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Universidade do Estado da Bahia – UNEB

Departamento de Educação – Campus II /


Alagoinhas
Programa de Pós-Graduação em História

Tatiane Figueiredo Araujo

“O aço se testa no fogo e o líder se faz na luta”:


atuação do ferroviário Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias
na Câmara Municipal de Alagoinhas (1955-1963)

Alagoinhas( BA), maio de 2021


Tatiane Figueiredo Araujo

“O aço se testa no fogo e o líder se faz na luta”:


atuação do ferroviário Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias
na Câmara Municipal de Alagoinhas (1955-1963)

Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade do
Estado da Bahia – Campus II
como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
História.

Orientador(a):Profa.Dra.
Marilécia Oliveira Santos

Banca examinadora:

Profa. Dra. Marilécia Oliveira Santos (Orientadora) – UNEB

Profa. Dra. Lucileide Costa Cardoso – UFBA

Prof. Dr. Raimundo Nonato Pereira Moreira - UNEB

Alagoinhas(BA), maio de 2021


Sistema de Bibliotecas da UNEB
Biblioteca Carlos Drummond de Andrade – Campus II
Rosana Cristina de Souza Barretto
Bibliotecária – CRB 5/902

A663a Araujo, Tatiane Figueiredo.


“O aço se testa no fogo e o líder se faz na luta”: atuação do
ferroviário Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias na Câmara Municipal de
Alagoinhas (1955-1963)./ Tatiane Figueiredo Araujo – Alagoinhas,
2021.
1169f.il.

Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia.


Departamento de Educação. Mestrado em História.
Orientador: Prof.ª Drª. Marilécia Oliveira Santos.

1. Dias, Hostílio – 1929-2014. 2. Políticos – Biografia –


Alagoinhas (BA). 3. Brasil – Política e governo. I. Santos, Marilécia
Oliveira. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de
Educação - Campus II. III. Título.

CDD 923.2
Mas o gesto que liga as "ideias" aos lugares é, precisamente, um gesto de historiador
(Michael de Certeau- A Escrita da História)
Agradecimentos

Dissertação finalizada e o momento agora é de agradecimentos, afinal ao


realizar um trabalho desta natureza encontramos mãos que orientam, ajudam e suavizam
o processo desgastante da pesquisa e solitário da escrita. Primeiro Agradeço a Deus
porque sem ele nada poderia fazer. Aos meus pais, Jaci e José, pelo apoio incondicional
e minha irmã pelo incentivo e por muitas vezes ter me emprestado seu notebook, amo
vocês.
Agradeço imensamente a minha orientadora Marilécia Oliveira Santos, sua
orientação me acompanha desde a graduação quando me acolheu e deu um rumo a
minha pesquisa e que pode ser ampliada para este trabalho de mestrado com seu
incentivo. A sua condução competente, profissional e sensível fizeram-me avançar,
agregar conhecimento e concluir este trabalho. Aprendizados que levarei na minha vida
e na caminhada acadêmica. Minha sincera Gratidão.
Aos professores Lucileide Costa Cardoso e Raimundo Nonato Pereira Moreira
pelas valiosas contribuições e sugestões na qualificação. Muito obrigada pela
disponibilidade em participar desta banca.
Meu sincero agradecimento a UNEB, “minha casa”, instituição que foi
responsável pela minha formação desde a graduação em História e a todos os
professores pela dedicação e empenho para realizar uma educação de qualidade,
acessível e pública tão necessária para a formação da sociedade. Agradeço também a
coordenação e funcionários do Programa de Pós-Graduação em História da UNEB,
Campus II. Aos professores do mestrado: Marilécia Oliveira Santos, Maria Elisa Lemos
Nunes da Silva, Paulo Santos Silva, que contribuíram com os componentes curriculares
para minha formação alargando o caminho para o conhecimento. Destaco a disciplina
Cidade e sociabilidades, que foi ministrada pela Professora Marilécia Santos e que
cursei como aluna especial, antes de entrar no mestrado, me ajudando na inserção
novamente nesse mundo da academia e que me deu ritmo de leituras e discussões, e o
incentivo para prestar o processo seletivo do mestrado. E também a disciplina do
professor Paulo Silva: História, Trajetória e Biografias que tratou diretamente do meu
objeto de estudo, me dando suporte teórico e metodológico, além de suas orientações,
conselhos e estímulo sobre a caminhada acadêmica, muito obrigada.
Agradeço também aos colegas de turma do mestrado pela convivência,
momentos de descontração, conversas e trocas intelectuais que foram importantes
durante este processo.
Registro meu agradecimento a Câmara Municipal de Alagoinhas pela recepção
solícita no acesso aos arquivos das atas da sessão da Câmara que foram essenciais para
a pesquisa.
Meu muito obrigada a Ede Soares pela generosa disponibilização de algumas
fontes. A Eliana Batista pela informação sobre a localização de um importante
livro/fonte. Também a Moisés Morais por compartilhar fontes do seu acervo. A todos
meus sinceros agradecimentos.
A Wagner Pimentel que durante seu garimpo de fontes compartilhou alguns
achados comigo. Obrigada.
A Hostílio Junior por ter cedido fotos de momentos familiares com seu pai.
Obrigada.
Agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB)
por disponibilizar as condições financeiras para a realização desta pesquisa.
E finalizo agradecendo ao objeto central desta pesquisa, o personagem Hostílio
Ubaldo Ribeiro Dias (In memoriam), que por meio dos registros deixados na sua
trajetória política e entrevistas cedidas ainda durante a minha graduação, funcionaram
como verdadeiros faróis apontando para o passado permitindo a produção deste
trabalho.
Resumo

O objetivo desta pesquisa é discutir alguns aspectos da trajetória do ferroviário Hostílio


Ubaldo Ribeiro Dias que se notabilizou como vereador na cidade de Alagoinhas–Ba,
analisando os seus dois primeiros mandatos compreendidos entre 1955 a 1963. No ano
de 1943 ele ingressou como aluno na Escola Profissional Ferroviária de Alagoinhas e
depois de concluir sua formação passou a compor o quadro de funcionários da Viação
Férrea Federal Leste Brasileiro atuando entre 1947 e 1965. Durante este período ele se
envolveu com as questões trabalhistas da sua categoria, alcançando destacada atuação
entre seus pares se elegendo vereador por quatro mandatos nas eleições de 1954, 1958,
1966 e 1976. Buscamos, por meio da sua atuação política, esboçar o cenário político
social do período estudado e como ele procurou interferir na dinâmica da cidade e as
reações provocadas por essas interferências.

Palavras-chave: Hostílio Dias; Alagoinhas, Câmara de Vereadores


Abstract

The aim of this study is to discuss certain aspects of the historical background of
Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias, a railway man who came to prominence as a councilman
in the city of Alagoinhas, in the state of Bahia, by analyzing his first two terms in office,
in the period from 1955 to 1963. He entered the Railroad Technical College in
Alagoinhas as a student in 1943 and, after concluding his studies, went on to become an
employee of Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (Eastern Brazil Federal Railroad
Company) where he worked from 1947 to 1965. During this period, he became involved
with labor-related issues in his functional sector, commanding respect among his peers
by getting elected as councilman for four terms in the respective elections of 1954,
1958, 1966 and 1976. Through his political involvement, we are seeking to outline the
sociopolitical scenario of the period under study, how he sought to intervene in the
dynamics of the city and the reactions that such provoked.

Keywords: Hostílio Dias; Alagoinhas, Council chambers.


Sumário

Introdução.....................................................................................................................13
Capítulo I
Nos caminhos de ferro: estudo, trabalho e formação de um líder............................21
1.1-Cotidiano de trabalho: mudanças, trocas, coesão e luta............................................27
Capítulo II
Um ferroviário na Câmara de Vereadores: atuação, luta e suspensão do
mandato.........................................................................................................................47
1.1-O “repto de honra” e o mandato interrompido.........................................................47
1.2-Legedas: dissidências e acordos...............................................................................48
1.3-Legislatura 1955: “Tudo pela lei, fora da lei nada”.................................................59
1.4-A Frente Popular assume a Mesa Diretora: “repto de honra”, prelúdio de um
crime...............................................................................................................................89
Capítulo III
“Sob o manto da paz”: segundo mandato de Hostílio Dias (1959-1963) ...............107
1.1-1959, primeiro ano do Mandato Legislativo: entre a descoberta do petróleo e o
aumento da carne verde.................................................................................................120
1.2-1960: ano da greve dos ferroviários e insatisfações com o descaso das pautas
sociais............................................................................................................................143
1.3-Anos finais..............................................................................................................151
Considerações finais ...................................................................................................161
Arquivos e fontes.........................................................................................................165
Referências bibliográficas .........................................................................................166
Lista das imagens

Figura 1: Hostílio Dias


Figura 2: Hostílio Dias com o filho e a neta
Figura 3: Hostílio Dias e a neta
Figura 4: Manchete do Jornal O Nordeste- 16/04/1955
Figura 5: Manchete do jornal 12/09/1955
Figura 6: Manchete do Alagoinhas Jornal 13/10/1958
Lista de abreviaturas e siglas

EPFA-Escola Profissional Ferroviária de Alagoinhas


PCB-Partido Comunista Brasileiro
PDC-Partido Democrata Cristão
PSD-Partido Social Democrata
PTB-Partido Trabalhista Brasileiro
PTN-Partido Trabalhista Nacional
UDN-União Democrática Nacional
VFFLB-Viação Férrea Federal Leste Brasileiro
13

Introdução

Este trabalho objetiva analisar a atuação do ferroviário e vereador Hostílio


Ubaldo Ribeiro Dias, na cidade de Alagoinhas-Bahia, referente aos dois primeiros
mandatos nos anos de 1955 a 1958 e 1959 a 1963. Buscamos compreender por meio de
sua trajetória política como ele procurou interferir na dinâmica da cidade e as reações
locais provocadas por essas interferências. Para compreender o cenário político local foi
necessário discutir acontecimentos locais, estaduais e nacionais que imprimiram
ramificações na cidade de Alagoinhas cotejando com as fontes trabalhadas.
A pesquisa teve início ainda na graduação com o Trabalho de Conclusão de
Curso-TCC no ano de 2013 cujo interesse central foi estudar a temática ‘ferrovia’, e foi
dessa forma que chegamos até o ferroviário Hostílio Dias, com o trabalho intitulado A
vida nos trilhos: profissionalização, trabalho e política partindo das memórias de um
ferroviário. Naquele estudo o enfoque foi compreender as experiências dos ferroviários
de Alagoinhas e suas interferências, partindo das vivências do Sr. Hostílio Dias na
Escola Profissional Ferroviária de Alagoinhas- EPFA e na Viação Férrea Federal Leste
Brasileiro- VFFLB. Observamos que o ferroviário Hostílio Dias conseguiu se destacar
entre seus colegas de profissão como um potencial líder ganhando a confiança da
categoria e resultando em sua eleição por quatro vezes para vereador atuando como
representante dos ferroviários.
A principal fonte utilizada no TCC foi as entrevistas realizadas com o Sr.
Hostílio Dias, os registros de suas memórias foram importantes para conhecer sua
trajetória política e consequentemente possibilitou acessar o cotidiano dos trabalhadores
ferroviários e a dinâmica da cidade que tinha a ferrovia como força motriz econômica e
essas rememorações possibilitaram problematizar elementos do cotidiano e das relações
sociais e políticas. As entrevistas cedidas pelo Sr. Hostílio Dias possibilitaram a
rememoração de períodos que estudou na Escola Ferroviária e posteriormente quando
trabalhou na viação Férrea e quando exerceu o cargo de vereador na cidade. Essas
memórias foram cotejadas com algumas atas de dois períodos fragmentadas referentes a
alguns meses de sua atuação. Então nesta experiência o trabalho se concentrou nas
fontes citadas e por conta do curto tempo, espaço e abrangências de muitos períodos foi
impraticável trabalhar mais detidamente as suas atuações como vereador.
Para essa nova pesquisa o foco foi analisar a atuação do Sr. Hostílio Dias como
vereador tendo como principal fonte as Atas da Câmara Municipal de Alagoinhas que
14

trazem muitas informações sobre as demandas e solicitações da população, representada


em partes pelas reivindicações do vereador Hostílio Dias e também as tensões políticas
e os expedientes usados pelo governo e a oposição, delineando o cenário social da
cidade de Alagoinhas no período abordado recuperando episódios e uma dinâmica local
em sintonia com acontecimentos em nível nacional e mundial. A proposta inicial do
projeto de mestrado foi estudar os quatros mandatos que correspondem respectivamente
aos anos de 1955, 1959, 1967 e 1977. Todavia, essa investida tornou-se impraticável
por conta do volumoso número de atas que no primeiro momento precisaram ser
localizadas na Câmara Municipal de Alagoinhas e depois de fotografadas, esse material
contabilizou 3401 imagens referentes aos quatro mandatos que ele exerceu. Mesmo
sabendo que seria difícil trabalhar toda essa documentação nos limites do período do
mestrado resolvemos registrá-la em virtude de o local de guarda do mesmo não ter uma
estruturada adequada e mão de obra especializada para promover uma conservação
apropriada dessa documentação.
Diante desse volumoso material e da insuficiência de tempo para dar conta da
sua leitura optamos por trabalhar com os dois primeiros mandatos que contabilizaram
1350 atas que registram os anos de 1955 a 1963. Essa redução do recorte temporal foi
escolhida por representar as duas primeiras experiências do personagem na política,
revelando como ele foi se inserido e desempenhando os trabalhos legislativos, as
influências políticas absolvidas e que agregaram na sua iniciante trajetória política.
Além disso, foi marcada por acontecimentos inesperados, em que se viu sendo acusado
de um crime ocorrido na Câmara que lhe rendeu um tempo preso. E, posteriormente a
sua absolvição, concorreu as eleições novamente em 1958, proporcionando seu segundo
mandato consecutivo. Favorecendo nesses dois cenários estudados um panorama
político sócio econômico da cidade de Alagoinhas permitindo lançarmos luzes sobre o
passado.
E somando a essa escolha das suas primeiras experiências os anos analisados
entre 1955-1963 se situam e passam em momentos de efervescência e acentuadas
transições políticas e econômicas que arrastavam o Brasil por anos para um intenso
estado de tensão. A eleição municipal de outubro de 1954, foi antecedida pela morte do
presidente Getúlio Vargas, menos de 2 meses das decisões dessas disputas eleitorais em
Alagoinhas que foram marcadas por acirramentos, dissidências partidárias e um
quantitativo de representante de trabalhadores eleitos para o legislativo. Em 1955 para
presidente e vice-presidente respectivamente se elegeram Juscelino Kubistchek e João
15

Goulart, e foi caracterizado por um governo com um plano econômico


desenvolvimentista e que promoveu uma inflação elevada para o país.
Como exposto acima os episódios e elementos novos estiveram inseridos nessa
primeira experiência de Hostílio Dias como vereador, o mais sensível para o legislativo
de Alagoinhas foi essa inserção mais consistente de trabalhadores que estiveram
representando sua classe operária e puderam lutar diretamente por suas causas, o
próprio personagem foi parte dessa nova configuração e uma peça ativa por cobranças
relacionadas às questões trabalhistas. Essas mudanças promoveram disputas de poder
entre uma elite local tradicional que sempre esteve permanente nesse espaço e uma
outra representada por trabalhadores ou membros ligados a sindicatos. Essa
conformação desencadeou conflitos que convulsionou para um episódio que ficou
marcado na história da Câmara de Vereadores, pelo tiroteio ocorrido em 1956 e como
saldo a morte do filho do Prefeito e três vereadores presos acusados do crime, dentre
eles estava Hostílio Dias, que ficou preso por mais de 2 anos, sendo absolvido por não
autoria do crime.
O seu segundo mandato, em 1959, veio carregado de todas as consequências
das tensões econômicas preexistentes e foi durante todo período de gestão conflituosa e
com disputas de poder. Hostílio Dias fez uma oposição intensa e constante sobre a
administração municipal, com denúncias que estiveram até o final da legislatura e com
pautas que buscava defender e cobrar direitos trabalhistas estando também à frente da
greve ferroviária em 1960. Essa atuação incisiva e fiscalizatória do personagem rendeu
ao mesmo em algumas situações ser considerado comunista, embora ele negasse a
vinculação. Porém, esse discurso do comunismo enquanto ‘inimigo’ nacional, estava
atrelado em sua maioria a quem defendia os direitos dos trabalhadores e incentivava
essa luta de maneira a assegurar seus direitos da classe. Nesse mandato também, já em
1959, foi encontrado em Alagoinhas o primeiro poço de petróleo, que possibilitou
aumento de receitas do município e que também gerou algumas denúncias do mal-uso
referentes aos royalties da Petrobras.
O legislativo municipal se manifestava sobre os acontecimentos nacionais, a
exemplo de quando emitiu sua posição pela democracia, sobre o presidente eleito Jânio
Quadros em 1960, quando inesperadamente renunciou ao cargo passados meses da sua
posse e sobre a imposição que o vice João Goulart não assumisse a presidência, porém
habilmente ele e seus apoiadores conseguiram mediar a situação e tomar posse através
16

de uma acordo que resultou a assumir a presidência pelo sistema de governo


parlamentarista.
Além das Atas trabalhamos com algumas edições do jornal O Nordeste
correspondentes aos anos de 1948 e 1954 a 1956 e do Alagoinhas Jornal, nos períodos
entre 1956 a 1963, também o Jornal Noite do Rio de Janeiro, 1956. Fizemos também as
análises das entrevistas que foram realizadas com o Sr. Hostílio Dias entre 2012 e 2013,
que foram novamente lidas e reinterpretas de uma maneira mais amadurecida. Foram
também acessados os dados do repositório do Tribunal Superior Eleitoral dos períodos
eleitorais correspondentes aos anos que o Sr. Hostílio Dias concorreu. Além disso, o
Estatuto do funcionário público e o protocolo de greve das ferrovias foram acessados.
Tivemos também acesso recente a uma fonte importante que se trata do livro intitulado
O Caso da Câmara de Alagoinhas, que tratou das defesas dos três vereadores
envolvidos no crime relatado acima, escrito pelo advogado de defesa Fernando Jatobá
da Silva Teles que foi responsável pela defesa dos três acusados e dentre eles estava
Hostílio Dias. Pudemos analisar por meio desse livro quais foram as peças utilizadas
pela defesa e observar a mecânica e o modus operandi dos envolvidos.
A pesquisa tem como foco central a trajetória política do Sr. Hostílio Dias, a
sua experiência joga luz na compreensão do coletivo, do social, e possibilita acessar as
características e particularidades da cidade de Alagoinhas, ao colocar uma lente de
aumento na vida do personagem não apenas lido com sua experiência única que é
proporcionada pelo contato social que gera uma peculiaridade de seus atos, como
também proporciona o viver de uma sociedade que é refletida no indivíduo. Como
Edward Hallet Carr 1 considera, “a sociedade e o indivíduo são inseparáveis; eles são
necessários e complementares um ao outro e não opostos”. 2 Entendendo dessa forma, a
trajetória do Sr. Hostílio nos oferece essa complexidade da relação do individual e
social, linha muito tênue entre os dois e essa reflexão da experiência do personagem
promove conhecer e compreender essa urdidura do passado que possibilitam um campo
para conhecer novas versões da história de Alagoinhas pois favorece conexões e tramas
do indivíduo agindo no social quando problematizadas suas ações permitem novas
interpretações. Alexandre de Sá Avelar, considera que a escrita biográfica revaloriza os
“atores sociais, alargando nossa compreensão do passado sem tomá-lo como uma

1
CARR, Edward Hallet. “A sociedade e o indivíduo”. In: CARR, Edward Hallet. Que é História? Rio de
Janeiro: Paz e Terra ,1982. p.67-90.
2
Ibidem.
17

unidade dada e coerente, mas como um campo de conflitos e de construção de projetos


de vidas”. 3
Considerando também o que Paulo Santos Silva 4, chama de “ponto de
convergência” que se situa “na possibilidade de apanhar a trajetória dos indivíduos na
complexa trama social” e “interpelando suas contradições e conflitos individuais e
coletivos, sejam no âmbito de pequenos ou grandes agrupamentos, evolvendo categorias
profissionais, grupos, etnias, “raças” ou classes, a partir de trajetórias singulares”. 5
A história política tradicionalmente fazia uma abordagem das grandes
personalidades, das elites que estavam no poder buscando construir uma narrativa
heroificada tornando seus feitos como grandes para serem eternizados. René Rémond 6
aponta que com “o advento da democracia política e social, o impulso do movimento
operário, a difusão do socialismo dirigiam o olhar para as massas”. 7 A perspectiva desse
estudo trata de uma história política, como dito anteriormente, a partir da trajetória de
Hostílio Dias, homem que saiu das camadas populares, ferroviário assim como outros
tantos na cidade de Alagoinhas. Personagem que ganhou espaço no cenário político em
função das lutas no campo social democrático que buscava trazer uma voz
representatividade no legislativo de Alagoinhas.
Necessário ressaltar a importância e valorização de uma historiografia local
permitindo conhecimento da história da cidade e seu entorno e percebendo os fios dos
acontecimentos que se ligam a um todo. Em Alagoinhas temos estudos pioneiros e
importantes que abrem e dão possibilidades para novas pesquisas. Trabalhos como o de
Moisés Leal Morais, Urbanização, trabalhadores e seus interlocutores no Legislativo
Municipal: Alagoinhas – Bahia, 1948- 1964, como o título evidencia, o estudo discute a
participação dos trabalhadores no legislativo em Alagoinhas desenvolvendo uma análise
da conjuntura política da cidade acessando fontes importantes para a memória e história
do município e que muito contribuíram para esta dissertação. Outro importante estudo
sobre a cidade é Ede Ricardo de Assis Soares, intitulado: Os comunistas e a formação

3
AVELAR, Alexandre de Sá. Escrita da História, escrita biográfica: das possibilidades de sentido. In:
AVELAR. Alexandre de Sá; SCHIMIDT, Benito Bisso. (orgs.). Grafia da vida: Reflexões e experiências
com a escrita biográfica. São Paulo: Letra e Voz, 2012, p. 63-78.
4
SILVA, Paulo Santos. O biógrafo como narrador: a concepção de biografia em Luiz Viana Filho. In:
SILVA, Maria Elisa Lemos Numes da; SILVA, Paulo Santos. (orgs.). Rastros Biográficos estudos de
trajetórias. Salvador: EDUNEB, 2014, p.15-48.
5
Ibidem.
6
RÉMOND, René. Uma história presente. In: RÉMOND, René (org). Por uma história política.
Tradução Dora Rocha – 2ed. Rio de Janeiro: Editora: FGV, 2003, p.13-36.
7
Ibidem.
18

da Esquerda (Alagoinhas, 1945-1956), que identifica a origem da formação do


comunismo em Alagoinhas, contribuindo para entender as articulações e influências da
formação política na cidade.
O trabalho de Arleide Farias de Santana, Repressão as portas do Agreste
Baiano (consequências do golpe de 1964 em Alagoinhas), também contribuiu para
mostrar o cenário da cidade quando foi deflagrado o golpe e entre suas fontes consta
uma entrevista realizada com Hostílio Dias e que pudemos analisar alguns de seus
discursos e falas. Importa dizer que apesar do personagem ter participado de algumas
entrevistas e aparecer diversas menções a ele em diferentes trabalhos ainda não havia
nenhum estudo dedicado exclusivamente a sua trajetória, até a escrita da dissertação de
conclusão de curso em 2013 e o prosseguimento desta pesquisa.
Acrescentamos que nas entrevistas realizadas com Sr. Hostílio Dias em 2012,
muitas vezes ele buscava dar um sentido de predestinação para sua ascensão perante os
colegas ferroviários em relação a sua liderança. Ele afirmava que os colegas da ferrovia
o chamavam de “nosso vereador”, alegando que os relatos sempre tinham esse
direcionamento. Uma marcação visível dessa busca pela legitimação de sua liderança é
uma frase que o mesmo pronunciou em uma das entrevistas que inclusive serve como
parte do título deste trabalho: “o aço se testa no fogo e o líder se faz na luta”, fazendo
alusão a sua luta na prática em relação a seus colegas e que essa postura de atuação o
habilitara como um líder legítimo.
Parte dessa mesma frase foi encontrada no trabalho de Arleide Farias, datado
de 2002, da seguinte forma: “se conhece o líder no fogo”, embora a frase apareça
incompleta no trabalho mencionado, não sabemos ao certo o que houve, mas
presumivelmente o próprio Hostílio Dias poderia estar ainda organizando essa narrativa
sobre ele mesmo. Essa frase revela que o personagem procurava reproduzir uma fala
organizada sobre sua atuação mostrando uma preocupação em dar consistência e validar
sua liderança, e possivelmente ele queria eternizar com sua fala e repetição dessa frase a
sua importância na História.
Foi necessário acessar vários autores que tratam sobre história oral e memória
para lidarmos com as entrevistas realizadas com o Sr. Hostílio Dias. Dentre alguns,
dialogamos com Paul Thompson que considera que a história oral promove algo mais
penetrante para a história. Ele problematiza que enquanto se estuda a vida dos atores da
história a distância estará sujeita a “descrições defeituosas”, porém ao se utilizar a
história oral transformando “os objetos de estudo em sujeitos contribui para uma
19

história que não só é mais rica, mais viva e mais comovente, mas também mais
verdadeira”. 8 As fontes orais promovem uma nova dimensão a história, trazendo outro
ponto de vista. Como também a autora Verena Alberti por meio do seu livro Ouvir
contar: textos em história oral, se destaca por sugerir, dentre outras coisas, as
possibilidades de produção de conhecimento oferecidas pela história oral, bem como o
tratamento desta fonte. O autor Michel Pollack, no texto Memória e identidade social,
no qual faz uma discussão sobre a memória, nos auxiliou na reflexão das lembranças do
nosso entrevistado.
Para entender o contexto histórico estudado alguns autores foram essenciais
para o entendimento do período. O autor mais utilizado foi Jorge Ferreira por meio de
alguns livros como: João Goulart: uma biografia, um livro bem completo e também
outro do autor em parceria com Angela de Castro Gomes, 1964: O golpe que derrubou
um presidente, pôs fim ao regime democrático e instituiu a ditatura no Brasil, livro que
parte da renúncia do presidente Jânio Quadros em agosto de 1961, refletindo os
episódios e conformações até a deflagração do golpe em 1964. Também o livro de
Angela de Castro Gomes, A Invenção do Trabalhismo, que analisa, entre outras coisas,
a construção da imagem de Getúlio Vargas, ajudando a compreender o que representava
esse líder político que tanto o Sr. Hostílio demonstrou admiração.
O trabalho está organizado em três capítulos. No primeiro, intitulado: Nos
caminhos de ferro: estudo, trabalho e formação de um líder, fizemos, inicialmente, uma
breve apresentação do personagem e em seguida procuramos reconstruir por meio das
entrevistas realizadas com o Sr. Hostílio Dias sua inserção na Escola Profissional aos 14
anos de idade como aluno aprendiz e posteriormente sua efetivação como funcionário
da Viação Férrea recuperando alguns episódios do seu cotidiano no trabalho que foram
caracterizados por uma busca para assegurar o cumprimento das leis trabalhistas que
ainda eram negligenciadas gerando assim muitos embates entre os trabalhadores e a
empresa, e dentro desse contexto foi se destacando a figura de Hostílio como líder entre
seus pares.
O segundo capítulo, um ferroviário na Câmara de Vereadores: atuação, luta e
suspensão do mandato, analisamos através das atas a primeira experiência como
vereador do personagem evidenciando um mandato muito competitivo e tenso e com

8
THOMPSON, Paul. A contribuição da história oral. In: THOMPSON, Paul. A voz do passado: história
oral. Tradução Lólio Lourenço de Oliveira, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p.37.
20

um desfecho de um crime ocorrido na Câmara de vereadores que suspendeu o seu


mandato deixando-o preso por 2 anos e alguns meses e que foi recuperado já no final do
mandato pela sua absolvição do crime.
O último capítulo, “Sob o manto da paz”: segundo mandato de Hostílio Dias
(1959-1963), tratamos da sua segunda experiência como vereador, após sua absolvição
da acusação em que foi eleito e atuou intensamente fazendo uma política fiscalizatória e
de forte oposição a administração vigente. O período foi marcado por uma polarização e
ataque a constituição e a legalidade representada no impasse para que o vice-presidente,
João Goulart pudesse assumir mediante a renúncia de Jânio Quadros. Além das atas
trabalhamos com os jornais locais.
A partir das próximas páginas convidamos o leitor a acompanhar a trajetória
política de Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias, partindo de suas rememorações cedidas por
ele com um olhar do presente sobre o passado e dos registros deixados através de uma
caminhada política que está inserida em uma sociedade com as suas diversas
caraterísticas, similitudes e peculiaridades. Não se tem como recuperar um percurso de
uma vida inteira, como afirmou Ecléa Bosi, “precisaríamos de um escutador infinito” 9
para ter um registro completo, porém a nós historiadores cabe-nos ligar os fragmentos
com o fio da história que une e dar um sentido trazendo clareza para o passado, como
define Paulo Santos, ao metaforizar sobre os registros do passado que são como “vaga-
lumes sob a imensa escuridão do passado” 10. Sendo assim, buscamos, por meio dessas
marcas, reconstruir parte dessa história.

9
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade-lembranças de velhos.3ª ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1994, p.39.
10
SILVA, Paulo Santos. Narrar uma cidade: história e historiografia. In: BATISTA, Eliana Evangelista
(org). Alagoinhas: histórias e historiografia. Alagoinhas (BA): Quarteto/ FIGAM, 2015, p. 9-22.
21

Capítulo I

Nos caminhos de ferro: estudo, trabalho e formação de um líder

A caminhada política de Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias teve início no período


que ingressou como funcionário da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (VFFLB) 11,
em 1947. As condições de trabalho eram difíceis e as leis trabalhistas que já tinham sido
aprovadas em 1943 ainda se deparavam com resistências por partes dos empregadores e
este cenário mobilizava os funcionários a se articularem para reivindicar seus direitos
perante a empresa. Provavelmente este elemento motivador fez o Sr. Hostílio Dias se
interessar pelo tema trabalho procurando conhecer mais a fundo as leis em vigência,
partindo da necessidade de sua própria condição enquanto trabalhador.
Buscando conhecer a trajetória do Sr. Hostílio e os caminhos que ele percorreu
e o levaram a entrar no mundo da política partimos das suas rememorações desde a
experiência que teve na Escola ferroviária e posteriormente no período que exerceu suas
funções na viação férrea. As entrevistas foram realizadas com o Sr. Hostílio entre 2012
e 2013 quando ele já tinha 82 anos, era aposentado e estava fora da política partidária há
anos e aconteceram na minha casa por opção do próprio entrevistado que se
disponibilizou gentilmente a fornecê-las.
O Sr. Hostílio teve um histórico de ser uma pessoa solícita para relatar sua vida
política, e nestas ocasiões, rememorava os episódios com riqueza de detalhes e
entusiasmo. Contudo, quando era perguntado sobre sua vida pessoal não dava muitas
informações. Em diversos momentos das entrevistas realizadas ele narrou os episódios
vivenciados como se estivesse descrevendo um filme. Os momentos nos quais teve essa
postura foram sempre quando tratou de protestos de ordem trabalhistas ou esteve
envolvido diretamente com tais acontecimentos. Demonstrou uma satisfação em
relembrá-los e falar do lado profissional e político tornava a narrativa mais fluida.
Angela de Castro Gomes, ao tratar das memórias profissionais afirma que, procurar
registrar “fatos referentes a uma temporalidade basicamente profissional, assumido
características de linguagem mais distantes de uma escrita íntima” não deixa de também
“ser uma escrita pessoal”. 12

11
Doravante tratada somente como VFFLB.
12
GOMES, Angela de Castro. (Org.). Escrita de Si, escrita da História. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2004, p.18.
22

É importante considerar não apenas os relatos que o entrevistado disponibiliza,


mas seus gestos, empolgação e silêncios são necessários na observação do entrevistador
porque eles dizem muito. A autora Cléria Botelho da Costa, em seu artigo A escuta do
outro: dilemas da interpretação, reflete que o “pesquisador é um caçador do invisível, é
aquele que sai em busca daquilo que não foi dito, daquilo que não está escrito, com o
propósito de ampliar o seu campo de interpretação e de se aproximar cada vez mais da
voz do narrador” 13, nessa perspectiva buscamos decifrar os gestos e os discursos nesse
caminho da memória.
O Sr. Hostílio Dias ao rememorar sua trajetória na política, procurou dar um
sentindo finalista a sua predisposição a liderança, ao afirmar que ele já nasceu com essa
orientação, em outras palavras, que o caminho por ele percorrido inevitavelmente
levaria a liderança. Isso vai ao encontro do que trata Pierre Bourdieu 14, ao problematizar
sobre a “ilusão biográfica”, que enquadra uma vida em um percurso linear e coerente,
dando a entender que uma vida já veio determinada para seu fim. Bourdieu ainda
considera que essa característica acontece porque o relato “seja ele biográfico ou
autobiográfico[...] propõe acontecimentos que, sem terem se desenrolado sempre em sua
estrita sucessão cronológica tendem ou pretendem organizar-se em sequências
ordenadas segundo relações inteligíveis”. 15
Apesar de haver esse direcionamento mencionado acima nas memórias do
entrevistado, compreendemos que estas questões são inseparáveis em sua vida, sendo
assim experiências pessoais. A autora Vavy Pacheco acrescenta a essa análise que é
preciso “trabalhar ao mesmo tempo, com a cronologia linear e com o percurso de uma
vida que não é linear”. 16 Entender que as escolhas são permeadas por várias questões
pessoais, coletivas e circunstancias que ao acessar a memória muitas coisas se perdem,
sem poder captar a sua inteireza.
A fonte principal utilizada neste capítulo são as memórias do Sr. Hostílio Dias,
analisando como ele organizou e rememorou sua caminhada dentro da política e
procurando entender como o seu cotidiano de trabalho contribuiu para a construção
dessa imagem que foi sendo forjada na figura de um líder que buscou representar os

13
COSTA, Cléria Botelho da. A escuta do outro: dilemas da interpretação. História Oral, Rio de Janeiro,
v. 17, n. 2, p. 47-65, jul./dez. 2014, p.51.
14
BOURDIEU, Pierre. “A ilusão biográfica.” In: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína
(org). Usos e abusos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
15
Ibidem, p.184.
16
BORGES, Vavy Pacheco. “Grandezas e misérias da biografa”. In: PINSKY, Carla (org). Fontes
históricas.3ª ed. São Paulo: Contexto, 2011, p. 22-23.
23

trabalhadores principalmente da sua categoria. Buscamos Problematizar as ações e


escolhas do personagem não como incoerências, mas sim como ambiguidades, como
Jorge Ferreira considera em sua obra biográfica sobre João Goulart, que “aquele tipo de
comportamento, inerente a qualquer ser humano, que permite a homens e mulheres
viver algo, imaginar outro e desejar outro diverso” 17. Entendemos que as atitudes são
motivadas dentro de fios sociais que se ligam e cada escolha promove circunstâncias e
situações diferentes.
A imagem a seguir mostra o personagem aos 83 anos. Corpo magro, simpático
e visivelmente gostava de rememorar seus momentos de luta. Um senhor que
demostrava ter uma memória boa e ainda que fora do cenário diretamente político
alagoinhense atuava de outra forma, orientando e ajudando a resolver questões de
aposentadoria para os trabalhadores voluntariamente. O Sr. Hostílio faleceu em 2014.
Nas linhas a seguir vamos adentrar no cotidiano do trabalho na viação férrea e em suas
relações de conflitos e resistências vivenciadas pelos ferroviários sobre a perspectiva do
Sr. Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias.

Figura 1- Hostílio Dias com 83 anos

Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora. Foto cedida em entrevista 11/04/2013

17
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p.18.
24

Hostílio Dias nasceu na cidade de Alagoinhas-Ba, no dia 16 de maio de 1929.


Filho de Henrique da Cunha Dias e Maria Ribeiro de Araújo Dias, numa família
composta por 8 irmãos. O Sr. Hostílio Dias teve dois filhos, um, fruto do primeiro
relacionamento que não tivemos acesso por não morar na cidade e um outro rapaz, do
segundo relacionamento, que recebeu o nome do pai, Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias
Junior e a mãe se chamava Ana Maria da Conceição, companheira já falecida. As fotos
abaixo mostram um momento familiar do personagem com o filho, Hostílio Junior e sua
neta e, na ocasião moravam juntos. Não se tem a data exata do registro da foto.

Figura 2- Hostílio Dias com seu filho e neta Figura 3- Hostílio Dias com a neta

Fonte: Arquivo pessoal de Hostílio Dias Junior

Retornando as questões profissionais o personagem teve desde cedo sua vida


ligada a ferrovia, pois em 1943, aos 14 anos, prestou um concurso para entrar na Escola
Profissional Ferroviária de Alagoinhas (EPFA) 18 e, ao ser aprovado, começou a estudar
no curso técnico com duração de três anos e que o habilitou a trabalhar na Viação
Férrea. 19

18
Doravante tratada somente como EPFA.
19
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
25

A Escola Profissional de Alagoinhas foi criada em nove de abril de 1941, pela


determinação do Conselho Ferroviário de Ensino e Secção Profissional, com sede em
São Paulo e funcionou sob a responsabilidade da VFFLB em Alagoinhas-Ba. Os
objetivos da escola acompanhavam os mesmos interesses da matriz criada em São Paulo
em 1924. Segundo Vânia Regina de Souza Santos 20, o propósito principal da escola era
preparar e qualificar os jovens do sexo masculino objetivando sanar as carências de mão
de obra da VFFLB , uma vez que os alunos desta Instituição de ensino, ao concluírem o
curso, passavam a trabalhar nas oficinas de Alagoinhas e Aramari. Teve importante
destaque no cenário social da cidade por permitir aos jovens, oriundos das camadas
populares, o acesso ao ensino formal com perspectiva de também assegurar um futuro
emprego proporcionando novos horizontes para este segmento social de Alagoinhas e
das cidades vizinhas que, além de aprenderem uma profissão, também recebiam uma
remuneração mensal.
A motivação para o Sr. Hostílio se inscrever no curso de formação, segundo
seus relatos, partiu de um amigo que o incentivou a fazer as provas. Com o propósito de
ter uma vida melhor ele disputou a vaga e conseguiu a aprovação, ingressando na EPFA
em 1943, portanto, dois anos após a sua inauguração e por isso mesmo, ainda com ares
de novidade pela sua singularidade, representatividade e importância na estrutura
econômica da região, não apenas enquanto fornecedora de profissionais, mas também,
enquanto empregadora dos mesmos na VFFLB.
O Sr. Hostílio ressaltou que a Escola Profissionalizante era bem rigorosa e
exigia deles uma dedicação nos estudos e no comportamento, portanto extrapolava o
ambiente do trabalho e estudo, era preciso saber portar-se socialmente, observando uma
clara distinção na tentativa de ocupação dos lugares sociais. As condutas determinadas
pela Escola e que eram elementos de avaliação dos alunos, começavam pela eficiência.
Segundo Vânia Regina Santos, existia um pacote de normas a serem seguidas pelos
estudantes como a necessidade de ser: “estudioso, atento, esforçado e interessado” que
não apenas se amparava pelo bom desempenho escolar estendendo-se a higiene corporal
expressa nas ações do cotidiano.
Observamos que ainda na Escola já se procurava imprimir normas para o que a
Empresa definiu como ser um “ bom ferroviário”. O que ela buscou construir nos jovens

20
SANTOS, Vânia Regina de Souza. Entre trilhos, dormentes e estações: A escola Profissional
Ferroviária de Alagoinhas (1941- 1962). Dissertação (Mestrado em Educação e Contemporaneidade) -
Universidade do Estado da Bahia, 2009.
26

aprendizes era uma identidade ferroviária seguindo seus critérios e aspirações. Esses
alunos, passados três anos de formação, iriam fazer parte do quadro de funcionários da
VFFLB, e assim, já iriam ajustados aos interesses da Empresa, com “hábitos e valores
considerados essenciais ao trabalhador, ao bom ferroviário”. 21
Essa era uma forma de condicionamento imposto pela VFFLB para seus
futuros funcionários desde sua formação não apenas nos espaços do trabalho como
também na conduta social do ferroviário. Maria Auxiliadora Guzzo Decca, em seus
estudos sobre os operários de São Paulo nos anos de 1920-1934, observou o cotidiano
dos operários e discutiu sobre como as fábricas disciplinavam os funcionários não
somente nos espaços de serviços como também procuravam disciplinar o lazer passando
a ter uma presença mais concreta nos bairros operários, associações recreativas, clubes
de esportes tendo um maior controle da vida do operariado. Segundo a autora,

Não há dúvida que se tentou estabelecer de inúmeras maneiras um domínio


mais direto sobre a vida do operariado por parte das classes dirigentes e
instituições fora dos locais de trabalho à medida que o proletariado surgia
como força social importante na cidade, configurando ameaça velada ou
aberta para ordem constituída. 22

Apesar de Maria Decca se reportar as décadas de 20 e 30 e sobre a experiência


de São Paulo, observamos que as práticas impostas neste período ainda se faziam
presentes em 1943, ano de ingresso do Sr. Hostílio Dias na Escola nessa experiência em
Alagoinhas. A Viação Férrea utilizou desses recursos desde o início, na preparação dos
seus alunos aprendizes na Escola Profissional e, posteriormente, quando eles saíram
supostamente com as características desejadas para a Empresa. É claro que essas
absorções, tensões e ajustes de comportamento dos trabalhadores se davam também
pelo interesse dos mesmos em assegurar seus empregos.
Importante mencionar que os alunos aprendizes da EPFA traziam uma nova
mudança para o quadro de funcionários da Viação Férrea, pois foram os primeiros
ferroviários de formação. Anteriormente os ingressos desses trabalhadores ocorriam por
indicações, sem a exigência de uma qualificação formal, e em sua maioria eram
semianalfabetos e aprendiam o ofício na prática. O Sr. Hostílio refletiu que o ingresso
dos alunos da Escola Profissional teria contribuído para as melhorias nas condições de

21
SANTOS, Vânia Regina de Souza. Entre trilhos, dormentes e estações: A escola Profissional
Ferroviária de Alagoinhas (1941- 1962). Dissertação (Mestrado em Educação e Contemporaneidade) -
Universidade do Estado da Bahia, 2009.
22
DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo. A vida fora das fábricas – cotidiano operário em São Paulo (1920-
1934). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.88.
27

trabalho e no cumprimento das Leis, imprimindo novo ritmo de ideias e


conscientização, cobrando uma postura ativa dos trabalhadores para assegurarem as
conquistas trabalhistas. O entrevistado ainda afirmou que já nesse período de formação
na Escola começou a participar das rodas de conversas que tinha como assuntos
relacionados o trabalho e a política.

1.1. Cotidiano de Trabalho: mudanças, trocas, coesão e luta

Em primeiro de abril de 1947 o Sr. Hostílio, passou a integrar o quadro de


funcionários da VFFLB como aprendiz na área da mecânica. Esse período de
preparação como “aprendiz” era uma realidade dos alunos que, ao concluírem a EPFA,
entravam nesta condição e posteriormente subiam gradativamente de nível: aprendiz,
ajudante, oficial e encarregado de sessão. Este último, segundo o Sr. Hostílio, era
conquistado por conhecimento na função, mas, também era possível alcançá-lo por
influência de algum superior. 23
Sobre a ocupação e transição por postos de trabalho, o Sr. Hostílio fez algumas
considerações que são importantes para as nossas reflexões. Para ele, o cargo de
aprendiz foi somente uma forma encontrada pela Empresa para ter um segmento
ganhando menos, afinal para ele não fazia um “sentido muito justo aprender já
pronto”. 24 Referindo-se aos alunos que, depois de concluída a formação, ao ingressarem
como funcionários da Ferrovia, entravam na condição de aprendizes. Ele argumentou
que, os alunos já teriam vivenciado o período de experiência durante a formação na
Escola Profissional tanto na teoria quanto na prática uma vez que o curso também tinha
aulas práticas.
É mesmo possível que essa hierarquização nos cargos se desse em função de
estabelecer um escalonamento nos salários e nas responsabilidades das funções dos
funcionários. Uma estratégia da Empresa, na qual, através desse escalonamento
conseguia reduzir os salários uma vez que, esses novos ferroviários, entravam na
situação de aprendizes, e, embora trabalhassem como os demais, recebiam menos.

