas do meio agrário, mas ao mesmo tempo valorizando-o e
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estimulando a necessária interlocução teórica com as Ciências Sociais de forma
mais ampla, retirando o “rural” das prateleiras setorializadas.

Essa busca por elaborar um quadro interpretativo mais abrangente do rural,


privilegiando seu interesse pelas lutas sociais no campo, a levou a fazer o
doutorado em Ciências Sociais na Universidade Estadual de Campinas
(UNICAMP), entre 1986 e 1995, defendo sua tese sobre “Lavradores,
trabalhadores agrícolas, camponeses: os comunistas e a constituição de classes
no campo”, sob orientação de Maria de Nazareth Baudel Wanderley,
retomando antigas questões de pesquisa, como as relacionadas às classes e
movimentos sociais no campo, agora sob uma perspectiva menos “uspiana”,
sorvendo das suas incursões em outras escolas acadêmicas e leituras variadas,
bem como da sua constante interação com organizações não-governamentais,
sindicatos de trabalhadores rurais e movimentos de luta pela terra. Aliás, essa
dupla militância na academia e no ativismo político, embora tenha confirmado
o acerto da sua escolha profissional na universidade como ela mesma
reconhece, foi fundamental não somente para sua compreensão dessa
realidade em transformação, mas como engajamento social dentro dos valores
humanistas que sempre cultivou e o reconhecimento do protagonismo desses
atores sociais e lideranças populares que ela se empenhou em publicizar.

Seu mergulho no resgate da história


dos movimentos sociais rurais no
Brasil resultou no livro de 1989 que
permanece como referência
obrigatória na área sendo sua
publicação mais citada ainda hoje.
Seus trabalhos refletem as lutas por
terra e a emergência dos
assentamentos de reforma agrária,
com ênfase na recuperação da
memória camponesa e na sua
visibilidade, bem como a dramática
repressão sofrida pelos
trabalhadores rurais durante a
ditadura militar brasileira. Seu
repertório de estudos estendeu-se
ainda às áreas de políticas fundiárias,
às questões de gênero e à análise
crítica da expansão do chamado “agronegócio” e ao entendimento das ações
das organizações patronais. Temas que se refletiram também nas disciplinas de 2
graduação e pós-graduação ministradas na UFRRJ.
Exemplo, ela própria, dessa ascensão e mobilidade social de parte da
população brasileira nesse período em virtude da consolidação das instituições
públicas de ensino e pesquisa, especialmente no campo das Ciências Humanas,
Leonilde Medeiros soube retribuir com a generosidade intelectual que a
distingue, as oportunidades que conquistou e os espaços profissionais que
ocupou e ainda ocupa, abrindo caminho para novas gerações de
pesquisadores, sempre com o mesmo entusiasmo e curiosidade que cultiva
desde suas primeiras leituras e aprendizados no ginásio e depois no “Clássico”,
como se dizia em outra época.

SUGESTÕES DE OBRAS DA AUTORA:

MEDEIROS, L. S. de. História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro:


Fase, 1989.

MEDEIROS, L. S. de; BARBOSA, M. V.; FRANCO, M. A. C.; ESTERCI, N.; LEITE, S. P.


Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: UNESP, 1994.

MEDEIROS, L. S. de. Movimentos sociais, disputas políticas e a reforma agrária de


mercado no Brasil. Rio de Janeiro: Unrisd e Edur, 2002.

MEDEIROS, L. S. de. Reforma agrária no Brasil. História e atualidade da luta pela


terra. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo (coleção Brasil Urgente),
2003.

MEDEIROS, L. S. de (org.). Ditadura, conflito e repressão no campo – a resistência


camponesa no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Consequência, 2018.

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