23
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
24
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
28

Quanto ao último nível alcançado, encarregado de sessão, pudemos verificar


que o entrevistado tinha uma percepção das discrepâncias e falhas que ocorriam na
ocupação desses postos. Sua compreensão sobre os abusos nas relações empregatícias
ficaram perceptíveis quando interrogado sobre a relação entre a Ferrovia e os
funcionários. Para ele, os trabalhadores enfrentavam “muitas dificuldades”, pois além
do rigor das regras e normas a eles impostos, enfrentavam também os descumprimentos
das conquistas da legislação trabalhista. 25
Sr. Hostílio relembrou que ao ingressar na VFFLB, nos primeiros contatos
entre os “novos” e os “velhos” ferroviários ocorreram algumas resistências e
dificuldades de convivência. Os antigos viam no novo grupo de funcionários algumas
mudanças na prática do ofício e se sentiam ameaçados, pois viam a possibilidade dos
novos tomarem seus espaços e ascenderem aos melhores cargos oferecidos pela
Ferrovia. Inclusive o entrevistado considerou que foram eles os aprendizes ferroviários
recém saídos da Escola Professional que promoveram mudanças e um “ritmo de
reivindicações, batalhas e conscientizando, pressionando para que a Empresa mudasse a
relação com os funcionários”. 26
Por sua vez, o Sr. Hostílio ponderou que “os novos”, por mais qualificados
que tivessem se sentiam inseguros diante das novas responsabilidades e também pela
pouca idade que no geral tinham. Ele também diz que, apesar das resistências iniciais
acabaram se inserido na dinâmica do trabalho e constituíram suas relações de
camaradagem e coleguismo com os antigos. Segundo ele, passados os impasses próprios
das mudanças, as resistências foram sendo quebradas, “fomos chegando mais,
conversando com eles, acabando com esse tabu”. 27
Toda mudança carrega consigo adaptações, embates e transformações no
ambiente que se instaura, contudo é perceptível nas falas do entrevistado que ele buscou
dar um protagonismo aos novatos ferroviários de formação da Escola Profissional
quando afirma que teriam sidos eles os responsáveis pelas mudanças no sistema de
trabalho na Viação Férrea. Certamente as contribuições não foram apenas de um lado,
mas sim uma via de mão dupla, visto que a categoria dos ferroviários da VFFLB se

25
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
26
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
27
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
29

destacava por possuir uma considerável experiência política por conta de sua
organização e união em prol de um objetivo comum, que eram melhores condições de
trabalho. Os “ferroviários sempre estiveram quase permanentemente lutando por
melhores condições matérias”, como afirma Ede Soares, que relata que, nos anos de
“1894,1909,1919,1927, 1932 e 1960”, os ferroviários participaram de greve. 28 Então,
para além das influências trazidas pelos ferroviários de formação, como afirma Sr.
Hostílio Dias, com a chegada da Escola Profissional em Alagoinhas no ano de 1941, os
“antigos ferroviários” contribuíram muito para a identidade ferroviária desses novos e
formados trabalhadores da VFFLB, identidade essa forjada pelos embates cotidianos
vivenciados pelos próprios trabalhadores.
Os ferroviários de uma forma geral assim como outras categorias operárias
estiveram inseridos nessa atmosfera de lutas, de questões políticas e alguns ingressaram
na vida política. Mas que oportunidades ou aptidões habilitariam esses trabalhadores a
entrar na carreira política e exercer vários mandatos superando outros colegas? Nas
próximas reflexões acessaremos as experiências do Sr. Hostílio Dias em seu local de
trabalho, as inquietudes que ele rememorou sobre os desmandos encontrados na Viação
Férrea que serviu de base para a construção de sua história política.
Ao que parece, as lutas e conquistas pelos direitos dos trabalhadores do período
funcionaram como elemento de aproximação entre eles. Segundo o entrevistado, a
garantia dos direitos trabalhistas era uma questão difícil, pois aconteciam abusos dentro
da rotina do trabalho tais como, favorecimentos de cargos, classificações de cargos não
condizentes com as posições que os funcionários ocupavam e suspensões que
representavam punições. Todos esses pontos citados mostram um cenário do mundo do
trabalho conflituoso, ávido por mudanças e transformações que passava por alterações,
amparadas pelas resistências de classes, pela união de um objetivo comum. Era preciso,
em alguns momentos, salvaguardar direitos conquistados ou, em outros, lutar pela
conquista de novos que eram essenciais para aquele contingente de trabalhadores.
Segundo Paulo Fontes, a “coesão e solidariedade dos operários eram essenciais
para a formação de uma identidade de classe” 29. Consequentemente, essa união e essas

28
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os ferroviários e a formação do PCB em Alagoinhas. In: BATISTA,
Eliana Evangelista (org) Alagoinhas: histórias e historiografia. Alagoinhas (BA): Quarteto/FIGAM,
2015, p. 160-161.
29
FONTES, Paulo. Migração Nordestina e Experiências Operárias São Miguel Paulista nos anos 1950. In:
BATALHA, Claudio H. M., SILVA, Fernando Teixeira da, FORTES, Alexandre. (orgs.) Culturas de
Classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004. p.
382.
30

relações pessoais, “podiam abrir espaço para o questionamento das políticas da empresa
consideradas injustas e eram elementos centrais na criação de ações coletivas nos locais
de trabalho e moradia”. 30
Essas questões estão inseridas em toda uma lógica do cenário político que se
encontrava o Brasil. As memórias do Sr. Hostílio sobre esses pontos remontam a partir
de 1947 e nesse período já existia a legislação trabalhista que foi consolidada em 1943,
pelo então presidente Getúlio Vargas. Leis estas que foram conseguidas num processo
de lutas sociais dos trabalhadores. Porém, mesmo consolidadas, ocorriam
descumprimentos desses direitos, até porque, entre a implantação e sua efetivação
muitos artifícios foram utilizados por partes significativa dos empregadores, inclusive
porque não tinha fiscalização suficiente e, quando tinha, muitas vezes eram burladas
pelas empresas. Lembrando essas demandas e conflitos, o entrevistado trouxe à luz
alguns episódios que demonstram como aconteceram esses entraves na experiência da
cidade de Alagoinhas:

Era muito difícil as promoções e quando conquistadas levava muitos anos,


porque havia a exploração profissional. [...] tinha gente já em chefia dentro de
oficina depositados em vários lugares, setores de atividades, pessoas que ainda
continuava com aquela mesma denominação profissional de aprendiz, de
ajudante, quando ele era encarregado, quando já era chefe. 31

Este exemplo mencionado nos dá um panorama das dificuldades enfrentadas


por aqueles ferroviários. Primeiro, as promoções que demoravam a acontecer,
dificultando o crescimento profissional e financeiro dos funcionários. Segundo, o não
reconhecimento da mudança dos cargos quando um trabalhador já estava exercendo
outra função superior e mesmo assim não havia ocorrido um reconhecimento material e
funcional desta mudança. Isso prejudicava os rendimentos, visto que, mudavam de
atividades e atribuições, mas, continuavam com os mesmos salários e nominalmente na
mesma função, impactando as futuras aposentadorias:

Gente que entrou aí como servente, como ajudante saiu, se aposentou com 35
anos, 37, 38 na mesma função oficialmente por portaria, legalmente
continuava na mesma função e foi por muitos anos esses que saíram assim.
Começou no diário da união, Diário Oficial a publicar. Tem gente que no

30
FONTES, Paulo. Migração Nordestina e Experiências Operárias São Miguel Paulista nos anos 1950. In:
BATALHA, Claudio H. M., SILVA, Fernando Teixeira da, FORTES, Alexandre. (orgs.) Culturas de
Classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004. p
382.
31
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
31

diário tinha três promoções porque levou a vida toda parado ali estagnado,
não cumpria o que a lei mandava a constituição e estatuto. 32

No fragmento acima o Sr. Hostílio, aponta outra questão: a estagnação dos


funcionários na mesma função. Segundo ele, muitos ferroviários foram prejudicados
durante o tempo de serviço por não conseguirem crescer dentro da Ferrovia, ferindo um
princípio da “Constituição” e do Estatuto dos Funcionários Públicos Federais. O que
percebemos também que essas três promoções que foi mencionada por Hostílio,
representavam a reparação de toda uma experiência de vida feita de uma vez no mesmo
diário e provavelmente por força de exigência reparação jurídica. A respeito das
Promoções, o Estatuto citado consta:

A promoção obedecerá ao critério de antiguidade de classe e ao de


merecimento, alterando, salvo quanto à classe final de carreira, em que será
feita à razão de um terço por antiguidade e dois por merecimento. As
promoções serão realizadas de três em três meses, desde que verificada a
existência de vaga. Quando não decretada no prazo legal, a promoção
produzirá seus efeitos a partir do último dia do respectivo trimestre. 33

Podemos verificar no artigo 39 que as promoções obedeciam a dois critérios. O


primeiro era de antiguidade no trabalho (um terço) e o segundo por merecimento (dois
terço). O critério merecimento tinha uma maior proporção e este tinha um caráter
subjetivo, pois não especificava qual o significado de “merecimento” deixando brechas
para favorecimentos pessoais e trocas de interesses. As informações do Sr. Hostílio
sobre a ascensão dos trabalhadores na Viação Férrea demonstram que ela, ao menos
naquela unidade, não cumpria as leis, infringindo o regulamento e isso parecia que era
uma prática corriqueira, às claras e sem preocupação com a fiscalização.
O entrevistado expôs exemplos de vários colegas seus que passaram por essas
situações e é importante ressaltar que, nas entrevistas, ele sempre fazia referência ao
Estatuto, mostrando que tinha conhecimento sobre ele. Essa preocupação em se
informar sobre as leis possibilitou ao Sr. Hostílio ter conhecimento sobre os direitos que
cabiam aos funcionários. Provavelmente, o conhecimento que foi adquirindo sobre
essas questões também lhe garantiu um destaque em relação aos demais colegas de
profissão.
Voltando as promoções, ao que parece, não havia um incentivo da Viação
Férrea para que seus funcionários subissem nos cargos dentro da Empresa. Isso pode ser
32
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
33
Estatuto Dos Funcionários Públicos Civis Da União. 9ª ed.1963. p.16. Art.39 e 40.
32

assim entendido quando o Sr. Hostílio lembra que muitos ferroviários não tinham suas
classificações reconhecidas e outros se aposentavam sem essa correção. Uma vez que a
Empresa nem sempre cumpria as leis reconhecendo as mudanças dos cargos e
consequentemente nos salários dos funcionários, provocou uma falta de motivação nos
mesmos. Seguindo essa lógica, muitos não viam por que pleitear cargos maiores dentro
da Viação Férrea, uma vez que não mudariam seus rendimentos, só acrescentariam
trabalho e responsabilidade. 34Além de todas as situações apontadas sobre a falta de
legalidade nas mudanças de cargos, ainda tinha a possibilidade dos funcionários se
aposentarem sem essa correção na profissão e isso impactava no valor de suas
aposentadorias.
Pelos relatos do Sr. Hostílio Dias as facilidades para a regularização das
classificações nos cargos ocorriam com aqueles que tinham um contato próximo com o
diretor ou chefe da oficina. Essas influências desobstruíam os entraves e
consequentemente a correção dos equívocos nos cargos. Em contrapartida, quem não
compartilhava dos mesmos privilégios encontrava dificuldade para conseguir essa
regularização e, posteriormente, com a mudança da Viação Férrea para Rede Ferroviária
Federal, os funcionários passaram a cobrar na justiça a regularização dos cargos e se
encarregavam de provar as injustiças que vivenciaram. Esse processo de mudança foi
relatado também por José Antônio de Lima, ferroviário aposentado que precisou entrar
na justiça para conseguir a regularização dos cargos que ocupou. 35
Ainda sobre as distorções que ocorriam naquele ambiente de trabalho, o Sr.
Hostílio afirmou que havia uma forma de punição chamada “suspensão”, que
basicamente era suspender o trabalhador durante alguns dias, cortando o que
correspondia a esses dias no seu salário. A justificativa para tal ato era a
“desobediência” do trabalhador, faltas no serviço ou contestações e reclamações que os
funcionários fizessem das arbitrariedades cometidas pela Empresa. Para o Sr. Hostílio,
na maioria dos casos, não existia uma lógica para a tal “suspensão” e ela acontecia de
forma corriqueira e aleatória, estabelecendo-se como uma rotina da Empresa, mesmo
que esta tivesse infringindo leis que garantiam os direitos dos trabalhadores. Cabe

34
Essa informação sobre o não interesse dos funcionários sobre as mudanças de cargos também foi
cedida, pelo ferroviário aposentado José Antônio de Lima no dia 15/05/2012.
35
LIMA, José Antonio de. José Lima (depoimento 2012). Entrevista cedida a Tatiane Figueiredo Araujo.
Alagoinhas, BA. 15 de maio de 2012.
33

lembrar que, se nos grandes centros era difícil assegurar o cumprimento das leis, nas
cidades menores mais difícil ainda era garantias a fiscalização desse descumprimento.
Essa prática da Viação Férrea não era uma exclusividade e ocorria em diversas
empresas brasileiras. Ao analisar a experiência de São Paulo entre 1950 a 1960, Paulo
Fontes informa que os chefes de seção decidiam “sobre a maior parte da vida
profissional dos operários nas promoções, demissões, punições e transferências que
eram determinadas basicamente a partir de sua opinião”. 36 Fica evidente que essas ações
caracterizavam as empresas seguindo uma “conduta” generalizada. Certamente cada
empresa tinha suas especificidades dadas às devidas realidades, mas, estudos mostram
que essa prática das empresas se deu em diversas localidades do Brasil no período e as
experiências narradas pelo Sr. Hostílio Dias se aproximam das demais. Esses atos eram
tão frequentes e faziam parte da dinâmica do trabalho, que ele lembrou com indignação,

E o pior, aquela sequência de uma tal de suspensão que isso acabava com o
pessoal. Relação a qualquer coisa, discussão suspendia cinco dias, dez dias.
Você via assim na portaria lá publicado a relação antes de terminar aquela
relação enorme, aquela quantidade já tava o inspetor mandando outra
enorme, continuou colocando outra. 37

O Sr. Hostílio ainda relatou que a chefia da oficina instituiu uma suspensão
mais dura, que ele considerou ser “um golpe”, pois com as suspensões os ferroviários
trabalhavam e só recebiam a “metade do salário”, era uma “suspensão trabalhando”. 38
Ao que parece, as suspensões que já eram abusivas com a frequência das
punições tornaram-se cada vez piores e arbitrárias pois a Empresa além de suspender o
trabalhador por alguns dias cortava o salário. Nesta nova modalidade de punição o
ferroviário continuava na execução de suas funções e, ao final do mês, recebia o salário
cortado.
Possivelmente essas suspensões foram formas de punir e controlar os
trabalhadores, e, além disso, foram maneiras empregadas para inibir os possíveis
protestos e articulações dos funcionários que lutavam contra os desmandos e agressões

36
FONTES, Paulo. “Migração Nordestina e Experiências Operárias São Miguel Paulista nos anos 1950”.
In: BATALHA, Claudio H.M., Silva, Fernando Teixeira da; FORTES, Alexandre. (Orgs) Culturas
Classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas/SP: Editora da Unicamp, 2004,
p.377-378.
37
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
38
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
34

da Empresa no ambiente de trabalho. Ao analisar o uso de recursos dessa natureza Mike


Savage afirma que,

[...] A retirada dos meios de subsistência das mãos dos trabalhadores significa
constrangê-los a acharem estratégias para lidar com a aguda incerteza da vida
diária, que deriva de seu estado de impossibilidade de reprodução autônoma e
sem apelo a outras agências. 39

Esses embates entre a Ferrovia e os ferroviários não se restringiram apenas a


conquistas de direitos e benefícios. Eram também formas de afirmação de identidades
que estavam sendo forjadas por um grupo e não ficaram restritas ao espaço do ofício,
vivenciado também no convívio social. Segundo o Sr. Hostílio Dias, a princípio, os
ferroviários não tinham nenhum “poder no meio social”. Segundo ele, ao se referirem
aos ferroviários, alguns moradores da cidade de Alagoinhas usavam expressões como
“aquele era sebeiro... batedor de ferro”. Para ele, estas impressões foram se
transformando a partir dos comerciantes da cidade, pois muitos lojistas passaram a vê-
los como potenciais consumidores afinal, eles eram “funcionários federais, ” e diziam
que era “ali que estava a garantia”. 40
Esse espaço foi conquistado pelos ferroviários a partir da difusão de sua
significativa importância como força econômica na cidade. Mesmo que seus
rendimentos fossem baixos, ainda assim faziam circular o dinheiro no comércio
proporcionando um crescimento deste setor. Ao que parece, a visibilidade que os
ferroviários adquiriram socialmente se refletiu também nos casamentos, pois passaram a
ser vistos como “bons partidos” para algumas moças da cidade, pela garantia de serem
funcionários federais e isso inspirava confiança e estabilidade financeira. Os
ferroviários foram se estabelecendo no cenário social da cidade de Alagoinhas,
conquistando espaço e criando uma identidade que os destacavam dos demais
trabalhadores pobres.
Na busca por uma identidade ferroviária e promoção da sua imagem, a
Ferrovia criou associações recreativas, como os clubes de futebol que se configuraram
como formas de lazer e contribuíram para afirmação dos trabalhadores no espaço social

39
SAVAGE, Mike. Classe e História do Trabalho. In: BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando
Teixeira da; FORTES, Alexandre. (orgs.) Culturas de Classe: identidade e diversidade na formação do
operariado. Campinas, SP: Editora da Unicamp,2004.p.33.
40
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
35

da cidade trazendo satisfação para os mesmos. O funcionário estando ‘feliz’ teria uma
produtividade maior, ainda que essa saciedade seja no campo da diversão.
Segundo o Sr. Hostílio Dias, o interesse pelas questões políticas já era algo
“entranhado” que trazia de “nascença”, e que teria sido “levado para o campo partidário
dentro da oficina”. Ainda como aluno aprendiz, teria passado a se interessar pelos
assuntos de ordem trabalhistas, surgindo dentro dele um “espírito de comando, de uma
liderança na escola no meio dos colegas”. 41
Ao que parece, esse direcionamento foi ocorrendo de uma forma gradativa, e
teria iniciado na Escola Profissional participando das conversas, debatendo ideias e,
posteriormente, esse interesse teria se ampliado após sua efetivação como ferroviário.
Narrando esse período inicial de envolvimento ele ainda afirmou:

Dialogava muito, me preocupava com aquelas conversas dos colegas, os


nativos, os antigos ferroviários. Eu ficava ali muito curioso ouvindo aquilo e
daí desdobrava diálogos na caixa d´agua [local onde se reuniam] a tribuna
nossa lá dentro! Quando tava faltando uns 15 minutos, que é o penúltimo
apito nós entrava pro lado da serraria sentávamos ali que era a carpintaria.
Uns contava futebol, outros não sei o que..., outros notas de jornais, aí eu
participava de tudo estava no meio. Conversando explicando, já tinha uma
participação grande.

Essas costumeiras reuniões promoviam uma aproximação entre os funcionários


mais antigos e os que chegavam da escola criando um companheirismo entre eles.
Discutiam sobre várias questões não apenas sobre lazer, mas também assuntos
relacionados ao trabalho e política, criando articulações e união entre esse grupo de
trabalhadores. Aquele espaço das ideias ao que parece propiciou ao Sr. Hostílio Dias
influências e ali ele acumulou experiências que foram dando um caráter político a sua
trajetória. Seus relatos sobre esses encontros diários permitem pensá-los também como
uma “escola”, pois discutiam temas variados e ali foi se configurando a coesão/conflito
e o amadurecimento dele e do grupo.
As aspirações político-partidárias iniciais do Sr. Hostílio eram voltadas para as
lutas das questões trabalhistas e em seus relatos demonstrou ter grande admiração por
Getúlio Vargas, embora no momento que foi entrevistado, entre 2012 e 2013 tê-lo
identificado como um ditador e que seu governo foi “um regime ditatorial”. Segundo o
Sr. Hostílio Dias, tanto homem quanto mulher, naquela ocasião, falavam dos “atos
extraordinários” de Getúlio Vargas e a “maioria do povo brasileiro o admirava, apesar

41
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
36

de ditador” e foi assim, segundo ele, que começou com “aquele negócio de getulismo na
escola e pra oficina a mesma coisa.” 42
Essa admiração que o Sr. Hostílio Dias demonstrou ter por Getúlio Vargas
como um “chefe do governo” que tinha em sua conduta “atos extraordinários”, era um
pensamento de muitos dos trabalhadores do período que viam em Vargas um provedor e
mantenedor da legislação trabalhista. Essa imagem foi forjada no período do Estado
Novo resultado de forte investimento no discurso e propaganda. Angela de Castro
Gomes em seu livro A invenção do trabalhismo, em uma das principais análises de sua
obra, discute como foi construída a imagem de Getúlio Vargas perante os trabalhadores,
moldando a admiração e fascínio das massas tensionadas pelo Estado Novo, não
podendo ser analisada apenas pela política trabalhista, mas atrelada ao Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), órgão governamental que controlava o material público
dos rádios, jornais, cinemas e revistas daquela época. Em conjunto a este controle
também havia uma propaganda consistente na figura de Getúlio Vargas como um líder,
criando uma imagem como benfeitor dos pobres e doador da legislação trabalhista. 43
A autora ressalta que os acontecimentos políticos do pós-30 tiveram a questão
social como uma “grande marca distintiva e legitimadora”. Acrescenta que a “revolução
e principalmente o estabelecimento do Estado Novo distinguiam-se de todos os demais
fatos de nossa história” porque se “afastava de modelos jurídicos para mergulhar nas
profundezas de nossas questões econômicas e sociais”. Angela Gomes enfatiza que a
questão social teve um caráter revolucionário porque foi tratada como uma questão
“política” e só seria resolvida pela intervenção do Estado. 44
A autora destaca a importância da Hora do Brasil, programa produzido pelo
DIP entre 1942 a 1945, que vinculava as palestras do Ministro do Trabalho, Alexandre
Marcondes Filho, semanalmente pelo rádio e no dia seguinte ao seu pronunciamento o
texto era publicado no jornal oficial do Estado Novo, A Manhã, com a intenção de
promover uma fixação maior perante o público e ainda tornara, por um decreto lei, a
transmissão obrigatória em qualquer estabelecimento comercial. 45
O conteúdo dos programas “enfocava toda legislação social produzida,
regulamentada e reformada a partir do ano de 1930” e todos esses assuntos eram

42
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
43
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de janeiro: Editora FGV, 2005.
44
Ibidem, p.197.
45
Ibidem.
37

tratados pelo ministro em “tom pedagógico e até mesmo paternal” e em todos os


programas eram mencionados contundentemente o nome de Vargas. Ele era sempre o
“sujeito da ação”, criando uma memória no público ouvinte. Os discursos eram muito
bem conduzidos e, ainda segundo Angela Gomes, a clarividência, adjetivo dado por
Marcondes Filho a Getúlio Vargas, qualificava-o como um líder que se antecipava aos
fatos e suas “iniciativas políticas tinham um verdadeiro caráter profético”, assim, as
palestras eram sempre nesse viés de doutrina em que o Presidente teria feito uma doação
das leis que garantiram os benefícios aos trabalhadores. 46
O governo de Getúlio Vargas se organizava estrategicamente para atingir a
população, mais especificamente os trabalhadores, utilizando os meios de comunicação
a seu favor por meio das repetições das “benfeitorias” e ações realizadas em seu
governo, construindo uma autoimagem positiva de Vargas e por muitos trabalhadores
absorvida como a de um “Grande chefe”. Ainda nesta linha de raciocínio, Adalberto
Paranhos no livro o Roubo da Fala, afirma que a “concessão dos direitos sociais,
propagandeado como obra da generosidade e da capacidade de antevisão de Vargas,
cumpriu entre outras, a função de amortecedor do impacto das lutas de classes”. 47 E,
provavelmente essa manobra política tenha influenciado muitos operários que acabaram
absorvendo essa ideia e dando a Vargas o mérito pelos direitos conquistados.
Foi perceptível a admiração do Sr. Hostílio por Getúlio Vargas no decorrer das
entrevistas uma vez que suas referências mostraram que ele considerava Vargas um
líder e admirava sua atuação. Suas falas deixam ainda entrever certa consciência das
práticas políticas do governo de Vargas, considerado por ele posteriormente como um
“ditador”. Essa avaliação é fruto da reelaboração do passado e essa provavelmente
decorreu das influências de releituras de filmes e documentário diversos sobre o período
em que Vargas esteve no poder. Avaliações distantes contribuem para reformular ideias
e posições, ressignificando as experiências. É o olhar do presente sobre o passado e,
conforme Michele Pollack salienta, “o presente colore o passado”. 48
Hostílio Dias ainda relatou que ao tomar conhecimento da morte de Getúlio
Vargas se mobilizou para homenageá-lo, mobilizando os trabalhadores ferroviários. Ele
rememorou a iniciativa de prestar homenagem para Vargas e dessa forma descreveu:

46
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de janeiro: Editora FGV, 2005. p.214.
47
PARANHOS, Adalberto. O roubo da Fala-Origens da Ideologia do Trabalhismo no Brasil. São
Paulo, Boitempo Editorial, 1999, p. 157.
48
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2,
n.3,1989, p.8.
38

Eu parei a oficina, botei cá fora preparei o mastro, providenciei um


pronunciamento nosso, providenciei uma fita enorme, uma mortalha, um
retrato dele, consegui! Botamos lá, falei com o pessoal: vamos! Dali saímos
para curtumes, escola profissional, prefeitura, comércio na base de uns 3
dias. 49

Ele também relatou que toda aquela homenagem gerou alguns conflitos,
principalmente por parte dos “partidos que eram contra Getúlio”. Segundo o Sr.
Hostílio, teria acontecido muita confusão na ocasião e chegaram a dizer: “Isso só pode
ser comunista”. Mesmo com essa oposição, eles teriam continuado com as homenagens
e ele relembrou que o delegado regional veio falar com ele e disse “olha, eu quero
aconselhar”, você é “um jovem moderno, ainda menino” e, alertando que ele estava
“assumindo uma responsabilidade muito grande” e achou por bem aconselhá-lo “vamos
parar o negócio por aqui”. Segundo seus relatos entusiasmados, apesar da advertência
ele teria dado prosseguimento a homenagem. 50
Em contrapartida às informações do Sr. Hostílio, o jornal O Nordeste do dia 31
de agosto de 1954, noticiou sobre a morte do presidente e das homenagens que se
“seguiram do povo e operariado pelas ruas da cidade de Alagoinhas”, e mais, que os
líderes udenistas, adversários político de Getúlio Vargas, se mantiveram em um
“respeitoso silêncio”. Já os militantes do Partido Trabalhista Brasileiro, estavam sob a
liderança de Dr. Israel Pontes Nonato nas manifestações de pesar pela morte. 51 Apesar
das contradições encontradas entre as memórias do Sr. Hostílio Dias e as noticiadas no
Jornal não podemos eleger uma das duas como exclusivamente verídica ou mentirosa. O
fato é que houve homenagens, não apenas realizadas pela dedicação do Sr. Hostílio
Dias, e sim a população de uma forma geral se sentiu combalida com a morte
inesperada do presidente e prestaram também homenagens. Em relação ao texto
jornalístico sabemos que os editorais seguem uma linha ideológica e as manchetes são
exploradas ou silenciadas conforme a intenção que se quer propagar.
As homenagens prestadas a Getúlio Vargas na cidade de Alagoinhas mostram
uma iniciativa parecida com que aconteceram em vários estados do Brasil. Como
registra Jorge Ferreira, no dia 24 de agosto de 1954, “milhares de pessoas se

49
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
50
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
51
TRÁGICO Desfecho da Crise Política Militar. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VI, nº 160, 31.08.1954.
p.1.
39

concentraram no centro político de Porto Alegre [...] surgiram os primeiros grupos


empunhando grandes retratos de Getúlio Vargas e a bandeira nacional com uma tarja
negra”. O autor identificou que na “cidade de São Paulo, operários de muitas empresas
decidiram decretar greve e saíram em direção aos seus sindicatos”, como também em
“várias cidades do nordeste do país, a morte do presidente foi recebida com grande
impacto emocional” e nas “capitais nordestinas, como Recife, Salvador, Natal,
Fortaleza, Teresina e Aracaju o comércio deixou de funcionar e as aulas nos colégios
foram suspensas”. 52 No geral as homenagens de pesar estiveram presentes nas agendas
de muitas cidades brasileiras.
Voltando as lutas travadas no cotidiano de trabalho na ferrovia, o Sr. Hostílio
Dias recorda outro episódio que merece destaque que ocorreu no ano de 1952, ele
narrou que verificou no Estatuto do Funcionalismo Público que constava no Art.34
referente as férias o seguinte teor: “O funcionário gozará obrigatoriamente trinta dias
consecutivos de férias por ano, de acordo com a escala organizada pelo chefe da
repartição” 53. Porém, segundo o Sr. Hostílio, essa lei não estava sendo obedecida pela
Empresa pois os trabalhadores da Viação Férrea gozavam apenas 23 dias. Segundo seus
relatos, ao perceber essa distorção, ele teria começado “a fazer o movimento dentro da
Ferrovia” e teria feito um “abaixo-assinado para enviar para o Presidente da República”
que na ocasião era Getúlio Vargas eleito em 1950.
O Sr. Hostílio lembrou que teria articulado com os demais ferroviários e
conseguido “várias assinaturas”, e, quando já estavam preparados para enviar a
reivindicação para o presidente da República, a direção da Viação Férrea sugeriu uma
conversa e nesta, os representantes da Empresa, teriam reconhecido que havia um
engano por parte da Empresa e passaram a respeitar o direito do gozo das férias de 30
dias para os ferroviários. Infelizmente não tivemos acesso aos livros de registro de férias
da Empresa para confrontar essas informações. É também possível que eles tenham
feito circular a informação da carta denúncia e do abaixo assinado para provocar a
negociação.
E aqui é importante também problematizar essa iniciativa de enviar uma carta
para o presidente Getúlio Vargas se utilizando do próprio “arcabouço doutrinário do

52
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p.16.
53
Estatuto Dos Funcionários Públicos Civis Da União. 9ª ed.1963, p.26.
40

Estado Varguista”, como analisa Jorge Ferreira no livro Trabalhadores do Brasil. 54 Nele
o autor demonstra que os atores sociais conseguiram, ainda que estivessem debaixo de
uma opressão do Estado, se apropriar do discurso de Vargas para cobrar seus direitos
reafirmando, nas próprias cartas, o papel que o presidente propagava de “pai dos
pobres”. Essa iniciativa do Sr. Hostílio Dias e seus colegas evidencia que eles estavam
afinados com o cenário político da época, usando o jogo da política para cobrar os seus
direitos trabalhistas. Em suas lembranças ele evidencia o destaque que teve na ação
mas, é claro que para ele ter efeito precisava do apoio dos demais. É preciso levar em
consideração também o poder de convencimento e credibilidade que ele poderia mesmo
ter entre os colegas.
Segundo o Sr. Hostílio, o seu envolvimento e participação nesses episódios
foram se tornando mais frequentes e ele narrou outro acontecimento em que destacou
seu protagonismo. No período das festas juninas, os ferroviários estavam acostumados,
no dia de São João, a serem liberados uma hora antes do final do expediente. Porém,
eles tinham certeza que essa prática não se repetiria num ano específico pela fama que
tinha o novo inspetor de ser “carrasco”. Segundo ele, teria surgido um boato que o
inspetor iria liberar os funcionários às 15 horas e, chegado o horário da liberação teria
surgido uma zoada que imitava o apito da “compressora”, que era a máquina
responsável por avisar os horários de iniciar as atividades na ferrovia, horário do almoço
e horário do encerramento do expediente que era às 16h30min. Segundo o Sr. Hostílio
Dias, esse som saiu não da máquina e sim de algum colega que ele não sabe quem foi
que teria feito esse ruído com pedaço de tubo colocado na boca para parecer o apito da
Empresa.
O Sr. Hostílio disse acreditar que esse ato do colega teria sido para obrigar o
inspetor a liberar os trabalhadores mais cedo e ressaltando que a atitude do colega de
trabalho foi tomada por “conta própria”. Afirmou que, depois do ocorrido, o chefe teria
saído “feito uma fera” e determinou um castigo de uma hora a mais de trabalho. O
encerramento das atividades da ferrovia que era às 16h30min depois dessa punição
passou para às 17h30min, portanto, uma hora a mais depois do expediente, criando um
“rebuliço” entre os funcionários da Ferrovia. 55

54
FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945). Rio de Janeiro: 7
letras, 2011.
55
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
41

Naquele momento de agitação pelo castigo dado, o Sr. Hostílio teria falado
com os colegas de profissão que, ao invés de “estarem dizendo que vai fazer isso e
aquilo com o inspetor, outro xingando, outro jogando praga”, que, ao contrário, ele iria
sair no horário normal do expediente e não “teria conversa”. Afirmou que, após essa
fala a maioria dos ferroviários concordou com essa postura informando que sairiam
também com ele:
Quando deu 16h30min, aquela multidão, tudo atrás, ai chegou no portão, tá o
vigia e falei para ele: tenha bondade de abrir o portão porque já deu 16:30. Aí
ele falou: a chave não está comigo não, e aí perguntei está na mão de quem?
Ele respondeu está na mão de Dr. Luís [o inspetor], aí falei: não sabia que ele
foi rebaixado para vigia... aí fui lá conversar com ele. 56

Porém, o entrevistado teria refletido antes de ir falar com o chefe, pois


percebeu que ir sozinho não seria uma atitude sábia, afinal,

Sou muito olhado por eles aqui dentro dessa oficina, sabe a turma do contra,
os chefes... Eles doido para me pegar em umas faltas, para me castigar pra
valer, porque sempre falava na frente dos puxa-sacos para falar pra eles eu
comentava os atos deles... Aí eu ia lá, mas pensei assim eu vou formar uma
comissão e ir a ele agora, e aí eu pensei vou cometer um ato antiestratégico e
lá ele ia dizer que agredi a ele [se referindo ao inspetor] veio na mente isso...
Aí eu desisti, mas não por covardia de ir lá não, eu vou esperar que venha
aqui. 57

Depois de tomada essa decisão o chefe veio falar com os funcionários exigindo
que eles fossem trabalhar, mas, o Sr. Hostílio Dias relatou que teria dito que eram
16h30min e iria sair. Entretanto, o acordo feito anteriormente para que todos saíssem
quando desse o horário não foi cumprido e apenas 9 ferroviários saíram com o Sr.
Hostílio. Eles ficaram sabendo que tomaram suspensão de 14 dias. Tentaram ainda
argumentar com o inspetor, mas, ele não revogou a suspensão.
Partindo dessa não anulação da suspensão o Sr. Hostílio Dias e os outros 9
ferroviários foram para a capital do Estado com o intuito de resolver a questão. O
entrevistado ainda ressaltou que, apesar de ser muito “novo, mesmo assim se lembrou
do pessoal do PTB”. E segundo ele foi a Salvador falar com um “deputado chamado
João Lima Teixeira 58, getulista e que era Presidente da Assembleia da Câmara

56
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
57
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
58
João Lima Teixeira foi um advogado, jornalista e político, natural de Santo Amaro-Bahia. Em 1943 foi
eleito deputado federal. Em 1945-1946 foi presidente do conselho regional do trabalho da Bahia. Elegeu-
se deputado da assembleia constituinte baiano na legenda PTB e em 1954 ganhou as eleições para
Senador da Bahia coligação PTB com a UDN. Ver http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
biografico/joao-de-lima-teixeira
42

Estadual”. Ele ainda acrescentou que quando retornaram a Alagoinhas, o Diretor da


Viação teria falado com eles e pedido que os ferroviários suspensos fossem na casa do
inspetor para “conversar” com ele. Foram, conversaram, mas, a punição foi mantida.
Esse episódio é marcado por várias questões importantes e podemos, a partir
delas, fazer algumas leituras que nos dão uma compreensão da dinâmica nas relações da
Empresa e de como o Sr. Hostílio se articulava com os colegas e com seus superiores.
Os funcionários, em meio a possibilidade de não ser cumprida uma rotina que acontecia
nos festejos juninos, ficaram inquietos diante do não cumprimento desse acordo
informal e tiraram conclusões sobre a postura do chefe. Até então não teriam ouvido
nada de concreto se seriam liberados mais cedo ou não.
A partir dessa dúvida, um colega não identificado, mas que provavelmente agiu
em comum acordo com alguns outros colegas de trabalho, criou uma situação de
protesto ao imitar o apito da empresa. Consequentemente essa situação provocou uma
quebra na rotina de trabalho, e, no mínimo, iria forçar o inspetor a falar sobre o assunto
que até então estava talvez esquecido propositalmente. Notamos, neste episódio, que os
ferroviários utilizavam outros caminhos para protestar que não somente a fala e sim a
atitude que talvez provocasse resultados mais imediatos. Por outro lado, observamos
que outros ferroviários além do Sr. Hostílio tomavam posições nas lutas diárias do
trabalho revelando a existência de grupos que agiam de formas diferenciadas.
O Sr. Hostílio deixou explícito que o colega teria agido por “conta própria”,
deixando transparecer uma desaprovação dessa atitude. Podemos verificar, a partir da
narrativa, que, depois da confusão feita pelo falso apito e tumulto pela punição, o Sr.
Hostílio teria se posicionado de uma forma ativa perante o grupo, assumindo uma
posição de liderança e se destacando no episódio.
É importante salientar que o Sr. Hostílio afirmou que tentou organizar o grupo
de operários para que saíssem do “falatório” que não levaria a nada e partissem para a
ação. Ele teria insuflado a todos para saírem no horário certo do final do expediente e a
maioria o teria apoiado. Porém, quando chegou o momento marcado, quase todos
desistiram e apenas 9 teriam mantido o combinado. Essa quebra do acordo nos
possibilita pensar que, talvez os operários tenham ficado com medo das retaliações
comuns da Empresa ou talvez o prestígio que o Sr. Hostílio julgava ter perante os
trabalhadores não fosse tanto quanto ele avaliara.
Não há como saber se o colega que imitou o apito fez isso sozinho ou em
acordo com outros. Se houve acordo com outros o Sr. Hostílio ficou de fora, o que
43

possibilita pensarmos nas organizações de pequenos grupos que nem sempre se


articulavam. É preciso destacar que os trabalhadores acabaram trabalhando mais tempo
do que o regular e até os que saíram com o Sr.Hostílio trabalharam até o horário
estabelecido sem o benefício de sair antes como estavam acostumados nos festejos
juninos.
A posição do Sr. Hostílio neste episódio evidência uma forma diferenciada dos
demais colegas de profissão e é importante também perceber como ele se utilizou
daquela situação de uma forma estratégica aparecendo no cenário mesmo que não tenha
iniciado o protesto, apresentando-se como um mediador. A ironia ao perguntar se o
inspetor havia sido rebaixado também deve ser observada como uma forma de
confronto. Procurar instâncias superiores e políticos após a punição, também demonstra
sua inserção nos meandros da política que extrapolava o interior da Ferrovia.
Esse envolvimento do Sr. Hostílio nas questões políticas e sua atuação
possivelmente como mediador do grupo colocara-o em posição de popularidade levando
a crer que ele se configurou numa nascente liderança entre os colegas ferroviários
favorecendo uma escalada política e, segundo ele, em contrapartida, a direção da Viação
Férrea pelo exposto passou a vê-lo como um funcionário que poderia trazer problemas
para a Empresa.
Outro fato rememorado pelo entrevistado diz respeito ao “boletim de
merecimento”, que era uma avaliação feita pela Empresa sobre o desempenho dos
funcionários no serviço. Esse processo consistia em que o chefe de sessão preenchia
uma avaliação e depois passava esse documento para os empregados assinarem. Porém,
o que estava ocorrendo era que o documento estava chegando às mãos dos ferroviários
em branco para que eles assinassem, logo, os funcionários não sabiam quais eram as
avaliações feitas pelo seu chefe e a eles imputadas. Segundo o Sr. Hostílio, quando foi
solicitado para assinar o referido papel ele teria dito que não assinaria nem ele nem os
demais colegas. Relatou que foi apoiado pela “turma” e que “eles garantiram a palavra
mesmo” e dando “crédito”. Essa situação teria ficado por três dias e vendo que eles não
iriam assinar, os chefes passaram a preencher os documentos e assim todos assinaram a
tal avaliação conhecendo seu conteúdo. 59
Esse exemplo acima mostra como a união dos funcionários surtiu efeito para
quebrar alguns abusos e desmandos por parte dos que estavam no poder e essa

59
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
44

articulação entre os ferroviários possibilitou vencer lutas diárias. E, para além dessas
“pequenas” vitórias, os trabalhadores conquistaram algo maior que foi a consciência do
poder que eles tinham quando se uniam.
Foi nesses embates que o Sr. Hostílio foi construindo sua história política, se
envolvendo nas lutas diárias e assumindo características de líder. Ao que parece, ele
assumiu uma postura de mediador, pois conseguia transitar não apenas entre seus
colegas de profissão como também dialogar com os chefes. É importante ressaltar que,
pelos seus relatos, o Sr. Hostílio demonstrou habilidade para perceber o momento
adequado para se manifestar nas ocasiões de conflitos e também saber recuar. Essas
atitudes colocaram-no em evidência.
Segundo o Sr. Hostílio, os colegas passaram a reconhecê-lo como representante
do grupo. Para ele, sua posição de liderança, teria nascido

[...] Assim, espontâneo! Eles já chamavam dentro da oficina de vereador e


deputado, os colegas deram para isso, pela minha posição, o modo de me
movimentar em torno dessas opiniões, dessas posições. Os colegas falavam:
“É nosso vereador e nosso deputado”, e aí foi criado corpo essa
manifestações deles. E daqui a pouco, eles começaram a me procurar, o povo
da rua, o povo lá dos partidos, os chefões, procurar de um lado de outro e
faziam convite. 60

Ele afirma que recebeu muitos convites para que se candidatasse a vereador e
que surgiram propostas de várias legendas devido ao seu destaque e popularidade entre
os ferroviários. Cabe destacar que o entrevistado ainda teve influência do seu irmão,
Hildebrando Dias, que foi “vereador nas legislaturas de 1950-1954, tendo seu mandato
cassado em 1952, pela justificativa de falta de decoro e posteriormente conseguiu se
reeleger para o mandato de 1955-1958” 61, tinha uma postura política ativa e
fiscalizatória, e também foi membro do Partido Comunista Brasileiro-PCB 62 antes dos
mandatos. Provavelmente de alguma forma a experiência política de Hildebrando
contribuiu para o ingresso do seu irmão Hostílio no mundo da política.
As memórias do Sr. Hostílio sobre sua experiência na Viação Férrea e o
caminho que o levou a seu primeiro mandato foram narradas pelo entrevistado de um

60
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
61
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011, p.61.
62
Doravante tratada somente como PCB. Cabe destacar que até agosto de 1961, o PCB era Partido
Comunista do Brasil.
45

modo geral como algo natural. Ele considerou que o interesse pela política e as lutas
trabalhistas já eram portados de “nascença”. Em todos seus relatos buscou se colocar
como atuante e protagonista nos embates do cotidiano do trabalho. Mesmo que o Sr.
Hostílio tenha alegado que foram os colegas que o elegeram como vereador e
representante da categoria, podemos analisar que o personagem por várias vezes se
colocou na posição de mediador e porta voz de seus colegas buscando tomar a frente
para negociar conflitos em seu ambiente de trabalho. Contudo, existiram outros
ferroviários que se destacaram também e conseguimos identificar essa presença quando
ele narra alguns acontecimentos, sendo perceptível a disputa de poder nas tomadas de
decisões de episódios rememorados que em alguns casos as decisões acordadas eram
contrárias ao combinado.
A julgar pelas formas de articulação expostas pelo Sr. Hostílio é possível
considerar que tenha sido a informação o elemento que o evidenciava, uma vez que
desde a Escola Ferroviária o personagem afirma que procurava se interessar pelos
assuntos relacionados a política e buscando também conhecer o Estatuto dos
funcionários públicos garantindo conhecimento para saber agir diante de casos de
descumprimento das leis por parte da empresa e também saber se posicionar se fazendo
um líder entre seus colegas. Não desconsideramos o fato de o personagem de fato ter
uma notoriedade diante dos demais colegas, mas os pontos abordados acima o
aproximava e o colocava mais perto para essa posição.
A construção das memórias do Sr. Hostílio ao relembrar alguns episódios
passados, como apontamos ao longo do texto, esteve em confrontação com outras
narrativas e observamos que o que estava em jogo era o protagonismo das ações, o
destaque de quem as executou e em outras observamos uma intersecção desses fatos.
Michael Pollack sobre o relato de vida considera que “assim como uma ‘memória
enquadrada’, uma história de vida colhida por meio da entrevista oral, esse resumo
condensado de uma história social individual, é também suscetível de ser apresentada de
inúmeras maneiras em função do contexto no qual é relatada” 63. É justamente essa
perspectiva da identidade individual que traz uma visão a partir de um prisma pessoal,
mas que abarcar o mundo social que se vive.
A autora Cléria Botelho da Costa também reflete que “o mundo de cada
rememorador é singular, ímpar, e que ele difere do mundo do outro, do mundo do

63
POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio.” In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro: vol. 2,
nº 3, 1989. p.11.
46

pesquisador”. A autora conclui que o “mundo do outro certamente não é matizada pelas
mesmas cores com as quais enxergo o meu mundo” e “nosso olhar e os sentidos que
atribuímos às coisas, às pessoas, estão sempre carregados de subjetividade” 64. Então
compreendemos que o Sr. Hostílio ao trazer seus relatos o faz com uma visão e
interpretação particular, apontando novas informações e sensações atribuindo um novo
prisma ao passado.
No artigo de Alessandro Portelli 65, sobre o massacre de Civitella, ele analisa as
disputas das memórias, observando suas várias versões a partir do lugar de fala de cada
grupo envolvido, percebendo as “memórias divididas” não como excludentes em
detrimento de outras, mas mediadas “ideológica e culturalmente”, assim também
entendemos as rememorações do Sr. Hostílio, personagem desse estudo que acaba
trazendo um novo ponto de vista, uma história contada a partir de sua percepção e
ressignificação do passado, pois o ato de recordar é um processo particular porque lida
com a alteridade do rememorador, mobilizando representações pessoais e ao mesmo
tempo é coletivo em função da sua posição social. Portelli considera ainda que, seja uma
memória de um grupo pertencente, mesmo assim irão existir memórias múltiplas e essa
confrontação é um diálogo importante para compreender o passado analisando as
versões de cada um sobre o mesmo evento.
No próximo capítulo vamos tratar diretamente do primeiro mandato do Sr.
Hostílio Dias, a partir das atas da Câmara de Vereadores analisando sua atuação e
buscando compreender o cenário político da cidade de Alagoinhas naquele período.

64
COSTA, Cléria Botelho da. A escuta do outro: dilemas da interpretação. História Oral, Rio de Janeiro,
v. 17, n. 2, p. 47-65, jul./dez. 2014, p. 57.
65
PORTELLI, Alessandro. “O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana, 29 de junho de 1944): mito
e política, lute e senso comum”. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e abusos
da história oral. 4 ed- Rio de Janeiro: Editora FGV,2001, p.103-137.
47

Capítulo II
Um ferroviário na Câmara de Vereadores: atuação, luta e suspensão
do mandato

1.1 - O “repto de honra” e o mandato interrompido

Neste capítulo analisaremos a primeira experiência do Sr. Hostílio como


vereador na cidade de Alagoinhas em 1955, mandato que foi permeado por disputas
partidárias que desencadearam em um crime ocorrido no interior da Câmara Municipal
de Alagoinhas com tiroteio, alguns vereadores feridos e o filho do prefeito, Darcy
Carvalho, morto. Os acusados do crime foram alguns vereadores do bloco oposicionista
entre eles estava o Sr. Hostílio que ficou preso e aguardando o julgamento por 2 anos e
3 meses.
Foi na ata da Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Alagoinhas,
correspondente ao dia 7 do mês de maio de 1956, que ocorreu o episódio do crime. os
trabalhos se iniciaram normalmente com número legal de vereadores e quem presidia
interinamente a sessão era o vereador João Nou que foi surpreendido por Darcy
Carvalho, filho do prefeito Antônio Carvalho Junior que, portando uma arma foi cobrar
o “repto de honra”, ocorrendo um tiroteio no recinto. 66
No dicionário Houaiss a palavra ‘repto’ significa: “opor-se, ação de desafiar,
de provocar” e foi justamente o que o “repto de honra” mencionado anteriormente teve
por objetivo fazer. O intuito foi cobrar provas das denúncias feitas pelo vereador João
Nou acusando o prefeito Carvalho Junior de ser “desumano e esperto desonesto” e a
partir dessa acusação o prefeito cobrou satisfações por meio de um boletim com o título
mencionado acima que teria provocado uma resposta mais firme e provocativa do
vereador que também sugeria que o filho do prefeito que também era Secretário
Municipal, Darcy Carvalho, defendesse seu pai pelo fato dele ser “idoso”. Todo esse
cenário entrou em ebulição se encerrando de uma forma drástica, com a morte de Darcy
Carvalho em decorrência do tiroteio que aconteceu naquela sessão do dia 7 de maio de
1956. Mas para compreender como os envolvidos chegaram a esse ponto acessaremos
as atas que correspondem ao primeiro ano das atividades do legislativo Municipal em
1955 e primeiro período de 1956 culminando com o crime relatado, tendo como

66
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 07/05/1956, p.35.
48

caminho a trajetória política de Hostílio Dias buscando compreender o cenário da


cidade de Alagoinhas no período analisado.

1.2- Legendas: dissidências e acordos

O Sr. Hostílio Dias ganhou as eleições de 1954, se elegendo pela União


Democrática Nacional-UDN, partido que fazia oposição direta a Getúlio Vargas. Sobre
sua filiação a UDN ele argumentou que aquela legenda foi a que ele mais “combatia por
vida”, demonstrando sua admiração por ter concorrido por aquele partido e fazendo uma
referência ao seu irmão Hildebrando Dias, citando uma frase que ele usava para
ressaltar o espanto sobre o que acreditava ter sido: “uma ironia do destino”. Em suas
narrativas ele destacou que combatia a postura da UDN por considerar inimiga do
trabalhador e disse que eles ironizavam a sigla da União Democrática Nacional dizendo
que ela representava na verdade “unidos devoraremos a nação”. Afirmou que já havia
combatido e protestado muito contra as práticas do partido.
O Sr. Hostílio relatou que teria ocorrido uma dissidência, “um rompimento” no
interior do Partido Trabalhista Brasileiro-PTB e o partido que ele escolheu para migrar
foi o Partido Democrático Cristão-PDC. Contudo, ele relembrou que naquele mesmo
período teria recebido um convite de Pedro Dória, que já havia sido prefeito eleito no
pleito de 3 de outubro de 1950 67 em Alagoinhas, para uma conversa ressaltando que era
“oposição forte a ele” e que seu irmão também se opôs a ele na Câmara de Vereadores.
Segundo Hostílio, apesar dessa oposição decidiu por razão das lutas que era importante
ir ter a conversa e o que valia era sua posição. A proposta que recebeu foi uma cadeira
cativa para ele se filiar na legenda de Pedro Dórea, e ele teria informado que levaria a
proposta para “a categoria para apreciação dos colegas”. Hostílio narrou que teve “ uma
certa surpresa” com a reunião da categoria que ocorreu “aproveitando um espaço de
tempo antes do horário do serviço”, teria acontecido “dentro da casa de Joaquim Cabral-
era um sapateiro velho- que era marcado[como] comunista pesado, quase sempre
qualquer coisa de novidade o comandante mandava prendê-lo”. Narrou ainda que a
reunião foi feita “na casa dele sem segunda intenção, sem pensar em ligação de
comunismo, sem saber de nada...aproveitando espaço de tempo, antes do horário do

67
RESULTADO oficial do pleito de 3 de outubro, neste Município. O Nordeste, Alagoinhas, ano II, nº
59, 29/10/1950, p.6
49

serviço ”. Importa mencionar que esse senhor ‘comunista’ morava de frente para a
Estação São Francisco e, ao que parece, a casa servia para reuniões dos operários. Na
reunião o Sr. Hostílio deixou claro que sua opção partidária era pelo PDC e segundo ele,
os colegas concordaram e optaram também por esse partido e disse ainda que o
entendimento que tiveram foi que aquele convite de Pedro Dórea e a sua negativa “era o
meio de dar logo uma pancada”, se referindo ao político.
Hostílio Dias seguiu dizendo que a partir daquela decisão, “teve uma alazinha
dentro da oficina” que era ligada a Pedro Dórea que não concordou com a decisão,
porém ele teria dito que a opção partiu de uma votação e manteve o acordado. Narrou
ainda que em seguida “os prazos chegaram para fazer a inscrição na legenda para a
candidatura” e foi quando percebeu que não estava inscrito na que havia decidido. Ele
afirmou que, quando percebeu, ainda não tinha portaria para sua candidatura e já tinha
encerrado o período de inscrição dos partidos. Segundo ele, isso teria ocorrido por falta
de experiência, pois teria entrado novo, aos 25 anos de idade e ainda não possuía os
traquejos sobre as questões burocráticas dos partidos. Ele relembrou que depois foi
informado que seu nome estava na lista de candidatos inscritos pela UDN. Segundo ele,
isso teria acontecido porque existia, por parte de alguns membros do partido PDC, um
contato com o pessoal da UDN e estes teriam encaminhado a relação dos candidatos
para eles com o seu nome incluso.
Ainda afirmou que aquela altura ele “não tinha meio de refazer mais, tinha
terminado os prazos” 68 e se não saísse pela UDN não poderia mais disputar as eleições
para vereador naquele ano. Ele sabia que possuía grandes chances de alcançar a vitória
por ser e estar apoiado pelos “ferroviários que representavam uma força grande na
cidade”. 69 Ele relatou que antes de concorrer mesmo pela União Democrática teve uma
conversa com os dirigentes do partido deixando acordado que ele teria autonomia caso
fosse eleito para tomar decisões dentro do partido. Isso contudo, segundo seus relatos
não teria se concretizado e ele afirmou que antes mesmo da posse já teria se desfiliado
da UDN por não concordar com várias posturas, ficando sem partido a princípio. Cabe
destacar que ele não relatou quais foram os desacordos que motivaram a desfiliação.

68
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
69
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
50

Este é um episódio pouco explicado e que ele buscava minimizar nos seus
relatos. Para além da perda de prazo justificada por ele, é possível que o Sr. Hostílio,
ainda não tivesse um apoio político nessa primeira experiência como candidato em
virtude de estar se iniciando efetivamente na política e talvez não possuísse uma
visibilidade entre os quadros dos partidos ou que ele simplesmente não tenha ficado
entre os escolhidos pelo partido para concorrer e por isso se filiou a outro partido. Outra
possibilidade é que tenha ocorrido uma dissidência do Sr. Hostílio no grupo político
local em que ele estava afinado e ele migrou estrategicamente para outra legenda. Nas
eleições de 1954, alguns candidatos filiados ao PTB e outras legendas saíram dos seus
respectivos partidos e isso poderia ter influenciado sua mudança. Essa probabilidade
ganha mais força quando verificamos a criação do bloco oposicionista Frente Popular
Democrática-FPD 70 composta por membros dissidentes de várias legendas, entre eles
estavam o Sr. Hostílio e seu irmão Hildebrando Dias.
É necessário também registrar que a própria UDN difundia ter em sua essência
partidária a “liberdade de movimento”, como aponta Maria Victoria de Mesquita
Benevides 71, ao trazer um registro da convecção Nacional da UDN de maio de 1946,
que dizia que a principal qualidade do partido era “sempre” que se fizesse
“conveniente” o partido adaptaria “o seu programa às necessidades do povo brasileiro e
sem os desajustamentos que ocorrem aos partidos presos a ideologias ou doutrinas
rígidas”. Essa conduta favorecia a receber membros de outros partidos conforme a
necessidade de se adaptar as demandas do cenário político e estar em rota com as
exigências da ocasião. 72 Embora esse regimento evidencie um discurso, entendemos que
cada partido explicita suas propostas e esta pode mesmo ser uma estratégia para atrair
políticos em rota de colisão com seus pares.
Aqui é necessário problematizar sobre a estrutura partidária local anteriormente
ao pleito de 1954 em Alagoinhas e que acabou por direcionar e orientar posturas e
estruturas do referido período. Ao analisar o Legislativo Municipal de Alagoinhas a
partir de 1948, com sua reabertura após o fim do Estado Novo (1937-1945), Moisés
Morais, avalia que havia uma “gradativa ampliação de interlocutores dos trabalhadores
no Legislativo Municipal”, se elegendo para vereadores. Isso fica comprovado com o
pleito de 1947, no qual entre os doze vereadores que em sua maioria eram proprietários

70
Doravante tratada somente como FPD.
71
BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. “A UDN e o udenismo: ambiguidade do liberalismo
brasileiro (1945-1965) ”.Tese (Doutorado em História) Universidade de São Paulo, 1980, p.239.
72
Ibidem, p.43.
51

de terras, comerciantes, agrônomos e médico estava um operário ferroviário, o Sr.


Almiro de Carvalho Conceição, eleito pelo PTN e posteriormente filiada, em 1948, ao
PSD. Importante registrar que esse ferroviário eleito pertenceu ao PCB e desvinculou-se
fazendo questão de afirmar na tribuna da Câmara de Vereadores de Alagoinhas em 1948
que não mais pertencia ao partido. 73 A legenda PCB havia sido cassada, em 7 de maio
de 1947, e os parlamentares comunista perderam os mandatos no ano seguinte.
Provavelmente, Carvalho da Conceição queria se livrar de qualquer vínculo com o
partido e das consequências que o vínculo poderia lhe trazer naquela conjuntura.
Ainda que tímida, a participação do setor popular no legislativo municipal
naquela conjuntura, esse quadro evoluiu nos próximos anos para um crescimento
gradativo. Isso se verifica na legislatura de 1951-1954, com eleição de “um membro do
sindicato ligado ao operário em curtume” e “houve também a eleição pelo PTB de dois
trabalhadores da ferrovia”. A bancada do PTB duplicou sua participação na Câmara de
Vereadores. Nesse período, a atuação dos vereadores se destacava por buscar melhorias
no centro urbano, principalmente as de reduto ferroviários e fiscalização da execução
dos direitos trabalhistas. Inclusive um dos vereadores eleitos foi Hildebrando Dias 74,
“funcionário público, coletor da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia”, e que
posteriormente teve seu mandato cassado por falta de decoro e como já mencionado era
irmão do Sr. Hostílio . 75
A participação de operários no legislativo alagoinhense se intensificou mais
nas eleições de 1954, se elegendo um número significativo de representantes da classe.
Foram quatro vereadores eleitos: três ferroviários, entre eles o Sr. Hostílio, que ocupou
a Presidência da União dos Servidores Públicos na Sessão Alagoinhas 76 e um presidente
do sindicato dos trabalhadores na Indústria de Curtimento de Couros e Peles de
Alagoinhas. 77Essa participação mais presente vindo da parcela operária convergia com

73
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011, p.92.
74
Vereador eleito em Alagoinhas para as legislaturas de 1950-1954 e 1955-1958.
75
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011, p.92.
76
Informação encontrada no Jornal, porém não conseguimos saber quando o Sr. Hostílio Dias assumiu a
presidência dos Servidores Públicos de Alagoinhas. Jornal O Nordeste, Ano VII, nº 54, 15.07.1956. p.6.
77
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011, p. 92.
52

as conformações daquele período. Como aponta Jorge Ferreira, entre novembro 1953 e
janeiro de 1954,
O movimento sindical não se limitou a pressionar patrões e governo por
reajustes salariais e deflagrar greves. Os sindicalistas, procurando avançar
para além das reivindicações econômicas, começaram a lutar também na
dimensão da política, particularmente a eleitoral. Em meados de novembro,
os presidentes dos sindicatos[...] se reuniram na União dos Servidores do
Porto, no Rio de Janeiro. Ao final, apresentaram o manifesto-programa de
lançamento da Frente dos Trabalhadores Brasileiros, cujo objetivo era lançar
candidatos para cargos legislativo . 78

O manifesto tinha como pauta reivindicatória a “defesa da autonomia e de


sindicatos, melhor padrão de vida para a classe operária, direito de greve e das
conquistas asseguradas na constituição e defesa da reforma agrária” 79. Jorge Ferreira,
afirma ainda que os líderes sindicais de várias categorias da classe operária, inclusive os
ferroviários, teriam seguido a mesma ação dos seus “companheiros cariocas” e em
janeiro de 1954, publicaram um “manifesto político” propondo que cada “categoria
profissional” deveria ter um representante e concorrer nas eleições e “defendia uma
palavra de ordem para todos assalariados: “trabalhador não vota em tubarão”. 80
Aqui percebemos um alinhamento dos sindicatos pela ocupação dos espaços de
poder efetivamente, atuando diretamente nas trincheiras do legislativo e buscando um
contingente maior de trabalhadores que estivessem no embate direto pelas garantias das
leis trabalhistas. Esse exemplo mencionado acima, originalmente disseminado no Rio
de Janeiro e amplamente colocado em prática nas outras regiões do Brasil,
provavelmente influenciou ideologicamente a experiência de Alagoinhas e isso é
perceptível na legislatura 1955. Com um aumento de operários no legislativo, e com
uma formação de uma bancada, sob a legenda “Frente Popular Democrática” 81 os
vereadores eleitos atuaram diretamente na defesa dos trabalhadores e fazendo uma
política de fiscalização e oposição forte a gestão do prefeito Antônio Martins de
Carvalho Junior- UDN. Importante destacar que esse legislativo representado pela
maioria operária se configurou em uma articulação bem definida passando a garantir
uma autonomia e poder de decisão no segundo ano dos trabalhos na Câmara de
Vereadores em 1956.

78
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p.111.
79
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia,1948-1964. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Univresidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011, p. 92.
80
Ibidem, p.112.
81
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.15/04/1955.
53

Ao que parece, na cidade de Alagoinhas os ferroviários foram atuantes e isso se


devia a consciência de classe que foi construída em experiência de embates travados
desde o final do século XIX e início do XX, ocasiões em que lutaram por melhores
condições de trabalho e consequentemente por uma vida melhor. Como aponta Ede
Soares, em seu artigo Os ferroviários e a formação do PCB em Alagoinhas, “nos anos
de 1894, 1909, 1919, 1927 e 1932 os ferroviários entraram em greve[...]eles estiveram
quase que permanentemente lutando por melhores condições materiais”. 82 Nas
pesquisas realizadas para a monografia A vida nos trilhos: profissionalização, trabalho
e política partindo das memórias de um ferroviário, com recorte temporal a partir 1943,
constatamos que em 1947 na experiência do Sr. Hostílio na Viação Férrea, visto no
primeiro capítulo, foi sendo intensificada uma consciência de classe entre os
ferroviários a partir de uma identidade ferroviária construída por eles. Essa remontava
ao século XIX e foi intensificando e tendo uma articulação melhor e mais demarcada
socialmente provavelmente reconhecendo que por meio da união e coesão de classe
poderiam alcançar e conquistar seus direitos enquanto trabalhador e cidadão.
Ede Ricardo Soares, em sua dissertação intitulada: Os comunistas e a
formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-1956), relata que anteriormente a 1950 o
operariado de Alagoinhas teve apenas o Centro Operário Beneficente de Alagoinhas,
criado em 7 de setembro de 1931, como “interlocutor junto ao poder público, haja vista
que estavam à margem dos parlamentares e das prefeituras”. O Centro Operário, através
do jornal Sete Dias foi uma entidade de “sociedade de amparo de defesa da classe
operária alagoinhense” exercendo a única representação da classe trabalhadora naquele
período. 83
O autor ainda verificou que com a legalização do Partido comunista em
Alagoinhas “se tornou uma entidade de vulto, de modo semelhante ao que ocorrera em
todo o país” [...] “membros do partido gozaram de prestígio frente à população e junto
aos membros do poder público. ” Garantindo “liberdade de atuação, principalmente nos

82
Soares, Ede Ricardo de Assis. Os ferroviários e a formação do PCB em Alagoinhas. In: BATISTA,
Eliana Evangelista (org) Alagoinhas: histórias e historiografia. Alagoinhas (BA): Quarteto/FIGAM,
2015, p.160-161.
83
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-1956).
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, 2013, p.140.
54

períodos eleitorais, o que se verifica com o destaque alcançado pelo núcleo local por
conta dos votos que os candidatos comunistas receberam naquele contexto”. 84
Muito embora a cidade já tivesse uma experiência de atuação de luta com os
ferroviários, o Partido Comunista, ainda segundo a reflexão de Ede Soares, foi
responsável pela “formação e organização da cultura política de esquerda em
Alagoinhas”. 85Provavelmente essa experiência comunista agregou nas lutas trabalhistas
já existentes na cidade e essas influências começaram a se tornar efetivamente após a
década de 1950 com a participação efetiva do operariado na câmara legislativa
municipal.
Antes de adentrar na experiência do primeiro mandato do Sr. Hostílio Dias, a
partir de 1955, precisamos fazer uma reflexão sobre as três principais legendas
partidárias que estavam em atuação. A primeira delas é o PTB, criado em 1945 por
Getúlio Vargas para servir de base estrutural para os trabalhadores. Segundo Jorge
Ferreira, a criação do partido “resultou de tradições que circulavam entre os próprios
trabalhadores, antes e depois de 1930”, o autor ainda problematiza que a versão comum
quanto a criação do PTB de que tenha sido de “última hora para barrar o crescimento do
Partido Comunista Brasileiro-PCB” não se sustenta. Jorge Ferreira, ainda afirma vide
Angela de Castro Gomes 86, que o “trabalhismo e a montagem do sindicalismo
corporativista, complementadas pela criação do Partido Trabalhista Brasileiro
construíram as pedras de toque para a incorporação política dos trabalhadores”. 87
O PTB quando criado tinha como representação máxima a figura de Getúlio
Vargas, ele era o que dava ao partido a credibilidade perante a massa trabalhadora e seu
nome era maior que a sigla, o getulismo como chamado para identificar sua forma quase
que exclusiva, diferenciada de governar e que tinha por seus seguidores uma aclamação
e gratidão pelas leis trabalhistas implantadas. E esse reconhecimento era legítimo e
notório ainda que esses direitos alcançados tenham sido conquistados por meio das lutas
operárias, contudo a efetivação foi consolidada na gestão de Vargas e ele tinha uma
condução peculiar de transmitir e propagandear as “benfeitorias” “doadas” aos
trabalhadores capitalizando as ações. Com a morte de Getúlio Vargas em 1954, o
partido passou por um momento de transição tendo à frente João Goulart que antes da

84
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-1956).
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, 2013, p.139.
85
Ibidem, p.140.
86
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de janeiro: Editora FGV, 2005.
87
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011,p.53 -54.
55

morte de seu grande líder já havia lhe passado a direção do partido e posterior a sua
morte era o momento de executar as mudanças necessárias para o PTB se manter
operante ainda que sem seu líder fundador.
A partir daquele momento se promoveu uma distinção no PTB e se configurou
entre o Getulismo praticado na consolidação das leis trabalhistas e na legenda do PTB
com sua criação e outro pós morte de Vargas direcionado por João Goulart, com o
trabalhismo. Jorge Ferreira faz a distinção desses dois momentos, a partir do artigo de
Adamastor Lima, que define e explica as diferenças de cada momento. Segundo Lima o
“Getulismo e trabalhismo não se confundem”, o Getulismo é “fenômeno sentimental” e
“gratidão coletiva” que sempre estará registrado nas mentes dos brasileiros. Já o
“trabalhismo é um movimento político” que com o “PTB, ganhou a forma partidária”. 88
O Getulismo tinha uma característica de defesa e conquistas trabalhistas
representada por um líder e o trabalhismo se configurou em outro momento de uma
geração que ao invés de ter um provedor na figura de Vargas, se manifesta
politicamente se representando legalmente e sobre um herdeiro do getulismo, Goulart,
que representava esse novo momento. Jorge Ferreira ainda argumenta que João Goulart
contribuiu “para que o PTB adquirisse um perfil político e ideológico mais
consistente”. 89
Esse período também foi caracterizado na literatura por uma política chamada
‘populista’, compreendida entre 1945 a 1964, que tinha como definição um líder
carismático, autoritário e provedor. Segundo Angela de Castro Gomes, no seu artigo O
populismo e as ciências sociais no Brasil 90, esse conceito começou a ser estudado na
década de 1950 por um grupo formado por intelectuais financiado pelo Ministério da
Agricultura com objetivo de pensar sobre os problemas do país e eles identificaram que
um dos principais problemas no Brasil era o populismo como política. Discute, porém,
que a princípio o fenômeno foi conceituado de forma rasa, considerando os
trabalhadores como sem consciência de classe, esse conceito foi sendo absorvido
também por um senso comum e reproduzido por um tempo, A própria autora Angela
Gomes reconhece que se desprende desse conceito ‘populismo’ por considerar o seu

88
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p.143.
89
Ibidem, p.143-144.
90
GOMES, Angela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um
conceito”. In: FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001, p.17-57.
56

conteúdo básico e sem uma reflexão que dê conta da complexidade das relações
estabelecidas no período estudado.
Com as mudanças do cenário político, a própria historiografia passando por
novas inclusões de abordagens sobre esse conceito foi tendo outras versões e análises,
em virtude também da própria profundidade que o tema exigia. Jorge Ferreira, em seu
artigo O Nome e a coisa: o populismo na política Brasileira, afirma que nos anos 80
alguns historiadores brasileiros começaram a adotar em sua literatura a história cultural,
construindo uma nova visão, que nega “que as classes dominantes tenham o monopólio
exclusivo da produção de ideias. Os trabalhadores, os camponeses e as pessoas comuns
também produzem suas próprias ideias”. 91 Essa abordagem muda todo um conceito
anteriormente divulgado sobre o populismo, mostrando que existia uma confrontação de
ideias e poderes. Ferreira se vale do conceito de “circularidade cultural” de Carlo
Ginzburg, para quem as ideias não são produzidas apenas pela classe dominante e
impostas sem resistências e conciliações. Ferreira também trabalha com a reflexão de
Roger Chartier ao concordar que as classes populares se apropriam das ideias
dominantes e as ressignificam.
No livro O populismo na política brasileira, o autor Francisco Corrêa Weffort,
faz um estudo sobre o populismo no Brasil, considera que o “populismo foi um modo
determinante e concreto de manipulação das classes populações, mas foi também um
modo de expressão de suas insatisfações”. Refletiu que assim como foi um mecanismo
para exercer uma dominação dos grupos dominantes também esteve com esse domínio
“potencialmente ameaçado”. 92 Constatando que as classes operárias também exerciam
suas forças não sendo passivas à dominação e imprimindo suas forças.
Segundo Lucília de Almeida Neves, o PTB foi caracterizado como um projeto
para o Brasil tendo como base uma “concepção distributivista de bens e benefícios” e
considera que o partido “pode ser identificado como expressão melhor acabada do
trabalhismo brasileiro”. A autora define que o Partido Trabalhista teve suas
heterogeneidades e o classifica em três influências ideológicas. O primeiro seria os
getulistas pragmáticos, com início em 1945, ano de sua criação até 1954, vinculado a
“estrutura do Estado através do Ministério do Trabalho e por sindicalistas ligados ao
corporativismo sindical oficial”. O segundo momento seria identificado como o dos

91
FERREIRA, Jorge. “O nome e a coisa: o populismo na política brasileira”. In: FERREIRA, Jorge. O
populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.97.
92
WEFFORT, Francisco Corrêa. O Populismo na política brasileira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980.
(Estudos brasileiros, v.25), p. 63.
57

doutrinários trabalhistas, representados pelos “intelectuais orgânicos do petebismo” e


tinha como característica uma desvinculação do “partido em relação ao Estado” e o
período dessa conjuntura foi até 1960. E, por último, tinha os pragmáticos reformistas,
atuando na segunda metade dos anos 50 e sua característica era uma política partidária
com tendência getulista e doutrinária e seu principal representante foi João Goulart. 93
Angela Gomes no livro A Invenção do trabalhismo, analisa como foi sendo
construído o conceito de trabalhismo, mostrando uma conformação de atitudes e
práticas realizadas pelo governo Vargas. Ao tomar pose em 1942, o então ministro do
trabalho, indústria e comércio, Alexandre Marcondes Filho, passou a falar
semanalmente pelo rádio, palestrando sobre as medidas governamentais, no programa
Hora do Brasil, que era produzido pelo Departamento de Impressa e Propaganda,
veiculado em todo período que exerceu o cargo até 1945. A autora ressalta que era
inédito no Brasil que uma autoridade se dirigisse diretamente ao grande público.
Essa primeira medida de contato próximo com os trabalhadores por meio da
figura do ministro do trabalho para disseminar e propagandear as medidas realizadas na
legislação social, Angela Gomes, nomeou como ‘fala aos trabalhadores brasileiros’. E
seguindo esse estudo a autora lista outra atitude, ‘a criação do tempo festivo’, que foram
comemorações e calendários festivos que tinham como centro a figura do trabalhador,
como o primeiro de maio, dia do trabalhador sendo comemorado pelo Estado e ocasião
em que Vargas aproveitava para “presentear” os trabalhadores com benefícios na área
da “política social”. Outras festividades também tinham essas funcionalidades, como o
dia da independência e as comemorações de final de ano promovendo a comunicação
entre Vargas e as massas trabalhadoras. Outro ponto também apontado foi a relação
entre “o povo e o presidente”, em que todas as palestras e feitos eram mencionadas pelo
ministro Marcondes Filho, sempre fazendo menção ao nome de Vargas, construindo
uma imagem do presidente como grande líder nacional no Estado Novo e doador de
benefícios.
A autora segue com a análise de que todas essas ações mencionadas acima
convergiam na relação de “dar, receber, retribuir” e esse sentimento de generosidade do
Estado e estadista era uma virtude e que não contrariava a necessidade do dever do

93
NEVES, Lucília de Almeida. Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo: Um projeto para o
Brasil(1945-1964). In: FERREIRA, Jorge. O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2001, p. 168-203.
58

trabalho, “o povo tinha o direito de receber, e portanto o dever de retribuir”. 94 Para ela,
a invenção do trabalhismo como ideologia da outorga permitiu justamente refletir sobre
a dimensão simbólica que alimentava e dava feição específica a estas relações política, a
este pacto social. Conclui afirmando que houve um competente esforço realizado no
processo de invenção do trabalhismo aliando uma “análise cientificista moderna e
sofisticada com um articulado discurso de apelo popular” 95 e que o segredo estava na
releitura que o governo fez do passado, “das lutas dos trabalhadores sem ao menos
mencioná-lo, estruturando-se a partir de uma ética do trabalho e da valorização da figura
do trabalhador nacional”, ou seja se apropriou do discurso do trabalhador como se
estivesse emergido da parte do governo. 96
O PSD foi um partido criado também em 1945. Segundo Lucila Delgado 97 foi
fundado em uma “perspectiva getulista de continuísmo na transformação” e aliado de
“primeira hora do PTB”. A base do partido estava ligada a máquina administrativa do
primeiro governo de Vargas e nas interventorias na esfera estadual. Uma característica
que fez parte da história do partido foi a disponibilidade de dialogar com as variadas
correntes de opiniões, uma flexibilização que permitiu muitas vezes um êxito eleitoral.
Delgado ainda analisa que a aliança existente entre PSD e PTB sofreu um descompasso
ao final da década 1950 e início de 1960 quando o PTB aproximou-se do PCB
defendendo uma reforma agrária no Brasil e essa proposta ia contrariamente aos
interesses de alguns membros do PSD que eram proprietários rurais e passaram a se
aliar a UDN buscando impedir a implementação da reforma agrária. 98
Também em 1945, foi criado a UDN, frontalmente oposicionista a Getúlio
Vargas, ao trabalhismo e era também anticomunista. Não reconhecia a participação das
classes populares como legítimas. O partido tinha como premissa o pensamento liberal
sendo contra a qualquer ampliação da cidadania política. O perfil dos membros do
partido era elitista. 99

94
GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de janeiro: Editora FGV, 2005. p.232.
95
Ibidem, p.233.
96
Ibidem.
97
DELGADO, Lucilia de Almeida Delgado. Partidos políticos e frentes parlamentares: projetos, desafios
e conflitos na democracia. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O tempo da
experiência democrática: Da democratização de 1945 ao golpe civil –militar de 1964. 5ª ed. –Rio de
janeiro: civilização Brasileira, 2013,v3.
98
Ibidem.
99
FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p.108-
109.
59

Definindo as características mais gerais dos partidos PTB, PSD e UDN,


observando em que perspectivas foram sedimentadas suas bases ideológicas,
observamos que mudanças foram se efetivando em função das transformações no
cenário social. Na experiência de Alagoinhas no pleito de 1954 tivemos dois candidatos
ferroviários que se elegeram pela UDN. Moisés Moraes considera que tal mudança de
postura dos vereadores udenistas buscando uma “interlocução junto ao poder público
em favor do atendimento de interesses relacionados aos trabalhadores”, se devia ao
“contingente populacional urbano” que aumentava. 100 Provavelmente essa mudança
revela uma estratégia para garantir uma base eleitoral que se avolumava em Alagoinhas
e em sua maioria uma massa operária. Dessa forma a UDN queria garantir votos desse
segmento e só podia conquistá-lo tendo uma proposta que ao menos ensaiasse
benefícios para os trabalhadores e ter entre seus candidatos um representante da própria
classe objetivando atrair os votos da massa operária.

1.3 - Legislatura 1955: “Tudo pela lei, fora da lei nada” 101

Doravante discutiremos a atuação do Sr. Hostílio, em seu primeiro mandato,


acessando as atas da Câmara de Vereadores do período de 5 de abril de 1955 até 7 de
maio de 1956, data que ocorreu o crime na Câmara de Vereadores e em decorrência o
Sr. Hostílio Dias teve seu mandato interrompido. Refletiremos também publicações do
Jornal O Nordeste que serviu de extensão para denúncias e autopromoção do bloco
oposicionista FPD.
O Jornal O Nordeste foi criado em 1948, pelo gráfico Joanito Rocha e findou
suas atividades no ano de 1956. 102 O periódico teve um papel atuante na política do
município, especificamente no ano de 1955, atuando como porta voz de um grupo
articulado na figura do seu redator, o vereador João Nou, presidente do bloco Frente
Popular Democrática, e que fazia forte oposição ao prefeito Carvalho Junior -UDN. O
Nordeste se apresentou na primeira edição com um subtítulo logo abaixo do nome do

100
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011,p.87.
101
Frase dita por João Nou quando argumentou que a Frente Popular democrática era de oposição
vigilante e de acordo com a lei citando Rui (provavelmente Rui Barbosa) disse a frase “Tudo pela lei, fora
da lei nada”.
102
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-
1956).Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, 2013, p.78.
60

jornal afirmando ser um “Semanário independente, literário e noticioso”, e com um


slogan que ficava acima do nome do jornal: “Tudo pela grandeza do nordeste baiano”.
Isso é uma retórica usada por muitos jornais para ganhar credibilidade perante a
sociedade. Já na edição 68º, de 2 de março de 1951, o subtítulo impresso passou a ser:
“Semanário, independente, político e noticioso”, em alguns meses no de 1953, mudou
para: “Órgão apolítico, independente e noticioso.” 103 E posteriormente esse subtítulo se
fixou como “Órgão político, Independente e Noticioso”, como se verifica no ano de
1956. Aqui já observamos uma mudança do ‘literário’ para ‘político’. Percebemos a
demarcação de posição política assumindo isso socialmente sem mais disfarce.
Na primeira edição, consta uma apresentação de como seria o trabalho do
jornal usando o seguinte título: “Iniciando a luta”, e segue destacando que o “ jornal que
surge como os melhores propósitos de servir a uma localidade que progride, cujo futuro
é olhado como os melhores perspectivas de seus habitantes, é, certamente, um fator de
civilização” [...] e afirma que “sempre batalhando pelo desenvolvimento das instituições
que recomendam os foros de um povo culto, e pela prosperidade do comércio, das
indústrias, da pecuária e da produção agrícola, que são a riqueza de uma terra.” 104 Esse
posicionamento provavelmente era para angariar adeptos, mascarar as adesões ou
compromissos e podemos verificar também que eles não se contrapõem aos patrões ou
proprietários locais.
Buscando justificar a iniciativa do grupo o jornal divulgou que “a cidade vem
sentindo a falta de uma imprensa, com o desaparecimento dos órgãos de publicidade
que foram um valioso patrimônio cultural de nossa terra” e afiançando que atuaria “sem
partidarismo político e sem os propósitos que levam o homem a obscurecer a verdade,
opinando de modo a prejudicar outrem, é que traçaremos o programa deste período, a
serviço de toda região nordestina. ” O jornal além da cidade de Alagoinhas noticiava
acontecimentos das cidades vizinhas. Nessa primeira edição “o valoroso jornalista e
emérito Prof. Alcino Camargo” endereçou uma carta a Joanito Rocha, parabenizando-o
pelo jornal, carta essa que foi publicada nessa edição. Segundo Ede Soares tudo indica
que O Nordeste foi um dos “únicos veículos informativo da cidade, ao lado do Sete
Dias, que pertencia ao militante comunista Jonas Batista de Oliveira”. 105

103
O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 124, 27.04.1953, p.1.
104
INICIANDO A Luta. O Nordeste, Alagoinhas Ano I, nº 1, 29.07.1948, p.1.
105
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-
1956).Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, p.78.
61

Importante pontuar que tudo leva a crer em função do exposto acima, que só
veio a aparecer um novo jornal com mesmo alcance que O Nordeste, em 21 de outubro
de 1957, com o nome de Alagoinhas Jornal e foi criado pelos irmãos Walter Altamiro
Robatto Campos e Waldo José Robatto Campos, que eram filhos de Altamirano
Campos, ex-prefeito da cidade de Alagoinhas e vereador por dois mandatos. 106
A configuração política nas eleições de 1954, no estado da Bahia, como aponta
Paulo Fábio Dantas Neto 107 era que a conjuntura política nacional desde 1945,
influenciou o quadro eleitoral baiano com o segundo momento do governo de Getúlio
Vargas desembocando em seu suicídio. O autor ainda considera que nesse pleito foram
“vencidos pela prioridade da ideia desenvolvimentista e pela urgência da questão
social.” Avalia que, na Bahia o acordo entre Juracy Magalhães e Antônio Balbino
proporcionado por Getúlio Vargas, salvou a UDN dos possíveis danos político eleitoral
em decorrência da perseguição antigetulista e que o “alinhamento de forças na eleição
baiana de 1954 poderia parecer paradoxal a um observador do quadro nacional, era, em
termos locais, um retrato preciso e coerente do que a trajetória de diversos atores
houvera construído, ao logo de mais de duas décadas” 108. O autor ainda considera que o
elemento nacional na conjuntura colocou a política baiana nos caminhos modernizantes
da época e finaliza afirmando que as “lógicas do nacional e do local podem ser
complementares e não antagônicas”. 109
Essa conjuntura provavelmente influenciou os municípios baianos, e
consequentemente a experiência de Alagoinhas, em relação aos quadros dos
representantes do povo que teve uma sensível participação de operários atuando em
busca de seus próprios diretos enquanto classe trabalhadora.
As eleições municipais de outubro 1954 em Alagoinhas se caracterizaram por
um período de acentuada tensão. O momento eleitoral já tem uma característica de ser
conflituoso e com a atmosfera política que vivia o Brasil no referido período
culminando com a morte de Vargas em 24 de agosto de 1954, contribuiu para que esse
pleito tivesse os embates intensificados. Como mostra a manchete do Jornal O Nordeste
de 29 de outubro 1954, com o título grafado em letras garrafais: “Sob um clima de
106
SANTOS, Roberto Magno. “Alagoinhas Jornal”: O comportamento da imprensa escrita no município
de Alagoinhas durante o quadriênio 1960-1964”. Dissertação (especialização em História) - Universidade
do Estado da Bahia, campus II, 2003.
107
DANTAS NETO, Paulo Fábio. Tradição, autocracia e carisma: a política de Antonio Carlos
Magalhães na modernização da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro:
IUPERJ, 2006, p.107.
108
Ibidem, p.104 -105.
109
Ibidem.
62

corrupção feriu-se o pleito. Por pequena margem, dependendo ainda de pronunciamento


de T.R.E., vence Carvalho Junior”. Segundo o noticiário “muitos foram os falsos
eleitores que votaram em todas as secções da cidade e ainda foram transportados para os
distritos” e “como máquina vontade, a viciar uma eleição que foi livre, mas que foi a
mais corrompida que nos dá notícia a história política brasileira.” 110 Essa notícia foi
publicada na primeira página do jornal, na qual o autor do texto faz acusações diretas e
incisivas sobre as eleições terem sido realizadas de forma fraudulenta. Na matéria não
tem nenhuma documentação citada como comprovação das acusações feitas. A
manchete deixa claro que o autor se refere a Carvalho Junior, dissidente do PTB, e
eleito pela UDN para prefeito do município de Alagoinhas ganhando por uma diferença
de “77 de frente”, como informa o Nordeste. Não temos outra fonte para confrontar
essa informação.
Ainda na mesma página desta manchete o articulista faz elogios a Israel
Nonato, líder trabalhista do município, que apesar de não ter saído vitorioso nas
eleições, teria saído “do pleito politicamente fortalecido pela sua corajosa atitude se
mantendo fiel aos princípios do seu partido e não transigindo com a linha traçada pelos
líderes trabalhistas no Estado” afirmando ainda que “a sua coerência política e a sua
bravura de líder foram, inegavelmente, postos à prova nesta campanha, mostrando-se o
presidente do PTB local à altura do seu partido”. 111
Nessas elogiosas palavras ao líder do PTB inicialmente percebemos uma crítica
aos políticos que deixam seus ideais partidários para se filiar a outros partidos diferentes
de suas crenças. Uma crítica direta ao candidato eleito para prefeito da cidade, Carvalho
Junior, que era um dissidente do PTB, e se filiou a UDN. Numa das entrevistas o Sr.
Hostílio fez uma observação sobre o referido prefeito eleito, dizendo que quem o elegeu
foram os ferroviários por terem “poder decisivo na cidade de Alagoinhas” e demonstrou
uma insatisfação da atuação do prefeito no período do seu mandato. 112
Essa crítica do editor do jornal aos dissidentes partidários dá uma ideia da
frequência em que isso acontecia demonstrando que a concepção de partido estava
muito mais para se utilizar como um acesso a se eleger do que de fato uma opção

110
SOB um clima de corrupção feriu-se o pleito. O Nordeste, Alagoinhas, Ano I, nº 165, 29.10.1954, p.1.
111
SOB um clima de corrupção feriu-se o pleito. O Nordeste, Alagoinhas, Ano I, nº 165, 29.10.1954, p.1.
112
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013. Cabe destacar que Carvalho Junior foi Prefeito
da cidade de Alagoinhas em mandato anterior, (não identificamos o período). Ver: BARROS, Salomão.
Vultos e Feitos do Município de Alagoinhas. Salvador: Artes Gráficas, 1979, p.178.
63

ideológica. Essas desfiliações não se deram apenas entre os candidatos do PTB e


envolviam outras legendas, embora tivessem membros que se mantiveram fiéis aos seus
partidos de origem. Importante dizer que até dentro dos partidos não existia uma
unanimidade das ideias e qualquer pensamento que se chocava poderia ser um motivo
para quebras partidárias. Os Partidos tinham programas e propósitos mas, os acordos,
conchavos, compromissos com líderes locais e em instâncias superiores davam o tom
dos alinhamentos. Isso também poderia acontecer pelas brigas e querelas tanto no
cenário local quanto estadual envolvendo questões políticas ou mesmo pessoais.
Apesar da acusação feita pelo jornal, colocando em questionamento a
quantidade de votos que deu vitória a Carvalho Junior, ele teve sua eleição para prefeito
do município confirmada pelo TRE. E seguiu para a formação do quadro do legislativo
com 12 vereadores e entre eles estava Sr. Hostílio Dias e seu irmão Hildebrando
Dias. 113
Como funcionário da VFFLB, o Sr. Hostílio Dias, ao ganhar as eleições teve
que se afastar das suas funções na ferrovia para exercer o mandato de vereador
conforme determinava a lei. Ao tomar posse ele se desvinculou da UDN, partido pelo
qual foi eleito, ficando sem partido, porém logo se incorporou ao nascente bloco FPD.
Essa vinculação representava proteção e alianças para ele.
Os trabalhos no legislativo em 1955 aconteciam duas vezes por semana, nas
segundas e sextas-feiras. Segundo Ede Soares, “era a primeira vez na história da cidade
que os representantes dos trabalhadores estavam em condições de disputar com os
representantes da burguesia local” 114 e isso se desenvolveu pela formação de uma
bancada, como mostra na ata de 15 de abril de 1955, na qual o vereador João Nou
consultou o Presidente sobre a possibilidade de fusão de bancadas para construir uma
única, respondido afirmativamente, assim ficou definida a bancada:

Os vereadores infra-assinados comunicam a V.Excia. e a Casa que, para os


fins de atuação parlamentar, passam a constituir uma única bancada, sob a
legenda “FRENTE POPULAR DEMOCRÁTICA”, escolhendo para seu líder
o Vereador João Nou, que indicará a sua representação da bancada nas
comissões permanentes na conformidade do artigo 14 do Regimento.
Alagoinhas, 15 de abril de 1955. - (Assinados) João Nou, Romualdo Pessoa
Campos, Amando Camões Filho, João Ferreira Ramos, Hostílio Ubaldo
Ribeiro Dias, Hildebrando Ribeiro Dias. 115

113
Sob um clima de corrupção feriu-se o pleito. O Nordeste, Alagoinhas, Ano I, nº 165, 29.10.1954. p.1.
114
SOARES, Ede Ricardo de Assis. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-
1956).Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, 2013, p.126.
115
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .15/04/1955.
64

Essa composição da bancada única que integrou a FPD reuniu 6 vereadores que
se constituíram como oposição ao prefeito udenista Carvalho Junior e entre seus
integrantes a maioria vinha das camadas populares. Eram eles: os ferroviários Hostílio
Dias(UDN) e Amando Camões(PSD), que além de funcionário da ferrovia foi
presidente da Associação Ferroviária de Alagoinhas; João Ramos(PSD), morador da rua
2 de julho, reduto dos ferroviários e era considerado o vereador do 2 de julho,
Romualdo Campos(PSD), era presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de
Curtimento de Couros e Peles de Alagoinhas e iria exercer o segundo mandato como
vereador, Hildebrando Dias(PSP), irmão de Hostílio Dias, era coletor da Secretária da
Fazenda do Estado da Bahia e retornava de uma cassação por falta de decoro em 1952,
como vereador mais votado neste pleito e João Nou(PSD), líder da FPD, era advogado e
foi primeiro tenente da polícia militar, porém pediu exoneração em 1950. 116
Sobre a cassação do mandato de Hildebrando Dias em 1952, nesta legislatura
se elegeu pelo PTB e também foi ex membro do Partido Comunista do Brasil, porém se
desligou em 1946 em desacordo ao apoio que o “Comitê Estadual ofereceu à
candidatura de Otávio Mangabeira”. O que motivou a cassação do mandato, segundo
Ede Soares a partir das fontes estudadas que teria sido uma armação realizada pelo
prefeito vigente, Pedro Dórea(PSD), por influência política do governador Régis
Pacheco para se livrar da oposição do vereador ao prefeito e “orquestrada pela bancada
governista, principalmente pelos vereadores Horácio Leal Dantas e Coronel Santinho,
ambos da UDN”. O choque de interesses entre esfera estadual e municipal seria um dos
motivos dessa oposição exercida pelo vereador Hildebrando e o outro vereador também
petebista Eurico Costa ao governo pessedista de Pedro Dórea. A justificativa, “falta de
decoro”, que o levou a perda de mandato, não correspondia com as provas apresentadas
pelo Juiz da Comarca de Alagoinhas, a sessão de acusação foi realizada secretamente,
sem a presença do acusado e as atas anexadas evidenciavam que não foi falta de decoro
e sim as “acusações e denúncias que o vereador direcionou ao prefeito durante o curto

116
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011. Importante salientar que a
composição da “Frente” esteve presente em outros municípios da Bahia, como por exemplo Cruz das
Almas. conferir dissertação: OLIVEIRA, Heber José Fernandes de. O Movimento de Luta Nacionalista
em Cruz das Almas- Recôncavo Baiano(1957-1964). Dissertação (Mestrado em História Regional e
Local) - Universidade do Estado da Bahia, 2013.
65

espaço de tempo em que ocupou uma cadeira na Câmara Municipal”. 117 Esse é um
exemplo obscuro da política com seus meandros e intervenções que foge do percurso de
como deveria funcionar, porém é mais comum e corriqueiro essas armações e durante
esse estudo veremos muitos episódios parecidos em que governantes abusam do poder
político para impor seus objetivos.
A FPD tinha como perspectiva atuar em favor da classe trabalhadora mais
especificamente os ferroviários, operários de curtumes e servidores municipais fazendo
uma interlocução direta entre eles e o poder público. De acordo com as memórias do Sr.
Hostílio Dias e as atas do período de vigência da atuação do bloco, os membros em seus
discursos nas sessões, frequentemente estavam reforçando em suas falas esse objetivo
do bloco. A FPD se mostrou aguerrida, crítica e incansável na fiscalização e na intensa
vigilância da administração do prefeito udenista Carvalho Junior. Assim como se
intitulava uma frente popular, passou a ter um contato direto com a população
alagoinhense e o Sr. Hostílio Dias relatou que eles “saíam semanalmente nas ruas e
bairros” para conversar com a população e tomar conhecimento das demandas sociais e,
“quinzenalmente para fazer comícios de esclarecimento ao povo, o desenrolar do
administrativo público, da câmara e prefeitura”. 118 Vemos que a Frente Popular buscou
construir um discurso para a legenda como defensora dos interesses da população,
investindo em sua visibilidade perante a sociedade. Não que eles não tivessem
propósitos ou não fizeram ações de interesses sociais, mas existia uma política de
autopromoção intensa sendo usada pelo bloco.
Nessa mesma ata do dia 15 de abril de 1955 em que ficou registrada a criação
da Frente Popular, foram definidas as organizações das comissões. O vereador João
Nou solicitou que as “comissões deveriam ser escolhidas pelos partidos, com a
indicação dos mais capazes para cada comissão”. 119 Feita a distribuição, o vereador
Hostílio Dias, integrou a Comissão de Legislação e Redação, juntamente com João Nou
e Horácio Leal Dantas. Essa comissão era responsável pelos projetos de leis, resolução e
decretos legislativos e seus membros analisavam se eram admissíveis tais projetos.
Levando em consideração os mais aptos para cada comissão, a escolha de Sr. Hostílio

117
SOARES, Ede. Os comunistas e a formação da esquerda (Alagoinhas, 1945-1956). Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
2013, p.117 -118.
118
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
119
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.15/04/1955, p. 6 -7.
66

para fazer parte talvez se justificasse em função de seus estudos das leis, dedicação que
se iniciou no período que ingressou na Viação Férrea, quando passou a se inteirar por
esses assuntos, como por exemplo, do Estatuto dos Funcionários Público Civis da
União. Ainda fez parte de mais uma comissão, a de Saúde e Assistência juntamente com
Altamirano Campos e Armando Leal.
Importa trazer uma reportagem que saiu no Jornal O Nordeste que abordou a
composição dos novos quadros de funcionários para trabalhar na nova administração
municipal. O Prefeito eleito nomeou seu filho Darcy Carvalho, para ocupar o cargo de
secretário municipal, na reportagem o jornal divulgou a nomeação como positiva e bem
sucedida até mesmo pela oposição demonstrando que o nome transitava bem com os
adversários de seu pai. Veremos abaixo a manchete.

Figura 4- Manchete do jornal O Nordeste- 16/04/1955

Arquivo pessoal de Joanito Rocha

A imagem acima do jornal O Nordeste de abril de 1955, manchete com o


título: Nomeado Secretário o Sr. Darcy Carvalho, além do destaque em negrito da
legenda, ainda contava com uma foto do referido secretário e informava que ele era
industrial, comerciante e advogado em Alagoinhas. A reportagem é enfática em dizer
que o Secretário nomeado “Desfruta a estima geral de seus concidadãos”, afirma que a
67

“escolha repercutiu favoravelmente, principalmente nos meios oposicionista” e ainda


acrescenta que “o propósito do novo Prefeito de manter um clima de paz e entendimento
e entre as forças políticas atuante no município” ainda pontuou que o “ secretário é um
nome que pelas suas altas qualidades de caráter e primorosa educação impõe confiança
aos adversário e ao povo que tem elevada conta”. Ressalta que Darcy Carvalho é da
cidade e conhece os problemas do município e finaliza parabenizando o novo Secretário
e o Prefeito.
Na reportagem não traz a informação que Darcy Carvalho é filho do Prefeito
Carvalho Junior, essa informação foi omitida e o normal seria identificar o parentesco
de pai e filho, talvez se o objetivo fosse fazer alguma crítica essa informação viria à
tona para questionar o favorecimento pelo vínculo familiar. Outro ponto a destacar é
que nas eleições o próprio jornal como anteriormente exposto fez duras críticas e
acusações que teriam ocorrido fraudes na votação e ficou claro que se referia ao
candidato eleito para Prefeito Carvalho Junior, não se pode afirmar o porquê que nesta
publicação o jornal baixou a guarda e foi demasiadamente favorável a nomeação do
cargo. Ainda frisou que havia uma satisfação da cidade pela escolha, ironicamente o
jornal considerou que enxergava essa indicação como promovedora da paz. Apesar dos
elogios e aprovação a realidade não se mostrou harmônica no decorrer do mandato, é
possível que a relação tenha mudado ao longo do tempo e os ânimos tenham se
exaltado.
Na ata do dia 22 de abril de 1955, pudemos perceber como a Frente Popular era
porta de acesso para os trabalhadores no legislativo. Segundo informa João Nou, na
presente ata, ele havia sido “procurado por líderes trabalhistas, presidentes de sindicato
e associação de classe”, para ser o “portador de um abaixo assinado, que encaminha a
mesa pedindo o apoio material e moral dos poderes públicos para a comemoração da
grande data universal 1º de maio”. Demonstrando também estarem atentos as demandas
e queixas da população, ainda nesta mesma sessão os vereadores Hildebrando Dias,
João Nou, Amando Camões e João Ramos, informaram sobre a falta de energia em
algumas ruas da cidade. 120
Na ata do dia 25 de abril de 1955, o vereador Hostílio Dias, conduziu a
“discussão de um projeto” que considerava de “utilidade pública do Agulha Esporte
Clube”. Nesta mesma ata, o vereador, João Nou voltou a falar sobre a falta de energia

120
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .22/04/1955, p.19.
68

elétrica que ainda não havia sido restabelecida, fazendo críticas ao prefeito sobre a falta
de “fornecimento de luz em diversas ruas e que teria sido uma das promessas do
prefeito a regularização dos serviços de luz pública e particular”. A ata registra a fala
do vereador Horácio Dantas, que julgava prematura a crítica a atual administração com
poucos dias de exercício. 121 Apesar dos trabalhos legislativos estarem ainda no começo,
é importante pontuar que a energia é algo essencial para a rotina de uma população e
por isso mesmo razoável a cobrança para solucionar essa demanda.
Ainda nessa mesma ata foi nomeada uma comissão especial para as
festividades do dia 1º de maio, composto por Hostílio Dias, Romualdo Campos e
Altamirano Campos que ficou no lugar de João Nou, justificando sua saída por estar
com excesso de trabalho devido a profissão de advogado. Prosseguindo sobre a
comemoração, o vereador Romualdo Campos alegou que nenhuma “atenção foi dada
aos trabalhadores para comemoração do dia 1º de maio”, assim ia “providenciar a
celebração de uma missa, e outras festividades dentro das possibilidades dos
trabalhadores”. Romualdo Campos alegou que obteve informações do secretário do
Prefeito “de que a prefeitura não tinha condições de fazer despesas”. 122
O vereador João Nou, pediu um aparte e lembrou que o prefeito que justificava
que a prefeitura não tinha verbas para apoiar a comemoração do 1º de maio foi o mesmo
que através dos seus vereadores udenistas que pertenciam ao partido do governo
“Milton Leite e Horácio Dantas, pleiteavam o aumento de subsídio e representação do
prefeito”. 123Essa solicitação de aumento para o executivo municipal foi barrada pela
bancada oposicionista FPD que tinha seis membros e nesse caso relatado só estavam os
vereadores Milton Leite e Horácio Dantas, que eram da bancada governista e que
votaram a favor, os outros vereadores não estavam na sessão que foi solicitado tal
aumento.
A Frente Popular nessa experiência se constituiu como maioria e mostrava que
poderia interferir diretamente nas decisões do legislativo caso estivesse com todos os
seus membros e na falta de um vereador da situação provavelmente já configuraria
como a bancada com maior poder. Moisés Morais 124 afirma que desde a reabertura do
Legislativo Municipal em 1948, nenhuma bancada havia apresentado esse poder de

121
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.25/04/1955, p.29.
122
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.25/04/1955, p.30.
123
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.25/04/1955, p.36.
124
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011, p.95.
69

decisão. Nesse episódio, ainda podemos avaliar que provavelmente não existia uma
coesão da bancada da situação, visto que nessa votação do aumento do salário do
prefeito só estavam presentes dois dos seis representantes, provavelmente porque essa
votação de aumento não os beneficiaria ou eles não concordavam.
Sobre a comemoração do dia do trabalho, a falta de apoio da prefeitura com
investimento para a execução da festa fez com que o vereador Romualdo Campos
sugerisse que a verba fosse arrecadada no próprio sindicato entre seus associados. João
Nou ainda orientou a usar o serviço de alto-falantes da Câmara de Vereadores de
Alagoinhas e a festa aconteceu como foi noticiado pelo jornal O Nordeste sob o título:
“Comemorado o Primeiro de Maio”
Graças à liderança dos vereadores Romualdo Campos e Hostílio Dias, aquele
presidente do Sindicato dos Empregados em Curtume, e este dirigente da
classe ferroviária, o Primeiro de Maio não passou despercebido em
Alagoinhas, apesar do Prefeito Carvalho Júnior sobre o pretexto da falta de
dinheiro nos cofres municipais ter se esquivado de colaborar com a classe
operária nas comemorações do dia consagrado ao Trabalho. Um bem
elaborado programa constou de alvorada com salva de vinte e um tiros, missa
gratulatória, tarde esportiva e sessão solene no Sindicato dos Empregados em
Curtume, foi executado na mais perfeita harmonia entre os trabalhadores
alagoinhense, tendo a frente os seus líderes. 125

Além dessas atividades as comemorações ainda integraram uma sessão solene


presidida pelo:

Vereador Eurico Costa, foi muito concorrida, havendo grande massa em


frente ao sindicato a assistir e aplaudir os oradores ouvidos através de um
serviço de alto-falantes ali instalado. Sob aplausos falaram os senhores João
Nou, Hildebrando Dias, Romualdo Campos, Hostílio Dias e o operário
Clarindo Santos, todos unânimes em ressaltar a significação do Primeiro de
Maio para os trabalhadores. O Sr. João Nou em seu discurso, apelou para que
os trabalhadores se unissem de molde à de uma vez por todas deixar de ser
apenas uma unidade eleitoral em véspera de eleições. Assim os operários -
somente eles - comemoraram o Primeiro de Maio em Alagoinhas. 126

A reportagem do jornal O Nordeste trouxe o itinerário percorrido para a


concretização do festejo do dia 1º de maio. Ficou perceptível como a Frente Popular se
utilizou da comemoração para se autopromover e desgastar o Prefeito, esse processo é
construído na comemoração com os discursos e reforçado na publicação da manchete. É
compreensível que o prefeito Martins de Carvalho Júnior não quisesse patrocinar a
festa, em virtude de que o primeiro de maio é uma data de extrema importância para os
trabalhadores, momento de se organizar e discutir ideias para tomada de decisões que

125
COMEMORADO o Primeiro de Maio. O Nordeste, Alagoinhas, Ano I, nº 178, 14.05.1955, p.6.
126
COMEMORADO o Primeiro de Maio. O Nordeste, Alagoinhas, Ano I, nº 178, 14.05.1955, p.6.
70

vão garantir melhorias nas condições de trabalho e leis que precisam ser executadas. A
festa reforça uma consciência de classe, sendo um momento oportuno para
reivindicações que possivelmente foram feitas a aquela gestão. Outra coisa a analisar é
como o jornal fez questão de frisar que tudo acontecia em “perfeita harmonia” buscando
diferenciar os participantes de baderneiros e também demarcando que as comemorações
aconteceram sem patrões, empresários ou políticos que não eram afinados com os
interesses dos trabalhadores. Na realidade os ganhos políticos de uma festa como essa
seriam dos vereadores da oposição.
Importante relembrar que o jornal O Nordeste, tinha dois redatores, J. Godinho
Carneiro e João Nou que era o líder da FPD. O Nordeste acabava sendo uma extensão
da bancada da Frente Popular, visto que expunha os conflitos e denúncias sobre o atual
governo e ainda servia de autopromoção para os integrantes da bancada FPD.
Aqui é necessário fazer uma reflexão sobre o discurso e pronunciamento que
são instrumentos da política. Como já mencionado, o Jornal O Nordeste era um
prolongamento da Frente Popular que alcançava a população alagoinhense e as notícias
e colunas nele publicadas tratando da situação política da cidade e da administração do
prefeito produziam uma rede de poder daquele grupo opositor que queria se estabelecer
como uma bancada forte e se destacar como necessários para a comunidade. Durval
Muniz de Albuquerque Júnior adverte que o “discurso e pronunciamento” tem que ser
analisado não apenas as informações que foram produzidas, mas como esse discurso
“foi produzido e por quem”, visto que tem uma base ideológica. O autor ainda enfatiza
que “todo discurso tem uma relação de coexistência com outros discursos com os quais
partilha enunciados, conceitos, objetivos e estratégias”. 127
Sendo assim, o jornal possuía esse poder e durante esse período legislativo de
1955-1956, curto para os supostos envolvidos no crime em 1956, foi usado como um
arsenal pesado na oposição, evidenciando que a bancada da Frente Popular conseguiu se
articular muito bem. Começava na plenária, nos trabalhos da sessão, com os discursos
expondo as demandas da população e as denúncias e posteriormente essas solicitações
eram expostas no jornal e sobre vários aspectos, a maioria das notícias sempre tinha
uma conotação denunciatória reforçada a importância da Frente para a cidade. Assim
eles buscavam se projetar como porta voz da população e dos trabalhadores.

127
ALBURQUERQUE JR, Durval Muniz de. “A dimensão retórica da historiografia”. In: PISNKY, Carla
Bassanezi e LUCA, Tania Regina de (orgs). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2011,
p.235.
71

Ainda sobre a notícia, logo no início o articulista destaca a importância dos


vereadores Hostílio, “dirigente da classe ferroviária” e Romualdo Campos, “presidente
do Sindicato”, essenciais para a concretização da festa. E os discursos proferidos na
comemoração serviram de chamamento para os operários tomarem uma consciência e
se unirem e deixarem de ser “uma unidade eleitoral em véspera de eleições”. Cada vez
mais os confrontos entre integrantes da Frente e representantes udenistas se
intensificavam. A FPD tinha em seu líder João Nou um mentor e eles formavam um
grupo aparentemente unido, porém provavelmente havia disputas e tensões entre eles
mas que estrategicamente não ganhavam visibilidade.
Os membros da Frente Popular serviam de interlocutores entre a população e a
Câmara Legislativa, como mostra na sessão do dia 9 de maio que o vereador Hostílio,
afirmou ter sido “procurado pelos moradores das ruas: General Osorio, 14 de janeiro e
Castro Alves- reduto ferroviário-, e bem como os das ruas Nossa Senhora das Graças
pedindo melhorias no calçamento das mesmas que se encontravam esburacadas”. O
vereador Horácio Dantas interpelou a fala do vereador Hostílio, alegando que havia
completado trinta dias da administração do prefeito e ainda não havia condição em tão
pouco tempo de realizar essas questões e pedia a “compreensão, a fim de que o atual
prefeito possa administrar com a boa vontade que tem de servir sua terra”. 128
As cobranças da população eram legítimas mas, não tiveram origem em 30 dias
de governo, naquele momento, o que estava acontecendo ali era o uso político das
demandas para desgastar o Prefeito. O bloco oposicionista desde o início dos trabalhos
legislativos buscou tomar o poder utilizando os possíveis problemas da administração
pública. Embora os problemas existissem na cidade, como aponta as atas, nesse caso
exposto acima o que vemos é muito mais um ataque para desacreditar a iniciante
administração pública.
Desde a sua formação a FPD se colocou no cenário alagoinhense como um
bloco que tinha uma atuação direcionada para o contato direto com a população,
principalmente com a classe operária. O jornal O Nordeste noticiou um evento realizado
pelos membros da Frente Popular, indo aos bairros para saber as necessidades e
demandas e, segundo o Sr. Hostílio a cada quinze dias eles realizavam um comício. E
um desses encontros foi noticiado no jornal O Nordeste, noticiando:

128
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 09/05/1955.
72

Esta Frente Popular Democrática está com tudo. Realizou um comício no


último domingo, no bairro 2 de Julho, e botou as cartas na mesa. Foi uma
autêntica prestação de contas e o resultado é que o povo ficou sabendo dos
abusos do Prefeito e das farsas que a UDN municipal vem propagando ao
povo também com raspagem de cabeças e apropriação indébitas de terrenos
dos tabuleiros. Hostílio[vereador]foi demoradamente aplaudido pelo povo,
principalmente ferroviários. Este garoto está de bola cheia... 129

Esse comício promovido pela Frente Popular para além das denúncias expostas
para a população nos permite avaliar a atuação do bloco oposicionista que promoveu
um evento com a clara intenção política de minar a figura da administração vigente,
trazendo no noticiário um enfoque direcionado e certeiro de ataque e ainda repercutiu
que a população esteja de acordo, quando fez questão de noticiar que o vereador foi bem
aplaudido. A notícia ainda coloca em pauta um episódio que ocorreu sobre uma
“raspagem de cabeças”.
O jornal O Nordeste, na coluna Aguilhoadas, publicada em 18 de agosto de
1955, informou que “dois pretensos latifundiários, usando chapa branca do Serviço
Nacional de Malária, assaltaram dois camponeses em seu labor diário no distrito de Boa
União e após seviciarem-nos, rasparam-lhes a cabeça.” Segundo o noticiário o Vereador
Hostílio Dias “tomando conhecimento do fato, o bravo e destemido líder ferroviário,
levou-os às autoridades e a praça pública onde, em ato público, denunciou os
espancadores ao povo”. O texto do jornal seguiu dizendo que “Não parou aí, porém, o
bravo líder popular. A sua luta prossegue e já agora com pleno apoio de nós da Frente
Popular Democrática e do povo esclarecido de Alagoinhas denunciamos a barbárie às
autoridades.” 130
O Jornal ainda acusou a imprensa da capital afirmando que a não divulgação
desse episódio era “porque um dos seviciadores é irmão de festejado homem de jornal,
que além de jornalista brilhante e não menos combativo deputado que muitas acicatadas
têm dado no Governo”. A coluna foi mais incisiva e disparou mais acusações dizendo
que “todos esperavam que o Governo mandasse apurar o caso com imparcialidade. Mas
o Governo através da sua Secretaria de Segurança Pública, não está interessado senão
em prestar serviços ao deputado-jornalista. ” E finalizou dizendo que “o professor
Lafayete [Coutinho] deseja ser sucessor do senhor Antonio Balbino e é bom não fazer

129
PONTOS nos ii. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 183, 15.08.1955, p.6.
130
NOU, João. Aguilhoadas. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 183, 15.08.1955, p.2-3
73

rios de inimigos, mas sim muitos amigos que lhe ajudem a conduzir sua cruz, até o
Aclamação, onde poderá receber bem.” 131
O episódio “raspagem de cabeças” ocorreu no distrito de Boa União, onde dois
camponeses foram torturados, tendo suas cabeças raspadas e a denúncia ocorreu no
comício que foi noticiado no jornal o Nordeste, afirmando que estava havendo
“apropriação indébitas de terrenos no Tabuleiro”. O vereador Hostílio expôs o corrido
as autoridades e para a sociedade alagoinhense. Na coluna ainda denunciou que não
estava havendo um empenho na apuração dos fatos, inclusive houve uma acusação
sobre um “deputado-jornalista” que estaria envolvido nesse assunto. João Nou, em sua
coluna Aguilhoada ainda prosseguiu fazendo denúncias sobre as interferências das
autoridades em seu texto incisivo:

Por isto aqui nos apareceu um delegado especial. E sabem o que o delegado
especial está cuidando de apurar? Não é quem raspou as cabeças dos
carvoeiros, mas sim, se os vereadores Hostílio Dias e Hildebrando Dias estão
conspirando para derrubar o regime do qual ele, o delegado, é supremo
guarda. Estamos acostumados a essas farsas e nos recusamos a participar
delas. Com a nossa assistência o nosso amigo Dr. Heleno Araujo não se
redimirá do pecado de haver dissolvido um comício do Sr. Antonio Balbino
no Largo do Tanque, em Salvador. Acostumado às farsas do tempo de
Oliveira Brito, não nos deixaremos envolver pelas do nosso amigo professor
Lafayete Coutinho, que, bom urologista que é escolheu a dedo o delegado
especial para mandar a Alagoinhas, onde udenistas espertos precisam ser
chamado ao redil. Não nos iludimos com o resultado do inquérito e este não
nos surpreenderá se demonstrar que eu e o Vereador Hostílio Dias que
raspamos as cabeças dos carvoeiros, Alagoinhas nos julgará... 132

O texto é enfático em afirmar que existia uma manipulação na apuração do


caso e a vinda desse novo delegado para investigação dos acontecimentos estaria
desviando o foco das investigações. As afirmações feitas pelos vereadores da Frente
popular eram bem graves e as acusações atingiam pessoas da “elite” política local e o
delegado que foi designado para a investigação do caso provavelmente colocava em
riscos os denunciantes e criava um clima de tensão na cidade. Por outro lado, tinha
também os maiores prejudicados que eram os camponeses que supostamente tiveram
seus territórios roubados além de terem sido vítimas de violência. O tom dos noticiários
do jornal O Nordeste sobre a política em Alagoinhas era em sua maioria de colocar a
Frente Popular no cenário político dando-lhe projeção. Ainda nessa mesma edição do

131
NOU, João. Aguilhoadas. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 183, 15.08.1955, p.2-3.
132
NOU, João. Aguilhoadas. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 183, 15.08.1955, p.2-3.
74

jornal, O Nordeste, na coluna Do meio, de J. Godinho Carneiro, o articulista também


falou sobre as “raspagens de cabelo”:

Falo ligeiramente de um assunto que não queria falar, mas é impossível ficar
calado. É fato concedido por todos nesta cidade que miseráveis camponeses
neste município tiveram as cabeças raspadas e os bigodes arrancados a
alicate. Infelizmente entre os autores das violências está um homem de quem
eu nunca esperava isso. E o mais estranho é que depois de tudo aparece aqui
um delegado especial que veio para apurar o caso e acha que tudo não passa
de comunismo...a eterna balela deste país, para esconder misérias e
violências, lá vem o rifão: é comunismo...Como estará o deputado que foi tão
votado entre nós e é o líder desta gente... As coisas vão mal, senhor deputado,
dando a chicote na cara de quem lhe deu voto? 133

A coluna Do meio, também denunciou o crime cometido contra os


camponeses, fazendo insinuações que o mandante teria sido um vereador que teve uma
quantidade de voto representativa na cidade. Tanto na coluna Do Meio, quanto na
Aguilhoadas aparece a convicção de quem havia cometido tal atrocidade. Na ata do dia
2 de dezembro de 1955, o assunto das cabeças raspadas voltou a pauta após a FPD ter
sido contestada pelo vereador udenista Milton Leite, sobre uma moção que ela teria
feito acusando Lafayete Coutinho que era secretário de Segurança Pública da Bahia de
apoiar um golpe para impedir a posse de Juscelino Kubitschek. Respondendo a essa
contestação do vereador Milton leite, Hildebrando Dias, disse na sessão que foi
registrada em ata que “deveria ser grato ao senhor Lafayete Coutinho, por muitas
razões, no entanto, ele orador e os oradores da Frente Popular Democrática, pensavam
ao contrário” em relação ao “senhor Lafayete Coutinho, pois mandou para aqui o Sr.
Dr. Heleno Araujo, que chegou a dizer que Alagoinhas era uma cidade vermelha e
apontar ele Vereador e os vereadores da FPD, seus companheiros, como adeptos do
comunismo”. Hildebrando Dias finalizou dizendo “que ele orador conversara com o Dr.
Heleno Araujo e na ocasião que ele dissera o que acima se referira, perguntara se na
polícia também tinha prontuário de Ademar de Barros e Getúlio Vargas.” 134
A explanação do vereador da Frente Popular, Hildebrando Dias, deixa parecer
que o vereador udenista Milton Leite foi um dos mandantes da agressão praticada aos
camponeses. Saiu também uma reportagem no jornal O Nordeste 135, que apontou
também Milton Leite e José da Cruz Rios, que era chefe do Serviço Nacional de Malária

133
CARNEIRO, J Godinho. Coluna do meio. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 183, 15.08.1955, p.3.
134
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 02/12/1955, p.191.
135
PONTOS nos ii. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 183, 29/07/1955, p.6.
75

de Alagoinhas 136 que seriam os mandantes do episódio. As linhas das notícias eram
provocativas e desafiadoras, não tivemos acesso ao inquérito e não sabemos se foram
identificados os criminosos, porém a notícia sobre esse caso relatado no O Nordeste deu
indícios de que houve um desvio do foco do crime e leva a crer que o inquérito foi
encerrado sem que os autores do crime respondessem a um processo.
A FPD também se posicionou na eleição presidencial de 1955, em apoio a
Juscelino Kubitschek e João Goulart, respectivamente para cargos de presidente e vice-
presidente. Segundo o noticiário das eleições publicadas no O Nordeste, a Frente teria
sido responsável pela vitória de Juscelino e Goulart em terras alagoinhenses, onde João
Goulart, candidato a vice presidência, teve 3.335 votos, uma quantidade superior ao
candidato à presidência Juscelino Kubitschek, com 2.661votos, no município de
Alagoinhas fato amplamente noticiado no jornal O Nordeste. 137 Logicamente que o
jornal O Nordeste diante de seu jornalismo parcial, iria devotar todo o mérito da vitória
eleitoral para o bloco oposicionista.

Figura 5- Manchete do jornal O Nordeste 12/09/1955

Arquivo Pessoal Joanito Rocha

136
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011.
137
RESULTADO do pleito de 3 de outubro, neste Município. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 190,
19.10.1955, p.1.
76

A imagem acima registra o comício para a campanha presidencial de 1955,


ocasião em que Alagoinhas recebeu a visita do candidato Juscelino Kubitschek e
realizou um “vibrante comício em praça pública, causando admiração à grande multidão
que, às 13horas, sob um sol causticante, acorreu a ouvir e aplaudir o candidato popular”.
Estavam presentes nesta reunião os vereadores da FPD que discursaram, e um deles “foi
o líder ferroviário Hostílio Dias” que ao assumir a tribuna foi ovacionado pelos
camponeses de Boa União, representados no comício por uma delegação de carvoeiro”.
Essa saudação calorosa dos carvoeiros daquela localidade provavelmente ocorreu pelo
apoio dado pelo vereador Hostílio ao episódio das “cabeças raspadas” que foi exposto
anteriormente. De acordo com o articulista do jornal, o candidato a presidência
“Juscelino Kubitschek pronunciou sua oração e foi interrompido por aplausos do povo,
estabelecendo em seguida interessante debate com o povo que familiarmente conversou
com o candidato.” 138
Ainda nessa mesma notícia o articulista que discorreu sobre a vinda do
presidenciável Juscelino Kubitschek, usa do irônico subtítulo: O prefeito precisou de
fiador, se referindo ao prefeito de Alagoinhas, o udenista Carvalho Junior. O texto
dizia: “conduzido pelo senador Lima Teixeira, o prefeito Carvalho Junior aproximou-se
do candidato e reafirmou a sua solidariedade, mas, ante a perplexidade dos presentes, e
Sr. Lima Teixeira serviu de fiador a atitude do prefeito.” 139 Esse texto relata a surpresa
dos políticos e pessoas presentes no comício ao ver o prefeito udenista e oposicionista
ao candidato à presidência procurando fazer uma aproximação, mesmo sendo oposição.
O redator do texto usou dessa narrativa para fazer uma crítica ao prefeito. Não
identificamos quem redigiu o texto, porém cabe lembrar que os principais redatores do
periódico eram o vereador João Nou, e líder da FPD e J.Godinho além de Hildebrando
Dias que passou a compor o quadro de redatores do jornal, era vereador e membro
atuante da FDP. Essas notícias foram dadas pela oposição, e não sabemos se de fato as
coisas ocorreram dessa forma, mas podemos identificar que existiu um encaminhamento
da notícia para tornar a Frente Popular uma anfitriã e peça fundamental na recepção do
presidenciável. Sobre o prefeito Antônio Carvalho Junior estar presente no comício, não
sabemos em que circunstância se deu o contato com Juscelino Kubitschek, mas sua
presença nos faz pensar que as coisas não foram exatamente da forma que foi noticiada
pelo jornal oposicionista.

138
JUSCELINO visitou Alagoinhas. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 187, 12.09.1955, p.1.
139
JUSCELINO visitou Alagoinhas. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 187, 12.09.1955, p.1.
77

Confirmada a vitória do pleito presidencial em 3 de outubro de 1955, o


vereador e colunistas João Nou, escreveu em sua coluna chamada Aguilhoada que tinha
publicação frequente no Jornal O Nordeste, a respeito das eleições presidenciais e assim
seguiu o seu texto:
O pleito de 3 de outubro feriu-se em Alagoinhas dentro da ordem e do
respeito e, se não fora a confusão da egrégia Justiça Eleitoral, data vênia,
poderíamos dizer que tudo havia ocorrido O.K.. Infelizmente a justiça
Eleitoral não se mostrou aparelhada para conduzir a massa votante e, por
isso, o povo não sabia onde votar e só sabia como votar e em quem votar
porque a Frente Popular Democrática e, fazendo justiça o Partido Social
Progressista nesta cidade tomaram nos ombros a tarefa eleitoral. A eleição
decorreu sem os naturais incidentes, sem as cachadas e sem os currais
eleitorais porque um certo grupo de negociadores do voto não encontraram a
quem vender a mercadoria e, por isto, enquanto o seu líder se deitava na rinha
de briga de galo as primeiras horas do dia, os seguidores assistiam o fato
inédito do eleitorado de Alagoinhas ir, pacificamente, as urnas no pleno
exercício de suas faculdades mentais. Por isso tudo correu bem. A vitória foi,
como não poderia deixar de ser, dos candidatos populares Juscelino e Jango.
Se eles são bons o julgamento foi proferido pelo supremo juiz que é o povo e
agora só resta respeitar o veredito cumpri-lo porque fora disto é patranha e
choro de quem perdeu. 140

João Nou colocou sob a chancela da FPD a escolha do candidato e a


concretização da eleição em Alagoinhas, atribuindo a ela até mesmo a orientação dos
eleitores. Faz uma referência que na última eleição para prefeito, havia “os currais
eleitorais” e também “compra de votos” e diferente daquela eleição anterior, nesta para
presidente tudo teria ocorrido bem porque a FPD prestou orientação a população. Ainda
considera que o povo é “justo juiz” e elegeu os seus candidatos. É importante perceber
que a Frente Popular não perdia uma oportunidade de fazer sempre um “ataque” ao
prefeito udenista Carvalho Junior, as críticas eram bem diretas e tinham um endereço
certo. Ainda dando prosseguimento ao texto da coluna, João Nou, finaliza seu
argumento:
[...]Marcharemos, de janeiro e, diante, para o futuro pleito. Estamos
organizando uma equipe política diferente. Queremos um grupo atuante e
dinâmico não fazedores de eleitores as vésperas de eleições. Assim agindo,
temos certeza, contaremos com o apoio do povo para salvar Alagoinhas da
incúria de uma administração decrépita a que sujeitaram eleitores
embriagados propositadamente... 141

O presidente e vereador da FPD, João Nou não perdeu oportunidade para


projetar sua legenda e conclamar o povo de Alagoinhas para que se unisse contra a

140
NOU, JOÃO. Aguilhoadas. O Nordeste, Alagoinhas, Ano, nº 190, 19.10.1955, p.2.
141
NOU, JOÃO. Aguilhoadas. O Nordeste, Alagoinhas, Ano, nº 190, 19.10.1955, p.2.
78

administração pública vigente. O repertório utilizado pelo vereador se colocava e a FPD


como porta voz da população, verdadeiros “guardiões” dos direitos daquela sociedade.
Nesta mesma edição do jornal o também redator J. Godinho Carneiro publicou
em sua coluna Do Meio, uma avaliação do resultado da eleição presidencial em
Alagoinhas. Fez uma crítica à justiça eleitoral alegando o fato de a mesma “não estar
equipada para bem desempenhar a sua finalidade” e considerou que o “pleito foi
tranquilo”. Afirmou que “as vitórias amplas dos srs. Juscelino Kubitschek e João
Goulart, neste município, deve-se principalmente à Frente Popular Democrática” e
destacou que os vereadores que mais se envolveram na campanha foram “João Nou,
Hildebrando Ribeiro Dias, Hostílio Dias, José de Araújo Batista e Romualdo Pessoa
Campos, elementos do Partido Republicano, do P.S.D e getulistas (não dizemos do PTB
porque este partido não tomou posição de vanguarda entre nós)”. 142
A Coluna do Meio, assim, como a Coluna Aguilhoadas destacou a importância
da Frente Popular e a dedicação dos seus membros para a vitória de Juscelino e Jango.
Em comparativo com a coluna Aguilhoada, de João Nou, a Coluna do Meio, não fez
críticas ao prefeito Carvalho Junior. Seguiu fazendo outras considerações, mas no
âmbito nacional deixando evidente a diferença de abordagem feita pelas duas colunas,
visto que a Aguilhoada utilizou os espaços e o alcance do jornal mais especificamente
para denunciar a administração do prefeito.
Alguns vereadores da FPD se manifestaram na sessão do dia 14 de outubro de
1955 sobre a vitória do presidente eleito. Hildebrando Dias, “congratulava com o povo,
com a massa trabalhadora dos ferroviários e curtumeiros que souberam sufragar
corajosamente a dupla J.J”; O vereador Hostílio também “congratulava com o povo por
ter elegido Juscelino e Jango, para os cargos de Presidente e vice-presidente”. 143
A oposição praticada pela FPD em relação a administração do prefeito foi se
intensificando a cada dia. Alegando que as promessas feitas em tempos eleitorais não
estavam sendo cumpridas pela atual gestão. Mostravam no plenário, por meio dos
discursos registrados em atas que as demandas da população, na maioria das vezes
demoravam muito para serem atendidas pelo poder executivo, necessidades muitas
delas emergenciais como afirmava a Frente Popular, que se posicionava em constante
vigilância e atuava de forma incisiva através do seu líder João Nou e seus membros

142
CARNEIRO. J Godinho. O Nordeste, Alagoinhas, Ano, nº 190, 19.10.1955, p.3.
143
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.14/10/1955, p.78.
79

Hostílio Dias, Hildebrando Dias e Romualdo Campos que formavam um grupo


aparentemente coeso. E esse combate era fortalecido pelo jornal O Nordeste, no qual os
redatores João Nou e Hildebrando Dias, diretamente usavam o espaço do jornal para
fazerem as denúncias e autopromover a Frente Popular.
Verificamos logo nas primeiras atas dos trabalhos legislativos que alguns
vereadores solicitavam o conserto do sistema de alto falantes da Câmara Municipal, em
que eram transmitidas por caixas de som instaladas em vários pontos da cidade as
sessões e esse serviço deixava a população informada das decisões tomadas na plenária.
Porém ficou temporariamente fora do ar, mas foi restabelecida no dia 31 de outubro de
1955 como evidencia a ata. Provavelmente quem tinha mais interesse nessa transmissão
restabelecida era a oposição em virtude de mostrar a população a sua atuação e informá-
la da situação da cidade e mesmo das querelas que ocorriam.
Ainda na mesma ata mencionada acima, o vereador Hostílio encaminhou à
mesa, “as seguintes preposições: indicação de sua iniciativa e com o apoio de mais
quatro vereadores”, não especificando quais havia apoiado, “solicitando da mesa para se
dirigir ao Snr. Ministro da Aeronáutica a necessidade da construção de um campo de
aviação nesta cidade”. Essa solicitação do Sr. Hostílio mostra outras necessidades para
além das trabalhistas, apesar de não constar na ata o argumento para a solicitação, nesse
pedido mostra uma preocupação em atender outras demandas que talvez fossem
relacionadas a necessidade de rapidez no escoamento de algumas cargas por já ter na
cidade a estrada de ferro ou talvez as pessoas solicitassem uma pista para poder ter
acesso a uma linha aérea tendo onde pousar em Alagoinhas não precisando se deslocar
para Salvador. O campo de pouso também permitiria o acesso mais fácil de autoridades
que poderiam visitar mais o município. Além disso, era um elemento de expressão da
modernidade e progresso nos municípios.
Ainda nessa sessão o Sr. Hostílio prosseguiu “solicitando do Prefeito, por
intermédio da mesa, a necessidade da conservação da rodovia Alagoinhas a Vila de
Araçás”, isso reflete uma preocupação com o acesso e circulação de pessoas e também
de produtos. Ainda entregou o “requerimento, solicitado por intermédio da mesa, a
instalação de chafarizes públicos em Alagoinhas Velha, rua 15 de novembro, rua
Thompson Flores, Santa Teresinha, rua consº. Junqueira e favela”. Sr. Hostílio ainda fez
um “apelo ao prefeito para determinar que o asseio da cidade aos sábados, seja
principiado depois de terminada a feira, pois sendo feito ás 15horas”, as pessoas
estariam reclamando da sujeira que permanecia uma vez que a feira durava até mais
80

tarde. O vereador chegando ao final da sua explanação disse “que se congratulava com
os comerciários desta cidade, pela sindicalização dos componentes da mesma
classe”. 144Cabe registrar que os sindicatos eram de extrema importância para a classe
trabalhadora por concentrar força e união por um objetivo comum.
Durante as sessões do ano de 1955, havia muitas solicitações do Sr. Hostílio e
outros membros da Frente Popular para tornar os times Agulha Esporte Clube, Grêmio
Esportivo, Botafogo Esporte Clube de Alagoinhas e outros como entidades de utilidade
pública, eram times 145 associados a sindicatos e operariado. A criação de times
operários foi uma prática realizada por várias empresas que viam no futebol uma forma
de controle dos seus operários e projeção também das empresas. Segundo José Sérgio
Leite Lopes 146, em 1904 já era normal terem times que representavam as empresas,
porém o elenco era formado por dirigentes e chefes que em sua maioria eram compostos
por ingleses que exerciam cargos de chefias nas empresas brasileiras. Neste mesmo ano
foi criado o “The Bangu Athletic Club, para a prática do futebol pelos chefes e
empregados ingleses da fábrica de tecidos Companhia Progresso Industrial no Rio de
Janeiro em Bangu. Porém, pela localização e distância do clube, os ingleses passaram a
incorporar também operários de outras nacionalidades inclusive brasileiros, e um
número maior de operários brasileiros passou a integrar o time.
Nesse panorama, segundo Lopes, “iniciava-se com o Bangu a figura do
operário-jogador” que se “destacava menos por seu trabalho útil dentro da fábrica e
mais pela sua atuação como jogador de futebol no time da fábrica” que atuava. Nessa
perspectiva, as empresas se apropriavam desse esporte como forma de mediação entre
empregadores e empregados e esta era uma maneira de controlar os funcionários e
também colocava a empresa em destaque na imprensa, favorecendo um prestígio devido
a exposição gerada pelo time, sobretudo aqueles que se destacavam nas atuações.
A figura do operário-jogador foi se tornando mais comum nos clubes
esportivos associados as empresas. A partir dessas adesões foi se construído uma cultura
operária tendo o futebol como tradição. Necessário salientar, como analisa Miguel

144
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .31/10/1955, p.106.
145
Para saber mais sobre a cultura do futebol de Alagoinhas, consultar: CORREIA. Kleber Soares. Cultura
do Futebol em Alagoinhas e a Gênese Carcará (1919-1975). Trabalho de Conclusão de Curso(Graduação
em Licenciatura em História) - Universidade do Estado da Bahia, 2010.
146
LOPES, José Sérgio Leite. “Classe, Etnicidade E Cor Na formação Do Futebol Brasileiro”. In:
BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando Teixeira da; FORTES, Alexandre. (orgs.) Culturas de
Classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004,
p.130.
81

Enrique Stédile 147, que apesar da adoção da classe operária pelos clubes esportivos tanto
“os anarquistas, que constituíam a principal força do nascente movimento sindical
brasileiro nas duas primeiras décadas do século XX”, quanto “os comunistas, que se
organizam no país principalmente a partir de 1922, com a fundação do Partido
Comunista - Seção Brasileira (PCB)”, inicialmente eles foram contra, a princípio, dessa
formação e associação dos operários as empresas, porém com a popularização do
futebol e identificação da classe operária ao esporte eles sentiram a necessidade de
reconhecer essa atividade esportiva e passaram a incentivar e a enxergar um espaço para
além apenas do lazer e sim uma aglomeração de operários que iam construindo e
fortalecendo uma identidade, uma vez que ali eles acima de tudo poderiam disseminar
suas ideias.
Provavelmente isso explique as solicitações sempre feitas pela FPD para um
incentivo aos clubes esportivos na cidade de Alagoinhas, que eram ligados aos
sindicatos e também é preciso pensar que eles queriam capitalizar, ganhar capital
político com essas ações. Esse contato direto com a classe trabalhadora e solicitações de
suas demandas garantia um elo e troca de apoio em uma via de mão dupla, esses
espaços sempre rendiam conversas para além do futebol e um contato direto dos
sindicalistas com o operariado propiciando um sentido de caminhar junto. Fortalecer
alianças se fazia necessário, principalmente no espaço da política.
Outro assunto que tinha pauta recorrente nas sessões da Câmara Municipal de
Alagoinhas foi a violência urbana como consta na ata do dia 7 de novembro de 1955,
em que o “vereador Hostílio fez comentários em torno da ação da polícia local, dizendo
que os furtos e crimes outros” continuavam a se “verificar sem nenhuma providência”.
Foi “aparteado com manifestação favoráveis as suas palavras, pelos vereadores:
Hildebrando Dias, Romualdo Campos e Jose Leite”. Ainda o vereador Hostílio “referiu-
se ao funcionalismo deste município, que deixaram de receber até o momento o abono
correspondente ao mês de outubro”. Ainda fez um “apelo ao diretor da Leste Brasileiro,
pra que fossem tomadas as providências sobre a situação do barracão do meio
pertencente a mesma empresa, que se achava servindo de esconderijo a desocupados e
cafajestes”. 148

147
STÉDILE, Miguel Enrique. Clubes de futebol operário como espaço de autonomia e dominação.
(Artigo, publicado em revista Espaço Plural). 2013.
148
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .07/11/1955, p.122.
82

Na mesma ata ainda fez referências sobre o “estado da iluminação pública da


cidade”. E aqui é importante observar que essa questão da iluminação foi assunto
recorrente desde que começaram os trabalhos legislativos e no início dessa cobrança a
justificativa da administração pública era que estava no início da gestão, mas as
solicitações sobre esse assunto sempre estiveram em pauta nas sessões e observamos
que com mais de seis meses de governo ainda se via na ata essas reiteradas reclamações,
revelando um descaso da administração pública em solucionar demandas essenciais para
o cotidiano da população. Sabemos que um assunto dessa ordem não se resolve em
pouco tempo, porém até aqui nas atas trabalhadas o que se observa são cobranças, mas
sem iniciativas efetivas da gestão para resolver ou mesmo atenuar os problemas com a
precariedade da iluminação pública. Se a prefeitura realizou alguma solução paliativa
sobre essa questão os vereadores aliados ao prefeito não registraram essas ações na
Câmara ou mesmo contestavam os opositores revelando ações concretas.
No jornal O Nordeste de 2 de maio de 1956, foi publicado um projeto de lei nº
11, datado de 13 de maio de 1955, da Câmara Municipal de Alagoinhas em que
autorizava “o Poder executivo a constituir uma Sociedade Anônima para o fim de
explorar no Município os Serviços de Fornecimento de Luz e Força”. A Câmara
Municipal “decretava no Art.1º- o poder executivo autoriza a construir uma Sociedade
Anônima, com o nome Alagoinhas Elétrica S/A(AESA) e no Art 3º- O Prefeito
Municipal” teria que em “quinze dias até a publicação da lei nomear uma comissão com
no mínimo sete membros para promover os atos constitutivos da sociedade.” 149
Apenas parte do projeto foi publicado no jornal, e sem qualquer texto relatando
sobre a execução do mesmo. Importante chamar a atenção que o projeto é referente a
1955, um ano anterior a data da publicação da notícia e o legislativo eleito em 1954,
estava ainda no início dos trabalhos, relembrando que o prefeito era Carvalho Junior-
UDN. Como mostra na publicação do O Nordeste, a comissão para acompanhar o
projeto era de no mínimo 7 membros responsáveis que eram: dois representantes da
Câmara Municipal, um representante da Associação Comercial, 1 representante de no
mínimo dois órgãos da classe de empregados, de preferência de sindicatos reconhecido,
1 representante do Rotary Clube local e um representante do poder executivo. Cabe
relembrar que desde que começaram os trabalhos legislativos que a questão da energia

149
PROJETO de Lei N.11.O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 198, 02.05.1956, p.4.
83

era pauta na sessão da Câmara. 150 Apesar dessa comissão os trabalhos parecem que não
andavam a julgar pela recorrência das queixas e reclamações.
Hostílio Dias se posicionou sobre os acontecimentos políticos do Brasil e na
ata de 11 de novembro 1955 ele “se congratulava com o povo brasileiro pela atitude
digna e patriótica do general Lott, ministro de guerra, que soube desarticular a
articulação dos gatunos e chantagistas que proclamavam o golpe no Brasil”. Na mesma
sessão ele declarou que “queria denunciar o inspetor das oficinas de São Francisco, que
com as suas atitudes de perseguição a humildes operários das oficinas e que lhes são
subalternos, demonstra ser verdadeiro criminoso e vem envergonhar a administração da
Leste” e o Vereador Romualdo Campos, se manifestou favorável às acusações do
colega. Sr. Hostílio Dias, prosseguiu afirmando que o “inspetor de oficinas de São
Francisco é um carrasco e ele orador vai denunciá-lo ao diretor da Leste, assim como
outros chefes com fatos, os que trazem intranquilidade de humildes operários.” 151
O líder ferroviário e vereador, Hostílio teve sua história política construída no
centro das lutas ferroviárias e a sua luta trabalhista enquanto funcionário da VFFLB
passou a ser não uma questão sua, particular, como de todos seus colegas, visto que as
conquistas desses direitos trabalhistas só podiam ser construídos através da consciência
de classe. E com a vitória do Sr. Hostílio para o Legislativo, esse grupo que o elegeu
passou a ter um representante direto das suas demandas. Como mostra a sessão da
Câmara acima, o líder ferroviário era solicitado para dar visibilidade a diferentes
necessidades que os ferroviários demandavam. Podemos pensar que essas necessidades
expostas na Câmara, poderiam ser também em decorrência da sua própria investigação
para saber como andavam as demandas da população.
Ainda na mesma ata de 11 de novembro, houve uma citação de uma notícia
publicada no jornal O Nordeste referente a data de 16 de março de 1955, relatando que
o vereador Hildebrando Dias, irmão de Hostílio, com mais de 3 vereadores
suspenderam a execução do ato do prefeito sobre a construção de um palanque
funcional na Praça Graciliano de Freitas. Possivelmente o serviço na praça foi
questionado por estar em desacordo com as leis. O vereador Hildebrando ainda iniciou
um projeto de lei que pretendia proibir a alienação dos bens patrimoniais do município.
Frisou que não era “contrário ao progresso do município, mas era contrário
peremptoriamente ao modo pelo qual o Snr. Prefeito o fazia com o manifesto desacato

150
PROJETO de Lei N.11.O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 198, 02.05.1956, p.4.
151
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.11/11/1955, p.120.
84

ao poder Legislativo” 152. Ainda fez a referência ao general Lott e leu a carta testamento
de Getúlio Vargas. A oposição a administração do prefeito a cada dia acirrava mais e as
publicações do Jornal O Nordeste davam o tom de denúncia e publicização das questões
em pauta. As manifestações dos vereadores da FPD nas sessões da Câmara tinham esse
viés de apontar um erro ou improbidade do governo, até onde supostamente seria algo
bom para a população acabava havendo críticas. Pelo que observamos o bloco
oposicionista não queria deixar o prefeito captar nenhum ganho político.
A vigilância à administração do prefeito era feita pelos membros da Frente
Popular que atuavam em conjunto e unidos para embargar os desmandos e também
buscava obstaculizar tudo que não os beneficiava diretamente. As críticas ao prefeito
seguiam em alta e é importante destacar que não temos a certeza que essas denúncias
eram totalmente verdadeiras, em virtude de que existe o jogo político e manipulação dos
fatos. Precisaríamos ter acesso a diferentes fontes que permitissem outra perspectiva do
governo. Embora tenhamos dificuldades para uma análise mais profunda, ainda assim,
podemos produzir reflexões importantes fazendo um esboço do cenário político do
período estudado, e sobre esses silêncios e vazios buscamos alinhavar com o fio da
história que proporciona um arrumar ainda que parcial dos fatos.
Na sessão do dia 14 de novembro de 1955, Hildebrando Dias chegou a afirmar
que o prefeito Carvalho Junior tinha “incapacidade de governar”. 153 Certamente que as
demandas de um município nunca serão sanadas completamente por uma administração.
São várias possibilidades e situações, como por exemplo, o governo municipal podendo
realizar e não fazendo ou por descaso ou corrupção, ou também, não estavam
conseguindo concretizar pela existência de outros empecilhos que travavam a sua
efetivação. Enfim, muitas possibilidades. É preciso considerar que a FPD era oposição e
o que eles buscavam era o desgaste do executivo, e tinham o interesse na promoção do
descrédito da administração e no desgaste da imagem pública do prefeito.
Na mesma ata, o vereador Hostílio disse que o “senhor Isidoro Oliveira ex-
funcionário do Estado, demitido em face do governo Estadual, achava-se em estado de
penúria nesta cidade e ia dar um festival lítero-musical”, e pelo seu ‘intermédio
mandava 62 ingressos para o festival e pedia apoio da casa”. Na ata, não se informava o
motivo da demissão do funcionário. Hostílio, ainda ironicamente, “congratulava com a
delegacia de polícia que tinha prendido um ferroviário e deixado os gatunos soltos”.

152
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.11/11/1955, p.120.
153
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .14/11/1955, p.135.
85

Não se tem mais informações sobre essa prisão, porém acessando as outras denúncias
do vereador Hostílio nas atas, o que se depreende é que o ferroviário citado foi preso
injustamente pelo delegado que por sinal o vereador fazia duras críticas sobre a sua
atuação. O tema da segurança pública do município sempre esteve em pauta durante seu
primeiro mandato. O vereador Hostílio voltou novamente a falar da perseguição do
chefe das oficinas de São Francisco aos operários que não gozavam da sua simpatia.
Na ata do dia 18 de novembro de 1955, o vereador Hildebrando Dias, iniciou
dizendo que “lamentável e desgraçadamente a FPD, a despeito do seu interesse de
harmonia e tudo fazer para o engrandecimento do município”, que vinha “assistindo
infrutíferos os seus esforços, com os mexericos e intrigas do presidente da Câmara
[Eurico Batista da Costa]”, que deveria se “colocar no plano da sua honrosa missão que
é de dirigente do Poder Legislativo. As atas permitem constatar que as relações na
Câmara Municipal de Alagoinhas a cada dia se tornavam cheias de hostilidades. Como
também aponta a ata do dia 21 de novembro de 1955, no qual novas críticas foram feitas
ao prefeito, dizendo que ele muito teria se empenhado “pela nomeação do atual
delegado, no entanto a cidade estava transformada em jogos e paraíso de gatunos. ” E
ainda o Vereador José Araujo discorreu sobre o estado das ruas, “dizendo que o prefeito
Carvalho Júnior” nada tinha “feito do que prometeu”. 154 É interessante observar a fala
do vereador Hildebrando Dias, em dizer que a FPD tinha interesse pela “harmonia”,
pois não era isso que observamos nas sessões da Câmara por meio das atas, em que o
nível dos discursos na plenária era, em sua maioria, acompanhado de muita provocação
e ironia.
O Sr. Hostílio Dias na ata do dia 25 de novembro de 1955, pede explicação ao
Prefeito sobre a moção nº 5. “Fez severíssimas críticas aos chefes das oficinas de São
Francisco e o engenheiro Fernando, dizendo que é conhecedor de desmando e hábitos
desonestos que poderão ser provados a qualquer momento. ” Pelo exposto nessa ata, não
havia resolvido o problema do excesso de autoridade. Ainda falou sobre a política do
país e últimas eleições. Recebendo apoio dos vereadores: José Batista, João Nou e
Hildebrando Dias. Chamou o Presidente Café Filho de covarde e fez “veemente críticas
ao Prefeito Carvalho Junior chamando-o de golpista. O Vereador Horácio Dantas
reprovou os comentários de Sr. Hostílio Dias, e que ele deveria apresentar provas das
denúncias que fazia. Observamos aqui uma acusação mais grave desferida por um

154
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .21/11/1955, p.54.
86

membro da FPD e essas denúncias davam a dimensão do quão difícil estava em se


manter o decoro no plenário.
Houve também um projeto de lei nº32, apoiado por 7 vereadores, na ata de 26
de novembro de 1955, autorizando “o poder executivo a abrir um crédito especial de
25000 para auxiliar os operários dos curtumes São Paulo e Santa Cruz” e não houve
maiores informações registradas nas atas sobre esse crédito. O vereador Hostílio,
“declarou que estava favorável ao projeto. ” Ainda na ata ficou registrado que ele teria
afirmado que:
Muito vem lutando em favor dos seus companheiros da Leste Brasileiro, e
que os mesmos principalmente os da oficina de são Francisco vem sofrendo
por perseguição do chefe das mesmas oficinas e do engenheiro inspetor, que
ele vereador, está disposto a tudo para fazer para seus companheiros se unam
para que possam combater e enfrentar os seus perseguidores que agora
mesmo aplicaram a pena de suspensão em dois operários sob alegação de
indisciplina, no entanto, fatos graves se passam nas oficinas de São
Francisco, cometido pelos chefes, e por subalternos com a complacência
desses mesmos, sem no entanto haver a menor providência, o que constitui
verdadeira indisciplina, são os fatos praticados pelos chefes e graduados. Fez
enumeração de fatos ocorridos nas oficinas de São Francisco. Ainda pediu
melhoras a luz da rua 2 de julho. 155

Esse tipo de postura de alguns superiores da ferrovia que o Sr. Hostílio, relatou
sobre uma aplicação de suspensão, já era apontada por ele em sua experiência como
funcionário da Viação Férrea no ano de 1947, e ainda em 1955 essa prática era
realizada. Naquela época eles se uniram e resistiram para que essa prática abusiva fosse
tirada do cotidiano de trabalho, mas pelo visto as distorções ainda se faziam recorrentes.
O combate a administração do prefeito se intensificava e o vereador João Nou,
na ata do dia 28 de dezembro de 1955, afirmou que era melhor o prefeito renunciar e o
tom da oposição partia não apenas das denúncias como palavras de ordem para que
houvesse uma desistência de Carvalho Junior do cargo. 156
Um mês antes, João Nou fez um discurso na sessão do dia 29 de novembro de
1955 que assim ficou registrado:

A Frente Popular Democrática que tem dado provas exuberantes das suas
boas intenções e desejo de trabalhar pelo progresso do município de
Alagoinhas e haja visto que o seu representante o vereador Hildebrando Dias
tem demonstrado esses propósitos com a sua capacidade de trabalho e
inteligência, dando a sua cooperação valiosa na elaboração do código
tributário como também o fez com relação a Lei de Meios. João Nou
relembrou a atividade passada da Frente Popular Democrática hoje em

155
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .26/11/1955, p.167.
156
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 28/12/1955.
87

melhor situação em face de interferência valiosa do vereador Horácio Dantas


que demonstrando uma visão superior procurou harmonizar de certa forma a
câmara. 157

Nesse discurso, João Nou enalteceu a Frente Popular, elogiou dois de seus
membros que segundo ele acabaram contribuindo para que o bloco desenvolvesse. E
assim o registro continua:

Também salientou a atitude do Sr. Presidente que vem modificando de tal


maneira, que tudo indica que teremos período de cordialidade. Continuou
ainda com a palavra em consideração ao poder executivo, dizendo que muito
gostaria se possível fosse se entender pessoalmente com o prefeito para lhe
esclarecer a situação em que se encontra perante a opinião pública. Continua
ainda tratando sobre a administração do prefeito, declarou que a oposição tem
partido em face da desconsideração que tem feito à câmara, principalmente
aos vereadores que não comungam com a sua política, praticando atos de
hostilidade perseguição com demissões a funcionários. Que no entanto
desejaria, tais os seus bons propósitos abrir um crédito de confiança ao
prefeito, esperando que ele volte atrás, considerando mais o poder Legislativo
e fazendo cessar as suas atitudes hostis. 158

No discurso do presidente da FPD, ele fez elogios ao presidente da Câmara


pela atitude positiva, porém não deixou claro quais seriam. Em contrapartida colocou
toda responsabilidade dos conflitos no Prefeito, considerando-o culpado de todo
acirramento e afirmando que isso devia a desconsideração que a administração pública
fazia ao legislativo tratando diferente quem não concordava com sua forma de fazer
política.
O vereador Hostílio levou para a sessão do dia 05 de dezembro 1955, uma
“reclamação dos moradores da rua 2 de julho” que apelavam “para o serviço Nacional
de Malária, para tomar providências sobre o transbordamento das águas do rio Catu, que
invadiu a referida rua 2 de julho” sendo “sempre aparteado em apoio as suas palavras,
pelos vereadores Hildebrando Dias e Romualdo Campos. ” A referente rua era
composta por uma parcela maior de ferroviários, como já dito anteriormente, e estava
entre as solicitações de melhoramentos e demandas de primeiras necessidades. Vemos
que os membros da Frente Popular trabalhavam se apoiando e fortalecendo o bloco,
compreendemos que existia uma aparente “harmonia” de interesses e objetivos, ao
menos quando estavam em pronta ação na plenária.

157
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.29/11/1955, p.189.
158
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.29/11/1955, p. 189.
88

Assim se encerrou os trabalhos no legislativo no ano de 1955, foram muitas


reivindicações solicitadas e uma intensa atuação do vereador Hostílio, no seu primeiro
ano de experiência naquela Casa. Integrar a FPD provavelmente lhe rendeu uma
aprendizagem pois estava ao lado de colegas com mais experiência no cargo político e o
bloco se constituiu como uma bancada oposicionista poderosa e que em 1956 iria
promover a tomada de decisão visto que iria se constituir como um bloco de maioria
como veremos nas atividades do legislativo no ano de 1956.
Antes mesmo de começarem as atividades e definir qual bloco político iria
dirigir os trabalhados Legislativos Municipais daquele novo ano, o clima era de
rivalidades e hostilidades. O Jornal O Nordeste, de 25 de fevereiro de 1956, noticiou um
atentado sofrido pelo vereador Hostílio Dias, com a seguinte manchete: “Tentativa de
morte contra o vereador”, a reportagem seguia uma narrativa longa do acontecimento e
o relatou da seguinte forma:
No dia 19, cerca das doze horas e trinta minutos, vinha o Vereador Hostílio
Ubaldo Ribeiro Dias, destacado prócer da Frente Popular Democrática,
transitando pela Praça Graciliano de Freitas, quando foi inopinadamente
agredido por dois indivíduos [...]Sem perder a calma, o vereador repeliu
corajosamente os seus agressores dos quais um empunhava uma faca tipo
peixeira. Populares ocorreram em socorro do vereador Hostílio,
principalmente ferroviários que puseram em fuga os dois meliantes. 159

O jornal segue relatando sobre o ocorrido e denuncia quem supostamente teria


sido o mandante:
Mais tarde os vereadores da Frente Popular Democrática foram avisados de
que desde a véspera, soldados do destacamento policial procuravam o
vereador Hostílio para revistá-lo. É isto um veemente indício de que os
covardes agressores, com a cobertura do delegado de polícia, desejavam ter a
certeza de que a sua vítima estava desarmada, para assim, cumprirem o
mandato que, certamente, receberam no gabinete do Prefeito Carvalho Junior,
e isto porque, oito dias antes, o próprio chefe do Executivo Municipal,
pessoalmente, dissera ao vereador Hostílio Dias que os seus passos estavam
sendo seguidos e que abrisse os olhos. 160

O jornal é categórico em afirmar que o prefeito Carvalho Junior teria sido o


mandante e justifica os motivos que o levaram a cometer o ato:

É público e notório que o motivo da agressão foi a campanha de


esclarecimento que vem fazendo o vereador Hostílio Dias, um dos
responsáveis pela eleição do Sr. Carvalho Junior, contra a onda de
ilegalidades que cresce na cidade provinda das ordens absurdas do Chefe de
Governo Municipal. O Sr. Carvalho Junior, por exemplo, que é um recalcado,
não pode perdoar ao vereador Hostílio haver transferido o carnaval da praça
Graciliano para a Rui Barbosa, de onde o havia retirado o Prefeito, porque

159
TENTATIVA de morte contra o vereador. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 195, 25.02.1956, p.1.
160
TENTATIVA de morte contra o vereador. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 195, 25.02.1956, p.1.
89

nesta última praça mora o sr. Pedro Dória, tradicional adversário do


Sr.Carvalho[...]É um homem deste estofo moral que está dirigindo
Alagoinhas, acrescendo o perigo que é um títere sem vontade, em mãos de
um poderoso grupo econômico que lhe custeio a eleição. 161

As acusações publicadas pelo jornal O Nordeste eram bem graves e o enredo


da notícia fazia sentido e não é de se duvidar que possa ser de fato verdade, em função
de todo cenário de confronto e tensão que existia entre os membros da Frente Popular e
o prefeito Carvalho Junior, mas também esse episódio pode ter sido dimensionado ou
mesmo atribuído ao prefeito sem provas. Não tivemos acesso ao desfecho dessas
acusações e nem se a investigação chegou a ser solucionada, porém é bem provável que
nada tenha se resolvido, ainda mais que o delegado responsável já havia sido criticado
várias vezes pelo vereador Hostílio sobre a falta de segurança na cidade.

1.4 - A Frente Popular assume a Mesa Diretora: “Repto de honra”, prelúdio de um


crime

O início dos trabalhos legislativos em 1956, já dava indícios que não seria nada
fácil as relações entre os integrantes da Câmara de Alagoinhas. Na reabertura do
legislativo, na primeira sessão do dia 7 de abril deveria ser definida a composição da
mesa diretora, como previa o regulamento da Casa. Porém, essa condução do regimento
estava por ser quebrada pela ação do até então Presidente, o udenista Eurico Batista da
Costa que “declarou que estavam presentes o Prefeito de Alagoinhas, o Juiz de Direto e
outras autoridades”, e pediu que eles “tomassem assento no lugar reservado”. O
vereador João Nou pediu a palavra e iniciou dizendo que era uma “honra receber as
autoridades, porém discordava da atitude do Presidente da Câmara”, visto que primeiro
precisavam tratar da “eleição dos membros da Mesa diretora dos trabalhos deste período
legislativo”. O presidente da Câmara declarou que sendo “omisso o regimento interno
na questão concernente, mantinha a sua deliberação e novamente convidava as citadas
autoridades” 162, demonstrando assim, ignorar talvez propositalmente o regimento e a
solicitação de João Nou.
O vereador João Nou não aceitou a condução considerando a quebra da rotina e
pediu que o Presidente Eurico Costa, colocasse em votação na plenária e seu pedido não
foi aceito. João Nou declarou que diante de tal postura do Presidente da Câmara

161
TENTATIVA de morte contra o vereador. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 195, 25.02.1956, p.1.
162
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .07/04/1956, p.3.
90

“forçava-o e aos seus companheiros [da Frente Popular] a retirarem-se do recinto”, e


isso foi feito. Também se retirou o vereador Armando Elidio Leal (UDN). Diante disso
o Presidente Eurico Costa “declara que os trabalhos” da “sessão não poderiam
prosseguir por falta de número, visto terem se mantido apenas cinco vereadores” e a
sessão foi suspensa. De acordo com os registros da ata, “momentos depois, voltaram
todos os vereadores da bancada Frente Popular Democrática e mais o vereador
Armando Leal” 163 e reabriram a sessão valendo-se do fato de formarem juntos o número
de sete vereadores, quantidade legal para reabrir a sessão.
Com a volta dos vereadores da FPD e mais o vereador Armando Leal-UDN,
que inclusive no período da campanha para presidente demonstrou apoio ao candidato
Juscelino Kubistchek e João Goulart 164, e posteriormente foi confirmada sua saída da
UDN no início de 1956 noticiado no Jornal O Nordeste 165, não temos como saber a
motivação dessa mudança. Voltando a sessão, ela foi reaberta e em seguida, também
entra na sessão o Presidente Eurico Costa que voltou a assumir a presidência da Câmara
acompanhado dos edis Milton Leite e Romualdo Campos que ocuparam seus lugares de
secretários. O Presidente declarou reaberta a sessão e voltou a convidar as autoridades,
porém naquele momento só restavam o Dr. Juiz de Direito e João Batista Costa,
representante do Rotary Clube de Alagoinhas. Fazendo uso da palavra o Presidente da
Câmara, afirmou que “havia encerrado a sessão e mantinha assim”, e “agradeceu a
visita das autoridades e retirando-se em seguida sendo acompanhado pelos vereadores
Altamirano Campos, Milton Leite e Horácio Dantas”. 166
Com a saída do Presidente Eurico Costa, da Câmara de Vereadores, uma nova
situação se configurou. Voltou a assumir a “presidência o segundo secretário Romualdo
Campos, que convidou para primeiro secretário o vereador Amando Camões Filho e o
vereador Hostílio Dias, para segundo secretário”. Antes, o vereador Hildebrando Dias
“solicitou do Sr. Presidente para ficar consignado em ata, o fato de haver o vereador
Eurico Costa reaberto a sessão com a presença de onze vereadores, o que implicava não
ter o Presidente efetivo encerrado a sessão, logo no primeiro impasse”, desse modo,
“julgava o mesmo vereador Hildebrando Dias, ser absolutamente legal a continuação
dos trabalhos sobre a presidência do vereador Romualdo Campos, citando o Artº 56, da
Lei orgânica dos municípios”, A partir dessa explicação “ia-se proceder a eleição da

163
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .07/04/1956, p.4.
164
ARMANDO Leal com Juscelino. O Nordeste, Ano VII, nº 187, 12.09.1955, p.1.
165
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .18/03/1956, p.1-5.
166
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .07/04/1956, p.3.
91

mesa diretora que regerá os destinos da Casa desta até 7 de abril de 1957” e em seguida
a sessão foi suspensa por cinco minutos para que os vereadores organizassem suas
chapas. 167
A eleição para a Mesa Diretora da Câmara de Alagoinhas ocorreu e se
constituiu da seguinte forma: Armando Leal, se elegeu presidente, com sete votos; João
Nou, se elegeu vice-presidente, com sete votos; Hildebrando Dias, se elegeu primeiro
secretário, com sete votos; e Romualdo Campos, se reelegeu, como segundo secretário,
com sete votos. Podemos perceber que existiu uma orquestração dos votos, já estavam
definidos o desfecho da votação. A partir dessa configuração da Mesa Diretora a FPD
passaria a dirigir os trabalhos Legislativos Municipais entre 1956 e 1957 e isso só foi
possível pela adesão do ex udenista Armando Leal à Frente Popular e a bancada passou
a se constituir como maioria. Podemos observar que houve uma negociação para a
presidência e um alinhamento com a Frente Popular. É importante frisar que essa
conformação da bancada, com a maioria de representantes das camadas operárias era
inédito em Alagoinhas. Armando Legal também se beneficiou com o arranjo feito com a
Frente Popular e todos saíram ganhando.
O Jornal O Nordeste noticiou esse episódio da Câmara de Vereadores. Noticiou
que aquela vitória da composição da Mesa teria partido de uma proposta de João
Ramos, vereador do 2 de julho, como era chamado, propondo para que a Frente Popular
indicasse “Armando Leal para a Presidência do Legislativo Municipal, assim,
conseguindo desfalcar de mais um elemento a bancada udenista que passou apenas a
três membros: Eurico Costa, Milton Leite e Horácio Dantas. ” Essa articulação ou
acordo foi intitulada pelo Jornal: “fórmula João Ramos”. O Jornal ainda relatou que
Eurico Costa tinha tentado um “golpe, procurando obstruir a sessão para retardar a
eleição”, porém, “o Juiz de Direito da Comarca, no louvável intuito de encontrar uma
fórmula conciliadora sugeriu submeter a questão de ordem a deliberação da plenária”. 168
Claramente descrito pelo Jornal como uma articulação entre a Frente Popular,
João Ramos e Armando Leal para conseguir assumir a Mesa Diretora, fazendo supor
que o vereador Armando Leal já flertava com a FPD e seus membros. Eles foram
habilidosos em colocá-lo na presidência e essa negociação certamente precedeu a
sessão. Talvez os adversários soubessem dessa possibilidade e exatamente por isso

167
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .07/04/1956, p.4.
168
NOVA mesa da comarca. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 197, 11/04/1956, p.1.
92

tenham tentado ganhar tempo trazendo convidados para a sessão, inclusive o prefeito
talvez como uma forma de inibir o antigo aliado.
É importante reavivar que o jornal em questão tinha à frente da redação dois
representantes da Frente Popular, João Nou, que era o líder do bloco e Hildebrando Dias
que era um dos mais atuantes, ou seja, as informações que eram divulgadas a respeito
dos trabalhos legislativos provavelmente eram escritas por eles e quando não
diretamente, no mínimo, orientadas pelos dois representantes do bloco oposicionista e
nesse episódio da votação foram muitas informações que só quem participou
internamente do processo poderia conhecer. É interessante também verificar que a
notícia foi passada em tom de vanglória, mostrando uma satisfação no desfecho,
evidenciando escancaradamente o lado que estava o jornal O Nordeste.
Ainda sobre a sessão conflituosa do dia 7 de abril, depois de passada a votação
os novos membros eleitos discursaram e chegando quase ao término da sessão,
Hildebrando Dias informa que o Deputado Federal Manoel Novaes, estaria na cidade e
que fosse “franqueado aquele parlamento afim de que S.Excia em debate público,
pudesse discutir com o povo assuntos dos interesses do Município.” Passado esse
informe a sessão foi encerrada. Em sua passagem por Alagoinhas, o deputado Manoel
Novaes esteve em alguns lugares estratégicos, conversando com ferroviários,
curtumeiros, trabalhadores do comércio e da construção civil. Em uma dessas
oportunidades, na Associação Lauro de Freitas, o vereador Hostílio Dias entregou nas
mãos do Deputado Novaes, uma mensagem dos trabalhadores alagoinhense para que a
mesma chegasse ao Presidente Juscelino Kubitscheck. 169
Retomando as eleições da Câmara que definiu a vitória da Frente Popular, o
jornal noticiou que:
Inconformados com a derrota os udenistas, Tendo a frente o Sr.Eurico Costa
e dois suplentes do PSP que serviram na Secretaria da Câmara, como
assessores do ex-Presidente, determinaram ao Delegado de Polícia local que
cercasse a Câmara para impedir a entrada no edifício, dos vereadores da
maioria. Assim é que no domingo pela manhã, a Câmara amanheceu cercada
por soldados da polícia militar, armados a fuzil, bem como guardas
municipais mandado do Sr. Prefeito [Carvalho Junior]. 170

Esse episódio sucedeu a sessão da votação. O periódico noticiou que ao tomar


conhecimento da situação o novo Presidente da Câmara, Armando Leal, procurou
reverter a situação:

169
A visita de Manoel Novais a Alagoinhas. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº198, 02/05/1956, p.1.
170
NOVA mesa da comarca. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 197, 11/04/1956, p.1.
93

Esteve na Delegacia de polícia e protestou contra a arbitrariedade, oficiando


em seguida ao delegado para retirar incontinente as praças ali postadas. Essa
autoridade pressionada por todos os lados, sem saber o que fazer e com as
vacilações próprias de sua fraca personalidade ligou-se com o Lafayete
Coutinho que, por sua vez entendeu-se com o governador do Estado, o qual,
cientificado do que se estava passando, mandou instruções urgentes para que
a força fosse retirada, entrando, em seguida, em ligação pelo rádio com o
coronel Filadelfo Neves, com o qual conferenciou longamente e do qual
recebeu os verdadeiros informes do que estava passando em Alagoinhas, que,
na ocasião, recebia a visita do deputado Manoel Novaes, que tudo foi
testemunha ocular. 171

As investidas da bancada governista udenista não pararam de criar dificuldades


para a nova Mesa Diretora da Câmara, engendrando situações de embargos para o
funcionamento das sessões, embora as ofensas e acusações acontecessem de ambos os
lados. A atmosfera política era de apreensão e o recrudescimento era mútuo e anunciava
do que estava por vir. Na sessão do dia 4 de maio de 1956, João Nou, fez mais
denúncias sobre a administração do prefeito Carvalho Junior, afirmando que, “Os
inimigos do Sr. Carvalho Júnior, estavam se prevalecendo da senilidade do mesmo, e os
quais queriam a todo transe levá-lo ao ridículo” e seguiu dizendo “que há poucos dias,
em companhia do Dr. João Batista de Almeida Costa, Juiz de Direito da Comarca, e do
Dr. João Muniz de Oliveira, Promotor Público, ele orador visitara as cadeias públicas”
da cidade” e a visita teria sido um convite do “ Juiz, o qual fazia em consequência de
uma carta que recebera de um detento” que teve por objetivo verificar a situação das
prisões e o tratamento que estavam recebendo os detentos, saíram “desolados com o
quadro tétrico de misérias, que qualquer espírito bem formado repele”. 172
O artigo citado e lido por João Nou na sessão do dia 2 de maio de 1956,
continha severas denúncias dirigidas ao prefeito udenista Antonio Martins de Carvalho
Júnior. O vereador e líder da FPD, João Nou, afirmou que tinha como provar as
acusações. O referido artigo com o título: Voltando à cadeia, dizia:

Desde que aqui cheguei, em 1948, Acadêmico de Direito e oficial de Polícia


Militar, que grito inutilmente contra a hediondez da Cadeia Pública Local.
Quase afastado da advocacia criminal, deixando esta tarefa aborrecida e
ingrata aos colegas mais jovens e mais inteligentes que, hoje militam o fôro
alagoinhenses, perdi quase que o contacto cotidiano que antigamente tinha
com a população encarcerado de nossa cidade[...] Se a cadeia que conheci
antigamente era uma miséria [...] a que agora vi é muito pior. [...] verdade é
que os xadrezes continuam os mesmos, as tarimbas são as mesmas
compradas na administração de Pedro Dórea, as grades ainda não tem porta.
Mas para agravar tudo isto, o Prefeito Municipal, a título de economia,
segundo informaram ao Juiz na própria cadeia pública, cortou a ração dos

171
NOVA mesa da comarca. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 197, 11/04/1956, p.1.
172
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .04/05/1956, p.29.
94

encarcerados, que agora, praticamente, estão reduzidos a miséria, passando


inclusive fome. Ao passo que esta economia que o Sr. Prefeito Municipal faz,
a custa da miséria dos encarcerados, gasta é com passeios à Capital, corridas
de automóvel (só a Mesa da Câmara o ano passado gastou quase vinte mil
cruzeiros em corridas de automóvel na cidade), gratificações a corruptos, ou
furtos aos cofres municipais por apaniguados, sócios ou familiares do Sr.
Prefeito municipal, homem a quem hoje, com autoridade e provas, posso
chamar de profundamente desumano e espertamente desonesto. 173

Sobre essas acusações o vereador Hostílio, na mesma sessão reforça a


denúncia, “pede um aparte e passou a ler um bilhete que recebera de um preso no dia 28
de abril pedindo-lhe que fosse à cadeia, e atendendo, verificou a mesma situação
descrita pelo orador”. Apesar das denúncias e acusações já serem recorrentes desde o
início no período eleitoral e seguirem durante o primeiro ano em 1955, essas acusações
agora chegavam permeadas por um cenário inédito, na qual a Frente Popular passou a
ter com poder de decisão e comando dos trabalhos legislativos. O prefeito havia perdido
a força política dentro do legislativo e nesse artigo João Nou é categórico em afirmar
que tinha provas dos desvios de verbas da sua administração. Ainda nesta sessão João
Nou disse que após a publicação do artigo o prefeito Carvalho Junior, teria distribuído
pelas ruas de Alagoinhas uns “boletins” intitulado “Repto de honra” convidando-o “para
determinar um lugar nesta Câmara ou em praça pública afim de que ele, orador,
provasse o que dissera no aludido artigo, ser ele, o prefeito profundamente desumano e
espertamente desonesto”
Em resposta ao prefeito Carvalho Júnior sobre o “Repto de honra”, João Nou
rebateu, ironicamente:

Não seria possível que S. Excia, que não teve a coragem de defender a sua
honra quando moço o quisesse fazer agora quando ultrapassou os 70 anos, e
está enquadrado entre os indivíduos citados pelos cientistas, que dizem que
nessa idade são eles atacados de amnésia irreparável, insensibilidade e se
entregam a libidinagem, ficando sujeitos a ser acometidos, facilmente por um
ataque cardio-renal. (...) Familiares e mal conselheiros do Sr. Carvalho Júnior
compeliram-no a lançar o ridículo e irrisório boletim, pensando que ele
orador se deixaria levar para atender convite tão idiota. No entanto, aceitava-
o para um debate público, a ser realizado no Cine Azi, com entradas pagas, e
cuja renda viesse a reverter em benefício da Santa casa de Misericórdia. (...)
que ele, o prefeito, tem um filho moço, e este estava no dever de defendê-lo
não deixando cair no ridículo como vem fazendo; que o pai dele, orador, é
Desembargador no estado de Sergipe, e se por acaso soubesse que alguém o
ferira na sua honra e reputação, imediatamente se transportaria para ali, e
como quiserem fossem as suas palavras compreendidas. 174

173
NOU, João. Voltando á cadeia. O Nordeste, Alagoinhas, Ano VII, nº 198, 02/05/1956, p.3.
174
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .04/05/1956, p.30.
95

O debate saiu das questões políticas e passou para ordem pessoal e após João
Nou ter encerrado a fala, outros vereadores se pronunciaram. O vereador Hildebrando
Dias concordou com as falas de João Nou, e ainda falou sobre as leis orçamentárias e
códigos tributários vigentes, afirmando que vinham sendo “criminosamente
desrespeitada pelo Snr. Prefeito”. O vereador Hostílio Dias também pleiteou a fala, se
referindo as questões administrativas e críticas ao vereador e ex-presidente Eurico
Costa. “Por duas vezes o vereador João Nou, justificando o seu interesse pelo discurso
que estava sendo proferido pelo vereador Hostílio, requereu a sessão por 10 minutos”.
Infelizmente não houve o registro na ata de quais assuntos tratava o Sr. Hostílio, apenas
que foi algo administrativo e denúncia contra o ex-presidente da Câmara.
Os acontecimentos que se seguiram refletem o limite que foi quebrado entre o
político e as ofensas pessoais. Na Sessão do dia 7 de maio de 1956, estando presentes os
vereadores da Frente Popular Democrática João Nou, Hildebrando Dias, Hostílio Dias,
Romualdo Campos, Amando Camões Filho, e José de Araújo Batista que tinha
assumido como suplente do Vereador João Ramos, ainda estavam os vereadores
udenistas governistas Eurico Batista, Horácio Dantas, Milton Leite, José Lúcio dos
Santos- PSD e Altamirano Campos –PSP. Importante informar que os vereadores
ligados ao governo, citados acima, desde a conflituosa eleição da Mesa Diretora em que
ganhou a Frente Popular estavam faltosos nas sessões da Câmara. Em virtude da
ausência do presidente da Câmara, Armando leal, assumiu João Nou.
Segue abaixo a ata da sessão do dia 7 de maio de 1956, com registro e desfecho
que subverteu a rotina da Câmara de Vereadores de Alagoinhas, assim foi registrada a
sessão:
Foi determinada a leitura da ata da sessão dia 4 do mês andante. Terminada a
leitura da ata o Sr. Presidente submeteu a discussão e a aprovação, como
nenhum dos srs. Vereadores se pronunciaram sobre a mesma, deu como
aprovada; já nessa ocasião não se encontravam mais no recinto do plenário os
vereadores Horácio Leal Dantas, Eurico Batista Costa, Milton Batista de
Souza Leite, José Lúcio dos Santos e Altamirano Cerqueira Campos, os quais
retirando-se, ficaram a porta da ante-sala que dá acesso ao recinto das
sessões. Nessa altura dos trabalhos legislativos da presente sessão, surgiu do
meio dos assistentes, e que de pé já se encontrava o Bel. Darcy Carvalho,
Secretário da Prefeitura, que em voz alta e agitada, dirigindo-se ao Sr.
Presidente disse que protestava contra a ata que acabava de ser aprovada e
que pedia ao vereador João Nou, para que ele repetisse o que havia dito do
seu pai. Fazendo soar a campainha, o Sr. Presidente disse ao interpelante que
a assistência não podia se manifestar. Nesse ínterim os vereadores Eurico
Costa, Horácio Leal Dantas e Milton Batista de Souza Leite, que se
encontravam na porta da ante-sala, bateram palmas dizendo que a assistência
podia se manifestar, no que foi imitado por quase toda a assistência. No meio
96

dessa confusão verificou-se que o Bel. Darcy Carvalho, pulava o gradio que
separa a assistência do plenário e de arma em punho dizia para o Sr.
Presidente: “isto ainda é sobre o repto de honra”. A partir desse momento,
deu-se um tremendo tiroteio e nada mais pode ser percebido. E para constar
lavrou-se a presente ata, que depois de lida, aprovada e por todos assinada,
será transcrita em livro próprio. 175

O início da sessão a princípio corria na normalidade, porém um fato chama


atenção no registro da ata, a saída repentina de 5 vereadores que ficaram à espreita na
porta e essa atitude nos leva a pensar que eles sabiam de algo. Claro que a atmosfera
política já não era boa e depois da eleição da nova bancada agravou mais e ainda depois
das provocações feitas pelo vereador João Nou ao prefeito e ao seu filho atacando sua
honra, já deixavam todos em alerta. O caminho percorrido para se chegar a esse
desfecho foi permeado por muitas provocações e faz pensar que o desenrolar foi algo
anunciado. O final dessa ata do dia 7 de maio de 1956, ficou em aberto, por assinar, foi
interrompida pelo estampido de balas e pelo silêncio da morte de Darcy Carvalho que
foi cobrar o “repto de honra” para seu pai. Hildebrando Dias e João Nou foram
baleados, porém conseguiram sobreviver, e ao lado do vereador Hostílio, que foi
atingido de raspão na cabeça, foram acusados e tiveram seus mandatos suspensos.
Em entrevista o Sr. Hostílio relembra que, no dia do crime, antes do ocorrido,
percebeu que havia muitas pessoas estranhas na Câmara e que esses homens eram
ligados ao Prefeito e ainda considerou que teriam incentivado Darcy Carvalho que era
“muito educado” e um “diplomata” a beber, instigando-o a tomar satisfação das ofensas.
Mas para além do incentivo de tirar satisfação, o próprio João Nou instou Darcy
Carvalho a tomar de defesa do pai ofendido. O entrevistado ainda relata que, quando o
tiroteio começou, em “fração de minutos deve ter tido uns 50 tiros”. 176 Percebemos com
essa declaração que muitos dos presentes estavam armados, talvez pelo cenário
conflituoso que se passava ou uma possível informação que Darcy Carvalho iria tirar
satisfação, e aí, também nos faz associar mais uma informação que Sr. Hostílio deu de
que pessoas haviam incitado o mesmo a cometer tal ato e consequentemente os
vereadores que saíram poderiam estar sabendo que a qualquer momento aconteceria um
conflito.
Esse crime foi noticiado no jornal A noite, com a seguinte manchete: “Tiros e
Facadas na Prefeitura de Alagoinhas. Morto a faca o filho do prefeito e dois Vereadores

175
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .07/05/1956, p.35.
176
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
97

gravemente feridos”. O noticiário relata que Darcy Carvalho entrou na Câmara de


Vereadores empunhado arma e cobrando o “repto de honra”, e a partir dessa atitude
João Nou teria atirado e atingindo Darcy Carvalho, que também retribuiu o tiro
atingindo-o com dois tiros no tórax. Segundo o relato desse jornal o Vereador
Hildebrando Dias teria descarregado a arma em Carvalho Junior, e também foi atingido
com um tiro no rosto. O Jornal ainda afirma que o Sr. Hostílio estava armado e teria
tentado acertar um tiro no filho do prefeito, porém foi atingido de raspão na cabeça.
Apesar dos tiros que Darcy Carvalho levou, ele veio a falecer em decorrência das quatro
facadas desferidas por José Ferreira Alves, que segundo o noticiário foi contratado, sem
dizer por quem, para atentar contra a vida de Darcy Carvalho. 177
Em decorrência desse crime o verador Hostílio ficou preso por 2 anos, 3 meses
e 20 dias sendo acusado de ter atirado em Darcy Carvalho, porém não havia provas que
pudessem incriminá-lo e, mesmo assim, ficou preso por todo esse período. Segundo o
Sr. Hostílio, sua prisão foi injusta e arbitrária e, para ele, provavelmente fizeram isso
“cobrando a dissidência” da legenda UDN que ele fez após ganhar as eleições para
vereador e posteriormente se unir a Frente Popular Democrática.
Após 2 meses da prisão do Sr. Hostílio foi publicado no jornal O Nordeste,
uma reportagem com a manchete “Protesta o congresso dos servidores públicos”, que
trazia informaçãos de um Congresso Nacional de Servidores Públicos ocorrido em 1 de
julho de 1956, realizado no “Instituto Histórico da Bahia, esteve presente o ilustre
deputado Tarcilo Vieira de Melo, líder da maioria na Câmara Federal, que representou o
Sr. Presidente da República.” O III Congresso Nacional do Servidores Públicos “tomou
conhecimento do ignominioso e desumano tratamento que vem sendo dispensado ao
líder ferroviário o vereador Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias, que há quase dois meses se
encontra recolhido a um infecto xadrez da cadeia pública local”. Ainda trouxe a tona
que “somente podendo ser visitado, por seus amigos ou mesmo pessoas de sua família,
nos dias de quinta-feira e domingo, das 14 às 15 horas, e, além disso, por incrível que
pareça, as suas refeições lhe são fornecidas pelas grades do referido xadrez.” 178
Segundo a nota, esse fato causou “indignação e repúdio por partes de todos os
congressistas”. Eles produziram e aprovaram a seguinte Moção:

177
TIROS e Facadas na Prefeitura de Alagoinhas. A noite, Rio de Janeiro, Ano 1956, edição15307,
10/05/1956.
178
PROTESTA o congresso dos servidores públicos. Nordeste, Alagoinhas, Ano, nº 200, 15/07/1956, p.6.
98

Considerando que se encontra preso recolhido a infecto xadrez da cadeia


pública da cidade de Alagoinhas, neste Estado, o vereador Hostílio Ubaldo
Ribeira Dias, funcionário da Viação Férrea Federal Leste Brasileira, do
Ministério da Viação; Considerando que o referido servidor se tem destacado
no I congresso dos servidores públicos; Considerando que o colega preso é
Presidente da União dos Servidores, Secção de Alagoinhas; Considerando
que a prisão a que está recolhido é indigna da classe a que pertence;
Considerando que apesar dos protestos do Presidente da Câmara de
Vereadores de Alagoinhas, aquele colega vem sendo mantido sob coação
moral, restringidas as visitas e, até, dificultado de receber assistência médica:
Indicamos se dirija o III congresso Nacional dos Servidores Públicos por
intermédio de uma comissão, às autoridades principalmente ao Governador
do Estado, Secretário de Segurança Pública, Secretário do Interior e Justiça,
levando-lhes veemente protesto dos servidores públicos e encarecendo- lhes
providencias para que o referido vereador e funcionário público seja
transferido para prisão condigna com a sua situação funcional até que a
justiça se pronuncie sobre a legalidade de medida restritiva de sua liberdade.
Indicamos ainda, seja designada uma comissão para ir a cidade de
Alagoinhas, acompanhada de advogado da classe, para visitar o colega
Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias, levando-lhe a certeza de nossa solidariedade.
(1 de julho de 1956). 179

O Jornal O Nordeste noticiou que mesmo depois dessa Moção e solicitações


feitas pelos servidores públicos, nada teria mudado a situação do Sr. Hostílio até aquela
data de 15 de julho em que foi publicada a notícia no jornal. Prosseguindo dizendo que
era “inconcebível num regimento democrático, ao líder ferroviário e vereador Hostílio a
verdade, porém, é que o mesmo continua sendo vítima das piores humilhações e das
mais terríveis e absurdas coações morais.” O jornal destacou que diante daquela
situação só restava um caminho “que o povo humilde, como o é o seu companheiro de
prisão, principalmente os ferroviários da Leste Brasileiro”, [...] “se reúnam, e de
maneira pacífica mas energicamente protestem pelos meios possíveis contra o que vem
acontecendo ao líder ferroviário Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias, que também é um dos
vereadores mais votados deste Município.” 180Não tivemos mais informações sobre o
desfecho desse protesto, apesar dessas mobilizações a favor do Sr. Hostílio, não fizeram
com que ele fosse transferido ou cumprisse inquérito em liberdade, visto que ele ficou
preso até o julgamento em 1958.
Os advogados responsáveis pela defesa de Sr. Hostílio foram Walter da
Silveira e Fernando Jatobá da Silva Teles, que também defendeu Hildebrando Dias e
João Nou, do crime ocorrido em 1956 na Câmara de Alagoinhas. Em 1957 foi lançado
um livro intitulado: O caso da Câmara de Alagoinhas: defesa dos vereadores João
Rodrigues Nou, Hildebrando Dias e Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias e este livro foi

179
PROTESTA o congresso dos servidores públicos. Nordeste, Alagoinhas, Ano, nº 200, 15/07/1956, p.6.
180
PROTESTA o congresso dos servidores públicos. Nordeste, Alagoinhas, Ano, nº 200, 15/07/1956, p.6.
99

escrito por Fernando Teles, advogado dos três vereadores acusados do crime e por outro
advogado, Jessé Muniz Ferreira. Como o livro trabalha com o processo dos acusados
mostrando quais os argumentos e as provas que foram usadas para comprovar a não
autoria do crime e a legítima defesa, trataremos agora de fazer as análises dessas
exposições.
Tanto João Nou quanto Hildebrando Dias, foram defendidos pelos advogados
com o argumento da legítima defesa, nas alegações finais os advogados apresentaram as
provas e que eles que deveriam ser “absolvidos sumariamente, nos termos do art.411 do
código de processo penal” 181. Reafirmando que os acusados se defenderam do ataque
desferido por Darcy Carvalho na Câmara de Vereadores ao cobrar o repto de honra,
mostrando que “não se excederam na repulsa à agressão de que foram alvos” isso foi
constado ao verificar as armas que foram apreendidas de Darcy Carvalho que teve
“cinco cápsulas deflagradas”, a de Hildebrando Dias sendo “duas deflagradas e três
intactas” e João Nou “retinha no pente, três intactas”. A defesa com essas constatações
do laudo de exame pericial alegou que as balas usadas pelos seus clientes foram
indispensáveis para sua defesa, e em contrapartida “ a vítima disparou contra eles toda
carga do revólver”. 182
Outro ponto que foi usado pela defesa se valendo da perícia foi a alegação da
verificação de que constavam muito mais pessoas armadas dentro da plenária e isso se
confirmou pelo número de “tiros equivalente ao dobro que foram desfechados pelas
armas dos denunciados e da vítima”, muitos projeteis encontrados correspondiam a
outros modelos de armas e que dos “nove disparos que foram direcionados a mesa da
presidência quatro ou cinco foram deflagrados pela vítima” e que a maioria dos tiros
detonados foram direcionados contra a mesa da presidência em direção aos vereadores
acusados. Os advogados ainda analisaram que diversas dessas detonações partiram de
uma “porta, que liga a sala de espera com a plenário da Câmara, e de outra, que se abre
para o hall da escada, ambas situadas do lado esquerdo da mesa da presidência, sendo
inadmissível que houvessem[sic] sendo feitas pela vítima” visto que ela estava
localizada no centro do recinto. Acrescentou que dois projeteis que atingiram

181
TELES, Fernando Jatobá da Silva; FERREIRA, Jessé Muniz. O caso da Câmara de Alagoinhas:
Defesa dos vereadores João Rodrigues Nou, Hildebrando Dias e Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias.
Alagoinhas: [s.n], 1957, p. 5.
182
Ibidem, p. 28.
100

Hildebrando Dias e Darcy Carvalho foram de uma arma calibre 38 e partiram da


esquerda para direita direção que dava para a sala mencionada acima. 183
Tratando agora da defesa de Hostílio, o argumento utilizado pelo advogado
Fernando Jatobá Teles, foi a tese de não autoria do crime. Ele questionou o fundamento
da pronúncia de Hostílio Dias no processo sob as seguintes alegações a ele imputadas:
“O acusado estar presente à sessão, ser vereador e irmão de Hildebrando [Dias] e ter
sido ferido[...]e em virtude da apreensão de armas em seu poder”. 184 Essas denúncias
foram contraditadas pela defesa, arguindo que “Hostílio estava na câmara porque é
vereador, estava no exercício do mandato e havia sessão, naquele dia”, ainda completou
que “a mesma comparecem centenas de pessoas, sem motivo especial para ali se
encontrarem” e que se fosse considerar esse argumento judicial as outras pessoas que
estavam na sessão deveriam ser “denunciadas e pronunciadas” e ainda acusou que
Milton Leite e Eurico Batista da Costa ambos vereadores e Anilbal Cerqueira Passos
afirmando que não foram processados, apesar das provas contra eles. Ressaltou que a
Câmara de Alagoinhas se compõe de doze vereadores e que no dia do crime estavam
onze e deveriam ser arrolados pela condição de seres vereadores também, visto ter sido
esse um desses argumentos usados pela promotoria. 185
O advogado de defesa de Hostílio, ainda fez uma acusação que os vereadores
citados acima Milton Leite e Eurico Batista da Costa teriam sido os “pistoleiros
postados à esquerda do plenário e de ter sido o último deles, quem tentou assassinar
Hostílio, baleando-o na cabeça” 186. E sobre a arma do Sr. Hostílio aludida pela
acusação, o advogado aponta que é certo que ele portava uma pistola de dois canos,
calibre 320, sendo apreendida pelo policial muitas horas depois, à noite já no Hospital
Dantas Bião se encontrava em tratamento em virtude do tiro que recebeu na cabeça. A
arma foi apreendida e periciada evidenciando que estava com as “duas cápsulas
intactas...não deflagradas[...] não achando nenhum projétil no local do crime que
correspondessem ao calibre da arma dele e também a análise “revelou ausência de

183
TELES, Fernando Jatobá da Silva; FERREIRA, Jessé Muniz. O caso da Câmara de Alagoinhas:
Defesa dos vereadores João Rodrigues Nou, Hildebrando Dias e Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias.
Alagoinhas: [s.n], 1957, p. 33.
184
Ibidem, p.38.
185
TELES, Fernando Jatobá da Silva; FERREIRA, Jessé Muniz. O caso da Câmara de Alagoinhas:
Defesa dos vereadores João Rodrigues Nou, Hildebrando Dias e Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias.
Alagoinhas: [s.n], 1957, p. 39.
186
Ibidem.
101

disparos recentes na arma” e ainda ressaltou que nenhuma pessoa que estava na Câmara
relatou o caso de ter sido baleado por ele e nem que ele houvesse atirado. 187
As conclusões que a defesa chegou foram que a agressão de que foram vítimas
o Dr. João Rodrigues Nou e Hildebrando Ribeiro Dias, na Câmara de vereadores do dia
7 de maio 1956 foi “adredemente planejada” e confirmada a partir do fato de que “os
vereadores situacionistas que, desde a eleição que perderam, deixaram de comparecer às
sessões da Câmara, estavam ali presentes, naquele dia, retirando-se do recinto para a
sala de espera e corredor lateral, logo depois da leitura da ata”. Teoria reforçada pelos já
mencionados tiros deflagrados contra a mesa que saíram da sala de espera e corredor
lateral e um dos tiros que alvejou João Nou ter saído de um projétil calibre 38, ao passo
que a arma de Darcy Carvalho era de calibre 32. Esses elementos que constavam no
processo reforçavam a suposta participação de Eurico Batista, Anibal Cerqueira Passos
e Milton Leite de Souza, no ataque armado contra os denunciados. E relatou ainda
atitude ocorrida antes, quando “Dr. Darcy Carvalho, ao entrar na Câmara, encontra-se,
próximo à porta desta, com Dr. João Nou e não o agrediu como seria de esperar-se, caso
se tratasse de um desforço pessoal”. Todos esses aspectos detalhados no livro e que
integravam o processo dão conta da conturbada sessão mas também da fragilidade e
condução desvirtuada dos encaminhamentos processuais. Quanto ao Sr. Hostílio, ele
não deveria nem mesmo ter sido processado porque não teve nenhuma participação
direta no ocorrido. 188
Importante ressaltar que esse livro que trata dos argumentos de defesa foi
publicado em 1957, ano anterior ao julgamento que foi em setembro de 1958. É
possível que a publicação do livro tenha impactado de alguma forma o desenrolar dos
acontecimentos.

187
TELES, Fernando Jatobá da Silva; FERREIRA, Jessé Muniz. O caso da Câmara de Alagoinhas:
Defesa dos vereadores João Rodrigues Nou, Hildebrando Dias e Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias.
Alagoinhas: [s.n], 1957.
188
Ibidem.
102

Figura 6- Manchete do Alagoinhas Jornal-13/10/1958

Arquivo Pessoal Walter Campos

Como mostra a manchete do Alagoinhas Jornal acima, em setembro de 1958,


houve o julgamento dos acusados do crime da Câmara Municipal, e isso foi noticiado
pelo Jornal de 13 de setembro de 1958. Trazendo estampado na capa da notícia do lado
esquerdo a foto do vereador João Nou e com a informação de absolvido, em que seis
integrantes do júri votaram pela sua absolvição e um o acusou, seu advogado usou a
tese de legítima defesa. A outra foto, estampada do lado direito é do vereador Sr.
Hostílio, e a matéria evidencia sua absolvição por unanimidade e o argumento da defesa
foi a não autoria do crime e ele acabou saindo da sala de seção já em liberdade.
Voltando a manchete, ela também mostra o placar dos outros acusados como: o
vereador Hildebrando Dias, do qual seis do júri votaram pela sua absolvido e 1 acusou,
e o argumento do advogado foi de legítima defesa. Quanto a José Ferreira, que foi o
responsável por desferir as facadas na vítima e que esses golpes o fizeram ir a óbito,
também foi absolvido, com quatro do júri votando pela sua absolvição e três o acusando
e também para ele o advogado argumentou que teria agido em legítima defesa.
Necessário informar que além de Hostílio que ficou preso aguardando o
julgamento, o vereador João Nou também ficou preso por quase três anos, informação
103

encontrada em uma publicação do Alagoinhas Jornal de 22 de janeiro de 1959, que fez


uma transcrição de uma entrevista que foi cedida pelo vereador João Nou ao “Estado da
Bahia” após ser libertado da prisão em outubro de 1958. Na reportagem do Alagoinhas
Jornal intitulado João Nou ataca, antes de trazer na integra a transcrição da entrevista
do vereador o jornal se manifestou contrário a entrevista argumentando que o silêncio
seria melhor e que a “repercussão no seio da família alagoinhense lhe foi por demais
desfavorável”. O teor da entrevista mostra o ressentimento de João Nou, apesar de ele
afirmar que saiu da “prisão sem ódios no coração”. Afirmou que seus “inimigos” foram
responsáveis por insuflar Darcy Carvalho e que ele poderia ainda estar “prestando bons
serviços a sociedade” e que a intenção foi de manter ele preso ao “menos até o pleito de
3 de outubro de 1958” para que ele não concorresse. Fez também ameaça dizendo que
sabia de muita coisa sobre o julgamento dele, afirmando que a preparação do corpo de
jurados foi composta por “marginais”. Acrescentou que saia da luta com consciência
tranquila. 189
Sobre Hildebrando Dias não conseguimos informações se aguardou o
julgamento preso, porém tudo nos levar a crer que sim, assim como os outros dois
acusados ficaram presos. Quanto a José Ferreira que foi considerado o responsável pelas
facadas, não conseguimos informações que pudessem confirmar se esteve preso até ser
julgado, mas provavelmente sim, levando em consideração a realidade dos outros
acusados. Aliás, esse personagem merecia uma melhor investigação que foge os limites
desse trabalho. Quem é esse sujeito e quais eram seus vínculos naquela circunstância
ficam como pontos de interrogação.
Importante refletir que o resultado desse julgamento mostra que os diferentes
placares revelam ao menos diferentes graus de responsabilidade atribuídos aos sujeitos
supostamente envolvidos no crime. Dos quatros envolvidos apenas o Sr. Hostílio foi
defendido com o argumento da não autoria do crime e o resultado do júri revela sua
absolvição por todos, portanto, a ele não foi imputado nenhum tiro ou qualquer
ferimento ocasionado em Darcy Carvalho.
Após sair da prisão, Sr. Hostílio teve seu mandato recuperado já “às vésperas
do encerramento em 1958” 190, como aponta Moises Morais. Não temos informações se

189
JOÃO ataca. Alagoinhas jornal. Alagoinha, Ano2 nº17,22/01/1959, p.3.
190
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011, p.116.
104

o Sr. Hostílio teve algum ressarcimento do Estado pelos dois anos de sua prisão, mas
tudo leva a crer que não.
Ao falar desse processo, o Sr. Hostílio, afirmou que ele tinha certeza do
resultado, pois não havia feito nada e sabia que estava preso por perseguição política. 191
Suas reflexões recuperam o cenário que desencadeou o episódio do crime.
Afirmou que muitas fraudes e corrupções foram descobertas na administração pública e
que o prefeito Carvalho Junior antes das denúncias era “homem até respeitado, tido
como homem de bem”. Afirmou que “os ferroviários [tiveram] uma parcela decisiva”
naquela eleição e que se não fossem eles, a vitória seria de “Victor Nascimento o
candidato de Pedro Dórea que tinha muita força aí dentro[ferrovia]”. Ele lembra com
ironia afirmando que “elegemos Carvalho Junior e vejam só! ” e ainda recuperou que
“quem sugeriu isso em uma madrugada foi eu, digo só tem um nome aí, trabalhista de
Getúlio”. 192
Em suas memórias, ele narrou e ao mesmo tempo elaborou conclusões sobre os
acontecimentos, como por exemplo sobre o repto de honra assim ele ponderou:

Ali foi um acúmulo de coisa! deu com aquela explosão, por causa do amigo
nosso colega, ele muito impulsivo, eu não tava tendo conhecimento desse
negócio, mas pra mim, ele se precipitou no caso aí lançou um repto de honra
ao prefeito que começou a encontrar assim coisas terrível de corrupção. 193

A impressão que temos com essa reflexão de Sr. Hostílio é que ele ao trazer a
memória do episódio, reinterpreta que o limite das denúncias foi extrapolado, que os
atos saíram do controle. Essas ponderações que ele fez nos faz pensar que a intensidade
das denúncias feitas no período foi demais ou a forma de fazê-las tenha extrapolado os
limites do decoro imposto ao cargo que ocupavam. Talvez essa consideração só tenha
sido feita muito depois, quando passou por tudo que narrou e viveu outras experiências
e aprendizagens que o fizeram repensar os acontecimentos daquele período.
Ao ser questionado sobre os anos que passou preso, sua experiência e cotidiano
ele se restringiu a frisar exclusivamente que passou os dias “lutando na cadeia”,
segundo ele pelos “problemas de ferroviário, referente a viúva, de aposentado” e ainda

191
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
192
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
193
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
105

informou que na rua de sua casa dava para os fundos do prédio da prisão, local onde
ficou preso até julgamento. 194
Observamos que, na primeira experiência como vereador o Sr. Hostílio teve
uma atuação intensa. Ter sido acusado de um crime e ficado preso por um tempo é um
registro curioso, peculiar e que certamente deixou marcas em sua vida. O fato também
de ter concorrido pela UDN nas eleições, contrariando sua propalada identificação com
o PTB revela que ele se engendrou na articulação política apesar de ser iniciante a sua
atitude evidencia uma conexão com os arranjos políticos. Podemos perceber também
que o vereador João Nou, presidente e fundador da FPD e figura representativa da
legenda, foi um exemplo em que ele buscou se espelhar, afinal, o percurso do seu
mandato foi muito guiado pela atuação da bancada oposicionista. Eles foram articulados
e atuaram em parceria um reforçando a atitude e fala dos outros, e não seria exagero
dizer que foi nesse bloco que o Sr. Hostílio Dias foi ganhando envergadura e se
aprimorando como político intenso que esteve durante sua primeira experiência política
envolvido na linha de frente em oposição a administração do prefeito udenista Carvalho
Junior, de quem foi, ao menos por pouco tempo, estratégica e circunstancialmente
aliado.
O Sr. Hostílio buscou se projetar como líder de sua classe, sabia se posicionar e
ganhar visibilidade entre seus colegas em virtude de ser habilidoso na escolha do
momento certo de agir, mas não foi o único representante dos ferroviários.
Existiram outros e isso ficou perceptível na documentação trabalhada, como
também nas entrevistas que foram cedidas por ele em 2012 e 2013, ainda que ele se
esforçasse para se posicionar como o maior protagonista e principal líder. Em vários
momentos das entrevistas percebemos no cenário narrado as disputas entre lideranças já
instituídas e de outros que buscavam ocupar ou ascender a esse cobiçado posto de líder
ferroviário.
A FPD foi um bloco criado em um cenário de dissidências partidárias. Quando
analisamos toda a atuação dela até culminar no crime na Câmara percebemos que a
bancada oposicionista estava bem articulada com o objetivo de tomada de poder político
na cidade de Alagoinhas, se mobilizando no sentindo de enfraquecer a gestão vigente,
buscando sufocar a administração pública do prefeito Carvalho Junior. Não pudemos
conhecer melhor a gestão, mas muitos das denúncias que eram alardeadas nas sessões

194
DIAS, Hostílio Ubaldo Ribeiro. Hostílio Dias (depoimento entre 2012 e 2013). Entrevista cedida a
Tatiane Figueiredo Araujo. Alagoinhas, BA. 2012-2013.
106

da Câmara certamente foram potencializadas pela bancada para minar a força


administrativa do gestor. A FPD se valeu ainda de ataques pessoais, inclusive foi
através de uma ofensa a honra que originou a faísca que faltava para degenerar ainda
mais as relações com grande potencial para desembocar no crime. Cabe registrar
inclusive o fato de muitos estarem armados na sessão, o que era comum no período.
Importa também ressaltar que a FPD buscou se estabelecer como porta voz de
parcela da sociedade alagoinhenses, buscando falar em nome da população e fazendo
isso não só nas sessões da Câmara, mas principalmente no seu jornal aliado. Na maioria
das suas manchetes o jornal O Nordeste protagonizava a atuação da FPD dando
visibilidade perante a sociedade alagoinhense. Toda a articulação do grupo foi
interrompida e desmontada com o episódio do crime e não há como saber sobre as
transformações e consequências para a cidade de Alagoinhas se o crime não tivesse
acontecido.
No próximo capítulo trabalharemos com o segundo mandato do Sr. Hostílio
Dias, conquistado após sua saída da prisão. Analisaremos a sua atuação e seus
desdobramentos no cenário político local.
107

Capítulo III
“Sob o manto da paz” 195: segundo mandato de Hostílio Dias (1959-1963)

O discurso de paz e harmonia esteve presente na Sessão Preparatória 196 para a


posse dos vereadores eleitos em 3 de outubro de 1958 e eleição da nova Mesa. A sessão
ocorreu em 7 de abril de 1959 e o pronunciamento proferido pelo Juiz de Direito da
Comarca, Eurico Alves Boaventura, em plenária, foi um apelo para que da mesma
forma que se iniciavam os trabalhos em “atmosfera de alegria de todos os presentes”
assim também tinha “esperança que ao findar os mandatos” o clima permanecesse. Para
além de uma ritualística entre juramentos predefinidos e o compromisso regimental no
processo de posse do quadro político eleito, esse pedido de paz teve mais peso,
provavelmente, em virtude dos acontecimentos passados no legislativo com o crime
ocorrido em 1956.O tom dos discursos apelava para um comprometimento pela
harmonia e decoro e possivelmente ganhou coro pela memória traumática vivenciada
por muitos dos que ali estavam presentes.
Hostílio Dias se reelegeu nesse novo mandato pelo PTB com 397 votos. 197 É
importante ressaltar que nesta experiência política ele tinha um conhecimento agregado
da atuação incisiva e ativa que adquiriu na Câmara legislativa no mandato anterior
interrompido com apenas um ano de atividade. A sua prisão foi provavelmente de
cunho político e a ausência de provas aliada a ideia de que foi injustiçado fortaleceu sua
imagem positiva na sociedade alagoinhense o que se confirmou com a vitória
conquistada nesse segundo mandato.
Antes de adentrar na experiência do mandato do Sr. Hostílio, importa fazer
uma breve apresentação do periódico local Alagoinhas Jornal, importante fonte
trabalhada neste capítulo por ter sido um fórum de debate registrando aspectos cruciais
da política da cidade. O jornal nasceu em 21 de outubro de 1957, tinha circulação
quinzenal e foi criado pelos irmãos Walter Altamirano Robatto Campos, cirurgião

195
Frase encontrada na ata da sessão do dia 18 de maio de 1959, quando o vereador João Ramos destacou
essa frase de autoria de Jairo Maia quando ele afirmou “ que o juracisismo (sic) não se considerava
melhor e nem superior aos partidos que com o manto da paz se acobertavam”.
196
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Atas das sessões. 03/10/1955 e 07/04/1959.
197
Resultado geral das eleições. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano I, nº14, 29/10/1958, p.1.
108

dentista e Waldo José Robatto Campos, médico, filhos de Altamirano Robatto


Campos. 198
Segundo Roberto Magno Santos, a “família Campos fazia parte da vida política
local”. O Sr. Altamirano tinha sido prefeito na legislatura de 1943-1945, e também
“ocupou uma das cadeiras do legislativo municipal nos anos 1956-1959”. 199 Informação
importante por mostrar que o dono do jornal estava na cena política diretamente não
apenas como a detentora da impressa, mas também com histórico de envolvimento
direto na vida política. O jornal se intitulava A artilharia do pensamento, e de fato foi
uma artilharia pesada fazendo muitas críticas e denúncias políticas em tons fortes e
irônicos.
Cabe apresentar também o novo quadro dos vereadores eleitos noticiado pelo
Alagoinhas Jornal. Foram reeleitos 4 vereadores: João Ramos pelo PTN, que teve 266
votos, residia no bairro dois de Julho e era conhecido por ser o “vereador do 2 de
Julho”; José Lúcio dos Santos pelo PSD, com 283 votos e era proprietário de terras;
Romualdo Pessoa Campos pelo PSD, teve 242 votos e em 1950 foi presidente do
Sindicato dos operários em curtumes de Alagoinhas e Hostílio Dias pelo PTB,
ferroviário e foi o quarto mais votado com 397 votos. Entre os novos identificamos a
professora Maria de Lurdes Veloso pelo PTN, única mulher eleita com 293 votos; o
funcionário público Milton Ramos pelo PTN, com 244 votos; O ferroviário Thiago
Evangelista pelo PTN que conquistou 237 votos e já havia tido uma experiência como
vereador na legislatura de 1951-1954; José de Araújo Batista pelo PSD, foi o primeiro
colocado nas eleições com 601 votos, era ferroviário e na legislatura passada foi
suplente provisório; O tenente Osvaldo da Silva Matos concorreu pelo PSD e obteve
328 votos; Antônio Mutti concorreu pela UDN e teve 419 votos, foi o terceiro colocado
e era ligado ao Departamento de Rodagens da Bahia; O proprietário de terras Luiz
Bastos Rabêlo pela UDN, obteve 253 votos e o cirurgião dentistas Antônio Guimarães
pelo PSB, teve 441 votos, sendo o segundo colocado nas eleições. 200
Ainda com base nas informações do Alagoinhas jornal, importa observar sobre
os números da votação que o Sr. Hostílio teve em relação a seu partido, PTB. Ele obteve
o maior número de votos, 397 e o segundo colocado conseguiu apenas 113 votos. Os

198
SANTOS, Roberto Magno. “Alagoinhas Jornal”: O comportamento da imprensa escrita no Município
de Alagoinhas durante o quadriênio 1960-1964. Dissertação (especialização em História Política)-
Universidade do Estado da Bahia, campus II. 2003.
199
Ibidem, p.44.
200
Resultado geral das eleições. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano I, nº14, 29/10/1958, p.1.
109

outros que se seguiram tiveram valores gradativamente inferiores aos primeiros


colocados, e deste modo, o partido (PTB) conseguiu conquistar apenas uma cadeira na
Câmara de vereadores. Mostrou que Sr. Hostílio, nesta experiência foi o seu principal
representante da legenda. Em contrapartida, no comparativo geral o primeiro colocado
foi o ferroviário José de Araújo Batista-PSD, que obteve 601 votos. Essa votação
evidenciou a existência de outra liderança ferroviária forte na cidade e tudo leva a crer
que essa destacada votação tenha sido pelo fato dele ser um “líder operário e
representante do distrito de Aramari” 201, e o maior número de eleitores tenha partido
daquela localidade que representava uma parcela considerável de ferroviários por
possuir “instalada uma oficina da VFFLB” 202. As legendas que mais conseguiram eleger
uma quantidade de vereadores foram a PTN com 4, o PSD igualmente 4, a UDN com 2,
o PSB apenas 1 e o PTB também 1. Mostrando que o PTB estava, naquela ocasião, sem
forças em Alagoinhas.
Divulgado o resultado do pleito eleitoral o jornal seguiu fazendo uma avaliação
da eleição e considerou positivo que apenas quatro vereadores conseguiram se reeleger
assim “como aconteceu em todo o Estado o eleitorado de Alagoinhas realizou uma
verdadeira renovação de valores”, porém considerou que não seria uma “Câmara ideal”,
por continuar “com alguns vereadores que mal” sabiam “assinar o nome”. 203
O Alagoinhas Jornal continuou com as críticas aos resultados das eleições
desaprovando alguns reeleitos, como também anteriormente as eleições de 1958. No
ano anterior, em 21 de outubro de 1957, o referido jornal publicou uma reportagem em
que traçava o perfil ideal para assumir a cadeira de prefeito, o título da manchete partia
de uma pergunta: Qual o melhor candidato à Prefeitura de Alagoinhas? E seguia
fazendo uma breve avaliação do cenário político da cidade, afirmando que “o povo
encontrava-se desencantado com a política alagoinhense”, acrescentando que os
“políticos atuais são os mesmo”. Destacava que “a época de certos ricaços serem
escolhidos por serem ricos, passou. Já passou a época do compadre rico ser o Prefeito” e
“hoje, o governo é o povo e muitos deles, dos velhos, não permitem isso[...] não
permitem imprensa, não permitem críticas” e “para os velhos políticos, nosso respeito,
nossa consideração, nossa estima. Para eles: aposentadoria compulsória”. Em seguida o

201
Afirmação feita por João Nou em sessão da Câmara. ALAGOINHAS. Câmara Municipal de
Alagoinhas. Ata da sessão, 23/05/1958.
202
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011, p.91.
203
RESULTADO geral das eleições. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano I, nº14, 29/10/1958. p.1.
110

jornal caracterizou o que seria perfil necessário “para prefeito de Alagoinhas, um moço
idealista, trabalhador, instruído e sobretudo apaixonado amante da honestidade”. 204
Ao fazer essa campanha pela renovação da política alagoinhense, o noticiário
apontava para o próprio Walter Campos que se candidatou a vereador e se apresentava
como uma oportunidade de novidade, inclusive seu slogan de campanha era: Um Moço
a serviço de Alagoinhas 205. Em contrapartida, seu pai Altamirano Campos 206, já havia
sido prefeito e se candidatava novamente contrariando os argumentos que pediam
renovação para a política de Alagoinhas. Durante o desenrolar da campanha eleitoral
essas duas propostas de candidaturas foram desfeitas, o Alagoinhas Jornal de 13 de
setembro de 1958, revelou que houve um acordo 207 entre o Partido Social Progressista-
PSP, de Altamirano Campos, e o Partido Trabalhista Nacional-PTN renunciando a sua
candidatura em favor de Antonio Valverde Bastos e passou a concorrer ao cargo de
vereador, juntamente com o seu filho Walter Campos 208. Contudo, no resultado das
eleições divulgado no jornal detalhando a relação 209 dos candidatos e quantidades de
votos não constava os nomes do pai nem do filho e deduzimos que eles desistiram das
candidaturas em decorrência de algum acordo partidário.
O candidato eleito para prefeito foi José da Silva Azi, com 38 anos de idade,
era comerciante, industrial, proprietário do cinema da cidade, o Cine Azi e concorreu
pelo Partido Republicano –PR. Novo na política local, teve apoio do Deputado Federal
do PR, Manoel Novaes que em um dos comícios na cidade chegou a condicionar a
instalação do serviço de água à eleição do seu candidato. 210

204
QUAL o melhor candidato à Prefeitura de Alagoinhas? Alagoinhas Jornal, Alagoinha, Ano I, nº 121,
21.10.1957. p.2.
205
UM moço a serviço de Alagoinhas. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano I, nº 12, 13/09/1958, p.6.
206
PARA prefeito Altamirano Campos. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano I, nº 11, 12/08/58, p.4.
207
Alagoinhas Jornal, Ano I, nº 12, 13/09/1958, p.6.
208
Anteriormente ao período eleitoral, quando se cogitava possibilidades de candidaturas, Walter Campos
chegou a anunciar em seu Jornal através de um artigo de Haeckel Meyer apresentando as propostas de
governo que estava sendo organizadas para sua candidata a prefeito de Alagoinhas, sendo mais para
frente afastada essa possiblidade, provavelmente testando a popularidade perante a cidade. Ver
Alagoinhas Jornal, Ano I, nº 6, 24.03.1958. P.1. Arquivo particular de Walter Campos.
209
Resultado geral das eleições. Alagoinhas Jornal, Ano I, nº 14, 29/10/1958. p.1.
210
Matéria publicada no Alagoinhas Jornal feita por Haeckel Meyer, com título: Manoel Novaes-Água só
se José Azi for Prefeito. Abelardo Andréa-Água com qualquer prefeito. “ O bem estar da coletividade
está acima do interesse particular”. Fazendo uma crítica a condição dada em comício pelo deputado
Manoel Novaes que condicionava a instalação do serviço de água a eleição de José Azi, na reportagem
repudiava essa atitude e apoiava o Major Abelardo Andréa que independente que ganhasse a prefeitura
iria buscar verbas para a instalação do serviço de Água em Alagoinhas. Ver Alagoinhas Jornal Ano I nº
13, 29/09/1958, p.2.
111

Cabe registrar que, no ano de 2011, Hildebrando Dias 211 publicou um livro de
memórias intitulado A história de uma vida 212, e para prestar uma homenagem ao amigo
José Azi, informou que a entrada dele na política teria se dado a partir de um apelo
popular para que concorresse a prefeitura e acrescentou que não achou nenhuma
legenda partidária que o aceitasse, isso teria ocorrido porque as lideranças políticas
locais teriam sido contra sua candidatura e ele teria procurado o amigo ex-vereador Dr.
João Nou 213, que na ocasião estava “privado da sua liberdade” 214, fazendo a ponte com
o Deputado Federal Manoel Novaes e conseguindo seu apoio para a candidatura. Ainda
segundo essas memórias, com o desenrolar da campanha e suposta aprovação da
população, a UDN passou a apoiar a candidatura. A princípio o que o alinhava com o
requisito apontado pelo jornal para ser um bom prefeito, foi o fato de ser iniciante na
política e jovem, por outro lado a tradição de se ter sempre representantes abastados
economicamente ainda se fez presente nessa legislatura.
O jornal além de noticiar o resultado das eleições destacou as propostas de
campanha eleitoral feitas pelo o prefeito eleito, as principais eram: “água encanada e
esgoto, calçamento para as principais ruas da cidade terraplanagem e meio fio para
todas as outras ruas”. Necessidades que estiveram com frequência em pauta nas sessões
da gestão anterior. Outras propostas foram a “extensão e melhoramento da rede de
energia elétrica, instalação de lavanderias e chafarizes nos bairros da cidade, assistência
médica e escolas gratuitas, construção de campo de aviação comercial e construção de
arquibancadas no campo de futebol”. 215 A energia foi tema recorrente em 1955-1958,
inclusive uma das promessas de regularização dos serviços de luz pública e particular
foi proposta eleitoral do ex-prefeito Carvalho Junior e, a partir da recorrência dessa
demanda verificamos que o serviço continuou deficitário e moroso. A pauta defendida
pelo prefeito José Azi para essa legislatura da construção do campo de avião comercial
não era uma proposta nova visto que no mandato de 1955, o vereador Hostílio Dias com

211
Importante informar que buscamos realizar uma entrevista com Hilbrando Dias, irmão de Hostílio
Dias, em 2020, porém por questões relacionadas a saúde dele essa entrevista não se concretizou.
212
Livro escrito pelo irmão de Hostílio Dias contou com sua ajuda no fornecimento de documentos e fotos
contribuindo com a pesquisa para o livro. Ver DIAS, Hidelbrando Ribeiro. História de uma vida. Livro
memorialístico. Alagoinhas-Bahia,2011.
213
O ex-vereador João Nou foi acusado do crime da Câmara que levou a morte de Darcy Carvalho,
Secretário Municipal e filho do então prefeito Antonio Carvalho Junior em 1956. Como aponta
reportagem no Alagoinhas Jornal ele ficou preso até ser absolvido no julgamento. Ver Alagoinhas Jornal,
Ano 2, nº 17, 22.01.1959. P.2.Arquivo particular de Walter Campos.
214
DIAS, Hidelbrando Ribeiro. História de uma vida. Livro memorialístico. Alagoinhas-Bahia,2011.
P,78.
215
RESULTADO geral das eleições. Alagoinhas Jornal, Ano I, nº 14, 29.10.1958, p.1.
112

frequência solicitava essa construção como foi visto no registro das atas da sessão da
Câmara de Vereadores trabalhadas no capítulo anterior.
Retornando a Ata da Sessão Solene de Instalação dos Trabalhos Legislativos e
de juramento e posse do Prefeito eleito, para o quadriênio de 1959 a 1963, a Mesa eleita
responsável por reger o Poder Legislativo até abril de 1960, se configurou da seguinte
forma, para “Presidente Luiz Bastos Rabêlo-PSD, Vice-presidente José de Araújo
Batista-PSD, Primeiro Secretário Romualdo Pessoa Campos-PSD e para segundo
Secretário, Maria de Lordes Almeida Velôso-PTN”. 216 Importante registrar que o ex
Prefeito Antônio Martins de Carvalho Junior, não compareceu a essa solenidade de
posse do novo Prefeito e designou uma funcionária para o representar. 217 Os motivos do
não comparecimento não foram expostos em ata, mas podemos supor que foram em
decorrência dos acontecimentos durante sua gestão, com o crime na Câmara perdendo o
filho e também a sua conturbada administração pública acusada de mau uso do dinheiro
público, crítica que perdurou até o fim de mandato. 218 Apesar disso, conseguiu o ex
prefeito apresentar o balancete do último período administrativo expondo as contas da
Prefeitura e fazendo a prestação exigida por lei. 219
O Legislativo Municipal se estruturou diferente da experiência passada que
contava com uma bancada oposicionista representada pela Frente Popular Democrática
que realizou uma fiscalização diária e incisiva mantendo uma regularidade da postura
desde o início na administração pública com uma definição clara de quem era situação e
oposição. Embora essa postura se configurou porque a tensão estava abafada uma vez
que a bancada da oposição era reduzida.
Nessa nova experiência, as atas permitem afirmar que a bancada oposicionista
não ficava clara. Moises Leal avalia que o prefeito José Azi “em tese” contava “com
seis dos doze membros” de vereadores, confirmado por uma “bancada governista no
Legislativo Municipal composta pelos quatro vereadores eleitos pelo PSD e os dois pela
UDN, partidos que haviam apoiado” o então candidato “para a chefia do Executivo
Municipal” se “constituindo pela liderança de Osvaldo Matos (PSD)”. Leal ainda
acrescenta que “quanto às demais organizações partidárias, PTN, PSB e PTB tendiam a
atuarem como bloco de oposição”, contudo os vereadores da PTN e do PSD “embora
em determinados momentos tenham reivindicado a condição de oposição,

216
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 07/04/1959, p.9.
217
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 30/01/1959, p.15.
218
CARVALHO Junior entrevistado. Alagoinhas Jornal, Ano 2, nº18, 16.02.1959, p.1.
219
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.10/04/1959, p.18.
113

demonstraram uma conduta pendular, por vezes adotando uma postura de conciliação
com o governo e agindo como representantes da situação”. E nesse panorama na
maioria das vezes “apenas o ferroviário Hostílio Dias (PTB) manteve uma atitude
constante e solitária de fiscalização sobre o Executivo Municipal”. 220
Hostílio Dias perdeu muitas alianças políticas nesse mandato e não integrou
nenhum bloco de oposição coeso como foi a Frente Popular Democrática, representado
na figura do Líder João Nou, dele e do seu irmão Hildebrando Dias, que foram os
membros mais atuantes do bloco no mandato anterior. Com a antiga aliança se tornaram
imbatíveis até terem sido desarticulados pelo trágico episódio do crime da Câmara e não
mais conseguiram se organizar naquela correlação de forças.
Antes de prosseguir com a análise do mandato do vereador Hostílio se faz
necessário contextualizar o cenário brasileiro durante a legislatura que correspondeu ao
intervalo entre 1959-1963. Período este que se configurou por episódios e eventos
político-econômicos acentuadamente e difíceis na política do Brasil, ficando bem
definidos esses momentos nas figuras dos três presidentes que estiveram à frente do
país, ao longo desse intervalo.
Começando com o governo de Juscelino Kubitschek e o vice-presidente João
Goulart entre 1956-1961, primeiro presidente eleito após a morte de Getúlio Vargas, seu
governo ficou conhecido pelo programa do “plano de metas” que realizou investimentos
no setor industrial com abertura ao capital estrangeiro que trouxe um crescimento
econômico, porém favoreceu a um controle internacional e lucro sobre a economia
brasileira. O governo passou também a emitir papel moeda que ocasionou crescimento
da inflação. Seguindo uma política desenvolvimentista foi no governo de Kubitschek
que foi construída a nova Capital Federal, Brasília.
Em 1960, chegando ao fim do mandato do presidente Kubitschek, novas
eleições aconteceram para presidente e Jânio Quadros conseguiu se eleger com 48% dos
votos conseguindo vencer o marechal Henrique Teixeira Lott, que foi “apoiado pelos
dois maiores partidos PSD e PTB” e “apoiado pelas esquerdas”. O vice eleito foi
novamente João Goulart, que segundo Angela de Castro Gomes e Jorge Ferreira, “entre
1945 e 1964, o vice-presidente era igualmente eleito por voto popular, concorrendo de

220
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011.
114

modo independente na chapa à presidência e podendo, inclusive, ser reeleito” 221. O


novo governo encontrou o país com “ as contas públicas e a balança de pagamentos
deficitárias, a inflação em alta, e com problemas para realizar o pagamento das parcelas
da dívida externa que venceria a curto prazo”. 222
O contexto mundial era o da Guerra Fria e com a Revolução Cubana que saiu
vitoriosa após um período de luta e dentro desse cenário o governo do Brasil, na figura
do Presidente Jânio Quadros, a contragosto dos políticos conservadores, assume a
“posição de não mais se alinhar automaticamente aos Estados Unidos, defendendo sua
independência para manter relações diplomáticas e comerciais com qualquer país que
fosse de seu interesse entre de regimes comunistas”. 223 A pedido do presidente Jânio
Quadros o vice João Goulart fez uma viagem diplomática e comercial encontrando com
alguns líderes e, dentre eles estavam os líderes soviético e chinês. O Presidente ainda
condecorou o líder revolucionário cubano Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do
Sul. 224 Essa atitude do Presidente foi pensada e calculada, pois ele queria que seu vice-
presidente estivesse bem longe e sem condições para voltar a tempo para o Brasil. 225
Quando João Goulart já estava para retornar ao Brasil, recebeu a notícia da
renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, pegando-o de surpresa.
Há um debate histórico sobre a motivação do pedido de renúncia do presidente, contudo
existem indícios que direcionam que o objetivo era que Jânio Quadrados queria dar um
golpe de Estado, em função dele querer maiores poderes e buscou conseguir com essa
manobra da carta renúncia, que não tinha de fato o interesse de sair do poder e sim
conquistar maior autonomia, porque o seu vice-presidente João Goulart tinha uma
imagem desgastada com acusações de proximidade com o comunismo, por apoiar uma
política de reforma de base que favorecia a uma justiça social e os “grupos políticos
conservadores poderosos” não concordavam e o considerava como um “esquerdista
poderoso”, embora essas incriminações fossem uma falácia. Diante dessas insatisfações
“ele contava que o povo e os militares defendessem seu mandato” e não aceitasse sua
renúncia e governando com os militares “a despeito do Congresso Nacional”, porém
nada se configurou dessa forma e sua renúncia foi aceita empossando o presidente da
Câmara dos Deputados devido à ausência do vice-presidente que estava em viagem a

221
FERREIRA, Jorge; GOMES, Angela de Castro.1964: O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao
regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. 1ª ed.-Rio Janeiro: Civilização Brasileira,2014. p.22.
222
Ibidem, p. 24.
223
Ibidem, p. 22.
224
Ibidem.
225
Ibidem, p.27.
115

serviço do governo. Contudo, quem passou a mandar no país foi uma junta formada por
três ministros militares “sem declaração formal”, o Brasil estava sob estado de sítio” e
ficou claro pelos militares a oposição em relação a volta de João Goulart para assumir a
presidência. 226
Dentro dessa nova configuração João Goulart tinha o direito constitucional de
assumir a presidência, contudo ele estava diante de uma resistência a sua posse
reforçando mais ainda a configuração de um golpe em curso. Porém, Goulart teve apoio
do governador do estado do Rio Grande Sul, Leonel Brizola, político atuante que
conseguiu apoio de uma parte dos militares e de partidos. Diante disso e da crise
instaurada e com possibilidade de guerra civil, João Goulart buscou mediar a situação e
a solução encontrada foi pela instauração do regime parlamentarista que diminuía os
poderes do presidente e assim foi feito. Após o referendo popular, em janeiro de 1963,
Goulart permaneceu no cargo e voltou o sistema de governo presidencialista. 227
Ao longo do período do mandato de Goulart identificamos várias referências
aos acontecimentos nacionais e até mundiais nas atas da Câmara de Alagoinhas
correspondentes ao período analisado. Retomando a experiência do personagem, no
início do seu mandato, o Sr. Hostílio foi confrontado publicamente por meio de uma
matéria do Alagoinhas Jornal, datado de 13 de maio de 1959, expondo um suposto
acordo que teria sido realizado entre o Sr. Hostílio Dias e seu partido, o PTB, antes das
eleições. Segundo o referido acordo, se ele não atingisse o coeficiente eleitoral,
renunciaria ainda que ganhasse ao pleito sem atingir essa meta. O Jornal noticiou esse
episódio com a seguinte manchete: “A minha confissão tácita e pública de indignidade e
falta de caráter”, a reportagem veio em meia página com a foto de Sr. Hostílio e também
a imagem do suposto documento. O articulista informou que o referido documento teria
sido assinado e registrado em cartório pelo próprio Sr. Hostílio e nele constaria que ele,
por “livre e espontânea vontade” e “sob condições proposta por ele mesmo”, à direção
do PTB que, caso não “conseguisse o número de votos igual ao coeficiente eleitoral o
Presidente do aludido partido” apresentaria o documento “à justiça Eleitoral” com o
pedido de renúncia do Sr. Hostílio Dias que já teria deixado assinado em mãos do
Presidente do partido. 228

226
FERREIRA, Jorge; GOMES, Angela de Castro.1964: O golpe que derrubou um presidente, pôs fim ao
regime democrático e instituiu a ditadura no Brasil. 1ª ed.-Rio Janeiro: Civilização Brasileira,2014, p. 30.
227
Ibidem.
228
A minha confissão tácita e pública de indignidade e falta de caráter. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas,
Ano 2, nº 21. 13/05/1959, p .2.
116

O jornal informa que colocou na “integra” o texto e assinatura das pessoas


presentes naquele episódio e inicia a notícia afirmando que “a fim de desfazer
equívocos e manter perfeitamente informada acerca de fatos da política” teria
conseguido “todos os detalhes dos entendimentos e acordos”. Segundo o articulista, as
informações foram “conseguidas pela Comissão Executiva do Partido Trabalhista”
ainda destaca que, após o Sr. Hostílio ser “recusado pelos demais partidos” teria sido
registrado pelo PTB sob condições propostas por “ele mesmo a direção daquela
agremiação”. 229 Essa informação sobre a recusa do Sr. Hostílio pelos partidos é
contrária a que ele narrou asseverando que teria recebido vários convites dos partidos
para compor suas legendas.
Cotejando as fontes aqui trabalhadas e para além do superficial das
informações, é natural que os partidos buscassem candidatos populares e que poderiam
garantir um expressivo número de votos. Pelo desempenho já visto do Sr. Hostílio na
sua primeira eleição e considerando que o episódio do seu retorno após o crime na
Câmara, provavelmente ele tenha obtido ainda mais popularidade e isso poderia garantir
uma votação ainda mais destacada. Aquela altura, além de representar os ferroviários,
que era uma força econômica na cidade, ele também se destacou na atuação da Frente
Popular Democrática e se envolveu com as questões de outras categorias de
trabalhadores da cidade e é compreensível que ele fosse mesmo cobiçado pelas
legendas. O mais provável é que o PTB tenha aceitado a filiação do Sr. Hostílio por ser
um candidato popular e não meramente como uma “oportunidade” dada a ele pelo
partido como deixa entender a manchete. A própria escolha do partido tem sintonia com
a linha política do Sr. Hostílio que se dizia “getulista” e interessava a ele fazer parte do
PTB. Mas também podemos interpretar através dos resultados que foram apresentados
da eleição que o PTB teve uma participação incipiente, elegendo apenas um candidato
que foi o Sr. Hostílio e que ficou na classificação geral em quarto lugar e talvez o
partido tendo a consciência que passava por um momento de pouca adesão da
população a sua legenda tenha proposto esse acordo para motivar e pressioná-lo a
conquistar mais votos.
Outra hipótese é que os partidos tenham se fechado para não aceitar a
candidatura dele, em decorrência do episódio da Câmara e da força política que ele e os

229
A minha confissão tácita e pública de indignidade e falta de caráter. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas,
Ano 2, nº 21. 13/05/1959, p .2.
117

membros da bancada FPD alcançaram naquela experiência e que talvez quisessem


deixá-lo de fora do legislativo e o acordo foi muito mais como uma forma de expô-lo
negativamente e até mesmo eliminá-lo depois das eleições. Resta-nos questionar sobre
a motivação que teria levado o Sr. Hostílio a fazer aquele acordo “realizado e sugerido”
por ele como informa a manchete. É possível que ele tivesse uma confiança em sua
popularidade em Alagoinhas e, principalmente entre os seus colegas ferroviários
acreditando que conseguiria o número de votos acima do coeficiente eleitoral e por isso
teria deixado o documento do acordo assinado já em mãos do presidente para executá-
lo. Porém, isso não ocorreu. Ele foi eleito, mas, sem atingir a quantidade de votos
esperada por ele e o citado documento não foi apresentado pelo Presidente do partido
para seu cumprimento, mas caiu em outras mãos que dele fizeram uso.
O que vimos desse acordo até aqui foi a partir de uma visão exposta pelo
Alagoinhas jornal e, ao que parece, a finalidade era desmoralizar o Sr. Hostílio. É
perceptível também, a partir do que já vimos sobre a vida dele, que ele adquiriu
inimizades ao longo de sua vida política até mesmo dentro do partido no qual era
membro e, não é absurdo pensar que essa informação tenha partido do próprio PTB com
intenção de prejudicá-lo. Aliás, o jornal aponta que a informação foi conseguida por
meio da “Comissão Executiva do Partido Trabalhista”. Podemos ainda pensar que esse
acordo poderia também não ter sido uma condição exclusiva feita ao Sr. Hostílio e sim
uma exigência feita pelo partido aos seus candidatos e mais, que o acordo devidamente
assinado e registrado em cartório, teria sua função mais como uma imposição para que o
próprio Sr. Hostílio, preocupado com o combinado, se empenhasse em conseguir mais
votos. Do ponto de vista legal, essa combinação não teria validade porque não tinha
nada que o impedisse de tomar posse do mandato, visto que foi eleito dentro da lei.
Indagado sobre esse episódio, o Sr. Hostílio entrou em contradição. Ele
afirmou que não sugeriu e não teria sido de acordo com tal proposta. Segundo ele, logo
que saiu do julgamento recebeu vários convites de partidos diferentes. Contudo, não
teria firmado com nenhum partido, e os prazos para as inscrições nas legendas estavam
chegando ao fim e quando percebeu já não podia mais se inscrever para as eleições, a
não ser que alguém renunciasse para que ele pudesse candidatar-se. Segundo o Sr.
Hostílio, ele teria ficado sabendo que no PTB estavam inscritos para a candidatura
Manuel Bispo e Manuel Otávio que eram pai e filho e que a inscrição do Manuel Bispo
teria sido simbólica, uma homenagem do partido para ele e, sendo assim, Manuel Bispo
teria renunciado e Sr. Hostílio Dias conseguido se inscrever. Segundo o Sr. Hostílio,
118

quando já estava com os papéis em mãos, o Presidente do PTB teria imposto o tal
acordo. Ele não teria concordado e pensou em desistir de concorrer, porém os seus
amigos o incentivaram a aceitar o acordo, afinal aquilo era “algo ilegal e não poderia ser
levado a frente”. No próprio Alagoinhas Jornal 230 quando saiu o resultado das eleições
constava uma lista com todos os vereadores que concorreram para o pleito e um dos
candidatos era Manoel Otávio-PTB e nenhum registro da candidatura de seu pai Manoel
Bispo que foi mencionado acima pelo Sr. Hostílio indo ao encontro das suas afirmações
sobre a renúncia da vaga e a transferência da mesma para ele.
É necessário chamar a atenção para a reincidência de problemas relacionados a
inscrição do Sr. Hostílio nas legendas nos períodos das candidaturas. No primeiro
mandato, como mencionado no capítulo anterior, também houve uma confusão
envolvendo o candidato e os partidos e quase não conseguiu se inscrever. Sobre aquela
situação, o Sr. Hostílio Dias alegou que faltou experiência, e, novamente, nesse
mandato ocorreu outra situação confusa envolvendo sua inscrição, embora nessa
experiência ele tenha vindo de um período preso e isso pode ter concorrido para gerar
esse outro episódio. Mas ainda nos perguntamos sobre as razões para tantos desacertos e
que não ficaram apenas nesses dois mandatos, continuaram como uma marca das suas
candidaturas.
Não encontramos nenhuma menção do vereador Hostílio em Ata sobre esse
acordo. Contudo, na sessão de 18 de maio de 1959, ou seja, 3 dias depois da publicação
do jornal, o vereador Osvaldo Matos- PSD “fez severas observações as notas expressas
no Jornal Alagoinhas julgando-as responsáveis na quebra de clima de paz e
tranquilidade pelo ressurgimento de um ambiente de desassossego”. Fez “considerações
ponderadas sobre diversas páginas do jornal salientando a vontade soberana do povo na
expressiva escolha dos seus dirigentes” e aproveitando “a oportunidade e num gesto
elegante hipotecou solidariedade ao vereador Hostílio pela ofensa ao mesmo dirigida e
expressa na 2ª página do jornal de Alagoinhas” e ainda ressaltou “os serviços
extraordinários prestados a casa pelo referido vereador”. 231 Provavelmente o vereador
Osvaldo estava se referindo ao acordo partidário que foi exposto no Jornal.
O jornal publicou, na mesma edição, outra reportagem intitulada O Prefeito
esqueceu, informando que em “3 de abril de 1959 a Cidade se encheu de um ‘aviso’ em
forma de periquita assinada pelo prefeito eleito, o Sr. José Azi proibindo a atualização

230
RESULTADO geral das eleições. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano I, nº 14, 29.10.1958, p .1.
231
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.18/05/1959, p.70.
119

de cômodos do mercado em construção” 232 e “permanência de animais de carga ou


montaria em lugares de transito público e de animais soltos pelas ruas e praças, ou seja
“animais de cargas e de montaria, pelo aviso, não poderão entrar na cidade”. O Jornal
segue em mais críticas sobre a iniciante administração do Prefeito, falando do lixo nas
ruas, esgotos que estavam despejando nas valetas, os materiais de construção entulhados
nas ruas e chamou atenção para o transporte da carne em carroças abertas e matança de
animais de pequeno porte na Feira do Pau. 233
O Alagoinhas Jornal afirmou que aquele aviso não tinha valor jurídico e
acrescentava que além de ser apenas um aviso era datado antes da pose, no qual julgou
como a “primeira gafe do prefeito”, concluindo que era “pressa de calouro”. Que um
“órgão de administração pública não baixa avisozinhos; baixa portarias fundamentadas
em dispositivos legais para que surta os devidos efeitos”. E finalizou em tom irônico
dizendo que o prefeito precisaria “ter mais cuidado quando assinar qualquer ato público
para evitar que o mesmo seja publicado com os erros elementares de falta de
concordância gramatical” e que iria passar “um recebido pouco lisonjeiro de seus
conhecimentos linguísticos o que deixa mal os alagoinhenses perante os nossos
patrícios. Eles podem pensar que somos dirigidos por um analfabeto. ” 234
O tom das reportagens do Alagoinhas Jornal era de ironia e provocação, se
assemelhando como a forma de atuação do findado Jornal O Nordeste, apesar da cena
política ser outra. O Jornal atua como arena política e a ironia faz parte desse jogo,
porém, devido aos acontecimentos passados e o discurso do trauma provocado por eles
esperava-se que nessa experiência o jornal do momento tivesse uma participação mais
comedida e menos provocativa ao relatar os noticiários. O formato continuou o mesmo.
Foi provavelmente identificando essa questão que o vereador Osvaldo Matos associou
que aquelas publicações do Jornal poderiam fazer o “ressurgimento do desassossego”
como ele mencionou na sessão da ata e a atitude de se manifestar seja uma tentativa de
buscar conter aquela fagulha já no início do mandato. Ele também fez uma defesa da
gestão do Prefeito, o vereador afirmou que o “trabalho do senhor Prefeito obedece a um
plano organizado não se podendo exigir mais daquela autoridade que iniciou sua vida
administrativa no 8 de abril” e que existiam dívidas da gestão anterior. 235

232
O Prefeito esqueceu Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 21. 13/05/1959, p .3.
233
O Prefeito esqueceu Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 21. 13/05/1959, p .3.
234
O Prefeito esqueceu. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 21. 13/05/1959, p.3.
235
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.18/05/1959, p.73-74.
120

Quando o Prefeito eleito estava montando sua equipe para dar suporte
administrativo, saiu uma pequena nota no Alagoinhas Jornal se referindo ao possível
interesse do prefeito eleito, José Azi para colocar no cargo de Secretário Municipal
Hildebrando Dias. Com o título: COM ELE NÃO, o jornal noticiou que o “prefeito
eleito tem sido visto nos bairros da cidade acompanhado do Sr. Hildebrando Dias
planejando medidas para o futuro”, e que aquela atitude “tem dado motivo a uma série
de conjecturas de observação pelo anunciado de vir a ser o acompanhante do prefeito
eleito o seu futuro secretário”. Segundo a nota, isso teria provocado “reações
desfavoráveis a citada escolha pelos líderes que dominarão a próxima legislatura que a
esta altura, estão envidando esforços no sentido de evitar barulho não dando ensejo a
oposição de derrubá-los das posições ora conquistadas” e “por isso estão pressionando o
Sr. José Azi para desistir desse intento caso contrário retirarão seus apoios”. 236 Se de
fato houve o interesse e uma desaprovação em relação a Sr. Hildebrando Dias para
ocupar o cargo, isso obteve sucesso porque ele não o exerceu. Contudo, essa notícia saiu
sem o jornal revelar de onde teria obtido a informação. E aqui é importante relembrar
que o Jornal no período dos resultados eleitorais demonstrou a satisfação em ter se
reelegido poucos candidatos do mandato passado deixando claro que o ideal era uma
renovação do Legislativo, então talvez o Jornal também não fosse favorável a ele,
Hildebrando Dias.

1.1- 1959, primeiro ano do Mandato Legislativo: entre a descoberta do petróleo e


o aumento da carne verde

Trabalhos iniciados no Legislativo, em 1959 e os temas discutidos nas sessões


da Câmara de vereadores de Alagoinhas eram diversos desde solicitações para consertar
buracos nas ruas, reparos na iluminação pública, retirada de lixo, pedidos por maior
segurança na cidade, apelos para aumento de salários para os funcionários da prefeitura,
além de denúncias sobre desacato de passageiros no trem, homenagens as pessoas
“ilustres” que morreram, solicitação de construção de cemitério, igreja e biblioteca,
dentre outros temas. Abaixo trataremos de algumas demandas e de como elas foram
apresentadas nas sessões.

236
COM ele não. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 21. 16/02/1959, p.2.
121

Na sessão de 13 de abril de 1959, o vereador Amando Camões- que estava


cumprindo dias finais de seu mandato da legislatura passada- requereu a discussão do
projeto nº12 de “iniciativa do Prefeito que autoriza o poder executivo abrir o crédito
especial de CR$ 30.804.40 para pagamento da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro”,
esse projeto ainda é referente a gestão passada datado de 14 de julho de 1958 sendo
discutido pela terceira vez, recebeu dez votos a favor e um contra do vereador Hostílio
que justificou que votaria “contra porque estava na persuasão de que a votação se
prendia ao arquivamento do projeto, no entanto o seu voto era a aprovação do projeto e
a declaração que fazia era uma reconsideração”. 237 Não houve maiores explicações
sobre essa atitude dele, o que fica a princípio entendido foi que o vereador teria se
equivocado em relação ao assunto do projeto, ainda mais que era uma pauta que lhe
interessava visto que tratou sobre pagamentos dos ferroviários. Em outra sessão, o Sr.
Hostílio Dias juntamente com Antônio Mutti solicitou informações ao diretor da viação
relativa a situação de licença do ferroviário Antônio Neves para exercer a função de
delegado de polícia. 238 Foi lido também e submetido a iniciativa do prefeito que
autorizou o poder executivo a adquirir 200 apólices nominativas da Companhia
telefônica de Alagoinhas. 239
Já na ata de 4 de maio de 1959, o vereador Hostílio pede “informações sobre o
serviço de luz elétrica na Vila de Boa União / Riacho da Guia”. Solicitou também
“mictórios públicos em diversos postos da cidade e a necessidade de concluir o serviço
de iluminação da Rua Castro Alves”. Em outra solicitação, Hostílio reitera que “por
diversas vezes pede explicações ao vereador Romualdo Campo do modo pelo qual
deveria ser o projeto encaminhado a uma comissão, sem ferir dispositivos”. 240 E aqui
vemos uma postura de fiscalização do vereador Hostílio em relação aos seus pares.
Na ata do dia 8 de maio de 1959 foi registrada a “descoberta do petróleo em
Alagoinhas, na fazenda Espinho no Distrito de Boa União e das possibilidades políticas
e econômicas que a cidade de Alagoinhas teria. 241 Essa zona petrolífera recém
descoberta foi noticiada também pelo Alagoinhas Jornal que informou a localização
que abrangia duas pequenas fazendas denominadas “Degraus e Espinhos” situadas “no
Município de Alagoinhas, em direção ao Município de Catu apesar do poço receber o

237
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .13/04/1959, p.26.
238
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 24/04/1959, p.45.
239
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.24/04/1959, p.45-46.
240
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.24/04/1959, p.51.
241
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.24/04/1959, p.56.
122

prefixo de Buracica 2, nenhuma relação tem o distrito de Buracica pertencente ao


Município de Santo Amaro, situado bem distante da região” e que no “aludido poço foi
realizado pela primeira vez no Brasil o Teste de formação a cabo pelos técnicos da
Schlumberger”. 242 Segundo o Jornal, a capacidade de produção seria de 700 barris
diários.
Nesta mesma edição do Jornal foi publicada a quantia de verbas e subvenções
Estaduais para Alagoinhas. A notícia registra que o “deputado Josafá conseguiu um
milhão para o Mercado”. 243 Esse valor descrito mostra que o Município de Alagoinhas
estava por receber verbas que atendiam a várias demandas que vinham sendo
solicitadas. A rede elétrica era uma das mais requisitadas, inconclusa na gestão passada,
a questão é se as verbas recebidas foram realmente aplicadas para o que foram
pleiteadas. Solicitações para melhoramento e manutenção da cidade eram quase diárias
nas sessões e realizadas por vários vereadores. Ainda na Ata de 8 de maio de 1959
“Antônio Guimarães encaminhava a Mesa o Projeto de Lei que autorizava o Poder
executivo abrir crédito especial de 200.000,00 para melhoramento da fonte do largo no
Arraial de Alagoinhas Velha”. 244 O vereador Romualdo nesta mesma ata afirmou que
na “legislatura passada por mais de uma vez referia-se a irregularidade na observância
da lei que rege a abertura e fechamento do comércio de casas comerciais que forçam
seus trabalhadores 12 e 14 horas pagando miseravelmente”. 245 Outra demanda solicitada
pelos vereadores Hostílio Dias e Antônio Mutti pedia providências sobre o matadouro
ressaltando a necessidade de uma intervenção veterinária.
Houve um desentendimento registrado na sessão de 11 de maio de 1959, em
que o vereador Hostílio ainda não estava presente na reunião e foi submetida para
discussão o requerimento nº7, que era de sua autoria com o vereador Antonio Mutti que
solicitava ao superintendente da viação Férrea informações sobre um ferroviário e que
após ter sido colocado em votação foi negado. O Sr. Hostílio chegou na sessão em
andamento e buscou informações sobre o seu requerimento e sabendo que não havia
sido aprovado procurou reverter a situação alegando que foi votado sem discussão.
Porém alguns vereadores como José Araújo Batista e João Ramos alegaram que o
culpado era ele por não estar presente para defender seu requerimento. O vereador
Romualdo Campos “declarou que de acordo com o regimento o vereador Hostílio não

242
PETRÓLEO em Alagoinhas. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 21. 13/05/1959, p .8.
243
Ibidem.
244
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .08/05/1959, p.56.
245
Ibidem, p.57.
123

poderia ter se manifestado sobre o requerimento nº7, matéria vencida no entanto o fizera
por tolerância do senhor presidente”. 246
Apesar do presidente da Câmara querer demonstrar uma boa mediação nos
debates nas sessões, como ficou registrado através do comentário do vereador
Romualdo, que o presidente teria sido tolerante com Hostílio mesmo não podendo mais
fazer a defesa do requerimento, ainda assim percebemos para além do que se queira
deixar registrado no documento das atas que existia um movimento de atitudes
colocando o vereador Hostílio em isolamento, revelando certa animosidade ou
indisposição para com ele que veremos por todo o período do mandato.
As cobranças sobre a administração do Prefeito começavam a ganhar mais
reincidências como mostra uma denúncia do vereador João Ramos afirmando que o
Prefeito estava “proibindo a construção de casas com alvará de licença nos terrenos
loteados no matadouro”. O vereador Amando Camões saiu em defesa do prefeito José
Azi, justificando que ele suspendeu as obras para que fosse melhor estudada afirmando
que o mesmo tem boa vontade. Antonio Mutti também manifestou defesa do Prefeito
declarando que “os comentários que surgem são inventados por objetivo de
prejudicar”. 247
Em ata de 15 de maio de 1959, Hostílio solicitou do presidente da Câmara
informações sobre o requerimento de sua autoria que pedia “providências aos senhores
Presidente e vice-presidente da República e general Teixeira Lott sobre a situação que
atravessam os aposentados que recebem pela caixa de aposentadoria e pensões dos
ferroviários”. 248 O Presidente “informou que na sessão já tinha constado no expediente
um telegrama do senhor presidente da República em resposta ao pedido prometendo
atendê-lo”. O vereador Hostílio ainda “solicitou informações sobre o seu requerimento
que pede ao juiz eleitoral dizer qual o 1ª suplente de vereador pelo Partido Trabalhista
Brasileiro”. Foi informado “pela mesa ao senhor Hostílio que os senhores Antonio
Cardoso de Araújo obtivera 113 votos e, portanto, era considerado suplente. Hostílio
ainda solicitou da mesa que fossem apresentados os ditos telegramas e ofício para ler na
tribuna. Ainda encaminhou à mesa a indicação nº11 que solicitou do prefeito

246
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .08/05/1959, p.64.
247
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.11/05/1959, p.64-65.
248
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.15/05/1959, p.65.
124

“providências para o restabelecimento da iluminação da travessa do largo da


independência”. 249
Importante verificar nessas solicitações do vereador Hostílio como ele se
posicionava na plenária fazendo uma fiscalização acirrada das ações dos colegas que
não correspondessem com o regimento interno da Câmara, ou pelo menos o
entendimento que ele fazia. Muitas vezes se tornava repetitivo nas sessões da Câmara
porque os erros ou ações não eram imediatamente corrigidas ou efetuadas, e aqui é
interessante notar que essas repetições de cobranças aconteciam porque muitas vezes as
falas do vereador eram ignoradas, contudo o Sr. Hostílio se impunha sendo atuante nas
sessões, era um jogo de forças do espaço político. Essa cobrança em relação a resposta
do telegrama do Presidente e em querer apresentá-lo em sessão pode ser entendido
como uma forma de pressionar para que a questão dos ferroviários se resolvesse e
também como busca de legitimar e destacar a sua atuação.
Ainda nesta mesma ata Sr. Hostílio voltou a falar sobre seu requerimento de
nº7 que foi rejeitado e passou a pontuar os outros requerimentos que havia dado entrada
e também foram rejeitados. Ele fez longas considerações do requerimento citado e
finalizou dizendo que “não tinha propósitos com pessoas alguma e na maioria das vezes
se sacrificava para ouvir aos seus companheiros e todos aqueles que o procuravam”. 250
Não foi registrada em ata as considerações de qual teria sido o posicionamento dos
outros vereadores que apartearam o debate e sobre o que ele falou longamente.
Aqui também é importante avaliar a fala de Sr. Hostílio vista anteriormente
quando ele diz “que não tinha propósitos com pessoas alguma” em um contexto que
remetia a seus colegas vereadores, levando a interpretar nessa fala o que ele gostaria de
passar para os demais ou de provocar aqueles presos a acordos ou numa outra
interpretação demonstrar alguma certa independência fazendo crer que fosse possível a
não associação em grupos. Ainda acrescentou que mesmo assim procurava ouvir a seus
colegas e a quem o procurasse, demonstrando uma queixa e ressentimento em relação a
aqueles que não davam a devida atenção aos seus requerimentos apresentados e apesar
dele reforçar que não tinha vínculo se fazia necessário na prática ele possuir um grupo
com os mesmos ideais para aprovar seus requerimentos, conquanto tudo que é discutido
e posto em votação na Câmara de vereadores deveria ter como primazia os interesses da
população sem ser influenciado por outros interesses particulares.

249
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.08/05/1959, p.67.
250
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.08/05/1959, p.67.
125

Na ata de 29 de maio de 1959, o vereador Hostílio voltou a falar sobre a


questão dos aposentados, salientando “a dúvida dos oradores sobre o assunto pois as
reivindicações dos aposentados eram em torno das irregularidades do reajustamento e
não do pagamento regulamentar”. Após isso o “vereador Romualdo Campos falou que
diante do esclarecimento que prestou de um modo inteligente modificava seu ponto de
visto anterior ” e Sr. Hostílio “finalizou dizendo ser do alcance do presidente da
República a solução em torno do assunto.” 251 Esse tema da aposentadoria esteve desde
do início dos trabalhos legislativos sendo cobrado por Hostílio Dias e outros vereadores
e a não resolução mostrou a morosidade ou falta de interesse em ser resolvido, como
algumas vezes o presidente da Câmara justificou que já havia solucionado a questão do
pagamento, mas era frequentemente indagado pelo vereador Hostílio sobre a falta desse
reajustamento do valor e não pagamento, então essa postura do presidente da Câmara
ocasionava o erro sobre o entendimento da questão e se era proposital não sabemos.
Um pedido do vereador Antonio Guimarães na sessão do dia 1 de junho de
1959 chamou a atenção. Ele iniciou dizendo “que nesta casa tem falado pouco para
acertar mais” e “solicitou a Mesa da Câmara que fosse desligado o serviço de alto-
falante para as ruas da cidade” e justificou seu pedido em virtude das “reclamações e
comentários que havia recebido neste sentindo” e ainda acrescentou que “outras
comarcas do país não fazem as suas sessões irradiadas”. Alguns vereadores se
manifestaram como José Araújo Batista que opinou contrariamente e Osvaldo Matos se
mostrou a favor da suspensão. O Sr. Hostílio foi contrário. O vereador Antonio
Guimarães voltou a opinar e “considerava que deturpavam sempre o que ele falava”,
não identificando qual grupo ou quem o interpretava errado, mas provavelmente se
referindo a Casa . 252
Tanto na frase de início do discurso do vereador, quando afirmava que buscava
“falar pouco para acertar mais” e posteriormente quando disse que era mal interpretado,
fica claro que a motivação para tal pedido não seria por reclamações, ou isso não teria
sido o principal motivo mais também e principalmente porque o serviço de alto-falante
fazia irradiações das sessões da Câmara expondo as iniciativas de cada vereador, as suas
posturas e apoios. Tudo isso ficava exposto para a população e essas transmissões
davam visibilidade aos vereadores que poderia ser positivamente ou negativamente a
depender de sua conduta e atuação. Os que mais conseguiam tirar proveito desse serviço

251
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.29/05/1959, p.85.
252
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .01/06/1959, p.88.
126

de alto-falante eram os vereadores de oposição porque fazia uma política de fiscalizar e


apontar ou denunciar problemas e consequentemente ganhavam mais destaque quando
palestravam nas sessões buscando atender a demanda da população.
Ainda nesta Ata o vereador José Araújo Batista reafirmou que as irradiações
das sessões “é uma obrigação que tem a Câmara de levar ao povo o que ocorre nesta
Casa” e o vereador Romualdo Campos ressaltou que o “artigo 196 do regimento interno
permitia as irradiações das sessões, entretanto contaria a solução da Mesa sobre o caso”.
O vereador Hostílio disse que “não tinha a vaidade de querer o serviço de alto-falante
para revelar seus dotes oratório e sim para que o povo tomasse conhecimento dos
nossos trabalhos, pois era melhor maneira de levar a esse mesmo povo o que ocorre
nesta Casa”. Antonio Guimarães “esclarece do inconveniente dos alto-falantes sobre
sossego e a paz dos hospitais”. 253O comentário que o vereador Hostílio fez sobre sua
boa performance aparentemente não foi dito por outro colega, pelo menos não se tem o
registro em ata sobre uma possível motivação para ter gerado essa fala dele e ao que
parece foi ele mesmo que buscou dar mais visibilidade a essa aptidão ressaltando
possuir essa qualidade. O assunto do alto-falante apareceu em atas por várias vezes
durante essa legislatura e também em notas e matérias do Alagoinhas Jornal 254, que em
sua maioria era em tom irônico e criticando a irradiação do som por provocar o
“desassossego público” e também por promover constrangimentos dos representantes
do legislativo.
O vereador Hostílio em algumas sessões como mencionado anteriormente fez
queixas sobre não ter seus projetos aprovados. Interessante que saiu uma nota no
Alagoinhas Jornal de 22 de junho de 1959, noticiando a aprovação de um projeto de
saneamento da fonte do Ingá em Alagoinhas Velha de autoria do vereador Antonio
Guimarães e que ganhou repercussão favorável e segundo o jornal “tudo faz crêr que Sr.
Prefeito prestigiando o vereador mande executar imediatamente esse grande
empreendimento”. 255 Essa informação mostra que existia sim uma rapidez ou
morosidade a depender de qual vereador encaminhasse o projeto.
Novas pautas foram apresentadas como o debate sobre a municipalização de
Aramari tendo o vereador José Araújo Batista à frente dessa solicitação. Ocorreu
também a mudança partidária do vereador João Ramos, que saiu do PSD e migrou para

253
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.01/06/1959.
254
Ver Alagoinhas Jornal de 22 /06/1959 e 16/07/1959.
255
GRANDE projeto. Alagoinhas Jornal, Ano 2, nº 23, 22.06.1959, p.1.
127

o PTN. O vereador Osvaldo Matos informou em sessão que teria ouvido um comentário
na cidade que os “vereadores desta Câmara só queriam falar e nada produziam em
benefício do povo”. Hostílio Dias falou sobre essa crítica dizendo “da incapacidade
daqueles que criticavam a Câmara, quando deviam provar o que fazem para ajudar o
soerguimento da terra e a felicidade do povo”. Não registraram a origem das críticas em
relação aos vereadores ou em que circunstâncias foram feitas. Essas informações soltas
e sem clarezas geravam acusações, conflitos e desvio de foco, contudo também foi
identificada uma união em prol de se defenderem juntos. Se considerarmos que esse
descontentamento recaía em todos os vereadores, questionamos sobre os vereadores que
faziam oposição a administração Municipal, que não eram tantos assim e em muitos
casos ficava representado de modo destacado na figura de Sr. Hostílio.
Novas alianças políticas e mudanças continuaram a ocorrer e uma delas foi a
do vereador ferroviário José de Araújo Batista, que declarou em sessão que com a
“independência política que sempre teve” ingressou na “União Democrática Nacional,
seção de Alagoinhas ao lado de Dr. Jairo Maia seu amigo dedicado”. 256 Percebemos que
essa “independência” era um jargão usados por outros vereadores além do Sr. Hostílio.
Vale recordar que a UDN estava no governo do estado da Bahia, com Juraci Magalhães.
Uma preocupação e cuidado dos vereadores era reforçar o domínio de posse do
recente poço de petróleo encontrado em Alagoinhas. Como ficou evidente na sessão do
dia 3 de julho de 1959, Sr. Hostílio leu uma nota de Jornal sobre a produção de petróleo
no campo de Buracica. A nota extraída de uma entrevista do presidente da Petrobras
com o presidente da República mencionando que Buracica estava com uma produção
comercial e nessa entrevista ocorreu um erro recorrente sobre a localização do petróleo
que pertencia a cidade de Alagoinhas. O vereador Romualdo Campos se manifestou
afirmando que “já havia constado dos anais dessa casa o seu protesto sobre o modo da
imprensa só fazer referência ao petróleo do município de Alagoinhas como sendo de
Buracica de Santo Amaro”. O vereador Hostílio esclareceu que “o nome Buracica era o
prefixo dado pelo petróleo ao novo campo, mas o petróleo havia jorrado no lugar
denominado “Espelho” no município de Alagoinhas” e advertiu o “poder executivo
deste município para as vantagens econômica dessa riqueza que acabava de surgir para
o Município”. 257

256
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.22/06/1959, p.113.
257
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.03/07/1959, p.120.
128

Ainda na mesma ata foi colocado em discussão o Projeto de lei nº4 para
abertura de “credito especial de 100.000,00 para obras no Rio Catu”. O vereador
Hostílio argumentou “que a área de que se ocupa o projeto era competência do
Departamento de portos , Rios e canais, não havendo portanto necessidade da prefeitura
despender essa quantia para as referidas obras” e acrescentou “que não pretendia
prejudicar o projeto todavia, lembrava a necessidade de ser consultado ao departamento
de portos , rios e canais para Câmara ter uma melhor orientação neste sentido”.
Aparteando o vereador Romualdo Campos informou que o projeto “fora apresentado
depois de prévio entendimento com o prefeito que recomendava” providências para que
a obra fosse bem sucedida no local e acrescentou que “o projeto em questão já recebera
na comissão de urbanização o parecer de dois engenheiro os quais podiam se pronunciar
com maior conhecimento”. O vereador João Ramos também opinou sobre o assunto e
citou o “artigo 105 do requerimento que dispõe sobre a audiência do prefeito sobre os
recursos e apelo no sentido de que o projeto fosse retirado de pauta para garantir tais
proveniências”. 258O vereador Romualdo concordou com a retirada do requerimento
sendo feito. E nesse episódio observamos que o Sr. Hostílio estava com razão ou pelo
menos existia brechas para dúvidas em relação a instância em que deveria tramitar esse
projeto, tanto que os outros vereadores concordaram com a retirada dele para ser
avaliado. Uma outra avaliação da performance do vereador é que nesse episódio
observamos mais uma vez que o Sr. Hostílio estava orientado pelas leis e regimentos
algo que ele seguia para embasar seus argumentos e que esteve presente na sua vida
política.
Quase ao final dessa sessão, Romualdo Campos fez um breve desabafo
afirmando que “desde a legislatura passada que no cargo de secretário da Câmara
sempre” teria procurado “cumprir com o seu dever fazendo advertência sobre pareceres
de comissão sempre que se tornava necessário em face das normas regimentais” e
“nunca porém chegou a molestar os seus colegas que bem sabiam que tudo que dizia a
respeito destes pareceres era no sentido de resguardar o bom nome da Câmara da qual
somos todos integrantes e com responsabilidade iguais”. E prosseguindo em seu
discurso afirmou que “queria se referir a certa pessoa que mal informada ou de má fé
dissera ao digno vereador Osvaldo Matos que havia feito conceitos ofensivos a pessoa
daquele vereador” e “invocava o testemunho dos seus colegas presentes a sessão

258
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.03/07/1959, p.120.
129

passada. João Ramos se manifestou apoiando “Romualdo Campos” informando que


“também ele já fez intrigas sobre suas palavras sobre o caso da delegacia de polícia” e
acrescentou “que tudo isso era o fruto de elementos que estão interessados na
desagregação e na discórdia entre os componentes desta Câmara, agradecia ao
presidente pela atitude de desfazer as maledicências". 259
Nas colocações acima o Vereador Romualdo Campos não diz quem foi o
responsável pelas ofensas mencionadas. Contudo, essa exposição das intrigas tem como
objetivo retórico para se vitimar e ficar em evidências, uma disputa pela atenção e pela
imagem e talvez também uma forma de frear a atitude dessa pessoa buscando atrair
apoio perante seus colegas.
Ainda nesta mesma sessão o vereador João Ramos falou sobre os
“desmantelos da Leste, cuja estação de São Francisco e Rua 2 de julho estão em
completo abandono com relação ao asseio em seus desvios e falta de iluminação no
pátio da mesma estação que o lixo está amontoado sendo uma verdadeira imundice.” 260
As questões sobre a ferrovia sempre estiveram presentes tanto em solicitações referentes
a estrutura e limpeza quanto nas cobranças ao cumprimento dos direitos trabalhistas da
classe ferroviária. Essas frequentes aparições de demandas dessa ordem ocorriam
porque a ferrovia foi por muito tempo o principal meio de escoamento da produção da
cidade e de seu entorno, gerando emprego e renda. Lembrar que nesta ocasião estava
acontecendo um maior investimento gradativo em rodovias e por isso mesmo as
ferrovias sofriam este abandono.
A frequência dos vereadores também foi um assunto abordado nas sessões da
Câmara. No começo das atividades no legislativo na maioria das vezes havia a presença
de todos os vereadores, porém as faltas começaram a acontecer conforme um apelo feito
na sessão de 10 de julho de 1959, ocasião em que se encontravam apenas 6 vereadores
na sessão, ficando sem quórum suficiente para aprovar e avaliar qualquer requerimento.
O vereador Romualdo Campos aproveitou a ocasião para fazer um pedido aos colegas
para que comparecessem as sessões para dar andamento as matérias que estavam em
pauta. Também o vereador “Araújo Batista criticava e protestava contra vereadores
faltosos” que estavam “prejudicando o bom andamento dos trabalhos desta câmara”. 261
Essas faltas ainda aconteceram em várias sessões. É importante lembrar que talvez um

259
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.03/07/1959, p.122.
260
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.03/07/1959, p.123.
261
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.10/07/1959, p.126.
130

dos motivos dos vereadores não quererem as transmissões das sessões poderia ser
também porque elas davam visibilidade a essas faltas.
Desde que foram apontadas em plenária as faltas de alguns vereadores
observamos que a vereadora Maria de Lurdes era uma das mais ausentes, faltando as
sessões, principalmente as extraordinárias, sem constar justificativas dos motivos de
suas faltas. O vereador Hostílio citou o item “4º do artigo do requerimento para dizer
que a situação da vereadora Maria de Lurdes Veloso estava sujeita as sanções do citado
artigo”, e pediu que fosse convocado o suplente daquela vereadora em função da
ausência prolongada. Em aparte o vereador Antonio Mutti indagou o orador
perguntando quantas sessões faltavam para completar o período. O presidente disse que
“estava atento a situação da vereadora Maria de Lurdes, entretanto, podia informar a
Casa que a vereadora não estava sujeita a sanção do artigo 19 item 4º” e acrescentou
que a “vereadora não havia atingido o prazo estipulado no regimento e devia também
adiantar que o item 4º artigo 19 se refere as sessões do período ordinário e a câmara
estava funcionando em período extraordinário, cuja presença de qualquer vereador deve
ser facultativa”. 262
O presidente da Câmara ressaltou que “o vereador Hostílio havia usado a
tribuna por mais de 1 hora para discutir um assunto que não dependeria se não de 20
minutos, com a que preteriu os demais vereadores de fazerem suas explicações
pessoais” e enfatizou “que nestas condições a comarca não podia funcionar pois o
vereador Hostílio só admitia o uso da palavra e declara em que estando esgotado a hora
do regimental estava encerrado a sessão.” 263 Com esse episódio fica evidente como o
vereador Hostílio buscava dominar a cena.
As cobranças sobre a administração do governo aumentavam como podemos
constatar no pedido do vereador Antonio Guimarães, solicitando melhorias para a
guarda noturna. Em defesa ao governo o vereador Araújo Batista protestava dizendo
que o “prefeito José Azi estava no governo há 3 meses apenas, e que não havia tempo
para regularizar a guarda noturna”. Aqui percebemos uma preocupação do vereador
José Araújo Batista em defender o prefeito mais do que encontrar medidas para
solucionar o problema dos guardas, visto que é na plenária que de fato a necessidade da
população é apresentada para uma solução, mesmo que o governo seja novo ou

262
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 28 /08/1959.
263
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 28 /08/1959.
131

diretamente não seja responsável por negligenciar com a solução do problema. Em


muitos casos o que se sobressaiu foi uma preocupação de alguns vereadores de
salvaguardar o poder executivo ao invés de legislar para o povo. Essas atitudes fazem
parte do jogo político que na maioria das vezes denuncia e condena seus adversários e
em contrapartida defende e busca isentar seus aliados.
O vereador Antonio Guimarães argumentou “que não estava usando o
microfone para atacar o prefeito José Azi, pois reconhecia um cidadão bem-
intencionado” e “que estava apenas expondo o quadro desses guardas e sua trajetória de
sofrimento”. O vereador Antonio Mutti sugeriu uma solução recomendando que "fosse
contida num requerimento, pelo qual o prefeito passasse a cobrar uma taxa do comércio
para auxiliar a manutenção da guarda noturna” e explicando ainda que “o que existe na
prefeitura de Alagoinhas é guarda municipal e não noturno, e os guardas noturno são
quase sempre custeado pelo comércio em convênio com a prefeitura”. 264
Mais questões sobre a ferrovia estiveram presentes nas sessões. Como veremos
na ata do dia 13 de julho de 1959, em que o Sr. Hostílio se referiu a “convocação do
Diretor administrativo da Leste sobre certas irregularidades nas aposentadorias dos
servidores da Leste” para que ele explicasse “sobre o estado deplorável da escola
Profissional, a falta de atenção da atual gestão”. Em outra sessão Hostílio falou sobre a
“vida funcional do ferroviário Antonio Teles o qual [há]5 anos não recebe o seus
proventos de aposentados e nada tem conseguido nem da caixa nem do governo”, e
acrescentou que na “época das eleições tudo prometem ao citado ferroviário e passado
as eleições tudo ficou esquecido”. 265 Provavelmente se referido as promessas que são
feitas no período eleitoral pelos candidatos. Essas pautas de ordem trabalhistas
apresentadas nas sessões pedindo soluções sobre empresas tinham uma função de
denunciar a infração na lei e desgastar e pressionar a empresa perante a opinião pública,
tendo em vista que mais que isso a Câmara não poderia fazer pois não tinha poder de
intervir na empresa por ser federais.
E essa afirmação acima ficou visível quando o vereador Araújo Batista afirmou
que estaria com o Prefeito “enquanto ele estivesse com o povo” e justificou que ele
estava fazendo um “bom trabalho” mencionando ações da prefeitura como: “vila de
Aramari, reconstrução do mercado municipal, reconstrução do prédio escolar, serviço
de asseio, acrescentou que o serviço do prefeito era feito sem alarde evitando mesmo

264
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.10/07/1959, p.127.
265
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.13/07/1959, p.120.
132

propaganda demagógica”. 266 E quando novamente o vereador Hostílio voltou a falar


sobre a caixa de aposentados dos ferroviários “Araújo Batista endossou as palavras do
Hostílio sobre irregularidades da caixa”. Mostrando que o vereador que defendia o
prefeito também reforçava a denúncia, era porque eles não tinham poder nenhum sobre
as questões referentes a Leste. Essas ações buscavam causar na Empresa uma
preocupação com a opinião pública e provocando até que ela se sentisse pressionada a
resolver as questões dos trabalhadores.
O Vereador Romualdo Campos se posicionou contra a essa convocação feita
pelo vereador Hostílio em relação a convocar o diretor da Leste, argumentando que
estava fora do âmbito de competência da Câmara e ressaltou a “resposta do diretor feito
em termos corteses e delicados, o que não exclui, todavia, a posição de constrangimento
em que ficou a casa em que seus esclarecimentos eram sempre no sentido de preservar a
Câmara destas situações indesejáveis” e acrescentou que não iria apoiar mais “essas
preposições que não estivessem identificadas com regimento”. Hostílio rebateu
“afirmando que a Câmara” poderia “convocar qualquer autoridade aduzindo que o
diretor da Leste queria disfarçar a sua administração inoperante e desonesta”. O
vereador também ferroviário Araújo Batista se pronunciou também e afirmando que
“em parte protesta quanto as palavras do vereador Hostílio alegando não aceitar a
acusação feita pelo vereador em que o diretor fosse desonesto.” 267 Aqui fica evidente as
tesões entre os dois líderes ferroviários.
Sr. Hostílio não obteve apoio dos colegas para as acusações que fez nem
mesmo dos vereadores que eram ligados a classe operário e os dois que se pronunciaram
fizeram questões de ressaltar que não concordavam com o adjetivo atribuído ao diretor
da Leste de ser ele “desonesto”. Percebemos contudo, que quando o vereador Araújo
Batista frisou que concordava em parte com Hostílio, então fica evidente que sobre a
acusação do diretor ser inoperante ele concordava, mas também nos faz problematizar
que poderia ser uma retórica para não ficar mal diante dos ferroviários tendo em vista
que ele nas eleições para este pleito ganhou como vereador mais votado no geral e
dentre os líderes ferroviários se consagrando como principal representante dessa
categoria que o elegeu. É importante observar que os dois líderes ferroviários tinham em

266
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.20/07/1959, p.139.
267
Ata da Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Alagoinhas.07/08/1959, p.160. Disponível no
arquivo da Câmara Municipal de Alagoinhas, Alagoinhas-Bahia.
133

alguns momentos confronto de ideias e atuações diferentes, cada um buscando se


estabelecer como tal.
Esse assunto da solicitação do diretor da Leste perdurou por várias sessões
sendo instigado pelo Sr. Hostílio que não se dando por vencido em seus argumentos fez
um apelo novamente encontrado na ata de 17 de agosto de 1959 afirmando que a
Câmara tem “competência e autoridade para convocar quem quer que seja fazendo
diversas citações de artigos do regimento e da Lei orgânica dos municípios”. A ata
registra que ele fez longas considerações para justificar seu argumento, porém não
detalhou os pontos apresentados. Hostílio Dias foi “aparteado seguidamente pelo
vereador Araújo Batista discordando em parte do ponto de vista do vereador Hostílio”.
Já o vereador Antônio Guimarães “pede o ofício dirigido a câmara pelo diretor da Leste
pelo o qual alega aquela autoridade administrativa não existia apoio legal para a citada
convocação” e pediu ao vereador Hostílio “que não fosse criado um caso entre esta
Câmara e o Diretor da Leste” e concluiu pedindo que a situação fosse “contornada
harmonicamente”. 268 Importa destacar a forma de atuação do Sr. Hostílio que era
caracterizada por uma convicção no que defendia, muitas vezes sem fazer um polimento
de suas palavras, que inclusive como mencionado no capítulo anterior essa forma de
atuar se alinhava muito com a atuação do ex-vereador João Nou.
A contínua temática da ferrovia nas sessões da Câmara ficou registrada em
diversas atas e segundo informações do vereador Araújo Batista, na cidade inclusive se
“comentava que na Câmara só se tratava de questões dos ferroviários” e “como
ferroviário tinha a satisfação de defender sua classe e deste município não se afastaria
estando sempre ao lado de seus companheiros ferroviários”. Esse comentário que ele
disse ter ouvido, de alguma forma fazia sentido, porque, conforme observamos era um
assunto quase que permanente. Porém, o vereador não apresentou nenhuma prova da
fonte da reclamação que teria ouvido. Isso pode ser somente uma retórica ou estratégia
para destacar e difundir que continuava sendo o defensor dos ferroviários tendo em vista
que existia outro líder ferroviário e era necessário demarcar posições. O vereador
Araújo Batista buscava fazer elogios aos políticos se fazendo presente, como exemplo,
quando pediu em sessão “aplausos ao senhor Senador Carlos Jarbas Maranhão pelo
parecer que apresentou ao plano de reclassificação do funcionalismo federal”. 269

268
Ata da Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Alagoinhas.17/08/1959, p.172. Disponível no
arquivo da Câmara Municipal de Alagoinhas, Alagoinhas-Bahia.
269
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.14/08/1959, p.170.
134

Mostrando que estava afinado ou ao menos parecer que tinha ramificações partidárias
federal. Se mostrou também apoiador do prefeito José Azi e em muitas situações saiu
em sua defesa argumentando que ele estava fazendo um bom trabalho e quando
precisava solicitar alguma demanda fazia com cuidado e buscando não responsabilizar a
gestão do prefeito. 270 A partir das atas podemos perceber que a atuação dele era
cuidadosa, buscava fazer solicitações, mas sem criar conflitos com a gestão municipal,
com outros colegas e autoridades. Ao que parece, ele se revelava mais habilidoso para
lidar com os meandros do jogo político do que o Sr. Hostílio.
As tensões nas sessões eram quase que constantes e se estendiam por longos
debates e em várias reuniões seguidas. E um exemplo foi a aquisição de um automóvel
que gerou conflito de interesses, como podemos analisar na ata do dia 21 de agosto de
1959, foi colocado em discussão o projeto nº 19 do poder executivo para adquirir um
veículo, com a justificativa de uso para o transporte das autoridades municipais. Os
vereadores Antonio Guimarães e Felisbertino Oliveira se mostraram de acordo com o
projeto. Porém o vereador Hostílio alegou que a “comissão de constituição e redação
não pedira os recursos disponíveis ao prefeito”. Em seguida Antonio Guimarães rebateu
afirmando que o “projeto sendo oriundo do prefeito não havia necessidade destas
informações”. 271 O vereador Antonio Guimarães fez um “apelo ao vereador Hostílio no
sentido da aprovação do projeto” que respondeu condicionando “seu apoio ao projeto se
o prefeito assumisse o compromisso de pagar o que a prefeitura deve a caixa de
aposentadoria e produzisse um aumento para os funcionários do município”. O vereador
Osvaldo Matos disse que Hostílio “estava enganado, visto que o prefeito já havia pago
[sic] uma parte do débito que a prefeitura tem com a Caixa e que a Comissão de
Constituição e Redação havia dado seu parecer no projeto, o qual encaminhado a
Comissão de Finanças” e “esta não deu parecer com referência a compra do Jeep disse
que o pagamento seria feito em prestações mensais não prejudicando a despesa prevista
da prefeitura”. Ainda acrescentou que o prefeito estava tomando providências para
regularizar a situação em que encontrava na Câmara com “pagamentos atrasados de
fornecimento de luz, caixa de aposentadoria e outras despesas”. O projeto foi aprovado
por unanimidade dos presentes como registra a ata, apesar de todos os questionamentos
de Hostílio Dias ele voltou a favor. 272

270
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.14/ 08/ 1959.
271
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.21/08/1959, p.192.
272
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.21/08/1959, p.193.
135

O assunto do automóvel voltou ao destaque em seguida sobre a aprovação do


valor para a compra. Novamente o Sr. Hostílio discursou sendo contrário e reforçou que
era necessário aumentar os vencimentos dos funcionários e denunciou que o salário
família estava 2 meses em atraso e acrescentou que reconhecia a necessidade do Jeep,
mas “mesmo assim se devia aguardar essa aquisição para outra oportunidade depois de
reajustados os vencimentos do funcionalismo”. Apesar das suas ponderações o projeto
foi aprovado com 8 favoráveis e apenas 1 contra. 273
Um episódio identificado foi o vereador Osvaldo Matos cogitar um possível
afastamento definitivo por conflitos mediante questões de ordem de decisões de
requerimentos. 274 Não se tem uma maior informação sobre esse conflito e nem se
ocorreram outros que o fizeram cogitar essa possibilidade ou se de fato esse era o real
motivo para essa suposta saída. O que sabemos do vereador em questão é que ele era
Tenente e como suposição poderíamos inferir que talvez a sua carreira como militar
tenha tido maior influência ou prioridade. As votações das matérias eram responsáveis
muitas vezes por longos debates, desentendimentos, acordos e retaliações e que
geravam insatisfações agora que fosse elemento principal para uma desistência de um
mandato não sabemos. De fato o Vereador deixou a vaga do mandato que foi assumida
pelo suplente Filadelfo Neves e que foi questionado pelo Sr. Hostílio que acusava
aquela posse como ilegal 275 citando os artigos 18 e 19, sendo o único vereador a fazer
esse questionamento, porém o empossado se defendeu também citando a lei. 276
Outro tema que apareceu algumas vezes nas atas das sessões foi referente as
solicitações para combater as ações de ladrões uma vez que registraram a ocorrência de
muitos arrombamentos e assaltos que estavam acontecendo na cidade, cobrando a
responsabilidade ao delegado Osvaldo Bastos. Alguns vereadores como Hostílio Dias e
Romualdo Campos foram mais enfáticos a esse apelo. 277
Depois de encontrado o poço de petróleo em Alagoinhas a preocupação era em
proteger e garantir os benefícios financeiros que poderiam conseguir com a extração do
combustível fóssil na cidade. O assunto foi discutido por vários vereadores em diferente
sessões como por exemplo de Hostílio Dias destacando a importância do achado para a

273
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.24/08/1959, p.203.
274
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.21/08/1959, p.189.
275
Seria importante consultar a referida Lei para saber sobre as interpretações que cada um estava fazendo
da mesma. Infelizmente não tivemos acesso.
276
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.24/08/1959, p.198.
277
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 24/07/1959 e 24/08/1959.
136

economia e Araújo Batista 278 frisando que por causa da Petrobras as estradas e fazendas
estariam se estragando e sugerindo que se firmasse acordos com a empresa na defesa
dos interesses do município. Também o vereador empossado Filadelfo Neves 279
apontou o estado precário das estradas e sugeriu que a fábrica de fertilizantes fosse
instalada onde estava jorrando o petróleo. 280
Até aqui, as atas das sessões da Câmara analisadas demonstraram que havia
uma tensão de ideias que muitas vezes era instaurada por um jogo político em que cada
um buscava a melhor performance de sua atuação e disputava visibilidade e eleitores.
Observamos que em alguns episódios o ponto de desagregação partia do vereador
Hostílio com suas afirmações minuciosas, intensas e repetitivas, mas é importante
destacar que essa aparente reincidência com os mesmos questionamentos se dava
porque as diversas solicitações ou observações feitas por ele, não eram atendidas ou
valorizadas, aparentemente buscando desacreditar a imagem do vereador Hostílio ou
minar suas forças. Em contrapartida, ele buscava desarticular seus opositores e como
forma de retaliação questionava e problematizava questões que aparentemente não
precisariam criar demorados questionamentos ainda que fossem legítimos. E aqui
percebemos que a harmonia que alguns vereadores diziam que existia era só uma
retórica e um apelo para se destacar como aquele que não provocava confusão, mas
todos se provocavam.
Um assunto que ganhou atenção na sessão do dia 4 de setembro de 1959 foi
sobre o aumento da carne verde e vários vereadores se manifestaram sobre esse assunto
como Hostílio Dias, que considerou “sem cabimento” o aumento praticado. O vereador
Felisbertino de Oliveira afirmou que a “competência da câmara era no sentindo de
colaboração e não ordenar o aumento ou proibir”. 281 Araújo Batista foi contrário ao
aumento da carne e estava de acordo com a comissão para negociar com as autoridades
em Salvador. O vereador Romualdo Campos fez críticas sobre a comissão de vereadores
formada para ir a Salvador resolver a questão, considerá-la inútil tornando o “assunto
político, dando margem a demagogia”. 282
O assunto do aumento do preço da carne voltou a pauta e o vereador Antonio
Guimarães criticou a atitude do prefeito em ter autorizado o aumento do produto antes

278
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.14/08/1959.
279
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.24/08/1959.
280
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.28/08/1959.
281
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.04/09/1959, p.217.
282
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.04/09/1959, p.219.
137

do regresso da comissão que foi à Salvador para buscar reverter a situação. Acrescentou
que “o Presidente da COAP aplaudiria o ponto de vista de liberar o mercado da carne e
queria nesta hora homenagear a Roosevelt Góes[empresário do abate da carne] que
vinha prestar o seu apoio no momento”. O vereador Neves aparteando afirmou que o
“prefeito aguardava que Sr. Roosevelt Góes lhe endereçasse um documento hábil
propondo o negócio do abate de gado pois não seria possível atender a uma nota
divulgada na rua”. Novamente aparteando o vereador Filadelfo Neves falou “que não lia
no alcorão do prefeito, porém sabia que ele não tivera intuito de desconsiderar a Câmara
e sim para não deixar o povo na falta de carne”. O vereador Guimarães disse que
“estava fazendo uma advertência e falava como vereador pois desejava dar este
desabafo para que amanhã não acontecesse o pior e reafirma que o Prefeito precisava
acatar melhor esta casa” e citou como exemplo o “Presidente da Câmara que acatava
sempre a opinião da maioria”. Os vereadores Antonio Mutti, Filadelfo Neves e
Romualdo Campos se colocaram em defesa da atitude do Prefeito. 283
O Alagoinhas Jornal de 30 de setembro de 1959, fez uma grande reportagem
sobre o tema do aumento da carne. Com o título: O Povo foi esbulhado, a matéria inicia
dizendo que “mais uma vez o povo foi imolado pela pressa daquele que cumpria estar
do seu lado- O Prefeito- Uma vez que satisfez a voracidade de maiores lucros de seus
correligionários”. A reportagem também voltou ao período eleitoral fazendo insinuações
de um possível atentado afirmando que era “hora de retribuir com gratidão, à custa do
suor do povo, aquele trabalho realizado na madrugada de 3 de outubro” afirmando que
“elementos a mando de terceiro cortaram pneus de carros e furaram radiador de um
caminhão de políticos adversários que confiaram numa disputa limpa no pleito então
realizado” e que “a máquina dessa marmelaria administrativa está bem ajustada”, o
jornal prosseguiu informando que “serão narrados episódios e fatos lamentáveis nos
quais estão envolvidas pessoas tidas em nosso meio como de ilibada reputação
moral”. 284
A reportagem segue revelando alguns nomes e afirmando que “vereadores
como Zezito de Aramari[José Araújo Batista] e Romualdo Pessoa Campos, dois líderes
das classes menos favorecidas não souberam corresponder a confiança dos seus
representados colocando-se, prontamente, ao lado dos aumentistas” não aguardando “o
pronunciamento de estudos em andamento”. O Jornal segue expondo a suposta trama

283
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.11/09/1959, p.227-238.
284
O Povo foi esbulhado. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 27. 30/09/1959, p.2.
138

que envolvia a questão da carne afirmando que José Azi havia concedido o aumento
sem antes esperar a volta da comissão composta pelos Vereadores Antonio Guimarães,
José Batista, João Ramos, Romualdo Pessoa, Hostílio Dias, e do seu representante
Nilton Maia que foram a Salvador buscar “entendimentos com a COAP e autoridades
estaduais”, o jornal prossegue dizendo que foi uma “desconsideração a Câmara”. A
reportagem passa a fazer elogios ao vereador Antonio Guimarães ressaltando a sua
“atuação desassombrada e viril” e fez uma denúncia apontando que os microfones
foram desligados por três vezes quando ele discursava, afirmando que tal atitude foi
para que as verdades não fossem ouvidas pelo público. 285
O Alagoinhas Jornal também trouxe um dos discursos do Vereador Antonio
Guimarães, que iniciou dizendo que lamentava os acirramentos e que o Prefeito estava
acostumado aos elogios e por isso estranhou as críticas que foram feitas sobre o preço
da carne. Prosseguiu afirmando que o Prefeito teria acusado os vereadores que
defenderam o direito da população de “minoria inconformada, demagogos, agitadores e
comunistas”. Acrescentou ainda que o Prefeito veiculou uma nota oficial no serviço de
alto-falantes “advertido a população contra representantes do povo”, embora o vereador
Antonio Guimarães afirmou que o Prefeito havia sido “convidado e não teve coragem
de comparecer para debater um problema que afligia esse povo”. 286
A empresa de carne também se posicionou em reportagem para o jornal,
afirmando que não havia cogitado o aumento do preço com o valor de Cr.$ 15,00, mas
diante da circulação do panfleto com esse valor, forçou a empresa a entregar ao Prefeito
as bancas do mercado para outros abatedores que se dispusessem a entrar no mercado e
fez críticas a “políticos de mentalidade doentia que na sua demagogia devastadora não
se importam que o povo sofra as consequências de seus atos”. 287
O Jornal também informou sobre as conclusões e solicitações que chegaram a
mesa redonda presidida pelo Meritíssimo Sr. Juiz da comarca, acompanhado pelos srs.
Cte. do batalhão e Delegado regional, solicitando que a venda da carne fosse colocada
nas bancas do Mercado Municipal e em concorrência, e que essas bancas fossem
entregues aos abatedores com melhor preço e condições e quem vencesse a
concorrência se responsabilizaria por aumentar o preço do gado em proporção igual ao
gado de pé com comprovação oficial. E que se fizesse uma comissão para o exame da

285
O Povo foi esbulhado. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 27. 30/09/1959, p.2.
286
O Povo foi esbulhado. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 27. 30/09/1959, p.2.
287
O Povo foi esbulhado. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 27. 30/09/1959, p.2.
139

proposta da concorrência com os seguintes representantes: prefeito ou representante,


vereador, representante de cada ordem classista, uma representação do órgão estudantil
e representante comercial. 288
O Jornal segue trazendo o desfecho da reunião e alguns questionamentos que
foram feitos sobre encontro
Onde a anarquia comunista? Onde agitadores? O Cel. Arquimedes
José Farais -Delegado Regional, numa breve oração ao povo teve as
seguintes palavras confortadoras para os pseudo- agitadores,
finalizando-a dizendo que apesar de ter recebido um documento
oficial da Prefeitura “para tomar conhecimento de um movimento
subversivo que seria realizado naquela noite, ali teve a felicidade de
comparecer como homem do povo. E que em ambiente de respeito e
dignidade como aquele gostaria de sempre comparecer – não como
autoridade, mas como do homem do povo”. O povo pelos seus
verdadeiros lideres amantes da paz não insuflaram nem foram
desenterrar mocotós de bois no matadouro para forjar intriga arma
usado pelo Sr. José Azi em época passada e que deseja a renovação
desse ambiente para o bem-estar. Diante dos fatos os vereadores da
bancada governistas silenciaram. Após uma série de outras
considerações e verberar contra a atitude arbitrária do Sr. Prefeito o
vereador Dr. Antonio Guimarães contristado por ver baldados todos os
seus esforços na luta em favor da bolsa do povo se licenciou da
Câmara. Até quando continuará este estado de coisas? 289

O jornal registrou muitos elogios a Antonio Guimarães destacando sua postura


aguerrida, contudo outros vereadores que também participaram desse encontro, como
Hostílio Dias, na reportagem foram apenas citados. O jornal também fez uma denúncia
sobre a atuação e postura de Romualdo Campos e José Araújo Batista que contrariavam
a população que o elegeram. Em contrapartida, o vereador ferroviário em questão
deixou seu protesto em ata sobre essa afirmação do jornal e ressaltou que não permitiu o
aumento da carne. 290
Outra questão denunciada pelo jornal foi sobre a interrupção do alto-falante
quando o vereador Antonio Guimarães se pronunciava em plenária ao expor o aumento
da carne. Interessante é que o vereador anteriormente já tinha sido favorável a
suspensão da irradiação das sessões pelo alto-falante no centro da cidade e nesse
episódio ele foi silenciado.
Importa também analisar que a reunião realizada pela comissão de vereadores
para discutir os rumos da questão da carne foi caracterizada pelo prefeito José Azi,

288
O Povo foi esbulhado. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 27. 30/09/1959. p.2.
289
O Povo foi esbulhado. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 27. 30/09/1959 p. extra.
290
O Povo foi esbulhado. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 27. 30/09/1959 p. extra.
140

como de cunho comunista, utilizando-se do espectro subversivo para tirar a


credibilidade da reunião. Então o Prefeito passou a associar subversivo aquele que
contestava a administração vigente e buscava por direitos da população. Rodrigo Patto
Sá Motta analisou como se deu a construção do imaginário anticomunista, que buscou
apontar aspectos negativos na doutrina e em suas práticas, associando o comunismo a
imagem do mal. Esse imaginário estava sob um arco de representações bem amplo e os
mais destacados foram a demonização, usado pela Igreja Católica quando percebeu que
os comunistas questionavam o sistema de valores da boa sociedade e considerando
como agentes patológicos que se infiltrariam nos organismos sociais causando
debilidade a partir de suas ideias e a ideia da ameaça estrangeira também foi bem
explorada gerando medo na sociedade. 291
Muitas supostas arbitrariedades da gestão municipal não só eram expostas nas
sessões, mas também partiam de pequenas notas publicadas no Alagoinhas Jornal, que
faziam insinuações contundentes como foi publicada na mesma edição que saiu sobre o
assunto do aumento da carne verde conforme a nota intitulada: Isso é desonestidade!
Outra denúncia que dizia respeito a um anteprojeto de lei que o prefeito José Azi enviou
à Câmara. Segundo o jornal o projeto majorava as taxas “municipais em 5%, isentando,
todavia, as casas de diversões públicas” e que “aqui só existe uma, que é o cinema de
sua propriedade”. O Jornal finalizou perguntando: “Será que a Câmara concordará com
essa, pretensão? ”. 292 Não foi localizado em ata nada sobre esse anteprojeto.
O vereador Hostílio questionou a posse de mais um suplente, como registrado
na ata de outubro de 1959 em que o vereador Antonio Guimarães solicitou uma licença
de trinta dias e o suplente Milton França foi convocado para assumir os trabalhos na
sessão. Hostílio pediu para o “presidente informar qual dispositivo legal para dar como
empossado o suplente Milton França” e a resposta que recebeu do mesmo foi “citando
artigos do regimento interno”. Diante dessa resposta o vereador Hostílio pediu o
registro “nos anais da casa o seu protesto contra a posse do suplente”. E o presidente
informou que “não mandaria constar na ata o protesto do vereador Hostílio por falta de
amparo legal”. 293 Todas as vezes em que o vereador Hostílio considerou qualquer posse
de suplente ilegal não teve apoio de seus pares, eles sempre faziam referências aos

291
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: O anticomunismo no Brasil
(1917-19640).Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia, letras e ciências Humanas da
USP. 2000.
292
ISSO é desonestidade. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas, Ano 2, nº 27. 30/09/1959, p.2.
293
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.26/10/1959, p.6.
141

regimentos evidenciando que supostamente o vereador estava errado e nenhum desses


suplentes foram impedidos de tomar posse.
O vereador Hostílio questionou reiteradamente a atuação administrativa do
Prefeito e também buscou barrar, com seu voto, requerimentos e projetos que segundo
ele eram inconstitucionais e feriam o direito do cidadão. Observamos nos registros das
atas que por muitas vezes ele esteve sozinho com seus argumentos e recebia críticas dos
pares de tumultuar as sessões.
Em uma dessas sessões havia um projeto de nº 40 que estava para ser discutido
e Sr. Hostílio discordou do parecer julgando inconstitucional e citando o requerimento
para se apoiar em seu ponto de vista. Importa pontuar que na ata da sessão não
menciona quais foram os pontos trazidos do regimento. Contudo, os vereadores João
Ramos, Felisbertino Oliveira e Filadelfo Neves defenderam a constitucionalidade do
parecer e o vereador Neves apontou a diferença entre “princípio constitucional e
regimental”. O vereador Romualdo Campos afirmou que o vereador Hostílio “havia
feito uma confusão e no final nada explicou, acentuando que a comissão estava fazendo
o que já havia feito anteriormente nesta casa, em casos análogos”. 294 É possível mesmo
que ele tenha se enganado, mas precisaríamos conhecer os regimentos para analisar se
ele estava errado em seu argumento ou sendo acusado injustamente com o objetivo de
desqualificá-lo. Essas discordâncias nas interpretações das leis e nos regimentos
realizados pelas intervenções do Sr. Hostílio nas sessões foram bem constantes e
geravam desconfortos durante as reuniões e boa parte delas não era acatada, nos levando
a pensar que talvez houvesse mesmo interpretações equivocadas.
As reclamações sobre a demora em executar os projetos já aprovados pela
Prefeitura se faziam presentes como a do final do ano de 1959 em que ficou registrado
em ata a cobrança do vereador João Ramos afirmando que não estava havendo nenhuma
resposta do prefeito em relação à execução. Nessa mesma ata José de Araújo Batista
afirmou que o Senado Federal era prejuízo dos trabalhadores, e classificou como
“inimigos dos ferroviários”. 295 Ainda falou do Plano de Reclassificação afirmando que
os “inimigos dos trabalhadores” proibiram a entrada dos funcionários no Senado e que
apoiava pela “organização de um sindicato de classe para defender os trabalhadores do
serviço público”. Hostílio Dias sugeriu uma Moção de “protesto contra o tratamento que
estão dando aos servidores públicos do Senado”. Em aparte o vereador Romualdo

294
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão .06/11/1959. p.17.
295
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.13/11/1959.
142

Campos pediu uma “tolerância a respeito, pois o Senador Jarbas Maranhão” estava
interessado no assunto. Em aparte o vereador Antônio Mutti, afirmou que não achava
razoável o protesto, pois os “particulares não podem interferir nas sessões das
comissões”. O vereador Hostílio insistiu “no seu ponto de vista afirmando que os
funcionários podiam até emitir opiniões na elaboração das leis.” 296 Novamente um
impasse de ideias, atitudes e interpretações, mas o que fica visível é que os discursos e
ações do vereador Hostílio era no sentido de lutar por direitos e melhorias dos
trabalhadores, embora saibamos também que a Câmara era um espaço de visibilidade e
palco político perante a população durante o mandato.
O assunto da Caixa de Aposentados seguia ainda sem resolução e o vereador
Aurelino Mascarenhas fez um protesto sobre o assunto. Sr. Hostílio apresentou emenda
ao “projeto nº44 do orçamento e mais um projeto de Lei concedendo abono de Natal aos
funcionários”. O vereador João Ramos falou do veto realizado pelo prefeito
correspondente ao “auxílio para os menores a título de salário família quando o
progenitor dos membros não era funcionário da prefeitura”. O vereador João Ramos fez
uma revelação dizendo “ que será coerente enquanto permanecer nesta Casa afirmando
que não faria como outros vereadores que antes de virem para a sessão iam ouvir o
Prefeito sobre o que deveriam apresentar”. O vereador Araújo Batista aparteou
“defendendo-se das alegações do vereador João Ramos” e o vereador Romualdo
Campos lamentou a “desconsideração do vereador João Ramos a sua pessoa”. 297 As
alegações não foram confirmadas com provas, mas também não é de duvidar desses
acordos escusos na política e considerando que dentre os dozes vereadores a maioria se
posicionava em fazer frequentes elogios a figura do Prefeito, passando a mudar um
pouco essa postura nos meses finais desse primeiro ano de governo, visto que não cabia
mais se defender com o argumento de que encontrou muitas dívidas da gestão passada e
sim começar a praticar as propostas da campanha eleitoral.
Os posicionamentos em relação às questões nacionais também apareciam entre
os debates na Câmara, dentre eles o vereador Hostílio lançou uma Moção sobre
Marechal Henrique Lott, que o definiu como de “atitudes firmes como chefe do exército
e a sua compostura como candidato a presidência da República”. Se referiu também aos
últimos acontecimentos militares e condenou os “autores da intentona malograda,
acentuando que aquele movimento de insurreição” era “nada mais do que o fruto da

296
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 16/11/1959, p.31.
297
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 23/11/1959, p.38.
143

ambição daqueles que se no poder praticariam o pior”. E finalizou fazendo uma crítica
da “simulação que usavam, atirando aos comunistas a culpa de tudo. Sobre o candidato
Jânio Quadros disse que o mesmo não teve a coragem necessária para enfrentar a
situação”. 298

1.2 – 1960: ano da greve dos ferroviários e insatisfações com o descaso das pautas
sociais

As pautas trabalhistas eram diárias nas sessões, porém poucas solucionadas, até
porque muitas não poderiam mesmo ser resolvidas pela Câmara. Muitas solicitações
eram de necessidade imediata que se estendiam sem soluções por longo tempo, como
podemos verificar nesse pedido do vereador “Hostílio apelando ao Prefeito em nome de
Deus para socorrer os servidores municipais as quais estavam passando as maiores
dificuldades em face a elevação diária do custo de vida” 299. Hostílio Dias reclamou por
várias vezes de pedidos que não eram respondidos pelo Prefeito.
A Câmara de vereadores de Alagoinhas recebeu o Deputado Fernando Santana
mediante ao cenário de greve dos ferroviários que se avizinhava por falta da não solução
das demandas da classe. O vereador Hostílio transmitiu as reivindicações dos
ferroviários e leu “farto documentário a respeito do movimento da Classe” e ressaltou
que o “movimento dos ferroviários era de caráter pacífico” e estranhava a “presença de
soldados da polícia nos setores da ferrovia”. Afirmou que recebeu do “governo do
Estado telegrama em que informava que a polícia fora requisitada por autoridades
federais para preservar o patrimônio da União e nunca molestar os ferroviários nas suas
pretensões”. E ainda salientou o “apoio moral recebido da igreja católica desta cidade
através do superior franciscano”. Pediu também “ao presidente para em nome da
Câmara escrever a determinado jornal da capital e ao Presidente da Associação
comercial informando o caráter pacífico do movimento da classe”. 300
Alegou ainda que o deputado federal Fernando Santana “prometeu incorporar-
se aqueles que na Câmara Federal defendem os interesses de Alagoinhas e dos
ferroviários” destacando a “necessidade de uma concepção nova de administração para
Alagoinhas” e falou sobre o “desenvolvimento crescente desta terra e demonstra a

298
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.30/11/1959, p.50.
299
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.25/01/1960, p.78.
300
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.25/01/1960, p.78
144

necessidade de planejamento para seu progresso”. O Deputado focalizou os “fatores


responsáveis pelo empobrecimento do País e “analisou que “a situação dos trustes
internacionais que roubaram as energias do trabalhador brasileiro impondo-lhe uma
condição de vida miserável e sem conforto”. Concluindo “o Deputado exorta o povo
brasileiro a repelir os trustes internacionais que escravizam as nações e empobrece o
povo. 301
As atas mostraram a reincidência de denúncias feitas sobre as irregularidades
na Caixa de aposentados e atrasos dos salários dos ferroviários, dentre toda uma
precarização dos direitos trabalhistas a classe ferroviária se viu obrigada a se articular,
embora ela se organize também para avançar em novas conquistas. O Alagoinhas Jornal
em 02 de fevereiro de 1960 registrou todo esse movimento dos ferroviários, com a
manchete: O general “fome” Comanda o Movimento dos ferroviários, reforçando que a
principal necessidade era sobre a precariedade dos salários. A reportagem pontua que o
movimento dos ferroviários era “ordeiro” e foi iniciado pelos empregadores da Leste
Brasileiro quando viram “cair um companheiro morrendo de fome pelo atraso do
pagamento” e acrescenta que “todos estavam sentindo nos seus estômagos as mesmas
agruras só tiveram uma saída advertir a administração da rede ferroviária da gravidade
da situação, paralisando os serviços”. O Alagoinhas jornal informou que a
“desorganização nesse setor público é de toda população conhecida” e fez críticas,
afirmando que os trens é o que se tem de pior e que seria “um verdadeiro transporte de
gado humano” e acrescentou que no “setor interno a exploração dos operários pela
administração ultrapassa as raias do absurdo”. 302 Esse desgaste fazia parte de um
processo da própria lógica do sistema capitalista do período. Degastando a oferta do
serviço desse transporte, dos trabalhadores para garantir a implantação do transporte
rodoviário.
O Jornal continuou fazendo acusações, relatando que os funcionários não
ganhavam o correspondente as suas funções na Leste e que os“ oficiais especializados
com mais de 20 anos de serviço” ganhavam ainda valores referentes a “categoria de
aprendizes”. Essa prática apontada foi narrada por Sr. Hostílio em entrevista quando ele
afirmou que isso já acontecia quando ele ingressou na Leste em 1947. E ainda em 1960
continuavam essas ilegalidades. Voltando a paralisação, o jornal informou que essas

301
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão, 25/01/1960, p.80.
302
O general “fome” Comanda o Movimento dos ferroviários. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas,
02/02/1960, p.4.
145

denúncias aconteceram publicamente em assembleia da classe com a presença dos


deputados Waldir Pires, Murilo Cavalcanti, jornalistas de Salvador e da empresa local.
Nesse encontro apresentaram dez reivindicações que corresponderam a pagamento dos
vencimentos mensais, reclassificação de cargos, um abono especial de $3.000,00 e uma
melhor assistência da Caixa dos ferroviários, além de assistência de uma proteção a
saúde dos operários como disponibilização de dentistas e médicos, além de consultório
particular e solicitação de instalação de bebedouros nas oficinas. 303
A classe ferroviária conseguiu uma boa mobilização atraindo atenção de
deputados que compareceram à assembleia, como vimos, e isso se deu não apenas pelo
poder de articulação da categoria, mas também e principalmente pela importância
econômica que a ferrovia ainda representava no escoamento de produtos e serviços,
Alagoinhas tem uma boa localização geográfica e se notabilizou como principal
entroncamento das linhas de Aracaju e Juazeiro e consequentemente ocorrendo uma
paralisação afetaria o funcionamento de outras estações em função de Alagoinhas ligar e
ser passagem para várias cidades.
Apesar de ter conseguido essa mediação política, as pautas reivindicatórias não
foram atendidas e a greve foi deflagrada em 19 de fevereiro de 1960 e se estendeu até
28 de fevereiro de 1960 304. Nesta data ocorreu uma reunião no salão do Gabinete do
Diretor Superintendente da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro, onde estavam
presentes Orlando Moscoso, vice-Governador do Estado, Waldir Pires, Clemens
Sampaio, João Batista Alves Machado, deputados federais pelo Estado da Bahia, o
também deputado Estadual Murilo Cavalcante, o Dr. Francisco Trindade, Delegado
auxiliar representante do Sr. Secretário da Segurança Pública , o Major Francisco Cabral
de Andrade, representante do Sr. General comandante da Região. Também estavam
presentes Dr. Hermenito Dourado, Deputado Estadual e consultor jurídico da
Associação dos ferroviários da Bahia e Sergipe, também Vitor dos Santos, Presidente da
União dos ferroviários do Brasil, seção da Bahia, e o vereador Hostílio Ubaldo Ribeiro
Dias, dentre outras autoridades que se reuniram com o objetivo de chegar a um acordo e
retorno às atividades. As “condições e compromissos” se substanciaram com a

303
O general “fome” Comanda o Movimento dos ferroviários. Alagoinhas Jornal, Alagoinhas,
02/02/1960, p.4.
304
É importante registar que nos arquivos da repressão agora disponíveis não localizamos nenhum dossiê
exclusivo sobre o Sr Hostílio. Ele contudo foi citado no dossiê do deputado estadual Diógenes Alves, com
a informação de que ao lado do ferroviário Vitor Santos lideraram a greve de 1960 que mobilizou mais de
dez mil ferroviários.
146

exigência de regularizar o pagamento das horas extraordinárias, pagamento da folha


sem efetuar descontos por conta da paralisação, além de conceder um abono provisório
dentro de 4 dias e sem nenhuma represália para quem participou do movimento. 305
Embora na reunião tenha ficado aprovada a pauta das reivindicações, na prática
não foram cumpridos todos os itens definidos, ainda que no pacto firmado com as
autoridades presentes, as mesmas tenham se comprometido em empenharem-se junto
com o Governo Federal para que a empresa ferroviária tivesse os recursos necessários
para dar a “cobertura de despesa decorrente desse acordo” 306 e que não se
concretizaram, então os ferroviários continuaram em ativa luta buscando garantir
direitos a tempos solicitados. Isso se confirma pois as demandas ferroviárias foram
cobradas posteriormente a essa greve nas sessões da Câmara até o final do ano de 1960,
em sua maioria pelos vereadores Hostílio Dias e José de Araújo Batista. Moisés
Morais 307 mostra, em seu trabalho,um documento datado de 4 de maio de 1960,
referente a uma comissão de ferroviários, intitulado Pró-Melhores Dias que diz respeito
à produção de dezessete pontos reivindicatórios da classe ferroviária, no qual
“constavam as exigências destes trabalhadores por reajustes salarial e a regularidade no
seu pagamento, melhorias no ambiente de trabalho, além da transferência do Sub-
Inspetor das oficinas São Francisco em Alagoinhas”, ou seja, pautas antigas e que ainda
não tinham sido cumpridas evidenciando que os direitos trabalhistas precisavam sair do
papel passando a serem, de fato, executados.
Prosseguindo com as atas, foi submetida a discussão um abono emergencial
com valor de oitocentos cruzeiros para os funcionários Municipais. O vereador João
Ramos foi contra argumentando que em 26 de fevereiro havia sido apresentado um
substitutivo desse projeto e teria sido rejeitado e assim conforme o regimento não podia
ser submetido novamente e sim arquivado e Romualdo Campos também concordou com

305
Documento referente ao Protocolo pelo qual os ferroviários da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro
S/A, acordam com a diretoria da mesma estrada em fazer cessar a paralização do tráfego e mais
serviços, mediante o estabelecimento de condições e compromissos. Salvador, 28 de fevereiro de 1960.
305
Protocolo pelo qual os ferroviários da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro – Rede Ferroviária
Federal S/A – acordam com a diretoria da mesma Estrada em fazer cessar a paralisação do tráfego e mais
serviços, mediante o estabelecimento de condições e compromissos. Salvador, 28 de fevereiro de 1960.
Agradeço imensamente ao pesquisador Ede Soares por disponibilizar este documento.
306
Protocolo pelo qual os ferroviários da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro – Rede Ferroviária
Federal S/A – acordam com a diretoria da mesma Estrada em fazer cessar a paralisação do tráfego e mais
serviços, mediante o estabelecimento de condições e compromissos. Salvador, 28 de fevereiro de 1960.
Agradeço imensamente ao pesquisador Ede Soares por disponibilizar este documento.
307
MORAIS, Moisés Leal. Urbanização Trabalho e seus interlocutores no Legislativo Municipal:
Alagoinhas-Bahia, 1948-1964. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós Graduação em
História Regional e Local, Universidade do Estado da Bahia, Campus V, 2011. .
147

as afirmações do colega. O vereador Hostílio defendeu que não havia nenhuma


“irregularidade na apresentação das emendas de sua autoria” e outros vereadores
apartearam sobre o assunto gerando grande confusão. O vereador Milton Ramos
pontuou que o abono deveria “ser concedido de acordo com as possibilidades da
prefeitura” e o vereador Hostílio Dias denunciou “que estava verificando ser uma tática
preparada da bancada do Prefeito, qual seja de obstruir a sessão negando esta esmola
aos funcionários”. 308 Na sessão de 22 de abril de 1960 foi concedido o referido abono
emergencial.
Mais um poço petrolífero foi encontrado nas proximidades de Sauípe e o
vereador Hostílio Dias parabenizou Alagoinhas e os engenheiros da Petrobras pela
descoberta. O vereador Antonio Guimarães solicitou uma Moção para comunicar as
diversas autoridades e Hostílio Dias solicitou que também estivesse dentre as
autoridades o General Henrique Lott. Considerando a solicitação desnecessária, do
vereador Hostílio Dias, o vereador Antonio Guimarães explicou que sua Moção referia-
se ao “presidente da república, Senado, Câmara federal, Estadual e Municipal de
Salvador, governador e Imprensa”, ou seja as instituições oficiais. O vereador Hostílio
declarou que “respeitava as razões apresentadas, porém continuou dizendo ser
nacionalista e fazendo referências aos dois outros candidatos à Presidência da
República”. A solicitação e fala de Hostílio Dias foi feita em um contexto de período
eleitoral para a Presidência da República em 1960 e os candidatos eram Jânio Quadros,
Henrique Teixeira Lott e Ademar de Barros, então essa solicitação de incluir Lott na
comunicação sobre o petróleo buscava valorizar, enaltecer e mostrar o apoio a figura do
presidenciável e quando o vereador se intitula nacionalista provavelmente está
associando que o melhor para o Brasil seja seu candidato. 309
A atuação política de Hostílio Dias era incisiva e determinada como vista até
aqui e um episódio que caracteriza bem essa personalidade foi quando ele defendeu uma
pauta da ferrovia sobre cláusulas que a Viação férrea não cumpriu pós- greve e pedia
uma Moção de protesto para ser endereçada a Rede Ferroviária Federal. Ele argumentou
que a “viação férrea estava zombando dos operários” e que os “ferroviários não podiam
308
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão, 25/03/1960.
309
Importante discutir que o sentido do nacionalismo de Hostílio Dias, foi um fenômeno geracional.
Segundo Jorge Ferreira na década de 1950 surgiu na sociedade brasileira uma geração que acreditou no
nacionalismo e procurava defender a soberania nacional, além das reformas nas estruturas
socioeconômicas do país e ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores do campo e da cidade. A
liderança do movimento reformista foi assumida por João Goulart que foi herdeiro do legado de Getúlio
Vargas. Consultar: FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2011, p.139-1941.
148

continuar sofrendo coações”. A vereadora Maria de Lurdes questionou se aquela


solicitação não era precipitada porque não haveria justificativa para o protesto da
Câmara. Hostílio rebateu argumentando que “os ferroviários não podiam continuar a
sofrer coações” e iria prosseguir com o pedido , justificando que “teriam fatos a
lamentar pois estivera em uma sessão na capital e dali trouxera instruções para
apresentar a referida Moção” e concluindo ele afirmou que era “teimoso e não se
afastaria da diretriz traçada”. 310
O vereador João Ramos também se pronunciou sobre o assunto afirmando que
“reconhecia ser o vereador Hostílio Dias um trabalhador incansável ao lado dos seus
companheiros ferroviários” e que ele havia dado apoio na última greve, porém os
“vereadores tem compromissos com os que lhe elegeram e com o povo em geral” e
declarou que estava solidário com os ferroviários, mas não com os termos da Moção. O
vereador Araújo Batista declarou que o governo era de marmeladas e que a greve seria
iminente por não se cumprir o protocolo. Luiz Rabêlo também se manifestou e disse que
era favorável aos ferroviários, porém a linguagem de imposição do pedido não ficaria
bem para o legislativo e pedia a Hostílio um “voto de confiança” para que modificasse
os termos dela. Hostílio disse que “não atendia o pedido pois na capital outras pessoas
de responsabilidade lhe fizeram idêntico pedido e ele não atendera”. Sendo votada a
Moção 13 foi “rejeitada por 6 votos contra os votos dos vereadores Hostílio Dias e
Araújo Batista. Antonio Guimarães declarou que votou contra porque “achou que não
devemos pedir com exigência e violência”. 311
Hostílio Dias em uma palavra definiu bem como ele era em suas decisões, ele
mesmo se caracterizou como “teimoso” e ficou nítido nesse episódio e como até aqui
vimos uma atuação marcada na maioria das vezes por uma opinião forte e sem
maleabilidade. E como resultado dessa irredutibilidade o pedido de Moção foi negado
podendo ser diferente talvez se ele tivesse mudado o tom da reclamação.
Em sessão do dia 16 de maio de 1960, o Prefeito encaminhou a Câmara um
projeto de lei solicitando abertura de um crédito especial de $6270,00 para pagamentos
adicionais ao funcionário Henrique da Cunha Dias. Essencial informar que esse senhor
era pai do vereador Hostílio Dias. O projeto foi submetido depois de dias, em outra
sessão e o vereador Hostílio com o projeto em mãos disse “que o mesmo era legal, mas

310
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão, 06/05/1960.
311
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão, 06/05/1960.
149

que deixava de votar favorável ao mesmo porque o Prefeito fizera aquele projeto para
atrair a sua atenção dele orador pois o beneficiado era seu pai” e o “poder executivo
pensou que lhe era agradável encaminhando a consideração da Câmara, porquanto
outros funcionários estavam nas mesmas condições e o prefeito nada fez para mandar
pagar os adicionais a que os mesmo tem direito”. O vereador Hostílio reforçou
novamente “que mais uma vez estava contra o projeto que tinha por objetivo comprar a
consciência do orador”. O vereador João Ramos disse que em “virtude deste orador
condenar a atitude do projeto só lhe restava nesta oportunidade acompanhar o vereador
Hostílio Dias e pedir aos demais vereadores a solidariedade, votando contra o projeto”.
Hostílio então “declarou que não era contra o projeto”. O projeto foi submetido e o
resultado se configurou com os votos contra de José Lucio, João Ramos, Luiz Rabêlo,
Romualdo Campos, Osvaldo Matos, Thiago Evangelista, Milton Ramos, Araújo Batista
e Hostílio Dias e os votos a favor de Maria de Lurdes e Antonio Guimarães. 312
Como visto o projeto foi negado e nesse episódio é interessante notar que
apesar do vereador Hostílio não ter votado favorável ao projeto por entender que o
Prefeito estaria armando uma cilada, o vereador buscou em seu argumento denunciar a
intenção do Prefeito, mas não o benefício ofertado reforçando que o projeto era legal e
assim transpareceu que ele esperava que seus colegas votassem favorável ao benefício
de direito para o seu pai. Observamos que nesse episódio o vereador saiu prejudicado
porque seu pai deixou de receber algo que era de direito seu e não conseguindo apoio
dos seus colegas, apenas da vereadora Maria de Lurdes e o vereador Antonio Guimarães
que reconheceram a legalidade do projeto e tudo leva a crer que os outros não quiseram
se comprometer ou mesmo buscaram desdenhar dele que afinal votou contra.
Em outra sessão o vereador Hostílio Dias pediu explicações ao presidente
sobre o pedido que ele havia feito ao superintendente da Leste para que o trem expresso
fizesse parada na Estação de São Francisco. Respondendo o Presidente disse que não
tinha informações e só falaria depois da sessão com as informações dadas pela
secretaria. A ata registra que o vereador Hostílio prosseguiu “em linguagem derivante e
desatenciosa a Mesa” acrescentando que ele novamente discursou, referindo-se ao
prefeito sobre o requerimento e o acusando de não ter “honra e dignidade para
responde-lo”. 313 Ao que parece, Hostílio Dias se mostrava incisivo nas ocasiões em
que não era atendido sobre as suas solicitações e cobrava repetidamente nas sessões

312
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.16/05/1960.
313
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.08/06/1960.
150

buscando a concretização de seus pedidos, contudo também fica evidente que havia uma
demora para atender suas solicitações e isso justificava, ao menos em parte, a postura
insistente buscando romper essa barreira.
Ocorreu na sessão do dia 7 de novembro de 1960 uma solicitação dos
vereadores Jose de Araújo Batista e Hostílio Dias pedindo à Mesa para ser oficiado um
convite a Fidel Castro, Primeiro-ministro da República de Cuba, para visitar
Alagoinhas, visto que ele viria ao Brasil, porque havia sido convidado pela turma da
Faculdade de Direito de Goiás para ser paraninfo. O vereador Osvaldo Matos disse que
respeitava a opinião dos seus colegas, porém não sabia a razão para tal convite a não ser
“para conhecer este homem que tem sacrificado patrícios, mandando assassinar
inocentes pelo simples fato de não comungarem com suas ideias” e criticou os
estudantes de Direito, pois mostravam “o desapreço aos nossos homens”. Antonio
Guimarães se posicionou contra e não se justificava convidar um “estrangeiro para ser
paraninfo” e criticou que no requerimento fazia o convite para Fidel Castro se hospedar
na casa do Prefeito e que era melhor solicitar a visita dos Ministros para assim mostrar a
necessidade da cidade. O vereador Araújo Batista justificou esse convite afirmando que
a sua atitude era uma “repulsa ao governo de Juscelino”. O vereador Osvaldo Matos
disse que “ Juscelino no fim do seu governo não merecia censuras e se ele tem defeitos,
entretanto elevou o nome do Brasil em categoria de um povo civilizado e grande
tornando-o conhecido em todos os quadrantes do mundo”. Essa solicitação não foi à
frente e em outra sessão o próprio vereador Araújo Batista solicitou a retirada e
arquivamento desse pedido, assim sendo feito. 314
Os trabalhos legislativos de 1960 seguiam conflituosos e em várias atas
identificamos os registros das críticas do vereador Hostílio sobre a administração
pública que ele julgava que não estava legislando para a população. Em alguns
momentos ele contou com o apoio de José Araújo Batista que se unia para lutar pelas
demandas dos ferroviários e também em alguns episódios o vereador Antonio
Guimarães concordava com o colega. Ainda na mesma sessão ocorreu uma verdadeira
confusão. O vereador Hostílio Dias se mostrou contra uma ação proposta, contudo o
vereador Osvaldo Matos afirmou que “tratava-se da diminuição de uma taxa e não de
um projeto”, Romualdo Campos afirmou que Hostílio estava “infringindo um
regimento” e o que estava em discussão era uma “emenda e não um projeto”. A emenda

314
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.07/11/1960.
151

foi aprovada contra o voto de Hostílio. Foi posto em discussão também um projeto de
lei nº24 que Hostílio Dias se manifestou contra, afirmando que era uma “grande
imoralidade e que o Prefeito estava fazendo demagogia engabelando o povo que a
cidade estava cheia de esmoleres”. O vereador João Ramos disse que as “atitudes
vacilantes do vereador Hostílio, deixava-se penalizado, pois não se pode compreender o
que desejava o vereador” e acrescentou “porquanto se há aumento de impostos ele
combate e quando há redução como houve poucos momentos de 15% para 10% de
adicional também ele se manifestou revoltado”. Contudo, o vereador Antonio
Guimarães fez uma declaração afirmando que o vereador João Ramos já de antemão
teria combinado com Prefeito a redução do imposto adicional e, no entanto vinha
apresentar a emenda na plenária para ficar “o bonzinho”. João Ramos “declarou que
repelia a insinuação do seu colega que o tomava por brincadeira”. 315 E aqui uma
observação que quando era outro vereador que não fosse Hostílio Dias que fizesse uma
crítica a qualquer emenda havia uma resposta mais branda de contrapor a denúncia.

1.3 - Anos finais

Os dois próximos anos 1961 e 1962, finais dos trabalhos Legislativos foram
permeados por muitos acontecimentos locais e nacionais, debates, conflitos e lutas em
um jogo de disputa de poder e prestígio da figura política.
As pautas discutidas nas sessões desses períodos ainda traziam demandas dos
dois primeiros anos do legislativo, 1959-1960, e que se arrastavam em busca de
soluções e o mais debatido foram os de direitos trabalhistas, contenção de aumentos de
preços dos produtos de primeira necessidade e também denúncias sobre a administração
pública. A carne verde foi o produto que mais sofreu majoração e foi tema presente
assiduamente nas reclamações de alguns vereadores principalmente Hostílio Dias e
Araújo Batista. A eletricidade também teve aumentos e foi amplamente debatida. Outras
solicitações de ordem trabalhistas ainda seguiam sem resolução ou inconclusa, como
por exemplo, o aumento dos guardas municipais que no primeiro ano dos trabalhos
legislativos foram discutidos em virtude de seus baixos salários, assim também as
demandas dos funcionários municipais estiveram quase que diariamente como pautas
nas sessões solicitando aumento de salários, abonos e um estatuto que pudesse assegurar

315
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.07/11/1960, p.313.
152

seus direitos. As demandas dos ferroviários por melhores salários e cumprimento das
leis continuaram presentes nas discussões das sessões. Um ponto de destaque foi a
aprovação do projeto de implantação do serviço de água e esgoto. 316
Para os trabalhos legislativos do ano de 1961 foram definidos a seguinte Mesa,
para presidente Luiz Bastos Rabêlo, primeiro secretário João Ferreira Ramos e segundo
secretório Professora Maria de Lurdes Almeida Veloso. O vereador Hostílio Dias
compôs a Comissão de Educação, saúde e Assistência social. 317A administração do
Prefeito José Azi neste ano se caracterizou mais pelo destaque das denúncias e
insatisfações que eram expostas nas sessões em sua maioria pelo vereador Hostílio que
já fazia oposição e se intensificou, por outro lado, uma maior parte de vereadores
buscava minimizar os ataques, ainda que precisassem fazer uma cobrança, amenizavam
a falta de resolução da administração do prefeito afirmando que ele tinha boa vontade
para buscar soluções. Em um dessas sessões o vereador Hostílio acusou o Prefeito de ter
invadido um terreno e apontou também que havia irregularidades na Petrobras. 318
Diante das muitas incriminações que o vereador Hostílio fez sobre o Prefeito, o
vereador Romualdo Campos disse que o vereador “só sabia falar mal” e até o vereador
Araújo Batista também fez críticas ao vereador Hostílio e disse que “antigamente o
vereador andava em todos os lugares com José Azi e este foi quem mais concorreu para
sua inscrição de candidato a vereador e agora o atacava.” 319
Também em 1961, os vereadores se manifestaram sobre a renúncia do
Presidente Jânio Quadros e, quando estavam em sessão a notícia foi dada pelo vereador
João Ramos que tinha recebido a informação por meio de uma pessoa da emissora
Sociedade da Bahia. O vereador Hostílio sugeriu que a Câmara deveria permanecer em
“sessão permanente” 320 e essa solicitação não aconteceu, passados três dias uma nova
sessão ocorreu e o vereador Hostílio leu o manifesto lançado pelo Marechal Henrique
Lott e fez críticas a dificuldade que estava sendo imposta para que o substituto legal da
presidência assumisse o que era por direito. O vereador Romualdo Campos se
manifestou também dizendo que era seu propósito apresentar indicação sobre o episódio
porém não tinha número legal na sessão e que tinha confiança que seria resolvido dentro
dos “postulados da constituição” e sugeriu que fosse enviado um telegrama ao

316
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 17/02/1962.
317
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 14/04/1961, p.31.
318
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 27/05/1961.
319
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 03/06/1961.
320
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 25/08/1961.
153

Governador do Estado, ao Presidente da Câmara Federal, no exercício de Presidente da


República, aos Ministros das Forças Armadas, ao Senado e a Câmara, “expressando os
sentimentos do povo e a sua confiança na manutenção do democrático”. 321
Ainda sobre esse assunto, na sessão seguinte do dia 15 de setembro, o vereador
Araújo Batista fez críticas a atitude da Câmara e referiu-se ao “indiferentismo da
Câmara que se manteve no período dos últimos acontecimentos políticos militar sem
que procurasse manifestar algo a respeito” o vereador prosseguiu que esse
“indiferentismo do poder Legislativo deste Município” segundo ele chegou ao “ponto
de ter conhecimento da ameaça de prisão havida para o vereador Hostílio Dias, nada fez
em favor do referido vereador”. 322 Chamar a atenção para a grave denúncia exposta,
nessa quase possível prisão do vereador Hostílio por ter cobrado que as leis fossem
cumpridas e provavelmente isso se devia ao fato de que em vários episódios ele foi
considerado comunista, então por toda a crise democrática que o Brasil passava com a
renúncia de Jânio Quadros como discutimos anteriormente que teve a intenção de uma
possível articulação que objetivava um “golpe” isso reforça essa ideia mediante ao
controle expresso ocorrido na sessão da Câmara de Alagoinhas durante esse episódio.
O vereador Hostílio também se manifestou afirmando que era seu propósito
apresentar uma Moção congratulatória a Leonel Brizola, que imprimiu a campanha de
defesa da constituição ao general Machado Lopes e General Lott e fez elogios
ressaltando a “coragem e firmeza” que combateram a “prepotência dos três Ministros
das Forças Armadas”. E passou a fazer denúncias considerando que era de causar
“estupefação a atitude assumida pelos poderes Públicos da Bahia ameaçando de prisão e
prendendo pessoas que tomavam atitude de defesa ao respeito dos princípios
constitucionais”. E apontou que a “atuação da UDN e do vereador Capitão Osvaldo da
Silva Mattos que tomaram atitudes hostis nos últimos acontecimentos” afirmando que
ele acintosamente procurou se informar sobre do paradeiro de Hostílio para prendê-lo.
O vereador Hostílio afirmou que “procurou se afastar um pouco no entanto estava
constantemente em contato com os seus companheiros mormente ferroviários que a sua
retirada foi apenas estratégica” e finaliza dizendo que “nada receava e teria grande
honra em ser preso naquela oportunidade que a Estrada de ferro e a Petrobras pararam
todo serviço no entanto mantiveram em absoluto respeito e calma”. 323

321
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 28/08/1961.
322
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.15/09/1961.
323
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 15/09/1961.
154

Durante os mandatos o vereador Hostílio algumas vezes foi considerado


comunista, ou melhor, acusado de comunista e essa afirmação era frequentemente
associada a algo subversivo e como um perigo Nacional. Essa afirmação também saiu
em nota do Jornal da Capital de 3 de setembro de 1961 e foi registrada em ata da
sessão. O vereador Hostílio disse que não era “nem comunista e nem socialista” e disse
que se fosse teria coragem para declarar. Apenas o vereador Araújo Batista saiu em
defesa de Hostílio Dias afirmando que o conhecia há bastante tempo e que ele não era
comunista e concordou que caso fosse ele teria a coragem para admitir. 324
Novamente outro episódio na sessão que é marcado por uma oposição ferrenha
sendo protagonizada por Sr. Hostílio. Sobre a compra de 20 carrinhos para coleta de
lixo e o vereador Hostílio afirmou que estava de início favorável, porém reconhecia que
o poder “executivo zombava” do poder legislativo pois não apresentava os documentos
necessários. O vereador Araújo Batista não concordou com as afirmações e disse que
Hostílio era ingrato, palavra dita em referência as acusações feitas sobre o Prefeito. 325
Importa refletir como é construída essa fala do Sr. Hostílio que ao fiscalizar a
solicitação de compra, procura fazer um comentário provocativo levando o episódio
para um debate que o favorecia como uma figura política e em oposto desqualificava a
administração municipal vigente ressaltando que as eleições estavam próximas e isso
poderia também produzir efeitos positivos em votos.
O Ano de 1962 foi o último período completo com essa conformação de
vereadores. Novas eleições se aproximavam e com elas novas definições ou
permanências para o novo quadro do Legislativo. Essa aproximação das eleições fez
com que as disputas políticas se acirrassem mais do que se mostraram nos anos
anteriores e praticamente os registros das sessões desse ano revelaram um ciclo de
acusações intensas sobre a administração municipal na figura do Prefeito, e em sua
maioria partia do vereador Hostílio que acabava sendo o personagem protagonista da
acusação e alguns vereadores que faziam a defesa do Prefeito. Esse canário favorecia
que as sessões ficassem truncadas e pouca efetividade para resolver as questões de
ordem prática da cidade.

324
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.06/10/1961. Destacamos que mais
uma vez o espectro comunista aparece nos registros do período. Consultar: MOTA, Rodrigo Patto Sá. Em
guarda contra o perigo vermelho. O anticomunismo no Brasil( 1917- 10960). Tese de doutorado
apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 2000.
325
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.01/12/1961.
155

Apesar das dificuldades apresentadas acima, foi na sessão do dia 12 de


fevereiro de 1962 que confirmou o parecer favorável para a criação do serviço
autônomo de água e esgoto para a cidade de Alagoinhas, tema que havia estado na
campanha eleitoral de José Azi e depois dos trabalhos legislativos começados apareceu
esse assunto em 1959 com solicitação de Sr. Hostílio para que fosse liberada a verba
para sua execução. E só no ano final da gestão é que foi aprovado na sessão de 17 de
fevereiro 1962. Nesta mesma ata o vereador Romualdo Campos informou que
Hildebrando Dias estava a disposição da prefeitura e não foi registrado especificamente
qual era a disponibilidade, contudo provavelmente devia se tratar das contas da
prefeitura em virtude da prestação de contas ao findar um mandato, visto que
Hildebrando Dias, era coletor da Secretária da Fazenda do Estado da Bahia e poderia
atuar nessa fiscalização. Lembrando que ele foi vereador no mandato passado e como
apontado neste capítulo pela nota do Alagoinhas Jornal, noticiado que poderia vir a ser
o secretário da prefeitura, embora ele não tenha se efetivado no cargo.
Cabe fazer uma reflexão sobre a relação próxima de Hildebrando Dias com o
prefeito José Azi. Dias escreveu um livro memorialístico que homenageava Azi e ao
relatar no livro o período da gestão de Azi como prefeito, considerou sua administração
“excelente” e que teria feito uma transformação na cidade citando vários setores como a
educação, saúde e saneamento básico que foram beneficiados com seu empenho e
dedicação e ainda acrescentou que “todos os distritos foram cuidados como mereciam,
como: Araças, Aramari, Boa União e Riacho da Guia. 326 Em contrapartida vimos que
seu irmão Hostílio Dias, fez uma forte oposição áquela gestão e as atas demostram
muitas denúncias que recaiam sobre a administração municipal. Elementos que nos
fazem supor que o segundo mandato pode ter havido algum conflito de opiniões entre
os irmãos, porém precisaríamos de mais fontes para esclarecer essa questão.
Ocorreram também algumas licenças solicitadas, entre elas da vereadora Maria
de Lurdes pedindo o seu afastamento por sessenta dias por estar doente. 327 E também
uma cassação do mandato do vereador Antonio Guimarães 328 por ter faltado por quinze
dias sem justificativas. 329 segundo o vereador Araújo Batista, essa cassação causou tanta
sensação no “público da cidade” e nem mesmo a candidatura do presidente da Câmara,

326
Hildebrando Ribeiro. História de uma vida. Livro memorialístico. Alagoinhas-Bahia,2011, p.105-146.
327
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.25/05/1962.
328
O vereador Antonio Guimarães havia passado no concurso de dentista da polícia militar e talvez essa
ausência por 15 dias seja por conta disso. Ver: ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata
da sessão. Alagoinhas.06/05/1960.
329
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 02/04/1962.
156

“Luiz Rabelo ao cargo de prefeito” e a “aproximação das eleições da mesa” causaram


tanta surpresa. O Prefeito José Azi também se candidatou a deputado e por conta disso
se afastou para o período eleitoral. E vemos o quanto às sessões estavam cheias de
mudanças e com sua rotina alterada já nesses finais da legislatura.
Na ata do dia 7 de abril de 1962, aconteceram as eleições da nova Mesa para
dirigir os trabalhos da Casa até 7 de abril de 1963. Se elegeram para presidente José
Lúcio dos Santos, vice Antonio Mutti e primeiro secretário Milton Santos França. Na
sessão do dia 25 de maio de 1962 o vereador Araújo Batista sinalizou sobre as faltas de
vereadores em sessão, assim como na ata de 28 de maio de 1962 o vereador novamente
falou sobre as faltas, agora citando o jornal A Tarde, sobre uma publicação que afirmava
que nas sessões de Alagoinhas estava tendo “ausência de vereadores”, ele solicitou a
certidão de faltas dos vereadores justificando que precisava se defender das acusações
da matéria. Sobre essa publicação não encontramos outras menções nas atas.
Ainda nesta sessão de 28 de maio de 1962, teve um projeto de lei nº 30, de 4 de
dezembro de 1961 de autoria do vereador Hostílio que autorizava o poder executivo a
abertura de um crédito de “dois milhões, setecentos e cinquenta e um mil e oitocentos e
quarenta cruzeiros”, para “pagamento dos guardas municipais pelos serviços
noturnos” 330, demanda essa que no primeiro ano dos trabalhos em 1959 foi uma das
primeiras solicitações para que houvesse um reajuste dos proventos.
Depois desse registro da sessão do dia 28 de maio de 1962, no livro de ata
ocorreu um salto para a data de 17 de setembro de 1962 e não há nada que indique o
motivo ou menção a esse hiato. A sessão voltou como se não estivesse havido essa
lacuna, o que nos leva a crer que o livro de ata teve suas folhas referentes a este
intervalo arrancadas e não sabemos por qual motivo. Dito isto voltamos para as análises
dos trabalhos legislativos.
O Vereador Hostílio Dias em sessão do dia 17 de setembro de 1962 desferiu
denúncias na plenária afirmando que apesar do Prefeito estar afastado por conta da
candidatura para deputado ele teria ficado com os cheques da prefeitura, acrescentando
que ele estaria “desrespeitando leis” e que seria o prefeito “o presidente do monopólio
da carne verde” e que estaria ameaçando demitir funcionários porque protestaram ao
“minguado salário que recebem” e acusou o Prefeito de ter “pistoleiros sobre suas
ordens e estaria trazendo a cidade a pânico”. 331O vereador João Ramos 332 também fez

330
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 28/05/ 1962.
331
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.17/09/1962.
157

denúncia a conduta do prefeito, dizendo que ele havia recebido os Royalties da


Petrobras mesmo afastado para a candidatura. 333
As enxurradas de acusações seguiam e na sessão do dia 21 de setembro
novamente Hostílio Dias discursou que era uma vergonha o Prefeito afastado, candidato
a deputado, “continuar a dar ordens aos funcionários da prefeitura[...] ao ponto de
ordenar o preparo de palanques para comícios políticos”. Ainda criticou descontos feitos
nos ordenados dos funcionários e acrescentou que o Prefeito “sem o menor
acanhamento e escrúpulo” utilizava a “Rural Willys de propriedade da Prefeitura”,
embora afastado e não só ele como também seu irmão e ainda denunciou que o
“dinheiro público era mal aplicado com micareta e eleições e os funcionários mal
renumerados”. A sessão seguiu discutindo questões de abono para os funcionários da
prefeitura.
Os trabalhos nesta sessão seguiram e o clima começou a ficar tenso, saindo do
decoro tão necessário para o bom funcionamento. Quando foi submetido a discussão de
projeto de lei para organização da sociedade de economia mista para construção e
exploração industrial dos serviços de abastecimento público de água e esgoto, Hostílio
fez críticas ao projeto alegando que não teria sido o mesmo encaminhado a Comissão de
Obras Públicas, contudo o Presidente interino, Romualdo Campos alegou que Hostílio,
sendo membro da comissão não teria nunca dado um “parecer aos assuntos
distribuídos”. Diante da situação apresentada o vereador Osmar Almeida sugeriu que
dessem um tempo necessário ao vereador Hostílio como membro da Comissão para que
ele fizesse a leitura e a partir disso se pronunciasse com o parecer, assim foi atendido
para que a comissão pudesse se informar e deliberar. O Parecer foi produzido, contudo a
ata registra que apenas foi assinado por Hostílio e depois de lida o vereador Romualdo
Campos declarou que o parecer elaborado pelo vereador Hostílio não é absolutamente
de “homem normal e Alagoinhas muito se livrou em não reelegê-lo para o cargo de
vereador pois suas atitudes são de um “verdadeiro palhaço e louco”. 334 Ânimos
completamente alterados e que fugia da postura ideal da Casa. Esse episódio demonstra
que a harmonia que os vereadores faziam questão de afirmar na realidade era uma farsa.

332
Foi noticiado a morte desse vereador que foi descrita pela ata da sessão do dia 12 de dezembro de 1962,
“como um falecimento trágico”. Ver: ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão.
Ata da Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Alagoinhas, 17/12/1962.
333
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 24/09/1962.
334
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 21/12/1962.
158

Sobre as eleições de 1962, saiu uma reportagem em 23 de setembro de 1962,


pelo Alagoinhas Jornal fazendo uma análise antes das eleições que aconteceriam em 7
de outro 1962, com o título “Em memorável campanha cívica lutará contra grupos
econômicos, a corrupção pública e o suborno”. O articulista avalia que “para a câmara
estadual o povo não tem levado a sério a candidatura do prefeito José Azi e afirmou
“por lhe faltar qualidades intelectuais para o exercício do mandato, lançando o
operariado em oposição o nome do Sr. Hostílio Dias”. 335
Como visto anteriormente o Sr. Hostílio Dias neste pleito de 1962 não
concorreu a candidatura para vereador ou pelo menos ele teria mudado, confirmando
essa informação a partir da relação dos resultados do repositório do Tribunal Superior
Eleitoral 336 que consta que ele teria se candidatado a deputado estadual pela coligação
aliança trabalhista PTB/PR/PL, conseguindo 746 votos e não se elegendo. Cabe
observar que, se considerarmos que o vereador não teve um investimento para injetar
em sua candidatura e buscar eleitores em outros municípios e conseguiu essa quantidade
de votos talvez não tenha sido tão ruim esses números. Por outro lado, é possível que
talvez ele não tivesse o destaque que ele e o partido presumiram ter, embora nem toda
candidatura é com confiança de eleição. Muitas vezes é para demarcar terreno, espaço e
nesse caso em alguma medida podemos pensar que foi uma candidatura para rivalizar
com a candidatura de seu concorrente, José Azi tirando possíveis votos da classe
operária que poderiam ir para ele.
O prefeito José da Silva Azi foi eleito para deputado estadual com 5849 votos,
pela aliança trabalhista PTB/PR/PL. Contrariando a reportagem mencionada a
expectativa no nome de Hostílio Dias para deputado de superar o candidato José Azi foi
completamente frustrada, quando comparamos a quantidade de votos entre os dois.
Contudo, é importante frisar que as reportagens e notas que saem nos jornais são
carregadas de intencionalidades e sugestões e provavelmente essa afirmação que o
Alagoinhas Jornal fez que o “povo não estaria levando a sério a candidatura de José
Azi”, era uma retórica, uma intenção e não condizia com o volumoso número que ele
conseguiu no pleito, embora acreditamos também que o candidato deva ter buscado
eleitorado em outros municípios da Bahia, contudo a quantidade de votos de Hostílio
mediante essa afirmação do jornal deveria ser bem mais expressiva.

335
EM memorável campanha cívica lutará contra grupos econômicos, a corrupção pública e o suborno.
Alagoinhas jornal, Alagoinhas, 23/09/1962.
336
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Resultado eleição 1962 para Deputado Estadual.
159

Outra reflexão que fazemos é como Sr. Hostílio e José Azi foram concorrentes
nas eleições e, em parte, isso pode nos dar um indício da subida de tom nas denúncias
realizadas pelo vereador, não que elas não fossem verdadeiras, até porque durante o
período do mandato a postura de Hostílio foi essa de cobrança e fiscalização. Contudo o
período eleitoral sempre é permeado por conflitos e exposições de erros e qualquer
indício pode se tornar uma arma poderosa para expor o concorrente negativamente
perante a população.
Durante a administração do prefeito José Azi, ele esteve no alvo de denúncias
nas sessões da Câmara de vereadores, sendo acusado de gerir mal o dinheiro público e
beneficiar empresas e seus negócios em detrimento da população. Como vimos, o
aumento abusivo da carne verde que esteve por muitas vezes em pauta nas sessões
durante seu período de gestão e sendo uma marca negativa de sua atuação em função da
sua postura favorável a empresa da carne e não em defesa da população alagoinhense,
embora todos esses fatores não o impediram de ganhar a eleição para deputado estadual.
Faltando dois dias para findar o mandato de Jose Azi, saiu uma reportagem de
primeira capa, no Alagoinhas Jornal, em 5 de abril de 1963, intitulado “vereadores ou
‘velhacos’? ” A notícia inicia explicando que devido à falta de “caráter” e “ineficiência”
da maioria dos vereadores o povo de Alagoinhas de uma forma “zombeteiramente” os
batizaram de “velhacos”. O texto segue afirmando que tinha vereador que recebia
dinheiro do Prefeito para votar em projetos e que Alagoinhas era um município baiano
que tinha um custo de vida muito alto e que “vende-se a carne verde pelo preço que os
monopolizadores do negócio entenderem” e também fez uma crítica ao cinema local,
alegando ser um outro monopólio, afirmando ser caríssimo. Lembrando que só existia
um cinema e o dono era o Prefeito. O jornal chamou atenção para que houvesse
fiscalização e disse que para isso existia a COFAP e COAPES, porém afirmou que em
Alagoinhas nunca teve isso e sentencia afirmando que o Prefeito era o “grande ausente”
na “fiscalização dos preços de gêneros de primeira necessidade para o consumo do
povo”. 337 Pelo Alagoinhas Jornal e também por partes de alguns vereadores como
vimos durante o desenrolar do capítulo a atuação da prefeitura foi de má gerência. Essas
denúncias aparentemente ficavam no campo da acusação e sem provas concretas, talvez
essa hipótese nos abra caminhos para entender sua vitória nas eleições para deputado
estadual não fazendo sentido essas denúncias para a população que o elegeu.

337
VEREADORES ou “velhacos”? Alagoinhas jornal, Alagoinhas, 05/04/1963.
160

Hostílio Dias terminou o mandato sem se reeleger e sua carreira política dentro
do legislativo teve uma pausa só retomada em 1966. Essa experiência de seu segundo
mandato demonstrou sua postura fiel e aguerrida pelas causas trabalhistas, mas também
a confirmação desse político polêmico. E se esse mandato foi concluído sobre uma
normalidade, uma “paz” que se configurou em não ter tido nenhum dano a vida de
ninguém que fizesse parte desse governo, em contrapartida, debaixo desse “manto de
paz”, ocorreram muitos episódios que beiraram a linha tênue da normalidade com
diversos registros de tensões e conflitos.
161

Considerações Finais

A pesquisa se concentrou nos anos de 1955 a 1963, analisando os dois


primeiros mandatos do vereador Hostílio Dias, na cidade de Alagoinhas. Acompanhar
essa experiência proporcionou lançar luz sobre o passado vislumbrando um panorama
social, as tramas e tensões do período mostrando como foi se construindo a trajetória
política do personagem como um líder entre os ferroviários e sua atuação no período.
A inserção de Hostílio Dias nesse cenário de lutas trabalhistas aconteceu em
meio a sua própria realidade enquanto funcionário da viação Férrea quando ingressou
em 1947. Percebendo a pouca aplicabilidade das Leis trabalhistas já aprovadas em 1943
e que ainda não estavam sendo respeitadas por completo e esse cumprimento das leis
foram cobrados por meio das lutas dos próprios operários que buscavam denunciar e
pedir a efetivação das suas conquistas enquanto trabalhadores. Foi nesse cenário
conflituoso e buscando assegurar seus direitos que Hostílio procurou se inteirar mais e
estudar sobre as Leis e Estatutos que regiam os trabalhadores passando a ser ativo nas
lutas e se posicionar perante seus colegas ferroviários ganhando visibilidade e se
projetando como um líder ferroviário.
Essa postura ativa e disponível garantiu a ele sua primeira eleição conquistada
em 1954, mandato que foi permeado por vários conflitos iniciados ainda no período da
escolha da legenda partidária a qual se filiou. Ele se candidatou pela UDN e se
considerava getulista por ser ligado as lutas trabalhistas. Acabou por se filiar em um
partido que não se alinhava justificando por uma perda de prazo e ter sido a única opção
partidária disponível para ele. Essas dissidências eram frequentes e refletiam a
fragilidade do sistema partidário que muito mais era um caminho para se eleger de que
uma fidelidade ideológica.
O novo quadro de vereadores eleitos em 1954, ensejou maior participação de
operários no legislativo de Alagoinhas e essa nova estruturação se alinhava as novas
formas que estavam sendo executadas a nível nacional entre 1953 e 1954, partindo dos
sindicatos que incentivaram a candidatura de operários de cada categoria para
concorrerem às eleições com o objetivo de expor a voz operária no espaço político
diretamente ao invés de eleger representantes da “elite” política.
162

Essa nova estruturação do legislativo em Alagoinhas ameaçou e disputou o


poder tradicional de uma elite local que ditava o ritmo político da cidade, se acirrando
logo no início dos trabalhos na Câmara de vereadores. Logo que ganhou as eleições
para vereador, Hostílio Dias se desvinculou do partido que se elegeu e se juntou a
outros vereadores dissidentes de outros partidos formando um bloco oposicionista
denominado Frente Popular Democrática-FPD sob a liderança do vereador João Nou,
figura que exerceu e teve influência na formação política de Hostílio Dias. Esse bloco
conseguiu prestígio e credibilidade pela forma de atuação e articulação mediando as
demandas trabalhistas e da população aliado com o poder do Jornal local, O Nordeste
que buscava fazer denúncias da gestão administrativa e autopromover o bloco
oposicionista que se caracterizou explicitamente como um porta voz da Frente Popular.
Nesse contexto, o clima político em Alagoinhas era de tensão e ânimos
alterados em função da disputa de poder que subia o tom dos embates até que repercutiu
no episódio de 7 de maio de 1956 com o tiroteio na sessão da Câmara de Vereadores
resultando na morte do filho do Prefeito e a prisão de alguns membros do bloco
oposicionistas dentre eles o vereador Hostílio Dias que ficou preso por mais de dois
anos e foi absolvido próximo de findar o seu mandato em 1958, e perto do início da
campanha eleitoral se candidatando novamente para o cargo de vereador e ganhando as
eleições em quarto lugar e como único eleito do seu partido, PTB. Cabe destacar que
também nesta eleição a sua filiação teve registros que evidenciaram conflitos.
Esse segundo mandato foi permeado por importantes episódios no Brasil. O
período entre 1959-1963, foi marcado por acontecimentos políticos que estiveram em
pautas nas sessões da Câmara e o vereador Hostílio se manifestou em vários
acontecimentos que ameaçavam a democracia brasileira como por exemplo sobre a
renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961, defendendo que a legislação fosse
cumprida.
As pautas das sessões solicitavam melhorias na estrutura da cidade e serviços
essenciais como elétrico, que foi uma demanda do mandato passado e ainda se estendeu
na segunda gestão além das negociações para a instalação do serviço de água que foi
uma proposta eleitoral. O tema direito trabalhista esteve permanente nas solicitações das
atas, em sua maioria uma morosidade para sua resolução ainda que fossem situações
emergências. O aumento do custo de vida, com a carestia de produtos de primeira
necessidade favoreceu a debates que se estenderam por todo período do mandato e
provocaram em alguns momentos ânimos bem alterados, como o aumento da carne
163

verde que proporcionou episódios de tensões entre o legislativo e o executivo. A gestão


do prefeito José Azi ficou caracterizada por beneficiar as empresas e seus próprios
negócios em detrimento dos direitos da população alagoinhense ações que repercutiram
nas atas e no Alagoinhas Jornal, veículo de impressa oposicionista do seu governo.
Hostílio Dias manteve sua postura atuante e voltada para as causas trabalhistas,
a exemplo da greve de 1960 em que se destacou apoiando sua categoria, os ferroviários
juntamente com as reivindicações nas sessões da Câmara Municipal. A forma de
atuação dele era direta e em muitas vezes sem fazer um filtro e polimento das palavras
ao fazer as denúncias e acusações sobre administração pública. Nessa legislatura não
conseguiu manter a força política conquistada na primeira experiência como vereador
com a formação da Frente Popular Democrática que compôs um grupo coeso e forte
chegando a ter poder de decisão no legislativo e que foi desarticulado no episódio do
crime da Câmara e não mais se estabeleceu na legislatura posterior. Essa desarticulação
explica, em parte, a falta de apoio e por muitas vezes o seu isolamento perante seus
pares, mas também a própria conduta rígida e pouco flexível do vereador além de uma
política dos colegas vereadores de tentar desacreditar sua atuação que repercutiram
essas faltas de parcerias. Outra avaliação também da personalidade dele estava ligada a
uma ideia fixa que perseguia quando acreditava em algo e na maioria não mudava ou
era mais maleável e muitas vezes isso foi prejudicial em sua vida política.
Identificamos neste segundo mandato uma disputa pela liderança ferroviária
entre Sr. Hostílio e o vereador José Batista Araújo, que ganhou as eleições para
vereador em primeiro lugar no quadro geral. Observamos que, ao longo do mandato, em
diversos momentos eles atuaram juntos para fortalecer a causa dos trabalhadores,
principalmente os interesses dos ferroviários, contudo em outras situações ocorreram
divergência de ideias e atitudes, visto que José Batista Araújo em diversos momentos
fez defesa da gestão vigente e isso entrava em choque com a posição de Hostílio.
Durante seus mandatos, o Sr. Hostílio foi acusado diversas vezes de ser
comunista pela sua atuação destacada nas lutas trabalhista e que lhe rederam
perseguições e situações desconfortáveis. A sua atuação na Câmara de vereadores
seguiu uma conduta coerente com seus ideais e que estiveram desde o início de sua
formação como líder ferroviário. Seu temperamento forte proporcionou muitos embates
entre seus colegas e demarcações de espaços por se posicionar como uma figura política
ativa e sua presença notada nas sessões e quase sempre com suas intervenções
argumentadas pelo uso do regimento que fazia questão de citar, mas também ocorreram
164

momentos de uma voz barulhenta e sem eficácia que desagregava apenas, mas sem
obter resultados objetivos. Essa atitude poderia mesmo ser um recurso de sua tática,
embora quando aconteciam esses momentos era perceptível que ele saia mais
prejudicado em relação aos outros.
Essas ponderações foram percebidas principalmente a partir das atas da
Câmara e entendemos que este é um documento construído para uma finalidade e que
não se registra tudo o que aconteceu porque existe um espaço limitado e também uma
escolha do que destacar. Compreendemos que são conclusões parciais, embora nos
revelem facetas curiosas e ricas da sua personalidade como político.
O Sr. Hostílio tanto nas entrevistas quanto em alguns registros das atas deixou
claro seu total desprendimento partidário no sentindo de que se não estivesse satisfeito
com as ideias e condutas partidárias se desligava do grupo. Ele afirmou em entrevista
que a luta na prática ele era apaixonado e não sairia, mas a de partido não se prenderia
caso por algum motivo quisesse sair.
No final da segunda candidatura em 1962, Hostílio Dias concorreu para
Deputado Estadual pela aliança trabalhista PTB/PR/PL, obteve 746 votos, porém não se
elegeu tendo uma pausa em sua carreira política. Ele ainda teve mais duas experiências
como vereador que não foram trabalhadas nesta dissertação. Ganhou as eleições em
1966 pela MDB, conquistando 593 votos, e nesta legislatura teve seu mandato extinto
em 10 de outubro de 1969 338, com justificativa de ter faltado quatro dias das sessões
extraordinárias, seguindo assim mais um episódio que interrompeu sua atuação. E a
última eleição ganha foi em 1976 339, se elegendo pela ARENA com 525 votos
encerrando sua participação direta na política.
A dissertação precisa finalizar mas, deixamos inúmeras possibilidades para
novos estudos e indagações partindo do período e dos vários atores sociais que
apareceram nesta dissertação e que podem abrir caminhos para novas descobertas e
favorecer mais peças para o conhecimento do passado em uma perspectiva de uma visão
e experiências de uma localidade interiorana que ajuda a entender não só o espaço
analisado como uma história nacional com ramificações mundial, afinal toda história
nacional é uma história de localidades que se cruzam em uma teia social que pulsa com
acontecimentos e transformações produzindo História.

338
ALAGOINHAS. Câmara Municipal de Alagoinhas. Ata da sessão. 10/10/1969.
339
BRASIL.Tribunal Superior Eleitoral. Resultado, eleição Municipal-vereadores de 15 de novembro
de 1976.
165

Arquivos e fontes

Fontes Orais:

-Entrevistas realizadas com Hostílio Ubaldo Ribeira Dias entre 2012 a 2013 a
pesquisadora Tatiane Figueiredo Araujo. Local: Alagoinhas, Bahia, Brasil.

-Entrevista realizada com José Antônio de Lima dia 10/05/2012 a pesquisadora Tatiane
Figueiredo Araujo. Local: Alagoinhas, Bahia, Brasil.

Fontes escritas:

- Atas das sessões Municipais de Alagoinhas- Bahia de 1955-1956 e 1959-1962.

- Estatuto dos Funcionários Público Civis da União.

- Livro: TELES, Fernando Jatobá da Silva; FERREIRA, Jessé Muniz. O caso da


Câmara de Alagoinhas: Defesa dos vereadores João Rodrigues Nou, Hildebrando Dias
e Hostílio Ubaldo Ribeiro Dias. Alagoinhas: [sn], 1957.

-Livro memorialístico: DIAS, Hidelbrando Ribeiro. História de uma vida. Livro


memorialístico. Alagoinhas-Bahia,2011.

Periódicos:

-Jornal o Nordeste (1948,1949,1950,1953,1954,1955 e 1956)

-Alagoinhas Jornal (1958,1959 ,1960, 1961,1962 e 1963)

-Jornal Noite (1956)

Online

-Repositório de dados eleitorais. Disponível em :


https://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1/repositorio-de-
dados-eleitorais?fbclid=IwAR2KhvLTqVuMimBrsVYhMXXh7I-RsZbviJLv7dwLQtsOXS-
9wFB_uhBUPfQ

- Hemeroteca digital: https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/


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